Maria Aparecida de Farias
Título da Dissertação: "O romper do silêncio: a trajetória da Educação Escolar em Arapiraca (AL), de seu povoamento até a década de 1950"
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA E POLÍTICA DA EDUCAÇÃO
MARIA APARECIDA DE FARIAS
O ROMPER DO SILÊNCIO:
a trajetória da Educação Escolar em Arapiraca (AL),
de seu povoamento até a década de 1950.
Maceió-AL
2007
MARIA APARECIDA DE FARIAS
O ROMPER DO SILÊNCIO:
a trajetória da Educação Escolar em Arapiraca (AL),
de seu povoamento até a década de 1950.
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade Federal de
Alagoas - Mestrado em Educação
Brasileira - linha de Pesquisa “História e
Política da Educação”, como requisito
para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Elcio de Gusmão Verçosa.
Maceió (AL)
2007
2
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Elcio de Gusmão Verçosa - UFAL/UNEAL – AL
Presidente
Profa. Dra. Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do
Nascimento – UNIT – SE
Examinadora
Prof. Dr. Cícero Péricles de Carvalho – UFAL
Examinador
3
RESUMO
Este trabalho apresenta o primeiro levantamento e uma análise da trajetória
da educação escolar em Arapiraca (AL), partindo da ação pedagógica
desenvolvida no processo de escolarização desde o início do seu
povoamento até a década de 1950. O intuito deste estudo é tentar entender
por que a educação escolar, que no início ali se processou de forma lenta e
pouco expressiva, quando comparada com o desenvolvimento educacional
da capital e de alguns municípios alagoanos, conseguiu, a uma certa altura
de sua história, avançar mais do que os demais municípios do Estado. Nessa
pesquisa, a cultura fumageira aparece como elemento que ora desestimula o
processo educacional, ora contribui com o salto vertiginoso que vai tornar
Arapiraca a segunda maior cidade do estado no plano econômico e social. A
ética paternalista cristã predominante na prática dos professores e das
professoras que eram indicados pelas lideranças locais ou contratados pelos
pais de família, sob forte orientação da Igreja, expressa no tipo de ensino que
iria ter origem e se desenvolver em Arapiraca, nos âmbitos público e privado,
é considerada como elemento central na construção daquela sociedade e,
conseqüentemente, da educação escolar que ali se vai desenvolver. Nesse
processo de desenvolvimento da escolarização institucional em Arapiraca,
especial destaque foi dado ao Grupo Escolar Adriano Jorge que imprime
novos rumos, na década de 1940, à educação arapiraquense, bem como à
implantação, em seguida, de uma escola privada e, na década de 1950, de
uma escola particular confessional destinada à educação feminina e à
chegada da escola da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos –
CENEG, indo-se até ao final dos anos de 1950, quando Arapiraca passa dos
últimos para os primeiros lugares em termos de oferta de educação escolar
no interior alagoano.
PALAVRAS-CHAVE:. Processo Educacional – Ética paternalista cristã –
Ação Pedagógica – Educação Escolar em Arapiraca.
4
ABSTRACT
Departing from the pedagogical action developed in Arapiraca, this work
introduces for the first time a data collection and the analysis of the trajectory
of the school education in that city, from the beginning of its population until
the decade of 1950. The aim of this study is to try to explain why the school
education, that was slow and not expressive in relation to other cities of the
state of Alagoas, has at a certain point of its history advanced more than other
municipalities. This research leads to the conclusion that the agricultural
activity of tobacco is a factor that both enfeebled
and contributed to the
educational process, with the vertiginous impulse that is going to transform
the city of Arapiraca in the second largest city in the state, economically and
socially speaking. A predominant Christian paternalistic ethics in the practicing
of teachers who were indicated by local leaders or hired by the families, under
strong orientation of the Catholic church, is considered a nodal point in the
construction of that society and consequently in the school education process.
In this process of institutional development of the school education in
Arapiraca, a special emphasis was given to Adriano Jorge Elementary School,
created in 1940. This establishment, a private school in 1950, a private
confessional school dedicated to the feminine education and a school from
the National Campaign for Free High Schools (Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos – CENEG) gave new directions to the process of
education in Arapiraca, impulsing the city from the last to the first places in
terms of educational opportunities in the interior of Alagoas.
Key words: Educational Process – Christian paternalistic ethics – Pedagogical
Action – School education in Arapiraca
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, Criador de todas as coisas, por
iluminar meus caminhos na elaboração dessa pesquisa.
Não posso deixar de mencionar nessa página, antes de qualquer
pessoa, os nomes dos que foram fundamentais para que eu pudesse chegar
a essa caminhada:
em primeiro lugar, os meus filhos Raul, Luciano, Alexandre e
Alessandra, os quais me ajudaram a realizar esse sonho;
ao professor Antonio Barbosa Lúcio, companheiro de trabalho, o qual
mostrou que nunca é tarde para recomeçar, devo também a minha gratidão.
ao Professor Dr. Elcio, que, com sua sabedoria, tem mostrado os
caminhos que devo trilhar para alcançar meu objetivo, sou igualmente grata.
aos companheiros do Grupo de Pesquisa “Caminhos da Educação em
Alagoas”, Professora Dra. Graça Loyola Madeiro, Professor Ms. Wilson
Sampaio, às amigas: Mônica Santos e Ana Luiza, que muito contribuíram
com minha análise, trazendo discussões valiosas para o grupo e fazendo
sugestões no momento oportuno, o meu muito obrigada, de coração.
aos historiadores arapiraquenses Valdemar Macedo e Zezito Guedes,
por estarem sempre à minha disposição para auxiliar no meu trabalho,
indicando, inclusive, novas pistas a serem seguidas, o reconhecimento da
discípula.
Enfim, a todos e todas que direta ou indiretamente foram responsáveis
pela execução dessa investigação, a minha eterna gratidão.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I - ARAPIRACA: DO ROÇADO DE
MANDIOCA À TERRA DO “OURO VERDE”
32
CAPÍTULO II - A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA
TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO EM ARAPIRACA
50
CAPÍTULO III – PRÁTICAS E SABERES: O ENSINO
DESENVOLVIDO PELAS PRINCIPAIS ESCOLAS DE ARAPIRACA,
ENTRE AS DÉCADAS DE 1940 E 1950
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
105
REFERÊNCIAS
116
ANEXOS
120
7
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo principal reconstruir, pela primeira
vez, a trajetória da educação escolar em Arapiraca, enfatizando a ação
pedagógica predominante no processo de escolarização desse município,
sobretudo, a consolidação de uma prática educacional vinculada à própria
sistemática da concepção de organização social desenvolvida por seus
povoadores, analisando essa trajetória, sobretudo, nos seus aspectos sóciopolíticos e histórico-antropológicos.
A minha intenção é perceber como a própria dinâmica organizacional
da sociedade arapiraquense, desenvolvida por iniciativa da sua elite
econômica e política, que, num primeiro momento, aponta para a exclusão
das demais camadas sociais, a uma certa altura se desenvolve no sentido de
imprimir preeminência à educação escolar arapiraquense sobre aquela
desenvolvida pelos municípios de maior relevo ao longo da história alagoana,
atuando no sentido da inclusão no processo de escolarização, ainda que
limitada e regulada, das camadas economicamente desfavorecidas da
sociedade de Arapiraca.
Pretendo, portanto, nesse trabalho, em última instância, lançar luz
sobre uma realidade sócio-política, histórica e cultural marcada pelo poder
coercitivo da elite, por pedagogias excludentes e por forças conservadoras
que buscaram manter o status quo de uma camada da população em
detrimento da outra, mesmo quando ampliam as oportunidades educacionais
para as camadas subalternas da sociedade.
A historiografia arapiraquense existente, escrita principalmente por
Guedes (1999) e Macedo (1992), sempre apontou os fatores considerados
responsáveis pela construção daquela sociedade como oriundos da forma de
organização da sua estrutura econômica, mas, sempre desvinculando o tipo
de escolarização dessa dinâmica econômica e da postura sociopolítica e
cultural dos grupos que detinham o poder em Alagoas e especificamente em
Arapiraca. Quando, neste estudo, procuro agir de forma diversa, tomo em
8
consideração, antes do mais, as palavras de Weber (2001), que nos ensina
que a percepção de toda ação ou não ação humana implica uma tomada de
posição a favor de determinados valores e conseqüentemente contrária a
outros valores, o que, infelizmente, ainda hoje é freqüentemente omitido na
historiografia da educação, ao menos em Alagoas.
Na verdade, a história da educação de Arapiraca sempre foi relegada
a segundo plano no contexto das obras dos principais historiadores
arapiraquenses ou tratada de forma genérica e como feito humanitário de
determinados personagens, a exemplo do trabalho de Guedes (1999),
intitulado “Arapiraca através dos Tempos”, que, por exemplo, ao se referir à
educação em Arapiraca, trata o Grupo Escolar Adriano Jorge como escola
da elite. Já o trabalho de Macedo (1994), chamado “Arapiraca na História
de Alagoas”, que se caracteriza por uma historiografia predominantemente
factual, centrada nos grandes acontecimentos e nas elites econômicas, além
de tratar também a educação de forma genérica, nega, tal qual faz Guedes,
às camadas sócio-economicamente menos favorecidas da sociedade
arapiraquense, um espaço de participação enquanto sujeitos da sua trajetória
humana. Isto significa dizer que “fazer a história é matéria de alguns
selecionados e iluminados. A história está com os que comandam e eles são
a única categoria a importar, a ter sentido como explicação e fornecer as
razões daquilo que nasce, acontece, fabrica a qualidade do tempo”
(ALMEIDA, 2004, p. 13), nisso se assemelhando a um certo modo de fazer
história que se tornou paradigmático em Alagoas, desde o trabalho antológico
de Caroatá, intitulado “Crônica do Penedo”, pela primeira vez publicado em
1872 na Revista do Instituto Archeológico e Geográfico Alagoano, de número
um e recentemente reeditado pela FUNESA/UNEAL (cf. ALMEIDA, 2004).
A historiografia arapiraquense, e por que não dizer alagoana, foi, por
muito tempo, desenvolvida sob essa ótica elitista, que privilegia os grupos
sociais e politicamente dominantes, excluindo as massas como categorias a
serem
consideradas
como
protagonistas
da
história,
sendo
essa
característica algo que surge bem recentemente entre nós, e assim mesmo
pela mão, em geral, de estudiosos cuja formação original não se dá no
9
campo da história, como Luis Sávio de Almeida (2004), Elcio Verçosa (1997),
Cícero Péricles de Carvalho (2005), Leda Almeida (1999) e Sandra Lira.
(2001). Oriundos de uma formação no campo da história com posição
contrária aos paradigmas elitistas que caracterizam a historiografia alagoana
temos poucos estudiosos das Alagoas, dentre os quais vale destacar, além
de Moreno Brandão (1909) e Craveiro Costa (2001), Alberto Saldanha (1994)
e José Ronaldo Batista Melo (2001).
Feitas essas observações, é dever de justiça assinalar que o foco dos
historiadores de Arapiraca acima citados não estava dirigido especialmente
ao processo de escolarização e suas formas de realização. Isso, porém, não
nos tira o direito de assinalar o lugar subalterno e desarticulado destinado à
educação escolar no contexto da dinâmica social arapiraquense como um
todo, segundo esses e tantos estudiosos que trataram da sociedade
arapiraquense até o presente momento. Foram esses, no entanto, os
estudiosos dos quais tive de partir para tentar assentar os primeiros registros
sobre a sociedade que em Arapiraca teve origem, dando-lhe forma no plano
social e econômico.
De acordo com as formulações dos dois historiadores arapiraquenses,
especialmente Guedes (1999), o processo de escolarização, nos primeiros
momentos, em Arapiraca, passou a se desenvolver nas residências, por
professores convocados pelos proprietários de terra que tinham condições de
manter esse professor como se fosse um membro da família para prover a
escolarização de seus filhos. Ficavam, dessa forma, excluídos da educação
os filhos de trabalhadores e ex-escravos1 que se dedicavam às atividades
agrícolas do cultivo da mandioca, mesmo que trabalhassem e vivessem nas
terras em que funcionava a “escola”.
A primeira escola oficial, mantida pelo poder público, portanto, às
expensas do erário, conforme assertiva de Guedes (1999), só é criada em
Arapiraca em 1891, quando esta ainda é distrito de Limoeiro de Anadia, sem,
1
Pelo tempo em que essas atividades começam a ser desenvolvidas e pela natureza do que
era cultivado – a mandioca – não havia condições para o seu trato com base no trabalho
escravo, ainda que a escravidão, no início da colonização de Arapiraca, não tivesse sido
ainda abolida.
10
no entanto, atender aos filhos dos homens comuns, já que àqueles cabia o
cultivo da terra e o fabrico da farinha, sobretudo, juntamente com seus pais.
Eles não tinham acesso ao tipo de ensino oferecido, ainda que de nível
primário, o que significa dizer, com base nas palavras de Almeida, (2004, p.
13) “que estão no cotidiano, mas podem ser abstraídos, especialmente pelo
fato de que não são categorias políticas”. Desse modo, essa massa
politicamente e socialmente excluída não consta da construção da história da
educação de Arapiraca, segundo as versões existentes – porque também não
consta na própria construção da história oficial da sociedade arapiraquense –
sequer é considerada como gente civilizada, já que a civilidade implicava,
sobretudo, posses, poder e prestígio – e às vezes também escolaridade - e
um procedimento segundo os padrões tidos pelos grupos dominantes como
expressão de uma cultura delineada nos moldes de sociabilidade vigentes
entre os integrantes da elite econômica.
Assim, para rastrear, reconstruir e analisar a trajetória da educação em
Arapiraca dentro de uma perspectiva diversa da historiografia dominante
sobre aquela sociedade, busquei construir fios condutores que dessem
sustentação a uma outra perspectiva que considerasse o povo arapiraquense
também como sujeito de sua história. Para isso, parti de alguns
questionamentos que considerei fundamentais dentro do que pondero como
elementos centrais de uma historiografia não oficial.
O primeiro desses questionamentos está relacionado ao atraso escolar
geral da sociedade de Arapiraca, no seu conjunto, nas primeiras décadas de
sua existência, que ficou bem nítido quando comecei a perceber que, até a
década de 1940, somente funcionavam no território do então já constituído
município, as escolas isoladas espalhadas pelo núcleo urbano principal, pelos
arruados e pelos sítios, com professores indicados pelos líderes locais, sem
nenhuma qualificação formal para o magistério, consoante com o que
acontecia no Brasil e particularmente em Alagoas, no Império (Cf. COSTA,
2001), em que, para ensinar sequer bastava saber ler e escrever, sendo
indispensável apenas dominar os fundamentos cristãos, predominando os
11
“rotulados professores e na quase totalidade ignorantíssimos” (COSTA, 2001,
p.43).
Quando do seu desmembramento do Limoeiro de Anadia, em 1924,
Arapiraca possuía apenas umas poucas escolas primárias isoladas e
multisseriadas, pouquíssimas mantidas pelo governo estadual. Marroquim
registra em sua obra “Terras das Alagoas”, de 1922, a existência de apenas
duas escolas mantidas pelo governo estadual, localizadas na sede do
município, embora somente me tenha sido possível localizar os registros da
escola em que desenvolvia o ensino, a nora de Esperidião Rodrigues, que
fora nomeada pelo então governador Barão de Traipu, no início da República,
já mencionada pelos historiadores arapiraquenses Macedo (1992) e Guedes
(1999). As demais escolas – na verdade, classes multisseriadas – eram
estabelecimentos de ensino criados pelos líderes locais com professores por
eles indicados ou convocados pelos chefes de famílias. A esse respeito, foi
possível, através de entrevistas concedidas por descendentes de famílias
economicamente
favorecidas
no
período
investigado,
portanto
com
possibilidade de manter um professor em sua casa, detectar a existência do
ensino desenvolvido entre a década de 1930 e 1940 na residência do Sr.
Manoel Rodrigues, conhecido como Manoel d’Aninha, no sítio Riachão, onde
um professor ensinava às crianças imitando as cantilenas das ladainhas para
memorizar o abecedário e a tabuada. A este instrumento pedagógico, que se
assemelhava à oralidade religiosa, associava-se o uso da palmatória que,
apesar de ter sido abolida por lei imperial, continuou muito presente no
processo de escolarização de Arapiraca por bastante tempo, até o fim do
Império e ao longo de boa parte da República, por delegação dos pais que
consideravam o uso desse instrumento indispensável na formação adequada
dos jovens.
Outro fato registrado nas minhas entrevistas para a reconstrução do
perfil da escola praticada em Arapiraca nos seus primórdios, relacionado a
esse tipo de escolarização, foi sobre o que era feito no Sítio Pau Amarelo, na
residência do Sr. Tertulino Bernardo, conhecido como Mestre Terto, por ser
um carpinteiro respeitado. Este contratou uma moça da capital para
12
escolarizar seus filhos e filhas até que uma delas, Lindinalva, dominou muito
rápido a leitura, a escrita, as quatro operações e os fundamentos cristãos que
eram prioridades para desenvolver o ensino e, em pouco tempo, tornou-se a
professora D. Linda, dispensando a presença da professora requisitada na
capital.
No entanto, analisando documentos como decretos estaduais, no
campo da educação, localizei, por exemplo, o Decreto de n0. 626, de 13 de
janeiro de 1915, que concedia jubilação à professora de instrução primária de
Arapiraca2, D. Leopoldina Correia de Oliveira, com todos os seus
vencimentos, como determinava o Art. 123, do capítulo X, do Título I, do
Regulamento da Instrução Pública do Estado de Alagoas de 19123, ainda que
não tenha conseguido informações nos registros encontrados ou de
testemunhas sobre a prática de ensino que pudesse ter sido desenvolvida
pela referida professora.
Segundo o registro dos atos do Poder Executivo Estadual na
República Velha, disponíveis nos arquivos do grupo de pesquisa “Caminhos
da Educação em Alagoas”, do PPGE/CEDU/UFAL, o Decreto 740, de 09 de
janeiro de 1916, cria duas cadeiras primárias no município de Limoeiro de
Anadia, sendo uma para o sexo masculino, no povoado de Arapiraca4, ainda
que não tenha tido acesso a nenhuma fonte que destacasse a existência, ali,
de uma escola exclusiva para o sexo masculino, que tenha precedido a
criação do Instituto São Luis, já em 1943, o qual, apesar de ser misto, acolhia
um número bem superior de rapazes. Na verdade, como não se misturavam,
naqueles tempos, crianças e jovens dos dois sexos nas mesmas salas,
provavelmente todas essas classes isoladas eram constituídas por sexo,
reunindo em um só recinto e durante o mesmo tempo escolar crianças e préadolescentes de níveis de escolaridade diversos, naquelas que ficaram
2
O Decreto referido, juntamente com a alusão a Arapiraca, faz menção a Limoeiro de
Anadia, já que este era o município ao qual estava vinculada Arapiraca ainda em 1915.
3
Segundo o referido Regulamento “os membros do magistério público primário que contarem
com mais de 15 anos e menos de 25 de serviço efetivo poderão ser jubilados na forma do
preceito constitucional com o ordenado proporcional ao tempo de serviço; os que contarem
com mais de 25 anos de serviço efetivo terão direito à jubilação com ordenado integral e os
que contarem com mais de trinta anos de serviço efetivo terão direito à jubilação com todos
os vencimentos”, o que era o caso da referida professora.
4
A outra destinava-se ao distrito de Belém, também pertencente a Limoeiro de Anadia.
13
conhecidas como classes multisseriadas, ainda hoje existentes, sobretudo na
zona rural.
Como as escolas isoladas funcionavam, em geral, nas residências dos
professores, quando na sede do povoado, ou em salas cedidas pelos
proprietários das terras em que elas se instalavam, quando nos sítios, elas
eram conhecidas pelo nome dos mesmos, até a década de 1940, quando foi
criado o primeiro grupo escolar na sede do município de Arapiraca, com
classes seriadas – o Grupo Escolar Adriano Jorge - para atender da primeira
à quarta série e segundo o regime de co-educação, implantado pelo “princípio
no qual a instituição pública republicana assegura o direito das crianças
meninas adquirirem conhecimento que as instruíssem ao menos em seus
níveis mais elementares”. (BENCOSTA, 2005, p. 73). No entanto, comenta o
autor, esse direito só tornou-se garantido de forma muito lenta ao longo do
século XX. Dessa forma, a criação dos Grupos Escolares se dá nos diversos
estados do Brasil, num momento marcado por mudanças que se
processavam na sociedade brasileira a exemplo da urbanização e da
modernidade. O objetivo dessa nova instituição de ensino era preparar
cidadãos ilustrados, prática exigida pelo regime representativo, prevendo uma
organização administrativo-pedagógica capaz de estabelecer profundas
modificações, na didática, no currículo e na distribuição espacial do edifício.
(Cf. PINHEIRO, 2002 e BENCOSTTA, 2005)
Em Alagoas, os Grupos Escolares somente passam a substituir as
Escolas Isoladas no início do século XX, ao longo da oligarquia dos Maltas,
entre 1900 e 1912,
como retrata Verçosa (1997), assim mesmo com
bastante lentidão. Daí por que em Arapiraca só é inaugurado o primeiro
Grupo Escolar em 1940 e somente em seguida à criação do Adriano Jorge é
que se estabeleceu a primeira escola particular de Arapiraca - o Instituto São
Luís, em 1943, já referido, também misto, como o Grupo Escolar que o
precedera. Estamos falando, ainda nessa altura, do curso primário, pois o
curso ginasial5 só foi implantado na década de 50, com a chegada do
5
Essa denominação de Curso Primário e Curso Ginasial era a existente na época, até a Lei
5.692/71, quando os dois cursos se fundiram num ciclo único de 8 anos, chamado Primeiro
Grau, que, depois da Lei 9.394/96, passou a ser denominado de Ensino Fundamental.
14
Educandário da Campanha Nacional de Escolas Gratuitas, em 1951, mais
precisamente, atendendo a um grupo restrito.
Esse atraso é significativo, se comparado ao desenvolvimento escolar
da capital alagoana e mesmo de cidades do interior do Estado, como
Penedo, Palmeira dos Índios, Pão de Açúcar e tantos outros municípios que
tiveram seus Grupos Escolares estaduais implantados nas primeiras décadas
do século XX. Como foi possível constatar, o Decreto 891, de 23 de setembro
de 1919, por exemplo, criou em Penedo, um Grupo Escolar denominado de
Escola Barão de Penedo, que funcionou no local onde foi extinto o Liceu
Penedense6, enquanto o Decreto 892, de 02 de fevereiro de 1919, criava
outro Grupo Escolar, conhecido como Escola Francisco Domingues, em
homenagem a Francisco Domingues da Silva, desta feita na cidade de
Alagoas – atualmente Marechal Deodoro – ainda que essa cidade, que foi a
primeira capital de Alagoas, tivesse há muito perdido sua importância
econômica e social frente a tantas outras cidades alagoanas.
Outro exemplo da prevalência de outros centros urbanos alagoanos
sobre Arapiraca – que sequer era município autônomo na época – é a
autorização, em 05 de junho de 1920, através da Lei N0. 860, do Governo do
Estado de Alagoas, da alocação, no orçamento estadual, da importância de
20.000$000 (vinte contos de réis) para a construção de um Grupo Escolar na
cidade de Anadia e outro em Porto Calvo, esta uma cidade cuja importância
sociopolítica já se havia perdido na poeira da história, desde o Século XVII,
quando foram expulsos os holandeses do território alagoano e execrados
seus habitantes na esteira da alegada traição do portocalvense Calabar.
No intuito de explicar o atraso no processo de implantação da estrutura
escolar na região de Arapiraca e, ao mesmo tempo, demonstrar como essa
estrutura, que num primeiro momento é refreada e restrita e, em seguida,
6
Vale ressaltar, a propósito do atraso escolar de Arapiraca, que, em 1919, Penedo já havia
experimentado até a existência de um Liceu Público, cuja extinção dá lugar a outro
estabelecimento escolar seriado. É de se notar que, nessa época, Penedo se destacava
como a cidade mais importante de Alagoas depois da capital, já tendo tido aulas avulsas –
que sucederam as antigas aulas régias – e, como vimos, um liceu e contando, desde a
criação da diocese, em 03 de abril de 1916, com um colégio diocesano para rapazes e outro
de freiras para as meninas e moças ‘bem nascidas”, como se costumava denominar os filhos
e filhas das famílias bem situadas econômica e socialmente.
15
paradoxalmente estimulada e ampliada, ainda nos anos de 1950 e 1960, a
par do mergulho que intento fazer na natureza mesma da escolarização ali
desenvolvida, foi que desenvolvi meu estudo e aqui apresento esse trabalho,
resultante de uma pesquisa em que destaco a dinâmica da economia
arapiraquense e sua ascensão, em oposição ao predomínio da cultura
dominante nos primeiros tempos de ocupação do território correspondente ao
atual município de Arapiraca, destacando os cuidados dispensados à cultura
fumageira, que me levaram à hipótese de que foi ela, como o principal fator
responsável pela geração de riquezas e a ascensão social de um grupo
selecionado de arapiraquenses, a responsável, em última instância, pelo jogo
de retardo e avanço da escolarização de Arapiraca, quando comparado com
muitos municípios de Alagoas, inclusive daquele de que teve origem.
Um outro questionamento que me pareceu relevante desde a
elaboração do projeto desse estudo para entender a dinâmica da
escolarização em Arapiraca foi sobre a prática pedagógica desenvolvida
desde os primórdios daquela sociedade, até os anos de 1950, segundo
entendo, conforme a ética paternalista cristã que se tornou característica
desde as primeiras experiências escolares. Desde o início interessou-me
saber de que forma essa prática influenciou a formação daquela sociedade,
proclamando direta ou indiretamente a superioridade “natural” de uma elite à
qual era atribuída a função de zelar paternalisticamente pelo bem-estar das
massas.
Para dar respostas a essas questões procurei fazer o entrelaçamento
de formulações de autores que tratam das relações patriarcais desenvolvidas
na estrutura patrimonialista brasileira, como Faoro (1975) e Holanda (1984), e
aqueles que rastreiam a presença viva desse patrimonialismo e seus reflexos
da educação escolar em Alagoas, como Verçosa (1997) e Almeida (1999).
Ao destacar a característica patrimonial do Estado brasileiro, inclusive
do Estado de Alagoas e do município de Arapiraca, como eixo explicativo do
fenômeno investigado, busquei demonstrar o que Weber definiu como
autoridade tradicional, patriarcalismo e patrimonialismo e a sua relação com a
educação, considerando que “a dominação patriarcal (do pai de família, do
16
chefe da parentela ou do ‘soberano’) não é senão o tipo mais puro da
dominação tradicional” (WEBER, 2001, parte 2, p. 353). Para o autor, o tipo
mais puro de dominação tradicional é o patriarcal, em que o senhor é
“santificado” e respeitado pelos súditos que lhe conferem fidelidade,
considerando, por outro lado, esse tipo de dominação como autoridade
legítima por sempre ter existido e ser aceita pela sociedade, o que considero
viva e presente ao longo de toda a constituição da sociedade brasileira,
alagoana e arapiraquense.
Nesse sentido, a concepção de dominação weberiana que assumo
como uma das categorias centrais desse estudo aponta para uma visão
segundo a qual a legitimidade, apesar de centrada na tradição que não pode
ser violada, é de uma forma ou de outra, presidida pela figura do patriarca
cuja sabedoria lhe é atribuída. Este, tendo em vista a fidelidade que lhe é
imputada, passa a usar de poderes inquestionáveis a ele concedidos pelos
demais membros do grupo. Com a ampliação da autoridade e da capacidade
de modificar a ordem vigente de acordo com pontos de vista pessoais, passa
a organizar o poder político e escolher as pessoas que deverão ocupar os
cargos administrativos através de critérios estabelecidos pela relação de
confiança e de amizade.
Enquanto no âmbito familiar a dominação patriarcal se apresenta como
tipo mais puro de dominação tradicional, no exercício da autoridade dos
Estados do tipo patriarcal, as relações de dominação se apresentam como
sistema de status, tendo como parâmetro as prescrições típicas de uma
ordem tradicional e, conseqüentemente, por pessoas que possuem essas
características acima de um status particular. Como podemos observar, os
poderes estão numa relação que, geralmente, não apresentam distinção
entre o indivíduo da esfera pública e o indivíduo particular.
Nas elaborações de Weber sobre a autoridade tradicional, o
patrimonialismo corresponde a um tipo de dominação caracterizada pelo fato
17
de o soberano7 organizar o poder político de forma que sua autoridade parta
de sua relação com os comandados e que estes, por códigos próprios de
conduta, não questionem. Os critérios para escolha dos ocupantes de cargos
administrativos ou para apontar quem deve abandoná-los, eram e, de alguma
forma, ainda são de acordo com os ditames dos chefes do governo, o qual
utiliza critérios pessoais baseados no respeito mútuo e nos seus próprios
interesses.
Essas concepções weberianas feitas sobre uma sociedade tradicional
– formal e aparentemente inexistente nos dias atuais - vão contribuir com as
análises que pretendo fazer, considerando uma perspectiva neopatrimonial
que
subsiste
ainda
no
Brasil
e
particularmente
em
Alagoas
e,
conseqüentemente, em Arapiraca, que constitui meu objeto de estudo.
De fato, a herança patrimonialista ibérica no Brasil ultrapassa os
primórdios coloniais e tempos do império, atingindo o período republicano até
os dias atuais, conforme nos diz Verçosa (1997), tendo se fortalecido as
relações patrimonialistas com a chegada da corte portuguesa no Brasil,
comprometendo a história das Instituições com as concepções organicistas
da vida social e afirmando a racionalidade oligárquica em detrimento da
racional
burocrático-legal.
