Carmen Eurydice Calheiros Gomes Ribeiro
Título da dissertação: A FORMAÇÃO SUPERIOR EM UMA ESTRUTURA DE REDE DE COOPERAÇÃO: o curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
Carmen Eurydice Calheiros Gomes Ribeiro
A FORMAÇÃO SUPERIOR EM UMA ESTRUTURA DE REDE
DE COOPERAÇÃO: o curso de Medicina da Universidade
Federal de Alagoas
Maceió-AL
2009
2
CARMEN EURYDICE CALHEIROS GOMES RIBEIRO
A FORMAÇÃO SUPERIOR EM UMA ESTRUTURA DE REDE
DE COOPERAÇÃO: o curso de Medicina da Universidade
Federal de Alagoas
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Educação do
Centro de Educação da Universidade Federal
de Alagoas, na linha de pesquisa História e
Política da Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças
Medeiros Tavares.
Maceió
2009
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
R484f
Ribeiro, Carmen Eurydice Calheiros Gomes.
A formação superior em uma estrutura de rede de cooperação : curso de Medicina
da Universidade Federal de Alagoas / Carmen Eurydice Calheiros Gomes Ribeiro,
2009.
116 f.
Orientadora: Maria das Graças Medeiros Tavares.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação
Brasileira. Maceió, 2009.
Bibliografia: f. [110]-116.
1. Educação superior. 2. Universidade Federal de Alagoas – Curso de Medicina.
3. Organização em rede. 4. Políticas públicas. I. Título
CDU: 378(813.5)
Minha gratidão e respeito
À Professora Drª Maria das Graças de Medeiros
Tavares, pela dedicação, entusiasmo e carinho a
mim dirigidos nesta construção;
À professora Msc. Cristina Camelo de Azevedo pelo
muito que me ensinou na caminhada profissional,
me incentivando a seguir nessa carreira acadêmica;
A Renata Gomes Fonseca, Diretora Técnica do
SEBRAE/AL por acreditar em mim, e dessa forma
contribuir com a experiência com organizações em
redes de cooperação na Central Fácil de
Atendimento ao Empresário;
A todos os companheiros da FAMED, pelo apoio e
suporte neste curto período de convivência;
À minha família, meu esposo José Geraldo, pelo
companheirismo e cumplicidade, meus filhos
Gabriela, Laura e Renato, que me inspiram e me
fazem uma pessoa melhor, e em especial à minha
amiga-irmã Luiza, pelo apoio e estímulo no
desenvolvimento deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo investigar a formação superior em uma estrutura de
rede de cooperação através de um estudo de caso: a formação superior em uma
estrutura de rede de cooperação: o Curso de Medicina da Universidade Federal de
Alagoas. Caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, utilizando instrumentos
metodológicos da pesquisa exploratória descritiva, pesquisa documental, pesquisa
bibliográfica e estudo de caso. Discute as teorias sistêmicas, pensamento complexo e
processo de aprendizagem. Resgata historicamente a política de saúde pública no
Brasil a partir da Constituição de 1988. Analisa a relação do Curso de Medicina da
UFAL e seus Projetos Pedagógicos com o Sistema Único de Saúde. Investiga como
ocorre o processo de troca entre as instituições de serviços e a Faculdade de Medicina
da UFAL. Identifica as técnicas utilizadas para a viabilização das trocas de experiência
entre as instituições. Concluí que houve interações entre as instituições de serviços da
área de saúde e a Faculdade de Medicina que impactaram o currículo do Curso de
Medicina em implementação e que as instituições organizadas em rede de cooperação
favorecem o aprendizado coletivo de seus integrantes, possibilitando novas
alternativas de respostas às necessidades sociais além de contraporem-se fortemente
ao processo de exclusão social, própria do modelo capitalista neoliberal.
Palavras-chave: Política pública - Educação superior - Organizações em rede –
Pensamento complexo – Curso de Medicina
ABSTRACT
This work has the purpose to do research on the higher education, in a cooperation net
structure through a case study – The higher education in a cooperation net structure:
the Course in Medicine in Federal University in Alagoas. It is specified as a qualitative
research, using methodical instruments of the exploring describing research,
documental research, bibliographic research and case study. This work argues the
systemic theories, complex thinking and learning process. It recovers historically the
Politics of Public Health in Brazil from 1988 Constitution. It analyzes the relation among
the Course in Medicine in UFAL and its Educational Projects with the Public Health
System. It does research on exchange process among the service institutions and
University of Medicine in UFAL. It indentifies the methods which are used to exchange
the experiences among the institutions It concludes there was interaction among the
service institutions in health area in University of Medicine, which caused some impact
in the resumé in the Course in medicine, in introducing, and the organized institutions in
cooperation net favor the collective learning of their people, creating new possibilities to
answer the social necessities and argue against the social excluding process, from
neoliberal capitalism.
Key words: Public politics – Higher education – Net organization – Complex thinking
– Course in Medicine
LISTA DE SIGLAS
ABEM- Associação Brasileira de Educação Médica
CEDSS - Centro de Desenvolvimento da UNIFESP
PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência
CIEPS – Comissão Interna de Educação Permanente para a Saúde
CINAEM - Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico
CIES - Comissão Integração Ensino-Serviço
ABNT – Associação Brasileira de Normas técnicas
CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixieira
PIB - Produto Interno Bruto
IDH - Indice de desenvolvimento humano
COSEMNS - Conselho de Secretarias Municipais de Saúde
CSAU - Centro de Ciências da Saúde
DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais
EAPMC - Eixo de Aproximação às Práticas Médicas e à Comunidade
FAMED - Faculdade de Medicina
FAPEAL - Fundação Alagoana de Pesquisa
FEPAFEM - Federação Pan-Americana de Faculdades e Escolas de Medicina
HUPAA - Hospital Universitário Professor Alberto Antunes
IDA - Integração Docente Assistencial
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOAS - Lei Orgânica da Saúde
MEC - Ministério da Educação
MPAS - Ministério de Previdência e Ação Social
NEMED - Núcleo de Educação Médica
NOAS - Norma Operacional da Assistência à Saúde
NOB - Norma Operacional Básica
NUSP - Núcleos de Saúde Pública
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONG - Organizações Não Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde
PPC - Projeto Pedagógico de Curso de Medicina
PPG – Projeto Pedagógico Global
PROGRAD - Pró-Reitoria de Graduação
PSF - Programa da Saúde da Família
RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor
SESAU/AL - Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas
SUDS - sistema único e descentralizado de saúde
SUS - Sistema Único de Saúde
UDUAL - União das Universidades da América Latina
UFAL - Universidade Federal de Alagoas
UNCISAL - Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura da área da saúde da UFAL, no final da década de 80 e
início da década de 90, no momento da homologação da Constituição de
1988........................................................................................................................................68
Figura 2 – Estrutura da área da saúde da UFAL, no final da década de 80 e
início da década de 90, após Constituição de 1988.............................................71
Figura 3 – Articulação entre os eixos do novo currículo médico da UFAL...91
Figura 4 – Faculdade de Medicina com seu único Curso e o NUSP, com
suas relações e interfaces. .............................................................................................92
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................10
CAPÍTULO I - ESTRUTURAS SOCIAIS EM REDE DE COOPERAÇÃO: uma
abordagem teórica.................................................................................................................19
1.1 O declínio da segunda onda (era moderna) e o início da terceira (era
pós-moderna)..................................................................................................................19
1.2 O pensamento sistêmico e o pensamento complexo...............................24
1.3 As organizações sociais em rede de cooperação ...................................30
1.3.1 Tipos de redes sociais de cooperação....................................................33
1.4 As organizações sociais em rede, como organizações de
aprendizagem..................................................................................................................37
CAPÍTULO II - A REDE DE SAÚDE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL: uma
abordagem sistêmica ............................................................................................................43
2.1 A Constituição de 1988 e a Rede de Saúde ................................................46
2.1 As redes de saúde e a educação médica......................................................56
CAPÍTULO III - ESTRUTURA EM REDE DE COOPERAÇÃO E A FORMAÇÃO DO
PROFISSIONAL MÉDICO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS: do
Projeto Pedagógico Global ao Projeto Pedagógico do Curso........................................66
3.1. O início da mudança – Projeto Pedagógico Global da área da
saúde ..................................................................................................................................68
3.1.1 O Hospital Universitário da UFAL – o primeiro caminho de
conexão..........................................................................................................................70
3.1.2 – O papel de agente de mudança do NUSP/UFAL – segundo
caminho de conexão.................................................................................................71
3.1.3 – A construção do Projeto Pedagógico Global da Saúde –
PPG/Saúde....................................................................................................................74
3.1.4 – A Avaliação do Projeto Pedagógico Global - PPG ..........................78
3.2.
O Movimento NEMED e a Construção do Projeto Pedagógico do
Curso - o terceiro caminho de conexão ................................................................80
3.2.1. A Faculdade de Medicina da UFAL – FAMED e suas interações91
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................98
REFERÊNCIAS....................................................................................................................109
INTRODUÇÃO
A história humana foi classificada em três “ondas” por Toffler (1999). Esses
fenômenos atuam essencialmente como revoluções, através das quais modos de
vida são inteiramente descartados e substituídos por outros novos. A primeira delas
seria a era agrícola, quando a raça humana passou de uma civilização tipicamente
nômade para uma civilização basicamente agrícola, sedentária. Isso se deu há cerca
de 10 mil anos. Na segunda, a da industrialização, a sociedade passou de uma
civilização predominantemente voltada para o plantio para uma civilização
basicamente industrial. O início dessa mudança se deu há cerca de 300 anos, nos
Estados Unidos e na Europa, mas muitas regiões do mundo ainda não atingiram esse
estágio.
Para o autor, a terceira onda é um período revolucionário que tem como base a
informação e é caracterizado por mudanças “tecnológicas, econômicas, sociais,
culturais, políticas, religiosas, institucionais e até mesmo filosóficas ou, mais
precisamente, epistemológicas. Uma nova civilização está nascendo e envolve uma
nova maneira de viver” (TOFFLER, 1993, p.47). Ela se revela ainda “pelo aumento da
oferta de empregos na área de serviços e informações, pela complexidade, velocidade
e descontinuidade em que as mudanças ocorrem, envolvendo grande número de
variáveis” (AGUIAR, 1992, p.54).
Diante da complexidade do mundo atual, no qual as pessoas são desafiadas a
apresentar respostas para questões que surgem sem interrupção, numa velocidade
nunca vista, a tendência natural é que se mudem significativamente os modelos
cognitivos e comportamentais. Porém esse processo não acontece de forma
instantânea, exigindo tempo para que se dê essa transformação. “O velho, como dizia
Gramsci, não acaba de morrer e o novo não acaba de nascer” (GÓMEZ, 1998, p.22).
11
A forma fragmentada e compartimentalizada do conhecimento, que caracterizou
a sociedade industrial, não corresponde ao modelo imposto pela atual lógica da
terceira onda, a qual requer uma compreensão de um mundo integrado, com forças
que convirjam num todo indissociável, tornando-se essa capacidade requisito
indispensável para encontrar respostas que contribuam com as necessidades atuais.
[...] Não há natureza humana porque toda natureza é humana. É, pois,
necessário descobrir categorias de inteligência globais, conceitos
quentes que derretam as fronteiras em que a ciência moderna dividiu e
encerrou a realidade. (SANTOS, 1998, p.44)
Buscando aprender novos caminhos para interagir com a mudança havendo
menor perda possível de energia (CONNER, 1995, p.6), o ser humano tenta aumentar
continuamente sua capacidade de criar, de construir o novo e de dar respostas
adequadas aos problemas atuais. Trabalhar em cooperação surge como um processo
natural de sobrevivência, contrapondo-se fortemente ao processo de exclusão social.
O fenômeno exclusão/cooperação interfere no mercado mundial, trazendo uma
lógica que insere a associação de alguns grupos e a extinção de outros. Em função da
competição, e pela necessidade de aumentar a produção com redução de custo, o
referido mercado se atualiza e começa a unir interesses comuns, trabalhando de forma
cooperativa. Empresas se fundem, barreiras políticas são superadas para a criação de
blocos econômicos formados por associações de países.
Essas alianças são motivadas, ainda, pelo custo elevado das novas tecnologias,
o surgimento acelerado de novos produtos e serviços, a complexidade crescente dos
novos sistemas e a busca de novas soluções. Nesse cenário, além das alianças
motivadas pelas questões econômicas, surgem outras formas de alianças de caráter
social entre pessoas e instituições, na tentativa de encontrar outros caminhos de
organização humana com responsabilidade social, visando à construção de uma “via”
alternativa para os problemas atuais, para contrapor-se ao capitalismo desenfreado,
onde a exclusão tornou-se uma consequência sem volta.
Motivadas pela necessidade de encontrar outras possibilidades, as diversas
modalidades associativas tomam forma e novos vínculos são gerados por interesses
12
comuns, tendo como consequência a aprendizagem em grupo. Segundo Rodrigues
(1998, p.31).o crescimento do Terceiro Setor no Brasil ocorre em virtude do modelo
neoliberal do governo, onde o Estado (Primeiro Setor) reduziu de tamanho e os papéis
até então desempenhados por ele passam a ser, muitas vezes exercidos por
instituições não governamentais. Essas iniciativas vêm acontecendo em todas as
áreas - educação, saúde, gerações de renda, entretenimento, esportes, muitas vezes
com o apoio do próprio governo, de organismos internacionais e da iniciativa privada
(Segundo Setor).
