Aguinaldo Teixeira Júnior

Título da dissertação: Neoliberalismo e educação de qualidade na perspectiva do trabalho.

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                    AGUINALDO TEIXEIRA JÚNIOR

NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE NA
PERSPECTIVA DO TRABALHO

Maceió
2009

AGUINALDO TEIXEIRA JÚNIOR

NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE NA
PERSPECTIVA DO TRABALHO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre em
Educação Brasileira.
Orientação: profa. dra. Maria Edna de Lima
Bertoldo.

Maceió
2009

AGUINALDO TEIXEIRA JÚNIOR

NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE NA
PERSPECTIVA DO TRABALHO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre em
Educação Brasileira, e aprovada em ___/___/___
pela seguinte banca examinadora:

Prof.ª dr.ª Maria Edna de Lima Bertoldo
Orientadora

Examinador...
Instituição de Ensino

Examinador...
Instituição de Ensino

Examinador...
Instituição de Ensino

Maceió
2009

Dedico este trabalho ao meu mentor intelectual, pai, irmão e
amigo Ivo Tonet (nem sempre bem interpretado por mim).

AGRADECIMENTOS

A todos os que influenciaram, de alguma forma, a minha vida, e aos que me deixam
feliz apenas por existirem.
À minha primeira família: Pedro Emídio, Celeste, Aguinaldo (pai), Cleuza (mãe),
Valdiza, Benedito, Zoraide, Maria de Lourdes, Lúcia, Regina, Rosa, Carlos Ramiro Costa,
Heráclito, Jorginho, Sílvio, Ciro, Clóvis, Carmen, Jalmery, Marcos Guimarães, tio Manuel (in
memoriam) e Sônia, Júlia, Nena, Paulo Roberto, Luciana (irmãos).
À minha segunda família: José Bezerra e Josefa Bezerra (senhor Zequinha e senhora
Zequinha), Valdo, Eliane, Enilda, Edílson, Edjane.
Aos meus sobrinhos: David, Mariana, Daniela, Ana Celeste, Ana Carolina, Ana
Cláudia, João Vitor e Leonardo.
Aos meus primos: Pedro Henrique, Patrícia, Valéria, Vivian, Vanessa, Marcelo,
Marcos, Maurício, João Paulo, Raquel, Marcos Antônio, Ana Rosa, Adriana, Carlos Alberto
Reys, José Carlos, Cláudia, Tereza Cristina, Rosa Lúcia, Kátia, Andréia, Mônica e Clóvis
Júnior.
A Cynthia Costa Texeira.
A todas as mulheres da minha vida; citar uma seria desmerecer as demais.
A todos os meus alunos, especialmente Renalvo, José Carlos, Aurora, André Luiz,
Jacqueline Adlane, Mônica, Nelma, Sânia, Janaína, Jaciel etc.
Aos meus amigos de infância da Cambona — Beto (in memoriam) — e aos amigos
da praça dos Martírios, em especial os intelectuais da época: Zezito, Califa, Adroaldo e
Juarez.
Ao amigo e irmão José Ubiratan Barbosa Ávila.
Aos amigos do Cambonense, em especial Francisco Elpídio, Alder Flores, Josenal
Fragoso e Edmar Gusmão.
Um agradecimento todo especial à minha orientadora, Edna Bertoldo, pela paciência
e competência.

“A teoria materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da
educação, e de que homens modificadores são produtos de circunstâncias diferentes e de
educação modificada, esquece que as circunstâncias diferentes e a educação modificada são
mudadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Tudo isso
leva, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe a ela
[...]. A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana somente pode
ser aprendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.”
Karl Marx

RESUMO

O objeto deste trabalho é a qualidade da educação oferecida às classes subalternas ou
classes dominadas, e o problema levantado consiste no seguinte: é possível o Estado oferecer
uma educação de qualidade na perspectiva do trabalho? A pesquisa, de caráter teórico,
fundamenta-se na teoria social de Marx e seus seguidores, a exemplo de Lukács, Mészáros,
Lessa e Tonet. Tem o propósito de verificar a hipótese da existência, na sociedade capitalista,
de uma educação de qualidade para os dominados; embora ela seja uma impossibilidade
ontológica, não se elimina a possibilidade histórica de sua efetivação pela classe trabalhadora.
A ideologia hegemônica da educação escolar disseminada pelo Estado classista não permite o
acesso a uma educação que tenha como horizonte a emancipação do homem. Ao contrário, a
escola tem como função a formação da força de trabalho e, principalmente, a transmissão da
ideologia em que são repassados valores, ideias e comportamentos consonantes com os
interesses do capital. A análise da qualidade da educação em alguns teóricos, como, por
exemplo, Libâneo e Demo, com arrimo na ontologia marxiana, permitiu constatar que para
eles a cidadania representa o horizonte máximo; neste, a educação está acompanhada de
diversas propostas teórico-pedagógicas — gestão democrática, construtivismo, pluralismo
metodológico, educação a distância, ciência, livro didático, currículo e interdisciplinaridade
—, que, por sua vez, configuram-se a saída para uma educação democrática e de qualidade
para “todos”.

Palavras-chave: Estado. Educação de qualidade. Neoliberalismo.

ABSTRACT

The main idea of this work is the quality of education offered to lower and oppressed classes,
and the problem raised is the following: is it possible for the State to offer quality education in
the work perspective? This research is theoretical and based on the social theory of Marx and
his followers, such as Lukacs, Mészáros, Lessa and Tonet. Its purpose is to verify the
hypothesis of the existence, in a capitalist society, of a quality education for the oppressed.
Though it is an ontological impossibility, it doesn’t eliminate the historical possibility of the
accomplishment of this quality education by the working class. The hegemonic ideology of
education disseminated by the class does not allow access to an education that has the
emancipation of man as a goal. Instead, the school has as its objective the establishment of the
workforce, and especially the transmission of ideology through which are set values, ideas
and behaviors combined with the interests of the capital. The analysis of the quality of
education for some theorists, for example, Lebanon, and Demo, with retaining the Marxist
ontology, appears that for them citizenship represents the maximum horizon; in such,
education is accompanied by various theoretical and pedagogical proposals — democracy,
constructivism, methodological pluralism, distance education, science, textbook, curriculum
and interdisciplinary work — which, are configured as an output to a democratic education
and quality standards for "all."
Keywords: State. Quality Education. Neoliberalism.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO: DA ORIGEM À SUA FORMA
NEOLIBERAL ....................................................................................................................... 17
1.1 Educação de Qualidade e Políticas Internacionais ........................................................ 25
2 ESTADO, NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO............................................................ 34
3 EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSE ................................................................................. 46
4 EDUCAÇÃO DE QUALIDADE: PARA QUEM? ........................................................... 59
4.1 Gestão Democrática.......................................................................................................... 65
4.2 Construtivismo .................................................................................................................. 69
4.3 Pluralismo Metodológico ................................................................................................. 73
4.4 Educação a Distância ....................................................................................................... 76
4.5 A Ciência e a Qualidade da Educação ............................................................................ 80
4.6 Formação de Professores ................................................................................................. 87
4.7 Currículo ........................................................................................................................... 88
4.8 Interdisciplinaridade ........................................................................................................ 90
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106

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INTRODUÇÃO

Este trabalho visa a analisar a qualidade da educação oferecida à classe trabalhadora.
Para tanto, parte da seguinte problemática: é possível o Estado oferecer uma educação de
qualidade na perspectiva do trabalho? O questionamento surgiu em decorrência de um
discurso muito usual sobre a qualidade da educação, no qual frequentemente se ouve a frase:
“Queremos uma escola de qualidade”. Esse discurso compreende que, sendo a sociedade
constitutiva de um todo homogêneo, os métodos e objetivos da educação são bons para todos.
Essa concepção homogeneizada da qualidade educacional desconsidera sua própria
particularidade, que, conforme Chasin, baseando-se na dialética, seria as classes sociais
antagônicas. Nesse sentido, entende-se que a existência das classes sociais é imprescindível
para apreender a problemática da qualidade da educação.
O interesse nesse tema se dá porque, desde nosso ingresso no magistério, em 1976, a
preocupação com a qualidade do ensino sempre esteve, e sobretudo está, presente; não uma
qualidade na perspectiva do capital, mas na ótica do trabalho.
A universalização da qualidade como elemento fundamental da ideologia possibilita
que, em nome dessa qualidade, se esqueça que a sociedade não é homogênea. Portanto, existe
conflito: o processo de reprodução do capital se dá num processo antagônico entre ele e o
trabalho. Para ofuscar esse cenário, há uma gama de atividades inserida na escola — dança,
comemorações etc. — e utilizada como indicativo de qualidade.
Considerando que no sistema do capital é impossível a existência de uma educação
para os dominados, buscar-se-á sua comprovação ou não, mediante a pesquisa teórica, a partir
de alguns pensadores, a exemplo de Libâneo, Demo e outros.
E, para o aprofundamento da qualidade da educação no sistema capitalista, em
especial na sua forma atual de reprodução (o neoliberalismo), serão considerados os
fundamentamos da teoria social de Marx e seus seguidores — Lukács, Mészáros, Tonet,
Lessa, Duarte, Bertoldo...
Frise-se que a ideologia hegemônica da educação escolar disseminada pelo Estado
classista não permite o acesso a uma educação que tenha como horizonte a emancipação do
homem; ao contrário, a escola tem como escopo formar a força de trabalho e, mormente,
transmitir a ideologia segundo a qual se repassam valores, ideias e comportamentos
interessantes ao capitalismo.

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A função básica da educação na atualidade continua a ser interpretada em termos de
equalização social. Para que a escola cumpra isso, faz-se necessário compensar a deficiência
que neutraliza a eficácia da ação pedagógica — e tal compensação pode dar-se por um
conjunto de programas que abarque diversos problemas, de natureza familiar, emotiva,
cognitiva, linguística e até mesmo os relativos à saúde, à nutrição etc. Esses programas
atribuem, porém, à educação a responsabilidade por problemas que, em verdade, não são de
sua alçada.
A defesa da qualidade da educação na perspectiva do trabalho pressupõe,
fundamentalmente, a existência dos conteúdos na escola; sem conteúdos relevantes e
significativos, a aprendizagem deixa de existir, e a escola transforma-se num arremedo, numa
farsa.
Por isso é fundamental que, no interior da escola, a atuação foque a prioridade pelos
conteúdos, pois aí está uma das formas de lutar contra a farsa do ensino. Por que os conteúdos
são prioritários? Justamente porque o domínio da cultura constitui instrumento indispensável
para a participação política das massas. Se os membros da classe dominada não se apropriam
desses conteúdos, não dispõem das ferramentas necessárias à compreensão do funcionamento
da realidade, e, por conseguinte, não criam possibilidades de superá-la.
Mas, que conteúdos são esses? Trata-se de tudo aquilo que de melhor a humanidade
produziu coletiva e socialmente. Sem acesso a essa ferramenta, a classe trabalhadora não
possui “armas” na luta contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos
culturais para consolidar a dominação. O dominado não se liberta se não entender aquilo que
os dominantes dizem e fazem.
Assim, conhecer o que de melhor foi produzido pela humanidade é condição de
libertação. Segundo Chasin (1994, p. 3), “[...] conhecer é se credenciar ao poder”. Ou seja: a
qualidade da educação na ótica do trabalho exige que os conteúdos sejam transmitidos a partir
de uma pedagogia revolucionária, na perspectiva de avanço para além do capital. Nesse
contexto, conforme Dore (1980, p. 339), “Gramsci ressalta a importância de um movimento
intelectual que defenda novas concepções de mundo capazes de elevar a consciência civil das
massas populares e de produzir novos comportamentos para que elas não se submetam à
direção do Estado capitalista”. É imprescindível a criação de uma contra-hegemonia política
dos intelectuais orgânicos e seu papel no ressurgimento das classes populares. Cabe, ainda,
indagar se a educação das classes populares, sob o comando do FMI, BIRD, BID, realmente
as interessa. Daí o cerne do debate: é mesmo possível o Estado oferecer aos trabalhadores
uma educação de qualidade?

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A escola atua, contraditoriamente, como um instrumento de conformismo científicotecnológico, reprodutivista da sociabilidade humana e reprodutor das ideologias dominantes;
ao mesmo tempo, constitui-se um espaço de contestação das relações burguesas. A escola é,
pois, reprodutora de relações sociais de produção capitalista e espaço de luta de classe para
superar essa relação.
O estudo da qualidade da educação na perspectiva marxista exige que se estabeleça a
relação com o processo produtivo em que se estruturam a sociedade e o caráter de
especificidade ou particularidade nele engendrado. Com fulcro nessa perspectiva,
compreende-se, conforme Paulo Netto (2001, p. 37), que “a perspectiva teórico-metodológica
instaurada pela obra marxiana, com seu caráter ontológico, sua radicalidade histórico-crítica e
seus procedimentos categorial-articuladores, é aquela que permite, arrancando dos ‘fatos’
objetivados na empiria da vida social na ordem burguesa, determinar os processos que os
engendram e as totalidades concretos que constituem e em que se movem. Esta perspectiva é
a que propicia a dissolução da pseudo-objetividade necessária à superfície capitalista e ensina
a desvelar os modos de ser e de reproduzir-se do ser social na ordem burguesa”.
Reafirma-se, na esteira marxiana, que o trabalho é a categoria fundante do ser social,
a condição para sua existência, o ponto de partida para a humanização do homem!
Nesse contexto, vislumbra-se a qualidade da educação para além do capital. As
práticas educacionais devem habilitar o indivíduo a realizar as funções do processo
metabólico social num empreendimento progressivo e transformador. A verdadeira formação
seria, logo, a continuada, e não a vocacional. Trata-se, como diz Mészáros (2005, p. 47), de
“romper com a lógica do capital, na área da educação, que equivale, portanto, a substituir as
formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma
alternativa concreta abrangente”.
Enquanto o capitalismo e sua forma totalizante de reprodução do capital não forem,
contudo, superados, não será possível fazer algo? O que o professor pode fazer para contribuir
para a transformação social? A educação de qualidade é impossível?
Pelo menos no âmbito da institucionalidade formal, existe sim uma impossibilidade
ontológica de efetivação de uma educação de qualidade na perspectiva do trabalho, conforme
demonstraremos. Isso não impede, todavia, que o professor, cuja atuação objetiva se dá no
campo da subjetividade, não possa contribuir, partindo da sala de aula, para a realização de
uma educação de qualidade. Afinal, é ele quem seleciona o conteúdo a ser transmitido, os
métodos, as técnicas e a forma de abordagem e avaliação.

12
A pesquisa em tela mostra que as análises dos teóricos aqui expostos têm, na
cidadania, o horizonte máximo, e nesse horizonte a democratização da educação —
acompanhada de todos os seus ingredientes: eleição, currículo, políticas públicas etc. — temse apresentado como alternativa para obter educação de qualidade para “todos”.
Os gregos sempre procuraram, de início, explicações sobre a origem do universo e do
homem e, nessa busca, surgem dois critérios fundamentais para a análise: o ontológico (o ser)
e o gnosiológico (o conhecer). O critério ontológico consiste no reconhecimento do ser, de
tudo que está posto para o conhecimento. Buscar o conhecer é buscar o ser, é a reprodução
fiel do que se observa; e a reprodução na cabeça do que é o ser, o critério gnosiológico, está
ligada à questão do saber, e este saber, esta forma de conhecer depende exclusivamente do
sujeito. Só o sujeito pode dizer o que é a verdade, bastando desenvolver a sua racionalidade.
Tomar o caminho gnosiológico é partir do sujeito como organizador das coisas. A partir do
ponto de vista do ontológico, parte-se do objeto, reconhecendo neste a primazia do
conhecimento.
No mundo grego e medieval, tudo era visto como algo ordenado nesta ordem do
mundo, a subjetividade tinha como recurso último os Deuses, a realidade era vista em última
instância como objeto além do homem; este não se reconhece como construtor último da
história, que era objetiva e independente dos desejos humanos. Essa forma de pensar tem sua
radicalidade no teocentro medieval, que começa com Santo Agostinho, com a idéia de que o
homem nasce predestinado, e, portanto, só Deus poderia ser a resposta para tudo.
O desenvolvimento das atividades mercantis e as grandes navegações, com as
descobertas de um mundo nunca visto, trazem consigo a necessidade de respostas para o que
está acontecendo e como tirar proveito do que está acontecendo. As mudanças nas bases
materiais e a expansão do comércio necessitavam de respostas e quem é chamado a dar as
respostas? O homem.
O antropocentrismo, que começou com uma pesquisa aos gregos e romanos, agora
aparece como resolução dos problemas medievais. É Shakespeare que vai dar as novas boas
vindas: que obra de arte é o homem, tão nobre no raciocínio, tão vazio na capacidade em
forma de movimento, tão preciso e admirável na ação, é como um anjo; no entendimento é
como um Deus: a beleza do mundo; o exemplo dos animais (Shakespeare, Hamlet apud
AQUINO, 1998, p. 70).
No campo filosófico, o século XVI vai apresentar um grande momento de
transformação: a substituição da objetividade (objeto) pela subjetividade, sendo René

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Descartes o responsável por esta mudança; “agora o mundo vai substituir inteiramente o
homem exterior”.
Descartes diz que o cogito é uma verdade tão indubitável que serve de padrão, de
modelo para a verdade; uma vez descoberta a primeira verdade, isso significa que se tem o
modelo para criticar e avaliar todos os outros conhecimentos e saber o que é verdadeiro e o
que é falso. Esse modelo de verdade é claro e distinto. E como o modelo é claro e distinto
(interdisciplinaridade), ou outro conhecimento que seja claro e distinto (transdisciplinaridade),
pode dizer que ele é verdadeiro, que corresponde a um modelo de verdade “(o cogito – citação
latina de penso, logo existo) é o padrão, é o método que permitirá a Descartes avaliar o que é
verdadeiro e o que é falso” (LESSA, 2009, p. 72).
A partir desse momento, dessa virada conceitual, passa-se a se preocupar não em
saber por que as coisas são como são; a partir daí a preocupação é: como as coisas funcionam;
o mundo, os objetos que compõem não vão mais dizer ao homem o que ele é, ao contrário é o
homem quem vai dizer, mesmo sem olhar o mundo, o que ele acha que é.
De acordo com Tonet (2009, p. 10), Kant propõe uma articulação entre razão e
sensibilidade da seguinte forma:
[...] Os sentidos colhem dados e a razão classifica, organiza e extrai as legalidades e
elabora uma teorização a partir deles. Deste modo, o objeto de conhecimento já não
é o mundo real, mas aquilo que o sujeito constrói a partir dos dados colhidos pelos
sentidos. A conseqüência lógica, também extraída por Kant é que nós não podemos
a ‘coisa em si’ (o númeno); só podemos conhecer a coisa como ela é para nós (o
fenômeno). Vale dizer, por esse andamento, a categoria da essência, tão cara à
concepção greco-medieval, se torna inatingível e a categoria da totalidade se
transforma em uma categoria puramente lógica. A realidade já não é mais um
compósito de essência e aparência, mas apenas fenômeno. Por isso mesmo, a ordem
do mundo já não é se encontra nele, mas é o sujeito que imputa ao mundo um
determinado ordenamento.

A ontologia (objetividade) começa a perder espaço para a subjetividade (gnosiologia)
e a conseqüência disso está expressa nas tentativas de se buscar uma educação de qualidade
para os trabalhadores, pautada na gestão democrática, no pluralismo metodológico, no
currículo, na interdisciplinaridade etc., a partir de concepções subjetivistas que, sem levar em
conta a realidade material, acabam encontrando saída na gnosiologia e na vontade exclusiva
do sujeito.
Uma questão fundamental deve ser colocada no processo de desenvolvimento da
burguesia: a busca pelo lucro cada vez mais se acentua, e, nessa busca, como conhecer a
natureza, a política, como se deslocar de um lugar para o outro transportando outra e tendo a
maior quantidade possível de produtos? Como controlar as pessoas? Perguntas simples hoje,

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mas complexas na época, que vão exigir respostas para estas questões. A divisão social do
trabalho simples no sec. XV vai exigir respostas ou perguntas formuladas anteriormente, e,
para responder, a fragmentação da ciência, do saber era algo fundamental; matemática,
política, astronomia, cada uma buscando dar suporte aos questionamentos da época.
Durante o período do século XV ao século VIII a burguesia é uma classe
eminentemente revolucionária; é ela que vai propor igualdade, fraternidade, liberdade e que
vai dizer da capacidade que o homem tem em transformar o mundo; é ela que vai dizer, após a
revolução, que o homem não tem condições de ir à essência das coisas, e que, através do
positivismo, vai dizer da incapacidade do homem em conhecer as coisas, e que agora se trata
de descobrir dados e procurar uma simetria entre elas.
“A hegemonia burguesa se contrai em torno de uma consciência e de uma cultura
nacional popular criada pela difusão de uma língua e de uma literatura cujos
instrumentos principais são a escola e a imprensa”. (ROYO, 1998, p.74)

É no período pós-revolucionário que as ciências ditas sociais, sociologia,
antropologia, ciência política, pedagogia, todas elas, cheias de vieses, de revoluções, irão não
só justificar a realidade mas também esconder, em alguns momentos, a própria realidade. A
fragmentação do mundo é a fragmentação do saber. Ora, se é a materialidade do mundo que
gera a divisão social e também a fragmentação do mundo e do saber, só a transformação
radical do mundo pode acabar com o sistema que lhe dá origem e, por tabela, a divisão do
trabalho. É uma impossibilidade real querer unir o mundo do saber fragmentado sem
transformar a base que lhe dá sustento.
Tonet (2009, p. 19) chama a atenção para a única possibilidade do conhecimento não
ser fragmentado:
Afinal, se um saber fragmentado é funcional à manutenção dos interesses da classe
burguesa, um saber que tenha na categoria da totalidade a sua chave metodológica e
que, pela articulação entre as categorias da essência e da aparência (de caráter
histórico e social), permita a desmistificação da realidade social, é do interesse da
classe proletária. Esta última, para orientar a sua luta no sentido de transformar o
mundo todo e não apenas alguma parte; de superar radicalmente a exploração do
homem pelo homem e de construir uma forma de sociabilidade que seja uma
autêntica comunidade humana, precisa de um saber que permita compreender a
realidade até a sua raiz – sua essência – e como uma totalidade. Afinal trata-se de
transformar o mundo todo e não apenas alguma parte dele.

É esse saber que deveria ser o eixo norteador de uma escola de qualidade na
perspectiva do trabalhador. Ainda segundo Tonet, Marx lançou os fundamentos de uma
concepção radicalmente nova de mundo, de um padrão de conhecimento profundamente novo

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e, não por acaso, tem na categoria da totalidade a sua categoria fundamental. É esse padrão
que permite compreender a realidade social como um complexo que tem no trabalho a sua
categoria ontológico-primária. É também esse padrão que permite compreender a natureza
própria do ser social, sua complexificação e sua fragmentação, tanto material como espiritual,
e a articulação entre esses dois momentos. Isto significa dizer que o mundo fragmentado e
especializado é uma necessidade ontológica do capital; ou seja, é necessário para a
manutenção do capital, a divisão da sociedade em classes, a divisão do saber e a transmissão
de uma educação que seja favorável à conquista e à manutenção do seu domínio econômico e
político.
Tonet (2009, pp. 15-16), concluindo, aponta algumas consequências do processo de
fragmentação:
Primeira: a forma atual do mundo, regida pelo capital, fundamenta e exige a
fragmentação do saber como um instrumento necessário à sua reprodução. Por isso,
enquanto o capital for a força dominante, a fragmentação do saber será também a
forma dominante deste. Em síntese: um saber de um mundo fragmentado é um
saber de um mundo fragmentado
Segunda: do ponto de vista estritamente científico, a superação da fragmentação não
passa pela soma ou pela justaposição ou, ainda, por atitudes e esforços do sujeito em
integrar várias áreas de conhecimento. [...]
A eliminação da fragmentação do saber passa, sim, pela superação da perspectiva da
cientificidade moderna, de caráter gnosiológico, onde o sujeito detém a centralidade,
e pela apropriação da perspectiva metodológica (de caráter onto-metodológico)
fundada por Marx, onde o objeto (de caráter histórico-social e não metafísico) tem a
regência e o sujeito a tarefa ativa de traduzir teoricamente o processo social. Não
basta ter boa vontade ou envidar esforços ou criar novos métodos a talante do
sujeito. É preciso assumir e dominar o método que, tendo se originado, em seus
fundamentos, do mundo, permita voltar a ele para compreendê-lo como uma
totalidade e segundo a sua lógica própria e não ao arbítrio do sujeito.
Terceira: uma formação, em geral, voltada para a emancipação humana, hoje, só
pode significar uma contribuição para o engajamento na radical superação da
sociedade capitalista e na construção de uma sociedade comunista. Por isso, uma
atividade educativa que se pretenda emancipadora passa, necessariamente, pela
apropriação de um saber que permita a compreensão desta sociedade como uma
totalidade, até a sua raiz mais profunda, e que também possibilite compreender a
origem, a natureza e a função social da fragmentação, desmistificando, ao mesmo
tempo, a sua forma atual. (Grifos do autor)

O que se observa é que a tão defendida interdisciplinaridade é, na verdade, a
tentativa de juntar os vários campos do saber, ora sob o comando de uma ciência, ora sob o
comando arbitrário do professor, na tentativa de superar a fragmentação da realidade sem a
sua transformação pela raiz. Trata-se, a rigor, de mais uma tentativa de tentar dar ordens
àquilo que exige a desordem; de dar sustentação ao insustentável.
Uma educação de qualidade oferecida pelo capital, na perspectiva do trabalho, é
impossível, haja vista a divisão social do trabalho e sua fragmentação gerenciada pelo Estado.

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Também em face disso, com vistas ao aperfeiçoamento — tanto quanto possível, é
claro — da qualidade educacional, o presente trabalho organiza-se da seguinte forma: em um
primeiro momento, analisam-se o surgimento do Estado e sua relação com a educação, no
tocante ao seu papel na elaboração de políticas internacionais; em seguida, trata-se da
educação no capitalismo neoliberal; e, finalmente, no terceiro e último capítulo, estuda-se a
educação de qualidade, com enfoque no seu vínculo com a gestão democrática, o
construtivismo, o pluralismo metodológico, a educação a distância, a ciência, o livro didático,
o currículo e a interdisciplinaridade.
A escolha por essas categorias se deu porque elas ganham corpo no debate e na
produção dos teóricos, sobretudo daqueles eleitos para fins de investigação nesta dissertação.
Diante desse cenário, pretende-se que esta pesquisa contribua para a ampliação do
debate acerca da qualidade da educação, de forma a superar as análises parciais atualmente
em voga, que disseminam certa homogeneidade quando, a rigor, não se considera a
particularidade da temática: qualidade para quem?

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1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO: DA ORIGEM À
SUA FORMA NEOLIBERAL

No começo da humanidade, os grupos sociais viviam em bandos, e o poder, a
disciplina e a organização se davam através dos costumes e da tradição. Já a educação era
ofertada a partir da prática cotidiana de sobrevivência, por meio do trabalho.
O surgimento do Estado como expressão da coerção de alguns grupos sobre outros só
surge quando da divisão da sociedade em classes, que é uma das consequências fundamentais
no desenvolvimento das ações produtivas.
No momento em que grupos sociais passam a dominar a produção e os homens criam
a necessidade de salvaguardar esse patrimônio, surgem as forças de repressão, como a polícia,
as leis e, mormente, o responsável pela manutenção do statu quo: o Estado. Aduz Marx:
Os artigos teorizadores do Estado construíram o Estado a partir das paixõesambição, sociabilidade, ou a partir da razão, não da razão da sociedade, mas da
razão individual: a doutrina mais ideal e profunda da nova filosofia constrói-o a
partir da idéia de totalidade. Ele vê no Estado o grande organismo no qual, a
liberdade jurídica, moral e política podem encontrar a sua realização, e em que o
cidadão particular apenas obedece às leis naturais de sua própria razão, da razão
humana. (1975, p. 143)

A história humana tem demonstrado evolução em alguns setores e retrocesso em
outros. No entanto, a referência à questão do Estado implica uma evolução ao longo do
tempo: a princípio, a completa ausência estatal; posteriormente, o Estado da sociedade dos
escravos, o feudal, o moderno e o contemporâneo, que se diferenciam entre si na forma
fenomênica, mas mantêm a essência: garantir “a tranquilidade de todos”, motivo pelo qual se
justifica a necessidade da repressão como um elemento a ser usado sempre que necessário.
O Estado surgiu na Idade Antiga, graças às mudanças que naquele momento se
realizavam — inicialmente através da revolução agrícola, com a descoberta da semente, o que
proporcionou um excedente de produção, além da prática de criação de animais. A mudança
na forma de produzir conduziu pessoas e grupos a se apropriarem privadamente da
propriedade social, de modo que resultou na existência de indivíduos ricos e pobres e, logo,
no surgimento das classes sociais.
A história a partir desse momento segue um rumo permeado de contradições entre as
classes: as dominantes necessitavam, a todo custo, de criar mecanismos para a sujeição da

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outra. E, para essa relação de exploração do homem pelo homem manter-se, a classe
dominante deu origem a:
[...] uma instituição que não defendesse a nova forma privada de adquirir riqueza em
oposição às tradições comunistas da tribo, como também que legitimasse e
perpetuasse a nascente divisão em classe e o direito de a classe proprietária explorar
e dominar os que nada possuíam. Dessa instituição surgiu o Estado. (PONCE, 1998,
p. 32)

O Estado nasceu e até hoje seu fundamento ontológico consiste em ser a
representação maior da classe imperante. Ao contrário do trabalho, ele não é a esfera fundante
da sociedade, e sim o complexo parcial inserido na totalidade social cuja função consiste no
domínio sobre a sociedade, mesmo quando em algum momento histórico isso não é
visualizado explicitamente, como, por exemplo, na Idade Medieval. O Estado é,
indubitavelmente, a base de sustentação da propriedade privada e das diversas formas de
propriedade até hoje conhecidas.
De acordo com Tonet (1997, p. 35), a concepção de Estado encontra-se, de um lado,
intimamente ligada à ideia de sociedade civil como um “conjunto de indivíduos que se
reúnem nas mais diversas entidades [...] para o exercício do jogo democrático”; doutra banda,
à de sociedade política, em que o Estado revela-se a instituição garantidora da satisfação das
necessidades humanas na sociedade civil, através de uma legitimidade que “supõe o exercício
dos direitos civis, a participação de todos os cidadãos e o respeito às regras democraticamente
estabelecidas, de modo que o Estado expresse o consumo social”.
Marx, estabelecendo a relação entre Estado e sociedade, afirma que:
A forma de intercâmbio condicionada pelas forças produtivas existentes em todas as
fases históricas e que por sua vez, as condiciona, é a sociedade civil [...] vê-se já
aqui que essa sociedade é a verdadeira fonte, o verdadeiro palco da historia [...] a
sociedade civil abrange todo o intercâmbio material dos indivíduos, no interior de
uma determinada fase desenvolvimento das forças produtivas. (MARX, 1991, pp.
58-59, apud TONET, 1997, p. 27)

O antagonismo das classes sociais gerado pelo processo de exploração, dominação e
concentração de um lado, em face do empobrecimento do outro, acirra a oposição de classe.
Essa afirmação não é, contudo, aceita por todos os pensadores, conforme será mostrado
adiante.
Os jusnaturalistas, representados por Locke e Hobbes, afirmam, por exemplo, que o
Estado apareceu naturalmente para o benefício do bem comum; os contratualistas,

19
representados por Rousseau, entendem, por sua vez, que o ele surgiu devido a um contrato
social entre todos.
Tonet discorda e assevera:
O surgimento e a natureza do Estado decorrem dessa mesma natureza da sociedade
civil. Dilacerada pela contradição entre interesses gerais e particulares e não
podendo resolvê-los ele mesmo, dá origem a uma esfera com um aparato com
tarefas, com uma especificidade própria, mas cuja função fundamental seria a de
solucionar essa contradição. Sua origem, porém, traça-lhe precisamente os limites.
Deste modo, solucionar a contradição não significa superá-la, suprimindo-a
formalmente, mas conservando-a realmente e deste modo contribuindo para
reproduzi-la em benefício das classes mais poderosas da sociedade civil. (TONET,
1997, pp. 18-28)

Ou seja, embora o Estado procure resolver os problemas que lhe cabem, termina
impedido, porque requer dele a destruição das relações antagônicas e, dada a sua essência,
isso o levaria à própria dissolução.
Com discrepâncias, alguns teóricos, ao discorrerem sobre os problemas da sociedade
e buscarem alternativas, não rompem com o Estado. Alguns desses teóricos, como Coutinho e
Libâneo, baseiam-se numa determinada interpretação do pensamento de Marx, que justificaria
a necessidade do Estado capitalista e para o qual a saída seria a democratização das relações
de poder e a participação de todos através da cidadania. Outros teóricos (Mészáros, Lessa,
Tonet etc.), porém, ancorados na perspectiva da ontologia marxiana, defendem a atualidade
dos estudos de Marx e propõem a superação do Estado.
O primeiro grupo reconhece que a existência das classes permeia-se de conflitos, mas
o único caminho possível para a emancipação do homem é a luta cotidiana e também a
anuência do Estado — para se alcançar a democracia plena.
Tonet, no texto “Cidadão ou homem livre” (livro Democracia ou Liberdade?),
afirma:
Vivemos num tempo de muitas ditaduras e a clara exposição dos aspectos autocríticos do chamado socialismo real. A democracia parece, então, a descoberta do
verdadeiro caminho ou mais do que caminho, do campo no interior do geral se dará
progressivamente o aperfeiçoamento da sociedade. (1997, p. 163)

E continua:
Este começo perdeu um tanto do seu brilho e hoje foi substituído por outro. Trata-se
da cidadania, como já vivemos sob um regime democrático, um conceito de forte
conotação jurídico-política, nada mais justo agora do que lutar para alargar os
direitos dos indivíduos, aos quais, evidentemente, também correspondem deveres.