Dessa
forma,
constituiu-se
a
estrutura
patrimonialista no Brasil, repercutindo em Arapiraca com características
patriarcais, onde predominaram o compadrio, o familismo e, sobretudo, o
coronelismo que se manifesta numa troca de favores entre o governo do
Estado e os chefes locais. Como mediador na garantia dos interesses do
povo, “o coronel utiliza seus poderes públicos para fins particulares, mistura
não raro, a organização estatal e seu erário com os bens próprios” (FAORO,
1975 V.1, p.637) Esta prática foi freqüente nos processos sociais, inclusive de
escolarização, em Arapiraca, tanto na indicação de professores e na escolha
do prédio para desenvolver o ensino naquela região, quanto nos saberes
ensinados aos estudantes e exigidos dos docentes e gestores educacionais.
7
Penso que, ainda que não tenhamos vivido sob o sistema feudal, muitas das expressões
próprias do monarca ou do sistema senhorial aqui se expressaram – e ainda se expressam –
pelo mando do senhor de terras e bens. (Cf. VERÇOSA, 1997)
18
Procurei, assim, nessa discussão, demonstrar a relação das práticas
patriarcais e paternalistas que ocorreram no âmbito educacional da
sociedade arapiraquense a partir das primeiras décadas de seu povoamento,
prolongando-se pelo século XX, influenciando a construção daquela
sociedade em todos os seus aspectos. Busquei demonstrar como a estrutura
patrimonialista que chega ao Brasil como herança ibérica juntamente com os
primeiros colonos, se impôs em Arapiraca com o predomínio do coronelismo,
clientelismo, compadrio, empreguismo, filhotismo e outras trocas de favores
entre o governo do Estado e os chefes locais, apoiando-me na assertiva de
Verçosa (1997), que assim esclarece a respeito da sociedade alagoana, uma
vez lançados os elementos que iriam dar as condições para a formação do
ethos dominante de toda a sociedade alagoana:
Esse paternalismo que implicará agora abertamente a utilização
privada dos bens públicos será a marca dominante do coronelismo
no contexto de uma estrutura patrimonialista que tem no familismo
um dos aspectos fundamentais e cuja base se encontra nas relações
de lealdade e confiança pessoal. (VERÇOSA, 1997, p. 114)
A conquista e a implantação dessa estrutura dominante no modelo
patrimonial e na autoridade santificada pela tradição em toda a América
Latina são oriundas da “nova Igreja” construída com a chegada dos jesuítas.
Colonização e cristianização se identificavam; enquanto o colonizador
“educava” o colonizado com ações políticas capazes de conferir seus
objetivos como patrocinador da empresa colonial, os jesuítas, sobretudo, nos
domínios da educação escolarizada, serviam aos interesses da fé. A religião
era identificada com o poder dominador, ou seja, a cultura européia e o
catolicismo apareciam como elementos de promoção social ou meios que
proporcionavam o ingresso na sociedade colonizadora. A união entre o
governo português e a Companhia de Jesus era muito forte, contribuindo com
o fortalecimento econômico dos jesuítas.
É verdade que, no século XVIII, conhecido como século das Luzes,
uma onda de forte laicismo invadiu o mundo inteiro, chegando até Portugal e
culminando, lá e no Brasil, com a expulsão dos missionários jesuítas, por
determinação do Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de Dom José I, rei de
Portugal. O então chefe do governo de Portugal assumiria o cargo com o
19
propósito de reorganizar administrativa e economicamente o reino nos
marcos do iluminismo e para isto precisava combater qualquer tipo de
oposição, inclusive nas colônias. No Brasil, essa oposição manifestava-se na
forma como os jesuítas desenvolviam sua prática voltada para os interesses
da fé, enquanto Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal,
pretendia uma educação que contribuísse com os interesses do Estado,
possibilitando a transformação de Portugal numa metrópole capitalista, a
exemplo do que ele testemunhara na Inglaterra, quando ali exerceu o cargo
de embaixador de Portugal. Assim, logo que o Marquês de Pombal expulsou
os Jesuítas do Brasil voltou-se para a reforma de ensino, onde este seria
mantido pelos leigos, em que a orientação adotada fosse:
formar o perfeito nobre, agora negociante; simplificar e abreviar os
estudos fazendo com que um maior número se interessasse pelos
cursos superiores; propiciar o aprimoramento da língua portuguesa;
diversificar os conteúdos incluindo o de natureza científica; torná-los
os mais práticos possíveis. Surge assim um ensino público,
financiado pelo e para o Estado (RIBEIRO, 2000: p.33).
O período pombalino é visto como decadente, por alguns estudiosos, a
exemplo de Azevedo (1964), que na sua obra “A Cultura Brasileira”, aponta
esse período como “grande vazio”. É que as aulas régias de Latim, Grego e
Retórica que foram criadas, eram autônomas e isoladas. Os professores
eram geralmente nomeados pelos bispos, tornando-se vitalícios proprietários
das aulas, sobretudo nas colônias – no Brasil, inclusive – sendo quase
sempre mal preparados para a função, já que eram improvisados e mal
pagos, sem falar que os critérios para a indicação seguiam, de regra, os
princípios do ethos paternalista, a saber, valia mais quem indicava o
professor para o cargo do que a capacidade intelectual e técnica deste.
Segundo Ribeiro (2000), com a expulsão dos jesuítas, permaneceram
apenas no Brasil com a qualidade original, os seminários episcopais que não
se encontravam mais sob a jurisdição jesuítica. Para Ribeiro, tanto quanto
para Azevedo, ao se desmantelar o sistema jesuítico, nada que se
aproximasse a ele foi organizado para dar continuidade ao processo de
educação no Brasil. Isto significa dizer que as mudanças provocadas pelo
Marquês
de
Pombal
não
teriam
sido
suficientes
para
acelerar o
desenvolvimento da metrópole e muito menos do Brasil, sem falar que das
20
raízes jesuíticas teria sobrado, na mais das vezes, o que poderia ser
considerado o mais negativo, a saber, o controle do que era ensinado, a
carga religiosa e a forma livresca desse ensino, situação que somente iria se
alterar com a chegada da corte portuguesa, assim mesmo na sede da corte e
num ou noutro centro urbano mais desenvolvido.
Trabalhos mais recentes, porém, tentam inverter essas
concepções, a exemplo do de Hilsdorf (2006) que, a respeito dos rumos da
educação no período pombalino, destaca uma renovação metodológica de
conteúdos e de organização. Segundo a autora, apesar da resistência às
reformas pombalinas, por parte dos adeptos das ações jesuíticas e do desvio
dos
Subsídios
Literários,
que
era
com
que
se
buscava
manter
financeiramente o ensino, foi criada no Brasil uma rede de aulas avulsas, de
primeiras letras, gramática latina, grego, retórica e poética, filosofia,
matemática, geometria. Essas cadeiras foram distribuídas nas diversas
províncias, principalmente em São Paulo, Bahia, Ceará, e Pernambuco,
tendo sido, inclusive, criado, em Olinda, um Seminário, em 1800, pelo bispo e
governador da capitania, Dom Azeredo Coutinho.
No Seminário de Olinda, de fato, eram aplicados os princípios
ilustrados, pelos seus objetivos de formar padres capazes de modernizar a
economia da colônia, incorporar as ciências exatas e naturais, desenho,
geografia, cronologia e teologia ao seu plano de estudos e pela sua
metodologia baseada numa relação mais sensível, entre mestres e
discípulos.
Entretanto, em Alagoas, o ensino, nos moldes das atividades
regulares e seriadas, pelo que nos é dado saber, continuaria a ser privativo
dos conventos franciscanos de Penedo e Alagoas (atualmente Marechal
Deodoro), como únicos centros de cultura intelectual e os frades como os
únicos homens capazes de desenvolver o ensino para quem pretendesse
aprender o que eles pudessem ensinar, como esclarece Costa (2004),
acrescido, apenas, de algumas aulas avulsas, como informa Verçosa (1997),
ao dizer que, expulsos os jesuítas e instituídas as aulas régias, até o final do
século XVIII, em terras alagoanas
21
além da primeira iniciativa de caráter público de que resultou a
instituição das cadeiras de Gramática Latina, há o registro da
abertura de uma outra cadeira de primeiras letras, também na
sede da comarca e de outra, no ano seguinte (1800), em Santa
Luzia do Norte (VERÇOSA, 1997, p.66 )
O fato de em Alagoas não ter sido instalado nenhum colégio jesuíta
não quer dizer que, em terras alagoanas, a influência da ética paternalista
cristã católica patrocinada pelos padres da Companhia de Jesus e presente
também como princípio a reger a ação dos Frades Menores não tenha
prevalecido no processo de escolarização de uma forma geral. Afinal, além
da prevalência dos franciscanos instalados nos Conventos de Alagoas e
Penedo, que dominavam a educação religiosa da maioria dos povoados
alagoanos, quem quer que fosse educado e letrado naqueles tempos – e que
viesse a assumir as aulas régias e depois as cadeiras isoladas do Império jamais poderia dizer-se imune à influência da Igreja e de seu projeto
civilizatório, fosse através da Companhia de Jesus, fosse através dos
ensinamentos dos franciscanos, carmelitas e beneditinos, fosse através do
Seminário de Olinda, anteriormente mencionado, que se instalaria sob a
batuta de Dom Azeredo Coutinho8, após a expulsão dos jesuítas, formando
levas de alagoanos na segunda metade do Século XVIII e inícios do Século
XIX, grande parte dos quais se tornariam professores, fossem padres ou não.
Quando falamos na ética paternalista cristã estamos nos referindo ao
que diz Hunt & Sherman (1994, p. 16), ao caracterizá-la como
centrada no reconhecimento do pobre, de sua condição e do rico,
de sua relação de cooperação, de ajuda, de acompanhamento,
como um pai acompanha seu filho, orientando, ou se necessário,
impondo e punindo.
Ainda com base em Hunt & Sherman, ao considerar a ética
paternalista cristã, tomamos em consideração o processo de transformação
econômica ocorrido no capitalismo nos fins do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, que apontava para uma reorganização que exigia que
8
Essa afirmativa parece ser possível de ser feita até sobre o Seminário de Olinda, no que
pese a presença de elementos iluministas no pensamento e no projeto pedagógico do
insigne bispo de Olinda, que manteve aquela instituição funcionando, após a expulsão dos
jesuítas, e na qual estudaram levas e levas de alagoanos, a maioria dos quais retornados à
vida civil, por não se terem ordenado. Isso, sem falar de quase todo o clero alagoano que,
até 1900, ali iria ser preparado.
22
se harmonizasse a nova conjuntura monopolista com a realidade existente,
tanto nos centros capitalistas, quanto nas sociedades periféricas. Daí surge
uma ideologia, portanto, capaz de explicitar a superioridade natural de uma
pequena elite, que seria transformada, aos olhares da população, no exemplo
a ser seguido, ou seja, o homem que conquistou a riqueza por seu próprio
mérito deveria ser admirado, respeitado e servir como exemplo a todos.
Percebemos que a posse de qualidades extraordinárias representada pelo
êxito alcançado tornava o homem superior aos menos favorecidos. E, nesse
particular, a própria tradição católica não seguia a premissa máxima contida
no Evangelho de Lucas que condenava as riquezas; preferia o uso correto da
riqueza através do auxílio mútuo, da ajuda e da colaboração, o que estaria
bem representado na principal bula papal, em 1891, promulgada por Leão
XIII, e que pode ser assim sintetizada:
O primeiro princípio é que o homem deve aceitar com paciência a
sua condição: é impossível que na sociedade civil, todos sejam
elevados ao mesmo nível. É sem dúvida isto o que desejam os
socialistas; mas contra a natureza, todos os esforços são vãos. Foi
ela realmente que estabeleceu entre os homens, diferenças tão
múltiplas, como profundas; diferenças de inteligência, de talento,
de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias de onde
nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta
desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto
da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um
organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva
precisamente os homens a partilharem estas funções é,
principalmente a diferença de suas respectivas condições. Pelo
que diz respeito ao trabalho em particular, o homem, mesmo no
estado de inocência, não era destinado a viver na ociosidade, mas,
ao que a vontade teria abraçado livremente como exercício
agradável, a necessidade lhe acrescentou, depois do pecado, o
sentimento da dor e o impôs como uma expiação.(RERUM
NOVARUM, 1891, N. 11)
Esta versão de ética paternalista cristã que se torna canônica pelo
Papa Leão XIII, na elaboração de um documento demonstrando a existência
da pobreza, miséria e opressão, condenava a concorrência sem limites,
afirmando de um lado a existência de uma sociedade constituída de ricos e
pobres, caracterizada pela concentração de riquezas, enquanto, por outro
lado, convidava os cristãos a aceitarem a sua condição, como já foi tratado
nesse texto. Acreditava o Papa que, com a supressão da concorrência e a
revitalização dos valores cristãos, seriam solucionados os problemas de
23
miséria, bastando, portanto, que, aqueles que se tornassem proprietários ou
líderes, praticassem exemplos desse paternalismo cristão.
Conforme Julien Freund (1987), Weber observa na estrutura da Igreja
uma evolução análoga à estrutura estatal, demonstrando que o clericalismo
constitui-se também um traço comum do patrimonialismo que veio
estendendo-se a partir do século XVI, até os nossos dias. Sob a forma de
Instituição, a Igreja, apoiada nos regulamentos racionais e em uma
autoridade administrativa, desenvolveu a educação no Brasil, influenciando a
construção da sociedade brasileira, com os jesuítas no caso genérico do
Brasil e, no caso de Alagoas, sobretudo, sem eles.
Apesar de Weber não ter dedicado um artigo ou capítulo de um livro à
educação, ele faz esparsas referências ao tema no decurso da sua produção
acadêmica,
construindo
uma
análise
dos
fenômenos
educativos,
considerados elementos fundamentais no processo de seleção a que é
submetido o indivíduo na sociedade capitalista. Para Weber, a educação é
uma relação associativa capaz de criar valores diferentes dos intencionados,
estando, portanto, condicionada ao tipo de dominação que predomina em
cada sociedade. Como podemos perceber, a dominação está presente em
todas as instituições e, por isso, prevalecendo na família e na escola, indo
além das influências dos bens culturais formais e sendo responsável pela
formação do caráter dos jovens e dos homens.
Nessa perspectiva, busco compreender a trajetória da educação em
Arapiraca, nos fins do período imperial e nas primeiras décadas do período
republicano, até a década de 50 do Século XX, considerando que a educação
é determinada pelo tipo de dominação vigente em cada período, enquanto
nas formas de dominação baseadas na tradição, a educação valorizada era
aquela que formava o homem culto, capaz, sobretudo, de comportar-se
conforme exigências do regime vigente. No tocante a esse tipo de formação
no processo educacional em Arapiraca, a minha hipótese principal é a de que
a Igreja Católica destacou-se como Instituição que orientava os professores e
organizava o tipo de conteúdo que deveria ser transmitido, no que pese a
distância da dominação direta dos jesuítas ou de qualquer outra ordem
24
religiosa encarregada pelo Estado de dar conta da missão civilizatória e
redentora da dupla Estado/Igreja, até quando o regime republicano separa
formalmente os dois na articulação da dinâmica social. Nesse papel,
destacavam-se os párocos e os padres que descendiam das famílias
tradicionais daquele município e que desempenharam sua missão.
Para concluir minha análise levantei outro questionamento que diz
respeito à associação da esfera pública com a esfera do privado que esteve
presente na constituição da sociedade arapiraquense, desde os primórdios
de sua colonização, predominando na década de 1950, sem, no entanto,
aparecer na historiografia até então desenvolvida pelos nossos historiadores.
Apoiada nas reflexões teóricas e nos questionamentos acima
apresentados é que foi, portanto, possível formular minhas hipóteses que
serão rastreadas nessa análise e, se comprovadas ou não, irão contribuir
para a compreensão dos fatores que influenciaram, em última instância, a
construção da sociedade arapiraquense e possibilitar o rompimento do
silêncio a respeito das práticas educativas desenvolvidas no processo de
escolarização daquela sociedade, dando voz àqueles e àquelas que não
tiveram sequer acesso à história que foi escrita sobre a sociedade de cuja
construção participaram.
Constituindo uma pesquisa de natureza qualitativa, numa abordagem
sócio-histórica, lancei mão, no desenvolvimento dessa investigação, de uma
variedade de procedimentos e instrumentos de coleta e análise de dados,
como revisão bibliográfica, utilização de entrevistas e realização de análise
de documentos considerados elementos fundamentais na relação entre o
escrito e a oralidade. Dessa forma, passei a me apropriar de procedimentos
da Nova História que vem, desde sua origem, apresentando uma concepção
diversa da então dominante sobre o que fosse documento que, como
demonstra Le Goff :
ao mesmo tempo em que ampliou o campo do documento
histórico (...) substituiu a história de Langlois e Seignobos, fundada
essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma história
baseada numa multiplicidade de documentos escritos de todos os
25
tipos, documentos figurados, produtos de escavações
arqueológicas, documentos orais,etc. (LE GOFF, 1988, p.28).
Tratando das concepções de História Nova difundidas pelos criadores
da “Escola dos Annales”9, Lucien Febvre e Marc Bloch, os quais,
pretendendo inovar a Historiografia praticada até a década de 1920,
contestaram a história política desenvolvida, sobretudo, pelos positivistas que
consideravam os documentos oficiais como únicos e verdadeiros, foram
utilizados como instrumentos de investigação nesse trabalho, documentos
diversos como programas de ensino, registros de alunos, decretos da
Câmara Municipal e Resoluções tomadas pelos prefeitos que administraram
Arapiraca nesse período. Esses elementos passaram por uma análise, de
modo que pudessem apresentar evidências ou não da relação do
funcionamento das escolas de Arapiraca com as classes sociais locais.
Para Le Goff, os fundadores dos Annales pretendiam combater a
história narrativa, exaltar a história problema e valorizar uma produção
voltada para todas as atividades humanas numa colaboração interdisciplinar.
Era prioridade para eles combater os positivistas, marcados pela filosofia da
escola de Auguste Conte predominante no século XIX, quando a história
Tradicional estava interessada nas elites e nos acontecimentos ou num
mundo submetido às leis. Prestigiando a história política, os positivistas
voltavam-se para as circunstâncias superficiais, negligenciando as causas
profundas, a exemplo da história dita événementielle10, privando-se de
9
A chamada “Escola dos Annales”, também conhecida como “História Nova”, nasceu na
França, em torno da Revista “Annales d’Histoire Économique et Sociale” (atualmente
“Annales Économies, Societés, Civilisations’), fundada em 1929, por Lucien Febvre e Marc
Bloch. Para Peter Burke, (1992) a expressão História Nova ou Nova História é mais
conhecida na França sendo La Nouvelle Histoire o título de uma coleção de ensaios editado
no ano de crise econômica (1929) como demonstra Le Goff (1988). Marc Bloch e Lucien
Febvre encontraram-se na Universidade de Estrasburgo onde lançaram os “Analles”, tendo,
assim, início a Nova História que, na concepção de Carlos Reis, significou a aceitação, por
parte dos novos historiadores, da crítica dos durkeimianos e da Revista de Síntese, fundada
por Henri Berr, da qual Febvre era colaborador, com a intenção de tornar a história social,
com as inúmeras mudanças que ocorreram no campo da historiografia.
10
Termo francês difícil de traduzir, événementielle vem de événement, que quer dizer
“acontecimento, fato acontecido, evento”, o que nos levaria a entender o adjetivo ou como
a expressão adjetiva “dos acontecimentos”, ou, com alguma ousadia lingüística, como o
neologismo “acontecimental”.
26
comparar tempo e espaço, sem oferecer ao historiador possibilidade de
discussão da dimensão científica.
Num constante combate a esses positivistas, a História Nova defende
a perspectiva da história de longa duração, capaz de explicar as
permanências e mudanças. Apesar dos criadores dos Annales deixarem
espaço para os estudos políticos e biográficos, sua ênfase recai sobre o
econômico,
estimulando
os
historiadores
a
observar
as
estruturas
econômicas para poder abordar cada sociedade com maior profundidade. As
estruturas duráveis são mais reais, podendo determinar os fenômenos da
conjuntura e, portanto, valorizados os comportamentos coletivos que têm
maior importância no curso da história. Em nome de uma história total unemse os adeptos da história nova para defender uma concepção de história
onde o econômico e o social ocupem lugar de destaque.
Dentro dessa perspectiva, foi analisada a trajetória da educação da
sociedade
arapiraquense,
partindo
das
atividades
econômicas
ali
desenvolvidas, dentro de uma relação da esfera do Público e do Privado e
destacando a influência da Igreja na Educação. Foi realizado um profundo
estudo sobre os “fenômenos de longa duração” que constituem as estruturas
políticas e econômicas de Arapiraca, consoante com as propostas dos
pioneiros da História Nova que diziam que “a história caminha mais ou menos
depressa, porém, as forças profundas da história só atuam e se deixam
apreender no tempo longo”. (LE GOFF,1988, p.45 )
Para José Carlos Reis, os historiadores dos Annales abordaram com
um novo olhar a história, que é a representação do tempo, uma base
profunda da pesquisa histórica. Essa concepção de Reis é confirmada na
assertiva de Bloch, (2001) que assim se expressa: “O historiador não apenas
pensa o humano. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente
é a categoria da duração”. (p. 55) Portanto, enquanto os historiadores
tradicionais pensaram a história como uma narrativa, os novos historiadores
estão preocupados com a análise das estruturas, vendo o homem como o
objeto da história, sendo, para Bloch (2001), o bom historiador aquele que
fareja e busca o ser humano.
27
Assim, para abordar a realidade humana, a História Nova renovou as
técnicas e métodos, privilegiando documentos massivos, relativos aos hábitos
e costumes: esses foram muito significativos na análise da história da
educação da sociedade arapiraquense que teve como eixo norteador, os
valores morais fundamentados na Religião Católica. Partindo do pressuposto
de que “o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que
incessantemente se transforma e aperfeiçoa” (BLOCH, 2001, p.75), é que foi
utilizado, na elaboração desse trabalho, o método regressivo, indo do
presente ao passado e retornando desse passado ao presente para sustentar
uma história problema. Dessa forma, foi construída uma história vista de
baixo que “reflete uma nova determinação para considerar mais seriamente
as opiniões das pessoas comuns sobre seu próprio passado do que
costumam fazer os historiadores profissionais”. (BURKE, 1992, p.22). Por
isso, para a elaboração desse texto foi fundamental a utilização, como
método principal, a História Oral11, sem, no entanto, abolir as consultas às
fontes já existentes, com o objetivo de elaborar um documento que fosse
capaz de dar conta da trajetória da história da educação em Arapiraca, em
oposição à história tradicional vigente que se interessa apenas pelos
indivíduos, pelas camadas superiores ou pelos acontecimentos e instituições,
entendendo
que
“fazer
história
oral
significa,
portanto,
produzir
conhecimentos históricos, científicos e não simplesmente fazer um relato
ordenado da vida e da experiência dos ‘outros’ ”. (LOSANO, 2002, p.17).
Atraída pelas características da história oral, percebendo a sua
importância para a reconstrução da história da educação de Arapiraca e
preenchimento das lacunas deixadas pelas histórias já produzidas, procurei
apropriar-me da assertiva do autor acima citado, quando ele diz que
11
A História Oral toma alguma força no Brasil a partir dos anos 70, mas, só vai se expandir
significativamente na década de 90, com a criação da Associação Brasileira de História Oral,
precisamente em 1994. O método representa mais do que entrevistas tomadas no seu
conceito mais restrito; pelo contrário, envolve histórias de vida que podem ser essenciais na
compreensão de fenômenos sociais, portanto de grande importância na minha investigação.
28
a história interessou-se pela ‘oralidade’ na medida em que
ela permite obter e desenvolver conhecimentos novos e
fundamentar análises históricas com base na criação de
fontes inéditas ou novas (LOSANO, 2002, p.16)).
Seguindo as orientações do autor foi iniciada e desenvolvida boa parte
da análise que compõe esse trabalho, entrevistando antigos moradores de
Arapiraca, já que muitos dos que vivenciaram o período em estudo se
encontram em condições físicas e mentais de falar.
Desde a etapa exploratória da pesquisa, foram levantadas, junto à
comunidade arapiraquense, informações autorizadas para a compreensão da
relação entre a ascensão econômica da região e o desenvolvimento
educacional. Numa relação dialética entre as informações recebidas através
dos depoentes e o material analisado anteriormente, foi discutida a forma de
desenvolvimento do ensino em sua dualidade, ora de forma restrita, para
atender às classes economicamente mais favorecidas de Arapiraca, ora para
trazer para o processo de escolarização os filhos dos trabalhadores, inclusive
de forma mais ampliada.
No levantamento e na utilização das fontes orais, foram selecionadas
testemunhas seguindo a orientação de Jucá, que nos ensina que “a razão
principal de trabalhar com depoimentos de pessoas velhas reside na
descoberta do valor histórico que elas representam, resgatando-lhes o valor
presente em suas memórias”. (JUCÁ, 2003, p.18). Dessa forma, foram
ouvidas pessoas de mais de setenta anos, capazes de prestar informações
suficientes para dar substância às minhas análises. A história oral foi, assim,
um espaço de contato e influência interdisciplinares com ênfase nos eventos
que possibilitam interpretações de processos históricos e sociais. Depois de
analisados, os relatos foram entrelaçados às informações contidas nos
documentos escritos de uma forma dialética.
Para realizar esse trabalho de reconstrução da trajetória da educação
em Arapiraca, desde o início de seu povoamento aos anos 50, realizei 12
entrevistas, colhendo testemunhos de pessoas que conviveram com o
período estudado de forma que me possibilitassem uma leitura mais ampla
do processo de escolarização ocorrido naquele período e da relação público/
29
privado que ali se desenvolvia. De início, ouvi depoimentos de quatro
professores aposentados que desenvolveram o ensino até a década de 40,
através de entrevistas não estruturadas, ou seja, sem obedecer à ordem de
perguntas, em que o entrevistado ficava à vontade para falar das ações
pedagógicas que permeavam a sala de aula. Em seguida, entrevistei quatro
alunos que estudaram também nesse período, fazendo, a partir daí, uma
análise do processo de escolarização de Arapiraca, dentro do período
investigado, comparando o discurso daqueles que desenvolviam o ensino
com o discurso de seus discípulos. Não satisfeita com os resultados,
entrevistei
mais
quatro
ex-alunos
que
me
forneceram
informações
importantes, capazes de fortalecer as minhas hipóteses. Além desse grupo
de entrevistados, foi possível contar com alguns depoimentos que aparecem
no corpo desse texto, de ex-alunos que demonstraram informalmente a sua
concepção a respeito da qualidade de ensino naquele período.
Para expor meu trabalho de forma clara, procurei dividir o texto em três
momentos: no primeiro, procedi a uma revisão bibliográfica, sobre a
historiografia de Arapiraca, destacando as formas como se constituiu essa
sociedade e as referências educacionais gerais, até quando sua riqueza se
concentra no cultivo do fumo. Daí porque dei a esse capítulo o seguinte título:
“Arapiraca: dos roçados de mandioca à terra do “ouro verde”.
No segundo capítulo, busquei discutir a forma como se processou o
ensino em Arapiraca, a partir do início de seu povoamento até a década de
1950, analisando os fatores que favoreceram a uma camada privilegiada e
destacando a relação público/privado no setor educacional de uma forma
geral, para dar conta das questões objetivas apresentadas por aquela
sociedade. Nesse capítulo procurei atentar para o fato de que a escola
pública era vista como algo privado, já que as salas de aula funcionavam na
residência do professor ou em salas cedidas pelos líderes locais, ficando as
escolas conhecidas, portanto, pelo nome dos mesmos. A esse capítulo
denominei: Relação Público/Privado na trajetória da educação em Arapiraca.
No terceiro e último capítulo, procurei analisar a prática educativa
desenvolvida pelas principais escolas criadas, nas décadas de 40 e 50, numa
30
sociedade que se reconhecia próspera e em ascensão. Destaco a criação do
primeiro Grupo Escolar, com um significativo atraso com relação aos demais
municípios alagoanos, mas com todas as características capazes de
revolucionar o ensino público naquela sociedade. Ainda nesse capítulo
demonstro a iniciativa de um professor público em criar a primeira escola
particular naquele município, ampliando as possibilidades das camadas mais
abastadas concluírem a quarta série, o Instituto São Luís. Em seguida
destaco a chegada, na década de 50, de duas escolas que passam a atender
a um público que se destina a uma formação mais ampla. A escola da
Campanha Nacional de Escolas Gratuitas, o Colégio Nossa Senhora do Bom
Conselho que oferecia o curso ginasial. e o Educandário São Francisco de
Assis que veio atender aqueles que pretendiam dar ás suas filhas uma
formação moral cristã voltada para a preparação para boas donas de casa. A
ele chamei “Práticas e Saberes: O ensino desenvolvido pelas principais
escolas de Arapiraca entre as décadas de 1940 e 1950”.
Fechando o trabalho, procurei, em forma de síntese, tecer algumas
Considerações Finais – em lugar de buscar construir um texto em forma de
conclusão, até porque entendo que este estudo não tem um ponto final – no
intuito de trazer de volta, de forma mais próxima e articulada, o que foi sendo
parcialmente assinalado em cada capítulo, esperando, assim, ter dado uma
contribuição para a historiografia da educação em Alagoas, em franco
processo de construção no seio do Grupo de Pesquisa “CAMINHOS DA
EDUCAÇÃO EM ALAGOAS”, do PPGE/CEDU/UFAL, ao tempo em que
procurei fornecer elementos para uma compreensão mais adequada da
sociedade arapiraquense.
31
CAPÍTULO I
ARAPIRACA: DO ROÇADO DE MANDIOCA
À TERRA DO “OURO VERDE”.
Conforme registros que compõem a historia oficial de Arapiraca, o
início de seu povoamento data de 1848, sendo assinalado como líder desse
movimento o descendente de portugueses, Manuel André, casado com a filha
de um ex-soldado português, Amaro da Silva Valente, que viera para o Brasil
acompanhando a Família Real em 1808, quando essa, perseguida por
Napoleão, decidiu refugiar-se na sua maior colônia - o Brasil. Recomendado
pelo sogro a buscar terras propícias ao cultivo da mandioca, Manuel André
abandonou a região de Cacimbinhas, localizada no semi-árido alagoano,
onde se fixara a família de Amaro da Silva Valente, e seguiu em direção ao
Agreste.
