Emanuelle de Oliveira Souza
Título da dissertação: O QUE É SER JOVEM... ALUNO... E ALAGOANO? estudo sobre referências culturais e identidades juvenis na escola média
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Emanuelle de Oliveira Souza
O QUE É SER JOVEM... ALUNO... E ALAGOANO?
estudo sobre referências culturais e identidades juvenis
na escola média
Maceió, Estado de Alagoas
Junho de 2013
Emanuelle de Oliveira Souza
O QUE É SER JOVEM... ALUNO... E ALAGOANO?
estudo sobre referências culturais e identidades juvenis
na escola média
Dissertação submetida à Banca Examinadora,
com a finalidade de obtenção de título de
Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE).
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Centro de Educação (CEDU)
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
Mestrado em Educação
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemeire Reis da Silva
Maceió, Estado de Alagoas
Junho de 2013
1
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Maria Auxiliadora G. da Cunha
S729q
Souza, Emanuelle de Oliveira.
O que é ser jovem... aluno... e alagoano? : estudo sobre referências
culturais e identidades juvenis na escola média / Emanuelle de Oliveira
Souza . – 2013.
138 f.
Orientadora: Rosemeire Reis da Silva.
Dissertação (mestrado em Educação) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Maceió, 2013.
Bibliografia: p. 131-135.
Apêndices: p. 135-138.
1. Juventude - Alagoas. 2. Identidade - Alagoas. 3. Cultura- Alagoas.
4. Representações - Alagoas. 5. Processos educativos – Alagoas.
I. Título.
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
Emanuelle de Oliveira Souza
O QUE É SER JOVEM... ALUNO... E ALAGOANO?
estudo sobre referências culturais e identidades juvenis
Dissertação submetida à Banca Examinadora, com
a finalidade de obtenção de título de Mestrado pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE).
Data de Aprovação: Maceió, 21/06/2013
Banca Examinadora:
Professores Titulares:
Prof.ª Dr.ª Rosemeire Reis da Silva (Presidente)
(Centro de Educação - CEDU/UFAL)
Prof.ª Dr.ª Elione Maria Nogueira Diógenes
(Centro de Educação - CEDU/UFAL)
Prof. Dr. Marcos Ribeiro Mesquita
(Intituto de Psicologia - IP/UFAL)
Prof.ª Dr.ª Roseane Maria de Amorim
(Centro de Educação – CEDU/UFAL)
Prof.ª Drª. Angélica Silvana Pereira
(Centro de Educação – CEDU/UFAL)
Professora Suplente:
Prof.ª. Drª. Nanci Franco
(Centro de Educação – CEDU/UFAL)
3
Aos jovens alagoanos, que lutam por seu espaço em meio a
tantas dificuldades. Aos meus filhos; que se tornem jovens
conscientes de onde vêm e para onde vão.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus por cada passo dado.
À minha família pelo apoio incondicional de sempre.
À minha orientadora, pela paciência para aguardar meu tempo e iluminar
meu caminho epistêmico, permitindo que eu trilhasse meus próprios passos.
Aos membros da Banca, pela colaboração carinhosa e enriquecedora.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE/CEDU) por cada aula, cada conteúdo, cada experiência compartilhada.
À Direção e aos alunos da escola pesquisada, pela abertura, pelos
relatos, por exporem suas almas nos momentos que passamos juntos.
À Quadrilha Junina Rosa dos Ventos Alagoana, por suscitar meu objeto de
estudo e por resistir diante de tantos desafios, incentivando os jovens a amarem a
cultura regional e sentirem orgulho de serem brasileiros, nordestinos, alagoanos.
Obrigada a cada um.
5
RESUMO
O estudo teve objetivo de analisar as representações dos jovens sobre aspectos
das culturas em Alagoas, sobre sua própria identidade juvenil e sobre a experiência
escolar. Os sujeitos da pesquisa foram estudantes, na faixa etária de 15 a 29 anos,
concluintes do Ensino Médio, dos turnos diurno e noturno, de uma escola
estadual na periferia de Maceió-AL. Os pressupostos teóricos tiveram como
referência os Estudos Culturais, com Hall e sua noção de identidade e
representação. Também foram utilizadas referências de Dubar e seus estudos sobre
a “crise das identidades”; de Charlot, em seus estudos sobre a “relação com o
saber”. Nos estudos sobre “culturas juvenis” e Ensino Médio apoiei-me em Pais,
Dayrell, Sposito, Abramo, Feixa e Carrano. Como metodologia, foi utilizada a
pesquisa qualitativa, através de três instrumentos: aplicação de um questionário
inspirado nos “balanços do saber” de Charlot; realização de grupos de discussão; e
entrevistas individuais. Como resultados, observa-se que as representações do
jovens sobre as culturas em Alagoas sofre forte influência das informações
veiculadas nos meios de comunicação de massa e da falta de espaço para assuntos
culturais no ambiente escolar e que a consciência individual e coletiva da
condição juvenil é perpassada e construída por variadas experiências pessoais,
onde a escola está presente de forma marcante, sendo fundamental a reflexão sobre
a postura da mesma diante das múltiplas identidades juvenis.
Palavras-chave:
Juventudes, Identidades
Representações.
juvenis.
Culturas
em
Alagoas.
6
ABSTRACT
This study aimed to capture the representation of young people on aspects of
culture in Alagoas, on their own youth identity and the school experience. The
subjects are students, aged 15-29 years old, high school graduates, on day and night
shifts, at a state school in the outskirts of Maceió-AL. The theoretical presuppositions
are based on cultural studies, with Hall and his sense of identity and representation.
Dubar references and his studies on the "identity crisis" were also used; References
of Charlot, in his studies on the " knowledge to relationship" were also used. In "youth
culture" and High School studies, I have relied on parents, Dayrell, Sposito, Abramo,
Feixa and Carrano. The qualitative research methodology was used through three
instruments: a questionnaire, inspired by Charlot’s "knowledge balance", conducting
focus groups, and individual interviews. As a result, it is observed that the
representations of young people about the culture in Alagoas suffers strong influence
of mass media and the lack of space for cultural affairs in the school environment and
the individual and collective consciousness of the youth condition is permeated and
built by varied personal experiences, where the school is markedly present, making a
reflection on its position face of multiple juvenile identities critical.
KEY WORDS: youths, identities, Alagoas, cultures, representation
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
09
2. O CAMINHO SE FAZ AO ANDAR....................................................................
14
2. 1. A Escola.........................................................................................................
15
2.2. Os instrumentos utilizados..............................................................................
16
2.2.1. Análise documental .....................................................................................
16
2.2.2. Questionários...............................................................................................
18
2.2.3. Grupos de discussão....................................................................................
24
2.2.4. Entrevistas...................................................................................................
30
2.2.4.1. Os entrevistados.....................................................................................
32
3. SER JOVEM ALAGOANO É, EM MEIO A BELAS PAISAGENS, UM
SOFRIMENTO CARREGADO DE FELICIDADE............................................
34
3.1. O Paraíso das Águas .....................................................................................
34
3.2. Não vivo de cultura ou de qualquer coisa que ligue a ela...............................
36
3.3. A cultura de Alagoas é bem diversificada.......................................................
41
3.4. Minha cultura é forte é quase uma 'não cultura'.............................................
49
3.3. É ser desprezado no Brasil todo.....................................................................
60
4. O QUE ME FAZ JOVEM AINDA TAMBÉM É: 3º ANO; TERMINAR O
ENSINO MÉDIO; AINDA NÃO TENHO EMPREGO... ......................................
71
4.1. Ser jovem é complicado..................................................................................
74
4.2. Cada um tem a sua própria cultura.................................................................
78
4.3. Eu vejo que é muito degrau pra subir ainda...................................................
89
4.4. A busca de ter meus direitos garantidos.........................................................
101
4.5. Muitos projetos com poucas oportunidades....................................................
108
4.6. Muitos jovens de hoje não sabem da sua própria cultura porque pouco se
fala dela ….............................................................................................................
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................
126
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
131
APÊNDICES...........................................................................................................
APÊNDICE A - Questionário aplicado na 1ª etapa da pesquisa
135
APÊNDICE B -
Questionário, criado pelo “Grupo de Pesquisa
Juventudes,
Culturas e FormaçãoCEDU/UFAL”, aplicado nos grupos de
discussão
APÊNDICE C - Roteiro da entrevista individual
9
1. INTRODUÇÃO
O objeto de estudo surge do interesse em aprofundar meus conhecimentos
acadêmicos
e
do
desejo
de
aliar
minha
graduação,
em
Comunicação
Social/Relações Públicas, ao meu apreço pela cultura popular e pela educação, em
1
especial dos jovens.
Minha experiência pessoal com grupos culturais juninos em Alagoas me fez
observar que os jovens, quando se deparam com elementos da cultura no Nordeste
e, principalmente em Alagoas, não os identificam como próprios da sua cultura,
muitas vezes até, desconhecem completamente esses elementos.
As
quadrilhas
estilizadas,
como
são
chamados
os
grupos
juninos
contemporâneos, baseiam-se nas quadrilhas juninas tradicionais brasileiras, mas
mesclam coreografias de dança moderna e elementos teatrais, como cenários,
encenações etc. Essas quadrilhas costumam participar de competições em nível
municipal, estadual, regional e nacional; tais competições fazem com que as
quadrilhas busquem inovar suas apresentações a cada ano, variando seus temas,
que geralmente exaltam a cultura de sua região, mas também podem tratar de
assuntos sem nenhuma relação com o período junino, como por exemplo os contos
de fadas, ou personagens infantis da Disney .
2
No ano de 2010, o grupo do qual faço parte, tinha como tema o artesanato
nordestino. Causou-me grande surpresa o fato de que a maioria dos jovens
componentes desse grupo não sabia o que era renda de “bilro” , ou uma carranca ,
3
4
1 Stuart Hall opta por uma definição de cultura popular que “considera, em qualquer época, as
formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes
específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares.” (HALL, apud
DOMINGUES, 2011, p. 414)
2 Em 2010, uma quadrilha junina de São Luiz do Quitunde – AL, trouxe como tema os personagens
de Walt Disney. Seus componentes apresentavam-se fantasiados como os camundongos Mikey e
Minie, personagens infantis mundialmente conhecidos.
3 Bilro: pequenas peças de madeira utilizadas para a confecção da renda de bilro, artesanato
tradicional do estado de Alagoas
4 Carranca: escultura em madeira representando uma figura humana ou de animal utilizada
originalmente na proa das embarcações que navegavam pelo Rio São Francisco. Atualmente é
vendida como artesanato típico nordestino, especialmente em Petrolina/PE.
10
ou um samburá . Isso gerou uma inquietação, um forte interesse, em investigar
5
como os jovens percebem essas referências culturais regionais; se há elementos da
cultura “alagoana” que despertam nos jovens o sentimento de orgulho, de
6
natividade, de pertencimento à sua terra natal.
Pensando num ambiente comum a vários daqueles jovens que me fizeram
perceber essa problemática, vi como questão de pesquisa a investigação em uma
escola de Ensino Médio sobre o que os estudantes conhecem, como interpretam as
referências culturais em Alagoas, se estes jovens se identificam como nordestinos e
alagoanos e de que modo isso acontece.
Inicialmente, propus como objetivo geral da pesquisa, investigar se os jovens
do Ensino Médio de uma escola pública estadual se identificam em relação às
referências culturais regionais, e se houver, como se dá essa identificação. Quais
sentidos esses jovens atribuem a essas referências e se é possível perceber relação
entre sua identidade cultural e a experiência escolar. Porém, aspectos inerentes à
condição juvenil , suas identidades, suas culturas, passaram a disputar destaque nas
7
minhas observações, muitas vezes, sobressaindo-se em relação às questões da
cultura “alagoana”. Desta forma, os objetivos específicos deste estudo passaram a
ser: investigar as representações dos jovens sobre elementos das culturas em
Alagoas; investigar como têm sido tratada as culturas dentro do ambiente escolar;
investigar aspectos das identidades dos jovens alagoanos a partir de suas
representações; analisar as possíveis relações entre suas construções identitárias,
enquanto jovens e alagoanos, e sua experiência escolar no Ensino Médio.
Para tanto, o estudo foi realizado em uma escola pública estadual,
situada na periferia de Alagoas, com jovens do terceiro ano do Ensino Médio, diurno
e noturno. Inicialmente considerei necessários dois instrumentos metodológicos: o
questionário e o grupo de discussão. Posteriormente, por me interessar por alguns
aspectos relacionados especificamente à condição juvenil, considerei necessário
5 Samburá: artefato em palha usado por pescadores para transportar peixes
6 Utilizo as aspas, por ser muito controverso afirmar que alguma cultura é genuinamente alagoana,
uma vez que as culturas em Alagoas apresentam-se de forma hibridizada, como veremos no
decorrer deste estudo.
7 Sobre esse conceito tratarei na Parte III desta pesquisa.
11
agregar entrevistas individuais aos instrumentos utilizados.
Para me aproximar das representações dos jovens dessa escola pública
de Maceió sobre suas referências culturais regionais e se há relação entre estas
representações e a experiência escolar, considero importante explicitar alguns
pressupostos teóricos que fundamentam este estudo, dentre eles, os conceitos de
identidade, de cultura, de representação e de juventudes, as diretrizes curriculares
oficiais para ao Ensino Médio e a relação desta etapa de ensino com a construção
da identidade cultural dos jovens.
Na primeira parte, descrevo os aspectos metodológicos, trazendo os
questionamentos que originaram esta pesquisa, descrevendo o objeto de estudo e
os instrumentos adotados. Como referencial teórico, apoio-me em Charlot (2000),
cujo método, chamado “inventário do saber”, me serviu de inspiração para a
elaboração do questionário aplicado; Weller (2006, 2010), com seus estudos sobre
grupos de discussão, de onde adaptei a metodologia utilizada nos grupos que
realizei; e Bogdan & Biklen (1994) e Silveira (2002), nas entrevistas individuais. Na
análise dos questionários, busquei identificar as representações dos jovens a
respeito dos elementos culturais alagoanos e observar a consciência que eles têm
sobre a própria cultura. Nos grupos de discussão, trabalhei a relação das culturas
em Alagoas com a condição juvenil e a experiência escolar. Na etapa das
entrevistas, tratei de aspectos mais particulares das múltiplas identidades juvenis
que se apresentaram nos grupos de discussão e que busquei aprofundar junto aos
entrevistados, como: questões de sexualidade, experiência com drogas, realidades
familiares e outros aspectos que influem sobre a representação que os sujeitos têm
de si, enquanto jovens e estudantes.
Na segunda parte deste trabalho exponho as análises dos dados obtidos
procurando dialogar com os conceitos de identidade, cultura e representação que
nortearam toda a pesquisa. Busquei em Denis Cuche a trajetória epistemológica do
termo cultura, desde o latim, no século XVI até a contemporaneidade e, apoiandome em Veiga-Neto (2003), procurei analisar relação entre de cultura e escola,
mostrando as representações apresentadas por esses jovens alagoanos sobre sua
cultura. Nesse contexto surge o hibridismo cultural, que considero bastante presente
12
quanto tratamos das culturas em Alagoas.
Uma vez que o “subjetivo” e o “cultural” são intrinsecamente ligados,
procurei explanar as concepções de sujeito e esboçar uma noção de identidade, ou
melhor, de identidades, pois, de acordo com Stuart Hall (2006), não há somente
uma, mas, várias identidades possíveis, que, segundo Claude Dubar (2009), estão
num ciclo constante entre crises e reinvenções e sob forte influência das variações
da sociedade global.
Em seguida, procurei compreender o conceito de representação,
baseando-me nos Estudos Culturais, segundo os quais a representação se dá
através dos significados que atribuímos às coisas. Procurei apresentar as teorias
que dão suporte a esse conceito e a importância do ato de comunicar esses
significados, por meio da linguagem, para que se efetive a representação. A partir
disso, discuto a influência das informações veiculadas publicamente sobre o estado
de Alagoas nas representações que os jovens têm deles mesmos e da terra onde
vivem.
Procurei apresentar uma noção do conceito de juventudes, mostrando
que esse termo deve ser utilizado no plural, assim como, culturas e identidades.
Para tratar do conceito de juventudes, apoio-me em Abramo (2005),
Dayrell (1996, 2003, 2007), Feixa (1999) e Pais (2003). Também busquei referências
nas legislações para auxiliar na definição da faixa etária dos sujeitos desta pesquisa.
Em seguida procurei tratar do conceito de culturas juvenis, indissociável de qualquer
pesquisa que tenha os jovens como objeto de estudo. Registrei as falas dos jovens,
procurando observar os conflitos na relação entre a multiplicidade das culturas
juvenis e a homogeneidade imposta pela escola, traçando algumas reflexões sobre
os jovens alunos, com a intenção de apreendê-los como sujeitos socio-culturais ,
8
apoiando-me em Dayrell (1996, 2003, 2007) Krawczyk (2009), Moreira & Candau
(2003), Carrano & Martins (2011) e Sposito (1996).
Por fim, uma vez que esta pesquisa envolve sujeitos no Ensino Médio,
8 “Seres de sociabilidade e cultura” (TEIXEIRA, 1996, p. 183). “São o resultado de um processo
educativo amplo, que ocorre no cotidiano das relações sociais, quando os sujeitos fazem-se uns
aos outros, com elementos culturais a que têm acesso, num diálogo constante com os elementos
e com as estruturas sociais onde se inserem e as suas contradições.(DAYRELL, 1996, p. 142)
13
trago uma reflexão a respeito das diretrizes curriculares para o ensino médio, que
apontam para a transversalidade, e da interdisciplinaridade e realizo aproximações
com esta perspectiva como possibilidades de construção de espaços para as
diversidades culturais na escola.
Procurei, durante todo o trabalho intercalar as falas dos jovens, sujeitos
desta pesquisa, com os conceitos e reflexões dos autores que me utilizei para este
estudo. Minha maior preocupação foi registrar as falas dos jovens sem interferir ou
induzir suas respostas, registrando as representações expressas por cada um deles
e relacionando com os preceitos teóricos utilizados para esse estudo. Com isso, esta
pesquisa pretende, não somente contribuir com os estudos sobre as juventudes, ou
com raros estudos sobre as culturas em Alagoas, mas principalmente, contribuir
para a compreensão das identidades juvenis alagoanas e como esses jovens têm
conseguido vivenciar sua condição juvenil dentro do cenário de dificuldades que se
apresenta na escola pública e no estado de Alagoas.
14
2. O CAMINHO SE FAZ AO ANDAR
Esta pesquisa nasceu de uma inquietação, quando, em convívio com
jovens componentes de uma quadrilha junina , percebi que vários deles não
reconheciam elementos pertencentes à cultura “alagoana”, como: artesanato,
músicas, personalidades etc. Diante dessa descoberta passei a refletir sobre o
porquê desses jovens desconhecerem alguns aspectos culturais da região onde
vivem. Se todos estudavam – a maioria estava no Ensino Médio ou já havia
concluído essa etapa dos estudos – será que a escola não deveria ter alguma
relação com essa formação identitária?
Diante dessa questão, resolvi realizar este estudo de caso numa escola
pública estadual alagoana, com jovens do terceiro ano do Ensino Médio, com o
intuito de investigar se esses jovens se identificam em relação à cultura de sua
região e de que modo. Em seguida, busquei conhecer que relação os jovens
pesquisados estabelecem entre a suas identidades culturais e a experiência escolar
no Ensino Médio, que posição a escola ocupa na construção da identidade cultural
desses jovens.
A pesquisa foi realizada com alunos concluintes do Ensino Médio. Essa
escolha se deu pelo meu interesse de saber as representações de alunos que estão
saindo da escola, ou seja, encerrando essa fase da experiência escolar. Trabalhei
então com um grupo de cada turno (diurno e noturno).
Minha maior preocupação foi ouvir os jovens, registrando suas
representações, sem interferir ou induzir suas respostas. Assim, inicialmente,
considerei necessários dois instrumentos metodológicos: o questionário e o grupo de
discussão; porém, no decorrer da pesquisa, percebi a necessidade de aplicar
também entrevistas com alguns dos jovens para que pudesse aprofundar algumas
questões.
15
2. 1. A Escola
A escola estadual pesquisada surgiu no ano de 2008, nascida da
ampliação de uma outra escola estadual, mais antiga – com cerca de 25 anos – no
mesmo bairro. No momento da aplicação desta pesquisa, a escola possuía cerca
1.514 alunos, sendo: 295 na Educação de Jovens e Adultos; 920 no Ensino
Fundamental, 299 no Ensino Médio.
As dificuldades enfrentadas pela direção não são poucas. Alguns
problemas apontados pela Diretora da escola são: a ameaça da entrada das drogas
no ambiente escolar; falta de participação dos pais; desinteresse dos alunos e
deficiência na formação dos professores. Outro problema é o analfabetismo dos
alunos recém-chegados da rede municipal de ensino, que gera a necessidade de os
professores realizarem um diagnóstico para identificar quem são os alunos
analfabetos e a criação de turmas específicas com esses alunos para alfabetizá-los,
uma vez que os mesmos ainda não têm condições de iniciar os conteúdos do ensino
fundamental.
Essa Diretora, a do turno diurno, que lida com os ensinos fundamental e
médio, foi meu primeiro contato com a escola. No primeiro dia, quando cheguei à
escola, somente com a intenção de explicar meu projeto de pesquisa, ela conversou
informalmente comigo durante quase uma hora. Se eu imaginasse a quantidade de
informações que surgiriam entre os desabafos daquela conversa, teria pedido para
gravar tudo. Porém, tive que recorrer à memória para registrar as informações que
obtive naquele momento. Minha impressão é a de que a Diretora, como se diz
popularmente, “tenta carregar a escola sobre as costas”, sendo inclusive
merendeira, quando a funcionária que ocupa este cargo falta, uma vez que sem
merenda fica quase impossível manter os alunos na escola, pois alguns têm a
merenda como fonte principal de alimentação.
A escola também está inserida nas redes sociais, onde uma página foi
criada pela Direção, sendo mantida por duas professoras. Os estudantes também
utilizam as redes sociais para criar páginas sobre a escola, onde, fora do controle
dos docentes, eles dizem o que querem, criticam, reclamam e até zombam de
algumas situações que ocorrem na escola. Essa atitude gera opiniões diversas entre
16
os próprios estudantes, pois alguns acham que o espaço poderia ser utilizado de
maneira mais séria, e que ao invés disso, alguns dos autores dessas páginas só
mostram o lado negativo da situação.
Com exceção das páginas anônimas nas redes sociais, não havia projetos
protagonizados pelos próprios alunos. As atividades extracurriculares eram todas
ligadas ao Programa Escola Aberta , onde eram realizadas atividades de dança, tae9
kwon-do, banda fanfarra, capoeira e outras.
O grupo de Hip-hop da escola foi
extinto, pois os professores acreditavam que atividades ligadas a esse movimento
aumentariam a ligação dos alunos com o tráfico de drogas. Tive a impressão que a
escola tem certo medo de “perder o controle” ao dar espaço para atividades
realizadas pelos jovens para os jovens.
Projetos com foco na cultura regional não são muito frequentes, mas
quando acontecem, há grande aceitação e envolvimento dos alunos. Recentemente,
em junho deste ano, foi realizada a Gincana Junina, que teve a participação maciça
dos estudantes, onde foi trabalhado o tema “100 anos de Luiz Gonzaga ”. Porém,
10
segundo os alunos, a cultura especificamente de Alagoas não é abordada nas
atividades da escola.
2.2. Os instrumentos utilizados
2.2.1. Análise documental
Tendo em vista que minha formação acadêmica
é em Comunicação
Social; que meu objeto de estudo surgiu da experiência prática com os jovens e não
9 Programa que incentiva a abertura, nos finais de semana, de unidades escolares públicas
localizadas em territórios de vulnerabilidade social, com o objetivo de firmar a parceira entre escola e
comunidade ao ocupar criativamente o espaço escolar aos sábados e/ou domingos com atividades
educativas, culturais, esportivas, de formação inicial para o trabalho e geração de renda oferecidas
aos estudantes e à população do entorno.
10 Cantor e compositor nordestino conhecido nacionalmente, cujo centenário de nascimento foi
comemorado neste ano de 2012.
17
devido à minha vida acadêmica; e uma vez que minha caminhada como
pesquisadora se inicia (já) com a presente pesquisa; precisei percorrer o caminho no
sentido inverso, me adentrando às leituras, onde tudo era novidade e tudo era
revelador. Confesso que a falta de conhecimento me rendeu algumas dificuldades,
que consegui superar com a ajuda paciente da minha orientadora que me guiava
sem me tirar a liberdade e a experiência de ver cada nova informação com meu
próprio ponto de vista.
Sendo assim, iniciei os primeiros contatos com os autores que me
ajudaram a entender melhor meus questionamentos e, se nem sempre me
forneceram repostas, dialogaram e corroboraram com minhas inquietações.
Nas pesquisas bibliográficas, busquei inicialmente entender os conceitos
de cultura. Encontrei na obra de Denis Cuche (1999) a trajetória epistemológica
desse conceito, desde o latim, no século XVI até a contemporaneidade. Sobre esse
conceito, Veiga-Neto (2003) faz importantes análises sobre a Cultura, as culturas e a
escola. Em seguida, devido aos meus questionamentos sobre a identidade regional,
precisei me aprofundar no conceito de identidade. Apoiei-me em Stuart Hall (1997,
2006) e Claude Dubar (2009) para esboçar uma noção sobre esse conceito, onde as
ideias sobre a “crise das identidades”, enfatizadas pelos dois autores, abalaram o
posicionamento que eu tinha sobre a preservação radical das tradições culturais.
Confesso que ainda é recorrente esse dilema entre meu gosto pessoal pelo folclore
e pelas tradições regionais e as reflexões sobre a identidade na pós-modernidade,
porém tenho me esforçado para analisar a cultura a partir de uma perspectiva mais
ampla, como interpretada e produzida pelos sujeitos no contexto em que vivem e
não como algo exterior e que devem apenas ser interiorizadas e, portanto, tento
evitar focalizar apenas os aspectos culturais que valorizo em Alagoas em razão de
minha própria construção identitária.
Em seguida, precisei compreender do que se trata a representação.
Procurei me direcionar não para a “representação social” – outro caminho teórico
bastante utilizado nas ciências sociais – mas sim na representação cultural, com
base nos Estudos Culturais, que também analisa os efeitos da comunicação de
massa na constituição das representações.
18
Para tratar sobre os jovens, obviamente, precisei me adentrar nas
discussões sobre as juventudes. Nesse “desbravar” fascinante, encontrei Abramo
(2005), Dayrell (1996, 2003, 2007), Feixa(1999) e Pais(2003). Uma das dúvidas foi:
em que faixa etária se enquadra a juventude? Busquei referências na legislação
brasileira, que me auxiliou na delimitação da faixa etária dos sujeitos desta pesquisa.
Para poder analisar as juventudes no ambiente escolar, procurei
conhecer as ideias dos autores sobre os jovens que chegam à escola. Baseei-me
em Dayrell (1996, 2003, 2007) Krawczyk (2009), Moreira & Candau (2003), Carrano
& Martins (2011) e Sposito (1996) e passei a observar (ainda mais) esses jovens
não somente como alunos mas principalmente como sujeitos socioculturais.
Ao ousar me adentrar na escola média, me aproximo de alguns aspectos
das diretrizes oficiais do ensino médio na atualidade, uma vez que o objeto de
estudo está diretamente relacionado com essa etapa do ensino. Busquei
fundamentos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e nos Protótipos
Curriculares do Ensino Médio e Ensino Médio Integrado, concentrando minha
atenção na relação entre cultura e educação, tentando identificar o espaço dado à
diversidade cultural no que está posto nos documentos oficiais.
Com base nas leituras realizadas voltei-me ao estudo de caso, para o
qual utilizei diversos instrumentos para coleta de dados: questionário, grupos de
discussão e entrevista.
2.2.2. Questionários
O questionário é considerado um instrumento privilegiado no estudo das
representações. Segundo Almeida, esse instrumento
permite, a partir de uma análise quantitativa, identificar a organização das
respostas, evidenciar os aspectos explicativos ou discriminantes de uma
dada população (análise intragrupo) ou entre várias populações (análise
intergrupos), situar as posições dos grupos estudados em relação aos eixos
explicativos etc. (SANTOS & ALMEIDA, 2005, p.137)
Por essa razão considerei fundamental a utilização do questionário para
um levantamento inicial dos sujeitos da pesquisa, identificando eixos e fatores gerais
19
que organizam suas representações. Porém esse instrumento também tem suas
limitações. Ele “limita a expressão dos indivíduos às perguntas formuladas, além de
poder conduzir a uma simplificação demasiada do objeto investigado.”(SANTOS &
ALMEIDA, 2005, p.137), o que pode gerar a necessidade da utilização de outros
instrumentos
concomitantemente.
Neste
caso,
considerei
necessários
três
instrumentos metodológicos: o questionário, o grupo de discussão e as entrevistas.
Sendo que a maior preocupação, em todas as etapas, foi registrar o que era
expresso pelos jovens sem interferir ou induzir suas respostas.
Nesta primeira etapa da pesquisa, foram aplicados 37 questionários,
sendo 25 no turno diurno e 12 no noturno. Neste turno, por se tratar de uma turma
de Educação de Jovens e Adultos - EJA, composta somente de alunos maiores de
idade, foi delimitada a faixa etária até 29 anos, com base no critério descrito na
Parte I deste trabalho. Os questionários foram bem aceitos pelos jovens; no turno
diurno, houve um número razoável de alunos faltosos no momento da aplicação,
mas, entre os presentes, a maioria aceitou participar, apesar de demonstrarem certa
falta de estímulo para escrever.
Percebi uma preocupação imediata dos alunos em dizer que não tinham
muito conhecimento sobre a cultura de Alagoas, como se antecipassem uma
justificativa, no caso de suas respostas serem consideradas “insatisfatórias”. Os
jovens também transpareceram um certo constrangimento, quanto à ortografia e à
qualidade dos seus textos, enfatizando que não eram bons em redação, ou que não
teriam uma base consistente nas disciplinas de História e Geografia. Considero a
preocupação com o conteúdo, natural, uma vez que estávamos inseridos num
ambiente escolar e a questão da avaliação é sempre presente. Procurei deixar claro
que eles não seriam avaliados e que meu interesse era no que eles expressariam e
que eu não pretendia testar o nível de conhecimento deles sobre as disciplinas
escolares.
O questionário auxiliou na seleção dos jovens para a participação na
segunda etapa da coleta de dados – os grupos de discussão. Para essa seleção, a
seguinte pergunta foi determinante: “Se um marciano chegasse à Terra e pedisse
para que você apresentasse a ele a cultura de Alagoas, o que você diria?” Com
20
base nessa pergunta, pude registrar as primeiras representações dos jovens a
respeito das culturas em Alagoas e observar questões norteadoras que me
auxiliaram na mediação dos grupos de discussão.
Para a elaboração dessa questão dissertativa inspirei-me no método
chamado de “balanço de saber”, criado por Bernard Charlot, em seus estudos sobre
a relação com o saber (CHARLOT, 2009), como instrumento de exploração da
aprendizagem de estudantes.
Os balanços de saber não nos indicam o que o aluno aprendeu
(objetivamente) mas o que ele diz ter aprendido no momento em que lhe
colocamos a pergunta, nas condições em que a questão é colocada. Por um
lado, isso significa que nós apreendemos não aquilo que o aluno aprendeu
(o que seria aliás impossível), mas o que, para ele, apresenta de forma
suficiente a importância, o sentido, o valor para que ele o evoque no seu
relato (CHARLOT, 2009, p. 19)
Da mesma forma, no questionário, a questão dissertativa tem a intenção
de fazer com que o jovem descreva elementos de sua cultura que ele considera
mais significativos, o que, lhe vier à mente, de forma espontânea, no momento em
que lhe for feita a pergunta. Meus questionamentos os seguintes: Quando pensam
em “cultura alagoana”, que referências vêm à mente dos jovens? Que elementos
eles expressariam como parte essencial da sua cultura? A que símbolos eles
recorreriam?
Analisando os textos produzidos pelos jovens nas respostas à referida
questão central, deparei-me com alguns indicativos que me chamaram a atenção.
Primeiramente, listei as ocorrências, com o objetivo de quantificá-las e poder
visualizar com que frequência eram citadas, busquei agrupar as palavras expressas
em categorias como podemos ver nos quadros a seguir.
A primeira observação que pude fazer enquanto analisava as respostas
dos jovens, foi o fato de que eles se expressavam de forma bastante genérica,
evitando fazer referências específicas a elementos que eles considerassem
pertencentes às culturas em Alagoas [quadro 1]
21
QUADRO 1
Referências mencionadas genericamente
Praias
Cultura diversificada
Belezas naturais
Comidas típicas
Música
Artesanato
Turismo
Folclore
Danças
Povo alagoano (pessoas dignas, inteligentes...)
