Lucivanda de Souza Silva Gomes

Título da dissertação: CANTANDO A MÚSICA E A VIDA - Movimentos Formativos no Pólo de Música de Messejana

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MINTER – UFAL/INSTITUTO FEDERAL DE PERNAMBUCO

LUCIVANDA DE SOUSA SILVA GOMES

CANTANDO A MÚSICA E A VIDA
- Movimentos Formativos no Pólo de Música de Messejana

MACEIÓ/AL
2011

1

LUCIVANDA DE SOUSA SILVA GOMES

CANTANDO A MÚSICA E A VIDA
- Movimentos Formativos no Pólo de Música de Messejana

Projeto de Dissertação em Educação Brasileira
apresentado ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Alagoas,
Centro de Educação, MINTER UFAL-IFPE, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio da Costa Borba

MACEIÓ/AL
2011

2

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
G633c

Gomes, Lucivanda de Sousa Silva.
Cantando a música e a vida: movimentos formativos no Pólo de Música de
Messejana / Lucivanda de Sousa Silva Gomes. – 2011.
160 f. :il.
Orientador: Sérgio da Costa Borba.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Maceió, Instituto Federal de Pernambuco. Recife. 2011.
Bibliografia: f. 133-137.
Anexos: f. 138-160.
1. Música – Estudo e ensino. 2. Transformação social. 3. Formação musical.
4. Mediação. 5. Cidadania. I. Título

CDU: 372.87

3

MEU SOPRO DE VIDA
Aos meus filhos amados, Luisa e Luis Neto,
meus Anjos de Luz, minha inspiração.
À minha querida mãe Aurenita, exemplo de coragem,
humildade, perseverança e amor incondicional.
Aos meus queridos irmãos, Nena (in memorian), Luciano, Meire,
Luiziania, Euda e Laércio, exemplos de companheirismo,
amor e solidariedade.
Às Mestras e amigas, Ana Maria Militão Porto (Nininha)
e Maria Eunice Moura Silva, mulheres corajosas
que empreenderam o projeto grandioso
do Pólo de Música de Messejana.
À Mestra e amiga Dra. Ângela Maria Bessa Linhares,
cuja sensibilidade trouxe a sábia poesia
que entrelaçou o texto da dissertação.

4

AGRADECIMENTOS
A Deus, autor das bênçãos de luz derramadas em minha vida.
Aos Meus filhos Luisa e Luis Neto, pela compreensão, carinho, e inspiração, e à
minha família, minha mãe e meus irmãos, pelo apoio e incentivo.
Ao meu pai José (in memoriam), pela sabedoria com que guiou nossa família, nos
ensinando honestidade, solidariedade e respeito.
Ao Professor Dr. Sérgio da Costa Borba, meu orientador, por acolher meu projeto de
pesquisa, pela condução sensível e coerente na orientação da dissertação, pela bondade e
prontidão em disponibilizar sempre o seu melhor no decorrer do processo de trabalho.
Aos Professores da UFAL: Elton Fireman, Adriana Sales, Antonieta Albuquerque,
Rosemeire Reis, Inalda Santos e Tânia Moura, pela grande contribuição prestada com as aulas
do mestrado, e em especial, à profa. Neiza Fumes, professora de Metodologia, pelas valorosas
e criteriosas correções no texto da dissertação.
À Professora Dra. Valquíria Borba, pela importante colaboração na fase inicial do
projeto, na reestruturação do texto encaminhado ao Comitê de Ética.
Ao IFPE, na pessoa do então Reitor Professor Sérgio Galdêncio Portela de Melo, pela
oportunidade do MINTER.
Aos meus colegas do mestrado: Zivaneide Lefosse, Gerline Maciel, Felisberto
Nascimento, Fátima Figueiredo, Denise Barbosa, Míriam Pereira, Roseli Conrado, Ruth
Malafaia, Elizete Coelho, Roberto Tigre, Sílvio Penna, Ana Patrícia Santana, Daricson
Caldas, Eliane Angelim, Wilson Lima, Eraldo Silva e Ivon Guimarães, pelo carinho de cada
um e pela caminhada juntos.
À Nininha, mestra e amiga, pelas histórias contadas e compartilhadas (histórias de
vida), histórias que teceram nosso cotidiano de amor e solidariedade no Pólo de Música de
Messejana, que nos serviram de aprendizado de música e vida, e hoje compõem a essência
deste trabalho.
À Eunice Moura, minha primeira professora de flauta doce, pela condução
fundamental no instrumento e no pensar a vida.
Aos amigos Regina Gadelha, Ideusa Monteiro e William Freires, pelo carinho e tempo
concedidos à coleta das histórias e depoimentos que deram corpo ao trabalho.
À Ângela Linhares, pela doação de amor e saber para a construção deste trabalho.
Aos professores outros que participaram da experiência do Pólo de Música: Tarcísio
José de Lima, Elvira Drummond, Betânia, Elba Braga Ramalho e Luiza de Teodoro, pela
contribuição fundamental na minha formação musical e humana.
À Educadora Maria das Dores Muniz de Melo (in memoriam), fundadora do Colégio
Santa Maria, pelas lições de vida e de responsabilização na educação.

5

À Profa. Rosa Amélia, Diretora Pedagógica do Colégio Santa Maria, pelo incentivo e
carinho depositados no meu trabalho com os Corais.
À Profa. Miriam Ramalho, por articular minha vinda para trabalhar em Recife, pelo
apoio, carinho e atenção.
Aos colegas do Colégio Santa Maria, pelos aprendizados de vida e trabalho juntos, em
especial a Nadir Acioly, pela combinação solidária que facilitou meu percurso no mestrado.
À Daniele Cruz, minha professora de Flauta Doce no Bacharelado (1985), pela
oportunidade de aperfeiçoamento no instrumento.
Aos professores de flauta transversa, Sérgio Campelo (1983) e Rogério Acioly (1986),
pelo empenho e competência fundamentais para a minha formação no instrumento.
Aos amigos instrumentistas das “rodas de choro” em Recife, pelo aprendizado de
ritmo e vida, em especial ao grande violonista Tonhé (in memoriam): delicadeza e
sensibilidade.
Ao Luis, eterno amigo, pela disponibilidade de me acompanhar nas idas a Maceió.
À Lau, minha colaboradora fiel, pelos cuidados e carinho com Luisa e Luis Neto.
Ao Rodrigo, amigo de Messejana, por seu apoio para a realização do Encontro dos
Coralistas de Messejana.
A todos os meus amigos (e a cada um especialmente), que participaram do Pólo de
Música de Messejana e do Projeto Um Canto em Cada Canto: amigos de voz, de sopro, de
vida.
A todos os meus alunos (motivação maior para empreender esse estudo), com os quais
tenho aprendido a ligar música e vida.

6

MEU SOPRO DE VIDA
Aos meus filhos amados, Luisa e Luis Neto,
meus Anjos de Luz, minha inspiração.
À minha querida mãe Aurenita, exemplo de coragem,
humildade, perseverança e amor incondicional.
Aos meus queridos irmãos, Nena (in memorian), Luciano, Meire,
Luiziania, Euda e Laércio, exemplos de companheirismo,
amor e solidariedade.
Às Mestras e amigas, Ana Maria Militão Porto (Nininha)
e Maria Eunice Moura Silva, mulheres corajosas
que empreenderam o projeto grandioso
do Pólo de Música de Messejana.
À Mestra e amiga Dra. Ângela Maria Bessa Linhares,
cuja sensibilidade trouxe a sábia poesia
que entrelaçou o texto da dissertação.

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Vendedor de sonhos
tenho a profissão viajante
de caixeiro que traz na bagagem
repertório de vida e canções
E de esperança
mais teimoso que uma criança
eu invado os quartos, as salas
as janelas e os corações
Frases eu invento
elas voam sem rumo no vento
procurando lugar e momento
onde alguém também queira cantá-las
Vendo os meus sonhos
e em troca da fé ambulante
quero ter no final da viagem
um caminho de pedra feliz

Tantos anos contando a história
de amor ao lugar que nasci
tantos anos cantando meu tempo
minha gente de fé me sorri
tantos anos de voz nas estradas
tantos sonhos que eu já vivi
(O Vendedor De Sonhos – Milton Nascimento)

8

RESUMO

A música, assim como a Filosofia e a Sociologia, sempre esteve presente no pensamento
pedagógico da educação brasileira, como elemento indispensável para a formação integral do
homem, dada a supremacia com que essa arte envolve o ser humano, sendo-lhe intrínseca,
viabilizando o lapidar de posturas, conferindo, neste processo de formação, o caráter de
unicidade do ser. Buscamos, através deste estudo, compreender e dimensionar a linguagem
musical como elemento importante no meio educativo, através do relato de experiências
vivenciadas no cenário de uma escola de música de periferia (o Pólo de Música de
Messejana), observando, dentro da inter-relação educador/educando/saber (música), a figura
do educador como intermediador e viabilizador de uma formação significativa, utilizando-se
das possibilidades que o fazer musical disponibiliza para a sensibilização, formação e
transformação do ser. Partimos da idéia de que a música, por si só, não transforma o
indivíduo, visto que a música tanto pode ser instrumento de formação da cidadania, como
instrumento de dominação ou alienação, dependendo da utilização que se faz dela. Apesar da
íntima relação entre os elementos musicais com os sentimentos humanos, o mero contato com
a matéria musical e a apreensão de sua técnica não tem ação transformadora autônoma, como
crê o senso comum. Acreditamos que a ação do educador é que definirá a intencionalidade do
processo educativo. Elaboramos, então, uma composição metodológica de Estudo de Caso e
História de vida, dada a singularidade do nosso objeto de estudo: o Pólo de Música de
Messejana - ações, inter-relações e subjetividades. Os instrumentos de coleta de dados serão
entrevistas abertas, depoimentos, conversações formais e informais (oralidades significativas),
documentos e (ou) similares, resgatados durante o processo de pesquisa de subsídios e que
possam tornar o melhor possível delineado o conteúdo do estudo proposto. Por tratarmos aqui
de inter-relações grupais, de construção coletiva de aprendizado, com o olhar sobre a
unicidade do ser complexo, elegemos a Abordagem Multirreferencial como fio condutor das
nossas reflexões sobre processos educativos de música em conexão com a vida

Palavras-Chave: Música-educação. Mediação. Formação. Transformação social.

9

ABSTRACT

Music, as well as Philosophy and Sociology, was always present in the Brazilian education
pedagogical thoughts , as an indispensable element towards the integral formation of
mankind, regarding the supremacy as the way this art involves the human being, and is
intrinsic to them, making viable to lapidate postures, bestowing, under this formation process,
the uniqueness of a person character. We look for, through out this study, to understand and
dimension the musical language as an important element in the educational means, through
reports of experiences lived in a music school scenery on the suburbs (the Polo de Música de
Messejana) the Messejana Music Pole, observing, inside the interrelation educator / pupil /
knowledge (music), the image of the educator as an inter mediator and a facilitator of a
significant formation, using the possibilities that the musical execution predisposes towards
sensibility, formation and transformation of beings. We start from the idea that music, by
itself, does not transform a person, otherwise music can be not only an instrument of
citizenship formation, as well as an instrument of domination or alienation, depending of the
usage we make of it. Although the intimate relation between musical elements and the human
feelings, the mere contact with musical subjects and the apprehension of its techniques does
not have an autonomous transformation action, as common sense believes. We believe that
the educator action is what will define the intention of the education process. We then work
out a methodological composition of Case and life History, hence the singularity of our study
object: Messejana Music Pole – actions, inter relationships and subjectivities. The instruments
of data collection will be: open interviews, testimonies, formal and informal conversations,
(significant spoken reports), documents and (or) similarities, rescued during the subsidies
research process, and that can be able to become the best possible outlined study contempt. As
here we deal with inter group relations, of collective learning process construction, looking at
the uniqueness of the complex being, we elected the Multi Reference Approach as the
conductor line of our reflections about the music educative processes in connection with life.

Keywords: Music-education. Mediation. Formation. Social transformation

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
1. MULTIRREFERENCIALIDADE NA PESQUISA.................................................... 23
2. PROCESSOS FORMATIVOS EM MÚSICA, NOS INÍCIOS DO PÓLO DE
MÚSICA DE MESSEJANA - EM BUSCA DA CONCEITUAÇÃO DE
EXPERIÊNCIA FORMATIVA EM MÚSICA.................................................................. 36
2.1 Entre mangueiras e sonhos: a estruturação das idéias e a formatação geral do projeto,
como ação coletiva nos primeiros movimentos formativos do Pólo de Música...........

66

2.2 Cotidiano e luta na construção do Pólo de Música: a busca da aquisição do espaço físico
e a instauração do cotidiano de convivência entre educadores e educandos................... 72
2.3 Dialogismo em Educação Musical: os Corais infantis e de jovens como atividade
centralizadora das ações musicais do Pólo, em diálogo com outras ações....................... 78
2.4 Mediação e complexidade: o educador como mediador entre o Pólo de Música e a
comunidade................................................................................................................... .

84

2.5 Textos e contextos: articulando o momento de criação do Pólo de Música com algumas
lições sobre o ensino da música na educação brasileira................................................... 94
3. HISTÓRIAS DE VIDA E (TRANS) FORMAÇÃO: MOVIMENTOS DE MÚSICA
E VIDA.................................................................................................................................... 100
3.1. Escutando mundos de vida: Rondós - A Bruxinha Molhada; Partilha e
Brincando de mãe........................................................................................................... 102
3.2. Canções de Viver: aprendendo lições sobre auto-gestão no Pólo de Música................ 109
3.3. Cantando a vida: o desafio dos Corais.......................................................................... 114
3.4. Flauta, Sopro, Vida....................................................................................................... 117
3.5. Multiplicando Saberes: a aprendizagem de trabalho como princípio formativo
no Pólo de Música de Messejana................................................................................ 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS.......................................................... 128
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 133
ANEXOS............................................................................................................................

138

11

INTRODUÇÃO
A música é um universo vastíssimo de possibilidades, conceituações e finalidades: a
música como linguagem (seus símbolos, signos e encadeamentos); a música como terapia;
estética da música; produção musical (estética e técnica); história e estilos, entre outras
possíveis abordagens. Nesse estudo, trataremos da música no contexto educacional, na
perspectiva dos processos formativos que envolvem as aprendizagens musicais em conexão
com a vida.
Nessa busca de compreendermos a importância da música como meio educacional e
sua ação formadora e transformadora do ser social, faz-se pertinente, de início, situarmos os
motivos e inquietações que nos levaram a empreender esse estudo, o que, para tal, reporto-me
à minha história de vida e formação (a então educadora-pesquisadora): um movimento de
música e vida que teve início no Pólo de Música de Messejana - uma escola de música na
periferia de Fortaleza – Ceará, cujas atividades visavam à formação musical e humana.
Inicio esse estudo, então, partindo de mim, de minhas implicações com o objeto de
estudo (o Pólo de musica de Mesejana), trazendo minha história de vida num recorte que
abrange o início de minhas experiências em torno do fazer musical, em várias instâncias, até o
momento do mestrado, quando busco nessa itinerância pela música, respostas para minhas
inquietações sobre a prática da educação musical, com a intenção, também, de
(re)significação dos meus trabalhos recentes como educadora musical.
A compreensão a qual me proponho buscar através desse estudo é a da mediação do
educador musical como definidora dos movimentos formativos significativos – música em
conexão com a vida. Nesse sentido, meu relato de vida colabora na delimitação do problema
de pesquisa, ao mesmo tempo em que descreve parte de um processo formativo mediado pela
música, que é o cerne deste processo investigativo: os movimentos formativos no Pólo de
Música de Messejana, sob a ótica da aluna que se tornou educadora, e cujos saberes
apreendidos, amalgamados, tornaram-se elementos de vida e trabalho (os saberes musicais e
suas significações).

Meu percurso na música

Entre os anos de 1981 a 1989, participei de uma rica experiência em arte-educação,

12

que fundamentou toda minha vida pessoal e profissional: o Pólo de Música de Messejana 1,
uma escola de arte (arte e vida – arte do bem viver). A escola tinha esse nome por ter sido a
música a atividade que iniciou e impulsionou um grande projeto, cujo objetivo maior era levar
arte a uma comunidade desprovida de oportunidades, porém, rica de possibilidades, partindose do ponto de vista do observador, do articulador de intenções e ações para a cidadania dos
que compunham a comunidade de Messejana e adjacências.
Não havia como imaginar-se um “destino” diferente para um adolescente de
Messejana, dada a realidade “já configurada” pelas condições sociais, econômicas e
principalmente políticas, onde o descaso com a educação era patente, como também pela
acomodação a esta situação, indiscutivelmente instalada nas famílias e na comunidade como
um todo, conforme podíamos perceber pelo modo de vida que se levava ali.
No meu caso, como também de meus seis irmãos (e da grande maioria das crianças e
adolescentes do bairro), todos seguíamos o mesmo percurso: o 1ºgrau menor (à época)
cursávamos na Escola José de Alencar; o 1º grau maior, no Colégio José de Barcelos; o 2º
grau, na Escola Paulo Benevides. Uma escolaridade (como também uma formação)
totalmente pré-estabelecida e sem muita perspectiva de que fosse diferente, pelos motivos já
citados.
Porém, em 1977 (aqui, outra história de vida entrelaça-se à minha), iniciou-se um
movimento de Canto Coral nas escolas José de Alencar, Demócrito Rocha e José de Barcelos:
Ana Maria Militão Porto (a Nininha), uma professora de Educação Artística que nascera em
Messejana e, tendo morado desde a infância no Rio de janeiro, num internato cuja tia era
diretora, lá estudou música (tocava piano), e, anos depois, voltando a Messejana como
professora, percebe que na comunidade, só ela tivera acesso à música. Daí, começa a
atividade com os corais nessas escolas, como forma de resgatar um saber que de fato e de
direito deveria ser disponibilizado a todos, indistintamente (como nos diz a professora).
Na época, eu era aluna do Colégio José de Barcelos, e apesar de ter aulas de Educação
Artística com Nininha (Ana Maria Militão Porto), minha atenção era voltada aos esportes:
jogava hand-ball, e era considerada na escola uma boa atleta. Assim, não cheguei a participar
desse início dos corais em 1977.
A atividade coral, instalada e reconhecida na comunidade pela qualidade e
reconhecimento que tomaram os corais de Messejana (como veremos no decorrer deste
estudo), levou à criação do Pólo de Música de Messejana em 1981, época em que fui

1

Messejana é bairro da periferia de Fortaleza-CE e iremos contextualizá-lo no Capítulo 2 deste estudo.

13

convidada por Nininha a participar dessas atividades; explico agora por que: em abril de 1981,
sofri um grave acidente, o que me afastou permanentemente das quadras. Em visita a mim,
Nininha, que fora minha professora na 5ª série, me convida a participar do Pólo de Música de
Messejana, quando, em Agosto do mesmo ano, inicia-se meu histórico na música.
A música foi o elemento central para o desenvolvimento das ações educacionais e de
intercâmbio entre escola e comunidade, e, dada a sua riqueza como meio educativo e de
expressão artística, transformou uma comunidade sem som, sem cor, sem perspectiva, numa
articulação solidária em torno do Pólo de Música, o que trouxe vida nova e esperança a todos
dali, através da formação musical dos alunos, da formação dos grupos de Coral, Flauta e
Violão, cujas performances tornaram-se referência e motivo de orgulho para a comunidade.
A filosofia da escola era a do bem comum, construído com a participação de todos
(sistema de auto-gestão), sendo tal configuração baseada no amor ao próximo, no bem-estar e
crescer do aluno, na felicidade de ver uma vida florescer e se fortalecer a partir das aulas de
música, do encontro com o outro, das histórias de vida, da valorização do ser na relação entre
o educador e o educando, o que teve enorme relevância na minha formação enquanto
educadora. Nessa inter-relação, o diferencial era a postura dos professores, comprometida
com o crescimento musical e humano do aluno, tendo a música e seu aprendizado como fio
condutor do processo educativo desenvolvido, como escreve Penna (1990, p.37):

Concebemos a musicalização como um processo educacional orientado que,
visando promover uma participação mais ampla na cultura socialmente
produzida, efetua o desenvolvimento dos instrumentos de percepção,
expressão e pensamento necessários à decodificação da linguagem musical,
de modo que o indivíduo se torne capaz de apreender criticamente várias
manifestações musicais disponíveis em seu ambiente.

Nesse contexto, vivenciei a música em todas as suas etapas. Primeiro, como aprendiz
empenhada no fazer artístico, construindo habilidades musicais: a descoberta da sonoridade
da voz, o cantar em grupo, a independência vocal no canto a quatro vozes, a harmonia do
coral; o aprendizado da flauta, a concentração que o estudo do instrumento requer, o
dedilhado, a leitura de partitura, o sopro... elementos de música que enriqueciam e
modificavam minha vida. Depois, através da monitoria nas escolas públicas de Fortaleza
(movimento hoje encampado pelo POMMAR-USAID2), onde comecei o exercício da
docência em educação musical; mais tarde, a Licenciatura em Música, que fundamentou

2

POMMAR – Programa de Prevenção Orientada a Meninos e Meninas em Situação Risco.

14

minha prática e me deu subsídios para seguir na profissão de educadora musical. Finalmente,
a vinda para Recife, para trabalhar em uma escola da rede privada de ensino – o Colégio
Santa Maria. Já em Pernambuco, o coral com as meninas do antigo mercado de Jaboatão (o
retorno às origens - o paralelo e as convergências entre essas duas realidades, Messejana e
Jaboatão, ambas à margem do amparo do poder público); o Bacharelado em Flauta Doce
(instrumento de trabalho); o estudo da flauta transversa no Conservatório Pernambucano de
Música (instrumento que toco até hoje, minha paixão); em 1985, o concurso público para o
IFPE (à época, Escola Técnica Federal), onde trabalho até hoje com adolescentes e jovens. A
formação seguiu a trajetória de uma aprendiz que se tornou educadora, apaixonada pela
profissão, amadurecendo e fundamentando-se através da leitura e da prática cotidiana, da
observância dos próprios resultados de trabalho, da pesquisa de outros tantos trabalhos e
histórias, da influência dos mestres. Enfim, todo um processo de transformação e busca
pessoal, que hoje espreita pela brecha da possibilidade de refletir sobre estas experiências,
pesquisando e analisando a literatura referencial, reordenando pensamentos, concepções e
direcionamentos de trabalho, esperando que, com isso, possamos somar nossas reflexões, às já
empreendidas, e às que com certeza ainda virão, sobre o processo educativo que se realiza
através da música, tendo como tônica a formação humana e a inserção social.
Contextualizado, assim, em linhas gerais, o meu percurso na música (partindo da aluna
até chegar à profissional que hoje busca reflexionar sobre sua prática, sempre referenciada
pela sua história de vida e formação), trago, agora, uma grande inquietação que me
acompanha desde que comecei a observar os processos formativos em várias instituições de
educação musical, observando também pessoas e seus modos de lidarem com a música: é que
encontramos verdadeiras deformações, em contextos onde a música é tratada como mera
técnica, e que, em muitos casos, a performance musical e o virtuosismo é que são priorizados,
acompanhados de uma vaidade que embota a essência do fazer musical, do modo como o
entendemos - um fazer que nos instrumentaliza para a sensibilização e para um novo olhar
sobre nós mesmos como sujeitos no mundo e com o mundo.
Nesse sentido, focaremos nosso estudo nos três elementos implicados no processo
educativo-musical: o educador, o educando e a música (o saber), sendo a mediação do
educador, no nosso entender, definidora dos resultados significativos deste processo.
As questões sobre formação musical significativa (formação do sujeito social) nos
inquietam, visto que, no nosso cotidiano de trabalho, percebemos assistematicamente, junto
aos alunos, no nosso aprendizado, que a música revela auto-estima e prazer, quando tratada
como elemento que viabiliza a sensibilização humana, e não somente como pura técnica. Sob

15

esse olhar, acreditamos que a técnica no canto ou no instrumento deve estar a serviço da
dignificação do sujeito, o que nos leva a perscrutar essas construções imaginárias3 em torno
do fazer musical em Messejana, também como forma de reflexão e re-elaboração de nossas
práticas.
Ao estudarmos processos formativos em música em conexão com a vida, ancoraremos
nosso estudo em um contexto específico que é o Pólo de Música de Messejana. Na verdade,
tentamos retomar também a problematização do acesso a um saber que, historicamente, tem
sido negado às populações empobrecidas. Sobre esse aspecto, nos fala Penna (1990, p.35) que
a compreensão e apreensão dos elementos musicais, como código lingüístico, normalmente
destinado a uma minoria privilegiada, ao ser dessacralizado, permite aos sujeitos a
apropriação de meios de expressão e luta que podem viabilizar o pleno desempenho social e a
atividade transformadora do real.
Nos mesmos termos, da arte como obra destinada ao humano, Mário de Andrade
(1975, p. 23) coloca este pensamento, assim: “[...] o homem, como atitude, menos que erguerse até a divindade, busca participar da natureza desta mesma divindade”.
Isto nos leva à questão do talento, sobre o qual o senso comum atribui a posição de
condição primeira para a criação artística, no nosso caso, para se fazer música, o que, de
partida, é pensamento excludente e não corresponde ao que de fato apresenta-se no ser
humano. Vigotski (2009) questiona-nos e esclarece-nos:

Surge a questão: a atividade da imaginação não depende do talento? Existe
uma opinião muito difundida de que a criação é o destino de eleitos e apenas
quem tem o dom de um talento especial vai desenvolvê-la, podendo
considerar-se convocado para a criação. Esse postulado não é correto, como
já tentamos explicar. Se compreendermos a criação, em seu sentido
psicológico verdadeiro, como a criação do novo, será fácil chegar à
conclusão de que a criação é o destino de todos, em maior ou menor grau;
ela também é uma companheira normal e constante do desenvolvimento
infantil. (VIGOTSKI, 2009, p.52)

Nesse sentido, é que podemos dizer que estamos a tratar, em última instância, da
socialização do saber em música em um contexto formativo que pensa a inclusão social de
sujeitos complexos.

3

Referimo-nos à idéia das criações empreendidas a partir da dimensão sensível dos sujeitos, intervindo na
realidade já dada, de forma a criar novas formas de vida – transformação do real. Castoriades (2004, p. 129) as
nomeia de imaginário instituinte: “[...] trata-se de uma faculdade constitutiva das coletividades humanas [...], do
campo social-histórico [...] Criação aqui quer dizer [...] fazer-se de uma forma que não estava lá, a criação de
novas formas de ser”.

16

Castoriadis (2004, p.291) diz que "[...] o saber é um objeto social por excelência [...] fonte de um prazer que não é nem prazer de órgão nem simples prazer de representação
[...], mas o prazer de pensar". Daí nossa indignação pelo saber (o musical, inclusive)
confiscado do domínio público, o que impossibilita às coletividades excluídas o "prazer de
pensar" e a possibilidade de progredirem na construção digna de seus projetos de vida
individuais e coletivos, que se dão por meio de movimentos de transformação social.
Nesse estudo, partimos da idéia de que a música, enquanto matéria sonora e vibração,
por si só, não transforma o indivíduo, mas os processos formativos, dependendo do tipo de
ação empreendida pelo educador, é que as toma de determinada forma. Assim é que a
formação em música tanto pode envolver construtos de aprendizagem transformadores da
cidadania, como pode ser instrumento de dominação ou alienação, dependendo de como se
erguem e se utilizam seus caminhos formativos.
Compactuando com esse nosso pensamento sobre os modos de como se constroem os
processos de formação musical significativa (música em conexão com a vida), tomamos de
Mário de Andrade (1975, p. 14-5) uma citação em que o autor situa a “virtuosidade” como um
dos aspectos da técnica na arte, que traz em si o grande perigo de desvirtuar-se o artista das
“virtudes sociais” da arte. Assim ele nos fala:
[...] este aspecto da técnica a que chamei de “virtuosidade” é também
ensinável e muito útil. Não me parece imprescindível, porém, e, como toda
virtuosidade, apresenta grandes perigos. Não só pode levar o artista a um
tradicionalismo técnico, meramente imitativo, em que o tradicionalismo
perde suas virtudes sociais pra se tornar simplesmente “passadismo”ou, si
quiserem, “academismo”; como porque pode tornar o artista uma vítima de
suas próprias habilidades, um “virtuose” na pior significação da palavra [...]
que se compraz em meros malabarismos de habilidades pessoais, entregue à
sensibilidade do aplauso ignaro.

Nesse veio, o educador musical Willems nos diz a respeito do virtuosismo e da ação
do educador enquanto condução sensível da educação musical: “Se o virtuoso leva uma
mensagem ao mundo, o pedagogo pode levar a sua. È menos visível, porém em um plano
humano e musical esta mensagem pode alcançar uma importância, uma beleza comparável à
de um concerto” (WILLEMS, 1962, p.24).
Entendemos, assim, que, apesar da íntima relação entre os elementos musicais com os
sentimentos humanos, e, pois, da sua riqueza enquanto arte, o mero contato com a matéria
musical e a apreensão de sua técnica não tem ação transformadora autônoma, como crê o
senso comum. Acreditamos que a ação do educador e os movimentos formativos que ele

17

instaura ou ajuda a instituir é que definirão a „intencionalidade‟ e as resultantes do processo
educativo na educação musical. Essa é a compreensão que buscaremos através desse estudo.
Nessa perspectiva, vemos em Ardoino (2003, p. 7-8), quando discorre sobre os
conceitos de educação e projeto, a questão da intencionalidade como componente decisivo e
definitivo “de todo projeto de significações nas quais e pelas quais a sociedade se estabelece e
que constituem o seu fundamento mais profundo”. É essa intencionalidade da ação do
educador definindo práticas sociais, que delineará e dará significado ao processo educativomusical, nos termos em que Ostrower (2009, p.10) também nos coloca:
Daí podermos falar da „intencionalidade‟ da ação humana. Mais
do que um ato proposital, o ato intencional pressupõe existir
uma mobilização interior, não necessariamente consciente, que é
orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a
situação concreta para a qual a ação seja solicitada.

A ação educadora e musical é intencional, dizemos – e nossa própria intenção e
implicação neste estudo que toma agora o formato de dissertação, o que mobiliza em nós e em
que contexto situacional se gestou?
Com base nas experiências do Pólo de Música de Messejana e suas aprendizagens,
buscaremos compreender os movimentos formativos ali vividos coletivamente, sob a ótica da
mediação do educador delineando as ações.

Nesse espaço-tempo, ressalto que essas

construções formativas envolvem uma compreensão do educador atuando como mediador
entre a escola e a comunidade, através de suas ações com o educando.
Sobre essa mediação4 fundamental, nos diz Borba (2001, p.60) que:
Numa mediação sempre estamos inseridos numa estrutura ternária, a interrelação formador/aprendiz/saber. Na relação formador/formando, o saber
(todos os dispositivos) é mediador; na relação aprendiz-saber, é o formador.

O Pólo de Música de Messejana será o cenário onde se irá tecer a trama das
aprendizagens dos educandos com os fios da musicalidade, entendendo-se que “A música é
uma experiência humana. Não deriva das propriedades físicas do som como tais, mas sim da
relação do homem com a música” (PENNA, 2008, p.27). A música é entendida assim, como

4

Mediação, segundo Macedo(2010, p.32), “podemos definir filosoficamente como um processo criador pelo
qual se passa de um termo a outro, de uma situação a outra, bem como sociologicamente, como o que
possibilita o caráter relacional, acionalista e construcionista das realidades humanas; toda mediação configura-se
numa ação que altera, provoca mudança em alguém ou alguma coisa[...].

18

elemento de condução dos movimentos formativos que aqui tratamos, ressaltando-se suas
características de sensibilização, que podem levar à transformação do indivíduo.
Dentro deste pensamento, sobre a ação transformadora da música, entendemos que as
possibilidades de desenvolvimento musical dos sujeitos podem desencadear um
amadurecimento capaz de os tornarem senhores de si mesmo, cidadãos do mundo e no mundo
- mas isso só é possível se construirmos ambientes e processos formadores capazes de levar a
esse desiderato.
Por pensar o sujeito humano como ser complexo, esta ação educativa que envolve a
aprendizagem da música se dá em um construto que nomeamos de desenvolvimento da
sensibilidade. Pensamos, então, que os componentes musicais lidam com aspectos do
sentimento humano, como podemos perceber no dizer de Fonterrada (2005, p.186):

Nenhuma ação pode ser dissociada do sentimento e é por isso que a música é
particularmente importante para o ser humano, pois sua similaridade com o
sentimento torna a experiência imediata e profunda.

Entendendo os processos formativos em música como fenômeno social, consideramos
a relação intrínseca e indissociável do indivíduo como ser social e, portanto, que produz
sentido sobre sua experiência. Podemos, nesse sentido, refletir com Castoriadis (2004, p.152158):
[...] a sociedade não existe fora dos indivíduos que a compõem. A atividade
auto-reflexiva de uma sociedade autônoma depende essencialmente da
atividade auto-reflexiva dos humanos que a formam. [...] eu sou, como
somos todos, um fragmento ambulante da instituição da sociedade,
fragmentos ambulantes e complementares uns aos outros.

Dessa forma, nosso olhar seguirá as particularidades do indivíduo, buscando nele
compreender a articulação pessoal e social de suas ações. Seguiremos, aqui, o “fio da história“
(também da nossa história pessoal e coletiva), ao nos situarmos como sujeitos que somos do
nosso fazer, e por entendermos que a constante observação desse nosso fazer é que nos levará
a intervir ou interferir nos processos formativos que lidam com a transformação do nosso real.
É sob essa ótica, da inter-relação dos sujeitos no processo educativo como centro de
construção dos saberes que medram nas ambiências formativas, que abordaremos neste
trabalho o fazer musical na educação.

19

Assim, na intenção de delinearmos o melhor possível nosso objeto de estudo,
buscaremos perscrutar e dimensionar a linguagem musical, reflexionando sobre categorias
como: a relação educador/educando e suas mediações (o ensino da música, a relação com a
comunidade, os fazeres do cotidiano); a valorização do território como lugar da vida; o
exercício de superação do formalismo no ensino da música, tudo isso observado através da
produção musical no mundo local, da expressão de pensamentos e partilhas de sensibilidade,
da (re)estruturação de modelos de convivência e de visões de mundo, as quais tentaremos
capturar.
Pensamos que, para analisarmos a ótica da mediação do educador, necessário será
observarmos também, de que modo a música e os movimentos formativos do Pólo de Música
tiveram relevância enquanto instrumentos de valorização dos sujeitos participantes desta
experiência (a ótica do sujeito), conferindo-lhes dignidade, confirmando a força do querer
fazer em educação. Delinearemos, através dos relatos dessas inter-relações, momentos de
construção de um cotidiano significativo, numa perspectiva ascendente de realizações, prazer
e transformação do indivíduo e de uma coletividade, conforme acreditamos - cresce o ser,
modifica-se um contexto, ganha a humanidade.
Entendemos, aqui, compreender no ato da pesquisa, enquanto dispositivo de reflexão de
experiências, como elemento de articulação de significados para o vivido, criando-lhes
sentido. Sentido que nos remete a sensibilidade, intenção, orientação e significação, nos
termos de Macedo (2010). O autor assim nos fala:

Compreender [...] é saber inclusive que o Ser aprende contextualizado,
referenciado; que aprende afetivamente, que a afetividade aprende, que o
corpo aprende, e que, ao aprender, lutamos por significados, numa bacia
semântica, social e culturalmente mediada; é tratar compreensivamente com
toda a existência se colocando em movimento, em mudança, via sua
itinerância de aprendizagens e experiências em formação, como uma
totalidade em curso, em estado de fluxo (MACEDO, 2010, p. 29, grifos do
autor).

