Cláudia Cristina Medeiros de Almeida

Título da dissertação: A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: uma análise discursiva.

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                    Claudia Cristina Medeiros de Almeida

A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: uma análise discursiva

Maceió – Al
2008

Claudia Cristina Medeiros de Almeida

A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: uma análise discursiva

Dissertação de Mestrado apresentado ao
Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação, orientada pela Professora Doutora
Ana Maria Gama Florencio.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Maceió – Al
2008

2

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale

A447f

Almeida, Claudia Cristina Medeiros de.
A formação docente na educação de jovens e adultos : uma análise discursiva /
Claudia Cristina Medeiros de Almeida. – Maceió, 2008.
158 f. : il.
Orientadora: Ana Maria Gamo Florêncio.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira.
Maceió, 2008.
Bibliografia: f. 148-158.
1. Educação de jovens e adultos. 2. Análise do discurso. 3. Professores –
Formação. I. Título.
CDU: 374.7

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho – “A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS – uma análise discursiva”– a todas e a todos os meus alunos e exalunos que no decorrer desse processo me incentivaram e inspiraram momentos
de produção e aos docentes que atuam na Educação de Jovens e Adultos e
fazem a diferença no processo de “ensinagem”.

“O sonho pelo qual brigo exige que eu invente em mim
coragem de lutar ao lado da coragem de amar.”
Paulo Freire (1998)

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a Deus por sua presença de luz, paz e força nos
encaminhamentos e decisões da minha vida pessoal e profissional.
À querida e sempre presente Professora Ana Maria Gama Florencio, que
me acolheu e orientou com sua delicadeza e presteza habitual. Professora
dedicada e comprometida com sua prática pedagógica, o meu muito obrigada.
Ao meu querido e amado marido Luiz Carlos, cúmplice e companheiro do
dia-a-dia, pela presença e apoio, pela crença em mim, pela paciência com minhas
ausências nos intermináveis dias de estudos, pesquisas e produção científica.
Às minhas queridas filhas Ana Carolina e Vanine e aos meus genros César
e Márcio, que tanto me ouviram falar sobre esta produção, pelo carinho e
presença em todos os momentos.
Agradeço a minha mãe Rosa, pela força e depósito de coragem, na sempre
esperança de que eu faria um excelente trabalho e a meu pai, José Medeiros, meu
mestre e tutor intelectual, caminho percorrido de sabedoria, prudência e dedicação
acadêmica.
À Professora Doutora Maria do Socorro Aguiar de Oliveira Cavalcante,
gratidão e respeito. Um reencontro de alegrias.
A todos os meus familiares que sentiram minha ausência, mas respeitaram
esses momentos de dedicação, estudo e pesquisa, e a todos os que já se foram,
especialmente, à minha querida Tia Célia, que deixou o legado da excelência na
competência acadêmica.

4

ALMEIDA, Claudia Cristina Medeiros de. A Formação Docente na Educação de Jovens
e Adultos: uma análise discursiva. Dissertação de Mestrado (Programa de Pósgraduação em Educação Brasileira). Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Maceió,
2007. 158f.

RESUMO

Este trabalho é resultado da investigação, desenvolvida no Mestrado em Educação
Brasileira da Universidade Federal de Alagoas, sobre os discursos da formação docente
de profissionais envolvidos na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Pretende-se, nessa
pesquisa, analisar os discursos dos professores da EJA, no que se refere à prática
educativa, desvelando as marcas discursivas que evidenciam a formação a que foram
submetidos e que apresentam claras marcas de repetição de posturas de imobilismo,
adotadas no processo ensino-aprendizagem, para os alunos dessa modalidade. Para
tanto, utilizou-se o referencial teórico da teoria da enunciação, em sua vertente
bakhtiniana e da Escola Francesa da Análise do Discurso (AD), resgatando os
pressupostos teóricos de Pêcheux, bem como o referencial marxista para intervir nas
questões fundantes à produção do discurso. Desse modo, estabelece-se um diálogo com
a educação, na intermitência com a teoria do discurso, para assim poder refletir sobre os
efeitos de sentidos dos discursos próprios de uma formação social neoliberal. O corpus é
constituído a partir de uma série de seqüências discursivas, produzidas por vários
locutores, que apontam para a ideologia da classe dominante. Tais discursos são
provenientes do cotidiano escolar e de recortes de documentos e publicações de textos
de políticos que referendam e legitimam a ”incompetência histórica” dos discentes,
reafirmando, constantemente, que os mesmos estão fadados ao fracasso e à
estabilização social. Dessa maneira, necessário se faz, introduzir conceituações da AD
elucidando as manifestações de linguagem que são produzidas pelo sujeito em sua
história e em seu lugar social. Acredita-se ser uma pesquisa que irá contribuir de forma
significativa para a reflexão do processo de construção da formação acadêmica, por
apresentar informações relevantes que evidenciam interesse e suscitam desejo em
conhecer o tema.

_____________________________________________________________________

Palavras-Chave: Formação de Professores, discurso docente, Educação de Jovens e
adultos.

5

ALMEIDA, Claudia Cristina de Medeiros. The Teacher Training in Education for Youth
and Adults: a discursive analysis. Dissertation of Masters (Post-graduate Program in
Education Brasileira). Federal University of Alagoas - UFAL, Maceio, 2007. 158f.

ABSTRACT
________________________________________________________________________

This work is the result of the research, developed in the Master's in the Education Brazilian
Federal University of Alagoas, about the speeches of teacher training of professionals
involved in the Education for Youth and Adults (EYA). It’s intended on that research to
understand and to analyze the speeches of the teachers of EYA, with regard to
educational practice, unveiling the discursive marks that show the training they have
undergone and presenting clear marks of repetition of imobility postures adopted in the
teaching-learning process for students of this modality. Thus, it was used the theoretical
reference of the theory listing on bakhtiniana’s side and the French school Analysis,
rescuing the theoretical assumptions of Pêcheux, and the Marxist reference to intervene in
matters structures for the production of speech. By this way stablished a dialogue with the
education on the intermittence with the theory of the speech, so to be able to reflect on the
meanings of the social formation neoliberal speeches. The corpus is made of a series of
discursive sequences that were produced by several speakers that points toward to a
dominated class. These speeches belonged to the day-by-day school and clippings of
documents and publications of politicians’ texts which make references and legitimize “the
historical incopetence” of learners, constantly reaffirming that they are up to failure and to
the social stuck. Thus, it is necessary to introduce the concepts of Discursive Analises
elucidating the manifestation of the language that are produced by the subject on his
individual history and on his social place. It is believed to be a research that will
significantly contribute to the discussion of the construction of the academic education, by
presenting relevant information that showed interest and raise desire in knowing the
theme.

Key-Word: Teachers’ Training, Teacher’s Speech, Youth and adults’ Education.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................. Erro! Indicador não definido.

Capítulo I .............................................................................................................. 14
1. PERCURSO TEÓRICO DA ANÁLISE DO DISCURSO (AD)......................... 14

Capítulo II ............................................................................................................. 28
2. FORMAÇÃO DOCENTE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ................................ 28
2.1 A Formação Docente ................................................................................... 41
2.1.1 A Formação do Professor para a EJA................................................... 58
2.1.2 A Formação Docente Brasileira e Alagoana: um percurso histórico ..... 63
Capítulo III ............................................................................................................ 84
3. O SUJEITO ANALFABETO E A INSTITUIÇÃO............................................. 84
3.1 O Corpus ..................................................................................................... 84
3.2 O Discurso da Formação Docente, do Docente e sobre o Analfabeto ...... 104
3.2.1 Uma Metodologia Diferencial para a Formação .................................. 111

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 139

5. REFERÊNCIAS.............................................................................................. 148

7

INTRODUÇÃO

O interesse e a curiosidade pelo tema da dissertação apresentada
acompanha o decorrer da nossa formação acadêmica, quando do encontro com a
Teoria da Análise do Discurso (AD) que concretizou a possibilidade de análises
críticas sobre o discurso docente que se apresenta com nítidas marcas de
repetição e consolidação do “engessamento” na prática pedagógica. Desde aquele
momento, o efetivo processo ensino-aprendizagem de jovens e adultos que se
inserem ou retornam à escola e a intervenção do professor nessa formação,
provocaram profunda reflexão, tornando-se necessidade de investigação e
elucidação.
O olhar focalizado centrou-se no estudo mais específico sobre os discursos
da formação docente dos professores que estão responsabilizados pela Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Com isso foram feitas inúmeras leituras para dar
respostas às questões que inquietaram e que, ainda, não foram completamente
elucidadas.
Interessa, pois, neste momento, como objeto de estudo, discutir e analisar o
discurso desses professores da EJA no que se refere à prática educativa.
Interessa também investigar nos discursos dos professores as marcas discursivas
que evidenciam a formação a que foram submetidos, como eles podem contribuir
para o desenvolvimento de um sujeito livre e autônomo e para a superação de
uma comunidade escolar alienada1.
1

Alienação entendida como um grau negativo, como a não possibilidade de realizar escolhas.

8

O problema se constituiu a partir das seguintes questões: existe formação
docente específica para professores da EJA? Os discursos dos professores se
dão na direção de formar os alunos como cidadãos transformadores na sociedade
ou revelam-se como preconceituosos e excludentes? Quais as condições de
produção que sustentam esses discursos e dão lugar às formações ideológicas e
discursivas basilares deles, gerando dessa forma um imobilismo, e sobretudo,
impedindo seu crescimento? Os discursos condutores dos conteúdos referendam
a efetiva educação dos jovens e adultos?
Desta forma nos apoiamos na fundamentação teórica da teoria da
enunciação em sua vertente bakhtiniana e na Escola Francesa da Análise do
Discurso, resgatando os pressupostos teóricos de Pêcheux, bem como o
referencial marxiano para intervir nas questões fundantes à produção do discurso
dando sustentação ao diálogo da educação, na intermitência com a teoria do
discurso, para podermos refletir sobre os sentidos dos enunciados que têm
gênese na sociedade neoliberal2.
Necessário se faz, introduzir esclarecimentos e conceituações dessa área
de conhecimento, a Análise do Discurso, situando-a historicamente na perspectiva
da elucidação das manifestações da linguagem que são produzidas pelo sujeito
em sua história e em seu lugar social.
Com isso, abrirmos possibilidades para analisar o discurso posto à luz do
materialismo dialético, no qual pudemos discutir a natureza epistemológica, a

2

Segundo Frigotto (1996) a tese central do neoliberalismo é de que o setor público (o Estado) é responsável
pela crise, pelos privilégios e pela ineficiência. O mercado e o setor privado são sinônimos de eficiência, de
qualidade e de eqüidade.

9

concepção de homem, de sociedade e de educação e a ideologia3 que serve de
base para a prática educativa e as características e propriedades da delimitação
teórica na EJA.
Faz-se necessário, também, examinarmos a alfabetização como “sendo
uma prática de caráter político, principalmente quando se refere ao adulto, cujo
processo se destina a corrigir ou resolver uma situação de exclusão que, na
maioria das vezes, faz parte de um quadro de marginalização maior...” (MOURA,
2001, p. 21).
Paulo Freire define o sujeito alfabetizado como aquele que não apenas tem
a aprendizagem da decodificação ou das técnicas de ler e escrever, mas aquele
que aprendeu a “dizer a palavra em seu verdadeiro sentido, isto é, como um
direito de se expressar o mundo, de criar, decidir e de optar.” (FREIRE, 1998,
p.70). Alfabetização compreendida como um processo que vai além da aquisição
dos códigos lingüísticos (as letras).
Os neo-analfabetos são aqueles sujeitos que mesmo freqüentando a escola
e se escolarizando, não conseguiram atingir o domínio da escrita e da leitura.
Segundo Soares (1998, p.26) “estar na condição de letramento é ir além da
decodificação dos símbolos lingüísticos, estado ou condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita.” São
portanto, as habilidades para a leitura e escrita que uma pessoa possui no
contexto social em que atuam, e como essas habilidades se relacionam com as
necessidades, valores e práticas sociais. Já os analfabetos funcionais são aquelas

3

O conceito de ideologia é fundamentado em Lukács e será discutido ao longo do trabalho, enquanto função
social.

10

“pessoas com 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos completos de
estudo, pessoas alfabetizadas, mas não suficientemente familiarizadas com as
bases da leitura, escrita e operações elementares.” (IBGE,2006, p.77).
Os dois processos de alfabetização e letramento estão diretamente ligados,
contudo, de acordo com Soares (1998, p.18 passim) “letramento é, pois, o
resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de terse apropriado da escrita[...] Assim, [...] “não basta apenas saber ler e escrever, é
preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às
exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente[...]”.
Uma nova forma de abordagem está sendo pensada por teóricos da
educação, prevendo-se neste contexto educadores qualificados, investigativos das
soluções para os problemas da aprendizagem, numa ação educativa efetiva, onde
a conscientização e a cidadania estejam permeando o processo.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDBEN) 9394/96, a
nomenclatura Ensino Supletivo4 passa a ser EJA e o Parecer CEB/CNE 11/2000
através do Conselho Nacional de Educação edita as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) que enfatiza o direito público subjetivo dos cidadãos à educação
quanto as funções5: reparadora; equalizadora e qualificadora, assim como
distingue a EJA da aceleração de estudos, concebendo a necessidade de

4

Ensino Supletivo é uma modalidade educativa que tem como objetivo suprir ciclos não concluídos por um
adolescente ou adulto, durante a idade considerada adequada.
5
Função Reparadora: reparação de um direito negado, com modelo educacional específicos à modalidade;
Função Equalizadora, relaciona-se à igualdade de oportunidades;
Função Qualificadora: refere-se à educação permanente.

11

contextualização do currículo, dos procedimentos pedagógicos e da formação
específica dos educadores.
A partir do exposto, essa dissertação caracterizou-se como uma pesquisa
qualitativa, fundamentada nos pressupostos teórico-metodológicos da AD, com
registro dos discursos daqueles que fazem a comunidade escolar, colhidos a partir
de entrevistas semi-estruturadas.
O desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e documental consistiu na
leitura de autores como FREIRE, BEISIEGEL, SOARES, PINTO, MOURA, que
respaldam a fundamentação na educação na busca da gênese da Educação de
Jovens e Adultos (EJA). PÊCHEUX, LUKÁCS, BAKHTIN, ORLANDI, COURTINE,
CAVALCANTE, FLORENCIO, entre outros que desenvolveram pesquisas e
aprofundaram a temática em estudo, respaldada pela AD; SCHÖN, PERRENOUD,
CHARLIER, ALMEIDA, COSTA, TARDIF, BERTOLDO, entre outros que
fundamentaram a formação dos professores, trazendo desse modo um
conhecimento teórico do objeto de estudos e da teoria que ampara a pesquisa
como alicerce para a fundamentação de conceitos que envolvem a prática
educativa de jovens e adultos.
O primeiro capítulo aborda e discute as questões teóricas que embasam a
teoria da Análise do Discurso, relacionando às necessidades dessa pesquisa e
correlacionando à prática educativa.
No segundo capítulo, resgatou-se a escola e sua função social inserida no
contexto das políticas públicas que inscrevem a modalidade da EJA, nas
discussões da legislação, a contribuição da concepção marxista para a educação,
bem como o caminho percorrido pela formação dos professores e as políticas
12

públicas para essa formação, especialmente as formações voltadas para a EJA
que se tem constituído, nos dias atuais, um dos grandes desafios enfrentados pela
administração educacional, já que não há efetiva redução nos altos índices de
analfabetismo, além da formação docente alagoana que se constituiu em meio ao
cenário nacional, adquirindo sua própria identidade; discute-se, também, o
trabalho como categoria fundante do ser social.
O corpus do trabalho, constituído a partir de uma série de seqüências
discursivas que foram produzidas por vários locutores, que apresentam a ideologia
da classe dominante, pertencentes à comunidade escolar, é apresentado no
terceiro capítulo que investiga as marcas discursivas que repetem, ano após ano o
discurso de fracasso docente e discente. Fracasso docente relacionando
inoperância ou inexistência de formação especifica para a modalidade da EJA e
fracasso discente por carregarem as marcas históricas de “fracassados”,
“incapazes” e “derrotados”, não evoluindo, apesar de uma série de investimentos.
Discute-se, ainda, nesse capítulo, uma metodologia diferencial para a formação.
A conclusão sintetiza o percurso da pesquisa que investigou os discursos
dos professores da EJA, retomando os já-ditos em outros momentos, por vários
outros locutores, que referendam e legitimam a “incompetência histórica” dos
discentes, reafirmando constantemente que os mesmos estão fadados ao
insucesso e à estabilização social.

13

Capítulo I

1. PERCURSO TEÓRICO DA ANÁLISE DO DISCURSO (AD)

Este trabalho está amparado na teoria da Análise do Discurso que investiga
os discursos dos professores de escolas da rede municipal e estadual que
efetivam a prática pedagógica da EJA. Trata-se de tentar compreender o discurso
de exclusão e insucesso desses alunos analfabetos, semi-analfabetos, neoanalfabetos ou analfabetos funcionais6.
Necessário se fez retomar alguns conceitos como alfabetização que
segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), no segundo Pós-Guerra, vem se ampliando, inicialmente
definido como a “capacidade de ler, escrever e fazer cálculos aritméticos”,
passando hoje a ser visto como “concepção e desenvolvimento de conhecimentos
e competências necessárias para o indivíduo inserir-se e movimentar-se com
desenvoltura no meio social, entre os quais o domínio de novas linguagens e
tecnologias.” Portanto estar alfabetizado significa atribuir significado e sentido às
funções sociais vinculadas à escrita. Criar, (re)produzir re-escrevere, parafrasear,
citar, revisar, ler, compreender, enfim, transformar o que está posto.
Nesse sentido, a AD vem problematizar a interlocução do revelamento da
posição do sujeito7, que sempre é ideológica, situando-o em relação ao

6

As conceituações referentes a esses termos estão filiadas também às designações propostas pelo relatório
para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI.
7
A noção da transformação de indivíduos em sujeitos está baseada nos pressupostos de Althusser e nas
leituras de Marx, e serão discutidas nos capítulos e sub-capítulos a seguir.

14

acontecimento que dará o sentido posto, expondo-o à luz da teoria que
fundamenta o estudo das condições do dizer, dialogando com Pêcheux, Bakthin e
Lukács em sua compreensão.
Trazida por Orlandi, a AD somente chega ao Brasil na segunda metade da
década de 1970. Essa teorização trabalha o sujeito, a história e a língua e se
constitui com princípios respaldados em três campos de saber: a lingüística, a
psicanálise e o marxismo Authusseriano.
Hoje a AD, com seu método e seu objeto próprios, apresenta-se com outras
esferas e em várias correntes e vertentes, o que complexifica os diálogos entre
pensadores.
A AD desloca a dicotomia entre língua e fala8, propondo um relacionamento
inseparável entre as duas e passa a pensar a língua e o discurso, já que o
discurso é sujeito à análise de seu funcionamento9. A dicotomia saussureana
estabelecia a possibilidade de se analisar a língua como um sistema (organizado e
estruturado), mas não conseguia fazer a análise da fala que se apresenta de
forma desorganizada e assistemática. Não se pode separar o que é histórico do
que é social. O discurso congrega o social e o histórico como indissociáveis.
Orlandi (1999, p.15 passim) afirma que:
[...] a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um
sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com as maneiras de
significar[...] não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe
8

Para o fundador da lingüística moderna, Ferdinand de Saussure, a fala é um ato particular enquanto a língua
foi imposta ao homem. Determina ele que apesar de se implicarem mutuamente, língua e fala são coisas
distintas. Segundo Saussure (1995): “um homem privado do uso da fala conserva a língua, contanto que
compreenda os signos vocais que ouve" e segue concluindo que "a língua é para nós a linguagem menos a
fala. É o conjunto dos hábitos lingüísticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender",
assim, “a língua é necessária para que a fala seja inteligível, e a fala é necessária para que a língua se
estabeleça. Para um maior aprofundamento buscar: SAUSSURE, Ferdinand de (1857-1913). Curso de
Lingüística Geral. Lisboa: D. Quixote, 1995.
9

A AD procura analisar como o discurso faz sentido e não como ele é interpretado.

15

interessem. Ela trata do discurso... O discurso, que é um objeto sóciohistórico em que o lingüístico intervém como pressuposto, [...] é assim
palavra em movimento, prática de linguagem...

São pois, discursos articulados pelos sujeitos que se enquadram em
formações discursivas, as quais se inscrevem nas formações ideológicas10. É
neste contexto que se pode dizer que o sentido é construído no espaço discursivo
entre os interlocutores. A AD contribui, assim, para a observação dos modos de
construção do imaginário, necessários à produção dos sentidos. Procura desvelar
os sentidos, considerando a linguagem sem transparência.
O discurso é processo, movimento de sentido, que se materializa de
diversas maneiras, na língua, em imagens, em gestos. Para Orlandi (1999), o
discurso é efeito de sentido entre os locutores “que resultam da relação dos
sujeitos envolvidos no discurso, dentro de circunstâncias dadas e suas condições
de produção”.
Nesse sentido, o trabalho do analista do discurso é desvelar a escrita do
texto pelo gesto de análise, explicando o caminho percorrido a partir dos
dispositivos teórico e analítico, mobilizando a metáfora e a paráfrase* como
procedimentos analíticos. Articula, ainda, a relação entre o sujeito falante, leitor e
ouvinte, que se significa e é significado, inserido em uma comunidade social.
A Escola Francesa da Análise de Discurso e a concepção dialógica da
linguagem, conforme formulação Bakhtiniana, fundamentadas na ontologia do ser
social em Lukács colocam-se como referenciais que possibilitam a análise das
manifestações discursivas, revelando os processos de construção do discurso e
10

O conceito de ideologia, de acordo com Pêcheux, é entendido como possibilidade de pensar o “homem”
como “animal ideológico”, pensando dessa maneira sua especificidade enquanto parte da natureza.
Contrapondo com Pêcheux, Lukács apresenta o “homem como ser social”, dessa maneira a ideologia é
definida como expressão de um ato permanente e presente no cotidiano da vida social .

16

seus efeitos de sentido, considerando a produção de sentidos como parte
integrante da vida do sujeito social, inserido como membro de uma determinada
sociedade.
É no discurso que a língua se revela em sua totalidade, remetendo a uma
relação intersubjetiva, constituída no próprio processo de enunciação. Segundo
Cavalcante (2007, p.35)
Não há, pois, discurso neutro ou inocente. Todo discurso é ideológico,
uma vez que, ao produzi-lo, o sujeito o faz, a partir de um lugar social,
de uma perspectiva ideológica, e assim veicula valores, crenças, visões
de mundo que representam os lugares sociais que ocupa.

Nesse sentido, a ideologia retrata um conjunto de condições “para a
constituição do sujeito e dos sentidos.” (Orlandi 1999, p.46).
[...] o processo de constituição dos indivíduos em sujeitos, não ocorre da
mesma forma para todos os homens, mas através de formas específicas
de ideologia. Essas formas específicas são denominadas formações
ideológicas (Cavalcante, 2002, p. 49).

A noção da formação sócio-histórica do sujeito não se caracteriza, pois,
como uma categoria abstrata, mas está ligada dialeticamente ao modo específico
da produção e reprodução da sociedade capitalista. Dessa forma, pontua-se
através dos pressupostos de Marx, quando afirma que
Na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. [...] O modo de
produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser, é o seu ser que, inversamente, determina a sua
consciência. (Marx, 1983, p.24).

Marx utiliza-se desse pressuposto para tratar do materialismo histórico na
compreensão das relações jurídicas e as formas do Estado. Nesse momento
interessa essa posição para enterder-se como é construída a relação entre

17

produção e reprodução da vida dos homens em sociedade e as condições de
produção do discurso que legitimam essa prática.
Compreender como acontecem as condições de produção de um
determinado discurso requer a compreensão do processo de determinações
sociais, políticas e econômicas da produção intelectual, ou seja, que é como
discurso que a produção intelectual tem efeito de sentido e atua na realidade
provocando mudanças nas mesmas relações sociais que a originam.
Se considerarmos os ‘sujeitos falantes’, segundo o sentido atribuído por
Bakhtin, o processo de formação do discurso se caracteriza como um complexo
de inter-relações, entre o meio social em que vivem e os sujeitos-falantes, que
sustentam as formações ideológicas.
O discurso é a práxis que se materializa através da linguagem que, por sua
vez, pode ser entendida como toda forma de enunciação. A compreensão de
enunciação dar-se-á a partir da definição construída por Florencio (2002, p.239):
... pensar a enunciação como ato, o ponto de intersecção entre a língua
e o mundo e o enunciado como produto, lugar de representação da
enunciação, ou seja, de um fato, de um acontecimento, definido no
tempo e no espaço. Em resumo: Enunciação – encontro entre a língua e
o acontecimento; Enunciado – produto, lugar de representação do
acontecimento.

Essa formulação ancora-se em Bakhtin (1992, p.123) quando configura a
cadeia da interação verbal que se estabelece como fenômeno social, não havendo
enunciado isolado o qual sempre “pressupõe enunciados que a precederam e que
lhe suscederam”, numa construção da cadeia.
Orlandi pressupõe que o ponto de partida para se chegar ao discurso é o
texto (entende-se texto enquanto qualquer unidade de significação: pintura,
música, escultura, dança...), neste sentido podemos verificar, que há uma inversão
18

no caminho percorrido quando se deseja realizar a análise a partir das formações
sociais: para entendermos a materialidade do texto é necessário ir ao discurso, e
para que este seja entendido, necessário se faz ir às suas condições de produção,
à realidade social que possibilitou sua formação. Ou seja, identificar qual sua
origem. A ideologia se faz presente, nesse movimento, sendo necessário discuti-la
para o entendimento de como se forma a realidade do sujeito.
Para Pêcheux a AD compreende que a linguagem não é transparente e
pressupõe as ilusões que o sujeito apresenta, ou seja, pela análise, os efeitos da
transparência e a atuação da ideologia na constituição do sujeito e dos sentidos
são expostos, em uma determinada conjuntura histórica.
A AD vai buscar o sentido que se encontra no texto procurando as razões
pelas quais ele foi escrito, em que tempo (época), por quais sujeitos, em qual
contexto e buscando, acima de tudo, qual seu sentido social e como ele repercute,
porque, segundo Bakhtin, os sentidos podem mudar a partir do lugar que ele é
enunciado e ou dos sujeitos enunciantes.
O papel do analista do discurso, de acordo com Orlandi (2006, p.28 passim)
deverá “examinar na prática da linguagem” que o “discurso é caracterizado pela
incompletude e pelo movimento dos sentidos e dos sujeitos”, assim:
ƒ
não analisa o discurso para fazer juízo de valor, ele o concebe em
sua “discursividade”;
ƒ
preconiza que o sujeito está se movimentando em diferentes
posições e situações;
ƒ
ressalta que não há uma origem dos sentidos e dos sujeitos por
eles estarem em constante movimento na história;
ƒ
observa que o sujeito não possui um único discurso e sim várias
formações ideológicas e discursivas que estão sendo traspassadas e
ƒ
discute o momento histórico e ideológico das relações na produção
do discurso. (ORLANDI, 2006).

19

Nessa perspectiva, consideramos como categoria para análise desses
discursos as condições de produção do discurso, que incluem os sujeitos e a
situação que pode ser entendida como: condições imediatas (restritas), quando
acontece em um contexto imediato, no momento presente, no contexto da prática
pedagógica, em uma situação na escola ou na sala de aula e nos documentos
legais que legitimam a EJA nos dias atuais, que não estão desligados das
situações do contexto mais amplo que se caracterizam por serem condições de
produção amplas, no sentido lato, que compreendem o contexto sócio-histórico
brasileiro, relacionado ao poder, que traz a perspectiva sócio-histórica-ideológica
da qual dependem as relações de poder existentes, escolhidas nessa pesquisa,
para ser o eixo central da análise discursiva das políticas públicas, professores e
alunos.
A memória é convocada – pelo retorno das condições de produção de
contextos historicamente constituídos – para re/atualizar o sentido. Dessa forma,
mobilizam-se novos discursos que darão suporte à compreensão.
Na AD, os sujeitos da análise são os sujeitos em atividade, não é um sujeito
empírico, mas um sujeito que também ocupa o seu lugar, aquele que se posiciona
no discurso, a partir do lugar do qual ele está enunciando e para quem está
enunciando (o lugar desse alguém).
Pretende-se investigar o sujeito professor (a imagem que faz de si mesmo,
a imagem que ele faz de seu interlocutor e a imagem que ele faz do objeto do
discurso), além do sujeito aluno inserido no processo, bem como os sujeitos
institucionais e sujeitos políticos envolvidos no contexto. Para tanto, necessário se
faz compreender as várias versões da constituição do indivíduo-sujeito.
20

Na Psicanálise, Lacan sugere pensar o sujeito como aquele que se constitui
sujeito pelo assujeitamento11 ao campo do Outro, consolidando-se dessa forma
sua forma de autonomia, “o sujeito como efeito da linguagem [...] neste sentido o
discurso é analisado pelo seu avesso que aponta para o inconsciente e não para o
dizer explícito” (Florencio,1999, p.71-72), nessa vertente, portanto, o sujeito é
efeito da língua.
Althusser define a expressão “forma-sujeito” para todo indivíduo humano,
isto é, social, que só pode ser agente de uma prática revestindo-se da forma de
sujeito, forma da existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas
sociais.
O sujeito bakhtiniano se posiciona na recusa ao sujeito infenso à sua
inserção-social, tratando-o como sujeito que submetido ao ambiente sóciohistórico se constrói em relação ao outro, sendo um eu para-si e também um eu
para-o-outro, que lhe traduz responsável/responsivo, lhe dando sentido, ou seja, o
outro social que vai ajudá-lo na sua constituição de sujeito, um ser que não é
assujeitado, que constrói sua liberdade de escolha, determinando-se pelo
processo da troca.
O eu só existe, segundo Bakhtin, se o outro existir; o eu só existe se houver
um outro que lhe dê sentido através da interação com esse outro, porque “ser
significa ser para o outro e, através dele, para si mesmo” (Bakhtin, 1997, p. 201).
De acordo com Brait, o sujeito em Bakhtin não aceita o transcendente, o
psicologizante e o sujeito cartesiano autárquico, se colocando como sujeito de
decisões morais e éticas, fazendo-o na sua vida concreta.
11

Esse termo será discutido ao longo do trabalho.