20
Tomar consciência dos seus direitos e/ou ampliar os já existentes, inscrevê-los na
constituição e nas leis, organizar instituições para a defesa e implantação deles.
Cidadania tornou-se sinônimo de liberdade. Cidadão é o indivíduo que tem direitos e
deveres das mais diversas ordens e que tem no Estado a garantia de que estes
direitos e deveres terão sua existência efetiva. (Idem, pp. 163-164)

Assim, para os conservadores e para os pseudoprogressistas, a humanização do
Estado e a solidariedade constituem-se as únicas saídas para resolver os problemas sociais.
Basta manter a “neutralidade”, já que não se trata de “defender nenhuma classe” em
particular, e sim defender todos. As lutas no interior da sociedade ocorrem no âmbito da
política, em presença do Estado democrático e da luta pela conquista da cidadania,
possibilitando a ampliação progressiva dos direitos já conquistados. Por isso é preciso que a
sociedade civil se mantenha sempre de sobreaviso para as lutas cotidianas por mais direitos,
busque garantir que o Estado trate todos com igualdade e exija, das entidades, políticas
públicas próprias ao fim almejado.
Desse modo, o Estado pode e deve solucionar os problemas sociais; contrariamente,
Marx expõe: “O Estado burguês nada mais é do que elementos isolados, contra a classe
burguesa, contra os seus elementos isolados, contra a classe explorada, uma segurança que
deve tornar-se cada vez mais dispendiosa e autônoma perante a sociedade burguesa, porque o
exercício do domínio sobre a classe explorada se torna cada vez mais difícil” (MARX, 1975,
p. 43). Por esse raciocínio, o Estado surgiu para garantir as desigualdades e a expressão da
sociedade civil, de tal sorte que conceber a perspectiva da emancipação política, creditandolhe a garantia da felicidade de todos, significa reforçar o poder da livre iniciativa dos
capitalistas para a reprodução dos seus fins.
Para os revolucionários que veem na teoria marxiana uma proposta social coerente
com a construção de uma sociedade deveras emancipada, o efetivo expediente para a classe
dominada não está na ampliação do Estado — embora este seja importante —, senão na sua
total solvência. É incontestável a importância das lutas cotidianas: não devem ser
menosprezadas. Todavia, elas hão de direcionar-se para a superação da sociedade, visando a
diluir as relações fundadas na propriedade privada, o direito democrático, o Estado e toda a
sua máquina burocrática.
Tonet aborda essa questão ao mencionar as quatro teses de Marx acerca do papel do
Estado:
[...] Primeira tese: há uma relação essencial, de dependência ontológica do Estado
para com a sociedade civil [...] Marx afirma que o Estado tem a sua raiz no
antagonismo das classes sociais que compõem a sociedade civil [...] Segunda tese: O

21
Estado é essencialmente uma expressão e um instrumento das classes sociais
dominantes, portanto, um instrumento de opressão de classe [...] Terceira tese [...] O
Estado é impotente para alterar a sociedade civil, pois, ao mesmo tempo em que
Marx evidencia a natureza do Estado e suas relações com a sociedade civil, também
mostra que os males sociais fazem parte essencial dela [...] Quarta tese: a tese da
extensão do Estado [...]. (1997, pp. 125-130)

A partir delas, Marx esclarece, com clarividência, os limites do Estado e demonstra
que ele é indispensável à sociedade de classe: classe contra classe, pessoas contra pessoas e
classe que detém o poder e é dona da maior produção e compra de força de trabalho. Ele se
configura um instrumento pelo qual a classe dominante organiza as estratégias essenciais para
dominar o trabalho, a economia, o mercado, enfim, toda a sociedade civil.
A democracia é a relação de manipulação das classes desfavorecidas pela classe
prevalecente e a força por excelência para essa dominação no mundo atual. Senão, veja-se:
Marx e Engels viam duas faces na questão da democracia [...]. Uma delas consiste
na ‘utilização’ pela classe dominante das forças democráticas (eleição, parlamento)
como meio para oferecer a ilusão da participação das massas no Estado, enquanto
que o poder econômico da classe dominante garante a reprodução das relações entre
o capital e o trabalho na produção. Na outra face, está a luta para dar às formas
democráticas um novo conteúdo social ou de massas, impelindo-as aos extremos
democráticos de controle popular a partir da base, incluindo a extensão nas formas
democráticas da esfera política para toda a sociedade. (DRAPER, 1977, p. 310 apud
CARNOY, pp. 71-72)

Está posta, portanto, a questão segundo a qual a democracia tem como função
precípua esconder que é uma relação de poder da classe dominante; tanto é assim que alguns
acreditam: pela ampliação dos direitos, a classe trabalhadora pode tomar o poder político. Mas
não perguntam se a classe dominadora vai permitir isso.
Tonet observa, nas teses de Marx, a incapacidade de o Estado solucionar os
problemas sociais. Analisando a realidade hoje, o autor constata que a sociedade de classe na
qual o Estado moderno tem seu nascedouro é limitada por sua própria natureza, uma vez que
se ampara na compra e venda da força de trabalho, na prosperidade privada dos meios de
produção e na apropriação do trabalho produzido de forma alheia ao seu real produtor; por
isso, existe a divisão em classes com objetivos díspares, e o maior é a apropriação graças ao
acúmulo privado de riqueza. Isso produz, entretanto, vários problemas sociais: falta de saúde,
educação, lazer, além da fome, do trabalho alienado e de problemas com a natureza, entre
outros. O Estado não pode resolver esses problemas porque ele próprio os origina!
Marx ensina:

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[...] quando o Estado admite a existência de problemas sociais, ele os procura ou em
leis de natureza, que nenhuma força humana pode comandar, ou na vida privada,
que é independente dele, ou na ineficiência da administração, que depende dele.
Como não pode atinar com as causas fundamentais destes males, só resta ao Estado
tomar medidas paliativas. (MARX, 1995 apud TONET, 1997, p. 129)

A última colocação de Tonet concerne à proposta dos revolucionários marxianos que
advogam pela superação do Estado. Como a luta pela cidadania significa a continuidade da
exploração do trabalho pelo capital, a superação do Estado é condição sine qua non de
liberdade emancipada, não só da classe trabalhadora mas também de toda a humanidade. É
que o processo de alienação e reprodução do capital também faz parte da classe prevalecente,
embora ela desconheça a causa.
A remoção da ordem vigente é uma meta, mas até lá não se deve preterir a luta por
conquistas pontuais, que traduzam melhores condições para a classe trabalhadora.
Naturalmente, quando questionado, o Estado — que atua através de mecanismos de defesa e
reprodução, como o jurídico e o político — tende a adotar medidas paliativas, necessárias à
própria manutenção do capital. Frise-se, nesse sentido, que algumas vantagens obtidas pelo
trabalho decorrem de pressão; a luta, no campo da política, faz-se importante, contudo o
trabalho não deve visar à cidadania, senão a emancipação humana — e a política é, em
verdade, um instrumento na mão dos trabalhadores para preparar o terreno da revolução
social, que destruirá a velha máquina do Estado.
Propor a superação do Estado não implica construir outro com referenciais diferentes
ou, simplesmente, manter a mesma base social. Significa, antes de tudo, romper com as
questões que vivificam o capital, como, por exemplo, a propriedade privada, as classes
sociais, a política e o próprio Estado. Essa é a revolução que, segundo Lênin, deve acontecer.
[...] do confronto armado, já que o Estado é a força armada da burguesia. A idéia
aqui é que todo Estado, apesar de todas as suas instituições “democráticas”, é, nas
sociedades capitalistas, controlada diretamente pela classe burguesa, e que sua
função principal é de dirigir a coerção. Por meio do enfrentamento frontal dessa
força coercitiva e de sua derrota com uma força superior, o estado burguês será
destruído, o instrumento de opressão será eliminado e o proletariado tomará o poder,
utilizando a força das suas próprias armas para proteger esses poder. (LÊNIN, 1965
apud CARNOY, 1988, p. 80)

A superação do Estado não basta. Uma simples inversão de papéis pode acarretar
uma ditadura do proletariado, e, ainda que noutro sentido, o Estado continuaria existindo
como aparelho de coerção de classe.
Essa sociabilidade existente no capitalismo tem como ponto de partida a compra e
venda da força de trabalho, com a acumulação cada vez maior de capital, e como horizonte

23
final o lucro, em que as relações sociais são geradas a partir da produção, do trabalho, da
divisão de classes e da hegemonia das classes dominantes através do Estado e da ideologia.
A busca incessante pelo lucro é não só do capitalista mas também dos trabalhadores.
Isso significa que nada garante, e já foi demonstrado na prática, que a classe trabalhadora, ao
tomar do Estado, por mais mudanças que opere, não representará um instrumento de opressão;
apenas haverá uma mudança de classe no poder, com os mesmos vícios herdados pelo antigo
modo de produção e reprodução social.
A fase de 1917 é um exemplo clássico. Passou-se da “Ditadura de Burguesia” à
ditadura do Estado. Os meios de produção foram estatizados; apenas pessoas diferentes
acoplaram essa falsa ideologia, com outros fatores, como insuficiência de riqueza e atraso
tecnológico. A carência da revolução em outros países contribuiu significativamente para o
processo que levou muitos a crer na eternidade do capital, resultando, assim, na proposta da
cidadania como panaceia para os males sociais.
Nesse passo, a luta deverá ser tão somente para alargar horizontes e buscar novas
conquistas, ou seja, utiliza-se o espaço político oferecido pela democracia para “lutar contra o
capital” e desenvolver, paulatinamente, as forças produtivas.
Enfatiza Tonet, reportando-se à expressão política do Estado:
É preciso, contudo, não esquecer o que há de positivo na política. Em primeiro
lugar, o fato de impedir a própria destruição humana [...]. Em segundo lugar, uma
crescente – embora não linear – supressão da arbitrariedade no exercício do poder.
[...] há uma enorme diferença entre ser oprimido por um poder despótico, tirânico,
arbitrário, e ser um poder exercido democraticamente. Em terceiro lugar, um
também crescente progresso em direção à abertura de possibilidades – embora
contraditórias – de complexificação das individualidades e de realização de um
número cada vez maior de pessoas. (TONET, 2005, pp. 95-96)

Por mais que pareça difícil acreditar na substituição de uma ordem social — muito
organizada e sustentada por todas as suas manifestações materiais e espirituais — que vigora
há tempo e gera tanta contradição, o fato é que não passa de uma histórica construção humana
e, conquanto não seja controlável, pode ser superada, se a humanidade assim desejar.
O indivíduo não tem essa consciência porque uma força, uma vez implantada, tem
como resultado a própria força.
A propósito, Mészáros foca algumas dificuldades fundamentais do capitalismo:
[...] a vulnerabilidade da crescente organização industrial contemporânea, [...] a
associação econômica de vários ramos da indústria a um sistema bastante extremo
de partes intimamente interdependentes [...] a dimensão crescente de ‘tempo
supérfluo’ socialmente falando [...] o trabalho, enquanto consumidor, ocupa uma

24
posição de importância cada vez mais na manutenção da corrente de produção
capitalista [...] o estabelecimento efetivo do capitalismo, enquanto sistema mundial
economicamente interligado [...]. (MÉSZÁROS, 1986, pp. 116-117)

O autor trata basicamente dos problemas enfrentados pelo capital no mundo: muitos
funcionários em altos cargos nas mais diversas esferas econômicas; as multinacionais e a
fragmentação da produção, por exemplo, nas indústrias de automóveis, onde existem as
montadoras e as fábricas das peças específicas; e o próprio mercado mundial. Entende-se que,
dessa maneira, o capital — organizado-desorganizado — pode sofrer sérios abalos com crises,
revoltas etc., e precisa, como nunca, apostar em seu poder ideológico e agradecer o descrédito
das ideias revolucionárias, proveniente dos fracassos das revoluções ditas socialistas.
Ante a realidade exposta, superar o capitalismo é uma necessidade, não pela simples
tomada de poder, mas, especialmente, por consciência, pois não se muda o mundo sem, antes,
mudar as pessoas; e isso não significa que basta ter consciência para alterá-lo; a rigor, existem
três condições, sem as quais a transformação social é impraticável: uma teoria revolucionária,
um sujeito (classe revolucionária) e uma situação revolucionária.
Mészaros, em “Filosofia, Ideologia e Ciências Sociais”, evidencia a necessidade de o
proletariado almejar seu próprio fim, em nome: da constituição de uma sociedade fundada em
uma nova e superior forma de trabalho (trabalho associado); da consciência de sua situação de
opressão; da natureza de sua posição de opressão; e da possibilidade de superação de tal
ordem através do acesso a uma teoria que, justamente por ser fundamentada na realidade
objetiva, pode oferecer a real compreensão de toda a problemática.
[...] A burguesia e o proletariado são as únicas classes puras na sociedade burguesa.
Elas são as únicas classes cuja existência e desenvolvimento inteiramente do curso
da evolução moderna da produção, e só a partir das condições de existência destas
classes é que um plano para a organização total da sociedade pode mesmo ser
imaginado. (MÉSZAROS, 1986, p. 114)

De acordo com o filósofo húngaro, o poder de superação da ordem social vigente
está nas mãos da classe trabalhadora, embora ela não tenha consciência nem de sua própria
constituição. É preciso que ela compreenda sua historicidade, sua posição de opressão e a
necessidade, possibilidade e caminho para se superar a sociedade de classes. E ela é a única
classe que pode perceber a necessidade de sua própria extinção, aspirando ao rompimento
com as condições de exploração às quais está submetida.
O Estado, para manter seu processo de dominação, necessita — além da força dos
instrumentos de repressão — do desenvolvimento da política a partir das necessidades da

25
classe dominante. No entanto, para que esse poder seja exercido sem muitos problemas,
usam-se elementos ideológicos fundamentais que promovem o consenso e têm na educação
um instrumento importante, desde que esteja a serviço dos interesses do capital. Assim,
formam-se as habilidades e competências do trabalhador, que, por sua vez, contribui para a
produção material e espiritual do regime burguês, sobretudo no modelo neoliberal.
Um modelo de estruturação de poder que pressupõe ao mesmo tempo, a
despolitização da política e a repolitização da sociedade civil. Despolitização da
política a fim de obstáculos concretos aos projetos sociais contestadores das relações
capitalistas de produção da existência e de limitar as possibilidades de mudanças dos
marcos do reformismo político. Repolitização da sociedade civil, a fim de
transformá-lo de instância política de disputa de projetos societais em instância
prestadora social de interesse público. (NEVES, 2008, p. 360)

Nesse contexto, uma educação de qualidade na perspectiva burguesa requer maior
mecanismo para o controle ideológico,
materializado fundamentalmente pelas políticas direcionadas à melhoria da
qualidade de ensino, entre as quais merecem destaques: o treinamento de dirigentes
escolares, metamorfoseados em gerentes e diretores. A redefinição da política de
formação de professores de todos os níveis de ensino; a definição de novas diretrizes
e de novos curriculares nacionais, as diretrizes para elaboração de projetos políticopedagógicos; as diretrizes para elaboração dos projetos político-pedagógicos
escolares; e os mecanismos de avaliação do desempenho escolar, das instituições de
ensino e do corpo docente. (Idem, p.375)

Tudo isso é feito em nome de um novo projeto de educação de qualidade, em que as
políticas educacionais em âmbito internacional têm-se tornado terreno fértil, conforme se vê a
seguir.

1.1 Educação de Qualidade e Políticas Internacionais
À medida que o processo neoliberal se desenvolve, destruindo barreiras de língua, de
comércio etc., o debate sobre a educação também se amplia e busca soluções para todos os
problemas. A própria lógica capitalista criou essa perspectiva. Trata-se de levantar os
problemas em curto prazo, planejar soluções e pô-las em prática por meio da implementação
de recursos astronômicos. Tornou-se comum a “ajuda” de instituições financeiras
internacionais, através do Fundo Monetário Internacional (FMI), de seus bancos e agências
financeiras e de programas de fomento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano
para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), além da Agência para o Desenvolvimento

26
Internacional (IDA) e do incentivo à participação da iniciativa privada, com as privatizações e
os sistemas de bolsas.
Assistimos a partir do final do século passado a um aumento do interesse, sobre a
educação, das organizações nacionais e internacionais financeiras e promotoras de política
sociais. Tais instituições, lideradas pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura), organizaram diversos encontros para traçar as metas a ser
atingidas pela educação, o perfil do indivíduo que a escola deveria preparar e a educação que
formaria esse indivíduo para a sociedade do conhecimento. São encontros que “alimentam” a
organização e manutenção da Declaração Mundial de Educação para todos, assinada na
Conferência Mundial de Educação, em Jomtien, e reafirmada em Nova Déli, Dakar,
Cochabamba, Titija e Brasília.
A Conferência Mundial de Educação para todos, ocorrido em Jomtien, na Tailândia,
em 1990, contou com a representatividade de 155 países e 120 organizações não
governamentais (ONGs) que assinaram e aprovaram a Declaração Mundial sobre
Educação para todos e o Esquema de Ação para satisfazer as necessidades básicas de
aprendizagem (NEBAS), que assume o objetivo de assegurar a universalização de
educação básica e garantir a toda sociedade os conhecimentos necessários a uma
vida digna, humana e justa. (SEGUNDO, 2007, pp. 135-136)

Nessa época, delinearam-se as metas a ser alcançadas pelos países participantes; eilas: redução do analfabetismo, aumento da escolarização de jovens e adultos,
desenvolvimento sustentável, diminuição da questão de gênero (mulher x homem) e da
relação série x idade, ampliação do ensino, realização do ensino fundamental, e
aprimoramento da “qualidade do ensino infantil”. Com a criação desses objetivos, todas as
políticas de Estado se colocaram na sua agenda, principalmente as mais pobres, e também se
passou a dirigir as políticas de funcionamento, afinal “o desenvolvimento do mundo,
passando pelo desenvolvimento dos países, depende da educação”. Esta passou, logo, a
produzir, “primeiramente”, vários encontros internacionais, que, por conseguinte, geraram
metas, políticas, legislações e projetos de funcionamento para efetivar os objetivos, com
patrocínio dos organismos internacionais de fomento, tanto para a educação quanto para as
áreas sociais.
A sociedade capitalista é, reitere-se, excludente pela raiz que cria a compra e venda
da força de trabalho. Garantir — a todos — conhecimento e vida justa e humana é uma
daquelas ideias que denunciam a falsa consciência e enquadram-se no conjunto de “direitos”...
nunca alcançados! A própria lógica do capital constitui-se um óbice para que a maioria possa
ter vida digna e acesso aos bens. Nesse sentido, a educação nunca poderá cumprir o destino

27
que lhe foi traçado. Mais verbas para a educação até são bem-vindas, porém implicitamente
elas se sujeitam ao controle parcial dos bancos, em um ambiente eivado por uma ideologia
capitalista, que tem no próprio Estado a afirmação dessas metas.
Em 1993 a Declaração de Nova Déli de Educação para Todos reiterou os
compromissos firmados entre os países envolvidos (Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão,
Índia, Indonésia, China e Blangadesh), ao passo que reconheceu a importância daquelas metas
e estabeleceu, assim como a Declaração de Jomtien, o ano de 2000 para o cumprimento delas;
esses países reconhecem que a educação é:
[...] a condição primordial no enfrentamento de seus problemas mais urgentes,
enfatizando, dentre estes, o combate a pobreza, o aumento da produtividade, a
melhoria das condições de vida e a proteção ao meio ambiente. Postulam que, ao
oferecer educação aos cidadãos do mundo, estes assumiram um importante papel na
construção de sociedades democráticas e no enriquecimento da herança cultural de
seu povo. (SEGUNDO, 2007, pp. 139-140)

Portanto, de fato se justifica o alto interesse dessas nações no investimento em
educação e das próprias instituições financeiras em oferecer os financiamentos necessários
aos países, porquanto são grandes os retornos imediatos, por conta do lucro advindo do
próprio empréstimo. Há, ainda, o crescimento futuro das economias proporcionado pelos
benefícios que os países vão colher com a melhoria da educação. E esses países organizam-se
para cumprir os acordos, seguindo um roteiro de estudos e discussões para a elaboração de
diretrizes estratégicas, a exemplo do que o Brasil realizou.
[...] de 10 a 14 de maio de 1993, a primeira ‘Semana Nacional de Educação para
Todos’, com intensa participação de órgãos governamentais das três esferas do
governo, assim como de entidades civil. Esse evento resultou no ‘Compromisso
Nacional de Educação para Todos’, associado pelo Ministério da Educação, pelo
presidente do CONSED (Conselho Nacional de Secretaria de Educação), pela
UNDIME (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e pelo representante da
UNESCO no Brasil. O princípio de Educação para todos (EPT) se inclusa como a
meta basilar na Lei de Diretrizes e Básicas de 1996. (Idem, p.139)

Nas últimas décadas, o debate sobre a educação e o financiamento se deu
internacionalmente. No Brasil, ele veio acompanhado pelas propagandas de televisão, veículo
que envolve grande parte da sociedade, e provocou a “grande reforma do ensino”, com a
sanção da lei 9.394, de dezembro de 1996, que estabeleceu: as Diretrizes e Bases da
Educação, os princípios e a finalidade da educação nacional, o direito e dever quanto à
educação, a organização da educação nacional, a formação profissional para a educação, a
aquisição e aplicação de recursos e, enfim, a criação de fundos específicos de investimento,

28
como o Fundef (para o ensino fundamental ou para toda a educação básica) e o Fundeb (para
a valorização do magistério, com a criação do piso salarial e das políticas de formação
continuada).
Na dinâmica da organização social atual, a chamada “sociedade do conhecimento”
exigiu atenção maior à educação e a inseriu nas pautas do debate internacional (Fórum de
Jomtien), dos acordos de financiamento e cumprimento das metas e da organização individual
dos países, para atingir as exigências do mercado globalizado. Não se pode esquecer de
mencionar a divisão das responsabilidades por parte das esferas políticas e privadas nos níveis
e modalidades de ensino que devem satisfação ao Estado, no que concerne aos princípios da
Educação estabelecidos na supracitada lei.
Passados os dez anos de prazo para atingir as metas estabelecidas em Jomtien e
reiteradas em Nova Déli, por meio da Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, os
líderes dos países se reúnem em Dakar para averiguar os resultados e estabelecer novas metas
e estratégias de políticas para efetivá-las. Na análise, constataram-se muitos avanços em
alguns países, entre eles o Brasil, mas por aqui o resultado foi, diga-se de passagem,
considerado insatisfatório — devido ao alto índice de analfabetismo, à falta de acesso de
todos aos sistemas de ensino, à carência de conhecimento necessário para o mercado e assim
avante.
Todavia, na avaliação de Dakar, os resultados dos dez anos de Jomtien foram
considerados decepcionantes para a maioria dos países, pois apenas um pequeno
número conseguiu uma redução quanto a desigualdade no atendimento a meninas,
minorias étnicas e portadores de necessidades específicas. E alguns países indicaram
o desenvolvimento de novas políticas, leis e estruturas para garantir um ou mais das
dimensões da chamada Educação para Todos. (SEGUNDO, 2007, p. 143)

Para se alcançar os objetivos delineados em Jomtien, fez-se uma avaliação das causas
e consequências do fracasso e redefiniram-se novas metas, novos financiamentos; apenas
algumas finalidades foram reforçadas, como a questão do analfabetismo. Qual a real causa do
fracasso dessas metas traçadas para os países pobres? De acordo com a ONU, é justamente a
falta de apoio financeiro e comercial dos países ricos, ou seja, a solução estaria na
solidariedade das pessoas e dos gestores públicos e privados, mas, em verdade, a resolução
desses problemas é impossível, por causa da própria excludência do capital.
Em Dakar foram estabelecidas seis metas, com prazo até 2015, que se diferenciam
das estipuladas em Jomtien apenas quanto ao nível que se pretende atingir através do “Marco
de Ação de Dakar”. Conforme Mendes Segundo, trata-se do acirramento da participação das

29
entidades civis na realização das Metas Desenvolvimento do Milênio, das quais se destacam:
a educação infantil para todas as crianças, com enfoque na excelência de ensino para as
crianças ditas normais; a garantia das habilidades de vida a todos os portadores de
necessidades especiais; e a redução, em 50%, do analfabetismo adulto.
Ao apresentar em Dakar o balanço dos dez anos da educação concernente às regras
combinadas em Jomtien, o Brasil enumerou uma série de avanços, os fracassos e as
pretensões para os próximos quinze anos.
[...] alfabetizar o Brasil; construir a universidade do século XXI e iniciar a
implementação da Escola Básica ideal. Estes movimentos serão realizados por
intermédios de cinco pilares: valorização, formação e motivação de todos os
professores; universalização de educação até o final do ensino médio; alfabetização
de todos os adultos; recuperação e ampliação física das escolas; equipamento
pedagógico das escolas e extensão do livro didático para o Ensino Médio.
(MARANHÃO: DAKAR, 2000 apud SEGUNDO, 2007, pp. 144-145)

Os problemas continuarão a existir, porque essas metas não dizem respeito ao cerne
da questão: como os homens produzem a sua existência, pois no capital não existe trabalho
para todos, nem todos terão acesso aos bens produzidos. O que poderão realizar,
pessoalmente, é defender uma educação que caminhe para formar o homem livre, ou seja,
uma formação que se volte à historicidade humana e supere o capital, rumo a uma sociedade
comunista. Mas se vê o inverso: o reforço de uma educação burguesa engendrada de todas as
formas possíveis; a necessidade de formar o cidadão para uma sociedade supostamente
democrática, e, por conta da história de ditadura na América e autoritarismo em outras partes
do mundo, essa hipotética democracia é alçada à posição de realce.
Consoante Segundo:
Frente ao desafio da construção da sociedade futura, os ideólogos neoliberais
colocam na educação a missão de conceber e efetivar o desenvolvimento
sustentável, autônomo e justo. Num exame mais minucioso, entendemos que tal
formulação integra parte das estratégias do capital no sentido de superar sua crise
estrutural. A educação formal, representada pela escola básica, aparece aqui como
redentora das crises geradas pelas próprias contradições do sistema capitalista,
devendo contribuir na solução dos problemas de desemprego, da mão-de-obra
desqualificada, da desigualdade social, de gênero, etnia, religiosa e cultural. (Idem,
p. 145)

Depois da reunião de Dakar, realizaram-se várias conferências: na América, por
exemplo, destacam-se a de Cochabamba (2001), a de Tirija (2003) e a de Brasília (2004). De
modo geral, essas reuniões têm em comum o reconhecimento da educação para o
desenvolvimento social e a necessidade da participação popular para alcançar as metas.