Desse modo esboça-se nossa análise, segundo a categorização de Herbet de Souza
(1988): o acontecimento central do estudo é a criação ou a instituição de uma escola de
música num bairro de periferia, partindo da ação individual de uma professora de música; o
cenário é a instituição imaginária do Pólo de Música de Messejana; os atores, os alunos e
professores (comunidade) e o contexto cultural local; e a relação de forças, é a transgressão
da acomodação que restringia o ensino da música a redutos elitistas e fechados em suas
metodologias, instituindo movimentos na educação através da música que nos levem ao

20

entendimento dos possíveis a serem construídos a partir deste projeto criador. Vejamos, a
seguir, como se fará esse estudo.
Mediante um estudo de caso sobre a experiência formativa do Pólo de Música de
Messejana, situaremos nossas reflexões sobre a mediação do educador na formação dos
sujeitos, vistos em sua complexidade, portanto, sendo considerada sua dimensão artística que,
por sua vez, envolve aspectos desejantes e cognitivos. A formação dos sujeitos, portanto,
inclui movimentos complexos, multidimensionais e que se situam em ambientes sociais que
se caracterizam pela complexidade.
Nossa busca dar-se-á através de entrevistas abertas e semi-estruturadas, bem como
mediante análise interpretativa das histórias de vidas e formação do grupo de pessoas (duas
professoras, sendo uma a idealizadora do projeto, a própria pesquisadora e três ex-alunos),
cujas histórias de vida servirão de referencial para o estudo aqui proposto. Ratificamos, aqui,
as narrativas de histórias de vida como dispositivos prioritariamente valorizados para a
constituição de nosso estudo, por trazerem elementos que, por outras vias não nos seria
possível alcançar.
Nesse sentido, pensamos com Macedo (2010, p. 173), quando se refere à condução de
pesquisa na Escola de Genebra e na Escola de Chicago, cujas teorias, pesquisas e processos
formativos, situam a história de vida e a (auto)biografia como fundantes de todo um
movimento do campo da formação. Essa modalidade de pesquisa expande-se hoje em escala
mundial, justamente por mobilizarem importantes direcionamentos epistemológicos,
metodológicos e formativos.
O caráter de auto-formação inerente a toda pesquisa, em especial às de cunho
biográfico, será considerado em todos os momentos deste estudo, visto tratar-se de uma
atualização de experiências (vivências reflexionadas), cujas observações serão calcadas na
trama das histórias de vida a serem exploradas.
Segundo Macedo (2010, p.193), a reflexão pode ser tomada “como uma categoria
fundante da formação”, como uma prática de formação. Assim: “A atividade reflexiva, no seu
sentido formador e transformador, revela seu caráter de auto-reflexidade, como também de
valorização dos elementos formativos e da prática formativa”. O autor refere-se, assim, à
análise que leva à compreensão de nossas implicações, denotando seu aspecto formador:

A análise das nossas implicações nos cenários de formação aponta para a
compreensão dos nossos vínculos afetivo-libidinais, políticos, éticos,
profissionais, institucionais, culturais, com os quais irremediavelmente,

21

conscientes ou não, entramos nas experiências formativas. É assim que a
implicação afirma o sujeito em formação. (MACEDO, 2010, p. 71)

Chegamos, aqui, ao conceito de implicação, trazendo as próprias implicações da então
pesquisadora como fundamentais para as interpretações que darão corpo a este estudo.
Busquemos, então, a compreensão do conceito:

Etmologicamente, o termo implicação se constrói a partir do prefixo in, do
latim plicare, significando dobrar, e a terminação ação indicando um
movimento, muito mais do que um estado. Afirma o Ser de subjetividade, ou
seja, nossa condição de sujeitos, conscientes ou não, em movimento, lúcidos,
errantes. (MACEDO, 2010, P. 71)

Esboçados os caminhos que pretendemos seguir nessa nossa empreitada, pensamos (e
tentaremos capturar em nossas observações e buscas) que investir na carreira de arte-educador
(enquanto mediador de processos educativos) é criar uma ponte de ligação entre o indivíduo e
coletividades, agregando destinos e, possivelmente, transformando uma realidade que, no
silêncio do mero cumprimento de um dia-a-dia árido e sem perspectivas, descobre na música,
através do descortinar dos sons de suas vozes e instrumentos musicais, uma nova perspectiva
do viver.
Após a Introdução, a Seção 1 será intitulada Multirreferencialidade na Pesquisa.
Desenvolveremos, nesta, reflexões sobre aspectos teórico-metodológicos da pesquisa, que será
centrada em um Estudo de Caso e Histórias de vida.
Nossa perspectiva metodológica será a da multirreferencialidade, entendida como meio
de compreensão da complexidade dos sujeitos e contextos. Neste sentido, a abordagem
multirreferencial nos auxilia a compreender e resgatar o humano, o singular das culturas e a
pluralidade do diverso nos indivíduos, conferindo-lhes lugar primordial no contexto das interrelações educacionais, elementos que vão nortear nosso olhar para compreendermos os
processos formativos do Pólo de Música de Messejana.
Na Seção 2, já focalizando vários âmbitos da experiência, abordaremos os primeiros
movimentos formativos da instituição Pólo de Música de Messejana: os corais como atividade
inicial, a luta para aquisição do espaço físico, o delineamento do projeto da escola, os
educadores enquanto mediadores das ações, as articulações entre o contexto do Pólo de Música
e o ensino de música na educação brasileira.
Na Seção 3, traremos relatos e histórias, baseadas em entrevista coletiva, em que alguns
participantes do Pólo de Música de Messejana narram os principais aprendizados da

22

experiência. Faremos um contraponto entre este momento de entrevista coletiva e as histórias
de vida, que trazem leituras das transformações pessoais e sociais vividas, baseadas nos relatos
dos atores eleitos para construção deste estudo.
As Considerações finais e perspectivas farão a ponte que liga as vivências do Pólo de
Música de Messejana à nossa atividade atual de música nas escolas, motivação para as nossas
indagações no presente trabalho.

23

1. MULTIRREFERENCIALIDADE NA PESQUISA

Iniciaremos, dizendo que os processos formativos em música, pelo fato de lidarem
com subjetividades, e também por se situarem nos contextos das ciências antropossociais, não
comportam um estudo e uma compreensão nos moldes quantitativos, estatísticos, que
caracterizam abordagens diversas das abordagens qualitativas. E a música – enquanto som,
vibração, mas também fenômeno cultural, humano – quando envolve educação, fenômeno
intencional e social, por excelência, necessita de olhares múltiplos para que possamos chegar
a interpretações que possam melhor elucidar os aspectos singulares do fenômeno educativo.
Sendo assim, o olhar sobre o ser complexo, as representações, as inter-relações, as
construções imaginárias da cultura do grupo, da forma como se apresentam no nosso objeto
de estudo, sinalizam a necessidade da utilização da multirreferencialidade, como meio
apropriado de apreensão e elucidação das subjetividades implícitas (e explicitadas) nos
movimentos da prática musical educadora vivida no Pólo de Música de Messejana.
A complexidade das inter-relações que levam à transformação social é bem traduzida
por Ardoino (2003, p.85), quando este nos fala que, transcendendo as significações
individuais dos sujeitos, as interações sociais são definidoras das significações culturais:
Com as palavras de Ardoino (2003, p.85):

[...] é muito mais ainda o jogo das interações sociais, associando e
confrontando indivíduos e grupos, dotados de funções psíquicas, de desejos,
de memória, de consciência, se fazendo eles mesmos, trabalhando o sentido
através de tudo o que fazem, que segregam, produzem, verificam, trocam,
transformam no tempo, historicamente as significações.

Pensando, então, na complexidade das inter-relações sociais, não há como dissociar
complexidade e multirreferencialidade, visto que esses dois conceitos, na realidade, são
complementares, sendo esta última entendida como uma perspectiva de compreensão dos
fenômenos complexos. Assim é que discorre Ardoino (2003, p. 75):

Quando, enfim queremos assinalar a importância de perspectivas
complementaristas para a inteligibilidade dos fenômenos, no âmbito das
Ciências Antropossociais, fazendo, por exemplo, apelo a sistemas de
referência, a grades de leitura diferentes (psicológicos, psicossociais,
sociológicos), a complementaridade é, aqui, a dos conjuntos, profunda senão
irredutivelmente, heterogêneos.

24

Acolhendo estas múltiplas referências, diremos com Ardoino (2003, p. 76), em
particular, quando discorre sobre a compreensão dos fenômenos educacionais, que a
multirreferencialidade seria uma forma de criar novos olhares sobre as práticas educativas,
mais especificamente, na perspectiva dos indivíduos (perspectiva psicológica), das relações
(perspectivas psicossociais) e da instituições (perspectivas sociológicas), elementos estes que
compõem as chamadas “organizações”, cuja análise Ardoino (1971) chama “análise
institucional”.
A análise institucional vem a ser, ainda segundo o autor, uma introdução à análise
multirreferencial, tendo as duas os objetivos semelhantes quanto à elucidação dos
movimentos latentes nas práticas sociais, principalmente as práticas educativas.
Busquemos elucidação para os conceitos que delineiam a análise institucional,
enquanto perspectiva de reflexão sobre as práticas sociais, especialmente as educativas. O que
vem a ser instituição?
As instituições são um conjunto de atos ou idéias todo instituído, que os
indivíduos encontram diante de si e que mais ou menos se lhes impõe. Não
há nenhuma razão para reservar exclusivamente como se faz ordinariamente,
esta expressão para os arranjos sociais fundamentais. Entendemos, portanto,
por esta palavra tanto os usos e modas, os preconceitos e as superstições,
como as constituições políticas ou as organizações jurídicas essenciais; pois
todos esses fenômenos são da mesma natureza e diferem somente em grau.
(ARDOINO, 1971, p. 447-8).

Nesse sentido, diremos, ainda segundo Ardoino (1971, p. 448) que “a perspectiva
centralizada em torno da instituição nos faz necessariamente atingir, no plano das
significações, [...] os hábitos estabelecidos, as convenções ou as sanções, ou, mais geralmente
ainda, todos os comportamentos sociais”.
Assim é que a multirreferencialidade, enquanto multiplicidade de olhares sobre o
humano, se presta à compreensão das inter-relações sociais e suas construções significativas
de vida, partindo das particularidades do ser social às formações sociais, e os fazeres que
compõem sua cultura, especialmente o que vem a ser suas construções instituintes.

Um olhar sobre a Complexidade
Para que possamos delinear um percurso que nos leve a um melhor entendimento da
multirreferencialidade como perspectiva norteadora para a compreensão dessa rede de
significados que permeiam os fenômenos educativos que estudamos, diremos que as teorias
sobre a complexidade surgiram, ou foram sendo „instituídas‟, a partir das necessidades

25

observadas nas ciências sociais e humanas: precisava-se de instrumentos que melhor
pudessem elucidar os estudos empreendidos sobre os fenômenos sociais. Morin (2009, p16)
nos auxilia a aprofundar esse olhar:
A Universidade soube responder ao desafio do desenvolvimento das
ciências, operando uma grande mutação no século XIX, a partir da reforma
de 1809, efetuada por Humboldt em Berlim. Ao instituir sua liberdade
interior frente à religião e ao poder, tornou-se laica e abriu-se à grande
problematização oriunda do Renascimento, que questionou o mundo, a
natureza, a vida, o homem... [...] a Universidade faz coexistir a cultura das
humanidades e a cultura científica.

O vínculo entre as culturas das humanidades e a científica é um laço que precisamos
buscar, sobretudo se lidamos com a arte, sua reflexão (a estética), como também a educação
como ciência antropossocial. Dentro dessa escolha para a pesquisa, as abordagens
quantitativas não mais são suficientes para tal compreensão. Por seu lado, dada a constante
mudança do homem e do mundo e diante, também, das descobertas de Freud sobre o
inconsciente como fundamentalmente definidor do comportamento do homem perante a vida
e o mundo (individual e social), deve-se alcançar os extratos não mensuráveis da experiência
humana.
O mundo é complexo, suas problemáticas também – e assim, fez-se necessário
incorporar ao campo científico, abordagens qualitativas que possam dar conta desse universo
– nosso esforço vai nesse sentido.
Para dar conta, pois, dessa complexidade, lançamos mão de várias ciências, em
especial a Educação e, em Filosofia, a Estética, que complementam os estudos sobre arte vista
também do ponto de vista da Cultura. Os aportes da Psicologia, Psicanálise, Sociologia são
aprofundamentos de menor monta, que se fazem a partir do olhar já múltiplo que se tem
exercitado.
Cabe dizermos, agora, que esse surgimento das novas abordagens não se deu de forma
unânime, nem foi de fácil aceitação no meio científico, sobre o que, diz Ardoino (2003, p.31):
Por isso, formas de reflexão, embora racionais, não poderiam ser
confrontadas com enunciados científicos. Elas pertenceriam aos campos da
Filosofia, da Arte, da Poeticidade, do Romance ou do Discurso. Assim, em
seu tempo, as fenomenologias, as abordagens hermenêuticas, a psicanálise
incipiente, as sociologias críticas, etc., tudo que poderia empregar o
Imaginário era julgado: devaneio, reflexo, ilusão.

Pensamos que essa resistência ao entendimento e aplicação da inteligibilidade
característica da teoria da complexidade e do olhar mutirreferencial, é recorrente ainda em

26

muitos espaços do meio científico. Há ainda muito forte nas ciências os resquícios do
positivismo, a necessidade de comprovação cabal dos fatos e fenômenos, e a idéia do que se
supõe ser a objetividade segura; a fragmentação e a redução. Estes saberes assim captados e
construídos supõem uma lógica:
A lógica a que obedecem projeta sobre a sociedade e as relações humanas as
restrições e os mecanismos inumanos da máquina artificial com sua visão
determinista, mecanicista, quantitativa, formalista, que ignora, oculta e
dissolve tudo que é subjetivo, afetivo, livre e criador (MORIN, 2009, p.18,
grifo meu).

O pensamento complexo e as abordagens multirreferenciais mais apropriadamente
podem capturar a ordem viva do universo, da cultura; a „utopia‟, a esperança e os movimentos
de transformação que unem objetividade e subjetividade. Como diz Ardoino (2003, p.34), ao
criticar o pensamento unilateral e que funciona por redução:

O pensamento linear, conservado a sete chaves, de Aristóteles a Descartes e
Newton, nessas formas de apreensão da realidade, tudo isto está em vias de
ser explodido. Não é certamente fácil, a partir de nossas tradições
intelectuais [...].

Mas, ao nos depararmos com as necessidades de novas interpretações do nosso fazer
educativo (particularidade deste estudo), é que entendemos que:

É uma melhor articulação entre o social e o psíquico, o individual e o
coletivo, que se busca atualmente no seio da análise das práticas. Aliás, o
conceito de “práxis pedagógica”, que Francis Imbert distingue do de
“prática”, inclui na sua compreensão o enfoque dessa articulação complexa
do psicológico com o político, que ele admite mobilizar no conjunto das
dimensões conscientes e inconscientes do sujeito (ARDOINO, 2003, p.34).

Morin (2010, p.216), referindo-se ao seu Método para compreensão das ciências
naturais e humanas, usa a expressão religar como fundamentalmente imprescindível para
interligar os saberes, desconectados com as reformas empreendidas no ensino. Religar seria a
forma de pôr em diálogo e unir saberes, também os contextualizando, esclarecendo-lhes o
sentido e significado em rede. Observa Morin (2010, p.216) que “em nossas escolas, em
nossas universidades, certamente nos ensinam a compreender as coisas, mas elas são
separadas, isoladas. Não somos ensinados a religá-las, e, portanto enfrentar nossos problemas
fundamentais, globais. [...] a vida cotidiana, a vida de cada um de nós”.

27

Assim é que a multirreferencialidade enquanto teoria de compreensão do humano se
apresenta como instrumento de maior abrangência junto às reflexões que estamos a
empreender na pesquisa, e que envolvem fenômenos humanos e sociais, possibilitando a
criação de dispositivos que possam facilitar e enriquecer nossas reflexões.

Buscamos em

Borba (2001, p. 138) mais alguns elementos que configuram mais detidamente a conceituação
da abordagem multirreferencial, que consideramos pertinentes:
Numa abordagem, numa análise multirreferencial, a atualização de conceitos
e a construção de dispositivos são da ordem da arte, da autorização, seja da
ordem de uma escuta sensível às nuanças, aos não-ditos (contextuais), à
complexidade (que comporta em si, e sempre, uma historicidade e, portanto,
a possibilidade de alteridade, alteração).

Nesse sentido, no caso do nosso objeto de estudo (movimentos formativos em
música), em que o olhar sobre as particularidades do indivíduo (legitimando neles o ser social
e suas representações no contexto do fazer musical) será a tônica das experiências aqui
relatadas, a multirreferencialidade tornou-se indispensável. Com a multirreferencialidade, se
poderá buscar compreender os processos formativos vividos no Pólo de Música de
Messejana,– esse olhar múltiplo faz-se necessário à análise interpretativa que esta dissertativa
exige.
Diremos, por fim, que o relato das experiências do Pólo de Música de Messejana
(espaço geográfico e temporal que compõe nosso objeto de estudo de caso - o estudo de um
vivido, visando à sua ressignificação nas práticas atuais) nos leva a crer que a observação
criteriosa de como a música como meio educativo teve o poder de transformar indivíduos é
possível de elucidação, porque os eleitos para este estudo são representativos de uma
experiência viável de análise: duas professoras que atuaram no Pólo de Música entre os anos
de 1981 a 1989 (Ana Maria Militão Porto - fundadora da escola e regente dos corais infantis e
de jovens; e Maria Eunice Moura Silva - professora de flauta doce); três ex-alunos que
tiveram sua formação inicial e média no Pólo de Música no mesmo período delimitado para o
estudo (1981 a 1989), posteriormente fizeram licenciatura em Música, e hoje atuam como
professores de música no estado do Ceará5 (Regina Gadelha, Maria Ideusa Monteiro e
William Freire), e a então pesquisadora, cujo percurso de formação musical inicial se deu no
contexto do Pólo de Música, também entre os anos de 1981 a 1989.

5

Fizemos um levantamento quantitativo que revelou que entre os anos de 1989 a 2007, doze ex-alunos do Pólo
de Música concluíram a licenciatura em Música, e hoje exercem a profissão de educador musical. Há outros que
têm formação média, mas que são professores de música também.

28

Contextualizando, agora, nosso objeto de pesquisa no que se refere à condução dos
processos formativos desenvolvidos no Pólo de Música, pensamos com Fonterrada (2005,
p.129) que: “A capacidade sensorial seria, portanto, o ponto de partida para o despertar de
outras faculdades humanas”, o que revela o caráter de elemento de sensibilização inerente à
música, e da forma como entendemos que se devem conduzir as atividades de educação
musical de modo a torná-las significativas (pois em conexão com a vida). Esse era o
pensamento que norteava o projeto de educação musical e humana no Pólo de Música de
Messejana.
Partiremos, então, da interpretação das histórias de vida e formação e dos relatos dos
sujeitos da pesquisa, ressaltando os fatos corriqueiros deste percurso que, tratados de
maneira sensível, tornaram-se memória histórica, relevante e digna de reflexão, situando a
grandeza com que a simplicidade e a dignidade foram olhadas e vividas como base deste
processo de reconhecimento de valores do indivíduo e da repercussão disto na sociedade.
Freire (1969, p.14) diz sobre essa historicidade do homem:

[...] existir é um conceito dinâmico. Implica uma dialogação eterna do
homem com o homem. Do homem com seu criador. É essa dialogação do
homem sobre o seu contorno e até sobre os desafios e problemas que o
faz histórico (grifo nosso).

É importante frisar desde já que a idéia de dialogismo e historicidade são norteadoras
de nosso estudo, uma vez que o percurso histórico-social será elemento fundamental que
possibilitará sua contextualização, e, assim, a reflexão e (re)significação da experiência.
Expliquemo-nos, nesse sentido: nossa reflexão será calcada no diálogo entre os
recortes temporais, desenhados através das falas dos sujeitos (na forma de memórias,
histórias, depoimentos), com o pensamento atualizado sobre o que nos propomos a
compreender: que a música como matéria física disponibilizada à criação imaginária da
cultura de um lugar, dá-se à inter-relação pedagógica que, de acordo com sua condução, é que
dará contornos significativos aos fazeres musicais e humanos dos indivíduos em questão.
Ardoino (2003, p.77) esboça assim seu pensamento sobre a historicidade enquanto
reveladora dos contornos das criações humanas:
Se a ciência requer sempre mais ou menos, para uma objetivação, a
"espacialização" do "objeto" [...], uma das especificidades mais importantes
das Ciências Antropossociais parece-nos residir na historicidade dos
fenômenos que elas querem estudar. O tempo é, sem dúvida, a dimensão
antropológica mais determinante [...] tudo o que se faz no Homem, tudo o

29

que faz o Homem, individual ou coletivo, tudo o que é feito pelo homem,
somente podem sê-lo temporalmente (grifo do autor).

Nesse sentido, a forma intrínseca (e não difusa) com que muitas vezes apresentaremos
o Pólo de Música de Messejana, os valores musicais, sociais, filosóficos e humanitários que
irão delineando seu percurso, caracteriza a singularidade de nosso objeto de estudo: a música
no Pólo de Música de Messejana - ações, inter-relações e subjetividades, observadas nas
experiências formativas realizadas entre os anos de 1981 a 1989, numa busca de
(re)significação dessas experiências a partir de sujeitos que a viveram e que a refletem em
meio ao movimento e complexidade de suas vidas e práticas educativas atuais.
Macedo (2010, p. 179) diz sobre o método biográfico:

Ao tomarmos o método biográfico como análise, por exemplo, podemos
perceber que aí se presentifica uma dialética entre o passado e o futuro, Uma
dialética fundada na construção de um espaço e tempo críticos. Esta análise
vai justamente mudar a relação do sujeito com sua história.

Diante desta configuração do nosso objeto de estudo – o estudo de caso que envolve
os processos formativos vividos no Pólo de Música de Messejana, o que inclui as histórias de
vida e a complexidade dos sujeitos envolvidos nessa construção – iremos nos deter, agora, nos
aspectos metodológicos que formam nossa pesquisa.

Aspectos metodológicos

Sabe-se que o Estudo de Caso situa-se na esteira das abordagens qualitativas em
educação, abordagem escolhida no trato com fenômenos caracterizados por um alto grau de
complexidade interna e externa. Trazendo o singular do caso, como também flagrando a
cotidianidade vivida nos percursos de construção do Pólo de Música de Messejana,
procuraremos chegar à compreensão dos saberes e das aprendizagens vividas, sempre da
perspectiva dos que viveram a experiência, vista como ação humana partilhada.
Sobre o estudo de caso, Bogdan e Biklen (1991) nos dizem: “O estudo de caso
consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de
documentos ou de um acontecimento específico”. Os autores especificam, ainda, os “estudos
de caso de organizações numa perspectiva histórica”, referindo-se a um recorte necessário ao
entendimento que se queira chegar. Embora a historicidade, para o nosso estudo, esteja mais

30

ligada aos elementos de formação dos sujeitos e desenvolvimento dos movimentos formativos
realizados, há uma delimitação temporal, um recorte, necessários à realização da pesquisa:

Estes estudos incidem sobre uma organização específica, ao longo de um
período determinado de tempo, relatando o seu desenvolvimento. Por
exemplo, pode efetuar o estudo de uma „escola aberta‟, investigando como
se deu o seu aparecimento, como decorreu o seu primeiro ano, que
modificações se operaram ao longo do tempo, como se encontra atualmente
(se ainda se encontra em funcionamento) ou as razões pelas quais foi
encerrada. O seu estudo irá basear-se em entrevistas com pessoas que
tenham estado relacionadas com a organização, na observação da escola e
nos registros escritos existentes. (BOGDAN; BIKLEN, p. 89)

A História de Vida, por seu lado, será um caminho que utilizaremos para abordar o
caso estudado: o Pólo de Música de Messejana e seus processos formativos. Na História de
Vida, por meio de documentos pessoais, como também narrativas orais e escritas, captura-se o
aspecto biográfico dos sujeitos envolvidos na ambiência eleita para estudo. Ao contar sua
história, as pessoas apresentam o que para elas é significativo no universo de suas
experiências. O aspecto de testemunho vivido que vem como extrato do consciente individual
traz, por seu turno, intensa carga emocional, o que faz com que os elementos da esfera do
sensível ajudem a mostrar o sentido mais profundo e totalizador dado à experiência.
Buscamos em Josso (2010, p.115), compreensão sobre as ricas possibilidades
inerentes aos conteúdos das histórias de vida, trazidas ao centro da pesquisa como dado de
extrema relevância à construção do pensamento:
O material “Histórias de Vida” permite colocar em evidência os referenciais,
as estratégias e os recursos utilizados na procura de um “saber viver” a
própria existencialidade. É por meio da revelação progressiva das
componentes desse saber-viver que a busca de uma sabedoria, como uma
pesquisa de uma arte de viver, se impõe como sendo a hipóstase6 que orienta
fundamentalmente a formação.

O fato de termos histórias de vida múltiplas oferta-nos, ainda, um efeito de
distanciamento, onde cada vida é relativizada, de algum modo, e perspectivada pelas outras. O
universo particular de cada história deixa ver, assim, as leituras que são feitas do que foi
vivido e, sobretudo, com o conhecimento global que vai sendo construído pelo conjunto das
histórias, os dados que poderiam ficar dispersos formam um corpus significativo, nos termos

6

Hipóstase, aqui, significa aquilo que está por baixo, dando um suporte, nesse caso, um suporte que orienta a
formação ( JOSSO, 2010, p. 115).

31

que nos fala Macedo (2010, p.173), referindo-se às correntes de pensamento ligadas à Escola
de Chicago, e portanto, às etnometodologias:

[...] essas correntes partem da premissa de que uma ciência antropossocial
deverá constituir-se, acima de tudo, a partir das inteligibilidades, das
descritibilidades, das analisibilidades constituídas pelos atores sociais,
levando em conta os contextos e o dia-a-dia instituído por esses atores.
Nestes termos, suas produções, as mais banais, passam a constituir-se em
material de primeira ordem para pesquisa, elas contêm a ordem social se
fazendo, acontecendo, por aqueles que concretamente a produz.

Bogdan e Biklen (1991, p.92-3) consideram as Histórias de Vida, como configurando
um tipo de Estudo de Caso. Os autores dizem que: “A possibilidade de elaborar um estudo de
caso de uma história de vida é determinada, sobretudo, pela natureza do sujeito potencial [...]
Terá a pessoa tido os tipos de experiências e participado nas organizações e acontecimentos
que você deseja investigar?”. Nossa escolha dos sujeitos baseou-se nesse critério de
participação efetiva destes no contexto estudado, o que nos respalda na composição
metodológica eleita, pelo fato de nosso objeto tratar-se de um microprocesso (a instituição), e
uma particularidade co-existente (as histórias de vida que traçaram os contornos desta
instituição).
Macedo (2010, p. 170) diz ser a formação experiencial, e situa a narrativa do sujeito
como elemento central para que se possa capturar o próprio delineamento histórico dos
sujeitos e sua formação, portanto:

[...] só pela narrativa do sujeito-ator, podemos ter acesso a esse fenômeno e
sua complexidade existencial e sociocultural. Se precisamos do ponto de
vista do sujeito, que define situações, para sabermos da qualidade de sua
formação, a narrativa passa a ter um status de centralidade, para
trabalharmos a formação como fenômeno humano (MACEDO, 2010, p.170).

A abordagem do nosso estudo de caso sobre o projeto do Pólo de Música de
Messejana terá na interpretação da história de vida e formação da professora/fundadora, um
dos principais instrumentos de contextualização e coleta de informações que se referem ao
objeto estudado. A este tipo de sujeito, Bogdan e Biklen (1992, p.95) chamam de
“informadores-chave” (grifo nosso). Os outros sujeitos eleitos para o estudo terão lugar na
composição dos dados como articuladores entre o informador-chave e as ações do Pólo de
Música, completando-lhes os contornos das inter-relações a qual nos propomos tratar.

32

Cabe aqui ressaltar, segundo Deslandes e Gomes (2007, p. 48), a importância de
termos clareza quanto aos critérios de seleção dos sujeitos incluídos na pesquisa. Segundo os
autores sugerem, há que se ordenar uma escolha baseada nos indivíduos sociais que tenham
“uma vinculação mais significativa para o problema a ser investigado”, o que possibilitará
maior abrangência nas várias dimensões do problema investigado (os processos formativos
vividos no Pólo de Música de Messejana, do ponto de vista dos educadores e educandos que
viveram a experiência).
Os instrumentos de coleta de dados serão, então, entrevistas abertas (individuais e
coletivas), depoimentos, conversações informais (oralidades significativas), documentos e
(ou) similares, resgatados durante o processo de pesquisa de subsídios, e que possam realçar o
melhor possível a visibilidade do que se deseja compreender no estudo.
É que buscamos capturar na coleta de dados, o imaginário dos sujeitos, expressos na
oralidade significativa, como elemento fundamental na construção das experiências musicais.
Esse imaginário (individual e coletivo), como se vai deslindar, constituía o conjunto
que compunha muitas das atividades do Pólo de Música, o que possibilita que se possa ter
uma visão “de dentro” da experiência, e se possa colocar, lado a lado, a obra imaginada e a
que se pôde construir realmente, sempre da perspectiva dos sujeitos que viveram a
experiência.
Diremos aqui, que a subjetividade do pesquisador é fator preponderante nas
abordagens qualitativas dessa natureza: os motivos que o levaram à pesquisa, sua interação
com os sujeitos da pesquisa, grande parte das representações sociais que se vinculam ao
estudo, as experiências com o universo da pesquisa, enfim, são mananciais que ajudam a
mostrar a não neutralidade da pesquisa. É importante, contudo, trabalhar esse nosso olhar: se
nos mostramos, com nossos vieses, nossa percepção, compreensões, como aspectos do estudo
em pauta, isso permite que o aprofundamento teórico ganhe rigor e fidedignidade.
Cabe aqui ressaltar o Jornal da Pesquisa - JP (que já aparecerá de início) como um
dispositivo de pesquisa que será utilizado como forma de articulação das reflexões, onde a
então pesquisadora coloca sua fala, ora como memória, ora como depoimento, mas sempre
como fio condutor da construção reflexiva em torno do objeto de pesquisa 7. Trata-se de um
diário, semelhante ao diário de campo, ou diário de bordo, com a particularidade de conter
anotações relativas às subjetividades do pesquisador em relação ao objeto de pesquisa, ao
7

Os textos do Jornal da Pesquisa da então pesquisadora aparecerão, por uma escolha pessoal, no formato de
citação, com caracteres em itálico, indicando uma narrativa de caráter reflexivo-significante.

33

processo de pesquisa, às especificidades do momento de estudo e auto-formação que
caracterizam o estudo, o que significa, acima de tudo, reflexão. Significa uma visão não
positivista dos fatos estudados (eles não falam por si). É “o observador se observando
enquanto observa” – como nos ensina Morin (2010, p. 241).
Dessa forma, o percurso da pesquisadora e suas implicações com o objeto de pesquisa,
serão mostrados, também, nesses fragmentos que permearão todo o estudo.
Esse formato foi escolhido, para que cada etapa da história da pesquisa seja delineada
como um capítulo da própria história de vida e formação da então pesquisadora, inserindo-se
como também sujeito da pesquisa, no contexto de cada experiência vivida e agora
reflexionada. Enfim:

O JP é um guia da rota feita, do percurso existencial de um professor, de um
filósofo, de um artista, de um pesquisador, etc.[...] É um instrumento
metodológico imprescindível dentro da ótica do questionamento e da
elucidação da relação sujeito-objeto, principalmente no campo das ciências
humanas. (BORBA, 2001, p.30)

Pertinente faz-se citar o que diz Remi Hess (apud BARBOSA, 2010, p. 78-9): que a
noção do JP data dos anos de 1920, como prática dos etnólogos, e nas Ciências Sociais, desde
1950, como “jornal pedagógico” (jornais de sala de aula). Porém, situa essa prática de
“diários”, reportando-se aos diários que seu avô escreveu no período da guerra, entre os anos
de 1914-1918, que o autor diz ter publicado em 1988, por ter sido considerado “documento
insubstituível” pelos historiadores. Hess também cita escritos da época de Luis XIV, junto aos
escritos da família do lado de seu pai, caracterizados como “livros de razão” que traziam
histórias de família. Com esse delineamento, o autor situa o Jornal de Pesquisa, enquanto
instrumento de alto valor na pesquisa, sob o caráter de prática da escrita, reflexão sobre seus
conteúdos, e suas significações nos “momentos” 8 da pesquisa.
O Jornal da Pesquisa é recurso que permite que a subjetividade do pesquisador não
escape à própria percepção, o que garante reflexões importantes na construção muito
particular da dissertação. Será, pois, fundamental deixar ver os momentos de construção da
pesquisa. O aspecto construtivo da pesquisa, ao ficar assim marcado, é como a arte - mostra
sua sintonia com a vida:

8

Aludimos, aqui, à teoria dos momentos, de Hegel, citada (e captalizada) por Remi Hess (apud BARBOSA,
2010, p. 86-90)

34

O JP conta os ”andaimes” do edifício, aquilo que depois da obra feita
ninguém vê. O JP é a obra em processo, em movimento, como se uma
câmera-radar estivesse filmando cada segundo do nosso lento avançar,
através das dificuldades e das contradições-mis que nos perpassam, e que
nos impõem ou nos impomos, que praticamos ou sofremos. Como se nos
sentássemos para nos vermos passar. (BORBA, 2001, p.31)

O aspecto teórico da pesquisa tem sido referenciado por mãos diversas: em estética,
dialogaremos com Luigi Pareyson sobre formatividade; sobre cultura com o musicólogo
Mário de Andrade e criatividade com Fayga Ostrower. Os educadores musicais Edgar
Willems, Marisa Fonterrada, Maura Penna e Ana Maria Militão Porto, dialogarão conosco
sobre o ensino da música em contextos formativos. A multirreferencialidade será estudada
com Jacques Ardoino e Sérgio da Costa Borba. Os aspectos da mediação na formação do
educador serão referenciados por Roberto Sidnei Macedo. Edgar Morin nos oferta referências
em uma articulação sobre ética, cultura e educação e Francis Imbert conceitos chaves sobre
processos de formação em educação. De Castoriadis, temos a idéia de imaginação radical e de
autonomização. Sobre saberes docentes, buscamos referência em Paulo Freire. Em Vigotski,
buscamos entendimento sobre imaginação criadora nas várias fases do desenvolvimento
infantil.
Diante da complexidade inerente a todo processo formativo, e no caso particular de ser
a música o saber mediador do processo educador do Pólo de Música de Messejana, é que se
tornou vital a eleição da abordagem multirreferencial como fio condutor que irá interligar as
idéias que compõem o corpo do trabalho.

A noção de multirreferencialidade propõe-se [...] estabelecer um novo
olhar sobre o humano, mais plural, a partir da conjugação de várias
perspectivas teóricas, o que se desdobra em nova perspectiva
epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos
sociais, principalmente os educativos (BORBA, 2001, p.66).

A dissertação terá forma descritiva, e a análise interpretativa implicará sempre a
reflexividade e o diálogo com os autores, capaz de iluminar o que se vai desvelando na
pesquisa. Macedo (2010, p.181), referindo-se à perspectiva dos etnométodos9 a partir da
mediação das histórias de vida, diz serem as interpretações destas algo como:

9

Etnométodo [...] é concebido como a maneira, a forma, o jeito, os métodos pelos quais o s atores sociais, em
atribuindo sentido ao mundo, interativamente, para todos os fins práticos, interpretam e constroem a realidade e a
si próprios. (MACEDO, 2010, p. 214)

35

São jeitos de pensar, jeitos de saber, jeitos de fazer, que transformam o
mundo em algo descritível, compreensível, dizível, algo realizável, para
todos os fins práticos – interpretação cara à etnometodologia 10 – e que
trazem, enquanto status epistemológico e formativo, a possibilidade de
multirreferencializar a formação.

Esboçadas as particularidades do nosso objeto de estudo, temos visto como é

importante desvelar como a perspectiva da pesquisa qualitativa que foi escolhida – O Estudo
de Caso, com as Histórias de Vida – se relaciona intimamente com o modo como
compreendemos o olhar pesquisador e o lugar da pesquisa na compreensão de fenômenos nas
ciências sociais e humanas.

10

Etnmetodologia: ciência dos etnométodos [...] trata teoricamente de como as pessoas constroem a ordem social
pelas suas ações, através doseu métodos, constituídos nas relações interativas, enraizadas na sua cultura e
fazendo-a. (MACEDO, p.213-14)

36

2. PROCESSOS FORMATIVOS EM MÚSICA, NOS INÍCIOS DO PÓLO
DE MÚSICA DE MESSEJANA – EM BUSCA DA CONCEITUAÇÃO DA
EXPERIÊNCIA FORMATIVA EM MÚSICA

Inicialmente, situaremos Messejana histórica e geograficamente, como forma de
compreendermos o contexto onde se insere nosso objeto de pesquisa, do ponto de vista da
cultura local, buscando em suas origens, elementos que possam sinalizar o modo de vida
desse bairro.
Daí, partiremos para o delineamento dos movimentos iniciais do Pólo de Música de
Messenana, sobre os quais trataremos neste capítulo.

Sobre Messejana

Segundo o historiador Freitas Neto (2010, p. 1), Messejana, bairro localizado na
periferia da cidade de Fortaleza (CE), abrigara uma aldeia dos índios Potiguaras, antes da
chegada de Pero Coelho ao Ceará, em 1603. No decorrer da história, a região passou por
outras denominações até tornar-se município.

Hoje, ao pesquisar sobre Messejana, veio-me a indignação de ter nascido
em Messejana, ter realizado todas as etapas dos meus estudos regulares até
o 2º grau (ensino médio) em Messejana, nas escolas José de Alencar, José
de Barcelos e Paulo Benevides, respectivamente, e nunca ter estudado a
história de Messejana. Também, por nunca me ter sido despertada a
curiosidade de saber nossas origens. Que felicidade, hoje, saber que somos
originários de uma tribo indígena! E me pergunto: que fim levou a cultura
indígena de Messejana? Porque nunca ouvi uma canção indígena na minha
infância? Eu teria gostado tanto de saber, em criança, que eu era “um” dos
potiguaras! Agora recordo que quando cantávamos a canção indígena
Catiti no coral, vinha-me uma sensação de identificação que agora sei
explicar. (Jornal da Pesquisa)

Sobre a criação de Messejana, conta-nos o historiador Freitas Neto (2010) que ”[...] o
padre Francisco Pinto, missionário jesuíta que fundou a Aldeia de Paupina em 1607, mais
tarde São Sebastião de Paupina, até se transformar em Messejana ou Grande Messejana, como
é conhecida hoje”:
Messejana, foi fundada em 1º de janeiro de 1760, apesar da lei que a criava
ter sido redigida no ano de 1758. A vila, como era especificada quando de
sua fundação, foi instalada onde existiu uma aldeia potiguar, que por razões
administrativas recebeu em 18 de março de 1663, o nome de Aldeia de São

37

Sebastião da Paupina. Junto a Vila Nova Real de Messejana da América
(primeiro nome de Messejana), que dá razão a Messejana que existe hoje,
também foi criada a Freguesia de Messejana, este último representando a
presença da Igreja Católica na região. (FREITAS NETO, 2010, p.1)

Seguindo esses dados históricos, em Março de 2010, comemorou-se 377 anos da
Aldeia da Paupina, nome dado inicialmente a Messejana, e justificado pela missão jesuítica de
catequização que ali se fizera presente: atribui-se folcloricamente à figura do padre Francisco
Pinto, chamado Pai Pinto pelos índios, estudioso da língua e dos costumes indígenas, o nome
Paupina. Freitas Neto (2010, p.2) diz que “A Aldeia de São Sebastião da Paupina existiu
legalmente até meados dos anos de 1850, paralela a Vila Nova Real de Messejana da
América, hoje Messejana”, e chama atenção ao fato de que, apesar de aldeia e vila
coexistirem em dado momento, a aldeia já existia em tempos imemoriais, e a vila fora
fundada em 1760, tendo hoje 250 anos.
Nem resquícios há hoje do que fora a Aldeia indígena dos potiguaras. Pelo
menos, não de forma perceptível a quem nem idéia tivera de nossa origem
indígena. A única informação sobre o fato que eu tivera conhecimento no
meu percurso escolar e de outras pessoas que indaguei sobre isto, foi a de
que a índia Iracema, “a virgem dos lábios de mel”, personagem fictícia do
romance de José de Alencar, banhara-se na Lagoa de Messejana. Ao que
pude perceber, das gerações de minha mãe, que nasceu em 1934, para cá,
ninguém também teve acesso a essa história das origens e fundação de
Messejana. Hoje vejo historicamente a herança indígena, por exemplo, no
feitio da tapioca na Paupina, no Ponto das Tapiocas – roteiro turístico de
Fortaleza (Jornal da Pesquisa).