No que diz respeito às áreas da saúde e da educação, objetos de estudo do
presente trabalho, essas transformações desafiam as revisões de suas práticas e a
busca da efetividade de suas ações. Com a Constituição Brasileira de 1988
pretendendo assegurar, sem discriminação, a qualidade de vida de todos os
brasileiros, as concepções de saúde são revistas, dando surgimento a uma reforma
sanitária e à criação de um sistema integrado e único para dar sustentação as suas
ações. O cumprimento dessas diretrizes estratégicas exigiu mudanças significativas
em nível macro, que pretendiam garantir seu financiamento, ter uma política de
remuneração e capacitação adequada do quadro de profissionais da saúde, além de
sistemas de apoio e acompanhamento da gestão e dos serviços realizados no país. No
âmbito mais local, pensando no município e na unidade de saúde, é necessário
viabilizar a construção e a realização de um novo pensar da atenção básica, unindo
uma boa formação dos profissionais com o treino da comunidade para a gestão
democrática.
Identificamos dessa forma uma relação direta entre a reforma sanitária e o
modelo educacional praticado no país, o qual reflete uma baixa qualidade do ensino
oferecido,
projetos
e
programas
desarticulados,
conhecimento
fragmentado,
desconsideração da cultura e a emergência de conhecimentos locais. A Constituição
Brasileira de 1988 assegura educação gratuita para todos e define o financiamento
para a área, mas estamos longe de uma política que atenda às necessidades da
população brasileira como um todo. Diante desse quadro, somos desafiados a superar
esses limites históricos e construir mudanças, encontrando os caminhos de curto,
médio e longo prazo.
13
[...] Todas as vezes que eu estiver dando uma cultura que não foi
elaborada nacionalmente para ser ensinada, estarei prestando
informações, não proporcionando educação. [...] A cultura realmente
existente é a que estiver incorporada na sociedade em que eu estiver
(TEIXEIRA, 1968, p.96).
O modelo educacional praticado no país reflete ainda a visão herdada de seu
processo de colonização, o qual reproduziu a cultura européia, formou uma elite bem
informada e extremamente conservadora, voltada para a busca da cultura geral e
desconhecendo completamente a cultura local. Apesar de historicamente seus
dirigentes privilegiarem uma educação de caráter utilitário e profissionalizante, o ensino
no Brasil, inclusive o superior, formou uma elite de profissionais com uma cultura geral
diferenciada. Formamos ilhas de excelência, elites, mas estamos longe de uma política
de educação que atenda à população brasileira como um todo. Convivemos
simultaneamente com todos os estágios do desenvolvimento educacional, agravado
pela dimensão continental do País e por suas desigualdades econômicas e culturais.
Estamos ainda preocupados em assegurar alfabetização para a população, ao tempo
em que discutimos a educação necessária para a terceira onda – era da informação e
conhecimento.
Em consequência, chegamos diante de um novo momento de mundo, com uma
defasagem significativa de preparação da população para os novos desafios. A escola
que temos, segundo Gómez (2001, p.11), tem sido uma instituição com uma cultura
que reproduz a si mesma, independente das mudanças radicais que ocorrem ao redor.
Sendo a educação a base para o desenvolvimento dos demais setores da sociedade,
podemos afirmar que existe um comprometimento na capacidade de dar respostas no
tempo e qualidade que o momento imprime.
Diante de mudanças constantes, o caminho tem sido buscar respostas
alternativas para os desafios atuais. Acreditamos que nos diversos segmentos da
sociedade o processo de instituições organizadas em rede de cooperação poderá
favorecer o aprendizado coletivo de seus integrantes. Organizações em rede
interagem com o ambiente externo, trocam com o meio, desenvolvendo formatos de
gestão abertos. Esses modelos proporcionam aos seus participantes maior clareza da
14
interdependência das ações, onde o principal aprendizado é a compreensão de que
iniciativas isoladas perdem em eficácia, de que todos os pontos estão conectados e
que a cooperação fortalece suas unidades e singularidade. Quando uma instituição
começa a se movimentar, ela descobre indubitavelmente que movimenta o entorno, o
ambiente, ou, se qualquer outro ponto do ambiente muda, provoca movimento nela
própria e nos demais. Não interagir com outros pontos da rede (instituições) significa o
possível comprometimento no sucesso de suas estratégias.
Tais questões fazem parte da minha experiência profissional, especificamente
nos últimos doze anos, quando venho observando e estudando modelos de estruturas
em rede como psicóloga de grupos do projeto “Central Fácil de Atendimento ao
Empresário de Maceió". Essa unidade organizacional reúne nove instituições públicas,
das três esferas do governo, sob a coordenação do SEBRAE/AL para desenvolver um
trabalho de forma interdependente, com o mesmo objetivo e num ambiente comum.
Esse grupo de organizações representadas na Central forma uma rede de cooperação
e cada uma delas em destaque está conectada a sua própria rede, formando uma
“teia”, que são redes dentro de redes. Sua característica é o intercâmbio, cooperação e
busca de soluções conjuntas. Acompanhar essa experiência tem me possibilitado
entender melhor como os vínculos se formam e se fortalecem, numa estrutura desse
modelo, como ocorrem a comunicação e o processo decisório. Permite também
conhecer sobre a formação de valores e os elementos culturais desse agrupamento de
relações sociais. De certo, essa base de conhecimento possibilitou a compreensão de
outras iniciativas de natureza similar.
Meu interesse tem sido o de conhecer o funcionamento dessas novas
possibilidades de organização de trabalho, que surgem como alternativas de respostas
à sociedade, e conhecer os fenômenos individuais e grupais decorrentes dessa nova
relação. Interesso-me principalmente em compreender suas características de
conectividade, junção, interdisciplinaridade, cooperação, integração e estruturas de
funcionamento interligadas e o aprendizado resultante desse processo. Na mesma
perspectiva da Central Fácil, que caracterizo como estrutura em “Rede de
Cooperação”, tenho procurado observar experiências que apresentem características
15
semelhantes,
tais
como:
conexão,
troca,
cooperação,
auto-organização,
interdependência e aprendizado em grupo.
Nessa trajetória de estudo, encontramos na Faculdade de Medicina(FAMED) da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) características que indicam conexão e
relações sistêmicas. O fato de fazer parte da rede de educação pública federal, ligada
ao Ministério da Educação (MEC), e sua crescente inserção no Sistema Único de
Saúde (SUS), seja através de seu Hospital Universitário Alberto Antunes (HUPAA) ou
dos demais serviços de saúde local, que estão ligados à rede de saúde pública federal
do Ministério da Saúde, nos dá fortes indicativos de rede, inspirando a escolha do tema
desta dissertação de mestrado: a Formação Superior em uma estrutura de Rede de
Cooperação: o curso de Medicina da UFAL.
Para o desenvolvimento deste estudo, o primeiro passo foi fazer um recorte nos
quase sessenta anos de história do Curso de Medicina da UFAL, considerando os
fatos a partir da Constituição de 1988, quando ocorreu a Reforma Sanitária Brasileira
e, com ela, uma nova ordem de atuação em saúde pública para o País. A partir desse
momento, o curso de formação médica tem como desafio rever suas práticas
educacionais e adequar a formação de seus alunos ao perfil focado na qualidade de
vida do cidadão. Como resposta, encontramos dois movimentos de avaliação e
elaboração de projeto pedagógico - o primeiro momento em 1991 junto com os demais
cursos da área da saúde e o segundo momento em 2006, apenas para o Curso de
Medicina, tentando se adequar às atuais políticas de saúde e de educação do país.
No contexto geral desta dissertação, objetivamos realizar um estudo de caso
cujo objetivo geral é compreender a relação entre estruturas em rede de cooperação
e a sua aplicabilidade na área da educação superior, especificamente na formação
do profissional médico da FAMED da UFAL e sua inserção no SUS. De forma mais
específica, definimos a realização de cinco objetivos:
1. Analisar como ocorre o processo de troca entre as instituições de serviços
de saúde do Estado e a FAMED da UFAL;
16
2. Investigar o nível de diálogo e trocas exercidos entre as diferentes
instituições da área da saúde e sua contribuição na melhoria dos
processos em interfaces;
3. Identificar as técnicas que estão sendo utilizadas para viabilizar essas
trocas de experiência;
4. Investigar se a participação de outras instituições nas discussões sobre a
formação médica para o SUS, e na formação como um todo, manteve
uma relação de troca e não de intervenção;
5.
Identificar as influências dessas interações nas mudanças do currículo do
Curso de Medicina da UFAL.
Trabalhamos com a hipótese de que instituições organizadas em rede de
cooperação poderão favorecer o aprendizado coletivo de seus integrantes,
possibilitando novas alternativas de respostas às necessidades sociais além de
contraporem-se fortemente ao processo de exclusão social própria do modelo
capitalista neoliberal.
O caminho que percorremos constou, num primeiro momento, de uma
pesquisa exploratória descritiva, objetivando uma aproximação do ambiente da
pesquisa, para maior esclarecimento dos conceitos e idéias que conduziram à
formulação do problema e das hipóteses, bem como à validação dos procedimentos
planejados.
Essa pesquisa descritiva procurou explicitar, a partir de um conjunto de
dados, os fenômenos sociais, suas relações e fixações culturais, através da
observação, descrição e interpretação dos significados que emergem deste
processo de interação – pesquisador/pesquisado. Coletamos os dados através da
do relato das entrevistas semiestruturadas com a Reitora da UFAL (2004-), com a
Diretora da FAMED (2006-) e a Coordenadora do NUSP (2002-), bem como a
Médica Sanitarista do município de Arapiraca, representante do Conselho de
Secretarias Municipais de Saúde - COSEMS (2004- ) considerando a participação
direta desses gestores nesse período histórico da FAMED da UFAL.
17
Num segundo momento, realizamos uma pesquisa documental onde
analisamos os dados contidos nos arquivos da Universidade e da Faculdade de
Medicina, bem como nas publicações dos órgãos públicos. Dentre as principais
fontes de pesquisa podemos citar: Projetos Pedagógicos de Curso, Resoluções,
Programas Nacionais de Formação Profissional em Saúde, Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) do Curso de Medicina, Declaração de Alma Ata, Legislação
estruturante e Atos Normativos do SUS, Relatórios, Portarias, Regimentos, dentre
outros.
Através da pesquisa bibliográfica, serviram como base teórica para este
trabalho os fundamentos e os estudos sobre a formação de estruturas
organizacionais em rede, as teorias dos sistemas, o pensamento complexo, as
teorias de aprendizagem, o comportamento organizacional e as teorias críticas e
pós-críticas do currículo.
Organizamos este trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo,
apresentamos as teorias sistêmicas, o pensamento complexo, e a influência no
modelo de pensamento que prevaleceu na era moderna e o pensamento pósmoderno que surge no final do século XX, trazendo um novo paradigma científico.
Ainda nesse capítulo, tratamos dos conceitos das organizações sociais em rede e
das
organizações
como
ambientes
de
aprendizagem,
como
fundamentos
necessários para a compreensão do fenômeno da mudança.
No segundo capítulo, fizemos a descrição do ambiente da saúde no Brasil, a
partir do período prévio à Constituição de 1988, os movimentos que a antecederam,
assim como da construção da rede de saúde e seu entrelaçamento com a rede de
educação.
Em seguida, no terceiro capítulo, relatamos o processo das mudanças
curriculares do Curso de Medicina da UFAL, demonstrando como a educação
médica se conecta à rede de saúde e sua influência na concepção dos Projetos
Pedagógicos. Por fim, apresentamos os dados e as análises do nosso estudo, com a
categorização das estruturas em rede de cooperação, sua natureza, propriedades e
intercâmbio.
18
Apresentamos também as considerações finais, onde destacamos os
resultados obtidos, e sua contribuição com novas soluções em gestão educacional,
adequadas ao novo modelo constituído no formato de rede de cooperação.
CAPÍTULO I - ESTRUTURAS SOCIAIS EM REDE DE COOPERAÇÃO:
uma abordagem teórica
A palavra rede é bem antiga e vem do latim retis, significando
entrelaçamento de fios com aberturas regulares que formam uma
espécie de tecido. (RITZ, 2008, 1)
1.1 O declínio da segunda onda (era moderna) e o início da terceira (era pósmoderna)
A revolução que ocorre nos últimos anos do século XX, acunhado de Terceira
Onda por Toffler (1999), rompe drasticamente com a forma de se compreender e
fazer as coisas em todas as áreas do conhecimento. O paradigma 1 tradicional que
deu sustentação e modelou o comportamento da cultura ocidental e influenciou o
restante do mundo, a partir do século XVII, via o universo como máquina, ou seja,
formado por partes. Essa concepção fracionada de mundo tornou-se a metáfora
dominante da era moderna, substituindo a visão de um “universo orgânico, vivo e
espiritual da era medieval” (MORAES, 1992, p.33).