Alcançando as terras onde mais tarde ergueu-se o povoado de
Arapiraca, conta a tradição que Manuel André abrigou-se à sombra de uma
frondosa árvore, denominada “arapiraca”, próxima ao Riacho Seco, cujas
águas constituíram-se no elemento fundamental para o início do povoamento
daquela região. Dessa forma nasce uma sociedade que foi construída dentro
das fronteiras agrárias, desenvolvendo desde os primórdios, o cultivo da
mandioca, que era muito estimulado no período imperial pela necessidade de
se ampliar a produção da farinha, gênero alimentício indispensável, que
estava com o preço muito elevado por não ser cultivado pelos monocultores
da cana de açúcar.
Como esclarece Guedes (1999), ocorreu de forma acelerada o
crescimento deste povoado, fundado nas terras do Alto do Espigão do
Cangandu, propriedade pertencente ao Capitão Moisés e adquirida por
Amaro da Silva Valente, através de seu genro, com documentação lavrada e
pagamento efetuado num Cartório da cidade de Penedo – Al. Após dez anos
da construção da primeira casa de taipa que pertenceu ao fundador do então
32
povoado de Arapiraca, já era significativo o crescimento populacional e a
construção de casas de tijolos fabricados com o barro que margeava o
Riacho que, mais tarde, se transformaria na Lagoa das Olarias.
Os moradores que não queriam construir suas residências de taipa
encarregavam-se de “bater” os tijolos para construir suas residências
próximas a Manoel André, formando, dessa forma, o “Quadro” de Arapiraca,
como ficou conhecida durante muito tempo a principal rua do povoado.
Pessoas de cidades e estados vizinhos eram atraídos pelo cultivo da
mandioca
e
se
fixavam
na
região,
contribuindo
com
seu
rápido
desenvolvimento econômico e populacional. Como a maioria dessas pessoas
era descendente de Amaro da Silva Valente e, portanto, parentes ou contraparentes do fundador de Arapiraca, a este se juntavam para aumentar a
produção da farinha de mandioca.
Com a morte de Amaro da Silva Valente, em 1875, seus familiares que
ainda permaneciam em Cacimbinhas, vieram tomar posse de suas heranças
na região de Arapiraca; enquanto isso, outras famílias procuravam refúgio no
recente povoado para proteger seus filhos do recrutamento dos “voluntários
da pátria”12 no período da guerra do Paraguai, como foi o caso de Terezinha
Nunes Magalhães, mãe de Domingos Nunes Barbosa, que fundou o sítio de
Canafístula, e Estevão Nunes Barbosa e Manoel Nunes Barbosa, fundadores
da povoação de Craíbas dos Nunes.
Estas famílias se distribuíram em diversos sítios que circundavam o
“quadro” do povoado e desta forma foram se multiplicando, através de
casamentos entre parentes, possibilitando a construção de numerosos
núcleos familiares, como vinha acontecendo desde os primórdios da
ocupação, pelos colonizadores do solo alagoano (cf. VERÇOSA, 2001),
fazendo com que, mesmo sem a existência dos grandes latifúndios que
caracterizaram a ocupação do litoral e da mata, na formação de Arapiraca se
seguisse o padrão de ocupação característico das Alagoas, a saber:
o entrelaçamento entre as famílias vai permitir o controle de
enormes extensões de terras, formando assim o “clã parental” que
Os “voluntários da pátria” assim chamados eram, na verdade, jovens recrutados à força,
contra a vontade própria e de seus pais, para lutar na Guerra do Paraguai – e que não eram
poucos – ficando a denominação com sentido pejorativo.
12
33
se vai desenvolvendo e ampliando prestígio por todo o território,
dando a esses grupos familiares dispostos em cada região, o
poder de decidir politicamente, de acordo com os seus interesses
particulares e convenientes de seus grupos (ALMEIDA, 1999, p.
35-36).
Com
base
nesse
entrelaçamento,
as
famílias
cresciam
e
multiplicavam-se, como acentua Guedes, (1999, p.20) “formando essa
imensa árvore genealógica através do tempo”. Foram, dessa forma, surgindo
diversos sítios: Mocó, a Serra dos Ferreiras, Lagoa de Dentro, Baixa Grande,
o
Sítio
Fernandes,
Caititus,
2
e
outros,
ocupando
uma
área
de
2,
em
aproximadamente 1.200 Km , ainda que hoje restem apenas 410 Km
decorrência da emancipação de alguns Distritos, a exemplo de Feira Grande,
Craíbas e Lagoa da Canoa. Constituiu-se, assim, uma sociedade assentada
no patriarcalismo que foi se formando em Arapiraca, consoante com o tipo de
sociedade brasileira que, àquela altura, ainda se desenvolvia numa
perspectiva neopatrimonial, tendo em vista que a herança patrimonial ibérica
ultrapassa os primórdios coloniais, permeia os períodos imperial e
republicano, atingindo os dias atuais, com especial relevo para Alagoas (cf.
FAORO, 1975 e VERÇOSA, 2001). Em cada sítio havia um representante
que, aliado ao líder local, ficava encarregado de decidir sobre os destinos
daquele núcleo de povoamento.
O poder atribuído a esses chefes aliados ao líder local, que residia no
“quadro” do povoado, de início advinha da relação com as autoridades de
São João de Anadia - mais tarde Limoeiro de Anadia – que era a sede do
município ao qual pertencia Arapiraca. Embora não tenha sido possível
identificar o número de habitantes em Arapiraca antes de sua emancipação,
ficou claro nas minhas investigações que a concentração dos moradores do
município de Limoeiro cedo passou a se deslocar para o então Distrito de
Arapiraca. A população da sede, ou seja, do município de Limoeiro de
Anadia, na década de 20, por exemplo, como demonstra Marroquim, em sua
obra “Terra das Alagoas’, de 1922, era de 28.555 habitantes, enquanto
Arapiraca, nas formulações de Macedo (1992), possuía, já em 1925,
aproximadamente 15.000 habitantes”. Isto significa dizer que mais da metade
da população do município de Limoeiro localizava-se, àquela altura, no
34
distrito de Arapiraca, desenvolvendo o plantio da mandioca, contribuindo com
a transformação do referido povoado, no produtor da farinha de melhor
qualidade da região e, mais tarde, voltando-se para a cultura fumageira. Vêse, assim, no início do Século XX, a tendência já acentuada de rápido
crescimento de Arapiraca, que vai cada vez mais se pronunciar pelas
décadas seguintes.
É que o progresso oriundo da cultura da mandioca logo passou a gerar
riquezas para alguns agricultores que se empenharam em ampliar suas
terras, fazendo, assim, daquela sociedade nascente, uma sociedade desigual
em que os considerados ricos destacavam-se como “protetores” e
“provedores”, termos atribuídos a quem se sente capaz de assistir aos
homens comuns de forma paternalista, mesmo que tendo como suporte os
bens públicos, como esclarecem Verçosa (1997) e Almeida (1999). Isso se
dava, evidentemente, no vácuo deixado pela ausência direta do Estado.
Uma característica dessa sociedade nascente merece nota: ao
contrário da cultura fumageira, que vai cada vez mais se expandir como fonte
principal de renda de Arapiraca, a partir das primeiras décadas do século XX,
o plantio da mandioca, embora ocupasse um pequeno número de
trabalhadores, no entanto, oferecia oportunidade de trabalho o ano inteiro, ou
seja, as “farinhadas” eram realizadas em qualquer época do ano, com essa
atividade contribuindo para a ampliação do então povoado, em oposição à
sazonalidade característica da cultura do fumo.
A produção da farinha era realizada com técnicas bem rudimentares e
ocupava uma pequena mão de obra, se comparada à cultura fumageira que
exige cuidados especiais e intensivos e tempo hábil para sua colheita. Várias
casas de farinha foram construídas nos arredores do quadro do povoado e,
destacando-se como proprietários principais das mesmas o Sr. José Firmino
Leite, José Bernardino, Manuel Leão, o major Crispiniano Ferreira, dentre
outros.
Os pequenos plantadores de mandioca, por sua vez, a exemplo dos
servos da Europa Feudal, utilizavam as terras e/ou as instalações dos
proprietários das casas de farinha e como pagamento entregavam uma parte
35
da produção, contribuindo com a acumulação de riquezas desses
proprietários. Na casa de farinha, concentravam-se homens, mulheres e
crianças, encarregados de raspar a mandioca, ralar, prensar e peneirar a
massa, para então levá-la ao forno, até que ficasse torrada e fosse depois
ensacada e transportada principalmente para o Porto de Penedo, donde
saíam pelo Rio São Francisco.
Segundo informações de Marroquim (1922), Limoeiro de Anadia, sede
do distrito de Arapiraca, era considerada região de difícil acesso a centros
maiores e, por isso, os agricultores arapiraquenses preferiam escoar, pelo
Rio São Francisco, em Penedo, a 30 léguas de distância, a sua produção que
atingira, conforme informações do censo de 1949, além das 3.000 toneladas
de farinha, 1.190 centos de abacaxis, 304 toneladas de batata doce, 45
toneladas de amendoim, 23 toneladas de fava, 12 de inhame e 16 toneladas
de mamona, ou seja, produtos voltados ao mercado interno. O meio de
transporte utilizado para levar os produtos até o local de exportação era,
sobretudo, o carro de boi, muito comum na região naquela época.
Nesse sentido, Arapiraca não destoa do resto do Estado. Afinal, como
afirma Almeida, (1999)
Alagoas entra no período republicano marcado pelo trabalho
essencialmente rural com uma economia bastante atrasada do
ponto de vista tecnológico, tendo o latifúndio como base primordial
( p. 35).
Se Arapiraca não se caracterizava pelo latifúndio, como já dito, isto
não significa dizer que a preocupação da elite econômica, ou seja, das
oligarquias que ditavam as políticas para Arapiraca, estivessem voltadas para
outros interesses a não ser ampliar a produção para gerar riquezas.
O sistema fundiário fincado nas médias e pequenas propriedades,
constituído por conta de decisões políticas e econômicas, vão prevalecer em
Arapiraca, até á década de 50, quando transformações ocorridas nos
diversos setores mudam os rumos da história desse município. O modelo
senhorial e clientelista da sociedade que se formava nessa localidade segue
as características da formação social alagoana, consoante com a sociedade
brasileira consolidada na constituição da família patriarcal, cujas raízes
36
encontram-se fincadas no Brasil Colonial. Esse modelo ainda é muito
presente entre nós, pela troca de favores entre os ocupantes dos aparelhos
de Estado e os chefes locais, sob a forma de compadrio, filhotismo,
empreguismo e diversos modos de famulagem, quando não a personificação,
pelos senhores, do próprio lugar do Estado.
Dessa forma, não se percebe em Arapiraca, nos seus primórdios,
nenhuma intenção de desenvolver um processo de escolarização que
atendesse aos filhos de trabalhadores daquela localidade. É lógico que o
processo de escolarização existia, tendo em vista que nenhuma sociedade do
mundo ocidental pode viver sem letramento, mas de forma restrita àqueles
que podiam manter em sua casa um professor como membro da família, sob
a responsabilidade desta, para desenvolver o ensino aos filhos do proprietário
e de vizinhos. Conforme a tradição, o pioneiro em Arapiraca foi o professor
Antônio
Raimundo,
convocado
primeiramente
pelo
principal
líder
arapiraquense, Manuel André, e, posteriormente, solicitado por proprietários
dos sítios Baixão, Bananeira e outros.
Arapiraca ingressa na República caracterizada por um crescimento
econômico e populacional significativo, marcado pela atividade agrícola.
Tanto é assim que o censo agrícola de 1940 demonstra que, dos 25.514
habitantes, 7.252 viviam da agricultura, ou seja, plantavam milho, algodão ou
produziam farinha de mandioca, fumo de corda e fumo em folha. O referido
censo demonstra, ainda, que existiam 1.082 estabelecimentos recenseados e
8.998 ha. de terras ocupadas pela agricultura.
Paralelamente ao que aconteceu em Alagoas nos seus começos,
quando foi comum a ascensão de muitos municípios que conquistaram sua
autonomia através do desenvolvimento econômico promovido pela cultura
canavieira e o conseqüente surgimento de uma pequena camada social mais
abastada, com o surgimento, em Arapiraca, do plantio da mandioca, seguido
da cultura fumageira, vão surgir grupos de novos ricos que passam a se
destacar como protetores dos menos favorecidos e mentores de uma
clientela capaz de influir na geopolítica da região, a ponto de provocar a
emancipação do Município, o que, no entanto, não faz com que, no caso da
educação escolar, a situação venha a mudar. Pelo contrário, à mercê de um
37
pequeno grupo investido do poder do Estado, as maiorias continuaram
excluídas do processo de escolarização, inclusive em Arapiraca.
A liderança política atrelada ao desenvolvimento econômico de
Arapiraca, que, nas primeiras décadas da República, ainda se encontrava
institucionalmente vinculada a Limoeiro de Anadia, estava centralizada na
pessoa do Major Experidião Rodrigues, um descendente de Manoel André.
Ele contava com o apoio dos chefes dos diversos sítios que circundavam o
povoado, principalmente do seu irmão Manoel Antônio Rodrigues que, como
Intendente13 do Limoeiro de Anadia, gozava de certo privilégio. Numa trama
de troca de reciprocidades, o poder era alimentado pelo clientelismo político
que,
segundo
Martins
preferencialmente
uma
(1994),
“sempre
relação
de
é
favores
e
foi
antes
políticos
por
de
tudo,
benefícios
econômicos, não importa em que escala”. (p. 29)
Foi através desses privilégios que Manoel Antonio e Experidião
Rodrigues conseguiram para Arapiraca a construção do primeiro açude que
abasteceria os moradores do povoado e dos sítios vizinhos. A exploração da
fábrica de tijolos na Lagoa das Olarias fez com que faltasse água para o
consumo. A introdução das cacimbas, por iniciativa do Sr. Feliciano, que não
aparece na História oficial de Arapiraca como protetor ou provedor da
população, ofereceu um grande mercado de trabalho aos trabalhadores da
região. Aqueles, porém, que não tinham acesso à terra para desenvolver a
agricultura e que, por isso, viviam sem condições financeiras para cavar uma
cacimba perto de sua casa, ficavam à mercê de seus “provedores”, daí por
que a construção do açude foi considerada como de imensa importância
política para aqueles que se colocavam como protetores dos homens
comuns.
Enquanto a população daquele povoado crescia, a preocupação
continuava centrada na expansão de terras agricultáveis, a única forma de
ampliação da produção numa economia tecnologicamente atrasada, voltada
para a monocultura de exportação. Até então não são percebidos, de forma
destacada e como política extensível a uma faixa mais ampliada da
13
Essa era a denominação dada à autoridade da época mais ou menos correspondente ao
prefeito municipal dos dias atuais.
38
população, o olhar e o poder dos mandatários para o desenvolvimento do
processo de escolarização.
Com uma população de 28.555 habitantes, o município de Limoeiro de
Anadia, sede do Distrito de Arapiraca, contava, na década de 1920, com 11
escolas – na verdade, salas multisseriadas - mantidas pelo Estado,
distribuídas pelos distritos e lugarejos, inclusive Arapiraca. Segundo
informações do IBGE referentes ao período, do total de habitantes de todo o
município, apenas 2.386 pessoas sabiam ler. Infelizmente não foi possível
detectar, nesses dados, a população referente a Arapiraca nesse período, já
que nos registros do IBGE só foram localizados dados específicos a partir de
sua emancipação, ou melhor, a partir de 1925.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, foi introduzida na região de
Arapiraca a cultura fumageira que, aos poucos, foi substituindo o plantio da
mandioca
como
produto
principal
da
economia
local
e
atraindo
constantemente novos moradores. Na verdade, introduzido na região, no
início do período republicano, o fumo de corda, produto exclusivamente
brasileiro, foi plantado primeiramente nos “currais”14 próximos às residências
de Francisco de Paula Magalhães, responsável pela implantação dessa
cultura e seguido por seus descendentes, a exemplo de Manoel de Paula
Magalhães, que se empenhara no desenvolvimento dessa plantação.
Tomando conhecimento do lucro que o fumo proporcionara aos
pernambucanos e baianos, Francisco de Paula Magalhães resolveu ampliar
as plantações, expandindo pelas terras da “chã”15, para onde transportava os
estrumes de gado e de bode para fertilizar as terras. Aos poucos, o lucro
oriundo do comércio do fumo foi atraindo novos plantadores que retiravam
rapidamente a mandioca das terras para ocupá-las com o novo produto.
Dessa forma, a cultura fumageira substituiu a cultura da mandioca que tinha
tornado Arapiraca região produtora da farinha de melhor qualidade de toda a
região e de parte do Nordeste.
14
Esse era e ainda é a denominação para as glebas em que se planta o fumo, nada tendo a
ver com o lugar em que se prendem os animais, como vacas, cavalos e cabras...
15
Nome dado às terras planas e altas.
39
Empenhados em acumular riquezas, os plantadores de fumo
passaram a ocupar toda a sua família nas atividades agrícolas sem, no
entanto, demonstrar nenhum interesse em reivindicar das autoridades
competentes a criação de escolas em Arapiraca. Conforme o censo de 1940,
realizado pelo IBGE, dos 35.514 habitantes de Arapiraca, 11.750 estavam
ocupados nas atividades da cultura do fumo, sendo que 8.410 desses
representavam a família não remunerada. A verdade é que, àquela altura,
praticamente todos os agricultores arapiraquenses estavam voltados para a
produção daquela matéria prima de elevada procura, sobretudo para
exportação. A cobiça por riqueza vai contribuir com a ampliação do
desenvolvimento do plantio do fumo de corda, enquanto, paralelamente, vão
surgindo os atravessadores, ou seja, os compradores que passam também a
ser financiadores, ocorrendo aquilo que é percebido por Faoro para o país em
boa parte de sua história, desde a Colônia, a saber:
o agricultor encontra no comprador da safra o natural
financiamento, mediante um sistema simples e natural de crédito:
a safra em troca das necessidades para o custeio e a expansão.
(FAORO, 1975, p.412)
E assim, também em Arapiraca, os pequenos plantadores ficavam com
sua safra comprometida, necessitando, portanto, cuidar da colheita em tempo
hábil para evitar prejuízos. Mais uma razão para se utilizarem da mão de obra
familiar não remunerada, o que ajuda a explicar a ausência da criançada na
escola e a falta de incentivo dos líderes locais em ampliar a rede de ensino.
Na verdade, homens, mulheres e crianças trabalhavam em quase
todas as atividades do cultivo do fumo em que os métodos introdutórios foram
mantidos sem nenhuma evolução: tudo era manual, exigindo muita agilidade
e mão de obra suficiente para evitar estragos na plantação que tinha ciclo
curto e dependia muito do comportamento do clima para sua qualidade. A
semeia precisava ser regada; a planta ainda pequena necessitava de
cuidados para evitar o “mela” - um tipo de mofo que cola as folhas e pode
matar a planta. Entre a semeia e a plantação definitiva havia uma muda e
quando a planta ficava no ponto de ser fixada nos currais de fumo era mais
uma vez transplantada e crescia dependendo de muitos cuidados, sendo, por
isso, uma cultura de altos investimentos e uso intensivo e concentrado de
40
mão de obra. Entre as principais etapas destacavam-se: as limpas, (duas a
três), as desolhas (quebra do olho do fumo), quebra das sapatas (folhas
rasteiras geralmente amareladas que eram levadas aos varais para secar),
quebra dos baixeiros (folhas intermediárias, também colocadas nos varais
para, depois de secas, ser vendida para as fábricas de charutos) e,
finalmente, a quebra da folha conhecida como primeira (que, depois de seca,
ia para o salão), onde era destalada, junta e transformada em rolos ou bolas
que, depois de curadas, eram vendidas no mercado interno ou exportadas.
Esta foi a razão que levou muitos fazendeiros a impedir o processo
educacional de seus filhos ou não se empenhar para que acontecesse. A
prioridade era plantar e colher o fumo, a exemplo de um agricultor que assim
se expressava aos filhos e genros:
se você prefere que seus filhos estudem, como filhos de rico, não
reclame do prejuízo que vai ter no final do ano, porque sua safra
mal vai dar para pagar as despesas com trabalhadores.
A necessidade de ampliar a quantidade de terras para o plantio do
fumo foi notória, principalmente, entre 1955 e 1965, quando o fumo de
Arapiraca ganhou boa reputação no mercado, ampliando sua produção de
5.000 para 16.000 toneladas. A procura do fumo nessa região estava,
evidentemente, vinculada à produção de boa qualidade, como também ao
desaparecimento do fumo de corda em São Paulo, que produziu 12.000
toneladas, em 1920 e apenas mil toneladas em 1945.
Com a ampliação do número de plantadores de fumo em Arapiraca,
surgiu a idéia de se criar uma Cooperativa que, segundo Macedo (1992), foi
presidida pelo Sr. Manoel Lúcio Correia. Assim,
aqueles que ainda não podiam comprar terra se associavam aos
proprietários e trabalhavam como meeiros no plantio do fumo até
adquirirem terra própria (MACEDO, 1992, p. 82)
Essa prática contribuiu com o progresso econômico de Arapiraca, pois
muitos meeiros logo se tornaram proprietários. A preferência na escolha que
o proprietário fazia pelo seu meeiro era o número de pessoas que faziam
parte da família: quanto mais numerosa, mais rendia nas atividades
fumageiras. Esse fator contribuiu com a chegada de pessoas do sertão,
41
acompanhados de agregados, como filhos, sobrinhos, enteados e outros que
ocupavam a mesma casa. A esse respeito, o censo demográfico de 1940, da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, registra em Arapiraca
11.526 domicílios próprios, 2.222 alugados e 3.816 identificados como outros.
Era comum, entre os plantadores de fumo, a construção de ruas completas
de pequenas casas para abrigar seus trabalhadores, que eram chamadas
casas de moradores. Nesses domicílios residiam grandes famílias. Nesse
mesmo censo estão registradas em Arapiraca 22.390 famílias, destacando-se
6.072 famílias com 06 a 10 pessoas, 695 com 11 e 47 famílias com 15
pessoas.
Entre as décadas de 40 e 50 são percebidas pequenas alterações na
cultura fumageira, sendo a principal relativa ao sistema de adubação do solo
que, conforme Verçosa, (1997), somente seria usado no modo tradicional nas
usinas alagoanas a partir de 1910. Em Arapiraca, no caso do fumo, o adubo
químico logo passou a substituir o estrume de gado e de bode, como
elemento indispensável para manter a terra fértil. O investimento na compra
do fertilizante era alto e os fumicultores somente foram favorecidos com
financiamentos bancários a partir da década de 50, com a criação de uma
agência Bancária do Banco da Lavoura de Minas Gerais, em 1951, e, no ano
seguinte, com outra do Banco do Brasil, em Penedo, que dava acesso ao
crédito aos agricultores arapiraquenses.
A cultura do fumo é, como já assinalado, uma atividade de ciclo
relativamente curto, que ocupa os trabalhadores de maio a setembro entre
semeia e colheita, sendo essa última fase a mais preocupante, por se tratar
de momentos decisivos para o tipo de safra que o produtor vai conseguir. A
“quebra” ou colheita do fumo se dá num período muito curto, sem trégua,
porque, quando a folha está no ponto de ser colhida para secar, começa a
estourar e pode perder a qualidade com muita rapidez.
Enquanto as folhas de baixeiro eram vendidas às fábricas de charuto,
as de primeira eram conduzidas para os salões onde terminavam as
atividades fumageiras e acabava também o vínculo do trabalhador que
geralmente se deslocava para os canaviais, situados, até a década de 40,
desde a área litorânea até a zona da mata alagoana.
42
Até a década de 50, os salões de fumo representavam um lugar de
concentração de mulheres – muitas vindas do sertão ou da mata - para retirar
os talos das folhas de fumo: eram as destaladeiras, portadoras de culturas
distintas. Do sertão, elas traziam o aboio, a toada, a cantoria de viola, a
cantiga do eito; da mata, chegavam o coco e a cantiga de roda, o reisado,
tudo isso se misturando numa cantiga usada para afastar o cansaço e o
sono. Sentadas no chão destalavam e juntavam as folhas de fumo com
pressa para aumentar a produção. Quanto mais produzissem, maior seria o
pagamento pela sua diária.
Essas mulheres eram quase sempre hospedadas pelo patrão em sua
própria casa, dando cumprimento a uma característica que, segundo Holanda
(1984), foi sempre bem própria do hoje chamado Brasil profundo, ou seja,
hospitalidade, generosidade [como] virtudes em que permanece
ativa a influência ancestral dos padrões de convívio humano
informados no meio rural e patriarcal (p.107)
O fato é que, convivendo com as famílias dos donos das plantações,
essas pessoas faziam amizade, voltando a cada ano para trabalhar na
mesma fazenda, de modo que cada proprietário já conhecia seu grupo de
trabalho e respeitava o grupo de seu vizinho.
Nas atividades desenvolvidas nos salões, ou seja, na destalação das
folhas e no processo de enrolar o fumo, patrão e empregado trabalhavam
juntos, a exemplo dos mestres e aprendizes mencionados por Holanda
(1984) sobre o modo de produzir tradicional, numa relação pessoal e direta.
O clima era sempre de alegria, sem constrangimento por parte daqueles que
eram obrigados a ficar até altas horas da noite para não deixar o fumo perder
a qualidade.
As cantigas das destaladeiras era a única forma de afastar o cansaço
para trabalhar dia e noite. Nessas cantigas, elas aproveitavam para expor os
seus sentimentos com relação ao patrão, ao trabalho ou a outro elemento
qualquer. Assim, as cantigas continham versos engraçados, ora xingando a
quem as abandonara, ora elogiando o patrão e ora solicitando algo, usando
um modo bem peculiar que disfarçava as condições do trabalho que
realizavam, como podemos perceber nos versos que seguem:
43
Laê, Laê...Laê...fazendeiro eu quero beber...
Feche a porta e abra a porta (Pisa pilão,)
Sem bulir na fechadura, (Pisa Pilão)
Se eu fosse o dono do fumo (Pisa Pilão)
Oferecia rapadura...
Eu plantei um pé de cana (Pisa Pilão)
Nasceu um pé de ananá (Pisa Pilão)
Se eu fosse o dono do fumo (Pisa Pilão)
Oferecia guaraná.
Com todos os cuidados para aproveitar em tempo hábil toda a
produção e, ao mesmo tempo, em harmonia para quebrar as tensões, se
desenvolvia em Arapiraca, um sistema de produção singular em Alagoas,
com o predomínio de minifúndios, onde cada um plantava de acordo com
suas possibilidades, havendo grandes, médios e pequenos plantadores.
Nessas condições, mais ricos ou menos abastados sobreviviam da cultura do
fumo e, assim, o progresso promovido pela cultura fumageira contribuiu com
mudanças sociais e educacionais em Arapiraca. Tal qual ocorria no restante
do estado de Alagoas, que, “ainda que de forma lenta vinha se urbanizando”
(VERÇOSA, 1997, p.176), também no município de Arapiraca tinha-se, na
década de 40, a maioria da população na zona rural, mas muitos agricultores
com condições financeiras favoráveis já começando a comprar casas na
cidade e a transferirem sua família para a cidade, com a intenção de
oferecer-lhe melhores condições de vida.
Isto não significa dizer que os moradores da zona urbana estivessem
excluídos dos efeitos da cultura fumageira, pois até as meninas da cidade
eram atraídas para os salões de fumo que se espalhavam pelas ruas, quando
não solicitavam dos carregadores de folhas de fumo que deixassem um
pouco em suas casas. Havia, portanto, quem residia no campo e tinha uma
casa comercial na cidade, de modo que o censo de 1940 registra a existência
de 41 estabelecimentos comerciais a varejo recenseados, enquanto outros
que residiam na cidade possuíam terras que cultivavam ou arrendavam para
outras pessoas desenvolverem o plantio do fumo. Era o momento de todos
ganharem dinheiro e por isso não é percebida nenhuma preocupação em
estimular o desenvolvimento do ensino; ao contrário, as poucas escolas
44
isoladas existentes esvaziavam-se numa boa parte do ano porque os pais
preferiam ver seus filhos envolvidos com a cultura do fumo, ajudando e
contribuindo com a boa produção que exigia alguns cuidados, como evitar o
excesso de água no ajuntamento das folhas, verificar as folhas que ficavam
nos talos, o peso do fumo, enfim, cuidados que eram cabíveis ao produtor, de
modo que toda a família envolvia-se nas diversas atividades. Assim, o
envolvimento com essa cultura, ao tempo em que trouxe melhores condições
de sobrevivência, contribuiu com o atraso educacional de parte significativa
dessa sociedade, no que pese ter feito desenvolver-se uma sociedade com
riqueza menos acumulada do que aquela criada e mantida pela cultura
canavieira.
No rastro da cultura fumageira, porém, o desenvolvimento econômico
percebido em Arapiraca começa a destacar a cidade como a mais
progressista entre as demais cidades interioranas de Alagoas. Essa cultura
que substituíra quase que totalmente o plantio da mandioca, tornando-se a
locomotiva da dinâmica econômica, muda inteiramente o perfil daquela
sociedade, na qual até então predominavam hábitos muito rudimentares de
vida, a exemplo da alimentação baseada em produtos fabricados em casa,
como a coalhada da D. Cipriana, os beijus e tapiocas vendidas nas portas,
etc. Com a transferência de algumas famílias para a cidade, porém,
começam a surgir pontos de vendas, as bodegas que vendiam produtos
alimentícios e serviam aperitivos em que “predominava ainda a caderneta
para cujo uso a confiança no freguês continuava sendo o critério exclusivo”
(VERÇOSA, 1997, p.183). Esses pontos de vendas atraíam pessoas que
aproveitavam para trocar idéias, discutir questões relacionadas à economia
da época e até política.
O ritmo acelerado em que acontece o desenvolvimento econômico de
Arapiraca foi o elemento fundamental para que esta cidade atingisse, nas
décadas seguintes às de 1940, o segundo lugar na economia e na população
do Estado, sem, no entanto, alcançar a capital, onde sempre se concentrou a
maior parte da riqueza produzida no Estado, que, ainda hoje “é responsável
por quase metade do que é produzido em Alagoas”. (CARVALHO, 2005, p.