Sobre a origem do nome Messejana, o historiador traz três possibilidades, incluídas
uma versão fictícia de José de Alencar, e outra, sobre a qual não há comprovação documental:
O significado, mais correto, a ser aplicado ao nome Messejana é o de
“Lugar de Prisão” advindo do termo “Sajana” termo árabe que batizou
outra vila em Portugal depois da conquista daquela nação pelos povos do
Oriente. Existe pensadores como o escritor José de Alencar que criaram um
significado para a palavra messejana lhe atribuindo origem nativa dizendo
que Messejana significa “Lagoa Abandonada” versão fictícia [...]. A outra
teoria que aponta para explicação que diz que Messejana vem da junção de
Mess+jana, que significa “missão e luar”, teoria essa que ainda precisa de
comprovação documental, mas que ainda não tira a relevância histórica do
termo Messejana como palavra de origem portuguesa com raiz árabe
(FREITAS NETO, 2010, p.3 grifo nosso).

José de Alencar, em seu romance Iracema, cita a presença indígena e também sua
versão para o nome Messejana, referindo-se a Felipe Camarão, o colonizador, assim: “[...]

38

Camarão erguera a taba de seus guerreiros nas margens de Messejana” (ALENCAR, 1991,
p. 81). E traz a passagem sobre Iracema: ”Tão rápida partia de manhã, como lenta voltava à tarde.
Os mesmos guerreiros que a tinham visto alegre nas águas da Porangaba, agora encontrando-a triste e
só, como a garça viúva, na margem do rio, chamavam aquele sítio de Mecejana, que significa a
abandonada ALENCAR, 1991, p. 75, grifo nosso).

Messejana Indígena

Pormenor do mapa da costa do Ceará de 1969, destacando
a área de Messejana por Albernaz I11

Atualmente, Messejana é um Distrito de Fortaleza.
A Grande Messejana (adjascências) 12

11
12

Disponível em http:// pt.wikipédia.org/wiki/Messejana(Fortaleza). Acesso em 08/03/2011.
Disponível em http:// pt.wikipédia.org/wiki/Messejana(Fortaleza). Acesso em 08/03/2011.

39

Atualmente, Messejana é composta por bairros bastante heterogêneos quanto
aos aspectos sócio-econômicos e ambientais, estando quase todos,
administrativamente, incluídos na Secretaria Regional VI da Prefeitura
Municipal de Fortaleza (o Município é dividido em seis Secretarias
Executivas Regionais (SER), intra-regionalmente distribuídas) (PEREIRA;
VASCONCELOS JÚNIOR; OLIVEIRA, 2007, p.8).

Confirmamos nos escritos dos autores que a religião católica marca sua presença em
Messejana, fato ressaltado pelo que representa a Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Conceição, “ao redor da qual Messejana cresceu”. A ação jesuítica resultou na fundação de
escolas confessionais, ainda hoje existentes e em funcionamento em Messejana. O estudo
mostra também, que nenhum outro bairro de Fortaleza concentra tão grande número de
escolas como Messejana:

Em nenhum outro bairro ou distrito de Fortaleza a concentração de escolas é
tão marcante como em Messejana, em especial de escolas confessionais.
Procurar entender como este processo se efetivou e seus desdobramentos em
relação às suas condições geográficas (clima, vegetação, disponibilidade
hídrica etc.), as mobilidades que surgiram a procura deste serviço, a
concentração de população, é fundamental, para que seja compreendido não
apenas as mudanças ocorridas em Messejana, mas também no Município de
Fortaleza, uma vez que, como já foi mencionado, suas histórias se misturam.
(PEREIRA; VASCONCELOS JÚNIOR; OLIVEIRA, 2007, p.9).

Constatamos que o Instituto Frei João Pedro de Sexto, uma dessas escolas católicas de
Messejana, entre 1978 a 1983, oferecia aulas de iniciação musical e canto coral (portanto,
após a fundação dos corais de Messejana, por Ana Maria Militão Porto), e que essas
atividades extinguiram-se depois desse período.
No mais, sobre o ensino sistematizado de música, o que temos são as experiências dos
corais de Messejana a partir de 1977, que tiveram como fruto, o Pólo de Música de Messejana
em 1981, sobre o que falaremos a seguir.

Sobre a criação do Pólo de Música de Messejana

Nos inícios das atividades musicais em Messejana, situamos os corais, surgidos em
1977, nas escolas José de Alencar, Demócrito Rocha (ambas de 1º grau menor, à época) e na
Escola José de Barcelos (5ª à 8ª série), como a atividade central, a partir da qual, surgiu a
necessidade de criação de uma escola que pudesse atender a um estudo continuado em música,
o que na prática já tomava contornos bem definidos, mas que necessitava, agora, do

40

conhecimento e apreensão da linguagem musical, a aprender a tocar um instrumento,
aprofundando e solidificando, assim, as vivências musicais iniciadas com os corais.
A possibilidade de aprender a tocar um instrumento, a decodificar a linguagem
musical, lendo uma partitura, para pessoas que nunca tiveram acesso à arte, traz o tom de
alegria, surpresa e motivação que levava pessoas da comunidade a integrarem-se ao fazer
musical e à escola de música que agregava crianças, adolescentes e jovens da comunidade de
Messejana.

Quando fui ao Pólo... foi a primeira vez que ouvi um Coral cantar. Ouvi as
flautas... Ouvi o Deyves tocando a marimba... Marimba que fora construída
por uma professora: a Eunice. Então comecei a fazer parte do Coral e da
vida da escola de música. Na divisão de tarefas, fiquei cuidando da
biblioteca. Eu lia e limpava os livros também. Caminhei muito rápido com a
música... Acho que me apaixonei muito rápido... Muito rápido e com muita
força me vinculei a uma apreensão intensa da linguagem da música, que foi
me modificando. Me modificou. Os professores passavam uma formação
musical, mas nós trazíamos para a experiência a sede de descobertas do
mundo. Perguntava-me, por vezes, ante a idéia que se formatava, vendo os
grupos musicais que surgiam, brotavam em Messejana como que surgidos
de um sonho: como esses movimentos começaram a surgir? De onde partiu
a idéia da música como atividade educacional em Messsejana? Será que o
estudo da música é algo que pode nos pertencer? (Jornal da Pesquisa)

A surpresa e o prazer em ter uma escola de música no bairro são percebidos nos
momentos da coleta de dados. Pudemos ver a intensidade da surpresa e alegria de muitos –
minha também – quando iniciamos a falar do modo como se vivia as idéias que alimentavam o
começo de nossa vida com a música. Para uma comunidade de periferia, o surgimento de uma
escola de música representava a possibilidade de um fazer novo? – eu me perguntava. Ouvir
sons de vozes e instrumentos no bairro, produzir esses sons, viver a música em uma vida em
comum, eram idéias e práticas que podiam ser sonhadas? Enfim, a idéia do que poderia ser a
escola dava o tom de surpresa e alegria que perpassava os primeiros movimentos de criação do
Pólo de Música.
Para entendermos as motivações que levaram à criação de uma escola de música em
Messejana, recorremos à fala da professora Ana Maria Militão Porto (a Nininha), fundadora
do Pólo de Música de Messejana, em seu trabalho intitulado “Coral Infantil como Elemento
Dinamizador da Educação – relato de uma experiência”, em que a professora traz seu relato
sobre as atividades musicais em Messejana, a partir da formação dos corais, até a fundação do
Pólo de Música:

41

Vários fatores me impulsionaram para iniciar este trabalho em Messejana. O
mais forte foi a indagação: por que, em Messejana, somente eu tinha o
privilégio ou a oportunidade de estudar música? Será que o estudo de música
deve ser somente para as classes mais favorecidas? (PORTO, 1985, p. 5)

Percebe-se, aqui, a insatisfação da educadora em relação à exclusão dos socialmente
menos favorecidos, do acesso ao estudo da música. Essa insatisfação faz-se presente no meio
educativo musical brasileiro, como podemos observar em nossas buscas bibliográficas, e nas
vivências do nosso contexto de trabalho com a música na educação. Constatamos isto em
Penna (2008, p.36), por exemplo, quando nos diz que: “O ensino da música, especificamente,
não escapa do quadro geral do sistema de ensino brasileiro, que ainda é excludente e elitista”.
Outros autores pesquisados são unânimes nessa afirmação do acesso negado à música.
Fonterrada (2005, p.194), refere-se à possibilidade de desmistificação da música citando a
filosofia de Anísio Teixeira, que, ao fazer a proposta da Escola Nova, trouxe as idéias de John
Dewey, segundo as quais, “a arte deveria ser retirada do pedestal em que se encontrava e
colocada no centro da comunidade”.
No Pólo de Música de Messejana, o coral centralizou, de início, a experiência de busca
de acesso ao saber em música, motivação maior para sua fundação, como pudemos ver na fala
de Nininha. Veja-se como:

A proposta de criação do Coral (atividade inicial do Pólo de música) surgiu
como resposta a esta inquietação, com a certeza de que a música é
indispensável à educação, além de ser um direito de todos.
(PORTO, 1985, p. 5).

O Canto Coral, por ser atividade cujo instrumento é a própria voz - “o instrumentista
carrega seu próprio instrumento” – e abrange um grande número de pessoas ao mesmo tempo,
é uma prática musical de mais rápida realização e de resultados também mais rápidos, embora
exija do regente domínio técnico e de condução prática da atividade em massa. Fora isso, o
canto é considerado como importante atividade musical básica, uma construção sonora que
legitima o fazer musical particular, pois que nascido no próprio corpo, e que a partir da qual, é
que se foi formatando a linguagem musical, sobre o que Willems nos diz: “O canto, o canto e
outra vez o canto. O canto é decisivamente a linguagem pela qual o homem se comunica com
os outros musicalmente [...] O órgão musical mais antigo, mais autêntico, mais belo é a voz
humana; somente a este órgão a música deve a sua existência” (WILLEMS, 1961, p. 29).

42

Esta idéia de socialização da música de forma emergente e emergencial, com
abrangência mais ampla, como também a mobilização para o resgate da educação musical na
escola brasileira, tem exemplo claro no Brasil, através do trabalho realizado por Villa-Lobos.
Segundo Negwer (2009), voltando de Paris em 1930, após temporada de trabalhos,
Villa-Lobos encontra o país em dificuldades econômicas, e, em relação à música, um modelo
de educação musical totalmente baseado na concepção italiana, o que o desagrada, visto que a
valorização dos temas e sonoridades brasileiras é sua característica essencial. O compositor
inicia um movimento de resgate de ações na educação musical:

[...] Villa-Lobos dedicou-se a um projeto com que sempre sonhou desde os
anos 1920: a formação de uma educação musical de alto nível no sistema de
educação brasileiro. [...] ele apresentou seu projeto ao secretário de cultura
do estado de São Paulo, cujo governador, Júlio Prestes, confirmou a ele seu
incentivo [...]. (NEGWER, 2009, p. 198)

Villa-Lobos atuou como Supervisor da Educação Musical do governo de Getúlio
Vargas13, e, movido por um sentimento nacionalista, nascido, principalmente de suas
andanças por outras culturas e pela observação que fazia das possibilidades sonoras e
artísticas da nossa cultura, (negligenciadas, pois afastadas das vivências educacionais do
nosso povo), investiu no resgate da música como componente dos currículos de formação na
escola brasileira. Também se ressentia com o modelo de educação musical exclusivamente
disponibilizado às elites, o que o levou a empreender excursões pelo interior do país, na
tentativa de aproximar o povo da cultura, da “grande música” como nos diz Negwer (2009,
p.191): “[...] Villa-Lobos meteu-se no papel de „comissário cultural‟, a fim de aproximar a
população do interior da „grande música‟. [...] mais de cinqüenta cidades deveriam ser
visitadas a partir de janeiro de 1931”.
Movido por esse sentimento nacionalista e pela percepção de nossa riqueza cultural e
suas possibilidades enquanto instrumento de formação, sua idéia era a de resgatar a música na
escola, como também a valorização da cultura brasileira, através de repertório baseado nas
temáticas do nosso povo e de nossas sonoridades tão peculiares (a cultura indígena foi muito
explorada em suas composições), e de forma urgente e emergente. Daí as grandes
aglomerações corais realizadas por Villa-Lobos, simbolizando a música para todos, o que ele

13

Não nos deteremos a observar as críticas de caráter político feitas a Villa-Lobos, em que são apontadas
participações em campanhas políticas a Vargas, utilizando-se do seu trabalho musical. Interessa-nos, tão somente
aqui, a relevância inegável atribuída ao trabalho musical realizado por Villa-Lobos de forma unânime no meio
musical brasileiro.

43

acreditava ser possível, e assim o fez: “Uma concentração orfeônica, realizada em 1931, que
deveria unir todas as classes da cidade de São Paulo, como „Exortação Cívica‟, já contava
com 12 mil cantores” (NEGWER, p. 194)
Este evento simbolizava as possibilidades da “música para todos”: uma reunião de um
coral de doze mil vozes num estádio de futebol (crianças de escolas públicas de São Paulo),
evidenciando, assim, as possibilidades do Canto Orfeônico como atividade riquíssima de
prática musical e socialização desse saber em larga escala. A música voltava à cena da escola
brasileira, realçado o seu valor educacional.
Em „A música nacionalista do governo Getúlio Vargas‟, um de seus escritos didáticos
em música, Villa-Lobos escreve: “[...] uma prática musical coletiva exigente, principalmente
do Canto-coral, estimula não apenas o sentimento de comunidade, mas também ajuda na
formação de uma consciência civil e de um fortalecimento do orgulho nacional”. (NEGWER,
p. 194-5). O autor, aqui, refere-se às funções outras da educação musical, que não somente às
de cunho musical (a performance e o virtuosismo, por exemplo).
Em Messejana, essa socialização do saber teve seus inícios em 1977, também com o
canto coral, até que se sentiu a necessidade de aprofundar-se o conhecimento musical, na fase
em que os coristas atingiram um amadurecimento musical e pessoal. Nesse momento já se
tinha um desempenho vocal bastante avançado, percebido, também, pela recepção e
percepção dos públicos locais e de outros lugares, mesmo fora do estado. Isso se observava
também por ocasião da participação dos corais em encontros nacionais e até internacionais de
coros em Salvador e Recife, como também no registro feito por meio da gravação do disco
“Vozes do Sol”, em um estúdio de Recife, no ano de 1980.

Em 81, senti a necessidade de uma escola que pudesse encaminhar essa
gente miúda para um estudo mais consciente da música. Em 82, o sonho já
era realidade: foi criado o Pólo de Música de Messejana [...]
(PORTO, 1985, p. 14).

Abrimos espaço, aqui, para consideramos o inestimável valor formativo e criador dos
trabalhos que teimam em se organizarem como forma de resistência e possibilidade de
inclusão social, acreditando que a sensibilização do indivíduo através da música pode ser o
diferencial no processo educativo, quando instaurada na forma do fazer musical que integra o
sujeito à coletividade, e esta, como criadora dos seus bens histórico-culturais. É dentro desse
propósito de criação ou recriação do real, que compreendemos estar situado o valor da

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educação musical que se erguia no Pólo, desde seus inícios, vivida como instrumento de
transformação social.
Nesse sentido, entendemos ser a vontade um fator determinante quando se pretende

realizar um trabalho musical significativo, pois que o elemento fundamental para que a
música aconteça como estesia e criação, preservação de matrizes culturais e gestação do novo,
é o fato de ser feita e compreendida pelo ser humano. É no material humano e a partir deste,
que se produz a vibração que é música. Como diz Craveiro (2000, p.09), “o som é movimento
em forma de energia vibratória, o movimento sempre gera um padrão sonoro e vice-versa”.
Na verdade, podemos estender essa idéia de som não só às pessoas que fazem música
ou provocam sonoridades, com seu movimento sonoro, em forma de energia vibratória. É que
todo fenômeno humano parece registrar a criação de um campo de energia que, em última
instância, também produz um fenômeno sonoro. Ouçamos mais um pouco Craveiro (2000,
p.09) ao comentar o pensamento de Khan (1973), referindo-se à associação da idéia de som
com vibração:
A vibração das palavras, dos sentimentos, a linguagem, todo objeto, tudo é
feito de som e produz som. [...] E o homem pelo conhecimento e percepção
do som, de maneira mais sutil, poderá desvendar os mistérios do pensamento
e dos sentimentos, pois serão eles criação e produtos de sons, de vibrações.

Zohar (1994), como comenta Craveiro (2000) - ao observar como as vibrações criam
campos sonoros - nomeia de contextualismo quântico a dependência estabelecida pelo ser em
relação a alguma coisa em seu ambiente geral. Quer dizer, ao criar relações entre a teoria de
campo e o nosso cotidiano, Zohar nos facilita a compreensão do universo existente, cheio de
campos criadores de forças que interagem umas com as outras.
O fazer música, então, é percebido, nessa visada, como uma parte reduzida do
fenômeno sonoro como um todo. E, podemos ver ainda, que música e som enquanto energia,
como diz Gainza (1988), estimulam o movimento interno e externo no homem,
impulsionando-o à ação, promovendo uma multiplicidade de condutas de diferentes
qualidades e graus. Assim, “[...] quanto mais completo for o campo pessoal mobilizado pelo
sujeito que produz a música, tanto mais amplo será o âmbito de ação sobre os sujeitos
receptores [...]”. (GAINZA, 1988, p.33).
Isso nos pode levar, entre outros caminhos, a tomar o aspecto consciente do fenômeno
musical como algo importante. Também Castoriadis já relacionava imaginação com o aspecto
consciente da vontade e também observava que se poderia definir o ser humano pela

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imaginação radical – fenômeno que ele diz caracterizar nossa condição de sermos seres
criadores. Nas suas palavras:

Vontade não é voluntarismo. A vontade é a dimensão consciente daquilo que
somos enquanto seres humanos definidos pela imaginação radical, ou seja,
definidos como seres potencialmente criadores (CASTORIADIS, 2004,
p.195).

Dentro desse entendimento, para a criação dos movimentos formadores do Pólo de
Música: “Nada poderia impedir o início do coral quando a condição necessária já existia:
crianças querendo cantar.”- como insistia a fala de Nininha. E a vontade impulsionou a ação
que instituiu o cantar e tocar como recriação da vida musical e do universo histórico-social em
Messejana.
Era dentro desse ambiente de recusa ao elitismo da arte, que a educadora e os
educandos colocaram-se em relação, sintonizados com a proposta de educação musical que
ora se apresentava à comunidade de Messejana, como um empreendimento conjunto que
dirigia as vontades e os desejos latentes em torno de um saber que ia sendo resgatado. Que ia
sendo construído enquanto saber pertencente e legitimado no imaginário coletivo local.
Baseados nessa fala de Nininha, em que coloca as próprias crianças e seus desejos e
buscas como elementos fundamentais para o fazer musical, reportamo-nos à figura das
meninas órfãs cantoras dos Ospedales de Veneza (conservatórios, tipo orfanatos, chamados
hospitais). A força da música em contextos tão difíceis (independente da cultura a que estão
inseridos) simboliza a pujança da infância no fazer musical (alegria, liberdade de préconceitos), como imagem expressiva das imensas possibilidades que esse fazer imprime,
quando faz aflorar as potencialidades dos sujeitos dados ao fazer que é música e expressão de
vida:
[...] Charles de Brosses,[...] assim descreve a música feita pelas órfãs dos
hospitais de Veneza: [...] - elas cantam como anjos, e tocam violino, flauta,
órgão, violoncelo e fagote - de fato, não há instrumento, por maior que seja,
que as intimide (FONTERRADA, 2007, p.49).

Sobre essa força da infância, Vigotski (2009, p. 44) refere-se à imaginação na idade
infantil como especial. O autor diz que: “A infância é considera a época em que a fantasia é
mais desenvolvida e, de acordo com essa visão, à medida que a criança se desenvolve, sua
imaginação e a força de sua fantasia diminuem”. E diz mais o autor, baseado em Goethe,
sobre essa força do fazer na infância, o que nos ajuda a compreender a força criadora que

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levou as crianças de Messejana (como as meninas órfãs de Veneza) a irromperem no fazer
musical como criação de um novo real:
As crianças podem fazer tudo de tudo, dizia Goethe, e essa ausência de
exigência e de pretensão da fantasia infantil, que já não é livre no homem
adulto, era aceita, muitas vezes, como liberdade ou riqueza da imaginação
infantil (VIGOTSKI, 2009, p. 44).

Vigotski (2009) coloca o amadurecimento infantil em relação á criação artística, em
uma ordem etária de desenvolvimento nas diversas artes, situando a música como a que mais
cedo mostra indícios de desenvolvimento. O autor refere-se, nesse sentido, à questão da
experiência como fator fundamental da qualidade e melhor elaboração da criação, ao lado do
poder imaginativo (a fantasia, no caso). Assim, podemos relacionar a apreensão e
desenvolvimento da linguagem musical com a linguagem oral e escrita: a fala (depois do
gesto) é a primeira expressão na criança, o que corresponde ao cantar; os símbolo e signos
vêem depois, o que corresponde à leitura e escrita musical. Assim é que o autor especifica
(baseado nos exemplos de amadurecimento precoce), o desenvolvimento da criação artística
no indivíduo:
Como exemplo de amadurecimento precoce, podemos citar Mozart aos três
anos; Mendelssohn aos cinco e Haynd aos quatro. [...] Nas artes plásticas, a
vocação e a capacidade de criação revelam-se bem mais tarde, em média,
por volta dos 14 anos; [...] Na poesia, não são encontradas obras que tenham
algum valor extrapessoal antes dos 16 anos. (VIGOTSKI, 2009, p. 52)

Vigotski atribui essa hierarquização de desenvolvimento à experiência, fator
preponderante que se liga e dá novo significado à imaginação criadora, considerando o fato da
oralidade desenvolver-se primeiro, já que não necessita de maiores elaborações mentais, como
é o caso da escrita (estágio superior de desenvolvimento). Assim:

Existe um fato básico que demonstra com firmeza que, antes da criação
literária, a criança deve crescer. Somente num estágio bem superior de
acúmulo de experiência, somente num estágio superior de domínio da fala,
somente num estágio superior de desenvolvimento do mundo, pessoal e
interno da criança, torna-se acessível a criação literária. Esse fato consiste no
atraso do desenvolvimento da escrita em relação à linguagem (VIGOTSKI,
2009, p.62).

Esse pensamento nos leva a refletir sobre as elaborações musicais realizadas na
infância, ressaltando a facilidade com que se obtêm respostas da criança nesse sentido. Em

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Messejana, os corais infantis seriam exemplo dessa força motriz criadora na criança, para a
posterior necessidade de contextualizar e re-elaborar esse fazer musical prático (o cantar em
grupo), através da apreensão da linguagem musical e da prática no instrumento?
Sobre essa força imaginativa criadora, que é o desenvolvimento e a legitimação das
potencialidades inerentes ao indivíduo, buscamos compreensão em Ostrower (2009, p.5),
quando a autora refere-se à criação humana como realização da potência inerente ao ser
humano, no contexto de sua cultura. É nesse sentido que criar pode ser tomado como um
formar:

No indivíduo confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de uma mesma
relação: a sua criatividade que representa as potencialidades de um ser único,
e sua criação que será a realização dessas potencialidades já dentro do
quadro de determinada cultura. Assim [...], criar corresponde a um formar.

Nesse sentido, os processos formativos significativos seriam desencadeadores dessas
potencialidades do indivíduo, através dos processos de criação, nos moldes do que podemos
observar sobre a instituição da música enquanto saber resgatado (nos referimos à ausência da
música nos currículos escolares por ocasião da fundação do Pólo de Música) e disponibilizado
no contexto do Pólo de Música de Messejana.
Vemos desde aqui, um processo coletivo de criação: criação de espaços de ser e fazer
mais amplos; mobilização conjunta para a criação musical que se ensaiava; instituição da
música como saber de criação do imaginário em Messejana, através da formação dos grupos
corais - Coral Infantil da Escola Demócrito Rocha, Coral Infantil da Escola José de Alencar e
Coral Jovem da Escola José de Barcelos. Um bairro de periferia que nunca imaginara uma
possibilidade de dias diferentes do que habitualmente acontecia na normalidade dos fazeres
cotidianos, tinha a música (e música de qualidade), agora, instituída, produzida pelos alunos,
como componente de sua formação enquanto seres sociais.
Na busca ainda de compreendermos, através deste Estudo de Caso, a música e sua
função na formação e transformação dos sujeitos (sempre mirando a importância da mediação
do educador nesse processo) faz-se pertinente, e imprescindível até, reflexionarmos sobre
formação, partindo da idéia da música enquanto potência transformadora de ser e mundo.
Detenhamo-nos um pouco, então, sobre formação e transformação, buscando compreensão
sobre conceitos que possam melhor esclarecer-nos sobre a idéia da formação em profundidade
do ser social para a recriação ou transformação do real.

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Formação e Transformação

Podemos ver formação e transformação, sob essa ótica da formação do ser social para
a recriação do real, não como conceitos isolados, visto que não são produtos ou objetivos de
ações isoladas, mas de natureza relacional.
Ardoino (1971, p.61-2) nos diz a esse respeito:
A formação e o aperfeiçoamento humanos deverão trazer remédios, muitas
vezes tardios, às necessidades mais profundas e inteiramente negligenciadas
pela educação tradicional. (...) as exigências contemporâneas de formação e
aperfeiçoamento têm como alvo ainda mais fundamental o ajustamento ao
mundo e, na medida em que se trata dum mundo que muda, a adaptação à
evolução. Formação torna-se aqui sinônimo de transformação. (o grifo é
nosso)

Para Ostrower (2009, p.51), “Formar importa em transformar”, pois, em termos
estéticos, ao seguir certos rumos a fim de configurar uma matéria, uma forma significante da
arte, por exemplo, o próprio homem com isso se configura. “[...] Estruturando a matéria,
também dentro de si ele se estruturou como ser criador. Criando, então, ele se recria”.
Nesse sentido, o fazer musical configurado em apreensão e produção da linguagem
musical – tocar, cantar, compor – resgata a capacidade criadora individual, subsidiando
transformações individuais e coletivas, conforme nos disse Ostrower: “ Criando, então, ele se
recria”, como recria seu ambiente.
Considerando os processos de formação estritamente ligados à criação humana, no
sentido de que vêem a ser construção de projetos de vida, portanto, originados na imaginação
criadora dos indivíduos, trazemos novamente o pensamento de Vigotski (2009, p. 52), quando
este nos diz que: “É quando temos diante de nós o círculo completo descrito pela imaginação
que os dois fatores - intelectual e emocional – revelam-se igualmente necessários para o ato
de criação. Tanto o sentimento quanto o pensamento movem a criação humana”.
É pensando em termos dessa formação como transformação em profundidade que
analisamos as idéias que tratamos aqui. Desse modo é que percebemos, desde os motivos e
perplexidades vividos em sua gestação, que o Pólo em seu processo educativo tinha como
premissa a consciência individual de potencialidades do sujeito e a conectividade desse saber
reconhecer-se com as necessidades do mundo ao redor. A música tinha como função (além da
função artística), trazer um pensar e agir, de forma a resgatar espaços de saber e de ser –

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movimentos de sensibilização dos sujeitos. Formação, nessa perspectiva, poderia ser
compreendida como um enlaçar-se do vir a ser do sujeito com o vir a ser do mundo.
Não é a mera apreensão do saber que leva à transformação (assim pensamos), mas a
condução e mediação desse processo de apreensão para sua conexão com a vida que o torna
significativo e leva os sujeitos à ação transformadora, através de seus projetos de vida
individual e coletiva.
É à formação do sujeito multidimensional que nos referimos aqui e nos ligamos de
partida ao pensamento de Ardoino (1971, p.67-8), quando este fala:

[...] a formação não pode encantoar-se no domínio da formação intelectual
ou no do saber-fazer (mesmo que, em certos planos, esses tipos de formação
conservem sua legitimidade e sua utilidade). [...] Poderemos falar, em
oposição a outros métodos tradicionais ou mesmo mais modernos, de
métodos de formação em profundidade. Os objetivos comumente buscados
por todos esses métodos são facilitar a tomada de consciência, no plano do
indivíduo ou no plano do grupo, mas duma maneira essencialmente ativa nos
interessados e, através deles, o formador é, então, muito mais um catalizador
do que um agente de formação, no sentido habitual do termo.

Ardoino (1971, p. 65) indaga, em relação à transformação ou modificação que se faz
pela educação: - “Que será, então, nos casos mais favoráveis, uma tal modificação? A que se
dirige ela? De que dependerá? Em outras palavras, que deve mudar no sujeito colocado em
situação de formação e de aperfeiçoamento? As idéias, as técnicas ou as atitudes?”. O autor
afirma, respondendo a sua própria indagação:

Pensamos que a especificidade dos métodos de formação em profundidade
reside no fato de que eles buscam essencialmente uma evolução ou uma
“modificação” das crenças e das atitudes e de que eles terminam por
colocar em dúvida os hábitos mentais, os preconceitos, os estereótipos. Não
se trata mais da simples tradição dum “saber” ou dum “saber-ser”. A ação
formativa quer produzir aqui um conhecimento experimental. dos
problemas, que se pode opor ao “conhecimento intelectual” geralmente
obtido por outros métodos (ARDOINO, p. 70).

Podemos ver, desde agora que a condução do processo da escola de música partia da
experimentação de caminhos novos onde o acesso ao saber em música ia sendo construído. E
podemos ver que também os saberes gerados no ensino da música eram produzidos dessa
mesma forma: a partir de um “conhecimento experimental dos problemas”, a partir das
necessidades e solicitações da prática. Assim se configuravam os saberes musicais

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experienciados no projeto dos corais como atividade musical que deu início ao posterior
projeto do Pólo de Música: a técnica vocal que levava a um cantar diferente, orientado, o
canto em uníssono, depois a 2, 3 e 4 vozes, os primeiros acordes formados pelas vozes dos
corais, a leitura básica de partitura para cantores... Era o saber musical sendo apreendido e
legitimado como um saber, agora, da comunidade.
E que diremos da formação humana, cuja intenção era esboçada no projeto do Pólo de
Música? De que forma configura-se essa conexão da música com a vida?

Formação e Fazer Musical

Aproximando, agora, nosso olhar sobre a formação através do fazer musical, em sua
relação com a vida, foco do nosso estudo, buscamos compreensão em Willems (1961, p.66),
cuja teoria baseia-se nos aspectos psicológicos que a atividade musical desencadeia, através
da ligação do som com os sentimentos, e que deve ser cuidada e valorizada nos processos de
educação musical, de foram a torná-los significativos:

Uma das tarefas da nova pedagogia é unir sensatamente os aspectos
artísticos e científicos da música e harmonizar o saber, a sensibilidade e a
ação. Vida e formas, cultura e técnica devem complementar-se na educação
musical a fim de contribuírem para o advento de um novo humanismo,
conforme as necessidades de nossa época. [...] Sem inteligência, não existe
ciência nem virtuosismo, porém, sem sensibilidade, sem emotividade, sem
sentimento, não existe a verdadeira arte. (WILLEMS, 1961, p.66)

Ligando-se a esse modo de pensar, Wazlawick, Camargo e Maheirie (2007; p.105)
trazem a idéia de que, quando vivemos a música, entra em relação conosco uma rede de
significados de vida, que envolvem todo o contexto dessa experiência, acima de tudo,
relacional. Nos termos dos autores:

Quando se vivencia a música, não se estabelece relação apenas com a
matéria musical em si, mas com toda uma rede de significados construídos
no mundo social, em contextos coletivos mais amplos e em contextos
singulares. Dessa forma, os significados e sentidos da música são
construídos a partir do contexto social, econômico, político, de vivências
concretas da “utilização viva” da música por sujeitos em relação, onde
articulam sua dimensão afetiva, desejos e motivações.

Pensamos o fazer musical como uma particularidade da visão da arte no humano,
portanto, convém alargarmos nosso pensamento sobre a arte em relação com a vida, para que

51

nos situemos dentro de um universo maior – a arte, a vida e o homem – e possamos assim,
melhor contextualizar nossa particularidade: a música.
Pareyson (2001, p. 38) aponta-nos, num primeiro momento, arte e vida como
intrinsecamente ligadas, cumprindo funções de edificação de vida no humano, nos seguintes
termos:
[...] arte e vida foram, com freqüência, intimamente ligadas. Tem-se dito que
a arte acompanha toda a experiência do homem [...], que é ela própria uma
forma de vida, a primeira forma do viver humano, a infância da humanidade;
que tem uma missão a cumprir na vida humana, contribuindo para a
civilização [...], canta as aspirações do homem, acompanha e decide suas
lutas, promove seus ideais, educa seu espírito.

Paradoxalmente, o autor aponta uma segunda forma de concepção da arte, separada
da vida. Nesse sentido, a arte seria um recurso buscado pelo homem, quando satisfeitas todas
as necessidades de ordem “econômicas e cognoscitivas”, morais e políticas, como atividade
de mero deleite, “como evasão de vida, mundo de sonhos, vôo da imaginação [...] refúgio na
pura contemplação, voluntário isolamento das preocupações que afligem a humanidade na
realização de seus ideais e no cumprimento de seus deveres” (PAREYSON, 2001, p.39).
A arte é, assim, colocada pelo autor sobre duas concepções distintas: como
colaboradora na “operosidade humana”, e como distanciada dela na “quietude
contemplativa”. No primeiro caso, a arte teria um valor formativo, podendo tornar-se “razão
de vida para quem a faz e para quem a goza”, situando-se, aqui, a humanidade da arte. No
segundo caso, a arte seria arte mesma, e não outra coisa, “suficiente no seu valor de arte”.
Nesse sentido, Pareyson (2001) expõe categorias que se opõem, mas que, ao final se
encontram e se colaboram na arte: “empenho e jogo, adesão e distanciamento,
responsabilidade e evasão, funcionalidade e gratuidade”. Dessa forma, indagando-se como se
pode atribuir características tão diversas a uma mesma atividade, o autor coloca, agora, esses
dois aspectos como inseparáveis, no sentido de que a arte emerge da vida, pois que já está
nela contida, ao mesmo tempo em que a arte age na vida:

[...] se a arte pode emergir da vida, afirmando-se na sua especificação, é
porque ela já está na vida inteira, que contendo-a, prepara e prenuncia sua
especificação. E, no ato de especificar-se, ela acolhe em si toda a vida, que a
penetra e invade a ponto de ela poder reemergir na própria vida para nela
exercitar as mais variadas funções: como a vida penetra na arte, assim a arte
age na vida (PAREYSON, p. 41, grifos do autor).

Nessa mesma linha de pensamento, relacionando a arte com a operosidade humana de

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um lado, e com os valores estéticos simplesmente de outro, trazemos o dizer de Mário de
Andrade, quando este, referindo-se ao fazer artístico, inclui as exigências humanas e sociais,
também, como finalidade da arte, nestes termos:

[...] está claro que o ser a obra de arte a finalidade mesma da arte, não exclui
os caracteres e exigências humanos, individuais e sociais, do artefazer. Pois
a Arte continua essencialmente humana, si não pela sua finalidade, pelo
menos „pela sua maneira de operar‟ (ANDRADE, 1975, p. 12).

E, trazendo à tona a questão do individualismo do artista, da vaidade que embota os
fins da arte mesma, enquanto valor estético, atitude e concepção tão características na arte dos
nossos tempos, o musicólogo nos diz, conectando arte e vida:

Faz-se necessário urgentemente que a arte retorne às suas fontes legítimas.
Faz-se imprescindível que adquiramos uma perfeita consciência, direi mais,
um perfeito comportamento artístico diante da vida [...]. Só então o
indivíduo retornará ao humano. Porque na arte verdadeira o humano é a
fatalidade (ANDRADE, 1975, p. 32-3).

É certo que a escola de música que se tentava pensar, no Pólo de Música de
Messejana, trazia para nós, para nossas vidas, uma rede de significados que nos punha a cada
momento de nova forma no contexto social de Messejana e do mundo que com ele se
relacionava. Podemos dizer que o que nos movia como aprendizes da música e de todo um
mundo que ela descortinava, fazia com que vivêssemos as descobertas da música junto às
possibilidades de transformação de mundos, no que se desvelava em Messejana como
experiência:
Já desde esse início, eu via que a técnica musical era importante, mas ela
não podia negligenciar a relação da música com a vida. Isso modificava
tudo. (Jornal da Pesquisa)

Mário de Andrade é novamente aqui chamado, agora, a reforçar nosso dizer sobre a
técnica e a subjetividade do artista, ou do artesão – pensando no sentido de artesania de que
nos fala o autor, sempre a relacionando com a subjetividade do ser, com sua vida:

O artesanato é uma parte da técnica da arte, a mais desprezada, infelizmente,
mas a técnica da arte não se resume no artesanato. O artesanato é a parte da
técnica de arte que é, por assim dizer, a objetivação, a concretização de uma
verdade interior do artista. Esta parte da técnica obedece a segredos,
caprichos e imperativos do ser subjetivo, em tudo o que ele é, como
indivíduo e como ser social (ANDRADE, 1975, p. 13).

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Pode-se dizer que havia um “saber em ação” e um “saber que se gestava na ação” no
início do Pólo. E que essa ação inclusiva - uma comunidade inserida no mundo da música,
levando os sujeitos, provavelmente, a possibilidades de vida diferenciadas - nos levava a
questionar o fatalismo do futuro e da nossa formação como aspectos que se relacionavam e se
delineavam desde os inícios dessa experiência como imaginário do grupo.
Ana Maria Militão Porto (Nininha) fala de sua vida nesse período como professora,
nos levando ao cotidiano vivido:

Inicialmente fui contratada pelo Estado, como professora de Educação
Artística: no Instituto de Educação (Cursos Normal) e no colégio José de
Barcelos, em Messejana. Em cada aula, em cada turma, em cada colégio
encontrava todo o apoio e carinho e juntos planejávamos atividades que
nos tornássemos mais encorajados para enfrentar a vida, auxiliados pelas
forças interiores e com muita alegria para retirarmos qualquer sombra de
dor em nossas vidas. Eu me enchia de boas energias com estes contatos que
ia contagiando a todos de cada classe. Dentro de uma simplicidade a gente
ia construindo o programa de acordo com as necessidades. Numa turma a
gente cantava, noutra fazíamos teatro de fantoches, noutra montávamos
peças com as histórias que eles inventavam, e por aí íamos em busca do
encontro consigo e com a turma. Era um entusiasmo contagiante. Declaro
com toda a simplicidade que as idéias e o resultado delas pertenciam a
todos. Esta foi a chave que encontramos para tornar nossas aulas cheias de
vida e com a preocupação constante de melhorar nossas vidas através das
atividades artísticas. O diálogo estava sempre aberto assim como nossos
corações. Tudo era vida, tudo era alegria (Informação verbal14 de Nininha,
o grifo é nosso).