30
Ainda de acordo com Segundo:
Observa-se que nas últimas declarações analisadas (Cochabamba, Tirija e Brasília),
os professores são considerados os principais responsáveis no cumprimento das
metas de educação para todos, contribuindo assim para reconstruir os elementos
indispensáveis a vida social e as relações interpessoais. Estes devem, ainda, ser
cooperativos com relações às reformas na educação [...]. Apraz-nos, contudo, avaliar
que tal conclamação aos docentes nada mais representa do que transferir para estes
as graves lacunas deixadas pela ausência de uma política de educação nacional
comprometida com a efetiva resolução dos problemas e necessidades sócioeducacionais da classe trabalhadora. (Ibidem, p. 149)

A autora enfatiza a organização da educação para atender às necessidades do capital
e mostra que ela, através do Estado, em nível mundial, contém um planejamento de execução
de políticas que visa, em última análise, à recuperação das crises geradas pelo próprio capital.
Ademais, estimula-se a reprodução deste, pretere-se o fio condutor de seus problemas e
organiza-se o trabalho, deveras alienado, estruturalmente dividido entre ricos e pobres. Assim,
a classe dominante, através das relações de mercado (realidade que gera as demais relações),
superficialmente elege culpados. No caso do mercado de trabalho, a culpa recai sobre o
próprio trabalhador; e, na educação, a deficiência da aprendizagem é atribuída, conforme a
autora, tanto ao trabalhador quanto à sociedade.
Reforça-se isso com Ball, que adequadamente trata as políticas públicas como
“mágicas” do mercado voltadas a camuflar os problemas sociais por ele produzidos e a eleger
culpados.
Para as políticas, a ‘mágica’ do mercado funciona em diversos sentidos. Por um
lado, trata-se de uma reforma sem intervenção direta, uma intervenção nãointerventiva. Trata-se de um truque básico de feiticeiro: ‘agora você vê [...] agora
você não vê mais’, ela distancia o reformador dos resultados da reforma, culpa e
responsabilidade são também desenvolvidas ou terceirizadas. (1998, p. 130)

Deve-se, também, atentar para o nível de participação das instituições financeiras
BIRD e BID na elaboração e efetivação das políticas públicas discutidas nesses encontros.
Essas entidades representam, em grau elevadíssimo, o capitalismo, pois trabalham
diretamente com o acúmulo de riqueza, o capital financeiro e o capital acumulado sem a
prática do próprio trabalho. Logo, interessam a elas — mais do qualquer outra esfera social —
a manutenção e o aprimoramento do capitalismo.
Esse interesse pela educação não é novo: desde os anos 60 o processo começou a
desenvolver-se, embora só atualmente ocorram maior privatização e incentivo financeiro.

31
[...] o financiamento do Banco Mundial (BIRD) privilegiava os projetos de infraestrutura física, tais como comunicação, transporte e energia, como medidas de base
para o crescimento econômico. No final da década de 60, o Banco irá somar às
metas puramente quantitativas que caracterizavam os projetos econômicos alguns
objetivos voltados para a igualdade e o bem-estar social [...] passa a financiar o setor
social, com medida de alívio e de redução da pobreza ao terceiro Mundo.
(FONSECA, 1995, p. 169)

O capital desenvolve interesses pela educação, e o Banco Mundial e outras entidades
os financiam e garantem — através da extensão da oferta de ensino, da alfabetização para
todas as crianças, da integração do ensino ao trabalho, do aperfeiçoamento do padrão de
eficiência dos sistemas de ensino, e da melhoria da gestão financeira e democratização da
escola. Logo, demonstra-se interesse em otimizar e ratificar a privatização do ensino, com
vistas às necessidades do mercado de trabalho, da sociedade capitalista e do lucro privativo.
O FMI surgiu para tentar “resolver” problemas socioeconômicos dos países em
desenvolvimento, mas terminou influenciando, e pode ser definido, um conjunto de
instituições financeiras organizadas e incumbidas, conforme suas especificidades, de se
ocuparem do funcionamento das políticas liberais. No caso da educação, costuma-se ver com
muito mais frequência a atuação do Banco Mundial e da Agência para o Desenvolvimento
Internacional (USAID), principalmente no Brasil.
Vale destacar que, na estrutura organizacional dessas instituições (Fonseca cita
especificamente o Banco Mundial), os diversos países “afiliam-se” a elas por meio de
contribuições financeiras, com a finalidade de ter acesso aos financiamentos e às decisões de
diretrizes que haverão de seguir-se, o que supõe a crença de que os acordos de custeio,
consensuais entre os mais de 160 países-membros, serão justos.
[...] Embora teoricamente a definição do modelo econômico e financeiro do banco
devesse resultar do consenso entre os diversos países – membros – o que
fundamentaria a tese da integração dita “interdependente”, a prática mostra uma
repartição de poder extremamente concentradora, onde os países mais ricos
contribuem mais, e, consequentemente, detêm maior poder de decisão. (FONSECA,
1995, pp. 173-174)

Ainda na esteira do Banco Mundial, a autora continua:
Este poder se refere a própria estrutura decisória no interior da organização, que
define o poder de voto através da contribuição de recursos financeiros:
aproximadamente 50% dos votos são controlados por cinco países, dos quais os
Estados Unidos detêm cerca de 20% (além do poder de voto); a Inglaterra 8%; a
Alemanha 5,5%, a França 5,5% e o Japão 7,5%. (Idem, p.174).

32
Não cabe aqui um estudo aprofundado de todas as possíveis consequências da forma
de organização, nem citar a dinâmica da relação de poder, da administração e do nível de
participação dos países-membros, mas apenas demonstrar, indiretamente, a tendência real de
determinação dos países ricos em relação às políticas sociais financiadas por tais instituições
em países pobres. Conquanto essa regra não se aplique integralmente à política de todas as
instituições, é sabido que não se afasta muito desse princípio, segundo o qual, em última
instância, prevalecem as vontades dos países ricos — e mais: do próprio desenvolvimento do
capital.
Outra questão relevante, e de que Fonseca trata muito bem, refere-se ao custo dos
financiamentos realizados por essas instituições; pois, apesar de os juros serem mais baixos
que os das demais, ainda são altos. Cobram-se taxas adicionais (com reajuste conforme a
variação cambial) justificadas pelo risco que o país pode oferecer quando da quitação da
dívida. Aquelas cobradas sobre os próprios montantes servem para garantir que o saque seja
realizado, e outras incidem se houver, por ocasião da realização de projetos, não cumprimento
dos prazos. Essas taxas são proporcionais aos atrasados, que se mostram frequentes
justamente pelo nível de desenvolvimento dos países e por conta de seus planejamentos e alto
“otimismo” ao elaborar suas políticas. Podem-se, ainda, aumentar as dificuldades na política
econômica, que, por sua vez, pode multiplicar as dívidas e os gastos adicionais no estudo,
planejando, assim, a negociação dos projetos junto a tais instituições.
Nas palavras do próprio Fonseca, as condições básicas para o financiamento são:
[...] criação de um fundo comum de moedas, com a finalidade de assegurar uma
repetição dos custos do conjunto de meados que integram o mercado internacional,
entre os países tomadores de empréstimo, [...] institui a taxa variável de juros [...]
inclui aos serviços pagos pelos tomadores uma taxa de 0,5% relativa aos custos
médios dos empréstimos tomados pelo banco neste mercado [...] inclui-se também o
pagamento de “taxa de compromisso”, correspondente à cobrança de 0,75% a.a
sobre recursos ainda não retirados pelos tomadores. (1995, pp. 175-176)

Além dessas condições específicas do mercado financeiro, é bom lembrar que
existem também as exigências peculiares do próprio projeto e das políticas estabelecidas nos
debates já mencionamos aqui. Saliente-se que o Banco Mundial e as demais instituições
financeiras não só acompanham diretamente essas discussões como também participam do
seu financiamento, o que evidencia interesses no campo financeiro e no educacional (o
conteúdo ensinado e a forma como isso se dá).
De 1971 a 1990, dois empréstimos concedidos ao Brasil ultrapassaram o prazo e,
destarte, os custos foram maximizados, acarretando mais dívida externa brasileira. Pior: não

33
houve resultado algum que merecesse ou mereça reconhecimento! Nenhuma das metas, nem
de longe, foi completamente atingida! Além do mais, em nenhum dos dois projetos, o valor
disponibilizado pelo banco superou os investimentos do Brasil. Primeiramente, efetuava-se o
gasto de acordo com uma agenda definida pelo projeto — condição para concessão do
empréstimo —; só depois, havia ressarcimento pelo banco, de modo que, se surgissem
problemas no desempenho do projeto, esse desembolso por parte da instituição bancária
poderia dificultar-se.
Quanto ao primeiro projeto, diversos empecilhos impediram a concretização das
expectativas. Um deles foi a incompatibilidade entre as exigências internacionais e as
condições econômicas do país, determinadas principalmente pelos efeitos da inflação e das
oscilações de câmbio. Frise-se que essas condições foram responsáveis pela falta de recursos
para prover a contrapartida nacional do financiamento, o que provocou a diminuição do
desembolso externo, o atraso na implantação do projeto e, consequentemente, o aumento dos
custos (idem, pp. 181-182).
Tocante ao segundo projeto, existiram as mesmas pressões administrativas do
antecedente, em face da situação política e econômica caracterizadora dos anos 80. Prevista
para o período de 1980 a 1984, a execução do projeto estendeu-se até 1990. “Acresce ainda o
fato de o crédito sofrer um cancelamento de cerca de sete milhões de dólares, devido ao atraso
na execução e também a outros fatores relativos ao fraco desempenho do projeto.”
(FONSECA, p. 185).
De acordo com os dados levantados no estudo da experiência de duas décadas de
cooperação técnica do BIRD, o Brasil experimentou tão somente resultados negativos. Até
mesmo por isso, é relevante a realização de estudos mais profundos no que tange aos projetos
executados e às projeções vindouras, também para tentar driblar o fracasso existente, culpa do
Estado.
Nesse contexto, o que está por trás da influência desses organismos internacionais
pela educação? Por que há uma preocupação maior com o ensino fundamental? Talvez seja a
necessidade de precocemente insculpir nas pessoas os valores e as regras do capital, através
de uma educação de qualidade sob a perspectiva burguesa; ou seja, faz-se necessário
transmitir essa ideologia (a falsa realidade) desde os primeiros anos de ensino. Isso é
fundamental para a manutenção do statu quo burguês!
Cabe, pois, ao Estado capitalista neoliberal promover uma educação capaz de ajustar
a formação dos indivíduos aos seus imperativos. Doravante trataremos disso.

34

2 ESTADO, NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO

No sistema capitalista, existe uma impossibilidade de controlar o capital, de regular
sua natureza. Ele, em algum momento e pela sua própria lógica, até apresenta limitações, vive
crises cíclicas etc., porém o controle total é impossível. A única forma de realmente “domálo” é superá-lo.
Segundo Netto: “O capitalismo contemporâneo particulariza-se pelo fato de, nele, o
capital estar destruindo as regulamentações que lhe foram impostas como resultado das lutas
do momento operário e das camadas trabalhadoras” (2006, p. 225).
Mundialmente, a estratégia do capital por meio do neoliberalismo mostra que:
As premissas da reestruturação econômica predominante no capitalismo avançado
ou as premissas do ajuste cultural são altamente compatíveis com os modelos
neoliberais. Estas implicam redução do gasto público e não investimento; venda das
empresas estatais, paraestatais ou de participação estatal; e mecanismos de
desregulamentação para evitar o intervencionismo estatal ao mundo dos negócios,
junto com isso, propõe-se a diminuição da participação financeira do Estado no
fornecimento de serviços sociais (incluindo educação, saúde, pensões e
aposentadorias, transporte público e habitação populares) e sua subseqüente
transferência ao setor privado (privatização). A noção de privado (e as privatizações
são glorificadas como parte de um mercado livre, com total confiança na eficiência
da competição, onde as atividades do setor público ou estatal são vistas como
ineficientes, improdutivas, antieconômica, e como um desperdício social, enquanto
o setor privado é visto como eficiente, efetivo, produtivo, podendo responder, por
sua natureza menos burocrática, com maior rapidez e presteza às transformações que
no mundo moderno. (GENTILI, 1995, pp. 115-116)

Em outras palavras, o neoliberalismo tem, na diminuição do Estado e na
globalização, os seus elementos fundamentais, embora existam outros.
Eis uma série de estratégias que caracteriza o neoliberalismo:
•

Mínima participação estatal nos rumos da economia de um país;

•

Pouca intervenção do governo no mercado de trabalho;

•

Política de privatização de empresas estatais;

•

Livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização;

•

Abertura da economia para a entrada de multinacionais;

•

Adoção de medidas contra o protecionismo econômico;

•

Desburocratização do Estado: leis e regras econômicas mais simplificadas para
facilitar o funcionamento das atividades econômicas;

•

Diminuição do tamanho do Estado, tornando-o mais eficiente;

35
•

Contestação de tributos excessivos;

•

Aumento da produção como objetivo básico para atingir o desenvolvimento
econômico;

•

Contestação do controle de preços dos produtos e serviços por parte do Estado,
ou seja, a lei da oferta e demanda é suficiente para regular os preços;

•

A base da economia deve ser formada por empresas privadas;

•

Defesa dos princípios econômicos do capitalismo.

O elemento fundante do neoliberalismo é, portanto, o Estado mínimo, ambiente
propício à privatização. Mas cabe indagar: o papel desse Estado será semelhante ao do
fordismo?
O Estado neoliberal ao contrário do Estado social-liberal é ao mesmo tempo
centralizado e descentralizado, sua função é limitada à intervenção, tem por papel
induzir mudanças, estabelecer parceria e coordenar iniciativas. E centralizado no que
se refere à definição de um currículo mínimo e de um sistema unificado de
avaliação: e descentralizado no que diz respeito às diferenças sociais, as
desigualdades e às necessidades específicas de cada região. Em suma, o Estado
neoliberal coloca o indivíduo no centro da filosofia social e defende a propriedade
privada como sendo direito fundamental ao homem. Ao Estado cabe a função
regulatória, no sentido de reduzir incertezas e assimetrias de informações e de
garantir a produção eficiente e de qualidade. (NASCIMENTO, 1997, p. 63)

De forma simples: menos Estado e mais mercado. Se o neoliberalismo está vencendo
a “batalha” diária, isso se deve a mudanças na sua base material e no discurso
ideologicamente propagado na sociedade, através de diagnósticos, estratégias veiculadas pelos
difusores. Os governos neoliberais não só transformaram toda a sociedade, material e
espiritualmente, mas também conseguiram disseminar a ideia de que não existe solução
possível além-neoliberalismo. A obra de Frederick A. Hayek e Milton Friedman,
representantes maiores da inteligência neoliberal, foi fundamental para esse “consumo”
político-econômico; caminhos da servidão são capitalismo e liberdade. A liberdade de escolha
configura-se a Bíblia dos tempos modernos.
Consoante Friedman:
O tipo de organização econômica que promove diretamente, isto é, o capitalismo
competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico
do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro. Não conheço
nenhum exemplo de uma sociedade de grande liberdade política e que também não
tivesse algo comparável ao mercado livre. (1985, pp. 18-19)

36
O autor assevera que o mercado livre é a única forma de garantir a realização do
indivíduo e a ordem material, isto é, o capitalismo competitivo é a melhor forma de assegurar
as necessidades do homem. Argumenta, ainda, que a intervenção governamental é maléfica
em si, afinal “os grandes avanços da civilização [...] nunca vieram de governos centralizados”
(idem, p. 13). Ela só se justificaria para determinar as “regras do jogo” e pela necessidade de
um árbitro para interpretá-las e implementá-las. “Assim, o governo é necessário para legitimar
e arbitrar, já que a liberdade dos homens pode entrar em conflito e quando isso acontece a
liberdade de um deve ser levantado para preservar a de outros [...]” (ibidem, p. 32).
O aspecto mais acentuado da nova forma de reprodução é a flexibilidade na produção
capitalista. Ele possibilita a superação de restrições relativas à queda da produtividade do
trabalho e às limitações técnicas e sociais do modelo fordista, além da produção para o
consumo das massas e para consumidores restritos e exigentes.
Um dos elementos fundamentais de sustentação neoliberalista é a globalização, que,
em última instância, significa a dominação pelo mercado e pelo livre mercado, uma realidade
em que o máximo possível é mercantilizado e privatizado. E isso desemboca no domínio dos
bancos sobre todos os setores da economia.
No Brasil, a ideologia neoliberal invadiu a universidade, os sindicatos, as empresas...
Isso se deu através da ofensiva ideológica de massa, por determinação da mídia e pelas
pressões das instituições internacionais e dos grandes bancos credores. A ofensiva de
propaganda dos adeptos da doutrina neoliberal conseguiu incutir na sociedade brasileira a
ideia de que a globalização é um processo tão rápido que não permite ao País nenhuma
alternativa, exceto se submeter às suas definições, sob pena de involução. Essa ideia é
fortificada com a ameaça de que ou há avanços tecnológicos, ou a Nação ficará à mercê da
“sociedade do conhecimento”. É que o “saber” é o desenvolvimento tecnológico; logo, uma
“educação de qualidade” revela-se fundamental para o futuro do conhecimento.
Essa centralidade se dá porque educação e conhecimento passam a ser do ponto de
vista do capitalismo globalizado, força matriz e eixos de transformação produtiva e
do desenvolvimento econômico. São, portanto, bens econômicos necessários à
transformação da produção, ao aumento do potencial científico e tecnológico e ao
aumento do lucro e do poder de competição num mercado concorrencial que se quer
livre e globalizado pelos defensores do neoliberalismo torna-se claro, portanto, a
conexão estabelecida entre educação, conhecimento e desenvolvimento econômico.
A educação é portanto, um problema econômico na visão neoliberal, já que é o
elemento central desse novo padrão de desenvolvimento. (LIBÂNEO; OLIVEIRA,
1998, p. 602)

37
Educação e privatização no Brasil estão agregadas porque os organismos
internacionais é que determinam a educação no mundo (capitalista anterior) e estabelecem
facilidades para o setor privado ocupar o espaço que seria do Estado.
Libâneo e Oliveira (1998, p. 604) destacam formas de se mercantilizar a escola:
- Adoção de mecanismos de flexibilização e diversificação dos sistemas de ensino;
- Atenção à eficiência, à qualidade, ao desempenho e às necessidades básicas de
aprendizagem;
- Avaliação constante dos resultados/desempenhos obtidos pelos alunos que
comprovam a atuação eficaz e de qualidade do trabalho desenvolvido na escola;
- Estabelecimento de ranking dos sistemas de ensino e das escolas públicas ou
privadas, que são classificados ou desclassificados;
- Ênfase na gestão e na organização escolar, mediante adoção de programas gerenciais
de qualidade total;
- Valorização de algumas disciplinas: Matemática e Ciências Naturais, devido à
competitividade tecnológica mundial, que tende a privilegiá-las;
- Estabelecimento, de forma inovadora, de treinamento de professores, como, por
exemplo, a distância;
- Descentralização administrativa e do financiamento, bem como do repasse de
recursos em conformidade com a avaliação de desempenho;
- Valorização da iniciativa privada e do estabelecimento de parcerias com o
empresariado;
- Repasse das funções do Estado para a comunidade e para as empresas.
São com essas ideias que os neoliberais pretendem impor uma educação de qualidade;
aliás, no próximo capítulo, analisar-se-ão duas questões antes suscitadas: educação a
distância, gestão, descentralização e repasse das funções do Estado.
O processo de reestruturação produtiva e a nova divisão do trabalho trazem, portanto,
elementos negativos para os países da periferia, a despeito de o destino de nenhuma nação
estar previamente desenhado. É o que ensina a história.
Um elemento fundamental para a “vitória” do neoliberalismo é a chamada evolução da
privatização ou ausência do Estado como produtor material de setores econômicos e de outros
setores, como o educacional. Frise-se que este nos interessa sobremaneira. Não bastasse, o
Estado permite que aquilo que teoricamente é público passe, gradualmente, ao domínio do
setor privado, e isso acontece em todos os segmentos sociais. Em nome de uma

38
pseudoqualidade educacional, que põe o ensino público em desgraça (falta de intervenção),
vende-se a ideia de que a escola privada configura-se a melhor alternativa não só para a
qualidade do ensino mas também, e sobretudo, para a manutenção da sua liberdade de
escolha.
De caráter hegemônico, o neoliberalismo é um projeto político, econômico e social
que está fundamentado na subordinação da sociedade ao mercado livre e na não intervenção
do poder público. Nele, o mercado é responsável pela preservação da ordem social.
Qualquer tentativa intelectualista de apenas refutar logicamente os argumentos
neoliberais está longe de compreender os mecanismos habilidosos utilizados pelos pedagogos
da livre iniciativa e do livre mercado. A importância do presente texto reside no fato de as
propostas neoliberais aplicadas à educação estarem atualmente em voga e na necessidade de
compreender que elas são parte integrante de projetos mais amplos. Ao analisar as
perspectivas da educação humana postulada pelos homens de negócio, depara-se com os
verdadeiros objetivos neoliberais, que dão origem a um mercado educacional livre da
intervenção do Estado.
A falácia sobre Gestão de Qualidade Total na Educação — como “grito de guerra” em
defesa de um ensino legítimo, verdadeiro e de qualidade — na realidade é outra estratégia dos
neoliberais que, silenciosamente, devasta a educação! Legítimas são as iniciativas e os
objetivos da sociedade civil, que, em associação de bairros e de classes, tenta mudar um
destino traçado e imposto pelo capitalismo!
A educação desempenha papel importantíssimo na construção dessa hegemonia, pelo
menos por dois motivos: atrela a educação pública aos interesses neoliberais de preparação
para a empregabilidade e é utilizada como veículo de transmissão dos ideais do
neoliberalismo. A proposta de qualidade na educação constitui-se uma tentativa de
conscientizar a comunidade de que ela deve ser responsável por isso e de que não se deve
preterir a obrigação do Estado. A eficiência do sistema educacional e a qualidade na educação
serão atingidas, segundo os neoliberais, somente quando não houver mais a intervenção do
poder público nas políticas educacionais e se consolidar o tão almejado mercado educacional.
É através da ideologia que o capitalismo descobre seu renovado ataque e sua nova
apologia de objetivos e de receituários, que se desencadearam por meio de diversos aspectos
— por exemplo, a chegada da globalização, que nos apresenta vários subsídios para que a
prolixidade dessa ideologia seja compreendida.
Os defensores creem que se trata de um sistema com inúmeros benefícios
socioeconômicos para o desenvolvimento de um país; entretanto, os países subdesenvolvidos,

39
como o Brasil, padecem de problemas relacionados ao desemprego, aos baixos salários, ao
aumento das diferenças sociais e à dependência do capital internacional, tudo originário de
uma política neoliberal.
É sabido que a globalização emana do sistema atual; porém, Setti (2008, p. 2) ensina
que Marx e Engels abordaram assuntos referentes ao processo de globalização, no livro
Manifesto do Partido Comunista:
Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à
produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela
retirou a indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas
e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja
introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, industrias que
não empregam mais matérias-primas autóctones, mas sim matérias vindas das
regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país
mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, que reclamam
para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais
diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si
próprias, desenvolvem-se um intercambio universal, uma interdependência das
nações. E isto se refere tanto a produção material como a produção intelectual. As
criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A
estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das
inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal. (Marx;
Engels, s/d. p. 26)

Diante das inúmeras transformações de ordem econômica, social, política e cultural,
originadas pela ação do capital, a educação assume lugar privilegiado no mundo
mercadológico. Ela é desafiada a satisfazer as expectativas do sistema de produção existente.
Observa Sader (2008, p. 1):
A educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se
instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os conhecimentos e
o pessoal necessário a maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas
também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes.

É no cenário de políticas neoliberais que emergem o desenvolvimento científico e
tecnológico, a reestruturação produtiva e o processo de globalização; com isso, inúmeras
mudanças no mercado de trabalho são desencadeadas. Essas políticas almejam que a escola
prepare os indivíduos para se adaptarem ao modelo de formação exigido pelo contexto atual.
Que tipo de homem o neoliberalismo pretende criar?
Segundo dois pilares básicos da ideologia burguesa contemporânea, ou seja, do
ponto de vista econômico, a formação de homem empreendedor que atribua a si a
tarefa de contornar os graves problemas decorrentes das configurações
contemporâneas da produção capitalista em nosso país, tais como desemprego,

40
subemprego, redução salarial, perda dos direitos trabalhistas e sociais e, do ponto de
vista ético-político um homem ‘colaborador’ que atribua a si individualmente ou em
grupos a resolução dos graves problemas do crescimento das desigualdades social
em nosso país, apresentando-se voluntariamente para, em níveis distintos de
consciência fazer a sua parte na consolidação da hegemonia burguesa pela
implementação de ações sociais de alívio e pobreza...] [São emblemáticas as ações
de responsabilidade social desenvolvidas pelas Organizações Globo – Criança
Esperança, Ação Global, Amigos da Escola, Portal do Voluntário, Merchandising
Social e Geração da Paz; a explicitação nas reformas educacionais, de conteúdos e
atividades de estímulo a busca de coesão social fundamentada nas teses
harmonicistas da concentração social, a participação da Igreja Católica no
desenvolvimento de programas de responsabilidade social dos governos FHC e
Lula. (NEVES, 2008, pp. 365-369, 371-372)

Desse modo, o trabalho pedagógico precisa reorganizar-se conforme o que é ditado
pela Pedagogia da Qualidade Total, oriunda da retórica neoliberal. Essa pedagogia transfere
os padrões de qualidade para o âmbito educacional, assemelhando-os aos que são assumidos
pelo ethos empresarial, que, por sua vez, se harmoniza com as exigências do mercado. Formar
o novo homem com esse diferencial é papel da educação de qualidade.
A educação se realiza por meio de políticas educacionais que passam a ser geridas
por políticas econômicas e gerenciais. Estas delineiam os caminhos pelos quais a escola deve
seguir, convertendo-a em um instrumento de reprodução que vislumbra as exigências do
mercado global e se caracteriza por um controle de qualidade que requer professores
competentes, excelência no ensino, pesquisas de ponta (com o objetivo de produzir
tecnologias competitivas) e, enfim, alunos capazes de ingressar no mercado nacional e
internacional.
Percebe-se que, com a revolução tecnológica advinda das constantes mudanças do
contexto atual, a educação perde paulatinamente sua identidade e converte-se em mero
adestramento para a competição no mercado, com o intuito de que os indivíduos consigam
sobreviver em um mundo conspiratório.
No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do
sistema publico de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo
esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada
exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que tudo se
vende tudo se compra, tudo tem preço, do que a mercantilização da educação. Uma
sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais
em shopping centers, funcionais a sua lógica do consumo e do lucro. (SADER,
2008, p. 1)

Ante princípios mercantis, a escola desenvolve ações burocráticas e administrativas,
tornando-se, ainda, reprodutora da ideologia dominante. E, ao guiar-se por preceitos
educacionais, é capaz de promover a construção do discente (sujeito histórico e concreto) e de

41
estimular nele uma postura crítica da realidade. Mas, em virtude dessa ideologia, a educação
mercantiliza-se, o conhecimento é rebaixado e o homem torna-se objeto dentro da sociedade
tecnoindustrial, que o vê como capital humano e, por isso, acirra-se o relacionamento com o
outro.
Nesse sentido, a escola funciona como um mercado dos produtos da indústria e da
informática, ou seja, um ambiente que trabalha de forma análoga ao mercado; todavia, isso é
contraditório: de um lado, a ideologia neoliberal prega a diminuição da participação do Estado
no financiamento da educação; de outro, na prática, utiliza-se dos subsídios estatais para
apregoar seus produtos didáticos e paradidáticos no mercado escolar.
O neoliberalismo, quando avalia a escola à luz da lógica do mercado e dos processos
gerenciais, fomenta um recuo da ação estatal na educação, e isso conduz a escola a
desvincular-se de seu conteúdo político de cidadania, pelos direitos do consumidor, já que, na
visão neoliberal, os pais e os alunos são consumidores.
O cenário fica ainda mais claro com o aconselhamento do Banco Mundial para que o
Estado reduza os gastos com a educação, pois o intento, em verdade, é que parte do ensino
gratuito seja privatizada. Com isso, o Estado forneceria empréstimos ou bolsas aos estudantes,
que teriam o direito de se matricular em qualquer escola; como efeito, as escolas competiriam
no mercado, para aprimorar a qualidade do ensino.
O discurso neoliberal propaga que a educação só irá oferecer um ensino de qualidade
se for privatizada. Eis a condição para que os indivíduos especializem-se para o mercado, com
a garantia de um emprego. Entretanto, frise-se que a escolarização ou aquisição confere ao
indivíduo capacidade de competir com os outros, o que não significa que o emprego já está
assegurado.
Até os anos 70, o vocábulo “empregabilidade” referia-se à entrada do trabalhador no
mercado de trabalho, e para isso bastava que ele tivesse um bom diploma. Atualmente, exigese mais: o indivíduo tem de desenvolver habilidades e competências frente aos desafios que
lhe são apresentados.
A partir da crise ocorrida na década de 70, e por conta das mudanças no mercado de
trabalho, o desemprego estrutural ganhou corpo e permitiu que a noção de empregabilidade
— antes relacionada a alguém que conseguia permanecer em um trabalho e, na perda deste,
encontrar outro — implicasse, agora, a existência de trabalho para todos, não obstante a
carência de pessoas preparadas para suprir as exigências desse mercado global e competidor.
Com a nova ordem mundial, as empresas passaram a requerer um trabalhador com
formação geral e polivalente. Prioriza-se, portanto, quem sabe executar várias funções e

42
consegue desenvolver habilidades condizentes com o novo paradigma. Isso evidencia que
essa formação direciona-se mais para o lado técnico do que para o humano: a preocupação
para que o trabalhador aprenda a ler, escrever e contar não visa, em última instância, à
emancipação humana. Ler para usar qualquer manual de instruções. Escrever para enviar um
relatório de produção. Contar para não pôr uma unidade a mais do produto na embalagem. O
interesse do sistema é, pois, preparar a mão de obra, para depois explorá-la.
Diante disso, nota-se a presença de ideologias decorrentes da classe dominante que,
para dominar, explicitam sua verdade, como, por exemplo, afirmar que os indivíduos só não
têm um emprego porque desprovidos de qualificação profissional; a verdade, contudo, é que o
sistema não se interesse em ampliar o mercado de trabalho, pois se o fizesse entraria em
falência. Para o sistema manter-se, faz-se mister que o desemprego perdure. Nesse sistema
não existe uma sociedade fraterna, porque tudo se baseia na competição, e também não há
humanidade, já que é excludente.
Sabe-se que o desenvolvimento do capital e a corrida do desemprego não estão
sujeitos à determinação humana, de modo que ao indivíduo resta, invariavelmente, a
marginalização (margem da sociedade).
As idéias neoliberais encontram no processo denominado de globalização terreno
fértil para proliferarem e se expandirem aos quatro cantos do mundo. A globalização
é tida e havida como um processo contemporâneo ancorado nas novas formas de
tecnologia, na rapidez do transito de informações, técnicas, produtos, padrões,
estilos de vida e ideologias. (SETTI, 2008)

A globalização apresentou pontos favoráveis à sociedade contemporânea; contudo,
ao estar intensamente atrelada ao novo paradigma reprodutivo do sistema vigente e às suas
formas imperialistas de dominação, traz também aspectos negativos: com o aumento da
tecnologia, por exemplo, o trabalhador é gradualmente substituído pelas máquinas, o que
acarreta desemprego. O mundo torna-se mais rico, devido a essa tecnologia, mas a
mercadoria, que é uma criação do homem, volta-se contra ele próprio. E isso tudo,
acompanhado de algum fascínio, implica prejuízos consideráveis à maioria dos homens.
Não bastasse, há um agravante: esse sistema não se preocupa em empregar, mesmo
diante de um nível acachapante de desemprego! O que é produzido esvai-se rapidamente e o
consumo aumenta.
Ademais, a noção de empregabilidade relaciona-se com o fato de o sistema
considerar a educação e a qualificação como importantes para que o trabalhador esteja apto a

43
competir com os demais no mercado. O contraditório é que o discurso sobre tecnologia irá
provocar um fosso ainda maior entre pobres e ricos.
A tendência tecnicista objetivava que a educação atendesse os interesses econômicos
e políticos do regime militar, ou seja, preparasse os indivíduos para o mercado de trabalho.
Então, transmitindo informações precisas, objetivas e rápidas, produzia-se mão de obra
competente. Essa tendência era baseada no princípio da otimização, por isso se constituía de
racionalidade, eficiência e produtividade. Só dessa maneira é possível o fortalecimento do
sistema.
A qualificação profissional é também uma exigência da sociedade de hoje, regida por
ideários políticos e econômicos neoliberais que exigem dos indivíduos uma formação
correspondente aos anseios do mercado global; daí haver uma formação mais técnica que
humana.
A educação deixa de ser emancipatória e passa, então, a ser reprodutora da ideologia
dominante, ao passo que se desvincula de sua função sociopolítica, contribuindo para a
disseminação de indivíduos “críticos” e “ativos” em seu processo histórico.
Assim, as dificuldades geradas pelo processo de globalização atingem direta e
indiretamente o indivíduo, principalmente nos Estados emergentes, onde se padece com as
profundas desigualdades sociais; na lógica neoliberal, a educação volta-se para o
desenvolvimento do sistema capitalista, e a privatização é solidificada: o Estado desvaloriza a
escola pública, em favor da escola particular, que hipoteticamente representa qualidade e
garantia de mercado de trabalho.
Nesse contexto, os pobres estudam para ser empregados, enquanto a classe rica o faz
para dominar, e gradativamente desenvolver o capitalismo — sistema que visa sempre ao
lucro, em todos os sentidos. Nesse modo de produção, como a educação é vista com um bem
capital, existem milhares de famílias que lutam por escolas de qualidade para seus filhos, a
fim de prepará-los para uma vida bastante competitiva!
E, ressalte-se, não existe mercado sem concorrência: ela é o pré-requisito
fundamental para garantir aquilo que os neoliberais denominam “equilíbrio”.
A lógica é integrar um mercado livre no qual o indivíduo opte por uma escola
pública de qualidade ou uma escola particular de aparente qualidade. A questão está ligada ao
consumo, e os consumidores devem colher mais. Saliente-se, porém, que nem todos dispõem
de condições de pagar escolas particulares, de tal sorte que resta o ensino publico, sem
“qualidade burguesa”.