Indígenas
Lugares mais frequentados
Riquezas
Teatro
Praças
Cultura popular
Museus
Escritores
Lojas e supermercados
Rios
Nº de ocorrências
15
11
6
6
5
5
4
3
3
3
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
Fonte: Questionários elaborados para esta pesquisa (ver apêndice)
O segundo passo foi listar as ocorrências de citações específicas [quadro
2], aqueles elementos que os sujeitos citaram nominalmente, os símbolos de sua
cultura que eles conseguiram evocar precisamente em seus textos. Essa era a
minha maior curiosidade desde o início da pesquisa: Que elementos viriam às
mentes daqueles jovens? O que eles considerariam importante? O que eles
conhecem como “seu”, “da sua cultura”?
22
QUADRO 2
Referências mencionadas especificamente
Coco-de-roda
Serra da Barriga
Bandeira de Alagoas
Reisado
Quilombolas
Festas populares (Carnaval, São João)
Zumbi dos Palmares
Capoeira
Hip-hop
Rap
Riacho do Salgadinho (poluição)
Maracatu
Rio são Francisco
Praia do Gunga
Praia da Sereia
Praia de Paripueira
Marechal Deodoro (município)
Quadrilhas juninas
“Paraíso das águas”
Maxixe
Delmiro Gouveia (personalidade)
Nº de ocorrências
3
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Fonte: Questionários elaborados para esta pesquisa (ver apêndice)
Listei todas as ocorrências dos elementos nomeados especificamente,
sem consideração a coerência das informações, como por exemplo, a indicação do
maracatu e maxixe como elementos da cultura “alagoana”, uma vez que essas
danças são mais praticadas em outros estados brasileiros. Também mantive o hiphop e o Rap que, apesar de não serem originalmente alagoanos, são elementos
inseridos nas culturas juvenis. Em suma, todos os elementos citados têm grande
importância no estudo das representações e precisam ser considerados em seus
significados. O fato de terem sido mencionados significa que esses elementos
culturais têm relevância para quem os citou.
23
Agrupei as ocorrências que considerei além das expectativas [quadro 3].
Ocorrências como “violência”, “má administração pública” ou a afirmação de que se
sente “incapaz de apresentar a própria cultura”, foram agrupadas nessa categoria.
QUADRO 3
Outras ocorrências
Sente-se incapaz de apresentar a própria cultura
Má administração pública
Violência
Influência da mídia e das culturas “de fora”
Desinteresse/repulsa
Alagoas tem culturas internacionais
A cultura é algo individual/pessoal
Má qualidade da educação em Alagoas
Pesquisaria na Internet
Nº de ocorrências
6
4
3
3
3
1
3
2
1
Fonte: Questionários elaborados para esta pesquisa (ver apêndice)
Após essa primeira visualização das categorias, procurei analisar trechos
dos textos, agrupando-os de acordo com as representações apresentadas e
observando aspectos significativos.
Bauer e Aarts (2002) apontam duas dimensões para a construção do
corpus da pesquisa: a dimensão horizontal e a dimensão vertical. A dimensão
horizontal consiste em categorias externas comuns como sexo, idade, local de
residência etc. Nessa dimensão da pesquisa o questionário supre as necessidades
para tipificação dessas informações. A dimensão vertical lida com as formas como
as pessoas se relacionam com seu cotidiano e os meios sociais; suas opiniões,
sentimentos, identidades etc. (WELLER, 2010, p.60). Minha intenção foi atingir essa
dimensão por meio dos grupos de discussão.
24
2.2.3. Grupos de discussão
Para a segunda etapa desta pesquisa procurei um método através do qual
eu pudesse aprofundar as informações obtidas na primeira etapa, por meio da
questão dissertativa – e onde os jovens também pudessem se expressar livremente;
onde eu pudesse ouvi-los na sua forma mais espontânea, porém, com um certo
direcionamento para o aprofundamento nas questões específicas do meu objeto de
estudo. Utilizei então o grupo de discussão.
O grupo de discussão, que começou a ser utilizado como método, a partir
da década de 1980, é apontado por Wivian Weller (2010) como o espaço de maior
influência na formação e articulação de experiências típicas da fase juvenil, sendo
assim considerado em estudos clássicos da sociologia da juventude e da psicologia
do conhecimento. Segundo a autora, as opiniões e posições trazidas pelo grupo
refletem as orientações coletivas ou as visões de mundo do grupo social ali
representado.
O grupo de discussão documenta experiências coletivas assim como
características sociais desse grupo entre outras as representações de
gênero, de classe social, de pertencimento étnico e geracional. Nesse
sentido os grupos de discussão, como método de pesquisa, constituem uma
ferramenta importante para a reconstrução dos contextos sociais e dos
modelos que orientam as ações dos sujeitos. (WELLER, 2010, p.58)
Quero ressaltar aqui que busquei orientação no método aplicado por
Weller, porém, fiz algumas adaptações. Weller chama a atenção para a postura do
moderador do grupo de discussão, que deve buscar intervir o mínimo possível,
voltando suas questões para o “como” e evitando perguntas do tipo “o que” ou “por
que”, seu objetivo deve ser fomentar discussões que levem à reflexão e à narração
de experiências. (WELLER, 2010, p.56- 57) No caso dos grupos que realizei, em
certos momentos foi inevitável o uso do “por que”, ou o lançamento de perguntas
para que o grupo pudesse sair do silêncio e dar continuidade à discussão, ou
mesmo quando a discussão ficava extremamente dispersa e eu sentia a
necessidade de trazê-los de volta ao assunto em questão.
Weller descreve algumas vantagens obtidas através do uso do grupo de
25
discussão como ferramenta metodológica. Entre elas pode-se destacar: 1. o fato de
estar entre colegas da mesma faixa etária e meio social deixa os jovens mais a
vontade para utilizar seu próprio vocabulário durante a entrevista, desenvolvendo,
dessa forma um diálogo que reflete melhor a realidade cotidiana; 2. a discussão os
integrantes permite perceber detalhes que não são captados por meio de outra
técnica de entrevista; 3. é possível atribuir um grau maior de confiabilidade aos fatos
narrados coletivamente, uma vez que dificilmente os sujeitos conseguirão manter um
diálogo baseado em histórias inventadas, uma vez que estão entre membros do
próprio grupo. (WELLER, 2010,p. 62)
Seguindo essa questão norteadora, para a seleção dos participantes do
grupo de discussão segui a indicação de Weller que diz que “o critério de seleção
não se orienta por uma amostra representativa em termos estatísticos, mas pela
construção de um corpus com base no conhecimento e na experiência dos
entrevistados sobre o tema.” (WELLER, 2006, p. 248). Seguindo essas orientações,
minha intenção era selecionar, dois grupos com, no máximo, doze estudantes, de
acordo com as respostas apresentadas: um grupo com jovens que apresentassem
maior identificação com a cultura regional e outro com jovens que apresentassem
menor (ou nenhuma) identificação, tendo como base a orientação de Bohnsack
(WELLER, 2010, p. 60) que define dois princípios para a construção do corpus da
pesquisa: o contraste mínimo e o contraste máximo. Esses princípios baseiam-se na
afinidade/semelhanças de pontos de vista entre os participantes. Sendo que o
contraste mínimo é obtido numa discussão entre participantes que fazem parte de
um mesmo grupo social ou que compartilham de uma mesma posição em relação ao
tema discutido. A intenção é fomentar a discussão nos dois grupos, partindo das
afinidades/semelhanças culturais observadas.
Porém, como já disse o poeta espanhol Antonio Machado, “o caminho se
faz ao andar...”, também assim é no trilhar metodológico de uma pesquisa que
envolve gente. Dos 25 jovens que participaram da primeira etapa da pesquisa no
turno diurno, somente 14 aceitaram participar do grupo de discussão; dos 13
participantes do turno noturno, 10 aceitaram participar. Sendo assim, tive que rever
meu critério de seleção para a composição dos grupos. Uma escolha que não me
26
causou muito sofrimento, por dois motivos: 1. as respostas à questão dissertativa
não apresentaram respostas suficientemente contrastantes para que pudesse ser
aplicado o princípio de Bohnsack; e 2. a quantidade de jovens que aceitaram
participar dos grupos de discussão era bastante próxima da quantidade que eu havia
planejado, seguindo o que orienta Weller.
Realizei então um grupo para cada turno. O grupo do turno diurno, contou
com a participação de 8 sujeitos; o grupo do turno noturno, teve a participação de 9
sujeitos no primeiro encontro e 10 no segundo, uma vez que um dos jovens estava
doente no primeiro encontro e fez questão de participar do segundo.
Nos grupos, abordei questões que surgiram durante a análise dos
questionários, relacionadas às culturas em Alagoas e à experiência escolar, além de
outras questões que, inevitavelmente, surgiram durante a realização dos grupos.
Uma vez que as juventudes são o pano de fundo desta pesquisa, foi inevitável
enveredar por outras questões relacionadas à condição juvenil, como as
expectativas quanto ao futuro, as relações com grupos sociais, e outros assuntos
que vieram à tona nos grupos de discussão. Os temas ganham vida própria a partir
do diálogo que se constrói espontaneamente, pois foi dado espaço para que os
jovens se expressassem livremente, somente havendo intervenções minhas quando
estritamente necessário, assim, surgiram discussões sobre vários assuntos, desde a
experiência escolar, até as expectativas e frustrações dos jovens em relação à
escola e ao estado de Alagoas.
Foram realizados dois encontros com cada um dos grupos. Na ocasião foi
aplicado também um formulário, criado pelo Grupo de Pesquisa Juventudes,
Culturas e Formação (CEDU-UFAL) para levantamento do “Perfil dos Integrantes do
Grupo de Discussão”, com o objetivo de obter algumas informações sobre os
participantes, especificamente em relação à família, estudos e lazer [quadro 4-A e
quadro 4-B].
27
Fonte: Questionário criado pelo “Grupo de Pesquisa Juventudes, Culturas e Formação- CEDU/UFAL (ver apêndice)
28
Fonte: Questionário criado pelo “Grupo de Pesquisa Juventudes, Culturas e Formação- CEDU/UFAL (ver apêndice)
29
Os grupos apresentaram perfis bem distintos. O grupo diurno foi
composto por jovens aparentemente muito focados em suas responsabilidades
como estudantes. Acredito que, pelo fato de contar com participantes voluntários,
naturalmente há uma seleção dos mais interessados, e os considerados “menos
estudiosos” não demonstraram interesse em participar de algo dessa natureza.
Sendo assim, o grupo diurno pareceu-me mais homogêneo, os jovens pareciam ser
da mesma “galera”, pois, nas conversas que antecediam os grupos de discussão os
participantes aparentavam muita afinidade entre si. Pude observar que a maioria do
grupo diurno não trabalha e a faixa etária é menor em relação ao noturno. O
interesse em dar continuidade aos estudos, ingressando na universidade foi
unânime e a maioria já frequentava cursos pré-vestibulares. É interessante observar
que o ensino profissionalizante não foi mencionado pelo grupo diurno.
Os estudantes do turno noturno tinham mais idade e a maioria já
trabalhava. Diferente do grupo diurno, alguns não pretendem continuar os estudos e,
dos que pretendem continuar, a maioria aponta o ensino profissionalizante como
opção. Há também uma quantidade expressiva de jovens que, apesar de
expressarem a intenção de continuar os estudos, não definiram que cursos
pretendem fazer após o ensino médio. Do ponto de vista comportamental, o grupo
noturno, pareceu-me mais heterogêneo, dividindo-se entre os muito dispersos e os
muito centrados, isso gerou algumas dificuldades em extrair conteúdo das
discussões devido à dispersão dos jovens, especialmente no segundo encontro, pois
parecia que os sujeitos já haviam esgotado todas as informações que conseguiam
externar, tornando a discussão meio estagnada e . Esse grupo era formado por
alunos de duas turmas, mas que se conheciam e trocavam brincadeiras durante
todo o tempo, brincavam inclusive comigo, pois a relação entre mim e esses alunos
foi bem mais informal em comparação com o grupo diurno. Os jovens pareciam ter
uma extrema necessidade de se expressar e sair da rotina de sala de aula, por isso,
o grupo tornava-se um momento de alegria e descontração. Algumas falas dos
sujeitos sobre a insatisfação em relação às aulas e aos professores corroboram com
essa impressão.
30
No decorrer dos grupos de discussão, pude confirmar a presença de
várias “identidades possíveis” – utilizando o termo usado por Hall (2006) – e isso me
fez sentir a necessidade de aprofundar questões específicas de alguns dos jovens
presentes, questões particulares, individuais, que não podiam ser aprofundadas
dentro do grupo, para evitar uma exposição excessiva daqueles jovens, ou gerar
constrangimento. Percebi então a necessidade de somar as entrevistas individuais
aos procedimentos de pesquisa que já havia planejado.
2.2.4. Entrevistas
A variedade das formas de pensar e das posturas dos jovens durante a
realização dos grupos de discussão despertaram meu interesse em manter um
diálogo mais próximo com alguns dos sujeitos desta pesquisa. Percebi que o grupo
de discussão não seria suficiente para registrar aquelas particularidades que
compunham algumas das identidades juvenis ali presentes e que somente com um
diálogo pessoal, um aprofundamento na realidade individual daqueles sujeitos, eu
poderia registrar melhor a riqueza das variadas formas de vivência da condição
juvenil. Então decidi entrevistá-los para investigar alguns desses aspectos
particulares. Selecionei três jovens para esta etapa da pesquisa, de acordo com as
especificidades e as diferentes identidades que iam sendo desenhadas e se
destacando no decorrer das discussões. Logicamente, todos os sujeitos desta
pesquisa, cada um deles, poderia gerar um objeto de estudo que poderia ser
estudado em profundidade, porém, dentro dos meus limites, me concentrei em três
jovens; cada um por um motivo, mas todos pelo mesmo objetivo: as identidades
juvenis e a representação que cada um tinha sobre sua condição juvenil.
Para alcançar esse objetivo optei pela entrevista semiestruturada, ou seja,
utilizei um roteiro com questões norteadoras, mas que não seguem obrigatoriamente
uma ordem e uma formulação fixa, sendo utilizadas de acordo com o
desenvolvimento das respostas. As entrevistas individuais têm como vantagem a
sua flexibilidade quanto à duração, permitindo uma abordagem mais profunda sobre
31
determinados assuntos.
Estou ciente de que as entrevistas não estão livres da possibilidade de
jogos de representações e fugas estratégicas por parte dos entrevistados. “As
pessoas que são entrevistadas tendem a oferecer uma retrospectiva dos
acontecimentos. Podem, no entanto serem ensinadas a responder de forma a
satisfazer os interesses do entrevistador”. (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.36). Minha
intenção, no entanto, não é revelar “verdades”, mas investigar os significados que
permeiam as informações expressas. Para Silveira, as entrevistas são
eventos discursivos complexos, forjados não somente pela dupla
entrevistador/entrevistado, mas também pelas imagens, representações,
expectativas que circulam – de parte a parte – no momento e situação de
realização das mesmas e posteriormente de sua escuta e análise.
(SILVEIRA, 2002, p.122)
Elas também possibilitam uma abertura e proximidade maior entre
entrevistador e entrevistado, o que permite ao entrevistador tocar em assuntos mais
complexos e delicados, onde a interação dos envolvidos favorece as respostas
espontâneas. Desse modo, este tipo de entrevista colabora muito na investigação
dos aspectos afetivos e valorativos dos sujeitos que determinam significados
pessoais de suas atitudes e comportamentos. Além disso, as respostas espontâneas
dos entrevistados e a maior liberdade que estes têm podem fazer surgir questões
inesperadas que poderão ser de grande utilidade na pesquisa. Nesse aspecto, as
entrevistas me parecem um instrumento que pode fornecer uma riqueza de
informações que supera outros instrumentos uma vez que os aspectos emocionais
mais íntimos podem ser melhor expressos.
Para a realização das entrevistas, procurei elaborar um roteiro, para que o
tema central não fosse perdido de vista, e procurei utilizá-lo de forma sutil para que a
entrevista tivesse o aspecto de uma conversa informal, tomando o cuidado para
direcionar, no momento oportuno, a discussão para o assunto de interesse. Quando
necessário, me permiti fazer perguntas adicionais para elucidar questões que não
ficaram claras, ou para ajudar a recompor o contexto da entrevista, no caso do
informante “fugir” ao tema ou ter dificuldades com ele. Também me permiti omitir
alguma pergunta no caso de considerar que o assunto já havia sido referido
32
espontaneamente pelo entrevistado . Segundo Pais,
no caso concreto da entrevista – qualquer que seja sua natureza – o
'entrevistado' acaba sempre sendo visto por entre névoas encobridoras do
que pretendemos entrever. […] O entrevisto é justamente o 'visto
imperfeitamente', o 'mal visado', o apenas 'previsto' […] o que nas respostas
dos entrevistados pode se 'entrever' são internalizações de representações
sociais. (PAIS, 2003, p.101)
Com isto em mente, analisei as entrevistas realizadas procurando
apreender as representações dos jovens estudantes, com foco no aspecto
sóciocultural de cada um, onde cada individualidade apresenta uma janela para a
reflexão a respeito de tantas questões relacionadas à condição juvenil.
2.2.4.1. Os entrevistados
Considero que os aspectos observados nas entrevistas estão longe de
serem “apenas” individuais, pois, como já foi dito anteriormente, apontam para
questões amplas da condição juvenil, mas acredito que a individualidade, a
experiência pessoal de cada um dos sujeitos, fornece um pano de fundo que precisa
ser observado, pois remete a contextos sociais e subjetivos particulares de cada
jovem e de muitos, enquanto sujeitos socioculturais. Abaixo, faço uma breve
descrição dos sujeitos entrevistados, suas falas foram fortemente significativas nas
reflexões contidas no presente estudo.
Vinícius, 19 anos, sexo masculino, solteiro, negro, filho adotivo, estuda
no turno noturno. Trabalha num supermercado e gosta de jogar futebol. Pretende
cursar faculdade de Administração. Desde que sua mãe faleceu, no ano de 2011, ele
mora só com o pai, que é alcoólatra, em uma das regiões mais pobres dos arredores
da escola. Muito agitado e falante, Vinícius se destacou nos grupos de discussão por
seus posicionamentos seguros e esclarecidos, demonstrando muita perspicácia nas
suas falas. Suas opiniões sempre me pareceram muito coerentes, a ponto de
despertar minha curiosidade a respeito da sua formação escolar e familiar.
Arnaldo, 20 anos, sexo masculino, solteiro, branco, estuda no turno
33
diurno, mora com a mãe. Gostaria de ser Pediatra, mas diz que pensa em cursar,
Física, ou Filosofia, ou Relações Públicas. É evangélico e cantor de RAP, bastante
engajado no movimento Hip-Hop. Arnaldo é muito crítico sobre tudo. Tido como
“polêmico” pelos professores, se sente extremamente deslocado na escola, mas
persiste em comparecer às aulas. Já foi usuário de drogas e se envolveu com o
tráfico. Hoje, utiliza o RAP para conscientizar outros jovens.
Val, 24 anos, sexo masculino, travesti, solteiro, branco, estuda no turno
noturno, mora com os pais. É cabeleireiro, gosta de cantar e, segundo os colegas,
canta muito bem. Deseja cursar faculdade de Psicologia. Val, faz questão de utilizar
seu “nome social” . Tive como pretensão colher informações a respeito de como se
11
dá a vivência da sua condição juvenil na condição de homossexual e travesti; sua
relação com o ambiente escolar, a família, o trabalho etc.
Uma vez que eu já havia tido um contato prévio com os sujeitos
entrevistados, pois haviam participado do questionário e do grupo de discussão.
Eles já demonstravam certa afinidade em relação à minha pessoa, o que favoreceu
a abordagem de assuntos muito particulares e a obtenção de respostas bastante
tranquilas sobre temas íntimos de sua história de vida.
Os relatos desses entrevistados me forneceram um rico material para
análise das representações dos jovens sobre a experiência escolar e a vivência das
diversas condições juvenis, possibilitando uma forte e gratificante experiência
pessoal. Cada uma das entrevistas poderia ser objeto de uma profunda análise, uma
vez que apresentaram diversas formas de viver as diversas condições juvenis, cada
indivíduo
com
seus
questionamentos,
suas
experiências
pessoais,
suas
particularidades.
Com foco nas questões desta pesquisa, procurei analisar as expressões
que considerei mais significativas fundamentando-me nas ideias dos teóricos
estudados, o que descreverei na próxima parte desse trabalho.
11
Entende-se por nome social, aquele pelo qual travestis e transexuais se identificam e são
identificadas pela sociedade. Fonte: Portaria 233, DE 18 DE MAIO DE 2010, Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Art. 1, Parágrafo Único.
34
3. SER JOVEM ALAGOANO É, EM MEIO A BELAS PAISAGENS, UM
SOFRIMENTO CARREGADO DE FELICIDADE
Antes de iniciar o relato das minhas análises, eu poderia recorrer aos
tradicionais modelos de trabalhos acadêmicos onde se explana todo o referencial
teórico e, somente depois, relatam-se os dados obtidos no campo. Ao invés disso,
assumi o desafio de fazer as duas partes simultaneamente, para que os leitores que,
assim como eu, ficam ansiosos pela parte empírica, não sejam obrigados a traçar o
mesmo caminho que tive que percorrer, tendo que buscar cada conceito antes de
chegar ao que mais me fascina realmente: as falas dos jovens. Porém, não se faz
um trabalho acadêmico somente de paixão, a episteme é fundamental; sendo assim,
intercalarei a fundamentação teórica que norteou este trabalho, às análises dos
dados obtidos.
Sem dúvida, as análises são a parte desta pesquisa sobre a qual eu mais
ansiava em me debruçar. Nelas, o “dar voz” se consuma realmente. Nelas, as falas,
que poderiam estar perdidas no tempo e no espaço, são registradas e, melhor ainda,
podem suscitar diversas reflexões sobre o ser jovem, ser jovem alagoano, ser jovem
em Alagoas. Cada uma dessas expressões pode gerar infinitas discussões e
problemáticas, impossíveis de serem esgotadas no presente estudo.
3.1. O Paraíso das Águas
De acordo com os textos produzidos, já está cristalizado no senso comum
que Alagoas é tida como local de “belas praias”, porém poucos dos participantes
desta pesquisa, discriminaram traços da cultura local, ou mesmo nomearam
algumas das praias, tão significativas a ponto de dar ao estado o título de “Paraíso
das Águas”.
“Que Alagoas é o paraíso das águas, que seu folclore é lindo, com várias
danças, folguedos.” (Jéssica, 18, diurno)
Para alguns jovens, a cultura é representada como produto destinado ao
35
turismo. Alguns afirmam que deveria haver mais “investimento” na cultura com o
objetivo de agradar aos turistas, como podemos observar nos textos abaixo:
Eu diria que apresentaria as culturas de Alagoas e mostraria todo
trabalho desenvolvido pelas pessoas e mostraria muitas culturas. Eu
mostraria onde os turistas visitam. Os lugares frequentados são praças.
Mostraria a cultura de Alagoas, mostraria as praias onde os turistas vem
conhecer as belezas de Maceió. Eu mostraria tudo o que ele sempre quis
conhecer e poderia realizar tudo que ele sempre sonhou. Muitas coisas eu
poderia mostrar. (Henrique, 25 anos, noturno)
Observa-se que o autor do texto acima focaliza a relação entre cultura e
turismo. Em nenhum momento, o jovem trata a cultura como valores de um povo,
com uma relação de pertencimento, mas sempre como um produto a ser oferecido a
quem vem de fora, especificamente “o turista”.
O governo deveria investir mais em Alagoas, para que nossa cultura fosse
vista, para que nós e os turistas se encantem. (Arthur, 22 anos, noturno)
Apresentaria a feira de confecções de Jaraguá, os pratos típicos, podese dizer, toda a cultura nordestina. Apresentaria também as lojas
comerciais e supermercados.” (Edson, 18 anos, diurno)
É perceptível a ideia de cultura como algo ligado ao comércio, à geração
de recursos financeiros. Como produto para venda, a cultura deve ser bonita,
atraente, deve encantar a quem a vê. Poucos trataram a cultura como a própria
condição de vida de todos os seres humanos, como produto das ações humanas,
mas também como processo contínuo pelo qual as pessoas dão sentido às suas
ações (GEERTZ, in DORNELLES, 2010), essa noção de cultura foi pouco
expressada, há primordialmente o produto, voltado para o comércio e para o
turismo.
36
3.2. Não vivo de cultura
A resposta de uma jovem destacou-se entre as demais por demonstrar
uma forte rejeição pelo tema. Isso pode ser percebido em alguns trechos da sua
resposta como: “existem coisas muito mais interessantes e maravilhosas na terra,
eu não vivo de cultura ou de qualquer coisa que ligue a ela”, ou “essa nação precisa
pensar em coisas muito mais importantes”, o que, do meu ponto de vista, trata-se da
expressão de apenas um dos significados da palavra cultura. Na resposta da jovem
pode-se observar um certo rancor, um tom quase que de revolta em relação ao
termo “cultura”.
Eu não me habilitaria a mostrar a cultura nem ao marciano, nem a
ninguém, porque não vivo de cultura. Tenho alguns costumes mas na
verdade tento ser diferente, separada, se é que entendem! Existem
coisas muito mais interessantes e maravilhosas na terra, eu não vivo de
cultura ou de qualquer coisa que ligue a ela. Essa nação precisa pensar em
coisas muito mais importantes! Ah! A cultura não é justa! (Esther, 20
anos, noturno)
Pode-se ainda compreender a indignação da jovem como à recusa do
significado dominante atribuído à cultura como a representação de que somente
alguns grupos sociais têm acesso ao que chamam de “Cultura”, com C maiúsculo, e
que é a cultura dominante impondo-se em relação às outras. Nesse sentido, recorrese ao conceito de cultura como um elemento de diferenciação como uma forma de
justificação para a dominação e a exploração.
a Cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal. Única
porque se referia àquilo que de melhor havia sido produzido; universal
porque se referia à humanidade, um conceito totalizante, sem exterioridade.
Assim, a Modernidade esteve por longo tempo mergulhada numa
epistemologia monocultural. E, para dizer de uma forma bastante sintética, a
educação era entendida como o caminho para o atingimento das formas
mais elevadas da Cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas
pelos grupos sociais mais educados e, por isso, mais cultos. (VEIGA-NETO,
2003, p.7)
Diante das diversas concepções acerca deste termo, considerando a
intenção discutir a relação intrínseca entre a/as identidade/s e os grupos culturais
37
com os quais os sujeitos interagem, faz-se necessário explanar aqui conceitos de
cultura, com o objetivo de compreender as diversa formas de utilização e seus vários
significados.
Denis Cuche, em seu livro A noção de cultura nas ciências sociais (1999)
descreve todo o caminho percorrido pelo termo, até chegar à noção que temos
atualmente. Segundo ele, o termo vem do latim cultura, que significa o cuidado
dispensado ao campo ou ao gado. Em meados do século XVI, o termo passa a
designar também a cultura de uma faculdade, o trabalho para desenvolvê-la. No
século XVIII, com sua entrada no Dicionário da Academia Francesa (1978), o termo
cultura passa a ser usado no sentido figurado, sendo seguido sempre de um
complemento como cultura das artes ou cultura das ciências.
No decorrer do período iluminista, o termo passa a ser empregado para
designar a formação, a educação do espírito; passa de ação (de instruir), a estado
(do espírito cultivado pela instrução), o estado do indivíduo que “tem cultura”. Nesse
período surge a oposição conceitual entre natureza e cultura; a cultura passa a ser
empregada sempre no singular e a ser considerada a soma dos saberes
acumulados e transmitidos pela humanidade, sendo associada à ideia de progresso,
de evolução, de razão, que estava no centro do pensamento da época. Essa
associação fez com que os franceses passassem a utilizar com mais frequência o
termo civilização, por se referirem ao processo de melhoria da sociedade.
Uma visão oposta surge na Alemanha, onde havia forte influência da
língua francesa e do pensamento iluminista nas classes alemãs consideradas
superiores. Os intelectuais alemães, geralmente criticavam a nobreza por
abandonarem as artes e a literatura e supervalorizarem o cerimonial da corte,
imitando as maneiras civilizadas da corte francesa. Para esses intelectuais, o que
era autêntico e contribuía para o enriquecimento intelectual e espiritual era
considerado como vindo da cultura, a invés disso, o que era somente fruto de uma
preocupação com a aparência, um refinamento superficial, pertencia à civilização.
Assim, para os alemães, os termos “cultura” e “civilização” eram opostos.
Às vésperas da Revolução Francesa, a classe média alemã passa querer
se reafirmar como nação, questionando a influência dos costumes da corte francesa
38
nos costumes das cortes alemãs. Para os alemães, o termo “civilização” passa a
evocar a França e o termo “cultura” torna-se marca distintiva da burguesia intelectual
alemã. A cultura tende a passar da concepção universalista para uma noção
particularista e começa a ser usada como delimitadora das diferenças nacionais,
sendo ligada cada vez mais ao conceito de nação.
Na França, devido ao interesse de alguns intelectuais franceses pela
filosofia e letras alemãs, a palavra evoluiu de forma diferente e sua dimensão foi
ampliada, passando a designar também um conjunto de caracteres próprios de uma
comunidade. Mesmo assim, o conceito francês continua marcado pela ideia de
unidade do gênero humano, para eles, além das diferenças que se pode observar
entre cultura alemã e cultura francesa, há a unidade da cultura humana. Segundo
Cuche, essas duas visões – a universalista, francesa e a particularista, alemã –
estão na base das duas maneiras de definir o conceito de cultura nas ciências
sociais contemporâneas.
Com o surgimento da etnologia, o termo cultura ganha um conteúdo
descritivo. “Não se trata, para eles, assim como para os filósofos, de dizer o que
deve ser a cultura, mas de descrever o que ela é, tal como aparece nas sociedades
humanas.” (CUCHE, 1999, p.34). A observação e descrição dos modos de vida era o
foco desses estudos.
Uma das primeiras definições etnológicas de cultura foi dada por Edward
Burnett Tylor. Segundo ele, cultura e civilização, tomadas no seu sentido etnológico
mais vasto, são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a
arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos
pelo homem enquanto membro da sociedade. (TYLOR, in CUCHE, 1999, p. 35).
Dessa forma, a cultura é a expressão da totalidade da vida social do homem. Tylor
também foi o criador do exame das sobrevivências culturais como método de
estudos da evolução da cultura, e introduziu o método comparativo na etnologia.
Para ele, o estudo das culturas não poderia ser feito sem a comparação entre elas.
Tylor é considerado o fundador da antropologia britânica.
O primeiro antropólogo a fazer pesquisas in situ foi Franz Boas. Ele e
seus discípulos abriram caminho para as pesquisas sobre aculturação e as trocas
39
culturais, gerando a “corrente difusionista” , a qual se deve o conceito de modelo
12
cultural que designa o conjunto estruturado dos mecanismos pelos quais uma
cultura se adapta ao seu meio ambiente. Para Boas, cada cultura é dotada de um
estilo particular que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes,
também da arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este espírito próprio a
cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos. (CUCHE, 1999, p. 45). Os
estudos de Boas revelam a complexidade dos fenômenos de empréstimo .
13
Em 1964, surge o Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS),
fundado por Richard Hoggart, sendo ligado ao English Department, um dos centros
de pesquisa de pós-graduação da Universidade de Birmingham. O eixo principal de
observação do CCCS trata das relações entre a cultura contemporânea e a
sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como
suas relações com a sociedade e as mudanças sociais.
De acordo com Ana Carolina Escosteguy (1998), três textos que surgiram
nos final dos anos 50, são identificados como as fontes dos Estudos Culturais: 1.
Richard Hoggart com The Uses of Literacy (1957), que é em parte autobiográfico e
em parte história cultural do meio do século XX; 2. Raymond Williams com Culture
and Society (1958), que constrói um histórico do conceito de cultura, culminando
com a idéia de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de
vida em condições de igualdade de existência; e 3. E. P. Thompson com The Making
of the English Working-class (1963), que econstrói uma parte da história da
sociedade inglesa.
A característica marcante desse grupo consiste na operacionalização de
um conceito expandido de cultura, que rompe com um passado onde cultura remetia
apenas aos artefatos. Esse conceito inclui as práticas da vida cotidiana ao lado das
artes como partes de uma formação cultural, considerando toda produção de
sentido, dando relevo ao sentido de ação, de agência na cultura.
12 Corrente que baseava seus estudos no fenômeno da difusão, resultado dos contatos entre
diferentes culturas e da circulação dos traços culturais.
13 Boas formula hipótese de que “entre empréstimo e inovação culturais não há diferenças
essenciais, sendo o empréstimo frequentemente uma transformação e até a recriação do elemento
emprestado, pois ele deve se adaptar ao modelo cultural da cultura receptora.” (CUCHE, 1999, p. 70)
40
Com a extensão do significado de cultura de textos e representações para
práticas vividas, considera-se em foco toda produção de sentido. O ponto
de partida é a atenção sobre as estruturas sociais (poder) e o contexto
histórico enquanto fatores essenciais para a compreensão da ação dos
meios massivos, assim como, o desprendimento do sentido de cultura da
sua tradição elitista para as práticas cotidianas. (ESCOSTEGUY, 1998, p.