Essa perspectiva de pensamento passou a dominar a ciência moderna, com o
método analítico criado por René Descartes onde o comportamento do todo é
compreendido a partir das propriedades das partes. O pensamento cartesiano,
também conhecido como mecanicista e reducionista, dá origem ao racionalismo
científico, separando e tornando independentes mente e matéria. Segundo Vieira
(2000, p.8), essa perspectiva defendia o pensamento por ordem, “começando pelos
1
Paradigma é uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhada pelos membros de uma
comunidade cientifica. ( KUHN, 1995, p.225)
20
assuntos mais simples e mais fáceis de conhecer, para atingir, pouco a pouco, como
que degrau por degrau, o conhecimento dos assuntos mais complexos [...]”.
A ciência moderna sistematizou o conhecimento contribuindo com grandes
avanços na história das civilizações. Para Moraes (1998, p.42), através de técnicas
de medição e quantificação na produção científica, tornou-se possível a sua
validação pública, entretanto, ao retirar a qualidade da ciência, ela ignorou as
vivências internas do indivíduo, seus significados, suas experiências e aprendizados.
[...] oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a visão, o som, o
sabor, o tato e o olfato, e junto com eles vão-se também as
sensibilidades estética e ética, os valores, a qualidade, a alma, a
consciência, o espírito. É improvável que algo tenha mudado mais o
mundo nos últimos quatrocentos anos do que o audacioso programa
de Galileu. Tivemos de destruir o mundo em teoria antes que
pudéssemos destruí-lo na prática. (LAING apud CAPRA, 1996, p.34)
A idade moderna foi o período definido pelo Império da Razão, tendo como
base o paradigma científico moderno com sua concepção de mundo positivista,
ratificado com a criação de seu método analítico e com suas ideias de avanço e
progresso linear, dando origem ao conhecimento especializado. Segundo Gómez
(2001, p.24), a partir desse pensamento, a sociedade moderna constrói as grandes
narrativas como modelo de comportamento único e ideal a ser seguido pela
civilização ocidental e pelo resto do mundo. Existe, portanto, a crença em máximas
universais de verdade, bondade e beleza, um modelo ideal e único de governo e de
comportamento impostos às civilizações, promovendo uma hierarquia entre as
culturas, tendo como consequência a discriminação e o desprezo pelas diferenças
de raça, sexo, cultura.
Com a chegada do século XX, a história da humanidade coloca por terra os
projetos e ideais do racionalismo moderno. Para Gómez (2001, p.24), a frustração
substitui a esperança que prevaleceu do modelo ideal de civilização, diante de
tantos fatos irracionais sucessivos: duas guerras mundiais; Hiroshima, Nagasaki; o
nazismo; as guerras do Vietnã e do Golfo Pérsico; o desastre de Chernobyl; a fome;
a greve; a imigração; o racismo e a xenofobia; as políticas totalitárias; a destruição
21
de alimentos para manter os preços; a corrida armamentista; as armas nucleares,
entre tantos outros, tão desprovidos de razão.
Com o declínio da cultura moderna, os hábitos, interesses, formas de pensar
e sentir do homem atual passam a ser resultados da “[...] consciência de sua
relatividade, contingência e provisoriedade [...]” (GÓMEZ 1998, p.12), que passam a
caracterizar o mundo pós-moderno. O esforço humano para apreender essa nova
realidade é extremamente doloroso, alcançando proporções de uma intensa crise
emocional, e poder-se-ia dizer, até mesmo existencial.
Sem o amparo do pensamento moderno, a humanidade vive uma das mais
intensas transformações de sua história e busca entender esses fenômenos e suas
consequências, no desafiante papel de ser simultaneamente sujeito e agente das
mudanças. Caracterizada pela velocidade dos acontecimentos e pelo intercâmbio de
natureza planetária e apresentando grande potencial de transformar relações
econômicas, sociais, políticas e culturais, as mudanças têm impacto tanto no cenário
mundial quanto no local, gerando incerteza e ambiguidade.
Em
menos
de
uma
década,
por
exemplo,
diversas
organizações
desapareceram, outras sem alternativas se transformaram adaptando-se ao novo,
bem como um número incomensurável de novas organizações foram criadas
gerando outras necessidades e formas diferentes de fazer as coisas. Essas
transformações são “amplamente reconhecidas nos sentimentos de perplexidade,
inadequação,
alienação
e
despersonalização
do
homem
contemporâneo”
(MOSCOVICI, 1975, p.13). Em resposta, surge de todas as áreas do conhecimento
o empenho para construir e atualizar significados, buscando identificar como
ocorrem essas relações nas organizações humanas e os efeitos em seus
integrantes.
Com o surgimento da terceira onda, a vida do homem contemporâneo já não
encontra solução nos fundamentos teóricos disponíveis, apesar de serem muitas as
respostas dadas para tentar resolvê-los. A esse fenômeno de mudança Thomas
Kuhn (1995, p.225) denominou de mudança de paradigma científico que consiste no
declínio de “uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos
22
membros de uma comunidade científica” e que são utilizadas por essa comunidade
para definir problemas e soluções legítimos. Em termos cognitivos, ocorre uma
defasagem entre o modelo mental das pessoas, com suas experiências, história e
aprendizados e um novo modelo mental que passa a ser necessário, mas ainda não
foi desenvolvido.
Para substituir o que estava estabelecido vem a crise, tudo passa a ser
questionado e já não existe consenso. A intensidade dessas crises tem dimensões
revolucionárias, caracterizadas por uma ruptura com o velho e a ausência do novo
que precisa ser construído. É um período no “qual se vive sem contar mais com o
que o passado pode ensinar nem com o que o futuro pode nos oferecer”
(ZAJDSZNAJDER, 1994, p.133).
A crise científica, apesar de sua dimensão e impacto sobre a ciência,
representa apenas uma parte de uma crise cultural de proporções ainda mais
amplas, afirma Capra (1996, p.25) se inspirando-se em Kuhn para construir o
conceito de Paradigma Social.
[...] paradigma social [...] é uma constelação de concepções, de
valores, de percepções e práticas compartilhadas por uma
comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a
qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza.
A crise decorre do rompimento com o paradigma que estava estabelecido
provocando muita insatisfação, sinalizando a necessidade de renovar. A dificuldade,
porém, está em transformar ideias cristalizadas que foram acunhadas no convívio
com a cultura e baseadas numa visão de mundo fragmentada em um novo modelo
de pensar a realidade e os fenômenos. Essas mudanças põem o homem diante de
uma realidade estranha e inesperada, exigindo um extremo esforço para apreender
a nova concepção, com implicações cognitivas, afetivas e existenciais na sua vida.
Portanto, o cenário contemporâneo, complexo e plural, demanda revisão de
valores e construção de novos aprendizados. Esses valores são categorias que
nascem no seio de uma determinada sociedade como pressupostos profundamente
23
arraigados, que influenciam nas percepções e na forma de agir das pessoas. Muitos
deles não estão disponíveis à consciência, porém são tão ativos em guiar escolhas
como outros racionalmente processados. Esses pensamentos cristalizados podem
facilitar ou dificultar as mudanças; eles derivam da percepção de mundo dentro de
uma determinada cultura e de uma determinada sociedade, passando a comandar o
comportamento, as preferências e as escolhas das pessoas. Para Segre e Cohen
(1995, p.19) “os valores podem expressar os sentimentos e os propósitos de nossas
vidas, tornando-se muitas vezes a base de nossas lutas e de nossos
compromissos”.
Na premissa cartesiana, os valores humanos estão separados da ciência na
pretensão de garantir completa isenção entre o pesquisador, a observação e a
análise dos fenômenos. A separação entre valores e ações não é factível por sua
estreita interdependência; elas são indissociáveis e não podem ser percebidas como
separadas do agir. Os valores presentes no indivíduo e em uma determinada
sociedade funcionam como uma bússola apontando a direção que influencia as
decisões, apresentando tendência nas escolhas dos comportamentos.
Capra (1996, p.27) classificou essas tendências de comportamento em duas
grandes categorias – as tendências autoafirmativas e as tendências integrativas.
Segundo o autor, elas são “aspectos essenciais de todos os sistemas vivos e
nenhuma delas é, intrinsecamente, boa ou má.” A presença das duas tendências de
forma simultânea proporciona o equilíbrio dinâmico ao modelo do ecossistema,
entretanto o desequilíbrio decorrente da ênfase excessiva em uma delas em
detrimento da outra pode ser bastante insalubre e mau.
O pensamento autoafirmativo é racional, analítico, reducionista e
linear, e é caracterizado por valores de expansão, competição,
quantitativo e dominador. Em contrapartida, o pensamento
integrativo é intuitivo, sintético, holístico e não linear, e seus valores
são a conservação, a cooperação, a qualidade e a parceria.
(CAPRA, 1996, p.28)
A sociedade patriarcal, afirma Capra (1996, p.28) é um bom exemplo do
desequilíbrio promovido pela utilização dos valores autoafirmativos de forma
exacerbada, com direitos garantidos e recompensas políticas e econômicas. O
poder exercido é o de dominação e controle, com estruturas sociais hierárquicas, da
24
família às grandes organizações. A posição nessa hierarquia começa a fazer parte
da identidade das pessoas que tentarão preservá-la e ficarão inseguranças e com
medo do desconhecido diante de qualquer ameaça de perdê-la.
Esse modelo de estrutura social torna-se inadequada para as complexas
relações do mundo atual, onde a informação foi democratizada, favorecendo um
modelo de relação mais horizontal. Para o autor, a estrutura ideal para exercer esse
tipo de poder não é a hierárquica, mas a rede onde os valores preponderantes são
os integradores e onde o exercício do poder é de “influência sobre os outros”,
através do exercício da cooperação, da parceria e do intenso intercâmbio.
A existência social e suas segmentações no mundo pós-moderno
dependem de nossa conexão em uma determinada rede. Existem
inúmeras redes e estas, por sua vez, resultam de uma rede
intrincada de relações [...] e seu estudo faz parte da chamada
"ciência da rede". (SIQUEIRA, 2004, p.1)
Passamos agora a esclarecer sobre a concepção dessas redes sociais de
cooperação, considerando como surgem, funcionam e como estão estruturadas no
mundo contemporâneo. Procuraremos, sempre que possível associar esses
fundamentos ao tema da saúde e educação, aproximando- nos do objetivo deste
estudo de caso.
1.2 O pensamento sistêmico e o pensamento complexo
As redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e
instituições de uma forma democrática e participativa em torno de
objetivos e/ou temáticas comuns. (MACHÍN e CHAGAS, 2008, p.19)
A crise que levou ao desequilíbrio e à incerteza, e, no ciclo histórico da
humanidade, impulsionou o homem a buscar novas alternativas para seus
problemas, tem nas teorias do pensamento sistêmico de autores como Fritjof Capra
e na teoria da complexidade de Edgar Morin possibilidades de respostas. Essas
teorias, ora tratadas como sinônimos, ora vistas como distintas e complementares,
25
despontam como referências e modelos de aprendizagem para o mundo pósmoderno. Na base de seus pressupostos, está a compreensão de que o
pensamento que fracionou a realidade para entendê–la funciona como inibidor na
percepção das conexões e contexto dos fenômenos. O aprendizado nessa
perspectiva mecanicista ocorre através de experiências apresentadas de maneira
reduzida, separada e sequencial e, como são iniciadas a partir de uma fase muito
tenra do desenvolvimento humano, ficam acunhadas como modelo e padrão de
organização da apreensão do mundo.
A perspectiva do pensamento sistêmico tem como metáfora os seres vivos
que não podem ser entendidos pela análise, contrapondo-se ao pensamento linear,
onde a perspectiva é extremamente reducionista, analítica e mecanicista,
proporcionando uma visão parcial dos fenômenos, porque seu foco é especializado
no estudo das partes. A metáfora do pensamento mecanicista é a máquina, onde o
todo pode ser entendido inteiramente a partir das propriedades das partes.
O pensamento que prevalece no mundo atual é decorrente do paradigma
cartesiano, e substituí-lo por uma outra forma de pensamento é uma tarefa que
precisará ser desenvolvida. Segundo Capra (1996), para construir o pensamento
sistêmico como condição principal para lidar com a complexidade dos fenômenos do
nosso mundo pós-moderno, passa-se pelo entendimento de suas principais
características, conforme passamos a descrever de acordo com o autor:
1. O pensamento sistêmico é uma nova maneira de pensar em termos
de conexidade, relações e contexto. Para esse pensamento, todo
sistema é composto de diversos subsistemas que se relacionam,
estão interligados e são interdependentes.
2. O pensamento sistêmico ou holístico concebe que o todo é mais do
que a soma das partes, e que tem qualidades próprias que somente
emergem quando um sistema se constitui. Ao ser fracionado, esse
todo perde as propriedades que nenhuma das partes possui em
separado, muito embora possamos discernir partes individuais em
qualquer sistema; essas partes não estão isoladas.
26
3. A visão sistêmica percebe as conexões entre os fenômenos
vinculados num contexto, sendo a conexidade uma qualidade
fundamental do pensamento complexo.
4. Quando o foco da atenção fica voltado para uma parte da estrutura
do processo, a visão global das mudanças ocorridas fica
comprometida, possibilitando apenas perceber partes isoladas, e as
alternativas de respostas se tornam limitadas.