21

Só me torno eu entre outros eus. Mas o sujeito, ainda que se defina a
partir do outro, ao mesmo tempo o define, é o outro do outro [...] Essa
noção de sujeito implica, nesses termos, pensar o contexto complexo em
que se age, implica considerar tanto o princípio dialógico – que segue a
direção do interdiscurso, constitutivo do discurso, mas não se esgota ai –
como os elementos sociais, históricos etc, que formam o contexto mais
amplo do agir, sempre interativo (que segue a direção da polifonia)12.
(BRAIT, 2007, p.22/23).

Partindo do pressuposto básico do dialogismo bakthiniano em que todo
enunciado cria o novo, mas só o pode fazer a partir do existente sob pena de não
ser compreendido, pode-se identificar um outro aspecto de fundamental
importância postulado por Pêcheux (1988, p.160), quando afirma que “o sentido
de uma palavra, de uma proposição, uma expressão ou outra forma qualquer
lingüística não pode ser encontrada em si mesmo mas sim, nas posições
ideológicas que fazem parte do jogo no processo sócio-histórico em que são
produzidas”.
Segundo Florencio (1999, p 67) “a ideologia como condição de constituição
dos sujeitos e dos sentidos, organiza uma sociedade.” A ideologia como sentido
social dominante que gera a subserviência daqueles que se submetem, mas que
empreendem suas escolhas.
A formação ideológica é considerada como matriz de sentido à formação
discursiva (lugar, segundo Pêcheux da constituição do sentido), e enquanto
função social, as duas se interligam, por serem uma dependente da outra. Essa
enunciação faz parte da discussão que Pêcheux (1988) faz ao analisar “o todo
complexo das formulações ideológicas” e defende que:
Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que
nela se constitui, sua dependência com respeito ao “todo complexo com

12

Polifonia – Presença de várias “vozes”, vários pontos de vista no discurso, que naturalmente podem ser
escamoteadas, mas não deixam de estar presentes.

22

dominante” das formulações discursivas, intricado no complexo das
formulações ideológicas. (PÊCHEUX, 1988, p.162).

Dessa maneira não se pode pensar discurso, sujeito e sentido sem pensar
ideologia. “Toda prática discursiva está inserida no complexo contraditóriodesigual-sobredeterminado das formações discursivas que caracterizam a
instância ideológica em condições históricas dadas” (Pêcheux, 1988, p. 213).
Segundo Bakhtin (1992, p. 313) em cada época, em cada momento
histórico, existem saberes que já foram sedimentados, é a presença do outro,
como parte constitutiva do sentido e como outra voz, que segundo Florencio
(1999, p.66)
habita o sujeito e seu discurso. O discurso autoritário, no entanto, como
verdade incontestável, tenta abafar as diferentes vozes em conflito e as
diferentes posições que podem ser assumidas pelos sujeitos, num
processo de interação verbal e de constituição de sentidos.

Ao se constituir sujeito, o sentido é constituído, embora o sujeito não possa
ser pensado como fonte do seu dizer. Ele exerce um papel efetivo na produção do
discurso, desdobrando as formações discursivas que estão sempre em constante
movimento.
Há vozes, em um discurso, que são claramente percebidas, no entanto há
outras que estão silenciadas. A polifonia caracteriza as vozes que podem ser
percebidas nos enunciados dos sujeitos; é, de fato, a materialização dos
discursos. Segundo Bakhtin, a polifonia precede um princípio maior, o dialogismo13
sendo este constitutivo da linguagem, pois tece a teia de relações que são

13

O dialogismo, segundo Bakhtin, se refere ao “movimento do processo semiótico”, uma espécie de sistema
filosófico que “ocorre na interação das vozes sociais”, se interpenetrando, colidindo, encontrando-se e ou
desencontrando-se em torno do todo social, “compreensivo/responsivo no qual subsistem e a partir do qual
compõem novas mutiplicidades dialógicas”.

23

entrecortadas por discursos que os precedem e aponta para a possibilidade de
discursos posteriores.
Notadamente, podem-se encontrar marcas e pistas nos discursos que
sustentam opiniões, repetem posturas e outras vozes concordantes e/ou
contrárias,

que

podem

aparentemente

ou

subjetivamente,

apresentar-se

condicionadas a outras vozes, às formações ideológicas.
Propomo-nos considerar o interdiscurso como o “todo complexo com
dominante”14, o constituído do já-dito, o saber da memória discursiva que
determina e/ou já o é a formação discursiva.
Um efeito de sentido não pré-existe à formação discursiva na qual ele se
constitui. A produção de sentido é parte integrante da interpelação do
indivíduo em sujeito, na medida em que, entre outras determinações, o
sujeito é produzido como causa de si na forma-sujeito do discurso, sob o
efeito do interdiscurso. (PÊCHEUX, 1988, p. 261)

Todo o dizer é sustentado no já-dito, no pré-construido e é pois
resignificado fazendo o funcionamento da ideologia na constituição do sujeito e do
sentido.
Segundo Orlandi ( 1999, p.31) o interdiscurso
é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente. Ou seja é o que chamamos memória discursiva: o
saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma
do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando
cada tomada da palavra.

É o interdiscurso que fornece os elementos para a constituição do discurso
do outro, podendo ser uma palavra, uma expressão ou qualquer forma de dizer
que já faz sentido. Segundo ainda Orlandi (1999, p. 33) “é todo conjunto de

14

Termo designado por Pêcheux e que pretende esclarecer que é submetido à lei de desigualdadecontradição-subordinação que caracteriza o complexo das formações ideológicas.

24

formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que
minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido.”
Tais

formulações,

são

pensadas

por

Pêcheux

(1988)

como

os

esquecimentos15 que são inerentes ao discurso e necessários à formulação dos
enunciados.
Pêcheux (1988, p.173) discute sobre as duas formas de esquecimentos,
inerentes ao discurso, que podem ser distinguidas na AD e que são decisivas e
estruturantes para a construção do sujeito: o esquecimento número dois e o
número um. O primeiro refere-se à ordem da formulação e da enunciação, é a
tentativa do sujeito em controlar o seu dizer. Esse esquecimento produz a
impressão de se controlar a realidade do pensamento. O segundo que também
pode ser chamado de esquecimento ideológico, é da instância do inconsciente e é
o resultado do processo de construção ideológica. Gera-se a impressão, a ilusão
de ser a origem do que se diz, de que a fonte de todo discurso está em nós.
Outras duas categorias da AD serão invocadas, também, para a análise
que estará sendo feita: é o silenciamento e o implícito que subjazem às práticas
pedagógicas, tanto por parte das instituições de ensino, quanto em relação à
formação inicial que não atende às exigências do processo, sendo seguidas para
suprir esses déficit das formações continuadas que tentam preencher as lacunas
do sistema, sem grandes avanços.
Segundo Ducrot (1972, p. 75) citado por Cavalcante (2007), os implícitos
“são modos de expressão que permitem deixar entender sem incorrer na
15

O termo “esquecimento”, de acordo com Pêuchex (1988), não está com o sentido de “perda de alguma
coisa” que se tenha sabido, como uma “perda de memória”, mas o “acobertamento da causa do sujeito no
próprio interior de seu efeito”.

25

responsabilidade de ter dito”, ou seja, quando se quer dizer algo, mas é como se
não tivesse dito, podendo ser o dito subentendido sem o enunciante se
comprometer com o seu dizer.
O sujeito enunciante pode não assumir a autoria do texto implícito.
Embora remeta ao dito, mantendo com ele uma relação de dependência
para significar, o implícito é de responsabilidade do interlocutor, pois é
trabalho de interpretação. É um mecanismo discursivo que faz o outro
(interlocutor) dizer, no lugar do enunciante. (CAVALCANTE, 1999, p.
156).

O silenciamento, segundo Orlandi (1995, p.75/76) é pois “pôr em silêncio”16,
é a interrupção dos sentidos que não se quer revelar, evitando-o, “é a interdição
do sujeito [...] isto é, proíbem-se certos sentidos porque se impede o sujeito de
ocupar certos lugares, certas posições.” Existe um processo, dessa forma, de
produção de sentidos que estão silenciados, o não-dito que foi reprimido.
Há uma seleção natural17 e subjetiva do enunciado, conforme os interesses
ideológicos, porém, o que está silenciado num discurso poderá estar evidenciado
em um outro discurso, com outras vozes, que se contrapõem entre si.
Articulando essas questões fundamentais da AD, tomadas a partir da
análise dos acontecimentos discursivos, os estudos de interpretação da realidade
estarão permeados nesses pressupostos que com a força da história, expressam
o sentido que o discurso produz nas condições definidas pela sociedade.
Os conceitos, as categorias, as características e a função real da AD,
buscam os dispositivos analíticos que fundamentam da reflexão à prática
pedagógica, trazendo à tona os sentidos que constituem os discursos.

16

O silêncio se define para Orlandi (1995, p.75) “pelo fato de que ao dizer algo apagamos necessariamente
outros sentidos possíveis, mas indesejáveis em uma situação discursiva dada”, “[...]uma condição para a
significação [...] É o não dito necessariamente excluído. Por ai se apagam os sentidos que se quer evitar [...] o
lugar de ausência de significados. [...] o sentido do silêncio não deriva do sentido das palavras.”
17
Efeito da ideologia; naturalização dos sentidos.

26

Courtine (2006, p. 09 passim) cita que “o discurso flutuava perdido no
espaço” nos idos de 1968, que era o tempo do silêncio na “escrivaninhas
universitárias, [...] da multiplicação das releituras , das grandes manobras
discursivas; os conceitos se entrechocavam: a luta de classe reinava na teoria.”
Refletindo que a AD teve a
ambição de colocar em relação os procedimentos de analise lingüística e
os conceitos históricos emprestados do marxismo, seja no quadro de
articulação entre língua, discurso e ideologia seja na perspectiva
sociologizante de uma diferenciação lingüística dos grupos sociais.

Segundo Orlandi (1999, p. 95 passim) “o sentido é história. O sujeito do
discurso se faz (se significa) na/pela história”, ou seja, as palavras não estão
ligadas às coisas diretamente, nem são reflexo de evidência. “É a ideologia que
torna possível a relação palavra/coisa” por se considerar a língua como um
processo do discurso que tem a ideologia como mediadora da relação entre o
pensamento e a linguagem. “Desse modo, o sujeito se constitui e o mundo se
significa, pela ideologia”. É possível se compreender a ideologia e seu
funcionamento pela noção do discurso, oferecendo a linguagem não como
evidência, mas como lugar de descoberta. “Lugar do discurso.”
Um sujeito do discurso, constituído como ativo na produção e reprodução
social, é produto e produtor da sociedade, o qual se eleva tornando-se um ser
consciente de si mesmo; o discurso do sujeito que não nasce sujeito e se constitui
na medida da complexibilidade das relações sociais e de suas escolhas, a partir
da realidade na qual se insere/é inserido.

27

Capítulo II

2. FORMAÇÃO DOCENTE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Mudança requer luta e luta social entre classes. Um professor deve
aprender a pensar em termos de lutas de classes, mesmo que não seja
marxista.(Florestan Fernandes).

A história da escola está atrelada à dominação política, reproduzindo
historicamente a ideologia burguesa. É através dela que se transformam cabeças
a serviço daqueles que estão no poder.

Sempre a serviço de uma ideologia

dominante, a escola é responsável pelo assujeitamento18 do sujeito produtor de
conhecimentos.
Sabendo que a escola propaga a ideologia apropriada à sociedade classista
e é efetivamente um instrumento de fortalecimento do poder de classes, parecenos que a única via de transformação, seria considerar um verdadeiro movimento
revolucionário, que se propusesse à efetiva modificação dos sujeitos, das suas
condições de vida e de trabalho19.
Além da família e da comunidade em geral, a sociedade elegeu a escola
como a instituição responsável pela educação e instrução de seus componentes,
no que diz respeito aos conhecimentos científicos sistematizados.
Segundo Florencio (2007, p. 27)
18

Na perspectiva de Althusser esse termo é utilizado para justificar a afirmação de que a escola é um lugar de
mera reprodução da ideologia dominante e, que, portanto, se contrapõe a Gramsci que pressupõe a
possibilidade de mudança social pela escola, quando afirma que “A escola é o instrumento para elaborar os
intelectuais de diversos graus.” Para maior aprofundamento ler GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da
história. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
19
Trabalho como ato de transformação da natureza, como um impulso e necessidade de satisfação humana.
Como ato pelo qual o homem se produz a si mesmo e vai se objetivando, tomando consciência e incidindo
sobre outras consciências e se tornando homem. Segundo Bertoldo (2007, p.18) “um ato de se pôr
consciente”. É um salto ontológico do homem, quando se coloca diante da natureza e se coloca como sujeito.

28

[...] ainda que se pense a instituição escola como um dos veículos de
transformação social, convém notar que há, houve e sempre haverá uma
presença dos mecanismos de poder que permeiam a sociedade e,
conseqüentemente, se fazem presentes na escola, o que dificulta, nessa
instituição, o trabalho como produção de conhecimentos e
transformação social, pois essa escola, se assim o fizer, estará
criticando idéias, valores e o conseqüente exercício de poder da classe
dominante.

Essa postura relacionada à escola foi consolidada quando a burguesia se
fixou no poder e a formação social se solidificou em transformação dos indivíduos
em cidadãos. Retornando ao Brasil Colônia, pode-se observar que a questão da
cidadania para os liberais era tratada associada à noção de direitos como
liberdade e igualdade perante a lei, direito de propriedade e direitos da nação. O
cidadão era aquele ser esclarecido, com condições de escolher seus
representantes, sabedor de seus limites e possibilidades de conquistas e acima de
tudo “um proprietário”, o que lhe dava a caracterização de independência
econômica, que à época era necessária à liberdade de espírito.
De acordo com Cavalcante (2007, p.104) iniciando desde Aristóteles à era
moderna, tal como na Antiguidade
estavam “naturalmente” excluídos do rol dos cidadãos os artífices, os
agricultores, os negociantes, os escravos, as mulheres e os estrangeiros
que, por estarem absorvidos pelos afazeres do cotidiano, destinados a
atender interesses particulares, eram incapazes de julgar, ou seja, de
discernir entre o que é bom e o que é mau; incapazes de determinar as
leis que deveriam reger a comunidade.

Preconizava-se, portanto, que apenas os “donos de propriedades” eram
livres e cidadãos. Os assalariados pertencentes à classe trabalhadora não
estavam no rol da educação e do letramento. Dessa forma, como considerá-los
cidadãos, capazes de agir com criticidade e na escolha racional política? Segundo
GOHN (2001, p. 13) as “diferenças sociais eram vistas como diferenças de

29

capacidade. [...] somente os proprietários tinham direito à plena liberdade e à
plena cidadania.”
As concepções começam a se modelar e formatam-se de maneira
diferenciada a partir do século XVIII, quando se propõe uma modificação na ordem
social e política sobre a consciência e a instrução. Começava-se a pensar o
homem como sujeito historicamente construído, inserindo a cidadania no rol das
questões educativas.
Como afirma Bertoldo (2007, p.20):
O Estado representa um elemento importante para a manutenção do
sistema do capital, uma vez que garante os pré-requisitos estruturais
para a re/produção deste modo de produção, através da defesa da
propriedade privada e de intervenções cíclicas para corrigir as
desfuncionalidades do sistema.

No século XIX diz-se trazer a cidadania alargada, disseminada pela
educação. No entanto, embora se tratasse de uma educação voltada a todos, com
a inclusão das massas, o interesse era moralizar, disciplinar e domesticar a
população.
O Estado passa a controlar os direitos e deveres dos indivíduos,
regulamentando, cassando ou restringindo com menos direitos e mais deveres,
fazendo a cidadania não ser conquista da sociedade e sim competência do
Estado. O século XX que, com a explosão do desenvolvimento social, a ascensão
do capitalismo e a instalação do regime neoliberal, faz o cidadão ser um ser
“civilizado”, que participa de uma sociedade de interesses, focada na massificação
das relações e na exploração pelo capital, mudando, assim, gradativamente a
conceituação de cidadania.

30

A constituição de 88, “CONSTITUIÇÃO-CIDADÔ, contém a falsa idéia de
uma sociedade de iguais, que seria a base para o desenvolvimento do futuro.
A sociedade brasileira não esteve longe dessa realidade. Ao se tornar
autônoma administrativamente, Alagoas começa a apresentar-se com uma dupla
face, desde que foi fundada como sociedade desigual, o que se pode observar até
os dias atuais: apresenta a abundância tutelar e a pobreza social, ambas com
estrutura social e conotação econômica.
A sociedade alagoana mercantilizou-se, desenvolvendo uma economia
baseada

na

nítida

diferenciação

cultural.

Alagoas

foi

construindo

uma

autoconsciência, com uma diferenciação social marcada, nas classes baixas, nas
quais claramente se via e se vê as ambivalências sociais. “A ideologia da classe
dominante, através da evidência de um sentido único, transparente, impede o
sujeito de interpretar a realidade que o cerca, de estabelecer uma relação crítica
com a língua, a história e os sentidos” (Florencio, 2007, p.24).
O analfabetismo, é produzido, dentro das escolas. Formam-se crianças
engessadas com modelos prontos e definidos, reprodutores de uma ideologia
dominante e nossos professores limitados à uma prática desarticulada da teoria
vivida na sua formação, e agentes (re)produtores de submissão (assujeitados). A
palavra cidadania, passa a ser substituída pela palavra trabalhador. Formam-se
trabalhadores ou cidadãos? Burgueses ou sujeitos-trabalhadores?
Segundo Mészàros (2005, p.13) “educar não é mera transferência de
conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida. É construir,
libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal.”

31

A educação é uma das esferas de mudança social responsável pela
transformação da sociedade, embora venha assumindo, apenas, como papel
transmitir e conservar os conhecimentos gerados e adquiridos na sociedade.
Possibilita um espaço democrático de conhecimentos e de posturas para uma
sociedade de maior igualdade, no entanto, depende de quem a faz, no conhecer
de seu grande potencial. A educação é intencional e política, é o processo de
formação do gênero humano, onde se realiza o processo de transmissão e
apropriação da cultura.
Estamos vivendo um mundo tecnológico, onde as informações são
inúmeras e o conhecimento só se torna conhecimento quando é socializado,
convivido, convertido. Para que isso se efetive, é imprescindível que se busquem
teorias que fundamentem pressupostos viáveis à construção sólida de uma
sociedade crítica que possa intervir nessa realidade revolucionando a estrutura
conceitual. O acesso aos conhecimentos científicos vislumbram uma conquista
racional contra os poderes assentados na ignorância e no medo, ascendendo a
possibilidade do reconhecimento de si, do resgate à auto-estima e da valorização
do outro como igual.
Mészàros (2005, p. 15) segue sua reflexão definindo que o objetivo maior
dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância é a
emancipação humana. Distingue também, que é a educação uma das esferas que
traz a alavanca essencial para a mudança.

32

Mas como pensar dessa forma? Como pensar uma educação convocada
para fazer a transformação se a mesma vem se transformando numa mercadoria?
De acordo com Bertoldo (1997, p. 39):
a resolução das políticas educacionais estão atreladas à questão da
objetividade econômica e não apenas à subjetividade, à mera vontade
política dos indivíduos. Tanto é assim que a educação, enquanto um
bem público necessário à humanidade, está se transformando,
objetivamente, numa mercadoria, num valor de troca.

Cada sociedade apresenta características específicas e diferenciadas. A
sociedade contemporânea, nos põe à prova. Instala-se um sentimento medíocre,
pela relação de estagnação, não-reconhecimento acadêmico e sentimento de
fracasso. Dentre alguns dos desafios dos tempos atuais está a necessidade dos
docentes se colocarem como pesquisadores educacionais, com olhar crítico às
concepções e ao processo de apropriação do conhecimento, destituindo a
educação mercadológica, minimizada, que apenas visa ao lucro.
Sabemos todos que o produto mais importante de um processo de
mudança curricular não se mostra na elaboração de um novo currículo
materializado em papel, tabelas ou gráficos, mas na aprendizagem permanente de
seus agentes, no incentivo financeiro, que os leva a um aperfeiçoamento contínuo
de ação educativa.
A mistura de princípios teórico-metodológicos pela qual passa a nossa
escola e suas limitações técnicas e administrativas, mostram que o professor
continua a ser colocado no papel de detentor do saber e o aluno assume o
passivo papel de receptor.

33

Urge a necessidade de se quebrarem estes paradigmas educacionais
existentes que estão ultrapassados. A educação está se transformando em
mercadoria, em bem de troca. A prática pedagógica existente deve contribuir para
a superação da sociedade alienada, dentro de um constante aperfeiçoamento. O
professor precisa se colocar na postura de facilitador, mediador das informações e
do conhecimento. Que tenha consciência da necessidade de se entender a
educação na perspectiva da libertação.
A escola, deve, pois, se colocar como fomentadora da passagem do sujeito
do senso comum para o sujeito epistemológico, sujeito científico.
Concordando com a assertiva de Florencio (2007, p.19 passim) quando
retrata a necessidade do entendimento sobre o fato de que
o segmento dominante apropriou-se do conhecimento acumulado e dos
meios de transmitir esses saberes, por reconhecer sua importância na
manutenção de uma hegemonia necessária à sobrevivência de seus
interesses e objetivos políticos.

O acesso ao conhecimento pelo “segmento comandado”, dessa forma, fica
comprometido e prejudicado, e há, portanto, necessidade de se pensar uma
escola que atenda com “melhor qualidade” e que sobreponha-se aos “mecanismos
ideológicos mantenedores de submissão, aceitação de posições inferiorizadas e
até de admiração aos que detêm o poder.”
Isso traduz um modo de produzir e reproduzir o processo sócio-histórico
que define uma sociedade formada por classes antagônicas,
representativas do capital e do trabalho, numa relação de dominação do
primeiro sobre o segundo. Essa relação acontece, também, pela via do
discurso, historicamente determinado, em seus efeitos de sentido sobre
as relações sociais. (FLORENCIO, 2007, p.21).

Pode-se assim desenvolver um duplo sentido do significado da educação
na sociedade burguesa: como um processo de adaptação às relações existentes

34

(que consagra os privilégios e vantagens aos filhos da classe dominante,
adaptando à exploração, os filhos da classe oprimida) ou educação como meio de
transformação e de luta dos filhos dos oprimidos, como arma de luta contra a
opressão, por uma revolução proletária, trazendo-lhes uma nova consciência.
Daí a necessidade de se pensar a contribuição de uma concepção marxista
de educação para a educação escolar. Na realidade brasileira ter a condição de
refletir sobre as posições ocupadas pelos que fazem a escola em seu contexto,
verificando os efeitos de sentido produzidos por eles e neles é uma situação
paradoxal: um privilégio para alguns, e, ao mesmo tempo, uma imensa
responsabilidade pela tomada de consciência que o torna responsável pelo que se
apresenta.
Nesse sentido, pode-se afirmar que é efetiva a contribuição de Marx para a
educação. Partindo do pressuposto da concepção marxista de que “o ser humano
é histórico e social”, investiga-se, pois, o ser social na sua gênese e
desenvolvimento, buscando entender como as relações sociais ocorrem e incidem
nas várias maneiras e formas de pensar o mundo.
O homem se coloca diante da natureza como um sujeito capaz de
transformá-la, buscando os meios possíveis para sua objetivação20, se
configurando, dessa maneira, a dimensão ontológica do trabalho.
Necessário se faz esclarecer, as duas categorias mais importantes nessa
concepção: o trabalho e a alienação.

20

Objetivação é a idéia transformada em materialização.

35

O que se entende por trabalho na teoria marxista? É a ação pela qual o
homem se produz a si mesmo e transforma a natureza.
Lukács (1998, p.05 passim) afirma que o homem através do trabalho “é um
ser que dá respostas”, sendo o “homem um ser que responde”, que responde às
necessidades que surgem, generalizando, transformando em questionamentos
seus modelos e possibilidades de vida, “que funda e enriquece a própria atividade
com as mediações de modo articuladas”. Um ser ativo, capaz de agir e reagir
sobre outros homens, se desenvolvendo mediado por posições teleológicas21 que
implicam a relação do homem com a natureza e do homem com outros homens.
Dessa forma, o trabalho, como posição teleológica primária, articula a troca
entre a sociedade e a natureza, caracterizando o salto ontológico entre o mundo
natural e a constituição da vida especificamente humana.
O homem pelo trabalho cria um objeto novo e ao mesmo tempo se
reconhece como sujeito em relação ao objeto por ele criado, criando-se a si
próprio como ser humano. Neste sentido, não só cria um novo ser, como cria a si
mesmo como ente humano.
Segundo ainda o autor, “o trabalho é formado por posições teleológicas que
põem em funcionamento séries causais”. Entende-se, portanto, teleologia como
posição realizada por uma consciência. Esse entendimento traz dessa maneira,
uma enorme contribuição para a educação, pois as filosofias anteriores não
reconheciam essa posição concebiam um sujeito transcendente e uma natureza

21

As posições teleológicas podem ser primária e secundária e de um modo geral expressam o modo
particular da reprodução do ser social em relação aos complexos da natureza.

36

especial. Daí, a condição para que o homem viva em sociedade é a liberdade
(valor e dever-ser). Bertoldo (2007, p.29) analisa que “embora o sujeito realize
uma posição teleológica de modo consciente, não significa dizer que tenha o
conhecimento do processo, todas as suas conseqüências.”
Para tanto, necessário se faz estabelecer a relação entre trabalho e
educação. Entendendo onde se determina a origem da relação da escola com o
trabalho. A educação é uma teleologia secundária e tem como função o
desenvolvimento das habilidades e dos conhecimentos humanos. Portanto, a
educação não coincide com o trabalho, mas atua sobre ele, dando possibilidades
ao trabalho para desempenhar sua função teleológica primária de transformação.
O trabalho é o ato de transformação da natureza humana, responde à ideologia
social, tendo seu maior objetivo o “valor de uso”, o “valor de troca” que é traduzido
pela objetivação.
Desta maneira, a relação da educação com o trabalho deverá ser realizada
pela teleologia secundária; o professor docente deverá pensar o aluno como
produtor e não como produto, por ele não depender unicamente desse sistema,
por ter consciência que incidirá sobre outras consciências. A atividade educativa
constitui-se uma ação conscientemente orientada que não pode ser prevista,
porque outros fatores incidirão na construção do ser social.
Resgatando a tarefa essencial da ontologia marxista, pode-se afirmar
segundo Bertoldo (2007, p. 45) que:
precisamos descobrir a gênese, o crescimento e as contradições do
desenvolvimento humano, mostrando dessa forma que o homem é
produtor e produto da sociedade e que pode elevar-se, tornando-se um
ser consciente de si mesmo.

37

Dessa forma aponta-se para a construção ideológica, histórica, política e
social da sociedade e encontra-se a posição de que é pela educação que se
estabelecerá uma possibilidade, dentre outras, de transformação social, já que
entende-se educação como uma prática social no processo de formação dos
indivíduos

(nos

sentidos

do

comportamento,

atitudes,

saberes,

valores

humanos...).
O conceito de alienação, segundo Marx, é complexo e engloba várias
formar do pensar. Enfatiza-se, nessa perspectiva que a posição ocupada pelo
sistema capitalista, além de exploradora é injusta, por tornar os sujeitos cada vez
mais submissos quando desempenham trabalhos produtivos que se transformarão
em bem de consumo, em “valor de uso” e “valor de troca”. Marx considera que ao
criar algo novo, o sujeito o cria fora de si, através do trabalho, e não o reconhece
como seu produto, dessa maneira, a produção representa “negação”, que se
traduz em “alienação. É por essa razão que a “elite” está tão interessada no
processo de alienação dos sujeitos, não somente visando a acumulação do
capital, mas principalmente, a obtenção dos lucros. Se os trabalhadores não
produzirem, não existirá produto, consequentemente, não haverá acumulação do
capital, consequentemente, não haverá lucros.
A concepção marxista, nesse contexto, se propõe a contribuir com seu
objetivo máximo de desenvolver a emancipação através da revolução do
proletariado. E é nesse sentido, que a contribuição de Marx à educação
(compreendendo a possibilidade de se pensar o novo e repensar paradigmas que
darão conta da necessidade do diálogo das ciências e as áreas do conhecimento)

38

é atual, efetiva e dinâmica, na condição do homem pensar-se sujeito, sóciohistóricamente construído, ativo do processo de produção/reprodução social.
Através da concepção marxista poder-se-á elucidar, à luz de uma teoria que
resgata a criticidade ao domínio da alienação e da exploração, num único
pensamento de que a educação é um dos caminhos de transformação social
emancipatória, da efetivação da emancipação humana.
Poder-se-á dizer, ainda, que essa teoria traz possibilidades para novas
estratégias

de

intervenção

no

sistema

educacional,

se,

evidentemente,

entendermos que o homem vai se constituindo sujeito através das experiências
vivenciadas em sociedade, formando, assim, seu discurso e assumindo posições
no processo de (re)produção social que se efetiva, de fato, pelo trabalho.
É, segundo essas perspectivas ontológicas, que se pode afirmar que a
educação é o processo de formação do sujeito que media o entendimento do
indivíduo em se enxergar como gênero humano, não o transformando em
indivíduo singular, mas, objetivando-se como um ser humano, que se
responsabiliza prioritariamente pelo processo de transmissão e apropriação da
cultura, reproduzindo a ideologia.
O discurso pedagógico é considerado um discurso do poder, discurso
autoritário, como cita Orlandi (1999, p.15) “a estratégia, a posição final, aparece
como o esmagamento do outro”, e constituem-se da submissão dos sujeitos
envolvidos no processo e incapazes de impedir a alteração de regras que se
revestem do poder opressivo e autoritário que determina as relações.
Essas relações são reproduzidas, pois os próprios subalternos
corroboram, por temerem perder algumas benesses que lhes asseguram

39

um ilusório status. Nesse caso, a ação política – por parte de
professores e alunos – fraca, incipiente e insipiente – permanece
subordinada à vontade dos setores dominantes e se faz incapaz de
efetivar mudanças de valores, expectativas e atitudes. (FLORENCIO,
1999, p.61).