90)
Segundo a mesma autora, os Estudos Culturais enfatizam às formas
culturais de expressão não-tradicionais porpocionando uma descentralização da
legitimidade cultural. Com esse olhar, a cultura popular alcança legitimidade,
transformando-se num lugar de atividade crítica e de intervenção. Este enfoque
promove uma abertura a problemáticas antes desconsideradas como as
relacionadas às culturas populares e aos meios de comunicação de massa, bem
como, às questões vinculadas às diversas identidades (ESCOSTEGUY, 1998, p.91).
Procurei tomar como base esse conceito de cultura nas reflexões contidas no
presente trabalho.
É preciso ressaltar a necessidade de utilizar esse termo no plural, uma
vez que
em sua flexão plural – culturas – e adjetivado, o conceito incorpora novas e
diferentes possibilidades de sentido. É assim que podemos nos referir, por
exemplo, à cultura de massa, típico produto da indústria cultural ou da
sociedade techno contemporânea, bem como às culturas juvenis, à cultura
surda, à cultura empresarial, ou às culturas indígenas, expressando a
diversificação e a singularização que o conceito comporta. (COSTA et alli,
2003, p. 36-37)
O mesmo acontece com os termos juventudes e identidades, pois sua
pluralidade, suas múltiplas apresentações, exigem que sejam tratados com essa
flexão.
Continuando as reflexões sobre o conceito de cultura, evoco também a
definição utilizada por Pais (2003). Segundo ele, “a cultura pode ser entendida como
um conjunto de significados compartilhados; um conjunto de sinais específicos que
simbolizam a pertença a um determinado grupo; uma linguagem com seus
específicos usos, particulares rituais e eventos, através dos quais a vida adquire um
sentido” (PAIS, 2003, p.70). Nesse aspecto o sentimento de pertencimento pode, às
vezes se misturar com o sentido de identidade. Essa associação, entre “cultura” e
41
“identidade”, é frequente e requer reflexão.
Segundo Barth “participar de determinada cultura particular não implica
automaticamente ter certa identidade particular” (CUCHE, 1999, p 200). Para
compreendermos sobre o que estamos falando quando nos referimos à identidade
cultural, precisamos compreender como este conceito chegou a ser discutido tal
como o percebemos na contemporaneidade.
O panorama de “crise das identidades”, do qual trataremos mais adiante,
é identificado por alguns dos autores revisados para esta pesquisa, possibilitando a
percepção de que a identidade, hoje, emerge sobre um panorama onde as
“certezas” são profundamente questionadas, num tempo onde há um sujeito de
identidades fragmentas e múltiplas que põe em questão uma série de certezas
anteriormente firmadas. Da mesma forma, percebe-se que não existe identidade
cultural em si mesma, não é possível defini-la de forma conclusiva, mas sim numa
construção social. O pesquisador não deve buscar a definição da identidade cultural
que está sendo pesquisada, mas sim buscar os elementos que constituem aquela
identidade situando-a no tempo, no espaço, no contexto que a produz.
Essa premissa aguçou ainda mais minha curiosidade em compreender
como o indivíduo jovem se identifica em relação à cultura de sua região. Se por sua
condição de jovem, esse indivíduo é ainda mais ligado aos grupos socioculturais em
que está inserido e, se a escola ocupa parte importante dessas trocas sociais, que
identificação é possível perceber nesse jovem nordestino, alagoano, mas que é
parte também dessa geração globalizada, pluralizada e descentrada culturalmente?
3.3. A cultura de Alagoas é bem diversificada
Alguns teóricos culturais argumentam que as tendências em direção a
uma maior interdependência global está levando ao colapso todas as identidades
culturais, produzindo uma “fragmentação de códigos culturais”, uma “multiplicidade
de estilos”, um “pluralismo cultural”. “À medida em que as culturas nacionais tornamse mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais
intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e
42
da infiltração cultural.” (HALL, 2011, p.74). Os fluxos culturais entre as nações e o
consumismo global criam possibilidades de identidades partilhadas – como
consumidores para os mesmos bens, clientes para os mesmos serviços, públicos
para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante
distantes umas das outras no espaço e no tempo (ibidem).
Nesse contexto, o
hibridismo cultural seria uma característica indissociável dos tempos atuais?
O termo hibridismo tem sua origem na biologia do século XIX, e trata da
mescla entre duas espécies diferentes, o que deu início à polêmica questão sobre a
“pureza das raças”. O artigo O conceito de hibridismo ontem e hoje: ruptura e
contato, escrito por Daniela Kern (2004) traz um apanhado das diversas visões
sobre o termo. Segundo ela, as discussões biológicas sobre as regras naturais para
a pureza das raças e até que ponto é preciso preservar uma espécie pura
penetraram nas ciências sociais, onde o termo passou a ser usado como metáfora,
não se referindo mais às plantas, mas à espécie humana. Ela recorta um trecho do
romance “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que demonstra o reflexo de uma das
visões sobre o indivíduo híbrido ou mestiço. Segundo esta visão, o mestiço era
inferior às raças “puras”:
A mestiçagem extremada é um retrocesso. [...] De sorte que o mestiço –
traço de união entre as raças, breve existência individual em que se
comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado. [...]
Não há terapêutica para este embate de tendências antagonistas, de raças
repentinamente aproximadas, fundidas num organismo isolado. [...] E o
mestiço [...] menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia
física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais
superiores. Contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela
casos de hibridez moral extraordinários: espíritos fulgurantes, às vezes, mas
frágeis, irrequietos, inconstantes [...], feridos pela fatalidade das leis
biológicas, chumbados ao plano inferior das raças menos favorecidas.
(CUNHA apud KERN, 2004, p. 54-55)
O final do século XIX foi permeado pela forte discussão sobre mistura de
raças, que culmina com as grandes guerras do século XX. A partir dos anos 80 do
século XX, o conceito de raça foi sendo menos utilizado e os estudos passaram a
falar de Hibridismo Cultural. A partir daí passou-se a tratar o termo, não somente
como um “estado”, mas sim um processo que pode ser visto por dois ângulos. De
um ponto de vista negativo, pode-se considerar “perda de tradições regionais e de
raízes locais” (BURKE, 2003, p. 18). De um ponto de vista mais otimista, o
43
hibridismo pode ser visto como “uma poderosa fonte criativa, produzindo novas
formas de cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e
contestadas identidades do passado”. (HALL, 2011, p. 91).
O historiador Peter Burke (2003), afirma que, com a globalização, os
processos de hibridização da cultura são inevitáveis, para ele, a hibridização ocorre
sem a ação consciente dos indivíduos.
Porém, o conceito atual de hibridismo refere-se tanto às ações – sendo
pelo o modo de agir ou pelo discurso – quanto ao resultado do consumo de objetos
culturais. Sua finalidade política pode refletir diversas intenções, sejam de aumento
de poder; resistência; fortalecimento ou enfraquecimento das identidades locais ou
nacionais; contestação das normas estabelecidas pelas culturas hegemônicas.
Canclini, em seu livro Culturas Híbridas, foi um dos primeiros autores a
tratar o conceito com uma conotação política. O autor procura embasar sua teoria
utilizando como exemplos produtos culturais e observando as estratégias de
hibridação que os artesãos indígenas adotam para conseguir colocar seus produtos
no mercado. Tenho buscado considerar o hibridismo tendo como base essa visão. O
hibridismo, apesar de poder servir às culturas opressoras, também pode servir como
uma forma de resistência das culturas subalternas que, na busca pela inserção e
sobrevivência em meio à aculturação global, ou multiculturalização, inevitável diante
do progresso da humanidade.
Kern também alerta para essa dupla finalidade do hibridismo por meio dos
argumentos da crítica literária Zilá Bernd.
Assim como o conceito de mestiçagem foi uma cilada da modernidade [...]
talvez também o conceito de híbrido corresponda a mais uma utopia (da
pós-modernidade), que encobriria um certo imperialismo cultural prestes a
apropriar-se de elementos de culturas marginalizadas para reutilizá-las a
partir dos paradigmas de aceitabilidade das culturas hegemônicas. Tratarse-ia então apenas de um processo de glamourização de objetos culturais
originários da cultura popular ou de massas para inseri-los em uma outra
esfera de consumo, a da cultura de elite. (BERND, apud KERN, 2004, p. 59)
Por outro lado, Bernd, também enfatiza a função oposta contida no
conceito, mostrando a importância do processo para a sobrevivência das culturas
oprimidas.
44
Mas, se por híbrido queremos nos referir a um processo de ressimbolização
em que a memória dos objetos se conserva e em que a tensão entre
elementos díspares gera novos objetos culturais que correspondem a
tentativas de tradução ou de inscrição subversiva da cultura de origem em
uma outra cultura, então estamos diante de um processo fertilizador.
(BERND, apud KERN, 2004, p. 60)
Hall, também alerta sobre os perigos da má interpretação do termo.
Segundo ele, o
hibridismo não se refere a indivíduos híbridos, que podem ser contrastados
com os “tradicionais” e “modernos” como sujeitos plenamente formados.
Trata-se de um processo de tradução cultural, agonístico uma vez que
nunca se completa, mas que permanece em sua indecidibilidade. (HALL,
2003, p. 74)
Segundo Silva, o hibridismo se dá entre identidades com diferentes níveis
de poder, há a presença de uma cultura dominante e uma dominada, porém, a
imposição explica um hibridismo que, embora favoreça o grupo predominante – não
em número mas pela força – é de mão dupla uma vez que atinge dominados e
dominadores.
Os processos de hibridização analisados pela teoria cultural contemporânea
nascem de relações conflituosas entre diferentes grupos nacionais, raciais
ou étnicos. Eles estão ligados a histórias de ocupação, colonização e
destruição. Trata-se, na maioria dos casos, de uma hibridização forçada.
(SILVA, 2005, p. 87).
Nas análises dos questionários, chamou-me a atenção – apesar de ser
algo esperado desde que surgiu este objeto de estudo – o fato de que os sujeitos da
pesquisa evitaram fazer referências específicas a elementos da cultura “alagoana”.
São frequentes expressões como “uma cultura muito rica” ou “uma cultura
diversificada”, mas sem maiores descrições, como podemos observar nos trechos
abaixo:
Diria que Alagoas tem uma cultura muito rica, porém, em minha opinião,
pouco explorada.(…) (Mário, 16 anos, diurno)
Apresentaria todos os locais que preservam a cultura, que são ricos de
povos e de criação.[...] (Val, 24 anos, noturno)
Que Alagoas não tem um cultura definida [...] (Valeska, 18 anos, diurno)
45
Eu falaria para ele que Alagoas é um estado com riquezas (…) (Andréa, 17
anos, diurno)
Não fica claro se a característica genérica dessas respostas, se deve à
falta de estímulo para listar os referidos elementos detalhadamente, ou à escassez
das referências que lhes vêm à mente no momento da resposta. Quando chegam a
mencionar alguns elementos, como “o folclore”, ou “o artesanato”, os jovens não
detalham o que caracteriza o folclore ou o artesanato alagoanos. Que danças? Que
folguedos? As respostas não se aprofundam na descrição dos elementos que
tornam a cultura “alagoana” “rica” ou “diversificada”.
Eu diria a ele que aqui em Alagoas nossa cultura é bem diversificada.
Onde podemos mostrar um pouco de cada coisa, como a dança e o
folclore e também a história da cidade. (Ana Célia, 19 anos, diurno)
Diria que a cultura de Alagoas é bem diversificada, com várias pessoas
de várias raças e línguas.[...] (Edson, 18 anos, diurno)
Não sei muito da nossa história, mas o pouco que posso dizer é que ela é
diversificada, muito bonita. Tem o folclore, o reisado, os quilombolas, só
que ela não é muito explorada.[...] (Ana, 18 anos, diurno)
Sobre esse aspecto, tenho uma hipótese: com exceção dos que
demonstram um visível desinteresse, acredito que o medo de “errar”, o medo da
avaliação, que estes jovens demonstraram tão fortemente no meu primeiro contato
com eles, contribui para a omissão dos detalhes em suas respostas. Do ponto de
vista de quem se sente avaliado, ao optar por uma resposta menos detalhada, é
possível diminuir as possibilidades de “erro”. Mantenho essa hipótese baseada no
que os próprios participantes da pesquisa expressaram através de frases como: “eu
não sou bom em redação” ou “eu não tenho uma boa base em geografia e história”;
que eram ditas frequentemente, antes mesmo de iniciarem a leitura da questão.
Durante a aplicação do questionário, procurei tranquilizá-los, dizendo que
o objetivo era observar o que eles expressariam nas suas respostas, independente
da relação com o conteúdo escolar; que as questões ortográficas não seriam
observadas; que aquela não era uma atividade de avaliação; que por isso, não
46
haveria um julgamento; e que eles poderiam se expressar à vontade. Apesar disso,
acredito que esse medo de expressar algo que pudesse ser considerado
inadequado, está refletido nos textos através da utilização de expressões menos
exatas. Algumas respostas resumem-se a uma frase:
Mandaria ele procurar outra pessoa. (André, 18 anos, diurno)
Mostraria todas as nossas culturas, os lugares mais frequentados e os
mais bonitos. (Luiza, 17 anos, diurno)
Apresentaria a ele tudo o que tem bom em Alagoas, se eu conseguisse me
comunicar com ele. (Paula, 17 anos, diurno)
Eu comentaria com eles como o nosso estado é lindo. Rico em praias, rico
em natureza. (Elisa, 17 anos, diurno)
Acredito a observação da falta de aprofundamento nas respostas dos
jovens, está em concordância com a inquietação que gerou o objeto de estudo desta
pesquisa: talvez os jovens não conheçam os elementos de sua própria cultura. Se a
falta de aprofundamento não for reflexo da falta de referências em relação à sua
cultura, pode ser, no mínimo, fruto da falta de estímulo em descrevê-la, o que
considero uma demonstração de desapego emocional, uma vez que o sentimento de
orgulho em ser alagoano e a oportunidade de apresentar sua cultura a um
“estranho” poderia ser um estímulo para uma descrição mais cuidadosa. Também
pode-se identificar que estes jovens apreendem a visão dominante de “Cultura”,
como algo exterior a eles, a maioria não se coloca como aqueles que contribuem
para dar significados ao mundo e para expressá-lo. Portanto, é compreensível que
não se sintam à vontade para falar de algo com o qual não se sentem parte.
Alguns jovens buscaram aprofundar suas descrições da cultura
“alagoana”, e alguns citaram especificamente elementos considerados típicos do
folclore “de Alagoas”. Entre os folguedos tradicionais do estado, o coco-de-roda é o
mais mencionado. O reisado também foi citado, entre outras danças, como as
quadrilhas juninas.
Mostrava as praias do nosso Estado, a diversidade da culinária alagoana,
a linguagem dos Alagoanos e o artesanato Maceioense. Mostraria a Serra
47
da Barriga onde Zumbi e os escravos viveram, mostraria o coco-de-roda,
maracatu e outros. O grande rio São Francisco e sua história para o
Brasil. (Vinícius, 19 anos, noturno)
[...] que seu folclore é lindo, com várias danças, folguedos. Danças como
maxixe, coco-de-roda etc.” (Jéssica, 18, diurno)
Nem todos sabem que o maracatu e o maxixe não têm sua origem em
Alagoas; essa menção comprova que o hibridismo cultural é bastante observável
entre os alagoanos no que se refere às manifestações folclóricas. De uma forma
generalizada, Alagoas capta elementos da cultura de diversos estados e os assume
como seus. Podemos observar isso, também, na feira de confecções de Jaraguá
(bairro antigo da cidade) citada acima por um dos jovens. A feira é composta por
pequenas lojas que revendem produtos comprados em outras cidades consideradas
pólos do artesanato nordestino, como Caruaru-PE, onde se encontra muitos
produtos em couro e madeira; Fortaleza-CE, que produz rendas e bordados
tradicionais; e Natal-RN, de onde vêm as garrafas com desenhos trabalhados em
areia colorida. As excursões turísticas levam quem está visitando Maceió a essas
feiras, apresentando esse produtos como artesanato típico de Alagoas, isso explica
o fato de os jovens mencionarem essas feiras como algo importante a ser mostrado
a alguém que visita esse estado. Os próprios alagoanos ignoram o fato de que os
produtos vendidos nessas feiras são comprados em outros estados brasileiros. Por
outro lado, o Pontal da Barra, bairro onde se concentra a produção genuína de filé –
bordado artesanal fabricado tradicionalmente em Alagoas – não foi mencionado por
nenhum dos envolvidos na pesquisa.
Podemos relacionar esse aspecto híbrido à questão da globalização e ao
que diz Woodward, quando afirma que a globalização “produz diferentes resultados
em termos de identidade. A homogeneidade cultural promovida pelo mercado global
pode levar ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade e à cultura
local.” (SILVA, 2005, p. 21). Sobre esse aspecto, vários autores argumentam que a
modernidade traz consigo novas formas de relacionamentos e de modos de ser e de
viver. Como consequência desse movimento formam-se processos de hibridização
cultural que são constituídos pela utilização de elementos provenientes das diversas
48
classes e diferentes lugares, numa relação ativa de interpenetração entre culturas de
sujeitos que acabam por gerar ou realizar novos processos e movimentos sociais
que recriam culturas próprias. Desse modo, é reconfigurado o tecido urbano como
conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre as outras regiões, o que
nos permite observar traços e características que se mesclam.(CARRANO &
MARTINS, 2011, p. 45). A mistura entre “o que é daqui” e o que é “de fora” se fez
presente tanto nos textos do questionário como nos grupos de discussão.
Declarações de desconhecimento sobre a própria cultura também foram
significativas. Alguns jovens declararam-se incapazes de apresentar sua cultura e
alguns indicam a necessidade de pesquisar sobre o assunto, como se as
referências culturais do lugar onde vivem fossem algo que o sujeito precisa estudar
para ter acesso.
Pra ser sincera eu falaria para ele(a) que estudaria sobre Alagoas e
passaria algumas informações para ele. [...] (Joana, 20 anos, diurno)
Não, pois eu não tenho essa capacidade, pois eu não o conheço bem para
apresentar. Alagoas é muito grande e tem suas belezas e suas partes
mais simples, mas Alagoas é lindo. (Isolda, 23 anos, noturno)
[…] muitos jovens de hoje não sabem da sua própria cultura porque pouco
se fala dela.” (Adriana, 22 anos, noturno)
Quase nada porque na escola sobre cultura de Alagoas não passado
nada[...] (Sandro, 19 anos, noturno)
Observa-se nessas afirmações um reflexo da antiga visão de que a
educação seria o caminho para atingir as formas mais elevadas da “Cultura”,
seguindo um modelo pregado por alguns intelectuais alemães do século XVIII, que
passaram a chamar de Kultur a sua própria contribuição para a humanidade, “todo
aquele conjunto de coisas que eles consideravam superiores e que os diferenciava
do resto do mundo” (VEIGA-NETO, 2003, p. 07). Sendo assim, a Cultura seria
constituida por um determinado modo de estar no mundo, de produzir e de apreciar
as artes, de pensar religiosamente e filosoficamente, como modelo a ser atingido
pelas outras sociedades. Daí surge a concepção de alta e baixa cultura.
49
Simplificando, a alta cultura passou a funcionar como um modelo – como a
cultura daqueles homens cultivados que “já tinham chegado lá”, ao contrário
da “baixa cultura” – a cultura daqueles menos cultivados e que, por isso,
“ainda não tinham chegado lá”. De tal diferenciação ocuparam-se muitos
pedagogos, uma vez que a educação foi – e ainda é – vista por muitos
como o caminho natural para a “elevação cultural” de um povo. (VEIGANETO, 2003, p. 07)
Alguns jovens, enquanto respondiam os questionários, falaram que nunca
haviam lhes perguntado nada sobre esse assunto, que por isso era difícil responder,
pois eles não estariam “acostumados” a falar sobre cultura. Acredito que essa
estranheza confirma a hipótese de que as culturas não são discutidas no ambiente
escolar.
3.4. Minha cultura é forte é quase uma “não cultura”
Definir um conceito atual de identidade é algo extremamente complexo, sendo
impossível fazer afirmações conclusivas, uma vez que os debates e estudos
sociológicos referentes a esse assunto são bastante variados. Conforme Hall (2006)
existem três concepções de identidade e que produzem implicações nos modos de
nos aproximar do nosso objeto de pesquisa.
A primeira, dessas três concepções, é a do “sujeito do Iluminismo”, que se
baseia numa concepção da pessoa humana como um indivíduo dotado de razão,
cuja identidade é tida como um núcleo interior que nasce e se desenvolve com ele,
porém permanecendo essencialmente o mesmo durante toda a existência do
indivíduo.
A segunda concepção é a do “sujeito sociológico”, na qual há a
consciência de que este núcleo interior não é tão autossuficiente e autônomo, mas
que é formado na relação com outras pessoas que mediavam, sentidos, valores e
símbolos importantes para o sujeito.
Esta é a concepção sociológica clássica,
defendida por G. H Mead, C. H. Cooley e os interacionistas simbólicos, “a identidade
50
é formada na 'interação' entre o eu e a sociedade”. (HALL, 2011, p.11). Segundo
essa concepção, o núcleo, apresentado na concepção iluminista, é formado e
modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as
identidades que são apresentadas por esses mundos. “O fato de que projetamos a
'nós próprios' nessas identidades culturais, ao mesmo tempo, que internalizamos
esses significados e valores, tornando-os 'parte de nós', contribui para alinhar
nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo
social e cultural.” (ibidem, p.12)
Tendo como referência a noção de “sujeito pós-moderno”, a terceira
concepção de identidade, percebe-se que nas concepções anteriores há a crença de
poder estabilizar os sujeitos e os mundos culturais, tornando-os mais unificados e
predizíveis. Porém, na atualidade, este mundo apresenta-se de forma fragmentada;
o sujeito não é composto de uma, mas de várias identidades, fruto de um processo
que se tornou “provisório, variável e problemático” (ibidem, p.13). Para Hall, o
processo de identificação produz um sujeito que “não tem uma identidade fixa,
essencial ou permanente”, mas uma identidade que se transforma continuamente
reagindo às intervenções dos sistemas culturais nos quais o sujeito está inserido,
assumindo “identidades diferentes em momentos diferentes”, são as chamadas
“identidades possíveis”, com cada umas das quais poderíamos nos identificar – ao
menos temporariamente. (HALL, 2011, p.13)
Para refletir sobre as diversas acepções que marcaram a noção de
identidade ao longo da História, Claude Dubar, em seu livro “A crise das identidades:
a interpretação de uma mutação” distingue duas grandes correntes: a essencialista e
a nominalista. A partir da corrente essencialista, a identidade dos seres é aquilo que
se mantém inalterado, a despeito das mudanças, o que permanece idêntico, para
além da passagem do tempo. As essências são aqui qualificadas a partir de
categorias que reagrupam os seres de acordo com suas essências.
O essencialismo postula que estas categorias têm uma existência real:
são estas categorias que garantem a permanência dos seres, a sua mesmidade que
se torna assim definida de maneira permanente. “A identidade dos seres existentes
é o que faz com que permaneçam idênticos, no tempo, à sua essência”. (DUBAR,
51
2009, p. 12) Do ponto de vista essencialista, portanto, a alteridade fica anulada, ao
pressupor uma singularidade essencial a cada ser humano – que lhe possibilita dizer
quem ele é em si – somada a uma pertença igualmente essencial, herdada a priori,
já que vinculada ao nascimento. O autor destaca a relação existente entre estas
duas crenças: é somente porque se acredita que a pertença seja dada a priori, que
se pode definir a singularidade essencial de cada um. “Cada um se transforma, com
efeito, no que ele é: ele realiza seu destino, esteja este inscrito em seus genes ou
marcado por seu 'estado civil', permanece idêntico ao seu ser essencial.” (ibidem, p.
13-14). Esta crença desdobra-se em um caminho linear e previsível.
Em confronto com essa concepção essencialista, há uma corrente
ancorada na perspectiva histórica e contextual, que pressupõe a possibilidade de
mudanças. Esta corrente, que Dubar nomeia como nominalista, é pautada na
proposição de que as categorias que permitem conhecer algo sobre os seres
empíricos são, na realidade, modos de identificação submetidos a determinado
contexto, portanto, historicamente variáveis.
O autor afirma que a identidade resulta de uma “dupla operação
linguageira: diferenciação e generalização.” A diferenciação visa definir “o que
constitui a singularidade de alguma coisa ou de alguém relativamente a alguém ou
alguma coisa diferente: a identidade é a diferença”. A generalização “procura definir
o ponto comum a uma classe de elementos todos diferentes de um mesmo outro: a
identidade é o pertencimento comum”(ibidem, p.13)
Ainda segundo Dubar, o paradoxo envolvido na configuração da
identidade – aquilo que existe de único e aquilo que é partilhado – só pode ser
compreendido a partir do elemento que une as duas operações em jogo no processo
de construção identitária: a identificação para si e a identificação pelo outro. Nesta
perspectiva, não há identidade sem alteridade, e ambas variam historicamente
conforme o contexto de definição. É no entremeio destas duas formas identitárias
que se forjam as crises existenciais e as crises de identidade pessoal tão evidentes
na atualidade, crises que envolvem a definição de si, tanto quanto o reconhecimento
atribuído pelos outros.
Segundo Dubar, está em curso, na atualidade, um movimento histórico de
52
transição entre dois modos específicos de identificação. O primeiro é pautado na
compreensão essencialista – que parte do princípio de que cada indivíduo possui
uma fonte essencial de identidade, advinda do grupo de pertença social a que está
vinculado e supõem a crença na existência de comunidades, como “sistemas de
lugares e de nomes pré-atribuídos aos indivíduos que se reproduzem de modo
idêntico através das gerações” (DUBAR, 2009, p.15).
Já o segundo modo de
identificação, considerado em emergência, pressupõe a existência de “coletivos
múltiplos, variáveis, efêmeros, aos quais os indivíduos aderem durante períodos
limitados e que lhes fornecem recursos de identificação que eles administram de
maneira diversa e provisória”.(ibidem) Neste enfoque, portanto, as pertenças podem
ser múltiplas e mutantes ao longo da vida.
Uma das ocorrências interessantes que observei durante a pesquisa foi a
de que alguns jovens fogem do senso comum e consideram que “a cultura é algo
pessoal/individual”. O que nos lembra que “a formação da identidade ocorre também
nos níveis 'local' e pessoal.” (WOODWARD in SILVA, 2005, p. 29) e alguns jovens
têm consciência disso.
Se tratando de cultura aberta de AL, eu mostraria algumas: 1º Serra da
Barriga o coração do Brasil; 2º Capoeira que eu acho linda; 3º Alguns
escritores. E o hip-hop que vem crescendo nas periferias e mudando
muito jovens através do RAP. Com vários grupos que se prontificam para
fazer o possível pra tirá-los das drogas, do crime, das ruas. Não consigo
relatar, praias, teatro, música e etc... minha cultura é forte é quase uma
“não cultura” rsrsrs em relação as folclóricas. É possível viver sem a
cultura, porém também é possível criar uma só pra você. Minha cultura é
Deus! (Arnaldo, 20 anos, noturno)
Este jovem se vê envolvido no seu mundo, ele não prioriza a descrição
essencialista de cultura, externa a ele. Ao contrário, relaciona a cultura de Alagoas
aos seus modos de expressão, que é mundial, nacional, mas também de seu lugar,
pois serve para expressar suas ideias, para lutar pelos seus ideais, para criticar.
Dubar propõe que as configurações identitárias dão-se justamente a partir
das constantes mudanças de cenário que marcam a atualidade e que
necessariamente repercutem sobre as trajetórias individuais, gerando não uma
53
identidade única, constante e a-histórica, para cada indivíduo, mas, identidades
complexas e cambiáveis. É a partir desta concepção que podemos refletir sobre as
diversas influências na constituição identitária do jovem: não como influências
determinantes e únicas nesta formação, mas como influências contingenciais; cada
uma, dentre muitas, é passível de reformulação, no curso do tempo e a partir de
outras vivências e novos contextos.
As repercussões de tais mudanças sobre o processo de socialização e de
construção de vínculos sociais são notáveis: ao ameaçarem a estabilidade dos
dispositivos de integração social, as mudanças visíveis na atualidade incidem
diretamente sobre as relações entre o indivíduo e o social e, portanto, sobre o
processo de construção das identidades pessoais. Não mais assegurado pelas
instituições tradicionais, este processo passa a ser construído pelos próprios
indivíduos no decurso de suas trajetórias de vida, de maneira sempre contingente.
O autor analisa a hipótese de uma crise nos modos de identificação
fazendo ligação desta com a teorização da crise econômica. Segundo ele, a
expressão “crise do vínculo social” é cada vez mais retomada pelos sociólogos que
trabalham sobre as populações/categorias cujas condições de recursos e os níveis
de vida vêm se degradando. Convém então saber qual a natureza desse vínculo
social rompido:
Trata-se muitas vezes, em primeiro lugar, das relações mais cotidianas,
familiares, profissionais, de proximidade. Ser deixado pelo cônjuge, ser
demitido pelo patrão, deixar de ser cumprimentado pelo vizinho, ser
maltratado por uma administração constituem rupturas concretas de
relações pessoais que anteriormente, criavam vínculos que se qualificavam
como sociais. (DUBAR, 2009, p.22)
Para Dubar a “crise” do vínculo social seria um efeito causado pela crise
econômica, mas também, podemos considerar, além da crise econômica, a crise
social. “Pode-se também denominar “antropológica” esse tipo de crise que afeta, ao
mesmo tempo, os comportamentos econômicos, as relações sociais e também as
subjetividades individuais.” (DUBAR, 2009, p.22). Pode-se observar essas crises
como manifestações de um processo global que provocaria, em certos momentos,
“rupturas” nos grandes equilíbrios econômicos, bem como nos tipos de ligações
54
sociais anteriormente dominantes.
Porém, Dubar chama a atenção para o enfoque exagerado nos modos de
produção, segundo ele, a discussão mercadológica, pode subestimar a questão das
transformações nas formas do vínculo social, das relações pessoais e das
significações simbólicas.
Sociologicamente, a crise das identidades trata de uma “construção da
identidade pessoal que não consegue evitar crises que não resultam primeiramente
de uma falta de recursos econômicos, mas da própria estrutura da subjetividade
humana, uma vez que ela se emancipa dos quadros comunitários” (ibidem, p.252253) Essa “grande passagem” potencialmente nos emancipa dos vínculos
comunitários, ela encerra a tomada das subjetividades pelas identificações coletivas
em “relações de dominação temíveis” entre as categorias dominantes e as
dominadas, que podem constituir “'identidades' ilusórias, ambíguas ou mesmo
mortíferas”, baseadas em relações societárias individualizantes, que apesar de
separarem, selecionarem e às vezes angustiarem, possibilitam “uma subjetividade
autônoma que alguns chamam de liberdade”(ibidem) Para Dubar, não há outra
forma de se construir a identidade pessoal senão pela libertação e reinvenção de si
mesmo. Esse processo passa necessariamente pela crise.
Para Hall, o termo “crise de identidade” está inserido num processo mais
amplo de mudança, ligado ao deslocamento das estruturas e processos centrais das
sociedades modernas, que vêm abalando os contextos que davam aos indivíduos
uma referência estável no mundo social. Tanto Hall como Dubar afirmam que é
nesse sentido de desestabilização do que se tinha anteriormente como formas de
identidades, que pode-se falar de uma “crise das identidades”, uma vez que a
mudança de normas e de modelos gerada por essa crise, causa uma
desestabilização das referências anteriores e isso interfere na subjetividade dos
sujeitos. Percebe-se então que a crise que marca as configurações identitárias na
atualidade é inseparável da própria crise da modernidade que é visível em diversos
âmbitos.
Permeando essa construção das identidades, para si e para os outros,
encontra-se a representação. Utilizaremos o conceito de representação baseando-
55
nos nos Estudos Culturais, onde, segundo Hall, a representação se dá através do
uso que fazemos das coisas, dos significados que damos a elas, o que dizemos,
pensamos e sentimos.
Os estudos de Hall apontam três teorias que abordam a discussão da
representação: a teoria reflexiva, onde a linguagem funciona como espelho que
reflete o verdadeiro significado que já existe no mundo; a intencional, onde o falante
impõe o significado através da linguagem; e a construcionista, na qual a linguagem é
tomada como um produto social onde os significados são construídos através dos
sistemas de representação.
É na teoria construcionista que o autor baseia sua
percepção da representação. (SANTI & SANTI, 2008, p.5)
Para Hall (1997), o significado surge, não das coisas em si, mas a partir
dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são
inseridas. O que consideramos fatos naturais são, portanto, também fenômenos
discursivos.(HALL, 1997, p.24). Ou seja, a linguagem está no centro da expressão
da representação, quando comunicamos expomos ao mundo nossos significados.
Pode-se dizer que de, acordo com as ideias de Hall,
A questão do significado surge em relação a todos os diferentes momentos
ou práticas do "circuito da cultura": na construção da identidade e na
delimitação da diferença, na produção e no consumo, bem como na
regulação das condutas sociais, sendo que em todas estas instâncias, e em
todas essas localizações institucionais, a linguagem é um dos "meios"
privilegiados através dos quais é produzido e circula o significado. (HALL
apud WORTMANN, 2001, p. 158)
Os significados são produzidos quando incorporamos os objetos, as
ideias, os símbolos, de diferentes maneiras, às práticas da vida cotidiana, dandolhes valor ou significância, ou seja, sempre que nos expressamos, fazemos uso,
consumimos ou nos apropriamos dessas “coisas” estamos produzindo significados e
ao comunicarmos estes significados se dá a representação.