28)
45
Além da estrutura agrária voltada para a monocultura e exportação,
outro elemento que contribuiu muito com o progresso econômico de
Arapiraca foi a feira livre criada desde 1884, por iniciativa do então líder do
povoado, o Major Experidião Rodrigues. A feira de Arapiraca, a exemplo da
feira de Campina Grande, na Paraíba, é considerada como um sistema de
comunicações e aprendizagem que constitui um campo de trocas de idéias e
de desenvolvimento na criatividade popular. O próprio relacionamento nas
vendas dos produtos e na propaganda dos mesmos representa uma troca de
informações. Compradores e vendedores falam da administração local, das
safras de boa e má qualidade, das previsões para o futuro, enfim, procuram
tirar suas conclusões no diálogo como demonstra PEREIRA JUNIOR, (s/d),
no Artigo denominado Feira de Campina Grande- Um Museu Vivo da Cultura
Popular e Folclore Nordestino, e que se aplica ao caso de Arapiraca. Diz ele
que
representa [...] a feira, um museu voltado para a realidade cultural
do homem da região, pois o que nele emerge é a própria cultura
que alimenta este ciclo e dela recebe informações preciosas para
suas mudanças e adaptações às novas realidades do tempo e do
espaço. (FRANCISCO PEREIRA JUNIOR, s/d)
Segundo a tradição, a feira livre em Arapiraca teve início quando este
povoado ainda começava a se estabelecer. A população que se aglomerava
na região desenvolvendo o plantio da mandioca começou a vender produtos
de subsistência: mantas de carne eram expostas nos galhos de árvores,
enquanto outros animais aguardavam, amarrados, a hora de serem abatidos.
Com o crescimento populacional aumentaria a necessidade de produtos
alimentícios que vinham das regiões vizinhas, contribuindo, dessa forma, com
a expansão da feira livre.
Foi tão grande sua ampliação que chegou a ocupar quase todas as
ruas da cidade, causando um grande desafio aos governantes locais, diante
da necessidade de transferi-la para um local mais distante do centro, decisão
que dividiu a população arapiraquense. Enfim, mais de vinte ruas passaram a
ser ocupadas pelos produtos vendidos na feira. A movimentação iniciava aos
domingos à noite com a chegada de caminhões carregados de mercadorias,
diversas delas vindas de regiões e estados vizinhos. As carroças de burro
46
transportavam as bancas para serem armadas no local de vendas onde os
vendedores expunham e ainda hoje expõem carne seca, mocotó, peixes,
panelas e potes de barro, brinquedos, roupas, comidas, etc. O barulho
tornara-se insuportável com a movimentação de pessoas que procuravam os
botequins para saborear o sarapatel com a famosa “misturada” (garrafa de
cachaça com raízes de pau).
Muitos desempregados logo buscaram sobreviver com as vendas na
feira livre de Arapiraca, vendendo vassouras, pás de apanhar lixo, potes de
barro, abanos, “roupas feitas” e muitos outros utensílios domésticos, os
famosos “mangaios”, como se dizia no linguajar nordestino. Cada rua
tornava-se um centro de informações onde o vendedor não se cansava de
expor a origem e utilidade de seu produto à venda. A cidade se transformava
numa área “cosmopolita”, onde se misturavam homens, mulheres, crianças,
num encontro de várias expressões que juntava ingênuos, preocupados,
curiosos, espertalhões, fenômeno presente ainda hoje em dia. Enquanto uns
vinham à feira encontrar com seus amigos, compadres e comadres, outros
aproveitavam para marcar casamentos, batizados, missas de finados e
muitos não perdiam a oportunidade de mostrar seus talentos, cantando,
tocando, distraindo assim os curiosos. Não podemos deixar de mencionar
também aqueles espertalhões que ainda hoje aproveitam para dar o “bote” no
bolso do matuto.
Com essa mistura de pessoas vindas de regiões diversas, percebeu-se
em Arapiraca um depositário de valores culturais que se manifestava de
várias formas: nas arrumações das bancas, nas cantorias dos cegos, nas
vozes dos repentistas, emboladores ou aboiadeiros, nos jogos de carta, na
culinária diversificada e de outras formas. O folheto de cordel era uma
atração para a população que se reunia para ouvir o cordelista lendo e
cantando:
Rancho de cavalo é milho.
De cantador é dinheiro.
Quem canta de graça é galo
Pra divertir o terreiro.
47
Entre esses artistas destacava-se, na feira de Arapiraca, a figura de
João Caboclo Linho com versos do tipo:
O bêbado vinha subindo,
No meio da rua tombando.
Se babando e se cuspindo,
Se cuspindo e se babando.
Naquele meio encontrou
Um poste em Pé e tombou...
José Vaqueiro também conquistou espectadores com seus aboios e
Antonio Salvador de Souza atraía a platéia de jovens com seus desafios, e de
adultos com suas poesias. Patativa do Norte, um embolador que, com seu
pandeiro na mão e sua voz, improvisava os mais variados versos, assim
reclama do que vem acontecendo nos tempos atuais: “Os tempos modernos
vieram desfazendo nossos sonhos”, no que é apoiado por outro “artista” da
feira livre de Arapiraca que comenta que “as casas que vendem discos e fitas
passam as músicas das vaquejadas e os apreciadores correm para escutar,
deixando os emboladores sozinhos”. Desse modo, a feira livre ainda hoje se
destaca, não somente como elemento responsável pelo crescimento
econômico, mas também como local de concentração e trocas da cultura do
povo.
Paralelamente à expansão da cultura fumageira e à evolução da feira
livre que atraía, a cada dia, novos mercadores, foi surgindo em Arapiraca a
atividade comercial mais fixa e regular. Os primeiros comerciantes a se
instalarem ali eram oriundos de regiões vizinhas, a exemplo de Zezé Moço e
Domingos Mota Acioli, de Palmeira dos Índios, José Francilino, de Caruaru,
Luís Pereira Lima e Francisco Pereira Lima, de Serra Talhada, Guilherme
Moreira, de São Miguel dos Campos, e outros.
Alguns desses e de outros comerciantes que foram chegando
passaram a integrar a liderança e participar das discussões políticas, atraindo
as atenções do governo estadual. Toda essa evolução econômica que
ocorreu em Arapiraca iria contribuir com a mudança no perfil daquela
sociedade que não foi constituída unicamente de reproduções mecânicas da
velha estrutura patriarcal. Ao lado dos processos políticos econômicos e
sociais, ocorrem mudanças também no âmbito educacional, ainda que na sua
48
maioria para reforçar as velhas estruturas. Aqueles que acumularam riquezas
através da cultura fumageira e os que foram atraídos por essa riqueza
passam, então, a defender escolas capazes de atender aos seus filhos sem
que estes necessitem de deixar a cidade.
E foi por força das reivindicações desses moradores que o Poder
Público Estadual criou o primeiro prédio escolar em Arapiraca, que foi o
Grupo Escolar Adriano Jorge, seguido pelo Instituto São Luís, uma escola
particular. Isso somente iria se dar na década de 1940, e assim mesmo com
instituições voltadas para o ensino primário, já passadas quase duas décadas
da emancipação política do município, sem contar com o grande progresso
econômico em curso. Somente na década seguinte é que seria criado o
Educandário da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – CENEG - o
atual Colégio Bom Conselho, sendo esse o primeiro a oferecer estudo de
nível pós-primário. É nessa década, também, que se instala o Educandário
São Francisco de Assis, uma escola confessional feminina para atender às
filhas dos novos ricos que finalmente começavam a almejar uma educação
exclusiva para as suas filhas.
Arapiraca teria na década de 1950 um grande impulso, tornando-se
ainda mais conhecida na década de 1960, visto que já seria a segunda
cidade do estado alagoano, pois apresentava uma volumosa contribuição
financeira para o erário estadual, como podemos perceber nas palavras do
então vereador Geraldo de Lima Silva, na sessão ordinária de 11 de
novembro de 1961:
Façamos ver às autoridades que Arapiraca é hoje um dos esteios
econômicos da Pátria, tendo a sua Coletoria arrecadado este ano,
até o mês próximo passado, uma importância de sessenta milhões
de cruzeiros, ou seja, uma renda que suplantou a arrecadação
total de mais de uma dezena de municípios alagoanos.
49
CAPÍTULO II
A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA TRAJETÓRIA DA
EDUCAÇÃO EM ARAPIRACA
Desde os primórdios de sua colonização o Brasil inseriu-se num
convívio de idéias e instituições que convergiram para um patrimonialismo
constituído de práticas paternalísticas, clientelistas, de compadrio e outras
fundamentadas no coronelismo e nos privilégios. Nessa estrutura destaca-se
a família patriarcal, toda poderosa, exercendo sua influência sobre filhos e,
mais além, atingindo a toda uma camada de homens comuns que ficam à
mercê de seus “provedores”. A esse respeito, Sérgio Buarque de Holanda em
Raízes do Brasil, (1984) assim se expressa: “O quadro familiar torna-se tão
poderoso e exigente que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do
recinto doméstico” (p.50). Para o autor, isto significa a invasão do público
pelo privado, do Estado pela família. Para reforçar a importância que teve a
família na formação social brasileira, o autor acrescenta:
A família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se
hão de calcar na vida política, as relações entre governantes e
governados, entre monarcas e súditos. Uma lei moral inflexível,
superior a todos os cálculos e vontades dos homens, pode regular
boa harmonia do corpo social e portanto, deve ser rigorosamente
respeitada e cumprida”.(HOLANDA, 1984, p.53)
Na tentativa de compreensão da complexa relação que originou esse
universo brasileiro, Da Matta, (1997), ao fazer referências, especificamente
ao papel da família na vida social brasileira, afirma que esta tem muita
importância, como sujeito dos processos sociais básicos de um sistema.
Essas características que nasceram com o processo colonizador e vão
predominar no Brasil, permeando o período imperial e republicano,
encontram-se presentes na construção da sociedade arapiraquense, desde o
início de seu povoamento, até a década de 1950, período que constitui meu
objeto de estudo. Com a chegada de Manuel André em Arapiraca, por
exemplo, outros moradores, especialmente os seus familiares, passaram a
ocupar o povoado e dessa forma surge o “clã” patriarcal onde o chefe, sem
50
sofrer nenhum tipo de réplica, procura atender às necessidades e
reivindicações dos demais. Tudo era feito consoante com seus interesses e
aprovação; sendo ele o representante do poder público no campo privado,
aliava-se aos líderes políticos de Limoeiro de Anadia, município a que
pertencia Arapiraca, para conseguir do governador do Estado os benefícios
requisitados. Prevalecia assim a cultura do favor, que constitui o fundamento
do Estado Brasileiro.
Para compreensão dessa relação entre público e privado que permeia
a história brasileira, repercutindo, portanto, no processo de escolarização,
buscamos demonstrar a sua importância como categorias de análise da
educação partindo de seus conceitos e significados político-sociais.
Consultando o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira – o famoso
AURÉLIO – temos, por exemplo, dentre outros, o significado de “público”,
como “relativo ou destinado ao povo, coletividade ou ao governo de um país”,
enquanto para o termo “privado”, a acepção de “não público ou falto,
carente”. Analisando a relação do público e do privado nas práticas sociais da
cultura ocidental, percebemos que a sociedade grega já utilizava o espaço
público para o exercício do poder, o que significa dizer que esse espaço era a
esfera da coletividade, onde predominava a sociedade dos iguais, enquanto o
espaço privado representava a esfera da relação entre os não cidadãos, ou
seja, a sociedade dos desiguais. No entanto, com a formação dos Estados
nacionais, no século XV, o poder passa a ser exercido através das leis que
vão definir o comportamento do cidadão. Essa nova relação de poder é
coercitiva tornando o espaço público cenário da relação dos desiguais. Nesse
mesmo período surge o mercado, que é regulado pelo contrato,
representando a esfera privada. É a partir daí que se fortalece a associação
entre o Estado e o conceito de Público como interação entre governo e
sociedade.
Na América portuguesa a distinção entre o público e o privado sempre
esteve relacionada ao direito de propriedade e não aos direitos das pessoas,
havendo portanto, a distinção entre o que era da Coroa e o que era do povo,
que significa aquele de sangue e fé puros, já que negros e não católicos eram
excluídos dessa categoria. Numa troca de favores, o rei utilizava o patrimônio
dos súditos, no combate aos índios e aos invasores, na construção de
51
estradas e na administração de vilas e, em troca, esses súditos, por serem
leais ao rei, recebiam terras, frutos e animais que eram por qualidade,
classificados como reais:
A lealdade política recebia como compensação retribuições
materiais, mas também honrarias, como títulos e privilégios, que
no fim resultavam em poder político e, conseqüentemente em
poder econômico” (MARTINS, 1994, p.23)
Na relação da Coroa com as Câmaras Municipais, administradas pelos
Homens Bons, evidencia-se a administração do público pelo privado, em que
o Rei delegava poderes aos particulares e se comprometia em reconhecer e
legitimar as prerrogativas municipais. Mesmo tendo surgido associação do
público com o Estado a partir da modernidade, só é possível falar de público
e privado relacionado à educação no sentido mais estrito a partir do século
XIX – na verdade, em se tratando de Alagoas, somente no Século XX -, ou
seja, quando os Grupos Escolares passam a substituir as Escolas Isoladas, já
que essas representaram, com muita freqüência, uma permanente fusão dos
dois elementos. Ao fazer referência ao papel da Igreja na colonização e
cristianização do Brasil, então, é forçoso destacarmos a presença dessa
característica, capaz de dar aquilo que a própria lei não consegue, conforme
Holanda, (1984), quando afirma que “a Igreja transformara-se, por esse
modo, em simples braço do poder secular”, (p. 84), havendo, portanto, um
grande elo entre a Igreja e a Coroa, numa relação de público e privado que
irá se espraiar por toda a sociedade brasileira por séculos afora, marcando
presença ainda em muitos espaços até os dias atuais.
Através do Padroado, o poder régio podia nomear bispos, arrecadar
tributos e controlar documentos e em troca apoiava o clero na sua
manutenção e nas construções de Igrejas e manutenção do culto, numa
fusão tal em que “as constantes intromissões das autoridades nas coisas da
Igreja tendiam a provocar no clero uma atitude de latente revolta contra as
administrações”. (HOLANDA, 1984, p.84). Mas essa revolta não impedia que
a Igreja utilizasse o seu poder aliado ao poder civil, para cobrar dízimos para
dotação dos cultos e estabelecer fundações religiosas segundo suas
conveniências. Por meio de festas, missões e peregrinações, o clero se
aproximava dos grupos rurais e nas cidades, construía orfanatos, asilos e
Santas
Casas
de
Misericórdia,
desenvolvendo
uma
característica
52
assistencialista
que
levava
as
famílias
influentes
a
contribuir
no
estabelecimento das obras sociais e formarem seus filhos nos colégios e
internatos.
E foi dessa forma que se deu a implantação das instituições de ensino
no Brasil, fato que é reconhecido na trajetória da história da educação
brasileira, ainda que na historiografia predomine a quase exclusividade da
ação jesuítica, em detrimento de outras ordens religiosas e até do clero
secular, como veremos no caso de Arapiraca. Para melhor compreensão da
influência que a Igreja, como organização, teve na formação da sociedade e
no processo de escolarização do Brasil e, conseqüentemente, no território
alagoano, destacando-se Arapiraca, apresentamos, a seguir, uma análise das
discussões ocorridas no âmbito das Assembléias Constituintes brasileiras
mencionando a sua participação.
Como visto, a sociedade brasileira constituiu-se sob um Estado
influenciado por ordenamentos autoritários, direcionado por uma estrutura
patrimonialista em que o poder político da autoridade organiza-se nos
mesmos princípios do poder doméstico, ou seja, o objetivo de quem detém
esse poder é satisfazer suas necessidades pessoais, de ordem privada,
significando dizer que o patrimonialismo, numa concepção weberiana, tem
sua essência no aproveitamento privado das coisas públicas. A Igreja
Católica, representada pelos jesuítas nos primórdios da colonização das
Américas, mas não apenas por eles, como se pode ver por uma análise mais
fina dos fatos históricos, tinha grande influência nas monarquias européias
que lhe ficaram fiéis após a Reforma protestante e os monarcas eram
revestidos de poderes espirituais, delegados pelo Papa, sobre as novas
terras, por meio do que ficou conhecido como o padroado. Assim, a nova
Igreja a ser construída no Brasil dependia diretamente dos monarcas
portugueses que pensavam em criar um Estado cristão cuja missão era
incorporar os índios à cultura européia através da “guerra santa”, termo
herdado das cruzadas medievais.
Essa ideologia explica a conquista e a implantação de uma estrutura
dominante no modelo patrimonial e na autoridade “santificada” pela tradição
no Brasil e em toda a América Latina, onde um emaranhado de relações vai
53
consolidar a confusão entre a esfera do público e do privado. Essa estrutura
vai repercutir mais tarde na sociedade brasileira, ao nível estadual e
municipal também, de modo que todas as vantagens econômicas
correspondentes ao poder tornam-se propriedade do chefe.
Inserir-se na cultura portuguesa e no catolicismo por ela imposto, era o
caminho certo para o ingresso na sociedade colonizadora. O ensino
monopolizado pela Igreja era um elemento de promoção social assim como o
catolicismo. A influência dos missionários ficou representada na constituição
da sociedade brasileira, através de colégios, confessionários e do teatro, ou
transformando-se na única força capaz de influir no domínio do senhor de
engenho. Por isso, nem mesmo a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus
domínios – aí incluído o Brasil – pelo Marquês de Pombal foi capaz de
romper com a primazia da Igreja sobre os corações e as mentes. Afinal, além
de os filhos de Santo Inácio de Loyola não serem os únicos a atuarem na
educação nos domínios lusitanos – ainda que representassem o contingente
dominante, ao menos no ensino pós-primário -, muitos dos que irão assumir
as Aulas Régias ou tinham sido discípulos dos jesuítas ou seguiam a
orientação teológica então dominante, a saber, os ensinamentos de Santo
Tomás de Aquino e sua SUMA TEOLÓGICA, genericamente conhecidos
como o Tomismo, e toda a toda a herança do Concílio de Trento, que
estruturara o movimento de reorganização da Igreja Católica conhecido como
a Contra-Reforma para enfrentar o protestantismo.
A transferência da família real para o Brasil, em 1808, determinaria a
ruptura entre a colônia e a metrópole num momento de desequilíbrio de
forças em que as elites privilegiadas sentiam-se no direito de esbanjar e as
camadas exploradas eram vítimas da miséria. Foi justamente esse
desequilíbrio de forças que repercutiu na formação de novas alianças com
espírito nacionalista. As forças hegemônicas impulsionavam a independência,
mas não faziam oposição à ordem patrimonial vigente no período colonial.
Isto significa dizer que os grandes proprietários de terra e as demais
camadas que detinham o poder estavam preocupados em conquistar a sua
emancipação para se desvincular da tutela da metrópole, mas conservando
sua condição econômica e social de grupo dominador.
54
O processo de independência do Brasil coincide com a entrada das
idéias liberais em expansão na Europa, e um dos princípios do liberalismo aí
vigentes era a de educação para todos, o que significava um ponto
fundamental na concretização da nação. No entanto, a sociedade brasileira
desligada politicamente de Portugal continuaria constituída de uma grande
parte de escravos e ex-escravos, ou seja, de não cidadãos, o que significava
um grande empecilho para o processo de construção nacional e elaboração
de uma constituição. Por isso, nessa sociedade constituída de escravocratas,
patriarcas e oligarcas que continuaria predominando no Brasil após sua
independência, permaneceriam vivos os impedimentos para alguns avanços,
já que essa camada social dominante não pretendia perder sua posição de
privilégios, tendo aderido ao processo de independência de forma suigeneris, ou seja, “importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível,
aos seus direitos e privilégios”. (HOLANDA, 1984, p.119)
Esse caldo de cultura vai repercutir na primeira Constituinte, em 1823,
quando D. Pedro apresentou a necessidade de uma legislação especial para
a implantação da instrução pública. Como a classe dominante da época não
se sensibilizou com as propostas, terminou a educação básica, primeiro sem
grandes feitos até o período da Regência, e depois sob a responsabilidade
das Províncias, entendendo-se assim que esta ficou relegada à iniciativa
privada até o Ato Adicional, prevalecendo na educação brasileira a relação da
esfera do público e do privado. Um traço marcante da Constituinte que
culminou com a Constituição Outorgada foi a obrigatoriedade do ensino da
doutrina católica em todos os estabelecimentos de ensino.
Esta constituição, fortemente centralizadora assegurava o princípio da
gratuidade que nunca foi cumprido, assinalando um descaso pela educação
que se tornava cada vez mais evidente. Durante os dez anos que se
passaram entre a constituição outorgada e o Ato Adicional, apenas uma lei foi
aprovada defendendo o ensino público, a lei de 1827, que criava as escolas
de primeiras letras, onde os professores eram orientados a ensinar os
princípios da moral cristã e da doutrina da Religião Católica, além de ler e
escrever, a resolver as quatro operações aritméticas, noções de geometria,
gramática nacional e os princípios da moral cristã e da doutrina católica. A lei
55
determinava que em todas as vilas e lugarejos fossem criadas escolas de
primeiras letras. Nas Alagoas, no período provincial, o governo fez acordo
com a Assembléia Legislativa da Província, provendo cadeiras de
professores primários a pessoas que sabiam ler, escrever, dominavam as
quatro operações de aritmética e fossem capazes de doutrinar sobre os
princípios da Igreja Católica.
Com o Ato Adicional de 1834 que defendia o fortalecimento das
Províncias, a educação básica tornava-se responsabilidade destas, mas não
vedava aos particulares a iniciativa de criar escolas, enquanto as províncias,
sem recursos, omitiam-se da responsabilidade. Entre 1850 e 1870 a
sociedade brasileira passaria por uma mudança significativa, transitando, no
eixo Sul-Sudeste, de sociedade exportadora com base rural agrícola para
urbana-comercial, com a transferência de parte significativa da população
camponesa para a zona urbana, influenciando naquilo que HOLANDADA
ressalta, ao assinalar o paradoxo de que ”a construção das cidades foi o mais
decisivo instrumento de dominação”, (HOLLANDA, 1984, p.61), isso porque
os núcleos urbanos passam a ser os pólos dinâmicos do crescimento
capitalista interno, propício à formação de órgãos de poder local bem mais
fortes e agressivos do que os anteriores.
Evidentemente que, do ponto de vista do crescimento econômico, esse
período foi apontado como uma época de férteis realizações: as
conseqüências da guerra do Paraguai, a libertação dos escravos após a
instalação da Lei do Ventre-Livre e o desenvolvimento econômico garantido
pela alta aceitação do café no mercado mundial, vão apontar o analfabetismo
como um entrave na construção de um estado moderno e assinalar a
necessidade de mudanças no âmbito educacional, muito embora as
realizações nesse sentido tenham sido fortemente concentradas no município
da corte ou num ou outro centro com algum crescimento industrial.
O ideário liberal que se fizera presente no processo de independência
já apontava algumas possibilidades que vão se fortalecer com as exigências
que as condições sócio-econômicas de algumas regiões do Brasil
reclamavam, de se implantar uma política educacional que atendesse a todas
as camadas sociais. Estas transformações vão evidentemente aguçar as
56
contradições do sistema capitalista em ascensão: trabalhadores, operários,
camadas médias e urbanas revestiram-se de idéias nacionalistas e se
organizaram para lutar pelo estabelecimento de uma nova ordem. Surge,
assim, a República e, com ela, a necessidade de escolarizar amplas
camadas das populações trabalhadoras ficava cada vez mais evidente, com o
objetivo de derrubar o autoritarismo que legitimava a oligarquia no poder.
Afinal, o acesso ao voto que agora definiria o poder em todos os níveis era
universal, desde que o brasileiro – ainda não a brasileira – estivesse, além da
idade mínima, alfabetizado.
A Constituição de 1891, que surge com a República, traz a discussão
de temas sociais, inclusive a educação, compartilhados com os efeitos de um
liberalismo excludente e pouco democrático, cujo maior efeito na educação
foi a manutenção da atribuição aos estados membros da responsabilidade
pelo ensino público. Apesar das relações políticas entre Estados e União com
vistas à governabilidade terem fluído com a introdução da política dos
governadores, o mesmo não acontecia com a educação: cada um respondia
pelos seus graus, sem nenhuma intervenção de um sobre o outro, cabendo
ao governo federal o ensino superior e o restante aos Estados.
Não seria permitido, a partir de então, o exercício de cultos ou crenças,
como também o exercício do voto aos religiosos que prestassem votos
solenes de obediência aos seus superiores eclesiásticos. Mas, não era só o
clero proibido de expressar a cidadania, participando do processo
democrático através do voto: a mulher também foi privada desse direito,
juntamente com os menores, os loucos e os soldados rasos, já que era
também um ente privado de autonomia e, assim, representado pelo pai ou
pelo marido. Dessa forma tornava-se, de uma vez por todas, evidente, o
caráter patriarcal e paternalista da sociedade brasileira.
No Brasil, porém, nem sempre o que está na lei torna-se prática social,
sobretudo quando a lei representa uma cópia do que existe fora da
sociedade. Assim, se a norma legal que inferioriza a mulher e o analfabeto,
por ser inerente ao ethos brasileiro, será posta em prática, o mesmo não irá
ocorrer com o que foi determinado sobre a laicidade do ensino: para as
famílias arapiraquenses, por exemplo, o ensino dos fundamentos cristãos
57
continuaram essenciais para a formação do ser humano bom, ocorrendo
abertamente na ação pedagógica desenvolvida no processo de ensino,
mesmo quando mantido pelos recursos públicos, mediante uma ética
paternalista cristã católica que vai determinar a construção daquela
sociedade, como de tantas espalhadas por Alagoas e pelo nosso imenso
Brasil.
Em Arapiraca, que, como vimos, teve o início de seu povoamento
assinalado oficialmente em 1848 e apresentou rapidamente um grande
desenvolvimento populacional e econômico, fez-se parco o interesse, por
parte dos poderes ali constituídos, pelo desenvolvimento do ensino, pelo
menos até as primeiras décadas do século XX, excluindo os filhos de
trabalhadores e até de médios e pequenos proprietários do ensino elementar,
por razões já apresentadas. Afinal, a educação escolar não era prioridade da
sociedade vigente, envolvida em uma ocupação braçal e tecnologicamente
atrasada, além do que os arapiraquenses, na sua esmagadora maioria,
estavam empenhados em desenvolver uma economia capaz de produzir
riquezas. Isto significa dizer que o analfabetismo não era preocupação para a
elite local, ou seja, para as oligarquias que se revezavam no poder em
Alagoas e que ditavam as políticas também para Arapiraca, que, nos
primórdios de sua existência, contava com poucos grupos sociais em
condições de pressionar o Estado para investir na instrução pública. Estes
estavam empenhados em manter o trabalhador braçal, para explorar as
terras e fazê-las produzir o suficiente para acumulação cada vez maior e mais
concentração de riquezas.
Convém assinalar aqui, por absolutamente oportuno, que, ao falarmos
das restrições de acesso ao ensino por iniciativa pública, não estamos nos
referindo, de forma nenhuma, à exclusão do acesso à educação e nem
mesmo ao acesso ao letramento. Sabemos que, apesar da instrução primária
ser considerada, no Brasil, desde a sua independência, do ponto de vista
legal, direito de todos os cidadãos, ou seja, um bem a ser garantido pelo
Estado por meio da escola, o ensino continuava ainda na República, salvo
alguns poucos centros urbanos mais desenvolvidos, como privilégio de muito
poucos. No entanto, antes da necessidade social da criação de instituições
58
oficiais de ensino, em todo o mundo, a educação decorria dos ensinamentos
no seio da família ou da comunidade, enquanto o ensino doméstico, com
professores da mesma família, muitas vezes os próprios pais, era motivado
por fatos religiosos e ideológicos com liberdade e até mesmo ausência de
currículo, ou melhor, com o currículo determinado pelas necessidades vitais.
Nessa perspectiva, na socialização da criança, ainda que o
conhecimento transmitido fosse limitado, além de haver uma verdadeira
confusão de papéis entre pai e professor, até as primeiras décadas do Século
XX, em Arapiraca, somente as famílias mais abonadas economicamente
podiam ter seus filhos estudando, mesmo assim através da manutenção de
um professor como membro da família para ensinar aos seus filhos ou
encaminhando-os a um internato ou estabelecendo-os junto a membros da
família, nas cidades maiores, o que não quer dizer que as demais crianças
não fossem educadas e, excepcionalmente, até instruídas nos rudimentos da
leitura, da escrita e do cálculo.
Conforme informações de Guedes (1999) e Macedo (1992), o primeiro
professor indicado pela liderança local, em 1865 aproximadamente, foi
Antônio Raimundo, que aguardava as solicitações dos líderes dos diversos
sítios para desenvolver o seu ensino. Foi seguido por seu filho, Antonio
Rocheri, o qual, durante muito tempo, atendeu a famílias como a do Sr.
Antônio Pereira, que cedeu ao referido professor um salão na rua do Cedro,
hoje Avenida Rio Branco, onde as crianças aprendiam as primeiras letras.
A exemplo desses professores mantidos pela família, apresento o
testemunho de A.R. F. que, com mais de setenta anos declarou:
como não havia escola, meu pai contratou um professor. A gente
estudava na carta de A B C , cantando um b cum a, b-a-bá, um b
cum e, b-e-bé,um b cum i, b-i-bi, um b cum o, b-o-bó, um b cum u,
b-u-bu e um b cum a, o, til,bão. No final da carta de ABC tinha
alguns versos: me dê chá, chá com pão; se é bom, não há
mais...Depois de tudo decorado, começava a cantilena da
tabuada; um e um, dois, um e dois três, um e três, quatro....
Outra depoente, também de setenta anos, assim reconstrói o processo
de escolarização desenvolvido em Arapiraca nas primeiras décadas da
República:
59
meu pai contratou a D. Alaíde para ensinar a gente e os filhos dos
vizinhos .Ela morava na nossa casa e ensinou muita coisa. Nós
aprendemos a conhecer novos hábitos de higiene, como se
comportar nos cantos, falar e até mudar os hábitos de
alimentação. Ela fez muita falta quando foi embora.