Nesse sentido, a liberdade e a igualdade se configuram como pilares de
sustentação do direito à educação, designando-se pressupostos vitais numa
sociedade politicamente democrática e socialmente necessitada de uma melhor
distribuição entre os grupos sociais, entre os sujeitos que nela estão inseridos e
que a expressam.
De acordo com Marx (1983, p. 24)
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais.

Florencio (1999, p. 62/63) afirma que “o discurso pedagógico, em sua
essência, utiliza-se do jogo ideológico da dissimulação dos efeitos de sentidos,
decorrentes de um processo histórico e social [...] cumprindo a função de reforçar
a dominação e legitimar a reprodução da sociedade”.
Dessa forma, necessário se faz pensar a escola na dimensão de
construtora de sujeitos emancipados e autônomos, capazes de gerir uma
sociedade de iguais para iguais, excluindo as normas de comportamento que,
apesar de próprias à divisão do trabalho, “conforme a ordem estabelecida pela
classe dominante, ou seja, a reprodução de uma submissão (assujeitamento) a
uma ideologia dominante, que também são ensinadas pela escola, ao lado de
conhecimentos e técnicas” (FLORENCIO, 1999, p.64).

40

2.1 A Formação Docente

Formar profissionais capazes de organizar situações de aprendizagem.
Sem dúvida, esta é, ou deveria ser, a abordagem central da maior parte
dos programas e dos dispositivos da formação inicial e continuada dos
professores do maternal à universidade. Tal visão de profissionalismo
não significa –como permite supor a expressão francesa tornar-se
profissional– que os professores e os futuros professores poderiam
limitar-se a adquirir truques, gestos estereotipados, ou, em outros
termos, a reforçar a sua prática no domínio do ensino. Tornar-se um
profissional, ao menos no sentido anglo-saxão do termo, significa bem
mais. (PERRENOUD, 2001, p.11).

Quais as competências básicas que deverão ser adquiridas para que um
professor possa construir um trabalho docente, profissional? Que saberes,
conhecimentos e qual o aprendizado que trará à natureza epistemológica do
professor especialista?
Estudos sobre o tema estão em evolução e se tornam amplamente
discutidos por especialistas pedagogos e despertam a atenção de muitos
pesquisadores, já que, diante das mudanças conceituais sobre as profissões,
ocorridas no mundo de hoje, há uma clara evolução no contexto do papel, função
e ações do professor, profissional docente, devendo o mesmo evoluir para o novo.
Ser profissional integrou o cotidiano do professor e fez nascer a questão da
importância da identidade docente, seu papel de cuidar da aprendizagem dos
alunos, redefinindo sua trajetória e sua vertente de atuação.
Trabalhar em escola e com a educação requer um compromisso ético,
habilidade sensível e responsabilidade para dar suporte ao aluno aprendente22 e

22

Termo utilizado por José Bleger para designar o aluno que está em processo de aprendizagem significativa.

41

construtor de sua autonomia. Trabalhar com educação é um dos ofícios mais
perenes da formação da espécie humana é estar diante do oficio de ser mestre23.
Os espaços educacionais têm-se constituído em freqüentes focos de luta,
de diferenças e de disputas de poder extremamente desiguais. O mundo atual
impõem novas posturas e novos saberes que acabem transformando e
transvestindo essas malhas construídas nas relações de poder em diferenças
saudáveis e necessárias à prática educativa diária.
Arroyo (2000, p.26) defende que não se pode atribuir ao professor a
problemática geral da educação, e, amplia o olhar ao problema para a escola, que
faz parte de um complexo social, no entanto, afirma que o compromisso, a
dedicação e a responsabilidade do professor fortalecidos no grupo e na ação
coletiva da comunidade e dos governantes poderá ser capaz de reatualizar a
educação, garantindo uma melhor qualidade.
No contexto atual que se exprime pela rápida transformação do mundo, os
profissionais docentes adquirem novos desafios que vão além da sala de aula,
exigindo que os mesmos assumam posturas diferenciadas e intimamente
relacionada com o processo de desenvolvimento da consciência de classe dos
trabalhadores.
As exigências do mundo de trabalho escolar produzem nesses profissionais
uma necessidade de aperfeiçoamento constante, já que o paradigma atual da
educação cobra um professor com papel e função operante e competente.

23

Segundo Miguel Arroyo (2000, p.17) o ofício de ser mestre que nos remete a nossa memória. Ele defende a
formação em serviço, da qual o saber individual deverá ser construído na prática, agregado aos saberes
coletivos, que indica uma tradição docente.

42

A lente ampliada para essas questões tematizadas enfoca a necessidade
de se olhar minuciosamente para uma formação que se coloca como eficaz, para
onde acontecem essas formações, sobre seus conteúdos, e, sobretudo, para as
condições do exercício dessa prática nas escolas.
As discussões e os debates sobre formação de professores profissionais
estão presentes no cotidiano do professor desde que a formação para a docência
se tornou uma alavanca produtiva na educação como qualificação. As décadas de
1970 e a de 1980 foram marcadas pela questão da construção do perfil
profissional desse professor.
A formação é entendida como um continuum, devendo acontecer
permanentemente em diferentes espaços e tempos escolares; o processo
formativo e autoformativo, nesse sentido, desvela a possibilidade de se construir
um processo pedagógico coerente, crítico e adequado às necessidades sociais.
Nesse sentido, o professor é sujeito de sua prática, construtor e construído
socialmente, evoluindo em busca de tornar-se um ser em relação a outro ser.
Esse deveria ser o primeiro princípio da formação, o regate da história social
desse ator.
As políticas públicas voltadas à formação dos professores pouco ou nunca
valorizam a construção dos saberes docentes na prática diária de sua trajetória de
vida e do percurso pedagógico. A centralidade da ação dos professores como
fundamento epistemológico das políticas educacionais culminaria com algumas
indagações: o que de fato os professores conhecem? Que conhecimentos são
essenciais para o ensino? Quem produz esse conhecimento? Como está sendo a
formação do professor, generalista, tradicionalista, humanista ou crítico-reflexiva?
43

Arroyo (2000, p.27) questiona a necessidade de se trazer a “memória da
profissão” e o entendimento de quem é efetivamente esse profissional,e quem ele
foi, qual sua história e qual a história construída da profissão docente para a
prática educativa “(r)evolucionária”.
Em 1980, Schön, baseado na propostas de formação de Dewer,
desenvolveu pesquisas na área da formação profissional baseadas na
epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como
momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e
problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito24, presente
nas soluções que os profissionais encontram na ação. A formação dos
professores não mais nos moldes de um currículo normativo que, primeiro,
apresenta a ciência depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe
aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico-profissionais.
Nóvoa, no início dos anos 1990, dissemina a idéia de “professor reflexivo
através da publicação do livro “Os professores e sua formação”, coordenado por
ele, que traz textos de autores da Espanha, Portugal, França, Estados Unidos e
Inglaterra com referências à expansão dessa perspectiva conceitual. No Brasil,
essa idéia se propaga, com a participação de um grupo significativo de
pesquisadores brasileiros no I Congresso sobre formação de Professores nos
Países de Língua e Expressão Portuguesas, realizado em Aveiro, 1993, sob a
coordenação da professora Isabel Alarcão.

24

Conhecimento que o sujeito adquiriu a partir das suas próprias experiências, ao longo da vida. É subjetivo e
inerente as habilidades individuais. Tácito vem do latim tacitus e significa “que não é expresso em palavras”.

44

Nos anos de 1993, Zeichener, a partir da proposta de Schön, que se
baseou em Dewer, dissocia a incoerência do conceito de professor reflexivo com
práticas e treinamentos, “que possam ser consumidos por um pacote a ser
aplicado tecnicamente”.
Segundo Schön (1992, p.76) o paradigma atualmente dominante nos
ambientes pedagógicos de pesquisa é o do professor reflexivo, que tenha a
competência desenvolvida pelas práticas de formação, de ser um sabedor de sua
experiência de suas possibilidades de investimentos pessoais.
Para compreender o professor como prático reflexivo, é necessário
reconhecer a riqueza da sua própria experiência; de modo individual significa que
a sua prática deverá ser o caminho da reflexão sobre sua própria experiência, por
que ela é o resultado da (re)produção de outras práticas. Ser reflexivo é saber o
que se quer mudar e qual o caminho a ser percorrido para fazer isso.
Nesse mesmo período Perrenoud (1993) pensava que a prática do
professor não devesse ser pensada somente como ação pedagógica em sala de
aula, nem como colaboração didática entre os profissionais da educação. Ela deve
ser compreendida como uma reflexão de seu cotidiano na carreira, das relações
de trabalho e de poder nas organizações escolares e – na autonomia e
responsabilidade conferidas aos professores, de forma individual e/ou coletiva. A
reflexão dos professores sobre as experiências de seu trabalho profissional e

45

sobre situações problemas, no contexto da aprendizagem, para nós possibilita
rever a ação pedagógica matizada pelas rotinas ou habitus25.
Dessa forma, portanto, indaga-se sobre a possibilidade da construção de
um sujeito-professor-profissional reflexivo. A pergunta suscita inúmeras respostas,
porém a que nos filiamos centra-se na idéia de que é através da formação inicial
que discuta e encaminhe o Projeto Político Pedagógico do curso com
características de aprendizagens teórico-práticas, num contexto que introduza as
tendências das concepções pedagógicas que melhor se apliquem à realidade de
atuação do educador, ou seja, que ele esteja apto a ensinar a ensinar, ensinar a
aprender e aprender a aprender.
Um outro ponto a ser discutido é o embasamento da didática de forma que
possa estimular a reflexão e discussão acerca de questões relativas a como
ensinar. Com isso, garantir condições de implementar conhecimentos específicos
e didático-pedagógicos para colher resultados de aprendizagens significativas
coerentes. O ensino-aprendizagem como um mecanismo de mediação para
melhorar a qualidade social, garantindo uma formação inicial adequada.
Já a formação continuada dos profissionais da educação concretiza-se na
participação em serviço, em reuniões e encontros pedagógicos que agreguem
saberes outros ao processo de aprender a ensinar, reconfigurando a identidade
individual e coletiva, resgatando a autonomia e a emancipação.

25

Entendido como sistema de esquemas de percepção e de ação que não está totalmente sob o controle da
consciência.

46

Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de
interações da prática, a ‘reflexão-na-acção’ é o melhor instrumento de
aprendizagem. No contato com a situação prática, não só se adquirem e
constroem novas teorias, esquemas e conceitos, como se aprende o
próprio processo dialético da aprendizagem (SCHÖN, 1993, p.104).

Algumas iniciativas ocorrem no ambiente escolar quando se tenta implantar
o processo de formação continuada em serviço, numa tentativa de formar para a
reflexão sobre a própria prática, pretendendo entender reflexão como um
instrumento essencial para o desenvolvimento do pensamento e da ação docente,
considerando a ação-reflexão-ação26 dos professores, uma tentativa de superar a
linearidade e a mecânica que existe entre a teoria e prática pedagógica exercida
pelos professores. Nesse sentido, afirma Freire (1997, p.43) “na formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre
a prática”.
Desde 1933, Dewey defendia o ensino reflexivo através da investigação da
ação persistente e cuidadosa, nesse sentido Schön (1995) reflete que a idéia de
reflexão-na-ação27 “nada tem de novo”.
Ao refletir a formação em serviço, necessário se faz refletir a trajetória da
construção do ser sujeito/professor, pressupondo um sujeito ativo e integrante
desse processo, bem como o entendimento da escola como um espaço educativo,
no qual trabalhar e formar não sejam atividades distintas.
Apresenta-se nesse momento a necessidade de análise da categoria
ontológica essencial da teoria marxista que é o trabalho. Partindo do pressuposto

26

Movimento estudado por Schön que valoriza a experiência e a reflexão na experiência que pressupõe a
uma formação profissional, baseada na epistemologia da prática, como momento de construção de
conhecimento, reflexão, análise e problematização desta.
27
Processo definido por Schön, pelo qual os professores aprendem a partir da analise e interpretação de sua
própria atividade.

47

epistemológico de que o trabalho é fundante do ser social, de que ele é uma ação
consciente do homem na transformação da natureza, ao tempo em que,
transformando a natureza ele vai transformando a si próprio, numa constante
dialética, como já discutido anteriormente.
Na evolução desses pressupostos, em 2001, Almeida contribuiu com
questões sobre o sujeito-professor-profissional reflexivo acrescentando que o
mesmo deverá ser capaz de estabelecer relações com o espaço escolar, como um
todo e com seus pares, fazendo com que os conhecimentos teóricos e a prática
sejam adequados às exigências de sua atividade profissional, em um processo
contínuo de desenvolvimento.
Desta forma, pode-se relacionar a formação continuada com a qualidade de
ensino na escola, pois
Como a prática do professor [profissional da educação] desenvolve-se
na escola, a sua melhora profissional leva à melhora da instituição e
vice-versa. Para reforçar essa idéia Nóvoa nos diz que “as escolas não
podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não
podem mudar sem uma transformação das instituições em que
trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar
articulado com as escolas e os seus projetos (ALMEIDA, 2001, p. 07).

Atualmente a realidade das políticas educacionais não oferecem condições
à formação dos profissionais da educação, não propiciam condições concretas
como carreira docente, jornada de trabalho, salário digno nem condições de
trabalho, bem-estar aos professores, nem espaços coletivos para se enfrentarem
as questões educacionais e profissionais.
A docência profissional necessita de um conjunto de conhecimentos
específicos, pois exerce uma influência, evidentemente, positiva à formação dos

48

alunos, quando se trata das questões relativas à emancipação humana, à
cidadania, à democracia, à liberdade de expressão por que gera uma formação
diferenciada, analítica e educativa que possibilita uma qualidade de ensino
necessária à atual situação escolar e social.
o homem no final do século precisa reaprender a pensar. O simples
exercício da reflexão, entretanto, não é garantia de salvação dos cursos
de formação de professores, pois a reflexão não é um processo
mecânico. Deve antes ser compreendida numa perspectiva histórica e
de maneira coletiva, a partir da análise e implicações sociais,
econômicas, culturais e ideológicas [...] é uma prática que expressa o
poder de reconstruir a vida social e sendo vista a partir dos
condicionantes que determinam os contextos sociais dos docentes,
compreender a base das relações sociais e de trabalho em que ela
realiza e a que interesses poderá servir. (ALARCÃO, 1996, p.174).

De acordo com Smyth Contreras (1996) a reflexão passa por quatro fases:
descrever o que estou fazendo, informar que significado tem o que faço,
confrontar como cheguei a ser ou agir desta maneira e reconstruir como poderia
fazer as coisas de um modo diferente.
Segundo Freire (1998)
sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos
outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida,
abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta,
recusa aos fatalismos, identificação na esperança, abertura à justiça não
é possível a prática-pedagógica-progressista, que não se faz apenas
com ciência ( F REI RE,1 99 8 , p .1 38) .

A realidade escolar brasileira apresenta um cenário desanimador e tem
demonstrado a urgência na revisão do compromisso político e educacional. Os
índices alarmantes de repetência e evasão escolar deixam milhões de brasileiros
à margem da sociedade letrada , limitados em sua impossibilidade de acesso ao
conhecimento e por conseqüência ao mundo competitivo de trabalho. Dessa
forma, parece-nos que esse insucesso deve-se em parte às concepções de sujeito

49

aprendiz e de aprendizagem, e as relações envolvidas nesse interjogo que
existem e subjazem às práticas tradicionais do ensino. Portanto, o professor
necessita de novas formas de análise e explicação sobre o processo de
construção do conhecimento.
Perrenoud (2001, p.137) explica que a concepção ainda dominante em
meios de formadores de professores é a de que, antes de tudo, o professor é um
transmissor de saberes disciplinares e que precisa apenas compreender as bases
teóricas didáticas específicas da metodologia geral para poder aplicar.
Infelizmente, os programas de formação de professores ainda se
apresentam

mecanicistas

apoiando-se em

concepções

de

aquisição

de

conhecimentos.
A formação inicial é considerada “demasiadamente teórica” ou “não
suficientemente prática”, “muito afastada da realidade de sala de aula”, “ ou
demasiadamente ligada a modelos”. Há uma queixa permanente dos professores
que estão sendo formados sobre a postura dos formadores. Acham que seus
formadores não conseguem “explicar o necessário” sobre as dificuldades que
seriam encontradas no dia-a-dia, nem sobre a influência dos problemas sociais
sobre a classe, ou ainda, sobre a psicologia do aluno, a metodologia, entre outras.
Também se pode verificar a resistência de muitos professores à mudança e
ao autoquestionamento, rejeitando qualquer teorização, esperando por receitas
prontas, o que é evitado ser fornecido pelos formadores.

50

Os sujeitos (professores) falam de um lugar marcado pelo contexto do
capitalismo, onde a relação é muito forte com o poder, alguns utilizam-se do
discurso dominante e outros se colocam na posição de dominados.
Apesar da intencionalidade de mudança de alguns, o engessamento e
embotamento teórico são enormes e os faz reféns dessa prática, não conseguindo
ultrapassar as barreiras do velho para o novo, num discurso efetivamente coerente
com uma prática pedagógica dialógica e crítica.
Três questões centrais são debatidas e questionadas no ambiente
acadêmico a respeito da formação inicial e ou continuada, em serviço, do
professor:

os

elementos

de

definição

do

“ser”

profissional

docente

e

profissionalizar a educação, as interrogações sobre as competências que deverão
ser construídas profissionalizando-os e as premissas que definem a formação
articulada à prática diária do professor.
Trabalhos inovadores na área da formação docente foram desenvolvidos
por Catani, em 2002, quando implementava novas idéias e conceitos como
autobiografia profissional e

pesquisas em grupo na formação continuada,

promovendo a busca do professor pela sua identidade e sua “excelência
profissional” (Cattani, 2002, p. 22).
Dessa forma, o Projeto Político Pedagógico, como observado por Veiga
(1995, p.22 passim) apresenta-se como parte do processo da construção da
identidade docente, por ser ele compreendido como o documento mestre da
escola, àquele que guia as ações e orienta a prática diária, resultado da
construção coletiva, que congregou um processo de reflexão. De acordo ainda

51

com Veiga, “é um grande desafio propor um trabalho desse tipo, expressão
máxima de liberdade democrática, numa realidade social burocrática e
hierárquica.”
Mas o que de fato ocorre nessa evolução do ser profissional, do ofício de
professor? Charlier (2001, p.86) cita que em artigo recente Perrenoud identifica
duas vias possíveis para definir essa situação: de um lado a proletarização e, de
outro, a profissionalização.
Os professores vêem-se progressivamente despossuídos de seu oficio
em proveito da noosfera de pessoas que concebem e realizam os
programas, as condutas didáticas, os meios de ensinar e de avaliar, as
tecnologias educativas e que pretendem oferecer aos professores
modelos eficazes de ensino – é uma forma de proletarização. Os
professores tornam-se verdadeiros profissionais, orientados para a
resolução de problemas, autônomos na transposição didática e na
escolha de estratégias, capazes de trabalhar em sinergia no âmbito de
estabelecimentos e de equipes pedagógicas, organizados para gerir sua
formação contínua – é a profissionalização (PERRENOUD, 2001, p.
234).

Preconiza-se, dessa forma, que haja políticas de formação que levem em
consideração os aspectos pessoais, organizacionais, uma formação orientada
pela reflexão sobre o que foi vivido, pela poder da partilha coletiva, pelo
rompimento dos modelos tradicionais de formação. Dessa maneira, evitar-se-á a
proletarização dos professores e alcançar-se-á efetivamente a formação que vise
o profissionalismo.
No cenário brasileiro, vários são os debates acerca dessa questão,
mobilizando e desencadeando novos olhares de diversos agentes, na tentativa de
construir uma educação de qualidade para todos, concretizando a vertente de que
formação e valorização profissional são questões indissociáveis.

52

A melhoria da qualidade do ensino é um dos principais objetivos do Plano
Nacional de Educação – PNE (2001), porém somente será alcançado se houver a
promoção e viabilização da valorização do magistério. Sem esta, ficam baldados
quaisquer esforços para alcançar as metas estabelecidas em cada um dos níveis
e modalidades do ensino. “Essa valorização só pode ser obtida por meio de uma
política global de magistério, a qual implica, simultaneamente: a formação
profissional inicial; as condições de trabalho, salário e carreira; a formação
continuada” (Plano Nacional de Educação, 2001).
O abandono ao magistério por professores, ano após ano se torna uma
prática das mais freqüentes devido aos baixos salários e às condições nas
escolas, de trabalho.
Formar na perspectiva de se ter profissionais com perfil cada vez mais
qualificados para o magistério é uma das questões que está presente no PNE que
acrescenta ser
preciso criar condições que mantenham o entusiasmo inicial, a
dedicação e a confiança nos resultados do trabalho pedagógico. É
preciso que os professores possam vislumbrar perspectivas de
crescimento profissional e de continuidade de seu processo de
formação. Se, de um lado, há que se repensar a própria formação, em
vista dos desafios presentes e das novas exigências no campo da
educação, que exige profissionais cada vez mais qualificados e
permanentemente atualizados, desde a educação infantil até a educação
superior (e isso não é uma questão meramente técnica de oferta de
maior número de cursos de formação inicial e de cursos de qualificação
em serviço) por outro lado é fundamental manter na rede de ensino e
com perspectivas de aperfeiçoamento constante os bons profissionais
do magistério. Salário digno e carreira de magistério entram, aqui, como
componentes essenciais. (PNE, 2001).

A valorização profissional, não somente do trabalho coletivo que possibilita
a troca de saberes, mas ao enfrentamento das contradições da realidade do dia-a-

53

dia, do trabalho individual que subjaz à identidade docente e efetiva a sua prática
na sala de aula.
Tornar-se-á

necessária

uma

concepção

de

formação

pautada

na

centralidade do trabalho do professor, como um dos princípios educativos
problematizadores da formação, desenvolvendo o compromisso social, político e
ético, além da vivência coletiva e do desenvolvimento de uma base sólida que
contenha

uma

formação

teórica-prática,

metodológica,

de

pesquisa

e

interdisciplinar.
Com isso considera-se uma política de formação nacional e valorização dos
profissionais da educação, pautada na educação como processo de construção
permanente, reconhecendo a base da articulação entre teória-prática como a
ação-reflexão-ação. Concordando com Freire (1980, p. 91, passim) “a prática de
pensar a prática é a única maneira de se pensar certo”, levando-se em conta a
realidade escolar e o currículo que possibilitem tempos e espaços de
aprendizagens significativas.
Freire liderou um movimento pela consolidação da transformação do
homem, da educação e da sociedade e alertou para essa imbricação de teoria na
práxis28 considerando que “a ação sem reflexão se converte em ativismo,
sacrificando a práxis e conseqüentemente, o diálogo.”
Essa perspectiva de formação diferencia a formação tradicional que apenas
treinava, reciclava, aperfeiçoava e capacitava para a prática superficial da
educação. Segundo Costa (2005, p.22 passim) a expressão “formação continuada
28

O conceito de PRÁXIS para Marx é um conceito central de uma nova filosofia, a atividade específica do
homem, e é definida como atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria
(faz, produz), e transforma seu mundo humano e histórico e a si mesmo.

54

é a que melhor se adequa ao processo [...] que não se restringe apenas ao
período posterior à formação inicial. Pelo contrário, a formação inicial é parte
desse processo de formação continuada.”
Em pesquisas recentes na área de formação de professores e as
tendências investigativas contemporâneas teórico-epistemologicas-metodológicas
e políticas, Pimenta investiga a fertilidade das contribuições de Schön no campo
da formação de professores encontrando uma forte valorização da prática na
formação dos profissionais, ou seja, uma prática refletida, que possibilite respostas
às questões inusitadas, às situações novas, de incertezas e indefinição, portanto,
à necessidade de currículos de formação que proporcionem possibilidades de
reflexão, repensando, dessa forma, a prática existente desde o início da formação,
e não apenas ao final, como tem acontecido com os estágios.
Pimenta(2002, p.06 passim), acentua que essas questões voltam às pautas
de discussões “por serem organizacionais da prática educativa e por suscitarem a
necessidade de reflexão para a implantação do Projeto Político Pedagógico da
escola”, pela importância do trabalho coletivo, as questões referentes à autonomia
do professor e das escolas, às condições de trabalho, de carreira, de salário, de
profissionalização de professores, sua identidade epistemológica (quais saberes
são próprios),
os processos de formação dessa personalidade pessoal e profissional,
as novas necessidades colocadas às escolas e aos professores pela
sociedade contemporânea das novas tecnologias, do engarçamento das
relações sociais e afetivas, das novas configurações do trabalho e do
emprego, requerendo que os trabalhadores busquem constantemente
re-qualificação, através de cursos de formação continua, entre tantos
outros pontos.

55

Nessa perspectiva a formação não se reduziria a treinamento ou
capacitação ultrapassando, dessa forma, a idéia de educação permanente, para
dar conta das necessidades apresentadas pelos professores nos dilemas e
conflitos da sua atividade de ensinar. A formação de professores careceria da
valorização da pesquisa e da prática no processo, numa articulação teoria-prática,
instâncias formadores universidade-escolas, numa dialética de retro-alimentação.
Costa (2005, p.21) apresenta quatro modelos de formação continuada: a
forma universitária (transmissão da teoria, o formador é o produtor do saber), a
forma escolar (as instituições são as responsáveis), a forma contratual (há uma
negociação entre diferentes parceiros) e a forma interativa-reflexiva (resolução dos
problemas reais, com discussão do trabalho entre as partes interessadas).
Costa segue citando Kramer que define apenas dois modelos de formação
em serviço: os pacotes de treinamento e os encontros vivenciais.
A formação docente, sempre improvisada, com muitos professores
contratados por tempo determinado, apresentando baixa remuneração, precárias
condições de trabalho e utilizando-se de material didático inadequado, trouxe para
a população em fase de escolarização, uma enorme frustração e evidencia o
Estado de Alagoas nos piores lugares da estatística brasileira, com índice mais
elevado de analfabetismo do Brasil. As dificuldades da realização de programas e
ações, apenas com professores voluntários, que fatalmente resulta na
descontinuidade.
De acordo com alguns pesquisadores e educadores, a EJA é um
mecanismo que o governo e a sociedade utiliza para (des)contribuir para a
construção da cidadania. Como foi verificado ao longo do trabalho, desde os anos
56

de 1990, o Estado vem se retirando da obrigação de promover a EJA, deixando
para que tal política se realize através de parcerias com a sociedade civil, nem
sempre significativas e efetivadas.
Em Alagoas, de acordo com o Plano Estadual de Educação (PEE
2006/2015), a trajetória da educação de jovens e adultos no Estado sempre
esteve atrelada a campanhas nacionais ou em “campanhas relâmpago” com a
finalidade de ensinar aos jovens e adultos a lerem e a escreverem o próprio nome,
em menor tempo possível.
Desde o Brasil colônia, destacando-se o Governo Gaspar Dutra (1947),
passando pelo MOBRAL, durante a ditadura até o PAS, no governo Fernando
Henrique Cardoso, em 1997, as campanhas e programas sempre estiveram
atreladas ao desejo governamental e é assim até hoje. O aumento do número de
jovens e adultos que ficaram sem atendimento no Ensino Fundamental ou se
evadiram dele reflete na sociedade atual, provocando um aumento em números
absolutos de jovens e adultos analfabetos.
Sabe-se que a questão do analfabetismo está diretamente ligada à política
e à ideologia dominante e ao longo deste trabalho, mostrou-se o caminho
percorrido pelos discursos, suas condições de produção e efeitos de sentido que
justificam essas marcas da história das lutas em favor da escolarização da
população, comprovando-se que o discurso de exclusão e incompetência dos
jovens e adultos sempre permeando o discurso dos professores em sala de aula,
reafirmando constantemente o fracasso escolar nessa modalidade, que ratifica a
questão de que os discentes estão “fadados ao fracasso” e a uma estabilização
social.
57

A década de Educação para Todos esteve/está fadada ao constrangimento
pelos números apresentados. Não houve uma significação das oportunidades
educacionais para a população jovem e adulta alagoana.
A dificuldade de acesso e a não permanência na escola pelas crianças
devem sempre ser considerados pelo sistema escolar como fatores de produção
do analfabetismo. Reprovação, evasão e reingresso, que resultam de falha
institucional a escola precisa ser avaliados um plano de diferencial negativo e
constitutivo da acentuada defasagem na relação idade/série.
Discutem-se, no entanto, questões relacionadas à prática docente que
advêm da formação e que permanecem com vínculos solidificados às práticas
tradicionais, não havendo mobilidade e transformação. A investigação volta-se ao
olhar minucioso para o porquê do engessamento, o porquê dos processos de
formação não libertarem os professores para a profissionalização, libertando-os,
assim, de paradigmas, pressupostos, modelos e conceitos antigos?