Hall afirma que nossas subjetividades são produzidas de modo discursivo
e dialógico, por isso, quando há a intervenção da cultura, é cada vez mais difícil
definir a diferença entre o que é “interior” e “exterior”, entre o social e o psíquico.
Segundo ele,
devemos pensar as identidades sociais como construídas no interior da
56
representação, através da cultura, não fora dela. Elas são o resultado de um
processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das
definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos
subjetivemos (dentro deles) (HALL, 1997, p. 15)
Sendo assim, os significados culturais não estão somente no nível mental,
na imaginação, mas têm efeitos reais e regulam as práticas sociais. O
reconhecimento dos significados, a sensação de pertencimento, é parte da
consciência de nossa própria identidade.
Tomaz Tadeu da Silva (2005), em Identidade e diferença: a perspectiva
dos Estudos Culturais, debate a questão da identidade dentro do horizonte dos
Estudos Culturais, fazendo uma análise das representações de mundo e a
identidade, marcada pelas diferenças no interior dos grupos, sendo essas diferenças
o que constitui a consciência identitária de grupo. Na mesma obra, o artigo
“Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual”, de Kathryn Woodward,
parte do problema étnico iugoslavo para tecer algumas considerações a cerca de
identidade e representação. Baseando-se nos estudos de Hall, a autora apresenta a
representação como mecanismo simbólico de classificação do mundo e de nossas
relações dentro desse mundo. Para ela, há uma relação de oposição na forma como
a identidade é definida, onde o eu e o outro são duas existências que se interpõem
numa relação que, mesmo sendo de oposição, é básica para o próprio fundamento
da identidade, uma vez que esta é marcada pela diferença, ou, em outras palavras,
a negação do outro é afirmação do eu, daquilo que sou, porque ele não é.
Recorrendo ao caso sérvio-croata, a autora explica:
A identidade sérvia depende, para existir, de algo fora dela: a saber, de
outra identidade (croata), de uma identidade que ela não é, que difere da
identidade sérvia, mas que, entretanto, fornece condições para que ela
exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é. Ser sérvio é
ser um não-croata. A identidade é, assim, marcada pela diferença.
(WOODWARD, in SILVA, 2005, p. 09)
Concordo com a autora quanto ao argumento de que a identidade é
construída simbolicamente, pois pode ser percebida a partir dos valores nacionais,
comida, expressões culturais, e socialmente, pois o grupo social é apresentado
como referência essencial à memória, história, tempo e espaço. A representação é,
57
então, o meio pelo qual o grupo cria símbolos que dão sentido às suas experiências.
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos
por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como
sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. (WOODWARD, in
SILVA, 2005, p. 09)
Assim, pode-se dizer que a representação é um processo cultural de
significação da experiência humana. Essa significação é inerente à identidade que
por sua vez, dentro da dinâmica humana, não pode ser estável e imutável. A autora
chama a atenção para o fato de não podermos ignorar a grande mobilidade
internacional nos processos migratórios e suas consequências para as identidades
de quem migra e das comunidades que recebem esses imigrantes, sucedendo-se, a
partir daí, um processo onde ambos os grupos passam por uma transformação que
nem sempre é harmoniosa. Segundo a autora, “a migração produz identidades
plurais, mas também identidades contestadas” (ibidem, p. 22). Este movimento,
permeado de desigualdades, dessas pessoas dispersas ao redor do mundo “produz
identidades que são moldadas e localizadas em diferentes lugares e por diferentes
lugares. Essas novas identidades “que não têm uma 'pátria' e que não podem ser
simplesmente atribuídas a uma única fonte”, podem ser melhor compreendidas ao
observamos o o conceito de diáspora analisado por Stuart Hall (2003). É evocando a
diáspora que Woodward analisa a crise da identidade. Desestabilizadas e
desestabilizadoras, as identidades desses grupos em movimento encontram suporte
em certezas étnicas e históricas numa espécie de retorno às origens. Nesse retorno
podem recorrer ao recurso histórico – à história nacional – e às certezas étnicas já
mencionadas.
Porém, a identidade não é estática porque os grupos humanos são
dinâmicos. Muitas mudanças sociais são processadas no interior dos grupos e
novos grupos podem surgir a partir de situações novas ou velhas. A prática social é
marcada simbolicamente porque o que move o grupo é, antes de tudo, sua
representação de mundo e a identidade é aquilo que distingue um grupo do outro e
por isso precisa refletir a dinâmica desse grupo. No grupo, a identidade é o oposto
da diferença, porque o grupo é aquele que tem uma identidade comum, mas precisa
da diferença, pois um grupo é o que outro não é. Dubar também corrobora com essa
58
visão na sua explicação sobre diferenciação e generalização, como já foi visto neste
estudo.
Woodward apresenta dois interessantes conceitos, que também são
abordados por Dubar (2009) e que considero importantes no estudo das
representações. São duas visões sobre a identidade que, segundo a autora, são
diferentes e contraditórias, mas que ao mesmo tempo, na minha opinião, são
conceitos que se complementam. Segundo ela, a identidade é vista, por um lado
como tendo um núcleo essencial que distingue um grupo de outro. Por outro lado, há
a identidade contingente, ou seja, uma intersecção de diferentes componentes, de
discursos políticos e culturais e de histórias particulares. É na identidade contingente
que se baseiam as causas pelas quais lutam os movimentos sociais. Sendo, essas
causas, um projeto político que se contrapõe às negações sociais dominantes de
uma determinada identidade, afirmando a força de uma identidade coerente e
unificada – às vezes recorrendo às aparentes certezas de um passado histórico – e
que se baseia também na solidariedade a daqueles que “pertencem” a um grupo
oprimido ou marginalizado.
Woodward recorre ainda ao trabalho de Claude Lévi Strauss que analisa
a significação e a reprodução das relações sociais em Durkheim a partir da comida e
que cuja base pode ser simplificada a partir da sentença de que “a cozinha
estabelece uma identidade entre nós”. Pelo que “representa” simbolicamente, “aquilo
que comemos pode nos dizer muito sobre quem somos e sobre a cultura na qual
vivemos” (WOODWARD, in SILVA, 2005, p. 43). O que pude observar em um dos
momentos do grupo de discussão:
Pesquisadora:
Certo...
no encontro passado alguns
falaram da comida de Alagoas. Quais
seriam essas comidas típicas?
Renato (19 anos, noturno):
Acarajé!
Vinícius (19 anos, noturno):
Isso não é daqui!
Renato (19 anos, noturno):
Baião-de-dois...
59
Vinícius (19 anos, noturno):
Isso também não é daqui!
Carina (23 anos, noturno):
É mesmo...
Fernando (19 anos, noturno):
Sururu!
Vinícius (19 anos, noturno):
Esse é daqui! [risos]
É observável a forte hibridização da culinária da região nordeste do Brasil,
bem como das outras regiões brasileiras. Considero a dificuldade que os jovens
encontraram para identificar onde Alagoas se localiza na variada culinária
nordestina, um claro sinal desse hibridismo entre as culinárias dos diversos estados
brasileiros.
Outro
aspecto
importante
na
discussão
sobre
identidades
e
representações, é a questão da subjetividade. Segundo Woodward, “a subjetividade
envolve nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais”, “as dimensões mais
inconscientes do eu”. Esse aspecto é o que torna eficazes os significados
construídos pelos discursos, uma vez que, “nós vivemos nossa subjetividade em um
contexto social no qual a linguagem e a cultura dão significado à experiência que
temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade” (ibidem, p. 56). A
subjetividade pode ser tanto racional quanto irracional, e pode implicar em
contradições entre as nossas expectativas e a posição que assumimos diante dos
fatos. É nesse ponto que, mais uma vez, a representação surge como algo
intrínseco à relação entre identidade e diferença. “Quem tem o poder de representar
tem o poder de definir e determinar a identidade” (SILVA, 2005, p. 91). Assim, tornase
fundamental
questionar
os
mecanismos
que
agem nos
sistemas
de
representação que sustentam a produção da identidade e da diferença, como por
exemplo, os meios de comunicação de massa. Esta observação pode ser percebida
quando discutimos a forma como os jovens alagoanos se veem diante de outras
culturas.
60
3.5. É ser desprezado no Brasil todo
Um dos pontos significativos que observei foi a ocorrência de fatores
como a violência e a má administração sendo evocados pelos jovens como algo a
ser apresentado como parte da sua cultura. Alguns textos tinham um tom de
protesto, em relação à administração pública, à violência e à qualidade da educação
em Alagoas.
Alagoas é um estado rico em cultura, de belas praias e de belezas
exóticas, porém mal administrada por governantes mal intencionados e
com objetivos inescrupulosos. (Sílvio, 17 anos, diurno)
Que Alagoas é um estado bonito com belas praias e boa cultura. Mas
também com muita violência, mas é um estado com muitas belezas.
(Bianca, 19 anos, diurno)
Eu mandava o marciano voltar aonde ele veio. Aqui em Alagoas está sem
futuro. A cultura de Alagoas está fraca. (João, 18 anos, diurno)
Diria, meu amigo, vá lá num restaurante de culinária típica e você vai ver
o que é cultura Alagoana. Vá lá na orla e verá a beleza da cultura que é a
população de Alagoas. Agora vá em alguma periferia, e veja se há alguma
cultura. (Carla, 17 anos, diurno)
[...] Também iria mandar ele ter cuidado para não ser assaltado e levarem
sua nave. (Sandro, 19 anos, noturno)
Essa foi uma questão que procurei desenvolver nos grupos de discussão;
o fato de os jovens terem citado a violência como ponto importante a ser
apresentado, quando o foco da questão era apresentar as culturas em Alagoas. Não
podemos esquecer que os sujeitos da pesquisa residem numa área periférica em
que o índice de assaltos cresceu consideravelmente nos últimos anos, mas também
é preciso considerar – e os jovens expressaram isso – a influência das notícias
sobre Alagoas veiculadas nos programas jornalísticos de alcance nacional. Essa
observação nos remete aos pensamentos de Hall, que aponta o poder dos
significados para nos dar um sentido de quem somos e ao local ao qual
pertencemos, estes significados são produzidos e trocados em todas as interações
61
sociais e pessoais das quais fazemos parte, inclusive através da mídia.
A mídia opera através da linguagem e promove a circulação e produção
de significados. Hall adota uma abordagem discursiva para a compreensão da
representação, pois acredita que no discurso pode-se perceber não apenas como a
linguagem e a representação produzem significado, mas também, como um discurso
particular, conecta-se ao poder, regulando condutas e construindo identidades e
subjetividades, definindo a maneira como certas coisas são representadas,
pensadas e estudadas. As falas dos jovens nos grupos de discussão apontam para
a hipótese de que a construção simbólica da imagem de Alagoas é muito
influenciada pelos meios de comunicação de massa, seria necessário um estudo
mais aprofundado sobre as notícias a respeito de Alagoas, divulgadas nos meios de
comunicação de massa e os efeitos sobre a representação dos alagoanos em
relação ao seu estado, porém na presente pesquisa, não será possível
aprofundarmos esse tema.
O que é possível observar, a partir das opiniões dos jovens envolvidos
nesta pesquisa, é que se a violência e outros problemas sociais presentes no estado
de Alagoas são amplamente veiculados nos meios de comunicação de massa, por
outro lado, segundo os participantes deste estudo, os aspectos culturais do povo
alagoano não tem o mesmo espaço na mídia.
Nesse sentido Stuart Hall discute que o que exprime a nossa identidade é
o encontro do nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas
quais vivemos agora (HALL apud SILVA, 2005, p. 19). Segundo ele, há duas formas
de pensar a identidade cultural. A primeira concepção parte da perspectiva na qual
uma comunidade busca recuperar a verdade sobre seu passado na unicidade de
uma história e de uma cultura partilhadas. A segunda concepção vê a identidade
como uma questão tanto de tornar-se, quanto de ser, considerando a reconstrução
da identidade movida pela constante transformação do passado. (ibidem, p. 28)
Concordo com Hall quando diz que a identidade permanece sempre
incompleta e em processo de construção. Considerando essa constante mutação ou
incompletude, ele nos sugere pensar não em termos de “identidade como algo
acabado”, mas pensar em “identificação como um processo em andamento”.
62
Segundo ele, “a identidade surge não tanto pela plenitude da identidade que já está
dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a
partir do nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginávamos ser vistos
pelos outros” (HALL, 1997, p. 24).
Sendo assim a identidade parte sempre do
reconhecimento.
Mische (1997) também discute a identidade sob o ponto de vista do
“reconhecimento”, o qual é realizado a partir de alguns atributos, como classe,
gênero, raça, ou nacionalidade. Para ela, tais atributos indicam apenas “identidades
possíveis”, que se tornam visíveis, efetivas e relativamente “fixas” somente quando
passam pelo reconhecimento público. Esse conceito engloba a dimensão
intersubjetiva de redes sociais, a exemplo da escola, do bairro, do trabalho, cada
qual com seu repertório próprio de “reconhecimentos coletivos”.
Na busca pela definição do conceito de identidade, nos deparamos com
uma reflexão que me fez rever algumas posições. Anteriormente, eu tinha uma visão
preservacionista em relação à cultura regional. Apesar do respeito à liberdade de
escolha individual e de não ignorar a influência natural da globalização e do
pluralismo cultural da sociedade atualmente, particularmente, eu vía a cultura local
como algo a ser minimamente preservado e me preocupava muito o distanciamento
dos jovens de suas raízes culturais. Essa visão se tornou mais flexível,
compreensiva e tolerante, a medida que tomei conhecimento da concepção de
identidade como uma construção contingente, sempre influenciada pelas relações
sociais.
Tendo em mente que “a representação, compreendida como um processo
cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos
quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O
que eu poderia ser? Quem eu quero ser?”(WOODWARD in SILVA, 2005, p. 18),
iniciei os grupos de discussão nesta pesquisa com a seguinte questão: “O que é ser
alagoano?”. As respostas que obtive foram uma sucessão de expressões de
sentimentos de opressão e um misto de vergonha e orgulho em ser alagoano, como
podemos ver nos trechos abaixo:
63
Sílvio (18 anos, diurno):
Fernanda (17 anos, diurno):
Pesquisadora:
Fernanda:
É ser desprezado no Brasil todo.
É ter coragem pra falar que é alagoano.
Por que tem que ter coragem pra falar?
Porque é servir de chacota pro povo.
Mas a gente é um povo acolhedor, todo mundo que chega aqui a gente
sempre recebe muito bem, ao contrário da gente quando vai pra fora.
Eles não... assim como ele mesmo falou... tem discriminação... de certa
forma não respeitam... até mesmo os próprios alagoanos, alguns preferem
pessoas de fora do que do próprio lugar. (Adriana, 22 anos, noturno)
Tenho a hipótese de que a falta de autoconhecimento, a falta de
referências culturais, contribui para a falta da autoestima dos alagoanos, o que os
leva a se enxergarem de forma inferior em relação a outros estados que, aparentam
valorizar mais sua identidade cultural. Porém, não se pode ignorar que as
discussões teóricas atuais têm privilegiado uma visão intercultural das identidades
como afirma Canclini,
A identidade surge, na atual concepção das ciências sociais, não como uma
essência intemporal que se manifesta, mas como uma construção
imaginária que se narra. A globalização diminui a importância dos
acontecimentos fundadores e dos territórios que sustentam a ilusão de
identidades a-históricas e ensimesmadas (CANCLINI, 2005 p. 117).
Partilho de grande parte dos pensamentos construtivistas, mas, ao
observar a partir do panorama de uma cultura oprimida – onde um povo tem seus
referenciais culturais praticamente ignorados, onde a visão que esse povo percebe
de si nos meios de comunicação de massa e nas relações com outras culturas é
uma representação negativa, que contribui para um sentimento de inferioridade –
nesse caso, considero que, surge a necessidade de, em meio à fragmentação,
resgatar alguns referenciais dessa identidade cultural.
A verdade é que a gente não consegue da valor a nossa cultura. A gente
64
observa a cultura de todo mundo, né? E a gente não para pra ver o que a
gente tem aqui. Se for falar do que tem aqui o povo vai dizer “aqui tem
praia”. Sim! Só praia é? Só tem praia em Alagoas? Então todo mundo é
peixe, é? (…) Então é uma cultura que... por falta de conhecimento da
gente mesmo que é alagoano... não consegue expor pras outras pessoas
que não são daqui a cultura da gente”.(Vinícius, 19 anos, noturno)
É como na pesquisa mesmo que ela fez [referindo-se ao questionário
aplicado no início da pesquisa], eu mesma, apesar de ser alagoana, [riso]
privilegiada [riso] muito pouco sei da cultura alagoana. (Adriana, 22 anos,
noturno)
De acordo com os participantes da pesquisa, muito da visão que os
alagoanos têm deles mesmos, se deve à exposição negativa de Alagoas nos meios
de comunicação de massa, que também influencia na construção da imagem que o
restante do Brasil têm desse estado de do seu povo.
Fernanda (17 anos, diurno):
Sílvio (18 anos, diurno):
Mas
alagoano
eu
acho
mais
porque
alagoano.. tem os pioreis índices aí, aí...
Eu acho também pelo Collor. Porque o
pessoal tirou os alagoanos pelo Fernando
Collor de Mello.
Mário(16 anos, diurno):
Andréa (17 anos, diurno):
Mário (16 anos, diurno):
É! Concordo!
Principalmente depois que votou nele de
novo pra Senador.
Acabou sendo chamado de burro por todo
país.
Eles esquecem que os outros estados também têm índices, só da gente
acho que é mais claro, mais destacado, mais comentado, aí devido a isso
as pessoas desprezam um pouco, um povo excluído, enfim... (Joana, 20
anos, diurno)
Quando a gente sai pra outro lugar. Assim por mim mesmo eu não me
deixo abater. Mas, assim, fica um receio. Assim de ouvir uma coisa que eu
não queira em relação ao que ele ouviu que passou, ou uma reportagem
errada... tipo assim, então passa um certo receio (Val, 24 anos, noturno)
65
[…] não vêm pra cá pra mostrar nada de cultura não, mas quando vem
falar de violência o Profissão Repórter [programa jornalístico exibido em
rede nacional] bate em cima pra mostrar pro Brasil... aí o que é que o
povo de fora vê? A visão de Alagoas que eles têm é essa! É de droga, é da
destruição todinha! [...] Pra falar a verdade! É muito difícil eu ver!
Falando de Alagoas, falando do jovem alagoano e de Alagoas, de uma
forma, assim, boa. Mataram num sei quantos em Maceió! Pow!!! Bota na
primeira página do Jornal Nacional! [...] Então isso vai pra mente das
pessoas! Então você sai daqui pra ir pra um estado desses... é alagoano, é
bandido! É porque a visão já é essa! (Vinícius, 19 anos, noturno)
[…] As pessoas de fora, quando vêm, às vezes eles ficam amedrontadas
porque acham que Alagoas é terra de bandido, terra de maloqueiro.
(Mário, 16 anos, diurno)
Sabe-se que o processo comunicacional interfere nos modos de
relacionamento entre as pessoas. É preciso então admitir os meios de comunicação
como canais formadores que agem na constituição das identidades e como espaços
de conformação das comunidades. Concordo com o fato de que, do ponto de vista
sociológico, todas as identidades são construídas a partir de elementos históricos,
biológicos, pela influência das instituições, pela memória coletiva, pelos aparatos de
poder etc. É preciso observar por quem e para quê isso acontece, uma vez que
todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e
sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e
projetos culturais enraizados em sua estrutura social.
Segundo Hall, “quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado
global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da
mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as
identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e
tradições específicos” (HALL. 2011, p. 75)
Vários dos jovens envolvidos nesta
pesquisa afirmaram que as informações que eles recebem a respeito do estado de
Alagoas vêm dos meios de comunicação de massa e que as notícias veiculadas,
geralmente não ajudam a construir uma imagem positiva do estado onde eles vivem.
Essas informações veiculadas, apesar de verídicas, mostram apenas uma versão da
realidade do estado de Alagoas e, não se pode negar, é uma versão influenciada
66
pela tendência sensacionalista da grande mídia, numa sociedade onde as notícias
negativas atraem mais audiência; e esse, geralmente, é o objetivo final dos grandes
meios de comunicação: a audiência. Acredito que um maior acesso a informações
sobre a realidade cultural e social de Alagoas pode gerar subsídios para que os
jovens alagoanos se posicionem criticamente diante do que é exposto na grande
mídia.
Como já disse, minha intenção não é defender um posicionamento
essencialista, mas sim corroborar com a posição de Moreira & Candau para
defender “a necessidade de uma orientação multicultural, nas escolas e nos
currículos, que se assente na tensão dinâmica e complexa entre políticas da
igualdade e políticas da diferença” (SOUSA SANTOS, apud MOREIRA & CANDAU,
2003, p. 157). O multiculturalismo, em suas versões emancipatórias, baseia-se no
reconhecimento das diferenças, da pluralidade de culturas, dos diferentes sujeitos
socioculturais presentes nos variados contextos. Nesse aspecto, o conhecimento da
cultura do outro deve partir do reconhecimento da minha própria cultura.
Para os sujeitos desta pesquisa, “ser alagoano” está em relação direta
com uma complexa realidade social, na qual “ser jovem”, para alguns é um
coeficiente agravante das dificuldades, uma vez que a vivência da condição juvenil
envolve uma série de condições – ou falta delas – que independe da vontade ou da
expectativa desses sujeitos.
Tomaz Tadeu da Silva, em seu artigo “A produção social da identidade e
da diferença”, antevê que é no universo social que a identidade e a diferença são
reconhecidos e que sua definição discursiva – e linguística – está sujeita às relações
de poder. Esse viés atribuído à questão da identidade e da diferença é interessante
porque acrescenta o debate sobre os conflitos sociais e as desigualdades ao
ambiente da discussão, sem o qual, ficariam incompletas as análises dos temas. De
acordo com o autor, dividir o mundo entre “nós” e “eles” significa classificar e
também hierarquizar, uma vez que, segundo Derrida “em uma oposição binária, um
dos termos é sempre privilegiado, recebendo um valor positivo, enquanto o outro
recebe uma carga negativa”. (SILVA, 2005, p. 83) Porém a identidade oprimida ou
minoritária é parte constitutiva da identidade hegemônica, uma depende da outra
67
para existir.
O autor menciona que o processo de produção da identidade oscila entre
dois movimentos: o de fixação/estabilização e o de subversão/desestabilização.
Assim como a linguagem, a identidade está sempre mudando; sua fixação é uma
tendência e ao mesmo tempo, uma impossibilidade. Para Silva, a produção da
diferença
e
da
identidade
pode
ser
explicada
através
do
conceito
de
performatividade, formulado por J.A. Austin e desenvolvido por Judith Butler. Nesse
conceito a identidade tem sua ênfase no “tornar-se” e não naquilo que “é”. Ela trata
das proposições que não somente descrevem uma situação, mas sim as
proposições que fazem com que coisas aconteçam. O poder das proposições
performativas encontra-se no fato de que a sua repetição, pode ocasionar uma
assimilação, ou uma reprodução do que ela exprime. Como no exemplo dado pelo
autor: “João é pouco inteligente”. Dita isoladamente, essa frase pode produzir pouco
efeito, mas, quando enunciada repetidamente ela pode produzir um “fato”, mesmo
que não seja totalmente verdade. É nesse aspecto que pode-se analisar a produção
da identidade como uma questão de performatividade.(SILVA, 2005, p. 91)
O autor aponta para um processo pedagógico que supere a mera
convivência com a diferença. Para ele “não poderemos abordar o multiculturalismo
em educação simplesmente como uma questão de tolerância e respeito para com a
diversidade cultural” (ibidem, p. 96), mas que devemos ver a identidade como um
processo de “produção social”, como um processo que envolve relações de poder.
Segundo ele, há quatro estratégias pedagógicas possíveis: a “liberal”, a
“terapêutica”, a “superficial” e a “estratégia da identidade e da diferença”.
A estratégia pedagógica “liberal”, consiste em cultivar certa “tolerância”
com a diversidade cultural, com o pressuposto de que a “natureza” humana tem
várias formas legítimas de expressões culturais e que todas devem ser respeitadas
ou toleradas. Essa tolerância pode variar de paternalismo (superior) à uma
“sofisticação cosmopolita de convivência para a qual nada que é humano lhe é
'estranho'” (ibidem, p. 98). O problema dessa estratégia está no risco de se
produzirem “novas dicotomias, como a do dominante tolerante e do dominado
tolerado ou a da identidade hegemônica mas benevolente e da identidade
68
subalterna mas 'respeitada'” (ibidem).
A estratégia “terapêutica”, aceita as
diferenças mas atribui a rejeição do outro a distúrbios psicológicos, a sentimentos de
discriminação que devem ser “tratados” para que mudem suas atitudes. A terceira
estratégia pedagógica, que segundo o autor pode ser a mais comumente adotada,
consiste em “apresentar aos estudantes uma visão superficial e distante das
diferentes culturas”. Ela não questiona as relações de poder e ainda as reforça, pois
constrói o outro através das categorias de exoticismo e curiosidade. Por fim, o autor
argumenta a favor de uma pedagogia da identidade e da diferença, cuja estratégia é
lidar com identidade e a diferença como questões de política. Centrada na
identidade e na diferença como produção, buscando explicações para a forma como
ela é ativamente produzida e mostrando como a diversidade cultural não é a origem,
mas o fim, e que sua produção deve ser questionada, desestabilizada.
Por fim, o autor defende uma “diferença do múltiplo e não do diverso”,
onde a alteridade precisa ser plenamente respeitada.
A diversidade é estática, é um estado estéril. A multiplicidade é ativa, é um
fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças –
diferenças que são irredutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao
existente. A multiplicidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A
diversidade é um dado – da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um
movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade estimula a
diferença que se recusa a fundir com o idêntico. (SILVA, 2005, p. 100-101)
A negação da identidade como um dado a priori; como um destino do qual
sejamos vítima, é inaceitável. Enquanto construção social que se dá num jogo de
relações que envolvem inclusões e exclusões, poder e força, a ação didática teria
efeito mais positivo porque colaboraria para o desvendamento do processo de
produção da identidade, o que possibilitaria aos grupos a percepção política da
identidade com, consequentes, negações e aceitações conforme a conveniência do
grupo.
Percebo então a identidade como algo intrinsecamente relacional. A
identidade não é puramente uma questão de escolha, de como um indivíduo deseja
se reconhecer diante da sociedade, nem advém unicamente de suas raízes
ancestrais, ela parte da diferenciação, da alteridade, e é fruto das interações entre
os grupos, se construindo e reconstruindo, constantemente, diante das trocas
69
sociais e produzindo efeitos sociais reais. Cada indivíduo integra a pluralidade das
referências que estão ligadas à sua história e sua identidade parte da consciência
que se remete ao grupo cultural do qual ele faz referência nas diferentes situações
relacionais.
Como no caso do jovem que compõe RAP, participante desta pesquisa,
sua atuação no movimento cultural do qual faz parte o confere uma segurança e
uma consciência de sua identidade juvenil que se sobrepõe à experiência escolar,
diferente da maioria dos sujeitos desta pesquisa, que afirmam que sua rotina se
restringe à escola e ao trabalho. Arnaldo, busca no RAP as respostas que a escola
não dá. Nos debates realizados pelo movimento hip-hop ele encontra o espaço para
questionar e se expressar. Considero a abertura do ambiente escolar às produções
culturais juvenis um ponto fundamental para a concretização do diálogo e o
fortalecimento dos laços emocionais entre os jovens e a escola. É preciso enxergar
as diversas produções culturais como formas de expressão de uma identidade
jovem de Alagoas, que se contrapõe à imposição da figura do jovem como parte de
uma paisagem bonita, sem voz e sem vez.
Como já foi visto, as representações dos jovens sobre suas próprias
culturas são permeadas pelas suas experiências pessoais e forjadas pela
informação de massa. Uma das observações mais importantes que pude extrair
dessa parte da pesquisa foi que a discussão sobre as culturas juvenis e as culturas
em Alagoas pode e precisa ser realizada com mais frequência no ambiente escolar;
e os jovens apreciam a discussão sobre o tema, principalmente porque fala deles
mesmos, possibilitando uma maior reflexão sobre sua realidade, o que nem sempre
é possível diante dos conteúdos escolares impostos pelo currículo. Essa discussão
possibilita uma maior compreensão do “eu” e do “outro”, com base na reflexão sobre
os símbolos que, como vimos, dão significado a experiência humana. Por outro lado,
identifico também que, se trabalhar com as referências culturais implica
compreender as construções identitárias como questão política, valorizar aspectos
da cultura “alagoana” também implica valorizar os modos de expressões dos jovens
alagoanos, propiciar espaços para as culturas juvenis, e não apenas as
representações dominantes do que seria a cultura legítima.
70
Na próxima parte deste trabalho busco nos conceitos de culturas juvenis a
compreensão dos significados que os jovens dão às suas atitudes. Observando as
realidades presentes nas vidas desses jovens alunos, buscando evidenciar os
aspectos importantes das suas diversas condições juvenis. Observo a relação entre
cultura e juventude com ênfase no modo como os jovens vivem essa juventude,
refletindo sobre a construção das identidades juvenis e os indícios apreendidos
sobre como a escola se relaciona com essas identidades e com as referências
culturais de Alagoas e dos jovens.
4. O QUE ME FAZ JOVEM AINDA TAMBÉM É: 3º ANO; TERMINAR O ENSINO
MÉDIO; AINDA NÃO TENHO EMPREGO...
71
As políticas oficiais para o Ensino Médio no Brasil possuem uma história
permeada de leis, decretos, projetos, programas e ações. Algumas mais assertivas
outras que não saem do papel, mas todas extremamente influenciadas pela
transitoriedade dos governos e pelo contexto histórico no qual ocorrem as
transformações capitalistas em âmbito mundial e nacional. Não se pretende aqui
discorrer sobre as políticas públicas para o Ensino Médio, o que é um campo muito
complexo. Apenas pretendo dialogar com alguns documentos oficiais que norteiam
na atualidade as diretrizes curriculares o ensino médio e relacionar com a questão
de valorização dos aspectos culturais alagoanos na escola média.
A Lei de Diretrizes e Bases – LDB de 1996 teve grande importância, uma
vez que a partir dela o ensino médio passou a ser a última etapa da escolarização
obrigatória. Em 1998, foram instituídas as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, que norteariam os princípios, fundamentos e procedimentos a
serem observados na organização pedagógica e curricular das unidades escolares
integrante dos diversos sistemas de ensino. Visando vincular a educação com o
mundo do trabalho e a prática social, as Diretrizes buscam fundamentar a
preparação para o exercício da cidadania e a preparação básica para o trabalho.
Em seguida, os Parâmetros Curriculares Nacionais, surgem também com o objetivo
de consolidar um currículo que contemple os diversos saberes: científicos, sociais e
aqueles incluídos no mundo do trabalho. Atualmente está em vigor a Resolução
n.º02, da
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
homologada em 30 de janeiro de 2012, que atualizou as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, incluindo, entre outros itens a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, no âmbito de todo o currículo
escolar.
Alguns questionamentos se colocam: será que o Ensino Médio
proporciona ao sujeito aprendiz uma relação efetiva entre o seu desejo de
aprendizagem/potencialidades e a efetividade da apreensão deste saber? Esta fase
do ensino tem uma identidade voltada para a construção do ser humano, enquanto
capaz de apreender o real? Afinal, o que é o Ensino Médio? Qual sua finalidade?
72
Preparar para o mercado, cidadania, prova de ingresso na graduação? Percebe-se
que essas questões sobre a finalidade do Ensino Médio são históricas, e que esta
etapa dos estudos é um momento de forte contradição entre o que se deseja do
sujeito estudante e o que ele realmente almeja.
O
sistema
educacional
legitimado
pelo
modelo
sociocultural
da
modernidade aponta a escola como dispositivo social privilegiado para transformar
os indivíduos em cidadãos. De acordo com Moreira e Candau,
a escola é uma instituição construída historicamente no contexto da
modernidade, considerada como mediação privilegiada para desenvolver
uma função social fundamental: transmitir cultura, oferecer às novas
gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade
(MOREIRA & CANDAU, 2003, p.23).
Pode-se dizer que a educação escolar encontra-se num ponto crucial do
seu desenvolvimento. As discussões tratam da universalização do ensino enquanto
esse processo é permeado por uma fragilização da sua hegemonia enquanto
instância de formação. A negação ou a negligência da diversidade cultural presente
no ambiente escolar causa conflito nas relações entre a escola e as diversas
culturas cada vez mais latentes e contestadoras de seu espaço, fortalecendo o
distanciamento e a falta de diálogo, em especial com o jovem, devido à sua forte
necessidade de autoidentificação.
Para Sacristán (2005), a sociedade influencia e de certo modo pretende
condicionar os indivíduos numa determinada nova forma de viver, e por isso, as
práticas pedagógicas, geralmente são pautadas em currículos homogêneos que
buscam contemplar as necessidades de todos sem diferenciação, sem olhar para
cada um em sua individualidade. Para o autor, a escola nasceu e até hoje mantêm
em suas raízes a função de normalizar os corpos na sociedade, ou seja, tem a
função de manter a sociedade como ela se encontra, ou ajudar a modificá-la quando
ela requerer essa atitude.