Descobertas e teorias do início do século XX demonstram a busca de uma
nova perspectiva na comunidade acadêmica mundial. Podemos citar o surgimento
na Alemanha, em 1910, de um movimento em protesto aos fundamentos da
psicologia clássica e à ciência como um todo - os psicólogos da Gestalt, segundo
Heidbreder (1981). Para a autora, eles estariam se opondo a uma poderosa tradição
acadêmica, exigindo uma completa revisão da psicologia e dos próprios
fundamentos da ciência que procuravam explicar os fenômenos em função dos
elementos e de suas combinações.
Ainda, segundo Heidbreder(1981), Max Wertheimer, participante desse
movimento, demonstra em seus estudos que os seres vivos apreendem padrões
perceptuais integrados. O cientista estava impressionado pelo fato de que as
explicações comuns não faziam justiça aos dados psicológicos na maneira em que
são percebidos e que não levavam em conta a simplicidade, a inteireza, a desunião
e a fluidez da experiência imediata.
A autora descreve também, que para esses teóricos alemães, nenhuma
experiência real é apresentada como um conjunto de elementos ou como uma soma
de partes. A percepção mostra um caráter de totalidade, uma forma, uma Gestalt, a
qual é destruída na própria tentativa de ser analisada. Segundo essa teoria, começar
pelos elementos é começar pelo lado errado, porque os elementos são resultantes
da reflexão e da abstração, remotamente derivados da experiência imediata que se
lhes pede para explicar. A psicologia da Gestalt tenta remontar à percepção
ingênua, à experiência imediata “não corrompida pela aprendizagem” e insiste em
27
encontrar aí não uma montagem de elementos, mas conjuntos unificados; árvores,
nuvens e céu, em vez de massas de sensações.
A palavra alemã Gestalt significa um todo e, na concepção teórica em
questão, esse “todo” não é apenas a soma de suas partes. A Gestalt não pode ser
imaginada como uma composição de elementos, declaração essa que os
gestaltistas procuraram imediatamente provar pela evidência experimental. Toda a
matéria da psicologia foi arrastada por esse movimento, e exigiu uma revisão
completa dos princípios fundamentais da ciência, expandindo seus princípios até as
ciências físicas.
De acordo com Capra (1996), outra importante e decisiva descoberta da
década de 1920 ocorre na física no nível subatômico, demonstrando a natureza
dinâmica da matéria, revelando que não existem partículas ou blocos sólidos
isolados, mas feixes dinâmicos de energia, ou seja, processos intensos de
conexões. Essas descobertas modificaram pressupostos cristalizados da física
clássica, que acreditava até então, que todos os objetos físicos podiam ser definidos
até a menor partícula sólida. A Física Quântica, em contraponto, traz uma
perspectiva do mundo como uma complexa teia de relações dinâmicas
caracterizadoras dos mais diferentes processos de um todo unificado. A Física
Quântica substitui o pressuposto de partículas básicas por princípios de
organizações básicos.
Esses fundamentos contribuíram para a construção da perspectiva sistêmica.
Portanto, pensar de maneira sistêmica é apreender a complexidade das relações
entre os elementos que formam o todo, apreendendo-os com suas características de
interatividade e interdependência.
[...] se existe um pensamento complexo, este não será um
pensamento capaz de abrir todas as portas (como essas chaves que
abrem caixas-forte ou automóveis), mas um pensamento onde
estará sempre a dificuldade, (MORIN, 1996, p. 274).
Outra contribuição teórica mais recente traz uma contribuição significativa
para categorizar o pensamento sistêmico ou pensamento complexo. Morin (2000)
28
organiza
as
propriedades
interdependentes
e
do
pensamento
complementares,
complexo
em
sete
princípios
apresentando-os
como
diretivas
para
compreender os processos cognitivos do referido pensamento:
1 - O Princípio Sistêmico ou Organizacional – essa complexidade considera
que nada está isolado no Universo e que tudo está em relação. Considera que no
pensamento complexo há simultaneamente dificuldades empíricas e dificuldades
lógicas.
2 – O Princípio Hologrâmico põe em evidência esse aparente paradoxo das
organizações complexas, em que não apenas a parte está no todo como o todo está
escrito na parte. [...] a totalidade da história do cosmos está em nós, que somos, não
obstante, uma parte pequena, ínfima, perdida no cosmo. E sem dúvida somos
singulares, posto que o princípio “O todo está na parte” não significa que a parte seja
um reflexo puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua
individualidade, mas, de algum modo, contém o todo.
3 - O Princípio do Circuito Retroativo, introduzido por Nobert Wiener, permite
o conhecimento dos processos autorreguladores. Ele rompe com o princípio da
causalidade linear: a causa age sobre o efeito, e o efeito age sobre a causa. A
homeostasia de um organismo vivo é um conjunto de processos reguladores
baseados em múltiplas retroações. O círculo de retroação ou feedback tanto permite
reduzir o desvio e, assim, estabilizar um sistema, como pode ser um mecanismo
amplificador. Inflacionárias ou estabilizadoras são incontáveis as retroações nos
fenômenos econômicos sociais, políticos ou psicológicos.
4 - O Princípio do Circuito Recursivo é outra propriedade que tem formato
circular, desencadeando um processo dialético - onde estamos, todos nós, inseridos
num circuito em que os produtos e os efeitos são eles mesmos, produtores e
causadores daquilo que os produz.
[...] numa máquina, as partes apenas existem uma para outra, no
sentido de suportar a outra no âmbito de um todo funcional. Num
organismo as partes também existem por meio uma de cada outra, no
sentido de produzirem uma a outra (KANT apud CAPRA, 1996, p.36)
29
Somos os produtos de um sistema de produção que só se reproduz se nós
mesmos nos tornarmos produtores com o acasalamento. Os indivíduos humanos
produzem a sociedade nas interações e pelas interações, mas a sociedade, à
medida que emerge, produz a humanidade desses indivíduos, fornecendo-lhes a
linguagem e a cultura.
5 - O Princípio da Autonomia/Dependência (auto-organização): os seres vivos
são seres auto-organizadores, que não param de se autoproduzir e, por isso
mesmo, despendem energia para manter sua autonomia. Como têm necessidade de
retirar energia, informação e organização de seu meio ambiente, sua autonomia é
inseparável dessa dependência. É por isso que precisam ser concebidos como
seres autoeco-organizadores.
Esse princípio vale especificamente, é obvio, para os humanos – que
desenvolvem sua autonomia na dependência de sua cultura – e para as sociedades
- que se desenvolvem na dependência de seu meio geológico. Um aspecto chave da
autoeco-organização viva é que ela se regenera permanentemente a partir da morte
de suas células, segundo a fórmula de Heráclito, “viver de morte, morrer de vida”; e
as ideias antagônicas de morte e vida são, ao mesmo tempo, complementares e
antagônicas.
É essa dialógica de ordem e desordem que produz todas as organizações
existentes no Universo. Devemos, pois, trabalhar com a desordem e a incerteza, e
damo-nos conta de que o pensamento que enfrenta a desordem e a incerteza é o
verdadeiro pensamento.
6 - O Princípio Dialógico acaba justamente de ser ilustrado pela fórmula de
Heráclito.
Ele
une
dois
princípios
ou
noções
que
deveriam
excluir-se
reciprocamente, mas são indissociáveis em uma mesma realidade. Deve-se
conceber uma dialógica ordem/desordem/organização, desde o nascimento do
Universo: a partir de uma agitação calorífica (desordem), onde, em certas condições
(encontros aleatórios), princípios de ordem vão permitir a constituição de núcleos,
átomos, galáxias e estrelas. Sob as mais diversas formas, a dialógica entre a ordem,
30
a desordem e a organização, via inúmeras inter-retroações, está constantemente em
ação nos mundos físico, biológico e humano.
A dialógica permite assumir racionalmente a inseparabilidade de noções
contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo. Niels Bohn, por
exemplo, reconheceu a necessidade de conceber partículas físicas como
corpúsculos e como ondas, ao mesmo tempo. De um certo ponto de vista, os
indivíduos, na medida em que desaparecem, são como corpúsculos autônomos:
dentro das duas continuidades que são a espécie e a sociedade - , o individuo
desaparece quando se consideram a espécie e a sociedade -, e a espécie e a
sociedade desaparecem quando se considera o indivíduo. O pensamento deve
assumir dialogicamente os dois termos, que tendem a excluir um ao outro.
7 - O Princípio da Reintrodução do Conhecimento em todo o Conhecimento
realiza a restauração do tema e revela o problema cognitivo central: da percepção à
teoria científica, todo o conhecimento é uma reconstrução/tradução por um
espírito/inteligência em uma cultura e em um tempo determinado.
O pensamento complexo, na concepção de Morin (1996, p.277), articula os
princípios de ordem e de desordem, de separação e de junção, de autonomia e de
dependência que estão em dialógica (complementares, concorrentes e antagônicos),
no seio do universo. Em suma, o pensamento complexo não é o contrário do
pensamento simplificador; ele o integra.
Em decorrência dessas mudanças paradigmáticas ocorre o surgimento
natural de outras formas de organização social, que expressam as transformações
de pensamento e de necessidades do homem contemporâneo. As novas formas de
organização social substituíram as relações hierárquicas, de formato piramidal, por
redes.
1.3
As organizações sociais em rede de cooperação
[...] o desempenho de determinada rede dependerá de dois de seus
atributos fundamentais: conectividade, ou seja a capacidade
estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre seus
componentes; coerência, isto é, a medida em que há interesses
31
compartilhados entre os objetivos da rede e de seus componentes
(CASTELLS, 2009, p.232)
As organizações sociais em rede são estruturas dinâmicas onde os diversos
nodos 2 que a constituem estão conectados entre si. Como todo sistema orgânico as
redes são sistemas abertos que extraem continuamente do ambiente a energia de
que precisam para sobreviver. Contribuiu para essa concepção a teoria geral dos
sistemas elaborada por Bertalanffy apud Capra (1996, p.51) que classifica os
sistemas em fechados ou abertos. Ao contrário do sistema fechado, que se
estabelece num estado de equilíbrio e não de troca com o ambiente externo, o
sistema aberto sofre interferência do meio e o influencia com suas ações. Essa
dinâmica de intercâmbio entre um sistema e o ambiente externo apresenta uma
dinâmica circular de entradas de dados, processamento e saída das informações e
retroalimentação, adquirindo um caráter de dinamismo, relação, troca e movimento
quando se trata das conexões entre redes.
“As redes são e serão os componentes fundamentais das organizações”
(CASTELLS, 2009, p.225), possibilitando maior articulação e intercâmbio entre seus
processos internos e externos. Portanto, enquanto sistema aberto, as organizações
sociais em rede apresentam propriedades de contexto, conexão e relação como
todos os sistemas abertos que se conectam a outros sistemas, formando redes
dentro de redes, sem escalonamento ou grau de prioridade.
Essa perspectiva da inexistência de níveis de importância é extensiva também
aos nodos, possibilitando relações menos hierárquicas, traço que as difere de um
modelo de estrutura piramidal. 3 Numa rede, afirma Capra (1996), os nodos de sua
estrutura estão conectados entre si de maneira interdependente e horizontal e
formam um conjunto de vínculos que é a sua principal característica e não a
quantidade de nodos que ela possui.
2
nodo é um ponto de interseção entre feixes de intercâmbio, foi utilizado por Capra em substituição do
termo nódulo ou nó.
3
Uma estrutura em pirâmide corresponde ao que seu próprio nome indica: as pessoas ou entidades
se organizam em níveis hierárquicos, que se superpõem cada nível compreendendo menos
integrantes do que o nível que lhe é inferior. Para maiores informações ver Whitaker (1993, p.1)
32
Como decorrência dessa propriedade, uma estrutura social em rede de
cooperação precisa ser estudada pela identificação dos padrões de ligações
estabelecidos entre seus nodos. Para Capra (1996), as redes não são estruturas
estáticas; são estruturas dinâmicas, sua forma é mutante e, para entendê-la, é
preciso identificar como foi construída e o que mantém seu padrão de interação.
As teias, redes e nodos são estruturas consideradas complexas. Tomemos
como exemplo determinada organização que integra uma rede. Ela funciona como
uma parte hologrâmica dessa rede – apresenta o mesmo padrão de interação entre
suas unidades, numa relação mais horizontal de trabalho e tomada de decisão em
equipe, próprias dos sistemas abertos. Suas unidades Interagem constantemente no
processo circular de entrada-processamento-saída-retroalimentação entre seus
componentes e grupos, gerando aprendizagem. Um nodo enquanto unidade
funciona com os mesmos princípios de conectividade, relação e contexto da
estrutura maior – a rede.
De acordo com Senge (1998, p.40), os vínculos estabelecidos entre os nodos
de uma rede estão “amarrados por fios invisíveis de ações inter-relacionadas, que
levam anos para desenvolverem plenamente os efeitos que uma exerce sobre a
outra”. Essas estruturas em rede se conectam a outras redes, formando as teias,
que são redes dentro de redes.
Esses subsistemas de uma rede nunca estão parados no tempo e no espaço,
estando sempre em transformação. Sua natureza dinâmica interage constantemente
com o ambiente, e seu processo de planejamento é também circular – planeja,
implementa mudanças, acompanha e avalia, numa perspectiva de crescimento em
formato de espiral, - circula, mas agrega conhecimento, portanto retorna em outro
nível num processo contínuo de aprendizagem.