2.1.1 A Formação do Professor para a EJA

Os dados negativos apontam principalmente quando diz respeito ao
professor da EJA. A profissionalização para essa modalidade é construída por
processos autoformativos, através da prática, sem embasamento teórico. Não há
coerência entre o currículo apresentado e estudado pelos cursos de pedagogia
com a atuação do professor da EJA. Poucas ou quase nenhuma são as
58

abordagens de como lidar com a prática respaldando-se em nenhuma teoria para
essa modalidade. Há, sobretudo, uma sobrecarga de responsabilidade social para
esse docente.
Nega-se ou desconsidera-se que o processo de formação dos
alfabetizadores da Educação de Jovens e Adultos continua a ser um dos
maiores desafios para a educação brasileira e principalmente para os
próprios educadores [...] (BARROS, 2005, p.68/69).

Para se pensar nessa formação específica, a exigência se transforma em
avaliação e revisão, “da prática educativa e da formação inicial e continuada
desses educadores, principalmente se consideramos as especificidades dos
sujeitos-alunos-trabalhadores” (Barros,2005,p.69).
De acordo com o Plano Nacional de Educação, 2001:
As necessidades de qualificação para a educação especial e para a
educação de jovens e adultos são pequenas no que se refere ao nível
de formação pois, em ambas as modalidades, 97% dos professores têm
nível médio ou superior. A questão principal, nesses dois casos, é a
qualificação para a especificidade da tarefa.

Integração e interdisciplinariedade curricular darão significado e relevância
aos conteúdos articulados à realidade social e cultural. Dessa forma essa
perspectiva que se torna mais ampla na formação e profissionalização docente,
romperá com a antiga formação reduzida ao encaminhamento das técnicas e
didáticas pedagógicas.
Segundo Beislegel (1984, p. 207) só é possível falar na existência de uma
política de educação de jovens e adultos (EJA) analfabetos no Brasil, a partir da
década de 1940.
A EJA representa uma dívida social não reparada àqueles que não tiveram
acesso ao domínio da escrita e da leitura como bens sociais, dentro ou fora da
escola e que representam a força de trabalho que elevou as riquezas e o

59

patrimônio público. Ser privado desse acesso é, de fato, um agravante nas
políticas públicas brasileira.
Desde à época citada por Beislegel, vários foram os programas que
sugeriam um amplo movimento de educação de base para a população rural, não
envolvendo preparação específica para essa modalidade.
Uma política de valorização e formação dos professores especificamente
para a EJA garantiria a dialética teoria/prática e asseguraria um momento de
construção nacional e ampliação dos conhecimentos e saberes, resgatando os
processos reflexivos e investigativos, retomando a análise e problematização da
prática no reconhecimento do conhecimento tácito, que se faz presente nas
soluções do cotidiano pedagógico.
Uma política de formação e valorização que deveria envolver não somente
os docentes, mas todos os demais profissionais que compõem e atuam no
processo pedagógico, com especificidade dos conhecimentos e conteúdos.
A consolidação de uma política nessa formatação asseguraria a
profissionalização dos docentes da educação e garantiria a compreensão desses
para com o papel e inserção da escola no sistema educacional e sua relação com
o poder público; a construção da gestão democrática na escola e no sistema de
ensino; o financiamento da educação no Brasil e gestão financeira na escola; o
processo de construção do Projeto Político Pedagógico e da participação dos
diversos segmentos escolares.
Uma formação tanto inicial quanto continuada que previsse a atualização da
identidade pessoal e profissional, com o objetivo maior de assegurar a melhoria na
sua atuação.
60

Para tanto, de acordo com as discussões travadas na Conferência Nacional
da Educação Básica e pré-conferência municipal de educação, em outubro de
2007, seria necessário que:
ƒ

ƒ

ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ

ƒ
ƒ

os processos formativos, para todos os que atuam na educação, contribuíssem para a
apropriação de meios, mecanismos e instrumentos que permitam intervenções mais
satisfatórias, do ponto de vista pedagógico, no dia-a-dia, a partir da compreensão dos
condicionantes sócio-políticos e econômicos que permeiam a organização escolar;
A política de formação desses profissionais fosse sintonizada ao plano de carreira e à justa
jornada de trabalho. Ações para melhorar a qualidade do ensino, as condições de trabalho
e a qualificação dos trabalhadores; salários dignos, promoção de planos de carreira com
critérios justos e claros para a ascensão e a dignidade do exercício profissional;
Houvesse uma maior articulação entre o MEC, instituições formadoras, movimentos sociais
e sistemas de ensino.
A oferta de condições técnicas aos municípios e às escolas na identificação das
fragilidades e das potencialidades do sistema fosse efetivada e a avaliação processual,
somatória e diagnóstica contribuísse para a melhoria da educação nacional.
Os sistemas e as escolas deveriam também, estabelecer políticas próprias e
complementares para potencializar as possibilidades, bem como garantir intervenção
propositiva nas lacunas e fragilidades.
Tanto a avaliação central, como a dos sistemas de ensino e das escolas precisariam
compreender que o sucesso ou o fracasso dos estudantes é resultado de uma série de
fatores extra-escolares e intra-escolares, que, intervêm no processo educativo;
A avaliação deveria considerar o rendimento escolar, mas deve, também, situar as outras
variáveis que contribuem para a aprendizagem, tais como: os contextos culturais nos quais
realizam os processos de ensino e aprendizagem; os impactos da desigualdade social e
regional, na efetivação e consolidação das práticas pedagógicas e qualificação dos
professores
A avaliação da ação dos docentes complementaria um amplo processo de compromissos
com a qualidade social da educação;
Qualquer que seja o tipo de formação, ela deve estar alicerçada nos princípios da base
comum nacional, como parâmetro para definição da qualidade, bem como ser reflexo da
articulação necessária entre o MEC, instituições formadoras e os sistemas de ensino.

Embora reconhecendo o lugar que o Estado representa, necessário se faz
pensar na garantia da permanente formação, específica e continuada para os
educadores em EJA, ampliando o universo de conhecimentos do professor no
intuito de facilitar a compreensão dos alunos.
A realidade29 não é transparente, ela se apresenta, apenas nas aparências,
e eclode demonstrando que, no decorrer de anos, não há avanço. Alagoas

29

Para Marx, a realidade se compõe de essência e aparência e somente essa última se mostra.

61

enfrenta uma característica peculiar, enraizada historicamente por conceitos e
concepções arcaicas: faz-se de conta que algo está sendo feito.
Ainda há restrições e, pode-se dizer, preconceitos para com os conceitos
de alfabetização. Os professores são improvisados e a formação, dita continuada,
não atinge o contingente esperado, pela rotatividade dos profissionais que não
garantem a construção de um projeto coeso e coletivo, implantado sobre o pilar da
crença.
A formação de professores precisa atender à diversidade, educadores que
estejam envolvidos com os programas para garantir a ampliação da escolarização
e do alto índice de evasão encontrada no ensino da EJA. Vê-se, pois, uma real
necessidade dessa específica formação docente, vez que, deve-se resguardar
uma relação pedagógica com sujeitos, que trabalham ou não, e que trazem uma
história de vivências e experiências que não podem ser ignoradas.
Neste contexto histórico atribulado, as mudanças são contínuas e rápidas,
carecendo de novos olhares para os conceitos até então formatados numa época
em que pouco se investia em educação e formação. O movimento eletrizante da
tecnologia produz uma necessidade de se ter novos olhares e práticas concretas.
Essa luta pela formação docente que se apropria dos meios de
comunicação e conexão global sempre esteve associada, de acordo com cada
período histórico, às missões, escolas itinerantes, cursos por correspondência, a
aulas por radiodifusão, aos discos, vídeos e no momento atual ao computador.
Valorizam-se dessa maneira, às correlações entre conteúdos das áreas do
conhecimento e universo de valores de vida dos alunos.

62

2.1.2 A Formação Docente Brasileira e Alagoana: um percurso histórico

Foram os jesuítas os que primeiro ensinaram a ler e escrever no Brasil,
porém não temos dados de sua atuação como professores em Alagoas. Pimentel
(2001) cita que do colégio que os jesuítas fundaram, em meados do século XVIII
(cuja casa ainda existia em 1820), à margem do Rio São Francisco em Porto Real
do Colégio, não há documentos a respeito. Na evolução da “formação mental
alagoana”30, pouco ou nada deve-se a eles. Desde os Jesuítas a educação nunca
foi para todos. Historicamente foram construídos pressupostos políticos que
dificultaram e impossibilitam a prática efetiva do profissional docente.
Em Alagoas os núcleos fundamentais da educação estão situados nos
conventos franciscanos de Penedo e Alagoas que criaram aulas de gramática
“para os filhos dos moradores, sem estipêndio algum” (COSTA,1983, p.127). Os
poucos letrados que aqui passavam, eram portugueses, exercendo cargos
públicos.
Passamos quase um século sem muitos avanços na educação alagoana.
Em 1773, doze anos após a oficialização do ensino em Portugal, foi implantada a
Lei do Subsídio literário, que dizia da necessidade da colaboração de 10 réis por
indivíduo livre, de ambos os sexos, para sustentar a formação eclesiástica dos
estudantes seminaristas pobres e do futuro Seminário em Olinda, que seria
construído também com essa verba.

30

Termo citado por Craveiro Costa para designar a construção da escolarização e da formação intelectual
alagoana.

63

Por todos os lados era notória a falta de indivíduos que pudessem exercer
as profissões liberais e os cargos políticos. São três os períodos marcados como
períodos históricos da nossa “evolução mental”: o primeiro em 1719 com as aulas
de gramática com os frades franciscanos; o segundo em 1799, de quando são
datadas as escolas públicas na comarca e entre os anos de 1800 a 1899 quando
se dá o final da monarquia e com ela o período de grandes ícones no jornalismo,
na política e nas ciências, de alagoanos que se fizeram intelectuais pela
implantação dos cursos jurídicos, de engenharia e de medicina, das Academias
Militares, da Biblioteca Real e do Jardim Botânico, que atenderia, em primeiro
lugar aos desejos intelectuais e de formação de D.João VI, da Família Real e dos
que os acompanhavam, quando da chegada ao Brasil.
Ainda neste período imperial, D. Pedro, numa tentativa de melhorar a
situação educacional, cria o método Lancasteriano que consistia em formar um
soldado na província e torná-lo propagador de conhecimentos com o Ensino
Mútuo31, não obtendo, contudo, bons resultados. Fávero (2001, p. 36) cita que o
método disseminara-se como novo e revolucionário, difundindo a educação
gratuita rapidamente.
A Constituinte de 1823 chega a mencionar a questão da formação do
professor, com o intuito de se ter um serviço público de educação para as classes
menos favorecidas. Qualquer pessoa poderia abrir uma escola, bastava ser

31

Segundo Fernando de Azevedo (1964, p.112) “esse método esteve em voga durante mais de vinte anos,
cada grupo de alunos (decúria) era dirigido por um deles (decurião), mestre da turma, por menos ignorante
ou, se quisessem, por mais habilitado. Por esta forma, em que o professor explicava aos meninos e estes,
divididos em turmas, mutuamente se ensinavam, bastaria um só mestre para uma escola de grande número
de alunos".

64

cidadão. Qualquer pessoa poderia assumir a função de professor, tendo o ensino
um caráter artesanal e espontâneo, sendo as aulas improvisadas e dando-se
sempre um “jeitinho de ensinar”.
A educação e a formação de professores continuou a ter uma importância
secundária para o Estado e para a Nação, enquanto nas colônias espanholas,
desde 1538, já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e
a de Lima. Nos Estados Unidos desde 1774 já existia a preocupação com a
escolarização básica. Neste mesmo ano foi implantado no Brasil o primeiro
Instituto Nacional para o Ensino Primário.
A nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo quando
fundiram-se as Faculdades de Direito, Filosofia e Artes, no Rio de Janeiro, com a
finalidade de poder dar o título de Doutor Honoris Causa ao Rei Alberto I, da
Bélgica, que viera visitar o Brasil. Apesar de, como citado por Fávero (2001, p.37)
ter sido apresentado pela Comissão de Instrução Pública, à Constituinte de 1823,
projeto sugerindo a criação de universidades brasileiras.
Durante todo o império, a evolução da educação alagoana, como a
brasileira, pouco avançou e muitos reclamavam de mau desempenho. A
descentralização do poder delegava às províncias “promover a educação da
mocidade” (FÁVERO, 2003, p.38), o que não apresentou resultados satisfatórios e
somente 11 anos depois, o Ato Adicional traria novidades quanto às tentativas de
descentralizar a instrução pública no Brasil.
Com a Proclamação da República tentaram-se várias reformas que
pudessem dar uma nova guinada, no entanto, a educação não sofreu um
processo de evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em
65

termos de modelo. E continuava a crescer o número de iletrados e analfabetos.
Alagoas acompanha o ritmo nacional, não apresentando nenhum dado novo.
Em 1817, projeto de lei foi apresentado pela Comissão de Instrução Pública
criando Escolas de Primeira Letras e proibindo o castigo corporal. Solicitava que a
aprendizagem dos professores fosse realizada na capital da província (emenda do
Deputado Batista Ferreira). A deficiência de métodos convenientes aplicados a
este gênero, a precariedade das instalações escolares, a falta de qualificação dos
professores e o descontentamento do professorado trouxeram o insucesso do
Projeto de Lei.
A primeira Lei da Educação que efetivamente propunha a formação docente
foi promulgada em 1827, mas na prática a formação acontecia nas províncias.
A identidade e o perfil do professor alagoano vai-se delineando através dos
tempos com altos e baixos e de acordo com os acontecimentos históricos
brasileiros.
A Constituição de 1894 tem pretensões liberais, mas não assume os
princípios do liberalismo e nega direitos sociais básicos como a garantia de
acesso à educação pública. Eram obrigados a votar os que sabiam ler e escrever,
com exceção das mulheres que eram proibidas de votar. Omite-se o que diz
respeito à formação de professores, deixando a responsabilidade a cargo da
família e do próprio indivíduo. Rui Barbosa, citado por Fávero (2001, p.112),
conclama que é urgente a “Reforma dos métodos e a reforma dos mestres” para
se ter o progresso da rotina pedagógica.
As Escolas Normais de Nível Médio começam a se expandir, principalmente
em Institutos Religiosos, que formavam normalmente moças oriundas das classes
66

pobres, órfãs ou que queriam ingressar no mercado de trabalho que até 1881 era
exclusivo dos homens. Elas eram preparadas para a docência das Primeiras
Letras e somente em 1925, fala-se em Escola Normal Superior que se preocupava
com O QUÊ e o COMO ensinar.
A consciência da importância do magistério consolidou-se com o Manifesto
dos Pioneiros em 1932 e com o lançamento do anteprojeto constitucional da
Associação Brasileira de Educação (ABE) –1933, quando a educação inaugura
uma nova fase, com seu direito declarado e uma pedagogia sustentada na
individualização

e

na

consciência

do

ser

social.

Nasce

o

ESPÍRITO

PEDAGÓGICO.
Apontam-se problemas educacionais brasileiros que têm necessidade
urgente de reestruturação e re-configuração das linhas gerais, já que se estava
diante de uma sociedade em vias de modernização e Alagoas caminha a passos
curtos na questão da formação.
Após setenta e quatro anos de sua publicação, o Manifesto ecoa ainda hoje
com seus princípios e com a bandeira hasteada pela luta da formação docente.
Pode-se verificar que desde aquele momento a preocupação com a formação dos
professores, em nível superior, ficou evidenciada no sentido de que os
professores, por serem considerados parte da elite nacional, deveriam, receber
formação universitária de qualidade.
Pode-se verificar que professor era designação para qualquer pessoa que
fosse considerada cidadã, distante do sentido de “profissional que ministra aulas”.
Platão (2001) em “A República” alertava sobre a importância do papel do

67

professor na formação do indivíduo, demonstrando a necessidade de esse se
mostrar coerente pelo fato de ser modelo de virtudes.
Ainda hoje Alagoas apresenta uma formação precária, sem os conteúdos
teórico-metodológicos

adequados

ao

momento.

Uma

grande

parte

do

professorado, entre nós, se apresenta sem qualquer preparação, sem a devida
atenção do sistema educacional. Muitos desses profissionais são recrutados em
todas as carreiras, sem a oportunidade de tomarem conhecimento das teorias
pedagógicas. Pode-se ser professor em qualquer graduação, desde que se tenha
cursado a disciplina afim.
A formação docente, como função do Estado, passou a ser assunto das
políticas sociais. Professor até então era apenas uma função e não uma profissão.
Ao ser iniciado o ciclo de estudos que constituiriam as diretrizes da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), n.9394/96, o cenário nacional
inicia um novo processo de mudanças, tendo passado por momentos marcantes,
como

o

da

redemocratização,

que

tornou

o

ensino

propedêutico

e

profissionalizante, bem como a importação de modelos como o tecnicismo, dos
Estados Unidos, que chegou com a abordagem Behaviorista Skinneriana32, a qual
formavam-se técnicos da educação com um esquema de modelagem,
engessamento do comportamento dos indivíduos favorecendo ao governo da
época, implementado nas práticas pedagógicas, até hoje.
Alagoas segue historicamente as definições da União. As ações e atuações
dos professores não avançam e a prática consolida-se em repetição, modelagem
e engavetamento de possibilidades e conquistas.
32

Concepção psicológica que se respalda no processo de condicionamentos (estímulos-respostas).

68

Não há pois, uma política universitária efetiva que esteja voltada à formação
específica para o professor da Educação de Jovens e Adultos, com definição de
mecanismos e proposta pedagógica para a formação inicial e continuada que
cumpra as exigências da sociedade. A Lei não determina, apenas sugere, a
formação do professor para a EJA.
Aconteceram, isoladamente, três cursos em nível de pós-graduação para a
EJA, dos quais dois foram realizados pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) e um no Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC), com
duração de 320 horas, no período entre 2001 e 2006, que não atenderam à
demanda.
O professor formado deve atender ao aluno como mediador do
conhecimento, o que requer uma formação teórico-prática continuada, uma
formação libertadora para ser agente libertador e conduzir seus alunos à
liberdade, principalmente no que diz respeito ao processo de alfabetização.
Segundo Moura (2004), vivemos um embotamento teórico que, apesar das
iniciativas teórico-metodológicas na área educacional e de algumas políticas
públicas,

não

trazem

produções

eficazes,

denotando

uma

repetição

marcadamente histórico-cultural, o que influencia negativamente a visão que os
educadores têm de si e de seus alunos, dificultando a prática e com graves
complicações para o processo ensino-aprendizagem.
De acordo com os indicadores de evolução das instituições de ensino
superior em Alagoas, no período de 1981 a 1999, o quadro docente alagoano,
com ensino superior e especializações era muito pequeno. A tabela 01, abaixo,

69

demonstra em números os indicadores de evolução das instituições de ensino
superior em Alagoas.
Tabela 01 – Indicadores de evolução das instituições de ensino superior de
Alagoas de 1981 a 1999.
INDICADORES
Matrícula
Graduação
Mestrado
Doutorado

1981

1996

1999

11.418
-

14.668
90
-

20.677
196
4

Matrícula em curso noturno
Inscritos/Vestibular
Vagas/Vestibular
Ingressos/Vestibular
Concluintes/ ano anterior

5.247
15.499
2.790
2.621
2.053

7.193
13.279
4.125
3.839
1.964

10.430
33.294
11.382
8.390
2.384

Docentes
Total
Com Mestrado
Com Doutorado
Servidores em exercício

1.125
89
22
1.704

1.239
272
112
2.284

1.984
490
226
1.364

Fonte: MEC/INEP/SEEC – dados da Graduação e MEC/CAPES – dados da Pós-graduação

Em Alagoas são 02 universidades: uma estadual e a outra federal. Na
Universidade Federal de Alagoas, O Centro de Educação (CEDU) agrega além do
Colegiado do Curso de Pedagogia, o Colegiado do Curso de Pedagogia a
Distância, o Colegiado do Curso de Bacharelado em Educação Física, o
Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação Física, e o Programa de PósGraduação em Educação que por sua vez agrega os Colegiados do Curso de
Mestrado em Educação Brasileira e dos Cursos de Especialização.
Nos curso de licenciatura (Letras, Química, Física, Geografia, Matemática,
História, Ciências Sociais) da referida universidade, não existe no currículo
nenhuma disciplina que trate das questões da alfabetização ou educação de
jovens e adultos. A disciplina EJA é ofertada como eletiva na grade do curso de

70

Pedagogia presencial, a distância e no campus em Arapiraca, cidade do interior de
Alagoas.
Segundo professora – P.S. que leciona a disciplina EJA, na UFAL, em
entrevista aberta sobre a formação de nível universitário dos futuros pedagogos,
assim se posiciona:
é um disciplina eletiva da grade curricular do curso de pedagogia. Essa
disciplina tem carga horária de 80 h. Sendo eletiva, fica a critério do
aluno, cursá-la ou não, tanto sendo aluno do diurno, quanto do noturno.
O fato de ser a EJA eletiva, se torna um fator agravante em relação ao
turno noturno, já que esses alunos, no quarto ano, estagiarão em salas
de aula do 2º. Segmento. Sendo ela ofertada no 3º. Ano, serve de base
que contribuirá com o desenvolvimento do estágio, uma vez que trata do
histórico, da oferta em nível nacional e estadual, assim como aborda
questões relacionadas à organização da modalidade, à prática específica
do professor da EJA, questões relacionadas à alfabetização e ao
letramento bem como às contribuições de Freire para a EJA. (P.S. UFAL).

A formação continuada para professores que atuam na EJA se constitui de
vital importância, já que não existe a formação específica em graduação, apenas,
como cita uma professora da rede estadual de ensino, “é uma disciplina ministrada
como eletiva, que não possui caráter obrigatório, mesmo estando os alunos do
turno noturno obrigados a estagiar nesta modalidade no 4º. Ano do curso”. Como
os cursos funcionam somente à noite (com exceção de um único na rede estadual
que atende aos alunos da EJA no turno vespertino), os alunos fazem estágio de
observação em classes de Educação de Jovens e Adultos nas redes estadual e
municipal, o que para alguns é uma tortura, não somente pela falta de preparação
que tiveram durante a graduação. A respeito disso, em entrevista com aluna do
quarto ano, do curso de pedagogia, ela comenta: “Quando entrei em sala tomei
um susto enorme, eram adultos! O que eu iria fazer com eles? Como iria aplicar os
conteúdos?”

71

A outra universidade é estadual, Universidade Estadual de Alagoas
(UNEAL), que somente surge transformada administrativamente de fundação para
universidade em 30 de outubro de 2006 e apresenta o curso de Pedagogia nos
cinco campus distribuídos pelo interior alagoano, a ver: Campus I – Arapiraca,
Campus II - Santana do Ipanema, Campus III - Palmeira dos Índios, Campus IV São Miguel dos Campos e o Campus V - União dos Palmares. Em todos eles são
oferecidos no curso de Pedagogia a disciplina da EJA implementada na grade
curricular. Os cursos de licenciatura não contemplam a disciplina.
A Fundação Educacional Jayme de Altavila (FEJAL) que abrange o
CESMAC, é uma instituição particular que apresenta os cursos de licenciatura em
Letras, História, Biologia e Matemática sem ter na grade curricular a disciplina. No
curso de Pedagogia os alunos participam da disciplina “Magistério para classes de
alfabetização”, com apenas 2 horas semanais num total de 40 horas por semestre,
que trata das questões da alfabetização tanto para crianças quanto para jovens e
adultos, ficando pouco tempo para a especificidade que a modalidade exige.
Há uma grande queixa por parte dos alunos entrevistados não somente
pela disciplina ter curta duração, como pelo fato de ao estagiar serem obrigados a
lecionar em salas da EJA nas redes estadual e municipal. De acordo com uma das
alunas do curso, do quinto período “há um prejuízo enorme, mesmo tentando ser
criativa, a dinâmica da aula é diferente com o jovem e adulto, nós precisamos de
mais ferramentas para poder ir à prática”.
No ensino médio normal, antigo Instituto de 2º. Grau, os professorandos(as)
participam da disciplina no quarto ano e os conteúdos específicos para o trabalho

72

com a EJA são distribuídos em seminários vinculados à disciplina Didática Geral e
Prática de Ensino.
Perrenoud (1993, p.15) diz que “só é possível pensar a formação dos
professores pensando e repensando constantemente à luz das ciências humanas
– de todas as ciências humanas – as práticas pedagógicas e o funcionamento dos
estabelecimentos de ensino e dos setores educativos”, concretizando o
pensamento de que as formações que são dadas tornam-se inadequadas para a
realidade, comprometendo os profissionais.
“Qualquer pessoa” podia e ainda pode, ser professor dos cursos de
alfabetização para jovens e adultos, desde que tenham no mínimo o ensino médio;
em alguns programas, como no caso do programa Brasil Alfabetizado, o
alfabetizador pode até nem ter esta escolarização.
Eu, aos 16 anos, fui convidada para substituir uma professora grávida na
EJA de uma escola municipal que trabalhava com o programa Brasil
Alfabetizado. Não tinha formação alguma e nem sabia o que fazer em
sala. Mas fui. Deparei-me com jovens e adultos... Lá tinha um senhor
com uns 65 anos que queria aprender a ler para casar, daí eu me
perguntei: Para quê este homem, que já vai morrer, aprender a ler? A
partir do inicio da minha formação e com as reflexões feitas em algumas
disciplinas, principalmente na especifica que fiz para a EJA, comecei a
repensar na questão do adulto na escola e de que este adulto não
necessita apenas de aprender códigos, mas ser inserido no contexto
social. (Depoimento da aluna L.N.C. do curso de pedagogia – UFAL).

Inicialmente a Resolução FNDE/CD no. 33, de 03 de julho de 2007, do
Programa Brasil Alfabetizado diz no primeiro parágrafo que os beneficiários do
programa são os professores da educação básica da rede pública dos Estados, do
Distrito e dos Municípios; professores não habilitados para o magistério, em
exercício na rede pública dos Estados, do Distrito e dos Municípios e na alínea “d”

73

que os educadores populares, deverão ter o nível médio de escolaridade. Mais
adiante estabelece:
§ 4º Admitir-se-á, mediante justificativa acerca da impossibilidade do
cumprimento do requisito estabelecido na alínea d, que as atividades
dos educadores populares sejam, excepcionalmente, desenvolvidas por
participantes que não tenham a escolaridade mínima exigida.

Dessa

forma

fica

assegurado

que

um

leigo,

“qualquer

pessoa”,

independentemente da escolarização, pode ser professor alfabetizador.
Muitos cursos e programas rápidos são ofertados para a habilitação de
futuros formadores. Ensinam-se formas e fórmulas para um sucesso imediato.
Alguns desses programas traçam a meta de em 3 ou 6 meses se ter um grupo de
jovens e adultos alfabetizados. E depois? Haverá continuidade?
O professor é colocado em posição incômoda, reagindo negativamente às
condições precárias a que está exposto. Para receber “salários indignos”, são
postos em situação de ter que, além de segurar de qualquer forma o aluno em
sala, porque ele vale dinheiro e porque senão a turma será extinta, ir buscar esses
alunos em casa, num trabalho de convencimento. Alguns têm que se deslocar
para locais de difícil acesso.
De acordo com dados divulgados em 2001 pelo INEP/IBGE, ligado ao MEC
(Brasil, 2002) o número médio de alunos por turma era de cerca de 28 alunos por
sala. A realidade alagoana mostra que os professores das redes estadual e
municipal chegam a lecionar em salas que tem entre 30 e 50 alunos, muitos
desses dependendo da carga horária que possuem, atendem a até 15 turmas.
De acordo com o IBGE/INEP/PNDA –2005, Alagoas apresentou no primeiro
semestre de 2005 um quantitativo de professores inferior à demanda de alunos

74

nas matrículas para o Ensino Fundamental, a ver: dos 101.714 docentes, 45.213
integram a rede pública estadual e apenas 162 são professores públicos da rede
federal; 46.190 estão no município e 10.149 são contratados pela escola
particular.
Segundo a Secretaria de Educação Estadual no segundo semestre do ano
de 2005, o Estado apresentava um efetivo de mais de 11.000 professores na
atividade, dos quais 1200 são professores monitores33. Com a demanda na
matrícula para os alunos da educação básica este número apresentado não
atendia, ficando um déficit no número de professores para os alunos.
A LDBEN determina que os cursos de formação inicial para os professores
devem atender à demanda das modalidades e às características exigidas para
cada fase:
Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender
aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às
características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá
como fundamentos:
1. a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
capacitação em serviços;
2. aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e outras atividades.

Na prática a teoria é outra. Apesar de ser reconhecido pelo Ministério da
Educação como cursos que preparam profissionais para o Magistério, na
educação básica, em nível de licenciatura plena, o que se trata de requisito legal
desejável para os professores atuarem nas redes de ensino, Alagoas ainda admite
a formação em nível médio, já que a formação superior para os profissionais ainda

33

Professor-monitor: categoria criada pelo Governo para a contratação de professores temporários, sem
vinculo empregatício com o Estado e com tempo determinado para término do contrato, sendo o pró-labore
referente a uma bolsa.