O autor contrapõe-se a essa postura e defende que os espaços escolares
devem ser voltados ao aluno como um sujeito sociocultural.
Se considerarmos que a educação deve continuar a propor modelos de ser
73
humano e de sociedade, sem se limitar a adaptar-se às exigências do
momento (o que não significa desconsiderá-las), não podemos ficar à espera
do que nos peça o exterior e do que o mercado reclama. Devemos antes
defender uma determinada atitude comprometida com um projeto
democraticamente elaborado que sirva um modelo flexível de individuo e de
sociedade. (SACRISTÁN, 2005, p.37)
De acordo com as ideias de Sacristán, os sujeitos que participam dos
diversos cenários da vida são construídos através da educação, sendo o aluno uma
construção social inventada pelos adultos ao longo da experiência histórica – porque
são os adultos quem têm o poder de organizar a vida dos não-adultos.
Segundo o autor, é natural ser aluno e vê-lo em nossa experiência
cotidiana; sendo considerado como papel dessas pessoas frequentarem instituições
escolares diariamente. A sociedade, também considera normal a escolaridade das
crianças e jovens, porém, se esquece que inventamos um paradigma para englobar
na figura do aluno, a criança, o menor, a infância. Na verdade, são atribuições que
fazemos aos sujeitos nessas condições permitindo que essa categoria, aluno,
propicie e “obrigue” os sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada
maneira.
Concordo com o autor na afirmação de que talvez a escola seja o menos
favorito, espaço de vivências dos menores, pois geralmente “a dependência dos
menores em relação aos adultos gerada no ambiente familiar se reconstrói nos
espaços e nos tempos escolares” (SACRISTÁN, 2005, p. 58). Apesar de ser inegável
a importância afetiva da escola na vida dos participantes desta pesquisa, acredito
que as rotinas e conteúdos impostos pela escola causam distanciamento e
dificuldades no decorrer da experiência escolar.
Como afirma Sacristán, “'estudar para algo' é uma formulação que cada
vez mais tem menos valor de antecipação e é menos atrativo, porque sua realização
futura é cada vez menos segura”(ibidem, p. 55). Além disso, a emancipação dos
menores em relação aos adultos tem se tornado cada vez mais complicada e difícil,
o que se reflete na vida escolar, o que se reforça no caso de jovens que pertencem
às classes sociais menos favorecidas, causando o desinteresse e até mesmo a
aversão à escola.
Essas novas condições obrigam a repensar os ambientes escolares não só
como propedêuticos para o futuro ou substitutos da família mas como
74
lugares fundamentais e não hostis para a vida pessoal e social dos menores
e dos jovens; ou estes se verão impelidos a buscar outros espaços de
expressão. (ibidem, 2005, p.14)
Ao contrário, a escola, poderia ser um local onde as experiências ali
vividas fizessem parte do projeto de vida dos jovens que passam por ela. Fazendo
uma analogia com a comunicação – educar é antes de tudo comunicar – a escola
não pode perder de vista a natureza do seu público. Para isso, é fundamental
conhecer quem é esse indivíduo jovem. Que juventudes estão adentrando as
escolas? Quem são? De onde vem? Para onde pretendem ir esses sujeitos
socioculturais?
Nesta parte, pretendo tratar dos conceitos de juventudes, condição juvenil
e culturas juvenis, buscando analisar as representações dos sujeitos pesquisados
sobre a sua experiência como jovens e como alunos. Procuro fazer uma reflexão
sobre a tendência homogenizadora do ambiente escolar, enfatizando a importância
da busca por espaços para a multiculturalidade. Também explano alguns trechos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – e dos Protótipos Curriculares do
Ensino Médio e Ensino Médio Integrado, elaborados pela UNESCO (2011).
Ressalto que meu objetivo não é me aprofundar nas lógicas da cultura
escolar, mas somente expor as representações dos jovens e refletir, com base nos
documentos e autores estudados, sobre as questões apresentadas. Seria
necessário uma continuidade desta pesquisa ou um novo estudo para tratar melhor
dessas questões.
4.1. Ser jovem é complicado
Ao tratarmos do conceito de juventude, é preciso manter em vista o
pluralismo inerente a esse termo, uma vez que os jovens, individualmente ou
inseridos nos grupos juvenis, têm vivências diferentes, em condições também
diferenciadas. Assim como as identidades, a cultura também precisa ser pensada no
plural, a exemplo do conceito de juventude. (NOVAES apud OLIVEIRA et allli, 2006,
75
p.62).
O conceito de juventude varia de acordo com a área do conhecimento que
se debruça sobre esse tema. No âmbito das ciências jurídicas, a faixa etária delimita
a diferença entre criança, jovem e adulto; já para a Psicologia e a Biologia há outros
critérios de delimitação.
Segundo Feixa (1999, p.16), a juventude geralmente é entendida como a
fase da vida individual compreendida entre a puberdade fisiológica (uma condição
“natural”) e o reconhecimento do status adulto (uma condição “cultural”), a juventude
tem sido vista como uma condição universal, uma fase do desenvolvimento humano
que se encontra em todas as sociedades e momentos históricos. Ainda segundo
esse autor, em uma perspectiva antropológica, a juventude como condição universal
dever ser questionada, uma vez que se trata de uma “construção cultural” no tempo
e no espaço. Para ele, cada sociedade organiza a passagem da infância para a vida
adulta embora as formas e conteúdos dessa passagem são enormemente variáveis
(FEIXA, 1999, p.18)
Helena W. Abramo aponta o termo “condição juvenil” ao tratar deste tema.
Segundo ela, há duas dimensões presentes nessa condição:
a juventude refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui
significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão
histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal
condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças
sociais – classe, gênero, etnia etc. Na análise, permite - se levar em conta
tanto a dimensão simbólica quanto os aspectos fáticos, materiais, históricos
e políticos, nos quais a produção social da juventude se desenvolve
(ABRAMO, apud DAYRELL, 2007).
Segundo a autora, as políticas públicas deveriam considerar não somente
a dimensão da juventude como fase de formação do indivíduo, mas também, no
sentido de “possibilidade de vivência e experimentação diferenciada” (ABRAMO,
2005, p. 69), aquela que se refere à experimentação e à participação nos diversos
campos da vida – sexualidade, educação, direitos e deveres.
Para Pais, é cada vez mais difícil a definição de uma idade a partir da qual
um jovem se reconhece como adulto, para ele “a juventude aparece cada vez menos
associada a uma categoria de idade, e cada vez mais a um conjunto diversificado de
76
modos de vida” (PAIS, 2003, p.378). Portanto, é importante considerar as
juventudes, tendo como referência seus modos de vida, suas expressividades.
Porém, mesmo considerando a complexidade do conceito, para fins de
delimitação do universo na aplicação da minha pesquisa, tomei por base a faixa
etária de 15 a 29 anos de idade, posposta nos textos do Estatuto da Juventude, em
fase de aprovação no Congresso Nacional. Essa delimitação etária foi necessária,
uma vez que apliquei a pesquisa também em turmas de Educação de Jovens e
Adultos (EJA), onde havia alunos com, mais de 50 anos de idade.
Ao pesquisar o que havia, no âmbito da legislação voltada à juventude,
que me ajudasse a delimitar a idade dos sujeitos deste estudo. Para minha surpresa,
obtive a informação de que somente no ano de 2010 a categoria “jovem” foi incluída
na Constituição Federal Brasileira, através da emenda n.º 65 – também conhecida
como PEC da Juventude – que alterou o capítulo VI do Título VIII da Constituição,
para incluir, ali a juventude, ao lado das já existentes categorias da família, da
criança, do adolescente e do idoso. Somente a partir dessa alteração, a juventude
passou a constituir uma categoria constitucional específica. Até a referida emenda, a
Constituição Federal somente fazia referência à juventude em dois trechos: 1º. no
Art. 24, inciso XV, que se limita a prever a competência concorrente da União, dos
Estados e do Distrito Federal para legislar sobre proteção à infância “e à juventude”;
e 2º. no 4° parágrafo do inciso XII, Art. 60, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (norma inserida pela emenda constitucional n° 53/2006), que faz
referência a aporte de recursos para a educação de “jovens e adultos”.
A emenda n.° 65 incluiu, nos parágrafos do Art. 227, referências à
juventude, onde antes somente havia referências a crianças e adolescentes.
Destaque-se, em especial, a obrigatoriedade de adoção, pelo Estado, de políticas
públicas: a) de assistência integral à saúde do jovem; b) de integração social do
jovem portador de deficiência; c) de garantia do acesso do trabalhador jovem à
escola; d) de prevenção e atendimento especializado ao jovem dependente de
entorpecentes e drogas afins. Além disso, a emenda impôs a elaboração de um
estatuto dos jovens, à semelhança do estatuto que já existia para regular as
especificidades e direitos de crianças e adolescentes, e a elaboração de um plano
77
nacional de juventude, de duração decenal.
A Constituição já possuía o capítulo VI do Título VIII, para cuidar da
família, da criança, do adolescente e do idoso, embora não definisse com maior
precisão, para fins da proteção jurídica especial, quem se enquadraria nessas
categorias. Por isso o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso
fixam, por lei, a faixa etária na qual se enquadram os segmentos os quais
contemplam. Essa determinação foi feita com uso de critérios razoáveis que levaram
em conta estudos científicos da ONU (Organização das Nações Unidas). Assim,
criança é “a pessoa até doze anos de idade incompletos” (Art. 2° do ECA – Lei n°
8.609/1990); adolescente é a pessoa “entre doze e dezoito anos de idade” (Art. 2°
do ECA); alguns dispositivos do ECA aplicam-se excepcionalmente às pessoas entre
18 e 21 anos de idade (parágrafo único do Art. 2°); idoso é a pessoa com idade igual
ou superior a 60 (sessenta) anos de idade (Art. 1° do Estatuto do Idoso – Lei n°
10.741/2003).
No Estatuto da Juventude , que já foi elaborado e atualmente está em
14
fase de aprovação no Congresso Nacional, define com maior precisão os marcos da
juventude, para os fins da proteção legal específica. Nele utiliza-se a idade de 15 a
29 anos para jovens. Para esta pesquisa, adotei essa classificação, que foi definida
anteriormente pela UNESCO e tem sido utilizada em todos os estudos atualmente.
Apesar de considerar o conceito de juventude como uma construção
histórico-social e de que há juventudes e não juventude. Precisei adotar esse recorte
de faixa etária para fins de delimitação dos participantes da pesquisa, em razão de
estar realizando pesquisa em uma escola de ensino médio, também com turmas da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), compostas por alunos de variadas faixas
etárias.
4.2. Cada um tem a sua própria cultura
14 O Estatuto da Juventude foi aprovado pela Lei 12.852, de 5 de agosto de 2013, após a defesa
desta Dissertação. O estatuto manteve, em seu Artigo 1º, § 1º, a faixa etária de 15 a 29 anos, já
utilizada anteriormente pela UNESCO, para classificação da pessoa jovem.
78
“Mito”. Essa é a palavra utilizada por José Machado Pais (2003), quando,
no primeiro capítulo de seu livro “Culturas Juvenis” questiona problematização
sociológica da juventude. O autor discute sobre a necessidade de refletirmos sobre
os problemas ditos como específicos dos jovens – citando alguns: os problemas de
inserção profissional, de falta de participação social, os problemas de drogas, de
delinquência, os problemas com a escola, com os pais – e até que ponto os jovens
sentem estes como seus problemas. Pais afirma que, “a juventude é um mito ou
quase mito que os próprios media ajudam a difundir” (2003, p.34) e “como qualquer
mito, uma construção social que existe mais como representação do que como
realidade”. Porém, antes de assumir o que Pais chama de “desafio” que é a
“desconstrução (desmistificação) sociológica de alguns aspectos da construção
social (ideológica) da juventude, que em forma de mito, nos é dada como uma
entidade homogênea” (2003, p. 36), faz-se necessário adentrar, ao menos um pouco
na construção da noção de culturas juvenis.
Segundo Pais, as correntes teóricas da sociologia da juventude dividemse em dois principais enfoques: a corrente geracional e a corrente classista. A
corrente geracional, define as chamadas culturas juvenis a partir do seu critério
etário, ou seja, em relação à “geração adulta”. “A questão essencial a discutir no
âmbito desta corrente diz respeito à continuidade/descontinuidade dos valores
intergeracionais” (PAIS, 2003, p.48). A corrente classista enfatiza a origem social dos
grupos juvenis, tendo, portanto, um enfoque nas diferentes classes sociais em que
os grupos juvenis se inserem.
Com efeito, enquanto para a corrente geracional a reprodução se restringe
à análise das relações intergeracionais, isto é, à análise da conservação ou
sedimentação (ou não) das formas e conteúdos das relações sociais entre
gerações, para a corrente classista, a reprodução social é
fundamentalmente vista em termos de reprodução de gênero, de raça,
enfim de classes sociais” (PAIS, 2003, p.55-56)
A corrente classista seria crítica em relação a qualquer conceito de
juventude, pois, mesmo quando entendida como categoria, a noção de juventude
teria sempre as relações de classe como elemento dominante. Deste ponto de vista,
as culturas juvenis apresentariam sempre um significado político.
Em ambas as abordagens, geracional e classista, o conceito de cultura
79
juvenil é visto em função de sua relação com uma cultura dominante. Pode-se
afirmar que, pela corrente geracional, responderiam determinados trabalhos de
caráter mais funcionalista que tenderiam a ver as culturas juvenis definidas por
oposição à cultura dominante das gerações mais velhas, enquanto na corrente
classista as culturas juvenis seriam vistas como em contraposição a uma cultura de
classe dominante. Por esse motivo, nestes dois modos de se discutir as culturas
juvenis, aparece a noção de subcultura, definida como uma cultura que seria
subordinada a uma cultura dominante, em acordo ou em desacordo com ela.
Pais optou por não adotar especificamente uma das duas correntes
teóricas como pressuposto principal em sua análise sobre a juventude portuguesa.
Ele afirma procurar se valer da realidade revelada através das diferentes
manifestações culturais dos jovens para, então, definir quais perspectivas que
podem orientar a configuração das culturas juvenis pesquisadas, adotando um
discurso ambivalente.
Em vez de teimosamente me agarrar a uma, e uma só, destas correntes
teóricas, o exercício a que me proponho é o de olhar as culturas juvenis a
partir de diferentes ângulos de observação, de tal forma que umas vezes
elas aparecerão como culturas de geração, outras como culturas de classe,
outras vezes, ainda, como culturas de sexo, de rua, etc. (PAIS, 2003, p.109)
Concordo com o autor na opção por essa postura, uma vez que ao tratar
das juventudes há sempre diversos ângulos a se analisar, usando as palavras do
autor: “por um lado... por outro lado..”(PAIS, 2003, p.109). Essa observação pude
comprovar nas análises das entrevistas realizadas nesta pesquisa.
Após refletir cuidadosamente sobre cada aspecto das correntes teóricas
da sociologia da juventude – a geracional e a classista – Pais arrisca “delimitar” um
conceito de cultura juvenil, como sendo “o sistema de valores socialmente atribuídos
à juventude (tomada como conjunto referido a uma fase de vida), isto é, valores a
que aderirão jovens de diferentes meios e condições sociais” (PAIS, 2003, p.69),
sendo que esses valores podem ser “mais ou menos prevalecentes e diferentemente
vividos segundo os meios sociais e as trajetórias de classe em que os jovens se
inserem” (ibidem). Segundo ele, as culturas juvenis são vistas tanto pela corrente
classista quanto pela corrente geracional como “processos de internalização de
80
normas, como processos de socialização”, porém, mesmo sem perder de vista esse
preceito, o autor defende que uma “utilização mais dinâmica do conceito de cultura
juvenil, explorando também seu sentido antropológico, aquele que faz apelo para
modos de vida específicos e práticas quotidianas que expressam significados e
valores não apenas ao nível das instituições mas também ao nível da própria vida
quotidiana”(ibidem)
O autor afirma que se queremos decifrar os enigmas dos paradoxos da
juventude é preciso refletir sobre os significados compartilhados fazendo três
questionamentos: “1. Se os jovens compartilham os mesmos significados; 2. Se, no
caso de compartilharem os mesmos significados, o fazem de forma semelhante; 3. A
razão por que compartilham ou não, de forma semelhante ou distinta, determinados
significados” (PAIS, 2003, p. 70) São essas variações de compatibilidade de valores
e símbolos que dão origem às variedades de juventudes, exigindo do pesquisador a
sensibilidade e o critério para observar nas falas de cada jovem as nuances que os
diferencia e impossibilita que os vejamos como a categoria única e homogênea.
Somente observando o que Pais chama de “contextos vivenciais
quotidianos” podemos compreender os sentimentos de pertencimento que os jovens
possuem e compartilham, como eles representam seus símbolos e seus valores.
Para o autor,
É impossível compreender as culturas juvenis sem entender o significado
que, correntemente, os jovens dão às suas ações, às suas atividades
quotidianas. Ao fornecer aproximações à realidade social que revelam a
forma como esta é socialmente construída, a perspectiva do quotidiano
deve tomar por base de incidência os contextos vivenciais dos indivíduos,
que por sua vez, devem iluminar ou informam os contextos sociológicos
(analíticos, interpretativos, explicativos) usados pela teoria. (PAIS, 2003, p.
76)
Esses símbolos podem ser as expressões utilizadas por esses jovens,
seus modos de vestir, seus gestos e tudo o que de alguma forma produz significado.
Porém, Pais chama a atenção para a necessidade de distinção entre universos
simbólicos dos referentes simbólicos. Segundo ele, os universos simbólicos são as
orientações que os jovens usam para nortear suas ações; podem ser definidos como
“princípios cognitivos, tácitos ou explícitos, que os indivíduos utilizam no seu dia a
81
dia e que dão sentido à sua vida quotidiana”. Já os referentes simbólicos são
captados pela sociologia como instrumentes interpretativos ou explicativos; são
também princípios cognitivos, porém de um nível diferente, pois também dão um
sentido às interpretações que produzem sobre a realidade - seja esse sentido
antropológico ou sociológico.
Os significados dos símbolos são perpassados pela compreensão do uso
que os indivíduos fazem desses símbolos. São esses significados que criam todo o
significado cultural.
Entre as respostas dos questionários, me chamou a atenção a
preocupação de um dos jovens, não com o que iria apresentar ao marciano da
questão, mas o que o marciano apresentaria a ele.
Faria a maior questão de estar com ele pra cima e pra baixo, pois me
sinto bem com “algumas” coisas diferentes. Iria depender também do
jeito de agir dele né? Gosto de pessoas que me façam bem, sendo assim
não teria nada contra ele! (Márcio, 16 anos, diurno)
Nas entrelinhas pode-se observar que a questão da troca de culturas está
presente, mesmo que talvez de forma inconsciente. O jovem não se preocupou em
apresentar elementos específicos das culturas em Alagoas, mas sua atenção foi
centralizada no relacionamento, na sociabilidade, o que confirma o que já foi dito por
Dayrell: “aliada às expressões culturais, uma outra dimensão da condição juvenil é a
sociabilidade” (DAYRELL, 2007, p.1110). A preocupação desse jovem foi saber
primeiro “quem é” o marciano. A apresentação da sua própria cultura ficou em
segundo plano.
De acordo com Juarez Dayrell, “o mundo da cultura aparece como um
espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os
jovens buscam demarcar uma identidade juvenil (DAYRELL, 2007, p. 1110.). Nesse
aspecto, a sociabilidade aparece aliada às expressões culturais como dimensões da
condição juvenil. “Estes experimentam suas situações e relações produtivas como
necessidades, interesses e antagonismos e elaboram essa experiência em sua
consciência e cultural, agindo conforme a situação determinada.” (DAYRELL, 1996,
p. 140). Para este autor, para compreender os jovens é preciso levar em conta a
82
dimensão da ‘experiência vivida’, que permite aprender a história como fruto da ação
dos sujeitos.
Sem perder de vista essa observação, e diante da infinidade de
questionamentos que o tema “juventudes” pode gerar, meu principal interesse nesse
estudo é observar qual a relação da escola com as identidades culturais dos jovens
estudantes? Qual participação a escola tem na construção da identidade desses
jovens como alagoanos? É papel da escola contribuir nesse processo de
identificação? Ela propicia espaços para que estes jovens se expressem,
apresentem suas produções culturais? Admito que tenho que repetir essas questões
diversas vezes durante o processo de escrita, para que eu mesma não me perca
nas divagações sobre esse estudo fascinante.
Temos duas premissas como fundamentais nesta pesquisa: a importância
das referências culturais desses jovens e o princípio de que as identidades se
formam nas relações desses jovens com os grupos sociais do qual fazem parte.
Somente dando voz a esses jovens é possível perceber como eles mesmos se
identificam dentro do contexto atual.
Todos os dias, nos meios de comunicação em geral, encontram-se
diferentes palavras que instituem sentidos para o ser jovem. É comum vermos
programas de TV, rádio ou matérias na internet onde especialistas discutem a
respeito da juventude e o comportamento jovem. Verifica-se de várias formas o
empenho em analisar, classificar este jovem e apontá-lo como o caminho, o futuro
da sociedade. Ao mesmo tempo, os jovens vêm sendo constantemente convocados
a ter atitude ou convidados a consumir produtos que os enquadram em
determinados grupos ou tribos. A expressão “ter atitude” é cada vez mais
relacionada às características desejáveis ou pertencentes ao universo jovem.
Porém, de acordo com Bernard Charlot, a nossa sociedade gosta de
juventude, mas não gosta dos jovens; ela valoriza tudo que é novo, mas não deixa
espaços para os jovens (CHARLOT, 2010). As revistas voltadas para o público
jovem proliferam e nos trazem constantemente, apelo ao consumo, não só de
mercadorias propriamente, mas também prescrições de formas de ser jovem. A
lógica é estar sempre buscando algo novo para uma satisfação que nunca será
83
atendida. Pode-se dizer que a construção das identidades juvenis está sempre sobre
forte influência das demandas do mercado.
Não se pode pensar a pessoa jovem somente como aquela que consome a
produção cultural de seu tempo. Também não se pode isolá-la, excluí-la
dessa produção cultural. É preciso ter acesso a ela, conhecê-la,
reinterpretá-la e reconstruí-la, como forma de, nessa diversidade, construir
sua identidade, perceber relações de alteridade. (MORAIS apud OLIVEIRA
et allli, 2006, p.63-64).
Nessa temática, o artigo intitulado Acesso, identidade e pertencimento:
relações entre juventude e cultura, também traz a visão de que a cultura pode ser
entendida como um processo socialmente interativo de construção, compreendendo
atividades (práticas culturais) e significados (interpretações) partilhados (MORAIS
apud OLIVEIRA et allli, 2006, p.62). As autoras enfatizam a relação entre cultura e
vida social inserindo nesse processo os grupos sociais que se organizam e explicam
suas formas de estar no mundo construindo identidades.
Observando o texto dos jovens que apresentaram características de
contestação, de autonomia e de valorização das diversidades percebe-se que eles
são apreciadores da poesia, do Rap, ou do hip-hop – isso também foi confirmado
através das falas dos mesmos nos grupos de discussão – o que me faz acreditar
que esses jovens tem consciência de que suas preferências constroem sua
identidade cultural, mesmo percebendo que essa identidade não se enquadra no
que é considerado pela maioria como “identidade alagoana”, ou com o que é
exposto na grande mídia sobre as culturas em Alagoas. Esses jovens demonstram
segurança quanto às suas preferências e sabem que isso não faz deles menos
alagoanos. No texto abaixo, a jovem utiliza trechos de um poema de Luis Fernando
Veríssimo para expressar sua consciência de que a cultura é algo construído, típico
da espécie humana, e que ela – a cultura – tanto nos torna semelhantes como
também nos diferencia uns dos outros.
Eu não poderia mostrar 'nada' porque ele teria que observar por si
próprio. Acho que cada um tem a sua própria cultura, no meu ponto de
vista. Por exemplo: 'O homem é o único animal que ri dos outros. O
homem é o único animal que passa pelo outro e finge que não vê. É o
único... que se veste... que veste os outros... que despe os outros... que faz
o que gosta escondido... que muda de cor quando se envergonha...que
pensa que é anfíbio e morre afogado... É não é o único... que compra casa,
84
mas é o único que precisa de fechadura... que compra casa, mas é o único
que passa quinze anos pagando. E não é o único que faz isso pelo valor
nutritivo (Carina, 23 anos, noturno)
Sobre essa característica, Carrano & Martins afirmam que “nos territórios
culturais juvenis delineiam-se espaços de autonomia conquistados pelos jovens e
que permitem a eles e elas transformar esses mesmos ambientes ressignificando-os
a partir de suas práticas específicas” (CARRANO & MARTINS, 2011, p. 46).
Observa-se, já a partir dos textos produzidos pelos jovens nos questionários, e mais
ainda, nas outras etapas desta pesquisa, que os jovens anseiam e tentam se
apropriar desses “espaços de autonomia”, a questão é se a escola contribui ou não
para a conquista e o exercício da autonomia desejada.
Arnaldo, que compõe RAPs voltados à evangelização e conscientização
dos jovens se realiza nas suas produções e no movimento cultural do qual faz parte.
[…] desde pequeno eu ouvia RAP. E era aquele sonho: “quero ser jogador
ou cantor de RAP”. Gosto de RAP eu! Pequeno eu queria cantar RAP no
mundo, mas Deus não deixou. Quando eu voltei pra Jesus eu vim ter os
conteúdos, passei a ler mais a Bíblia. A inspiração veio depois. (Arnaldo,
20 anos, noturno)
Segundo Arnaldo, os grupos de RAP trocam muitas informações sobre
eventos culturais, eles mesmos ligam e divulgam entre seus membros quando
acontece algum desses eventos. Numa noite, encontrei com o jovem rapper nos
15
corredores da escola e o mesmo me entregou um panfleto da 3ª Marcha da
Juventude Contra as Drogas , dizendo “Eu estava lá. Você foi?” Eu disse que não
16
soube do evento e ele disse meio indignado: “De todo o Estado, quatro escolas
estavam lá. Quatro! E as quatro couberam em um único ônibus!” Deixando clara a
quase inexistência da participação das escolas no evento. Recordei-me do que ouvi
da Diretora, quanto ao docentes da escola acreditarem que o Rip-Hop contribuipara
a ligação dos alunos com o tráfico de drogas. Arnaldo acredita no contrário. E busca
15 Como são chamados os compositores de RAP
16 Uma iniciativa de entidades estudantis e outros movimentos juvenis: DCE-UNEAL, UMESE,
Juventude Revolução, UJR, FETAG, CPT, MLST, MTL, MH2P, Blog da Sakura, Grupos de Rap –
Nova Nação, Durval Mc, Vozes Urbanas, Biografia Rap, Fantasma, Contenção Mc, Lokos Realistas,
Missão Resgate, Jov Mc, Davi 2P.
85
vivenciar sua cultura de forma marginal, resistindo a essa negação vinda da escola.
Val também possui atividades extraescola, ligadas ao movimento GLBT,
do qual faz parte.
Eu faço parte de uma ONG que é o Pró-Vida [...]. A gente atua em vários
bairros. Tem uma sede, a gente vai lá. A gente faz panfletagem com as
profissionais do sexo. Lá na sede tem oficinas, palestras, conscientização
de tudo. É mais voltado para os travestis e pra prostituição. Pra
incentivar elas saírem da rua. Tem todo um suporte, tem advogado... (Val,
24 anos, noturno).
Durante sua entrevista, Val demonstrou sentir falta do apoio dos
professores no sentido de contribuir para a disseminação de informações referentes
à cultura na qual ele se inseriu.
Acredito que fechar os olhos para realidades tão presentes nas vidas dos
jovens alunos, é negligenciar a oportunidade abordar aspectos importantes da
condição juvenil. Tratar a relação entre cultura e juventude exige perceber como os
jovens vivem essa juventude: as vulnerabilidades e potencialidades contidas em
suas condições de vida e a pluralidade de expressões culturais que emergem da
experiência dos grupos juvenis. É impossível refletir a respeito da construção das
identidades juvenis sem considerar a sua relação com a noção de “culturas juvenis”.
Essa construção identitária passa necessariamente pelas escolhas
desses jovens enquanto sujeitos socioculturais. Ao perguntar aos participantes dos
grupos de discussão o que representava para eles “ser um jovem alagoano” obtive
respostas que corresponderam aos perfis de cada grupo. As respostas do turno
diurno tenderam para questões de “escolha”, os jovens afirmaram que é necessário
se afastar de alguns grupos juvenis, para evitar determinados “modos de vida” que
possam prejudicar os objetivos em relação ao futuro.
A gente tem que se isolar um pouco às vezes. Não é nem tanto por
oportunidade, às vezes é pelas pessoas que a gente encontra lá fora. (…)
Porque se a gente for conviver junto com ele a gente vai terminar tendo
um outro modo de vida. Então a gente, eu mesma particularmente, às
vezes eu prefiro me isolar pra não ter os costumes sabe. Mesmo que você
não queira viver aquilo, mas automaticamente, né, a amizade entre aspas,
às vezes influencia os caminhos que andam juntos assim, as manias,
costumes, o estilo... muita coisa. Influencia... mesmo que você não queira,
acontece, sem que você perceba. (Joana, 20 anos, diurno)
86
(…) eu acho que ser jovem hoje é se isolar pra poder estudar pra
conseguir ser alguém no futuro. Porque se você não se isolar as
atividades normais do dia-a-dia das outras pessoas vão acabar te
atrapalhando. Ou porque elas não possuem os mesmos objetivos que você,
ou porque elas não querem nada com a vida. (Sílvio, 18 anos, diurno)
Para alguns dos participantes desta pesquisa, um ponto negativo da
“juventude” é a falta de discernimento por parte dos jovens, quanto aos exemplos
que devem seguir, ao que acrescento a falta de um reconhecimento da legitimidade
necessária para que o exemplo seja seguido pelos jovens.
Então eu acho que esse período de juventude é o período das
oportunidades, de escolhas. Eu acho que é mais de nós mesmos, de
família, de casa. Acho que tudo passa por suas escolhas. Não tem não o
lado ruim de ser jovem não. Acho que são as escolhas que fazem ser ruim
ser jovem, pra muita gente. (Vinícius, 19 anos, noturno)
O
peso
das
escolhas
feitas
e
a
responsabilidade
pelas
suas
consequências são aspectos bastante presentes nas falas de alguns jovens. Vinícius
afirma que, se pudesse mudar algo na sua trajetória de vida, mudaria a forma como
agiu ao observar outros jovens fazendo escolhas que ele considerava erradas.
Eu vi muitos amigos que estudaram comigo se perdendo e eu nunca tive a
coragem, ou me vazia de cego. Se eu pudesse fazer alguma coisa hoje, e
pensando que tem muita gente que precisa, eu aconselhava mais. Porque
eu sempre brinquei muito, mas todos os meus amigos que “andam errado”
quando eu falava sempre me ouviam, por eu ser uma pessoa certa, ter
meu trabalho, ir pra minha igreja, sabe? Os caras param pra ouvir e eu
não aproveitei essa oportunidade que eu tinha. Eu às vezes ficava, “será
que eles vão querer ouvir?” (Vinícius, 19 anos, noturno)
É possível perceber uma importante questão envolvida nessa postura
cautelosa em relação à intervenção nas situações relatadas acima: a questão do
medo de ser rejeitado pelo grupo.
Eu já convivi com muito tipo de violência... em escola... e de muito amigo
meu que fez e depois eu ficava sabendo... “olha fulana fez isso com
sicrano”, ou seja, dois amigos que eu tinha que eu não sabia se falava pra
um “olha fulana vai fazer isso com tu” e depois ficar pra cima de mim...
então às vezes eu ficava mal..., porque às vezes estava a turma e dois
87
brigavam e a turma ia toda pro lado de um e o outro ficava sozinho. Mas
eu não podia fazer isso! Então como é que eu ia puxar pro lado de um ou
de outro? Então ficava mal visto às vezes. Então já aconteceu de eu ficar
sozinho pra não me envolver, não tomar partido. (Vinícius, 19 anos,
noturno)
Observa-se que as ocasionais omissões e o afastamento intencional do
grupo de amigos, confessada pelo jovem corroboram com o que foi dito
anteriormente nos grupos de discussão: os jovens muitas vezes precisam se excluir
do grupo por pressões geradas pelas divergências de postura diante de
comportamentos considerados transgressores, prejudiciais ou indesejados. Tanto no
caso de Vinícius, como em alguns dos casos relatados anteriormente, a religiosidade
serve como um referencial para a construção identitária, balizando suas condutas
diante dos diversos grupos juvenis com os quais se relacionam ou evitam se
relacionar. Isso nos remete à discussão sobre “identidade e diferença”, da qual trata
Tomaz Tadeu da Silva e que é compartilhada por vários dos autores que lidam com
as identidades. Segundo Silva,
A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as
operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer "o que somos" significa
também dizer "o que não somos". A identidade e a diferença se traduzem,
assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence,
sobre quem está incluído e quem está excluído. (SILVA, 2005, p. 82)
Neste sentido os jovens têm a consciência de que para “não ser” é
preciso,
muitas
vezes
optar
pelo
isolamento.