44
Com o escopo de minimizar esses empecilhos, o investimento passa a ser o fator
humano, o que é de fundamental importância, visto que nas sociedades subdesenvolvidas
somente tem acesso à propriedade aqueles qualificados tecnicamente, ou seja, com condições
de competir no mercado de trabalho. O papel da escola será ensinar para o mercado,
valorizando a especialização e, em verdade, aspirando ao desenvolvimento do capital. Isso
significa que o acesso à propriedade tende a diminuir o desnível social, historicamente
marcado por um grande processo de dominação por parte das classes dominantes.
Daí passa a existir uma argumentação ideológica por parte dos neoliberais, que
defendem “conscientemente” o liberalismo como ideia das classes dominantes; o Estado e as
instituições servem, nesse passo, de aparelhos ideológicos dos que dominam o processo
social, e a função da educação passa a ser alimentar o ideário da classe exploradora.
Para resolver esse problema, deve considerar-se a educação também como uma
“promoção de escolha”, segundo a qual os pais hão de escolher em que escola o filho
estudará. Porque nem sempre podem pagar o ensino dos rebentos, a criação de um mercado
educativo representa alguma alternativa.
A escolha não é uma escolha livre como queriam fazer crer os partidários do
mercado escolar. E a criação de um mercado e de uma oferta desigual que forçam a
escolher, que comportamentos estratégicos. E nesse mercado, os recursos que
orientam e permitem a “boa escolha” soa evidentemente muito desiguais. (LAVAL,
2004, p. 156)

A escola passa a ser vista como mercado ou empresa e tem a função de alimentar a
ideologia e a linguagem das classes comerciais, que, diga-se de passagem, estão ligadas pelo
retorno econômico e educação de oferta. Ela se transforma, pois, em “mercadoria”. A forma
mais direta de contribuição do mercado de ensino consiste em incitar o desenvolvimento de
um sistema de escolas privadas que, no fundo, visa ao lucro, indubitavelmente!
A globalização em série parece abrir o mercado para a venda de produtos; nesse
aspecto, a educação caracteriza-se burguesa e neoliberal, sobretudo economicamente. Ela se
constitui manancial de comércio e poder para aqueles que a financiam. Isso ocorre, por
exemplo, também na França.
Portanto, há uma valorização do liberalismo escolar, pois o objetivo no capitalismo é
comercializar ou lucrar. A liberdade de escolha é, a rigor, uma lógica de mercado, de modo
que surgem “consumidores de escolas”. Eis a realidade nas sociedades modernas e
capitalistas.

45
Adam Smith defende o capitalismo. Ele queria um governo que financiasse boa parte
da produção e educação do sistema escolar. Em todos os aspectos a questão não é cidadania,
mas comércio, lucro e poder; o desenvolvimento do capitalismo em todos os aspectos. A
partir disso, a produção passa a ser produto de venda do capital. E os desprovidos de
condições financeiras restam prejudicados. O escopo é, reitere-se, sempre gerar lucro para a
burguesia e aperfeiçoar o sistema capitalista.
Visto que a educação está intimamente ligada ao mundo comercial, ao surgir alguma
novidade na indústria, pensa-se em aplicá-la à educação, e a consequência é que “o
desenvolvimento do mercado de novas tecnologias educativas é acompanhado por um
discurso ‘pedagógico’ que anuncia ‘o fim das profissões’. A informática e a ‘pedagogia’ não
são vistas como ferramentas suplementares úteis na aprendizagem, mas como alavancas
‘revolucionárias’ que servirão para mudar radicalmente a escola e a pedagogia. Jogadas
comerciais e métodos pedagógicos se embaralham aqui de um modo totalmente inédito”
(LAVAL, 2004, p.128). A grande verdade é que a tecnologia integra o ensino privado,
adormece o desejo de quem dele faz parte e o de quem constitui a escola pública, onde poucos
têm acesso à internet, por exemplo. O problema dessa escola é que nem uma educação de
qualidade sob a perspectiva burguesa ela está oferecendo, como no final do período fordista.
O que existe hoje nos meios escolares é a
ideologia da educação como panacéia e a ideologia da empregabilidade. O primeiro,
levando-as a acreditar que quanto mais treinada e educada a força de trabalho,
melhor o desempenho da economia, mais qualificados os empregos, mais justa a
distribuição de renda. O segundo, difundindo a ideia de que, quanto mais capacitado
o trabalhador, maiores as suas chances de ingressar e/ou permanecer no mercado de
trabalho. Seduzido em grande parte por essa ideologia, a classe trabalhadora passa a
inverter a melhoria dos seus padrões de escolarização, sem ao menos refletir sobre a
natureza da educação escolar ministrada. (NEVES, 2008, p. 368)

Por fim, saliente-se que o debate sobre a qualidade da educação tem-se dado a partir
de questões relativas à gestão democrática, ao construtivismo, ao pluralismo metodológico, à
educação a distância, à ciência, ao livro didático, ao currículo e à interdisciplinaridade. E isso
será estudado doravante.

46

3 Educação e Luta de Classe

Jean Jacques Rousseau representou os anseios e necessidades de uma escola laica
representada pela burguesia em contraste aos anseios ministrados pela Igreja Católica, que
procurava defender os interesses do Antigo Regime. Essa vontade demorou pouco para que a
classe burguesa entendesse que havia necessidade de manter uma relação mais afetiva com a
Igreja, inclusive para tentar acalmar os anseios da classe trabalhadora, diante das promessas
que não foram cumpridas em 1830. Nesse sentido, houve uma forte ligação entre Estado e
Igreja, que perdura até hoje, em que a Igreja terminou abraçando os ideários burgueses que
não estavam contra as suas doutrinas.
A burguesia era inimiga da Igreja, mas, ao mesmo tempo, necessitava dela. Inimiga
à medida que pretendia realizar os seus negócios sem a interferência desse "sócio"
de má-fé, que sempre estava disposto a apropriar-se dos melhores bocados; aliada, à
medida que via na Igreja, e com razão, um poderoso instrumento para inculcar nas
massas operárias a sagrada virtude de se deixar tosquiar sem protestos. (PONCE,
1998, p. 154)

Isso demonstra que a classe burguesa é capaz de qualquer medida para efetivar os seus
projetos e manter as classes populares sob controle. A Igreja seria um instrumento poderoso
para fazer com que os operários se conformassem com as precárias condições de vida, sem
lutar por mudanças. Desse modo, a escola laica colocou nos seus currículos o ensino religioso,
para tentar vendar os olhos sobre a realidade e para conter os conflitos sociais, ora entre as
burguesias que observam religiões diferentes, ora entre os proletariados que buscavam
direitos a eles prometidos e lutados, mas nunca efetivados, demonstrando claramente a
necessidade de manutenção da realidade contra qualquer medida revolucionária.
Os ideólogos da burguesia defendiam essa posição um tanto incomum, em que alguns,
em determinados períodos, denotavam completa aversão às questões religiosas, mudando de
opinião à medida que se tornou interesse da classe manter o domínio sobre outra classe,
afirmando uma neutralidade que, como sempre, favorece a classe dominante, de forma que,
mesmo tendo princípios diferentes, haja um acordo entre a Igreja e o Estado, a fim de
entorpecer o inimigo comum, pois essa é a motivação que os une. O proletariado era algo que
os incomodava mutuamente, pois tinha/tem em seu cerne as possibilidades de transformação
social que afetaria de morte o clero e o Estado Capitalista.

47
Passaram-se mais de dois séculos, desde a ascensão da burguesia ao poder, e eles não
efetivaram uma educação que proporcionasse às classes populares uma condição que estivesse
fundamentada numa apropriação de conhecimentos, que os inserisse dentro da cultura
desenvolvida pela humanidade durante todo o processo histórico.
De acordo com as declarações expressas dos seus teóricos, a burguesia não foi capaz
de dar as massas durante todo esse tempo nem mesmo aquele mínimo de ensino que
convinha aos seus próprios interesses. Se tomarmos como índice de eficácia da
escola primária a porcentagem de alunos que conseguiu terminá-la, somos obrigados
a concluir que apenas um número reduzido de crianças está em condições de cursálas de ponta a ponta. (Ibidem, p. 155)

Através dessas declarações do autor sobre o pensamento dos próprios teóricos da
burguesia, evidencia-se a falta de compromisso que eles têm com a classe proletária e
trabalhadora, ao preferir que o proletário fique alheio até mesmo a alguns requisitos técnicos
que seriam necessários ao mundo do trabalho capitalista, primando por uma educação que
fomente no educando apenas as possibilidades mínimas e um conformismo exacerbado diante
das condições que se encontram no sistema produtor de mercadorias, remetendo às massas a
culpa da não-aprendizagem.
A educação burguesa, que vem se construindo ao longo desses anos, busca desviar a
classe trabalhadora de qualquer propósito em suplantar a forma de reprodução econômica
existente no sistema burguês, conforme a declaração do ex-ministro argentino Saavedra
Lamos: "[...]os 80% de crianças e jovens que fracassaram na tentativa de escapar à sua
condição proletária sejam biologicamente ineptos". Além de reafirmar as incapacidades
orgânicas dos indivíduos pertencentes às classes desfavorecidas, promove ideologicamente a
intenção de afirmar que:
Mediante um ensino habilmente dirigido e continuado, ela os leva a compreender a
sua "superioridade" em relação aos seus pais e faz com que esqueçam ou se
envergonhem da sua origem modesta. Formar uma aristocracia operária, arrivista e
dedicada é uma das intenções mais claras do ensino popular dentro da burguesia.
(Ibidem, p. 157)

Esse pensamento termina no que é o verdadeiro fim da educação popular direcionada à
classe trabalhadora, colocando nela uma cultura de subserviência, obediente às idéias que
favorecem aos capitalistas, fazendo com que os trabalhadores cada vez mais se afastem da
consciência da classe necessária. Quanto à afirmação de que as crianças e os jovens
fracassaram na tentativa de escapar à sua "condição proletária", teria certa razão se estivesse
se referindo a toda uma classe, deixando a condição de proletário através da superação da

48
sociedade de classes, mas não numa condição que tenta colocar no seio do proletário a
negação de sua função histórica, como única classe capaz de promover a transformação
radical na infra-estrutura da sociedade.
Como tudo é explicado de forma a esconder o real, a evasão de crianças da educação
formal oculta a verdade que está no abandono, basicamente forçado, das escolas, para integrar
o exército de trabalhadores explorados, única alternativa para completar a renda familiar.
Creio ser inútil acrescentar — depois do que dissemos anteriormente a respeito das
atuais condições do trabalho infantil — que a escola repele uma enorme parte da população
infantil, e não pelo fato de serem indivíduos incapazes biologicamente, porque essa afirmação
é inadmissível e se constitui numa afirmação perfidamente calculada. Em vez de confessar
que as crianças que abandonaram a escola primária são as mesmas crianças que a burguesia,
desde cedo, obrigou a trabalhar para ajudar a manutenção do lar e que essa mesma burguesia
destruiu previamente, prefere-se jogar a culpa sobre "os desprovidos escolares" para usar a
expressão com que se começa designá-los, sobre a insuficiência dos programas, sobre
dificuldades do ensino, sobre a rigidez dos horários (PONCE, 1998, p. 157).
Para tentar resolver esses problemas, a burguesia tenta desenvolver técnicas que
possam atenuar a violência da exclusão das crianças de classes populares da educação formal.
A partir da necessidade de formar trabalhadores com alguns conhecimentos técnicos que
favoreçam o processo de produção capitalista, a burguesia, através de suas instituições de
ensino, procurou desenvolver recursos que atingissem esse fim. Uma das correntes que
almejaram esses objetivos foi a corrente metodológica, que focava os esforços exclusivamente
na técnica (tecnicismo). Concomitantemente, outra corrente que se destacou foi a que Ponce
chama de "[...] doutrinária, por oposição à que denominamos metodológica" (ibidem, p. 158),
em que as preocupações não tinham tantos aspectos práticos, mas filosóficos, enquanto os
metodologistas pretendiam, por via de método pedagógico, intensificar a eficácia do
trabalhador frente às necessidades econômicas liberais. Portanto, é condicionado a realizar um
ensino que desenvolva aspectos mentais nas crianças e que as façam adaptar-se, sem muitas
dificuldades, à produção do capital que sempre ansiaram, pela economia do tempo e pelo
melhor rendimento dos trabalhadores com maiores habilidades, ao criar um ambiente em que
se procure trabalhar conteúdos integrados aos interesses dos alunos. Assim, estimula também
o trabalho coletivo, em que os atores envolvidos busquem desenvolver atividades coletivas,
mesmo que fora desse ambiente fabril haja concorrência entre trabalhadores, visto que, a
partir da política da "guerra de todos contra todos", é que se alimenta esse tipo de organização
social.

49

[...] nesse interregno, as necessidades da indústria acentuaram a necessidade de
haver cooperação no trabalho, de modo que, apesar da rivalidade existente entre os
fabricantes, cada patrão exigia dos seus operários o máximo de cooperação possível;
por outras palavras, se fora das fábricas o antagonismo se tornava mais agudo,
dentro dela, ao contrário, o patrão organizava o trabalho de tal modo que tudo se
baseava na elaboração e solidariedade. (Ibidem, p. 161)

Como indica Ponce, numa empresa capitalista, é de suma importância que haja uma
determinada relação entre trabalhadores para uma melhor eficácia produtiva. Entretanto, esse
"companheirismo" termina fora dos portões da fábrica, por existir um sistema que exige a
eliminação de alguns para o favorecimento de outros, tornando-se regra o autofavorecimento
como questão de subsistência. Assim, a educação tenta reproduzir técnicas similares,
principalmente no que tange à socialização dos indivíduos no espaço de trabalho pedagógico,
criando um processo que interliga os vários níveis, graus ou grupos. Ou seja, nas renovações
didáticas das primeiras décadas do século XX, não era influenciada diretamente por nenhum
teórico educacional, mas sim, pela forma de produção encontrada nas empresas e indústrias
capitalistas, que, naquele período, tinham como fonte inspiradora Henry Ford. Ainda segundo
Ponce, “é natural que seja assim: a Didática Magna corresponde à época do capitalismo
manufatureiro, ao passo que o Sistema Decroly e o Montessori correspondem à época do
capitalismo imperialista!" (ibidem, p. 162).
Já a corrente doutrinária pretende desfocar o ensino do sentido meramente técnicopragmatista, discordando dos teóricos metodologistas quanto a preparar os educandos em
conhecimentos atrelados ao modo de produção do capital, reduzindo toda a dimensão
educacional ao trabalho. Os teóricos da corrente doutrinária acreditam que a função das
instituições de ensino é contribuir na formação de reformas que criem as condições favoráveis
para atingir esse intento, ou seja, as transformações sociais almejadas por essa corrente a
partir dessa mudança na escola.
[...] exigem do Estado que ele deixe de ser um Estado burguês, isto é, um
instrumento de opressão a serviço da burguesia, para converter-se num "Estado
Cultural", isto é, num Estado que retire as suas mãos da escola para que não ressoe
nela mais do que "a voz da humanidade, o espírito da humanidade". (PONCE, 1998,
p. 162)

Os ideais da corrente doutrinária podem até parecer interessantes do ponto de vista dos
que não possuem intimidade com o assunto; por isso, ao observarem atentamente a proposta
dessa corrente poderão compreender como ela pretende "[...] construir o novo homem a partir
da escola burguesa" (ibidem, p.165). Logo, esse suposto "novo homem" não passará de mais

50
uma marionete no jogo ideológico do capital, negando a função verdadeiramente
transformadora do proletariado. Portanto, a escola que pretende emancipar os homens deve
estar comprometida com a libertação física e espiritual dos indivíduos ao romper com a
sociedade de classes, pois "[...] o proletariado libertará o homem ao libertar-se a si próprio"
(loc. cit.). Enquanto o homem estiver preso na sua condição de proletariado, a sociedade que
se funda na existência de classes antagônicas, mesmo sendo o proletário o sujeito fundamental
para extinção do capitalismo, manter-se-á sobre a miséria da classe trabalhadora, distanciando
o homem de ser pleno. Entendendo que o homem apenas pode constituir-se integralmente fora
da sociedade de classes, por conseguinte, torna-se por parte da corrente doutrinária uma "[...]
aspiração absurda, desmentida por toda experiência histórica, e que se supõe, nesses teóricos,
uma ingenuidade a toda prova" (loc. cit.). Acreditar que o Estado burguês lançaria mão de
uma de suas principais armas ideológicas não é uma atitude razoavelmente coerente, ao
compreender que, no sistema capitalista, os instrumentos ideológicos são fundamentais e
necessários para inculcar, sem contestações, no povo, uma aceitação bíblica de suas reais
condições.
Mesmo admitindo certa liberdade, a corrente doutrinária finca-se em limites bastante
reduzidos dentro da própria ordem burguesa, já que leva em conta o respeito à criança, onde a
personalidade dela é constituída, pelo menos é o que eles acreditam, de forma autônoma,
numa perspectiva que tenta realizar transformações dentro do Estado.

Nesse momento, a

escola, dentro das concepções doutrinárias, assume a responsabilidade de agir como elemento
decisivo nas transformações sociais, servindo de via para tornar cada indivíduo na sociedade
um ser crítico "[...] diante da pressão espiritual dos poderes do Estado" (SPRANGER, 1931,
pp. 85-86 apud PONCE, 1998, p. 168). A Escola deveria negar, segundo os ideólogos dessa
teoria, a Igreja e os dogmas, pois ela, por si só, é o caminho que leva o homem à liberdade
para conduzir a sociedade a uma condição superior de existência. Para o filósofo José Ortega
y Gasset, a educação se faz dentro de um caráter social; assim, a educação tem capacidade de
transformação, levando a crer que a "[...] Pedagogia é a ciência de transformar sociedades"
(LLOPIS, 1934, p. 25 apud PONCE, 1998, p. 168).
Para Aníbal Ponce:
Essa confiança na educação como uma alavanca da história, corrente entre os
teóricos da nova educação, supõe [...] um desconhecimento absoluto da realidade
social. Ligada estreitamente à estrutura econômica das classes, a Educação, em cada
momento histórico, não pode ser outra coisa a não ser um reflexo necessário e fatal
dos interesses e aspirações dessas classes. (Ibidem, pp. 168-169)

51
Dessa forma, segundo Ponce, a educação é resultado do sistema de produção
econômica de uma sociedade, num determinado momento histórico, como também outras
manifestações espirituais na sociedade submetidas ao poder material que a classe dominante
mantém. Tal ideia somente era admitida num período em que não se tinha uma consciência
aprofundada sobre a luta de classes. A descoberta desse advento na história humana faz que
os crentes nesse poder da educação tornem-se idealistas, para não dizer ignorantes, sobre a
real condição que pode levar as metamorfoses radicais à estrutura socioeconômica.
Em tempo, o processo evolutivo da história, através das lutas de classes, dá-se por
rupturas na estrutura da sociedade por meio de ações objetivas, não apenas em aspectos
subjetivos. A educação, nesse contexto, faz parte intrinsecamente do projeto burguês de
dominação, ao preparar ideologicamente as massas para mantê-las conformadas diante da
exploração e miséria em que vivem, sem esboçar nenhuma reação contra a ordem vigente. O
Estado burguês não construiria projetos educacionais que favorecessem a classe trabalhadora
com o fim de desenvolver nela o desejo de transformação social. Todas as mudanças que
existem na estrutura física e espiritual das instituições de ensino são para beneficiar, de
alguma forma, a elite burguesa, uma vez que o Estado historicamente sempre serviu aos
interesses da minoria. Proporcionar uma educação que desperte no povo a necessidade de uma
sociedade justa implicaria afirmar que o Estado burguês estaria lutando contra seus próprios
interesses. Ponce afirma:
Pedir ao Estado que deixe de interferir na educação é o mesmo que pedir-lhe que
proceda dessa forma em relação ao Exército, à Polícia e à Justiça. Os ideais
pedagógicos não são criações artificiais que um pensador elabora em isolamento e
que, depois, procura tornar realidade, por acreditar que são justas. (Ibidem, p. 169)

De acordo com isso, todas as instituições inseridas no Estado capitalista estão
intimamente comprometidas com o seu ideário, ou melhor, com o projeto da classe dominante
que, em verdade, tem como princípio sempre favorecer a si própria, mesmo que isso
signifique a miséria da maioria. Logo, se o Estado burguês tomasse medidas que elevassem a
qualidade de vida da maioria, utilizando suas instituições para essa realização, ele estaria
decretando definitivamente a extinção do sistema produtor de mercadorias. A princípio,
porque as classes proletárias e trabalhadoras conscientes de sua tarefa histórica não esperavam
que as coisas melhorassem; segundo, por fazer parte da gênese constitutiva da ordem
capitalista manter a pobreza e a miséria, sem as quais o Estado burguês não teria como
comprar a força de trabalho daqueles que não têm outra forma de subsistir a não ser usando

52
seu corpo como ferramenta de trabalho, despendendo sua energia física em troca de um
mísero salário.
A educação de qualidade burguesa é um dos principais instrumentos de reprodução do
capital, desde a formação até as informações que tendem a acomodação à realidade.
A pedagogia voltada para os princípios de uma minoria pretende formar o
conformismo nas ações e no comportamento dos proletariados e trabalhadores, para que eles,
ao ingressarem no mundo do trabalho, possam exercer melhor seu trabalho sem nenhum
processo reivindicatório. "O conceito da evolução histórica com resultado das lutas de classe
mostrou, com efeito, que a educação é o processo mediante o qual as classes dominantes
preparam a classe dominada na conduta das crianças às condições da sua própria existência"
(PONCE, 1998, p. 169).
Não há como imaginar que o Estado proporcionaria uma educação de qualidade, sob a
perspectiva do trabalho, que contemplasse um conteúdo que estivesse além dos propósitos
burgueses de aumento de produtividade e dominação de classe. Por isso, a escola, dentro do
sistema, assume papel importante na manutenção dos ideais do capital, que são inseridos no
currículo escolar como se não existisse nenhuma intenção a mais que não fosse apenas a
formação do homem, enfatizando algumas habilidades imprescindíveis na modernidade. As
ideias pedagógicas formuladas para atender a escola do Estado burguês têm que ser
entendidas como parte fundamentalmente constitutiva de um processo histórico que
contempla os anseios da classe dominante em conservar a subjugação das classes antagônicas.
Dessa maneira, não há reformas educacionais que não favoreçam o capitalismo, e mesmo que
haja alguns ideais pedagógicos que suscitem nos alunos uma perspectiva de transformação da
sociedade, não são suficientes para essa mudança radical.
Os ideais pedagógicos não são criações artificiais que um pensador elabora em
isolamento e que, depois, procura tornar realidade, por acreditar que elas são justas.
Formulações necessárias das classes que estão empenhadas na luta, esses ideais não
são capazes de transformar a sociedade, a não ser depois que a classe que o inspirou
tenha triunfado e subjugado as classes rivais. (Loc. Cit.)

Portanto, não há possibilidades de formular qualquer que seja a medida educacional
direcionada a favorecer a classe trabalhadora, pois, é condição sine qua non, para os
burgueses, o apassivamento da massa, para que essa esteja insensível, ou melhor, não
consciente do potencial revolucionário que possui. A classe dominante não somente domina a
riqueza material mas também tem sob seu controle os bens espirituais produzidos para a
sociedade, transmitindo seus valores morais que permeiam todos os âmbitos sociais como

53
parâmetros a serem seguido. Assim, muitos teóricos que prometem a tábua da salvação com
"novos métodos pedagógicos", conscientes ou não, ocultam as verdadeiras aspirações das
escolas subservientes às regras econômicas a que servem instituições no Estado. Ao ter uma
visão fundamentada dos fatos e ao reconhecer o processo histórico da luta de classes, é
possível fugir da ilusão empreendida por alguns teóricos de que a escola tem por finalidade
formar um homem com dimensões intelectuais autônomas. Ponce afirma: "[...] tão logo
abandonamos essa proposição artificial do problema e procuramos indagar quais as classes
sociais que esses teóricos representam, como mudam as coisas!" (1998, p. 169).
Os ideólogos burgueses constituem os fundamentos do ensino baseados nos interesses
que favoreçam a classe que domina, pois se observa através dos vários discursos que a
intenção da educação no sistema é contribuir para a conservação de uma subjetividade
subordinada, direcionando a massa à autocondenação de permanecer presa em sua condição
trabalhadora. Enquanto isso, para os filhos do burguês é dada uma instrução privilegiada que
se funda numa educação elitista que almeja a formação humana para a direção da sociedade.
Para as classes populares fica uma educação precária, tacanha e funcional para os desejos
produtivos. A educação destinada aos pobres é aquela que objetiva à produção de mercadorias
e serviços, dependendo da exigência de mercado. Já para a burguesia, tem-se a intenção de
formar indivíduos "predestinados" a guardiões e líderes, uma vez que a classe trabalhadora
não passaria de meros figurantes, sem a qual não teria a existência garantida, por não possuir
uma consciência nem ao menos comparável aos primeiros. Gentili é bem claro em seus
propósitos:
O nosso homem é aquele que possui o que se chama consciência; trata-se do
homem, digamos claramente, das classes dirigentes, sem o qual nem ao menos
poderia existir a outro homem, o da boa digestão porque até as boas digestões
necessitam do apoio da sociedade, e não podemos concebê-las sem classes
dirigentes, sem homens que pensem por si e pelos outros. Penso que todos que
reclamam que a escola deve ser para a vida estão pensando nesse homem. Sim, para
a vida do homem, da consciência do homem. (GENTILI, 1921, p. 7 apud PONCE,
1998, p. 170)

Encontra-se nessa citação o pensamento recorrente da classe dirigente como parcela da
sociedade que guia os outros membros para que esses não se percam, pois são os burgueses,
segundo Gentili, que possuem a capacidade de pensar por todo o corpo da sociedade. A escola
com qualidade, que desenvolve nos homens o potencial e as suas capacidades, é restringida a
um pequeno grupo que tem por missão garantir a preservação da sociedade de classes,
imbuindo nos desfavorecidos o consenso necessário para a burguesia comandar sem conflitos.