75

é limitada. O quadro abaixo apresenta a situação docente, de acordo com o nível
de ensino e formação:
Tabela 02 – Docentes de Alagoas segundo nível de ensino e formação –
2003.
FORMAÇÃO/ATUAÇÃO
Fundamental
Curso Normal Médio
Médio Outra Form. Comp.
Sup. Lic. Completa
Sup. Sem Normal Médio
Sup.Semlic.semNor.Médio
Total

ENSINO
FUNDAMENTAL
365
1.5873
846
7.921
761
191
25.957

ENSINO
MÉDIO
1
405
369
3.053
348
204
4.380

ENSINO
NORMAL
0
89
24
242
29
31
415

TOTAL
366
16.367
1.239
11.216
1.138
426
30.752

Fonte: CDI/SEE/2003

O Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Conselho Pleno (CP) n.1, de
15 de maio de 2006 apresentam resolução que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura, definindo
princípios, condições de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem
observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos sistemas de
ensino e pelas instituições de educação superior do país.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se
à formação Inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio,
na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área
de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos.

Mas não preconizam sobre a EJA.

Um outro ponto que se faz necessário mencionar é a carência dos
profissionais nas diversas áreas do conhecimento e sua falta de desejo em se
qualificar. A valorização docente é inexpressiva no Estado, e os professores

76

recebem salários baixos e irrisórios, que trazem um sentimento de inoperância e
incapacidade.
A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE), que vem lutando pela qualificação profissional, desde os anos 80,
entende que a formação continuada é a continuidade da formação profissional e
deverá proporcionar novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para
desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico.
O grande desafio para a educação alagoana é o de que precisamos refletir
e implementar uma atuação efetiva, que capacite na essência os professores. Não
há uma consciência sobre o processo de formação dos alfabetizadores e continuase a produzir a ignorância acadêmica.
[...] A formação tem sido realizada por escolas normais que estão longe
de serem laboratórios de experimentação pedagógica. Essas escolas
além de afastarem-se da prática real, mantêm-se distantes dos avanços
das disciplinas que nutrem a reflexão pedagógica. (MOURA, 2001,
p.121).

As universidades progressivamente vêm assumindo a formação continuada
para educadores de jovens e adultos, com programas e convênios realizados por
ONGs e instituições privadas da sociedade civil, que possuem uma ampla tradição
de investimentos na área.
Nas entrevistas realizadas com técnicos das Secretarias de Educação
estadual e municipal, ficou claro que no período de 2004/2006, houve uma procura
para se criar estratégias de formação continuada para os professores, porém com
dois grandes agravantes: o primeiro, por estas formações não possuírem proposta
curricular, no caso um projeto pedagógico especifico; e

o segundo porque a

disciplina curricular que proporcionaria a formação inicial básica do professor seria

77

ofertada com conteúdos superficiais sobre a área. Efetivamente neste período só
aconteceram as formações para professores da rede municipal. O Estado não
priorizou essas formações.
Tais iniciativas ainda são minúsculas face à demanda que vem crescendo
aceleradamente na área. O início do ano de 2007 foi marcado pela suspensão das
formações continuadas no município de Maceió. A alegação dos técnicos é de que
há necessidade de tempo para reestruturar os programas.
O caráter voluntário é flexível e descontinuado, levando as ações a uma
provisoriedade; a ausência da preocupação com a profissionalização dos
educadores; falta de investimentos no campo das pesquisas e produção do
conhecimento enriquecendo não somente a formação do formador, mas a sua
prática docente; o não reconhecimento da educação de jovens e adultos como
uma habilitação profissional e a não abertura de concursos públicos para a área
são algumas das dificuldades, apontadas no processo de formação.
É comum o sentimento dos professores que estão na ativa de que estão
fazendo sempre um favor. De acharem que este tipo de trabalho, voltado a EJA, é
subjugado pela sociedade, dessa maneira, apresentam pouca ou nenhuma
responsabilidade em relação ao aluno e a qualidade do trabalho que produz.
Naturalmente este deveria ser um convite da sociedade a estas pessoas que
foram produzidas por nosso próprio sistema, para o letramento.
Dos professores entrevistados apenas dois demostraram entusiasmo para
dar aulas a esta modalidade, quatro acham que “estão fazendo um favor ao

78

governo”, oito colocam que trabalhar à noite resolveu os problemas de
acumulação de cargo e o restante do grupo age com indiferença.
Diante da fragmentação de uma sociedade cheia de ambigüidades, é vital a
necessidade de rediscutir e reconstruir os papéis do formador. Estamos vivendo
uma época caracterizada pela perda de sentido, de certeza e falta de referências.
O desequilíbrio tomou conta das esferas da educação. Estamos numa dualidade
de princípios organizacionais e educar nesta concepção é um contra-senso, já que
almejamos formar seres pensantes, reflexivos, críticos, cidadãos, capazes de
transformar e ampliar conhecimentos adquiridos, que sejam capazes de testar e
experimentar o novo.
É quando colocamos as universidades e faculdades formadoras num
processo de ampliação de seus papéis e funções, redimensionando objetivos num
sentido de uma formação continuada que pressupõe uma organização teórica,
prática e metodológica diferenciada, que parta do conhecimento produzido pelo
próprio professor-construtor das futuras práticas pedagógicas a serem aplicadas.
A formação continuada necessita ser implantada em um espaço que seja
privilegiado, de preferência o próprio local onde o educador trabalha, dentro de
uma carga horária destinada a este fim, incluindo a EJA, principalmente pela
precariedade na formação básica.
Não se pretende oferecer a fórmula mágica para resolver este problema,
mas demonstrar a necessidade da mudança de paradigmas na educação, que se
encontra na essência do analfabetismo no Brasil, para que o problema da
formação dos formadores tenha solução.

79

Podemos analisar que:
o adulto a ser alfabetizado, está inserido na sociedade, da qual pode ou
não se sentir segregado como conseqüência do seu despreparo para
enfrentar, tanto os mais simples requisitos de qualificação tais como o
letramento básico, ou requisitos mais complexos de leitura, escrita e
interpretação de conceitos, como acontece em organizações complexas,
como indústrias, comércio, serviços e outros similares. (PISANDELLI,
2001, pág. 76).

Obviamente ao nos referirmos ao adulto analfabeto, estamos implicitamente
dizendo que houve uma criança que não foi alfabetizada no momento certo e que,
com o passar do tempo, transformou-se nesse jovem e adulto analfabeto. Isso nos
leva a refletir sobre o princípio de causa e efeito aplicado às famílias carentes.
O questionamento neste ponto é: a família é carente como conseqüência do
analfabetismo ou os analfabetos são conseqüência das carências da família?
Infelizmente ambos os questionamentos são corretos. Causas e efeitos se
alternam na passagem das gerações. Um círculo vicioso difícil de quebrar,
principalmente nas regiões mais pobres do país. Este círculo é continuamente
alimentado por um sistema político, social e educacional pernicioso e elitista que
discrimina os níveis menos favorecidos, através de restrições, e agravado pela má
utilização e desvio de recursos humanos e materiais, dificultando, sobremaneira, o
acesso ao conhecimento a esses grupos sociais, e, mais ainda, o discernimento
dessas causas e conseqüências que os mantém insipientes em relação as
questões sociais. Não basta aprender a ler e escrever, ser alfabetizado, é,
sobretudo, significar e ressignificar a sociedade.
A respeito disso Costa escreve:
A causa do fracasso passa, assim, a ser situada na própria criança que
de vítima se transforma em réu. Dizemos vítima porque, segundo este
ponto de vista, esquecemos de considerar que esta criança sofre as

80

conseqüências de um sistema social e educacional perverso, que não
lhe oferece as condições necessárias para se apropriar do conhecimento
dito formal, científico ou padronizado (ou seja, o conhecimento que a
escola objetiva transmitir. (COSTA. 2000, p.63).

Uma família carente dificilmente apresenta suas necessidades básicas
minimamente satisfeitas, nem sequer em níveis relativos, pois não existe garantia
de alimentação, moradia, repouso entre outras e segurança física do grupo
familiar, muito menos condições de avaliar as razões sociais da miséria que
vivenciam.
Nessa situação de subsistência precária em que a inversão dos valores
morais, sociais e de justiça apresentam-se subvertidos pela própria necessidade
de sobreviver, dificilmente a ‘‘história prévia’‘ terá um final feliz.
Uma criança, fruto desse ambiente, poderá encontrar uma das saídas para
seu futuro através da escola e do conhecimento de fatos e situações diferentes
daquelas a que está acostumado a viver, o que poderá lhe abrir as portas do
trabalho e da ascensão social, pelo sentido que poderá produzir a respeito da
sociedade que o alija. O que se espera dessa escola é que possa lhe fornecer as
ferramentas necessárias para construir, degrau por degrau, a escada que lhe
permitirá a quebra daquele círculo vicioso e a conseqüente passagem para níveis
mais elevados dentro da escala social. O sucesso da aprendizagem da leitura e da
escrita passa não somente pelo educador, mas sobretudo pelo aluno que pode
entender melhor as suas carências e desejar uma aprendizagem significativa.
No campo da alfabetização de adultos, a concepção tradicionalista ainda é
muito freqüente. Mesmo os adeptos da análise da realidade, da crítica, do
encaminhamento por procedimentos pedagógicos e metodológicos adequados,

81

quando no trabalho com a escrita, retrocedem ao ensino hierarquizado, (primeiro,
letras, depois, sílabas, palavras etc) por ser mais rápido, menos complexo e atinge
ao objetivo que é do educando saber decodificar as letras.
Pinto (2001, p.74) alerta que
é evidente que os problemas pedagógicos (a matéria a ensinar, os
currículos, os métodos) correspondentes a cada faixa etária são
distintos. Por isso, a alfabetização do adulto é um processo
qualitativamente distinto da infantil (a não ser assim, cairíamos no erro
da infantilização do adulto).

O que deve ser ensinado ao jovem e adulto é a possibilidade de uma
escrita, leitura e fala autônoma na diversidade de circunstâncias, o que implica
desenvolver formas organizativas e discursivas diferenciadas e realizar atividades
distintas como o ler, escrever e falar: re-escrever, parafrasear, citar, revisar,
(re)produzir, ler para se divertir, ler para buscar informação, ouvir, reconstruir,
transformar, aplicar de outra forma, entre outras.
O educador deve ter clareza de que, mais que aprender a “juntar as letras
ou saber escrever o próprio nome”, os jovens e adultos necessitam aprender a
utilizar a leitura e a escrita nas suas diferentes funções sociais, principalmente,
como meio de refletir sobre a sociedade atual que impõe qualificação diferenciada
e exclui os que não a têm. A sociedade capitalista, neoliberal, impõe uma
qualificação diferenciada.
O Estado precisa garantir a permanente formação, específica, para
educadores em EJA, ampliando o universo de conhecimentos do professor no
intuito de possibilitar um efetivo trabalho junto aos alunos que, estão, até então,
excluídos de uma sociedade de classes que perversamente segrega. Alagoas

82

enfrenta uma característica peculiar, enraizada historicamente por conceitos e
concepções arcaicas, faz-se de conta que algo está sendo feito.
Ainda há restrições e, pode-se dizer, preconceitos para com os conceitos
de alfabetização. Os professores são improvisados e a formação, dita continuada,
não atinge o contingente esperado, pela rotatividade que não garante a
construção de um projeto coeso e coletivo.
Neste contexto histórico atribulado, as mudanças são contínuas e rápidas,
carecendo de novos olhares para os conceitos até então formatados numa época
em que pouco se investia em educação e formação. O movimento eletrizante da
tecnologia, bem como o isolamento social, produz uma necessidade de se ter
novos olhares e práticas concretas.

83

Capítulo III
3. O SUJEITO ANALFABETO E A INSTITUIÇÃO
3.1 O Corpus

A partir das reflexões sobre a formação do professor profissional e os
discursos que o constituem no ambiente acadêmico, através das formações inicial
e continuada, este capítulo, efetiva a análise do corpus34 procurando elucidar e
compreender as condições de produção desses discursos que legitimam as
práticas pedagógicas. Estão esses discursos direcionados a formar os alunos de
EJA, como cidadãos transformadores na sociedade, e/ou revelam-se como
preconceituosos e excludentes; analisando dessa maneira em quais condições de
produção se sustentam esses discursos, as formações ideológicas e discursivas
basilares deles, que geram dessa forma, um crescimento do cidadão ou um
possível imobilismo social.
Lourenço Filho, há cinqüenta anos, delineava o projeto para a educação
num patamar de coerência, refletindo as necessidades mais gerais para a
educação de base. Acompanhou várias campanhas e instigou a necessidade de
se ver a educação de adultos como forma de promoção educacional, elemento de
privilégio na construção do país.
A valorização da escola entre os adultos das comunidades rústicas
estenderia os efeitos da Campanha à própria educação das crianças. O
nível de vida, em cada comunidade, condicionaria as possibilidades de
desenvolvimento educacional das criança. [...] Se um meio adverso lhes
34

Segundo Orlandi (1998, p.15) “a constituição do corpus já é análise, pois é pelos procedimentos analíticos
que podemos dizer o que faz parte e o que não faz parte do corpus.”

84

impede o desenvolvimento, o meio culturalmente elevado produz um
efeito contrário. A criança alfabetizada, em um meio de adultos
analfabetos, não logra modificar a situação dos adultos. Mas, o adulto
provido de alguma instrução, em meio igualmente rude, pode contribuir
para transformá-lo, seja atuando no seio do lar, sobre os filhos, seja nas
suas relações mais extensas, sobre toda a comunidade (Beisiegel, 1979,
p. 86).

Por discordarmos quanto à questão de que a “criança alfabetizada, em um
meio de adultos analfabetos, não logra modificar a situação dos adultos”,
concordamos de fato com Beisiegel, quando afirma que o “adulto provido de
alguma instrução, em meio igualmente rude, pode contribuir para transformá-lo”,
ou seja, tanto as crianças quanto os adultos são agentes de transformação que,
através, também, da educação, se tornam emancipados e capazes de (re)conduzir
a sociedade. Ancorando-nos em Freire quando afirma que a “leitura de mundo
precede a leitura das palavras”, podemos constatar que esses sujeitos analfabetos
são pessoas possuidoras de possibilidades e limitações da vida adulta,e que
possuem “sabedorias” que estão além da escrita.
Para discutir essa questão da formação de formadores, muitos foram os
pesquisadores que realizaram pesquisas. Tardif (1991, p.68) entre outros teóricos
procuram analisar a cultura da escola35 à luz das teorias educacionais apontando
para as questões relacionadas à formação docente no que diz respeito à prática
pedagógica. Eles acreditam que existem quatro fatores que definem o saber
docente que entendem como saber plural: os saberes disciplinares36, os
profissionais37, os curriculares38 e os provenientes de suas experiências pessoais.

35

Rituais, práticas etc.
Correspondem aos diversos campos do conhecimento.
37
Transmitidos pelas instituições formadoras.
38
Transformação do saber disciplinar em projetos e ou aplicação efetiva.
36

85

Apontam essas pesquisas para resultados que apresentam a base do
problema relacionada à formação docente, no que se refere à relação teoria e
prática entendidas como unas.

Na constituição histórica das redes do sistema educativo são citados quatro
períodos que definem as marcas das relações conflitantes entre os diversos
grupos sociais, são ele: o primeiro entre os anos de 1934 e 1962, marcado pelas
lutas sociais em favor da escola pública, consolidando a implementação do
pensamento pedagógico liberal no Brasil, podendo ser destacada a Revolução de
30 que foi o marco referencial para a entrada do Brasil no modelo capitalista de
produção. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra
especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930,
foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo
provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades
brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma
Francisco Campos". Ainda nesse período, um grupo de educadores lança à nação
o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, e em 1934, a nova Constituição (a
segunda da República), pela primeira vez, define que a educação é direito de
todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos; o segundo
período, relativamente curto, se desenvolveu entre 1962 e 1964, e caracterizou-se
pelo surgimento da educação popular, especialmente no que se refere à atuação
do pedagogo Paulo Freire; 1964, marca o início do terceiro período com o regime
militar; implanta uma política educativa baseada no tecnicismo, nos conceitos de
racionalidade, eficiência e produtividade, o quarto e último período começa em

86

1980 com o retorno progressivo da democracia e da intencionalidade da
democratização do ensino e da permanência das crianças na escola. Época da
promulgação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Esse rápido passeio pelas condições históricas da constituição do sistema
de ensino brasileiro identifica os principais movimentos ideológicos que marcaram
cada período.
A Constituição de 1824 estabelecia um governo monárquico e hereditário
que afirmava que o “[...] o Império é a associação política a todos os cidadãos
brasileiros", e inicia o caminho legal da estrutura do ensino público brasileiro
quando se determina que todo os cidadãos têm direito à educação primária.
“O artigo 91, desta Constituição concede o direito de votar, nas eleições
primárias, todos “os Cidadãos Brazileiros”, (sic) que estão no gozo de seus direitos
políticos” e ainda os "estrangeiros naturalizados". No entanto, o artigo 92 exclui
esse direito:
I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem
os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um
annos, os Bachareis Formados, e Clerigos de Ordens Sacras.
II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se
servirem Officios publicos.
III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guarda-livros, e
primeiros caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa
Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das
fazendas ruraes, e fabricas.
IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.
V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de
raiz, industria, commercio, ou emprego. (CONSTITUIÇÃO de 1824,
passim).

Nas eleições secundárias, a restrição aumenta. O Art. 94 acrescenta as
seguintes exclusões:
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens
de raiz, industria, commercio, ou emprego.

87

II. Os Libertos.
III. Os criminosos pronunciados em querela ou devassa.

Portanto, todos os “cidadãos brasileiros” eram aqueles que “detinham o
poder” e
Estavam ‘naturalmente’ excluídos do rol dos artífices, os agricultores, os
negociantes, os escravos, as mulheres e os estrangeiros que, por
estarem absorvidos pelos afazeres do cotidiano, destinados a atender
interesses particulares, eram incapazes de julgar, ou seja, de discernir
entre o que é bom e o que é mau; incapazes de determinar as leis que
deveriam reger a comunidade. (CAVALCANTE, 2007, p.104).

Nesse período ainda não se tem implementada a universalização do ensino
fundamental e nem nenhuma direção para os jovens e adultos.
A fragmentação do sistema, ao longo dos anos, foi alimentada por
fenômenos sociais como a descentralização do poder e a privatização neoliberal.
A Constituição Federal de 198839, no artigo 208 dispõe sobre a Educação
de Jovens e Adultos quando estende a garantia de ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, aos que não tiveram acesso a ela na idade própria,
seguindo-se,
Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade
própria;[...]
Vl - oferta de ensino noturno regular adequado às condições do
educando[...] (CONSTITUIÇÃO,1988, portalMEC,passim). (Grifo nosso).

Nas disposições transitórias no artigo 6º, declara-se que “nunca menos de
trinta por cento” dos recursos a que se refere o artigo 212 devem ser aplicados na
“eliminação do analfabetismo”.
§ 6° A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na
manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive na
39

O objeto desta pesquisa vai se limitar à Constituição de 1988, por essa razão, as demais não
estarão sendo citadas.

88

complementação a que se refere o parágrafo 3°, nunca menos que o
equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o “caput’’ do
art. 212 da Constituição Federal. (Grifo nosso).

Vê-se o desrespeito a essa modalidade se iniciar a partir da própria
Constituição, não somente pelo fato de não se ter uma verba específica, exclusiva
para essa modalidade, mas também pela destinação dos recursos, quantia
irrisória, que efetivamente está atrelada ao desenvolvimento do Ensino
Fundamental, e, sobretudo, pelo tratamento que dá aos jovens e adultos
analfabetos, do qual os mesmos serão “erradicados”.
Quem estaria de fato, responsável pela oferta da EJA? Estados?
Municípios? A União? Se observarmos atentamente o artigo 211 dispõe que a
União, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
“colaboração” os seus sistemas de ensino.
Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (Grifo
nosso).

No parágrafo 2º. do mesmo artigo, determina que os Municípios atuarão
“prioritariamente” no ensino fundamental e pré-escolar, deixando clara a redação
que não há obrigatoriedade constitucional do Poder Público para a EJA.
§ 2° Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
na educação infantil. (Grifo nosso).

Nesse contexto legal, o passado é trazido através da materialidade
discursiva desvelando os momentos históricos que evidenciam a falta da
necessidade de se ter profissionalização para se exercer o cargo de professor, ou
seja, professor sempre se constituiu como função, o que se reflete até os dias
atuais, quando em diversos cursos, graduações e pós-graduações os professores

89

que lecionam não dispõem de uma fundamentação técnico-teórico-metodológico
para estar em sala. Esse problema está expresso na visão social que se tem em
relação aos jovens e adultos que foram sempre considerados marginalizados, ‘um
peso social’ e repelidos pela própria sociedade letrada que vai construindo a
história da nação brasileira. Foram excluídos do processo escolar e a política de
incentivo à alfabetização, em EJA, se mantém infantilizadora, inclusive, tratandoos como ‘doença’, ‘vergonha nacional’, além de ‘estoques’40, pela própria Lei e
por inúmeros intelectuais da sociedade brasileira:
LDB (art. 214) A lei estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de
duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do
ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder
público que conduzam à :
I – erradicação do analfabetismo,
II – universalização do atendimento escolar. (Grifo nosso).

Em discurso proferido durante a XIX Conferência Distrital do Rotary,
realizada em maio de 2004, o ex-diretor do Rotary Internacional (E.D.R.I.), H.S.F.,
representando o presidente do Rotary Internacional, à época, afirmou que
A extraordinária evolução do mundo, particularmente após a Segunda
Guerra Mundial, foi capaz de provocar um salto na qualidade de vida da
humanidade. Com a penicilina, muitas pessoas condenadas à morte
foram salvas. No caso das vacinas, fomos além, criando uma proteção
contra os vírus. Os efeitos do analfabetismo são tão destruidores
quanto os de uma doença, com a diferença de que não existe
nenhum antibiótico ou vacina capaz de eliminá-los ou prevenilos. O analfabetismo compromete o futuro dos países emergentes.

De acordo com dicionários41 da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque (1999,
p. 787) e Mor (1983, p.913) erradicar significa desarraigar; arrancar pela raiz; que
cura radicalmente; é um ato de “extirpar”. Dessa forma, entremeando as
afirmativas com a redação da legislação permite-se a pergunta que compõe a
40

Traremos, mais adiante, os fragmentos que constatam essas classificações.
A consulta ao dicionário se torna necessária à medida em que se reflete o funcionamento lingüístico numa
perspectiva do discurso, segundo Sobrinho (2007, p.140) o “sentido se constitui nas práticas históricas e,
sendo o dicionário um discurso, ele sempre tomará posição nos conflitos históricos.”

41

90

época onde se pode extirpar doença, epidemias, moléstias, mas como extirpar,
arrancar pelas raízes pessoas, jovens e adultos? Como “eliminar” sujeitos? Por
que, então, não partir de suas raízes para levá-los a uma outra situação?

Ao assumir um novo governo, cada presidente lança à sociedade propostas
e planos que determinam as prioridades de cada pasta ministerial. Os anos entre
1940 e 1960 foram os que mais avançaram nas propostas para diminuir os índices
alarmantes em que se encontrava o país, com milhões de jovens e adultos
analfabetos.

Quando se trata de política pública está se dizendo que são bilhões de reais
investidos. Parece-nos, que mesmo sendo uma sociedade neoliberalista, que
apresenta uma economia capitalista, não conseguiremos “ser considerados
competentes”. A fim de conquistar a sua institucionalidade a EJA precisará de
muito tempo para se incorporar ao sistema de ensino brasileiro e resgatar-se
como não excluídos.
Esse discurso de exclusão, imbuído de uma ideologia, que o sustenta e
atende à demanda do capitalismo, no sentido de que quanto mais pobres e
submissos, os pobres forem, mais catadores de lixo, garis, empregadas
domésticas prestarão serviços à sociedade e constituirão novos lucros. O governo
precisa e sempre precisou do dinheiro produzido por esse trabalhador, por essa
“mão de obra” e acomoda-se às exigências do mercado em fazer cada vez mais
miserável o já miserável, por que não comportaria uma “mão de obra” total,
qualificada. Haveria dessa maneira um afogamento na economia nacional. Na

91

verdade, esse termo “excluído”, não traduz nenhum sujeito que participa de uma
sociedade, seja de qual classe for.
A maior parte dos projetos da EJA está ligada à alfabetização e ao ensino
fundamental. O atendimento, aparentemente significativo, apresenta alguns
resultados, que são inexpressivos, como já foram apresentados e analisados nos
capítulos anteriores, porém são índices sem significação.
Muitos educadores têm discutido o direito à continuidade que deve ser
promovida, através do Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)
11/2000, o qual determina a importância das vagas para a alfabetização, devendo
garantir a escolaridade básica. No que diz respeito à alfabetização, o único projeto
desenvolvido pelo MEC foi o Programa Brasil Alfabetizado, que apresenta uma
dificuldade enorme para a sua implementação nos municípios brasileiros. Há
ainda projetos espalhados pelo Brasil que desenvolvem programas com o modelo
do antigo Telecurso, como exemplo os realizados pelo SESI, voltados para a
alfabetização de jovens e adultos.
De acordo com Peluso (2003, p.31) a fim de que possa criar políticas
públicas e alternativas pedagógicas para a EJA é preciso conhecer as
características e particularidades adequadas às necessidades dos alunos.
A maior parte dos analfabetos se concentram na faixa etária acima de 45
anos, com porcentagens ultrapassando o percentual de 32,4%. Em algumas
regiões como no nordeste, esta porcentagem chega até 60,4%. (MEC, 2001,
p.19).
A EJA se insere em um movimento muito mais amplo de renovação da
prática pedagógica, buscando a construção; concordando com Freire (1980) uma
92

educação libertária, emancipatória e democrática, a qual deverá incluir a qualidade
do processo ensino-aprendizagem na construção dos conhecimentos.
Inúmeros

educadores

têm

se

manifestado

na

defesa

de

novos

compromissos que devem ser firmados pelos governos para promover novas
políticas educacionais. A escola é um direito garantido a todas e todos os
cidadãos têm o direito de usufruí-la a fim de que se desenvolvam como sujeitos,
participantes intelectual e culturalmente. O conhecimento de mundo de jovens e
adultos faz com que o Estado, no seu papel de oferecer educação gratuita ao
cidadão, vá em busca de métodos e práticas educativas que possam se adequar à
realidade sócio-cultural destes sujeitos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação vem complementar esta forma
educacional, sendo parcial e ausente no tratamento do tema, sob a ótica da
reforma do Estado. A prioridade no Brasil ainda é a educação fundamental das
crianças. Neste sentido a LDBEN não dedicou um artigo sequer ao analfabetismo.
Ao tentar suprimir o combate ao analfabetismo, no artigo 6º. das
Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que determina apenas o ensino
noturno, “Vl – oferta de ensino noturno regular adequado às condições do
educando”,

não especificando quem seria o responsável legal pela EJA. O

governo Fernando Henrique Cardoso abriu caminho para que a nova Lei de
Diretrizes e Bases da educação (1995-2001) fechasse os olhos para o enorme
contingente de jovens e adultos que não têm o domínio da leitura, da escrita e das
operações matemáticas elementares.
Como um passe de mágica, o tema passou despercebido, como se a Lei
tratasse de uma realidade que não é a nossa. A ausência do tema, aponta para o
93

silenciamento da nossa realidade, pois se viesse à tona, iria causar incômodos
para a formação discursiva em que a Lei se insere. De acordo com Orlandi (1995,
p.68) “por ai se apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam
instalar o trabalho significativo de uma formação discursiva.”
A responsabilidade da gestão pública pela oferta da Educação Básica à
população de jovens e Adultos, ancorada no marco legal que assegura o direito
universal à educação em qualquer idade, vem sendo, por muitos e longos anos,
negligenciada e transferida a outras instâncias. As políticas públicas tendem a
deslocar a escolarização de jovens e adultos para o campo do assistencialismo e
do empresarial, transformando o problema da exclusão responsabilidade de
outros.
Neste deslocamento, a população jovem e adulta carente perde por duas
razões básicas: primeiro pelas ações implementadas que são sempre formatadas
por campanhas e programas passageiros e segundo pelo fato de além de
excluídos e produzidos pela inadequação do sistema, tornam a ser relegados ao
plano de sempre esperar, numa progressão de caminhos insatisfatórios.
Fora do âmbito oficial, os programas e campanhas são temporários e
incipientes substituindo precariamente as políticas inexistentes no País.
Alfabetizar o Brasil, de acordo com o artigo 208 da Constituição de 1988 é
ter todos os brasileiros, independentemente da idade, com direito à educação,
direito ao Ensino Fundamental, direito social e direito humano aos “cidadãos”,
“excluindo-se do rol de cidadãos os artífices, agricultores, os negociantes, as
mulheres e os estrangeiros”, (Cavalcante,2007,p.104), participantes desta
sociedade.
94

O governo do Presidente Lula resgata o assunto do combate ao
analfabetismo jovem e adulto, entrando em pauta com o discurso de “erradicação“,
se constituindo uma meta das mais ambiciosas por preconizar a erradicação do
analfabetismo num período máximo de quatro anos. Necessário se faz pontuar
que nenhum país do mundo conseguiu chegar a esse objetivo, em tão pouco
tempo, e que hoje, já não há funcionários ministeriais que cuidem dessa
problemática.
O Ministro da Educação do primeiro mandato, no governo Lula, Cristovam
Buarque, em entrevista à Folha de São Paulo (2003), afirmou que “a erradicação
do analfabetismo não significará, necessariamente, que não encontraremos mais
nenhum analfabeto no país em 2006”. “Não significará necessariamente” deixa
implícito

que

“erradicação”

tem

suas

restrições,

isentando-se

da

responsabilidade de resolver o problema. Erradicar, pois, não é, para o ministro,
acabar, mas, atenuar. Abolir ou erradicar o analfabetismo no Brasil representa
efetivamente atender a mais 16 milhões de brasileiros, o que torna compreensível
o clima de ceticismo no discurso da imprensa. Outros documentos que foram
criados para amparar a formação desse grupo de indivíduos, mostram também
que eram tratados, ao longo dos anos, como pobres, marginais e mercadorias.
Durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de acordo
com a Lei 10.172 de 2001 que aprova o Plano Nacional de Educação, esses
sujeitos foram tratados como “vergonha nacional” e como “estoques”.
[...] o número de analfabetos é ainda excessivo e envergonha o país.
[...] para acelerar a redução do analfabetismo é necessário agir
ativamente tanto sobre o estoque existente quanto sobre as futuras
gerações. (Plano Nacional de Educação, 2001, p.46/47).