Observemos, nas palavras da educadora, como ao lado de um fazer pedagógico que
“ia contagiando a todos de cada classe, dentro de uma simplicidade... a gente ia construindo
um programa de acordo com as necessidades” vê-se uma continuada referência à vida em
comum que era alimentada por uma visão educacional calçada em Messejana:
[...] em cada aula, em cada turma, em cada colégio eu encontrava todo o
apoio e carinho e juntos planejávamos atividades que nos tornássemos
mais encorajados para enfrentar a vida. Uma vida que estabelecia conexão
com a arte a cada momento: [...] esta foi a chave que encontramos para
tornar nossas aulas cheias de vida e com a preocupação constante de
melhorar nossas vidas através das atividades artísticas. (Nininha, grifo
nosso).

E, em uma explosão de sentimento, conclui a educadora: “Tudo era vida, tudo era
alegria...”
14

Todas as informações verbais virão neste trabalho com caracteres em itálico, e o nome do informante entre
parênteses; escolha feita assim, como forma de facilitar a referência, por haver muita informação verbal trazida
nesse formato de citação no decorrer do texto.

54

A construção das idéias do Pólo gestava-se desde que sua fundadora fora “se
fortificando” para incluir as aulas de Educação Artística como espaço fundamental da vida na
escola e da formação musical como elemento chave da cultura escolar:

Tenho na minha memória a acomodação deles (educandos), bem como a
alegria e expectativa. Era tudo tão simples, tão puro, tão cheio de amor que
aos poucos fomos adquirindo uma sonoridade que demonstrava beleza e
leveza nas vozes infantis. Depois de 40 minutos vinha outra turminha e
começava tudo de novo. Foi indo muito devagar, porém com muito
entusiasmo. De vez em quando nos reuníamos aos sábados pela manhã,
quando não havia aula na escola para juntos (as duas turmas) cantarmos
com muita vida e suavidade o que havíamos visto nos ensaios. A princípio
tudo em uníssono para encontrarmos a cor do coral. A animação foi se
fortificando e assim o que pairava de descrença foi-se apagando, dando
lugar ao possível e ao real valor de um coral na escola. (Nininha)

Ao falarmos em cultura escolar, reportamo-nos aos fazeres humanos, e necessitamos
considerar o inacabamento característico do homem e sua potência criadora. Imbert (2003) já
se referia a isso, ao falar nas atividades da educação, situando o inacabamento no projeto que
deve reger toda práxis pedagógica que se liga à evolução do homem como ser históricosocial:
A dimensão temporal e dialética põe em evidência os desafios da criação e
as armadilhas de inovação, abrindo para a educação uma perspectiva de
inacabamento, de projeto, antes que de programa e de totalidade acabada.
(IMBERT, 2003, p.8)

Dessa forma, percebemos o devir como folha em branco em que se vão delineando os
projetos criadores dos homens e pensamos, com Ardoino (2003), ser o homem o articulador
de suas práticas educativas e, por isso, pode-se dizer que estamos diante também do conceito
de negatricidade: essa capacidade de recriação que é atributo do homem. Ainda
compreendendo este conceito, segundo Ardoino (2003), quando este se refere às implicações
libidinais e institucionais dos alunos, num “jogo articulado das diferentes instâncias na
emergência do sujeito”: “Essa capacidade negatriz, esse poder do espírito de dizer não, é, sem
dúvida, característica do homem. Toda ciência, toda filosofia e, inclusive, a maioria das
inspirações artísticas encontram nela seu fundamento” (ARDOINO, 2003, p.61). E diz ainda,
o autor, que esta negação é da ordem do Imaginário criador, revolucionário, não apenas
negação mágica como supressão ou rejeição, por não haver identificação com; mas negação
crítica, que vem a ser contestação do já reconhecidamente dado, num processo dialético de
“articulação conveniente do imaginário e do real. (ARDOINO, 2003, p. 62-3).

55

Se não havia escola de músicas em um bairro da periferia de Fortaleza, Nininha
agregava a si e seu mundo de arte reinventado, um conjunto de pessoas que passam a
constituir o que o imaginário grupal ia nomeando como um movimento cultural de
Messejana:
Como foi importante para o movimento cultural de Messejana, aquela casa
(o Pólo) que buscava o aprimoramento musical e humano para crianças e
jovens. Tudo era transparente e havia reuniões periódicas onde todos
podiam opinar. Ganhamos um canto para trabalhar com mais segurança e
ampliar o pensamento coletivo (Nininha, grifo nosso).

É certo que esse mirar o novo se fazia com sentimentos que tentavam costurar a força
de abraçar um coletivo musical com a de construir a ação concreta do Pólo de Música; os
aspectos subjetivos aqui pareciam dar a marca da força que ia arregimentando recursos na luta
coletiva cotidiana que se ia tornado pública:

Nunca tive olhos de desconfiança. Estava ali para amparar e para ajudar
meus alunos em qualquer dificuldade. Falo de coração aberto: tudo o que
passei de desagradável serviu para minha formação e me deu subsídios para
analisar com mais calma os acidentes e incidentes na convivência com
outros. Tudo isso me tornou mais forte, mais corajosa mais consciente.
Entretanto poderia ter revertido minha alma de criança para a revolta e
descrença na educação que estavam tentando me dar. (Nininha, grifo nosso)

A coragem e perseverança de Nininha, junto aos seus alunos, iam instituindo o que no
olhar da comunidade era algo estranho aos fazeres comuns da periferia de Messejana: o fazer
arte que era destinado apenas a uma elite privilegiada.
Sob essa ótica do artista como ser social, porém, tendo a arte como instrumento não só
de “encantamento”, mas como instrumento de construção coletiva da vida que os cerca,
intervindo, inclusive e principalmente, nos movimentos sociais e políticos que dão os
contornos ao seu viver, pensamos com Mário de Andrade (1975, p. 146):

[...] um homem como todos, bem vedes, mas se servindo dessa nova e
misteriosíssima arma de beleza - [...] a sua obra de arte. [...]. È o que o torna
um ser particularíssimo. Mas por isso mesmo que pretende a beleza e a
recria em sua criatura, ele é o revoltado por excelência contra os defeitos e as
feiúras da vida, contra as injustiças, as falsificações, contra as mentiras
sociais, as desgraças da vida.

Nesses termos, acurando nosso olhar sobre a vida de Messejana, trazemos a fala de
Regina Gadelha, aluna desde os primeiros momentos do Pólo (hoje educadora musical e

56

regente), em que vemos como o que se punha nos inícios da constituição do Pólo era uma
visão não pessoal do acesso à música, mas uma visão do não acesso à educação musical na
comunidade, senão vejamos:
A primeira coisa que sempre se ouvia dizer é que Messejana não era lugar
de se ter aula de música. A Nininha que não é de desistir, perseverou na
idéia de fazer uma escola de música em Messejana. Foi um desafio para
todos nós. (Informação verbal de Regina Gadelha)

É, pois, sob esse olhar (multirreferencial) sobre as práticas humanas, que considera o
sentimento, a alegria, a afetividade como fundamentais, que buscamos, agora, situar o valor
do imaginário nas práticas educativas, elemento esse (o imaginário) fundamental nos
movimentos formativos, em especial, os de educação musical.

O Imaginário e as práticas educativas
Podemos nos perguntar de início: como se conceitua o imaginário, no sentido de que
seja um componente da criação humana?
Trazemos o pensamento de Castoriadis (2010, p.127), que indaga: “E para começar,
por que imaginário?” E responde, trazendo palavras sobre esta noção, situando o imaginário
como conjunto das criações coletivas da humanidade, como do ser humano singular:

Imaginário porque a história da humanidade é a história do imaginário
humano e de suas obras. História e obras do imaginário radical, que surge a
partir do momento em que há uma coletividade humana: imaginário social
instituinte que cria a instituição em geral (a forma instituição) e as
instituições particulares da sociedade considerada, imaginação radical do ser
humano singular.

Pensemos um pouco sobre imaginação, enquanto dimensão sensível do ser humano,
dimensão esta ligada às criações humanas (como vimos), para em seguida situarmos sua
importância como diferencial nos processos formativos que consideram a transformação do
real como essencial.
Vigotski (2009, p.14) situa imaginação e memória como intrinsecamente articuladas
nas atividades criadoras, numa ação combinatória do cérebro, em que este reelabora as
experiências anteriores, em novas criações. E, delineando um conceito de imaginação
diferente da que o senso comum costuma designar de algo irreal, o autor assim nos diz:

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No cotidiano, designa-se como imaginação ou fantasia tudo o que não é real,
que não corresponde à realidade e, portanto, não pode ter nenhum
significado prático sério. Na verdade, a imaginação, base de toda atividade
criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural,
tornando também possível a criação artística, a científica e a técnica.

Dentro desse entendimento de que as criações da imaginação não seriam aleatórias e
sem elaboração consciente, vemos que a memória, para Ostrower (2009), vem a ser elemento
de destaque no nosso consciente, e de conexão de experiências já vividas com as intenções
criadoras do sujeito. A autora dimensiona (assim como Vigotsky) a memória como elemento
fundamental do impulso criador, em desacordo à idéia da imaginação como mera fantasia,
sem elaboração racional alguma. Assim diz Ostrower (2009, p. 22):

As intenções se estruturam junto com a memória. São importantes para o
criar. [...] O espaço vivencial da memória representa, portanto, uma
ampliação extraordinária, multidirecional, do espaço físico natural.
Agregando áreas psíquicas de reminiscências e de intenções, forma-se uma
nova geografia ambiental, geografia unicamente humana.

Para Francis Imbert (apud ARDOINO 2003, p.40-1), „imaginar‟ seria, representar-se
algo. “No sentido psicológico e filosófico mais preciso, a representação é, certamente, a
idéia, mais do que a imagem, que se tem de algo, de certo modo abstrato, a partir da
experiência sensível. [...] A memória está aí evidentemente associada” (grifo nosso).
Imaginar seria ainda, recriação de impressões antigas, ou criação ou inovação do „já
dado, ao que Imbert (2003, p, 42) acrescenta: “[...] a práxis encontra sua fonte, como seu
impulso, num imaginário traduzido por (portador de) um projeto de criação”.
Voltemos a Castoriadis (2004), nessa construção teórica sobre a criação imaginária,
quando este alude ao imaginário instituinte, ligando-o, inclusive, à criação artística enquanto
componente especial da cultura:

[...] o que é esse tal de imaginário instituinte? É a imaginação de quem? [...]
trata-se de uma faculdade constitutiva das coletividades humanas e, de uma
maneira mais geral, do campo social-histórico. [...] é a necessidade de
reconhecer o imaginário coletivo, assim como, de resto, a imaginação radical
do ser humano singular, como uma potência de criação. Criação aqui quer
dizer o fazer-se de uma forma que não estava lá, a criação de novas formas
de ser. Criação ontológica: de formas como a linguagem, a instituição, a
música, a pintura – ou então de tal forma particular, de tal obra musical,
pictorial, poética, etc. (CASTORIADIS, 2004, p.129).

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Assim, sendo as relações sociais, incluídos aí a educação e seus processos (em suas
diversas instâncias, formatos e meios), o meio principal pelo qual o sujeito constrói seu
universo histórico social e através do qual busca sua autonomia, a valorização do imaginário
(aqui, substantivo – conjunto das atividades e produção da imaginação) é entendida aqui em
nosso estudo dos inícios do Pólo como um dispositivo, de inestimável valor, diríamos,
imprescindível na formação do sujeito social e coletivo, em seus espaços formativos, de
criação e recriação cultural. O imaginário é da ordem da dimensão sensível do sujeito, e ao
que podemos perceber na nossa itinerância pela educação, essa dimensão é pouco valorizada
nos processos educativos.
Nesse sentido, pensando a forma como lidamos com o fazer formativo, de modo a
considerarmos a dimensão sensível do ser em formação como essencial, Imbert (2003, p. 13)
refere-se à práxis como toda construção do homem sob a ótica da sua própria transformação e
da transformação da humanidade, ressaltando aí, o fazer-se. Sobre este pensamento, diz: “O
homem se faz e se transforma ao transformar o mundo”. Diz ainda Imbert (2003),
relacionando os conceitos de educação e pedagogia, ter esta segunda, como “meta mais ampla
permitir a apropriação da Cultura, considerada aí no seu devir [...]”, incluindo o imaginário
como componente que inspira essa construção de conhecimentos. E diz o autor, sobre a
importância do imaginário no contexto educacional e a maneira como este interfere nos
processos formativos:

[...] o imaginário intervirá de maneira muitas vezes preponderante. [...]
Maturidade afetiva, autonomia relativa, abertura para outrem, solidariedade,
tolerância, senso de responsabilidade, capacidades criadoras, dele dependem,
afinal, muito mais do que da aprendizagem e da instrução, usualmente
compreendida. (IMBERT, apud ARDOINO, 2003, p.53-4)

Trazendo, agora, esse pensamento aos movimentos formativos no Pólo de Música de
Messejana, indagamo-nos: podemos supor desde já que havia uma cultura escolar que se
queria transformar, e, também, uma formação que impulsionava para transformações
individuais e coletivas, no âmbito da comunidade? Podemos dizer, inclusive, que se estava a
experimentar uma espécie de “apropriação da cultura, considerada em seu devir”? A cultura
musical que se instituía em Messejana sinalizaria essas transformações culturais (individuais e
coletivas)? Nosso esforço adiante será no sentido de observarmos, também, estas indagações,
a partir da interpretação dos dados que se forem delineando, acerca dos movimentos
formativos (transformadores) e suas mediações no Pólo de Música de Messejana.

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Podemos abrir espaço, agora, para um breve contraponto entre práxis e práticas
pedagógicas, para que possamos também distinguir, oportunamente, projeto e programa, na
busca de contextualizarmos a forma como foram realizados os processos formativos do Pólo
de Música.
Distinguir práxis e prática permite uma demarcação das características do
empreendimento pedagógico. Há, ou não, lugar na escola para uma práxis?
Ou será que, na maioria das vezes, são, sobretudo simples práticas que nela
se desenvolvem, ou seja, um fazer que ocupa o tempo e o espaço, visa a um
efeito, produz um objeto (aprendizagens, saberes) e um sujeito-objeto (um
escolar que recebe esse saber e sobre essas aprendizagens), mas que em
nenhum momento é portador de uma perspectiva de autonomia? (IMBERT,
2003, p.15)

Traçar um paralelo entre os conceitos de práxis e prática pedagógica permite-nos
chegar a uma maior compreensão da nossa própria atividade (autopoiesis) enquanto
educadores que somos, permitindo a elucidação de limites entre o instituído e o instituinte,
entre o „já dado‟ e o „devir‟. É, pois, segundo Imbert (2003, p.16) através do tipo de fazer, que
se distinguem práxis de prática: onde há o acabado, aí está a prática imobilizadora e sem
perspectiva de criação. Já na visão do inacabado, que se abre para a construção de um projeto
de busca da autonomia, aí reside a práxis.
Podemos entender, já delineados os principais contrapontos entre práxis e prática, as
seguintes conceituações sobre projeto e programa, segundo Imbert (2003, p.16-7): o programa
é da ordem da prática. O projeto é da ordem da práxis. O programa está relacionado a roteiro
técnico fechado, pronto, acabado. O projeto é processo em construção, aberto, inacabado. É
arte?
Mesmo sendo da ordem do inacabado, porém, o projeto não admite ser aleatório, mas,
ao contrário, deve partir de uma construção consciente na busca da autonomia, aqui entendida
não como fim, mas como começo, entrada em um processo indeterminado.
Nesse sentido, no contexto de Mesejana, o dado era o não acesso à arte musical – e
isso que era turvo, aos poucos foi se tornado visível – tanto o que parecia fatal, como o “não”
a essa fatalidade - os movimentos para instituição da música na comunidade.
Retomando o conceito de práxis, pode-se ver, com Ardoino (2003, p. 67-8) que diante
dos fracassos educativos seria importante “religar à realidade esses componentes imaginários
de nosso vivido”, articulando e rearticulando uns com os outros. Trata-se de atingir um
„domínio simbólico‟, no dizer de Ardoino, de modo que se possa, enquanto educadores,
“reconverter as potencialidades e os recursos do imaginário em imaginação criadora, por
meio, notadamente, da dinâmica própria e da dimensão significante e vivificante dos projetos

60

[...]”. Assim é que se ia instituindo o projeto do Pólo de Música de Messejana: recriando o já
dado, trazendo novo significado ao que, a princípio, era saber negado - a música e os
movimentos formativos recriavam o real.
Diante destes delineamentos do “não acesso à arte em Messejana” e da idéia de
projeto que era simbolizada na construção dia a dia das atividades musicais que se desejava e
se buscava no Pólo de Música de Messejana (a luta pela criação da escola que fundamentaria
a prática já instituída), vê-se o poder instituinte ou transformador da arte e da educação, em
uma resistência que ia construindo seu imaginário, em nível do sistema educativo. Esse poder
criador do imaginário, Imbert (2003, p.55-8) mostra que em nível do sistema educativo
precisa como que desentulhar o que tolhe, de maneira a abrirem-se alas para a produção de
um imaginário criador: “No entulhamento dos conhecimentos, empilhados como se fossem
um esquema geológico, a formação para a cidadania e o desenvolvimento pessoal
permanecem discretos”. E, em nível das situações educativas, Imbert (2003) se pergunta: “[...]
há possibilidade de um trabalho especificamente educativo a partir das produções do
imaginário”?
Busquemos resposta: sabemos que os „que fazeres‟ da ação educativa constituem-se
em métodos mais ou menos conscientes de práticas pedagógicas. Nós podemos ver que
Imbert (2003) já se apercebia da articulação que representa a idéia de movimentos formativos:
ações de caráter criador de um novo real, partindo do imaginário coletivo e suas aspirações,
desejos e necessidades, em projetos de vida individual e coletiva, desbravando o universo do
já dado, (re)inventando-lhe no devir. Isso que nos leva hoje à idéia de redes ou conjuntos
vastos que compõem o que se poderia nomear como projeto educativo. A resposta à
indagação, nas palavras do autor: “cada método não pode ser empregado sozinho e deve se
inserir e se articular em um conjunto mais vasto, definido e orientado por um projeto
educativo” (IMBERT, 2003, p. 55-8).
Podemos dizer, pois: um projeto educacional se delineava no Pólo, desde seus inícios:
as possibilidades do fazer musical servindo de mediador à formação, articulada à vida da
comunidade. Entendendo projeto educativo como um tecido composto de movimentos
formativos ao modo de redes ou de conjuntos vastos de fazeres cotidianos educativos ou
práticas pedagógicas, pensamos que os problemas de implantar a escola de música em
Messejana levavam-nos a produzir o projeto que poderia levar adiante nossa ação (aqui a
então pesquisadora coloca-se como participante das várias etapas da experiência). Isso ia
sendo feito passo a passo, como veremos a seguir.

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O Desafio de buscar os Quintais da Infância

O desafio de buscar os quintais surgiu da tentativa de fazer uma ponte entre o que
conhecíamos em música (através do repertório dos corais, das flautas, dos violões) e o que as
crianças viviam como música e como vida em comum.

Então, o que se fez foi buscar no universo musical local estas formas
musicais que pareciam perto do mundo das crianças de Messejana. Era
como uma decifração? Tentava-se decifrar a apreensão da linguagem
musical que as crianças traziam. Assim: tentava-se decifrar as vivências e
codificá-las. Por exemplo: tinha-se uma música, cantava-se e via-se depois
a escrita dela, a partitura. Aquilo que a gente fez era aquilo? Aquilo que
parecia aleatório (a canção dos quintais) era música construída com muita
elaboração e podia-se também escrevê-la. Codificá-la. (Jornal da Pesquisa)

Vemos nessa reflexão, como se pode partir da música que as crianças de uma cultura
determinada, de um território da periferia, por exemplo, fazem, para chegarmos a pontos de
novos estudos. Insistimos na idéia de que o lugar onde as crianças estão em termos de
conhecimento musical, pode partir do que sabem, mas deve-se prosseguir e ampliar o
conhecimento musical que outras culturas e tempos produziram.

Cirandeiro era uma música que muito se cantava. Uma das primeiras que
aprendemos a tocar na flauta:“Ô cirandeiro, Cirandeiro ó, a pedra do teu
anel brilha mais do que um sol...” Uma ciranda do Recife. Do Nordeste.
Não era conhecida por alguns, mas tinha a mesma função; funcionava como
um canto popular outro. Daí para passarmos para Bartok e Bach foi um
passo. (Jornal da Pesquisa)

Mário de Andrade (1975), falando da fase histórica do Romantismo musical, onde a
palavra era o centro das construções musicais expressivas, traz um delineamento sobre as
sonoridades do Nordeste, do ponto de vista do primitivismo das origens dos sons articulados –
o grito dos primitivos e as linguagens infantis. Conectamos, assim, nossa reflexão sobre as
construções musicais imaginárias do Pólo de Música, ao pensamento do grande musicólogo:

Se conta ainda que, no Nordeste, por meio dos seus cantos de aboiar, os
vaqueiros chegam às vezes a se corresponder de engenho a engenho, de
fazenda a fazenda, se dizendo coisas e dizendo coisas aos seus bois. Poderia
multiplicar ao infinito os exemplos de lembrar a musicalidade das
linguagens infantis e dos primitivos (ANDRADE, 1975, p. 38, grifo
nosso).

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E adiante, situa o grito, o som inarticulado, porém cheio de musicalidade, como a
origem da música e do verbo:

E todas essas músicas românticas, cujas palavras são frequentemente puros
sons inarticulados, às vezes musicalíssimos, têm uma origem legítima, têm
uma base biológica natural, o grito. O grito primitivo dos primeiros homens
– esses um só grito de que provieram os sons inarticulados e os sons
articulados, o ré bemol e a palavra, a música e o verbo. (ANDRADE, 1975,
p. 38-9)

Assim, partimos dos valores locais, abarcamos o mundo musical de Messejana e,
então, nos aventuramos no conhecimento do Outro nas culturas. Como vimos, partindo do
Cirandeiro, firmou-se a decifração desta canção e, a partir daí, nos aventuramos a decifrar
também Bach, em uma construção de repertório ao mesmo tempo musical, mas também
multicultural, pautada no fazer musical.

Nos primeiros movimentos do canto coral, sentíamos uma... estranheza, pois
isso era uma atividade totalmente incomum para nós. Então, em muitos
momentos, a forma de usar a voz, e outras coisas assim, era muito distante
do que se conhecia em Messejana. Isso causava curiosidade. E até virava
brincadeira, o que demonstrava a falta de oportunidade de ver, que dirá
participar de uma atividade elaborada como era um coral. Então, se foram
buscar práticas que eram mais próximas da vida local, do que conheciam. E
aí entram os quintais com suas canções, suas brincadeiras. Com as canções
espontâneas. (Jornal da Pesquisa)

Buscamos em Pareyson (2001, p.55) compreensão para o fato de, sendo a música arte
edificada sobre os elementos musicais, poder ser-lhe atribuída também finalidades ou funções
não especificamente musicais, como no caso particular do Pólo de Música, onde a música foi
tomada como mediadora de um processo educativo significativo (pois que sempre em sintonia
com a vida e o ser no mundo), partindo dos valores locais, E a seguir busca-se o Outro das
culturas, como uma ampliação do universo cultural dos participantes do Pólo. Assim, a
música que foi sendo decifrada no Pólo de Música emergiu do que já havia na vida de
Messejana:
Se a arte tem uma dimensão significativa e espiritual, aliando-se com outros
valores em conúbio inseparável, e alcança ter também finalidade e funções
não artísticas, mas sempre inscritas na vida espiritual do homem, isto é
porque ela contém a vida de onde emerge. (PAREYSON, 2001, p.55).

A busca dos quintais da infância tinha também a intenção de devolver o espaço de
vivências naturais e construções estruturais das crianças, os quintais e brincadeiras, tendo
agora a mediação dos educadores musicais, conectando as canções, os quintais, à codificação

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do que era vivenciado – a leitura e escrita musical – tudo isto como parte do projeto de
sensibilização que se pensava na escola.

O Coral é uma atividade sócio-cultural, onde as crianças se encontram,
fazem novos amigos, realizam música. A escassez ou desaparecimento dos
quintais restringiu o espaço para brincadeiras, extinguindo desta forma
o palco natural onde dramatizavam suas fantasias. O coral procura
suprir, em parte, esta deficiência (PORTO, 1985, p.9, grifo nosso).

Do ponto de vista da estruturação da educação musical na criança, Willems (1961) nos
fala da valorização do ambiente sonoro natural como fonte primária para a apreensão
sensorial do fenômeno musical pela criança, de maneira tal que, depois, ao passar às
elaborações intelectuais que a leitura e escrita musical exigem, essas sonoridades e ritmos já
lhes sejam intrínsecos, vivenciados anteriormente, agora, racionalizados. Assim o educador
musical nos diz que: “Em todos os graus da educação rítmica, desde as crianças menores até
os profissionais, o ritmo puro, pré-musical – que se encontra também nas outras artes e na
natureza – pode ser vital para o músico” (WILLEMS, 1961, p. 42).
E entrelaçando, agora, essa trama articulada em torno das significações do fazer
musical, (enquanto arte, enquanto ciência e enquanto fenômeno sócio-educativo), nessa
dialogação entre Willems, Pareyson e Mário de Andrade, citamos o que o terceiro nos fala
sobre a música enquanto fenômeno social: “Ela sempre foi mesmo fenômeno social, e dos
mais interessados mesmo, por causa do seu ritmo dinâmico, unanimizador das coletividades.”
(ANDRADE, 1975, p. 44).
Apesar de terem sido os Corais as inspirações para a criação do Pólo de Música de
Messejana, logo desde os primeiros anos de funcionamento, segundo nos conta Nininha,
sentiu-se a necessidade de se incluírem atividades complementares, como a Oficina de
Brinquedos e Artes Plásticas, como também o Teatro, em uma abertura para novas
linguagens, calcada no trabalho com a sensibilidade – elementos importantes no pensamento
formativo do Pólo de Música. Nessa experimentação, o fazer musical escorria por outras
veredas artísticas e outras matérias, como a fala, as tintas, a madeira, em sintonia com o
trabalho da sensibilidade, que envolvia o sensório nas tarefas da razão.
Também o senso de coletividade e cooperação, que na atividade coral é explicitamente
vivenciado, eram elementos humanos buscados no Pólo de Música, através das atividades
mais corriqueiras como a manutenção da limpeza e organização da escola, o preparo da
merenda, a organização e limpeza da biblioteca, numa auto-gestão propositalmente

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estruturada, como parte da formação que se pretendia para os alunos do Pólo de Música, e que
extrapolava o fazer musical, musicalizando a vida:

Os professores convidados para dar aulas no Pólo vieram na intenção de
trabalharem uma formação musical em si; mas a Nininha subverteu essa
formação, a partir da sua visão de formação humana. Por exemplo, lembro
que foi uma pergunta importante naquela época: - Vamos ter um servente
para o Pólo? Daí a Nininha trouxe as idéias de que “as pessoas tinham
vergonha de carregar seu próprio lixo”? E lançou o desafio: como aprender
música seria repartir a vida? (Jornal da Pesquisa)

Nessa perspectiva de formação humana através da música, conectando música e vida,
levando em conta a cultura local, intervindo numa construção de novos saberes significativos,
é que foi sendo traçado o projeto que deu o formato singular do Pólo de Música de Messejana,
como descreve Porto (1985; p. 20):
O fato de alunos e professores estarem construindo a escola, não só no
aspecto intelectual como também no material, favoreceu uma aproximação e
valorização de ambas as partes. Outro aspecto importante foi a ênfase dada à
Educação Comunitária, preocupação constante desde a formação do primeiro
coral. A escola tem sua ordem e limpeza efetuada por todos – professores e
alunos, bem como a alimentação. A escola é mantida com os cachês
recebidos pelos corais e pelo conjunto de flautas.

Estávamos nos contrapondo (isso ainda não sabíamos) ao ensino da música
desconectado dos contextos diversos (formais e não formais; públicos e privados, em seus
confrontos). Mesmo os pequenos confrontos, no Pólo de Música, não eram negligenciados,
por entender-se que os confrontos e a forma como lidamos com eles é que elaboram em nós a
forma de transitarmos no mundo social. Nininha fala sobre os pequenos confrontos no coral
infantil (grandes aprendizados!):
As brincadeiras e brigas geram discussões interessantes entre elas (crianças),
revelando seus pontos de vista, suas limitações, o tipo de educação em casa e
na escola. Enfim, brincando e brigando começam a formar sua consciência e
a solucionar seus problemas. Cada um é único e única é a característica do
seu comportamento: nada esconder. (PORTO, 1985, p.7).

Em nossa caminhada pela educação musical, muitas vezes nos deparamos com
resultados frustrantes de formação musical, onde o valor dispensado ao domínio da técnica, e,
por conseqüência, à performance do aluno (na maioria das vezes tornado "profissional"),
negligenciam o que de mais fundamental se pode tirar da música como arte, intimamente
ligada à natureza do homem: a possibilidade de desenvolver sua sensibilidade. E a

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sensibilidade, para nós, já víamos que envolvia além do domínio da linguagem da música, os
padrões de sentimento da experiência humana.

A escola não pode ser somente preparação para o futuro, para a vida adulta,
para o trabalho adulto, para a rudeza do princípio de realidade. Propiciar
uma alegria que seja vivida no presente é uma dimensão essencial da
pedagogia e é preciso que os esforços dos alunos sejam estimulados,
compensados e recompensados por uma alegria que possa ser vivida no
momento presente (SNYDERS, 1992, p.14).

Entendemos, assim, que a dimensão sensível do indivíduo deve ser considerada, em
qualquer processo educacional, em especial, nos processos de educação musical, tendo o fazer
musical um sentido e um significado próprio, ligando o individual ao coletivo. Assim:
É de modo emocionado que o sujeito constrói os significados da música, em
sua vivência, a partir de seus sentidos, objetivando sua subjetividade,
tornando-a “audível” para ele e para os outros. Os significados e sentidos
ressoam nas vivências do sujeito e são construídos na sua relação com a
música. Estes significados partem das vivências afetivas do sujeito,
demonstrando a utilização viva da música, uma vez que mudam,
desconstroem-se e são recriados, porque também são constituídos pelos
sentidos, ligados ao uso da música de modo idiossincrático e em relação.
(WAZLAWICK, CAMARGO E MAHEIRIE, 2007, p.112)

Dessa forma, a figura do educador musical no Pólo de Música, enquanto mediador da
ação educativa aparece como referencial para uma vivência significativa com o aprendizado
musical (e não como mero “ensinante” reprodutor de fórmulas), criando uma atmosfera única,
atento às individualidades, e, mesmo nos trabalhos em grupo, encorajando à busca de
elementos humanos que impulsionaram e acionaram o fazer musical, no sentido de relacionálo à própria vida.
Embalados nesses fazeres em música (aulas de coral, de flauta, de violão, leitura
musical, musicalização), sempre ligados à vida (o ser social e o respeito à sua individualidade
e à cultura a qual está inserido, suas canções, seu universo sonoro), é que foram sendo
construídos os caminhos que levaram à constituição do projeto educacional do Pólo de
Música de Messejana (sobre cuja estrutura falaremos mais detalhadamente no tópico seguinte
– 2.1), tendo como base os formatos de vida local e as idéias e práxis pedagógica do
repertório da equipe de professores que compunham essa história de música na educação. Ao
invés de trazerem um projeto formalmente elaborado, pronto e registrado, cada professor
trouxe a sua experiência e especialidade para somar-se à construção que ora se delineava.

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Detenhamo-nos mais um pouco sobre o que vínhamos tratando, em relação à
condução das ações educativas. Segundo Francis Imbert (2003), práticas e práxis pedagógicas
diferenciam-se, marcadamente, no modo de entender a realidade humana. A idéia que
podemos postar agora é a de que a escola estava inacabada, como também nossos movimentos
formativos estavam em curso. Vimos como se construía também um conhecimento (musical e
humano) a partir de problemas da prática, que se ia erguendo: a música, os conflitos, a
família, a comunidade, o poder público e a educação, a responsabilização pelo bem comum
nas tarefas e atribuições no Pólo de Música, enfim, cada detalhe desse projeto coletivo de
música e vida.
E ao pensarmos na organização dessa prática, nós estamos a conceber também uma
busca da autonomia formativa, que deve se articular dentro de um projeto histórico em
construção, inacabado, que é também o motor da criação em arte.
Ardoino (2003) já nos mostrava que as práticas educativas levam formador e
formando a estarem implicados na edificação dos saberes que, através da noção de
inacabamento do „ser no mundo‟, irão sendo construídos dentro de um projeto histórico e
social.
Todos os conceitos aqui tratados, numa perspectiva de compreensão dos mesmos e
suas significações dentro das práticas educativas, são remanescentes da teoria da
complexidade de Edgar Morin, eleito nesse estudo (numa configuração mais ampla que cerca
os outros conceitos, na rede de significações do que seja a complexidade), junto a Jacques
Ardoino, Francis Imbert e Castoriadis, como estamos a ver, como também, por outro ângulo,
de Edgar Willems, Mário de Andrade, Ostrower e Pareyson, pelo reconhecimento de suas
construções teóricas como norteadoras e comprometidas com a qualidade da Educação para a
transformação da humanidade.
Particularizaremos, agora, outros aspectos importantes, pois que ricos de significado
criador, sobre o projeto inicial, que corresponde ao período do que se vai gestando como Pólo
de Música de Messejana.

2.1 - Entre Mangueiras e Sonhos: a estruturação das idéias e a formatação geral do projeto
como ação coletiva nos primeiros movimentos formativos do Pólo de Música

Estamos nos anos de 1980, contando nove anos desde a constituição da LDB 5691/71,

67

em que se substituiu o ensino da música por educação artística, o que em alguma medida
descaracterizou e destituiu a especificidade do saber musical na escola. Os corais de
Messejana começaram a funcionar em 1977, como atividade das aulas de educação artística
em três escolas públicas de Messejana. Porém, apesar da orientação da LDB (que não se
atinha à diferença das linguagens artísticas), no formato das aulas de música em educação
artística fez-se comportar os corais, em seu contorno específico, o que imprimia uma
qualidade musical e formativa inegável.
Mesmo assim, conquistar espaços de realização e valorização do trabalho musical,
ainda era uma dificuldade que se encontrava. Criar uma mentalidade de reconhecimento dos
corais como dispositivo de valor educacional e de reconstrução cultural, não foi tarefa fácil e
de curto prazo. Foi preciso persistir na idéia de realização do canto coral em Messejana, até
que se firmasse como atividade importante.

Contávamos com quatro anos de trabalho [...] Nesta ocasião – 1980 perdemos até os pátios cobertos das escolas, ocupados por turmas de Jardim
de Infância. Lembrei-me do Salão Paroquial que prontamente nos foi cedido
pelo vigário por ter uma visão clara de Educação Comunitária. Também as
diretoras das escolas, possuindo a mesma visão, permitiram a continuação do
trabalho fora do limite físico da escola. (PORTO, 1985, p.13)

Percebem-se nessa fala de Nininha, os limites que a escola deixava ver e que resultava
concretamente em uma não valorização da educação musical que estava a ser inserida no
contexto escolar. Quando a escola restringia os espaços, no caso, o espaço físico para a
realização da atividade, buscava-se outros. No entanto, não se perdia de vista que os corais
deveriam ser integrados aos fazeres e aos saberes escolares.

Nesta fase, perdemos a sala de trabalho por necessidade da escola de abrir
novas classes, atendendo ao crescimento do número de alunos. Passamos a
ensaiar no pátio coberto. Apesar das inconveniências do pátio – passagem,
barulho proveniente das classes – não houve nenhum prejuízo para nosso
trabalho, que lucrou com a amplidão do espaço para marchas e outros
exercícios de movimentação (PORTO, 1985, p. 13).

Os corais tornaram-se uma realidade em Messejana: os grupos foram sendo
construídos, foram crescendo em número e qualidade, cavando espaços para realizarem sua
música, em um movimento de resistência, munidos de suas vozes, vontades e sonhos,
embalados pelas canções que se faziam ouvir pelos pátios, escutadas às espreitas, com
curiosidade e espanto pela novidade, como se fora um presente, um sonho. Na realidade, nós

68

o sabemos, esse tom de surpresa era o resultado da negação desse saber que nos é intrínseco;
um direito que se começava a resgatar e não algo que se poderia dar ou tirar à revelia.

Muitas vezes, quando nem o salão paroquial encontrava-se disponível para
os ensaios, as mangueiras do pátio externo do salão se fizeram sala de
música, mesclando o som das vozes com o barulhinho das folhas ao vento.
Nada era impedimento para que o trabalho criasse raízes, crescesse, fazendo
gerarem-se os frutos de um trabalho que avultava em significado para a
coletividade – os cantores, as famílias, a comunidade. (Jornal da Pesquisa)

Os empecilhos, na realidade, como se pode perceber nos relatos, foram os geradores
da inquietação maior que impulsionava o grupo na busca de um lugar físico para a
continuidade e aprofundamento em música, que já era realidade instaurada e se articulava em
Messejana.
O projeto do Pólo de Música começou a tomar forma, partindo justamente das
necessidades surgidas, e principalmente dos desejos que se faziam presentes nas expectativas
dos cantores de Messejana, que ansiavam agora por fundamentar a sua prática, apropriando-se
da leitura e escrita musical: isto era agora inevitável. Parecia desejo latente dar ouvidos a
essas expectativas e necessidades de aprofundamento em música.

Nininha convidou três outros professores de música, escolhidos por terem
reconhecida competência como educadores musicais. Inicialmente,
dividiriam o espaço do Salão Paroquial, e, eventualmente, os tetos de folhas
de mangueiras, das mangueiras de Messejana, sabendo que essa era só mais
uma etapa do projeto ousado da escola que viria, e que já se estruturava
formalmente no campo do desejo e do sonho. Na prática, sonoramente ela já
existia. Faltava-lhe a sede (o espaço), cujo desejo alimentava a busca. [...] O
acordo de pagamento desses professores, também inicialmente, estava no
devir do projeto. Era meta seguinte: a contratação desses professores e a
aquisição da sede própria que abrigaria a música das crianças e jovens de
Messejana (Jornal da Pesquisa).