Para a Egger (2007), esse processo funcional, próprios dos sistemas
dinâmicos e complexos, torna a estrutura em rede menos controlável do que
qualquer outra organização, e seus resultados nem sempre são os esperados. A
história das redes e de seus membros, suas experiências e seus conhecimentos,
33
bem como o ambiente onde se inserem, são elementos que influenciam tanto o seu
estabelecimento quanto o seu gerenciamento.
1.3.1 Tipos de redes sociais de cooperação
Dessa forma a rede é uma comunidade de cooperação e
conhecimento, onde a “aprendizagem em equipe” tornou-se vital,
pois as equipes [...] “são a unidade de aprendizagem fundamental
nas organizações modernas. Esse é o ponto crucial: se as equipes
não tiveram capacidade de aprender, a organização não a terá.
(SENGE, 1998, p.44).
A rede é uma prática antiga das sociedades humanas, e seu funcionamento
independe do meio de comunicação empregado, seja ele telégrafo, telefone, telex,
rádio, televisão, fax ou a rede mundial de computadores ou internet 4 . Muitas vezes,
perdendo sua dimensão mais abrangente, o conceito de rede é associado à rede
mundial de computadores, sendo tratado como sinônimo desse veículo de
comunicação, justificável por ser um instrumento com imensa e inesgotável
possibilidade de formação de conexões.
Encontramos na literatura várias classificações dos tipos de redes sociais e a
partir delas organizamos uma categorização composta de cinco conceitos apenas,
por estarem mais próximos de nosso estudo de caso: redes temáticas, redes sociais
e redes formais (Comunidades de prática e Redes formais de políticas)
1 - Redes temáticas
Apesar de entendermos que toda rede se organiza ao redor de um tema, seja
ele mais abrangente ou mais definido, adotamos também essa classificação pela
sua ampla utilização nos textos sobre redes. A Rede de Informações para o Terceiro
Setor (RITS, 2008) define redes temáticas, como aquelas que se organizam em
4
internet – rede remota internacional de computadores, descentralizada e de acesso público, que
proporciona transferência de arquivos e dados, juntamente com funções de correio eletrônico, para
milhões de usuários ao redor do mundo. (MICHAELIS, 2008, p.:481).
34
torno de um tema, segmento ou área de atuação das entidades (ou indivíduos)
participantes.
2 - Redes Sociais
Segundo Egger (2007, p.12), essa modalidade de rede forma a base na qual
as redes formais são construídas. Elas não têm “um propósito deliberadamente
definido” e se baseiam em “relações informais individuais pessoais entre
empresários ou amigos, ou entre membros de uma família maior” e é “constituída
para o benefício de todos os membros”. Normalmente, elas surgem e crescem
espontaneamente, com um processo de afiliação bem livre, “sem regras explícitas” e
“desempenham uma parte importante na administração do cotidiano privado e
profissional: elas são recreativas, podendo produzir informações, prestar assistência
em tempos de necessidade, fornecer acesso a outras pessoas ou recursos”.
3 - Redes Formais
Para Andrade (2008, p.90), quando grupos de várias instituições ou
organizações
independentes
estabelecem
acordos
com
um
propósito
ou
necessidade específica, eles estão fazendo parte de uma rede formal. Egger (2007,
p.12) esclarece que o processo de afiliação das redes formais tem caráter mais
oficial,
seus
membros,
independente
do
número,
são
representantes
de
organizações, especialistas, tomadores de decisão, uma rede como um todo. Os
integrantes dessa modalidade de rede compartilham pontos de vista, objetivos e
regras comuns e executam um conjunto de atividades comuns, como eventos
regulares.
Para o autor, uma rede formal pode até mesmo ter um formato legal. Em
comparação às comunidades de prática, as redes formais não se baseiam
unicamente nas necessidades de seus participantes, mas em realizar mudanças em
seus próprios contextos. Como o processo é de troca e relação, as redes formais
também podem produzir comunidades de prática sobre um tema ou assunto
35
específico que seja de interesse para os participantes da rede ou outros
interessados.
3.1 -
Comunidades de Práticas
Elas fazem “parte das atividades das redes formais”, onde um grupo de
pessoas se organiza “confiando umas nas outras e compartilhando um interesse
comum em uma área específica de conhecimento ou competência”. A organização
desses grupos é voluntária e muitas vezes informal, com o objetivo de “compartilhar
e desenvolver conhecimentos, resolver problemas comuns e apoiar uns aos outros
na busca de respostas”. Porém elas não devem ser confundidas com as equipes de
projeto encarregadas de uma tarefa específica e com prazo para ser realizada. As
pessoas participam de uma Comunidade de Prática pela busca do conhecimento,
porque elas têm uma necessidade real de saber, têm um propósito em comum e
valores compartilhados que mantêm o grupo unido.
3.2 - Redes formais de políticas
Essa modalidade de rede formal “envolve instituições de uma área geográfica
e seu objetivo é mobilizar a atenção política, técnica e financeira promovendo
mudanças estruturantes em um determinado contexto”, a partir da atuação nas
agendas políticas nacionais, regionais e globais. Essa modalidade de rede é
composta de uma variedade de organizações, públicas e/ou privadas e/ou
Organizações Não Governamentais (ONG), com um objetivo em comum em volta de
determinada política pública.
Para Andrade (2008, p.91), as redes formais de políticas são redes com
grande capacidade de promover “transformações sócio-políticas”, entretanto, seu
êxito implica a “construção de um profundo e sistemático processo de formação de
consensos, gerenciamento de conflitos e mobilização de atores” e, por não ser uma
tarefa fácil, demanda um maior tempo para estabelecer, por exemplo, “a construção
de consenso entre instituições de diferentes dinâmicas e natureza, como a academia
e a gestão, que buscam trabalhar em rede”.
36
Reconhecendo que a cooperação é a melhor maneira de alcançar objetivos e
superar desafios, essas redes formais de políticas identificam suas áreas de
interfaces e buscam articular e promover suas agendas, evitando a duplicação de
esforços, buscando intercambiar recursos financeiros, conhecimento, infraestrutura,
tecnologia e recursos humanos. Um exemplo de Rede Formal de Políticas é a
Central de Atendimento ao Empresário em Maceió – Central Fácil, onde oito
instituições públicas juntas realizam o processo de desburocratização e agilização
dos processos de abertura de empresas.
Podemos então considerar que a rede social de cooperação é uma tendência
e uma alternativa contemporânea de modelo de gestão, que vem transformando os
espaços de muitas organizações em ambientes favoráveis à aprendizagem coletiva.
Com a imensa capacidade de promover alianças, as redes integram e democratizam
informações, transformando-as em conhecimento, ações, convergência de agendas
que integram governo, setor privado, sociedade civil, ONG, organizações
internacionais e multilaterais, sem, entretanto provocar a perda da autonomia”.
Machín
e
Chagas
(2008,
p.20)
consideram
fatores
limitantes
ao
funcionamento de qualquer rede social as excessivas expectativas de resultados
imediatos, sem considerar o tempo de maturação e crescimento. Consideram
também limitante a demasiada importância dada aos controles, ao excesso de
estruturação e a formalidade e a tentativa de regulamentar a participação. Para eles,
quando isso ocorre, inviabiliza o funcionamento porque rompe com a natureza
flexível das redes. Pfeiffer (2008) defende uma posição contrária porque acredita
que a informalidade pode ser responsável pela perda de informações relevantes,
quando uma rede cresce e se torna mais complexa. “O desafio de uma rede é,
portanto, encontrar o equilíbrio entre a formalidade e informalidade, entre
organização e descentralidade, entre processos sistemáticos
e
processos
espontâneos.”
Uma rede é um organismo vivo, é contextual, dinâmico e interativo, sua forma
é volátil e multidimensional. Com esse entendimento, os instrumentos e técnicas
avançadas do período industrial são utilizados numa perspectiva nova, sem o
paradigma da estrutura, controles, hierarquia e relação piramidal. O princípio
37
fundamental da Gestalt de uma rede é a auto-organizarão; portanto ela não é
anárquica, ela se movimenta dentro de um padrão, de tal forma que, ao entrar em
desequilíbrio, ele troca com o ambiente externo, liberando ou retirando a energia de
que precisa para se manter ou se transformar. As soluções encontradas para o
funcionamento da rede, caminhos, acordos, procedimentos, devem ser vistos com
um novo olhar, bem como, a utilização de instrumentos úteis e há muito validados,
ganha uma nova perspectiva de natureza aberta e horizontal.
Para a RITS (2008), sem intencionalidade, uma rede não consegue ser um
sistema vivo, mas apenas um amontoado de possibilidades (intencionalidade aqui
não possui um sentido teleológico; muito pelo contrário, significa a declaração de
suas intenções de rede). A comunicação e a interatividade se desenvolvem a partir
dos pactos e dos padrões estabelecidos em comunidade. Uma rede é uma
comunidade e, como tal, pressupõe identidades e padrões a serem acordados pelo
coletivo responsável. É a própria rede que vai gerar os padrões a partir dos quais os
envolvidos deverão conviver. É a história da comunidade e de seus contratos
sociais.
1.4 As organizações sociais em rede, como organizações de aprendizagem
[...] o trabalho em rede como um grande desafio no campo
pessoal e profissional [...]pressupõe o compartilhamento como
uma estratégia fundamental de crescimento, o que implica
transformar processos de desenvolvimento individuais em
coletivos. (VICTORIA e CHAGAS, 2008, p.101)
É propósito explícito da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) da
Organização Mundial de Saúde (OMS) (2008, p.40) ser uma “organização de
aprendizagem”, “a fim de assegurar e manter sua posição como uma fonte
autorizada de conhecimentos e informação sanitária [...]”.Isso significa, segundo
Senge (1998, p.37-38), que ela está se comprometendo, enquanto Organização de
Aprendizagem, “com a cultura de construção coletiva de conhecimentos, onde as
pessoas serão cultivadas a desenvolver suas capacidades de aprender em todos os
níveis da organização”.
38
Para uma melhor compreensão do significado da adoção dessa perspectiva Organização de Aprendizagem, estaremos, previamente, procurando diferenciar e
conceituar o emprego de palavras como informação, conhecimento e aprendizagem
pela sua larga utilização no estudo das redes. Os termos informação e
conhecimento são utilizados frequentemente como sinônimos, mas as teorias da
comunicação, as teorias que tratam da aprendizagem, gestão do conhecimento e
gestão da informação os diferenciam em seus pressupostos, atribuindo às duas
palavras níveis de saber e abstração diferenciados.
Para Miranda (1999, p.285), um dado é um conjunto de registros qualitativos
ou quantitativos conhecido, que organizado, agrupado, categorizado e padronizado,
adequadamente, transforma-se em informação. Dessa forma informação se refere
ao resultado da organização de um conjunto de dados, ou seja, do processo de
tratamento, dedução e inferências lógicas confiáveis. Enquanto conhecimento, por
sua vez, trata da intervenção do sujeito na relação com o objeto e suas
conseqüentes reflexões. O conhecimento é a compreensão das relações presentes
num determinado objeto, situação ou contexto. Para Piaget (1974, p.140), o
conhecimento não é resultado do acúmulo de informações, ele se constrói pela
interação do indivíduo com seu meio ambiente.
Muitos desses conhecimentos são decorrentes de comunidades de pessoas
que compartilham dos mesmos interesses e se comunicam em tempo real,
facilitados pelas novas tecnologias da comunicação. As possibilidades de conexão
são tantas que, segundo Banús (2006, p.11), no mundo contemporâneo, a produção
do conhecimento científico é completamente renovada a cada quatro anos. Essas
comunidades organizadas em rede “podem ser concebidas como um ambiente de
aprendizagem, como um sistema de comunicação ou como um meio de integração”.
(LUNA e VELASCO, 2006, p.15).
Mas, o que consideramos como aprendizagem?
Para a perspectiva construtivista, o pensamento está sempre em processo de
transformação, decorrente da ação do indivíduo sobre o seu meio ambiente, onde
mantém relações interativas e dialógicas. Nessa perspectiva, o mundo é percebido
39
como uma rede de “relações, interações e interdependências”, estando em contínua
movimentação e transformação. Essa dinâmica de aprendizagem tem como base “o
interesse e o prazer na produção do conhecimento”, que possibilita “a
sistematização, transmissão, construção e reconstrução do saber acumulado”.
(MORAES, 1998, p.100).
A aprendizagem ocorre através das relações estabelecidas entre os
integrantes de um processo grupal, que segundo Senge (1998, p.43) passa a ser
decisivo para o desenvolvimento intelectual dos próprios indivíduos. No contexto
social, a construção não é apenas do indivíduo; são construções coletivas, pois
também construímos o mundo balizados, controlados pela mente, pelas ideias, pelos
valores e pelas construções dos outros.
Quando a verdadeira aprendizagem acontece, existe a possibilidade de nos
recriarmos, tornando-nos capazes de fazermos o que nunca fizemos, de adquirimos
uma nova visão do mundo e da nossa relação com ele, de ampliarmos nossa
capacidade de criar, de fazermos parte do processo generativo da vida.
(SENGE,1998, p.34).