95

Para compreender melhor o termo “estoque”, fez-se necessário, recorrer
mais uma vez ao dicionário Aurélio Buarque (1999, p.839), que o define como uma
“quantidade de mercadoria disponível para uso ou venda.”

É preciso, então, questionar de quem estamos falando? Que sociedade é
essa que está sendo tratada? São seres humanos? Sujeitos de um processo
sócio-histórico? Esses brasileiros são na maioria das vezes trabalhadores pobres,
jovens, velhos e/ou moradores das regiões rurais ou das periferias das grandes
cidades, que já vivem em situação de exclusão e miserabilidade.

Pode-se dessa maneira, entender um ser humano mercadoria, como já o
eram à época da escravidão, que se pode vender ou trocar, como objeto que pode
estar exposto em uma prateleira ou guardados em armário como “estoques”, por
apresentarem algum defeito na produção. Os analfabetos “envergonham” por
quê? O discurso de Fernando Henrique Cardoso parece querer produzir um
sentido de que são uma casta inferior que, por responsabilidade própria,
“envergonham” o país. Assim, apaga as causas do “número excessivo” e
silencia que esse número foi produzido por governos que sedimentaram a divisão
de classes e fomentaram a falta de oportunidades aos que não estão incluídos na
classe dominante. Silencia-se também, que sujeitos são transformados em
números, o que gera uma forma de poder e controle social. Dessa forma, isentase da responsabilidade e previne uma possível falta de soluções, pois há um

“estoque” que dificulta por ser “excessivo”. O problema não se constitui no

96

analfabetismo e sim no “excesso” que é apresentado, sendo necessário “agir
sobre o estoque”, agindo dessa maneira, sobre a sociedade que o produz.

São os analfabetos que “envergonham” o país; não as políticas
excludentes que buscam apenas minimizar os efeitos sem buscar as causas.
Silencia-se aqui, mais uma vez que as políticas públicas não são as responsáveis
pelo analfabetismo e sim o próprio analfabeto.
Portanto, segundo o E.D.R.I.–H.S.F.42, deveria o governo tratar de
solucionar esse problema da mesma maneira que o fez em relação as doenças,
aos vírus, utilizando antibióticos ou vacinas para que pudéssemos “eliminá-los”
ou “preveni-los”.

Há, portanto, uma memória discursiva do “fracasso dos jovens e adultos
analfabetos” que é invocada desde a legislação passando pelo discurso dos
ministros e dos representantes sociais, que sustentam o efeito de sentido do
discurso, ou seja, a memória é convocada para a atualidade para reatualizar os
sentidos do momento, dessa forma mobilizam-se novos discursos que darão
suporte à compreensão, “todo discurso dialoga com discursos que o precedem,
incorpora elementos ‘pré-construídos’ produzidos em outros discursos, em outras
épocas, que constituem uma memória discursiva, memória do saber discursivo”
(CAVALCANTE, 2007, p. 48).

O discurso político possui dizeres que compõem uma totalidade de sentidos
engendrados nas relações da sociedade capitalista, articulados ao discurso
42

Ex-Diretor do Rotary Internacional (E.D.R.I.).

97

pedagógico que “utiliza-se do jogo ideológico da dissimulação dos efeitos de
sentido, decorrentes de um processo histórico e social, sob forma de informações
incontestáveis e verdades, cumprindo a função de reforçar a dominação e
legitimar a reprodução da sociedade.” (Florencio, 2007, p.35). Nesse caso, resignificando os conceitos já-ditos e atualizando-os na perspectiva da ideologia do
capitalismo.
As oscilações de governo para governo em relação à EJA vêm
acontecendo numa seqüência de menosprezos e desinteresses. Por um lado, a
Constituição de 88, como já citada, alarga o reconhecimento do direito à educação
básica, tentando atingir a todos os brasileiros, com a obrigatoriedade do
atendimento, por outro lado, a gestão dos ministérios praticamente eliminam a
EJA das prioridades da União. A ação subverte a teoria e desobriga a efetiva
prática em ser cumprida a partir da determinação da própria Lei.
A assertiva de Cavalcante nos remete ao interdiscurso, validando o
percurso que ele faz ao ser construído, “O discurso não nasce, pois da vontade
repentina de um enunciador, mas de um trabalho sobre outros discursos que ele
repete ou modifica” (CAVALCANTE, 2007, p. 49). Os discursos são trazidos de
maneiras diferentes, com dizeres diferentes, em contextos sociais diferentes,
porém reproduzem efeitos de sentido, em virtude da memória histórica que se faz
presente, como se pôde ver, tanto no discurso de Fernando Henrique Cardoso
quanto do Ministro Cristóvão Buarque, do governo Lula e do Ex-Presidente do
Rotary.
Em entrevista concedida ao jornal o Estado de S. Paulo, em 22 de agosto
de 1991, o Ministro José Goldemberg (governo Fernando Collor de Mello) declara:
98

[...] O adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na sociedade. Pode
não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de
prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não exigem alfabetização.
Alfabetizar o adulto não vai mudar muito a sua posição dentro
da sociedade e pode até perturbar. Vamos concentrar nossos
recursos em alfabetizar a população jovem. Fazendo isso agora, em dez
anos desaparece o analfabetismo.

Eles irão “perturbar”, eles não precisam de outro lugar social, já possuem
o seu, “o adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na sociedade”, não
conseguirão mudar sua situação, mas vão criar caso, vão nos dar problemas,
questionar, vão querer melhores empregos, vão lutar por seus direitos e
desestabilizar a estrutura, desarrumar a ordem social e política. Não interessa à
formação dominante do PODER pessoas que possuam autonomia, autocrítica,
independência política e financeira, não interesse mudar, não há interesse em um
sistema diferente, por essa razão praticamente eliminam e silenciam à
necessidade de investimentos em EJA e os excluem das obrigações da União. O
Ministro reconhece, também, que o lugar que o analfabeto deve ocupar “pode

não ser bom, mas é o seu lugar social” que fatalmente, já está predestinado.
Ou seja, há papéis pré-estabelecidos, determinados pelos que detêm o poder.
Em pleno século XX, um ministro da educação admite que existam
profissões das quais, os sujeitos analfabetos não precisam ser alfabetizados,
demonstrando além da exclusão o preconceito com os mais “velhos analfabetos”.
Essa posição é ratificada, através dos anos pela implementação de Campanhas,
que vêm se apresentando sempre, com propostas pontuais, compensatórias e
assistencialistas. Nesse sentido conhecimento implica “poder”.

99

Além do Ministro da Educação José Goldemberg, muitos eram e ainda o
são, políticos, pedagogos, educadores entre outros representantes sociais e
profissionais que consideravam e consideram que “alfabetizar adultos era um

suicídio econômico,” (S.C.R., Revista Veja, 23/06/93) afirmou ainda, que o “adulto
que não sabe ler já se adaptou a esta situação”. Dessa maneira, não se necessita
transmudá-lo para uma situação que o tornará diferente do que já o é.
Na próxima seqüência discursiva, novamente podemos observar a ênfase
dada ao analfabetismo como “doença”, “preconceito” “exclusão” e como “vergonha
nacional”:
Não tenho preconceitos contra os analfabetos, mas acho que
analfabetismo é pior que doença e o povo precisa ser vacinado
contra esse mal, responsável pela cegueira em várias vertentes.
Vacinar o povo contra o analfabetismo é dever do Ministério da Saúde
Mental e do Ministério da Educação moral de um povo.
CHEGA!!!!!!!!!!!(Poetisa A.C.K.).

Ao ser ainda questionado sobre a possibilidade do analfabetismo deixar de
fazer parte das prioridades do Ministério, ele responde:
deixa, sim. E depois de três dias como Ministro já recebi muitas
manifestações de apoio pela medida. Temos de estancar a fonte de
analfabetos, nos primeiros anos de escola e não tentar alfabetizar os
adultos (O Estado de S. Paulo, 22/08/91).

O ministro Goldemberg continuou com esta postura até o final da sua
gestão. Já no final de seu período, quando, ao ser questionado sobre o ensino
fundamental, revela mais uma vez que o “analfabetismo dos adultos é uma

doença em extinção no Brasil..."

100

Esses recortes discursivos evidenciam a existência da afirmação de que os
sujeitos analfabetos são “doença” e, para tanto precisam ser “eliminados”,
“excluídos”, “extirpados” do cenário nacional.

Florencio examina as relações de poder e de controle que são praticados e
legitimados por discursos universais postulados para a prática pedagógica.
Há, na prática pedagógica, diferentes e concorrentes discursos
legitimadores dessa prática, impregnados de posições sociais e
políticas, incluindo-se, portanto, valores relativos a classes sociais, etnia,
gênero, religião. Donde se pode concluir que não é uma prática neutra,
voltada apenas para uma ordem do saber, isenta de relações de poder,
visto que poder e controle são elementos presentes em qualquer
discurso (FLORENCIO, 2007, p. 35).

Essas posições, são posições que apontam para um pré-construído,
designando uma construção anterior e exterior. Orlandi (1999, p.32) cita que “o
dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam
pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas
nossas palavras”, é dessa maneira o “[...] efeito de pré-construído, que representa
essa modalidade discursiva[...]”, segundo Pêcheux (1988, p.264).
Essa posição do Ministro Goldemberg foi e é aprovada, até os dias atuais.
Durante a gestão de Murilo Hingel, no governo Itamar Franco, em 1994,
uma mobilização de reflexões sobre as diretrizes para uma política nacional para a
EJA se intensificaram, realizando-se, inclusive, o Plano Decenal de Educação
para Todos. No entanto, a prática comprova a consolidação da descontinuidade e
desinteresse a essa modalidade.
Durante os anos de 1990, os brasileiros foram tomados por um clima de
perplexidade e de aflição em relação à educação. Os Governos de Fernando
Collor e de Fernando Henrique, governos neoliberais, combinaram uma política

101

educativa com discursos sobre a importância da educação e descompromisso do
estado, segundo Saviani (1996,p.88) havia no setor, um crescente da iniciativa
privada e das organizações não-governamentais.
Collor extingue a Fundação Educar e descentraliza a obrigação para essa
educação aos estados e municípios. São correntes de pensamento que citadas
nas pesquisas de Haddad e Di Pierrô, entendem-se como posições que exprimem
um jogo de responsabilidades.
Outra posição que coaduna com a do Ministro Goldemberg é a do
economista Claudio Moura e Castro, consultor do Banco Mundial, quando em
entrevista declara que
isso não funcionou em lugar nenhum, a não ser em condições especiais
como em Israel. O Brasil não tem condições de recursos para colocar um
analfabeto por dez horas todos os dias na escola. É simples: não
adianta oferecer a ele uma segunda chance dentro do mesmo
sistema no qual já fracassou. Melhor investir para que o sistema de
educação básica passe a funcionar. (Revista VEJA, 05/05/1993).

“É simples: não adianta oferecer a ele uma segunda chance dentro
do mesmo sistema no qual já fracassou.”A primeira chance já foi dada
quando eram crianças deveriam ter estado na escola, mas “fracassaram”.
Silencia-se, mais uma vez, as razões pelas quais os jovens e adultos fracassam.
Oferecer uma ‘segunda chance’ demanda tempo e dinheiro. De quem é, na
verdade, esse “fracasso”? Esses sujeitos são culpados pelo seu próprio
fracasso, foi dada a eles a culpa pelo fracasso, aparecendo o sujeito do discurso
político/neoliberal. Silencia-se mais uma vez a “culpa pelo fracasso”, a
“responsabilidade” que deveria ter a ação do governo para com esses sujeitos. O
discurso político/neoliberal, que funcionou e funciona tão bem, até os dias atuais,

102

como controle e reprodução, expressa as posições políticas e ideológicas do
grupo social.
Segundo Cavalcante (2007, p.65) “o discurso político se inscreve assim, no
campo da persuasão e tem por função, além de sua autojustificação, o
mascaramento da realidade com o objetivo de ganhar a adesão pública.”
Pode-se e é compreensível se defender a educação de crianças como
prioridade também, mas o que está sendo discutido é outra coisa muito diferente:
uma orientação pragmática subjetiva que transporta a evidentes práticas
inadequadas e criam um “ranço institucional” (grifo próprio), que segundo
Beisiegel (1969) é de “custo-benefício para a economia brasileira, tão atual quanto
em antigas posições políticas que legitimam as posturas ideológicas de um grupo
social”, no entanto, são equívocos de esquecimentos para os jovens que em plena
possibilidade

de

produção,

aptos

a

desenvolverem

tarefas

complexas,

dependentes de uma formação intelectual.

103

3.2 O Discurso da Formação Docente, do Docente e sobre o
Analfabeto

Se verificarmos as posições do Estado para a EJA poderemos observar que
a formação docente esteve sempre imbricada a essas posturas de exclusão e
marginalidade. O “engessamento” dos professores comprova a ideologia
impregnada de conteúdos excludentes e marginalizados, transportados pelo
discurso pedagógico.
Leontiev (1978, p.267) defende que cada “indivíduo aprende a ser um
homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em
sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico da sociedade humana”. Dessa forma o indivíduo, ao se
constituir sujeito, é colocado diante da imensidão de pressupostos acumulados ao
longo dos séculos pelos homens e por suas gerações.
Caracteriza-se, portanto, a prática pedagógica como um todo estruturado, a
partir

das

idéias,

valores,

crenças,

posturas

filosóficas,

religiosas

e,

principalmente, ideológicas nas quais, segundo Pêcheux (1988, p. 214) “os
indivíduos são interpelados43 em sujeitos falantes (em sujeitos de seu discurso)
por formulações discursivas que representam na linguagem as formações
ideológicas que lhes são correspondentes”.
43

Interpelação, segundo Pêcheux (1988, p.273, passim), supõe necessariamente um desdobramento,
“constitutivo de sujeito do discurso”, de forma que “um dos termos representa o locutor, ou aquele que se
habilitou chamar o sujeito da enunciação, na medida em que lhe é atribuído o encargo pelo conteúdos
colocados – aquele que toma posição, com total conhecimento de causa, total responsabilidade, total
liberdade – e o outro termo representa o chamado sujeito universal, sujeito da ciência ou do que se pretende
como tal.”

104

O discurso da impossibilidade de uma formação adequada e falta de
investimento em sua própria formação, se constitui um grande problema no meio
acadêmico por expressar as determinações histórico-político-ideológicas de um
grupo social. Nesses discursos os sentidos que estão sendo articulados falam dos
mesmos conceitos, refletindo que, para eles, não será, um dia, possível,
transformar essa realidade brasileira.
Em relação à formação de professores da EJA, atualmente quase não há,
ou na verdade, não há formação continuada na nossa escola. Aqui estão
tentando implantar um trabalho pedagógico, baseado nas Redes
Temáticas, entretanto, percebo que este projeto está caminhando para
não ter sucesso. Os professores têm outras ocupações, não
dispõem de tempo para se dedicarem ao projeto, da mesma forma que
acho que a diretora não está motivada. Enfim, essa nova experiência tem
sido muito difícil para mim.(Professora do 1º. Segmento da EJA- P.P.S.).

A prática discursiva da formação docente traduz uma postura de autoreconhecimento de incompetência e limitações. Ela está sendo produzida derivada
dos discursos emitidos ao longo dos anos da constituição do país e do percurso
de

letramento

brasileiro,

apresentando

um

processo

contraditório

de

silenciamentos e de negação da sua própria identificação, como se pode constatar
nas falas abaixo.
O que dizem os professores?
Eu não sei trabalhar não, estou aprendendo... pode sair muita coisa
errada. (P.P.S.)
Eu mesma não estou sabendo de nada, nem qual é a sala que eu vou
entrar, ai meu Deus... Cheguei e cai de pára-quedas. (P.P.S.)
Eu também quando cheguei para ensinar a adultos, me senti perdida,
não se preocupe não, logo você aprende e desenrola... A gente vai
aprendendo.(P.P.S.)

A formação docente voltada para um processo educativo capaz de
contemplar o sujeito com conhecimentos e metodologias que o levem a uma

105

reflexão a respeito de sua posição como profissional da educação parece remota,
diante do modelo social vigente. Verifica-se no fragmento retirado do discurso da
professora do primeiro segmento da EJA, P.P.S., que “os professores têm
outras ocupações”, que a responsabilidade pelos discentes é de qualquer outro
sujeito, menos dos professores por terem muitas atividades.
Pode ser observada, também, nessa mesma fala, a ausência do
compromisso, “os professores têm outras ocupações”, da mesma forma que
se constatou na fala dos ministros e do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Esses discursos secundarizam a ação do trabalho docente por priorizar outras
atividades, em detrimento ao compromisso da sua própria formação.
As outras professoras ratificam o descompromisso com as turmas de EJA
que se mostra nas marcas discursivas: “pode sair muito coisa errada”, “eu

mesma não estou sabendo de nada”, “me senti perdida, mas, não se
preocupe, logo você aprende e desenrola.” Apesar de uma delas afirmar que
“estou aprendendo...”
Aprender e desenrolar não parece se remeter a receber uma formação
adequada, mas adaptar-se a um desempenho precário para um público que é
caracterizado como “não exigente” e para o qual não se “precisa oferecer uma
educação eficiente”.
A memória discursiva, que atravessa historicamente o meio educacional, de
que o adulto não mais precisa passar por um processo educativo escolar, para
que ele permaneça no mesmo lugar, por que elevá-lo a uma posição de
compreensão do mundo, pode gerar incômodos para os que os dominam, como

106

afirmou o Ministro Goldemberg ele “já tem o seu lugar na sociedade” que

“pode não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de
prédio,

lixeiro

ou

seguir

outras

profissões

que

não

exigem

alfabetização.”
A formação docente, como função do Estado, passou a ser assunto das
políticas sociais, sendo necessária, uma política específica que atendesse a esses
jovens e adultos e os conduzisse a um processo pedagógico de ‘vida’.
Esse processo educativo não poderia limitar-se à simples alfabetização:
como a característica fundamental dos que não possuem essa educação
básica é o analfabetismo, facilmente se confunde o esforço de educação
de adultos com o de combate ao analfabetismo. Seria pois necessário
distinguir as duas noções, a de alfabetização e a de educação de base.
É claro que não bastaria apenas ensinar a ler e a escrever, sendo
necessário também facilitar a aquisição dos hábitos da boa leitura e da
boa reflexão sobre ela, ao mesmo tempo que reforçar as noções dos
valores sociais, cívicos e morais, já existentes em cada aluno, e de
desenvolvimento no sentido do melhor ajustamento social.
Era
necessário educar o adulto para que todos melhor soubessem defender
a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver melhor no seu próprio lar,
na sociedade, em geral. (BEISEIGEL, 1979, p. 99).

Para a formação de professores da EJA necessidades reais se fazem
presentes por se tratar de um público que tem tarefas durante o dia, trabalham ou
não, que apresentam escassa disponibilidade de tempo, ausência de incentivos e
carregam uma marca histórica da desigualdade e discriminação social, o que
transforma a prática educativa num desafio para os altos índices de evasão,
repetência e rendimento baixo. Nesse sentido, é de vital importância o domínio
docente aos modelos de organização das atividades educativas, para melhor
adequá-las às necessidades e peculiaridades dos seus alunos.
Bourdieu (1983, p. 220) estabelece uma analogia com o mercado de bens,
colocando a linguagem como um bem cultural e cita a tese do Capital Cultural,
onde as forças do poder e do domínio são determinadas na prática pedagógica
107

dos professores quando reproduzem através da linguagem que a formação
educativa efetivará sempre que os pobres serão sempre pobres e os dominantes
estarão sempre em posição diferenciada.
De fato, além de ter um caráter intencional a educação é política, ideológica
e quaisquer que sejam os seus conteúdos eles estarão sempre impregnados de
uma condição social, uma condição de classe.
Nesse sentido, confirma-se nas seqüências discursivas analisadas, que a
relação entre os discursos das autoridades (classe dominante) e os discursos das
professoras (classe dominada) se mesclam nas Formações Discursivas. As
relações de poder estão presentes tanto numa classe quanto na outra, pois as
professoras assumem posições decisórias em relação ao que oferecerão aos
alunos e por vezes também falam da posição da classe dominante, pela atuação
da ideologia.
A quem interessa, pois, a educação de jovens e adultos em massa? Onde
esses jovens e adultos poderiam ser absorvidos? Como a sociedade reagiria com
uma nova população letrada e disposta a disputar lugares sociais num contexto
intelectual?
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as
épocas, os pensamentos dominantes, isto é, a classe que constitui o
poder material dominante da sociedade constitui também o poder
intelectual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para
a produção intelectual... Os pensamentos dominantes não são senão a
expressão ideal das relações materiais dominantes compendiadas em
pensamentos. (MARX, 2006, p.121).

Ensinar o homem a julgar segundo o que é realmente a vida, fazê-lo pensar
que é um ser, sujeito, construtor de suas investigações e da condição social de
vida é acima de tudo, arriscado. A teoria educacional precisaria ser ativa e eficaz

108

na evolução histórica das forças produtivas e na ação para a emancipação da
classe trabalhadora.
A formação continuada para professores que atuam na EJA, nesse sentido,
é de vital importância, já que não existe a formação específica em graduação.
Como já dissemos, é uma disciplina ministrada como eletiva, que não possui
caráter obrigatório, mesmo estando os alunos do turno noturno do curso de
Pedagogia – UFAL, obrigados a estagiar com alunos nesta modalidade no 4º. Ano
do curso.
Não há pois, uma política universitária efetiva que esteja voltada à formação
específica para o professor da educação de jovens e adultos, com definição de
mecanismos e proposta pedagógica para a formação inicial e continuada que
cumpra as exigências da sociedade. A Lei não determina a formação do professor
para a educação de jovens e adultos.
Sendo também objetivo desse trabalho articular questões conceituais da
AD, resgatadas a partir da análise de acontecimentos, levando em consideração o
movimento da história em torno das re-significações dos sentidos da formação
docente, busca-se esclarecer o meio social e político, as designações que formam
esses discursos e suas condições de produção nos contextos históricos em que
foram produzidos.
Os professores reproduzem o discurso da classe dominante e não se
reconhecem dominados, ressignificando periodicamente um discurso passado de
assujeitamento e imobilidade social. Podemos observar, que essa afirmativa se
materializa nos recortes discursivos das P.S.P.(s), quando afirmam que “não

109

vamos mudar essa realidade ... a realidade não muda”. “eu faço de conta
que faço, dou uma enroladinha...” que serão analisados no item 3.2.1, desse
trabalho.
As invés de se possibilitar a formação de formadores para a libertação e
emancipação humana, forma-se para a repetição ideológica de “fracassados” do
sistema. O discurso pode até perder volume em algumas épocas mas ganha
proporções alarmantes em outros momentos.
Dos professores entrevistados são poucos os que mostram entusiasmo
para dar aulas a esta modalidade, alguns acham que “estão fazendo um favor ao
governo”, outros colocam que trabalhar à noite resolveu os problemas de
acumulação de cargo e uma grande parte do restante do grupo age com
indiferença.
Diante de tanta fragmentação, de uma sociedade cheia de ambigüidades, é
vital a necessidade de rediscutir e reconstruir os papéis do formador. Estamos
numa dualidade de princípios organizacionais e educar nesta concepção é um
contra-senso, já que estamos tratando de seres pensantes, reflexivos, críticos;
cidadãos, capazes de transformar e ampliar conhecimentos adquiridos, que sejam
capazes de testar e experimentar o novo de saber selecionar o melhor.

110

3.2.1 Uma Metodologia Diferencial para a Formação

A gestão da escola alfabetizadora deve garantir o crescimento do sujeito
objetivando gerar educadores leitores e escritores, possibilitando salas de leituras,
bibliotecas, núcleos de estudos e espaços capazes de viabilizar condições
necessárias a esta formação dialética, já que o conhecimento é um processo em
construção, numa via de mão dupla.
Com isso, muitas escolas buscaram administrar e implantar seus conteúdos
e currículo de forma eficaz; tendo, as mesmas, autonomia para deliberar sobre a
sua prática pedagógica, podendo definir qual metodologia será utilizada em sala
de aula, o que, sem efetividade da formação docente, poderá instalar um caos já
que não existe um currículo universal e, nem, evidentemente, políticas públicas
direcionadas para uma ação coerente. Hoje, o que se apresenta no meio
educacional são práticas assistencialistas ou pontuais.
Algumas escolas da rede pública estadual trabalham com uma metodologia,
que realiza estudos de textos de forma empírica e superficial, discursos colhidos
na comunidade, que se tornaria inovadora e interessante, se realmente realizasse
o trabalho a que se propõe e se a formação dos professores se efetivasse, dando
condições de formar o aluno com posturas de reconhecimento de ser “sujeito de
um processo”, se identificando como agente de transformação. É a metodologia
das “FALAS”, que se confunde internamente nas suas ações. Alguns a tratam por
metodologia de projetos, outros como apenas, conteúdos, pela necessidade de se

111

construir um referencial pedagógico que norteie o processo ensino-aprendizagem,
garantindo a aprendizagem do aluno.
No ambiente acadêmico, transitam por um lado professores que não
aceitam essa metodologia e por outro coordenação e direção que aspiram e
determinam a implantação dessa prática.
Segundo a professora A.G.M., que foi também “treinada” para lecionar com
essa metodologia, mas não participa da escola onde foram colhidos os discursos
para o CORPUS desse trabalho:
não é bem uma estrutura com temas geradores e sim uma rede
temática, baseada na concepção de Paulo Freire. É uma estrutura que
vai além do tema gerador e exige que se façam visitas periódicas à
comunidade, para recolher e selecionar as falas e serem, dessa maneira,
colocadas no banco de falas. Os professores pensam qual é a fala que
melhor expressa a realidade da comunidade, as que nós julgamos que
precisa ser superado. (P.P.S.)

O trabalho com ‘Redes Temáticas’ surgiu quando estados e municípios
definiram por uma prática pedagógica que se fosse definida e se efetivasse a
partir dos pressupostos teóricos de Paulo Freire. Em Alagoas, foi contratado um
grupo de São Paulo para iniciar as formações com os professores. Alguns
formadores vieram, também, de Porto Alegre e outros de Ponta Grossa, no
Paraná, para atender à rede estadual.
O passo seguinte, segundo a mesma professora é
tirar a questão nuclear do contexto social e, assim, se transforma em
situação problema e vai gerando a rede, porque os professores
começam a pensar como vão trabalhar. A realidade dentro da
realidade. A realidade que supera a realidade. Esses conhecimentos
influenciarão na transformação da consciência para a vida. (P.P.S.)

112

De acordo com a coordenadora pedagógica da Escola de onde foram
colhidos os recortes analíticos que possibilitaram a constituição do CORPUS
nesse trabalho,
no começo da escola a gente apanhou muito com essa história da fala
porque era tudo muito novo. A gente não tinha nenhuma experiência. A
gente teve um treinamento aqui, quando surgiu nós tivemos muita
dificuldade, vieram pessoas do Rio Grande do Sul trazendo a experiência
deles para cá. Nós tivemos vários e vários treinamentos... (Coordenadora
Pedagógica – C.P.)

As secretarias estaduais brasileiras não institucionalizaram o método como
um procedimento universal. Alguns estados começaram deixando como opção,
mas depois, implantaram como metodologia própria, é o caso de Minas Gerais e
Rio Grande do Sul. Porém, nem todas as escolas da rede estadual trabalham com
essa estrutura.
De acordo ainda com a coordenadora
A experiência melhor que veio de fora foi a do Paraná, foi mais
interessante, muito mais útil muito mais proveitoso, foi quando eu
consegui, claro que também já foi um resultado de outros
entendimentos, somatório de vários treinamentos anteriores e tinha
condições de analisar, já tinha um conhecimento prévio, talvez por que
eu já tinha participado de vários treinamentos, o esquema de falas deles
é muito mais simples e muito mais produtivo, tanto que entrou uma
questão de personalidade na Escola. Uma questão de personalidade
na Escola. O pessoal da manhã trabalha aqui com o esquema do Rio
Grande do Sul e à noite eu trabalho diferente com o modelo do
Paraná, é praticamente o mesmo mais eu acho mais fácil. Ai eu forcei
uma barra e consegui. E o interessante é que esse ano eu tive um
treinamento no Proletramento, como tutora e as formadoras eram
de Ponta Grossa no Paraná e as formadoras quando estava indo
o trabalho com as falas lá e elas me disseram que não trabalham
mais. Agora que está dando certo para gente, né? E está dando
super certo. Lá eles desistiram, não sei por que, mas eu acho que é
por que precisa muito investimento aqui a escola é uma só. Para dar
certo ... aqui é uma única escola, é como eu digo mesmo é questão de
personalidade de cada um, se não tivesse aqui diretoras de pulso
firme e que saibam ir levando , lidar sem perder a firmeza , já tinha
acabado. (C.P.)