Mesmo estando ainda no campo das idéias essa contratação, os professores aceitaram
o convite para dar aulas: Eunice Moura daria aulas de flauta; Tarcísio Lima, aulas de violão e
Elvira Drummond, de musicalização. Estava montada a estrutura básica da escola de música,
onde o canto, o instrumento e a teoria eram pilares que fundamentavam a construção do fazer
musical. Ressaltamos aqui, o compromisso assumido com carinho por eles, que foram os
primeiros professores de música do Pólo de Música de Messejana, mesmo quando esse
(acredite-se!) ainda não existia materialmente, como prédio, apenas imaginariamente e

69

concretamente como vivência musical. O desejo, no entanto, já fazia antecipar a realização do
que se sonhava.
Ao que se percebe, uma característica fundamental no Pólo de Música foi a autonomia
para a criação de um projeto de trabalho que se ia delineando, à medida que a música,
enquanto saber disponibilizado, dava forma aos grupos musicais que se iam formando, a partir
das expectativas individuais e de grupo, da relação da escola com a comunidade, com o
contexto cultural local, com a percepção de outros trabalhos regionais e nacionais, enfim, o
caminhar é que desenhava o caminho.
Eunice Moura, professora de flauta, fala da forma como a projeto de música no Pólo
de música foi elaborado de forma autônoma, diferente do que comumente se percebia em
outros contextos, onde a arte era mediada (e “midiada”) de acordo com interesses políticos:

A questão é que a música foi colocada no Pólo de Música de uma forma
muito mais...global, mesmo. De uma forma, assim, que todo mundo
vivenciava a música como se fosse a sua vida mesmo. O cotidiano em
música. E hoje a música é vivida... como por exemplo, os pastoris aqui em
Fortaleza, que são todos em função da Secretaria de Cultura mesmo. Então
eles estimulam isso para que a mídia faça a propaganda política
(Informação verbal de Eunice Moura).

E diz, ainda fazendo esse contraponto, no sentido de esclarecer a forma do projeto
criador que se foi delineando no contexto do Pólo:
Lá (no Pólo), a coisa do projeto em si foi muito intuitiva, tanto a estrutura
de como começar (fazendo aqui as análises críticas positivas e negativas),
mas tudo foi muito intuitivo, e tudo foi vivenciado assim “pau a pau” como
se diz, construído a cada dia para se tentar acertar. Isso incutiu muito nas
pessoas, nos que estavam participando, em mim também, quer dizer, era um
trabalho que estávamos buscando, mas não sabíamos aonde chegar, não
tínhamos uma meta específica. (Eunice Moura)

E Nininha complementa o dizer, nesse diálogo travado para a reconstrução do
pensamento que buscamos:
Não, não tínhamos meta específica. As metas iam surgindo pelas
necessidades. Só sabíamos que a sensibilidade e o respeito aos alunos e suas
vidas era primordial para a construção do trabalho em música que
desejávamos. (Nininha)

70

Surge uma crítica, que nos leva a pensar nos cuidados que se deve ter em relação ao
registro formal de um projeto: mesmo tendo as características de ser livre e inacabado,
construído no cotidiano, é um acontecimento, um fenômeno social e histórico, um construção
que passa a pertencer a uma comunidade. Eunice Moura nos alerta para o fato de que “outros
virão”, e provavelmente partirão do que já fora construído. São os registros que garantirão a
continuidade do projeto inicial, sem que se perca a essência do que já fora experienciado. E
no caso da música, que se caracteriza por ser um saber muito específico, do domínio de
poucas pessoas, fica mais difícil ainda dar continuidade a um trabalho onde não haja registro
formal do que constava no projeto original. Assim, nos fala a professora:

Uma das falhas foi essa, a falta de registro da estrutura do projeto, porque
eu acho que deveríamos, a partir daí, ter feito um projeto no papel, pois,
como nossa cidade é uma cidade que mata tudo, antes mesmo de começar,
aquela estrutura ficaria como modelo para quem vem depois, como um
manancial de onde se tiram as idéias e se dá sequência, ou seja, a idéia não
se perde: o que você quer, quais são os objetivos, tudo isso é importante.
Aprofundar música é muito difícil, não é todo mundo que faz não. Então, se
você tem um registro formal do trabalho realizado, com objetivos, metas,
tudo, que outras pessoas possam ver e dizer: - olha, esse trabalho aconteceu
e tem fundamento!(Eunice Moura)

Os registros que existem, segundo Nininha, (e aos quais tivemos acesso) são os
programas dos concertos realizados, alguns planejamentos de aulas e do trabalho de formação
com os monitores, e o texto do Projeto Fazendo Artes, da FUNARTE, no ano de 1987, que se
baseou no trabalho já realizado, para sua expansão nas escolas do bairro, através dos
monitores.

O delineamento do projeto do Pólo de Música de Messejana

Em linhas gerais, condensando as informações que se foram tecendo até aqui,
baseadas na informação verbal de Nininha e Eunice Moura, como também nos excertos do
Jornal da Pesquisa, assim configurava-se o projeto do Pólo de Música de Messejana: na
prática musical, o projeto assemelhava-se às escolas regulares de música, com a
especificidade de um repertório escolhido baseado na cultura local (ao contrário da imposição
do repertório erudito da maioria das escolas de música), como também na liberdade de
elaboração de um conteúdo teórico-musical que tivesse ligação com o universo musical mais
próximo da cultura de Messejana (folclore, música regional, música brasileira), para daí,
conforme a necessidade e possibilidade latente, executar a música erudita, também. O

71

diferencial era, principalmente, de ordem pedagógica (a busca da sensibilização) e estrutural
(auto-gestão).
Estruturalmente falando, a escola oferecia merenda escolar, como toda escola da
rede municipal; funcionava como uma extensão das escolas públicas regulares, com aulas
específicas de música, com caráter extra-curricular, nos turnos da manhã e tarde. Toda a
limpeza e manutenção da escola era feita por alunos e professores, e o cachê dos corais era
revertido na manutenção da escola. Esse sistema de auto-gestão fora intencionalmente
idealizado, como forma de educar-se para a construção de uma mentalidade de
responsabilização, por parte de todos, pelas transformações de ordem social e política,
individuais e coletivas.
Quanto à estrutura dos cursos, eram oferecidas as seguintes modlidades:
1.

Canto Coral (Infantil e Jovem) – Trabalhava-se técnica vocal;
desenvolvimento do ouvido harmônico e independência vocal, através de
canções a duas, três e quatro vozes, em um repertório de música popular e
erudita;

2.

Flauta doce (Juvenil e Jovem) - técnica do instrumento; leitura de partitura
– interpretação de repertório popular e erudito; prática de conjunto.

3.

Musicalização (Infantil,

Juvenil e Jovem)

- desenvolvimento da

musicalidade partindo do próprio corpo e suas possibilidades sonoras;
utilizando, também, instrumental Orff, instrumentos elementares de
percussão; aulas de teoria musical;
4.

Violão (Juvenil e Jovem) - técnica do instrumento; leitura de partitura –
interpretação de repertório popular e erudito, prática de conjunto.

Quanto à orientação pedagógica, seguia a linha humanística, em que o sujeito era
considerado em sua complexidade, portanto, em sua dimensão social e também na dimensão
sensível, nos termos que nos fala Castoriadis (2004), referindo-se, de forma crítica, à falta de
atenção prestada aos elementos de ordem psicanalítica nas ciências sociais, incluída aí a
educação:
Se há uma coisa que chama atenção atualmente nas ciências humanas é
aquilo que denominei de surdez psicanalítica dos sociólogos e surdez
sociológica dos psicanalistas. Uns e outros esquecem que o ser humano
comporta duas dimensões indissociáveis, a dimensão psíquica e a
dimensão social. Mas há sem dúvida uma reforma radical da educação a ser
feita, consistindo entre outras coisas em atentar muito para a questão da
autonomia dos alunos, inclusive em suas dimensões psicanalíticas, o que não
é o caso atualmente (CASTORIADIS, 2004, p. 151, grifo nosso).

72

Nesse sentido, em relação ao aspecto pedagógico do projeto do Pólo de Musica, toda a
condução das ações educacionais tinha como princípio a formação humana do ser social.
Assim, no formato e mudança dos níveis de turma, por exemplo, levava-se em conta a
evolução específica de cada aluno, que iam sendo inseridos nos grupos musicais à medida que
adquiriam maturidade necessária ao nível de execução do grupo – individualidade respeitada.
O amor ao próximo, a solidariedade, a valorização dos espaços da comunidade, a
busca de sensibilização, enfim, eram elementos vivenciados em todos os espaços e tempos na
escola.
A socialização dos saberes, no formato que se percebe como foi realizada no Pólo de
Música, é multiplicada através dos educadores que lá se formaram, e hoje exercem a docência
da educação musical no projeto Um Canto em Cada Canto, como também em outros espaços
educacionais. Dessa forma, embora não haja registros formais em grande número, a música
tornou-se saber de domínio público para os corais infantis no Ceará (atividade central do
projeto Um Canto em cada Canto).
Assim é que foi sendo delineado o projeto do Pólo de Música: partindo da prática
musical dos corais, passando depois, ao formato das aulas de flauta, violão e musicalização,
por exigência de se fundamentar a prática que já alcançara um nível avançado, inserindo-se,
depois as oficinas de artes plásticas, oficina de brinquedos e vivências de teatro, na intenção
de que fosse realizado o projeto de sensibilização e transformação social pensado para a
comunidade de Messejana.
Entre mangueiras e sonhos, construía-se o Pólo de Música de Messejana: regado pelos
sons dos corais, das flautas, dos violões e ritmo, que começaram a tomar forma através do
trabalho empreendido na integração entre professores e aluno, e que iam envolvendo a
comunidade de Messejana. Um sonho que se tornava realidade: nós nos autorizávamos a
transformar o real15.

2.2 - Cotidiano e luta na construção do Pólo de Música de Messejana: a busca da
aquisição do espaço físico e a instauração do cotidiano de convivência entre educadores
e educandos

Como vimos, ao mesmo tempo em que se lutava pelo espaço físico para a escola de
música, vivíamos um cotidiano de convivência entre educadores e educandos, que estreitava
15

Em Laplantine e Trindade (1997, p. 80) criar outro real seria “outra forma de conhecer, perceber, interpretar e
representar a realidade” já dada.

73

laços e fortalecia sonhos. Ouçamos Nininha:

Os corais, esta força viva e atuante, geraram o Pólo de Música de
Messejana. A escola, portanto, foi fruto de trabalho dos corais e resposta
das autoridades ao movimento musical de Messejana... Conhecíamos as
crianças, crescíamos no trabalho e enfrentávamos os desafios. [...] O
projeto não estava no papel, quando cheia de idéias e ideais e com muita
confiança, narradora das lutas feitas, dirigi-me à Secretaria de Educação
do Município que acolheu a idéia e a levou ao Sr. Prefeito de Fortaleza.
Obtida a aprovação de contrato de mais três professores de música,
efetuamos nossa primeira reunião para pensar a escola.

Quintal do Pólo de Música – espaço do brincar
(O brincar como atividade conjugada ao fazer musical)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Militão Porto)

Pode-se ver o estreito laço que se apertava, no conhecimento das crianças – isso
parecia relacionar-se com um “autorizar-se” para reivindicar. O conhecimento do Outro, essa
dimensão que é ao mesmo tempo subjetiva e objetiva, era uma matéria importante nesse
cotidiano. Como observa Morin (2008, p.126), a compreensão dos seres implica esses dois
âmbitos do conhecer: “Para compreender os seres que nos cercam, devemos, com efeito,
conhecê-los enquanto objetos, mas, enquanto seres humanos, devemos, ao mesmo tempo,
conhecê-los subjetivamente”. Continuemos com a descrição deste “apossar-se da escola
imaginada”:
A escola do Pólo funcionou precariamente durante seus primeiros meses no
Salão Paroquial. Passou então para uma casa agradável, totalmente vazia,
para onde levamos nosso entusiasmo e a certeza da escola em que
apostamos. Depois de limpar a casa e de trocar as instalações elétricas e
hidráulicas, começamos a construir nossos bancos, estantes para partituras, e
demais objetos necessários. No dia vinte e um de Dezembro de 1982,

74

tínhamos toda a casa pronta para a inauguração; novos, só uma estante para a
secretaria e um mimeógrafo. Tudo o mais havíamos construído com nossas
mãos. Neste dia, realizamos o nosso primeiro encontro-concerto com a
comunidade, cuja presença foi significativa (PORTO, 1985, p.20.)

A forma como a comunidade vai se apropriando de novos espaços de luta e acesso a
direitos, nas lutas pelo Pólo, como também vai se apropriando de sonhos e novas
experiências, como se está a ver, parecia impulsionar o grupo que se gestava, a atuar de
maneira diversa também nas escolas públicas locais. Isso nos mostra que um projeto coletivo
quando chega ao ensino regular, pode fazer a diferença na cultura escolar.
Assim é que a escola José de Barcelos, a José de Alencar e a Demócrito Rocha, onde
também se tinha corais, como mencionamos anteriormente, sendo escolas regulares da rede
municipal e estadual, especificamente em educação musical passava a diferir das demais no
lugar. Justamente pelo caráter de luta e conquistas que se ia imprimindo à vivência do Pólo,
chegava-se com mais força à luta pela educação musical nas escolas, que começava, então, a
abrir-se no sentido pedagógico-musical, como também no sentido de ser um espaço de
formação humana.
Nesse caminho, os educadores do Pólo se responsabilizavam também pelas duas lutas
– a da escola e a do Pólo – e já se dizia isso ser parte da ação educadora que tomava essa
abrangência:
Cantar e varrer o chão; tocar flauta e preparar a refeição; tocar violão e
arrumar os livros; ler e escrever partitura e lavar a louça; e recolher o lixo,
e entender a dinâmica de funcionamento da nossa casa, do nosso bairro, da
nossa vida, do Pólo, das escolas públicas do local... Cultivar jardins de
respeito, solidariedade, alegria e prazer. É com muita intimidade que relato
esses aprendizados que nos deram suporte para uma construção de vida
mais significativa, e a percepção dessa responsabilidade de formação na
nossa casa, na nossa relação profissional como professores de música, na
nossa vida como seres no mundo e com o mundo (Jornal da Pesquisa).

A abrangência do projeto do Pólo era mesmo um projeto maior de formação humana,
e, aqui abrimos espaço para realçar essa percepção individual de condução de vida “na nossa
casa, na nossa relação profissional como professores de música, na nossa vida como seres no
mundo e com o mundo”, do modo que nos diz o JP, e na reflexão do momento da pesquisa
que ora desvela esse pensar, revelando o caráter de auto-formação que agora consideramos.
Como observava Macedo (2010; p. 68): “toda formação implica em auto-formação, o que não
nos impede de criar condições para que ela tenha terreno fértil, enquanto uma
responsabilidade pedagógica, ética e política dos formadores, sua ações e instituições.”

75

Esse evento da criação de uma escola pública de música, no momento em que a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação versava sobre a retirada da música como especificidade
(ficava no que em conjunto se chamava de educação artística), era visto como uma “negação
da ordem dada”. Tomo de empréstimo aqui, novamente, no sentido de nos apropriarmos
melhor do termo, o conceito de “negatricidade”, de Ardoino (2003, p.38) que, seria “um
neologismo na língua francesa, “negatricité” [...] que significa [...] as contra-estratégias
montadas pelos seres humanos enquanto sujeitos que reagem às estratégias manipuladas por
outrem".
Usando da negatricidade como instrumento de autorizar-se, de avançar conquistando o
poder de barganha e luta para a contestação do instituído, arregimentava-se mais força para a
construção do projeto instituinte que tomava a feição de Pólo de Música.
Recuperemos o que estávamos a acumular: a professora Ana Maria Militão Porto, a
Nininha, nascida em Messejana, e para lá voltando após longos anos de formação no Rio de
Janeiro, percebe que, naquele bairro onde nascera, somente ela tivera acesso à música. Inicia
então o movimento para implantação de uma escola de música na periferia, em Messejana,
começando por formar grupos de corais infantis e de jovens nas escolas regulares do bairro e
a juntar em torno de si, um grupo que crescia em luta e conquistas.
Reconhecendo a música como disciplina e saber que deveria ser de domínio público,
por tratar-se de saber a ser socializado em arte, Nininha pergunta-se porque essa arte seria
privilégio somente de uma minoria privilegiada. Desnaturalizava-se o que tivera a moldura de
“natural”. Também por entender o real valor da música na educação, baseada na própria
experiência de sua formação, em que a música teve papel fundamental, como elemento de
sensibilização e consciência crítica, a regente Nininha agudizava as tensões advindas dos
contextos desafiadores vividos.
Nesse sentido, da música como elemento de sensibilização e consciência crítica, vê-se,
na fala de Kaká, um coralista jovem do Pólo de Música, como a experiência do Pólo, com
música, tornava os seus participantes abertos para um posicionamento crítico em contextos
fora do bairro, como se pode observar no relato:
Kaká era um coralista jovem, tão simples, tão bom, tão calmo que quase não
falava. Sempre concordava, sempre cedia ao desejo dos outros. Passados
alguns anos recebo, pela manhã, um telefonema em minha casa. Estava
curtindo uma forte febre por conta de dengue. Emocionada, escutava a voz do
Kaká me falando: - Nininha, você não imagina onde estou trabalhando!!!
Estou participando do Sindicato da Construção Civil e estamos lutando por
nossos direitos. Para mim era uma revelação inesperada . Choramos em
silêncio.(Nininha).

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Essa história de vida, como num livro que se lia de um cotidiano vivido e trazido na
memória, ia sendo narrada por Nininha, contadora de histórias, cujo convívio conosco agora é
mediado pela pesquisa em exercício. Vejamos outra história emblemática da sensibilização
como foco nas ações do Pólo - sensibilização para detalhes do cotidiano, em que a música era
saber que escorria mundo afora, extrapolando os muros da escola, inundando situações da
vida da comunidade, dando-lhes significado:
Houve um ano que atendemos ao pedido de um coralista (Gilberto) que nos
disse: “Será que poderíamos cantar para os presos lá no bairro Santa
Maria? Todos concordaram e fomos até lá na semana do Natal. Ficamos em
silêncio e escutávamos sons de conversas, rádio ligados, outro cantando
forró. Resolvemos iniciar o nosso canto. Bonito sentir que o silêncio chegava
e eles procuravam subir até às grades bem acima do piso para escutar.
Fizeram um silêncio grave. Cantamos... e nosso Natal teve outro sentido!
(Nininha).

No entanto, muito do vivido adquire outras colorações e sentidos, na pesquisa.
Recorro às anotações do Jornal da Pesquisa para lembrar um fato que arremata a conquista
ousada da fundação do Pólo de Música:

De tantas histórias bonitas e significativas que fomos ouvindo e vivendo no
nosso percurso de alunos do Pólo, tem uma que me chama atenção, pela
coragem, ousadia e inteligência: a história de como a Nininha falou com o
prefeito para a contratação dos professores e para a aquisição da nossa
sede: ela nos conta que numa apresentação dos corais para o Prefeito de
Fortaleza, este ficou encantado com a apresentação, dirigiu-se a ela e disse
saber da matéria no jornal sobre a “Escola sem Paredes”. Perguntou o que
precisava para a continuidade do trabalho ao que ela respondeu: preciso da
contratação de três professores de música. Solicitação prontamente
atendida. Faltavam agora as “Paredes”. Outra matéria no jornal, onde o
repórter falou de descaso das autoridades competentes, o Prefeito sem
entender, pergunta-lhe: - como a senhora me pede três professores, se não
há escola? Responde ela: - a escola há, continua funcionando com a
contratação dos três professores. Só não temos o prédio. O prédio sem
professores, não seria escola. Os professores, mesmo sem o prédio (ainda),
e com as crianças e jovens, já fazem existir a escola. Que precisa lugar de
crescer. Pronto: foi alugado o prédio. (Jornal da Pesquisa)

Abrimos espaço agora, para reforçarmos a importância da História de Vida enquanto
dispositivo metodológico de extrema riqueza, pois permite que tenhamos informações mais
detalhadas do Estudo de Caso em pauta. A história de vida apresenta-se no nosso estudo como
fundamental, pois nela encontramos um delineamento artesanalmente construído dos cenários
e relações que nos propomos a estudar e a resignificar. Estes dados, abordados de outra
maneira, não nos dariam com tal acurado olhar o mapa psicológico e afetivo, subjetivo e

77

objetivo, a um só tempo, que a entrevista com a história de vida (consideradas como
compondo um estudo de caso) nos pode conferir.
Nesse sentido nos fala Macedo (2010, p. 29):

Formação aqui é percebida como o que acontece a partir do
mundo/consciência do ser ao aprender formativamente, isto é, transformando
em experiência significativa (intencionada, com explicitada construção de
sentidos e significados) acontecimentos informações e conhecimentos que o
envolvem.
Em um capítulo intitulado Da Biografia à Arte, Pareyson (2001) trata da questão da

referência à obra através da biografia do autor, e aqui nos reportamos ao seu pensamento, por
entendermos que, se alguns crêem que através da obra se conhece o homem, outros pensam
que se conhecendo o homem, é possível um melhor entendimento da obra. Nesses termos,
dadas as particularidades da história de vida, seus aspectos biográficos nos interessam no
sentido de que:
Busca-se reconstruir sua biografia, sobretudo porque se está interessado na
sua poesia; mas, precisamente por isso, esta biografia deverá apresentar uma
vida posta sob o signo da arte, e na arte encontrará o fim para o qual orientar
seus diversos e dispersos fatos (PAREYSON, 2001, p. 95).

Foi assim, então, que através desse relato de história(s) de vida, vimos como esta
professora (Nininha/ Ana Maria Militão Porto), da rede municipal de educação, aglutinou um
grupo e usou da ação de caráter negatriz para uma luta que já alcançava vários setores da
comunidade. Desse modo é que, junto ao poder público municipal, obteve-se a contratação de
três professores de música, o prédio também e sua própria disponibilidade cedida (da escola
pública) para dirigir o Pólo de Música e nesse lugar ministrar aulas.
Aos poucos, ia-se construindo um cotidiano que se incluía na comunidade, em seus
movimentos culturais, como se pode depreender do depoimento significativo de Nininha:
Era uma Tiração de Reis. Íamos com acordeon, triângulo, surdo, visitando
algumas casas de Messejana.
Aqui estamos em vossa porta
Em figura de raposa
Em figura de raposa
Em figura de raposa!
Deus te salve casa santa
Onde Deus fez a morada
Onde mora o cálix bento
E a hóstia consagrada

78

Cantávamos e cantávamos até acender uma luz, dando sinal de que nos
dariam alguma prenda. Ás vezes cajaranas, outras vezes mangas, outras
vezes tapioca e assim era uma festa de guluseimas e a animação era grande.
Certa vez uma senhora bem idosa nos disse: “passei a noite toda esperando e
vocês não cantaram em minha casa”. Às vezes não atendemos aos desejos de
todos. Que pena!

Pudemos perceber que a intencionalidade desta ação (negatriz) e seu caráter
aglutinador de esforços coletivos, funcionava também como resgate da música como direito
da comunidade de Messejana. Abria-se, assim, espaço para que se pudesse pensar a música
como um bem coletivo. Também se percebeu a intencionalidade de um projeto voltado para a
transformação social através da música, que se fundamentava em um projeto de formação
humana.
Estava em cena o instituinte: o projeto do Pólo de Música de Messejana.

2.3- Dialogismo em Educação Musical: os corais infantis e de jovens como atividade
centralizadora das ações musicais do Pólo de Música, em diálogo com outras ações

Dentre os principais Métodos de Educação Musical utilizados no âmbito dos espaços
de formação musical, trazemos para nosso estudo o Método Willems, cuja principal
característica é a vivência musical antecedendo qualquer racionalização ou codificação, da
mesma forma como acontece com a linguagem escrita: primeiro aprendemos a falar, para num
momento posterior, sermos levados à alfabetização (codificação). Willems (1996) situa o
canto como o principal elemento de musicalização, visto que o cantar é expressão das
sonoridades próprias do homem (em especial o cantar na criança), o que significa externar a
musicalidade da criança, ao invés de trazer-lhe algo exterior à sua própria constituição.
Nesses termos, podemos ver no excerto do texto que trata dos objetivos do método
Willems, um tópico que nos diz:
- Fazer com que as crianças amem a música e prepará-las para que realizem com
alegria a prática musical, vocal e instrumental; [...] - favorecer, mediante a música viva, o
desenvolvimento da criança. (WILLEMS, 1966, p.3)
No Pólo de Música, o canto era o centro das atividades, a experiência primeira,
partindo da qual surgiu a necessidade posterior da iniciação à leitura e escrita musical –
codificação.

79

O canto coral é adotado como um dos pilares da educação musical em qualquer escola
formal (ou não) de música, visto que traz à tona a musicalidade própria do indivíduo, partindo
daí para as decifrações posteriores, através da leitura musical e da prática instrumental, do
modo como Willems acredita.
Os relatos vistos até agora, permitem-nos perceber vários momentos nessa construção
da atividade musical. A criação dos corais em Messejana, também levava à busca de uma
nova mentalidade na vivência da música e suas elaborações enquanto arte possuidora de uma
linguagem específica, e a conquista da credibilidade na partilha da vida grupal, como nos diz
Nininha:

Classifico em quatro fases o desenvolvimento do Coral Infantil. A fase
inicial, onde a maior preocupação foi a sustentação da “idéia-coral” que se
formou durante a atuação nas escolas José de Alencar e Demócrito Rocha.
Em conversa com as crianças, em suas classes, era feita uma sondagem
sobre o seu desejo de participação de um grupo cuja finalidade principal
seria cantar. No início houve a resistência natural diante do desconhecido e
por isto tive que trabalhar no sentido de superá-las [...]
(PORTO, 1985, p.11, grifo nosso).

Vê-se aqui como houve, também da parte das crianças, certa reação ao que Nininha
conceitua como desconhecido e que eram as vivências do coral, em especial. Em uma
segunda fase, conquistou-se a adesão das crianças à atividade e já contando mais de dois anos
a existência dos corais, que ainda funcionavam nas escolas públicas (embora suas atividades
fossem complementadas pelas do Pólo de Música) viu-se que estes já tomaram forma e se
apresentavam inclusive fora do estado, onde havia o reconhecimento da qualidade do
trabalho. Como diz Porto (1985): “Nesta ocasião, participamos de um Encontro de corais em
Recife, com oitenta crianças, que fizeram o público vibrar com calorosos aplausos”.
Como forma de compreendermos como se dava o trabalho vocal com as crianças em
Messejana, comecemos por observar como foi trabalhada a técnica coralista, segundo
Nininha:

Na técnica vocal, começamos a explorar o volume e, aos poucos, o coral
respondia com mais sonoridade. Continuamos a trabalhar outros elementos:
respiração, respeito ao fraseado, dicção dentro da unidade coral já existente.
Os alunos agora já sentiam sempre muito prazer em participar do coral,
apesar das exigências feitas por mim. A idéia ou conceito de coral já estava
definido na escola (PORTO, 1985, p.12-3).

80

Exercícios de técnica vocal – aulas no salão paroquial (antes da criação do Pólo)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Militão Porto)

Implantar uma atividade artístico-musical num contexto onde isto nunca fora
disponibilizado como um fazer corrente tem uma dificuldade inicial. À criação de uma
mentalidade de aceitação e valorização da atividade como importante e significativa para a
comunidade, deve seguir-se o estudo concreto e o preparo técnico, como se está a ver.
Na terceira fase, como classifica Nininha, já se contava cinco anos de trabalho, e
dado o reconhecimento da qualidade inestimável do trabalho das vozes das crianças cantoras
de Messejana, e a credibilidade dada aos Corais Infantis de Messejana, vem a possibilidade da
gravação do disco compacto VOZES DO SOL, em Recife. Nesta fase, houve a junção dos
corais das duas escolas, num grupo de cinqüenta vozes infantis, denominado agora o grupo de
Corais Infantis de Messejana. “Isto ocorreu em 81, para atender ao convite de Salvador,
Bahia, nossa quarta viagem fora do estado”. (Nininha).

A união dos corais (das duas escolas) fez bem às crianças: pudemos realizar
um bom programa porque estavam prontas na percepção musical, na voz e
na técnica vocal. Além do sentido de grupo, houve uma integração maior
entre nós – crianças e educadores. Esta terceira fase, considero a fase áurea
do coral. Devo falar, pessoalmente, que minha regência havia melhorado
bastante, tornando-se mais leve. A experiência de cinco anos já me dava
mais segurança no que realizava e o grupo me fortalecia bastante.
(PORTO, 1985, p.14)

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Importante percebermos, agora, que os educadores estavam conquistando um espaço
de saber intelectual, estético e artístico, o Canto Coral, com suas exigências técnicas do bem
cantar, que já eram absorvidas e realizadas pelas crianças como parte de um processo de
aquisição da música vocal de qualidade.
Pensando sobre esse dizer de Nininha, que traz uma auto-reflexão - “A experiência de
cinco anos já me dava mais segurança no que realizava e o grupo me fortalecia bastante”podemos ver que Marie-Christine Josso já observava que a formação do educador possui uma
dimensão experiencial fundamental.
[...] em que é que a formação é experiencial ou não é: É aprender a analisar
os contributos das nossas atividades, dos nossos contextos de vida, das
nossas relações electivas e de acontecimentos que em nós tomam forma; [...]
O conjunto destas aprendizagens permite, pois, ao auto-investigador
compreender a sua formação e, de uma forma mais geral, o próprio campo
da formação do ponto de vista do sujeito (JOSSO, 2002, p.141):

Vemos que nos processos de formação, como observa Macedo (2010, p.33), a
dinâmica do compreender, fundante dos caminhos de autonomização vividos nos processos
formativos, abre o “caminho da produção de sentidos” por meio da reflexividade do educador,
como vimos na fala de Nininha sobre sua experiência com a regência, que ia sendo feita na
prática dos corais.
A partir desta percepção da experiência prática das crianças no canto coral, das
referências criadas nelas pela observação de outros grupos, pelas apresentações em outros
palcos, em outros mundos que não Messejana, por toda a vivência experimentada e aprovada
através do reconhecimento do trabalho realizado, por tudo isso é que se fazia necessário a
criação de uma escola de música que subsidiasse a aprendizagem da música enquanto
linguagem que codifica o cantar e as outras formas de músicas vividas na prática. Assim se
iria ampliando e solidificando a música como saber a ser mais e mais conquistado.
A quarta fase do trabalho dos corais foi a articulação para a criação do espaço
formativo do Pólo de Música de Messejana, consubstanciando e legitimando o que na prática
já era abalizado pela comunidade e pelo mundo musical do país, através da participação nos
encontros nacionais de corais, referência importantíssima para a condução da atividade
musical em Messejana.
O ensino e vivência da música propriamente dita, eram assim configurados no Pólo de
Música (como anteriormente já vimos): aulas de flauta doce - instrumento universalmente
utilizado na iniciação musical de crianças e jovens; aulas de violão - instrumento harmônico

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e de fácil acesso e utilização no nosso país; aulas de musicalização, que uniam a leitura e
escrita musical com a vivência rítmica e melódica usando instrumental Orff16, outras
percussões disponíveis e inclusive o próprio corpo. E, em torno desse núcleo, o convívio
trazia seus temas e a diversidade de experiências que ampliavam a experiência.
Criado o Pólo de Música de Messejana, escola de música e formação humana, o canto
coral e as outras atividades musicais, necessariamente foram-se ampliando num diálogo com
outras atividades, que se interligavam à música no contexto formativo de vida das crianças e
jovens da comunidade. Assim, reportamo-nos ao livro chamado ”Lições do Caminho – O que
conta o canto”, onde a autora fala do movimento atual das reminiscências do Pólo de Música:

[...] a música é o núcleo, mas se precisa trabalhar com todas as outras formas
de arte. O desenvolvimento da criança e nosso, como jovens e adultos, assim
fica mais inteiro se a gente pensa desse jeito. Dizemos então, que o trabalho
com várias formas expressivas em arte se inscreve no que chamamos
desenvolvimento da sensibilidade. E por que não falar de amor?
(LINHARES, 2002, p. 7).

E diz, mais adiante, referindo-se a pensar o vivido através da experiência sensível
através das várias formas expressivas de arte:

As formas expressivas da arte ajudam a estruturar e a reestruturar a
experiência. A gente do Canto fala em termos da arte ajudar a pensar o
vivido, desta forma assim essencialmente sensível, onde a dimensão do sentir
é sumamente importante. Já nos referimos a que haveria no pensamento
artístico um fluxo contínuo que transforma dados sensoriais (apreendidos
pelos sentidos) em noções não sensoriais e vice-versa (LINHARES, 2002, p.
113).

Nessa perspectiva de sensibilização humana para a transformação social, através de
vivências que possibilitam o aflorar de sentimentos que levam ao prazer do fazer artístico,
foram sendo introduzidas outras atividades artísticas que completavam o fazer musical
significativo.

A Oficina de Brinquedos, espaço riquíssimo de imaginação e criação foi
idealizada como espaço do brincar e construir o próprio brinquedo, a partir
de materiais disponíveis, entre madeira trazida das serrarias do bairro, e
outros materiais de sucata, que se transformavam em brinquedos que eram
arte, e serviam à arte do brincar e construir mundos particulares, onde se
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Instrumentos Orff, são instrumentos de teclas percutidas (xilofones e metalofones), de alturas definidas
(escalas), utilizados na prática musical rítmica e melódica, com base na improvisação, como sugere o Método
Orff de Educação Musical.

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estruturavam os novos mundos das crianças que tinham de volta seus quintais
da infância, seus acalantos entoados pelas próprias vozes, como que
resgatando a voz das mães, as músicas que não se pudera cantar para elas,
as que se poderia cantar agora... Essa voz do mundo íntimo e do mundo da
cultura passava a ser resgatada nos fazeres artísticos significativos do Pólo
de Música (Jornal da Pesquisa).

As aulas de Teatro, vindas em um momento posterior, também traziam essa
possibilidade de aflorar a sensibilidade e construir novos dizeres de vida, somando-se ao fazer
musical. A fala, enquanto caminho ou veículo de expressão e conexão das percepções do
sujeito, é assim delineada em Linhares (2002, p. 108):

O pensamento, ao modo da arte, utiliza em seu percurso muitas formas de
inteligência (a do sentimento, a da intuição, a da percepção e a do
pensamento lógico, verbal) e cada sujeito, em seus atos de criação, as
combina dentro de uma forma toda pessoal, singular. Diríamos mais: há
movimentos das inteligências que são caminhos do criar da criação artística.
[...] ocorre como que uma espécie de diálogo entre o sentimento, a
percepção, a intuição e o pensamento lógico, verbal, propriamente dito. Cada
um anda um pouco [...] e é atalhado pela palavra. Mas anda.

Dessa forma, interligando os caminhos da arte, centralizados pela música, pelo canto
coral, pela flauta, pelo violão e pela leitura de partitura (codificação e decodificação), é que se
foi delineando o cotidiano formativo do Pólo de Música, em uma construção significativa de
saberes que se foram acrescendo ao contexto das vivências do bairro de Messejana. As
crianças, adolescentes e jovens que tiveram um percurso musical e de convivência no Pólo de
Música de Messejana foram aos poucos assumindo a partilha com outros, dos saberes que iam
sendo apropriados.
Convém colocar aqui que, como o criar em música, propriamente dita, demanda um
conhecimento mais amplo da matéria musical para se consubstanciar na composição musical
(exceto nas criações mais efêmeras das vivências musicais cotidianas), só no segundo
momento das experiências do Pólo, já no projeto Um Canto em cada Canto, é que se percebe
a fase das composições musicais propriamente ditas, por partes dos alunos já com uma
formação musical mais sólida, o que permitiu essa atividade de criação musical mais
sistemática, deixando um legado de obra musical de valor. No caso, o Pólo de Música cuidou
da formação musical inicial das crianças e jovens que hoje continuam atuando no Um Canto
em Cada Canto como educadores musicais.

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2.4 - Mediação e Complexidade: o educador como mediador entre o Pólo de Música e a
comunidade

Perguntemos, de início, o que vem a ser a mediação, e sua importância na relação
educacional, para em seguida, situarmos essa mediação no contexto do nosso objeto de
estudo.
Reportemo-nos a Morin (2010, p.284), quando refere-se à obra Emílio, de Rousseau,
em que o educador diz ao seu aluno: "Quero ensiná-lo a viver". Morin considera a frase
excessiva e coloca assim seu pensamento sobre a mediação do educador, situando a
autonomia do indivíduo, e ampliando a mediação a outras instâncias, a saber, a família, os
livros, a experiência individual. Diz que:

[...] pode-se apenas ajudar a aprender a viver. Viver se aprende pelas
próprias experiências, com a ajuda do outro, principalmente dos pais e
educadores, bem como dos livros e da poesia. Viver é viver como indivíduo,
enfrentando os problemas de sua vida pessoal, é viver como cidadão de sua
nação, é viver também seu pertencimento à espécie humana.

No mesmo sentido, Ardoino (1971, p. 108), referindo-se à ação educativa como um
prolongamento da educação parental, aproxima iniciação e educação em termos etimológicos,
levando-nos a compreender a função da mediação nesta relação:
É interessante, então, aproximar etimologicamente “iniciação” e “educação”.
Esta nos dá a idéia de conduzir alguém fora de alguma coisa (Educere,
origem: dux), ao passo que aquela evoca a noção de passagem, de entrada
em algo de novo (in-eo, ire), tanto quanto a de começo e de penetração dos
mistérios (grifos do autor)
Porém, o autor não desconsidera as funções de “transmissão do saber social capitalizado pelo
grupo”, mas ressalta o caráter, antes de tudo, integrativo das relações que se prestam à elucidação dos
assim chamados por ele, “mistérios sociais”. Nesse movimento, aponta como essencial, “o fato de
travar a relação, muito mais do que na eficácia da transmissão dos conhecimentos que geralmente a
acompanha” (ARDOINO, 1971, p. 105).