Segundo Ribeiro (2009, p.32), a aprendizagem na concepção construtivista
ocorre na construção de relações, através do seguinte ciclo: “o sujeito se depara
com o problema, levanta hipóteses, que são testadas (através de ações físicas ou
operativas/cognitivas), reelaboradas, submetidas a um novo teste, e assim
continuamente, num processo recursivo”. Para o autor, esse ciclo é permeado pelos
elementos sócio-históricos, que constituem a forma de perceber o mundo e
conceber as alternativas de soluções que o sujeito construiu durante sua vida [,,,]
[...] a inteligência é a capacidade de adaptação a situações novas e
sua função é expandir o meio para que o indivíduo sobreviva.[...] O
processo de cooperação é um fator de desenvolvimento mental, o
confronto das instituições obriga a mente a fazer autocrítica e
reajustes de opiniões e regras, levando a operacionalização do
pensamento. Portanto, todo o conhecimento está em processo de
construção e reconstrução, de criação e recriação, através da
relação do sujeito com o contexto, com a realidade, com a cultura em
cooperação. (SANTOS, 1998, p.51)
40
Para Moraes (1998, p.219), estamos diante de novos paradigmas do
conhecimento, que apontam para a “construção de ambientes de aprendizagem
alicerçados em um modelo social menos dualista, tendo como princípio básico a
responsabilidade individual e coletiva”. Uma nova concepção do homem é, portanto,
suscitada. A Era das Relações suscita “ambientes de aprendizagem, que privilegiam
a circulação de Informações, a construção do conhecimento, o desenvolvimento da
compreensão e, se possível, o alcance da sabedoria objetivada pela evolução da
consciência individual e coletiva”.
(...) Por isso, os docentes e a própria instituição escolar se
encontram diante de um desafio de construir outro marco
intercultural mais amplo e flexível que permita a integração de
valores, ideias, tradições, costumes e aspirações que assumam a
diversidade, a pluralidade, a reflexão crítica e a tolerância tanto
como a exigência de elaborar a própria identidade individual e
grupal. (GÓMEZ, 2001, p.46)
Para Moraes (1998, p.190), estando tudo interligado, interconectado, o
homem é também um fio particular dessa teia, uma parte do todo, uma estrutura em
interação com seu meio ambiente, um sistema aberto que tenta criar uma coerência
e incorporar o novo, dentro de um contexto histórico-cultural. Numa rede, a visão do
conhecimento se constitui num instrumento para a transformação do próprio
conhecimento. A rede de conhecimento pressupõe flexibilidade, plasticidade,
interatividade,
adaptabilidade,
cooperação,
parceria,
apoio
mútuo
e
auto-
organização.
[...] O conhecimento do paradigma emergente tende a ser um
conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na
superação das distinções tão familiares e óbvias que até há pouco
considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura,
natural/artificial,
vivo/inanimado,
mente/matéria,
observador/observado,
subjetivo/objetivo,
coletivo/individual,
animal/pessoa. (SANTOS, 1998, p.40)
A educação evoluiu para a compreensão de que seu processo e os dos
demais fenômenos naturais são sistemas abertos e trocam energia e matéria. A
educação, compreendida como um sistema aberto, implica a existência de
41
processos transformadores que decorrem da experiência, algo inerente a cada
sujeito e que depende da ação, da interação e da transação entre sujeito e objeto,
indivíduo e meio. Numa instituição de educação aberta, o conhecimento requer que
os processos estejam em construção e reconstrução pela ação do sujeito sobre o
meio ambiente, que ocorram trocas, relações interativas e dialógicas. Tudo é criado
gradualmente, vivenciando a valorização processo, explorando conexões, relações e
integrações.
As novas tecnologias têm nos colocado diante de possibilidades de maior
contato entre pessoas, com outras culturas e etnias, o que significa mais
convivência. Estamos interconectados pelo tempo, espaço e energia, o que exige
uma nova postura e outros valores, fortemente ligados a processo de cooperação e
conservação. As organizações sociais em rede tendo como base a relação, a
conexão e o contexto, são ambientes potenciais de aprendizagem, considerando
que podem atender às aptidões, denominadas por Senge (1998, p.390), como
“disciplinas da organização que aprende”. Diante dessa perspectiva, os ambientes
de aprendizagem são espaços construídos para favorecer o conhecimento de
pessoas e grupos mediante o desenvolvimento desses cinco conceitos, tratados
pelo autor, que passamos a apresentar:
A primeira disciplina é o Pensamento Sistêmico. Trata-se de “um quadro de
referência que foi desenvolvido ao longo dos últimos cinquenta anos, objetivando
esclarecer os padrões como um todo e ajudar-nos a modificá-los efetivamente”.
Essa disciplina integra as demais. Sem desenvolver essa disciplina, a tendência é
perceber fragmentos da realidade de que fazemos parte.
O Domínio Pessoal é caracterizado pela busca do desenvolvimento
emocional e espiritual do indivíduo. “É a disciplina que continuamente busca
esclarecer e aprofundar nossa visão pessoal, de concentrar nossas energias, de
desenvolver paciência e de ver a realidade objetivamente.” Essa segunda disciplina
é a preparação e o desenvolvimento da capacidade de o organismo manter a
homeostase, definida como a capacidade do ser humano de enfrentar os desafios,
com reposição imediata da energia desprendida.
42
A disciplina Modelos Mentais exerce influência sobre o nosso comportamento,
conflitando com as mudanças porque se choca com as aprendizagens tácitas e
poderosas. “Modelos mentais são pressupostos profundamente arraigados,
generalizações ou mesmo imagens, conscientes ou não, que influenciam nossa
forma de ver o mundo e agir.” Os espaços de aprendizagem constituídos precisam
criar possibilidades de as pessoas entrarem em contato com seus modelos e serem
desafiadas a superá-los, modificando-os para construir o novo.
O Objetivo Comum refere-se a objetivos, valores e compromissos que sejam
compartilhados em conjunto pelos membros de um grupo como um todo. O objetivo
claro e legítimo tem a capacidade de envolver as pessoas, que passam a dar o
máximo de si, porque decidem contribuir, tornado-se mais abertas a aprendizagem
do novo.
Aprendizagem em equipe é a quinta disciplina a ser desenvolvida nesses
espaços. Quando o aprendizado ocorre nas equipes, elas são capazes de
resultados extraordinários em conjunto, e seus integrantes desenvolvem-se com
maior rapidez no sentido individual. O diálogo destaca-se como a capacidade
primeiramente precisa ser cuidada e consiste em levantar ideias preconcebidas,
visando e participar de um raciocínio em grupo. A prática do diálogo leva o grupo a
reconhecer os padrões de interação que contribuem para os resultados obtidos, e
que se forem detectados, poderão facilitar a aprendizagem em equipe.
Considerando que a aprendizagem pode ser construída através da interação
e do diálogo, os ambientes de aprendizagem precisam ter formatos abertos, para
permitirem a troca. Portanto, diante dessa categorização proposta por Senge (1998),
podemos afirmar que as organizações sociais em rede de cooperação são
“organizações de aprendizagem” em potencial, visto que, são sistemas, têm objetivo
comum, favorecem o intercâmbio, portanto funcionam em equipe e podem promover
o domínio pessoal pela constante presença de retroalimentação no diálogo com
outros participantes da rede. Os membros de uma estrutura em rede de cooperação
têm enormes chances de aprender em grupo.
CAPÍTULO II - A REDE DE SAÚDE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO
BRASIL: uma abordagem sistêmica
Um dos aspectos mais desafiantes da mudança é compreender o
impacto que ela produz sobre indivíduos, grupos, organizações...
(CONNER, 1995, p.33)
A década de 80 foi palco dos anseios dos profissionais e governantes de
várias áreas, destacando-se entre elas a área da saúde, no sentido de construir uma
atenção mais justa, racionalizada e integral à maioria da população. Um marco
nessa reflexão ocorreu em 1978, com a iniciativa da OMS, realizando uma
Conferência Internacional sobre a Atenção Primária da Saúde na cidade de Alma
Ata, Cazaquistão, Rússia, onde os países representantes de todo o mundo
conclamaram a meta “Saúde para Todos no Ano 2000 e assinaram uma declaração
denominada
“Declaração
de
Alma
Ata”,
reconhecendo
universalmente
a
necessidade de uma mudança no paradigma da saúde pública e convocando a
comunidade mundial a apoiar o compromisso com os cuidados primários, através da
construção de sistemas integrados, funcionais e mutuamente apoiadas. Naquela
ocasião, chegou-se ao consenso de que a “promoção e proteção da saúde dos
povos são essenciais para o contínuo desenvolvimento econômico e social e,
consequentemente, condição única para a melhoria da qualidade de vida dos
homens e para a paz mundial”. É importante assinalar que o Brasil não esteve
presente em Alma Ata.
De forma heterogênea, segundo as diferentes conjunturas
socioeconômicas e políticas de cada país, a partir dos anos 1980 se
iniciam processos de reforma do setor da saúde em vários países. As
reformas se desenvolvem por meio de diferentes modelos e
estratégias, desde medidas administrativas até mudanças
constitucionais. As reformas mais profundas foram construídas, como
no caso do Brasil, por intermédio de debates e iniciativas da
sociedade civil organizada. (PAGLIOSA e DA ROS,, 2008, p.497).
44
Por ocasião da chegada do ano 2000, com a necessidade de construir novos
consensos e promover alianças globais e regionais tendentes a contribuir com o
fortalecimento dos sistemas de saúde, foi realizada uma Reunião de Cúpula
Mundial, promovida pelas Organização das Nações Unidas (ONU) , assegurando o
cumprimento de objetivos para o ano 2015 conhecidos como “As Metas do Milênio”.
Em decorrência dessas metas, os países do MERCOSUL celebram um acordo em
2007 na Conferência Internacional de Saúde para o Desenvolvimento: direitos, feitos
e realidades – Buenos Aires: de Alma Ata à declaração do milênio, cujo principal
objetivo é precisamente realizar e propiciar os consensos e promover as alianças
mencionadas para 2015.
Esses acordos demonstram as intenções sobre a saúde da população, no
cenário de reflexão mundial. O Brasil, no mesmo período histórico, vive o processo
de transição do regime militar para o início de um processo de democratização,
marcado por problemas sociais fortemente agravados pela crescente disparidade
econômica da população. As questões referentes à saúde da população tomam
destaque, associando a elas o debate sobre a qualidade do ensino nessa área do
conhecimento.
Segundo Almeida (1999, p.123–132) os dilemas do “ensino médico fazem
parte das preocupações dos organismos internacionais, não sendo uma realidade
somente brasileira”. Na década de 80, “o Brasil e os outros países da América Latina
constituem cenário de importantes acontecimentos e processos, sobre educação
médica”, dentre eles: a) estudos de avaliação da proposta Integração Docente
Assistencial (IDA), com ênfase para o realizado pela Federação Pan-Americana de
Faculdades e Escolas de Medicina (FEPAFEM/OPS/Kellogg); b) aplicação de uma
nova proposta, desenvolvida pela OPAS, denominada Análise Prospectiva das
Profissões de Saúde; c) convocação, pela União das Universidades da América
Latina (UDUAL), de uma Conferência Integrada de Ciências da Saúde e a realização
de debates preparatórios.
O debate sobre essa realidade social e o debate em torno da democratização
da saúde, bem como a melhoria na formação profissional, vinham sendo
45
aprofundados e amadurecidos, há “quase duas décadas pelo chamado "movimento
sanitário" formado por profissionais da área, sindicatos, instituições de ensino,
movimentos de base, enfim, pela sociedade civil organizada. Essa movimentação
social e política culminou com a bandeira de consenso “Saúde, Direito do Cidadão e
Dever do Estado”, aglutinando mais de 4000 representantes da sociedade civil e do
governo na histórica 8ª Conferência Brasileira de Saúde de 1986 realizada em
Brasília, com a coordenação do Ministério da Saúde, dados registrados no
documento do Projeto Pedagógico Global - PPG/UFAL (1991, p.60). Nessa
conferência foi elaborado um conjunto de princípios e diretrizes extraídos não da
prática corrente e hegemônica, mas propondo uma nova lógica organizacional que
veio a se tornar a principal fonte para as formulações do texto constitucional de
1988,
quando surge um sistema único e descentralizado de saúde (SUDS), de
acordo com Pinheiro, Westphal e Akerman (2005).
O manifesto de Alma Ata integra conceitos antagônicos em que saúde e
doença constituem estados de um mesmo processo, numa perspectiva dialógica que
permite a convivência e a “inseparabilidade de noções contraditórias” (ALMEIDA,
CASTRO e VIEIRA, 1998, p.12), diante do mesmo fenômeno complexo. Dessa
forma, o nível de atenção primária se propõe a “integrar os fatores biológicos,
psicológicos e sociais” (DE MARCO, 2006, p.64), como partes de um todo, onde a
compreensão da saúde e da doença não pode ser dissecada para serem
compreendidas. As condições presentes na vida do cidadão são identificadas para o
planejamento de uma assistência que considera a cultura e os níveis de
necessidades.
A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma
abordagem técnica da saúde, na qual a doença é reduzida a uma
avaria mecânica, e a terapia médica, à manipulação técnica. Em
muitos casos, essa abordagem foi bem-sucedida. A ciência e a
tecnologia médicas desenvolveram métodos altamente sofisticados
para remover ou consertar diversas partes do corpo (KOIFMAN,
2001, p.54)..