Esse era o tipo de escolarização que predominava no município de
Arapiraca, desde o início de seu povoamento, em 1848, prevalecendo até as
primeiras décadas do século XX – uma verdadeira cruzada civilizatória, que
expressa a carência de ensinamento até do que era considerado expressão
do projeto civilizatório que já se expressava, nos primórdios, na saga dos
jesuítas, e em que viviam até os filhos dos proprietários.
Nesses primeiros tempos, outras pessoas envolvidas com o ensino
devem ser destacadas, como a esposa de Esperidião Rodrigues, Joana
Belarmino e Tereza Maria de Jesus, esposa de José Inácio Correia, filho de
Manoel André, tendo esta durante muitos anos ensinado particular, segundo
informações cedidas em entrevista, pelo professor e historiador Valdemar
Macedo.
Outro professor que merece destaque nesse período é o filho de
Experidião Rodrigues, Domingos Rodrigues, que adquiriu ampla formação no
Seminário, mas desistiu do sacerdócio para se casar. Segundo informações,
era um intelectual, homem culto, inteligente e corajoso, que muito contribuiu
com o desenvolvimento de Arapiraca, redigindo ofícios para seu pai fazer os
contatos a fim de desenvolver ações administrativas no novo município. De
acordo com o relato de sua neta, N. M, este tinha inclinações para a medicina
e, utilizando-se apenas de um compêndio do almanaque “Chernoviz”,
fabricava fórmulas que curavam doenças como a febre tifóide que se abateu
em Arapiraca nas primeiras décadas do século XX e serviam também para
cicatrizar fraturas, a exemplo de sua esposa que se acidentou quando o
telhado de sua cozinha desabou, ficando muito machucada. Sem médicos
nem enfermeiros por perto, Domingos Rodrigues cuidou dos ferimentos com
sucesso. Suas habilidades iam mais além: segundo consta, falava latim e
francês e foi um hábil professor das famílias arapiraquenses, atendendo a
diversas famílias.
60
O professor Edson Matos é outro nome citado por testemunhos do
período
investigado,
porém
não
foi
possível
detectar
em
minhas
investigações a sua formação, mas, suponho que seja proveniente de uma
formação religiosa, já que contava com o apoio de seu parente, o padre
Epitácio Rodrigues, pároco da cidade. Conforme relato de A.P., que passou
pelo processo de escolarização por ele desenvolvido, este ensinou particular
em Arapiraca, ocupando um salão no quadro da cidade. Diz a depoente que
ele ”era um professor muito rígido. Sua disciplina era muito severa, o meu pai
me tirou de lá e só deixou os meninos, mas ele ensinou pouco tempo, uns
dois anos”.
Destaca-se ainda a escola da “tia Chiquinha Macedo”, como era
conhecida a escola onde desenvolvia o ensino Francisca Petrina Macedo,
citada pelo historiador arapiraquense Zezito Guedes, como educadora de
muitas gerações. Para o autor, a referida professora priorizava, na sua prática
pedagógica, a formação cristã religiosa, através de leituras de catecismo,
ladainhas e outras orações, chegando a preparar crianças para Primeira
Comunhão e jovens para seguir a vida religiosa, como foi o caso da Irmã
Luzinete Ribeiro, responsável pela criação (1956) em Arapiraca, do Colégio
São Francisco de Assis, dirigido pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras.
Um fato é digno de nota quando se analisam os primórdios da
escolarização em Arapiraca: muitos professores recebiam orientação
diretamente dos padres, quase sempre oriundos das famílias tradicionais, a
exemplo do padre Francisco Xavier Macedo, conhecido como Padre Macedo,
do padre Epitácio Rodrigues, do padre Maurício, do padre Antônio Lima e
outros. Compulsando a legislação educacional de Alagoas, ainda no início do
período republicano, a exemplo dos Decretos 476, de 1906, e 601, de 1912,
essa ênfase sobre a necessidade de os professores dominarem a doutrina
católica, a par dos princípios morais, era ainda uma constante, o que em
parte explica essa ligação das primeiras professoras com o clero local.
Diante dessa presença tão forte da necessidade de doutrinação
católica, durante o período que antecedeu à criação da Paróquia de
Arapiraca, que se deu em 1944, os padres residiam em Limoeiro de Anadia e
convocavam aqueles que eram indicados para ser professor para residirem
61
certo tempo na casa paroquial a fim de serem instruídos nos princípios da
ética e da moral cristãs e orientados sobre o tipo de ensino a ser
desenvolvido, como foi o caso das irmãs Macedo, Antônia e Francisca
(Chiquinha), que passaram determinado tempo recebendo orientações do
seu irmão, o padre Macedo.
No período republicano destacam-se como suportes da legitimidade
política, o poder pessoal, a oligarquia e o clientelismo e foi dentro dessa
relação que o primeiro prefeito de Arapiraca, Experidião Rodrigues conseguiu
do então governador do Estado, o Barão de Traipu, a nomeação, em 1891,
de sua nora, Marieta Peixoto, como professora pública. Sendo esta, segundo
informações cedidas por depoentes, qualificada para o magistério, a nova
professora ocupou o prédio no quadro do então povoado, substituindo D.
Chiquinha Macedo, que foi transferida para a periferia, consoante com o que
se praticava em Alagoas naquela época, em que
as professoras novas ingressavam comumente nos grupos; as
velhas ficavam nas escolas isoladas, desaprendendo o que
sabiam, longe do mundo, ensinando coisas absurdas. (RAMOS,
2001, p.61).
A partir de 1920, década em que ocorreu a emancipação política de
Arapiraca, abre-se um amplo espaço para o movimento nacional em prol da
educação. A Associação Brasileira de Educação (ABE), entidade de âmbito
nacional, foi fundada em 1924 por Heitor Lira, com a função de dar ênfase à
questão educacional, realizando conferências nacionais, publicação de
revistas e cursos de diversos tipos. A partir daí vão se cristalizando as
divergências de opiniões até ser estabelecida a polarização entre defensores
da Escola Nova e os adeptos da corrente católica que continuavam
exercendo uma grande influência na área educacional.
Os escolanovistas defendiam a escola pública gratuita, no regime que
se instalava no Brasil, cabendo a responsabilidade ao setor público e não a
grupos particulares. O ensino seria essencialmente leigo e sua função seria
formar cidadãos livres e conscientes capazes de incorporar-se ao grande
Estado nacional em que o Brasil estava se formando. Alguns nomes
62
marcaram esse movimento, entre eles, Anísio Teixeira e Fernando Azevedo
que conseguiram, com suas idéias, atrair a ira da Igreja Católica.
Neste período mencionado, a década de 20, percebia-se a
heterogeneidade da rede escolar, constituída de diferentes tipos de
estabelecimento de ensino primário, dando mostras de discriminação da sua
própria organização. Eram escolas isoladas, dispersas, funcionando em uma
única sala sob a regência de um único professor, escolas reunidas,
funcionando em um único prédio e alguns poucos grupos isolados, além de
outras variações, como escolas diurnas e noturnas ou escolas para o sexo
masculino e escolas para o sexo feminino. Em Arapiraca, como na maioria
das cidades alagoanas, só havia escolas isoladas que, paralelamente ao
processo de independência da cidade, (1924) expandiram-se, principalmente
a partir da administração de Experidião Rodrigues, eleito como primeiro
Prefeito do novo município. As dificuldades por ele enfrentadas foram muitas,
pela ausência de uma Câmara Legislativa que só iria atuar em Arapiraca a
partir de 1936, com a escolha dos primeiros Conselheiros Municipais. Para
desempenhar com sucesso suas atividades, o então Prefeito contava com o
apoio de seu filho e secretário particular, Genésio Rodrigues, responsável
pela redação de ofício e outros documentos. Para ajudar nas finanças
nomeou um tesoureiro, o Sr. Pedro de Oliveira da Silva, encarregado de
organizar o sistema de arrecadação das atividades comerciais e coleta de
impostos prediais e nomeou seus dois filhos, Gondim e Virgílio, como fiscais
da feira.
Para contemplar a educação, conseguiu do governo estadual a
nomeação de mais uma professora, desta vez uma de suas filhas, não
obstante faltar-lhe qualificação para o magistério, numa regra não escrita que
estava em curso na composição de todo o aparelho municipal do Estado, tão
bem registrado por Craveiro Costa para toda a vida alagoana, desde tempos
imemoriais e que aqui cabe como uma luva: “era o filhotismo [...] a invadir
vitoriosamente o magistério e banindo por completo as exigências da
habilitação pedagógica” (COSTA, 2001, p. 20).
No Brasil, algumas Reformas Educacionais ocorreram no século XX,
entre 1901 e 1915, tais como o código Epitácio Pessoa, (1901) a Reforma
63
Rivadávia Correia, (1911) e a Reforma Maximiliano (1915) que tiveram pouca
repercussão sobre a educação escolar em Alagoas. Na verdade, as reformas
que de fato atingiram a educação básica brasileira da época foram aquelas
ocorridas nos estados, como, por exemplo, a de Lourenço Filho, no Ceará,
em 1923, a de Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e
Mário Casasanta, em Minas, em 1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito
Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928, e a de Carneiro Leão em
Pernambuco, em 1928. Em Alagoas, embora os compêndios mais
prestigiosos de História da Educação no Brasil não costumem registrar,
houve também inúmeras reformas educacionais durante a chamada
República Velha, dentre as quais destaco, como uma das mais relevantes, a
reforma de 1906, através do Decreto 401, de 23 de novembro de 1906, que
dá novo regulamento à Instrução Pública, autorizado pelo Art.4º da Lei N0.
484, de junho do mesmo ano. O regulamento decreta e manda, já no Art.1º,
que “O Estado ministrará o ensino primário, secundário e normal”, enquanto
no Art. 2º estabelece que “A suprema direção do ensino compete ao Governo
do Estado que a exercerá por intermédio do Diretor público, do Inspetor Geral
da Instrução Primária e dos Inspetores Escolares”. Por meio do Decreto 476,
de 1906, o Governador do Estado, Euclides Vieira Malta, autorizado pelo
Legislativo, reforma mais uma vez a instrução pública em todos os seus
ramos e graus.
Sobre o ensino primário, o referido Decreto 476/06 apresenta no seu
Art. 10°, a obrigatoriedade do ensino que se efetivará logo que o Estado
possa manter escolas em número proporcional à população escolar e
oferecer às casas escolares, garantias de higiene. Em seu Art. 22 acrescenta
que as escolas devem funcionar em edifícios próprios construídos de acordo
com as exigências pedagógicas e higiênicas. Já no Art. 23 determina que as
escolas deverão ser dotadas de mobílias e utensílios necessários ao ensino e
no art. 24 determina que o ano letivo iniciaria em janeiro e terminaria em
novembro, com o “exame final”.
No entanto, tais reformas não repercutem no então distrito de
Arapiraca, que só conta com uma escola ministrada pelo poder público
estadual, recebendo mais uma, apenas em 1924, após seu desmembramento
64
do município de Limoeiro de Anadia, à exceção do artigo 24, como podemos
perceber pelo relato de uma ex-aluna da Escola Municipal Isolada do
Riachão, povoado de Arapiraca, com mais de setenta anos de idade:
o momento mais esperado pela criançada era o dia do “exame”. O
Prefeito, Manoel Leal, chegava em sua charrete, vestido num terno
branco, gravata no pescoço. Logo todo mundo sentava nos bancos
e o prefeito entrava sorrindo e brincando, mas a meninada ficava
quieta esperando a hora do bendito “exame”. Ele chamava um por
um e ia fazendo perguntas. A gente já sabia tudo decorado.
Quando terminava, ele mandava buscar o sanfoneiro nas Craíbas
dos Nunes e a festa começava e ia até a noite.
Manoel Leal administrou Arapiraca de 1941 a 1945 e como
administrador, costumava participar das atividades que aconteciam pela
redondeza. Para facilitar as visitas aos sítios, principalmente no momento do
“exame escolar”, do qual o mesmo fazia questão de participar,
um de seus primeiros atos foi colocar na cidade uma bem equipada
charrete puxada a cavalo que parecia mais uma carruagem real
inglesa, para conduzir o prefeito em suas andanças (GUEDES,
1999, p. 207).
Na sua efetiva presença a esses atos o então prefeito conseguia
manter boa relação com a população. No entanto, em relação aos artigos, 10,
22 e 23 não se evidenciam mudanças nas escolas do então povoado de
Arapiraca, que prevaleciam nas residências dos professores sem nenhuma
mobília especial, “com salas acanhadas, palmatória, mobília de caixões,
santos nas paredes, em vez de mapas”. (RAMOS, 2001, p.61).
Outra reforma de destaque em Alagoas é a de 1912, quando o então
governador Clodoaldo da Fonseca, pelo Decreto 601, aprova o novo
regulamento da Instrução Pública Primária, Normal e Secundária. Nessa
reforma determina que as escolas preliminares e complementares funcionem
isoladamente ou em regime de Grupos Escolares estabelecidos na capital e
nas sedes dos municípios, sempre que o governo achasse conveniente. O
método empregado seria o mais intuitivo possível, sendo o livro usado
apenas como auxiliar de acordo com os programas. Isso foi o que figurou no
documento legal, pois na prática predominou o que já esboçamos no tocante
a Arapiraca.
65
Não havia em Arapiraca, portanto, mesmo com a autonomia municipal,
a partir de1924, avanços no campo educacional, prevalecendo apenas as
Escolas Isoladas, merecendo destaque a escola da D. Maroquinha, a escola
da D. Suzinete, da D.Linda, da D. Belissa, da D. Reginalda e outras, todas
professoras leigas, escolarizadas por professores contratados por seus pais a
exemplo de D. Linda que estudou apenas o primeiro, segundo e terceiro
livros, sob a orientação de uma professora vinda da capital, que se tornou
membro de sua família até que ela dominasse os princípios fundamentais pra
desenvolver o ensino ou seja, a leitura, a escrita, as quatro operações
aritméticas e principalmente os fundamentos da doutrina católica, elementos
fundamentais para se desenvolver o ensino.
Pelo que foi possível levantar, parece possível afirmar que a expansão
das escolas isoladas em Arapiraca pode ter sido marcada pela organização
oligárquica, onde se estabelece uma teia de relações entre o chefe dos
diversos sítios e o líder local que se encarrega de estender essa relação com
a classe dominante estadual, pondo-se em prática o que afirma Verçosa
(1997):
Tendo o grupo familiar como modelo de organização, é antes de
tudo em torno dos interesses privados e de grupos de interesses
locais que vão ser pensadas e resolvidas as principais questões
(p.54).
Assim, dentro dessas relações e interesses, iam surgindo em cada
localidade uma escola isolada em que a residência do professor passava de
espaço privado para ter um significado público: os alunos usavam a mesa, as
cadeiras ou bancos e tamboretes ocupando o espaço da família do docente,
chegando muitas vezes a envolver-se em conflitos cotidianos dessa família,
gerando uma situação até de constrangimento, quando alguns alunos
comentavam o que viam e ouviam na convivência com a família do professor.
Uma testemunha desse período foi vítima de envolvimento com esse tipo de
problema e foi impedida de continuar estudando, como esclarece R. G. de 79
anos:
eu estudava na escola da D. Antônia, bem perto da minha casa.
Estudei três anos, foi o primeiro, o segundo e o terceiro livro. A gente
ia pra casa dela e ficava perto da mesa escrevendo e estudando.
66
Mas depois teve um aborrecimento na família, umas fofocas e a
madrinha não deixou mais eu ir para escola.
Em Arapiraca, na verdade, de forma diferente de alguns outros
municípios alagoanos, como já foi explicitado nesse trabalho, não havia
Grupos Escolares naqueles tempos, e nas escolas isoladas o professor
ensinava aos alunos atendendo individualmente, ou seja, a um de cada vez.
Aqueles que sabiam mais, ensinavam a quem sabia menos, como se ainda
estivessem seguindo o método Lancaster ou de ensino mútuo, que dominara
numa certa altura do Século XIX, ajudando assim nas atividades do docente,
na maioria professoras, as quais podiam conciliar sua função ao papel de
mãe e dona de casa, já que as escolas funcionavam na casa do professor ou
numa sala cedida pelos proprietários, sendo conhecidas pelo nome do
professor ou do proprietário, numa invasão do público pelo privado, como
trata Verçosa,(1997) ao analisar a formação social alagoana, num diálogo
com Weber, Holanda, Faoro e Da Matta.
A presença de grande número de mulheres desenvolvendo o ensino,
diferentemente do que acontecera nos começos da implantação da
sociedade arapiraquense, vai se fortalecendo nesse município até mesmo
com a criação do primeiro Grupo Escolar, que inicia suas atividades com um
corpo docente predominante feminino. Para Magalhães Junior, (2002) o
ingresso das mulheres no magistério não se associou à busca de uma
profissão, mas, às suas características, capaz de reforçar os princípios da
moralidade cristã.
No caso de Arapiraca suponho ainda que os homens
estavam mais empenhados em desenvolver atividades agrícolas que exigiam
muitas horas diárias de trabalho para adquirir sua sobrevivência ou até
mesmo com o objetivo de acumular riqueza, havendo, portanto, uma minoria
de homens letrados, cabendo às mulheres o ato de ensinar.
Como vimos, a prática escolar criada em Arapiraca, principalmente na
zona rural, antes e logo depois de sua emancipação política desenvolvia-se
independente do poder público, até porque, de forma incontestável, era
completa a ausência deste, como gestor de tais escolas. Por isso, não só
para os estudantes, como para as próprias famílias, a escola era propriedade
do professor ou daquele que cedia uma sala para o funcionamento dessa
67
escola, e nunca como pertencente ao poder público, até mesmo quando era
este que subsidiava o trabalho docente. Isso gerava muitos problemas
porque qualquer diferença entre famílias, por motivos particulares ou de
natureza política, impedia que alguns alunos se escolarizassem.
Foi este o tipo de escolarização que predominou em Arapiraca por
décadas, mesmo após seu desmembramento do município de Limoeiro de
Anadia; escolas isoladas, com professores indicados pelas lideranças locais
ou mantidos pelos pais de família como professores particulares. Esses
desenvolviam uma ação pedagógica centrada nos princípios da moral cristã
católica, com a prioridade ao ensino da leitura e da escrita. Quando o aluno
concluía a leitura da carta do ABC, passava para a cartilha, depois vinham o
primeiro, o segundo e o terceiro livros. A avaliação era realizada nas escolas
através de uma prova escrita feita no papel pautado, sempre com um
desenho pintado na capa e com uma fita colorida, sendo entregue no dia do
exame final, que era realizado através de uma prova oral, em clima festivo,
como já foi explicitado no depoimento de T.E.O., já exposto nesse trabalho.
O tipo de escola, a forma de designação da professora e a prática
pedagógica ainda por volta da década de 40, quando a sede do município de
Arapiraca já dispunha de grupo escolar, podem ser percebidos pelo
depoimento da ex-professora da Escola Isolada do Canaã, Dona Adalgiza
Pereira, que lecionava num salão de propriedade do Sr. José Soares:
Eu fiz a 4ª série no Grupo Escolar Adriano Jorge e no mesmo ano,
1941, fui indicada pelo prefeito nomeado, Genésio Rodrigues
Correia, filho de Experidião Rodrigues, para exercer o ensino no
povoado de Canaã. Era um decreto do Presidente Getúlio Vargas
que no dia do seu aniversário determinou que todos os municípios
criassem uma escola a mais. Eu fui contemplada, mas sofri muito
porque sentia falta da família. Eu ficava a semana toda na casa do
Sr. José Soares, dono do salão onde eu ensinava a 40 alunos com
carta de ABC na mão. Depois fui transferida para Feira Grande,
mais tarde para o Cavaco, enfim para Bananeiras até que me
abusei e deixei.
A indicação da professora Adalgisa para desenvolver o ensino,
residindo na casa do Sr. José Soares, era ainda prática constante no
processo de escolarização daquele município, mesmo depois da Revolução
de 1930, com
68
as cadeiras isoladas [...] providas por professores pertencentes a
grupos de confiança ou da parentela dos políticos e não raro
apadrinhados e nomeados interinamente, representando uma
forma de garantir a popularidade desses políticos de justificar seu
empenho e poder, ou seja, consubstanciar a ingerência dos
coronéis na vida pública. (PINHEIRO, 2002, p.33).
A transferência da professora Adalgiza é outro exemplo da prática
ocorrida em Arapiraca: quando não se acompanhava a facção política que
estava no poder, geralmente aconteciam punições desse tipo, como a
transferência no emprego ou até mesmo a demissão. Isto ocorreu com a
professora conhecida como D. Linda, que foi demitida pelo fato de sua família
ser adepta do P.S.D. - Partido Democrático Brasileiro -, liderado por Luís
Pereira Lima, que fazia oposição ao então Prefeito de Arapiraca, José Pereira
Lúcio, o Lucinho, que governou de 02-09-1955 até 02-10-1955, num período
formalmente democrático, mostrando como
a criação e a extinção de cadeiras isoladas estavam sujeitas ao
mandonismo dos coronéis e à troca de favores nas diversas
instâncias do poder estatal, além de fazer parte do jogo de
interesses políticos que então se auto definiam como
conservadores e liberais. (PINHEIRO, 2002. p.37)
O número de alunos da escola onde lecionava a professora Adalgiza
Pereira era como nas demais escolas isoladas, que matriculavam sempre
uma média de 40 a 45 alunos por sala, entre 07 e 16 anos, como foi possível
perceber na análise realizada no modelo da ficha de matrícula da escola
Isolada do Sítio Mocó, que se encontra como anexo desse trabalho. Nessas
escolas, com turmas multisseriadas, desenvolvia-se o processo educacional
de uma forma muito tradicional, através da escrita por cópias ou ditados de
textos, como foi possível detectar em registros da escola anteriormente
citada, com leitura muito freqüente de fábulas, cuja finalidade era a
transmissão de algum ensinamento moral.
A memorização como instrumento pedagógico estava muito ligada à
oralidade da religião: imitavam-se as cantilenas das ladainhas para decorar
as lições que eram repetidas em voz alta para o professor, sob pena de sofrer
castigos, caso errassem. As punições variavam, da palmatória, muito usada
nas sabatinas, a ficar de joelhos ou de pé durante muito tempo, olhando para
a parede. As famílias avaliavam esses professores pela disciplina que
69
utilizavam na sala de aula e davam preferência aos mais severos para cuidar
da educação de seus filhos.
Consoante com o processo de escolarização que predominava no
Brasil por todo o Império e que, em Alagoas, vai permanecer na República
por décadas, para ser professor não bastava simplesmente saber ler e
escrever, mas, também e, sobretudo, dominar os fundamentos cristãos. Isso
já determinava a legislação que definia o ensino público e criava as escolas
de primeiras letras, em 1827, sendo o mesmo que encontramos nas reformas
do ensino alagoano por toda a República Velha, determinando que os
professores ensinassem os princípios da moral cristã e da doutrina da
Religião Católica, além de ler e escrever.
O Estado de Alagoas, que nos primeiros anos da República, parecia
tomar novos rumos no âmbito educacional, com a criação de alguns poucos
Grupos Escolares para substituírem as Escolas isoladas que funcionavam na
casa do professor, ao considerar a legislação criada pelas reformas
educacionais já referidas, voltou as atenções governamentais apenas para o
ensino secundário, permanecendo a educação elementar no descaso, por
parte dos governantes, ainda por bastante tempo. No caso de Arapiraca,
porém, o atraso com relação ao ensino vai ser muito mais significativo nas
primeiras décadas do Século XX, se comparado ao processo educacional da
capital e de outros municípios alagoanos, como Penedo, Santana do
Ipanema, Palmeira dos Índios, Porto Calvo e outros.
A precariedade no processo do ensino nessa localidade tornava-se
evidente até mesmo pela falta de acesso a cursos preparatórios para o
Magistério. Alagoas contava apenas com um Curso Normal, que funcionava
desde 1869 na capital alagoana, anexo ao Liceu Alagoano, com duração de
dois anos e mais um ano de prática, ampliando seu funcionamento para
quatro anos somente a partir de 1912, quando foi criada a Escola Normal.
Esta, praticamente, não atendia às demandas do interior do Estado, pois
quem era da capital não tinha a intenção de se deslocar para o interior e
aqueles poucos interioranos que tinham condições de cursar o Normal
optavam em permanecer na capital. Ir para o interior era em geral um castigo
por falta de fidelidade política. Portanto, predominava em Arapiraca o ensino
70
desenvolvido por professores sem qualificação para o magistério – os tão
nossos conhecidos “professores leigos”, cuja denominação somente não é
integralmente ajustada porque sua “formação inicial” passava pelas mãos dos
párocos.
Por isso mesmo, na ação pedagógica ali desenvolvida pontificava a
ética paternalista cristã católica. Afinal, segundo é dado perceber pelos
registros e relatos em Arapiraca e aqui já assinalados, nos primórdios da
sociedade arapiraquense, a Igreja interferia na preparação do professor e na
orientação do ensino, vigorando o que afirma Weber (2005) quando se refere
ao controle da Igreja na vida cotidiana, dizendo que ela atuava
em favor de uma regulamentação da conduta como um todo que,
penetrando em todos os setores da vida pública e privada, era
infinitamente opressiva e severamente imposta.(p. 38)
Numa revisão constitucional de 1926 podemos perceber que a idéia de
construir a nação deveria ser orientada por uma educação única capaz de
promover certa harmonia entre os diversos povos e raças que compunham a
sociedade brasileira, inclusive os imigrantes. A essa altura, no entanto, a
Igreja Católica procurava encontrar seu espaço no advento do novo regime
que vai se instaurar com a Revolução de 1930. Francisco Campos, então
Ministro da Justiça no governo Getúlio Vargas, procura estabelecer uma
ponte entre a Igreja Católica e o governo. Em pouco tempo, um decreto
facultava o ensino religioso nas escolas públicas, abolido pela Constituição
de 1891. A mobilização da Igreja Católica foi acompanhada de uma
intensificação das discussões doutrinárias que buscavam situar a mensagem
da fé católica nos burburinhos criados pelo avanço da argumentação a favor
da ciência como critério único para a ação social.
Sentindo-se ameaçada, a Igreja faz uma crítica à própria natureza da
fé católica então vigente no país; apresentou a proposta de uma sociologia
cristã responsável pela busca de uma racionalidade para a fé. Essa
sociologia iria contribuir para que a Igreja Católica pudesse desempenhar
bem sua tarefa de “reespiritualizar” a cultura. Para os representantes do
catolicismo no Brasil, o decreto que facultava o ensino religioso nas escolas
públicas significava o compromisso assumido pelo Governo Vargas, e seu
71
ministro Francisco Campos, perante a consciência católica. Mas a Igreja
pretendia muito mais, ou seja, queria que o Estado se voltasse contra o
ensino neutro e se manifestasse a favor do ensino católico.
Se alguém imagina que na década de 1930 se registraram mudanças
no âmbito educacional em Arapiraca, já que então havia se dado no país um
movimento que, no campo das normas referentes à educação escolar, vai ser
um divisor de águas, é possível se afirmar que para os viventes de Arapiraca
tudo vai seguir de forma idêntica, já que a situação política em nada mudou
nas Alagoas: a revolução de 1930 dividiu as opiniões, mas não apresentou
nenhum ideal revolucionário, tendo apenas reorganizado os grupos
tradicionais que se perpetuavam no poder. Tal qual aconteceu em Maceió,
cidade na qual, “a população (...) adere em massa à nova situação,
enfeitando-se de laços vermelhos e dando vivas aos novos donos do poder”
(VERÇOSA, 1997, p. 155), quando da derrubada do grupo oligárquico que
ocupava o executivo estadual, em Arapiraca, Experidião Rodrigues logo
declarou-se, juntamente com outros arapiraquenses, adepto do lenço
vermelho, chegando por isso a substituir o então prefeito de Arapiraca, João
Ribeiro Lima. No entanto, dado o tempo para as recomposições, os ideais
liberais logo foram descartados e seguiram-se as políticas e práticas
tradicionais dos coronéis em todo o estado de Alagoas.
Enquanto isso, a aproximação entre Igreja Católica e Estado, no plano
Federal, foi selada pela Carta Magna de 1934, ano que para o catolicismo
representou uma vitória doutrinária, como demonstra RIBEIRO (2000) ao se
referir à Constituição de 1934: “A reivindicação católica quanto ao ensino
religioso é atendida, assim como outras ligadas aos representantes das
idéias novas”. Foi essa Constituição a primeira tentativa, na história
constitucional brasileira, de se estabelecerem as bases concretas para a
criação de um projeto educacional de longo prazo que contemplasse todo o
território nacional. Estados e Distrito Federal deveriam organizar seus
sistemas de ensino tendo em vista as diretrizes estabelecidas pela União,
podendo organizar os Conselhos Estaduais com funções semelhantes às do
Conselho Federal.
72
A Igreja era um dos setores organizados da sociedade, a pretender se
utilizar da educação como meio para atingir fins amplos, mas não era o único.
As Forças Armadas também viam na educação um caminho indispensável
para um projeto nacional de longo alcance. Entre as duas instituições, Igreja
e Forças Armadas, havia um projeto de mobilização nacional que dependia
da unificação da força moral da Igreja com a força física dos militares. O
processo educacional precisava da religião como instrumento a ser usado na
função de recuperação de valores “perdidos” ligados à religião, à pátria e à
família e, assim, a moral religiosa ocuparia o lugar de destaque como
elemento importante na disciplina social.
Em Arapiraca, em 1936, o Prefeito Guilherme de Araújo, apropriandose do modelo vigente no Rio Grande do Sul, convocou voluntários que
desejassem prestar serviço à administração pública, assumindo o cargo de
Conselheiros ou, como se chamariam hoje, vereadores. Através destes, foi
elaborado e aprovado o primeiro Regimento da Câmara Municipal de
Arapiraca. Num período em que ainda eram restritos os cargos que à mulher
era permitido ocupar, ocorreu a convocação de Maria de Lima de Oliveira
como suplente de Conselheiros e, mais tarde, em 14 de setembro de 1936,
sua posse como titular, substituindo o Sr. Amâncio dos Santos, que
renunciava ao cargo naquela data, logo ocupando um cargo na comissão de
poderes, enquanto em 14 de novembro do mesmo ano, Estela Lúcio
Cavalcante é nomeada para o cargo de amanuense da Câmara,
representando esse conjunto de fatos políticos uma revolução para os
padrões arapiraquenses.