Dentro desse entendimento da mediação enquanto ação de condução sensível na
relação educador educando, e também considerando sua função de buscar potencialidades
interiores, ligamo-nos a Rui Barbosa (apud BARBOSA, 1978, p.46), quando nos fala
simbolicamente: “Se não reiterardes tentativas para descobrir o tesouro oculto, permanecerá

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para sempre, imprestável aos que mais necessitam, e nem notícia têm de que em si mesmos o
trazem”.
Dessa forma, a relação ternária educador-educando-saber depende, em especial, da
mobilidade e mobilização dos atores, e aí a figura do educador como mediador faz-se
primordial, para que a ação educativa aconteça de forma satisfatória, para que os “tesouros
ocultos” sejam escavados, perscrutados, lapidados, dando novos contornos à vida, ou às vidas
dispostas nesta inter-relação. Sobre isto, Imbert (2003, p.19) diz: “O saber, que até então „não
se mexia do lugar com todos seus discursos‟, se abre enfim, à possibilidade de saberes novos.
A categoria da possibilidade constitui a prova dos nove de uma práxis”.
Vemos, nessa perspectiva, a construção de caminhos que, sem a habilidade e
sensibilidade da condução do mestre, trilhando lado a lado com o discípulo esses caminhos,
desbravando fronteiras, encorajando, iluminando a escuridão da noite, preparando-o e
fortalecendo-o para a caminhada que segue, sem isso, toda a riqueza pereceria para sempre no
fundo da terra, intocável.
Porém, Ardoino adverte-nos sobre os alertas necessários a toda mediação, relativos à
possibilidade de alienação a que se expõem os seres em relação pedagógica, em especial:

Pois, o outro é a mediação necessária para que eu seja eu, mas também o
risco de que, por ele, eu seja outrem que não eu, ou, o que vem a dar no
mesmo, que eu apreenda o outro como diferente de mim. (ARDOINO,

1971, p.114)
A atenção aos desejos de um grupo, a motivação e o “estar implicado” em escolhas e
responsabilidades são aspectos chaves quando se trata de educar. Independente do contexto,
da disciplina, da rede de ensino, enfim, em qualquer situação que envolva um “aprendiz” e
um “mestre”, a força motriz que acionará a inter-relação, a implicação do educando como
sujeito, a “motivação”, é em muito definidora do sucesso ou não do processo educacional,
enquanto processo de transformação humana. Processos de educar, portanto, são processos de
motivar também; e tudo isso requer do educador ser o impulsionador do complexo conjunto
de ações postas a moverem-se, a produzirem atos e subjetividades, sujeitos, enfim.
Não há como pensarmos em aprendizado, aqui entendido como sinônimo do vivido e
refletido, sem abarcarmos a questão das vias percorridas para tal. Então, nos indagamos: como se define o ser professor, suas práticas, sua formação, profissionalização, identidade e
cultura docente? E buscamos respostas, em um breve delineamento da profissão docente no
Brasil, não com uma preocupação histórica e política mais profunda, mas, antes, no sentido de

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compreendermos como se constrói o educador enquanto mediador e articulador de ações na
sociedade.
Freire (2007, p.32), discorrendo sobre saberes docentes fundamentais à prática
educativo-crítica e situando esses saberes como indispensáveis na elaboração da prática
formadora, elenca como importantes (entre outros), a ética e a estética, e o diz de maneira
poética: “Decência e boniteza de mãos dadas”. Ressaltamos, aqui, de saída, a sensibilidade
como fator fundamental no ato educativo-formador, entendida na forma de responsabilização
docente sobre o ser que se dá a formar.
Batista Neto (2005, p.43), refere-se (criticamente) ao art.13 da LDB 9394/96, que
define atribuições inerentes ao professor, dizendo que “os termos em que se define o trabalho
docente conferem ao professor a responsabilidade de cuidar da aprendizagem do aluno, o que
põe em evidência a idéia de que este é um profissional que, por excelência, ensina”.
Para além de marcar uma função social, o que seria o trabalho do educador? Esta
inscrição da referida LDB reduz a dimensão docente apenas à do professor como técnico, o
que macula uma identidade de contornos tão particulares, pois que a constituição do professor
compreende toda a sua história como ser no mundo, suas origens, seus aprendizados, sua
mobilização social como pessoa e como profissional. Como diz Freire (2007, p. 98):

[...] como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de
intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento de conteúdos
bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço de
reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.

A concepção atual do que seja a educação, não comporta mais que o professor seja
visto como mero transmissor de conhecimentos técnicos, pois sua ação, como se pode ver, é
percebida para além dos muros da escola, sendo ele intermediador das ações entre a escola e a
comunidade, entre o ser e o mundo.
Passando um olhar pela história da formação e profissionalização docente no Brasil,
podemos observar que esta passou a ser emergente desde a criação das primeiras
universidades, fundadas como instrumentos de formação e contínuo aprimoramento de
professores e demais profissionais da educação, partindo das necessidades da sociedade,
manifestadas através de mobilizações sociais.
Através da criação de Leis, formataram-se as políticas de condução da atividade
docente, inscrevendo-se os dispositivos legais para observação e cumprimento dos textos
constitucionais. Porém, da elaboração à aprovação e instituição destas Leis, há um longo

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percurso, e muitos dos desejos reais da sociedade se perdem pelo caminho, principalmente
quando se trata de observar e cumprir o que foi instituído na lei.
Entre perdas e ganhos, a configuração atual da educação permite-nos intervir e
delinear nossa formação (auto-formação) com mais liberdade e consciência da importância do
ser professor; e nessa visada, considera-se a pesquisa um recurso de inestimável valor para a
construção da identidade do professor e a apropriação dos saberes que informam sua prática.
Essa apropriação, que se pode dizer ser o cerne da auto-formação. Como nos diz Morin (2009,
p.23), referindo-se à função social da Universidade no que concerne à sua ação (e seu devir)
instituinte:
Existe aqui uma impossibilidade lógica, mas é desse tipo de impossibilidade
que a vida se nutre. Quem educará os educadores? É necessário que se autoeduquem escutando as necessidades que o século exige, das quais os
estudantes são portadores.

Tratando especificamente da formação do professor de música aqui no Brasil, onde a
oscilação entre a inclusão concreta desta disciplina nos currículos escolares é notoriamente
frágil, (como veremos na seção seguinte deste trabalho), vemos que seria preciso se retomar
reflexões sobre “quem é o educador musical”. Fica nublado o programa concreto da música
nos currículos escolares: se na LDB - 5692/71 se diluíra de algum modo a tradição da
formação em música, uma vez que esta formação se dava no âmbito de um conjunto de artes,
a LDB de 1996 a tratou como uma forma de conhecimento, o que é um avanço. A música,
então, entra atualmente nos currículos escolares (com a Lei de nº11.769 de 18 de Agosto de
2008, que altera a LDB de nº 9.394/96) como uma modalidade de conhecimento e de forma
obrigatória nas escolas brasileiras; o que falta, porém, é garantir formação na área – o que vai
se reverter na prática escolar.
Sobre formação, Morin (2009, p.59) expressa o desafio pelo qual passamos, sobretudo
desde o século XX, com a ruptura entre a cultura das humanidades e a cultura científica, o que
vem confirmar nosso pensamento em torno de uma formação em conexão com a vida:

A cultura das humanidades fundamenta-se na história, na literatura, na
filosofia, na poesia e nas artes. Em sua essência ela transmitia a aptidão para
a abertura e para a contextualização. Além disso, favorecia a capacidade de
refletir, de meditar sobre o saber e, eventualmente, integrá-lo em sua própria
vida para melhor esclarecer sua conduta e o conhecimento de si.

No formato atual que se faz urgir na educação, e na educação musical, mais
especificamente, tendo como parâmetro de condução das ações a complexidade do homem e

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do mundo, e pensando a educação musical sob a sua complexidade enquanto conhecimento e
enquanto arte, indagamo-nos: como valorar a subjetividade e a cultura que permeiam os
elementos do ensino musical? Como ampliar a percepção de sentimentos, valores, afeto, entre
outras dimensões, capazes de desencadearem a formação de uma estrutura mental, psíquica,
humana mais aberta à complexidade?
Em busca dessa compreensão, desse aspecto da música que não podemos negligenciar,
(tendo os movimentos formativos de que tratamos aqui, a música como saber mediador),
ligamo-nos a Freud (2010, p. 68-69) quando este, referindo-se à busca da felicidade
característica de todo ser humano ("princípio do prazer), e dos métodos que se utiliza nessa
busca, fala dos "deslocamentos libidinais permitidos pelo nosso aparelho psíquico, por meio
dos quais sua função tanto ganha em flexibilidade". E diz, ainda, sobre as formas de conseguilo através do deslocamento dos impulsos em atividades artísticas e intelectuais:
Satisfações tais como a alegria do artista ao criar, em dar corpo aos produtos
de sua fantasia, ou a do pesquisador na solução de problemas e na descoberta
da verdade, possuem uma qualidade especial [...] que nos parecem "mais
finas e mais elevadas".

E mais adiante, o autor reforça esse pensamento concernente à cultura e às formas
elevadas do pensar, que ele chama de "atividades psíquicas superiores", situando-as como
fundamentais e de recursos inigualáveis à formação e transformação humana:

Porém, através de nenhum outro traço julgamos caracterizar melhor a cultura
do que através da estima e do cultivo das atividades psíquicas superiores, das
realizações intelectuais, científicas e artísticas, do papel dirigente concedido
às idéias na vida das pessoas (FREUD, 2010, p.95).

Pensamos que essa possibilidade de desencadeamento das atividades psíquicas
superiores através da música, exige uma compreensão e incorporação no olhar do educador de
uma postura mediatriz, assumindo seu papel de conduzir sua prática educativo-musical, de
forma a lidar com o desejo e desencadear emoções significativas em seus educandos. Ou seja,
o núcleo ensinante eleito deve levar o educador a refletir sobre o fazer musical como saber
disponibilizado para uma mobilização mais autônoma do ser no mundo.
Ainda buscando respostas para nossa indagação sobre a complexidade das
subjetividades do fazer musical, lemos num artigo intitulado “Música e Psicanálise: um
encontro possível”, em que Schwartz, Mello e Quintanilha (2005, p.3) buscam esclarecer
conceitos de Freud relacionados ao sujeito e à linguagem: “Com a criação da Psicanálise,
Sigmund Freud colocou em cena uma nova concepção de sujeito, marcado pela dimensão do

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inconsciente, da sexualidade, do pulsional e do desejo, sujeito cindido que surge pela fala
como efeito da linguagem". Dizem, ainda, os autores:
Tanto na música como na psicanálise, temos a presença de sonoridades. Na
primeira, pelo canto, melodia e harmonia; na última, pela interpretação
clínica dos sentidos da fala, das significações inconscientes das palavras. [...]
a música interessa à psicanálise, posto que a sonoridade traz implicitamente
algo da singularidade do inconsciente - representações que se apresentam
pelo viés da linguagem (SCHWARTZ, MELLO; QUINTANILHA, 2005
p.1).

Por fim, enriquecendo nossa condução de pensamento sobre as subjetividades do fazer
musical, vemos em Fonterrada (2005, p.187) que:
[...] a experiência musical, ao lidar com as estruturas musicais de maneira
organizada, e sendo estas estruturas consideradas semelhantes aos conteúdos
emocionais da psique, poderia haver uma ordenação de sentimentos pela
prática musical, o que faria que o sujeito os percebesse com maior clareza,
conseguindo, por isso, lidar melhor com eles. [...] o que se pode dizer é

que a experiência musical de qualidade atinge profundamente o ser
humano e amplia suas experiências de vida.
Pode-se observar como é fundamental o educador musical conhecer e se aprofundar
nas múltiplas e complexas questões sobre a "música que transforma", apostando na condução
de uma atividade musical que tenha um significado próprio para o educando, e que os
benefícios de equilíbrio e fortalecimento psíquico-social que a música proporciona sejam o
centro do processo educativo-musical. Vê-se que essa perspectiva de transformação leva a
transformações do sujeito educador em sua inserção no social.
A Multirreferencialidade vem, nesse sentido, propor uma abertura do olhar do
educador às várias ciências que abordam a constituição do ser social, de modo que o fazer
educativo tenha como centro das atenções, o educando e sua complexidade.
A leitura sobre Música, Estética, Educação são centrais, mas conceitos da Psicanálise
podem nos abrir veredas de reflexão importantes. O fazer pedagógico é complexo e lida com
a complexidade do real – um olhar múltiplo se faz fundamental; a fragilidade e riqueza da
"matéria-prima" que lhe é dada a cuidar no seu cotidiano de trabalho, o ser humano, lhe
devolve a pergunta também sobre sua formação (do educador) como sujeito.
A interdisciplinaridade, a pluralidade de aparatos intelectuais que melhor possam nos
instrumentalizar enquanto professores, é que vem (re)significar nossa prática e servir de
referências múltiplas sobre o nosso estudo. Sobre isso Borba (2001, p.125-126) nos fala:

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A interdisciplinaridade é uma questão de atitude curiosa diante da
diversidade da vida. Não se trata [...] de conhecer todas as disciplinas, [...]
mas de uma atitude aberta, simpática às diversas ciências [ ...] No século
XV, Leonardo da Vinci conhecia praticamente todas as ciências
desenvolvidas até então[...] Nos nossos dias, essa é uma tarefa impossível de
ser realizada [...], entretanto, exige-se cada vez mais uma abordagem[...]
multirreferencial.

E, referindo-se ao professor-pesquisador, à sua formação, como elemento fundamental
para as transformações humanas através do seu fazer pedagógico, sempre ligado à vida, diz:
O professor-pesquisador deve [...] alimentar-se, nutrir-se intelectualmente
de diversos e diferentes campos do saber, capturando fatias de outras
disciplinas. [...] entramos no universo da multirreferencialidade. [...] O
cientista, através do radar das diversas disciplinas, [...] precisa relativizar
seu saber e saber-fazer, compreender os processos [...] não somente da
construção científica, mas também do cotidiano de cada um de nós.
(BORBA, 2001, p.127-128).

A mediação entre o Pólo de Música e a comunidade

Voltemos ao nosso relato de experiência, em que a música é o saber de articulação da
inter-relação do processo educativo, pontuando a mediação e complexidade relativas ao nosso
tópico de estudo: a mediação do educador entre o Pólo de Música e a comunidade. Isto era
uma preocupação constante: saber se realmente se chegava à comunidade, quais as
expectativas desta, enfim, indagava-se:

Antes de falar do envolvimento da grande comunidade de Messejana, que
deixar bem clara a minha preocupação quanto a este problema. Fazia-me
sempre as mesmas perguntas: será que estamos chegando perto da nossa
comunidade? Como poderemos trabalhar mais perto? O que ela espera de
nós? (PORTO, 1985, p.16).

Nininha relata, ainda, sobre as formas de aproximação do Pólo de Música com a
comunidade, citando os concertos na praça da Matriz, onde a comunidade demonstrava
respeito e carinho pelo trabalho, a Tiração de Reis pelas casas de Messejana, que passaram a
esperar, a cada ano, o grupo de músicos do Pólo de Música, as passeatas Natalinas, cujas
janelas se abriam..., iam-se abrindo para apreciar os cantos de Natal entoados pelos Corais de
Messejana.

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A partir das passeatas de Natal, formou-se uma colaboração solidária da Indústria e
Comércio de Messejana, o que garantiu, entre outras coisas, que se pudesse receber em
Messejana, dois importantes grupos Corais do país, o que representava uma troca
importantíssima de experiências em várias dimensões (individuais e sociais) Nininha nos
conta:
Recebemos o Coral Universitário de Campina Grande e os Canarinhos de
Petrópolis, ambos hospedados por nós em Messejana. Foi a conseqüência de
um trabalho que os corais juvenil e infantil realizaram junto à comunidade,
que prontamente garantiu a hospedagem e alimentação, além de cachê para
os Canarinhos. Os corais convidados retribuíram com concertos na Matriz, o
que fortificou o trabalho comunitário e o trabalho musical em nossa
comunidade. (PORTO, 1985, p. 16).

Sobre essa nossa vivência e experimentação em música, e sobre nossa reflexão atual,
muito bem nos fala Bartolomeu Campos (apud ABRAMOVICH, 1985, p.9), dando-nos a
idéia do projeto que se delineava: “Obediente aos meus desejos, caminhei durante muitos
anos entre as crianças, não com a segurança de um mestre, mas com os cuidados de um
aprendiz, por exigência da arte, área em que me exercitava”.

Era assim que percebíamos o projeto que se delineava, tecido entre a
comunidade do Pólo de Música e a comunidade de Messejana, numa
experimentação baseada na vontade de acertar, esboçada nos fazeres que
miravam, também, essa intermediação com a comunidade. Podíamos sentir
o envolvimento da comunidade mais próxima (pais, parentes, amigos), bem
como da comunidade das escolas regulares do bairro que abrigaram os
corais antes do Pólo de Música existir (diretores, professores, amigos: cada
vez que acontecia um evento especial, como um concerto, um curso ou
atividade extra, como o de crochê com retalhos, o atendimento homeopático
gratuito), e principalmente, nas viagens dos Corais para outros estados. Era
quando se podia sentir escola e comunidade interligadas, tendo como
mediador os professores do Pólo de Música que faziam essa mediação
significativa. Era muito importante sentirmos o carinho e apoio de todos que
se envolviam no contexto, o que significava valorização do trabalho
realizado. Sentíamo-nos embalados nos braços fraternos de Messejana, o
que nos confortava e nos fazia valorizar ainda mais a música. (JP)

Podemos dizer que a idéia de experimentação e de projeto, que vimos de definir, ao
longo deste trabalho, aprofunda-se com a idéia de sermos, como educadores, sempre
aprendizes e, também, pesquisadores de uma prática.
Buscamos novamente no Jornal da Pesquisa os escritos em que o pesquisador descreve
sua percepção sobre a experiência dos movimentos educacionais do Pólo de Música,
retomando sua memória histórica, agora sob o olhar do professor-pesquisador, distante

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geográfica e temporalmente do objeto de estudo, mas referenciado pela prática atual da
educação musical:
Passados vinte e nove anos, vejo que desde os tempo do Pólo começara a
ser traçado o caminho das crianças e jovens que encontraram na música
subsídios que validaram sua existência: a concentração no aprendizado da
teoria musical; o equilíbrio pelo manuseio da flauta; a percepção da
própria voz como instrumento e o senso de coletividade, no coral; a
sensibilidade pelos encadeamentos harmônicos; a necessidade de estudo
diante das dificuldades; o auto-valor como construção cotidiana, as
interações com o Outro maior, a comunidade, tudo ia sendo passos de um
futuro que nos autorizávamos a modificar, direcionar, fazer avançar em
uma direção querida.(JP)

Todas as observações anotadas e interpretadas aqui, baseiam-se no fato de que as
experiências formativas do Pólo de Música de Messejana, cuja matéria-prima, a música e suas
várias vertentes, sempre foram colocadas em conexão com a vida, foram realizadas com o
cuidado de não se perder o rumo do que é verdadeiramente educar:
[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no
desempenho de destrezas, [...] Transformar a experiência
educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há
de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu
caráter formador. (FREIRE, 2007, p.14)

Nessa perspectiva, entendemos que nossa tarefa, enquanto educadores, tem como
desafio maior a constante vigilância da prática diária, dos acontecimentos e das respostas que
se concretizam em transformações da vida e do ser no mundo, sobre o que Freire (1969, p.47)
fala: “[...] o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com
o mundo.”
Sobre essa visão da inter-relação do indivíduo e grupos com o mundo, significado
maior de toda prática educativa, Ardoino (1971, p.41) diz ser o pequeno grupo, um „átomo
social‟, assim esboçado: Tais “átomos sociais” estão, eles mesmos, inseridos em conjuntos
mais vastos, sempre em movimento uns em relação aos outros, como tantas outras galáxias.
Nessa metáfora dos átomos sociais vemos a ação social em ondas, partindo da ação
docente, intervindo nos sujeitos. Nesse sentido, o educador parece dar-se à habilidade da
percepção dos resultados que sua atividade provoca, suscita ou ainda, leva a ver o que merece
acompanhamento, direcionamento, sem perder a idéia de que toda ação válida em educação
envolve um núcleo inegável: o amor. Assim referenciando a ação educacional: “Diz-nos

93

Freud que a questão decisiva não é a compreensão intelectual, mas um ato de amor” (ALVES,
2000, p.26), e diz ainda, o autor:
Não sei como preparar o educador. Talvez porque isso não seja nem
necessário, nem possível... É necessário acordá-lo. E aí, aprenderemos que
educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros. [...] Basta que o
chamemos do seu sono, por um ato de amor e coragem. E talvez, acordados,
repetirão o milagre da instauração de novos mundos.

Pensar os sujeitos educadores e educandos como sujeitos de afetos envolve considerar
que constroem sua experiências significativas a partir de vivências de múltiplas dimensões
em exercício. Em Tardif (2002, p.21) vê-se: “[...] os saberes oriundos da experiência de
trabalho cotidiana parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissional”.
Assim sendo, o que pudemos observar através dos dados coletados através dos relatos
dos sujeitos da pesquisa, é que cada educador do Pólo parecia abrir-se à experiência dos
saberes em arte como se abria para uma experiência afetiva significativa, modificadora de
suas vidas. Diz-nos Morin (2009, p. 71), referindo-se à aprendizagem do amor:

O Eros não se resume apenas ao desejo de conhecer e transmitir, ou ao mero
prazer de ensinar, comunicar ou dar: é também o amor por aquilo que se diz
do que se pensa ser verdadeiro. É o amor que introduz a profissão
pedagógica, a verdadeira missão do educador.

E referindo-nos ao método de construção dos fazeres musicais que permearam os
movimentos formativos do Pólo de Música, ligamo-nos ao pensamento de Mathias (1986,
p.21), que assim nos fala sobre o trabalho musical enquanto projeto criativo e criador, sempre
em construção, sempre articulado com o mundo: “[...] é o trabalho de encontro e reencontro,
de passo e compasso, de equilíbrio e harmonia, de ritmo e melodia, sintonizado com as
necessidades do mundo”.
Particularizando assim o educador como mediador entre escola e comunidade,
podemos dizer que a função docente no Pólo de Música foi de extrema importância no sentido
de abrir a escola à comunidade, numa integração em torno da produção musical apresentada
na comunidade e fora dela, mas sempre como uma representatividade desta.
Os “Meninos de Messejana” e o Pólo de Música de Messejana foram, assim, se
construindo, e construindo saberes que iam fazendo-os referência nacional em educação
musical não formal, de qualidade. Por esta razão, o Pólo de Música foi contemplado, entre
outras instituições de educação artística do país, com o projeto “Fazendo Artes” – da

94

FUNARTE (Fundação Nacional de Artes – RJ - 1987), através do qual se subsidiou a
formação dos monitores (futuros professores) de Messejana, que atuavam nas escolas públicas
de Messejana e adjacências, sobre o que falaremos mais adiante (Capítulo 3.5).
Buscamos, novamente nos relatos de Nininha (referindo-se aos momentos iniciais das
atividades musicais com os corais, antes mesmo da fundação do Pólo), momentos dessa
interligação das atividades do Pólo com a comunidade, de forma a devolver à própria
comunidade o que suas crianças e jovens produziam em termos de música, e enquanto
representatividade dessa comunidade que abrigava o Pólo de Música, numa ação mediatriz:

Aos poucos, pudemos sentir a comunidade: no princípio, a comunidadeescola que sempre apreciou o coral e se orgulhava do privilégio que tinha.
[...] Como conseqüência natural atingimos a comunidade-família que foi
ligando-se ao movimento, valorizando as apresentações, facilitando a
freqüência das crianças aos ensaios, buscando o filho quando cantávamos à
noite, prestigiando as viagens, indo às reuniões onde discutíamos o valor das
atividades extra-classe e também o relacionamento pai/filho, marido/mulher
e família/escola. (PORTO, 1985, p15)

Entendemos, assim, ter sido a construção dia-a-dia do projeto que delineou esses
movimentos, a grande riqueza enquanto possibilidade de ações significativas para a
comunidade local. Expandidas as sonoridades dos corais, das flautas, dos violões e dos
sentidos novos para a vida comum das crianças, adolescentes e jovens que construíam o
Pólo... Também era a vida comunitária que se expandia, em Messejana.
Hoje, os que se tornaram professores de música, multiplicam esses saberes, não mais
no abrigo da instituição Pólo de Música de Messejana (fechado em 1989), mas em um
projeto, (que seria sua continuidade) e que foi expandido. Calcado em canto coral, mas ligado
a outras atividades artísticas também, em escolas públicas de todo o estado do Ceará, essa
ação se constituía como uma ação associativa (a da ACIC - Associação de Corais Infantis do
Um Canto em Cada Canto). Um novo projeto, o Um Canto em cada Canto, era a continuidade
do Pólo de Música, depois com outros desafios e enfrentamentos.

2.5 - Textos e Contextos: articulando o momento de criação do Pólo de Música com
algumas lições sobre o ensino da música na educação brasileira

Para contextualizarmos a criação da instituição Pólo de Música de Messejana,
entendemos ser necessário versarmos, ainda que de forma breve, sobre a música no contexto

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histórico da Educação no Brasil, a qual, conforme podemos observar, é marcada por uma
constante de reformas em busca de adequação ao momento social e político. É que em muitas
correntes de pensamento pedagógico a música está presente como elemento importante,
juntando ciências e artes, filosofia e vida do ser simples.
Um delineamento histórico, contudo, ainda que breve, nos dará a clareza necessária
sobre como a música foi entendida em cada período de inscrição ou renovação das
Constituições, e nos permitirá contextualizar historicamente a experiência do Pólo de Música
de Messejana, como também observar as perspectivas atuais da música na escola.
Elegemos para a contextualização da música na educação brasileira, e seu valor
enquanto arte, os seguintes autores brasileiros que escreveram sobre este tema com
conhecimento de causa, por se tratarem de educadores reconhecidamente atuantes e
comprometidos com a educação musical no Brasil, a saber: Fonterrada (2005) e Penna
(1990/2008).
Fonterrada (2005, p. 192-193) inicia o delineamento histórico-musical, citando a era
do pós-descobrimento do Brasil, quando os jesuítas “trouxeram valores e práticas que iriam
exercer grande influência no conceito de educação no Brasil. Era inevitável que esses valores
e práticas influenciassem, também, a educação musical brasileira”. Esse processo de
„aculturação‟ é o primeiro direcionamento dado á educação musical no Brasil, baseada na
ordem jesuítica de Inácio de Loyola, em que o rigor do método era o centro de todo
aprendizado, através de exercícios progressivos e exaustivos, princípios que nortearam a
“primeira proposta pedagógica em educação musical, onde os curumins das missões católicas
eram treinados e aprendiam músicas e autos europeus”. Percebemos, nesse primeiro momento
histórico, a técnica musical como centro do aprendizado.
Desde o Brasil colônia, com o Padre José Maurício, quando a corte tinha o domínio e,
portanto, o privilégio do acesso à música, passando por Villa-Lobos, cuja grande contribuição
foi a implementação do Canto Orfeônico na Escola (democratização da música), no governo
de Getúlio Vargas, tentou-se desenvolver uma mentalidade de valorização da arte nos
currículos escolares. Nestas idas e vindas históricas, ainda segundo Fonterrada (2005, p.124),
“[...], passa-se a exigir, com o decreto federal de 28 de Novembro de 1890, formação
especializada do professor de música”, o que representa o reconhecimento da profissão, uma
preocupação com a qualidade no ensino dessa arte, e sua valorizando na educação.
Porém, inúmeras dificuldades impedem uma maior adesão dos professores de música a
essa formação continuada, que desde já esboçava uma maior fundamentação e acato da
profissão no meio educacional nacional. Mesmo com a formação em caráter obrigatório, uma

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das maiores dificuldades encontradas era o deslocamento dos professores para o Rio de
Janeiro e São Paulo, onde primeiro foram implantados esses cursos de formação.
Seguindo na história, chegamos ao governo de Getúlio Vargas, quando Villa-Lobos
instituiu a prática do Canto Orfeônico na escola brasileira na intenção de democratizar o
ensino da música, restrito a uma minoria privilegiada. Nesse contexto também se percebe a
necessidade de qualificação dos professores de música, e isso se tornou evidente, justamente
pelo caráter obrigatório que essa atividade musical impusera à escola brasileira, o que
demandava mais profissionais para a realização dessa prática junto às escolas:
A falta de professores com qualificação adequada já se mostrava
como um problema na época do canto orfeônico. Inicialmente,
[...] tornado obrigatório nas escolas pública do Distrito Federal
(atual cidade do Rio de Janeiro) através do Decreto 19.890, de
1931, ainda sob o governo provisório de Getúlio Vargas. Apenas
sob o regime ditatorial do Estado Novo, em1942, [...] foi
estabelecida [...] sua obrigatoriedade para todo o país.
(PENNA, 2008, p. 152)

Para suprir à demanda advinda dessa obrigatoriedade do ensino da música nas escolas
públicas do país, e dada a escassez de professores de música, foram criados os Cursos
Rápidos de Música, de caráter emergencial, o que, embora atendesse ao imediatismo que a
situação impunha, deixava lacunas no que se refere à qualidade na formação dos professores e
a necessidade intermitente de reciclagem dos mesmos.
Outra tentativa de implantar a formação superior dos professores de música aconteceu
na década de 1960, quando foi criado pela "Comissão Estadual de Música, àquela época
subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Governo, o Curso de Formação de
Professores de Música" (FONTERRADA, p.2005, o grifo é nosso). Infelizmente, o curso
não conseguiu legalização, o que impediu sua continuidade.
Seguindo um pouco mais na história, ainda segundo Fonterrada (2005), vemos na
LDB n.5692/71, a substituição da disciplina educação musical por educação artística, o que
fez a arte adentrar a escola, pulverizou as especificidades das linguagens. Se de um lado, essa
nova configuração privilegiou o acesso à vivência artística de uma maneira geral, do ponto de
vista da educação musical propriamente dita, houve um enfraquecimento e perda de qualidade
e aprofundamento necessários ao fazer musical. Conta daí, vinte e cinco anos de “puro
entretenimento” da música, como das outras artes que compunham a disciplina educação
artísticas na escola brasileira. Por conta dessa mudança, e conseqüente mudança do perfil

97

exigido do profissional que ministraria a disciplina educação artística, são criados em 1974 os
Cursos Superiores de Educação Artística, que tinham caráter polivalente.
Penna (2008, p.134), contextualiza comparativamente as mudanças nos cursos
superiores de música a partir da década de 1970:

[...] a maior diferença entre esses dois momentos históricos - décadas de
1970 e 1990 - encontra-se nas indicações para a formação do professor: as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música
(Brasil, 2004a). Ao determinar uma formação de caráter específico, tais
diretrizes indicam a transformação das licenciaturas plenas em
Educação Artística (com habilitação em música) em licenciaturas em
Música. (grifo nosso)

Seguindo nosso delineamento histórico, desde “[...] a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, o país vem se preparando para, mais
uma vez, adotar novas condutas educacionais”, quando se abre espaço para a discussão sobre
educação musical. (PENNA, 2008, p. 191).
Entre avanços e recuos, nesse sentido, foi sancionada a Lei 11.769 de 18 de Agosto de
2008, que altera a LDB de nº 9.394/96 acrescendo o § 6º que diz: “A música deverá ser
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2 o deste
artigo”. Dentro do prazo estabelecido até o ano de 2011, conforme o § 3º, as escolas da rede
pública ou não, deverão atender aos dispostos na Lei.
Deparamo-nos novamente, como na época do Canto Orfeônico, com a problemática
da escassez de professores de música que possam atender às escolas públicas do país, em
cumprimento ao disposto na Lei, para o qual se faz necessário a formação de novos
professores e qualificação dos já existentes.
Entramos no âmbito do Ensino Superior, cujas Licenciaturas em Música deverão
absorver a demanda que, certamente, irá avultar, diante do caráter emergencial de formação
de professores que possam atender ao cumprimento da Constituição. Isto, com certeza levará
à mobilização de esforços no sentido de organizar maneiras que possibilitem, pelo menos a
médio e longo prazo, que novos professores possam ter acesso à formação continuada em
música. A princípio, a Lei admite, que "práticos de música"- instrumentistas, maestros
amadores, e similares - possam assumir a docência na escola de ensino fundamental e médio,
por conta da escassez de professores com formação superior, e o tempo que levará para que
novos se formem.

98

Esse é mais um motivo que nos instiga à análise do papel da prática pedagógica do
ensino da música em nosso país, visto que, normalmente, o caráter emergencial na formação
de professores, conota perda na qualidade dessa formação.
Essa alteração recente da LDB nº 9.394/96, tratando da inclusão obrigatória da música
novamente nos currículos escolares brasileiros, traduz a necessidade de resgatar um saber
"confiscado" do povo, e nos impulsiona ao estudo, para que a qualidade desta oferta da música
na escola não se torne apenas uma conquista formal, sem uma correspondência nas ações.
Não se pode negar, contudo, o valor dessa conquista da inclusão da música
novamente como componente curricular nas escolas do país, o que caracteriza uma
possibilidade de empreendimento na formação em nível superior de novos professores de
música no Brasil. Afinal, não há como falarmos de educação, em seus vários aspectos, sem
que esbarremos na formação dos professores - atores indispensáveis e primordiais na difusão
da cultura.
Nesse sentido é que aqui buscamos compreender a formação dos professores de
música no Brasil, partindo da configuração do pensamento pedagógico das inscrições
constitucionais.
Atualizemos, aqui, os dados: o período histórico do nosso objeto de estudo
corresponde aos anos de 1981 a 1989, distando dez anos desde a LDB de 1971, cujo texto
suprimiu a música dos currículos escolares, sendo vivenciada apenas superficialmente e sem
nenhuma exigência de formação especializada do professor que ministrava a disciplina, e que
deveria abordar as outras artes que compunham a disciplina (teatro e artes plásticas), também
sem nenhum preparo. A música não era entendida ou acatada como essencial na escola, o que
reforçava essa cultura da música como mero entretenimento ou ilustração, confundindo-lhe ou
embotando-lhe o sentido e importância.
Foi nesse contexto histórico que se deu a mobilização para a fundação do Pólo de
Música de Messejana, em 1982: um centro escolar musical de instância municipal, onde a
música era tratada como componente essencial da educação, sendo o projeto de condução das
ações do Pólo, fundamentado sobre a formação humana, tratando a música como saber
mediador dos movimentos formativos instaurados. O Pólo de Música atendia alunos, na sua
maioria, da rede pública de ensino e da comunidade local.
Perguntando, em entrevista aberta, a um dos sujeitos da pesquisa sobre a significação
de sua vivência musical no Pólo de Música, nos veio como resposta:

99

_ A música ficou. E com ela a gente aprende a enriquecer nossos pensamentos e nossas
atitudes. Nossa vida (Regina Gadelha).
Milton Nascimento arremata:
“Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos, e sonhos não
envelhecem”. 17
Partimos dessa reconstrução histórica, desses textos e contextos (sobre os quais
buscamos contextualizar historicamente o momento de criação do Pólo de Música de
Messejana), para o capítulo seguinte que tratará das significações de música em conexão com
a vida (do modo que pudemos perceber no relato de Regina Gadelha), numa perspectiva de
capturar os movimentos de vidas que se fizeram formar e transformar no contexto do Pólo.
Essa captura será feita através das histórias de vida e formação – ou vida em formação,
como nos alude Macedo (2010, p. 172): “Preferimos realçar a idéia de „histórias de vida em
formação‟, porquanto não concebemos as vidas e suas histórias fora de um processo
formativo”.
Nesse sentido, é sob a lente da observação sensível das histórias significativas de
formação humana no contexto do Pólo de Música que construiremos o texto que se segue,
sempre em sintonia com os sonhos, que são movimentos de vida, aqui delineados não só
como memória, mas como perspectiva de re-elaboração de pensamentos e ações.

17

Música: Clube da Esquina II – Milton Nascimento e Ronaldo Bôscoli.

100

3. HISTÓRIAS DE VIDA E (TRANS) FORMAÇÃO: MOVIMENTOS DE
MÚSICA E VIDA

Sobre as histórias aqui recolhidas (resgatadas através de oralidades significativas) e
seus formatos particulares, não diríamos que foram construídas, mas que foram sendo
reveladas (percebidas e realçadas) nos processos formativos do Pólo, a partir da observação
de detalhes importantes que, a princípio, poderiam passar despercebidos, mas que, através da
condução sensível destes movimentos de formação musical e humana, tornaram-se
significativos justamente pela valorização das individualidades e suas particularidades, num
movimento que denominaríamos politização, pois que chama o sujeito em formação a
perceber, valorizar e, consciente de sua posição enquanto ser social, arregaçar as mangas a
fazer sua história, individual e coletiva.

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem „tratar‟ sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem
esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer
ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem
ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível. (FREIRE,
1985, p. 58)

Pensamos também com Macedo, quando este se refere à construção de currículos de
forma a excluir os episódios relacionais da vida, seus “deslocamentos em direção ao outro, ao
mundo e a si próprio”, negligenciando o que deveria ser verdadeiramente legitimado como
movimento formativo: “[...] a própria vida se mostrando como um espetáculo sempre singular
e relacional de aprendizagens” (MACEDO, 2010, P.162).

Nessa travessia corpo e alma são tocados por experiências que só a narrativa
de uma experiência de vida pode revelar existencialmente o que é aprender.
Viagem em direção a paisagens jamais habitadas, ou reconhecidas; [...];
viagem que nos faz experimentar cheiros, gostos, saberes, riquezas, poder,
não-lugares, formas de cultivar, de trabalhar, de gozar e de viver (SERRES,
apud MACEDO, 2010, p.161).