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A única coisa certa desse discurso defendido por Gentili está quando se diz que "[...] sem o
qual nem ao menos poderia existir o outro homem" (ibidem, p. 170); realmente esta fala
carrega uma verdade quando se parte do pressuposto que é mediante a existência da classe
burguesa que consiste a existência do proletariado, que se mantém confinado a essa realidade.
Logo, para que a burguesia continue sendo classe dominante, faz-se necessário que o
proletário exista como classe explorada, de modo que a única forma de os capitalistas
continuarem existindo é manter a maioria da sociedade como proletariado, conservando essa
relação sistêmica.
Para completar, Gentili também afirma a importância do ensino religioso para o povo,
ao aconselhar o culto exclusivo da religião católica, já que era e é a religião predominante na
Itália, seu país de origem. Na análise crítica e por demais coerente de Aníbal Ponce, Gentili
tem consciência que a religião induz à subserviência, pois é algo constitutivo da gênese dela,
despertando nas massas um espírito de conformidade diante da necessidade de transposição
do sistema. O filósofo italiano, claramente, defende a escola com forte teor ideológico
burguês, realçado ainda mais com a interferência de uma subjetividade dominada por
influências teológicas.
É certo que um povo educado sob a égide da escola religiosa será mais propício ao
controle da classe burguesa. Um ex-ministro italiano, Giuseppe Lombardo Radice, afirmava
categoricamente:
Eu desejo um povo gentil, mediativo, capaz de escutar o canto de seus poetas e
conformidade diante da necessidade de transposição e o concerto dos seus músicos,
de encantar-se diante de um quadro, de um museu ou de uma igreja. Não quero o
povo torpe da taberna, mas um povo que saiba ornar-se com respeito a si mesmo e
aos outros (ainda que pobremente), que não cuspa em qualquer lugar, que não
destrua as plantas, que não persiga os pássaros, que não discuta demasiado, que não
bata em sua mulher e em seus filhos. (RADICE, 1925, p. LXXVI apud PONCE,
1998, p. 171)

O povo idealizado pelo ex-ministro é o que não apresenta perigo à ordem social
dominante, um povo que não terá dificuldades em aceitar as imposições da classe hegemônica
e que assimilará a ideologia burguesa, reproduzindo uma subjetividade prejudicial à própria
classe, desviando-o das possibilidades históricas de se rebelar contra um modo de vida
degradante que os condena a perenidade da exploração. Para Ponce, "[...] só um povo 'gentil
mediativo' é que poderia suportar sem 'discussão' a exploração feroz" (loc. cit.).
Na interpretação dele, a Escola dominada pelo Estado burguês foi racionalizada com
mais ênfase na organização da superestrutura, com o fim de adquirir, por parte de

55
trabalhadores, o consenso despeito do sistema, que, além de produzir mercadorias, também
produz miséria, o que sobra para o povo são as migalhas que a burguesia rejeita. A riqueza e a
cultura, algo conquistado pela humanidade, transformam-se em sinônimo de exploração; os
conhecimentos se restringem ao ambiente de trabalho ou aos fins ideológicos, baseados num
conhecimento de baixa qualidade e numa crença religiosa que submete ainda mais o proletário
à exploração pelo capital.
Jean Trillat, professor da Universidade de Besançon, manifesta da seguinte forma a
estrutura educacional russa:
As organizações de cada fábrica mantêm com as escolas uma espécie de contrato de
solidariedade e de ajuda mútua; a fábrica se compromete a ajudar a escola na
organização do trabalho escolar e no ensino teórico ministrado aos alunos; admite os
alunos das séries mais elevadas em suas próprias oficinas, sob a vigilância de
engenheiros e operários qualificados; põe, à disposição dos professores, os seus
conhecimentos relativos à produção. Os operários das fábricas fazem parte do
conselho da escola, contribuem para educar a nova geração no espírito proletário,
participam do trabalho das organizações escolares. (TRILLAT, 1933, p. 25 apud
PONCE, 1998, p. 174)

A partir desse depoimento, percebe-se a preocupação de, além de reforçar o
compromisso da importância de trabalhadores associados livremente, reforçar também a
realização efetiva da práxis entre a teoria da escola e a prática do trabalho. Cada instituição
influenciava a outra, com o objetivo comum de elevar a capacidade cultural e laboral dos
alunos no propósito de uma sociedade emancipada. A educação proposta pela Rússia leninista
buscava, desde a educação infantil, instituir nos alunos um papel, à medida que a sociedade
emancipada era um objetivo comum, ao ter como via erigir uma nova forma de reprodução
social e material, sedimentando novos hábitos, valores e concepções constituídas mediante
uma nova realidade objetiva. A mudança que se dará na vida coletiva engendrará um novo
homem na sociedade. No caso russo, buscava-se o modelo do jovem que transitaria entre
bibliotecas e fábricas, indistintamente. Por outras palavras, seria um homem completo, aquele
de profunda capacidade intelectual, mas que também seria um trabalhador como qualquer
outro, capaz de discutir problemas abstratos e contribuir em labores que exijam alguma
atividade física, mesmo que seja um trabalho árduo.
Compreende-se, portanto, o abismo que separa a concepção burguesa de educação
para a concepção emanada pela classe proletária. A primeira pretende manter a estrutura
socioeconômica incólume e intangível; distinguindo-se, na segunda, encontra-se uma
educação que anseia transformações radicais na sociedade, ao formar homens comprometidos
com a liberdade. Porém, entre essas duas teorias surge a corrente doutrinária, já antes citada,

56
que tenta tramitar entre as duas perspectivas, causando, a princípio, uma grande confusão
quanto a que classe está diretamente vinculada, visto que, em alguns discursos, percebe-se a
consciência de alguns fatos; no entanto, parece não reconhecer os aspectos gerais mais
profundos.
Alguns ideólogos elaboram teorias educacionais ineficazes e distantes da realidade,
não reconhecendo as condições materiais objetivas como principal ponto de partida. Falta
compreensão, ou fingem não entender, de que, para que haja uma mudança na educação,
torna-se essencial transformar a estrutura econômica da sociedade.
Tal perspectiva o horroriza e não pode entrar nos seus planos para nada, mas, como
não é surdo às vozes do seu tempo, prefere acreditar que dentro do capitalismo, se
chegará, mediante retoques paulatinos, a transformar a sociedade. Algumas vezes,
certas conquistas aparentes lhes dão uma sombra de razão: temos de reconhecer que,
em determinadas circunstâncias, a burguesia se vê obrigada a concessões oportunas,
para afastar algumas mudanças. (PONCE, 1998, p. 177)

O autor nos fala que não há como acreditar que mudanças feitas dentro do próprio
sistema poderão ser substanciadas, de forma que, ao longo do tempo, chegar-se-á a uma
sociedade justa. O que acontece é que algumas conquistas que se efetivam, tanto no mundo do
trabalho quanto na educação formal, estão interligadas, pois essas concessões são essenciais
para a ordem burguesa manter-se como classe, perante um povo satisfeito por tais
"conquistas"; são medidas importantes que não alteram em nada o poder hegemônico. Essa
corrente de pensamento tem em Spranger e Wyneken fiéis representantes que apregoam
transformações sociais através de mudanças na educação, esperando ainda que o Estado
burguês não interfira nos assuntos educacionais, tornando a escola acima de qualquer
discussão concernente às classes sociais. As teorias pedagógicas estão arraigadas
completamente aos desígnios do capital, acreditando que as crianças devem ser preservadas
de discussões políticas. Porém, existem várias crianças que sofrem a violência diretamente,
material e espiritualmente, à medida que subsistem num estado de coisas de completa
privação. O pedagogo burguês é aquele que tenta fantasiar na cabeça das crianças um mundo
onírico, nas poucas horas que elas se encontram na escola, como se a instituição não fizesse
parte do mundo, ou como se estivesse além dos problemas sociais e econômicos do sistema.
No entanto, todos os instrumentos didáticos que são utilizados na escola estão vinculados à
ideologia burguesa, com o propósito de formar soldados do labor, obedientes e eficazes.
A única finalidade da chamada "neutralidade escolar" é subtrair a criança da
verdadeira realidade social: a realidade das lutas de classe e da exploração

57
capitalista, capciosa "neutralidade escolar" que, durante muito tempo, serviu à
burguesia para dissimular melhor os seus fundamentos, e defender, assim, os seus
interesses. (Ibidem, p. 178)

Essa neutralidade consiste em propagar as ideias burguesas da naturalização da
miséria e de um sistema que se preocupa em dissipar paulatinamente os problemas sociais que
ainda persistem. Segundo Ponce, mesmo que se pense num ensino de qualidade com objetivos
plenos, a Escola é apenas um momento na vida do educando, que, fora dos muros escolares,
se vê à volta de vários outros mecanismos ideológicos que exercem, nesse indivíduo, forte
influência de uma pedagogia de aceitação e dominação burguesa, representada por
determinados veículos, como: cinema, TV, rádio, revistas, cursos, teatro etc, além das idéias
preconcebidas pelo senso comum. Por isso, a suposta liberdade da criança defendida no
capitalismo significa a resignação dos trabalhadores diante das influências difundidas pelo
capital para autofavorecimento.
Os professores, nesse contexto, são agentes a serviço da escola burguesa, carregando
em si a missão de incutir nas crianças as esperanças de um mundo melhor e mais justo sem
romper com o capital. Para oficializar sua condição de guia inconteste, o professor cristaliza
em si a docência como um sacerdócio, a fim de transferir aos alunos as verdades eternas da
burguesia. "Um apóstolo sofredor e candoroso que suporte tranquilamente a miséria e a fome,
porque quanto mais fome e miséria puder suportar, mais diáfano será o apóstolo. Eis aí o ideal
que a burguesia tem particular interesse em difundir", afirma Ponce (ibidem, p. 181).
A ideologia burguesa, por meio de seus vários instrumentos, preocupa-se com seus
"sacerdotes" da educação, para que continuem ativamente respeitando o postulado ao qual
foram incumbidos, visto que, ao perceberem que não passam de trabalhadores também
explorados, poderiam trabalhar contra os interesses do Estado burguês. Para evitar que isso
ocorra, transforma educadores em homens e mulheres de fé, resignados da própria existência,
capazes "[...] de converter a sua própria miserabilidade na virtude mais excelsa de ser um
venerável instrumento eterno!" (loc. cit.). Logo, a figura do professor, exaltada pelos
burgueses, somente continuará nessas concepções se não contrariar as intenções da cartilha do
capital.
Os professores, no sistema capitalista, representam, desde a sua formação, um exército
defensor das idéias do capital. Entende-se, mediante fatos, que nas atividades desenvolvidas
dentro do Estado burguês, numa sociedade corrompida pelas classes sociais, toda a
organização educacional estará subordinada à manutenção do sistema, em que o corpo
docente deve adquirir a consciência de classe necessária para perspectivar uma metamorfose

58
radical das relações produtivas da humanidade. Isso não significa dizer que a Escola terá esse
poder de mudança radical, mas tem as possibilidades de contribuir na disseminação de uma
ideologia antagônica à da classe dominante, ajudando a formar alunos que acreditem nas
possibilidades humanas de ruptura definitiva com a ordem capitalista.
À medida que a sociedade for dividida em classes, sempre haverá uma educação para
os mais ricos e outra para os mais pobres (quando existir). Na sociedade capitalista, existem
basicamente duas classes, que são antagônicas entre si: capital x trabalho. Portanto, a
educação tende a ser a representação das ideias de classe que domina, o que impede que hoje
a educação de qualidade seja para a classe trabalhadora.
Veremos agora como o estado legitima as contradições de classe, além de representar
sempre os ideais da classe dominante. Ter consciência de classe, nesse sentido, é fundamental
para que os trabalhadores em educação possam tomar posições na vida de modo geral. Mas,
na educação, de modo específico, é a consciência que vai orientar qual o caminho a ser
seguido, qual o método, qual o conteúdo. Enfim, os meios valorizam os fins. Nesse sentido,
existe um grande empecilho, que é o Estado.

59

4 EDUCAÇÃO DE QUALIDADE: PARA QUEM?

Vimos, no capítulo anterior, alguns indícios sobre a educação de qualidade. Neste
capítulo iremos aprofundar mais; para isso, seguiremos o seguinte percurso: em primeiro
lugar, vamos definir o que significa educação de qualidade e qual o significado dos seus
termos; em segundo lugar, o que o MEC chama Educação de Qualidade; em terceiro,
mostraremos o que significa educação de qualidade para vários atores no campo de educação;
depois serão expostas as ideias de Libâneo e Demo; e, por último, faremos nossas
considerações.
Qualidade é um substantivo que deve ser clarificado: para que e para quem? Do
contrário, ela se torna a palavra fundamental para os conservadores falarem em educação, que
se funde na neutralidade de palavras em si. Esquece-se o real e entra-se na abstração. Saviani,
por exemplo, ao falar de educação de qualidade, prefere as palavras “coerente” e “eficaz”; já
Tonet opta por “atividade emancipadora”, ou uma atividade que ajuda na emancipação, que
deve ser de qualidade.
O positivismo, durante muito tempo, foi o responsável pela educação brasileira, tendo
como proposta a neutralidade científica, que parte de dois princípios básicos:
1º) A sociedade pode ser epistemologicamente assimilada à natureza (o que nós
chamaremos de “naturalismo positivista”): na vida reina uma harmonia natural;
2º) A sociedade é regida por leis naturais, leis inováveis, independentemente da
vontade e da ação humanas (LOWY, 1978, p. 10), ou seja, sociedade e natureza têm os
mesmos princípios e, portanto, são ontologicamente iguais. Na educação, que é o que nos
interessa, o positivismo trabalha com dois elementos: o singular e o universal; o que é bom
para um é bom para todos, e vice-versa. Já a dialética trabalha com os dois e ainda entre os
dois existe a lógica da particularidade (no caso, as classes sociais).
Por isso, quando o positivismo diz “queremos uma educação de qualidade para todos”,
ele descarta as classes sociais como sujeito de história e negligencia o mundo real, dividido
entre dominados e dominantes. Só que um dos elementos fundamentais para definir o que é
uma educação de qualidade consiste justamente na perspectiva de classe. Não se resume a ela,
mas é importante. Numa educação de qualidade sob a perspectiva do capital, o maior
horizonte a ser buscado é o da cidadania; de outro lado, na perspectiva do trabalho, o
horizonte é a emancipação humana, e a revelação é o seu caminho.

60
Ao propor uma educação de qualidade para todos, usamos uma categoria, além de
positivista, ideológica, chamada universalização; ou seja, aquilo que interessa à classe
dominante é repassado como se interessasse à classe trabalhadora. Como a ideologia permeia
todo o discurso educacional, há momentos em que as concepções de mundo entram em jogo
para definir os conteúdos a ser trabalhados. Nesse momento, uma das faces da ideologia
aparece: a falsa consciência — a classe dominante necessita esconder a essência das coisas,
vetar o conhecimento para a radicalidade, como forma de manter o poder, já que as classes
subalternas necessitam da verdade para combater a falsidade.
Era isso que Marx queria dizer com “conhecer é se credenciar ao poder”.
Vários são os autores que, direta ou indiretamente, analisam o discurso da qualidade.
Nidelcoff, quando escreveu “Uma escola para o povo”, partiu da realidade da educação
argentina e levou em consideração algumas perguntas: “Qual caminho escolher?”, “Com que
objetivo trabalhar?”, “Que conteúdos são transmitidos?”, “Como trabalhamos?”. O que ela
busca é uma análise da prática educacional e da superação. Para quê? A resposta está inclusa
em: “O que levaria nossos alunos a terem personalidade mais plena? Que qualidade vai
incentivar nas crianças? A obediência e a dedicação ou a criatividade e a rebeldia?”. A
promoção pessoal ou a solidariedade como valor principal. Para quê? Todo o seu discurso
sobre uma escola de qualidade para o povo vai de encontro aos anseios dos pós-modernos, no
que tange a uma supervalorização da cultura popular em detrimento da cultura erudita. No
sentido político, procura-se uma democratização dos espaços e de postura do educador. Outro
livro que trata do processo de democratização, embora de maneira mais superficial que
Nidelcoff, na medida em que a sua democratização segue o aspecto institucional, mostrando
apenas a legalidade e os passos para garantir esta legalidade dentro da escola, chama-se
“Democracia e participação escolar”, que propõe também uma escola para o povo; no entanto,
o objetivo do livro é extremamente esclarecedor, sobretudo no seu capítulo I — a participação
na escola: aproximação à educação moral.
Falamos da introdução para nos referir a aprendizagem de conhecimentos tão
variados como a leitura e a escrita, o cálculo e a matemática, a língua e a literatura, a
anatomia dos seres vivos e a ecologia, a história e a arte e, mais adiante o conjunto
de saberes necessários para seguir corretamente a profissão que cada um acaba
desenvolvendo. Em todos esses casos, as instruções têm muito de transmissão de
saberes, informativo necessário para se viver eficazmente no mundo cultural e
profissional e “conclui com essa pérola de bom gosto”. “a educação é formação na
medida em que prepara os jovens e as jovens para se relacionar da melhor maneira
possível com o mundo dos seres humanos (PUIG, 2000, p. 16).

61
O que veremos abaixo são opiniões de vários pedagogos brasileiros que
complementam o que foi dito acima e que colocaram suas opiniões sobre o que é uma
educação de qualidade e como viabilizá-la na Revista Aprendizagem nº 10, de 2009. A
maioria deles, como iremos perceber, está sempre defendendo algum aspecto mais do que
outros; é como se tivessem perdido o conceito de totalidade.
Roberto Schorr, pedagogo graduado em medidas educacionais, economia da educação
e problemas do mundo contemporâneo, afirma:
se a busca é a qualidade educacional, um dos primeiros passos a se observar será a
avaliação da proposta pedagógica, de seus objetivos e metas, seguidos da avaliação
do ambiente das condições que se oferecem ao educando, bem como o meio onde a
escola está inserida”, e acrescenta “temos, todavia que pensar sempre a educação
como um processo integral, ou seja, não podemos ter como objetivo a melhoria de
qualidade educacional sem uma proposta de investir no desenvolvimento do ser
humano em seu todo (2009, p. 10).

Klein, pedagogo, especialista em metodologia do ensino superior, mostra os
indicadores de uma escola de qualidade:
a) Zelo pelo espaço educativo – respeito, cooperação e alegria no trabalho;
b) Foco na prática pedagógica – os alunos aprendem bem e sempre, para isso é
fundamental a ação planejada e intencional;
c) Monitoramento – avaliação como ferramenta de análise da duração de seus
profissionais e do progresso dos alunos;
d) Gestão participativa – espaços adequados, materiais adequados, pequeno número
de alunos e políticas educacionais adequadas (idem, p. 9). E acrescenta outro
elemento na qualidade: “a gestão comprometida com a qualidade da educação é
aquela que tem como foco o ensino e a aprendizagem. Para tanto, tenta construir
um ambiente fundamentalmente educativo, promovendo o respeito, a cooperação e
a alegria no cotidiano escolar” (ibidem, p. 19).
Quais os caminhos para se alcançar a educação de qualidade?
Ruardo, doutor em Educação, denuncia e afirma: “Propostas pedagógicas
diferenciadas,

servindo

aos

mais

diferentes

interesses,

e

conteúdos

curriculares

descontextualizados fazem dos projetos políticos pedagógicos da maioria das escolas
brasileiras uma verdadeira colcha de retalhos” (ibidem, p. 15).
Outra questão levantada por ele é a participação.

62
O envolvimento pleno de todos os atores no processo educativo também é
primordial. Os pais e alunos precisam, definitivamente, ter consciência de que a
escola é deles. Precisam, com urgência, desenvolver o sentimento de pertença e lutar
pela melhoria do ensino e da aprendizagem. (Ibidem, p.16)

Ferraz, pedagogo em administração escolar, defende:
A escola precisa ter vontade política e investir no estudo e na capacitação constante
dos seus educadores, através de cursos, reflexões, incentivos aos estudos, exigência
de formação e especialização, e mais, os professores precisam saber como é o
ensino, o que se ensina e para que se ensina, além de saber como se aprende
(ibidem, p. 17).

Fabrício, psicóloga, psicopedagoga, psicanalista e psicoterapeuta familiar, analisa as
diversas expectativas depois com referência à escola de qualidade. Com relação ao ensino
infantil e fundamental, “nesse momento os pais valorizam o trabalho com os valores e a
formação social da criança” (ibidem, p. 17); já na pré-adolescência, é aquele que apresenta os
melhores números no exame nacional.
Ao pensar na escola para seus filhos, os pais devem se lembrar da necessidade de
preparar os jovens para serem capazes de enfrentar as dificuldades que encontrarão
no futuro mercado de trabalho e arremata que querem uma escola grande, quadras e
muito espaço. Muitas vezes desconsideram que a boa formação ocorre em um
espaço acolhedor, pequeno e adequado às necessidades de cada criança. A busca
pela escola-clube muitas vezes desvia o foco da procura por um bom projeto
psicopedagógico (ibidem, p. 17).

Vasconcelos, professor licenciado em Filosofia e Doutor em Educação, concedeu
entrevista à Revista Aprendizagem, em que expõe a sua ideia sobre educação de qualidade,
colocando no projeto político-pedagógico e na participação de todos as saídas para os
problemas da educação.
O projeto político pedagógico é o plano global da instituição e o documento de
identidade, a referência maior, o grande guarda-chuva de todos, a atividade que se
dá na escola. É a internalização, nunca definitiva de um processo de planejamento
participativo que se objetiva e se aperfeiçoa na caminhada, a partir de uma clara
intencionalidade, de uma leitura crítica da realidade e de definição da ação educativa
que vai se realizar para diminuir a distorção entre o que desejam e o que estão sendo
(ibidem, p. 25).

Podemos dizer que há uma similaridade entre Vasconcelos, Klein, Ruardo e Ricardo.
Vejamos, “Uma educação de qualidade democrática, uma escola que faz diferença, qual seja,
onde há efetiva aprendizagem, desenvolvimento humano e alegria crítica (Doctor Gauden) de
todos”. O projeto é uma espécie de ‘carta de garantia’ para o aluno, pois, com ele em mãos

63
pode questionar a coerência de cada prática da instituição, assim como pode ser questionado.
Devemos primar pela qualidade da elaboração do projeto. Essa qualidade tem duas vertentes
principais: “a qualidade formal, que corresponde ao rigor teórico-metodológico de elaboração
e a qualidade política, que diz respeito à participação” (ibidem, p. 26), em consonância com o
projeto de gestão democrática com bases morais que vimos antes. “Entendemos que começar
o projeto democrático” pela análise da realidade pode ser problemático do ponto de vista da
realidade externa do grupo. Como a realidade costuma ser difícil, ao se chegar na segunda
parte do projeto (diagnóstico), o ânimo para sonhar pode ser arrefecido, diminuindo com isso
a tensão criativa: como a realidade é problemática, pode haver o perigo de se partir para a
busca de “bodes expiatórios”, rachando o grupo; como a realidade é problemática, o grupo
pode desanimar e sequer chegar à segunda parte do projeto. Portanto, a melhor maneira de se
começar um projeto político-pedagógico deve partir de um mundo ideal e para concluir o
plano político pedagógico o que é necessário? (Ibidem, p. 26)
Reunião pedagógica semanal de duas horas por semana, em um dia físico com a
presença da direção, coordenação, orientação e professores daquele período (manhã,
tarde e noite), devidamente remunerado para tal. Fica muito difícil a realização do
projeto quando não há esse espaço coletivo constante, pois é aqui que as coisas são
amarradas, as avaliações feitas, as intervenções pensadas coletivamente. (Ibidem, p.
29).

Tricate, consultora da qualidade de gestão, coloca a avaliação como elemento
fundamental na qualidade de educação:
avaliar não pode se transformar em um modo, não basta simplesmente criar novos e
mais sofisticados instrumentos. Se a avaliação é um raio-x da educação, também
podemos dizer que como qualquer exame medido, se ficar apenas engavetado, não
contribuirá para a cura da moléstia e continua na sua peregrinação medicinal a
avaliação sequer, assim mais do que conhecimento técnico e instrumento adequado.
De um lado dos gestores, é preciso que haja uma porteira mais compreensiva sobre a
escola como um todo e de seus desafios, bem como da realidade vivida pelos
professores. (Ibidem, p. 31).

Lopes Júnior, pedagogo e mestre em educação, define qualidade na infância:
“Desenvolver um trabalho de qualidade na educação infantil passa pela importante tarefa de
compreender a infância, a criança e o papel social que ela desenvolve numa sociedade
(ibidem, p. 34)”.
Além disso, a organização da escola, os ambientes e a proposta pedagógica devem
possibilitar a crença, a investigação, a inauguração, a criatividade e o livre acesso à
informação. Entretanto, a qualidade do corpo docente é condição para o

64
desenvolvimento de um trabalho educacional efetivo e com resultados satisfatórios.
Isso somente é possível por meio de um projeto de formação continuada (ibidem, p.
35).

O último elemento é o diferencial das propostas anteriores. Marcos Antônio Ferraz
propõe:
Primeiro a coordenação pedagógica é a líder do corpo docente e professora dos
professores, é quem coordena, orienta, subsidia o trabalho dos professores. Ela tem
função intrínseca de garantir a boa qualidade pretendida pela escola. Ela é a
principal guardiã dessa boa qualidade. Por isso, hoje mais do que nunca a
coordenação pedagógica é uma função fundamental em qualquer escola. Ela
planeja com eles, estrategicamente, o aprendizado dos alunos. Plano é o projeto em
ação. Para aqueles que têm dificuldade de fazer, ela é capaz de ensinar, servir, de
tal maneira que ajude todos os professores a dar certo, a ensinar seus alunos.
Finalmente, a coordenação garante os controles, os diagnósticos que verificam se a
aprendizagem pretendida está mesmo sendo alcançada e os processos que corrigem
os desvios que eventualmente possam ser encontrados (ibidem, p. 41).

Júlio Furtado – Doutor em Ciência da Educação, vê na qualidade o objetivo final.
A eficácia está ligada ao resultado, ao produto que se obtém ao final do processo.
Neste caso, uma escola pode ser eficiente por desenvolver seus processos de forma
adequada e carinhosa e não ser eficaz caso esses processos não produzam os
resultados desejados. (Ibidem, p. 42)

Reforça a ideia quando diz:
Sou muito simpático ao conceito de efetivação, que é a soma da eficiência e da
eficácia. Efetiva é a pedagogia que garante os resultados esperados, por meio de
processos adequados e cuidadosamente conduzidos. (Ibidem, p. 42)

E conclui: “resta-nos, agora, enfocar, a eficiência da escola para conseguirmos mantêlas, através de qualidade dos professores e dos outros”. (Ibidem, p. 43).
Dentro das opiniões acerca de qualidade, resta-nos questionar sobre o que foi
defendido até agora, e a principal pergunta que deve ser feita é: qual a concepção de mundo
dos educadores progressistas que se posicionaram? E a dos revolucionários? Se analisarmos
bem todas as propostas apresentadas anteriormente pelos progressistas, eles têm como
horizonte máximo a democracia, como objetivo maior a tentativa de diminuição do capital de
exploração do homem sobre o homem, e não a sua erradicação; para eles, a gestão
democrática seria o seu ponto de partida e de chegada.
Os progressistas se perguntam: de que forma a educação pode ajudar para que essa
política seja sempre ampliada? Quais os direitos pelos quais vale lutar? Cabe à escola,

65
segundo essa concepção, fornecer instrumentos para que os jovens ganhem estatura de
cidadãos. Para todos os progressistas, o pluralismo pedagógico é o caminho para o “aprender
a aprender”. A exclusão dos professores no ensino fundamental é o caminho por excelência
para o desenvolvimento “crítico emancipado” da criança, o aprender a aprender. Em Libâneo
e Demo existe outro elemento que é visto como fundamental para o desenvolvimento do
cidadão e para a democratização do ensino: o ensino a distância. Faremos algumas
considerações acerca desses elementos comuns que permeiam toda a educação brasileira, com
raríssimas exceções.

4.1 Gestão Democrática
Vista como o ponto crítico da educação brasileira, a gestão educacional foi, na
década de 1980, adquirindo centralidade na agenda de política educacional dos governos nos
anos 1990. Engendrar um “novo” padrão de gestão educacional, reordenado segundo
parâmetros da “modernização” do Estado e da sociedade, tornou-se um projeto justificado,
tanto em razão de um presumido potencial que teria para assegurar a equidade e a qualidade
do ensino, quanto pelo seu possível papel instrumental no incremento da cidadania e da ordem
democrática. Esse intento ganhou maior visibilidade a partir do Plano Decenal de Educação
para todos (1993) e explicou-se como projeto nacional com a lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional — lei nº 9.394/96.
A Constituição Federal de 1988 já apontava para modificações necessárias na gestão
educacional, com vistas a imprimir-lhe qualidade. Do conjunto dos dispositivos
constitucionais sobre educação, é possível inferir que essa qualidade diz respeito ao caráter
democrático, cooperativo, planejado e responsável da gestão educacional, orientada pelos seus
princípios arrolados no seu artigo 206. Entre eles, a garantia de um padrão de qualidade de
ensino e a sua gestão democrática.
A história da educação mostra que o Estado brasileiro, através de suas políticas,
esteve sempre reestruturando, ajustando, reformulando velhas estratégias ou propondo novas
estratégias e instituições, com vistas a modificar o padrão de gestão vigente. No entanto,
subjacentes às formas novas ou reformuladas permanecem concepções, princípios, valores,
interesses por essas modificações. São, na verdade, movimentos que refletem particularmente
as permanências da sociedade capitalistas que se reorganiza, que se reforma e que se
moderniza, sem resolver suas contradições mais fundamentais.

66
Nesse processo, as proposições e defesas de novos modelos de gestão apresentaramse, em geral, fundadas numa concepção abstrata de Estado e de suas crises. Por essa razão, a
tendência tem sido o predomínio das “soluções” técnicas, administrativas, institucionais e
organizacionais de caráter burocrático, prescritivo e normativo. Estas, no geral, não se têm
colocado em confronto com interesses políticos e econômicos hegemônicos, em cada
momento histórico e nos diferentes espaços.
Na administração estatal do sistema educacional, esse modelo privilegia a
descentralização de competências, a profissionalização e a avaliação institucional e do ensino.
Para além deste âmbito, o “novo” modelo de gestão educacional inclui a viabilização de
formas diversas de mobilização de atores sociais com vistas ao compartilhamento da tarefa
educativa, num movimento que relativiza a atuação direta e a responsabilidade estatal nessa
área. Com esses propósitos, desencadeiam-se medidas de reforma e inovação políticoinstitucionais e administrativas. Com vistas à racionalização administrativa, o planejamento
adota, em longo prazo, práticas e critérios de gestão do setor privado e amplo uso de
tecnologias de informação.
Uma das condições básicas para o desenvolvimento da democracia (que é a forma
política por excelência de dominação no capitalismo) é a construção do cidadão e, para isso,
exige-se um olhar, um observar maior para o ensino fundamental. A democracia que é
cantada em prosa e verso “exige” um ensino de massa. A gestão escolar ganha destaque nos
debates educacionais para viabilizar essa ideia.
Voltando-se para a defesa de uma administração escolar participativa, dinâmica,
visando com isso superar as contradições existentes de uma administração centralizada e
hierarquizada, os progressistas não estão preocupados em ampliar a educação para que a
“massa” tenha acesso. Assim, a construção de um processo político democrático é tarefa
política e educativa da escola, que se constitui num local privilegiado de formação dos futuros
cidadãos como seres sociais históricos.
O princípio da mobilização dirige a ação gestora do Estado no sentido de fomentar o
envolvimento ativo dos indivíduos das comunidades das organizações sociais e dos setores
produtivos da sociedade na implementação das políticas educacionais. A mobilização leva
para a já mencionada privatização da educação, na medida em que oportuniza a captação e o
aproveitamento do potencial material, produtivo e político de atores sociais não estatais. Este
princípio norteia a gestão no sentido da busca de responsabilização das instituições dos
indivíduos e segmentos sociais pelos resultados que têm em vista com a escolarização.