Os sucessivos eventos sobre o tema da saúde que marcaram as décadas de
70 e 80 exerceram o papel de gerar conhecimento, capazes de serem
transformados em políticas públicas, com base na cooperação. As alianças e pactos
46
entre governos pretendiam transformar o modelo de assistência à saúde praticado
até então, numa nova perspectiva de trabalho integrado e sistêmico. Outra
demonstração do pensamento sistêmico é a compreensão de que os fenômenos
não estão isolados; os problemas de uma região afetam o planeta como um todo,
portanto a questão da saúde é vista como um padrão de relações interligadas:“ [...]
saúde dos povos [...] qualidade de vida e paz mundial” (Declaração de Alma Ata).
2.1 A Constituição de 1988 e a Rede de Saúde
[...] a Constituição de 1988 [...] não foi uma outorga. Foi fruto de
lobbies, de diferentes tendências e setores organizados da
sociedade civil e política [...]. Geraram e demarcaram novos espaços
e novas formas de agir dos grupos organizados. (GOHN, 2001, p.99)
A Constituição Brasileira de 1988 completou vinte anos. É também chamada
de “Constituição Cidadã”, título que lhe é atribuído pelos avanços sociais expressos
em seu texto, como resultado das negociações e pressões da sociedade civil
organizada, a qual participou ativamente durante o processo da constituinte. Num
período de transposição de um cenário político autoritário para a retomada da
democracia, vale ressaltar que a concepção de constituinte proposta pelo governo
de transição, ainda sob a forte influência de um modelo autoritário, controlador e
hierárquico, não refletia nenhuma intenção prévia de participação direta. Um grupo
de notáveis daria conta do recado, representaria os interesses dos brasileiros, os
quais, provavelmente, ainda não tinham sido preparados para contribuir, segundo
Fávero (2001, p.284).
A história, entretanto, relata a participação intensa do povo brasileiro, através
das mais diversas estratégias de pressão exercidas durante a Constituinte documentos e projetos foram entregues às bancadas, às lideranças e aos grupos de
trabalhos; visitas sistematizadas de determinado grupo social aos representantes
das comissões temáticas de seu interesse, num “corpo a corpo” de influência
habilmente articulada. Em virtude dessa movimentação surgiram novos espaços de
debates entre grupos originários de todas as regiões do País. Portanto o processo
47
fechado definido para a construção da nova Lei Magna do País foi na prática
transformado em palco ampliado de participação social.
Esses movimentos e associações populares, que surgiram nos anos 80,
imbuídos de restaurar a democracia no País, conseguiram aprender num ambiente
hostil, e transformar o restrito território da constituinte num espaço de mudanças.
Dessa forma, a Constituição de 1988, para Gohn (2001, p.8), traz, em seu bojo,
avanços nos direitos coletivos e sociais, apesar da distância entre sua concepção e
sua efetiva garantia. Esse o arranjo legal, que será gradativamente regulamentado,
pela primeira vez coloca à disposição do indivíduo mecanismos jurídicos
correspondentes a esses direitos.
A assimilação desses direitos deve-se, em parte, à mobilização
popular que punha esperanças renovadas em uma constituição
democrática e aberta a sua participação. Inovando em relação a
qualquer outro processo já havido [...]. (FÁVERO, 2001, p.22)
Ao analisarmos o texto constitucional, no que se refere à área da saúde,
verificamos a tradução dessa mobilização interna da nação e os debates gerados
em torno do tema. Considerando o cenário da época, o texto é bastante avançado e
garante, o direito de todos os brasileiros à saúde, deixando de existir a categoria de
“indigentes” que eram os brasileiros não incluídos no mercado formal de trabalho. As
conquistas eram tão audaciosas e distantes da realidade vivida pelos brasileiros que
o pessimismo e ironia estavam presentes nos discursos dos críticos de todo o Brasil,
que se reportavam aos constituintes como visionários ao terem construído algo
utópico, impossível de ser alcançado. Diz o texto magno:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 196)
Dessa forma passa a ser dever do Estado Brasileiro zelar pela saúde de toda
a população. Em consequência, o desafio, a partir de então, seria o planejamento e
a consolidação da proposta de um novo modelo de gestão da saúde pública para o
país. A estratégia adotada em primeiro lugar foi a de reunir todos os esforços de
48
assistência à população, dispersos nas três instâncias de governo - federal, estadual
e municipal - numa única rede de atuação conjunta, integrada e interdependente.
Estava, portanto, criado o SUS, o qual incluía todas as ações e serviços de saúde
realizados pelos diversos órgãos da Administração direta e indireta dos governos,
pelas fundações mantidas pelo Poder Público, bem como, pela iniciativa privada, em
caráter complementar, conforme reza a Lei Orgânica da Saúde ( LOAS, 1990, Art.
4º).
O SUS, ao ser oficializado como um sistema, traz na sua concepção a
perspectiva de uma rede integrada, regionalizada e hierarquizada de ações e
serviços
públicos
de
saúde.
Tem
ainda
a
perspectiva
de
uma
gestão
descentralizada, com uma direção única em cada esfera do governo e a participação
ativa da comunidade na gestão através dos Conselhos de Saúde. É de sua
competência assegurar à população o atendimento integral com prioridade para as
atividades preventivas conforme a Constituição Federal (1988, art. 198) devendo ser
financiado, segundo o artigo 195, dessa Constituição, através de recursos da
seguridade social, ficando, entretanto, indefinido o percentual orçamentário a ser
disponibilizado para esse fim.
O SUS começa estabelecendo princípios claros que servirão de direção às
ações da rede de saúde como um todo. Tais princípios buscam refletir os valores de
“conservação, cooperação, qualidade e a parceria” (CAPRA, 1996, p.28), próprios
do pensamento integrativo que estão expressos na Lei Orgânica de Saúde, 1990,
com base no art.198 da Constituição Federal de 1988.
Eis os princípios estabelecidos:
1. Princípios ideológicos ou doutrinários:
Universalidade - A saúde é reconhecida como um direito fundamental do ser
humano, cabendo ao Estado garantir as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício e o acesso a atenção e assistência à saúde em todos os níveis de
complexidade.
49
Equidade - É um princípio de justiça social porque busca diminuir desigualdades, o
que significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde há maior
carência;
Integralidade - Significa a garantia do fornecimento de um conjunto articulado e
contínuo de ações e serviços preventivos, curativos e coletivos, exigidos em cada
caso para todos os níveis de complexidade de assistência. Engloba ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde.
2.
Princípios Organizacionais:
Descentralização e comando único - Um único gestor responde por toda a rede
assistencial na sua área de abrangência, conduzindo a negociação com os
prestadores e assumindo o comando das políticas de saúde;
Resolutividade - É a capacidade de dar uma solução aos problemas do usuário do
serviço de saúde de forma adequada, no local mais próximo de sua residência ou
encaminhando-o para onde possam ser atendidas, suas necessidades, conforme o
nível de complexidade;
Regionalização e hierarquização - A regionalização é a aplicação do princípio da
territorialidade, com foco na busca de uma lógica sistêmica, evitando a atomização
dos sistemas locais de saúde, enquanto a hierarquização é a expressão dessa
lógica, buscando, entre outros objetivos, a economia de escala;
Participação popular - Como forma de garantir a efetividade das políticas públicas de
saúde e como via de exercício do controle social, é preciso criar canais de
participação popular na gestão do SUS, em todas as esferas - municipal, estadual e
federal.
Esse último princípio é traduzido na prática através da formação dos
Conselhos de Saúde que passam a representar um importante instrumento de
gestão e participação da sociedade na “proposição de estratégias, controle da
execução das políticas de Saúde, inclusive em seus aspectos econômicos e
financeiros”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Formados por “representantes do
50
governo, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e usuários, sendo a
representação dos usuários paritária (50%) em relação ao conjunto dos demais
segmentos”, esses Conselhos constituem órgãos colegiados deliberativos e
permanentes do SUS, “existentes em cada esfera de governo e integrantes da
estrutura básica do Ministério da Saúde, das Secretarias de Saúde dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, com composição, organização e competência
fixadas pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990”.
É mais uma iniciativa no processo democrático que caracteriza o SUS com
propriedade das estruturas em rede - relações mais horizontais, bem como
instrumentos que favorecem a troca e o intercâmbio entre os integrantes. Cada
nodo da rede funciona aplicando o princípio hologrâmico, estabelecendo, com a
formação dos Conselhos de Saúde, o mesmo padrão de interação em cada esfera
de governo, com sua composição e atribuições. Como toda estrutura social aberta,
esses Conselhos, apresentam um conjunto de processos reguladores, que, numa
dinâmica de retroação, reduzem desvios e, assim, estabilizam o sistema nos
fenômenos políticos e sociais – é o princípio do Circuito Retroativo do Pensamento
Complexo de Edgar Morin, citado no capítulo 1.
Vale a pena chamar a atenção para a definição do SUS como uma rede
hierarquizada, termo aparentemente contraditório considerando o conceito de
estruturas horizontais como são as organizações em rede. Ao considerar o SUS
uma rede hierárquica, esse princípio não se refere ao grau de submissão de um
nível em relação a outro, e sim à natureza e ao agrupamento de seus produtos e de
suas ações e serviços – nível da atenção básica, nível dos serviços de média
complexidade e de alta complexidade.
Para a concepção do pensamento complexo de que estamos tratando, o nível
da atenção básica tem as propriedades de uma teia pelas possibilidades de
conexões necessárias a seu funcionamento – educação, água e esgoto, habitação,
alimentação, lazer, equipes multidisciplinares, formação generalista, etc. Os outros
dois níveis também apresentam as propriedades sistêmicas, mas caminham para a
especialização, afunilando as competências.
51
Desde a sua criação, o SUS, enquanto rede formal de políticas, tem a
preocupação em construir possibilidades de conexões que viabilizam uma ampla
discussão sobre as práticas e a construção de políticas de saúde, bem como sobre a
preparação de pessoas para trabalhar dentro dessa nova perspectiva ou paradigma.
Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional,
subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos
Ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da
sociedade civil. [...] Deverão ser criadas Comissões Permanentes de
integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino
profissional e superior. (Arts. 12 e 14)
Dessa forma, as políticas de governo vão integrando as áreas da saúde e
educação em volta de um tema comum, com ações planejadas e compartilhamento
de agendas, como toda rede formal de política. Existem, entretanto, possibilidades
de construção espontâneas, formadas dentro da estrutura formal. Esse lado não
regulado dos intercâmbios ocorre conectando pessoas e grupos em volta de um
tema de interesse comum, num determinado contexto histórico. Dessas relações
surgem novas ideias e aprendizado pela simples existência de conectividade. É
interessante registrar que o fato de surgirem de forma livre, pode não assegurar
que as transformações ocorram de forma sequenciada e contínua, sem
impedimentos, entraves e resistências às mudanças, assim como nos processo
formais.
No
processo
constituinte
houve
uma
movimentação
dos
grupos,
desestabilizando as regras explícitas e construindo um movimento tácito, que foi
sendo legitimado, à proporção que as regras instituídas eram flexibilizadas. Esse
fato, denominado por Capra (2002, p.110–139) de fenômeno emergente, nasce no
processo dinâmico dos grupos, dando origem ao novo, ao inusitado, que é uma
propriedade dos sistemas abertos, onde existe a “tolerância [às] atividades
marginais: experimentos e excentricidades que dilatem a sua margem de
conhecimento”. Ora, o cenário era de abertura política e construção da democracia,
e o grupo se movimenta e constrói uma participação não planejada, mas emergente,
criando espaços, tempo e necessidades.
52
O conjunto de eventos das décadas de 70 – 80 trazem um pensamento novo,
que vem sendo engendrado pela ação de vários agentes em níveis nacional e
internacional, na busca de encontrar alternativas para os problemas da saúde num
cenário de mundo superpovoado e marcado por graves problemas sociais. O
pensamento necessário para o mundo atual é o pensamento integrativo e sintético,
com base em valores de conservação e destaque para a cooperação, a qualidade e
a parceria.
A visão desarticulada das ações reativas da área da saúde é então
substituída por uma proposta sistêmica, que admite a natureza fracionada de suas
práticas e quer corrigir o que concebe como o “mal maior”, construindo agendas em
comum entre os nodos. Os diversos pontos de interseção dentro da própria rede de
saúde e suas conexões com outras redes passam a ser melhor identificados, ao
tempo em que são criados novos espaços formais de conversa e planejamento
conjunto, focando os esforços do País, com possibilidades de minimizar a
superposição de ações e duplicidade de recursos.
Assim, o maior desafio e a
grande possibilidade das denominadas redes de políticas são a articulação e a
integração entre suas agendas.
Um exemplo de conexão entre as duas redes em construção (Saúde e
Educação) acontece por iniciativa do Ministério de Previdência e Ação Social
(MPAS), com a função de fazer com que a Universidade cumpra seu papel e se
aproxime mais da sociedade.
Cria, já em 1988, os Núcleos de Saúde Pública
(NUSP), que objetivam desenvolver atividades de cooperação permanente e
sistemática com as instituições de saúde componentes do SUS. Trataremos, em
outro momento deste trabalho, sobre a importância desse Núcleo. Entretanto, para o
estudo de redes, vale a pena destacar que esse “nodo” foi criado antes do SUS,
como estratégia conjunta com a Rede OPAS, porém seus objetivos e missão são
naturalmente absorvidos pelos valores do novo sistema.