113

Se, na própria origem a metodologia não está mais implantada, o quê de
fato, ocorreu? Será que de todo essa metodologia é efetiva e faz a prática
pedagógica coerente com a proposta escolar? Muitas escolas da rede estadual
estão em implantação da estrutura dos 9 anos para o Ensino Fundamental, mas a
estrutura de ciclos de formação 44 não determina a metodologia das falas.
Para que essa metodologia seja implantada é necessária uma periódica
visita à comunidade no sentido de reconhecer a necessidade real social, fazendo
dessa forma um intercâmbio acadêmico.
No começo a gente fazia assim: saíamos em duplas ou trio, saíamos pelo
bairro fazendo entrevistas com... professores, coordenadores e até a
direção, a gente via a ficha dos alunos para ver onde eles moravam, e ia
consultar no bairro aleatoriamente, a gente saia com um
roteirozinho e ia conversando, nas mercearias, nas casas de aluno
de moradores, pegava gente na rua quando chegava aqui a gente fazia a
seleção das falas mais interessantes. Mas o que acontecia? O acontecia
com esse roteiro? A gente detectou, que as perguntas eram as mesmas
e ficava aquela coisa. O que o senhor acha da sua rua? Há minha rua
está esburacada, falta saneamento básico falta... e a violência?
Transporte. Ficava uma fala repetitiva e que embora as falas sem
nenhuma. (C.P.)

Com os anos, segundo a C.P. “a coordenação foi evoluindo o pensamento

de que seria mais efetivo que a fala surgisse dos próprios alunos, já que são
adultos e têm condições de refletir as próprias necessidades.” Assim, se
produz o efeito de sentido de que o “adulto analfabeto”, é considerado um sujeito
autônomo, crítico e analítico da sua própria condição de vida, que tem condições
de se posicionar frente as suas necessidades, fazendo opções intelectuais para a
transformação da própria realidade.

44

Para um maior aprofundamento sobre ciclos de formação, ver PERRENOUD, P. Profissionalização do
professor e desenvolvimento de ciclos de aprendizagem. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 108, p. 726, nov. 1999.

114

Nas seqüências discursivas “nós julgamos”, “uma questão de

personalidade da escola”, “eu forcei a barra”, “se não tivesse aqui
diretoras de pulso firme”, tanto da P.P.S. quanto da C.P., encontramos pistas
que começam a indicar marcas de poder e hierarquia na relação professor/aluno e
gestor/professor.
Separa-se

nesse

momento

o

“eu”

do

“nós”,

significando

uma

responsabilidade do “eu” em transformar todas as ações em positivas e acertadas,
excluindo-se o “nós”, subentendido como os agente responsáveis pelo que de
ruim puder acontecer, deixando implícito que a C.P. é uma pessoa que age
sempre de maneira justa e correta, em detrimento dos outros.
Mostra-se, ainda, na seqüência discursiva “à noite eu trabalho

diferente” uma contradição com a afirmação “a escola é uma só” mostrando
que o trabalho individual sobrepõe-se ao trabalho coletivo.
Podemos citar alguns exemplos das ‘falas’, colhidas na comunidade
relatadas pela C.P. e implementadas em anos passados, que fizeram realizar o
trabalho metodológico, em sala de aula, pela Escola:
•
•
•

•

1 - “Aqui não tem problema de saneamento. Doença só a gripe por que aqui só tem muita
poeira.” (De acordo com a C.P., essa fala foi recolhida de uma pessoa que estava cheia de
pano branco, descalça... sem nenhum cuidado, com os esgotos.);
2 - “A mulher precisa trabalhar para ajudar o marido.”
“A violência é normal.”
3 - “Não pago salário mínimo a empregada por que elas não são qualificadas para ter
salário mínimo, não têm qualificação.” (fala recolhida de uma professora do primeiro
segmento de EJA.)

A partir desse momento, durante as reuniões pedagógicas da coordenação
com os professores, são construídas questões que deverão ser discutidas com os
alunos, que definem, dessa maneira as questões para serem levadas à sala de

115

aula. A seguir, uma seqüência de reflexões, durante reunião com professores, que
foram surgindo sobre a fala do salário mínimo, a respeito da colega que enunciou
esse discurso:
•
•

Não é lei? Ela quer uma empregada que durma no emprego e só tenha folga de 15 em 15
dias, trabalhe sem férias, é praticamente um trabalho escravo. E assim, essa é uma pessoa
que só vive em sindicatos.
Como uma pessoa dessa que vive em sindicato, movimento sindical, se diz uma lutadora
de classe e se comporta dessa forma, faz um comentários desse?

O que diz a coordenadora pedagógica:
E é esse pensamento de muita gente, essa fala vai puxar para muitas
áreas, aulas, puxa para as disciplinas. Ela vai puxar para as disciplinas de
forma que seja interligada independente, então quando a gente pega
uma fala dessa puxa para as disciplinas de acordo com a inclinação que
a fala dá para aquela disciplina, interligada independente não é a
questão de interdisciplinaridade forçada, não. Ela se desenvolve
totalmente independente, mas ligada à disciplina. Normalmente quando
é português a gente tem liberdade para trabalhar com a ética, com
textos então que tragam um pouco as questões de preconceito,
cidadania... a professora de português fica mais a vontade. Então entra
ai na questão da legislação... a gente pode procurar por exemplo em
história a questão... procurar a história... Bem o que eu quero com o
aluno é mostrar... é a questão do objetivo, meu mesmo, não só do
grupo, eu quero que o grupo desperte para isso, meu mesmo é
mostrar para os nossos alunos... competência, profissional...para
que tenham o alcance que o mercado é exigente, que quanto mais
eles estudarem, e esses estudozinhos fraquinhos por cima, não resolve,
que a qualificação profissional é uma exigência do estado, né, e o
conhecimento que eles adquirirem faz parte dessa qualificação
profissional. Então é quem não tem competência não se
estabelece, não se estabelece porque não tem a qualificação necessária
pra aquilo. E a gente ta vendo que aqui, e até discutimos ontem, como
estão chegando novas empresas, inaugurou o Extra, há poucos dias, e
você vê funcionários totalmente despreparados, funcionários cantando,
oferecendo coisas, gritando no meio do povo, caixas maltratando, e só
vão ficar enquanto acabar a euforia vão perder o emprego, tem gente
que fica olhando e vai para a rua , e ele vai para a rua. Perdeu o
emprego por pura desqualificação. Falta de senso, de bom senso e
até de conhecimento de outros mundos. Aquele que foi para São
Paulo e que viu um supermercado funcionando não vai fazer a
mesma coisa, apenas por ter freqüentado um supermercado. Mas
aquele povinho que nunca foi em um, ele não tem noção das
coisas. Então, por melhor boa vontade que tenham vão fazer um
monte de besteira, por que não conhece. Queremos dar para eles
essa qualificação.

116

O desvelamento desse discurso da C.P., aponta para uma série de marcas
discursivas e pistas ideológicas que se revelam como preconceituosas e
excludentes, e comprova-se a posição de dominação, sempre presente, nas
relações de poder das classes sociais (dominantes e dominados), principalmente
nas relações hierárquicas da escola, que se apresentam imbuídas e impregnadas
de “poder”, necessitando-se, analisar também, que há vários movimentos no
discurso parafrásticos e de reformulações dos já-ditos.
O discurso pedagógico está atrelado ao discurso político, que por sua vez
atrela-se ao discurso do capitalismo, do poder, da infra-estrutura e da
superestrutura45, da sociedade neoliberal. A ideologia do dominador traça e define
o caminho que a educação deve seguir, “refletindo e refratando a realidade”
(Bakhtin, 1997,p.41 passim) que nos insere.
De fato a essência deste problema, naquilo que nos interessa, liga-se à
questão de saber como a realidade (a infra-estrutura) determina o
signo46, como o signo reflete e refrata a realidade em transformação
(BAKHTIN,1997, p.41).

Podemos constatar essa assertiva de Bakhtin nas seqüências da C.P.
quando determina que eles serão despertados para ter uma “competência,

profissional... para que tenham o alcance que o mercado é exigente”,
“quem não tem competência não se estabelece”, “perdeu o emprego por

pura desqualificação”. “queremos dar para eles essa qualificação”. A culpa
é sempre do “infeliz”. Como determina o ministro Goldemberg “Não adianta

45

A definição de infra-estrutura se baseia em Marx, que define um “modo como tratava a base econômica
da sociedade” determinando a superestrutura que pode ser “ideológica ou política”, nesse sentido a visão que
possuímos são “reflexos da base econômica de nossa sociedade”.
46
Backhtin (1981, p.36) afirma que “a existência do signo nada mais é do que a materialização dessa
comunicação. É nisso que consiste a natureza de todos os signos ideológicos.” O signo só existe entre
sujeitos sociais que se relacionam.

117

oferecer a ele uma segunda chance” ele já teve a sua chance “quem não
tem competência não se estabelece”. Silencia-se ainda o fato das condições
que são oferecidas ao trabalhador, das condições do trabalho e do desemprego.
Nesse sentido a realidade é capturada pelo sujeito e este capturado pelos
signos que a “refletem” ou a “refratam”, se (re)significando através do prisma
ideológico, “no confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma
comunidade semiótica, ou seja: a luta de classes” (BAKHTIN, 1997). A classe
dominante sempre quer passar a idéia de que o signo só tem um único sentido,
“monovalente”, no entanto, para Bakhtin o signo é “plurivalente”.
De fato, no discurso da C.P., comprova-se que ao assumir o cargo, ela
assume os “valores” dos dominantes, quando determina que “nós queremos dar

para eles”, assumindo o discurso dominante e a perspectiva de “doador e
receptor”, imbuindo-se de preconceitos e pré-construídos que remetem à inúmeras
memórias discursivas, que efetivam o efeito de sentido do “fracasso que está no
sujeito analfabeto”, vistos nos discursos dos ministros, presidentes, professores e
documentos legitimadores de EJA, que, atravessando historicamente o ambiente
educacional, reforçam a ineficiência da ação educativa determinando que os
jovens e adultos não precisam mais passar por um processo educativo, precisam
ser deixados no mesmo lugar que ocupam para não “perturbarem” a ordem
estabelecida.
A C.P. reflete a ideologia dominante quando se isenta da responsabilidade
da escolha da ‘fala’, jogando a responsabilidade de decisão para os ‘alunosaprendentes’ por que “são adultos e têm condições de refletir as próprias

118

necessidades”, silenciando47 dessa maneira, o fato de serem analfabetos,
necessitando, portanto, da efetivação da função social da escola que tenha um
trabalho eficiente e emancipador na aquisição de uma visão diferenciada da
realidade e condições autônomas avaliativas. Ou seja, a C.P. está (re)significando
o discurso do ministro Goldemberg, quando defende que “O adulto analfabeto

já encontrou o seu lugar na sociedade.” De fato, exime, a escola, da
responsabilidade da formação já que eles encontraram “seu lugar na

sociedade” e “têm condições de refletir as próprias necessidades.” O
lugar de dominado, da exclusão, do subemprego, da informalidade.
Segundo Florencio (2007, p.24) “o discurso do poder atravessa a educação,
assegurando a sua reprodução ideológica[...].” No discurso enunciado pela C.P.,
fica clara a posição assumida por ela, que exerce no momento um papel que lhe
assegura um “poder”, que o cargo lhe atribui, numa posição de dominação,
quando repete diversas vezes que “eu quero” é “meu mesmo”, determinando,
da maneira dela, como os procedimentos devem ser realizados.
De acordo ainda com Bakhtin (1997) “as palavras são tecidas a partir de
uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais
em todos os domínios.” A hierarquia que ocorre dentro e fora da escola,
transforma possibilidades de negociação em imposições legitimadoras do “poder”,
reproduzindo a ideologia da classe dominante, que é o discurso neoliberal.
No discurso da C.P., “eu quero que o grupo desperte para isso [...]

competência profissional... para que tenham o alcance que o mercado é

47

Orlandi (2002) “apagamento de outros sentidos possíveis.”

119

exigente”, está implícito e subentendido que a escola educa, não no sentido de
sujeitos emancipados, transformadores da realidade existente, mas para que o
indivíduo se “adapte” à sociedade, o que coincide com uma
retomada do conceito utilizado no tecnicismo dos anos 60 e atualizado
na perspectiva da ideologia do mercado globalizado para quem o
capitalismo é o único horizonte possível. A educação baseada nessa
concepção deve trabalhar no sentido da adaptação dos indivíduos a
essa estrutura social. (CAVALCANTE, 2005, p.30).

Assim, se produz o efeito de sentido de que ‘somente a educação’ será a
solução para os jovens e adultos trabalhadores que querem vencer na vida,
‘adaptando-os’ à realidade social, independentemente da qualidade que ela é
ofertada. Dessa forma não “pertubarão” e nem trarão “transtornos” à ordem geral.
Continuando com a análise do discurso da C.P., o dito popular48:“quem

não tem competência não se estabelece”, é trazido, por ela, para reforçar a
idéia de que é ‘somente pela educação’ que de fato, haverá a possibilidade de se
conseguir um ‘lugar social’. Os provérbios populares proferem discursos que além
de ter a intencionalidade de dar avisos, previnem o sujeito para os valores sociais
e morais, censurando-o e ou ameaçando-o. Percebe-se dessa forma, o que
defende Bakhtin (2003, p. 203), quando afirma que a polifonia se constitui nas
“vozes do eu e do outro”, podendo dessa forma, identificar num mesmo discurso,
numa mesma enunciação o reconhecimento de “várias vozes”.
No caso dos ditos populares essas vozes são menos visíveis, por se tratar
da ‘voz do povo’ (para Bakhtin nos ditos populares fala-se uma “voz sem nome”) e

48

Os ditos populares são considerados “verdades” do povo. Ditados que estão ligados ao folclore e à palavra
popular. Exemplos: “Quem não se comunica, se trumbica”; “Quem não tem cão, caça com gato”;
“Quem vê cara não vê coração”; “Quem não arrisca, não petisca”, entre outros.

120

dependendo da entonação que é enunciada, a “primeira avisa e previne, a
segunda moraliza e a terceira voz censura e ameaça.” (MAGLIOLI, 2006).
É importante ressaltar que o discurso da C.P., além de hierarquizar as
definições, traz também uma resistência silenciada para a formação dos
professores de EJA, quando deposita toda a responsabilidade da formação do
aluno na sua própria gerência, o que pode ser observado nas seqüências: “o que

eu quero com o aluno” e “o objetivo, meu mesmo”. “á noite eu trabalho
diferente”. Desobrigando-a da formação continuada para os professores em
serviço. Trata-se, pois, de um embotamento teórico-metodológico que é imposto.
Nesse contexto podemos considerar os esquecimentos número 1 e número
2, que são definidos por Pêcheux. O primeiro que também pode ser chamado de
esquecimento ideológico, é da instância do inconsciente e é o resultado do
processo de construção ideológica, gerando a impressão de que a origem do que
se diz está em nós. A C.P. toma tudo para si, pensando que é ela que irá definir o
caminho do aluno, não entendendo que o discurso que produz é da classe
dominante, e não o dela, que ela também é dominada. O segundo refere-se à
ordem da formulação e da enunciação, é a tentativa do sujeito em controlar o seu
dizer. Esse esquecimento produz a impressão de se controlar o dizer. Em várias
situações a C.P. se contradiz com o “eu” e o “nós”, colocando o aluno numa
posição de receptor, como passivos, inertes e que vão receber o que “eu quiser”.
O lugar ocupado pela C.P. traz a impressão de que esse cargo “lhe
possibilita determinar” os destinos do corpo docente e discente, no ambiente
escolar. Na verdade, essa é a intencionalidade da C.P., quando invoca sua

121

autoridade, impregnando suas idéias e determinando como essas devem ser
cumpridas, o que se observa no recorte: “queremos dar para eles essa

qualificação”. Com o “queremos” ela, além de falar por todos os professores,
não lhes dando possibilidade de escolha, fala por ela mesma.
Para isso, é necessária uma escola que “adapte” os sujeitos à realidade,
não os fazendo apropriar-se da cultura letrada que o transforme e dessa maneira
que não possam (re)construir a prática social.
Essa mesma seqüência“queremos dar para eles essa qualificação”,só
confirma que o trabalho realizado ‘adapta’ o sujeito à sociedade vigente.
Inúmeras são as marcas discursivas de preconceito e desqualificação que
ela vai deixando ao enunciar seu discurso.
Ao mesmo tempo em que afirma que a escola deve preparar o aluno para
enfrentar a sociedade, “perdeu o emprego por pura desqualificação”,
constatando que é na escola, de fato, que se constrói uma competência para
assumir postos no mercado de trabalho, ao mesmo tempo redime a escola por
apresentar “estudozinhos fraquinhos” que são realizados superficialmente.
Observa-se também na continuidade desses recortes um conflito no
discurso da C.P., apresentando várias visões distintas: uma primeira, quando
empreende a idéia de que é a educação a redentora das questões da qualificação
profissional, “o que eu quero com o aluno... é mostrar... é a questão do

objetivo[...] mostrar para os nossos alunos competência profissional...
para que tenham alcance que o mercado é exigente”, uma segunda,
quando afasta definitivamente essa verdade afirmando que “aquele que foi para

122

São Paulo e que viu um supermercado funcionando não vai fazer a
mesma coisa, apenas por ter freqüentado um supermercado.”, uma
terceira, quando determina que os nossos supermercados não representam, uma
possível observação, para a construção de uma aprendizagem referente a
competência profissional, apresentando um preconceito regional, pois somente em
São Paulo poderão adquirir essa aprendizagem significativamente. Assim também
vemos que a C.P. se apresenta muito preconceituosa em relação aos alagoanos,
reafirmado quando trata dos que estão aqui e que nunca saíram para outros
estados, que os mesmos são um “povinho”, desqualificando-os e destruindo o
que ela vem dizendo sobre a função social da escola e a força competente de
trabalho que deseja formar, com os que aqui estão. O “povinho”, referenda o
implícito de que esses deverão ser indivíduos adaptados, que serão absorvidos
pelo mercado de trabalho para a exploração, no sistema capitalista.
Para ela, algumas disciplinas facilitam a adaptação da metodologia, mas no
caso da matemática...
A matemática é o nosso nó, não é só ruim por que é difícil adaptar a
fala, mas é ruim também porque os professores não fazem o menor
esforço para trabalhar isso, a menor questão de trabalhar a fala.
O professor do primeiro seguimento é único, na alfabetização tem mais
condições de trabalhar, porque ele tem a noção geral. Eu coordeno de
5ª a 8ª. mas fazemos o plano geral de atividades juntos. O
professor de primeiro segmento quando está com o plano geral
ele vai embora, tem toda a condição de desenvolver.

Mais uma vez o enunciado “os professores não fazem o menor esforço

para trabalhar isso, a menor questão de trabalhar a fala”, confirma a
relação que estamos fazendo com a formação continuada em serviço, e isso vem
ratificar a necessidade de se considerar, o professor, pertencente a classe

123

oprimida,

sem

capacidades

para

avançar

epistemologicamente

e

sem

possibilidades na aquisição de conhecimentos científicos, apresentando o
‘imobilismo’ acadêmico.
Através dos princípios básicos da gestão educacional democrática –
autonomia, participação e responsabilidade – praticados na perspectiva de
encontrar no próprio ambiente de trabalho a solução para os problemas, há uma
grande possibilidade de se construir autonomia, responsabilidade e participação
nos procedimentos educativos no ambiente escolar, no entanto, parece-nos que a
postura da C.P. contribui para que os professores não se sintam responsáveis por
esse processo e nem pelo produto de suas ações na função educativa. Fazendo,
portanto, o trabalho acontecer, por coação.
Apesar de ter apresentado nesse momento um discurso onde a equipe é
operativa, “eu coordeno de 5ª. a 8ª. mas fazemos o plano de atividades

juntos”, a C.P. entra mais uma vez em contradição com o seu já-dito “eu quero”
e é “meu mesmo”. Uma outra contradição observada no discurso proferido: “a
escola é uma só”, ao tempo em que afirma que “o pessoal da manhã trabalha

aqui com o esquema do Rio Grande do Sul e à noite eu trabalho diferente
com o modelo do Paraná”.
O tempo de trabalho, em sala de aula, com uma fala depende do interesse
e da motivação do grupo. Ela vai sendo desdobrada e pode avançar até por um
semestre inteiro. Nesse sentido o que diz o aluno da EJA sobre essa
metodologia?
Eu não agüento mais falar nisso, por que se fica repetindo a mesma
coisa,a mesma fala.

124

Há quase uma unanimidade dos alunos que não suportam a repetição que
a fala traz. Não seria então, o caso, de rever essa metodologia para que houvesse
a garantia da eficiência no ensino?
Podemos observar, a contradição existente entre o discurso dos alunos e o
discurso da coordenadora, abaixo, quando aponta que deve-se concretizar essa
prática “sem precisar forçar”.
Há um engano muito sério ai. Quando a gente começou o aluno dizia
assim: Não agüento mais falar nisso. A fala é norteadora. A gente diz
olha o tema, a gente vai começar a fala nova e a fala trata-se sobre isso.
Mas no desenvolvimento das disciplinas você não precisa voltar à
fala. Você vai trabalhar elementos que fazem parte disso aqui que vai
desmistificar isso aqui sem precisar falar nela. Por exemplo, se eu trago
um texto sobre ética, não tem que está em referente, nem se lembrar
dessa fala, mas eu tratei da ética, as coisas ligadas, as questões
trabalhistas que aparentemente não tem ligação direta com a fala, mas
aquele texto vai fazer refletir e vou fazer generalizar, porque quase não
aprendeu, né? Então essa questão é... Sabendo fazer ele não cansa o
aluno... sem precisar forçar.

Seria como uma rede, um fio condutor disparador do conteúdo, que o
professor vai tecendo ao longo do trabalho, do processo, vai buscando a solução e
a reflexão para esse problema dentro dos conteúdos programáticos.
De acordo ainda com a coordenadora
É um aprendizado longo e qual o nosso problema maior? Nosso
professor treinado, né, se muda para outra escola, entendeu? Há,
acabou o tempo , é monitor. Depois que você prepara, prepara e vai
para outra lugar e nunca mais vai trabalhar desse jeito. Sabe?
Então, ai vem um novo, que é para todos os serviços, eu estava com
uma equipe muito boa e perdi 9 professores de uma vez. Então
agora to com o projeto do ano passado já foi devagar porque foi um
aprendizado. Este ano foi um caos, greve em cima de greve, e eu to
com um pessoal novo, imagina... para poder fazer eles entenderem,
por que até você entender... para você entender no começo. Tem gente
que diz que entendeu e você acredita, ai você chega na sala e dá uma
dor no coração por que não esta fazendo nada do que foi previsto, e
assim a coordenação do segundo segmento ela é o controle
remoto mesmo, eu dou o plano de atividade e eu cobro nos
resultados de mostras e feiras por que eu não tenho condições
de acompanhar o professor em todo dia e nos departamentos,
eles existem mas nem sempre é possível e nos departamentos

125

nem sempre por que o professor se reserva. Fica uma coisa assim.
Faz um pouco de conta. Eu aprendi mas não aprendi muito bem.
Para amarrar eu coloco uma mostra de cultura e o aluno vai ter
que mostrar que aprendeu aquilo de alguma forma, ai essa
mostra é como se fosse uma feira de cultura, e na feira de
cultura tem que aparecer aquilo que foi estudado e se o
professor não trabalhou aparece ali, ele se entrega, você vê que
não foi feito e ele morre de vergonha, porque não foi feito. Todo final de
fala tem uma mostra de cultura seja de forma mais simples seja de
forma elaborada como uma grande feira, mas tem que ter.

Quando a C.P. coloca que após o professor ser preparado, quando migra
para outras instituições, ele “nunca mais vai trabalhar” do mesmo jeito, ela
assegura que o seu treinamento é perfeito, mas qual treinamento? O que garante
que ele vai trabalhar diferente? O desejo e a esperança que o seu controle
ultrapassem as fronteiras da escola tornam a C.P. uma pessoa cada vez mais
possessiva e controladora. A possessividade se expressa em vários segmentos;
quando trata da perda dos professores “perdi 9 professores de uma vez” ,
quando se coloca como dona:“eu to com um pessoal novo”; além de colocarse como o “controle remoto mesmo, eu dou o plano de atividade e eu

cobro nos resultados”. O professor não participa da construção do plano.
Reaparece, mais uma vez, na seqüência discursiva “não está fazendo nada do

que foi previsto”, o controle que exerce na ação do professor.
A materialidade discursiva retorna atravessando o discurso que é marcado
pelo controle, estabelecendo as relações de poder nas classes sociais, “eu cobro

nos resultados de mostras e feiras por que eu não tenho condições de
acompanhar o professor em todo dia e nos departamentos, eles existem
mas nem sempre é possível e nos departamentos nem sempre porque o

126

professor se reserva.” Observa-se, de fato, o discurso de autoridade e de
controle.
Outras questões podem ser apontadas a partir dessas seqüências: o
reconhecimento, do fato, de que não há acompanhamento ao professor, nos
departamentos e nem ao longo do processo de desenvolvimento das suas
atividades, ou seja, não há relação interativa, socializadora e interpessoal entre
coordenação e professor; a função da coordenadora apenas de controle; a
constatação de que a avaliação das atividades se dá na direção do produto e não
do processo de ensino-aprendizagem, diante da exigência aos professores e
alunos de apresentem ‘resultados’ nas ‘mostras e feiras de cultura’, estabelecendo
uma visão de que o ensino e a aprendizagem são ‘reprodução’ (parte fundante da
sociedade de classes) e não transformação; as marcas na relação de poder
(diretor/coordenador; coordenador/professor; professor/aluno...) que estão dentro
da escola e se iniciam numa formação ideológica.
Um dos maiores complicadores para essa metodologia é que não existem
livros para a EJA nos primeiros e segundos segmentos, os materiais didáticos são
confeccionados pelos professores à medida do possível e à medida em que a C.P.
pesquisa e traz da sua própria residência, controlando o caminho a ser seguido. A
escola, nesse sentido, é uma extensão da casa dela.
Problema com xérox, retroprojetor, etc. O que vai ser trabalhado,
normalmente, eu trago de casa muito coisa. No começo de fala eu
solicito que tragam tudo o que encontrarem ai vem bastante coisa, não
é? E a gente vai separando e eu distribuo os materiais. A gente tem o
tema... (CP)

Os professores podem se recusar à implantação dessa metodologia, o que

“não acontece normalmente”, mas, de certo, “terão que escolher” uma fala

127

alternativa. Essas falas servem para todos os segmentos e os professores
parecem aceitar, mas reagem no silêncio e na falta da efetivação da tarefa. É a
marca do personalismo da C.P., a assunção do dominador observado na
sequencia “eu distribuo o material”.
Eles têm o direito de recusar e trabalhar uma fala paralela,
independente, apresentam o plano de atividade, não acontece
normalmente mas se acontecer se se recusarem, e ele disser que: ei
pêra ai na minha aula não dá, normalmente agente faz assim. As áreas
de expressão trabalham juntas : arte, português e inglês. Já ciências e
matemática trabalham em uma outra linha ou outra fala.(CP)

Essa ‘autonomia ilusória’, quase e/ou não ocorre, por duas possibilidades,
reconhecidas em pistas discursivas, já-ditas pela própria coordenadora: o controle
nas ações educativas dos professores, que não pode sair da gerência dela
quando cita que é o “controle remoto”, que “eu cobro nos resultados”; e
pelo fato de tudo o que vai ser trabalhado“normalmente, eu trago de casa

muito coisa [...] eu distribuo o material”.

Como, dessa forma, poderia

acontecer a autonomia na gerência do professor?
Ao mesmo tempo reflete-se a questão do aprisionamento do professor ao
livro didático. Professores que só sabem desenvolver um trabalho de ensinoaprendizagem se não estiverem com o seu “guia” nas mãos. Professores, com
seus ‘caderninhos’ e livros de folhas amareladas, anos após anos, usados como
instrumentos didáticos. Professores que não admitem, um desvio sequer, no livro
que foi marcado com clips e grifado com caneta, nas partes mais importantes a
serem seguidas.
Na escola existe um banco de falas, que está se esgotando, onde
os professores recolhem as falas e quando a gente senta para conversar
tem várias e eles escolhem, cada grupo escolhe, a gente escolhe.

128

Nesse momento agora como é uma coisa de emergência e nesse
momento o nosso banco de falas está esgotado, nosso banco está pobre,
por isso que nos pegamos essa. Mas sobre (sic) pressão a fala
aparece.(CP).