67
Pretende-se uma atuação gestora calcada na função pedagógica de fomento a valores, atitudes
e práticas, segundo uma visão liberal de construção da cidadania.
É esse princípio que orienta esse tipo de gestão, no tocante ao exercício sistemático
do controle da demanda social por escolarização. Este controle busca criar a consciência tanto
da urgência social da educação básica em determinados grupos de indivíduos e setores
sociais, quanto da necessidade e da possibilidade da educação permanente como compromisso
dos indivíduos e da sociedade.
A política de “reordenação” da gestão educacional constitui-se eixo central de um
projeto nacional de reforma da educação, atrelado à reforma administrativa do setor público, e
isso exige a participação de todos.
A apropriação da escola por parte das comunidades interna e externa, em forma de
conselho, pode ser um indicador de resolução de problemas perenes, como depredação dos
prédios, amigos da escola etc. O que vemos, na realidade, é a participação ínfima dos setores
sociais (pais, alunos, professores, comunidade), em que o Estado procura “desenvolver apenas
um olhar fiscalizador”, para esconder a real omissão perante a manutenção da escola.
Segundo Nisbet:
Existem grupos, começando pela família e incluindo vizinhos e a igreja, que estão
devidamente constituídos para prestar assistência em forma de ajuda de mutirão e
não como caridade de alto nível proveniente de uma burocracia; tais grupos são
corpos mediadores por natureza: estão maior que o indivíduo e, em sua própria força
comum, são aliados naturais do indivíduo. O objetivo do governo é olhar primeiro as
condições de força deste grupo, na medida em que, pela força dos séculos de
desenvolvimento histórico, eles estão mais aptos a tratar com a maioria dos
problemas dos indivíduos. No entanto, passa por cima desses grupos, dirigindo
diretamente a uma determinada espécie dos indivíduos, e – argumenta o
conservadorismo – um convite imediato a discriminação é a ineficiência, uma
maneira implacável de destruir o significado desses grupos. (1987, pp. 105-106)

Esse é o argumento do Estado para associação de moradores, organizações
comunitárias, conselhos de pais, alunos, etc. Existe uma crença infantil (a crise é uma prova
inconteste) de que a gestão democrática em todos os níveis é infundível, uma vez que quanto
mais avançado o nível de participação efetiva dos membros de todos os setores sociais, mais
exigentes estes se tornam para a participação, tanto do ponto de vista da abrangência, quanto
do ponto de vista da qualidade de participação. Na educação, quanto mais participação efetiva
de todos os setores que a compõem, mais a sua qualidade está garantida.
Descobriram, também, que a responsabilidade por uma boa gestão da escola deveria
ser compartilhada para os pais, as famílias foram conclamadas a vigiar as escolas de
seus filhos... Os governantes das últimas décadas atribuem a culpa pela crise da

68
educação, ora aos estudantes, que não querem estudar, porque estariam pouco
motivados, ora aos pais, que estariam pouco engajados, ora aos professores, que
estariam pouco preparados. (ARCARY, 2009, p. 231)

Portanto, é preciso que todos modifiquem suas atitudes, que os estudantes voltem a
estudar, que os professores se preparem melhor e que os pais participem da vida do aluno e da
escola, de preferência ajudando na gestão da família e da escola.
No interior das instituições escolares, os atores, corpo docente, discente, pais e
alunos concentram-se na resistência às práticas autoritárias e burocráticas que permeiam as
relações entre escolas e sistema, reduzindo o desafio de qualificar a gestão educacional a uma
perspectiva de ampliação do domínio mínimo aos novos atores acima descritos. Nessa
realidade de poder mínimo para as escolas e poder máximo de interferência na escola,
reproduz-se o autoritarismo, acentuam-se o corporativismo e o particularismo e esvaziam-se,
assim, as possibilidades de democratização real da escola pública e de sua gestão. Por outro
lado, deixam ainda de compreender os problemas educacionais em uma perspectiva de
totalidade, vendo a escola completamente separada da economia, da política.
Por que no neoliberalismo se fala tanto em gestão democrática? Isso está
relacionando às modificações ocorridas no mundo do trabalho, em que o desenvolvimento
tecnológico exige uma reestruturação produtiva. O discurso para garantir o desemprego é que
o mercado exige hoje um trabalhador que tenha autonomia, liderança, flexibilidade,
capacidade de trabalhar em grupo etc. Contudo, Teixeira (1996, p. 47 apud CARMO, 2003, p.
165) mostra que o discurso de qualidade e da qualificação é falso.
[...] é que no lugar do trabalhador passivo, mero vigia e apertador de botões, exige-se
um novo trabalhador detentor de conhecimentos teóricos gerais, que precisa
desenvolver raciocínio lógico-matemático, ter conhecimento de línguas, de história,
de geografia, etc. Por conta disso, supõe-se uma mudança radical nos conteúdos dos
cursos de qualificação profissional, que, doravante, deverão requerer do trabalhador
autonomia diante das máquinas, o que, por sua vez, exige dele capacidade de assumir
responsabilidade e decisões para interferir no rito do processo e na qualidade dos
produtos. Trata-se, sem dúvida, de um novo discurso.

A falsidade da exigência está na pesquisa realizada por ele, em que as características
mais exigidas para o emprego foram a politicidade, trabalhar em comunidade e grupo,
facilidade no falar, seguir ordem etc. Outro aspecto relativo à gestão democrática diz respeito
à diminuição de gastos e à preocupação por parte dos governantes, que, seguindo a lógica
neoliberal, procuram passar para a população responsabilidades que não são delas, enfim.
Agora o responsável direto pelo fracasso da educação é creditado aos pais, alunos, professores
e comunidades em geral, ou seja, o gerenciamento da qualidade da educação passa a ser de

69
todos menos do governo. Um dos elementos saudados pelos “novos burocratas” é que a
gestão democrática irá garantir o acesso e a permanência de todos na escola e a criação de um
lugar para a prática democrática dentro da escola. A qualidade da educação é retirada de sua
base concreta, a questão das classes passa a ser responsabilidade de todos os democratas; dito
de outra forma, o sentido que se busca é a qualidade através da democratização para a
construção de uma cidadania brasileira, isto é, uma verdadeira obra shakespeariana, porque,
segundo Tonet (2005, p. 123):
A cidadania mais aperfeiçoada implica, por força das coisas, a existência da
desigualdade social, muito mais, isto é verdadeiro no caso dos países pobres. Nestes
últimos, educar para a cidadania é formar uma dupla ilusão: primeira, porque é
impossível atingir a plenitude da cidadania (já que o fosso entre ricos e pobres
aumenta em vez de diminuir). Segunda, porque, mesmo que isto fosse possível, não
levaria à formação de pessoas efetivamente livres, efetivamente sujeitas na história,
dada a natureza própria da cidadania.

Mas a gestão democrática está interligada à própria concepção de homem que se quer
criar no mundo neoliberal, ou seja:
Precisam disseminar novos parâmetros e práticas democráticas que possam inibir o
confronto entre projetos antagônicos da sociedade e estimulam a conciliação de
interesses inconciliáveis, despolitizar a organização social com base nas relações de
classe e estimular inversamente um associativismo circunscrito a defesa de
interesses particularistas e localistas, diluindo com isto o potencial contrahegemônico das lutas do proletariado. (NEVES, 2008, p. 2008)

Portanto, a ideia de gestão educacional é apenas a ponta do iceberg, que tem amigos
íntimos como a privatização, o Estado mínimo, a diminuição com os gastos sociais e a
“transposição” da falsa ideia de que a escola pode tudo. A gestão escolar hoje se transformou
numa grande farsa educacional: quem diz que agora manda nunca mandou; quem diz que não
manda é, na verdade, quem sempre teve o poder: o Estado. E tudo isso em nome da educação
de qualidade...

4.2 Construtivismo
Outro elemento comum à maioria dos educadores brasileiros é a defesa da teoria
pedagógica construtivista, que, a partir das últimas décadas, se transformou numa panacéia
nacional a ponto de ser colocada como a saída para a baixa qualidade da educação. Essa
aceitação se deu, em grande parte, graças ao parâmetro curricular nacional (PCN), que tem

70
como horizonte mais avançado a exploração de um homem sobre o outro, sob o nome de
cidadania. A teoria pedagógica construtivista deve ser o elemento gerador deste “novo”
homem, e a escola deve, numa linguagem socratiana, ajudar a “parir” essas ideias de
“aprender a aprender”.
Nas vinte e duas páginas do PCN dedicadas ao esclarecimento de seus Princípios e
Fundamentos, o substantivo “construção” e o verbo “construir” ocorrem 31 vezes. Nelas,
mesclam-se seus possíveis sentidos descritivos de natureza psicológica com certas noções
programáticas ligadas à veiculação de práticas e princípios pedagógicos. Se nos
concentrarmos nas onze páginas em que, após comentar criticamente tendências e
características da educação brasileira, os parâmetros passam a apresentar, de modo positivo, a
visão teórica que alegadamente os fundamenta, encontraremos pelo menos vinte e cinco
referências à noção de que a criança “constrói” seu conhecimento e suas representações
(CARVALHO, 2001, p. 104).
No PCN é demonstrada a vinculação entre Estado, Educação, Cidadania e Qualidade,
vinculação esta que é mostrada sob outro ângulo.
Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de interferir
criticamente na realidade para transformá-la, deve também contemplar o
desenvolvimento de capacidades que possibilitem adaptações às complexas
condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com a rapidez na
produção e na circulação de novos conhecimentos e informações, que têm sido
avassaladores e crescentes. (BRASIL, 2002, p. 46)

Os PCNs mostram, de forma inequívoca, que a educação deve buscar no
neoliberalismo e este na educação, parceria para formação de um “novo homem para o
capital”.
E o aprender a aprender é a melhor forma de preparar estes cidadãos. Newton
Duarte, em um texto intitulado Por que é necessária uma análise crítica marxista do
construtivismo?, chama a atenção para desafios que estão postos para aqueles que têm a
emancipação humana ou socialista como horizonte:
1) É preciso realizar o trabalho de educar as novas gerações tendo como perspectiva a
superação do capitalismo, mas sabendo que esse trabalho educativo está sendo
realizado em condições objetivas e subjetivas produzidas pela sociedade capitalista
contemporânea, ou seja, realizado em meio ao processo de generalização da barbárie;
2) É preciso construir uma pedagogia marxista sabendo, porém, que tal construção não
pode ocorrer à margem da luta sociopolítica, cujo horizonte é o socialismo, o que, nas

71
condições atuais, estabelece para o pensamento pedagógico marxista os mesmos
impasses e dificuldades com os quais se depara o movimento socialista no mundo
todo;
3) É preciso fazer crítica às correntes de pensamento integrantes do universo
ideológico que dão sustentação às ideias educacionais sintonizadas com a sociedade
capitalista contemporânea.
Partindo dessas premissas, iremos demonstrar em que se baseiam o aprender a
aprender e sua relação com a forma de irracionalismo chamada de pós-modernismo.
A proposta do construtivismo numa visão pós-modernista passa, necessariamente,
pela mudança de objetivos, em que o elemento fundamental é a pretensão de criar uma
pedagogia antiprofessor, ou seja: para o “aprender a aprender” não é necessário dotar os
alunos de conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos que foram criados
coletivamente ao longo da história da humanidade. O objetivo do aprender a aprender é
colocar a subjetividade como elemento fundante do conhecimento, ele é o único responsável
pelo seu destino.
Ele é o responsável direto pelas suas construções mentais e esta construção se dá
principalmente através da brincadeira com outras crianças, em que ela determina o sentido da
aprendizagem. O princípio lúdico é o norteador do conhecimento, é colocado como princípio
do prazer em contraposição à falta de prazer que a escolarização transmite. Neste mundo
infantil, no qual se posiciona o professor, qual o papel dessa nova proposta pedagógica? Em
princípio, o ensino fica em segundo plano e o papel do professor não é o de comando, não é o
de dirigir. Décadas de estudo para simplesmente jogar fora todo o conhecimento adquirido, e
se transformar em um simples acompanhante dos alunos, quando muito um problematizador.
Dentro de uma pedagogia inspirada na Epistemologia Genética (note-se que eu não
falo em pedagogia piagetiana), o papel do professor não pode ser nem de um
expositor”, nem de um ‘facilitador’, mas sim de um problematizador. Isso significa
que o professor está ali para organizar as interações do aluno com o meio e
problematizar as situações, de modo a fazer o aluno, ele próprio, construir o
conhecimento [...]. (FRANCO, 1996, p. 56)

Não existe consenso do que foi acima descrito. Como o objetivo é tirar o “peso do
processo educativo”, a simples palavra professor está ligada àquele que ensina, que educa,
portanto, que detém o poder. Faz-se necessário dotar o espaço de brincadeira em algo

72
familiar; desse modo, é melhor substituir a palavra professora pela palavra tia, assim teremos
um “familiar para brincar”.
Duarte resume alguns princípios do construtivismo:
O primeiro desses princípios é o de que aprender sozinho é melhor do que aprender
com outras pessoas. O segundo é o de que a tarefa da educação escolar não é a de
transmissão do conhecimento socialmente existente, mas a de levar o aluno a
adquirir um método de aquisição (ou construção) de conhecimentos. O terceiro
princípio é o de que toda atividade educativa deve atender aos alunos e ser dirigida
pelos interesses e necessidades deles. O quarto princípio é o de que a educação
escolar deve levar o aluno a ‘aprender a aprender’, pois somente assim esse aluno
estará em condições de se adaptar constantemente às exigências da sociedade
contemporânea, a qual seria uma sociedade marcada por um intenso ritmo das
mudanças. (2008, p. 215)

Esses princípios remetem à exposição inicial de se criar uma antiescola. O que
parece ser uma valorização da criança é, em verdade, um instrumento de alienação do adulto
desde o princípio. A busca da satisfação de necessidades particulares seria o objetivo final
desse princípio “educativo”. O construtivismo busca, em última instância, preservar a criança
do mundo real, em que a infância se torne “um porto seguro”. Essa noção está centrada em
Rousseau, com sua ideia de autodidatismo e de não influência dos adultos no processo
educativo.
Arce (2000, p. 163) chama a atenção para algumas diferenças entre a teoria
pedagógica do construtivismo, aprender a aprender e a educação infantil:
A primeira e óbvia diferença é o valor que dou à transmissão de experiência e do
conhecimento. O segundo é o valor que tem o adulto e principalmente o professor
neste processo. A terceira é a própria ideia de interação, que na pedagogia da
infância se reduz a uma interação entre os pares e, quando muito, a uma interação
com o ambiente imediato da crença, enquanto difere a necessidade de a escola levar
a criança a interagir com a cultura universal do gênero humano, cultura essa que
vem sendo construída ao longo do processo histórico.

Isso não impede de se buscar ajuda para entender como a criança funciona, como ela
vê o mundo, como ela pensa. No entanto, o que se observa no mundo social é que o
construtivismo tem contribuído para o esvaziamento da escola, além de trazer prejuízos para a
formação de novas gerações. Hoje, em termos educacionais, o construtivismo é o maior
representante da ideologia pós-moderna.
Em “Pós-modernismo, Razão e Religião”, de 1992, Gellner assevera: “O pósmodernismo é um movimento contemporâneo, é forte e está na moda. E, sobretudo, não é
completamente claro o que diabo ele é”. A clareza não se encontra entre os seus principais

73
atributos. Em verdade, os pós-modernistas são obscuros e não veem mal algum nisso; ao
contrário: sentem-se engrandecidos com a própria falta de clareza.
A influência do movimento pode ser discernida na antropologia, nos estudos
literários, na filosofia... Diz-se que tudo é um texto, sociedade e quase tudo é significado, que
significados estão aí para serem decodificados ou “desconstruídos” e que tudo é noção de
realidade objetiva. Suspeita-se que isso parece ser parte da atmosfera ou nevoeiro no qual o
pós-modernismo floresce, ou que o pós-modernismo ajude a espalhar. O pós-modernismo
parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele não é capaz de clareza
alguma, é hostil a ideia de uma verdade única, exclusiva, objetiva, extrema ou transcendente.
A verdade é ilusiva, poliforme e subjetiva e provavelmente algumas outras coisas. Simples ela
não é: tudo é significado e significado é tudo, e a hermenêutica é o seu profeta.
O que Gellner quer mostrar é que o pós-modernismo tem algumas características do
positivismo; entre elas estão o relativismo do conhecimento e o subjetivo, os mesmos
componentes tão difundidos pelo aprender a aprender.
Portanto, o pós-modernismo descrê da civilização, perde o caráter de processo
histórico e mergulha na mesmice dos rigorosos dissociados de sentido, no vazio de um
presente sem perspectivas e nas aparências que já perderam qualquer relação com algum
suporte essencial.
Todas as posições metodológicas que estudamos da gestão democrática, passando
pelo ensino a distância, que iremos abordar, tem em comum a subjetividade, em que o
primado do conhecimento está no sujeito. Alguns progressistas inverteram a relação dialética
entre sujeito e objeto, tendo o primado do conhecimento no objeto, além de ignorar por
completo a categoria da totalidade, transformando-o em estudo, que é a realidade no seu
aspecto educacional, em mero objeto fragmentado em pedaços, sem relação ao todo. A
aparência é o ponto de partida, mas existe uma negação da busca da essência para voltar à
aparência mais rica, ou melhor, não se desliga do mero empirismo.
O que existe de comum em quase todas as teorias pedagógicas e nas análises dos
educadores sobre a questão da qualidade da educação e que são defendidas pela maioria, além
dos aspectos anteriormente analisados, é o pluralismo metodológico.

4.3 Pluralismo Metodológico
Em nome de um falso conceito de democracia, está em curso nas Ciências Sociais e,
particularmente, na sua corrente metodológica chamada pós-modernismo, a afirmação de que

74
é preciso dialogar com todas as correntes de pensamento e que o conhecimento é relativo sob
o ponto de vista do único aspecto que interessa para captar o objeto, que é a subjetividade.
Quanto mais diálogo, quanto mais conexão houver com outras correntes, melhor para o
sujeito. Isso significa dizer que como o conhecimento não pode chegar próximo do objeto e
todos os caminhos somente levam a conhecer frações do que se quer aprender, quanto mais
juntar as metades parciais, mais existe a possibilidade de conhecer o objeto de forma mais
complexa. Para isso, é preciso que o sujeito do conhecimento seja o mais rigoroso possível no
cruzamento de várias tendências. Mesmo que o pluralismo propague a liberdade que a
subjetividade tem para juntar e articular ideias diferentes, é essencial que o sujeito seja
extremamente rigoroso e eclético para não cair no dogmatismo, como, por exemplo,
materialismo histórico e cristianismo.
Para o pluralismo metodológico, o diálogo não existe no confronto das ideias e, sem
a junção dessas ideias, mesmo que elas sejam antagônicas, tudo isso é difundido em nome da
complexidade do mundo contemporâneo com a sua renovação tecnológica cada vez mais
rápida e, também, a complexidade social, em que a classe proletária, cada vez, perde seus
membros. Por isso, faz-se “necessário” o ajuntamento de matrizes ideológicas.
Segundo Carvalho:
No momento atual, as discussões e críticas dos analistas evidenciam a convicção da
impossibilidade do pesquisador permanecer fechado num único paradigma,
podendo-se afirmar que isso é, na atualidade, uma tendência nas Ciências Sociais.
Assim sendo, os analistas apontam como opção a comunicação, a interconexão entre
os paradigmas, como perspectivas teórico-metodológicas da explicação da realidade
social. (1992, p. 49)

Por outras palavras: se o cientista tomar como parâmetro uma única corrente
metodológica, ele comprova que ser o melhor não basta; é necessário que mantenha o diálogo
com todas as correntes possíveis, senão ele é um dogmático, e, portanto, incapaz de
compreender a nova realidade.
De onde partem os pluralistas para afirmar o que acima foi descrito? Eles têm como
ponto de partida o empírico e, a partir daí, por intermédio da junção de várias cabeças
pensantes, procura-se explicar como as coisas funcionam e não o que são ou como são. Existe
uma fragmentação da realidade feita pelo contexto, pois, nesta perspectiva, ele exclui um
elemento fundamental que nos ajuda, cada vez, a nos aproximar do objeto na sua
integralidade que é a totalidade. Por isso, o conhecer não é uma operação da subjetividade,
tendo o objetivo do conhecer no último. É por meio da relação dialética entre sujeito e objeto

75
que existe a possibilidade de ir até às últimas consequências no conhecimento do objeto, em
desacordo com os pluralistas, que, segundo Tonet:
Para a razão fenomênica, empirista, incapaz de apanhar o lógico essencial de
identificação do mundo que une contraditoriamente e indissoluvelmente essência e
aparência, a fragmentação aparece como pura diferença, o encontro e desencontro
arbitrário, despedaços produzidos pelo acaso. (1997, p. 213)

Caberia questionar: “Qual a origem da fragmentação, qual sua razão? Pois, não basta
afirmar que as coisas são assim, é preciso explicar como e porque são assim” (loc. cit.).
Opção para as teorias da fragmentação — será através do que Marx chama de
histórica, em que a práxis humana é a mediadora entre sujeito e objeto, que dialeticamente
influencia uma ou outra, sendo a última o elemento discursivo. Já para os pluralistas, a análise
deve ser por intermédio unicamente do sujeito; ou seja, o sujeito está acima do objeto,
podendo fazer o que quiser (vontade política). Portanto, depende única e exclusivamente do
sujeito a resolução de todos os problemas. No caso da educação, o problema da qualidade está
na não identificação da gestão democrática na escola. A participação de todos é condição sine
qua non para se oferecer uma escola de qualidade. Portanto, a qualidade é produto apenas da
subjetividade que estabelece regras de conduta, indiferentemente se o objeto (realidade)
permite ou não.
Enfim, no campo ontológico, como diz Tonet (1997, p. 227): “Tem como
fundamento o ser, a verdade está no ser, ela não é uma construção autônoma da subjetividade,
do mesmo modo como os critérios de verdade e, portanto, de cientificidade, não são um
produto subjetivo, mas uma imposição do objeto...”. E ainda: “A verdade é o todo, já dizia
Hegel com todo acerto: a realidade do objeto é a sua reprodução integral, processo sempre
aproximativo, dado à infinidade do objeto” (loc. cit.).
Voltando à questão ontológica como elemento fundamental para o conhecimento é
que ela exige a mediação entre a universalidade e a singularidade, passando pela
particularidade. No positivismo, apenas dois elementos são fundamentais: a singularidade e a
universalidade; é excluída dessa perspectiva a lógica da particularidade, que são as classes
sociais. No ontológico, a totalidade é o momento máximo da reprodução original do objeto na
mente da subjetividade. No pluralismo, a satisfação em conhecer dá-se através de fragmentos
de conhecimentos parciais. Um elemento fundamental que somente interessa mais de perto
com relação à qualidade da educação e que faz parte do ontológico é a determinação social do
conhecimento.

76
“As classes sociais são o eixo decisivo sobre o qual gira, desde longa data, o
processo histórico. Isso não poderia deixar de ter consequência decisiva para a produção do
conhecimento, pois, afinal, conhecer é credenciar-se ao poder” (TONET, 1997, p. 253), que
conclui: “Em conseqüência dessa determinação social, os pontos de vista, as perspectivas não
são elaborações de uma subjetividade autônoma, mas expressão de uma dada objetividade”
(loc. cit.).
Logicamente que não existem apenas classes sociais, mas, também, grupos,
categorias etc., que desempenham papel importante para se entender determinado momento
histórico. Mas, fica explícita que o sujeito da história é a classe social. O contrário do
pluralismo metodológico é a dialética marxiana, que permite, através do respeito ao objeto, a
sua integralidade e seus complexos.
Nesse sentido, a diversidade de propostas e conceitos representa um desvio da razão,
já que esta é colocada como responsável de dizer o que o objeto é e não o de mostrar o objeto
para captação do sujeito. Na realidade presente, o pluralismo metodológico existe, acima de
tudo, para desencaminhar a razão. Ele não permite que a educação seja a raiz do problema. A
radicalidade é excluída da educação, porque é necessário para os pluralistas que, quanto mais
ideias divergentes, melhor o caminho para a qualidade, que se transforma em uma colcha de
retalhos em que todas as matrizes ideológicas diferentes e includentes se harmonizam.

4.4 Educação a Distância
Outro elemento tido como fundamental para o desenvolvimento da qualidade no
ensino, por Libâneo e Demo, é o uso da tecnologia e o ensino a distância.
Demo afirma que todas as dificuldades que os alunos têm na escola “podem ser
tratadas detalhadamente, com engenho e arte em vídeos, disquetes, disco ‘lasers’, circuito
interno de televisão etc. Podemos recorrer a tais aparatos a todo o momento” (1994, p. 41). E,
se houver problemas no processo de avaliação, ele dá o caminho: “Ao constante despreparo
do aluno é mister respondê-lo com alternativas de recuperação, eletrônica de preferência”
(ibidem, p. 42).
A educação a distância tem sido colocada como o remédio para resolver problemas
de acesso à educação. As tecnologias educacionais dão a crer que possam alternar o problema
de qualificação de professores e resolver o problema de qualidade e qualificação, inclusive a
democratização total da educação.

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Mesmo que tenha surgido no século XVIII (ensino por correspondência), é no
momento atual do século XXI que está havendo um incremento estonteante do ensino a
distância. Atualmente, há perto de 750 mil alunos fazendo graduação a distância em 108
instituições credenciadas pelo MEC (a maioria privada, 70%), sendo que doze controlam mais
de 70% da oferta de curso (Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco, Confederação
das Indústrias e outros). Apenas no ano passado 972.826 alunos fizeram curso a distância
(dados da Associação Brasileira de Educação à Distância – ABERT), que caracterizam um
aumento de 356% no período de 2004 a 2007. Somente a região sudeste teve aumento de 314,
em 2007; e, segundo o secretário de educação à distância do MEC, Carlos Eduardo Biels
Chowsky, “ainda não existe programa de pós-graduação do tipo stricto sensu (mestrado e
doutorado) a distância, mas esta será uma das metas do secretário em 2009” (Gazeta do Povo,
p. 12). Mas em que consiste este novo padrão de qualidade tão comemorado hoje,
principalmente, pela iniciativa privada?
Segundo Mota, o ensino a distância:
É a forma de educação que se baseia na crença do Homem e em suas
potencialidades, como sujeito ativo de sua própria aprendizagem. Parte, esta
modalidade de ensino, do princípio de que o ser humano, independentemente de
escolas ou de professores, pode se autodesenvolver, o que é mais do que
comprovado pelo imenso número de autodidatas que tantos benefícios já
proporcionaram à sociedade. (2009, p. 2)

Todo processo educativo é posto simplesmente nas mãos dos alunos, e ainda coloca
como características principais:
A característica principal da educação a distância é, pois, basear-se no estudo ativo,
independente e construtivista, que pode dispensar preleções, professores e locais
específicos para aulas, ao mesmo tempo em que possibilita aos educandos a escolha
dos horários, a duração e os locais de estudo. Outra característica, decorrente dessa
primeira, é a utilização de material didático especial de autoinstrução para
veiculação dos cursos. Dessa forma, portanto, a educação a distância pode não
somente reduzir a exigência de frequência do aluno na escola, como até mesmo
dispensá-lo de presença. (Loc. Cit.)

LEITE E SILVA apresentam os benefícios que esses novos padrões de qualidade
podem suscitar, em três amplas categorias:
(a) alta relação de custo-benefício, pois pode treinar um maior número de pessoas e
com maior frequência, reduz custos de deslocamentos de pessoal, e novos alunos
podem ser incluídos no sistema sem custo adicional; (b) grande impacto, uma vez
que o conhecimento pode ser comunicado e atualizado em tempo real, treinamento
efetivo pode ser recebido pelo aluno no seu computador em casa ou no trabalho,

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vários locais podem ser integrados, sendo a aprendizagem em grupo realizada ao
vivo e mediante programas interativos; e (c) o aluno possui um maior número de
opções para atingir os objetivos de aprendizagem, especialistas remotos estão
prontamente acessíveis, ao vivo ou via programas pré-gravados, e as oportunidades
de interação do aluno com o professor são multiplicadas. (2000, p. 2)

A crença no aumento da qualidade é quase uma unanimidade. Segundo Mota:
Não se trata apenas de uma mera renovação tecnológica. É uma mudança muito
mais profunda, que envolve novas técnicas, mas também novos métodos, novos
objetivos, novos conteúdos e um mundo novo, realmente virtual, que possibilitará:
1) Atender à crescente demanda em todos os níveis de ensino, sem necessidade de
se ampliar o número de salas de aula, de instalações, de professores e de
funcionários o que, além de significar redução de custos, poderá, definitivamente,
proporcionar a democratização do ensino básico;
2) Suprir o problema de baixa qualificação dos professores, especialmente nas
regiões Norte e Nordeste, para as quais deve ser dada prioridade pelos programas
governamentais;
3) Melhorar a qualidade do ensino nas escolas presenciais, com a utilização, nas
aulas presenciais, de programas de educação a distância;
4) Oferecer o mesmo nível de qualidade para todas as regiões do país, respeitando e
valorizando características das culturas regionais;
5) Otimizar os recursos disponíveis nos diversos sistemas de educação;
6) Aumentar a motivação dos alunos para sua própria aprendizagem;
7) Implantar, em ritmo muito mais rápido, novos métodos e técnicas de ensino;
8) “Desenvolver uma educação de qualidade muito superior à vigente nas escolas
presenciais, etc. (2009, p. 3)

O jornal do Instituto Amazônico acrescenta outras qualidades e objetivos: a educação
a distância, pode-se dizer, é a “bola da vez” na educação. Para conseguir um maior número de
alunos divulga: “Faça agora sua matrícula e receba gratuitamente 280 cursos off-line e
certificados a partir de R$ 10,00” (loc. cit.).
O que expomos acima é quase uma unanimidade de todos os cursos que oferecem
EAD, variando apenas o preço do produto.
Vários problemas decorrentes da EAD, entretanto, são escamoteados não apenas pela
empresa, mas também pelo Estado.
Primeiro lugar como alternativo ao público, usando a ideologia como elemento
fundamental, as consequências da expropriação do saber são transformadas em causas de
problemas crônicos da sociedade; logo, a pobreza é colocada ao lado do baixo desempenho
educacional. A falta de aperfeiçoamento é transformada em causa de desemprego. A falta de
condições de existência é causada pela ausência de iniciativa de setores da população. Nesse
vácuo, a democratização do ensino é colocada como elemento fundamental. Por meio dela,
objetivos públicos e interesses privados aparecem.