A questão relacionada ao ensino religioso voltou a ser ponto polêmico
nas discussões da constituinte de 1946, chegando a extrapolar o âmbito
educacional e inserindo-se na relação Estado/Igreja Católica. Os debates se
acentuaram e quando o texto foi aprovado, deixou claro que a religião seria
facultada e ministrada conforme a confissão religiosa de cada aluno. Em
Arapiraca não se registrava ainda a existência de nenhuma escola religiosa,
no entanto o laicato católico assumia a responsabilidade de introduzir os
fundamentos da doutrina cristã na cultura escolar.
73
Entre as décadas de 1940 e 1950, são percebidas algumas
transformações, ainda que débeis, no âmbito educacional em Arapiraca,
como conseqüência da alternância do poder, com a alteração das facções
políticas, no âmbito local. O aumento populacional e o rápido enriquecimento
dos novos moradores proporcionaram participação direta e diversa nas
decisões políticas da região. O próprio desenrolar do desenvolvimento
econômico, as novas concepções éticas e morais e a própria influência
religiosa parecem ter conseguido mudanças na política dessa região. O poder
político em Arapiraca, porém, ainda que menos concentrado, continuaria
dominado por facções, formadas por quatro famílias: de um lado, os Pereira e
Marques, do PSD (Partido Social Democrático) e do outro, os Lúcio e
Barbosa, da UDN (União Democrática Nacional).
Com relação à instrução da sociedade arapiraquense, comparada à
população da capital e de cidades que hoje ocupam lugar de importância no
cenário econômico, social e político de Alagoas muito próximo de Arapiraca,
vale observar a tabela abaixo, elaborada a partir de dados fornecidos pelo
censo de 1940, considerando-se estar o município com uma década e meia
de emancipação política e décadas de constante crescimento, desde o seu
estabelecimento oficial como povoado:
TABELA 01 – ESCOLARIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE ALGUNS MUNICÍPIOS DE
ALAGOAS, INCLUINDO-SE ARAPIRACA, EM 1940
MUNICÍPIO
HABITANTES
25.514
90.253
19.496
51.912
ARAPIRACA
MACEIÓ
PENEDO
P. DOS ÍNDIOS
SUPERIOR
6
415
38
12
POSSUEM CURSOS COMPLETOS
HOMENS
MULHERES
MÉDIO ELEMENTAR SUPERIOR MÉDIO ELEMENTAR
6
18
0
13
7
701
2.728
24
730
3.527
103
204
5
46
376
9
38
1
25
51
FONTE: CENSO IBGE - 1940
O quadro acima mostra uma situação lastimável ocupada por
Arapiraca, até na educação elementar, significativamente inferior a Penedo e
proporcionalmente superior apenas a Palmeira dos Índios, a se considerar o
contingente total da população, mesmo assim com desvantagem no tocante
ao grupo feminino.
Com
a
ampliação
das
divergências
políticas
no
município,
considerando-se o quadro geral do estado e a necessidade da criação de
74
novas escolas que atendessem aos filhos dos novos ricos que começavam a
ficar numerosos em fins dos anos de 1940 e início dos anos de 1950, a fim de
que eles não tivessem que deixar a cidade para continuar seus estudos, é
que vão surgir possibilidades da criação de escolas agora seriadas, a
exemplo do Grupo Escolar Estadual Adriano Jorge, o primeiro dessa natureza
no município depois de quase duas décadas de sua emancipação,
juntamente com o Instituto São Luís, de caráter particular, seguidos do
Educandário Nossa Senhora do Bom Conselho, criado pela CENEG e o
Educandário São Francisco de Assis, mantido por uma congregação religiosa
feminina, sobre os quais vale dedicar um espaço à parte, tal foi a importância
dessas instituições para o novo panorama escolar que iria se delinear até os
anos de 1950 na capital do fumo.
75
CAPÍTULO III
PRÁTICAS E SABERES:
O ENSINO DESENVOLVIDO PELAS PRINCIPAIS ESCOLAS DE
ARAPIRACA, ENTRE AS DÉCADAS DE 1940 E 1950.
Com o progresso econômico que se desencadeou no município de
Arapiraca por conta da ampliação da cultura fumageira, tornou-se notório o
envolvimento da sociedade no sentido de se inserir numa maior dinâmica
educativa escolar, capaz de exigir a ampliação do processo de letramento.
Diversos plantadores de fumo vinham acumulando riquezas, a exemplo dos
meeiros que se tornaram proprietários e precisavam de uma retaguarda para
desenvolver suas atividades. Dessa forma, a cultura fumageira, que por muito
tempo impediu o avanço no campo educacional, passou, então, a ser
elemento estimulador do processo de escolarização.
Evidentemente que o processo de modernização da sociedade
brasileira nos espaços urbanos iria contribuir com o surgimento do primeiro
Grupo Escolar, em Arapiraca, no governo estadual de Osman Loureiro (19341940), sob a administração municipal de Domingos Mota Acioli (1937-1940),
marcando uma possibilidade de evolução na estrutura educacional naquele
município.
O primeiro prédio especificamente edificado para abrigar uma
escola na cidade de Arapiraca, o Grupo Escolar Adriano Jorge parecia ser um
estabelecimento de ensino montado para favorecer ao povo arapiraquense,
mas, como demonstra Guedes (1999, p.135), logo se transformaria numa
“escola da elite”. E não seria para menos, se considerarmos as condições em
que, até então, funcionava ali o ensino público ou privado e como se
encontravam, ainda, as classes populares, em meio à cultura fumageira que
somente crescia mais e mais.
Inaugurado em 1940, o primeiro Grupo Escolar causou grande
repercussão, tanto pela arquitetura moderna, como pelo caráter do ensino
logo desenvolvido por professores, pela primeira vez, submetidos a concurso
público – afinal algo bom do movimento de 1930 -, juntamente com a verba
76
federal que deu possibilidade à sua construção. Isso dava ao novo
estabelecimento, frente às famílias arapiraquenses, maior credibilidade e,
conseqüentemente, uma demanda difícil de ser integralmente atendida,
gerando uma competição em que levavam vantagem os poderosos, os
abastados ou aos que a eles eram mais chegados.
A
moderna
organização do
novo
estabelecimento de
ensino
entusiasmou a população de Arapiraca, principalmente a estrutura do prédio
construído sob a preocupação da administração estadual que tinha “no
urbano o espaço privilegiado para a edificação, em especial, nas capitais e
cidades economicamente prósperas”. (BENCOSTA, 2005, p. 70). Esse novo
tipo de instituição escolar surgiu primeiramente no estado de São Paulo, em
1894, criado pelo decreto n0. 248, de 26 de julho, no transcorrer da segunda
metade da Reforma da Instrução Paulista. Essa experiência foi aos poucos
adotada pelas diversas unidades federativas, de forma desigual, de modo a
atender às condições econômicas e políticas e às necessidades sócioculturais de cada uma.
Com a chegada do primeiro Grupo Escolar em Arapiraca, foram
introduzidas outras novidades: carteiras escolares que substituíam os bancos
sem encosto, material escolar vinculado ao método intuitivo, o uso de mapas
e globos. O novo prédio contava com 07 salas de aula, 02 sanitários e um
alpendre, tendo sua localização numa rua central da cidade, pois:
em regra geral, a localização dos edifícios escolares deveria
funcionar como ponto de destaque na cena urbana, de modo que se
tornassem visíveis, enquanto signos de um ideal republicano, uma
gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o novo
regime”.(BENCOSTTA, 2005, p.70).
Com poucas salas de aula, construído dentro dos padrões modernos
da época, evidentemente que o Grupo Escolar Adriano Jorge não atendeu ao
grande número de pessoas que necessitavam do ensino elementar, a se
considerarem os indicadores do IBGE apresentados na Tabela 01 frente à
população total do município. Segundo informações do censo de 1940, como
vimos, havia em Arapiraca, naquele ano, aproximadamente 18.702 pessoas
que não sabiam ler nem escrever e apenas 804 estavam recebendo
instrução. A população de 10 a 19 anos era de 6.298, o que significa dizer
77
que a maior parte dos jovens e crianças estava fora do alcance do processo
de escolarização. Ainda consoante com o IBGE, no censo de 1940, a cultura
fumageira em Arapiraca mantinha ocupadas 11.750 pessoas, sendo 9.734
com mais de 15 anos, ou seja, mais de três mil pessoas estavam na idade de
cursar o ensino elementar, mas não ocupavam os bancos escolares.
Nos primeiros anos de sua fundação, o primeiro Grupo de Arapiraca
era denominado apenas de Grupo Escolar de Arapiraca, só mais tarde tendo
sido a nova escola dedicada a Adriano Jorge, grande professor do Liceu
Alagoano, filho de um grande educador e famoso jornalista e literato,
presidente do Instituto Histórico de Alagoas, Adriano Augusto de Araújo
Jorge.
A criação de um Grupo Escolar com seu corpo docente constituído, na
maioria, de professoras qualificadas para o magistério, despertou nos
moradores daquela cidade um interesse maior pelo acesso ao ensino. A
escola começou a funcionar apenas com a primeira, segunda e terceira
séries, tendo, como professoras, algumas oriundas da capital alagoana e
outras de Arapiraca e municípios vizinhos, a saber: as irmãs Amália e Maria
Fragoso, Arlinda Moreira, Felisdona, Eunice Cox, Leopoldina Lima, Maria
Celeste, Francisca Petrina de Macedo, Enói, Flora de Oliveira e outras.
As irmãs Amália e Maria Fragoso ficaram responsáveis pela seleção
dos alunos que eram oriundos das escolas isoladas para ingressarem nas
séries convenientes. Entre os primeiros alunos matriculados no Adriano
Jorge, Guedes (1999) destaca: Maroquinha Leite, Neuza Magalhães, Rozita
Petuba, Nair Gama, Miriam Leite, Adagilza Pereira, Lurdes Brito, Sebastiana
Morais, Yolanda Pereira, Edleuza de Castro, Margarida Moço, Wilson
Tabajara, Aderbal de Castro, Odete Nobre, Creusa e Maria Muritiba e outros
(ver foto em anexo).
Uma das primeiras preocupações foi sobre quem iria assumir a
direção do referido Grupo Escolar. D. Amália Fragoso, que respondia pela
direção da Escola, não podia permanecer, porque sua irmã, Maria Fragoso,
lecionava na mesma escola e a legislação da época proibia. O então Diretor
da Educação Pública do Estado – setor correspondente hoje à Secretaria
78
Estadual de Educação -, Padre Medeiros Neto, indicou o professor da rede
pública, Pedro de França Reis, para assumir a função de Diretor do novo
estabelecimento de ensino em Arapiraca, que representava posto de grande
importância, já que era
cargo que até então não existia na esfera pública escolar primária
frente à nova realidade educacional em construção. Além de suas
funções administrativas com vistas a ordenar o cotidiano dos
professores e alunos, ele deveria ser o responsável por
retransmitir e atualizar junto ao corpo docente aqueles conteúdos
discutidos nas escolas normais e entendidos como inovadores.
(BENCOSTTA, 2005, p.72)
Apesar das mudanças introduzidas com a implantação do Grupo
Escolar, a prática pedagógica inicial era de cunho tradicional, centrada nos
fundamentos da Religião Católica e voltada para a ética moral cristã: a oração
marcava o início das aulas; na volta do intervalo, novamente uma oração para
retomar as atividades escolares. No final das aulas, geralmente os alunos
entoavam o Hino Nacional, para saber cantá-lo nos dias de comemorações
cívicas.
Era comum, nos feriados, a escola fazer uma “preleção”, ou seja,
lembrar aquela data com discursos, com o objetivo de despertar nos
estudantes o amor à pátria e o dever para com ela. Nesse momento, uma
professora era designada para fazer a preleção. Sobre o tema, assim relata o
professor Zezito Guedes, em entrevista cedida para elaboração desse
trabalho:
no dia da árvore todos os alunos estavam no pátio da escola para
comemoração à data. A professora X foi designada para fazer a
preleção, ou seja, falar sobre o dia da árvore. Ela conseguiu fazer o
seu discurso, mas olhava para suas colegas que riam entre si. Ao
terminar a comemoração todos foram para casa e poucas horas
depois corria a notícia que a referida professora suicidara-se.
Outra forma de manifestar os sentimentos patrióticos eram os desfiles:
estudantes marchando e cantando ao mesmo tempo, todos empolgados com
suas fardas de gala. As autoridades ficavam nos palanques, previamente
montados,
aplaudindo
os
estudantes
que
muitas
vezes
exibiam
apresentações de ginástica (ver foto em anexo). Os desfiles mais pomposos
eram realizados no dia da emancipação política de Arapiraca, 30 de outubro,
79
para prestar as homenagens ao dia do desmembramento da cidade do
município de Limoeiro de Anadia.
Percebemos, dessa forma, que a ação pedagógica das professoras do
Grupo Escolar de Arapiraca – depois Adriano Jorge - não se restringia
apenas à sala de aula, mas era permeada por outras atividades, a exemplo
dos freqüentes piqueniques, quando as professoras acompanhavam os
alunos para um sítio mais distante, cada um levando seu almoço e
procurando divertir-se numa verdadeira interação entre alunos e professores.
Outro momento que proporcionava a interação entre alunos, escola e família
eram as festas de “formatura” das turmas que concluíam a quarta série: eram
noites festivas com bailes e muita animação.
Além das festividades promovidas pela escola, os alunos eram
convidados a participar das solenidades de inaugurações, como a Estação
Ferroviária, em que as crianças compareciam fardadas e acompanhadas dos
docentes da escola. Afinal, aquela era a primeira e única instituição de
Arapiraca à qual, àquela altura, se podia dar o nome de escola na acepção
estrita do termo.
A ação pedagógica desenvolvida pelos professores do Grupo Escolar
Adriano Jorge foi muitas vezes abalada pela rixa política que, como erva
daninha,
costuma
se
insinuar
nas
instituições
de
Alagoas
e,
conseqüentemente, em Arapiraca, punindo os funcionários que não eram
adeptos da facção política dominante, na tradicional interpenetração –
verdadeira indistinção – entre as esferas públicas e privadas, dando largas
àquilo que Da Matta chama de “dilema brasileiro” e que, em Alagoas, parece
se manter sempre muito vivo, em meio a modernizações que não conseguem
embeber toda a vida alagoana. Assim, alguns professores dessa escola
foram perseguidos, a exemplo do próprio diretor, professor Pedro Reis, que
teve o seu processo de nomeação recusado pelo então governador do
Estado, Ismar de Góes Monteiro. Conforme informações contidas na
entrevista cedida por M.B.O., o professor Pedro Reis sofreu muitas
perseguições, percorrendo várias cidades do interior como professor público,
por conta de sua tenacidade em afirmar sua autonomia política frente à
facção oligárquica de plantão nos postos de poder. Com essa política, eram
80
constantes as mudanças na diretoria do Grupo Escolar Adriano Jorge: todas
as vezes que mudava a administração política do estado, novo professor era
indicado para assumir a direção do referido Grupo Escolar16 e, assim, os
projetos dos diretores nunca eram concluídos, porque cada um que entrava
pretendia começar tudo de novo.
O professor Pedro Reis, que foi impedido de assumir a direção do
Adriano Jorge, por retaliação política, mas, que continuou sendo professor
daquela instituição de ensino e que já tinha o hábito de ensinar particular nas
cidades por onde passava, então decidiu criar uma escola em Arapiraca,
nascendo, assim, o Instituto São Luís, que merece destaque, por ser
apontado pela história oficial como a primeira escola particular do município,
muito embora apareçam indícios de alguns professores que desenvolveram
esse tipo de ensino, como o professor Edson Matos e Da.Tereza de Jesus, já
citados nesse trabalho. Essa primazia dada ao Instituto São Luís, porém,
talvez deva ser atribuída ao fato de ser ele, provavelmente, a primeira escola
particular seriada a surgir em Arapiraca, encaixando-se, assim, no que o
senso comum convencionou chamar de “escola de verdade”.
Relatos de pessoas que conviveram com o fundador do Instituto São
Luís, colhidos em entrevistas, principalmente cedidas por M.O.B., dão-nos
conta de que o professor Pedro Reis, como servidor público, percorreu vários
municípios alagoanos como professor, por transferência ex-ofício, a exemplo
de Maceió, Penedo, Santana do Ipanema, Porto Real de Colégio, Traipu,
Delmiro Gouveia e, finalmente, Arapiraca, onde permaneceu até a morte,
tendo sido sempre transferido por conta de perseguição decorrente das
alternâncias das facções oligárquicas no poder estadual ou municipal com as
quais não concordava politicamente.
Em 1943, precisamente no dia 1º de março, o Professor Pedro Reis
funda o Colégio São Luís, assim denominado, para homenagear seu pai, Luís
de França Reis, conhecido como mestre Luís, ou, simplesmente, evocando o
16
Somente na década de 1960, no governo estadual do Major Luís Cavalcante, foi nomeada
a professora Lizete França que, por ser de Penedo, não tinha relação direta com nenhuma
das facções políticas de Arapiraca. Isso contribuiu com o melhor desempenho nas atividades
escolares desenvolvidas pelo corpo docente do Grupo Escolar Adriano Jorge.
81
protetor dos professores, São Luís. Sem prédio próprio, a escola instalou-se
num salão localizado na Praça Marques da Silva, depois se mudou para a
própria residência do professor Pedro Reis, na Rua Estudante José de
Oliveira Leite, e somente após dez anos de fundado, ocupou sua sede
própria, construída na mesma rua. Em 1945, com o compromisso de registrar
a escola no Departamento de Educação do Estado de Alagoas ficou decidido
que o estabelecimento de ensino seria registrado como Instituto, o que
significa estabelecimento de pesquisa científica ou de ensino. O Decreto
Estadual de nº 2.225, de 30 de dezembro de 1936, autorizaria o
funcionamento da escola. No entanto, o Professor Pedro Reis não poderia
assumir a direção porque, sendo funcionário público, estava proibido de
acumular, ainda que uma função de natureza privada, segundo a legislação
em vigor. Manoel de Oliveira Barbosa, por ter sido aluno exemplar de Pedro
Reis no Adriano Jorge é quem, convidado para desenvolver o ensino no
Instituto, no momento do registro foi indicado para assumir a direção com
menos de dezessete anos. O Diretor de Educação do Estado de Alagoas era
ainda o padre Luiz Medeiros Neto que cedeu um certificado que garantia o
registro do professor Manoel como diretor do Instituto, cujo teor segue
transcrito:
CERTIFICADO Nº 157
Certifico que Manoel de Oliveira Barbosa se acha devidamente
registrado na Diretoria de Educação, como professor particular da
Instrução Primária da cidade de Arapiraca, município do mesmo
nome, de acordo com o artigo 78, letras a, b e c do Decreto 2.225,
de 03 Dezembro de1936, às folhas 84 do livro nº I.
Dessa forma, o Instituto passava a ampliar suas atividades,
conquistando a confiança da população do município de Arapiraca e
vizinhança. A matrícula inicial foi de vinte e seis alunos no vespertino e
quinze no noturno, tendo sido esse turno criado para atender aos jovens que
já haviam ingressado no mercado de trabalho e não tinham concluída sua
escolaridade, por sinal muito restrita em Arapiraca, como se pode ver pelos
dados da Tabela 01. Eram pessoas que podiam pagar a mensalidade, tinham
interesse em estudar, mas, estavam impedidos de freqüentar as aulas
durante o dia. Essa era uma escola de cunho particular, o que significa dizer
82
que, mais uma vez, a classe trabalhadora ficava de fora do processo de
escolarização desenvolvido em Arapiraca.
A prática pedagógica daquela escola, consoante com a educação
dominante no país, era de cunho tradicional, no que pesem os movimentos
de
modernização
pedagógica
que,
desde fins
do
Século XIX,
já
despontavam, aqui e ali, por todo o país. No Instituto São Luís o aluno
deveria aprender por práticas rigorosas através dos castigos físicos, em que
a palmatória era o instrumento mais usado para impor a disciplina e, quando
necessário, também a aprendizagem. Para muitos pais, o Instituto fazia
milagres com seus critérios. A formação moral e religiosa também era
prioridade nessa escola, criada e dirigida por um vocacionado para o
ministério religioso. Afinal, Pedro Reis pensara em ser padre, não tendo
logrado seu intento porque as condições financeiras o impediram.
A forma como se dava o ensino no Instituto atraía muitos alunos de
outros municípios e, por isso, foi criado o regime de internato que funcionou
de 1944 até 1965. Os internos, todos do sexo masculino, vindos de cidades
vizinhas, moravam na residência do Diretor da escola e freqüentavam as
aulas normalmente. Nos finais de semana podiam passar com a família, caso
conseguissem boas notas de aproveitamento e comportamento. Do contrário,
permaneciam aos sábados e domingos fazendo “banca”, o que significava
estudos isolados e obrigatórios. Quando o professor Pedro Reis decidiu
acabar com o regime de internato, um dos professores do Instituto resolveu
acolher esses alunos em sua residência por mais alguns anos, até 1965,
quando já era pequeno o número de internos. Os meios de transportes
tinham evoluído e as rodovias passaram a ligar as cidades da região a
Arapiraca, tornando fácil o seu acesso diário, o que, inclusive, tornaria a
cidade um pólo regional de atração graças ao seu desenvolvimento
econômico. Dessa forma, aqueles que residiam em cidades próximas podiam
se deslocar todos os dias para chegar no horário certo ao Instituto.
Com o curso pré-primário, o primário e mais um curso de Datilografia
criado no segundo ano de funcionamento, o Instituto preparava os alunos
para se submeterem ao exame de admissão ao Ginásio e muitos alunos,
83
como podiam pagar para estudar, passaram a discriminar os alunos do
Adriano Jorge com versinhos a eles direcionados do tipo:
Grupo Escolar,
Candieiro, Caçuá,
Severina toca o sino
pra mundiça se espalhar.
Ofendidos, os alunos da escola pública respondiam:
Instituto São Luiz,
arranca toco sem raiz.
Esse antagonismo também aparecia nos desfiles, realizados nas
festas patrióticas que se constituíam como elementos fundamentais para a
construção de uma nação forte e civilizada. Na cidade de Arapiraca,
comemorada a sua emancipação no dia 30 de outubro, que tinha como ponto
máximo o desfile cívico-estudantil, cada escola procurava se destacar com
seus uniformes, apresentando alegorias, de modo que atraísse as atenções
do grande número de pessoas que ficavam nas ruas aplaudindo o ponto
culminante da festa maior da cidade.
A faixa etária dos estudantes do Instituto variava entre 07 e 18 anos,
mas muitos jovens que tinham vontade de ingressar nessa escola eram
impedidos, quer pela questão financeira, quer por princípios morais de
algumas famílias que defendiam uma educação separada, para meninos e
para meninas. O Educandário era misto, mas nos exames de final de ano,
havia uma ata para meninos e outra para meninas.
A disciplina era rigorosa, começando pelo uso obrigatório do
fardamento: para os meninos, exigia-se calça e camisa cáqui e gravata com
detalhe em azul, enquanto para as meninas era obrigatório o uso de blusa
branca de mangas compridas e saia grená, de pregas. O som de uma
campainha orientava os alunos a entrarem em fila para ocupar seus lugares
na sala de aula, sair e voltar nos intervalos e, finalmente, deixar a escola no
término do turno. Para tudo havia ordem, inclusive na hora de apropriar-se do
seu meio de transporte mais freqüente, que era a bicicleta. O pátio da escola
84
ficava lotado, já que muitos alunos moravam em sítios distantes e não havia
nessa época transportes coletivos.
Na sala de aula, a leitura, a tabuada, o ditado eram usados como
práticas prioritárias. O uso de caligrafia era freqüente em todas as séries. Em
português, o aluno da terceira série devia conhecer o sujeito das orações e
seus predicados, provando isso ao seu professor, para, então, ser aprovado
para a série seguinte. A tabuada de multiplicar e dividir era decorada e
respondida sem muito tempo para pensar.
Concordando com essa prática, muitos ex-alunos do Instituto
consideram de grande importância a formação recebida naquela instituição
de ensino, a exemplo de J. P.N, que, numa entrevista concedida a José Maria
de Vasconcelos, o qual analisava a trajetória do Instituto São Luís para
elaborar um trabalho a ser apresentado ao Curso de Pós Graduação em
Ciências Humanas da FUNESA, assim declarou:
passei a estudar no Instituto São Luís em 1955. Fiz naquele ano o
terceiro ano primário. E que primário. Sob a batuta do professor
Adalberto Ribeiro Lima, o maior mestre que conheci, aprendi a ler
e escrever corretamente, análise lógica, as operações
fundamentais, frações ordinárias e decimais, problemas de
números inteiros e fracionários. Estava naquela altura preparado
para a vida. Em 1957 prestei exame de admissão ao ginásio e com
a segurança de um primário bem feito a aprovação foi tranqüila
entre os primeiros.
Outra declaração de reconhecimento de excelência do ensino
desenvolvido no Instituto foi a de J.E.S. em entrevista dada para elaboração
desse trabalho:
No Instituto São Luís eu aprendi tudo que foi necessário para fazer
um bom ginásio, pedagógico e até mesmo a faculdade. Lá eu
aprendi a escrever corretamente, melhorei minha letra com o uso
da caligrafia e na matemática não tenho inveja de nenhum
matemático para desenvolver cálculos. Devo tudo isso ao Instituto.
O curso de datilografia que o Instituto ofereceu durante alguns anos
conferiu diploma a muitos jovens arapiraquenses que conseguiram êxito nos
concursos para bancários em que se exigia a datilografia como matéria
eliminatória. A prática pedagógica do Instituto São Luís não era, porém,
apenas repressora, era também compensadora: o aluno que se destacava
com boas notas ia para um quadro de honra, exibido no encerramento das
85
aulas com entrega de certificados com a presença dos pais e das autoridades
locais. Dessa forma, essa escola que prevaleceu em Arapiraca durante quase
meio século e muito contribuiu para a formação de incontáveis jovens
daquela cidade e de outros municípios, em 1991, como muitas outras escolas
particulares no Brasil inteiro, entrou em dificuldades e o então Diretor,
Professor Manoel de Oliveira Barbosa, resolveu encerrar as suas atividades
escolares e passar para um Grupo de professoras da cidade a
responsabilidade de manter o instituto.
As duas escolas criadas na década de 40, uma estadual e a outra
particular, ofereciam apenas o ensino de primeira à quarta série, de modo
que, em Arapiraca, só vai haver o curso ginasial na década de 1950. Foi na
administração do Dr. Coaracy da Mata Fonseca (1951-1955) como prefeito,
que foi fundado o Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho. Essa escola da
Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CENEG) foi criada com o
apoio do Cônego Teófanes Augusto de Barros que, na época, dirigia o
Colégio Guido de Fontgalland, na capital alagoana.
As escolas da CENEG, depois CENEC (Campanha Nacional de
Escolas da Comunidade), como o próprio nome indicava, eram de cunho
comunitário e gratuito, formada por uma sociedade sem fins lucrativos,
visando à educação e assistência aos estudantes menos favorecidos. A
expansão de escolas secundárias ocorridas, sobretudo, nas regiões Sudeste
e Sul do Brasil, a partir de 1920, somente tornou-se realidade em Alagoas,
entre os anos de 1940 e 1950, dado o forte impulso da Campanha Nacional
dos Educandários Gratuitos, fundada em 1943. Em vez de política pública de
governo, foi resultado de esforço comunitário que está a demandar estudos,
em vista das características da sociedade alagoana, pouco afeita a
empreendimentos dessa natureza.
Em Arapiraca, instalou-se a Escola da Campanha Nacional dos
Educandários Gratuitos, precisamente em 1951, destinada a atender os filhos
de trabalhadores, por se caracterizar pelo princípio da gratuidade. No
entanto, sem condições de funcionamento, logo passou a cobrar taxas e
mensalidades, o que levou a escola a receber alunos pagantes e não
pagantes, ficando bem claro a que tipo de aluno podia atender, tornando-se,
86
assim, uma instituição voltada para um grupo restrito. Como as demais
escolas já existentes em Arapiraca, nasceria mista e assim permaneceria.
A escola da Campanha instalada em Arapiraca, devido à ausência de
prédio próprio, passou a funcionar, por decisão do então governador do
Estado, Arnon de Melo (1951-1955), no prédio do Grupo Escolar Adriano
Jorge e, em seguida, no prédio da Câmara Municipal. Na implantação dessa
escola destacou-se a figura do padre Epitácio Rodrigues que, segundo as
palavras de GUEDES (1999), além de tomar parte da sua fundação, tornouse professor do colégio, influindo na formação religiosa dos estudantes
daquela instituição escolar cujo nome, tal qual a escola do Prof. Pedro Reis,
embora laica, trazia como denominação o nome de um santo católico, na
verdade da própria mãe de Cristo, fundador do credo em questão.
Após quatro anos de funcionamento, o Prefeito da cidade, que fora um
dos fundadores da escola da Campanha e seu primeiro diretor, doou um
terreno da Prefeitura e toda a estrutura inicial para a construção do prédio
próprio, ficando bem clara, mais uma vez, a ausência de distinção entre o
público e o privado na história da Educação alagoana, já que a escola abrira
mão de seu caráter comunitário e gratuito desde seus começos, começara a
funcionar em dois prédios públicos, e findara tendo seu próprio prédio às
custas do erário.
Funcionando em prédio próprio, a escola, que iniciara com quatro
salas, teve suas atividades ampliadas. Analisando a participação da
sociedade arapiraquense nessa Instituição de ensino, percebemos a pouca
presença da escola na sua relação com os trabalhadores da região e seus
filhos. Pela ausência de registro, não pude verificar a matrícula inicial, mas
constatei que, em 1954, ano de conclusão da primeira turma, apenas 07
alunos concluíram o curso ginasial. Isso nos leva a deduzir que, como o
ensino, que inicialmente seria gratuito, com a pretensão de atender a uma
camada menos favorecida, a partir do momento que passou a cobrar,
começou a privilegiar um grupo bem restrito e num sentido bem determinado.