Porém,
“esta
diferença,
paradoxalmente, só pode ser afirmada e vivida como tal, ao supor uma certa
igualdade, uma certa reciprocidade” (SPOSITO, 1996, p. 99). Na situação relatada
por Vinícius, o isolamento é uma estratégia de manutenção da amizade com aqueles
com os quais ele, mesmo consciente de suas diferenças, faz questão de cultivar as
relações e afirmar semelhanças.
Para uma das jovens, esse “isolamento” impede a vivência de
experiências tidas como típicas da condição juvenil. Segundo Carrano & Martins
(2011, p. 53), a falta de condições para a criação e experimentação de espaços
intersticiais traz como consequência “a impossibilidade de construção do mundo a
88
partir dos valores que a juventude considera como sendo seus.”
Eu ainda não tô conseguindo ser jovem não! [...] Assim curtir o que o
jovem tem que curtir. Eu sei que o jovem tem que ter responsabilidade,
mas acho que eu, a minha pessoa, tô tendo mais responsabilidade de
adulto do que de jovem. (…) Eu não curto muito minha juventude. Eu só
vivo mais de escola e dentro de casa. (Ana, 18 anos, diurno)
Da mesma forma, Val afirma não se sentir um jovem, uma vez que,
segundo ele, as dificuldades enfrentadas do decorrer de sua história o fizeram
amadurecer, a ponto de ele considerar que as “coisas de jovem” já não despertam
seu interesse.
Eu não me acho um jovem. Eu tenho a idade, mas não me acho um jovem.
Porque foi muita batalha, muita coisa. Minha infância foi dura demais. Eu
nunca tive uma adolescência, uma juventude boa. Hoje eu tenho que
compensar com uma festinha aqui e ali. Até meus amigos mesmo dizem
que eu penso como velho. Eu não me identifico com as brincadeiras com
as conversas... mas eu sou uma pessoa centrada, sei lidar com as pessoas..
Porque eu já passei por muita coisa... e ainda, até hoje, eu enfrento. (Val,
24 anos, noturno)
De fato, algo que me chamou a atenção quando perguntei que opções de
lazer esses jovens tinham, todos os participantes do turno diurno afirmaram que seu
lazer resumia-se à escola e à igreja, que ficavam muito em casa e usavam a
internet. Essa informação corrobora com a afirmação de Dayrell, quando ressalta a
importância da escola como espaço de trocas subjetivas, onde “no caso dos jovens
pobres, a sociabilidade ganha uma maior dimensão, à medida que a ausência de
equipamentos públicos e de lazer nos bairros desloca para a escola muitas das
expectativas de produção de relações entre os pares.” (DAYRELL, 2007, p. 1121)
Para os jovens do turno diurno, não há outras opções de espaços de socialização
para a vivência de momentos lúdicos aos quais as juventudes geralmente são
associadas. Os momentos em que essas experiências acontecem são, em geral,
vividos na escola.
A realidade desses jovens é castigada pela insegurança de um bairro
onde a violência vem crescendo, onde vários conjuntos residenciais originaram-se
de favelas, em que os barracos de lona deram lugar às casas construídas pelo
89
poder público e distribuídas às famílias que hoje lá residem. Um bairro onde os
espaços de lazer são raros e geralmente são campos de futebol sem gramado. Se
faz necessário o investimento em políticas que garantam a esses jovens o acesso a
equipamentos de cultura e de lazer; que garantam segurança para que se possa
transitar livremente em qualquer horário, “transformando o espaço público em
espaços de encontro, de estímulo e de ampliação das potencialidades humanas dos
jovens, e possibilitando, de fato, uma cidadania juvenil.” (DAYRELL, 2007, p.1125).
Sem essas condições, os jovens continuam tendo a escola como, se não o único,
um dos poucos espaços de sociabilidade juvenil possível.
4.3. Eu vejo que é muito degrau pra subir ainda
Diversos pesquisadores concordam que a escola não acompanhou o
ritmo das mudanças da sociedade, permanecendo num modelo estrutural criado no
século XIX, onde há “grupos homogêneos de alunos que progridem por classes e
onde existe sempre uma correlação entre a idade do aluno e o saber que lhe é
fornecido” (RAMOS DO Ó, 2007, p. 110). Os sistemas de avaliação e a forma como
o conteúdo é ministrado permanecem muito semelhantes aos que eram praticados
há dois séculos. Os debates acerca do tema evidenciam a necessidade de se refletir
sobre as mudanças ocorridas na sociedade e o que precisa ser feito para que a
escola corresponda melhor às exigências do aluno que transita entre dois mundos
que muitas vezes parecem totalmente separados: a escola e fora dela.
De acordo com Veiga-Neto, a escola posiciona-se como impositora da
verdade apresentada pelas ciências.
Ao assumir, em geral implicitamente, a possibilidade de uma linguagem
autosuficiente e ideal, a epistemologia monoculturalista assume,
inescapavelmente, uma postura intelectual arrogante porque única e, no
limite, de conteúdo determinável e, por isso, de cunho determinista. Nesse
caso, cabe à educação apenas dizer, àqueles que estão entrando no mundo,
o que é mesmo este mundo e como ele funciona. É evidente o tom totalitário
de qualquer pedagogia monocultural... (VEIGA-NETO, 2003, p.13)
Contrapondo-se a isso, os jovens alunos questionam. E, muitas vezes, o
questionamento é bem vindo, pois o objetivo costuma ser a reprodução, nem
90
sempre a criação. As discussões indicam que a escola poderia tomar um caminho
diferente visando uma melhor resposta às exigências da sociedade atual, e
principalmente das juventudes atuais. De acordo com Jorge Ramos do Ó (2007),
o papel do professor teria de passar a definir-se cada vez menos como
reprodutor de uma verdade estabelecida, quase sempre expressa no manual
escolar, da verdade que está no programa. Acho que o professor deveria
saber transformar-se num ator social, capaz de escutar como escuta as
necessidades dos alunos, e basear todo seu trabalho na troca dessa prática
da escrita na sala de aula. (RAMOS DO Ó, 2007, p.111)
O autor afirma que as juventudes atuais possuem peculiaridades e
valorizam diversos saberes que não são legitimados pela escola como saber válido.
É preciso que a escola perceba e valorize as culturas juvenis e reconheça como elas
atuam fortemente nas formas de ver, de compreender a realidade e de atuar no
mundo.
E não é só a questão das competências tecnológicas que esses meninos
trazem. É também o valor da construção da própria identidade. Porque esse
modelo racionalista do século XIX supõe uma idéia estável e preexistente de
sujeito. O que acontece hoje é que essas linguagens viabilizam jogos de
identidade muitíssimo complexos. A identidade pessoal é evidentemente
uma construção inacabada, e o eu um projeto marcado por múltiplas
trajetórias. (RAMOS DO Ó, 2007, p.114)
Fala-se de uma pedagogia multicultural, onde é considerada a “bagagem”
cultural dos sujeitos, fugindo da imposição da verdade, dando lugar à construção do
conhecimento partindo da realidade que cerca o indivíduo que aprende, uma vez
que
qualquer pedagogia multicultural não pode pretender dizer, aos que estão
entrando no mundo, o que é o mundo; o que no máximo ela pode fazer é
mostrar como o mundo é constituído nos jogos de poder/saber por aqueles
que falam nele e dele, e como se pode criar outras formas de estar nele.
(VEIGA-NETO, 2003, p.13)
Luis Carlos de Menezes (2001), em seu artigo, O novo público e a nova
natureza do ensino médio, traz uma reflexão sobre as mudanças pelas quais a
escola média passou no decorrer do tempo, desde a década de 50 até os dias
atuais. Para o autor é preciso compreender essas mudanças e adequar a escola
pública para acolher o público atual, que nem sempre tem consciência do que pode
91
esperar dela.
Segundo ao autor a transformações da sociedade têm atingido a
juventude brasileira de muitas formas; há uma demanda por maior escolaridade,
com uma melhor formação para o trabalho ou para a vida; os espaços sociais e de
vivência cultural são escassos, devido à falta de investimentos públicos, tornando a
escola pública, muitas vezes, a única opção de espaço para esse tipo de
experiência. As áreas de convívio vêm se resumindo aos shoppings, que por serem
concebidos com a intenção de favorecer o consumo, contribuem para a segregação
econômica dos que não podem pagar pelo seu lazer. Isso gera nos jovens um
anseio pelo ingresso no mercado de trabalho, uma vez que ter seu próprio dinheiro
possibilita uma melhor vivência da condição juvenil, inseparável das práticas
capitalistas da sociedade atual.
Sendo assim, a escola precisa estar atenta às necessidades reais dos
seus públicos: se a continuidade dos estudos ou um ingresso imediato no mercado
de trabalho. É preciso dar atenção para a realidade da maior parte dos jovens que
estão dentro da escola média, em especial, da escola pública. Menezes relata como
deve ser a nova escola média de uma forma que eu não preciso (nem consigo)
retirar nem acrescentar nenhuma palavra:
A nova escola de nível médio, que não há de ser mais um prédio com
professores agentes e com alunos pacientes, mas um projeto de realização
humana recíproca e dinâmica de alunos e professores numa relação que
deverá estar mediada não somente por conteúdos disciplinares isolados,
mas também articulados com questões reais apresentadas pela vida
comunitária, pelas circunstâncias econômicas, sociais, políticas e ambientais
de seu entorno e do mundo. Esta nova escola deverá estar atenta às
perspectivas de vida de seus partícipes, ao desenvolvimento de
competências gerais, de habilidades específicas, de preferências culturais.
Para essa escola, de práticas mais solidárias, a permanente formação de
seus professores é também a realização de um de seus fins, e não só de um
meio. Essa afirmação só será completamente compreendida a partir da
consciência da condição social dos alunos e também dos professores da
escola atual de ensino médio, para os quais, até por razões financeiras, a
leitura regular de livros e o acesso a um jornal diário não constitui regra, mas
absoluta exceção. É preciso insistir nisso, não para escandalizar ou
emocionar, mas para evidenciar alguns dos sentidos e dificuldades da
construção cultural a ser promovida. (MENEZES, 2001, p. 205-206)
Segundo Dayrell, “os alunos chegam à escola marcados pela diversidade,
reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais,
92
em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais,
prévias e paralelas à escola.”(DAYRELL, 2007, p.4) O que cada uma deles é, ao
chegar à escola, é fruto de um conjunto de experiências sociais vivenciadas em
diferentes espaços sociais.
As discussões sobre a condição juvenil e os sentidos do Ensino Médio vêm
crescendo à medida que aumenta o interesse e a necessidade de
compreensão da relação entre as demandas, as culturas e as necessidades
próprias dos jovens e suas implicações na relação destes com a
escolarização. Alguns autores apontam que a escola tem que ser repensada
para responder aos desafios que a juventude nos coloca. (DAYRELL, 2007,
p.4)
Dayrell elenca, baseado em Krawczyk (2009), oito desafios que estão
postos ao Ensino Médio no Brasil: 1. a expansão das matrículas e a obrigatoriedade
dessa etapa do ensino; 2. a identidade desse nível de ensino, a permanente tensão
do currículo entre formação geral e/ou profissional; 3. as discussões sobre o público
e o privado nas políticas educacionais brasileiras; 4. as novas tecnologias no
contexto escolar; 5. as relações professor/aluno e jovem/adulto; 6. o papel da escola
de nível médio na vida dos jovens; 7. a necessidade de estimular o envolvimento e a
participação dos jovens no cotidiano da escola; 8. desvendar os sentidos atribuídos
pelos jovens à educação.
Para este autor, o item oito especificamente, poderia apontar importantes
caminhos para a construção de um projeto político pedagógico para que as escolas
de Ensino Médio correspondessem às demandas da juventude. (KRAWCZYK, 2009,
p.5) E é sob essa visão que acredito que este trabalho pode gerar contributo, uma
vez que as falas dos jovens que participaram desta pesquisa são um reflexo também
de suas impressões e seus anseios sobre a experiência escolar.
Para Moreira & Candau, “a escola é, sem dúvida, uma instituição cultural”.
(2003, p. 159). Ela é um ambiente rico de experiências e entrelaçamentos de
culturas. Seu cotidiano é preenchido não somente de sua rotina pedagógica, mas
também das relações sociais que ali se desenvolvem e se intercalam. Se partimos
dessas afirmações, se aceitamos a íntima associação entre escola e cultura; se
vemos suas relações como intrinsecamente constitutivas do universo educacional,
cabe indagar por que hoje essa constatação parece se revestir de novidade, sendo
93
mesmo vista por vários autores como especialmente desafiadora para as práticas
educativas.(ib idem, p. 160)
Esta pesquisa foi guiada continuamente por esse triângulo, cujos vértices
dialogam intrinsecamente: educação – culturas – juventudes. E para mim, nessa
minha modesta e principiante caminhada acadêmica no universo da pesquisa em
educação, a relação entre esses três temas, e poder uni-los num mesmo objeto de
estudo, tem se apresentado como algo fascinante e que pode gerar uma infinidade
de discussões.
No âmbito dessa relação escola – cultura, Terrazas, cuja dissertação de
mestrado trata da cultura popular trabalhada no cotidiano de uma escola do
município de Pilar, interior de Alagoas, argumenta que a cultura popular e a vida
cotidiana, se referem a uma ação humana totalizadora que deve ser trabalhada na
escola, porque serve a múltiplos propósitos educativos, e sobretudo para o mais
importante, a valorização do entorno local (TERRAZAS, 2006, p. 16). Também
partindo desse princípio, Freire (1995, p.82) propõe um trabalho pedagógico que
parte do conhecimento trazido pelo educando, que é uma expressão da classe
social à qual pertence, de forma a, não anular, mas sobrepor um conhecimento a
outro. Essa relação dialógica “permite o respeito à cultura do aluno, à valorização do
conhecimento que o educando traz”(ibidem). Segundo ele, com essa pedagogia, o
conhecimento que se trabalha na escola é realmente significativo para a formação
do educando.
Sob esse prisma, as referências culturais podem ou devem ser
trabalhadas no ambiente escolar? A consciência das referências culturais, precisa
ser desenvolvida na/pela escola? Minha intenção foi ouvir a opinião dos próprios
estudantes a esse respeito, respeitando a carga cultural de cada sujeito, valorizando
o conhecimento que cada um traz. Também neste sentido Franz Boas defendia que
na medida em que cada cultura exprime um modo único de ser homem, ela tem o
direito à proteção se estiver ameaçada. (CUCHE, 1999, p. 45).
Martins e Carrano, em artigo intitulado “A escola diante das culturas
juvenis: reconhecer para dialogar”, argumentam que “a escola, em especial a de
Ensino Médio, constitui-se em instituição privilegiada de promoção de suportes para
94
que os jovens elaborem seus projetos pessoais e profissionais para a vida
adulta”(CARRANO & MARTINS, 2011, p. 44). Segundo os autores há uma via de
mão dupla entre aquilo que herdam do denominado “mundo adulto” e a capacidade
do jovem de construir seus próprios repertórios culturais. Porém, como vários
autores consultados neste estudo concordam, o processo de globalização – com
suas marcas de desigualdade de divergências de oportunidades e fragilização dos
vínculos institucionais – gera uma série de incertezas no processo de construção
identitária dos jovens.
Os autores defendem que “uma das mais importantes tarefas das
instituições, hoje, seria a de contribuir para que os jovens pudessem realizar
escolhas conscientes sobre suas trajetórias pessoais e constituir os seus próprios
acervos de valores e conhecimentos que já não mais são impostos como heranças
familiares ou institucionais.” (CARRANO & MARTINS, 2011, p. 45), porém o que se
observa é que a escola tem assumido uma posição oposta, de acordo com Sposito
“a escola conta com mecanismos de silenciamento que promovem a invisibilidade
das práticas que não se encaixam nos cotidianos escolares institucionalizados e
pouco abertos para as expressividades das culturas juvenis. Nesse contexto, o
jovem é homogeneizado na condição de aluno que necessita responder
positivamente aos padrões do “ser estudante” que a instituição almeja.” (SPOSITO
apud CARRANO & MARTINS, 2011, p. 45) Os jovens são pressionados a atender as
expectativas da escola, enquanto suas próprias expectativas pessoais nem sempre
são consideradas.
Uma forma de compreender os jovens que chegam à escola é apreendêlos como sujeitos “socioculturais”. Estes são
seres de sociabilidade e cultura, imprimindo à sua condição natural a marca
do humano. Como seres livres, ou melhor, no exercício da liberdade,
ultrapassam os comportamentos reativos a fatores internos ou externos,
fundando o novo, o inexistente, distinguindo-se dos demais seres vivos e
realizando-se como antropos (TEIXEIRA, 1996, p. 183)
Um dos entrevistados, Val, por ser travesti, já passou por diversas
experiências negativas no ambiente escolar. Segundo ele, a maior rejeição parte dos
professores. Durante a entrevista, o jovem manifesta a percepção de que há algo a
95
ser feito:
Eu faria mais projetos de conscientização. Porque eu já sofri muito
preconceito. Uma professora, umas três semanas seguidas, me chamou
pelo meu nome de registro e eu já tinha pedido pra ela me chamar pelo
meu nome social. Mas ela insistiu em me chamar pelo nome de registro na
chamada. Depois que eu dei uma cortada nela ela parou de chamar. Então
eu faria mais projetos pra ensinar os professores como trata... porque os
alunos se enturmam mais fácil. Mas os professores precisam ser mais
conscientizados. Porque é assim, todo mundo tem seus direitos só que,
como você é considerada “normal” pra sociedade você recebe seus
direitos. E eu, pra receber os meus, tenho que lutar. (Val, 24 anos,
noturno)
Trata-se de compreender os jovens estudantes na sua diferença,
enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de
valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e
hábitos que lhe são próprios (DAYRELL, 1996, p. 140). Essa outra perspectiva
implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno,
dando-lhe outro significado, uma vez que, como afirma Dayrell,
Esses jovens que chegam à escola são o resultado de um processo
educativo amplo, que ocorre no cotidiano das relações sociais, quando os
sujeitos fazem-se uns aos outros, com elementos culturais a que têm
acesso, num diálogo constante com os elementos e com as estruturas
sociais onde se inserem e as suas contradições. Os alunos podem
personificar diferentes grupos sociais, ou seja, pertencem a grupos de
indivíduos que compartilham de uma mesma definição de realidade, e
interpretam de forma peculiar os diferentes equipamentos simbólicos da
sociedade. Assim apesar da aparência de homogeneidade, expressam a
diversidade cultural: uma mesma linguagem pode expressar muitas falas.
(DAYRELL, 1996, p.142)
Considero que a percepção da identidade cultural do indivíduo jovem é
importante para que ele possa, conhecendo a suas referências, se localizar diante
da sociedade como um todo e interagir junto aos outros indivíduos, na construção
dessa sociedade.
Outro aspecto observado nos relatos das histórias de vida dos sujeitos
desta pesquisa, foi a importância das questões familiares, o que me faz acreditar
que essa relação com a família influencia todos os aspectos das trajetórias de vida
96
dos jovens.
Sempre [a mãe] me ensinou o caminho certo e quando ela se foi eu não
deixei. Tem um versículo que diz: “Ensina teu filho no caminho que ele
deve andar para quando ele cresça não se desvie dele” Isso aconteceu
comigo. Ela me ensinou quando criança e hoje, meu pai não é cristão, meus
irmãos não são... na minha família só sou eu. (Vinícius, 19 anos, noturno)
Vinícius não aprofunda, durante a pesquisa, o impacto que o falecimento
de sua mãe causou em sua vida, porém, em conversa com a coordenadora do turno
noturno obtive a informação de que a morte da mãe fez com que o mesmo
desistisse dos estudos no ano passado. Segundo o jovem, a perda fez com que ele
passasse mais tempo com o pai e apesar de toda a problemática em relação ao
alcoolismo, o jovem mantém um profundo respeito pelo mesmo, o que é reflexo da
importância que esse jovem dá às questões familiares.
Quem tem família que é alcoólatra sabe como é. Ele fala coisas que não
tem nada a ver com você... Às vezes eu quero dormir e não dá pra dormir
por causa do barulho que ele tá fazendo em casa. Às vezes eu fico meio
chateado com ele, às vezes discuto porque tenho que trabalhar, acordar
cedo e ele não tem a consciência disso. Mas assim, graças a Deus, por
tudo isso que eu passo, nunca levantei a mão pra ele, sempre respeitei ele
como pai, estando bom ou embriagado, na hora de dormir sempre dei
“bença, pai”. (Vinícius, 19 anos, noturno)
Acredito que a qualidade da relação com a família, em especial e a
questão da religiosidade contribuem para uma estrutura emocional necessária para
a superação de vários dos desafios que os jovens precisam enfrentar. A maioria dos
jovens que apresentaram posturas mais esclarecidas, mais segurança e
desenvoltura discursiva, tanto nos grupos de discussão como nas entrevistas,
mencionaram a formação religiosa como base de sua identidade. Considero que
essa base emocional – afetiva, religiosa, familiar – possibilita essa segurança
expressada nos posicionamentos desses jovens diante dos questionamentos
lançados.
Nasci no Evangelho... com 14 anos eu acho, eu me desviei, me afastei da
igreja, aí começou a destruição do Arnaldo. (Arnaldo, 20 anos, noturno)
97
Principalmente quando meu conceito de jovem coincide em unir tanto os
valores das pessoas do mundo, digamos assim, e os meus da Igreja
Católica, porque eu quero seguir a Igreja Católica, firme, pra não ser um
pé na frente e um pé atrás como muitos que tem aí, bota a Igreja a
perder. Pra mim é muito difícil por causa disso e eu sou muito criticada
por causa disso também. (Fernanda, 17 anos, diurno)
Acho que a gente não tem talvez seja aquele conhecimento, talvez seja o
convívio... e eles lá tem, digamos assim, aquela liberdade... sabe? O que
vier na cabeça eles fazem. E a gente não, a gente pensa em fazer e o que
pode... pelo menos eu ajo dessa forma. (Joana, 20 anos, diurno)
Ao ser questionado sobre o que faz dele um “jovem”, Vinícius aponta a
questão do lúdico – algo bastante presente no seu comportamento – como uma
característica da condição juvenil, para ele o “poder brincar” é algo que, de certa
forma ainda é permitido ao jovem, como se o “ser adulto” esgotasse as
possibilidades de ver o lado lúdico da vida. Outro aspecto apontado por ele é a
possibilidade de “sonhar”, no sentido de criar expectativas, de projetar o futuro,
como se o único momento para ter sonhos e objetivos fosse a juventude e ao sair
dessa “fase” o indivíduo perdesse a capacidade, ou talvez a possibilidade de criar
maiores expectativas para o futuro.
Eu acho que o que me faz ser jovem é essa minha forma de pensar ainda
nas coisas... um pensamento ainda meio de fantasia, de sonho, de plano,
de projeto ainda... porque eu acho que o jovem tem muito sonho, né?
Quando você chega em uma certa idade que você não alcança aquilo você
não sonha tanto assim. Então o que eu acho que me faz ser jovem é os
sonhos que eu tenho que pra muita gente é absurdo, mas eu acho que
quando a pessoa é jovem tem que sonhar mesmo. Tem que sonhar, tem
que projetar, tem que planejar, arquitetar as coisas... muitas delas não
vão acontecer, mas muitas vão. Então a gente tem que apostar, né? Então
eu acho que o que me faz ser jovem é essa parte assim. Eu sou muito
sonhador. Eu gosto muito de projetar, vislumbrar e dizer “eu vou ser
isso”, “eu vou chegar em tal lugar”. Talvez um dia eu não chegue! Mas eu
não vou ficar reclamando “ah, eu não sonhei nada quando era jovem” .
(Vinícius, 19 anos, noturno)
Arnaldo também menciona o que eles chama de “inexperiência” como
98
sendo uma característica da sua juventude.
A experiência de vida ainda, que eu não tenho muita. [...] eu vejo que é
muito degrau pra subir ainda... Não que eu tenha que experimentar a
vida. Eu não quero experimentar mais nada da vida. O que eu já tenho eu
tô feliz. O que me faz jovem ainda também é: 3º ano; terminar o ensino
médio; ainda não tenho emprego... me sinto um jovem... aquele jovem.. não
desmotivado, mas que ainda pensa em algumas coisas que não me deixam
ser adulto. Tenho alguns pensamentos de adulto mas me contento em ser
jovem. (Arnaldo, 20 anos, noturno)
A menção desse jovem ao fato de ser estudante, como sendo algo que
faz dele um jovem, me chama a atenção e reforça a ideia de que a experiência
escolar constitui um referencial importante para a vivência da condição juvenil.
Porém, para Vinícius, os sonhos e as expectativas “de jovem” não
representam os aspectos mais positivos da condição juvenil. Extremamente ativo e
adepto do futebol como prática esportiva, ele aponta a condição física como a
melhor parte do “ser jovem”.
Eu falo da força física mesmo, do vigor. De chegar do trabalho, já ir
jogar bola, depois tomar banho pra vir pra escola... assim gostando do que
tá fazendo, né? Se tiver alguma coisa pra fazer agora à noite eu vou,
mesmo sabendo que vou sair amanhã logo cedo pra ir trabalhar. Vai
chegar o tempo que eu não vou conseguir fazer tudo isso. (Vinícius, 19
anos, noturno)
É claro que esta é a fala de um jovem saudável e ativo, do sexo
masculino, que possui um emprego que lhe possibilita usufruir de alguns bens
culturais que lhe interessam, como ir a shows de música cristã. Um jovem que
pratica um esporte relativamente acessível, uma vez que vários terrenos
desocupados das adjacências foram transformados em campos de futebol –
precários, mas sempre utilizados – e que apesar de residir numa área considerada
insegura, devido à violência, isso não o impede de exercer uma liberdade de ir e vir,
uma vez que seu pai não interfere nas suas “saídas”. Observa-se então, que o
“vigor” ao qual o jovem se refere, além da saúde física, está atrelado a uma série de
condições que possibilitam experiências prazerosas ligadas à condição juvenil.
99
Em relação aos aspectos negativos da condição juvenil, alguns jovens
apontam a questão da “inexperiência” e das influências que levam o jovem a fazer
escolhas prejudiciais à sua vida, como, por exemplo, o envolvimento com drogas.
Eu acho que o ponto negativo dos jovens é essa coisa de se deixar levar
por outras pessoas. (Val, 24 anos, noturno)
Eu acho que um defeito que os jovens tem hoje... o que podia evitar
muitas coisas na vida dos jovens, como entrar nas drogas, como fazer
muita coisa errada, era parar um pouco pra ouvir. Ouvir o que um
professor diz, um pai diz, uma mãe diz, uma pessoa que já passou por
esse período. (Vinícius, 19 anos, noturno)
Na opinião de Vinícius, os jovens não costumam ouvir as pessoas adultas
e não buscam aprender com os conselhos e os exemplos de vida dos pais, dos
professores ou de pessoas com mais experiência, para ele, os jovens “se perdem”
por ouvirem somente os outros jovens.
A gente vê filho hoje dizendo “que nada” pra pai, pra mãe... não quer
receber conselho de ninguém, aí chega uma pessoa que é igual a ele, da
mesma idade que ele, diz “vamo fazer isso”, “tem que fazer assim”, e a
pessoa vai no embalo. Eu acho que isso tem levado muito jovem à
perdição. (Vinícius, 19 anos, noturno)
Outro entrevistado, Arnaldo, fez a mesma observação, sobre a
importância da influência dos jovens uns sobre os outros e o quanto os conselhos
dos adultos muitas vezes são ignorados.
Quando me viciei que eu tomava café-da-manhã, dava vontade. Aí eu
6h40 com o cigarro no bico indo pra escola. Aí a Diretora já me abraçava
e dizia “Menino! O cheiro do cigarro chegou antes de ti! Larga esse
cigarro!” Aí ficava brincando... Eu gazeava 9h da manhã pra ir beber, na
frente do prédio da escola, na praça, com os caras. (Arnaldo, 20 anos,
noturno)
Para Carrano & Martins (2011), determinadas atitudes por parte dos
adultos reforçam os conflitos e distanciamentos intergeracionais, o que pode
justificar o modo como os jovens reagem a essas formas de poder com certa
desconfiança e descrédito. De qualquer forma, considero significativo o fato de o
“professor” ter sido mencionado como um modelo a ser seguido, no que concerne à
100
experiência de vida e não somente à transmissão de conhecimentos com fins
conteudistas, tendo em vista que o que se observa nas escolas, de uma forma geral,
é um esvaziamento do sentido sociocultural do ambiente escolar, sentido este que
tenho buscado focalizar nesta pesquisa.
Outra possibilidade é observar determinadas características transformadas
em “problemas” específicos da juventude, para os quais seriam necessárias
algumas medidas a fim de solucioná-los. Assim, é possível observarmos
como os pais e a própria instituição escolar tendem a agir, com frequência,
de forma autoritária e repressora, para proteger os jovens. Essas “boas
intenções”, muitas vezes, não só não resolvem os problemas como tendem
a acirrá-los.(CARRANO & MARTINS, 2011, p. 53)
Porém, percebe-se que a relação professor - aluno, em geral, se
apresenta fria, distante, praticamente repulsiva, devido a um modelo pedagógico que
tende a sufocar as formas mais humanizadas de relacionamento. Sobre esse
assunto Dayrell faz uma reflexão bastante significativa:
Da forma como está posto o conhecimento escolar deixa de ser um dos
meios através dos quais os alunos podem se compreender melhor,
compreender o mundo físico e social onde se inserem […] Os professores,
na sua maioria, presos que estão a esta forma de lidar com os conteúdos,
deixam de se colocar com expressão de uma geração adulta, portadora de
um mundo de valores, regras, projetos e utopias a ser proposto aos alunos.
Deixam de contribuir no processo de formação mais amplo, como
interlocutores desses alunos, diante das suas crises, dúvidas, perplexidades
geradas pela vida cotidiana. (DAYRELL, 1996, p. 140)
Concordo com o autor quanto à necessidade de se repensar a postura
dos professores e de toda a instituição escolar no sentido de se conceder espaço a
um diálogo com os jovens estudantes, criando possibilidades de compreensão de
seus questionamentos, suas crises, suas expectativas, enfim, suas identidades. Isso
contribuiria para um reconhecimento, por parte dos jovens, da escola como um
ambiente de pertencimento, onde os jovens podem buscar não somente os
conteúdos repassados pelas matérias estudadas, mas também um suporte para
fragilidades, onde os professores seriam fonte de um conhecimento de vida e para a
vida.
4.4. A busca de ter meus direitos garantidos
101
Ao questionar os jovens sobre que mudanças fariam na escola onde
estudam para torná-la melhor, pude perceber, entre os problemas apontados, que a
relação de contraste entre as realidades dos horários da manhã e da noite se
apresenta de uma forma praticamente traumática para o jovem.
Eu já tive a oportunidade de estudar de manhã e agora estou à noite. Eu
acho que o ensino da noite é péssimo! O ensino da noite é muito fraco pra
quem pensa em fazer alguma coisa. Eu acho que eles só visam as pessoas
quererem acabar o ano. Mas tem jovem estudando que trabalha. Então eu
acho que deveria ter um esforço a mais... “Ah! Mas trabalha!” Sim, mas
tem que fazer! Tem que pegar no pé! Então eu acho que uma das coisas
que eu mudaria era forma de ensinar aqui à noite. Porque é muito fraco!
(Vinícius, 19 anos, noturno)
A visão desse jovem de 19 anos, sobre a realidade do ensino noturno,
revela a dissonância, fruto da falta de diálogo, entre as práticas pedagógicas e as
reais necessidades dos jovens inseridos no ensino médio, especialmente, os que
são alunos da EJA.
O que eu mudaria se pudesse era isso: tem jovens numa mesma turma,
que estudam a noite pelo fato de trabalharem... e pegava aquela turma
mais velha e fazia turmas diferentes. Pela faixa etária.. fazia aquela
turma de jovens pra pegar mais pressão e pegava aquela turma que tá há
muito tempo sem estudar e ensinava de uma forma diferente, porque
junto é muito difícil! A gente quer algo mais! É outro ritmo! Se eu
pudesse mudar, tô falando à noite, pegava essas pessoas mais velhas e
separava! Não por exclusão! Mas pra ensinar mais. (Vinícius, 19 anos,
noturno)
Os danos causados pela aplicação de uma visão homogeneizante na
EJA, têm destinatários certos: os jovens, que por necessitarem trabalhar, ou por
estarem fora da faixa etária prevista, são inseridos nessa categoria de ensino. Esses
jovens se depararam com uma turma composta por sujeitos de diversas idades,
vindos de realidades diversas, com trajetórias escolares diversas, como por
exemplo: sujeitos que estão há décadas fora da escola e estão retomando os
estudos aos 50 anos de idade. São realidades culturais diferentes e que poderiam
102
ser tratadas pedagogicamente de formas diferentes. Como afirma Dayrell, “parecenos que os jovens alunos, nas formas em que vivem a experiência escolar, estão
dizendo que não querem tanto ser tratados como iguais, mas, sim, reconhecidos nas
suas especificidades, o que implica serem reconhecidos como jovens, na sua
diversidade”(DAYRELL,
2007,
p.1125).