79
O discurso da democratização educacional é substituído por mecanismos de
privatização. Nesse momento, a cobrança de taxa institui o ensino pago. A formação de
professores do ensino fundamental e de cursos de especialização torna-se rotineira. A oferta
de programas em troca de contrapartida financeira se transforma na melhor forma de
privatização do ensino. Em vez de se unirem (Estado e tecnologia) para a “solução” de
problemas educacionais, é repassado para os empresários o investimento em educação,
transformando a educação em investimento privado, de restrições impostas pelo ensino pago e
de aumento de disparidades sociais. A famosa modernização da educação via EAD viabiliza a
privatização do ensino. Por esse meio, ela cria empreendimentos em áreas nas quais a
educação se mostra mais lucrativa: o ensino superior e curso de pós-graduação.
A oferta de vários cursos e programas à margem de avaliações criteriosas transforma
a educação em jogo das forças de mercado, induzindo a ideia de que preferências individuais
impõem a qualidade desejada. A falta de controle e o descaso das políticas públicas criam
todas as condições para investimentos privados que transformam a EAD em um negócio
altamente rentável. O desenvolvimento tecnológico aliado a políticas públicas e a estratégias
publicitárias de supervalorização do conhecimento e da educação terminam criando, para a
iniciativa privada, toda uma realidade propícia a sua exposição. Esta vai crescendo à revelia,
muitas vezes, do setor público e seus colegiados. Todo esse percurso contribui para a
institucionalização do ensino pago e legitima políticas de restrição de recursos para a
educação pública.
Uma das características principais das formas de reprodução do capital é o lucro, e,
para que ele tenha vida longa, são necessárias a transformação de tudo em mercadoria e a
criação de novas necessidades. Nesse sentido, sempre que acontecem alguns problemas na
economia ou na mudança da sua forma de reprodução, a educação é colocada em cheque.
E no rastro dos problemas e das mudanças, a educação a distância é colocada como
se fosse a saída para as questões educacionais. Ela serve para determinar, de forma definitiva,
o aumento máximo da qualidade do ensino, para facilitar o professor a se exprimir de forma
mais adequada e para fazer com que o aluno entenda e aprenda os conteúdos escolares. Isso
inclui todas as formas de tecnologia. Pode-se concluir que o que estão fazendo com a
tecnologia na educação é algo estarrecedor.
A escola é colocada hoje como algo intensamente ultrapassado, isso porque custa
caro, não universaliza, não responde à realidade atual, que é “muito complexa”, e está em
mudança a todo instante. Isso é visível se olharmos o desenvolvimento extraordinário das
novas tecnologias. Nesse sentido, a escola é colocada como algo a ser substituído e, para isso,

80
esta nova modalidade de educação deve ser posta em prática em nível federal, estadual e
municipal, mas que se abram espaços para a iniciativa privada. A busca intermitente por lucro
obriga os setores privados a desfigurar as escolas em todos os níveis e, com ele, é acrescida a
necessidade de criar alternativas. A educação a distância aparece como saída para esconder a
natureza mercantil dessa modalidade.
Neste sentido, a eficiência técnica é mostrada como parâmetro de qualidade para
valorizar o ensino a distância. O benefício da mudança da modalidade de ensino e da eficácia
tecnológica tem sido divulgado para dar valor simbólico à educação e para legitimar o “justo
preço”, pelo decantado curso de qualidade. A EAD se transformou em objeto de interesse
político e econômico de caráter fechado. No mundo atual, os interesses privados são sempre
privilegiados. Como consequência, ganha-se muito dinheiro e sofistica-se tecnologicamente,
beneficiando a formação de quadros técnicos para atender a setores competitivos da economia
de mercado, junto com o ensino de massa de baixa qualidade. Pacotes e programas são
comercializados como comida e se transformam em mais um investimento de desigualdade.
Em vez de socializar o acesso à educação pública, ela sofistica a exclusão social.
Dentro do que foi criado, tudo em “benefício” da sociedade: telecurso do 1º e 2º
graus, EAD, videoconferência etc. Os empresários estão cavando o sepulcro dos professores
e, estes, sem notar, também estão. Já foi demonstrado que é possível mandar mensagem e
educar pela televisão. Se todos os processos já foram desenvolvidos, o que impede, em uma
ou duas décadas, que haja uma diminuição significativa de professores substituídos pela
EAD? Se tecnologia e programas já existem, nada impede. Acredita-se que o contingente de
professores está com os seus dias contados. Serão substituídos por técnicos e programas de
computador. Somente poucos sobreviverão. A realidade comprova isso.
Analisaremos agora outros elementos que compõem esse quadro da questão da
qualidade.

4.5 A Ciência e a Qualidade da Educação
A ciência se desenvolve a partir de condições sociais concretas. Nesse sentido, está
vinculada a determinados interesses expressos, mesmo por ocultação deles.
Vários são os que procuram qualificar a educação. Em primeiro lugar, iremos ver
alguma ideia do que seria qualidade para os progressistas. Em seguida, o que seria educação
de qualidade para os revolucionários.

81
Os fatos contemporâneos ligados aos avanços científicos e tecnológicos, à
globalização da sociedade, à mudança dos processos de produção e às suas consequências na
educação, trouxeram novas exigências à formação dos professores. Esse processo trouxe uma
nova configuração no interior da produção capitalista, trouxe benefícios à humanidade pelo
avanço cientifico e tecnológico, mas tornou-se um fator de ampliação da exclusão social, pois
trocou a ampliação das possibilidades oferecidas pela globalização dos conhecimentos e pela
má qualidade da oferta da escolarização.
Por esses motivos, faz-se necessária a realização das relações entre escola e
sociedade, informação e conhecimento, e entre as fontes de informação providas pelos meios
de comunicação e o trabalho escolar realizado pelo professor.
Tanto os agentes do capital como trabalhadores reivindicaram um nível elevado de
escolarização, mas cada segmento ao seu modo, com seus próprios critérios de qualidade de
ensino.
As propostas de educação vinculadas aos interesses do capitalismo mundial têm sido
amplamente analisadas e criticadas.
Do ponto de vista “democrático”, de uma educação crítica, é crucial a formulação de
um projeto de educação escolar que se posicione em relação às obrigações sociais do Estado,
à organização do sistema nacional de ensino e aos temas mais recorrentes da questão escolar:
gestão, currículo, avaliação institucional, profissionalização dos professores e processo de
ensino e aprendizagem. Esse projeto teria que levar ao aprimoramento da educação básica
para todos, e ao investimento na formação dos professores, que precisam de formação teórica
mais aprofundada, capacidade operativa e propósitos éticos para lidar com a diversidade
cultural, a diferença e a correção nos salários, nas condições de trabalho e do exercício
profissional.
Tem sido notório o investimento de agências internacionais e de governos na
elaboração de proposta educacionais nas políticas de ajuste ao modelo econômico neoliberal.
Diante das transformações na produção e da modificação do perfil dos trabalhadores, a
escolarização formal deveria pautar-se, nesta perspectiva, em processos ativadores de novas
capacidades intelectuais, níveis mais elevados de abstração, de rapidez de raciocínio e de
visão global de trabalho. As novas tecnologias seriam aplicadas para desenvolver
competências cognitivas e operacionais baseadas nos processos de aprendizagem e na
informática, surgindo, assim, o paradigma da qualidade em que o conhecimento implicaria
mais o saber fazer do que o saber; o pensar ficaria restringido ao “saber como se faz algo”. O
conhecimento estaria ligado ao de regras de atuação do tipo geral. No campo pedagógico, esta

82
tendência seria neotecnicista, que, aliada à transferência de processos organizacionais da
empresa privada, compõem o movimento denominado qualidade total. É o caso da educação a
distância, conforme analisamos no item anterior.
No entanto, entre os educadores progressistas, estudos críticos têm sido feitos em
relação a essa concepção de educação, mas poucos deles têm-se dedicado a investigar os
ingredientes de uma proposta de qualidade de ensino de conotação emancipatória.
Algumas linhas de ação pedagógico-didáticas compatíveis com propostas
educacionais de cunho crítico-democrático propõem um papel mais ativo dos sujeitos na
aprendizagem escolar, professores e alunos, cúmplices perante os objetos de conhecimento
mediante o diálogo; a construção de conceitos articulados com as representações dos alunos; a
aprendizagem do pensar criticamente e instrumentos para interpretar a realidade e intervir
nela; a introdução de práticas interdisciplinares; a valorização do vinculo entre o
conhecimento cientifico e sua funcionalidade na prática; a integração da cultura escolar com
as culturas que perpassam a escola; o reconhecimento da diferença e da diversidade cultural; a
explicitação de valores e atitudes por meio do currículo.
“Uma questão crucial que decorre dessa perspectiva é saber que experiência de
aprendizagem possibilita mais qualidade cognitiva na construção e reconstrução de
conceitos, procedimentos e valores, que recursos intelectuais e que estratégias de
aprendizagem podem ajudar os alunos a tirar proveito do seu potencial de
pensamento e tomarem consciência de seus próprios processos mentais.”
(LIBÂNEO, 2001, p. 82)

Pensar é mais do que explicar. As escolas e as instituições formadoras de professores
precisam formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistêmico, isto é, sujeitos que
desenvolvam capacidades básicas de pensamento, elementos conceituais que lhes permitam
mais do que saber coisas, mais do que receber uma informação; ou seja, colocar-se ante a
realidade, apropriar-se do momento histórico para pensar historicamente essa realidade e
reagir a ela.
Para tratar da questão relativa às exigências da educação na era do conhecimento,
merecem destaque as conclusões que estão no “Relatório para Unesco da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI”, apresentado na década de 1990, em
Jomtien, na Tailândia. Foi configurada uma “importante” iniciativa para o fortalecimento da
política de educação para todos, em busca de uma sociedade mais humana e mais justa. O
Relatório prioriza a educação ao longo da vida, e a possibilidade de se pensar e construir um
destino comum; ou seja: uma sociedade educativa baseada na aquisição e atualização dos

83
conhecimentos e que busca o aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento acerca
dos outros, da sua história, tradições e espiritualidade, a fim de que cada um compreenda
melhor a si mesmo.
A educação, ao longo da vida, conduz ao conceito de sociedade educativa, trazendo
flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço, ao mesmo tempo em que
revê o entendimento acerca da educação permanente como sendo uma necessidade de
renovação cultural. Resgata as três dimensões básicas da educação: ética e cultural, científica
e tecnológica, econômica e social, de modo a conciliar quantidade e pertinência, equidade e
qualidade.
As políticas educativas deveriam ter por principais objetivos a contribuição para a
melhora da qualidade de vida, a redefinição os critérios de desenvolvimento humano
sustentável e o estímulo às vivências concretas da “democracia”.
A educação deveria subsidiar também o cidadão, para que ele pudesse ter
consciência plena de suas raízes históricas, a fim de dispor de referências de análise que lhe
possibilitem situar-se no mundo a partir da leitura crítica e da consequente redefinição da
noção de identidade individual e coletiva.
É através do continuum educativo, coextensivo a todas as etapas da vida humana e
aos vários segmentos sociais, que se dá o conhecimento dinâmico do mundo, de todos e de
cada um em particular, representando um processo de apropriação singular e de criação
pessoal na busca pela realização pessoal e pela participação da sociedade.
Os docentes deveriam agir como agentes de mudanças na formação de pessoas
capazes de evoluir, interagir e discernir, orientadas num mundo em que são constantes as
transformações, para pensar de modo crítico e autônomo.
Os membros da comissão pensam, ainda, que se pudessem ter uma educação que
permitisse vivenciar o que acima foi citado seria necessário e urgente assumir uma abordagem
curricular crítica e interdisciplinar no exercício do pensar/fazer currículos escolares, pois o
currículo é um instrumento por meio do qual visões de mundo ganhariam ou perderiam
espaço social. Existe, ainda, no campo da educação, outra perspectiva, que é a do trabalho.
No entanto, na atual forma de sociabilidade, interessa à perspectiva do trabalho as
apropriações amplas, sólidas e profundas do patrimônio humano e do que há mais rico e
sólido nele, por parte de todos os indivíduos. Contudo, já não se pode dizer o mesmo na
perspectiva do capital, pois ele é, por sua natureza, limitador do acesso quanto ao número de
pessoas, como acima apresentado, mas também quanto à qualidade do conteúdo, tendo

84
sempre em vista que o objetivo último não é a realização de todos os indivíduos, mas a sua
reprodução.
As formas dessa limitação são as mais variadas e sutis, a elas não escapando,
inclusive, a cooptação de muito do discurso e de atividades pedagógicas que se pretendem
progressistas.
Entende-se, dessa forma, que a articulação é feita por muitos educadores que se dizem
progressistas e pretendem apontar para além da sociabilidade capitalista, mas não ultrapassam
os limites impostos por ela, uma vez que pretendem uma educação pressupondo o homem
livre. Mas, como cidadania não é sinônimo de liberdade efetiva e plena, o objetivo maior, que
deve ser a emancipação, não é cogitado (formar o homem pleno).
Entretanto, ao se pretender atingir uma qualidade em educação numa perspectiva
emancipatória, alguns autores sugerem indicações e informações importantes para o
conhecimento do objeto, que analisaremos posteriormente.
O pensamento filosófico é, hoje, quase que inteiramente dominado pelo
pragmatismo, pelo neopositivismo ou por várias formas de irracionalismo, uma vez que
praticamente toda a elaboração filosófico-científica sustenta, de formas diferentes, a tese do
aperfeiçoamento da atual ordem social.
“A enormidade e a complexidade dos problemas que a humanidade enfrenta hoje, as
externas e profundas transformações que o mundo está sofrendo, a confusão teórica
e ideológica que domina o mundo atual, o desnorteamento teórico e prático das
forças que se reclamam da perspectiva do trabalho, não se vê como negar a imensa
importância de uma elaboração teórica que procure fundamentar com toda solidez a
natureza, a possibilidade e a necessidade de uma forma de sociabilidade para além
do capital”. (TONET, 2005, p. 230)

Ora, se é verdade que o objetivo da educação é contribuir para que os indivíduos
façam suas objetivações comuns ao gênero humano e que este objetivo, hoje, é chamado de
emancipação humana, todas as atividades deveriam estar ordenadas em função dele. Surge aí
a importância dos valores, mas não quaisquer valores, mas aqueles históricos e socialmente
fundados, ou seja, os que em sua base apontam para uma forma superior de sociabilidade.
Entre os revolucionários, Tonet apresenta, ao longo de suas obras, pistas que dizem o
que seria uma escola eficaz ou de qualidade para o proletariado e trabalhador. Primeiro, teria
uma pedagogia articulada com interesses populares que valorizaria a escola, não seria
indiferente ao que ocorresse em seu interior, estaria empenhada que a escola funcionasse bem
e, por isso, estaria interessada em métodos de ensino eficazes, que estimulariam a atividade e
iniciativa dos alunos, sem abrir mão da iniciativa do professor. Dessa forma, favorecia o

85
diálogo dos alunos entre si e com a cultura acumulada historicamente. Levariam em conta os
interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem
perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para
efeitos do processo de transmissão e assimilação dos conteúdos cognitivos.
Segundo, o professor e o aluno seriam tomados como agentes sociais, e o ponto de
partida seria a prática social comum a professor e alunos. O segundo passo seria, pois, a
problematização, ou seja, definir as questões que precisariam ser resolvidas no âmbito da
prática social e, em consequência, conhecimentos que seriam necessários dominar.
O terceiro passo seria o da instrumentalização, isto é, a apropriação pelas camadas
populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se
libertar das condições de exploração em que vivem. O quarto passo seria a catarse e a efetiva
incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de
transformação social. O ponto de chegada seria a própria prática social que transformaria as
relações de produção que impedem a construção de uma sociedade igualitária.
A Educação teria que ser de resistência, teria como horizonte a libertação, mas ela,
com a ajuda da tecnologia, teria que ter outra comunicação para ajudar no processo de
transformação. A universalização da educação, ou escola única, obrigada para todos,
independentemente de classe, raça, gênero ou credo. A educação seria dada transmitindo algo
que de melhor a humanidade produziu coletivamente e historicamente (SAVIANI, 1997, p.
23).
O professor tem que ensinar, tem que planejar o ensino e desenvolver de tal modo
aqueles objetivos de instrumentalização do aluno, para que os elementos básicos de
participação na sociedade sejam obtidos (ibidem, p. 39). Não apenas efetuar transmissão e
assimilação do saber sistematizado, de cultura erudita, mas também usar métodos adequados,
criar no aluno um hábito e, para isso, é fundamental desenvolver o automatismo.
Quanto às universidades, principalmente as ligadas às ciências sociais, teriam o papel
de efetuar diagnóstico razoavelmente preciso de como as escolas funcionam, de fazer avaliar
e criticar os conteúdos, os métodos e materiais didáticos, predominantemente, nas escolas do
Estado. Manter um programa sistemático para a qualificação de pessoal do magistério. Manter
equipes permanentes de pesquisa sobre relações entre conteúdos de cunho popular e formas
eruditas de cultivo. Essas são algumas características do pedagógico empregado por Saviani e
por ele denominado de pedagogia revolucionária, ao entender que o processo educativo é a
passagem da desigualdade para a igualdade.

86
Tonet (2005, p. 232), quando analisa a natureza de educação, expõe cinco prérequisitos para atividades emancipadoras para uma educação de qualidade:
1) O conhecimento mais aprofundado e sólido possível da natureza do fim que se
pretende atingir, no caso, a emancipação humana;
2) A apropriação do conhecimento a respeito do processo histórico real, em suas
dimensões universais e particulares, uma vez que o processo educativo se desenvolve em um
mundo historicamente determinado e em situações concretas;
3) Está no conhecimento da natureza essencial do campo específico da educação “para
que não haja substituição do campo que a defende”;
4) Domínio dos conteúdos específicos, próprios de cada área do saber. Por outras
palavras: cada profissional tem que dotar na sua área. Uma prática educadora-emancipadora
está no domínio dos conteúdos específicos próprios de cada área do saber, sejam eles
integrantes das ciências da natureza ou das ciências sociais e da filosofia;
5) Articulação das atividades educativas com as lutas desenvolvidas pelas classes
subalternas, especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições decisivas na estrutura
produtiva.
Além dessas premissas, outras foram levantadas. Vejamos uma educação que, em
linhas gerais, seria de natureza tecnológica, uma educação escolar na qual os fundamentos
técnicos, éticos e políticos da produção da existência fossem os de sentir e agir consciente de
toda a população.
Uma escola desinteressada do trabalho, mas que fosse dada sob a perspectiva do
trabalho, que colocasse a emancipação mais completa do ser humano como seu horizonte.
Para isso, a escola realiza uma síntese entre teoria e prática, entre trabalho manual e trabalho
intelectual. A escola emancipadora dos homens deve assumir a tarefa de encaminhar, a partir
da criança, na sua vida social, depois de educá-la intelectualmente com as melhores teorias
possíveis, para possibilitar a capacidade de criação intelectual e prática e certa autonomia na
orientação e na iniciativa.
A escola deve ser organizada, tendo seu ponto de partida o humanismo marxiano, a
autonomia moral, para que possa ingressar nos estudos científicos; para isso, a escola tem que
ter tempo integral, com sabor de aula que propicie a aprendizagem, sabor de esportes, de artes
(pintura, música, teatro, etc.), biblioteca com todas as grandes obras universais e demais
espaços de aprendizagem, para que o estudante possa se desenvolver e caminhar com a mais
absoluta sustentação racional e emocional. Enfim, uma escola que privilegie o conhecimento

87
mais científico, sistemático e clássico possível, que destrua o saber fragmentado, religioso e
baseado no senso comum. A escola deve ajudar na criação do homem livre. Não nos
esqueçamos de que a escola deve ser controlada pelos trabalhadores associadamente.

4.6 Formação de Professores
O empobrecimento em massa e a desigualdade de oportunidades cada vez maior entre
ricos e pobres — aliados à manutenção de diferentes formas de manifestação de poder
opressivo por parte do Estado, como aponta Althusser, quando afirma a tese de que a escola
funciona como um de seus aparelhos ideológicos — apontam para a necessidade de
engajamento dos educadores em processos educacionais que pretendam transformar, e não
consolidar o statu quo. Aqui se revela a importância do profissional educador que pense em
seu educando como um sujeito que precisa conhecer e perceber que a sua história é relevante
e contribui para sua comunidade em seu sentido lato.
Hoje em dia, encontra-se, por parte dos educadores, um discurso inovador que
diferencia de sua prática pedagógica, pois dizem, mas não fazem.
Educar pessoas exige um projeto educativo emancipatório, que contribua para o
desenvolvimento de mecanismos de antidominação e leve à conquista da autonomia,
conforme afirma Santos (2008, pp. 17-18), quando propõe que “a educação para o
inconformismo tende a ser ela própria inconformista. A aprendizagem da conflitualidade dos
conhecimentos tem de ser ela própria conflitual”.
A educação emancipatória deve ser crítico-reflexiva, e não reprodutivista (essa teoria
busca demonstrar que a educação reproduz tão somente os interesses do capital, de modo que
não se pode criar uma contra-hegemonia baseada na perspectiva do trabalho). Para que esse
processo seja bem-sucedido, é vital os educadores reassumirem o papel de “mestre” e
perceberem a necessidade de possuir conhecimento mais aprofundado e atualizado de
questões que envolvam, além de suas disciplinas, a formação do indivíduo, o que justifica a
existência de programas de formação continuada de professores.
Essa modalidade de formação de professores tem sido uma das grandes preocupações
da área educacional, porque as dificuldades de ensino dos docentes, em geral, têm sido vistas
como um dos possíveis fatores a explicar a queda na “qualidade” do ensino no Brasil.
No entanto, entende-se que vários são os problemas que têm contribuído com o atual
estado das coisas no que se refere à formação de professores: a formação inicial é precária; a
Universidade não está formando professores para a superação da dominação, uma vez que as

88
disciplinas pedagógicas não estão sendo levadas a sério por grande parte dos professores que
são bons, muitas vezes, na área específica, mas que não sabem o significado do que é ensinar
e do que é aprender. Por outro lado, uma vez formados, saem com um título que não faz jus à
profissão, trabalham em uma área da qual sequer conhecem as leis que regem, não têm
preocupação com a função social e política da escola, apenas reproduzem o sistema, seguindo
modismos que atendam a tal reprodução.
Outro elemento fundamental, mas colocado em segundo plano, é o livro didático, que
deveria oferecer subsídios científicos para a emancipação do homem e, por conseqüência,
deveria oferecer conteúdos de qualidade sobre a perspectiva do trabalho.

4.7 Currículo
A construção do currículo na ação pedagógica dos docentes deve ir muito além do
discurso, já que sua construção já posiciona os aportes teóricos que marcam concepções de
educação e de currículo que deveriam assumir uma construção coletiva pelas ações e decisões
da comunidade escolar, visando uma educação crítica. Assim, entende-se que as mudanças na
direção de uma prática efetiva emancipatória devem ser construídas no cerne da formação
docente, em caráter crítico e no trabalho coletivo da escola.
O contexto social, o papel do professor como formulador do currículo e o espaço
escolar como produção cultural mostram que as relações de poder estão presentes em cada
forma de organização curricular que se consolida no espaço escolar.
Ao conceber a escola produtora e executora em potencial do currículo, possibilita-se
aos atores escolares e ao direcionamento do processo educativo a possibilidade de que o
professor seja interventor e facilitador dos processos de reconstrução e transformação do
pensamento e ações dos alunos como nos diz Carbonell (2002, p. 91):
“A escola construirá mecanismos de participação como possibilidade de pensar de
tornar a palavra em igualdade de condições, de gerar diálogos e acordos, de respeito
ao direito das pessoas de intervir na tomada de decisões que afetam sua vida e de
compreender na ação”.

A organização curricular tem relação com a relação de classe social do sujeito e com
as relações de poder e controle que se estabelecem. É preciso, então, pensar o currículo entre
organização curricular e estratificação social. Assim, a concepção de integração curricular

89
assume uma visão para além-muro das escolas, sendo pertinente nomeá-la de organização
curricular integrada-crítica.
São muitos os estudiosos do meio educacional que defendem propostas de integração
curricular, desde Dewey, Kilpatrick, Beane, Santomé e outros. Porém, é preciso fazer um
alerta, argumentando que o discurso sobre integração curricular na história do currículo vem
sendo construído sob diferentes princípios integradores, que, muitas vezes, não representam
uma visão crítica desses currículos. Dizem ainda os mesmos autores que o pensamento não
deve ser dicotomizado entre o currículo integrado e o disciplinar.
Segundo Pacheco (2002, p. 32), “a educação não pode ser configurada em uma
prática decretada como moda pedagógica de inovação curricular”, pois não se podem negar as
disciplinas, mas é preciso entender qual o significado de disciplina científica e disciplina
escolar, para que se possa optar pela base que contemplará a integração.
Logo, empreende-se que a prática pedagógico-curricular da maioria dos professores
não tem respaldo na concepção de disciplina científica, mas sim na disciplina escolar, o que
implica a dicotomia da própria disciplina.
Outro revolucionário que se posicionou sobre uma educação de qualidade, Mészáros
(2005, p. 11), diz que a educação não pode estar restrita à Pedagogia, mas deve sair para as
ruas, para os espaços públicos e abrir-se para o mundo. Percebe que o simples acesso à escola
é condição necessária, mas não suficiente para tirar das sombras do esquecimento social
milhões de pessoas e, ainda, que a exclusão social não está mais na questão do acesso à
escola, mas dentro dela, por meio das instituições da educação formal que reproduzem a
estrutura de valores que ajudam a reprodução de educação de qualidade.
É necessário que os elementos revolucionários da educação formal redefinam a sua
tarefa em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, no sentido
de favorecerem uma contribuição vital para romper com a lógica do capital na sociedade
como um todo.
A partir do que Mészáros afirmou, perguntamos: é possível que todas as premissas e
ideias colocadas pelos progressistas e pelos revolucionários sejam colocadas em prática? Ou,
dizendo de outra forma: é possível que o Estado, nas suas diversas esferas, tanto federal,
como estadual e municipal, daria às classes proletárias e trabalhadoras uma educação formal
com as ideias acima descritas? É possível o Estado ou a iniciativa privada oferecer uma
educação de qualidade para o proletário e para a classe trabalhadora? A resposta é impossível
no mundo do capital, numa educação institucionalizada formal, de qualidade, sob a
perspectiva do proletário e do trabalho; isso porque, segundo Mészáros:

90

“Digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu lhes direi onde está a
educação... Para que serve o sistema educacional – mais ainda quando público − se
não for para lutar contra a alienação? Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo,
sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens? [...]
Vivemos o que alguns chamam de ‘novo analfabetismo’ porque é capaz de explicar,
mas não de entender − típico dos discursos econômicos [...] A diferença entre
explicar e entender pode dar conta das diferenças entre acumulação de
conhecimentos [...] Explicar é reproduzir o discurso imediato, entender é desalienarse, é decifrar, antes de tudo, o mistério da mercadoria, é ir além do Capital”. (2005,
pp.17-18)

Ao contrário dos revolucionários, os progressistas acrescentaram algumas reformas
para tentar minorar a situação e nunca para resolver pela raiz os problemas.
Marx apud Mészáros (2005, p. 59) afirma: “os seres humanos devem alterar
completamente as condições da sua existência industrial e política e, consequentemente, toda
a sua maneira de ser”.
É necessário encontrar os problemas a partir da sua raiz, que a alienação possa ser
destruída e que se criem estratégias apropriadas e adequadas para incluir a realidade vigente,
já que, no capital, é uma impossibilidade uma educação soberana. Para Saviani:
Um professor de história ou de matemática, de ciências ou estudos sociais, de
comunicação e expressão ou de literatura brasileira etc., tem cada um uma
contribuição específica a dar, em vista da democratização da sociedade brasileira, do
atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da
sociedade. Tal contribuição se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas
ferramentas de caráter histórico, matemático, científico e literário etc., cuja
apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos. Ora, em meu modo de
entender, tal contribuição será tanto mais eficaz quanto mais o professor for capaz
de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global. (1984, p. 83)

Portanto, somente o professor, na sua individualidade, pode transmitir uma educação
de qualidade sob a perspectiva do proletário e do trabalhador. Mas, para isso, faz-se
necessário que o professor domine essa forma de pensar, que ele seja formado tendo como
horizonte a emancipação do homem, com todas as dificuldades que isso acarreta, já que não é
perspectiva dominante.

4.8 Interdisciplinaridade
O mundo se apresenta hoje muito mais complexo do que há dois séculos e isso fica
evidente quando vemos a realidade mudando constantemente, embora a essência do sistema
continue igual à de séculos atrás: a compra e a venda da força de trabalho, a propriedade

91
privada, a exploração de um homem sobre o outro etc. Essas mudanças, provocadas por uma
reestruturação produtiva e pelo uso de uma tecnologia cada vez mais avançada, fazem
aparecer uma desigualdade cada vez maior. E quanto mais avançada a forma de reprodução
material, mais necessária torna-se a especialização, que tem como consequência a
fragmentação.
Essa complexidade produtiva, com as suas mais variadas especializações, acaba
atingindo também a escola, o currículo, a forma de repassar o currículo, mediante a
fragmentação da ciência, das disciplinas escolares e, portanto, do saber.
A produção moderna exige também uma especialização do conhecimento, visando
contribuir para o lucro; isso leva a ciência a se especializar cada vez mais, produzindo uma
fragmentação do conhecimento. A especialização mostra que o conhecimento só tem sentido e
só é mais “eficaz” para os especialistas de cada área. É para tentar consertar esta situação de
fragmentação da ciência e do saber que a interdisciplinaridade é apresentada como um dos
elementos fundamentais para a qualidade da educação.
Os parâmetros curriculares nacionais (PCN) também defendem esta ideia:
Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas
disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para
resolver um problema concreto ou compreender um fenômeno sob diferentes pontos
de vista. Em suma, a interdisciplinaridade tem uma função instrumental. Trata-se de
recorrer a um saber útil e utilizável para responder às questões e aos nossos
problemas sociais contemporâneos. (BRASIL, 2002, pp. 34-36)

Essa função instrumental está condensada em três vertentes: a contextualização, a
interdisciplinaridade e as competências e habilidades.
Um trabalho interdisciplinar, antes de garantir a associação temática entre diferentes
disciplinas – ação possível, mas não imprescindível -, deve buscar unidade em
termos de prática docente, ou seja, independentemente dos temas/assuntos tratados
em cada disciplina isoladamente. Em nossa proposta, essa prática docente comum
está centrada no trabalho permanentemente voltado para o desenvolvimento de
competências e habilidades, apoiado na associação ensino-pesquisa e no trabalho
com diferentes fontes expressas em diferentes linguagens, que comportem diferentes
interpretações sobre os temas/assuntos trabalhados em sala de aula. Portanto, esses
são os fatores que dão unidade ao trabalho das diferentes disciplinas, e não a
associação das mesmas em torno de temas supostamente comuns a todas elas.
(BRASIL, 2002b, pp. 21-22)

Portanto, através da interdisciplinaridade, o MEC pretende resolver o problema do
ensino, acreditando ser esta a saída para uma educação de qualidade. Mas, não é só o MEC,
através

dos

Parâmetros

Curriculares

Nacionais,

no

ensino

médio,

que

vê

na

92
interdisciplinaridade a solução para a fragmentação do saber. Existem autores que também
endossam e justificam a proposta, a exemplo de Japiassu (1995, p. 7):
[...] o interdisciplinar constitui um motor de transformação capaz de restituir vida às
nossas mais ou menos esclerosadas instituições de ensino. Para tanto, mil obstáculos
(epistemológicos, institucionais, psicossociológicos, psicológicos, culturais, etc.)
precisam ser superados. Por exemplo: a situação adquirida dos ‘mandarinatos’ no
ensino e na pesquisa, inclusive na administração (cargos para os mais medíocres); o
peso da rotina: a rigidez das idéias novas que seduzem (ódio fraterno); o positivismo
anacrônico que, preso a um ensino dogmático, encontra-se à míngua da
fundamentação teórica; a mentalidade esclerosada de um aprendizado apenas por
entesouramento; o enfeudamento das instituições; o carreirismo buscado sem
competência; a ausência de crítica dos saberes fragmentados, etc. Todavia, o
interdisciplinar deve responder a certas exigências: a criação de uma nova
inteligência e de uma razão aberta, capazes de formar uma nova espécie de cientistas
e de educadores, utilizando uma pedagogia nova, etc.