Wazlawick, Camargo e Maheirie (2007), referindo-se à construção imaginária
histórico-social que se dá nos movimentos de relação entre os sujeitos em um contexto de
fazer musical, colocam as vivências pessoais como determinantes dos resultados e
significações dessas inter-relações:

101

Nesta temporalidade histórica, a partir do discurso verbal e musical do
sujeito, é possível aproximar-se dos significados compartilhados
coletivamente por estes sujeitos em relação, bem como dos sentidos
singulares construídos para suas vivências pessoais nas histórias de relação
com a música, que passam a configurar uma significação musical que é
construída, é histórica, é temporal, é provisória e diz respeito a este sujeito,
que vivencia determinadas relações em um determinado contexto social,
histórico e cultural de vida. Isto permite identificar que a significação
musical é sempre “local” e depende das vivências que o sujeito estabelece
com a música, em sua história. (WASLAWICK; CAMARGO; MAHEIRIE,
2007, p.112)

Aqui, nos contrapomos às idéias que centram os objetivos da educação musical na
mera apreensão de uma linguagem, que, mesmo dadas as suas particularidades de ligação com
o sentimento humano, se não abordada no sentido de sensibilização humana, foge à essência
de todo fazer pedagógico que leva à construção histórico-social do ser e de sua coletividade.
Nesse sentido, remetemo-nos novamente à categoria da intencionalidade como
definidora desse movimento que denominamos sensibilização, e que, do modo como
compreendemos, torna significativa a formação. Ardoino (2003, p. 7-8), como vimos, já se
referia à intencionalidade como categoria indissociável de todo projeto de vida, incluída aí, a
educação como projeto a ser construído, tendo como parâmetro fundamental o ser social e
suas relações. A articulação mediatriz do educador é apontada como essencial nessa
construção do processo educativo e sua relação com a vida.
Buscamos no Jornal da Pesquisa um texto que traz nuances da conexão entre música e
vida, condição que entendemos como essencial para que o fazer musical tenha um sentido e
um significado. Pensamos que assim se dá, somente quando escutamos as particularidades do
indivíduo e de seu mundo em construção, levando-o ao entendimento de uma performance
contextualizada à sua posição no mundo: a busca da sensibilização. Este texto foi produzido
por ocasião do meu recital (a pesquisadora fala) de formatura no bacharelado em flauta doce
da Universidade Federal de Pernambuco 18. A obra torna-se vida quando?

Flauta... Sopro... Vida...minha vida. Este recital é mais que o atendimento a
uma exigência da universidade. Para mim, além de ser uma proposta
necessária de avaliação de um bacharelado em instrumento, é uma espécie
de síntese de experiências na arte e na vida. É uma realidade tecida de
fatos do cotidiano. Cada som, cada frase do repertório escolhido é a
expressão de meu sentimento de mulher, de musicista, de educadora, de
mãe... É uma dança ora de movimentos leves, ora marcantes, ora saltitantes,
em círculos, em ziguezagues, em linhas retas... como os movimentos da
sensibilidade da mãe, da intuição da educadora, da coragem da mulher, da
18

Texto impresso no programa de apresentação do referido recital.

102

percepção e obstinação da musicista, que visam chegar ao equilíbrio. À
forma do perfeito possível. À obra, que por ser de arte, é o milagre de cada
momento. Tenho percebido, nessa dança existencial, que quanto mais
consigo crescer como pessoa, melhores resultados obtenho no uso do
instrumento musical e na construção da obra de uma vida pessoal .Essa
etapa da busca é o que desejo compartilhar neste momento, final de uma
etapa e, ao mesmo tempo, novo ponto de partida.
Recife, 21 de Junho de 1995. (JP)

É dessa forma que entendemos a música enquanto obra de arte e vida, contextualizada
histórica e socialmente, numa composição que se estrutura a partir da percepção dos
movimentos de vida, “ora leves, ora marcantes, ora saltitantes, em círculos, em ziguezagues,
em linhas retas...”, o que traz à composição o delineamento do “milagre de cada momento”.
È, pois, sob o olhar multirreferencial do educador em sua relação com os educandos,
trazendo significado às nuances dos acontecimentos cotidianos como estruturantes dos fazeres
humanos na construção de sua cultura, que trazemos as histórias de vida recolhidas no
contexto do nosso objeto de pesquisa. Longe de serem histórias aleatórias, as histórias que
comporão esse capítulo foram selecionadas durante a coleta de dados, tendo como
fundamento a mediação do educador conduzindo olhares significativos de sensibilização e
significação dos fatos, categoria esta (a mediação) eleita como central no nosso estudo.

3.1 Escutando Mundos de Vida – Rondós

O rondó é uma forma de composição musical seccionada, estruturada a
partir de um tema principal e vários temas secundários (normalmente dois ou
três), sempre intercalados pela repetição do tema principal. Surgido na Idade
Média, foi largamente adotado a partir do Classicismo no último movimento
das sonatas e das sinfonias. O termo "rondó" pode ainda designar um gênero
literário, constituído da mesma estrutura.

Nossos Rondós terão como tema central a vida e suas significações, construídas a
partir dos movimentos formativos em música no contexto do Pólo de Música de Messejana.
São histórias que trazem uma musicalidade intrínseca, revelando toda a riqueza do fazer
humano em torno da criação do imaginário coletivo. Mário de Andrade (1975, p. 145) diz:
“Não nos iludamos com floreios ilusórios: a arte é um elemento de vida, não de
sobrevivência”.

103

Nesse traçado, à moda de um caminho melódico composto coletivamente, foram-se
desenhando mundos novos, escavando potencialidades inatas que, seguindo o curso “normal”
da história, estariam fadadas a fenecer, desconhecendo-lhes a existência. Sendo assim é que
situamos o olhar do educador como fundamentalmente definidor, ou diríamos,
fundamentalmente revelador, no sentido de estar atento às particularidades do Ser e sua
complexidade.
Aulas de Musicalização no Pólo de Música - Construindo o “caminho do som e da vida”

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Militão Porto)

Elegemos três histórias, três Rondós de vida, como representatividade simbólica de
toda a riqueza humana capturada, trazida à tona através do fazer musical que servira de fio
condutor dos movimentos formativos instaurados em Messejana. Os Rondós constituem
metáforas vivas do projeto educacional delineado a partir das vivências coletivas, como
também a partir do viver individual: o sujeito traz, assim, sua história de vida pessoal e os
entrelaçamentos desta com a história coletiva em construção no Pólo.
Na realidade, sobre essas histórias e seus formatos particulares, não diríamos que
foram construídas, mas que foram sendo reveladas, a partir da observação de detalhes
importantes que, a princípio, poderiam passar despercebidos, mas que se tornaram
significativos com a valorização das individualidades e suas particularidades.

104

Os rondós que selecionamos a seguir, como já dissemos, são metáforas que trazem em
seu cerne, os elementos da obra de vida e arte que viabilizam a compreensão dos movimentos
formativos significativos experienciados no Pólo de Música de Messejana.
Viajando na leitura dos nossos rondós, poderemos sentir e escutar as sonoridades da
vida e da música em Messejana. Da música e da vida... Vida percebida em seus detalhes,
valorizada em sua rica simplicidade, com a leveza da música, e com a força da percepção
aguçada para o mundo que não está dito nem posto: um mudo que se dá a construir, através da
sensibilidade e solidariedade, características caras ao ser humano. Isto é o que a percepção da
pesquisadora em ação pôde alcançar.

RONDÓ 1 - A Bruxinha Molhada

Quando perguntei à Nininha (fundadora do projeto do Pólo de Música) sobre o
pensamento que norteou a condução das atividades educacionais do Pólo de Música e a
percepção dos resultados destas intervenções educacionais, a resposta nos veio através de
uma fotografia “surgida” dentre as tantas ali expostas, numa verdadeira atitude nossa de
escavação de elementos históricos significativos para a pesquisa. Esparramados sobre a
mesa, sonhos e histórias, verdadeiros tesouros revelados como subsídios para essa nossa
primeira entrevista aberta. A fotografia possuía uma inscrição: “BRUXA” (bruxinha não,
apesar de tratar-se de uma criança), esboçando uma expressão forte de extravasamento,
despojamento, em um sorriso, ou em uma gargalhada que ainda se podia ouvir, tão nítida a
imagem revelava a memória daquele Dia D19. (JP)
Então, “viajemos”:
Em meio às atividades desse Dia D, desenvolvidas com as crianças da comunidade,
que vinham ao Pólo participar das atividades deste dia 12 de outubro, multiplicavam-se os
saberes e as alegrias, como diz Nininha. Surge, então, uma criança toda molhada do “banho
coletivo e sem limites de idade nem sexo”, livre de qualquer vigilância ou cuidado da família,
banho das crianças “soltas”, “ao Deus dará”, na Lagoa de Messejana:
- Quem quer ser a bruxa desta história de teatro?
- Eu quero! Disse a menina molhada.
19

O Dia D era o dia da criança, 12 de Outubro, quando o Pólo de Música convidava a comunidade para um
evento oferecido às crianças, com atividades direcionadas a elas, música, teatro, artes plásticas, oficina de
brinquedos, enfim, multiplicava-se os saberes e os sabores vivenciados no Pólo.

105

(Olhares de reprovação, comentários das outras crianças: Como? Ela está
molhada!)
- Certo. Você será a bruxa, diz Nininha a esta menina molhada, tiritando de falta de
aconchego e oportunidade e que, achando o portão daquela escola aberto como, aliás,
sempre literalmente estivera, passa por ele, adentrando-o, e conquista seu papel naquela
história montada na hora, cujos papéis iam se encaixando, qual um quebra-cabeça.
A história tinha bruxa, tinha princesa, príncipe... Mas a revelação fora a bruxinha,
que encarnou o papel, segurando com unhas, dentes e uma gargalhada fenomenal, o papel
que conquistara.
Pois essa "BRUXINHA MOLHADA" reaparece anos depois numa rua de Messejana,
dirige-se a Nininha, que estava estacionada na porta de um supermercado, e dá-lhe a
resposta de desfecho da história da bruxinha molhada de anos atrás:
- D. Nininha! Fui aquela bruxa lá do Pólo de Música, a senhora lembra? Hoje estou
cursando o 3º ano do 2º grau. Eu nunca esqueci aquele dia! (Jornal da Pesquisa)

O olhar do educador, numa atitude de inclusão (seria esse o mote deste nosso rondó),
resgata, num momento que diríamos furtivo, a oportunidade de participação dessa criança
numa atividade mediada por educadores, num contexto escolar não formal, porém,
comprometido com a inclusão social. Pudemos perceber isto, através do gesto de acolhimento
e valorização do que poderia ter sido marginalizado.
O direito à fala, através da atividade teatral, abriu uma porta ao reconhecimento e
dignificação daquela criança como membro da comunidade, portanto, com direito de
participação naquela instituição cujo objetivo maior, como vemos, era levar arte à
comunidade, sem exceção (música embalando a vida).
Fica clara, aqui, a intencionalidade como articuladora dos movimentos formativos em
estudo.
RONDÓ 2 – Partilha

Tudo pronto: repertório, ônibus, as batas dos corais, as relações de quem vai em
cada ônibus, as autorizações para a viagem a Recife, para participar em um encontro de
corais. Nos ensaios eu lembrava a necessidade do pai ou da mãe (de cada criança) ir ao
Juizado para obter a autorização, porque sem ela a criança não poderia viajar.

106

Vários bilhetes para a mãe da Boneca, (uma coralista de sete anos, tão pequena que
os colegas apelidaram de Boneca), que resistia em não ir ao Juiz de Menores para obter a
autorização da viagem. Ia um bilhetinho para a mãe de Boneca e a resposta era sempre
negativa, mesmo que eu afirmasse já estar pronto o mini enxoval para a viagem. Valeu a luta
porque um dia a mãe da Boneca foi à noite em minha residência, que ficava do outro lado da
lagoa de Messejana. Foi uma conversa boa e a mãe continuava negando a possibilidade de ir
até o Juizado. Foi aí que eu argumentei: - Um dia a senhora vai levar a Boneca para
conhecer Recife?
Parece que ela sentiu o peso de minha pergunta e acabou dizendo que iria no dia da viagem
ao Juizado. Fiquei feliz e todos de minha família também, uma vez que todos (mais próximos)
da comunidade participavam do que acontecia no Pólo .
Todos já a postos para a viagem, quando recebi um telefonema do Juiz me falando
que a mãe de uma garotinha estava saindo de lá com a autorização. Aguardamos a chegada
da mãe e da Boneca que foram recepcionadas com palmas de alegria e emoção.
Durante a viagem de ida e na estada no Hotel Guararapes (era a primeira vez que nos
hospedávamos em Hotel e foi uma grande festa), como também na volta, Regina, uma aluna
que demonstrava sempre muita responsabilidade, ficou responsável pela Boneca, tendo em
vista que éramos cento e quarenta (140) coralistas e Boneca, a menor de todas. Eu ficaria
com mais segurança em relação aos muitos cuidados.
Passamos três dias no hotel e sempre às manhãs íamos conhecer um parque ou um
monumento e no final cantávamos para quem estivesse no local. (Isso além das apresentações
oficiais no teatro Santa Isabel, de Recife.) Nestas ocasiões, sempre aparecia sacos de
chocolates, balas, biscoitos, enfim era o lanche para fechar a alegria de brincar e conhecer o
mundo. Tínhamos, no Recife, um público fiel aos Corais de Messejana: dois corais infantis e
o coral jovem - não posso negar a importância desses jovens na divisão de responsabilidades
que era imprescindível e de uma necessidade muito grande. Então quer no hotel onde
ensaiávamos, quer nos parques onde brincávamos, quer no Teatro Santa Isabel, tínhamos o
nosso público torcendo por nós. A alegria era dividida entre todos: cearenses e
pernambucanos.
Voltamos, com tristeza no rosto das crianças por deixarem aquela descoberta de
mundos diferentes e voltar de novo à simplicidade de suas moradas. Isto eles explicitaram
com muita sinceridade. Por isso e por todas as emoções vividas houve um choro coletivo que
chegou até os oito motoristas dos ônibus (eram quatro ônibus, dois motoristas para cada
um). Os hóspedes do hotel também choravam, emocionados, sem falar na administração,

107

camareira, telefonistas, porteiros, enfim todos que conviveram com as crianças e com todos
nós, naqueles três dias. Foi um encantamento. E na partida, saudades.
Rezei e pensei: o único jeito para afastar a tristeza é começar a cantar. E assim, todos
os coralistas (crianças e jovens ) cantaram com lágrimas nos olhos, a tristeza indo embora,
se dissipando, enquanto a alegria chegava.
Chegando em Messejana, encontramos uma faixa de papel madeira: - Parabéns pelo
sucesso! Descemos dos ônibus e num grande pátio eu entregava cada criança aos pais e
familiares que não se continham com tanta alegria.
E Boneca? Pedi à mamãe para ir com meu sobrinho levar a Boneca, porque não havia
ninguém esperando por ela. Mamãe foi. Voltei para minha casa e confesso, exausta,
encontrando todos à mesa do almoço e chorando. Eu perguntava insistentemente:
- O que houve? Pelo amor de Deus me contem.
Mamãe então falou do encontro da Boneca com seu irmão:
- “Zé, tu não foi passear, mas eu trouxe pra tu, todos os chocolates e doces que ganhei lá”.
Acompanhei a história e choramos juntos. Depois, o que eu deveria fazer era contar da
generosidade dela para todos os coralistas, seja grande ou pequeno.
Aprendemos com a Boneca a “PARTILHA”. Pensar no outro enquanto passeamos foi o
que aprendemos com a Boneca.
Voltamos aos ensaios e depois de um mês percebi que Boneca estava faltando. Um dia
recebi a visita da sua mãe. Desta vez para me dizer que a Boneca tinha um câncer no cérebro
e chegou a falecer. Abraçamo-nos e falei pra ela:
- Boneca está no mundo espiritual, e antes de ir, conheceu o Recife, que era seu
grande desejo. (Nininha)

Vê-se nesse rondó intitulado „Partilha‟, além do olhar sensível e da valorização
individual do aluno compondo com importância o coletivo, a mediação do educador entre a
escola e a comunidade. A participação da comunidade, principalmente nos momentos em que
se precisavam mobilizar esforços e carinhos, era visível. A família dos alunos articulava-se
para que se realizassem os concertos, para facilitar a ida às viagens. A família de Nininha,
como se pode ver, também se envolvia (as irmãs e mãe da educadora), apoiando o trabalho
realizado e amparando as crianças que precisassem de ajuda.

108

O trabalho de sensibilização que se buscava com a música e as vivências todas no Pólo
de Música extrapolava os muros da escola, chegando, a princípio à comunidade mais próxima
(a família), estendendo-se à comunidade maior (parentes e amigos).
Assim, o afeto era compartilhado, ao modo de uma grande família, cujos laços
estreitavam-se (como se pode ver nesta história), a solidariedade se fazia presente, e o amor
contagiava a quem produzia música, e a quem era expectador (interativo).
A música da vida era uma composição inevitavelmente coletiva em amplo espectro,
digamos... caleidoscópico, em um movimento imprevisível, com formas e cores únicas: amor,
respeito, orgulho pela música que se produzia em Messejana.
Trazemos novamente Pareyson (2001, p. 38) apontando arte e vida como
intrinsecamente ligadas, compactuando com o pensamento de se ver o homem como o
centro de todo processo de formação:

[...] arte e vida foram, com freqüência, intimamente ligadas. Tem-se dito que
a arte acompanha toda a experiência do homem [...], que é ela própria uma
forma de vida, a primeira forma do viver humano, a infância da humanidade;
que tem uma missão a cumprir na vida humana, contribuindo para a
civilização [...], canta as aspirações do homem, acompanha e decide suas
lutas, promove seus ideais, educa seu espírito.

Mário de Andrade é também chamado a esse pensar, em que buscamos compreender
como se liga música e vida, situando o fazer arte como essencialmente humana, tanto pelo
valor de arte mesma, como pela sua operosidade. Assim, revisemos o que o autor nos disse:

[...] está claro que o ser a obra de arte a finalidade mesma da arte, não exclui
os caracteres e exigências humanos, individuais e sociais, do artefazer. Pois
a Arte continua essencialmente humana, si não pela sua finalidade, pelo
menos „pela sua maneira de operar‟ (ANDRADE, 1975, p. 12).

Em cada história, muitos ensinamentos e sentimentos realçados, compartilhados:
música... vida... arte e vida...morte...saudade... renascimento... Vida que segue!

RONDÓ 3 - Brincando de Mãe (Procura-se uma mãe)

O Pólo (como costumávamos chamar) tinha uma norma: ensinar aos que não sabem
aquilo que aprendemos. Só assim podemos crescer. Este lema era sempre lembrado.

109

Um dia ouvi choros de uma criança muito menor do que as nossas. Era hora do almoço e
o coral começaria logo depois. Fui procurar de onde vinha aquele choro. Vinha do banheiro
das meninas. O que encontrei: algumas meninas dando banho, a força, num menininho que
tinha mais ou menos 3 anos de idade, que apareceu no Pólo e outra equipe preparava um
prato enorme de comida. A criança chorava de frio e de susto.
Eles haviam aprendido que nunca deveríamos deixar passar a oportunidade de ajudar a
quem precisa: levaram ao pé da letra, e não deixaram escapar o menininho “sem mãe” que
(pensaram eles) precisava de um banho e comida.
Falei depois do cuidado que deveriam ter para atenderem a quem necessita,
estabelecendo uma conversinha antes e perguntando o que ele quer ou se quer isto ou aquilo.
Foi inesquecível a cena carinhosa e cuidadosa com o pequenino. (Nininha)

Podemos perceber que o diálogo entre educadores e alunos era característica marcante nos
movimentos formativos do Pólo de Música. A reflexão sobre os fatos do cotidiano, aqui,
deixava clara a intenção da formação humana, como se vê em PROCURA-SE UMA MÃE.
No contexto de Messejana, onde a maioria das mães eram donas de casa
atarefadíssimas, o Pólo de Música não se eximia de responsabilizar-se por uma educação
(grosso modo) parental, em que as crianças tivessem amparo e acompanhamento individual
sobre aspectos que se julgava importante houvesse intervenção, conduzindo uma educação
humana, ligando o fazer musical a um zelo de vida.
Resgatamos, aqui, o dizer de Andrade (1975, p. 44), situando a música como
fenômeno social, relacionando arte e coletividade humana, trazendo para nós, nesse momento
da pesquisa, a noção de responsabilzação pela construção coletiva de aprendizados, tendo a
música função de articular ações: “Ela sempre foi mesmo fenômeno social, e dos mais
interessados mesmo, por causa do seu ritmo dinâmico, unanimizador das coletividades”.
PROCURA-SE UMA MÃE traz o respeito à individualidade, o respeito e observação
ao querer do outro, fortemente identificáveis, na forma de reflexão e aprendizado de vida.

3.2 Canções de Viver – Aprendendo lições sobre a auto-gestão no Pólo de Música

Não havia servente no Pólo de música. Isso fazia parte do pensamento pedagógico da
escola, contrariando a cultura de se atribuir às tarefas domésticas o estigma de serem menores
ou menos importantes, portanto delegadas aos “serventes”, entendido aqui o termo com o

110

caráter de servidão submissa - “o que serve”. Também pelo fato de se perceber a vergonha
que alguns jovens do Pólo de Música tinham de carregar seu próprio lixo, de sua própria casa,
o que foi relatado e percebido em conversas sobre os cuidados com o lixo e o meio ambiente.
Essas conversas eram constantes no Pólo de Música entre professores e alunos,
envolvendo assuntos os mais diversos sobre os quais se considerasse a urgência no sentido de
se chegar a um entendimento de ações e conscientizações. Aqui, reportamo-nos a Paulo
Freire, quando este nos fala da significação do discurso formador, referindo-se mesmo à
questão da responsabilização do educador em criar uma mentalidade também de
responsabilização por parte do educando em manter a limpeza, a boniteza do ambiente
escolar, na valorização e zelo pela „materialidade do espaço‟. Freire (2007) assim nos fala:
È incrível que não imaginemos a significação do “discurso” formador que
faz uma escola respeitada em seu espaço. A eloqüência do discurso
“pronunciado” na e pela limpeza do chão, na boniteza das salas, na higiene
dos sanitários, nas flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível
na materialidade do espaço. (FREIRE, 2007, p. 45)

Sendo assim, não havia nenhum funcionário contratado para estas funções, sendo as
tarefas de manutenção e limpeza do Pólo de Música, divididas entre os participantes da
escola, alunos e professores, numa distribuição acordada entre todos.
Elencamos algumas histórias (ou relatos) que nos dão um panorama de como era
tratado o assunto da divisão de tarefas no Pólo, como também do projeto que se ia instituindo,
desde as tarefas mais corriqueiras e simples, das reuniões com a participação de todos, à
articulação de cursos e palestras que seriam importantes para o crescimento dos alunos...
Tudo, enfim, que dizia respeito aos movimentos formativos do Pólo de Música, era
coletivamente pensado e executado, traçando, assim, o contorno de cooperação e
responsabilização pelo bem comum que caracterizava o projeto em curso.
Comecemos por um relato de Nininha:

I
Como foi importante para o movimento cultural de Messejana, aquela casa que
buscava o aprimoramento musical e humano para crianças e jovens. Tudo era transparente e
havia reuniões periódicas onde todos podiam opinar. Ganhamos um canto para trabalhar
com mais segurança e ampliar o pensamento coletivo.

111

Havia mensalmente concertos que Eunice denominou de “Encontros com a
Comunidade”. Aconteciam aos sábados quando os pais, parentes e outros professores
podiam comparecer. Era num ambiente singelo onde afloravam os sons tocados, percutidos,
ou cantados, exposição dos brinquedos e dos trabalhos de artes plásticas ou teatro de
bonecos.
Era tão rico, tão harmônico, como as peças executadas ou construídas pelos alunos.
Tínhamos espaço também para trazer pessoas que enriquecesse nossa prática: como o
curso do Paulinho e do Anderson, professores da Escola do Milton Nascimento, em Minas; o
curso de brinquedos populares realizado com Lídia Hortélio, os cursos da Funarte que nos
orientavam para uma abertura maior entre nós professores e monitores, visando o
crescimento de todos e principalmente de nossa clientela.
Criamos um sistema de cooperação e formação de equipes para a organização
diária da nossa Escola, porque não tínhamos profissionais da limpeza. Pra mim não era
problema ensinar como lavar louça, lavar panelas, cuidar da higiene das salas e banheiro,
sem esquecer o nosso quintal. O grande encontro era a chegada dos alunos que estudavam
pela manhã com os da tarde: hora do almoço. Simples como nós e trazia o tempero do amor
(Nininha, grifo nosso).

Ao lado do inegável sistema de cooperação e responsabilização pelo bem comum, há
de se perceber nesse depoimento, a preocupação com a qualidade artística e técnica do
trabalho, em que eram oferecidos cursos com grandes profissionais do país, demonstrando
uma visão que extrapolava o território de Messejana, situando o Pólo como uma Escola de
Música no Nordeste brasileiro, no Estado do Ceará, na Capital Fortaleza, bairro de Messejana,
com pretensões de uma formação musical de qualidade, tendo como referência a educação
musical realizada nos melhores centros culturais e musicai do país.
Daí, o constante investimento em cursos de alto nível de qualidade, participação dos
grupos em eventos locais e nacionais, e o intercâmbio como outros grupos.

II
Devo dizer que testemunhamos momentos de grande alegria na realização dessas
tarefas, e que isto resultou num aprendizado de extremo valor para que nos conduzíssemos de
maneira mais cuidadosa e humana dentro de nossa casa, na escola, e com certeza, pela vida
afora.

112

Lembro de um dia em que alguém varria a Sala de Aula de Violão, e o aluno mais
adiantado de violão estudava uma peça que apresentava dificuldades, e que ele já tocava
com muita expressividade, mas, muito aplicado no estudo, realmente dedicava horas
praticando, o que se percebia nos resultados conseguidos. Então, nessa hora em que a aluna
varria a sala, nem parou de tocar; só levantou os pés para que a aluna varresse.
O fato foi comentado com certo ressentimento, uns acharam um absurdo...:
- Imagine, nem se deu ao trabalho de se levantar, só fez levantar os pés!
Eunice, a professora de flauta, comentou:
- Pois eu acho que devemos relevar o fato, pois todos nós sabemos que o aluno vem de
um histórico de vida onde o trabalho pesado é uma realidade para ele desde cedo, e através
da música é que ele está conseguindo um refinamento. Nesse caso, há um investimento sendo
feito pelo aluno; em outro momento, com certeza ele participará da limpeza, como já o vi
fazer outras vezes. O momento de estudo, de concentração, que requer disciplina e esforço do
aluno, também deve ser respeitado e valorizado.
Confesso que concordo com ela, pois naquele justo momento, o estudo, para ele que se
destacava pelo empreendimento e performance, era prioridade - na música e na vida. Essa
seria uma justa exceção à regra? (Jornal da pesquisa).

III
Também não havia porteiro na escola: os portões estavam sempre abertos, e o controle
de entrada e saída era de todos (e de cada um). Tudo dependia das necessidades, como
veremos na história a seguir:

As crianças jogavam com o portão aberto e com muita energia tomei a bola quando vi
que uma das crianças correra para a pista a fim de evitar que o carro estourasse a bola tão
querida no jogo de queimado.
Houve a merenda da tarde e chamei para um ensaio extra naquele dia. Eles não
atenderam ao meu chamado então perguntei o que estava acontecendo. A resposta: greve!
Estávamos passando por um período de greve nas escolas por conta de salários dos
professores. Greve para o coral, responderam mais forte. Então eu me lembrei da bola.
- E como vamos resolver?
- negociar.

113

- Em que termos
- Você devolve a bola e nós prometemos que o portão jamais ficará aberto.
- Se vocês quebrarem o contrato eu darei a bola para a primeira criança que passar pela rua.
E assim daquele dia em diante eles nem abriam e nem deixavam ninguém abrir
qualquer dos dois portões enquanto jogavam. (Nininha)

Embora estejamos aqui tratando das questões mais práticas da auto-gestão, não nos
podia passar despercebido o caráter do diálogo, da interação entre alunos e professores,
explicitados nas histórias. A liberdade de expressar seus pensamentos e necessidades por parte
dos alunos... A construção imaginária das inter-relações... Ouvir as crianças, procurar
compreende-las, valorizar seus posicionamentos, isso consideramos de fundamental
importância. Era um projeto que se construía a partir do que emergia como necessidade,
através dos diálogos também.
Nessa história, o teor político do diálogo e do consenso é notável, num exercício de
argumentação, liberdade de expressão e posicionamento em situações que exijam escolhas e
acordos em que prevaleça o bem comum. Dessa forma, ligamo-nos novamente ao pensar de
Paulo Freire sobre o espaço pedagógico e suas construções significativas pautadas na
solidariedade entre educadores e educandos:
Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constatemnete “lido”,
interpretado, “escrito” e “reescrito‟. Neste sentido, quanto mais solidariedade
exista entre o educador e os educandos no “trato‟ deste espaço, tanto mais
possibilidades de aprendizagens democráticas se abrem na escola (FREIRE,
2007, P. 97).

Dessa forma, pudemos ver através das histórias aqui construídas com os fios da
sensibilidade, como se delineou de forma autônoma o projeto significativo do Pólo de Música
de Messejana: uma criação imaginária histórico-cultural de inestimável valor, que trouxe à
comunidade local, uma nova forma de viver, exercitando novas formas de (con)vivência,
construindo suas histórias a próprio punho, fortalecidos pelas mãos que se davam numa
ciranda solidária, tendo a música como pano de fundo das histórias de vida que foram sendo
escritas ao sabor das sonoridades dos corais, das flautas e violões em Messejana.

114

3.3 Cantando a Vida - O desafio dos Corais

Cantar é, por um lado, aprender a conhecer-se: a criança vai descobrir o
instrumento maravilhoso que é seu corpo, sua postura, sua respiração, a
disciplina da emissão do ar dento de vibração que lhe dão o senso do
equilíbrio e da beleza. Vai aprender que o verdadeiro amor é a convivência
harmoniosa. E o faz, no Coral, através da adequação da voz à voz do grupo,
do cuidado de cada um em contribuir para a melhoria do conjunto, da
melhor finalidade pessoal possível a serviço da beleza comunitária.
Imagine-se o que uma aprendizagem como essa pode refletir na vida de
cada dia... (Luiza de Teodoro – Professora. de história da UFC, apud
PORTO, 1985)

O cantar, como elemento de musicalização e sensibilização, é tomado nos processos de
formação musical, como a atividade primeira a ser explorada, pois que escava e traz à tona a
música produzida no próprio corpo, e a partir dele, acionada pela respiração e pela complexa e
sensível engrenagem do aparelho fonador, que reproduz nosso próprio som, nossa linguagem
que diz quem somos (mesmo nos nossos sons silenciados – nos nossos silêncios).
Schafer (1991, p.207), em seu capítulo intitulado “Quando as Palavras Cantam”, nos
conta de sua experiência realizada com crianças e adultos, utilizando exclusivamente a voz,
como forma de valorização e conscientização do instrumento primeiro, partindo do qual a
música e suas teorias todas foram sendo formatadas – a música nasce no homem. O autor diz:

Assim como o arquiteto utiliza-se do corpo humano para conceber as escalas
de suas estruturas de vida cotidiana, a voz humana, em conexão com o
ouvido, deve fornecer os referenciais para as discussões sobre o ambiente
acústico saudável. Tragicamente ainda não compreendemos este fato.

E referindo-se ao silenciamento ao qual o mundo moderno nos impõe, quando toda a
produção é externa ao homem, incluída aí a musical, Schafer (1991) diz, em relação à nossa
produção vocal, que “Os pesquisadores têm observado que há muito mais modulação colorida
nas vozes dos povos primitivos do que nas nossas”. O canto coral, então, vem a ser
instrumento ímpar no resgate da produção vocal como a primeira e mais importante do fazer
musical.
Os corais de Messejana tiveram como desafio inicial, o movimento de instalar uma
mentalidade de aceitação de uma atividade artística que era exterior à cultura local corrente.
Com a certeza de que é possível transcender à realidade que se nos apresenta como definitiva,

115

os corais começaram a tomar vulto, a crescer em qualidade, dado o envolvimento de todos na
atividade que se tornou o centro dos fazeres musicais em Messejana.

No início, pequenos grupos prenunciavam o que se queria implantar.

(Fonte: acervo particular de Nininha)

Vieram, então, as apresentações na comunidade, nos encontros de corais da cidade,
as viagens para fora do estado... Cada desafio era encarado como um crescimento individual e
do grupo, que se tornou referência em qualidade musical no meio cultural do país. “Parecia
um sonho!” (JP).
As passeatas de Natal foram momentos de muita significação para os corais e para
a comunidade, que recebia o presente dos cantos natalinos. Sendo assim, selecionamos alguns
momentos significativos desse evento, simbolizando e deixando que se veja um pouco da
emoção e significado que o canto coletivo trás, em um contexto educacional que valoriza o
humano, o sensível, deixando-se entrever o caráter de produção e estesia da música, na
relação da escola com a comunidade – público caro para nós! (JP)
Viajemos nessas histórias que Nininha nos conta, dando o tom de emoção e apreço
pelo trabalho realizado!
Quais Menestréis, os coralistas levavam às comunidades de Messejana 20 as alegrias
do Natal...

20

Aqui referimo-nos à grande Messejana e adjacências. Messejana tem uma extensão territorial muito grande, e
há projetos para que se torne Município, também por conta da Indústria que garante independência econômica
considerável.

116

I
Cada ano era escolhido um bairro da periferia de Messejana para cantarmos as
melodias natalinas, desejando a todos as bênçãos do Menino Jesus.
Saíamos do Pólo mais ou menos às 23 horas quando todos dormiam e o silêncio como
nosso companheiro. Íamos a pé até o local escolhido. Planejávamos as idas e vindas, as
paradas, o repertório. Os jovens tinham o seu dia e as crianças também.
Para nós era tão importante cantar para os que não freqüentavam os teatros por isso
íamos cantar para eles. De quando em quando ouvíamos “obrigado”, “bonito”, ou uma
pessoa que saía para nos agradecer. Era uma emoção grande passar por casas tão simples,
tão pequenas que imaginávamos estar num presépio e cantávamos com todo o carinho. Era
um grupo cantando a 4 vozes e outro tanto ouvindo e se emocionando com o presente que
recebiam : canções que não saem no rádio. Cantávamos mais ou menos durante 2 horas com
pequenos intervalos. Nada mais importante para nós do que repartir as alegrias do Natal.

II
Em uma das passeatas com as crianças tivemos como companheiro um moço que
estava embriagado. Dirigi-me a ele e falei com muito cuidado: “Amigo, as crianças vão
cantar e vamos andar muito pelas ruas em completo silêncio.” Ao que ele me respondeu:
“Professora eu prometo que ficarei em silêncio. A senhora vai ver”. Fechado o contrato,
saímos. Cantamos muito lindo e as crianças ficaram felizes. Feliz fiquei eu, ao ver o trato do
moço ser cumprido. Beleza sentir que vale a pena confiar e dar chances para que o outro se
realize.

III
Em uma das passeatas de Natal tivemos uma grande surpresa. Estávamos
concentrados, cantando e percorrendo o bairro, quando de repente nos aparece um casal
com uma criança
no colo: “A Sagrada Família”, ali, ao vivo.

117

Formamos um semicírculo, deixando o casal com a criança, no centro. Emocionados,
continuamos nosso canto, ali parados e vivendo o sentido maior do Natal: aceitação e
respeito ao outro (Nininha).

O saber negado a que nos referimos anteriormente vê-se aqui representado, quando a
música dos corais era levada à própria comunidade, às pessoas que não teriam, de outra
forma, ao acesso à música de qualidade. Esse fato lembra-nos as andanças de Villa-Lobos
pelo interior do país, na tentativa de aproximar o povo da „grande música‟, como nos falou
Negwer (2009, p. 1919).
Sob outra ótica, agora, as histórias nos revelam como a sensibilidade pode ser
definidora dos momentos de relação do ser social, em suas atividades no contexto onde se
insere. O olhar sensível fez com que a música tivesse dupla significação, ligando os
sentimentos, no caso dos corais, de quem canta e de quem ouve. A música se dá a vivenciar,
tanto a quem a produz, como a quem aprecia. Resgatamos, aqui, o que nos disse Gainza
(1988, p. 33): “[...] quanto mais completo o campo pessoal mobilizado pelo sujeito que
produz a música, tanto mais amplo será o âmbito de ação sobre os sujeitos receptores [...]”.
A mediação do condutor das ações (o educador musical), ligada à ação dos cantores
que dão corpo à obra musical, completa a missão da obra de arte produzida e recepcionada.
Desafio vencido. Obra de arte completada.
Este, o Desafio dos Corais...

3.4. Flauta, Sopro, Vida...

A flauta que produz esse tom fundamental [...] tom dominante
supremo, resplandecente, amarelo, leva o nome genérico yo,
que significa “música”, da qual esse instrumento é o regulador.
[... ]Ainda hoje em dia, todas as vozes e instrumentos musicais
são afinados de acordo com essa base, todas as medidas
líquidas são determinadas a partir dela, tudo que se relaciona à
divisão geométrica de superfície se mede com base em sua
extensão, assim como a dimensão dos sólidos,, extensão e
peso.[...]é pelo estudo desse fundamento, cuja forma na flauta
que o produz permaneceu invariável por oito mil anos, que
podemos conhecer as idéias dos fundadores desse império,
perceber sua ligação com as leis que regem o Universo, e até
mesmo apreciar a intensidade exata que davam a sua canções
na escala musical [...] o número mais comumente reverenciado

118

era o 7, formado pela soma do 3 e do 4. Ele era considerado,
nos santuários de Tebas e de Elêusis, como símbolo da Alma do
Mundo, desdobrando-se no seio do Universo, dando-lhe vida.
[...] essa alma, distribuída por 7 esferas do mundo, as quais ela
movimenta e anima e das quais ela produz os tons harmônicos,
foi emblematicamente designada pelo número 7, ou
figurativamente pela flauta de sete furos nas mãos de Pan, o
deus do Universo (D‟OLIVET, 2004, p. 68).