É que, sendo a gratuidade ainda possível, a condição de aluno não pagante
ou com pagamento reduzido passou a ser um privilégio, uma dádiva cujo
preço seria a lealdade e a reciprocidade expressas, sobretudo, nos períodos
87
eleitorais. Funcionava, assim, o velho filtro que, em Alagoas, segundo
VERÇOSA (1997) tende a redefinir, sob uma mesma lógica privatista, tudo o
que tem caráter publicizante e comunitário.
A partir de 1955, essa escola introduziu os cursos técnico comercial,
científico e normal, atendendo aos alunos com padrões econômicos
diferenciados da maioria da população de Arapiraca. Poucos tinham
condições de concluir esses cursos e ingressar em cursos superiores já
existentes na capital alagoana. Percebemos que o grupo que se destacava
política e economicamente não priorizava o ensino público para as camadas
menos favorecidas. Nesse período, como diz Verçosa (1997, p. 179), “o
crescimento urbano tinha se acelerado bem mais, alterando significantemente
o perfil da distribuição da população de Alagoas”. Arapiraca se apresentava,
assim, na década de 50, como uma das cidades mais importantes do Estado,
e muitas famílias beneficiadas pela cultura fumageira mudavam-se para a
cidade a fim de proporcionar aos seus filhos, oportunidades de se instruir. As
escolas até então existentes em Arapiraca eram mistas, o que não era visto
com bons olhos por muitas famílias de mentalidade ainda muito tradicional
que desejavam uma escola secundária exclusivamente feminina.
Com a interferência de Irmã Luzinete Ribeiro de Magalhães e com a
ajuda do padre Epitácio Rodrigues, as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras,
oriundas de Portugal e com um estabelecimento escolar já em Alagoas, na
cidade de Penedo, fundariam então, em Arapiraca, o Educandário São
Francisco de Assis (hoje colégio S. Francisco de Assis), voltado para a
formação moral e cristã católica das jovens arapiraquenses. Conseguia-se,
assim, uma escola exclusiva para as meninas, atendendo aos anseios de um
restrito segmento daquela sociedade. Àquela altura já era bem mais amplo o
número de pessoas em condições de investir na educação de suas filhas e,
para elas, a escola mista não atendia os anseios de quem priorizava uma
formação católica que preparasse as moças para a prática das virtudes
cristãs recomendáveis a uma moça “de família”, como se costumava dizer. A
obediência, os bons modos e a preparação para boas e prendadas donas de
casa exigiam a iniciativa que acabava de se completar.
88
O novo Colégio passou a funcionar no prédio do Grupo Escolar
Estadual Aurino Maciel, criado para atender à demanda que não era suprida
pelo Adriano Jorge, segundo ato de cessão do então governador do Estado
de Alagoas. Mais uma vez, o público cede espaço ao privado. Constatamos
que, além do atraso na construção de prédios para o funcionamento de
escolas em Arapiraca, quando estes eram construídos, eram cedidos para as
escolas particulares, prejudicando as atividades destinadas aos filhos de
trabalhadores. A criação de uma escola para meninas e moças em Arapiraca
coincide com a expansão econômica daquele município, graças ao
crescimento significativo da cultura fumageira.
Muitas famílias arapiraquenses, como em todo o Brasil, não se
conformavam, ainda pelos idos anos de 1950 e 1960, com a educação mista,
pois, apesar das mudanças advindas com a maior urbanização do país e a
abertura deste para o mundo, sobretudo graças aos meios de comunicação,
às mulheres eram ainda estabelecidos os lugares que deviam freqüentar, as
tarefas que podiam assumir e comportamentos a que deviam adequar-se. As
meninas da cidade tinham uma forma de viver, diferente daquelas que
moravam na zona rural; enquanto as primeiras já usavam a bicicleta como
meio de transporte, e freqüentavam o cinema, pois nessa época já se
inaugurara o Cine Trianon, que exibia filmes todas as noites e nos finais de
semana oferecia matinê para a criançada e toda a juventude, as meninas da
zona rural eram impedidas desses lazeres, só assistindo aos filmes religiosos
como Marcelino Pão e Vinho, a história de Santa Maria Gorete ou a Paixão
de Cristo, mesmo assim acompanhadas dos pais. Foi nessa realidade,
marcada pelo patriarcalismo, pelas forças coercitivas e conservadoras
preocupadas em manter o status quo de uma camada social e sua primazia,
que os grupos dominantes locais buscaram instalar em Arapiraca o
Educandário São Francisco de Assis. Este chegou com o compromisso de
ofertar um ensino exclusivo para meninas das camadas mais favorecidas, já
que era uma instituição que desenvolveria o ensino pago. A razão central da
criação dessa instituição foi demarcar, pela cultura letrada e por outras
habilidades próprias dos grupos social e economicamente privilegiados, o seu
89
lugar social e cultural em relação aos grupos constituídos de trabalhadores
manuais, que eram a maioria daquela sociedade.
A cultura humanística cristã e de salão desenvolvida pelas irmãs
franciscanas naquele Educandário, tornava-se, assim, um patrimônio dos
mais ricos, sendo um traço distintivo de civilidade acessível a uma minoria. A
filosofia pedagógica proclamada pelo Educandário que se estabeleceu em
Arapiraca, fundava-se no princípio anunciado da educação
como um processo dinâmico e permanente capaz de conduzir o
aluno a uma realização humana e a identificar-se como Homem
Novo, na sua tríplice relação, com Deus, com o outro e com o
mundo. (PINHEIRO, 1997, p.10)
Isso queria significar uma educação centrada na fraternidade e na
justiça – entenda-se caritativa e misericordiosa -, como missão cristã
transformadora da sociedade, capaz de testemunhar o espírito franciscano,
caracterizado pela hospitalidade, pelo serviço, pelo espírito de família, pela
simplicidade, pela alegria e pela contemplação. Essa era a ideologia
pedagógica proclamada e praticada pelas irmãs portuguesas que se
estabeleceram no Brasil com a finalidade de educar e que se destacaram em
Alagoas, primeiro na cidade de Penedo, ainda nos idos dos anos de 1910, e
agora, finalmente, em Arapiraca. Seus ideais proclamados estavam
vinculados aos de São Francisco de Assis e elas estavam comprometidas,
nas suas vidas pessoais, além da pobreza, com a obediência e a castidade
na forma de votos.
As ordens religiosas femininas chegaram ao Brasil atuando primeiro
com a abertura de instituições que atendiam às moças interessadas em
ingressar na vida religiosa. Só bem mais tarde vão se expandindo através de
casas de ensino. A Congregação a que pertenciam as irmãs que se
instalaram
em
Arapiraca,
a
Congregação
das
Irmãs
Franciscanas
Hospitaleiras da Imaculada Conceição, (CONFHIC) foi fundada em Portugal
pela Madre Maria Clara, com o lema: “onde houver o bem a fazer, que se
faça.” Expandindo-se por diversos países europeus, estendendo-se pela
Ásia, África, América do Norte e América do Sul, desenvolveu e ainda
desenvolve um trabalho de cunho social em asilos, casas de retiro, hospitais,
paróquias, colégios e creches, pelo mundo afora. Segundo informações de
90
Pinheiro (1997), a chegada desse instituto religioso no Brasil data de 1911,
com a instalação da sua sede em Salvador, seguindo mais tarde para o Rio
Grande do Norte, Sergipe, Rio de Janeiro, Distrito Federal e também
Alagoas.
No início, as candidatas a essa congregação religiosa aqui no Brasil
procuravam o Convento Sagrada Família em Salvador e, depois de um tempo
de adaptação, faziam os votos evangélicos, passando a se vestir de uma
túnica branca, um cordão na cintura e uma touca na cabeça, renunciando
assim a qualquer tipo de luxo - era a prática do voto de pobreza; trocavam de
nome como prova de que estavam abolindo todo e qualquer apego mundano
e material e, a partir daí, aguardavam os desígnios da Superiora sem
questionar - era o princípio do exercício do voto de obediência. Sendo
celibatárias, entregues a Cristo e a sua Igreja, punham em prática o terceiro
voto que expressava sua vida consagrada – era o voto de castidade.
Foi dentro dessa mística – sobretudo seguindo o voto de obediência que as quatro primeiras irmãs franciscanas, Irmã Maria Helena, Irmã Branca,
Irmã Débora e Irmã Rita foram designadas a fundar, em Arapiraca, a escola
para as meninas. O anseio de famílias da elite arapiraquense e das classes
médias fora contemplado, não somente graças à influência do pároco da
cidade, Monsenhor Epitácio Rodrigues, mas pelo apoio do então Bispo
Diocesano de Penedo, D. Felício de Vasconcelos, a cuja diocese pertencia
Arapiraca e onde as irmãs já se encontravam estabelecidas.
Desse modo, no dia 25 de fevereiro de 1956, às 10 horas da manhã,
chega em Arapiraca a comunidade educativa religiosa que vinha para cuidar
da educação das “meninas de família” de Arapiraca. Em outros tempos,
diríamos que era para cuidar das “filhas dos homens bons” daquela
sociedade, mas estamos há mais de 60 anos do Império e essa denominação
não cabia mais. O acolhimento das irmãs foi caloroso, com Banda de Música
tocando, foguetes espocando, ruas enfeitadas de arcos de palmeiras e muita
festa. Esse é o testemunho de muitos moradores que vivenciaram esse
momento.
91
É, pois, na administração do Prefeito João Lúcio da Silva (1956-1961),
que a sociedade arapiraquense recebe o Educandário que se destinava à
educação feminina, para cultivar no íntimo das meninas e moças, a par da
cultura letrada e das prendas do lar, a docilidade e a obediência,
características próprias das mulheres em uma sociedade patriarcal. De início,
as irmãs franciscanas ocuparam, como já dito, um Grupo Escolar que fora
construído pelo Estado para atender, sobretudo, aos filhos de trabalhadores
no ensino primário. Percebemos, aí, o público cedendo lugar ao privado – o
que não seria a primeira, nem a última vez, em Alagoas, cumprindo-se o que
esclarece Martins (1994, p.22), quando diz que “no Brasil a distinção entre
público e privado nunca chegou a se constituir na consciência popular como
distinção de direitos relativos à pessoa, ao cidadão.” Por isso mesmo, sem
maiores traumas políticos, as atividades que deveriam favorecer às camadas
menos favorecidas, eram interrompidas para ceder lugar aos privilegiados.
No primeiro ano de funcionamento, o Educandário São Francisco de
Assis – como foi chamado o novo instituto - contava apenas com os trabalhos
das quatro irmãs fundadoras: uma delas - a Madre Maria Helena - exercia a
função administrativa, sendo, segundo depoimentos colhidos de estudantes e
famílias contemporâneas, respeitada por todos pela sua sabedoria e pelo
jeito de conduzir os desafios provenientes da falta de estrutura para o
funcionamento da escola. Uma outra irmã cuidava da educação infantil que
teve, logo no primeiro ano de funcionamento, grande preferência; uma
terceira freira cuidava dos trabalhos domésticos, restando apenas uma para
atender à primeira, segunda e terceira séries. Logo se percebe a necessidade
da cooperação da sociedade que se propôs a contribuir com o ensino nesse
estabelecimento. Assim, muitas moças já qualificadas para o magistério
contribuíram nas atividades escolares no Educandário São Francisco de
Assis. As franciscanas de Arapiraca, nos seus primórdios, viviam de doações.
Desse modo, um grupo de senhoras das classes mais abastadas ficaram
encarregadas de assistir a essa comunidade religiosa de forma que as
doações chegassem a tempo.
O Grupo Escolar Aurino Maciel, para que as Irmãs se instalassem, foi
dividido em vários compartimentos que se destinavam às diversas funções
92
educativas e conventuais: salas de aula, secretaria, pátio para recreio, além
de ambientes para acomodar as irmãs, a saber: dormitório, refeitório, cozinha
e, evidentemente, também capela. A escola começou com cinco turmas, indo
da primeira à quarta série, e mais uma turma de educação infantil. Além das
filhas das famílias arapiraquenses, logo o Educandário recebia também
meninas vindas de cidades vizinhas, provenientes de famílias com posses e
que defendiam para suas filhas uma educação moral e religiosa, centrada na
formação para a vida de uma boa dona de casa.
No dia primeiro de março do ano de sua implantação iniciam-se as
aulas no Educandário que, segundo o estabelecido pela Congregação das
Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC),
procurava desenvolver um ensino dentro da pedagogia do amor e do
acolhimento, significando uma comunidade educativa em que professores,
estudantes e pais seriam todos chamados a uma participação ativa e
responsável. Dessa forma, tinha início o processo educacional em Arapiraca,
destinado exclusivamente às meninas, quando em lugares mais adiantados já
se cogitava e mesmo praticava a co-educação.
Embora esse sistema de ensino surgisse com uma característica de
escolarização predominantemente voltada para a elite, por conta das
condições em que era implantado, contudo, algumas filhas de trabalhadores
– ainda que em minoria - a ele logo começaram a ter acesso: umas, por
pertencerem a famílias de religiosas, pelo fato de muitas moças
arapiraquenses já terem ingressado na Congregação franciscana por
influência do processo de escolarização desenvolvido naquele município
desde o início de seu povoamento; outras, pelo exercício do espírito caritativo
ditado pela mística franciscana que, no entanto, exigia delas a contrapartida
do trabalho doméstico. Era, na prática, um ensino centrado nos princípios da
religião católica que potenciava e moldava “as peculiaridades mentais e
espirituais adquiridas no meio ambiente, especial do tipo de educação
favorecido pela atmosfera religiosa da família.” (WEBER, 2005, p. 39)
No acolhimento das meninas de famílias menos favorecidas, sem
condições de pagar as altas mensalidades, para entrar no Educandário
muitas se diziam vocacionadas ao ingresso na congregação das irmãs, tendo
93
assim acesso ao ensino oferecido pela escola e, em troca, assumindo os
trabalhos domésticos, já que não havia serviçais contratados para a limpeza.
Eram conhecidas como as “meninas da casa”, vivendo em regime de
internato. Claro que qualquer paralelo com as chamadas “crias da casa” do
período escravista pode não ser mera coincidência. Como se sabe pela
história da Igreja Católica – e não somente no Brasil - esta relação de poder e
subserviência entre as abrigadas pelos conventos se manteve desde a
fundação dos primeiros conventos femininos. Em razão dos preceitos de
muitas dessas instituições não aceitarem escravos para serviços subalternos,
as superioras aproveitavam aquelas que ingressavam no convento, oriundas
de famílias pobres, para condicionar sua permanência à realização das
tarefas domésticas. Se viessem a tomar o hábito – quase sempre diverso das
professas com alto nível social ou de escolarização – teriam o consolo de
serem chamadas irmãs e adeptas do carisma dos fundadores ou das
fundadoras.
Voltando ao funcionamento do educandário, constatamos que no seu
primeiro ano matricularam-se 77 alunas, excluindo-se o curso infantil, cujos
dados não constam dos registros. Percebemos que, àquela altura, já era
elevado o número dos “novos ricos” em Arapiraca com o progresso da cultura
fumageira, ou seja, já era grande o número de famílias que se sentiam
privilegiadas, podendo investir em bens e serviços, inclusive em educação
adequada de suas próprias filhas.
Porém,
mesmo
considerando
o
enriquecimento
relativamente
acelerado dos fumicultores de Arapiraca na época em que se estabelece aí o
Educandário São Francisco, as mensalidades cobradas por ele eram
consideradas elevadas para uma comunidade onde a grande maioria era
constituída de trabalhadores que viviam da agricultura, consoante com o que
ocorria em todo estado alagoano, perdurando pela República afora. Se não
percebemos, em Arapiraca, o predomínio de latifúndios, mas de minifúndios,
mesmo assim o que prevalecia e ainda prevalece naquele município é uma
atividade agrícola concentrada em dois produtos, primeiramente no cultivo da
mandioca e mais tarde na cultura fumageira, o que, embora tenha
proporcionado muita riqueza, elevando a cidade, nos anos de 1960, à
94
segunda do Estado, no entanto teve sua principal cultura em termos de
produção de valor – o fumo – voltada para exportação como matéria prima,
secundada pela mandioca, pobre em valor agregado e dirigida a um mercado
interno empobrecido ou à exportação para outros estados da federação e
para o exterior, o que limita a distribuição da renda, enquanto se vê refém das
oscilações de preços ditados de fora para dentro .
Assim, com muitas famílias não tão ricas, a ponto de dispor de meios
para manter, com certa folga, as suas filhas junto às meninas das famílias
mais abastadas, para um bom número de pais não era apenas a mensalidade
que pesava para custear os estudos das estudantes do Educandário São
Francisco, mas o fardamento e o material escolar também representavam um
grande gasto: a direção da escola exigia que, no início do ano, a estudante já
apresentasse dois fardamentos - um para a diária e outro para os dias
festivos, esta a chamada farda de gala. Ambas deveriam ser envergadas
impecáveis, padronizadas. O tecido era escolhido pelas irmãs em
determinada loja e o modelo era orientado pelas próprias freiras que
formavam a nova escola. Saia de pregas, de tropical azul-marinho, blusa de
fustão branco de mangas curtas, uma gravata da cor da saia, sapatos pretos
e meias brancas para a diária, enquanto para a farda de gala eram exigidos
uma blusa de cambraia de mangas compridas, um chapéu padronizado, o
que significa dizer, confeccionado no local indicado, podendo-se usar a
mesma saia, a mesma gravata e o mesmo sapato da diária, desde que
estivessem bem conservados.
O material escolar, ou seja, os livros e os cadernos deveriam ser
cobertos de papel madeira, constando o nome da escola e da aluna. Para
todas essas exigências havia cobranças como regras de disciplina. Afinal,
sem ordem não há virtude e essa era uma das finalidades principais da
pedagogia do Educandário São Francisco.
As irmãs franciscanas, desenvolvendo uma educação humanística
cristã capaz de promover uma formação moral e religiosa que as famílias
esperavam, usavam de mecanismos que as tornam respeitadas por alunas e
pais, de forma que as orientações recebidas na escola influenciavam
diretamente as famílias. O que significa dizer que a educação dada pelas
95
irmãs franciscanas ordenava indiretamente o conjunto dos grupos sociais aos
quais pertenciam as meninas. As famílias inseriam-se nas atividades do
Educandário, participando de festas, encontros, ajudando nos afazeres
domésticos e fazendo companhia para as irmãs que ficavam muito sozinhas,
principalmente à noite17.
O sistema de internato para moças em Arapiraca iniciou logo nos
primeiros anos de funcionamento da escola das irmãs franciscanas, por
solicitação das famílias, principalmente do sertão alagoano, como dos
municípios de Batalha, Jacaré dos Homens, Santana do Ipanema, Major
Isidoro e outros. Os pais que conseguiam uma vaga no internato para sua
filha no Educandário São Francisco de Arapiraca, sentiam-se tranqüilos com
relação à sua educação e seu futuro. Afinal, “os católicos pretendiam uma
ordem em que a família, o Estado, a economia, a política e os costumes
tivessem por base o Evangelho” (BARROS et al., 2001, p. 111). Mas, nem
sempre a mesma tranqüilidade ocorria por parte das moças que não se
ajustavam às normas estabelecidas pelas irmãs. Mas, isso ficava por conta
da força moral das irmãs, do peso da família e da coerção social presente e
com todo o vigor da época, na sociedade em que viviam.
Um ano após a instalação na cidade de Arapiraca, as irmãs logo se
empenharam na construção de um prédio próprio para seu empreendimento.
O Monsenhor Epitácio Rodrigues, aliado a diversos fumicultores e
comerciantes de Arapiraca, fez a doação de um terreno localizado próximo ao
prédio onde funcionava o “colégio das irmãs”, ampliando as esperanças da
realização de um sonho compartilhado entre irmãs franciscanas e a elite e
setores da classe média arapiraquense e região circunvizinha. A partir daí,
todo o esforço estava direcionado para a construção do prédio. As famílias
católicas de Arapiraca e municípios vizinhos não mediam esforços em
contribuir. Como demonstram Hunt & Sherman (1994), nesse caso a própria
17
Como a energia elétrica da cidade só funcionava até às 22 horas, a cidade ficava muito
deserta e o prédio onde se instalara o Educandário, no bairro Capiatã, ficava um pouco
isolado. Por isso ficou acordado entre as irmãs franciscanas e os moradores do bairro que
qualquer urgência surgida na calada da noite seria anunciada pelo toque do sino usado para
convocar as alunas internas para as atividades como refeições, orações, participação da
Santa Missa, etc.
96
tradição católica não seguia a premissa máxima evangélica contida em
Lucas, da condenação das riquezas, preferindo o uso correto dessa riqueza,
o que significava auxílio mútuo, ajuda, esmolas e colaboração para a
consecução de tão meritórios propósitos.
No mesmo ano, incentivada pelos pais das alunas, a Irmã Diretora do
colégio criou o curso Normal Rural com a finalidade de preparar moças para
desenvolver o ensino na zona rural onde predominavam as escolas isoladas.
Com a criação de mais um curso, amplia-se o número de alunas no colégio.
Constatamos, no entanto, que o ensino continua restrito a um grupo muito
pequeno, já que, além da necessidade do pagamento de anuidades, o
ingresso ao Curso Normal se dava através do exame de admissão, o que
dificultava ainda mais a entrada de alunas oriundas das escolas isoladas que
formavam a maioria das filhas de trabalhadores.
Com um número maior de estudantes, o colégio procurava
desenvolver atividades que conjugassem o desenvolvimento das alunas, a
divulgação
das atividades das franciscanas em
Arapiraca e
auto-
sustentabilidade financeira da escola. Para isso, ensaiavam com as meninas
peças teatrais, jograis, para serem apresentados na cidade e nos municípios
vizinhos. As apresentações aconteciam em ambientes fechados, sendo
cobrados ingressos para que o dinheiro fosse revertido para a construção do
prédio. No final do ano formava-se o Pastoril, dança típica natalina, com dois
cordões: vermelho e azul. Era uma verdadeira disputa entre os pais das
pastorinhas. Quem tinha filha dançando no azul, torcia por este cordão e
quem tinha sua filha no cordão vermelho, era seu partidário. O lucro era para
o colégio, que conseguia um bom dinheiro. Outra atividade rentável era a
festa de São Francisco de Assis, patrono do Colégio: eram nove noites de
festa com Zabumba, conjunto formado por um tocador de pífano, um tambor
e pratos, fogos e leilões. Cada noite era representada por um, dois ou mais
noiteiros responsáveis pelas atrações da noite, principalmente o leilão. Era
uma grande competição entre os diversos noiteiros, o que contribuía com
maior volume de lucro, destinado aos trabalhos da construção.
As atividades de lazer também tinham seu destaque, inclusive
pequenas viagens - eram passeios como prêmios para incentivar as meninas.
97
Infelizmente, o final da década de 1950 foi marcado por uma tragédia.
Presente de final de ano, uma viagem à praia. Os pais, felizes por ver o
resultado positivo de suas filhas, autorizam. No final do banho de mar,
segundo testemunho de ex-alunas que participaram da viagem, “o mar
formou bacias e arrastou as meninas.” Os pescadores que estavam por perto
tentaram ajudar, mas não evitaram que sete delas perdessem a vida. Isto
marcou muito a vida das religiosas sem, no entanto, destruir o zelo que
tiveram pela educação intelectual e moral daquelas que lhes foram confiadas
e abalar a confiança e a respeitabilidade de que desfrutavam. A dor foi
partilhada por todo o povo de Arapiraca com muita resignação e a escola
seguiu seu curso, fiel aos seus princípios.
Percebemos que a ética paternalista cristã católica permeava,
sobretudo aqui, de um modo todo especial, a ação pedagógica desenvolvida
no ensino do Educandário São Francisco de Assis, em que as irmãs
franciscanas não estavam apenas preocupadas em ministrar as disciplinas
curriculares, mas, sobretudo, os fundamentos cristãos católicos, favorecendo
uma educação moral religiosa, capaz de atender aos anseios de uma elite
rural predisposta a manter princípios e valores vigentes.
Dentro dessa prática pedagógica, as irmãs franciscanas procuravam
promover a educação das meninas confiadas ao seu papel de educadoras,
numa concepção patrimonialista vigente, de uma sociedade patriarcal onde
aquele que fosse honrado e tivesse prosperado pela graça de Deus deveria
administrar seus bens em favor do bem-estar de seus semelhantes. Isto
significa
dizer
que
as
irmãs
franciscanas
privilegiadas
por
uma
“superioridade” atribuída pelas famílias arapiraquenses e circunvizinhas,
sentiam-se na obrigação de cuidar de suas alunas de uma forma paternalista,
velando pelo exercício das virtudes cristãs.
Assim, para fortalecer a formação religiosa naquela comunidade, Dom
Felício de Vasconcelos, instalou o Santíssimo Sacramento na capelinha
improvisada no Grupo Escolar, já nos primórdios do educandário. Para
Magalhães Júnior, (2002, p.77):
as Congregações religiosas que ainda hoje se dedicam à educação
possuem ideais bem definidos, materializados em suas práticas
98
cotidianas que devem ser cultuadas e exercidas com uma fidelidade
inquestionável de aprimoramento do espírito, a purificação e a
salvação, já que se trata de ações que estão no plano de salvação.
Era, pois, nessa capela que as meninas internas se reuniam em
horário determinado, para rezar o terço, fazer meditações e, junto aos
moradores do bairro, participar da Santa Missa aos domingos.
A Religião era considerada uma disciplina, ao lado da História, da
Geografia, Português, Aritmética e Ciências, mas, havia, separadamente, nos
finais de semana, aulas de catecismo destinadas, sobretudo, à preparação
para a Primeira Comunhão. O capelão, Monsenhor Epitácio Rodrigues, o
mesmo que interferira para a criação do Educandário, sucedido mais tarde
pelo padre Jéferson de Carvalho e, em seguida, pelo padre Antônio Lima,
ambos professores colaboradores, davam assistência religiosa e orientação
espiritual àquela comunidade.
Nos dois primeiros anos de funcionamento da escola franciscana, as
irmãs promoviam momentos de reflexão para as alunas, na forma de um
retiro espiritual em que permaneciam confinadas em silêncio durante três
dias. Havia um pregador que dirigia os momentos de reflexão e orientava as
participantes nos fundamentos da fé e das virtudes. No final, acontecia o
momento de confraternização com a presença de pais que vinham apanhar
suas filhas e comungavam daquele momento. Nos anos seguintes, porém,
tornou-se impossível acomodar tantas alunas por três dias.
Como percebemos, as irmãs atingiam seus objetivos incluindo
professores, pais e alunos numa participação ativa. Tanto as alunas internas
como as externas submetiam-se às normas do Educandário, as quais não
permitiam que o mundo lá fora influenciasse na formação das discentes de
forma que essas normas atingiam também aos seus familiares, fortalecendo
os valores morais no cotidiano de cada família. Os frutos dessa prática são
considerados, ainda hoje, por integrantes da sociedade arapiraquense que
tinham a ver com o educandário, muito valiosos na cultura desse povo,
conforme depoimentos colhidos de ex-alunas, ex-professores e pais que
viveram esse período. Quanto à influência pedagógica e à formação
99
educacional desenvolvida no Educandário São Francisco de Assis em
Arapiraca, vale ouvir o testemunho de uma ex-aluna, cedido em entrevista:
Se as irmãs franciscanas não tivessem chegado em Arapiraca
naquele ano eu não seria o que sou porque meus pais nunca iam
me deixar estudar numa escola mista. Eu aprendi muita coisa boa
que hoje serve muito para minha vida de mãe e avó e já me serviu
muito para desenvolver a minha profissão de professora (Ex-aluna
do Educandário São Francisco de Assis.)
Apesar da maioria da população arapiraquense e de ex-alunas ter
essa concepção positiva em relação à implantação e às práticas educativas
do Educandário São Francisco em Arapiraca, não podemos deixar de
registrar nesse trabalho existirem depoimentos – ainda que minoritários - que
contrariam os relatos da maioria, a exemplo do que fala uma ex-aluna que foi
educada pelas irmãs franciscanas nos anos 50:
Eu tenho três filhas, mas não coloco nunca elas no Colégio das
irmãs. Eu estudei lá porque não podia escolher, mas nunca gostei
porque as irmãs bajulam demais as alunas ricas e bonitas, eu acho
isso horrível.
Já a ex-aluna M. R., ao expressar sua visão sobre a prática das irmãs
franciscanas no Educandário São Francisco, declara que
foi muito bom ter estudado numa escola de freiras, mas, a teoria
não era coerente com a prática, pelo menos eu não via a caridade
com ação, só via na teoria, porque as filhas dos ricos eram
privilegiadas.
Como se pode ver, não há unanimidade entre o anunciado e o vivido
no quotidiano pedagógico, o que não é de causar espanto, já que a
unanimidade é que seria de se estranhar. De qualquer sorte, não encontrei
ninguém que negasse a presença do anúncio do ideal evangelizador. Como
prática dessa missão evangelizadora, inclusive, as irmãs fundaram, desde
logo, a Cruzada Eucarística, formada por crianças de sete a quatorze anos,
com a ideologia de que elas eram as combatentes de Cristo, empenhadas em
cultivar a expressão da fé. Esta era uma forma dos membros da
Congregação aperfeiçoarem suas atividades educacionais, testemunhando a
fraternidade cristã como elemento renovador e transformador da sociedade.