A ideia do autor sobre a interdisciplinaridade vai muito além da sala de aula, uma
vez que se estende para a pesquisa, a administração etc. Mello (1998, pp. 33-36) também
defende a interdisciplinaridade, quando afirma que:
A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem,
ensinam e aprendem, sentem necessidades de procedimentos que, numa única visão
disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas fazem sentido quando chamados a dar
conta de temas complexos. Se alguns procedimentos artísticos podem parecer
profecias na perspectiva científica, também é verdade que a foto do cogumelo
resultante da explosão nuclear também explica, de um modo diferente da física, o
significado da bomba atômica. Nesta multiplicidade de interações e negociações
recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples
comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos diretores, da
epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e
análise de dados. Ou pode efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de como
são diversas as várias formas de conhecer. Pois até mesmo a ‘interdisciplinaridade
singela’ é importante para que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob
perspectivas diferentes.

Fazenda (1999, pp. 86-87), tomando como referência o caráter interdisciplinar na
sala de aula, assim se expressa:
Numa sala de aula interdisciplinar, a autoridade é conquistada, enquanto na outra é
simplesmente outorgada. Numa sala de aula interdisciplinar a obrigação é alternada
pela satisfação; a arrogância, pela humildade; a solidão, pela cooperação; a
especialização, pela generalidade; o grupo homogêneo, pelo heterogêneo; a
reprodução, pela produção do conhecimento. [...] numa sala de aula interdisciplinar,
todos se percebem e gradativamente se tornam parceiros e, nela, a
interdisciplinaridade pode ser aprendida e pode ser ensinado, o que pressupõe um
ato de perceber-se interdisciplinar. [...] Outra característica observada é que o
projeto interdisciplinar surge às vezes de um que já possui desenvolvimento a
atitude interdisciplinar e se contamina para os outros e para o grupo. [...] Para a
realização de um projeto interdisciplinar existe a necessidade de um projeto inicial

93
que seja suficientemente claro, coerente e detalhado, a fim de que as pessoas nela
envolvidas sintam o desejo de fazer parte dele.

Diante do exposto, resta-nos perguntar como se dá a relação entre as diversas
ciências e, mediante o fato de haver pluralidade de saberes parciais, o problema que se coloca
é o de articulação entre os diversos saberes. Qual a disciplina que irá se responsabilizar por
“totalizar”, juntar estas diferentes perspectivas e conhecimentos? Japiassu se posiciona sobre
a questão:
[...] podemos retornar essa distinção ao fixarmos as exigências do conhecimento
interdisciplinar, quer dizer, seu verdadeiro horizonte epistemológico não pode ser
outro senão o campo unitário do conhecimento. Jamais esse espaço poderá ser
constituído pela simples adição de todas as especialidades nem tampouco por uma
síntese de ordem filosófica dos saberes especializados. O fundamento do espaço
interdisciplinar deverá ser procurado na negação e na superação das fronteiras
disciplinares. (JAPIASSU, 1976, pp. 74-75 apud MAGALHÃES, 2009, p. 4)

Entre os defensores da interdisciplinaridade, Japiassu é inovador ao apontar a própria
superação da interdisciplinaridade, acabando com as fronteiras entre as ciências e criando uma
única ciência.
Mas a pergunta conclusiva é: quem irá unificar as ciências na interdisciplinaridade e
na transdisciplinaridade? É o próprio Japiassu quem responde:
Trata-se isto sim, de mostrarmos a importância que não somente pode, mas deve ter
na pesquisa interdisciplinar, uma filosofia do trabalho, uma filosofia que, sem
renunciar ao seu método próprio, procure penetrar no espírito científico a fim de
que, justamente com os especialistas, e enquanto estes constroem criticamente suas
ciências, possam ser elaborados conceitos interdisciplinares. O papel da filosofia
consiste, pois, em se apresentar como instância crítica no interior démarche
interdisciplinar (papel hermenêutico) ou, então, como esta instância capaz de fazer a
unidade do objeto, pois cabe ao filosofo lembrar aos cientistas que eles não poderão
com seus saberes positivos totalizar o sentido; ao contrário, deverão estar sempre
abertos a historia e ao conhecimento. Portanto é dentro de um projeto
interdisciplinar que a filosofia deverá exercer um dos seus papeis essenciais: impedir
que uma ciência particular venha hipertrofiar um mito totalizante. (1977, p. 180)

Portanto, na perspectiva do autor, cabe à filosofia o papel de termômetro do
conhecimento.
Tonet (2009, p. 4), discutindo o assunto, considera que o debate sobre a
interdisciplinaridade como elemento aglutinador do conhecimento apresenta alguns
equívocos, assim por nós interpretados:

94
1º) A complexidade da realidade e a fragmentação do saber são coisas extremamente
naturais de uma realidade que foi evoluindo naturalmente para um afastamento entre as
ciências;
2º) A ausência de uma perspectiva ontológica como instrumento de análise faz com
que se ignore a relação existente entre o conhecimento e as relações materiais. Segundo Tonet
(2008, p. 44), primeiro é fato que a matéria é anterior à ideia, que a natureza existia antes de
os homens surgirem, que a ideia é um desenvolvimento tardio da matéria. Segundo, em se
tratando de reprodução do mundo do homem, as determinações materiais (que são fundadas
posteriormente pelo desenvolvimento das forças produtivas) constituem o momento
predominantemente no desenvolvimento da ideia. É a existência social do homem que
determina a sua consciência e não o inverso. Os que defendem a interdisciplinaridade não
enxergam esta relação entre motivo x consciência, e acreditam que a resolução do problema se
encontra na própria consciência, na própria ideia, portanto os fragmentos da fragmentação são
os próprios fragmentos produzidos por ele;
3º) Atribui-se à ciência uma autonomia que acaba colocando-a acima da realidade
material, sendo portanto na ciência que se deve buscar a saída e não na realidade;
4º) A fragmentação do saber não está no saber, mas no solo que lhe dá origem;
5º) A modernidade adotou o sujeito como construtor do conhecimento.
Como chegamos a essa fragmentação da ciência? Para responder à questão é
necessário partir daquele que produz a ciência, o homem, e este seu momento embrionário da
constituição do seu ser, que é o trabalho.
[...] O trabalho é, sobretudo, um fenômeno que une o homem e a natureza. Um
fenômeno no qual o homem adapta, dirige e controla a troca de matéria que faz com
a natureza. Age perante a matéria natural. As forças naturais que pertencem ao seu
corpo, os seus braços e as suas pernas, a sua cabeça e as suas mãos, movimentamnas para se apropriar da matéria natural sob forma que possa servir a sua própria
vida. Agindo sobre a natureza que lhe é exterior através deste movimento e
transformando-a, transforma também a sua própria natureza. Desenvolve os poderes
nele adormecidos e submete o jogo das suas forças e sua própria autoridade.
(MARX, 1975, pp. 78-79)

O homem, como ser histórico e sujeito a todo processo de transformações advindas
de seu contexto social, pode eficazmente interferir em sua realidade. Desse modo, ao
transformar a realidade, o homem transforma a si próprio e a sociedade, e torna-se artífice de
seu próprio destino.

95
Ao ser colocado diante de certas exigências, o homem reage ativamente a estas, e
procura desenvolver estratégias que tornem possível a execução de outras complexas
situações.
[...] O homem é um ser que responde ao seu ambiente e, ao fazê-lo, ele próprio
elabora os problemas a serem respondidos e lhes dá as respostas possíveis naquele
momento. Essas respostam podem, no momento subseqüente, se transformar em
novas perguntas, e assim sucessivamente, de tal modo que, tanto o conjunto de
perguntas, quanto o conjunto de respostas vão formando gradativamente os vários
níveis de mediações que aprimoram e complexificam a atividade do homem, bem
como enriquecem e transformam a sua existência. (VAISMAN, 1989, p. 411)

O trabalho é o mediador entre o homem e a natureza: “o homem atua sobre a
natureza com o objetivo de se apropriar de suas matérias para a satisfação de suas
necessidades orgânicas e, no que ele a transforma, transforma também sua própria natureza”
(DUARTE, 1995, p. 63).
Sabe-se que o trabalho é composto de teleologia (finalidade consciente) e
causalidade (a natureza com suas leis próprias), e a articulação entre esses dois elementos dá
origem a uma realidade social.
Por meio do trabalho, o homem modifica a natureza, adequando-a à sua realidade.
Nesse processo de trabalho, diferentemente de outros animais, o homem está sempre criando
o novo, e para isso ele necessita da linguagem, da educação etc.; à medida que vai criando o
novo, a sociedade vai ficando mais e mais complexa, exigindo dele a criação de novas
respostas, novas perguntas, dando origem ao direito, à política, à ciência etc. Foi através do
trabalho desenvolvido pelo homem que a humanidade surgiu e se desenvolveu.
Neto (2006, p. 43), referindo-se ao assunto, afirma que:
O trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no
trabalho. Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas objeções transcendem
o espaço ligado diretamente ao trabalho. No ser social desenvolvido, verificamos a
existência de esfera de objetivação que se autorizavam das exigências imediatas do
trabalho – ciência, a filosofia e arte, etc.

Isso significa dizer que, quanto mais o homem se desenvolve, mais complexas ficam
as relações entre os homens, ou seja:
Até hoje o desenvolvimento do ser social jamais se expressou como o igual
desenvolvimento de humanização de todos os homens; ao contrário: até nossos dias,
o preço do desenvolvimento do ser social tem sido como humanização
extremamente desigual – ou, dito de outra maneira: até hoje, o processo de
humanização tem custado o sacrifício da maioria dos homens. Somente numa
sociedade que supere a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios

96
de produção fundamentais pode-se pensar que todas as possibilidades do
desenvolvimento do ser social se tornem acessíveis a todos os homens. (Ibidem, p.
46)

Neste processo de desenvolvimento do homem, um fato vai ser crucial para o destino
da humanidade: o surgimento do excedente de produção e a posse, de forma privada, vão criar
uma divisão no mundo do trabalho. Com o trabalho intelectual e o manual, a fragmentação do
conhecimento e a especialização vão se desenvolver. Mas é no mundo burguês que essa
especialização e fragmentação vai se desenvolver cada vez mais.

97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A educação não deve qualificar para o mercado, mas para a vida.” (MÉSZAROS,
2005, p. 9)
“A educação libertadora teria como função transformar o trabalhador em um agente
político, que pensa, que age e que usa a palavra como arma para transformar o mundo.”
(Ibidem, p. 12)
“Por isso que, também no âmbito educacional, as soluções não podem ser formais,
elas devem ser essenciais; em outras palavras, elas devem abarcar a totalidade das práticas
educacionais da sociedade estabelecida.” (Ibidem, p. 45).
Vimos que, no período primitivo, não existia diferença entre trabalho e educação:
eram categorias indissociáveis. O homem se educava pelo trabalho e com todas as atividades
que giravam a seu redor; mais tarde, com a descoberta da semente, a prática de domesticação
dos animais e do plantio complexifica, paulatinamente, o ser social e acarreta a divisão da
sociedade em classes. Enquanto a sociedade não estava dividida em classes sociais, havia uma
verdadeira universalização da educação, de modo que se compartilhavam os conhecimentos
adquiridos através de atividades laborais desenvolvidas cotidianamente pela comunidade. A
educação, de forma geral, é inseparável do mundo do trabalho. Desde a prévia seleção até a
objetivação das ideias, o homem desenvolve, histórica e socialmente, a cultura burocrática
que se forma como patrimônio do gênero. No entanto, com as classes começaram a surgir
barreiras socioeconômicas, e as pessoas não conseguem ter uma consciência para além de
suas necessidades imediatas e de suas interações limitadas com outros seres humanos. Assim,
a divisão gradualmente cresceu, em virtude das diferentes necessidades exigidas por aquela
realidade histórica e material.
Nesse advento das classes sociais, nasce a separação entre trabalho material e
imaterial, impedindo que a maioria das pessoas tenha acesso à educação. O trabalho já não
corresponde a uma forma de autoconstrução humana, mas sim a uma subjugação dos
trabalhadores à determinada classe. A história mostra que a educação formal elevava o nível
de conhecimento das pessoas pertencentes a grupos dominantes que, por sua vez, detentores
da riqueza material e experimental, exercem forte influência e pressão sobre as classes
subalternas; isso se dá justamente quando recebem uma educação voltada para atender o
modo de produção vigente e, logo, os interesses de burguesia. O trabalhador termina por

98
vender sua força de trabalho e dá sustentabilidade ao sistema, fortalecendo a classe dominante
no poder.
A educação tem um papel de mediação entre o homem e a sociedade; ele se apropria
do que a humanidade produziu. Porém, depois do advento das classes sociais, observa-se que
somente alguns indivíduos têm as condições de acesso aos bens culturais que foram
produzidos ao longo da história. Tonet afirma que:
A crescente complexificação do ser social e a divisão da sociedade em classes deram
origem à necessidade de um setor separado do conjunto da sociedade. Este se
ocuparia da organização e da direção desse processo de apropriação do patrimônio
comum por parte dos indivíduos de modo a não permitir que o controle escapasse
das mãos dos setores dominantes. (2005, p. 220)

O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, diferentes.
A sociedade política substancializada no Estado torna-se o ordenamento da sociedade que
contribui para a manutenção da ordem imposta pela classe dominante. Quando o Estado
admite a existência de problemas sociais, procura explicá-los de modo que pareçam ser
resultados de fenômenos naturais e busca inculcar na sociedade que nenhum esforço humano
pode interferir nesse processo. Isso retira dos homens a capacidade histórica de intervir no
mundo sempre que ele não satisfaça suas reais necessidades.
Desse modo, é comum, principalmente no modelo neoliberal, encontrar a culpa das
disfunções e ineficiências da sociedade dentro de uma lógica administrativa, ou seja,
justificam-se os problemas inerentes ao modo de produção capitalista, e a organização política
é posta como o meio adequado para superar todos os problemas sociais.
O Estado é, pois, apresentado sempre como uma instituição política autônoma que
organiza a sociedade do modo mais justo para todos e que, desde a antiguidade, defende uma
organização social fundada no favorecimento de uma classe em detrimento de outra. Pelo que
foi descrito até agora, pode perceber-se que a educação a partir do surgimento das classes
serve sempre à classe dominante: foi assim na Idade Antiga e é assim na contemporaneidade.
Na Grécia, por exemplo, apenas aqueles que logravam de uma situação privilegiada na
sociedade podiam desfrutar a educação e os outros direitos políticos.
Com a ascensão da burguesia ao poder, o acesso a essa escola “para todos” se
transforma em promessa que obtém o apoio popular. A produção e a reprodução do capital
sustentaram-se, através do Estado, nas políticas sociais — fator fundamental no papel de
precursor da saída da crise, procurando distorcer o verdadeiro sentido da educação para que
fosse possível atender as “necessidades” economicistas das grandes corporações capitalistas e

99
dos órgãos econômicos internacionais. Acirraram-se os debates em busca de uma educação
planejada com o objetivo de satisfazer cada vez mais os interesses do capital; ressalte-se que
essa educação haverá de ser uma espécie de amortecedor das lutas sociais e deverá ser
transmitida à classe trabalhadora e à abastada, mas com primazia à relação afetiva entre os
membros da comunidade escolar, e não ao currículo, aos métodos, aos conteúdos etc.
Esse modelo educacional vem completamente permeado pelos anseios da burguesia
de continuar com as relações de exploração, procurando formar indivíduos que reproduzam,
material e espiritualmente, o sistema à ordem imposta e distanciando-se do verdadeiro
desenvolvimento humano. A escola envolvida na esfera do capital deve ser um espaço de
preparação, em que os indivíduos possam ser dotados de habilidades e competências para
atender a uma determinada teleologia do novo paradigma reprodutivo. Certamente, toda
proposta que possa ocorrer no âmbito educacional não terá por finalidade destituir a
hegemonia do sistema, tampouco se contrapor aos interesses da elite, pois não há como a
educação formal agir assim sem, antes, a sociedade ter-se desvinculado da produção
proveniente do sistema.
Observa-se o grande interesse sobre a educação e os problemas sociais, porém o
escopo é atender as necessidades de capital. Ainda encontramos indivíduos bemintencionados ideologicamente: acreditam que os problemas da sociedade poderão ser
resolvidos através da educação escolar, mormente por políticas públicas que elevarão os
educandos ao nível de igualdade de condições em relação às políticas privadas.
Não devemos olvidar que o sistema capitalista foi o único modo de produção que
tentou universalizar a educação. Trata-se de um momento ímpar da história, no qual a classe
subalterna começa a ter acesso ao conhecimento científico, mesmo que este se restrinja ao
objetivo de reproduzir a dominação. Já na contemporaneidade, a educação, no momento em
que aumenta o período de aulas necessárias para que se entre no mercado de trabalho, cumpre
o objetivo de mediar a diminuição da demanda por emprego. Ou seja, o educando tanto deve
estar preparado para o trabalho simples quanto para operar trabalhos de ordem mais
complexa; assim, as ciências e a tecnologia adaptam-se às necessidades das grandes empresas
e, ainda, o trabalhador é responsabilizado pelo desemprego que experimenta.
A educação é vista pela maioria da população como o maior recurso para enfrentar
todos os problemas, principalmente o do desemprego. Dela dependem a continuidade da atual
forma de reprodução social que se caracteriza no Brasil, a diminuição do emprego industrial e
a multiplicação do setor de serviços. Com o surgimento da tecnologia, o número de
desempregados aumentou, e a escola, como uma reprodutora da classe dominante, tem o

100
papel de propiciar ao educando uma formação correspondente às novas demandas laborais do
mercado de trabalho, que vêm tornando o trabalhador, a cada dia, um ser mais alienado. A
partir da ideologia de que a educação pode resolver qualquer problema de ordem social,
imagina-se que a solução das classes desfavorecidas estaria num processo de escolarização.
Portanto, “só vence quem estuda”: a educação transforma-se numa mercadoria.
A globalização influencia não apenas a atividade econômica mundial mas também a
vida em sociedade. Não é um fenômeno inédito e utópico, embora gratificante ao longo da
história, na perspectiva burguesa. Diante dessa questão, com a chegada da globalização na
atualidade, confunde-se a nova era com a era fundada no conhecimento, para a realização do
novo projeto do capital, que, por sua vez, também precisa, para reagir às crises, fazer da
educação (mas não só ela) uma mercadoria — visando ampliação do lucro.
Nesse contexto, a escola e a busca por ela passam a ser vistas como um produto; os
alunos são consumidores do mercado educacional, que vive um processo de privatização, mas
que vem fazer parte de um mercado livre onde o indivíduo pode escolher uma escola pública
de qualidade ou uma escola particular que, pelo menos aparentemente, tem qualidade. Agora
a questão está ligada ao consumo: os consumidores devem acumular a maior quantidade de
saberes úteis ao capital. É bom lembrar que nem todos podem pagar por uma educação
privada, restando-lhes apenas uma educação pública que, na maioria das vezes, não consegue
manter sequer um razoável nível de qualidade.
[...] os debates acerca da qualidade da educação foram assumindo a fisionomia que
esta discussão possui no âmbito empresarial, não diferenciando assim da lógica
produtivista e mercantil que caracteriza os critérios segundo os quais é medida e
avaliada a qualidade no mundo dos negócios. (GENTILI, 1994, p. 126)

A perspectiva de diminuir essas dificuldades foca o aspecto humano como
investimento, e isso é de fundamental importância, visto que nas sociedades subdesenvolvidas
somente poucos indivíduos têm acesso a essa propriedade intelectual, ou seja, apenas algumas
pessoas poderão estar qualificadas tecnicamente para competir no mercado de trabalho.
Assim, o papel da escola será ensinar para o mercado, valorizando uma maior especialização,
que confere aos trabalhadores reais possibilidades de contribuir para o desenvolvimento do
capital.
Ademais, acredita-se que o acesso ao conhecimento tende a diminuir o desnível
social e os problemas da miséria e de violência vivenciados pela sociedade capitalista. Esta,

101
frise-se, é marcada por um grande processo de dominação por parte da classe burguesa, que se
utiliza de vários instrumentos para se manter no poder.
Para que os filhos das classes desfavorecidas tenham possibilidades dentro do
mercado de trabalho, os pais deverão escolher uma escola, pelo menos nos padrões
capitalistas, de qualidade. Nem sempre eles podem pagar por essas escolas classificadas como
centros de referência, e o ensino público nem sempre apresenta a boa qualidade. Assim, a
criação de um mercado educativo gera uma descentralização das decisões e a educação
permeia-se de desafios e incertezas, o que deve mobilizar a busca, a criação e a transformação
das possibilidades de aprender a dinâmica educacional. Nesse aspecto, a educação converte-se
num comércio segundo o qual aquele que vende a mercadoria visa, e não raro alcança, ao
lucro. A função reside em alimentar a ideologia e a linguagem das classes comerciais —
ligadas pelo retorno econômico e pela oferta da educação.
Outra face do neoliberalismo é os movimentos sociais acreditarem que a solução
efetiva dos problemas capitalistas encontra-se nas ações puramente economicistas. Um dos
males desse sistema consiste justamente em afirmar que inexiste outra forma de produção que
não seja através da exploração do homem pelo homem. Sobre isso, Antunes pondera que:
Marx apontou com lucidez a relação entre a luta econômica e a luta política. A
primeira restringe-se ao terreno econômico, não rompendo com as raízes do modo
de produção capitalista. A classe é ainda uma classe em si, pois que não se constitui
ainda como força política eficaz contra o capitalismo. O segundo momento, mais
avançado, é quando a classe formula um projeto político que visa extinguir o
capitalismo, o que implica destruir os antagonismos existentes através da supressão
de todas as classes. (2003. p. 33)

À medida que a luta restringe-se a conquistas econômicas com intuito apenas
salarial, ou por direitos, ou pela propriedade privada, não atacando diretamente o sistema
capitalista, as limitações dos movimentos sociais ficam mais bem delineadas. Está, pois,
contra os efeitos que formam a ordem do capital, não procurando destruir o que gera as
relações sociais, mas apenas atacando os elementos que caracterizam o sistema; logo, só
contribuem para a sua manutenção (ANTUNES, 2003).
Na visão neoliberal, o ponto de referência para condenar a escola não é a necessidade
das pessoas e dos grupos envolvidos, sobretudo, daqueles que mais sofrem com as
desigualdades existentes, mas as necessidades de competitividade em função dos lucros das
empresas. A educação é transformada em mercadoria moldada e lapidada de acordo com os
preceitos capitalistas.

102
Bertoldo atenta para a questão quando afirma: “O combate ao processo de
mercantilização da educação transcende o campo da educação, pois sua lógica está inserida na
dinâmica e na natureza de um sistema mundial, perverso e anti-heróico” (2007, p. 189).
Dentro desse processo de mercantilização, Arcary afirma que “a escola primária está em crise,
as escolas secundárias são impossíveis de alimentar, o ensino médio e superior foi privatizado
em larga escala” (2009, p. 16).
A educação é o principal caminho para adequar o trabalho à mais nova forma de
reprodução do capital, a tecnologia: a força de trabalho está na mente e no conhecimento do
homem, tornando-o capaz de criar, inovar, resolver certos imprevistos, além de possibilitar a
competitividade das empresas para a obtenção de lucro.
Como educação virou uma mercadoria que hoje está exposta nas vitrines do mercado
mundial, o que ela oferece sob o rótulo da qualidade é a eficiência no meio produtivo do
capitalismo. Desse modo, amplia o período escolar de oito para nove anos, procura diminuir a
evasão escolar através de diminuição da média, amplia a quantidade de avaliação e proíbe a
reprovação de alunos até o final do nível médio. O modernismo pedagógico, o tecnicismo, a
aula digital, o construtivismo e os vários serviços oferecidos pelas escolas (balé, capoeira,
caratê, etc.) mostram que ela se transformou realmente numa mercadoria. Como o Estado não
dispõe de muitos itens, procura-se dar a impressão de que as escolas privadas oferecem mais
qualidade que a escola pública. Nos capítulos anteriores, mostramos como é a educação sob a
perspectiva do trabalho; para ser apresentado no plano real, apenas seria possível através da
superação da ordem existente, que necessitaria de modo preponderante da consciência de
classe dos trabalhadores.
Essa consciência do homem é resultado da realidade material e histórica em que
vive. As ideias são produzidas pela ação efetiva de homens reais condicionados pela estrutura
econômica, de modo que constituem sua existência e constroem relações sociais
independentemente de sua vontade; o conjunto dessas relações forma a estrutura econômica e
altera a superestrutura ideológica. Além da consciência, é fundamental que a realidade seja
propícia à superação.
A educação de qualidade na perspectiva do proletariado e da classe trabalhadora é
uma impossibilidade dentro do mundo regido pela lógica do capital. Isso porque a sociedade
dividida em classes termina por reproduzir as ideias da classe dominante. E quem tem o
domínio material da sociedade também tem o domínio espiritual — e essa supremacia
encontra patrocínio dos valores burgueses na figura do próprio Estado. Este é o responsável
pela divulgação da crença de que os homens são autônomos (não dependem de ninguém), e a

103
realidade, autônoma e independente (não foi concebida por ninguém). Isso não impede que
alguns professores, individualmente, ou até em grupo, com incentivo público, não possam
oferecer uma educação de qualidade, seja na esfera federal, estadual ou municipal (escolas
públicas e privadas). Pois, em última instância, é justamente pelos meios de comunicação,
pela religião etc. que se repassa a ideologia burguesa e, assim, perpetuam-se os ideais do
capital, atingindo o escopo último dos capitalistas.
Uma educação de qualidade está necessariamente ancorada em quatro elementos
fundamentais: a radicalidade, a criticidade, a totalidade e a teoria marxista.
Uma escola de qualidade tem de ser radical: as questões formuladoras ou
levantadoras devem estar na raiz do problema. Logicamente, “cortar o mal pela raiz” depende
mais ou menos do nível de subjetividade desenvolvido pelos alunos, pois a formação básica
na educação tem de ser igual para todos. Na segunda fase, as aulas são por níveis e
individualizadas, respeitando o desenvolvimento intelectual do aluno, procurando dar e tirar o
máximo possível e entendendo que existem várias diferenças que permeiam o âmbito escolar.
A criticidade é congênere da radicalidade. É preciso salientar que, quanto mais
radical for a crítica, mais será construída uma crítica, ainda mais radical.
O terceiro elemento é a totalidade: a articulação das complexas questões essenciais
contidas nos assuntos. Para que esses elementos possam integrar-se, é necessário o método
adequado. Podemos encontrar na ideologia marxiana a única teoria capaz de dirimir, de modo
coerente, crítico e radical, os conflitos gerados no sistema capitalista; assim, encontra-se nela
o mais alto nível de formação teórica. Por isso, na formação dos professores, é crucial o
domínio dessa teoria como um dos elementos irrenunciáveis para uma educação de qualidade,
que proponha — sob a perspectiva do proletariado e do trabalhador — uma ruptura definitiva
com o capital. A educação age como “protetora” para conformar o proletariado quanto às
relações de subordinação que mantêm sua existência na ordem estabelecida (MÉSZÁROS,
2005). Aliás, de acordo com Mészáros:
Sem um progressivo e consciente intercâmbio, com processos de educação
abrangente como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as
suas muitas necessárias aspirações emancipadoras. Se, entretanto, os elementos
progressistas da educação formal foram bem sucedidos em redefinir a sua tarefa no
espírito orientado em direção a perspectiva de uma alternativa hegemônica a ordem
existente, eles poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital,
não só no seu próprio e mais limitado domínio como também na sociedade como um
todo. (2005, p. 59)

104
A qualidade somente será possível numa sociedade emancipada! Para alcançar isso,
precisamos antes revolucionar o mundo, necessidade esta que se vê prejudicada pelos
descaminhos da razão, quer dos partidos, quer das entidades de classe, ou ainda da sociedade.
O estudo em tela vem mostrar que, se existe uma educação de qualidade que deva ser
perpetrada sob a ótica do trabalho, isso se torna impossível ainda mais por parte dos partidos
políticos, sindicatos e grupos sociais. Lessa é contundente ao afirmar que:
Vivemos uma práxis social incapaz de superar os limites imediatos do real, termina
por ser incapaz de produzir em larga escala, prévias ideações que sejam portadores
das potencialidades do novo objetivamente presentes na realidade. Incapaz de
enxergar pois além das misérias cotidianas, a concepção de mundo que o homem é
capaz de produzir nesses momentos históricos, é perpassado pelo fatalismo, pelo
misticismo e pelo conformismo. (1995, p. 58)

É preciso lutar para que os partidos e sindicatos elejam a emancipação humana como
prioridade e a revolução como meio indissociável entre teoria e ação na práxis humana. Mas
isso é dificultoso, porque contraria a cotidianidade dos partidos e sindicatos, que veem na
cidadania a panaceia para todos os males.
Nesse contexto, cabe esta pergunta: os partidos e sindicatos seriam capazes de oferecer
à população, ou aos seus associados, uma educação que vise à emancipação humana? O
Estado oferecer uma educação de qualidade sob a perspectiva do trabalho é uma
impossibilidade! Enfim, quem pode viabilizar uma educação de qualidade? Só a própria
classe trabalhadora, mas esta se encontra sob efeito de um mundo fetichizado, alucinado e
ideologicamente manipulado! Quem sobressai a isso? Assim como Saviani, Lessa chega à
mesma conclusão:
Para a transformação dessas potencialidades em atos é decisivo que as pessoas sejam
convencidas não apenas de sua necessidade, mas também da sua visibilidade, ou
seja, além do conhecimento aprofundado do real, é fundamental a luta políticoideológica no seu sentido mais amplo, para convencer as pessoas a agirem não do
modo tradicional como o fazem, mas de modo inovador, de forma a revolucionar as
suas vidas. Nessa medida, entre o velho e o novo se interpõe uma mediação decisiva
e ineliminável, segundo a concepção marxiana que é a subjetividade. (Ibidem, p.55)

Cabe a essa subjetividade (professor) ter a posse de “uma concepção de mundo que
permita tanto a crítica da sociedade burguesa, quanto a proposição de uma viável
sociabilidade socialista, [sem as quais] será impossível ganhar o coração e a mente das
pessoas para a revolução, no momento em que esta proposta seja, em escala social, uma
possibilidade objetiva” (ibidem, p. 58).

105
Portanto, só, e somente só, o professor que tenha a perspectiva do trabalho e domine as
exigências descritas no capítulo “Educação de Qualidade” e nesta conclusão está apto a
oferecer uma educação de qualidade para a classe trabalhadora.

106

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. O que é sindicalismo. 18 ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.
AQUINO, Rubem Santos Leão de. Histórias das sociedades: das sociedades modernas às
sociedades atuais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1988.
ARCARY, Valério. Crise da educação pública e mobilidade social em perspectiva
histórica. Texto mimeografado, 2009.
ARCE, Alessandra. A formação de professores sob a ótica construtivista: primeiras
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