Ao colocar “eles escolhem”, imediatamente se posiciona com o “a gente

escolhe”, não dispensando o poder que lhe é conferido, não deixando de
enfatizar que eles fazem do jeito que ela quer mesmo que “sobre (sic)

pressão”.
O trabalho a ser seguido, estará centrado na proposta da organização dos
conteúdos, fazendo e estabelecendo as relações das temáticas com os
conteúdos. É dito que trabalha-se em história com a história de Alagoas, abordamse as questões sociais, desenvolvimento sustentável, já em ciências aparece o
desequilíbrio do ecossistema afetando a vida das pessoas, as pessoas morando
ali contribuem para mais ainda o desequilíbrio, fazendo um contraponto para as
que precisam e têm necessidade daquele sustento e não sabem se organizar para
que seja benéfico e a cada vez mais e mais doenças. Em ciências pode ser
trabalhado os seres vivos, ecossistema.
Nós temos os conteúdos básicos, padrão, e eles vão atrás, entendeu no
caso do Português? Vamos acompanhando, não saindo do padrão.
Não quer dizer que o Português tenha que trabalhar se eu to estudando
o saneamento os textos tenham que ser do saneamento. A geografia
trabalhou as situações geográficas de Alagoas, porque o êxodo rural. Nós
viajamos, fizemos passeios, fomos a Penedo...(CP)

Na seqüência discursiva “vamos acompanhando, não saindo do

padrão”, mais uma marca do acompanhamento ‘controlador’, do discurso
autoritário, da dominação e da eficiência da C.P., aos trabalhos realizados pelos
professores e do padrão a ser seguido por eles. Consolida-se aqui o já-dito, o
discurso pré-construído pelos ministros e documentos legais. Implicitamente, está

129

definido que não será admitido por ela aos professores autonomia e
transformação. O aluno que deverá ser formado, será um indivíduo capaz
de“adaptar-se” (concepção Liberal de educação) à realidade. Memória
discursiva neoliberal, apresentada nos discursos dos ministros, em que a função
social da educação é “adaptar” o sujeito à sociedade e para quem os jovens e
adultos não precisam mudar seu lugar social, assim, os professores não sairão do

“padrão”.
De fato, ser investigativo, reflexivo e pesquisador é um grande desafio para
quem não tem reconhecimento, o que passa por uma boa remuneração, trabalho
com condições adequadas, materiais disponibilizados entre outros fatores que
interferem na prática pedagógica.
Trata-se de um modelo revolucionário, que faz a reflexão e a crítica
aparecerem e por se preocuparem com a transformação do pensamento, porém
fadado ao insucesso. Primeiro porque é confundido e usado como metodologia da
pedagogia de projetos, segundo porque está desvinculado da realidade em que os
alunos estão colocados, e não há por parte de muitos, compromisso com o todo.
É falta de coragem da escola de dizer não, nós não queremos, nós
vamos fazer diferente. (P.P.S.)

Há uma fuga na transferência das responsabilidades. O professor diz que

“é falta de coragem da escola em dizer não” e o discurso do C.P. vem
mostrando que é possível e necessário estabelecer e implantar essa metodologia
na sala de aula, salientando, ainda, que o professor deve acompanhar o que a
escola mandar.

130

Nas seqüências discursivas, abaixo, constata-se mais uma vez o
imobilismo49, trazido na memória discursiva do professor.
Você está se propondo a uma metodologia que não funciona, vai lá na
sala, dá uma olhada como é o dia a dia, veja como os professores agem
em relação a essa turma. É miséria... Não vamos mudar essa
realidade. Já viu a história de se trabalhar com reserva técnica. A
coordenadora é muito empolgada. Mudar a realidade... mas a realidade
não muda. (Professora do Segundo Segmento – P.S.P.)
Eu espero que a professora de português comece. Introduza a fala. Daí
eu vejo se dá ou não, vai depender... se ela fizer bom... é vai
depender de como ela vai fazer...(P.S.P.)

Essa prática se propõe ao novo, a uma metodologia diferente que os alunos
não estão acostumados, parece ser uma “idéia de transformar, mudar a

mentalidade e a realidade e salvar”(C.P.) esses alunos, “salvar” os alunos
significaria nesse sentido, “adaptá-los” à situação do sistema capitalista,
retornando mais uma vez à memória discursiva de que o processo será
acompanhado “não saindo do padrão”, para que os mesmos ‘não sofram’ com
a condição de estarem na posição de explorados, podendo desempenhar suas
funções sem questionamentos sem ‘perturbarem’ a ordem,

e isso passa pela

formação do professor, de como se forma o educador de EJA.
A formação dos professores está aprisionada a uma pequena equipe que

“faz tudo”, (são duas coordenadoras pedagógicas e duas diretoras), por essa
razão se torna complicada, lenta, difícil e cansativa. Há uma condição de ir e vir
facilmente, o que desfaz a equipe com muita facilidade, explicado anteriormente
pela coordenadora pedagógica.

49

Somado ao fato de que é conseqüência da incorporação, da reprodução do discurso dominante que
além de engessar não coloca o professor na posição de agente de transformação, de mudança da realidade,
ou seja, se todos pensarem dessa maneira não haverá nenhuma mudança social.

131

Os professores resistem a esse modelo por duas razões aparentes: a
primeira é o fato de que eles precisam ser questionadores, investigativos e críticos
e a segunda porque precisam pesquisar e adequar os conteúdos, vinculando-os à
fala.
O professor é deslocado para cá, e pensar que vai mudar alguma coisa...
isso é uma fantasia, uma maneira de pensar ... é um verdadeiro faz de
conta, eu digo que vou fazer e não faço, e pronto, quando fica perto do
dia do encerramento eu lembro os alunos o que a gente falou e fazemos
algo diferente para apresentar e pronto. (P.P.S.).
Na minha sala não falaram nada e nem querem falar. Eu sou contra essa
fala... Eu faço de conta que faço, dou uma enroladinha e entro com o
conteúdo. (P.S.P).
[...] Não trabalho. Na verdade essa metodologia das “falas” é perda de
tempo. Eu faço que trabalho. Eu passo 50 minutos numa sala, 50 min
em outra e assim eu vou. Dá para pensar em realizar alguma coisa boa?
Antes eu só ia para um único nível. Se eu pudesse faria arte...
Substituiria essas professoras de artes daqui que não fazem nada. Eu
faço joaninhas, chaveiros, trabalho com palitos de picolé... (Quando eu
perguntei por que não usaria isso como proveito para sua disciplina e
comentei sobre as oficinas e o resgate ao conteúdo, ela simplesmente
balançou a cabeça e respondeu:) Dá não... É trabalho demais... e
esses... não querem nada... e mesmo assim não daria tempo.(P.S.P.)

Esses discursos trazem as provas das resistências dos professores para as
mudanças e para a falta de autonomia, pois, se houvesse de fato autonomia, eles
não precisariam fazer de contas e nem esconder o que estão realizando.
Para manter seus empregos e não serem deslocados para outros setores,
ou instituições, os professores apresentam uma realidade diferente da prática que
estão desenvolvendo. Ninguém dentro da escola está interessado em promover o
aluno. Dessa maneira, invoca-se a memória discursiva no dito de Hamilton
Werneck quando afirma que “se você finge que ensina, eu finjo que aprendo”, nos
discursos da P.P.S. “é um verdadeiro faz de contas que faço, dou uma

132

enroladinha e entro no conteúdo”, “eu digo o que vou fazer e não faço”,
“eu faço de conta que faço”.
Parece que houve uma mobilização50, na escola referida, para que essa
fala fosse implantada adequadamente e desse certo.
Mas tem que ser. Eu tenho que trabalhar mesmo. Eu peguei até um
material bonzinho, um material do MEC que vem de vez em quando para
a escola. Só vem um, sabe, a gente não precisa trabalhar igual está lá
dito, mas eu vou ajustando e sai alguma coisa para me ajudar a dar
aula. Vamos. Você não quer me ver pagar mico? Então, vamos?
A coordenadora não fala nada, sabe. Mas eu trabalho com a fala
como se estivesse trabalhando um projeto. Com a evolução da fala na
sala surgem novos caminhos para as disciplinas.

“Pagar mico” é estar em sala e dar aula para os jovens e adultos. Não é
realmente o reconhecimento de se estar de acordo com a realidade, mas apenas
dar conta de uma tarefa. A falta da formação, de uma preparação docente que se
traduza em competência da excelência acadêmica não ocorre, por essa razão as
professoras ficam tão inseguras.
Durante toda a pesquisa na escola a observação dos discursos dos
professores resultou na concretização das hipóteses sobre a repetição da fala de
fracasso docente e discente era constante. Uma nítida resistência à mudança, em
inúmeras situações de medo dos paradigmas e o olhar, do lugar que os
professores ocupam, de descaso com a situação do aluno que vem cansado, por
trabalhar o dia inteiro e por ser considerado aquele que não sabe onde quer
chegar, “não queremos nada”, ensejando que “mesmo assim não daria
50

Nesse sentido eu passei de um lugar social a outro. Antes eu era professora das estagiárias que estariam
subordinadas a elas (professoras efetivas) e que iriam supervisionar, avaliar e julgar a docência das
graduandas, agora eu passei a ser a professora da Universidade, que estava fazendo uma pesquisa e, de
certo, iria julgar e avaliar a prática, o que estaria sendo realizado pelas professoras efetivas. Isso gerou um
tumulto e muitas, das professoras, ficaram com temor.

133

tempo” , tempo esse que o adulto não tem mais, o mesmo tempo tratado nos
discursos dos ministros.
A seqüência discursiva “a coordenadora não fala nada”, além de
reforçar a condição de silenciamento da C.P. em relação à formação dos
professores, aponta para a real condição da P.P.S., de permitir no silêncio, a não
efetivação do trabalho coerente, na direção de formar os discentes emancipados.
Um outro ponto que já foi abordado, ainda no que diz respeito ao livro
didático é o material metodológico utilizado pelos professores para efetivar a
didática em sala de aula. Não existem cadernos específicos ou livros que sejam
seguidos universalmente pelos professores para elaborarem e darem suas aulas
às turmas da EJA do primeiro seguimento. O MEC disponibiliza material didático
que chegam às escolas unitariamente e devem ser socializado por todos os
professores. Pensa o MEC sobre o caderno metodológico distribuído para uso do
professor:
Esse material será entregue impresso e em CDs. Esses CDs vão ser
distribuídos juntamente com um exemplar impresso para todas as
Secretarias Municipais e Estaduais de Educação do Brasil. A meta é que
o material possa ser disponibilizado para todos os alunos, mas isso vai
depender do interesse, da colaboração e dos recursos disponíveis nas
Secretarias de Educação dos Estados e Municípios para poder fazer a
reprodução do material. (MEC, portal).

Depender da colaboração e dos recursos disponíveis nas Secretarias dos
Estados e Municípios é silenciar a questão de se ter nas escolas às vezes, no
máximo, um mimeógrafo, o serviço de xérox inexistente ou inoperante além do
fato de os professores precisarem da formação especifica para o trabalho com
esse material, já que os mesmos não apresentam autonomia para escolher de fato
a sua metodologia, por desconhecimento. Se houvesse uma formação eficiente,

134

os professores não estariam tão dependentes desse material, e nem dos livros
didáticos, é claro que os recursos são necessários e que também é
responsabilidade do Estado e do Município, ou seja, como trabalhar sem
condições básicas?
A escola se constitui um produto social de desigualdades, uma
superentrutura51 que sobrevive com propósitos que foram gerados em tempos
passados. Há uma nítida resistência e engessamento, medo do novo e descrédito
dos organismos educacionais.
O Ministério da Educação publicou material didático para
todas as escolas que oferecem educação de jovens e adultos, segundo
o censo escolar, receberão um conjunto do material, possibilitando que
os professores da equipe o conheçam, discutam entre si sua melhor
utilização e com a Secretaria de Educação a possibilidade de reproduzilo para todos os alunos e professores. Além disso, todos os materiais
que são do MEC estão disponíveis no site do Ministério da Educação.
(MEC, portal).

Para que isso ocorra é necessário que se efetive a formação continuada.
Silencia-se nesse ponto que não há uma constante ou não há de fato formações e
tempo/espaço escolar para que os professores se reúnam para discussões.
Como, esse material é de livre reprodução, simplesmente pode se fazer
uma licitação com alguma gráfica para que reproduza o material. Isso reduz
enormemente o custo e viabiliza uma distribuição muito mais ampla deste
material, para atingir pelo menos uma boa parte dos alunos de EJA. Mas com que
recursos, com que apoio estadual? Silencia-se também, o fato de a escola não ter,
muitas vezes, dinheiro para comprar o papel higiênico, o papel ofício. Como,
então, contratar serviços gráficos?

51

Por ser originária de uma estrutura de base sobre a produção e a propriedade.

135

O que pensam os professores a respeito da formação dos alunos que
concluem o 1º. Segmento da EJA?
Se existisse o 3º. Segmento da EJA, os alunos sairiam do ensino médio
semi-analfabetos. (P.S.P.)
Sou professora do 1º. Segmento e estou na 3ª. etapa. A verdade é que
os alunos chegam a 3ª. etapa sem saber ler. Não podem
retroceder, voltar. Mas poderiam fazer uma classificação, um
diagnóstico, por que fica muito difícil. Fazer um trabalho bom. Trabalhar
com as falas, mas trabalhamos os conteúdos. Eles são dependentes,
sabe? Não têm autonomia. Eu tento. Na verdade é trabalhar com a
problematização.(P.P.S.)
A maioria dos jovens estão desempregados e fazem bico... Domésticas,
ambulantes, auxiliares de serviços gerais, serventes de pedreiros,
copeiros, cozinheiras, lavadeiras, do lar... Como é que eu posso trabalhar
com tanta diferença? (P.P.S.)

Na verdade, os professores deveriam estar preocupados e comprometidos
com essa situação caótica, por serem eles responsáveis, também, por essa

“vergonha nacional”. Pensando dessa maneira, aponta-se para a questão de
que os alunos só conseguiriam aprender se quisessem ou se estivessem
preparados a, como não estão, exclui-se a responsabilidade do professor de
promover uma qualidade no ensino.
Referenda-se a inadequada prática pedagógica por diferentes discursos
que traduzem as posições sociais, políticas e ideológica que facilita pensarmos
que essa prática além de não ser neutra está pautada na intencionalidade de
reforçar a dominação social e a reprodução das classes para permanecerem como
sempre estiveram.
De acordo com Florencio (2007, p.34) citando Bakthin (1981, p.86) o
discurso é tecido “por milhares de fios ideológicos, portanto, não se pode pensá-lo
como desvinculado da situação social mais imediata ou do meio social mais
amplo”.
136

Como colocam as próprias professoras, o que de fato ocorre é uma
comodidade por parte dos professores e, em conseqüência, por parte dos alunos,
eles não se acreditam, e por esta razão não evoluem, permitindo-se uma situação
social estática.
Existe um conformismo entre os alunos. Muitos acham que não merecem
e ai os professores aproveitam.
Eu espero que eles nunca achem que têm mesmo direito.
Essa fala do salário mínimo da empregada é muito rica. Agora, até agora
a xérox não está funcionando. Não existe livro e a gente vai desenrolar,
como?

Referenda-se aqui, a posição que o professor leva para a sala de aula.
Estes discursos têm lugar nos discursos da sociedade, da escola e da política que
os atravessam, a prova disso está na fala dos ministros e dos documentos oficiais
para a EJA.

Os saberes dos professores constituem um novo campo de pesquisas e
investigações, se configuram como um dos elementos constitutivos do
conhecimento escolar, na área da literatura pedagógica, e solicitam um olhar para
as áreas disciplinares das didáticas específicas.

Refletir sobre esses saberes

convalida várias outras reflexões a respeito dos saberes docentes. Os saberes da
experiência, da prática cotidiana, que nascem no exercício da prática e são
validados por ela, através do conhecimento do meio social. Por essa razão tornase tão necessário a formação continuada, por entender-se a sala de aula como um
campo necessário e propício para a construção da aprendizagem docente.

O discurso do profissionalismo está começando a desencadear um
processo de incentivo, e está sendo cada vez mais evidente que é sobre ele que
137

se irá construir o novo ideal para a profissão docente, trazendo maior sucesso
para os processos escolares, o que se traduzirá em maior desenvolvimento social
e econômico. No entanto, a escola prepara o aluno para, novamente,

“adaptarse” à sociedade.
Cumprindo sua função na determinação dos sentidos das palavras as
formações ideológicas dão lugar às formações discursivas, assim determinando o
que é dito a partir do já-dito.

De acordo com os conceitos formulados por Edgar Morin (2000, p.87
passim) a profissão docente “pode ser classificada como complexa, por fazer parte
de um componente intersubjetivo, próprio de cada sujeito”. Acima de tudo o
professor é o “ator do seu processo, onde as incertezas e as ambigüidades, as
carências pessoais, fazem parte da sua função”, e a relação pedagógica, sua
ação.

Os discursos analisados refletem questões que já vêm sendo discutidas ao
longo dos anos na EJA, sobretudo do professor no que se refere à prática e à
formação. Dessa maneira a AD contribui significativamente para o desvelamento
das condições de produção desses discursos e seus efeitos de sentido quanto a
formação continuada de professores, feita numa estreita relação com a prática
cotidiana, com acompanhamento sistemático ao professor, para que se possa
garantir algum retorno desta ação ao trabalho efetivo em sala de aula.

138

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A EJA representa uma dívida social não reparada ao longo dos anos, com
aqueles que não tiveram acesso à escola e não construíram o domínio da escrita
e leitura como bens sociais, dentro ou fora da escola, embora venham sendo a
força de trabalho promotora das conquistas do país.
O público que efetivamente freqüenta a educação de jovens e adultos é
constituído, na sua maioria, de adolescentes e adultos que nunca freqüentaram ou
que são saídos da educação regular por reprovações ou evasão. As causas que
levam jovens e adultos a ter uma escolarização incompleta são inúmeras, mas
podem-se citar algumas, como: filhos de pais analfabetos, a necessidade de
trabalhar cedo, a inexistência de escolas que atendam a essa especificidade,
paternidade e maternidade precoce, falta de dinheiro, transporte, oportunidade,
entre outros. Hoje, ainda milhões de brasileiros não se beneficiaram do ingresso e
da permanência na escola.
Nesse sentido, a educação é pensada como promotora de uma formação
que, além de construir consciências críticas e posturas autônomas, resgatasse
essa dívida, transformando a sociedade desigual em sociedade de iguais, para
esses seres que foram excluídos pelo sistema e privados de emancipação, de
constituir-se sujeito de seu discurso.
Se assim fosse, poder-se-ia atender a uma das funções da educação em
sua perspectiva ontológica, do ser social, pois, segundo Lukács (1998), um sujeito

139

produtor e produto da sociedade, um construtor da sua própria atividade, um ser
que elevando-se, torna-se mais consciente de si mesmo, responsabilizando-se
com o coletivo, o que é, de fato, atuar nas consciências para que o sujeito mude a
sua forma de agir e interagir com o mundo.
Pretendeu-se discutir o lugar desse sujeito do discurso e o discurso
enunciado pelo sujeito, onde as características são universais e singulares, e se
tornam particulares. O que é expressado na materialidade de um discurso, carrega
a marca da ideologia e da subjetividade que a perfaz em relação ao tempo/espaço
historicamente construídos e definidos. Com isso pode-se afirmar que o sujeito é
constituído a partir e nas contradições sociais.
O discurso de exclusão e incompetência sobre os jovens e adultos, sempre
permeando o discurso dos professores em sala de aula, reafirmando
constantemente o fracasso escolar nessa modalidade de ensino, parece-nos
ratificar que os discentes estão fadados ao fracasso e à estabilização social.
A prática pedagógica sozinha não dará conta de desempenhar o papel de
emancipação humana, podendo, até mesmo, desempenhar um papel inverso de
modelagem humana, com controle e garantia de qualidade das ações
desenvolvidas. O aluno nunca poderá ser considerado como um objeto que pode
ser melhorado, recauchutado e aprimorado. A educação deverá fazer dessa
forma, o papel de transmissão e apropriação da cultura, um processo de formação
humana.
Formar professores profissionais que reconheçam no discurso neoliberal, a
essência do capitalismo – que apresenta a exploração do homem pelo homem, e

140

que se apropria do trabalho pelo modo de produção que desumaniza e que faz o
sujeito se confundir – é, evidentemente, o maior desafio da educação.
O que se deve perseguir é a formação de profissionais capazes de criar
situações de aprendizagem significativas, que dominem habilidades, revelando
competência teórica aplicada à prática, sendo capazes de atender a essas
exigências na transformação social, através de objetivos e princípios que tenham
esquemas de ação e adaptação, que saibam analisar discursos, e, sobretudo
envolvidos com a pesquisa educacional, se apresentando éticos e críticos.
As políticas assistencialista e infantilizadoras estiveram sempre presentes
na EJA, justamente por atender à questão do capital. Para Paulo Freire (1983, p.
55) o assistencialismo funciona como violência contra os povos,
uma vez que essa atitude impede o diálogo, tira-lhes o direito de serem
sujeitos de sua história, de perceber as ideologias subjacentes aos
discursos feitos nos púlpitos e os impede de experenciar a democracia,
de participarem, assim, das decisões da sociedade.

É importante ressaltar que somente por meio de uma política pública de
democratização e inclusão, do diálogo, do reconhecimento dos saberes e dos
valores culturais diversificados, poderemos propiciar aos jovens e adultos
brasileiros a construção do conhecimento intelectual e o fortalecimento de seu
papel como sujeito social.
O analfabetismo tem sido considerado em todo o mundo um fator de
ameaça à continuidade do desenvolvimento sócio-político-econômico. Países
altamente industrializados têm investido na capacitação de profissionais para
diminuir o quadro alarmante apresentado pelos índices. No Brasil, a política
atravessada pelo discurso neoliberal, efetiva a incapacidade e os limites

141

professorais de formação, não apresentado saídas para as questões relativas à
EJA. O que se apresenta de fato, é um processo contínuo de desumanização do
ser social52.
Mesmo existindo algumas alternativas, elas, nem sempre são as mais
adequadas ao público que deve atender, porque vivem bastante ligadas aos
conceitos e concepções que já estão superados, mas são trazidas e repetidas nos
ambientes educacionais, através do pré-contruído, do já-dito ao longo dos anos.
Muitos destes projetos silenciam o real objetivo de formação e resultam apenas
em discursos falsos, “fazendo de conta”.
As condições de produção desses discursos dos professores, a respeito de
sua própria formação, caminha para definir o imobilismo da prática. Os efeitos de
sentido estão sempre permeados pela dominação da ideologia da classe
dominante, por justificar a lógica do modo de produção do capitalismo.
Há marcas e pistas ideológicas em todos os discursos analisados dos
professores. O que eles representam, em que acreditam, qual sua posição como
profissionais? Alguns indícios são silenciados e/ou estão implícitos, outros
apresentam-se como evidências claras para efetivar o discurso professoral do
fracasso escolar. Há um claro deslocamento nas reformulações discursivas que
remetem-se a fatos passados com a mesma significação, como o já analisado
discurso do Ministro Goldemberg, que se refere a EJA, como “desperdício de
tempo”.
Além de não existir formação docente específica para os professores da
EJA, ficou comprovado que as formações iniciais e continuadas, são falhas e
52

Estamos falando de uma sociedade que tem no trabalho, um instrumento de opressão.

142

apresentam-se desvinculadas entre si e entre a própria realidade institucional
escolar.
Os discursos dos professores se dão numa direção inversa da formação
dos alunos como cidadãos, na plenitude da palavra, transformadores da
sociedade, e revelam-se como preconceituosos e excludente. As condições de
produção que sustentam esses discursos e dão lugar às formações ideológicas e
discursivas basilares deles, geram um imobilismo, impedindo-os de um
crescimento significativo.
A consulta aos documentos e aos discursos evocados concretizou a
hipótese de que ao ir para a realidade local, a prática dos professores da rede
municipal e estadual sobre a EJA e a sua vinculação junto aos alunos, não resulta
do que está escrito, negligenciando-se o ser sujeito, ou seja, as políticas públicas
de EJA, não atendem ao que a demanda social necessita.
As condições para os alunos estudarem são inadequadas: salas com
iluminação insuficiente, sem ventiladores, com carteiras escolares que são
confeccionadas para crianças. A vinculação da teoria com a prática, no que se
refere a didática e a metodologia, apresenta inadequadação e distanciamento
epistemológico.
O discurso dos professores além de confirmar a hierarquia existente na
escola, confirma o descompromisso que é ratificado pelas política públicas
implementadas, conferindo a esses alunos um título de incompetência e
incapacidade intelectual, validando as formações ideológicas e discursivas para
um crescimento eficaz.

143

Ficou constatado, também, que não há nenhuma concepção políticopedagógica que esteja implantada nos moldes corretos, estando os discursos
condutores dos conteúdos referendando a prática inadequada, com propostas
deslocadas da realidade e equivocadas na sistematização. Fez-se necessário,
observar os pressupostos teórico-metodológicos, as concepções, a forma didática
de como são elaboradas e implementadas a estrutura pedagógica, já que há clara
exigência da especificação para essa modalidade. Os discursos condutores dos
conteúdos, portanto, não efetivam a EJA.
Dessa maneira, enfatiza-se e ratifica-se, o que no início da pesquisa se
constituía em hipótese, agora concretização: o discurso dos professores de EJA,
não se dão na direção de formar alunos cidadãos, transformadores na sociedade
e revelam-se como preconceituosos e excludentes, sendo reafirmadores dos
discursos pedagógicos e políticos, constituídos ao longo da história, num
movimento de reformulações das prática históricas, pois, “todo discurso se
constitui a partir de uma memória, de ditos anteriores em condições outras que
são retomadas na atualidade enquanto ‘repetição’ [...]” (Sobrinho, 2007, p.141).
A AD permitiu esse olhar minucioso ao discurso dos professores que se
alicerçam e são determinados pelos já-ditos, pré-construídos, pelas condições de
produção e seus efeitos de sentido, pelas formações discursivas e ideológicas que
permeiam o dizer, fato esse, discutido no segundo capítulo por Arroyo (2000, p.26)
quando isenta os professores da “culpa total” pelo fracasso do processo educativo,
defendendo que não se pode atribuir ao professor a problemática geral da
educação, ampliando, dessa forma o olhar ao problema para a escola, que faz
parte de um complexo social, porém, afirma que o “compromisso, a dedicação e a
144

responsabilidade do professor fortalecidos no grupo e na ação coletiva da
comunidade e dos governantes poderá ser capaz de reatualizar a educação,
garantindo uma melhor qualidade”.
Ao refletirmos sobre os sentidos que damos a educação de jovens e
adultos, também estamos refletindo sobre o caráter ambíguo da educação, pois
como foi visto a educação é capaz de ocultar e escamotear a desigualdade, mas
também revela a opressão e a crueldade da falta de oportunidade, da negação do
direito de ser gente, justamente porque esses sujeitos são nomeados e também,
tratados como “coisas”, ou “estoques”.
É levando em consideração essas problemáticas especificamente humanas
que a AD traz uma rica contribuição, pois ao trabalhar com os efeitos de sentidos
ele estará atuando nos desdobramentos do real. Desvelar o que parecia opaco, ou
mesmo, óbvio ou transparente é, na verdade, questionar a nossa própria maneira
de fazer história, refletindo os sentidos outros ou os deslocamentos efetivos em
nossa realidade para uma nova forma de sociabilidade humana.
Buscou-se no silenciamento -categoria da AD – a problematização da
leitura, em seus gestos de interpretação que revelam a posição do sujeito sempre
ideológica e nas repetições a construção da memória que é ressignificada nos
discursos que se atualizam.
Por fim, concluindo todas as análises e discussões aqui referenciadas, fazse necessário resumir algumas ações que poderão minorar alguns dos pontos de
estrangulamento que foram encontrados nas políticas públicas brasileiras, e
especificamente alagoanas, em relação à EJA e à formação docente para essa
modalidade:
145

1. Observar e caracterizar a constituição da população a ser atendida
pela EJA, que historicamente foi-se construindo a partir das lacunas
deixadas

pelo

excludentes,

sistema

escolar,

concentradores

de

concretizada
renda

e

por

modelos

produtores

de

desigualdades: origem, necessidade de trabalho, condições de
moradia, inserção social;
2. Reverter as ações governamentais em Educação de Jovens e
Adultos

que

sempre

foram

de

políticas

assistencialistas,

infantilizadoras, populistas e compensatórias;
3. Analisar e situar historicamente o perfil dos professores da EJA,
entendendo seus anseios, dúvidas e incertezas;
4. Redimensionar a formação docente, tanto no diz respeito à
formação inicial, quanto à formação continuada, contemplando
pressupostos teórico-metodológicos específicos;
5. Constituir um Projeto Pedagógico com identidade própria, olhar
diferenciado e que possua características voltadas a este público, já
que sendo a EJA uma modalidade permite: flexibilizar os conteúdos,
contextualizar e dar significados a esses, levando em consideração
a adequação à maneira de vida e aos saberes produzidos no
mundo de trabalho, selecionar material didático que contemple a
faixa etária, excuindo-se a possibilidade de infantilização e
adaptabilidade às diferenças de diversidade cultural, relações
sociais, meio ambiente, cidadania, trabalho e exercício da
autonomia;
146

6. Reorganizar a estruturação física das escolas para receber
adequadamente jovens e adultos diferenciando-os das crianças;
7. Comprometer os programas com vida longa e não apenas ações
rápidas e pontuais que atendem numa perspectiva globalizada, não
visando a diminuição dos índices e sim a qualidade e efetividade da
formação cidadã, e finalmente,
8. Implementar o que a LDBEN 9394/96 regulamenta com o Parecer
CEB/CNE 11/2000 que baseou a Resolução do CNE de Diretrizes:
o

direito

público

institucionalizando

subjetivo
as

dos

funções:

cidadãos

reparadora,

à

educação

equalizadora

e

qualificadora.
A conclusão efetiva o encaminhamento distorcido e ineficaz das políticas
públicas no cenário de nascimento da EJA que ocorre das lacunas que o sistema
educacional brasileiro vem apresentando ao longo dos anos de sua constituição,
como principais características das ações governamentais que sempre foram de
políticas

compensatórias,

infantilizadoras,

populistas

e

assistencialistas,

consolidadas através das formações discursivas que, de acordo com as condições
de produção de cada tempo histórico, justificam o embotamento ideológico e
social das práticas educativas para a modalidade da EJA.
Se como afirma Engels (1977, p.15): “Os homens fazem a sua própria
história, mas não segundo condições que eles mesmos escolhem”, então, trata-se
de mostrar a forma peculiar do capitalismo, que a cultura pode ser construída
acima dos elementos que se antecedem à orientação política e que poderemos,
desta forma, fazer a história, dos que virão, ser diferente.
147

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