Esse texto de Fabre D‟Olivet / 1767-1835, fala do sistema musical chinês, criado
desde dinastias remotas, realçando a importância das medidas da flauta (diâmetro, orifícios)
para todo o sistema de medidas desta cultura. Essa informação reforça nossa idéia da
simplicidade e ao mesmo tempo riqueza da flauta, primeiro instrumento de sopro dos povos
primitivos, pouco modificado, e usado até hoje como instrumento de iniciação musical, e suas
(re)elaborações mais sofisticadas – a flauta transversa.
A flauta é instrumento que oportuniza uma internalização, um encontro de cada um
com seu próprio interior, numa construção intimista, única, centrada no próprio manuseio,
apreensão, dedilhado, sopro, sonoridade... Enfim, na riqueza implícita contida em um
instrumento tão simples! A individualidade construída! Mesmo no conjunto, o individual é
mais presente, somando-se às outras individualidades - a harmonia do grupo.
Sabe-se que a onda sonora, resultado da vibração do ar produzida por um articulador,
(uma criança tocando uma flauta, por exemplo) reverbera e se propaga em ondas, expandindo
e tornando o som audível dentro de uma determinada esfera, cujas freqüências modificam o
universo circundante... A música. Ciência e Arte caminhando juntas nessa elaboração e
manipulação do universo sonoro, misturando freqüências sonoras e variações rítmicas –
Criação!
No Pólo de Música de Messejana, a Flauta Doce era o instrumento de introdução das
crianças e adolescentes (que já tinham a prática do canto) numa decifração significativa da
leitura e escrita musical – a leitura de partitura, como consta na configuração de qualquer
escola regular de música pelo mundo afora.
Tocar um instrumento demanda várias etapas de um processo particularmente único,
aparentemente simples e lúdico, mas certamente bastante elaborado, pois depende do
empreendimento de cada um com seu instrumento, numa construção e descoberta individual,
o que, por sua vez, aciona novas conexões cerebrais: o manuseio inicial do instrumento, o
dedilhado, as notas, o som articulado e produzido, a apreensão da leitura musical, a decifração
de músicas, inicialmente mais simples, adiante, mais elaboradas, e nesse avanço,

119

possivelmente nascerá um instrumentista. E se assim não se der, mas, certamente será
aguçada a musicalidade de uma criança.
O professor é o desencadeador e condutor do processo. Ele é que apresenta o mundo
da música aos seus alunos, numa mediação que dá o tom do movimento formativo que é dado
a acontecer: o instrumento, a fusão instrumento-aluno, os parâmetros do som, a teoria e
técnica, o repertório, a ligação da música ao universo do aluno, o estímulo para seguir,
avançar, evoluir, dentro de perspectivas imaginárias criadas por ele (o professor) em sintonia
com o aluno e seu mundo. No mais, é o aluno e o instrumento: universo individual,
individuação, introspecção necessária à elaboração complexa que é aprender a tocar um
instrumento, construção imaginária individual, para posteriormente somar-se a outros, nos
conjuntos musicais. Riqueza imensurável! Modificação da paisagem sonora do ser em
formação, e consequentemente, do seu território, extrapolado, expandido para outros mundos:
tocar um instrumento é (ou pode vir a ser) um caminho inimaginavelmente amplo. Criação
histórico-social!

A particularidade das sonoridades executadas pelas flautas em Messejana
era o repertório, composto de músicas folclóricas e regionais, cujas
melodias nos eram familiares, e iam sendo apresentadas de acordo com o
desenvolvimento dos alunos. Cirandeiro - Pé de Manacá - Oh, Mana, deixa
eu ir! – O Cordão dos Puxa-sacos e Taí (marchinhas de carnaval) – Vem
Vindo (choro - já mais elaborado)... Músicas de culturas semelhantes, mas
já com sonoridades mais específicas como as latino-americanas: Huaiano
de Sicuani; Canten, senhores cantores; Huaiano de Huancarama...
Extrapolando geograficamente e temporalmente o universo musical local, as
Danças Antigas: Marcha da Corte Real, Pavane, Galharda,.. A leitura de
obras de grandes compositores, revelando as possibilidades ilimitadas do
fazer musical, exigindo novas elaborações mentais para a execução e
interpretação: Bartock, Bach (Fuga), Haendel... Quem poderia imaginar
essas obras reproduzidas em Messejana? Pode-se compreender o que
representa esse descortinar da música na aridez de um bairro de periferia?
Minha fala, aqui, é dita com a intimidade de quem traz arraigada em si
essas sonoridades construídas em Messejana, e traz hoje, o olhar da
educadora musical e flautista que sente e atualiza a riqueza dos movimentos
formativos resgatados nesse estudo – reflexão do vivido (JP)

Aprender a tocar um instrumento, ao que se pode perceber, é abrir espaço para se
tocar a vida de forma diferente, mais rica, somar os sons nos grupos instrumentais, somar as
empreitadas que a vida coletiva exige, postar-se no mundo em outra dimensão – agora sujeito
com atribuição musical, criadora de arte e de vida – transformação do real.

120

Entendemos, assim, que a ação docente é prioritariamente definidora dos resultados
dos processos empreendidos em torno da educação musical, conforme buscamos aqui
compreender.
Fazer da areia, terra e água uma canção
Depois, moldar de vento a flauta
que há de espalhar esta canção
Por fim tecer de amor lábios e dedos
que a flauta animarão
E a flauta, sem nada mais que puro som
envolverá o sonho da canção
por todo o sempre, neste mundo
(Poemas de Dezembro de Carlos Drummond de Andrade, 1981)

Drummond (1981) descreve em seu verso, extraído dos seus Poemas de Dezembro,
uma construção musical bela através da flauta, realçando a ação de animar a flauta, o que
denota a ação humana de investimento necessária para que “lábios e dedos”, movidos pelo
amor (implicação, comprometimento, conhecimento) possam produzir a beleza da canção.
O verso de Drummond traduz, ainda, toda a beleza, poesia e significação que os
processo significativos em música podem desencadear, quando imbuídos do amor essencial,
e reafirma o nosso pensamento sobre a mediação do educador como definidora dos resultados
que se possam conseguir, quando há a responsabilização pelo delineamento da formação que
se dá a acontecer. Há que se “tecer de amor lábios e dedos que a flauta animarão”: um
menino, uma flauta, as mãos, o sopro, o desejo de tocar... O professor vem completar o
círculo de construção do saber, sendo o mediador entre o educando, a flauta e o mundo, sendo
o amor (ainda que velado) o sentimento fundamental nessa inter-relação. Implicação!
O Grupo de Flautas do Pólo de Música de Messejana, regido pela professora Maria
Eunice Moura Silva, criou feições particularmente especiais, criação imaginária históricosocial: várias gerações de crianças que se puseram a manusear uma flauta doce, a soprar
sopros de buscas sonoras individuais, seguindo as orientações da mestra, mas construindo
sons muito peculiares (cada pessoa tem seu som particular e inimitável), adequando-se aos
outros sons no Grupo, seguindo as leituras das partituras a duas, três, quatro vozes... Alguns
passaram para a flauta transversa, cujos recursos são mais amplos, permitindo outras
elaborações, possibilidades mais avançadas.

121

Essas perspectivas traçadas sobre a flauta no Pólo de Música vieram das
conversações da coleta de dados, como também da recolha e reflexão de
minha memória do vivido significativo no aprendizado da flauta. Falar do
Grupo de Flautas de Messejana, da professora Eunice Moura, minha
primeira professora de flauta, dos meus amigos todos que compunham o
Grupo (acho que lembro de todos: Regina, Will, Silvana, Lucileuda, Edvan,
Jander, Piauí, Altair,Deyves, Deysa, Lucinha), onde partilhávamos a música
e a vida, é uma emoção muito especial, e esse processo trago arraigado em
mim. A flauta tornou-se para mim... Sopro, vida, minha vida. A flauta
transversa, (na qual a Eunice também me ensinou os primeiros passos, os
primeiros toques), é minha companheira nas rodas de choro do Recife, em
Fortaleza... Quero tocar choro ainda na Lapa, no Rio de Janeiro, reduto do
choro... de Messejana para o mundo. A música ampliando de forma
imensurável os horizontes dos sonhos (JP).

Ensaio do grupo de Flautas com a profa. Eunice Moura

(Fonte: acervo particular de Nininha).
Adiante, tocar flauta virou profissão, instrumento de trabalho, aos que se tornaram
monitores e depois educadores musicais. Multiplicação dos saberes no cotidiano de trabalho.
Da mesma forma que se deu na formação dos coralistas em Messejana, também a
flauta extrapolou a individuação, iniciando-se a multiplicação dos saberes, característica tão
marcante nos processos formativos (musicais e humanos) no Pólo de Música.
Sobre a monitoria de flauta doce no Pólo de Música, em que os monitores eram
preparados para a atividade profissional em música, Eunice Moura fala da importância que
esse processo representou para a educação musical em Messejana, e esboça seu entendimento

122

de que assim se deveria proceder em todas as escolas regulares: a música experienciada como
componente de formação humana, sendo os profissionais preparados em torno dos saberes
inerentes ao educador, de forma a dar significado à própria formação profissional e humana, e
à sua atuação enquanto educadores musicais. Eunice lembra a facilidade de se implantar aula
de flauta doce nas escolas públicas, citando, “entre outras questões, como a facilidade de
manuseio, o baixo valor de custo do instrumento. Bastava-se aludir a essa possibilidade”.
Eunice traz, então, sua percepção sobre a formação do educador musical no Pólo de
Música, contextualizando seu pensamento em relação ao que se deveria esperar deste trabalho
nas escolas regulares:

Então, eu vejo a qualidade do trabalho que fazíamos no Pólo de Música,
com tempo integral... As escolas e a prática de ensino deveriam ser em
tempo integral. Na minha época lá na universidade, ainda não tinha essa
questão da obrigatoriedade da música nas escolas, como foi decretado
recentemente. Então, aí é que os alunos se distanciavam desse contexto de
responsabilização com a prática docente. Os discursos eram do tipo: “eu
estou aqui para conseguir um diploma”, ou “estou aqui para ser músico, e
não professor”. Essa falha na formação nas licenciaturas continua muito
forte.

Essa fala da professora Eunice demonstra a seriedade com que a formação musical (e
humana) era levada a sério no Pólo de Música, sintonizando o que ali era realizado, com as
perspectivas do espaço acadêmico da universidade, sobre o que se pensava ser o mais
acertado para a formação de educadores musicais.
Refletindo sobre esse espaço da pesquisa, através da busca empreendida em torno das
atividades de flauta doce realizadas no Pólo de Música de Messejana como componentes do
projeto de musicalização e sensibilização de crianças, jovens e adolescentes, pudemos sentir o
comprometimento depositado neste fazer musical significativo, a doação de trabalho e vida na
inter-relação dos processos formativos musicais e humanos (o educador, os educandos, a
música – o instrumento) e que a musicalização através da flauta, atividade riquíssima no
contexto do Pólo de Música, deixou naqueles que tiveram a oportunidade de vivenciá-la, seu
sopro de musicalidade e vida. Flauta... Sopro... Vida.

123

Criação imaginária histórico-social – multiplicação dos saberes
Coral e Grupo de Flautas do IFPE – 2009 - De Messejana(1981-1989) para Pernambuco

(Fonte: Autora)

3.5. Multiplicando Saberes – a aprendizagem de trabalho como princípio formativo no
Pólo de Música de Messejana.

A educação musical tece a trama das vidas dos alunos com os fios da
musicalidade: o aluno, sendo a agulha, varando caminhos, conduzido pela
mão hábil do mestre que lhe empresta a linha do som, a princípio tênue,
adiante firme e delineadora da composição conjunta, solidária, harmoniosa.
A mão do mestre, então, no adiantado do tecido, entrega ao aluno a agulha,
como se entrega uma batuta, para que este siga agora não mais como
agulha, mas como mão, tecendo e multiplicando saberes (JP).

À medida que avançavam os estudos e o crescimento musical dos alunos do Pólo de
Música, foi-se sentindo a necessidade da ação formadora de novos educadores musicais:
novos regentes, novos professores de flauta, de violão, pois a demanda de alunos aumentava e
as escolas do bairro e adjacências solicitavam aulas de música para seus alunos. O saber
musical estava instaurado como um pertencimento à comunidade, que agora solicitava a

124

socialização mais ampla desse saber que fora resgatado e agora era uma realidade na
comunidade. A socialização começava entre os próprios monitores e demais alunos do Pólo:
A gente tinha essa coisa de “quem aprende passa pros outros”. Foi assim
que a gente se capacitou mesmo. Quando começamos a ir pras escolas foi
então que conseguimos olhares prá gente. Passamos a ter merenda, a ter
como comprar os instrumentos. E lá no Pólo, com o Coral da Nininha a
gente aprendia. E conseguimos outros instrumentos além das flautas – o
violão, instrumentos de percussão... (Regina Gadelha).

Percebe-se nessa fala, o entendimento de que os olhares de valorização sobre o
trabalho começavam a ser significativos, inclusive por parte do poder público, que já
começava a corresponder às necessidades básicas da escola como merenda e instrumentos. Os
saberes extrapolavam os muros da escola e já criavam expectativas.
Assim, iniciou-se o movimento de monitoria, em que os alunos mais adiantados
musicalmente, além da troca mútua de saberes, tinham aulas de regência e prática coral, de
prática de musicalização infantil, estudos mais avançados no instrumento, na leitura de
partitura, harmonia. Era inevitável o movimento de formação de novos educadores musicais.
O fazer musical crescia em número e qualidade, multiplicando-se e urgindo gerar novos
frutos. Nininha relata assim sobre a monitoria:

Estes monitores recebem orientação de regência, estudo de partituras,
repertório, técnica vocal para crianças e outras atividades rítmicas e
sonoras que possam desenvolver com as crianças, além das observações que
fazem no coral infantil que dirijo. [...] Neste trabalho, constata-se o
processo de formação de futuros professores dentro de uma linha de ação
mais atuante e revolucionária, enfrentando todas as dificuldades por um
bem maior: a criança (PORTO, 1985, p. 22).

Hoje, esses monitores formados no Pólo de Música e posteriormente tendo seguido
sua formação na graduação em Música, contam (ao que nos mostra esta pesquisa) doze deles
que concluíram a Licenciatura em Música e atuam como educadores musicais em um grande
projeto de Corais Infantis nas escolas públicas do Ceará – o Projeto Um Canto em Cada Canto
– como também em escolas particulares de Fortaleza.
Percebemos que essa expansão começou sem muitas pretensões, de forma natural,
ainda nos primeiros momentos da prática profissional dos monitores, como podemos ver no
depoimento da ex-aluna Regina Gadelha:

125

Quando fazíamos o trabalho como era para ser, começou-se a querer muito
o coral. Tanto que chegou uma época que atendemos outros espaços que
não as escolas. Teve um tempo até que fui a Sobral e mantive corais por lá.
Por dez anos. Em Santa Maria, era no mato. E fazíamos todo um apanhado
dos inícios dos corais das escolas e comunidades. (grifo nosso)

É fato que os saberes que compõe a bagagem de um educador, somam seus saberes
intelectuais aos saberes sensoriais e experienciais, expressados em suas representações
enquanto ser social. A expressão “como era pra ser”, do depoimento acima, denota a
preocupação com a qualidade do trabalho. Aqueles que tiveram a oportunidade de participar
das experiências dos movimentos formativos do Pólo de Música de Messejana e tornaram-se
educadores, muito provavelmente levarão a seus alunos todo o aprendizado de música em
conexão com a vida, fazendo daquela, mediadora de uma ação educativa musical
significativa, pois pautada no centro de todo processo formativo: o educando.
Era dessa forma, relacionando música e vida, que se pautava o caminho formativo dos
monitores, sempre em sintonia com a sensibilidade:

No começo a gente aprendia vendo o coral da Nininha com as crianças. E
também a gente tinha aulas com a Nininha. E também se trabalhava tanto o
aspecto da música como os outros momentos, o aspecto social de cada
criança. A música sempre vai ser para nós um condutor para que cada um
desperte sua sensibilidade. (Regina Gadelha)

Nessa perspectiva, a relação ternária educador/educando/música tem o timbre da
sensibilização como fio condutor das inter relações, aos moldes do que foi vivenciado, e que
agora é dado à reflexão: os movimentos formativos significativos – criação imaginária
histórico-social no Pólo de Musica de Messejana.
No nosso modo de entender a educação como sendo multiplicada em ondas,
pontuamos a formação da então educadora/pesquisadora, ex-monitora do Pólo de Música,
hoje, levando a bagagem de sua formação humana e profissional a seus contextos de trabalho,
buscando compreensão, nesse estudo, sobre os sentidos e significados implicados em torno do
fazer educacional.
Comecei a dissertação partindo de minhas implicações, vou chegando ao
final focando novamente no ponto de partida. Não há como não me
emocionar ao ver diante de mim, minha própria história de vida e formação,
como num filme, onde assisto na tela, a todo um passado que se faz presente,
diante da observação distanciada, mas, totalmente implicada nas
sonoridades que ficaram gravadas no imaginário de minha criação
histórico-musical-social. Os sons que ouço reproduzidos por meus alunos

126

reportam-me às sonoridades de outrora, atualizadas assim em minha
reflexão: a aluna que se tornou educadora, apaixonada pela profissão,
amadurecendo e fundamentando-se através da leitura e da prática
cotidiana... como forma de reflexão (Jornal da Pesquisa).

Delineada dessa forma, a multiplicação dos saberes legitima o que entendemos como
fundamental nos movimentos formativos: a saída do aluno da condição de objeto para a de
sujeito social, (re)inventando seus aprendizados no seu cotidiano de trabalho, sob a forma de
criação imaginária histórico-social.

É comum me perguntarem como vim “parar em Recife, porquê, para quê?
Minha resposta, depois de refletir e me perguntar também ; como, porquê,
para quê vim para Recife? Busco em mim mesma e encontro resposta: -foi
através das vozes das crianças de Messejana. Como assim? Explico: - em
uma das vindas dos Corais de Messejana, quando eu ainda não participava
do coral, uma autoridade na platéia ficou encantada com a qualidade das
vozes das crianças de Messejana. A irmã desta autoridade, era professora
de música em Recife, e também se encantou com o trabalho e com os
relatos sobre o funcionamento dos corais em Messejana, o desejo de criar a
escola de música, a dificuldade de realização do trabalho por questões
sociais e políticas, as dificuldades para realizar as viagens... Ganharam,
assim, hospedagem em um excelente hotel em Recife (a autoridade
providenciou isto). Anos depois, em 1989, esta professora de música do
Recife convida Nininha para trabalhar em uma escola de elite em Recife: quem faz um trabalho naquele nível com crianças de periferia, o que não
fará em uma escola com toda a estrutura disponível! - disse a professora. A
resposta de Nininha: - não tenho interesse de me ausentar do trabalho de
Messejana, mas tenho dois alunos que poderão realizar o trabalho com
muita competência e responsabilidade. Eu assino embaixo por eles. Viemos
eu e Luis trabalhar em Recife, hoje, contando 22 anos aqui. Em 1995,
prestei concurso para professor da Escola Técnica Federal (hoje IFPE),
onde trabalho há 16 anos, com canto coral e flauta doce (JP).

A multiplicação dos saberes, ao que entendemos, tem íntima ligação com a qualidade
do trabalho musical realizado em Messejana, o que garante aceitação, adesão e apoio, por
parte dos espaços e pessoas que conhecem o trabalho do Pólo de Musica de Messejana, hoje
realizado, também, em diversos espaços, pelos professores que tiveram lá sua formação inicial
(musical e humana).

127

Corais do colégio Santa Maria - Recife – Brasil / 2010

(Fonte: Autora)

128

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS

Conjugando música e vida, buscamos nessa pesquisa capturar o que de mais
significativo foi realizado nos movimentos formativos do Pólo de Música de Messejana: a
valorização do Ser Humano como centro de todo processo educacional, e cuja mediação do
educador musical foi irremediavelmente definidora da configuração das experiências
formativas significativas, ao que pudemos observar através dos relatos de histórias de vida.
Nosso olhar perscrutou dentro da relação ternária educador-educando-saber (música),
a fala dos alunos, o dizer dos educadores, as inter-relações, sem, no entanto, deixar de
considerar o valor da matéria musical no que ela traz em si enquanto arte ligada aos
sentimentos humanos, ao inconsciente do ser, o que a dimensiona como saber supremo, pois
que intrínseco ao homem. Não fosse assim, estaríamos contradizendo esse valor da música,
ressaltando apenas o processo, sem a especificidade que a educação musical encerra em si,
por tratar de matéria artística.
Contudo, o que buscamos compreender na nossa reflexão sobre movimentos
formativos em música, foi que, apesar da tendência do senso comum entender que, em
qualquer contexto onde a música seja o saber presente, ali teremos formação e transformação
humana de qualidade, na realidade, nem sempre assim acontece. O que nos inquietam nesse
pensamento, são os processos formativos que priorizam o “virtuosismo” do aluno, o que
representa apenas uma das dimensões do fazer musical (como já nos disse Mário de Andrade),
talvez a mais perigosa no sentido de que “pode tornar o artista uma vítima de suas próprias
habilidades, um „virtuose‟ na pior significação da palavra, isto é, um indivíduo que nem
sequer chega ao princípio estético [...]” (ANDRADE, 1975, p.15). Isto vem a ser a música
dissociada de suas “virtudes sociais pra se tornar simplesmente passadismo ou, se quiserem,
„academicismo‟ [...]”, como nos diz o autor.
A compreensão a que pudemos chegar a esta altura da pesquisa, através dos relatos de
histórias de vida dos sujeitos eleitos para esse estudo, é a de que os movimentos formativos
realizados no Pólo de Música de Messejana entre os anos de 1981 a 1989 tiveram significação
formativa ímpar, levando os participantes da experiência a vivenciarem a música de modo a
conjugá-la às suas vidas, dando-lhe (à música) um significado próprio, influenciando nos
contornos da cultura da comunidade, tornando-a o centro de seus fazeres no mundo e com o
mundo, trazendo-os do “normal” de uma vida na periferia a um acesso digno e ativo na
sociedade.

129

A categoria da socialização do saber, tratada no decorrer do estudo, levou-nos a
compreender que a intencionalidade da educadora Ana Maria Militão Porto, conjugada à de
seus alunos, à dos outros professores que participaram da experiência e à da comunidade de
Messejana, foi definidora da criação imaginária da música como arte resgatada e devolvida ao
contexto de Messejana, e aqui atualizamos o pensamento de Castoriadis (2004, p. 291),
quando nos diz que “[...] o saber é um objeto social por excelência [...]”.
Também trazemos Ardoino (2003) e o conceito de negatricidade como a capacidade
de negação do já posto como real, e a ação para recriação desse real. Foi da ação negatriz da
educadora em mobilizar ações, que se criou o Pólo de Música de Messejana, no momento em
que a LDB versava sobre a retirada da música como conteúdo curricular das escolas
brasileiras: o instituinte em cena – uma escola de música na periferia de Fortaleza.
Nessa perspectiva da criação de um novo real partindo da ação do educador,
trouxemos a idéia da mediação como delineadora dos movimentos formativos que este
empreende, assumindo o centro de condução da relação ternária educador/educando/saber,
tendo a clareza da responsabilização que seu fazer imprime na construção do ser social.
Pudemos ver, através das histórias de vida coletadas, que no contexto do Pólo de Música de
Messejana, os educadores intermediavam o aluno e a música, o aluno e a comunidade, num
movimento de busca da sensibilização do sujeito. As gerações de alunos que tiveram uma
formação no Pólo de Música são representativas dessa formação e transformação do ser social
através do fazer musical significativo: música em conexão com a vida.
Na busca de contatar o maior número possível de pessoas que estudaram no Pólo de
Música durante o período delimitado para a pesquisa, localizamos doze ex-alunos do Pólo de
Música que fizeram Licenciatura em música, e hoje atuam como educadores musicais. Esse
dado é muito significativo, tendo em vista a pequena quantidade de pessoas formadas em
música por ano nas universidades, como pudemos detectar durante a pesquisa.
A exemplo, encontramos em Penna (2008, p. 139-43) uma pesquisa realizada pela
autora em alguns contextos das redes públicas da Grande João Pessoa (PB), sobre o ensino de
arte no ensino fundamental, entre os anos de 1991 a 2001. A pesquisa detectou que na
licenciatura plena em Educação Artística da UFPB, a habilitação em música é menos
freqüente – apenas 11,7% num período de 10 anos. Desses, “apesar de não se ter um
levantamento sistemático, é certo que vários ex-alunos do curso atuam em universidades ou
em escolas de música, públicas ou privadas”, o que quer dizer que as escolas especializadas
em música são priorizadas, em detrimento das escolas de ensino regular.

130

Tomando como referência esse parâmetro, percebemos que num período mais curto
(1981 a 1989), o Pólo de Música, uma escola de periferia, formou doze alunos, que hoje
atuam na rede pública de ensino. Esso é um dado considerável em termos quantitativos,
principalmente pela questão da não valorização da música enquanto profissão, e enquanto
saber designado ao currículo geral da escola regular.
Pensando agora no valor atribuído pelo poder público à música, e em como se deu a
continuidade dos trabalhos no Pólo de Musica, esbarramos em um dado infeliz: em 1989, o
poder público municipal de Fortaleza confiscou o prédio onde funcionava o Pólo de Música, e
onde hoje funciona a Administração Regional VI de Messejana. Entendemos que isso denota
a fragilidade que gira ainda em torno da valorização da música como saber necessariamente
de caráter público de fato e de direito, como reza a constituição, inclusive. Nininha relata esse
fato:

Lutamos muito, fizemos passeatas por Messejana, Fortaleza, pedindo o não
fechamento do Pólo de Música, tendo em vista o pedido da casa que
ocupávamos. Foi uma luta muito grande e trabalhamos muito. Conseguimos
uma quantia razoável com auxílio da Prefeita Maria Luiza, junto ao
Presidente do Banco do Nordeste à época, o que garantiu a compra do novo
espaço para o Pólo de Música de Messejana.. Havia um interesse em criar a
Fundação Cultural de Fortaleza e o novo espaço, um sítio enorme,
necessitava de ajustes para o melhor funcionamento, o que nunca
conseguimos. Aconteceu o pior. Estávamos no Pólo, onde hoje funciona a VI
Regional, quando chegou um funcionário da Fundação Cultural e nos disse:
vocês devem deixar este local que reconheço, de fato é de vocês, mas de
direito é da Fundação. A partir de hoje será a Fundação que cuidará desse
espaço. Ficou abandonado por um longo período. Uma tristeza e um
abatimento enorme tomou conta de nós todos: professores e alunos. Nossa
resposta foi um silêncio profundo porque não havia mais condições de se
negociar. Ainda hoje sonhamos em ter outro espaço de convivência e de
formação de grupos musicais. (Nininha).

A partir de então (1989), com o fechamento do Pólo de Música, suas atividades
tomaram outra dimensão: a da socialização da música pelos que se formaram educadores
musicais, agora em um projeto de canto coral ligado a outras atividades artísticas, em escolas
públicas de todo o Ceará – o projeto Um Canto em Cada Canto21. A resistência ao
silenciamento imposto à música em Messejana – novamente a negatricidade em jogo.
Esta pesquisa teve um dado de intervenção, ou diríamos de motivação para que se
buscasse o fortalecimento dos recursos destinados ao Projeto Um Canto em Cada Canto, que

21

O livro Lições do Caminho – o que Conta o Canto- de Ângela Maria Bessa Linhares, traz um brilhante
delineamento do que vem a ser o projeto Um Canto em Cada Canto. (Ver referências).

131

se encontram instáveis, fato este que está levando os educadores do projeto a buscarem a
sobrevivência em escolas particulares, que os estão absorvendo, principalmente, por força da
já mencionada alteração da LDB de nº 9394/96, com a Lei de nº 11.769 de 18 de Agosto de
2008, sobre a obrigatoriedade do ensino da música nas escolas brasileiras.
A ação interventiva (ou motivadora): no dia 13 de Janeiro de 2011, reunimos 70 excoralistas de Messejana, com o objetivo de que fossem retomadas as atividades do Coral
Jovem de Messejana (hoje coral de adultos), ligando esse movimento ao do projeto Um Canto
em Cada Canto que busca a aquisição de uma sede que possa abrigar o projeto (até hoje,
desde 1989, não se adquiriu sede própria). Penso que as raízes do trabalho realizado no Pólo
de Música podem ser restauradas, provavelmente em outro formato dada a mobilidade da
história e dos fatos, mas há força de trabalho dispersa, que muito ainda pode realizar. É
preciso mobilizar esforços em torno, também, e principalmente, do poder público, no sentido
de financiar o movimento musical do “Canto”.

Lancei a proposta do Encontro dos ex-coralistas de Messejana para
Nininha, que demonstrou alegria e interesse no retorno do Coral. Como
faríamos? Encontramos Rodrigo, ex-coralista de Messejana, num desses
encontros que me autorizo a chamar de “acaso feliz para uma justa e digna
causa”. Rodrigo, cuja experiência em articulação de reuniões é grande (foi
sindicalista dos trabalhadores da Saúde em Fortaleza), prontamente
abraçou a causa. Dois dias depois, já havia contatado 12 pessoas. A notícia
multiplicou-se em ondas. Compareceram ao Encontro 70 pessoas entre
pessoas que cantaram nos corais infantis, no coral jovem, regentes do
Canto, filhos destes, esposos e esposas, netos... a família cresceu! Foram
distribuídas fichas de inscrição para o Coral, que irá funcionar em horário
noturno, oportunizando a participação de quem trabalha. Foi emocionante o
encontro, abraçamo-nos saudosos, contamos nossas histórias, trouxemos
nossa vida atualizada para as conversas, cantamos músicas que faziam
parte do repertório do Coral... Composições do “Canto” também. Sugeri
um Grande Coral para o Natal de 2011 – alguém completou: faremos o
Natal de Luz em Messejana! Nininha entregou ao Secretário de Cultura do
Estado do Ceará, um novo delineamento do Projeto Um Canto em Cada
Canto, e há movimentações no sentido de se conseguir uma nova e
(esperamos) definitiva sede (JP.)

Iniciei este trabalho partindo de mim, das minhas implicações com o objeto de estudo
e com a educação musical no meu cotidiano de trabalho, de onde surgiram as inquietações em
torno do fazer musical significativo, considerando, do modo como entendo, a figura do
educador e sua mediação nos movimentos formativos, como fundamentalmente definidora
dos resultados e perspectivas desencadeadas no âmbito de sua atividade: música em conexão
com a vida.

132

Volto a mim neste desfecho, momento em que, atualizando esses resultados
de reflexão sobre as experiências dos movimentos formativos no Pólo de
Música de Messejana, trago para minha atividade enquanto educadora
musical, as reflexões perscrutadas e delineadas nesta pesquisa, como forma
de resignificação do fazer musical na escola, inspirada pela beleza, emoção,
e todos os sentimentos que não podem ser negligenciados em qualquer
movimento de formação, pois entendo que é a partir do homem e suas
relações que se fazem as transformações necessárias à recriação do mundo
(JP).

Longe do caráter conclusivo, trazemos nesse momento da pesquisa, nossas
perspectivas de continuarmos trabalhando, referenciados, agora, pelas reflexões e as
mudanças que estas certamente operaram em nós, no sentido de trazer à tona nossa história de
vida e formação, consideradas, no decorrer de todo o trabalho, como nossa criação histórica
imaginária, construída na arquitetura sonora e sensível do nosso material de trabalho: o som e
o Ser – sopros de vida!

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138

ANEXOS
1.ROTEIROS DE ENTREVISTAS
1.1 Com as professoras do pólo de música
Questões a serem abordadas
(Sobre a criação do Pólo)
1. Qual a formação profissional de vocês?
2. De onde partiu a idéia de criação do Pólo de Música?
(Sobre o plano de trabalho: finalidades e objetivos)
3. Como foi pensado o programa de atividades a serem desenvolvidas no Pólo? Foi
baseado em algum modelo?
4. Que referenciais foram levados em conta na hora de planejar essas atividades?
5. Qual a condição para a participação do aluno nas atividades do Pólo de Música?
6. Que condições de evolução eram determinantes para a progressão do aluno nos
diferentes níveis de turmas?
7. Em algum(uns) momento(s) a técnica e a desenvoltura do aluno no instrumento ou no
canto, por si só, deram respostas abrangentes sobre o desenvolvimento dos alunos?
Tem alguma história sobre isto?
(Sobre as transformações musicais e(ou) humanas observadas)
8. Em que medida ou em que tempo vocês puderam ou podiam observar um
amadurecimento ou transformação humana em seus alunos? Contem histórias sobre.
9. E na área musical propriamente dita, que histórias vocês contam para exemplificar
isto?
(Sobre a interação com os alunos)
10. Que lugar a atividade profissional de vocês ocupavam em suas vidas?
11. Que vocês diriam sobre esta afirmativa: quanto maior o desenvolvimento musical,
maior o crescimento humano?
12. E o contrário: quanto maior o crescimento humano, maior o crescimento musical?
(Vigotski – relação entre aprendizagem e desenvolvimento)
(Sobre os grupos musicais de alunos)
13. Que grupos representativos das atividades do Pólo foram formados?
14. Quando se davam os recitais? Em que espaços se apresentavam esses grupos?
15. Havia momentos de interação entre os grupos em apresentações?
16. Como vocês definiriam a convivência entre os alunos dentro do Pólo?
17. Havia alguma atividade ou momentos livres de convivência dos alunos no Pólo?

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18. (sobre a interação com a comunidade)
19. Havia momentos específicos para a família e comunidade na escola?
20. Como a comunidade reagiu ou foi reagindo com o surgimento de uma escola de
música acessível à comunidade? Como isso era percebido por vocês?
(Sobre a formação profissional dos alunos do Pólo em música)
21. Em que momento houve por parte de vocês uma preocupação com a formação
profissional de seus alunos em música?
22. Que medidas ou que projetos foram adotados para essa formação?
23. Em que momento ou estágio os alunos procuravam outras escolas de música para um
estudo continuado?
24. Vocês sabem reconhecer ou enumerar os alunos oriundos do Pólo que tiveram uma
formação continuada em música?
25. Como e onde trabalham esses alunos?
26. Considerações finais.
1.2. Com ex-alunos do pólo de música de messejana
Questões a serem abordadas
(Sobre a fundação do Pólo e o início de sua participação como aluno)
1. Que lembranças Vocês têm sobre a fundação do Pólo de Música?
2. Vocês participavam dos Corais de Messejana antes da fundação do Pólo de Música?
Se não, quando vocês começaram a participar?
(Sobre o tempo dedicado ao Pólo e a posição da família sobre isto)
3. Que tempo vocês dedicavam ao estudo da música no Pólo de Música, incluindo as
aulas?
4. Houve algum momento de cobrança por parte de sua família sobre a questão do tempo
dedicado ao Pólo, em detrimento da escola ou tarefas de casa, por exemplo?
5. Que valor tinham as apresentações musicais para vocês?
(Sobre suas próprias mudanças musicais e humanas observadas)
6. Em que momento, ou etapa da formação musical no Pólo vocês puderam perceber que
suas vidas mudaram? Conte alguma história sobre.
(Sobre a estrutura de funcionamento do Pólo)
7. Na divisão de tarefas de organização do Pólo, como você participava? Que função
você assumia e que tempo dedicava a isto?

140

8. Se você fosse coordenador de uma escola hoje, adotaria esse esquema de distribuição
de tarefas em cooperação? Porque?
9. Essa atividade cooperativa de organização e manutenção da escola, influenciou na sua
formação pessoal? Influenciou no seu modo de ser em casa, por exemplo?
10. Como sua família percebia isso? Tem alguma história sobre?
(Sobre a percepção da comunidade e família sobre o Pólo)
11. Na sua escola, seus professores e colegas sabiam da sua participação no Pólo? Havia
alguma curiosidade por parte destes sobre isto?
12. O que você pode contar sobre as viagens dos corais?
(Sobre a interação com os professores)
13. Vocês acham que a forma como os professores conduziam as atividades fazia alguma
diferença na participação e formação de vocês? Fale como vocês percebiam essa
forma de condução dos professores.
14. Havia coisas em comum entre o Pólo e a escola convencional: Tinha horários de aulas,
coordenador, professor, secretária. Que diferenças principais você citaria? O que era
melhor e o que era pior?
(Sobre a interação com os colegas)
15. Fora os horários de aula, em que outros momentos vocês estavam no Pólo, e o que
faziam?
16. Qual a importância dos grupos de Coral e Flauta para vocês.
17. Havia algum momento livre com os colegas no Pólo? Como eram esses momentos?
Contem alguma(s) história(s) sobre.
(Sobre a formação profissional)
18. Em que momento vocês perceberam que seguiriam na música como profissão?
19. Em que momento você percebeu que precisava de um estudo continuado em música,
e procurou a universidade?
20. Que atividade profissional você exerce hoje e onde?
21. Que aspectos da sua formação humana foram privilegiados pelas ações do Pólo?
22. Em que aspectos sua condução com seus alunos, têm influência de sua formação no
Pólo?
23. Considerações finais.
2. DOCUMENTOS
(Fonte: Arquivos Pólo de Música de Messejana)

141

Mobilização para a conquista do Pólo de Música de Messejana

142

143

144

145

146

147

3. ALBÚM DE FOTOGRAFIAS
3.1. O Pólo de Música
3.1.1. Os Corais como atividade inicial

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

148

O Coral José de Barcelos canta para autoridades (primeiros passos para a conquista do Pólo de Música
de Messejana)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

Coral José de Alencar

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

149

Inauguração do Pólo de Música de Messejana (uma criança é que faz o corte simbólico da fita
inaugural)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

Recital de Inauguração do Pólo de Música de Messejana (1981)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

150

3.1.2.O cotidiano do pólo de música
Flauta

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

Violão (Monitor Ary Santiago)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

151

Musicalização

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

Os professores em recital

(Eunice Moura, Ana Maria Militão e Tarcísio Lima)
(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

152

Oficina de Brinquedos (Monitor William Freires)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

153

3.1.3. A comunidade vai ao pólo de música
O Dia D (Oficinas para as crianças da comunidade – Multiplicação dos Saberes)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

154

Teatro no Dia D

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

155

3.1.3. Recitais periódicos para a comunidade

(Fonte: acervo particular de Ana Maria Miltitão Porto)

156

3.2.ENCONTRO DE CORALISTAS DE MESSEJANA – 13/01/2011
(Re) elaborando sonhos – mobilização atual para a reconquista do espaço de música e vida
Profas. Eunice Moura e Ana Maria Militão Porto (Nininha) - sujeitos da pesquisa

Presença de Cantores da primeira fase dos Corais...

157

...filhos destes coralistas...

...regentes do Um Canto em Cada Canto...

158

...outros regentes...

...mais coralistas...

159

...hoje, adultos... ontem, cantores dos corais infantis...

...várias gerações, enfim, em busca de um cantar novo...

160

...de um Novo Canto de Cantar a Vida e a Música.

Quem sonhou
Só vale se já sonhou demais
Vertente de muitas gerações
Cravado em nossos corações
Um nome se escreve fundo

As canções
Em nossa memória vão ficar
Profundas raízes vão crescer
A luz das pessoas me faz crer
Eu sinto que vamos juntos
Ó, nem o tempo, amigo
Nem a força bruta pode um sonho apagar
(Canção do Novo Mundo– Milton Nascimento)

(O Pólo de Música de Messejana - Prédio fechado em 1986)