Porém,
aparentemente,
o
sistema
educacional ignora essa necessidade e insiste em tratar os alunos, especialmente
os da EJA, como uma categoria homogênea.
O contraste entre as realidades dos turnos diurno e noturno também é
percebido quando observamos a “dimensão do encontro” tratada por Dayrell (1996,
p.148), ou seja, a escola como espaço privilegiado para a sociabilidade juvenil. Ao
perguntar a um dos entrevistados se ele sentia falta do “clima” do turno diurno,
recebi uma resposta quase emocionada por parte do mesmo:
Demais! Num existe não! A conversa é outra [no turno diurno]! É jovem
como você é jovem! Eu não posso tirar brincadeira com... Pronto tem o
irmão Nelson, da sala da gente... uma pessoa que já é casada, tem seus
filhos, aquele negócio todo... eu vou ficar brincando? Qual a brincadeira
que eu vou tirar? Se você vem de manhã você vê os meninos correndo aí,
maior gritaria, a Diretora entrando nas salas mandando os meninos se
calarem... Você vê que aqui [à noite] tem um monte de sala faltando
ocupar. Se eu não estivesse trabalhando, eu não vinha pra noite! Tem
muita gente que vem pra noite por causa do ensino que é fraco, porque
quer passar. Mas eu sinto falta. Às vezes quando eu tô de folga eu venho
aqui de manhã. Pra ver o povo, pra tá... com seu grupo! Aquele negócio..
Você tá na sala tem aquele “êêêêê!!” que começa lá atrás e todo mundo
faz, o professor olha: “o que é isso?”... Aqui eu se eu puxar isso quem vai
fazer? Ninguém vai fazer! Como eu falo muito e brinco muito, sempre que
eu tirava uma “resenha” todo mundo ria! Hoje se eu falar todo mundo olha
pra mim: “Psiu! Vamo estudar!” (Vinícius, 19 anos, noturno)
Percebe-se que, além da questão do ensino, tratada anteriormente, existe
uma diferença marcante entre o ambiente escolar diurno e noturno. Eu, que no início
da pesquisa tive meu primeiro contato com a escola pesquisada no turno matutino,
me deparei com uma escola “normal”, barulhenta na hora do intervalo, com jovens
circulando pelo pátio, os grupos nas portas das salas; um quadro considerado
normal numa escola de ensino médio. Paradoxalmente, à noite, me causou forte
impressão o vazio e o silêncio da escola. Por esse motivo incluí essa questão na
103
entrevista, se para mim, enquanto pesquisadora, a diferença de ambiente causou
estranhamento, quis investigar que impressão os jovens tinham daquele silêncio e
da falta de movimento observados no turno da noite.
Sabe do que eu sinto falta? Antigamente a Diretora passava de sala em
sala dando bom dia. Hoje aparecem na sala [a coordenadora ou a
diretora] pra dar aviso. Aí vem “Amanhã não tem aula!” Com a maior
satisfação em dizer! Antes não! A Diretora vinha na porta e dizia “bom
dia!” se agente respondia fraco ela dizia “Não ouvi! Bom dia!” A gente
pensava tipo “poxa eu existo, sabe!” Se a gente tava fora da sala a
coordenadora botava a gente pra dentro... Aqui parece um cemitério!
(Arnaldo, 20 anos, noturno)
Além da diferença gritante entre as movimentações nos corredores, os
jovens apontam, frequentemente, as divergências causadas pelo choque de
gerações. O jovem descreve um aspecto da sala de aula que vai além da apreensão
de conhecimento, um aspecto que permeia o emocional, que liga sentimentalmente
o jovem à “sua” escola. Trata-se dos momentos que constituem as melhores
lembranças da experiência escolar, aquelas que todos os que passam por essa
experiência carregam para sempre; os momentos lúdicos, até mesmo de leves
transgressões, que são inerentes à juventude e que os jovens que passam a estudar
nos cursos noturnos, deixam de experimentar, uma vez que, muitas vezes, são
minoria numa sala composta por diversas faixas etárias. Neste sentido “a
invisibilidade imputada pela escola aos jovens ao traduzi-los apenas à condição de
alunos contribui para adjetivá-los negativamente sempre que expressem suas
identidades através de marcadores culturais próprios desse período da vida”
(CARRANO & MARTINS, 2011, p. 53). Os jovens passam ser, ainda mais do que
antes, considerados somente como alunos, a sua condição de jovem é ainda mais
ignorada, até mesmo censurada, nessa nova realidade.
Entre as experiências gratificantes possibilitadas pela escola, meu
entrevistado apontou as atividades realizadas enquanto, por ainda não trabalhar,
podia estudar no turno matutino. Entre essas atividades, ele destaca as boas
lembranças que tem da época em que a escola participava do Tempo Integral 17
17 O Tempo Integral faz parte do programa federal Mais Educação, relacionado à implantação da
104
Dá mais incentivo pela manhã. É mais... é que por ser jovem, por ter mais
disponibilidade, por não trabalharem, tem mais trabalho mais coisas.
Pronto, tinha o Tempo Integral, que eu achava massa, que eu fazia. Eu
vinha de manhã, saia 6h30 de casa chegava 17h, num tava nem aí! Tomava
café aqui, almoçava na escola, aí a tarde tinha as escalas de computação,
tae-kwon-do, na parte do almoço era uma resenha, tinha a banda da
escola... você se distraía! Não era só escrever! (Vinícius, 19 anos,
noturno)
Porém os entraves para a consolidação do tempo integral também não
passam despercebidos pelos jovens:
O que o Governo quer é que todos os alunos fiquem pra esse Tempo
Integral. Tem que ter duas escolas! Uma escola em cima da outra. Porque
como é que a quantidade de gente da manhã vai se juntar com a da tarde.
E sem contar que.. o governo exige que seja todas aquelas pessoas e
manda o dinheiro para comprar três violões. Pra cinquenta pessoas na
sala! Três estudam e o resto fica esperando, é? O Governo joga uma
coisa que nem ele mesmo sabe como administrar. (Andréa, 17 anos,
diurno)
Observa-se, mais uma vez, como já foi expresso nos grupos de
discussão, o quanto os jovens estudantes anseiam por momentos que quebrem a
rotina das atividades pedagógicas. A ausência de uma aula “interessante”,
“dinâmica”, que “prenda a atenção” é apontada pelos participantes desta pesquisa
como uma das maiores causas de desestímulo ao ato de estudar.
Porque só lápis e caneta cansa! A gente não vê uma aula diferente. O
professor, eu não vejo dizer “Faz uma roda aí! Vamo fazer um negócio
diferente!” É o ano todinho! Não muda! A gente já sabe como vai ser o
começo, o meio e o final. Ele chega, escreve, explica e passa atividade. A
gente já sabe! Mas tem professor que a gente diz “Rapaz, tô cansado..
mas tem aula do fulano... eu vou!”. Olha que privilégio pra um professor!
Sobre o conceito de “aula interessante”, Reis (2012), em sua pesquisa de
pós-doutorado, intitulada, Processos de mobilização e/ou de desmobilização em
educação integral, por meio de atividades socioeducativas no contraturno escolar. Foi instituído
através da Portaria Interministerial nº 17, de 24/05/2007, no âmbito do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE).
105
relação aos estudos para jovens e adultos no Ensino Médio, faz uma análise das
representações de jovens alunos os sobre o que consideram uma aula interessante.
Considero que esses modos de aprender valorizados: “aprender como
colocar coisas na cabeça” ou como ”possibilidade de reflexão para
compreender o mundo, os outros e a si mesmos” são construídos pelos
sujeitos no confronto entre sua relação com o saber e as atividades
vivenciadas pelas práticas privilegiadas pelos docentes na escola. Os
estudantes trazem para a escola suas referências, seus saberes e, muitas
vezes, esses modos de aprender não dialogam com os saberes como
objetos de pensamento apresentados pelos professores na escola. Os
jovens do vespertino e os jovens e adultos do noturno citam exemplos de
trabalho de alguns professores que permitem compreender os assuntos
e também dialogar com o que é ensinado, fazer perguntas, reflexões
etc. (REIS, 2012a p. 102)
Segundo a autora, a aula torna-se interessante porque propicia uma
reflexão sobre o que é tido como “certeza” e dialoga com outras formas de
compreender o que já é conhecido. O poder de atração da “aula interessante” foi
expressado por alguns jovens nos grupos de discussão que afirmaram que o fato de
esperarem por uma aula que gostavam os fazia assistir outras aulas, das quais não
gostavam.
Às vezes eu trabalho domingo, aí segunda-feira parece que é o dia do
descanso, né? Mas tem aula de Física! Eu pego a bicicleta e venho. Não
venho pensando na aula de Geografia, mas assisto! Por causa do
professor de Física. Se tivesse em cada dia um professor assim, que
fizesse algo diferente, a gente não perdia aula. (Vinícius, 19 anos,
noturno)
Os elogios ao professor de Física do turno da noite foram recorrentes nos
grupos de discussão, nas entrevistas e nas conversas nos corredores da escola.
Segundo os alunos, o professor utiliza de diversos recursos criativos para expor os
assuntos curriculares, ou mesmo, somente para fugir da “'chatice' de uma rotina
asfixiante, onde pouca coisa muda” (DAYRELL, 1996, p.152). As “fugas” são
variadas, desde fazer experiências simples para demonstrar o que está sendo
tratado na matéria, a pequenos truques de mágica que despertam a curiosidade e a
atenção de todos na sala, ou mesmo uma breve parada para contar algum
acontecimento de sua vida e logo após retomar o assunto. Percebe-se que são
pequenos gestos que ajudam aos alunos que chegam à sala de aula, geralmente
106
esgotados de um dia de trabalho, e que vêm nessas ações o que chamo de
vestígios de humanidade que “iluminam” o ambiente quase mecanizado no qual,
geralmente, a sala de aula é transformada.
Infelizmente, como afirma Dayrell, “os professores não conseguem (e
muitas vezes não pretendem) disciplinar minimamente os alunos, por exemplo, na
atenção, na concentração. Nas aulas não estimulam o exercício das capacidades de
abstração, questionamento, de articulação entre fatos etc.” (DAYRELL, 1996, p.
158).
Percebe-se que o professor de Física, mencionado nesta pesquisa,
representa a exceção. Na maioria das demais aulas o que se tem é a mesma
atividade repetitiva onde o foco é o “ensino da matéria”, o conteúdo pelo conteúdo,
sem maiores esforços de contextualização com a realidade.
Ana, 18 anos, diurno:
Porque assim tem muitos professores que...
não é que não saibam a maneira de ensinar, só
que muitos fica chato... Porque eles só
conversam, leem, falam demais. Falta a
prática! Eles não focam a prática... aí muitos
não sabem...
Joana, 20 anos, diurno:
Fica aquela aula meio cansativa. Aula chata!
Que você fica impaciente!
Diante de todas as dificuldades, que são particularmente agravadas nos
cursos noturnos, me interessa saber o que representa a escola para esses jovens.
Que importância a escola tem na trajetória de vida de cada um deles. Para esse
questionamento, meu entrevistado forneceu a seguinte resposta:
Educação é tudo, né? Sem ela a gente não chega em lugar nenhum não.
Uma coisa que seguiu você desde que você se entendeu de gente, guiou
você pela sua infância, adolescência, juventude e vai seguir você pelo
resto da sua vida se você quiser... é porque é uma coisa muito importante,
né não? E é assim: quanto mais você quer mais tem! Teve uma palestra na
empresa onde eu trabalho e o palestrante disse: “Conhecimento é tudo.
Não estude só por estudar, estude pra aprender. Trabalhe não só pelo
dinheiro, trabalhe aprendendo!” E eu sempre gostei de ouvir, por ser
criado na igreja, então aprendi a prestar atenção. Quando eu ouvi isso
107
sobre conhecimento... eu trabalhava no setor de frios e eu lá eu não
trabalhava muito... e me surgiu a oportunidade de trabalhar na produção,
pra ser auxiliar de padaria, e lá você não para não! Ninguém quis ir. Eu
disse “Eu vou!” aí alguém disse “Tu é doido é? Vai se matar lá?” eu disse
“Mas eu vou aprender! Quando eu sair daqui eu arrumo emprego em
qualquer lugar!” (Vinícius, 19 anos, noturno)
Causou-me surpresa e encantamento a relação desse jovem com o
conhecimento. É significativa a ideia de que “quanto mais você quer mais tem”, o
que enfatiza a algo já apresentado por outros jovens participantes desta pesquisa: a
tendência em assumir uma postura quase autodidata para suprir as carências de um
sistema público de ensino deficiente.
Em suma, não há uma intencionalidade naquilo que seria uma das funções
centrais da escola, que são as habilidades básicas necessárias ao processo
de construção de conhecimentos. Parece que o que é aprendido, neste
nível, o é individualmente, sem uma intencionalidade, por parte dos
professores ou da escola. (DAYRELL, 1996, p. 158)
Observa-se que os jovens alunos que conseguem encontrar a via para
aquisição de um conhecimento gratificante e realmente significativo o fazem
utilizando seus próprios esforços e “garimpando” onde podem as mais variadas
fontes de saber.
O conhecimento é tudo! Então, a escola, o pouco que eu sei... ainda a
escola pública precisa melhorar em muitas coisa, a educação... mas se eu
sei ler, se eu sei escrever, foi pela escola pública! Se eu sei fazer meu
nome, foi a escola pública! Tudo é conhecimento! Se eu sei entender um
texto, escola pública! Se eu sei interpretar, falar, minha forma de falar,
foi a escola! A gente fala muito da escola pública, mas se não fosse essa
escola aqui, que tem muitos defeitos, muita coisa pra melhorar, e a
educação sempre vai ter o que melhorar, mas se não fosse ela... não ía
existir. (Vinícius, 19 anos, noturno)
Identifica-se que, apesar da consciência de que a escola está longe de
atender suas expectativas e reais necessidades, é possível perceber nos jovens
demonstrações de gratidão e reconhecimento da importância da escola para seu
desenvolvimento pessoal.
108
4.5. Muitos projetos com poucas oportunidades
Ainda sobre a questão do que é “ser jovem alagoano”, no grupo noturno,
o “mercado de trabalho” e a “falta de oportunidades” foram o centro das respostas
em relação ao que é ser “jovem alagoano”. A justiça social e a oportunidades para o
pleno exercício da cidadania, ambas diretamente ligadas à qualidade da educação
destinada a esses jovens aparecem como questões essenciais para a vivência da
condição juvenil.
Os problemas sociais, a dificuldade de entrada no mundo do trabalho e
todos obstáculos em consequência disso, não possibilitam aos jovens a construção
de um espaço social próprio. Os jovens têm consciência de que a escola ocupa uma
função primordial para o exercício da cidadania, pois suas falas expressam
claramente que a desigualdade de oportunidades, em comparação a outros jovens
de outras camadas sociais, se deve, primeiramente, à qualidade da educação
pública do estado de Alagoas:
Vinícius (19 anos, noturno):
Bom... ser jovem alagoano é...
Carina (23 anos, noturno):
É difícil! [riso]
Vinícius (19 anos, noturno):
É o fato de você... eu acho assim... que
um jovem hoje, o jovem alagoano... se a
gente
disser
que
tem
muita
oportunidade é mentira! É mentira!
Muita oportunidade o jovem alagoano
109
não tem! A educação no nosso estado é...
Carina (23 anos, noturno):
Péssima!
Vinícius (19 anos, noturno):
E a escola pública, meu irmão!
Renato(19 anos, noturno):
É a pior!
Vinícius (19 anos, noturno):
É a pior! Ela num tem noção! Não existe!
Então você diz assim o jovem alagoano
não quer fazer uma faculdade, num quer
ser uma coisa, mas não é! Se faz um...
Pronto!
A professora de
português
chegou agora, né? Chegou um dia desses,
já colocou trabalho valendo 50 pontos.
Um trabalho valendo... você vai aprender
o que? É só pra dizer assim ó: não tinha
professor vocês passam pra não dizer
que não tem nada na caderneta de
português... mas...Amanhã vai fazer o
trabalho, e pronto! 50 pontos... acabouse... eu não sei conteúdo nenhum do 3º
ano! Ai diz bem assim: Ah..“oportunidade
é pra quem busca” sim, aí tu chega numa
faculdade, o cara estudou em escola
particular, o cara fez, desfez, nunca
perdeu uma matéria, chega lá pra
concorrer
com
a
gente,
de
escola
110
pública? Eu acho isso... é um pouco
injusto!
Para muitos dos sujeitos desta pesquisa os projetos de futuro se entrelaçam
com a necessidade de sobrevivência no presente, o que confirma o que dizem
Sposito (1996) e Dayrell (2007) sobre a grande parcela de jovens para os quais a
condição juvenil só é vivenciada porque trabalham. “Nesse sentido, o mundo do
trabalho aparece como uma mediação efetiva e simbólica na experimentação da
condição juvenil, podendo-se afirmar que 'o trabalho também faz a juventude'”
(DAYRELL, 2007, p. 1109) Para os jovens alunos trabalhadores, escola e trabalho
são realidades que os jovens precisam administrar, para garantir o mínimo de
recursos para o lazer, o namoro, o consumo.
Essa relação com o mercado de trabalho também me pareceu forte em
um momento, quando discutíamos, no grupo noturno, em relação à autoestima e se
eles achavam que a escola contribuía para a formação da identidade deles como
alagoanos, uma das jovens expressou o seguinte:
Eu estudei no ProJovem Urbano 18. Pra mim... eu não esqueço! Pra mim o
ProJovem foi uma coisa muito boa, participativa. Foi bom! (…) Muito bom!
Amei muito certo? Me ajudou! [...] Os cursos que teve! Tudo ótimo! (…)
Porque o ProJovem, ele oferece! Entendeu? Ele oferece...ele quer que
você cresça! [...] Com certificado tudo certinho! E quando você comenta
que você tem certificado do ProJovem Urbano, as pessoas se agradam.
Acham certo sabe? (Isolda, 23 anos, noturno)
Entendi que a relação que a jovem tinha visto entre a sua experiência no
Projovem e a construção da sua identidade, na verdade era o sentimento de
satisfação em reconhecer o sentido dos estudos naquele curso profissionalizante.
Para ela, o curso foi tão gratificante e repleto de significado que a marcou a ponto de
ser mencionado no momento da discussão. É esse o sentido que a maioria dos
jovens não têm visto no Ensino Médio, uma vez que o fato de sentir-se valorizado
devido ao conhecimento apreendido através dos estudos, faz com que o jovem
18 Em Alagoas, o ProJovem Urbano foi efetivado no ano de 2008. (Fonte: Portal da Secretaria de
Estado
de
Assistência
e
Desenvolvimento
Social.
Disponível
em:
<http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/2008/03/seadescapacita-municipios-para-a-implantacao-do-projovem-em-alagoas >
111
valorize sua experiência escolar. Esta questão é tratada por Charlot (2000) em seus
estudos sobre “a relação com o saber”. Conforme o autor, a questão da atividade, do
sentido e do prazer são fundamentais. Aprender e compreender, seja na escola seja
em outros lugares, precisa ter um sentido para os jovens, pois, além da utilidade
para a vida profissional, a percepção desse sentido agrega valores identitários que
refletem na autoestima desse jovem, em particular nos meios populares. Isso implica
estabelecer cada vez mais relações entre sua condição juvenil e sua condição de
estatuto de aluno, tendo de definir a utilidade social dos seus estudos, o sentido das
aprendizagens e, principalmente, seu projeto de futuro. (DAYRELL, 2007, p.1120).
Os estudos devem possibilitar aos jovens a descoberta da motivação e os sentidos
atribuídos à experiência escolar.
Ao ser questionado sobre quais os pontos positivos de ser jovem, Arnaldo
aponta justamente a realidade da educação em Alagoas como um ponto negativo a
ser considerado.
Rapaz... num vejo muitos pontos positivos não. Não tem muita
acessibilidade. Um dia minha mãe falava “Arnaldo, não tá estudando, num
sei o que... Depois que tu desistir aí vai dizer que num tinha oportunidade,
é mentira! Você teve oportunidade de estudar” Aí eu tava pensando essa
semana: todos os jovens daqui de Alagoas têm oportunidade de estudar,
mas cadê a educação? Já tá tendo matrícula pro ano que vem aqui na
escola. Mas a educação não anda. A gente quer ver progresso, mas só tá
vendo regresso. (Arnaldo, 20 anos, noturno)
Por outro lado, os jovens também expressaram a frustração em perceber
que esse saber, que o conhecimento do aluno não está em primeiro lugar quando se
trata do sistema educacional público de Alagoas. Um sistema que sofre com a falta
de professores e com o atrelamento às metas estabelecidas pelo Governo Federal.
Essa realidade se traduz nas salas de aula, onde os docentes que chegam na
metade do ano letivo para assumir disciplinas que antes estavam sem professor,
precisam cumprir o calendário e fechar as notas no mesmo prazo das disciplinas
que foram lecionadas desde o inicio do ano letivo. Os professores fazem o que
podem para se adequar ao sistema, porém, além dos prejuízos no conteúdo ao qual
112
os estudantes deveriam ter acesso, isso gera a revolta dos alunos por perceberem
que sua educação é tratada de forma meramente quantitativa.
[...] eles estão desesperados porque o tempo tá passando e eles não
conseguem fechar essa nota, o que é que vai fazer? Vamo fazer trabalho!
Botar esse povo pra... A preocupação da escola não... Pra mim! À noite! Eu
estudo à noite! A preocupação dos professores que eu vejo, de alguns, e
da escola não é ensinar ao aluno, é fechar caderneta! Porque tem que
fechar a caderneta tal dia. Quem aprendeu aprendeu... quem não
aprendeu... (Vinícius, 19 anos, noturno)
Assim, tem muitos alunos assim, tipo eu mesma, que comenta que no
fundamental não teve todos os professores. Aí como é que a gente se
sente, chegando um professor, a gente chega no 3º ano um professor diz
o do 9° ano é melhor que vocês, mas ele nunca parou pra pensar se a
gente teve esse assunto ou não eles não querem saber. (Cínthia, 19 anos,
diurno)
Nesse aspecto, Dayrell afirma que “a relação dos jovens pobres com a
escola expressa uma nova forma de desigualdade social, que implica o esgotamento
das possibilidades de mobilidade social para grandes parcelas da população e
novas formas de dominação” (DAYRELL, 2007, p. 1122). E foi exatamente essa a
triste impressão que tive no decorrer desta pesquisa e que não consigo deixar de
registrar aqui: o sistema público educacional parece estar “sabotando” alguns
jovens. O que podemos perceber é que alguns já desistiram de obter qualquer
benefício através da escola e seu único objetivo agora é o certificado do Ensino
Médio e o encerramento dessa etapa agonizante – por mais dramática que essa
palavra possa parecer.
É pelo certificado mesmo. Porque aprender a gente não tá aprendendo
nada! Porque a gente tem aula dois dias na semana, aula não! Tem um
texto, trabalhinho e pronto! (Val, 24 anos, noturno)
Ao questionar um dos jovens sobre o que ele via de positivo na escola
onde estuda, obtive a seguinte resposta:
As pessoas! Que não desistem! Eu mesmo não desisti ainda porque olho ao
redor e vejo que tem outros que não desistiram. Já vi gente desistir
113
faltando dois meses pra terminar o ano. E como eu já disse [no grupo de
discussão] a aula de Física! É a melhor aula da minha vida! (Arnaldo, 20
anos, noturno)
Em relação à “sabotagem” à qual me refiro, além do sistema – que por si
só já contribui para isso – uma das críticas expressas pelos sujeitos desta pesquisa,
diz respeito à postura de alguns professores que, segundo os jovens, não
demonstram nenhum interesse em incentivá-los em sua experiência escolar. Os
participantes dos dois grupos, diurno e noturno, queixaram-se do tratamento que
recebem de alguns professores. Segundo eles, os docentes, não os estimulam a
melhorar, ao invés disso, contribuem para a diminuição do interesse pelo estudo e
prejudicam a autoestima dos jovens. Destaquei alguns trechos que mostram um
pouco do que foi expressado pelos jovens:
Quando a gente falou que queria tempo pra estudar pro ENEM 19 ele
disse: 'Vocês não vão passar não! O terceiro ano do ano passado veio com
essa mesma desculpinha também... acham que vocês vão passar?' Aí quer
o que? (Fernanda, 17 anos, diurno)
Ana (18 anos, diurno):
Fernanda (17 anos, diurno):
Ana (18 anos, diurno):
Diz que os presidiários são melhores que
a gente.
Um comentário infeliz desse que a gente
teve que ficar calado.
Ele
disse
“sinto
muito
se
estou
ofendendo vocês, mas é a verdade: os
presidiários
são
bem
melhores
que
19 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o
desempenho dos estudantes ao fim da educação básica, buscando contribuir para a melhoria da
qualidade desse nível de escolaridade. A partir de 2009 passou a ser utilizado também como
mecanismo de seleção para o ingresso em algumas Instituições de Ensino Superior e para o
acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, como o Programa Universidade para
Todos – ProUni.
114
vocês”.
Fernanda (17 anos, diurno):
A medida que ele falou isso muita gente
ficou animada em ir pro presídio também!
[risos]
A falta de respeito e o descaso demonstrado nas atitudes de alguns
professores reforçam o argumento de alguns pesquisadores de que é preciso
repensar a escola em sua relação com as juventudes, pois “se antes a autoridade do
professor era legitimada pelo papel que ocupava, constituindo-se no principal ator
nas visões clássicas de socialização, atualmente é o professor que precisa construir
sua própria legitimidade entre os jovens”. (DAYRELL, 2007, p. 1121). Observa-se
também uma tendência em atribuir aos jovens a responsabilidade pelo seu sucesso
ou fracasso, como reflexo disso, percebe-se por parte de alguns jovens uma
tendência em assumir para si essa responsabilidade, como podemos observar nos
trechos destacados a seguir:
“A estrutura é péssima,? É! O Governo é desleixado? É! Mas se nós nos
esforçarmos, não importa o estado da escola, nós vamos conseguir!”
(Sílvio, 18 anos, diurno)
“Tem que ser bom! Né? Mas.. alguns poucos vencem, né? Mas assim... Ser
jovem alagoano é pouca oportunidade, a oportunidade que aparece a
gente tem que agarrar” (Vinícius, 19 anos, noturno)
Diante de toda a falta de estrutura do sistema educacional, vemos alguns
jovens lutando com o que podem – se possível, buscando condições fora da escola
“regular” – para alcançar seus objetivos, enquanto são assombrados pela
possibilidade de insucesso nos estudos e, consequentemente, na vida. Sobre esse
aspecto, Dayrell afirma que
A sociedade joga sobre o jovem a responsabilidade de ser mestre de si
mesmo. Mas, no contexto de uma sociedade desigual, além deles se verem
privados da materialidade do trabalho, do acesso às condições materiais de
vivenciarem a sua condição juvenil, defrontam-se com a desigualdade no
acesso aos recursos para a sua subjetivação. A escola, que poderia ser um
dos espaços para esse acesso, não o faz. Ao contrário, gera a produção do
fracasso escolar e pessoal. Como lembra Dubet (2006), o dominado é
115
convidado a ser o mestre da sua identidade e de sua experiência social, ao
mesmo tempo que é posto em situação de não poder realizar este projeto.
(DAYRELL, 2007, p. 1122-1123)
Não se pode negar a influência do pensamento inerente à sociedade
neoliberal, onde o indivíduo é incentivado a desenvolver todas as suas capacidades
e é tido como o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) determinam que a base
nacional comum deve compreender, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do
tempo mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, estabelecido pela lei como
carga horária para o ensino médio. Em relação ao “caráter profissionalizante” do
Ensino Médio, encontra-se nos PCN a seguinte discriminação:
disciplinas cursadas que podem ser aproveitadas, até o limite de 25%, no
currículo de habilitação profissional, só pode referir-se às disciplinas de
formação básica ou geral que, ao mesmo tempo, são fundamentais para a
formação profissional, e por isso mesmo, podem ser aproveitadas em
cursos específicos para obtenção de habilitações específicas. (BRASIL,
2000, p. 87).
Porém o mesmo documento admite que “em cada habilitação profissional
ou profissão técnica existem conteúdos, competências e mesmo atitudes, que são
próprios e específicos” (BRASIL, 2000, p. 88). Sendo assim, existem dificuldades em
delimitar as fronteiras entre os estudos de preparação básica para o trabalho e a
educação profissional no sentido restrito.
Em maio de 2011, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) apresentou ao Conselho Nacional de Educação
(CNE) uma proposta de reestruturação do currículo com o objetivo de tornar o
ensino mais atraente para os jovens. Essa preocupação surge da percepção de que
a prática hoje no interior da escola é fragmentada em disciplinas isoladas, sem
planejamento coletivo, sem políticas mais estruturadas de formação de professores.
A proposta, intitulada “Protótipos Curriculares do Ensino Médio e Ensino
Médio Integrado”, sugere um currículo em que é fundamental o posicionamento do
estudante como ator principal da investigação e da busca do conhecimento em
substituição às aulas exclusivamente expositivas.
Considerando e aproveitando todas as formas já previstas nas atuais
Diretrizes Curriculares Nacionais, especialmente a organização curricular
116
por áreas de conhecimento e as orientações referentes a
interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e contextualização, o protótipo de
EM propõe mecanismos operacionais que atuam de modo sinérgico na
integração dos diferentes componentes do currículo (UNESCO, 2011, p. 9)
Essa proposta também destina 25% da carga horária para atividades
independentes das disciplinas tradicionais, como o desenvolvimento de projetos
relacionados aos mais variados temas. Porém, esses 25% estão inseridos num eixo
sugerido pelo Protótipo, denominado “Núcleo de Preparação Básica para o Trabalho
e demais Práticas Sociais”, que apesar de ser destinado também a objetivos de
aprendizagem relacionados com as práticas sociais como: “convivência familiar;
participação política; ações de desenvolvimento cultural, social e econômico da
comunidade; proteção e recuperação ambiental; práticas e eventos esportivos;
preservação do patrimônio cultural e artístico; produções artísticas; e outras”, fica
claro nos textos oficiais que o referido Núcleo é “diretamente responsável pelos
objetivos de aprendizagem relacionados com a preparação básica para o trabalho”
(UNESCO, 2011, p. 10). Corre-se o risco de, entre as duas áreas de preparação, às
quais o Núcleo se destina, somente uma ser privilegiada nas práticas educativas, ou
seja, num espaço onde não é delimitada a porcentagem especificamente destinada
às práticas sociais, a preparação para o trabalho pode ocupar facilmente os 25% em
questão.
De acordo com os referidos Protótipos, os demais 75% da carga horária,
poderiam ser preenchidos com disciplinas tradicionais ou não, desde que
contemplassem quatro áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da
natureza e ciências humanas. Além desse modelo para o ensino médio de formação
geral, a UNESCO também sugere um protótipo de organização curricular para o
Ensino Médio Integrado, que se refere à formação profissionalizante.
4.6. Muitos jovens de hoje não sabem da sua própria cultura porque pouco se
fala dela
Uma vez que minha preocupação é registrar as representações dos
117
jovens quanto às suas referências culturais regionais, ou seja, se esses jovens se
percebem como cidadãos nordestinos/alagoanos e como isso está cristalizado, ou
não, em sua identidade cultural, detive a atenção em trechos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2002) que corroboram com essa
discussão.
Observando os PCN chamou-me a atenção o fato de que o termo
“cultura/cultural/sócio-cultural” é utilizado neste documento cerca de 200 vezes, nas
orientações para a área de “Ciências Humanas e suas Tecnologias”. Já no primeiro
parágrafo da introdução, que é comum também aos cadernos destinados às outras
áreas – “Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias” e “Linguagens,
Códigos e suas tecnologias” – encontramos a primeira menção ao termo:
Este texto é dirigido ao professor, ao coordenador ou dirigente escolar do
Ensino Médio e aos responsáveis pelas redes de educação básica e pela
formação profissional permanente de seus professores. Pretende discutir a
condução do aprendizado, nos diferentes contextos e condições de trabalho
das escolas brasileiras, de forma a responder às transformações sociais e
culturais da sociedade contemporânea, levando em conta as leis e
diretrizes que redirecionam a educação básica. (BRASIL, 2002, p.7. Grifos
meus)
Do decorrer da leitura, fica claro que o termo é utilizado alternando seu
sentido; às vezes usado no sentido de cultura como conhecimento formal escolar, ou
seja, conteúdo das disciplinas formais, como no seguinte trecho: “Essa formação é
também, mas não só, permanente informação cultural e atualização metodológica.