Para os pais, era um orgulho verem sua filha vestida de branco, com boina
branca na cabeça e fita amarela no pescoço, testemunhando a virtude da fé e
100
da pureza em nome de Cristo. Em todas essas atividades era cobrada uma
rigorosa disciplina, mas tudo ocorria dentro de um clima de alegria e lazer e
era isso que conquistava as alunas a participarem de todas as atividades
oferecidas, fazendo com que nenhum pai se omitisse em investir nas suas
filhas. Uma ex-aluna que participou efetivamente do Movimento da Cruzada
Eucarística no Educandário, ao ser entrevistada, assim manifesta seu
sentimento com relação ao que viveu na sua fase estudantil:
Participar da Cruzada foi a coisa mais importante da minha
infância. Nesse movimento eu aprendi a conviver e respeitar os
outros. Havia muita cobrança daquelas irmãs, mas hoje eu vejo
que a punição é fundamental para disciplinar as pessoas. Ai, como
eu sinto saudade daquele sistema para educar meus filhos e
netos.
Tomando como modelo a imagem de Maria, foi criada a Congregação
Mariana, composta de meninas acima de 14 anos, portadoras de boa
conduta, vestidas de branco com uma fita azul no pescoço nos dias de missa.
Os cânticos da missa eram entoados pelas alunas com o acompanhamento
do piano tocado pela Madre Superiora.
Tratando-se do uso da punição como instrumento educativo, que
também era usada pelas irmãs, não estamos fazendo referências ao castigo
físico que era utilizado na prática pedagógica de outras escolas de Arapiraca.
No “colégio das irmãs” como ficou conhecido o Educandário, a punição se
dava através de conversa, mas, de uma forma tão séria que todas as alunas
temiam enfrentá-la. Ninguém, com algumas exceções, tentava desobedecer
às normas estabelecidas. A sociedade arapiraquense delegava a educação
de suas filhas às Irmãs Franciscanas, as quais mereciam, por isso, todo o
respeito, gratidão e admiração. Apesar dessa educação rígida com controle
de diversões e certos comportamentos, em suas práticas educativas havia
muita alegria, a exemplo da “bandinha do Dedé” que era composta de
diversos instrumentos tocados pelas alunas.
A imagem por dentro dessa instituição de ensino somente tornou-se
possível graças ao apoio da história oral, através de testemunho de exalunas, ex-professores e moradores que conviveram com ela desde a sua
implantação e pela vivência da autora deste texto como ex-aluna. Pode-se
101
dizer que a escola criada para meninas, em Arapiraca, desenvolveu uma
ação pedagógica sob uma ética paternalista cristã católica, influenciando na
formação de parte significativa do povo arapiraquense, ao menos no período
em que surgiu. Percebemos que a educação em Arapiraca, na década de
1950, período em que está concentrado o objeto dessa análise, já centrada
no ensino tradicional, voltado para a transmissão de conteúdos e
principalmente para uma formação ética moral e religiosa, mais se fortalece
com a atuação dessa Instituição católica.
Foi a Igreja Católica, afinal, naquela região, a principal e quase que
única responsável pela formação de professores, pela indicação de material a
ser utilizado no processo de escolarização desde o início do povoamento de
Arapiraca, fortalecendo sua presença na década de 1950 com a implantação
de uma escola baseada na espiritualidade franciscana para atender aos
anseios das famílias arapiraquenses que defendiam uma educação exclusiva
para meninas. Com uma escola dirigida por religiosas, com forte interferência
de padres e do Bispo Diocesano, com uma capela dentro da escola, com as
aulas de catecismo, além da Religião, como norma e disciplina de vida
calcadas no catolicismo, tudo convergiu para fortalecer a influência que a
Igreja Católica teve na construção de procedimentos educacionais em muitas
escolas de Alagoas – fossem elas públicas ou privadas - particularmente, em
Arapiraca, sob a forte influência das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da
Imaculada Conceição, (CONFHIC). Afinal, formando futuras mães de família
e futuras professoras, estavam conformando mentes e vontades para futuros
projetos educativos, a exemplo do que fizeram os Jesuítas para o país como
um todo, somente que num tempo bem mais recente e nos limites da
experiência aqui analisada.
O Educandário São Francisco de Assis de Arapiraca teve, assim, um
papel fundamental na formação social das crianças e dos jovens da década
de 1950 e seguinte, cremos que se poderia dizer. Muitas moças que, com a
chegada das freiras, já achavam tarde para estudar, foram convencidas de
que ainda era tempo e voltaram aos bancos escolares. Diversas professoras
que assumiram o ensino no interior de Alagoas, depois do concurso público
102
na década de 1960, foram frutos dessa educação franciscana já há tempo
feita em Penedo e agora também em Arapiraca.
Se a prática pedagógica desenvolvida no “colégio das irmãs” na
década de 1950, em Arapiraca, envolvia uma disciplina muito rigorosa, essa
atendia aos anseios dos pais e da sociedade dita “bem nascida”, os quais
delegavam a elas todo o poder de disciplinar suas filhas e moldá-las para o
papel de mães de famílias exemplares e fiéis católicas modelares. Dessa
forma, estavam consoantes com o tipo de expectativa vigente na maior parte
do Brasil para a sociedade que contava, baseada na tradição em que a
educação valorizada era aquela que formava o ser humano culto – as
mulheres principalmente, que eram consideradas o esteio moral da família
tradicional -, conforme exigências da boa moral e dos bons costumes...
Assim, parece possível afirmar que um projeto educacional como o do colégio
das irmãs de Arapiraca, primordialmente pensado com um objetivo
aparentemente muito bem focado, quando visto em perspectiva exibe seu
alcance bem mais amplo, espraiando sua influência, em termos pedagógicos,
para toda uma sociedade.
Assim, Arapiraca vê chegar o final da década de 1950 com indicadores
de escolarização de sua população bem mais alentadores do que aqueles
exibidos pelo censo de 1940 e constantes da Tabela 01, apresentada
anteriormente neste trabalho. Embora seja impossível apresentar, para 1960,
outro quadro com as mesmas categorias utilizadas na Tabela 01, para uma
comparação bem mais adequada, já que, infelizmente, o IBGE, ao longo da
coleta dos dados populacionais, amiudadamente teve o mau costume de
variar categorias, contudo, com base no censo de 1960, é possível
apresentar uma tabela bastante elucidativa do avanço da escolarização em
Arapiraca, dos anos de 1940 até o final da década de 1950, quando
confrontada com Maceió, Penedo e Palmeira dos Índios. É possível observar,
inclusive, o crescimento populacional, sobretudo em relação a Palmeira dos
Índios, acompanhado do incremento dos processos de ensino, representado
não apenas pelos já alfabetizados, mas, sobretudo, pelo contingente em
processo de escolarização:
103
TABELA 02 – POPULAÇÃO ESCOLARIZADA OU EM PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO EM 1960
MUNICIPIO
Maceió
Arapiraca
Penedo
P. dos Índios
TOTAL
142.480
47.014
20.930
46.330
SABIAM LER
80.300
11.826
8.718
11.391
ESTUDANDO
33.093
4.762
4.894
5.692
O que é possível concluir da leitura desse quadro em relação ao
anterior, em meio ao surgimento das instituições escolares no período 19401960, é que, a mesma cultura fumageira que emperrou o crescimento da
escolarização na consolidação do povoamento de Arapiraca, foi também a
responsável pelo seu desenvolvimento, inclusive quando considerado com
outros municípios de maior porte em Alagoas.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando a trajetória da educação escolar em Arapiraca a partir dos
primórdios de seu povoamento, com um olhar diferente daquele lançado
pelos estudiosos, que, presos a uma versão oficial e factual da história,
constroem uma historiografia em que o povo se encontra ausente e que está
desvinculada do processo de consolidação do tipo de ação pedagógica que
contribuiu com a formação social daquele povo, podemos perceber, como
uma espécie de conclusão inicial, que o tipo de escolarização desenvolvido
na sociedade arapiraquense em processo de formação foi promovido pelos
que iam conquistando posição econômica destacada e voltado para seus
filhos – e aqui digo no masculino porque a educação das meninas e moças
naquela sociedade era uma exceção -, sem qualquer preocupação com os
filhos de trabalhadores ou com o destino dos filhos de escravos e exescravos que acompanharam o promotor da povoação inicial da região e
seus parentes.
Nesse contexto, os patriarcas, iniciando com Manuel André, seguido
por seus sucessores que foram constituindo a elite econômica e política
dominante daquela sociedade em formação, dentro de uma realidade sóciohistórica em que prevalecia o privilégio de poucos, usavam o poder coercitivo
para a criação ou expansão da educação escolar.
A Igreja Católica foi a grande aliada dos grupos dominantes que foram
se formando, no sentido da ocupação do lugar de formadora e responsável
pelo desenvolvimento do projeto pedagógico, estabelecendo instituições de
ensino e mesmo preparando os docentes e selecionando os saberes a serem
ensinados nas escolas.
Fundada em meados do século XIX, em pleno período imperial,
quando “o Estado ainda não controla a sociedade pela escola”, (HILSDORF,
2001, p. 86), Arapiraca não teve em seus primeiros tempos nenhuma escola
no sentido estrito da palavra, pelo menos que se tenha notícia, a não ser no
105
início da República, como tivemos oportunidade de mostrar ao longo desse
trabalho. No entanto, não é possível negar que foram desenvolvidas práticas
e saberes de socialização – inclusive pela via da chamada escolarização –
mediante os fazeres cotidianos, sobretudo quando todos eram estimulados a
produzir o sustento daquela sociedade, fabricando farinha de mandioca,
beijus, tapiocas, pés-de-moleque e, mais tarde, produzindo o fumo de corda,
tudo para gerar riquezas ou apenas conseguir a sobrevivência, num processo
de sociabilidade permeado pela feira, pelas celebrações, pelos ritos da vida
cotidiana, como o nascimento, as cerimônias religiosas, a morte, etc. Mesmo
a
escolarização,
ainda
que
nos
limites
já
assinalados,
era
feita,
evidentemente que com os poderosos assumidos o que já deveria ser
diretamente o dever do Estado nas suas diversas expressões e até onde a
necessidade do dia-a-dia estava a exigir, principalmente quando nos
referimos às primeiras décadas de existência do que hoje representa o
município de Arapiraca. Na verdade, pode-se dizer, sobre esse fenômeno,
que a ausência do Estado era apenas aparente, uma vez que ele se fazia
presente por meio dos senhores e seus prepostos.
Dito isto, é possível afirmar que a educação escolar não era prioridade
no nascedouro e nos primeiros tempos de existência daquela sociedade, já
que a decisão daqueles que usavam a mão de obra existente para fazer a
terra produzir, precisavam ocupar até mesmo as crianças, com o objetivo de
ampliar as atividades voltadas para o desenvolvimento da agricultura local,
podendo descartar a escolarização das maiorias. Evidentemente que esta
situação, de um modo geral, conforme nos ensina a História da Educação,
não era restrita à Arapiraca, mas consoante com o que acontecia em Alagoas
e todo o Brasil, tanto no período imperial, como na República Velha, em que
a maioria da população, na maioria das regiões do país, era excluída do
acesso à educação básica. Em Arapiraca, porém, é possível afirmar que a
situação era particularmente restritiva em termos de escolarização, sobretudo
com o advento da cultura fumageira, graças ao seu caráter sazonal e as
exigências impostas pelo seu trato, como vimos anteriormente.
Assim, rastreando, de forma particular, nossa hipótese central de que
a ética paternalista cristã católica foi fundamental na formação social dos
106
arapiraquenses, penso ter ficado evidente neste trabalho a presença da Igreja
Católica em toda a trajetória da educação escolar, seja na preparação dos
professores, na implantação dos lugares em que se desenvolvia o ensino, na
indicação dos professores e professoras ou na seleção de saberes e fazeres.
Apesar do primeiro colégio religioso só ter sido instalado em Arapiraca,
em 1956, com a chegada do Educandário São Francisco, a Igreja Católica foi
a Instituição que mais contribuiu com a formação daqueles cidadãos dentro
dos princípios morais e cristãos católicos. Essa presença se fez tão forte que,
das quatro primeiras instituições escolares criadas em Arapiraca e que
preenchiam plenamente os requisitos para assim serem denominadas,
apenas uma – o Grupo Escolar Adriano Jorge – não levou o nome de uma
santo católico, ainda que apenas uma fosse confessional.
As Escolas Isoladas que prevaleceram no município de Arapiraca até a
década de 1950 – e até ultrapassaram essa década -, com salas
multisseriadas, desenvolviam um tipo de ensino quase individualizado, com o
professor ou a professora atendendo a cada aluno em seus estudos e seu
progresso na leitura, na escrita, na resolução das quatro operações, lições de
gramática, doutrina cristã, tabuada e princípios gerais de história e geografia,
sendo pouco ou quase nenhum o estudo das ciências físicas e biológicas.
Como ficou explícito no corpo desse trabalho, a presença das
mulheres no desenvolvimento da função de ensinar em Arapiraca, nas
primeiras décadas e sua existência, diferente de várias outras localidades
alagoanas, foi marcante, tanto nas escolas isoladas, como no Grupo Escolar
Adriano Jorge – primeira escola seriada e com prédio próprio para o
funcionamento de uma instituição de ensino em Arapiraca -, cujo primeiro
corpo docente constituiu-se exclusivamente de mulheres, exceção feita
apenas
ao
primeiro
candidato
a
diretor.
É
que,
no
modelo
de
desenvolvimento ali levado a efeito e, por muito tempo, os homens estavam
voltados para as atividades agrícolas ou outros serviços mais rentáveis e não
podiam assumir compromisso de ensinar, nem mesmo durante um horário, já
que as roças e o que a elas estava ligado exigiam toda a sua atenção,
principalmente quando se implantava a cultura fumageira que não esperava
muito tempo para ser colhida, dentro de um curto ciclo de vida vegetativa.
107
Além disso, seguindo a tradição já tantas vezes registradas na
historiografia da educação brasileira, as mulheres eram consideradas mais
pacientes e dóceis para lidar com os alunos, sendo as únicas capazes de
assumir o lugar de “segundas mães” que por muitos – pensadores da
Pedagogia, inclusive - era atribuído às professoras. Isso sem falar no
conservadorismo de uma sociedade que somente poderia admitir à mulher
trabalhando fora de cada – e até fora do lugar em que vivia a família, que era
a guardiã da sua moral e de sua honra – se fosse com crianças, sob a vista
de muitas pessoas.
Conforme Vidal e Carvalho (2001), nas primeiras décadas do século
XX, em alguns lugares do Brasil já era percebido um processo de mudanças
na composição do corpo docente das séries iniciais, quando era criada uma
rede pública de ensino e era constituído o ensino primário leigo e estatal.
Destacava-se, assim, em 1920, a mão-de-obra feminina no Rio de Janeiro e
São Paulo, com a maioria das mulheres ocupando a função de professoras
nas séries iniciais. Com relação a Arapiraca, diferentemente do que ocorria
em várias cidades de Alagoas nas primeiras décadas dos anos de 1900 – em
que
os
professores
primários
eram
predominantemente
homens,
provavelmente pela falta de letramento das mulheres – estas também
predominavam no magistério, provavelmente porque, além das questões de
natureza agrária, podiam conciliar as funções de esposa, mãe e professora.
Funcionando a escola em sua própria casa de morada, era comum a
professora pedir a ajuda de uma aluna nos seus afazeres domésticos, como
embalar seu filho e fazê-lo dormir, enquanto orientava os alunos nas tarefas,
ou atiçar o fogo e mexer a panela do feijão para que o almoço estivesse
pronto no final da manhã. Quando a sala da aula era um salão cedido pelo
proprietário, a professora, que geralmente morava na vizinhança, deixava os
alunos fazendo as atividades ou pedia àqueles que sabiam mais para ensinar
aos principiantes enquanto “dava um pulo” em casa para ver o almoço do
esposo ou fazer outra atividade rápida. Percebemos assim um grande vínculo
entre a esfera doméstica e a esfera pública até no funcionamento da
escolarização dos arapiraquenes nos seus primórdios.
108
Muitas dessa professoras que desenvolviam o ensino em Arapiraca, já
citadas nesse trabalho, eram casadas e tinham filhos. Assim,
mãe e professora eram identificadas, mas não no contexto de uma
tarefa íntima, privada e pessoal como tendemos a perceber a
maternidade hoje, mas no contexto de uma maternidade cívica, uma
função pública exercida na privacidade dos lares ou no ambíguo
espaço escolar, situado a meio caminho entre trabalho assalariado,
que se considerava como parte da esfera pública e domesticidade.
(SOUZA, 2005, p. 97).
Algumas professoras, porém, sendo solteiras, aceitavam ensinar mais
distante e passavam a residir na casa do proprietário que solicitava a
presença da professora e cedia a sala para o funcionamento da escola a
exemplo de D. Adalgiza Pereira. E aqui cabe uma observção de grande
relevância: embora constatemos que as mulheres formavam maioria no
magistério já em 1920 em alguns Estados brasileiros e que, em Arapiraca,
este fenômeno está claro na nossa pesquisa, é conveniente esclarecer que
no Brasil vários debates acompanharam esse processo de feminilização do
ensino (Cf. VIDAL e CARVALHO, 2001) e que alguns estudiosos, mesmo
afirmando que a educação devesse ser o prolongamento do lar, e exaltasse a
mulher nas suas qualidades de ternura e bondade, defendiam o celibato
pedagógico, ou seja, acreditavam que a mulher, ao decidir pelo magistério,
deveria renunciar ao casamento. Segundo essa corrente de pensamento,
para se ser boa professora era preciso estar afastada do lar para não pôr em
risco o modelo ideal de casamento, que apresentava como boa esposa
aquela que dedicava todo o seu tempo ao esposo e aos filhos. Convém, sob
essa questão, porém, salientar que outros estudiosos da pedagogia,
analisando a feminilidade num enfoque de corte mais psico-biológico,
tentavam demonstrar que as professoras casadas eram mais pacientes e
mais dóceis que as solteiras, defendendo a tese de que a maternidade e a
relação sexual eram inerentes do corpo da mulher, sendo, portanto,
fundamentais para o seu equilíbrio emocional, que tinha papel importante no
exercício do magistério. Partindo desse pressuposto, as moças solteiras
costumavam, segundo esse teóricos, ficar muito nervosas e, por isso, não
tratavam os alunos como deviam, prejudicando, assim, o processo de
aprendizagem.
109
A partir de 1940, percebemos em Arapiraca um grande avanço
econômico, quando, com a ascensão da cultura fumageira, passam a se
destacar os novos ricos, fenômeno que irá atrair outros moradores de regiões
diversas de dentro e de fora de Alagoas, os quais passam a desenvolver
outras atividades: cresce, assim, o contingente dos comerciantes, dos
funcionários
públicos
–
estes
significativamente
ampliados
com
a
modernização da máquina do Estado, sobretudo na década de 1950 -, bem
como outros trabalhadores demandados, sobretudo para os setores de
serviços diversos, que iam desde o atendimento à saúde, até ao emprego
doméstico. As próprias atividades agrícolas passam a exigir o letramento,
tanto na relação patrão/trabalhador, como nas relações bancárias para
contrair empréstimos e na relação comercial, no período das vendas dos
produtos e assim por diante. Os meeiros que iam se tornando proprietários,
por exemplo, passavam a sentir a necessidade de alguém que soubesse
“cubar” as terras, pesar o fumo em molhos para contar em “bolas” e, enfim,
orientar nas contas que iriam mostrar se estavam ou não tendo lucro. E,
nesse particular, quem melhores e mais dignos de confiança do que os seus
familiares ou aderentes?
É a partir desse contexto que emerge o interesse dos endinheirados
em promover escolarização para seus filhos e as reivindicações do povo para
a ampliação da oferta educação escolar pública e gratuita em Arapiraca.
Nesse clima, mesmo que de uma forma muito atrasada em relação à capital
alagoana e a outros municípios do estado, como já assinalamos
anteriormente, é que é construído na cidade o primeiro Grupo Escolar
Estadual, com o objetivo de atender aos jovens arapiraquenses, oferecendo
de primeira a quarta série. Mas, mesmo ali o atendimento, por ser restrito
frente à demanda, voltou-se preferencialmente para os mais abonados
financeiramente.
Evidentemente que com um grande limite de oferta, somente os filhos
dos ricos poderiam ter ascensão nos estudos, sobretudo os chamados
secundários, já que poderiam se deslocar para centros urbanos maiores
dentro ou fora do Estado para dar continuidade a seus estudos. Importa
assinalar que somente a população da zona urbana e adjacências tinha
110
acesso a essa primeira escola estadual, ficando todos os moradores da zona
rural à mercê da vontade dos senhores locais que quisessem criar escolas
isoladas naquela localidade. A depender dessa vontade dos grandes dos
povoados e sítios, evidentemente que, além das massas trabalhadoras,
independentemente de sexo, as maiores sacrificadas eram as meninas e
moças filhas dos proprietários, já que, mesmo o ensino primário teria que ser
feito fora do lugar em que moravam e essa perspectiva era, freqüentemente,
impensada para muitas famílias. A pesquisadora e suas irmãs são um
exemplo disso: não fosse a coragem dos pais de afrontar a sociedade local –
inclusive membros da família – para mandar as meninas/moças para o centro
urbano de Arapiraca para estudar, todas teriam ficado limitadas às primeiras
letras...
O primeiro Grupo Escolar de Arapiraca, construído na principal rua da
cidade, hoje Avenida Rio Branco, atendeu ao que era senso comum na
época:
em geral a localização dos edifícios escolares deveria funcionar
como ponto de destaque na cena urbana, de modo que se
tornassem visíveis enquanto signos de um ideal republicano, uma
gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o novo regime.
(BENCOSTA, 2005, p.70).
Com o corpo docente constituído de algumas professoras que se
deslocaram da capital e outras da própria cidade de Arapiraca que, em
condições favoráveis, puderam concluir o curso Normal em Maceió, a nova
escola passou a oferecer muitas novidades, a começar pela mobília
composta de carteiras duplas, birou e quadro negro, mapas e globo –
instrumentos de apoio pedagógico totalmente desconhecidos da maioria dos
arapiraquenses na década de 1940.
Infelizmente, a criação de uma escola particular em Arapiraca, poucos
anos após a inauguração do Grupo Escolar Adriano Jorge, não veio
democratizar
as
possibilidades
de
escolarização
para
a
população
arapiraquense, já que a maioria de seus habitantes era constituída de
homens comuns, ou seja, trabalhadores sem condições financeiras para
pagar escola para seus filhos. A escola que se denominou Instituto São Luís,
criada pelo professor Pedro Reis, com o indefectível apoio da Igreja – no
111
caso, por meio do Padre Medeiros Neto, então Secretário de Estado, e do
padre Epitácio, pároco da cidade, que chegou a ceder algumas cadeiras para
o fundador do educandário iniciar suas aulas - fortalece ainda mais nossas
formulações sobre a importância da Igreja Católica no processo educacional
de Arapiraca.
O
Professor
Pedro
Reis
foi
mais
uma
expressão
viva
da
indissociabilidade do público e do privado no campo educacional em Alagoas:
impedido de assumir a direção do Grupo Escolar Adriano Jorge pelo então
governador do Estado, Ismar de Góis Monteiro, por conta de posicionamento
a favor de um grupo político diverso da facção do Governador, que, ao
receber em sua mesa o processo de nomeação de Pedro Reis, assim se
expressa: “minha mão caia se eu assinar um processo a favor deste homem”,
o referido professor não somente buscou resolver suas necessidades de
subsistência por meio de um empreendimento escolar privado, como não se
eximiu de responder ao Mandatário Maior do Estado no momento oportuno,
quando o então governador fazia campanha em Arapiraca para seu candidato
a deputado federal, afirmando para que todos ouvissem em alto e bom tom:
“minha mão caia se eu votar no candidato desse homem”, segundo
informação obtida através de entrevista cedida por um companheiro de
jornadas do professor Pedro Reis.
O Instituto São Luis, em Arapiraca, tal qual o Grupo Escolar Adriano
Jorge, por meio dos seus professores, procurou desenvolver uma prática
pedagógica com o mesmo teor educativo, em que palestras no pátio da
escola, proferidas pelos professores em homenagem aos heróis, eram
freqüentes, para educar pensando em construir a cidadania, dentro de uma
formação moral, de caráter e de cumprimento do dever, sem falar que os
internos eram praticamente incorporados a vida familiar do diretor, já que
funcionava em sua residência. Mesmo num ambiente de reformas
curriculares a correr em muitos quadrantes do país, o ensino desenvolvido
pelos professores do Instituto São Luís era de cunho tradicional, ainda que
muito respeitado e considerado, por atender à forma como os pais
consideravam a “boa educação”, como pudemos detectar nos depoimentos
de ex-alunos contidos nesse trabalho.
112
Essas duas escolas criadas na década de 40, oferecendo o ensino de
primeira a quarta série, vão receber, na década de 1950, um importante
reforço com a chegada do Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho,
integrante da Escola da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos.
Trazendo como novidade o curso ginasial, tinha o exame de admissão como
necessário para aqueles que desejassem prosseguir seus estudos, com os
estudantes do Instituto São Luís se destacando nesses exames, seguidos
dos oriundos do Adriano Jorge. Dessa forma, costumavam ficar de fora a
maioria daqueles que só podiam freqüentar as escolas isoladas, numa sala
multisseriada onde se estudava comumente de modo precário, sob a
orientação de professoras leigas. Desse modo, o Bom Conselho conseguiu
muito pouco em termos de ampliação das oportunidades dos mais carentes
financeiramente nos seus primeiros tempos: como se não bastasse a barreira
do exame de admissão, a nova escola, apesar de seus objetivos
educacionais e assistenciais apresentados e oficialmente registrados como
sendo sem fins lucrativos, logo passou a cobrar mensalidades, porque,
segundo seus dirigentes, não tinha condições de auto-sustentabilidade
financeira. A partir de 1955 esse colégio introduziu os cursos comercial,
científico e normal, possibilitando aos alunos de famílias em condições
econômicas diferenciadas da maioria da população arapiraquense e de
regiões vizinhas, condições de ingressar nos cursos superiores das capitais
mais próximas ou de exercer funções profissionais que exigiam maior
qualificação. O acesso dos mais carentes ao Bom Conselho, mediante bolsas
totais ou parciais de estudo, dentro do caráter paternalista da sociedade
arapiraquense, logo passou a se caracterizar como um favor – ou ato
caritativo, se, se quiser pensar sob a ótica do paternalismo cristão católico –
que, mesmo de forma não expressa, logo exigiria reciprocidade de quem
recebia a doação e que se materializaria, em geral, em uma retribuição com o
voto, no período eleitoral, nos doadores ou em quem eles indicassem.
O município de Arapiraca chega, assim, ao final do da década de 1950
com quatro escolas que se destacam: o Grupo Escolar Adriano Jorge – que
era uma escola pública -, o Instituto São Luís - uma escola particular no
sentido estrito -, o Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho - escola da
113
Campanha Nacional de Educandários Gratuitos -, e o Educandário São
Francisco de Assis – de caráter confessional e exclusivo para estudantes do
sexo feminino -, que viria a ser criado em 1956.
O progresso econômico que conquistaram os moradores de Arapiraca
foi, de uma certa forma, responsável pelo empenho das famílias na
implantação de uma escola exclusiva para meninas, já que os ricos, num
período em que a modernidade avançava e as idéias liberais se fortaleciam,
buscavam uma educação escolarizada, porém conservadora, para suas
filhas. O Educandário São Francisco, dirigido por irmãs franciscanas,
desenvolveu uma ação pedagógica onde educação e instrução se
completavam com a finalidade de formar jovens cultas, polidas, sociáveis e,
sobretudo, cristãs comprometidas em divulgar os ensinamentos na sociedade
e, principalmente, na família. Dessa forma havia uma verdadeira interação
entre a comunidade educativa do Educandário e as famílias das alunas que
passavam a participar de todas as atividades festivas e, assim, iam se
contagiando com as novas formas de viver, absorvendo novos valores no seu
cotidiano.
As irmãs franciscanas, defensoras da educação conservadora, não
faziam tanta objeção a certos elementos da chamada modernidade, como
podemos observar nas suas práticas, principalmente nas atividades fora da
sala de aula, desde que tudo estivesse sob seu controle. As alunas tinham
várias maneiras de participar dessas atividades, ora apresentando peças
engraçadas, ora dançando pastoril ou até mesmo tocando na “bandinha do
Dedé”, criada na escola com a introdução de vários instrumentos.
Fortalecendo a tese de que as irmãs franciscanas não faziam oposição
a certas expressões da vida moderna – ao menos o que era considerado
assim pelos arapiraquenses -, elas aconselhavam, por exemplo, às meninas
que moravam distante da cidade que comprassem bicicletas para facilitar a
trajetória diária até ao colégio, isto porque elas não dispensavam nenhuma
aluna das aulas de educação física e dos ensaios para os desfiles cívicos que
ocorriam no horário oposto ao das aulas. O fato de muitas alunas não
possuírem bicicleta estava relacionado aos princípios das famílias que não
114
admitiam que suas filhas imitassem as moças da cidade em tal sinal de
modernidade.
Analisando essa trajetória da educação escolar em Arapiraca, com seu
significativo atraso com relação a outros municípios, e a criação de diversas
escolas a partir da década de 1940, impulsionada pelo progresso econômico
que se faz vertiginoso, podemos perceber que a cultura fumageira teve papel
ambíguo no processo educacional desse município, o que não parece difícil
de ser explicado: como, de início, toda a população era ocupada nas
atividades agrícolas, dando prioridade ao acumulo de capital dos senhores de
terra ou dos meieiros que precisavam, para tanto, de utilizar toda a família,
inclusive as crianças, a escola era como um luxo inalcançável, além de
dispensável; mais tarde, com a emergência dos novos ricos e a ampliação
das plantações de fumo, mudam-se as concepções, ou seja, a própria
dinâmica social vai exigir um novo perfil de sociedade, sendo necessário,
portanto, a expansão da educação escolar. Desse modo, sem abrir mão dos
valores tradicionais e dentro dos limites das necessidades do projeto
econômico e civilizador que se estabelece, Arapiraca, por meio de suas elites
econômicas e políticas, irá atingir os anos de 1960 numa corrida desenfreiada
em busca de ilustração e formação intelectual compatível com o nível de
prosperidade econômica alcançada, cujo descompasso parecia visível a
todos, sobretudo aos próprios arapiraquenses.
115
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ANEXOS
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ANEXO I – PRIMEIROS ALUNOS
121
ANEXO II – GINÁSTICA
122