A formação profissional contínua tem igualmente um caráter de investigação, uma
dimensão de pesquisa. (BRASIL, 2002, p.103. Grifos meus). Outras vezes o termo é
usado com o sentido de como valores e símbolos de culturas variadas, como no
trecho: “Mais do que tudo, quando fundada numa prática mais solidária, essa nova
escola estará atenta às perspectivas de vida de seus partícipes, ao desenvolvimento
de suas competências gerais, de suas habilidades pessoais, de suas preferências
culturais.” (BRASIL, 2002, p.11-12. Grifos meus)
Quanto à preocupação sobre à identidade cultural dos jovens alagoanos,
acredito que o desenvolvimento de atividades contínuas que gerem a identificação e
afetividade dos jovens com a cultura de sua região, fomenta a autoestima e o
118
interesse pela sua localidade. Pode-se observar que esse aspecto também é
contemplado nos PCN, quando lemos que,
A identidade estará presente na afirmação e na autoestima do jovem
estudante, no estudo antropológico das organizações familiares, das
culturas alimentares, musicais ou religiosas, nas questões de identidade
nacional diante da globalização cultural. Seu tratamento articulado,
resultante de um entendimento entre professores de uma mesma escola,
poderia promover um recíproco reforço no trabalho dessas e de outras
disciplinas
da área. As questões relativas à identidade podem ser
abordadas até mesmo em termos das “tribos” nas quais alunos de muitas
escolas urbanas se associam – em função de preferências musicais, de
comportamento ou modo de vestir, da utilização peculiar que fazem de
códigos comuns a toda a comunidade, como a língua portuguesa –
facilitando a percepção de problemáticas sociais, antropológicas e
psicológicas. (BRASIL, 2002, p.21)
A criação de oportunidades de comparar aspectos das culturas em
Alagoas com de outras culturas estimula o respeito às diversidades, partindo do
conhecimento e da discussão da multiculturalidade presente nesse estado.
Consideramos fundamental o diálogo contínuo com os jovens para a observação de
suas referências culturais, bem como o trabalho interdisciplinar, fortemente
valorizado nos PCN.
Desenvolver apreço pela cultura, respeito pela diversidade e atitude de
permanente aprendizado, questionamento e disponibilidade para a ação –
que são valores humanos amplos sem qualquer especificidade disciplinar e
que, portanto, devem estar integradas a todas as práticas educativas. Mas
isso só acontece se a formação for concebida como um conjunto, em termos
de objetivos e formas de aprendizado. (BRASIL, 2002, p.16-17)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio não são
regras, mas bases referenciais à educação, pressupondo que escolas nas mais
distintas regiões do país devam adaptá-los às suas peculiaridades locais e ou
regionais. No âmbito do Ensino Fundamental, a transversalidade, de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais para esta parte da educação básica, “pressupõe
um tratamento integrado das áreas e um compromisso das relações interpessoais e
sociais escolares com as questões que estão envolvidas nos temas, a fim de que
haja uma coerência entre os valores experimentados na vivência que a escola
propicia aos alunos e o contato intelectual com tais valores” (BRASIL, 1997, p. 46).
O documento recomenda que as questões sociais relevantes – ética, saúde, meio
119
ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural – deve ser incorporadas como
temas transversais.
Porém nos PCN, o termo “transversalidade” dá lugar à “parte diversificada
do currículo”, como espaço para a cultura e temas sociais variados, sendo destinada
a “atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela (Art. 26 da LDB). Complementa a Base Nacional Comum e
será definida em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar” (BRASIL, 2000,
p. 22). Observa-se então que no âmbito do Ensino Médio, há uma preferência pelos
termos “contextualização”, (BRASIL, 2002, p. 19), “interdisciplinaridade” (ibidem, p.
18),“transdisciplinaridade” ou “metadisciplinaridade” (ibidem, p. 44), não obstante,
todos consistem em meios através dos quais as questões socioculturais podem ser
trabalhadas.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que se
encontram publicadas junto aos PCN para o Ensino Médio , a seção, intitulada
20
“Fundamentos estéticos, políticos e éticos do novo Ensino Médio brasileiro”
(BRASIL, 2000, p. 62-67), me despertou a atenção de modo especial. O objetivo do
texto é apontar as diretrizes que devem guiar o Ensino Médio brasileiro, que
“deverão ser coerentes com os valores estéticos, políticos e éticos que inspiram a
Constituição de 1988 e a LDB, organizados sob três consignas: sensibilidade,
igualdade e identidade” Este trecho do documento é iniciado com uma narração –
mais que uma lauda de extensão – de um conto da mitologia grega que ilustra a
distribuição, realizada pelos deuses gregos, dos valores morais destinados à
espécie humana. Partindo desse conto, inicia-se um belíssimo discurso sobre a
“estética da sensibilidade”, a “política da igualdade” e a “ética da identidade”,
descrevendo como esses três valores devem permear a prática pedagógica no
Ensino Médio. Surpreendeu-me, então, a constatação de que a cultura está
plenamente contemplada nos textos oficiais destinadas ao ensino médio, como por
20 Disponibilizado, juntamente com os outros documentos oficiais relacionados à educação, no
Portal
MEC
disponível
em:
< http://portal.mec.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=12288:programa-nacional-de-integracao-daeducacao-profissional-com-a-educacao-basica-na-modalidade-de-educacao-dejovens-e-adultos-proeja&catid=259:proeja-&Itemid=562 >. Acesso em: 21/09/12.
120
exemplo no trecho que destaco a seguir:
A estética da sensibilidade facilitará o reconhecimento e a valorização da
diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a
realidade própria dos gêneros, das etnias e das muitas regiões e grupos
sociais do País. Assim entendida, a estética da sensibilidade é um substrato
indispensável para uma pedagogia que se quer brasileira, portadora da
riqueza de cores, sons e sabores deste País, aberta à diversidade dos
nossos alunos e professores, mas que não abdica da responsabilidade de
constituir cidadania para um mundo que se globaliza, e de dar significado
universal aos conteúdos da aprendizagem. (BRASIL, 2000, p.63. Grifos do
autor)
Na realidade, há uma enorme distância entre o discurso e a prática. Se assim
não o fosse, não haveria a necessidade de ser realizada uma pesquisa como esta que
apresento. Apesar de eu ter como referência apenas os argumentos dos jovens sobre como
atribuem significado aos aspectos culturais em Alagoas, ao ser jovem neste contexto e
sobre como vivem suas juventudes na escola, identifico indícios de que estes aspectos são
pouco tratados pelas práticas educativas na escola e que na maioria das vezes estes jovens
se sentem silenciados, sem reconhecimento e também sem o cumprimento da promessa de
propiciar os conhecimentos necessários para que tenham o propagado discurso do futuro
melhor.
Desse modo, quando analiso os documentos oficiais, identifico que há espaço
para que os aspectos reivindicados pelos sujeitos da pesquisa sejam concretizados no
espaço escolar, sejam como transversalidade, como interdisciplinaridade, como parte
diversificada, ou qualquer outro termo que lhe caiba.
Considero que esse espaço destinado às culturas pode se apresentar como
pontos de articulação que possibilitam uma maior flexibilidade ao processo pedagógico, uma
vez que se podem incluir novos temas dentro da realidade local de cada escola. Como
também podem incluir espaços para que os jovens possam apresentar seus modos de
expressão, como alagoanos, com suas diversas culturas, tendo em vista modos de
articulação com os saberes privilegiados pela escola. Como explica Reis (2012),
parece-nos necessário que a escola consiga exercitar o olhar para
identificar distanciamentos que se estabelecem entre as culturas juvenis e
dos adultos e a cultura escolar, preponderantemente hegemônica e
homogeneizante, com pouca brechas para o diálogo. A ‘emergência’ de tais
expressividades poderiam contribuir para a valorização destes sujeitos, de
suas referências culturais [...]” (REIS, 2012, p. 179).
Esta perspectiva de diálogo propiciaria, portanto, um favorecimento das
possibilidades de abordar assuntos relacionados diferentes aspectos culturais de Alagoas,
121
uma vez que esta não tem sido percebida nos conteúdos padronizados apresentados nas
diversas disciplinas escolares. Considero que os temas locais podem e devem ser
desenvolvidos de forma contínua e integrada, independente da área de atuação de cada
professor, dando relevância à interdisciplinaridade.
Neste sentido, esse espaço precisa ser fundamentado na realidade local,
problematizando situações que envolvam atividades, como por exemplo, seminários,
exposições, palestras entre outros recursos que favoreçam a aprendizagem. O professor
nesse momento pode atuar como mediador desse processo, direcionando a ação
pedagógica em relação aos temas propostos. Sem o total engajamento do professor, tornase impossível a efetivação desse processo.
Ao iniciar essa pesquisa, já era esperado o aparecimento das mais variadas
questões, uma vez que me debruço sobre três pilares bastante polêmicos: as culturas em
Alagoas, as juventudes e a escola. Então, paralelamente a todas essas problemáticas
intrínsecas ao Ensino Médio e seu público, estava eu tentando registrar onde as culturas
encontram espaço nesse ambiente tão tortuoso. O que pude observar é que há por parte
dos jovens um gosto em tratar da sua cultura no ambiente escolar, algumas falas
registraram algumas experiências positivas pelas quais alguns dos participantes dos grupos
já passaram.
Na outra escola que eu estudei, lá falava muito sobre a cultura de
Alagoas. (…) Tinha bastante projeto, tinha momento literário que falava
sobre a literatura alagoana. A gente fez um trabalho muito bonito que eu
achei muito interessante que deveria ser divulgando, só que não foi.
Também teve uma gincana na outra escola que a gente falou sobre os
municípios alagoanos, pesquisou cada cultura de cada município... foi
muito interessante. E aqui não tem isso! ( Ana, 18 anos, diurno)
[...] a gente nunca faz.. fazia há muito tempo já aconteceu isso, mas não
faz mais. De aula de campo... a gente não faz... teve um ano que eu
estudei aqui, no 9º ano, eu fiz uma viajem pra Penedo, a gente conheceu
uma igreja, o Cruzeiro, conheceu vários lugares. (Mário, 16 anos, diurno)
Considero a transversalidade e a interdisciplinaridade indispensáveis para se
trabalhar o conhecimento buscando uma reintegração de aspectos que ficaram isolados uns
dos outros pelo tratamento disciplinar. Porém os recursos depedem diretamente do
empenho dos docentes. De acordo com algumas falas dos jovens pesquisados, as
122
iniciativas com o objetivo de realizar projetos interdisciplinares não obtém muito êxito devido
à falta de adesão dos professores:
Porque muitos professores não gostam da atividade que ele [professor
de artes] propôs pra gente. Tipo as gincanas que ele faz pra gente esses
projetos, muitos professores não se interessam, né? (Cínthia, 19 anos,
diurno)
Acredito que os projetos interdisciplinares são uma forma de trabalhar alguns
temas transversais, porém, em relação às culturas, acredito que estas não deves ser
trabalhadas como algo que aparece esporadicamente, interrompendo as demais atividades,
mas que seja vista como um enfoque a ser colocado ao longo de toda a aprendizagem;
devendo estar inserida em diferentes momentos de cada uma das disciplinas, sendo
trabalhados em uma e em outra, de diferentes modos. Seria uma forma eficiente de se
trabalhar com as referências culturais presentes em Alagoas, elaborar os programas de
ensino fazendo desse tema um eixo unificador, em torno do qual se organizam as
disciplinas, estruturando os seus próprios conteúdos sob esse prisma.
Faz-se necessário um estudo conjunto, por parte da escola, para definir como
cada disciplina pode tratar esse tema e verificar se eles estão sendo suficientemente
abordados ao longo do ano. A “pluralidade cultural” é contemplada pelos PCN como um dos
eixos que englobam os Temas Transversais. Esses temas, que têm tamanha relação com a
vida, com o cotidiano, certamente aparecem nos momentos mais inesperados e o professor
deve estar preparado para não desperdiçar ocasiões que muitas vezes são preciosas.
Não se pode despresar a dificuldade de se trabalhar com as culturas em Alagoas
através desses espaços, por meio da transversalidade e da interdisciplinaridade, já que isso
implica em mudanças na perspectiva da escola, que vão muito além de completar
conteúdos ou disciplinas que estão na grade curricular, pois exige dos docentes um
investimento no seu próprio conhecimento e na elaboração das ligações entre a disciplina
lecionada e os elementos culturais que podem ser abordados, o que implica também em
valorização profissional dos docentes, em condições de trabalho e em espaços de formação
continuada dentro ou fora da escola.
Nora Rut Krawczyk (2003), em seu artigo A escola média: um espaço sem
consenso – escrito há dez anos, ressalto – tratou sobre as dificuldades que a escola média
precisava enfrentar para implementar as mudanças, no sentido promover a construção de
um currículo local. Após dez anos da publicação do referido texto, as dificuldades me
123
parecem ser as mesmas. Segundo a autora, a margem para a ação autônoma das escolas
na sua definição curricular é extremamente limitada. Para ela, essa limitação se deve aos
seguintes fatores:
a. estrutura organizacional das secretarias que não comporta organizações
curriculares alternativas; b.obrigação da escola de reformular sua grade
curricular levando em conta os recursos humanos que já possui, o que inibe
vários projetos inovadores na área diversificada prevista pelos PCNs; c.
falta de recursos para novos investimentos; d. corporativismo docente, que
leva a escola a não propor nenhuma mudança que signifique alterações das
condições de trabalho de seu corpo docente. Esta situação acaba
delineando um cenário em que as possibilidades criativas das escolas são
restringidas e as propostas acabam sendo limitadas […] Ao mesmo tempo,
o espaço diversificado do currículo escolar tende a ser ocupado por “mais
do mesmo” ou por um numeroso pot-pourri de temas e atividades
aleatórias. (KRAWCZYK, 2003, p.176-177)
Não posso tratar do posicionamento dos docentes a respeito desse assunto, uma
vez que me baseio no que foi expresso somente pelos alunos. Em suas falas, os jovens
confirmam que assuntos referentes a assuntos referentes à realidade local, dificilmente são
abordados pelos professores, e muito menos inseridos nas disciplinas estudadas.
Geralmente, segundo os jovens, esses temas são tratado em gincanas, ou outros eventos
festivos que não se relacionam com os conteúdos curriculares. Segundo Krawczyk, “a falta
de uma política estadual na construção de um currículo local afeta as possibilidades de
contextualização e regionalização do currículo. Além disso, a falta de uma direção estadual
efetiva impede que as condições reais do universo escolar e seu éthos sejam consideradas
na elaboração do currículo, favorecendo a interferência das características de cada unidade
escolar, a ponto de desqualificar o ensino” (KRAWCZYK, 2003, p. 175). Concordo com a
autora quando diz que sem uma ação articulada, “de baixo para cima e de cima para baixo”,
não é possível a consolidar uma ação autônoma das escolas no que se refere à definição e
organização das grades curriculares. É preciso que as ações envolvam não somente a
dinâmica no interior da escola, mas toda a lógica do sistema educacional.
Além da questão do “currículo local”, a escola média precisa manter o foco no
perfil de seus alunos, “escola de jovens, escola para jovens” (ibidem, 2003, p. 193). Trabalhar
com jovens – com sua multiplicidade cultural – requer um conhecimento de suas
expectativas para que a escola possa ser um ambiente de pertencimento desses sujeitos e
consiga explorar toda sua potencialidade, não somente em sua função pedagógica, mas
também como local de sociabilidade, de afetos e de desenvolvimento de seres humanos
conscientes de si mesmos e de sua relação com os outros. Por esse motivo, considero
interessante investigar como esse jovem que está na escola pensa na sua cultura e como
124
esse sujeito vê a relação da sua identidade cultural com a sua experiência escolar.
Inicialmente, o objeto de estudo desta pesquisa nasceu de duas hipóteses: 1. os
jovens alagoanos desconhecem muitos dos elementos popularmente considerados como
típicos da cultura “alagoana”; 2. a escola deveria ser um ambiente de preservação das
culturas, de fortalecimento da identidade cultural dos jovens alagoanos. Porém, como eu já
disse anteriormente, no decorrer das leituras necessárias para esta pesquisa, pude ampliar
minha noção de identidade e percebi que não há uma identidade homogênea, mas várias
“identidades possíveis”, e que essas identidades são variáveis e estão em constante
mutação, sofrendo influência de questões sociais, relacionais etc. Isso me fez mudar um
pouco minha visão inicial sobre a questão da “preservação” da identidade cultural dos
jovens alagoanos, porém, diante dos textos dos sujeitos desta pesquisa, e principalmente
depois das discussões nos grupos e das entrevistas individuais, percebo que há, não a
necessidade de uma preservação em detrimento da liberdade individual de seguir suas
preferências, ou de compartilhar uma cultura com a qual se identifica, mas a necessidade de
espaço no ambiente escolar para aspectos sociais, históricos e culturais locais, com o
objetivo de fortalecer a autoestima de um povo que não se enxerga nos meios de
comunicação de massa, onde geralmente Alagoas é retratada como sinônimo de
subdesenvolvimento, corrupção e violência.
[…] as pessoas de Alagoas se fixam muito no que a televisão, rádio e etc,
falam, o nosso estado tem o que se divertir, existem pessoas legais. O
problema é que a maioria vive com aquilo que se fala, esquecem que
existem lugares maravilhosos para visitar, praias lindas para se banhar e,
por incrível que pareça, existem pessoas dignas e de caráter. (Andréa, 17
anos, diurno)
A nossa cultura e muito boa diversificada e essa cultura é passada de
geração a geração. Hoje em dia a nossa cultura não é mais como
antigamente, muitos jovens de hoje não sabem da sua própria cultura
porque pouco se fala dela. (Adriana, 22 anos, noturno)
Que Alagoas não tem uma cultura definida, pois as pessoas copiam muito
as coisas de fora. Existem determinados lugares que ainda seguem uma
dada cultura, mas já estão com traços do mundo moderno. Então, aos
poucos vai se perdendo a cultura alagoana, não é mais como antes.
(Valeska, 18 anos, diurno)
Falaria que Alagoas é repleta de riquezas e histórias fantásticas que a
maioria das pessoas não conhecem, inclusive eu. Enfim, resumindo, é um
estado rico, porém bastante esquecido. (Elaine, 18 anos, diurno)
125
Em algumas respostas ao questionário, os jovens expressam a queixa de que a
escola deveria trabalhar as culturas em Alagoas, e que essa falta de espaço para o tema no
ambiente escolar tem contribuído para o distanciamento dos jovens alagoanos da cultura do
seu estado.
Alagoas tem muita coisa a ser estudada só que os profissionais da área
da educação não focam muito sobre nossa cultura e sim pelas as
adjacências. Ao nos depararmos com os museus vemos muita coisa boa,
interessante etc. Começando pela bandeira de Alagoas que nós alagoanos
deveríamos falar um pouco sobre ela. As pessoas só enchergam pelo que
ouve, ver. E não passam a conhecê-la de verdade. Temos pessoas
inteligentes e com habilidades. (Joana, 20 anos, diurno)
Quase nada porque na escola sobre cultura de Alagoas não passado nada,
a matéria que era para ensinar isto era História, mas não é passado nada
sobre a História de Alagoas. Eu só iria falar um pouco sobre as comidas
tipicas que e o que eu vejo no dia a dia. [...] (Sandro, 19 anos, noturno)
Os textos acima indicam que os jovens percebem que a escola poderia contribuir
para o conhecimento da cultura local, mas que não tem trabalhado esse aspecto da
formação dos jovens. Concordo com Pais (2003) quando diz que a discussão a respeito das
culturas juvenis passa, necessariamente, pela diversidade das culturas próprias desse
segmento social e não quero me aliar às
“culturas não juvenis”, as quais se referem
Carrano & Martins e que, “parecem querer interditar os espaços de expressão para os
jovens” e que “geralmente essas são as culturas instituídas ou preservadas por instituições
de poder” (CARRANO & MARTINS, 2011, p. 49). Mas, pessoalmente, acredito que o
conhecimento da história e dos bens culturais do estado onde vivem, dariam a esses jovens
estrutura para exercer sua autonomia enquanto jovens globalizados, mas que conhecem
sua herança cultural e podem distinguir suas raízes em meio à massificação e
mundialização da cultura.
A falta de espaço para as referências culturais e históricas de Alagoas no
ambiente escolar é percebida pelos jovens. Ao questioná-los se: a escola deveria trabalhar
mais assuntos relacionados às culturas em Alagoas? Os participantes da pesquisa
responderem que seria interessante, mesmo que em atividades extraclasses como gincanas
ou oficinas.
À noite aqui um dia desses teve uma apresentação de um grupo [Grupo
126
Joana Gajuru21] foi uma coisa diferente. Podia ter oficinas, falando das
pessoas importantes, porque a cultura começa pelo povo né? Se tivesse
uma semana de oficina, seria lega! Uma semana, um mês o que desse pra
fazer! Se pudesse mostrar as pessoas importantes pra Alagoas... Tem
comida aqui que a gente nem sabe se é daqui, ou se é de fora. Nosso jeito
de falar... é nossa cultura... Tá enraizado! (Vinicius, 19 anos, noturno)
Concordo com Dayrell quando diz que “a aprendizagem implica assim,
estabelecer um diálogo entre o conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do aluno”
(DAYRELL, 1996, p.156). Considero revelador o fato de que todas as vezes que questionei
aos jovens se havia, por parte deles, o interesse na abordagem de assuntos relacionados à
Alagoas na escola, as respostas que obtive mostraram que há um grande interesse dos
mesmos sobre esse tema.
Pude observar que as discussões realizadas em virtude desta pesquisa
fomentaram uma reflexão individual e coletiva sobre o que esses jovens alagoanos
conhecem a respeito de suas referências culturais e o quanto esse assunto é invisível no
ambiente escolar. Essas observações vêm confirmando a hipótese de que não somente os
jovens alagoanos não costumam refletir sobre suas culturas, como o quanto é importante a
atuação da escola para construção de um reconhecimento por parte dos jovens no que
concerne tanto aos seus modos de expressão, as culturas juvenis, quanto às suas raízes
históricas, aos valores de seu povo, ao que constitui, mesmo que inconscientemente, suas
identidades enquanto sujeito socioculturais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objeto de estudo desta pesquisa nasceu do convívio com os jovens. Foram
eles, na sua espontaneidade, me disseram que não conheciam elementos das culturas em
Alagoas que eu, do meu ângulo de visão – anterior a este estudo – achava inadmissível que
eles não conhecessem. Foi essa revelação que me fez perguntar “E a escola? Onde fica
nesse problema?” E esse questionamento fez-me, mesmo com pouquíssima experiência em
pesquisa acadêmica, querer me arriscar nessa aventura de enveredar pelos caminhos da
21 Grupo ou Associação Teatral Joana Gajuru, é um dos mais atuantes grupos teatrais de Alagoas.
Seus espetáculos têm o objetivo de contribuir para o fomento da cultura do imaginário popular,
baseada na literatura de cordel, nos contadores de casos e no dia a dia dos cidadãos nordestinos.
Mais informações em: <http://www.joanagajuru.com.br/ogrupo.htm >
127
Educação, quando minha graduação é em Comunicação Social (Relações Públicas). Porém,
quem se debruça sobre Educação e Juventudes sabe que é impossível não ficar fascinado
por esses dois temas e, especialmente, pela união dos dois.
Ao me fazer o questionamento acima, eu não imaginava que aquilo era apenas
“a ponta do iceberg” que faria com que eu me deparasse com tantos outros problemas e que
me faria questionar tantos outros aspectos. Hoje, não me permito utilizar o termo juventude
no singular. Várias das leituras fiz que me repetiram que não há uma juventude única,
homogênea, mas sim múltiplas, plurais e além disso, variáveis, mutantes e tantos outros
termos que expressam a pluralidade de realidades possíveis nessa fase da vida humana.
Na verdade, são possibilidades de ser jovem, inseridas em realidades sociais e culturais que
delineiam cada condição juvenil. E cada sujeito experimenta essa condição do seu modo,
tornando cada um dos atores sociais um amplo objeto de estudo. A condição juvenil
apresentou-se a mim – quase estreante na prática epistemológica – como um prisma, onde
a condição humana é refratada em múltiplas, intrigantes e fascinantes realidades.
Permeando a condição juvenil encontrei a escola, envolvida em vários dos
dilemas e soluções inerentes à vida dos jovens estudantes. Ela – a escola – foi a primeira
referência que me veio a mente quando me incomodei com o desconhecimento dos jovens
quadrilheiros22; e também ela, me forneceu tantos outros questionamentos no decorrer desta
pesquisa: a insatisfação dos jovens por não serem reconhecidos em seus esforços nos
estudos; a desarticulação entre alunos e professores que tanto prejudica a apreensão dos
conhecimentos; as precariedades do sistema como um todo, que obriga alunos e
professores a se adequarem ao que está posto, quando não sobra outra alternativa; enfim
os tão conhecidos e discutidos problemas, gerados por condições políticas, sociais, culturais
alimentam a relação de “amor e ódio” entre a escola e os jovens que lhe dão vida.
Com todos esses elementos à mão, busquei duas fontes principais para o
desenvolvimento desta pesquisa: os estudos dos autores que se aprofundam nessas
temáticas – juventudes, educação e cultura – e as representações expressas pelos sujeitos
pesquisados, tentando relacionar os aspectos observados, expressos nas falas dos sujeitos
jovens, às reflexões dos autores que têm me guiado nessa principiante caminhada. Com
base nas representações expressas pelos jovens, pude fazer algumas observações.
Primeiramente, considero confirmada a hipótese de que os jovens alagoanos
não conhecem, e têm consciência de que não conhecem, muitos dos elementos culturais
tradicionais de Alagoas. Na primeira abordagem que realizei, através dos questionários, uma
22 Como se auto-denominam os participantes dos grupos culturais juninos.
128
questão dissertativa, perguntava o que os jovens apresentariam se precisassem descrever
aspectos da sua cultura a um visitante estranho. Foi possível observar a inexatidão das
respostas dos jovens; talvez por medo de errar – o que pode revelar uma insegurança em
relação ao conhecimento questionado; talvez por falta de estímulo em escrever
detalhadamente o que consideram “sua cultura” – o que pode revelar uma certa falta de
apego e orgulho em apresentar suas referências culturais. Alguns assumiram a falta de
conhecimento sobre sua cultura e reconheceram que, em Alagoas, pouco se fala sobre as
culturas locais.
Num segundo olhar, realizando os grupos de discussão observei a falta de
autoestima dos alagoanos, denunciada pelos participantes dos grupos. Tenho confirmado a
hipótese de que a falta de autoconhecimento dos alagoanos como povo, com suas
referências históricas, e suas heranças culturais, contribui para uma falta do que vou ousar
chamar de suporte identitário que possibilita se posicionar diante dos preconceitos advindos
de outros grupos culturais. Essa observação foi confirmada pelos sujeitos desta pesquisa,
que expressaram que a exposição negativa, nos meios de comunicação de massa, interfere
na representação que os alagoanos têm de si próprios. O que demonstra que as
informações recebidas por estes, vêm, na maioria das vezes, de fora, através da mídia.
Neste sentido os jovens também afirmaram perceber a influência da mídia na representação
de Alagoas como um estado violento, o que justifica a questão da violência ter sido
apontada pelos jovens como um elemento a ser mencionado ao se apresentar as culturas
em Alagoas, reflexo da construção identitária do “local violento”, reforçada pela mídia.
Neste sentido, também confirmei a hipótese de que a escola não trabalha, ou
pouco aborda, assuntos relacionados às raízes históricas de Alagoas, suas referências
culturais historicamente construídas, suas tensões e os diferentes modos de expressão que
persistem e se reinventam, em especial no Ensino Médio, no qual delimitei minha
investigação. Considero que essa falta de espaço se deve a uma concentração da prática
pedagógica nos conteúdos disciplinares, em detrimento da abordagem de aspectos
socioculturais. Isso também é percebido pelos jovens, que expressaram que a escola
poderia contribuir mais com o conhecimento a respeito das culturas, seja de forma
contextualizada, inserida nos conteúdos das disciplinas, seja através de projetos
extraclasses, ou das tão desejadas e inexistentes aulas de campo. De qualquer forma os
sujeitos desta pesquisa posicionaram-se receptivos a ações que possibilitem um maior
conhecimento sobre suas culturas. Identificamos também, que pela histórica construção da
cultura escolar, como “Cultura” legítima, não há o reconhecimento dos modos de expressão,
129
das culturas juvenis que estão na escola, que são também produções culturais alagoanas,
mesmo que hibridizadas.
Nos grupos de discussão e nas entrevistas, foi possível observar diversos
aspectos, tendo em vista a noção de condição juvenil estudada – onde se considera as
várias possibilidades de vivência e experimentação diferenciada – possibilitando muitas
reflexões sobre as diversas condições juvenis dos sujeitos e suas relações com a
experiência escolar. Entre os aspectos mais significativos, o contraste entre as realidades
dos turnos diurno e noturno, desde o perfil dos participantes dos dois grupos, às distintas
realidades de um grupo do 3º ano diurno e outro do 3º ano noturno, inserido na EJA. Para o
primeiro grupo, a condição juvenil está ligada às expectativas quanto ao futuro; à
preocupação com o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM; ao cuidado com as relações
pessoais, em saber com quem se envolver para não prejudicar sua trajetória de vida. Para o
segundo grupo, a condição juvenil é permeada pelas exigências do mercado de trabalho;
pela conciliação entre trabalho e estudo; pela precariedade do ensino noturno; pela
frustração gerada por uma prática pedagógica homogenizante que não considera as
diferentes culturas inerentes às diferentes faixas etárias que compartilham o mesmo espaço
educacional. Em ambos os casos, está presente a busca por um conhecimento realmente
significativo, que gere um reconhecimento gratificante de que todo o seu esforço faz sentido,
que com todas as dificuldades, vale à pena estudar.
Nesse contexto, a relação entre professores e alunos apresentou-se marcante
nas discussões realizadas. É inegável, com base nas falas dos sujeitos pesquisados, a
importância do professor, em seu papel de incentivador ou de repressor, de facilitador ou
destruidor das possibilidades de sucesso dos jovens em sua trajetória escolar, e até mesmo
pessoal, uma vez que é preciso considerar o jovem estudante, além da condição de aluno,
em sua dimensão humana total, como sujeito sociocultural , em sua diversidade de culturas
e de identidades. Observei aspectos identitários ligados à subjetividade e à individualidade:
a relação com a família, a religião e a relação com o saber apresentada por Vinícius; a
atuação no movimento hip-hop, a experiência com o tráfico de drogas e a conciliação entre
a religiosidade e uma postura contestadora, apresentada por Arnaldo; a condição de travesti
e sua relação com a família, o trabalho e a escola, a atuação junto a uma ONG voltada à
cultura LGBT23 apresentada por Val; a condição juvenil, enquanto esposa e mãe,
trabalhadora e estudante, apresentada por Isolda; a dedicação e os bons resultados nos
23
LGBT – “Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros”. Sigla utilizada para denominar o
Movimento político-social e as culturas desses grupos identitários.
130
estudos e as expectativas de futuro, apresentas por Silvio; a postura arredia e avessa à
cultura apresentada por Esther; e tantas outras. Perpassando cada uma dessas identidades,
busquei mostrar aspectos diversos da condição juvenil que se delineiam de acordo com
cada realidade expressada.
Muitos questionamentos surgiram no decorrer deste trabalho: como é possível
“infiltrar” as referências históricas de Alagoas e a diversidade cultural nos saberes
curriculares? A transversalidade basta? Seria possível um trabalho multidisciplinar no
sentido de contemplar as culturas na rotina pedagógica? Seria necessário uma nova
pesquisa para aprofundamento dessas questões.
Diante dos resultados obtidos nesta pesquisa, e corroborando com o que
diversos autores estudados apresentam, considero que o Ensino Médio representa uma
“fase” da vida estudantil que precisa ser discutida e orientada de acordo com as culturas, a
história, as demandas e dimensões que envolvem o ser humano enquanto sujeito
sociocultural, marcado por diversidades e individualidades. Nesse aspecto, e especialmente
tratando-se de Alagoas, contemplar as culturas locais, uma vez que estas servem de pano
de fundo para a experiência de vida de cada um dos jovens estudantes, é algo que
enriquece o trabalho pedagógico e fortalece a autoestima do jovem aluno, pois possibilita a
aquisição de um conhecimento significativo, inserindo o mesmo em seu local de origem, o
ponto de partida para qualquer que seja a identidade cultural que esse sujeito constituirá no
decorrer de sua existência.
Apesar da escassez de debates em torno dessa temática, as falas dos jovens
estudantes envolvidos nesta pesquisa revelam a necessidade de se trabalhar, dentro do
ambiente escolar, assuntos relacionados às culturas em Alagoas, o que inclui as produções
culturais e os modos de expressão dos próprios jovens, em favor do desenvolvimento da
autoestima desses cidadãos alagoanos e da contribuição para a sua construção identitária,
fornecendo-lhe um suporte de referências culturais, considerando a importância de saber
“de onde veio” para, a partir daí, poder afirmar-se ao dizer “quem sou” e “para onde vou”.
131
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136
APÊNDICES
Apendice A - Questionário aplicado na 1ª etapa da pesquisa
Apendice B - Questionário, criado pelo “Grupo de Pesquisa Juventudes,
Culturas e Formação- CEDU/UFAL”, aplicado nos grupos de
discussão
Apendice C - Roteiro da entrevista individual
APÊNDICE A
Questionário aplicado na 1ª etapa da pesquisa
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APÊNDICE B
Questionário, criado pelo “Grupo de Pesquisa Juventudes, Culturas e
Formação- CEDU/UFAL”, aplicado nos grupos de discussão
138
APÊNDICE C
Roteiro da entrevista individual
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