A construção desse sistema articulado de saúde vem, ao longo desse período
(1988–2009) através de medidas estruturantes (Legislação do SUS, 2003, p.19–
419),
sendo
avaliado,
corrigido,
complementado,
inovado,
ampliado,
instrumentalizado com novas tecnologias científicas e de gestão, aumentando a
53
agilidade nas interfaces entre os diversos serviços e instituições. Algumas dessas
medidas estruturantes ocorreram de forma tardia no atendimento à Constituição.
Podemos citar, como exemplo, a questão dos recursos financeiros: apenas seis
anos após a criação do SUS, ela é finalmente definida e descentralizada das ações,
através do Decreto nº 1.232, de 30 de agosto de 1994, art. 1, o qual “dispõe, então,
sobre as condições e a forma de repasse regular e automático de recursos do fundo
nacional de saúde para os fundos de saúde estaduais, municipais e do distrito
federal, e dá outras providências”.
Em 1996, a partir da avaliação do estágio de implantação e desempenho do
SUS, foi aprovada a Norma Operacional Básica (NOB) 1/96, do Ministério da Saúde,
através da Portaria n°2.203, redefinindo o modelo de gestão do SUS, procurando
voltar-se, mais direta e imediatamente, para a definição de estratégias e movimentos
táticos, que orientam a operacionalidade desse Sistema.
A NOB 1/96 é um avanço interessante na consolidação dos princípios do
SUS, visto que o município passa a ser, de fato, o responsável imediato pelo
atendimento das necessidades e demandas de saúde da sua população e das
exigências de intervenções saneadoras em seu território. Assim, esse poder se
responsabiliza
como
também
pode
ser
responsabilizado,
ainda
que
não
isoladamente, pois os poderes públicos estaduais e federais são sempre
corresponsáveis, na respectiva competência ou na ausência da função municipal
(inciso II do Artigo 23, da Constituição Federal). Essa responsabilidade, no entanto,
como adverte a referida norma, não exclui o papel da família, da comunidade e dos
próprios indivíduos, na promoção, proteção e recuperação da saúde.
A NOB 1/96 define três grandes campos de atuação da saúde, portanto, três
redes interligadas, formando a teia da saúde: o Campo da Assistência, onde as
atividades são dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, e que é prestada no
âmbito ambulatorial e hospitalar, bem como em outros espaços, especialmente o
domiciliar; o Campo das Intervenções Ambientais, no seu sentido mais amplo,
incluindo as relações e as condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho,
o controle de vetores e hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento
ambiental (mediante o pacto de interesses, as normalizações, as fiscalizações e
54
outros); e, por último, o Campo das Políticas Externas referentes ao setor saúde,
que interferem nos determinantes sociais do processo saúde-doença das
coletividades, de que são partes importantes as questões relativas às políticas
macroeconômicas, ao emprego, à habitação, à educação, ao lazer e à
disponibilidade e qualidade dos alimentos.
Dessa forma, a NOB 1/96 mais uma vez confirma os princípios constitucionais
de promoção, prevenção e recuperação nos três campos da saúde, mantendo a
perspectiva do caráter preventivo, como essência do SUS. Esse último campo
demonstra as redes que deverão ser conectadas pela teia de saúde, não mais como
estruturas à parte, justapostas, mas como padrão único de relação. As conexões
entre esses campos retratam a influência que um tem sobre o outro, de tal forma
que um produz o outro, ao tempo em que são causadores do que o outro produz.
Esse princípio retroativo do pensamento complexo apresenta as organizações
humanas como células que produzem umas as outras.
De acordo com o manual Distritos sanitários: concepção e organização
(1998:XII), as ações de promoção, por exemplo, envolvem ações de áreas como
habitação, meio ambiente, educação, da mesma forma que pensar em ações de
prevenção da saúde, envolve medidas de saneamento básico, imunizações, ações
coletivas e preventivas, vigilância à saúde e sanitária, enquanto, as ações de
recuperação, implicam em atendimento médico, tratamento e reabilitação para os
doentes.
Um dos mais conhecidos sentidos atribuídos ao atendimento integral
se refere ao reconhecimento do todo indivisível que cada pessoa
representa, trazendo como consequência a não fragmentação da
atenção, reconhecendo os fatores socioeconômicos e culturais como
determinantes da saúde [...] sugerindo um modelo integral de
atenção que não tem como suposto a cura da doença, mas alarga os
horizontes do mundo da vida espiritual e material (NOGUEIRA, 2006,
p.224).
A história do SUS vem demonstrando que os valores constitucionais e os
princípios definidos em sua decorrência mantêm-se em processo de construção
contínua, apesar de os resultados conquistados ainda estarem por demais distantes
de sua proposta (CUTAIT, 1998, p.XIII). Os princípios constitucionais vão sendo
55
aprofundados através de novas estratégias e instrumentos, que objetivam
operacionalizar o SUS, sem, entretanto, se perder de seu “espírito”. A NOB 1/96
muda a concepção focada na clínica, que se baseava, principalmente, na relação
individual do médico com seu paciente, para constituir um novo modelo de atenção
com a perspectiva do coletivo. Dessa forma, é incentivada a associação dos
enfoques clínicos e epidemiológicos, não apenas como partes que devem caminhar
justapostas, mas como um todo integrado e indissociável. No novo modelo ou
paradigma da saúde, os processos de educação e de comunicação social
constituem parte essencial em qualquer nível ou ação, na medida em que permitem
a compreensão globalizadora a ser perseguida.
Um desses instrumentos técnicos, é o Manual para a Organização da
Atenção Básica no SUS, aprovado em 1998, pelo Ministério da Saúde, numa
tentativa de melhor definir as responsabilidades com a atenção básica e permitir o
acompanhamento da descentralização trazida pela NOB do SUS 01/96.
[...] atenção básica é um conjunto de ações, de caráter individual ou
coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de
saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos,
tratamento e reabilitação. (Norma Operacional Básica do SUS
01/96)
A estratégia da atenção básica está centrada na qualidade de vida das
pessoas e de seu meio ambiente e não na doença, na busca de dar forma à
Constituição/88, assegurando-lhe a perspectiva sistêmica. O principal programa
dessa diretriz é o Programa da Saúde da Família (PSF), o qual, fortalecido pela sua
capacidade de disseminação, resolutividade e humanização, motivam as Unidades
Básicas de Saúde que passam a funcionar de acordo com os princípios do PSF. Na
prática, implica acompanhar permanentemente a saúde de um número determinado
de indivíduos e famílias que moram ou trabalham no espaço territorial próximo. Com
essas estratégias, acredita-se que a rede de atenção básica possa resolver em torno
de 85% as demandas de saúde de uma comunidade, sendo as demais
necessidades contempladas pelos serviços de média e alta complexidade, de
acordo com a referida NOB 01/96.
56
Diversos instrumentos de gestão vão sendo construídos e disponibilizados
para os representantes legais, a que se associam, mecanismo de acompanhamento
e avaliação com seus indicadores de desempenho. A rede formal de políticas em
saúde vai tecendo novos instrumentos e, como rede, definindo um padrão de
relações, através de mudanças políticas, técnicas e financeira. Essa construção
ocorre através da democratização das informações e a disponibilização de várias
ferramentas como: o Cadastro Nacional do SUS, o Cartão SUS, o Sistema Nacional
de Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária; o Medicamento
Genérico; o incentivo à Assistência Farmacêutica; o processo de acompanhamento
e de avaliação da Atenção Básica, o Programa de Aquisição dos Medicamentos
para a Área de Saúde Mental. Em 2001 é criada a Norma Operacional da
Assistência à Saúde (NOAS/SUS) com as seguintes finalidades: ampliar as
responsabilidades dos municípios no tocante à Atenção Básica; definir o processo
de regionalização da assistência; e criar mecanismos para o fortalecimento da
capacidade de gestão do SUS, nos três níveis de assistência.
2.1 As redes de saúde e a educação médica
Múltiplas forças sociais, [com perspectivas] diversas, constituem o
espaço dinâmico e complexo que é o campo de desenvolvimento de
recursos humanos em saúde, constituído por dois componentes
fundamentais e estreitamente relacionados: o da formação e o do
trabalho em saúde (SISSON, 2009, p.1).
A rede de educação superior, especificamente a vinculada à área médica,
apresenta-se como um sistema dotado de grandes interfaces com o sistema da
saúde, formando redes dentro de redes, em que há uma intensa e clara
interdependência. Podemos observar a importância que lhe foi atribuída quando da
análise da LOAS, ao demonstrar claramente sua estreita relação com o sistema
educacional nos três níveis de governo. Destacamos três momentos em que fica
expressa, neste texto legal, a participação da educação, principalmente a de nível
superior:
57
Primeiro, “os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS), constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas
específicas,
elaboradas
conjuntamente
com
o
sistema
educacional.”
(CONSTITUÍÇÃO BRASILEIRA DE 1988 - TÍTULO IV - DOS RECURSOS
HUMANOS, Art. 27. Parágrafo único).
Segundo, reza a Lei supracitada que as atividades de pesquisa e
desenvolvimento científico e tecnológico em saúde serão cofinanciadas pelo SUS,
pelas universidades e pelo orçamento fiscal, a que se acrescentam recursos de
instituições de fomento e financiamento ou de origem externa e receita própria das
instituições executoras (CONSTITUÍÇÃO BRASILEIRA DE 1988 - TÍTULO V - DO
FINANCIAMENTO, Capítulo I - Dos Recursos Art. 31. § 5º).
E ainda fica definido que os serviços de saúde dos hospitais universitários e
de ensino integram-se ao SUS, mediante convênio, preservada a sua autonomia
administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros,
ensino, pesquisa e extensão, nos limites conferidos pelas instituições a que estejam
vinculados. ((CONSTITUÍÇÃO BRASILEIRA DE 1988, DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
E TRANSITÓRIAS - Art. 45º).
Todavia, o fato de essas obrigações do Estado e de o direito do cidadão
estarem previstos numa Lei maior, não é garantido seu fiel cumprimento, o que
obrigatoriamente vai exigir um processo de construção de conexões, formação de
alianças, projetos integrados e compartilhamento das agendas organizacionais, bem
como a capacitação e organização dos envolvidos, podendo levar anos para serem
tecidas e engendradas. Não se trata de tarefa simples, entretanto; são iniciativas e
práticas complexas que trazem possibilidades de ações articuladas, cooperação e
aprendizagem grupal.
O Art. 200 da Constituição de 1988 atribui ao Sistema Único de Saúde, a
ordenação da formação de recursos humanos na área da saúde. Isso decorre da
preocupação com a formação desses profissionais,
conforme
já
citamos
anteriormente neste capítulo, o qual é tema de debate no Brasil e nos outros países
da América Latina. Essa perspectiva põe em contato os dois ministérios
58
responsáveis pela gestão da saúde e educação, pela necessidade de construir
políticas convergentes, que não se excluam, e estejam respaldadas nas mesmas
crenças e valores.
Essa relação mais horizontal da perspectiva sistêmica que os textos legais
apresentam, implica o exercício do diálogo na formação de parceria e na integração
entre esses sistemas brasileiros. O perfil do profissional que o SUS precisa para
desenvolver os três níveis de atenção é o mesmo que a academia precisa traduzir
em sua formação – um sujeito crítico e reflexivo, que reconhece a “relevância social
(acesso equitativo, abordagem integral, orientação ética, humanística e qualidade de
vida) em equilíbrio com a excelência técnica (especialização, alta tecnologia, [...] e
supervalorização do saber técnico” (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE E
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - PRÓ-SAÚDE, 2007, p.13).
Entretanto esse é um desafio que implica em substituir a competição pela
cooperação, a luta desenfreada na busca do poder pela visão de conjunto e a
hierarquia pelo exercício da democracia. Diante das ameaças em comum, os dois
sistemas, em crise e profundamente questionados pela sociedade, procuram se
reconstruir, usando toda a energia, informação e organização que conseguem extrair
do ambiente, ao tempo em que responde o meio externo com novas ideias e
propostas – “sua autonomia é inseparável de sua dependência” (princípio da
Autonomia/Dependência (auto-organização).
As redes de saúde e a de educação são redes formais de políticas que
adquirem uma natureza dinâmica porque tem a perspectiva de interação e formação
de vínculos – a mais importante característica sistêmica, diferente da concepção
hierárquica, montada em controles. As redes formais têm grande capacidade de
promover transformações sóciopolíticas, afirma Andrade (2008, p. 91), entretanto,
alerta o autor, implica uma hábil e desafiadora tarefa de formar consensos, gerenciar
conflitos e mobilizar pessoas, grupos e/ou organizações.
Tratando especificamente do ensino médico, o assunto voltou a ganhar vida
com o processo de democratização do Brasil na década de 80, começando a sair
“da letargia que o acometia desde os anos 70”. Entretanto, a resposta ao ambiente
59
vem no início da década de 90, com a criação do SUS, quando “as debilidades do
ensino médico brasileiro e o questionamento mais incisivo do perfil dos produtos das
escolas médicas adquirem uma visibilidade social”, de acordo com Almeida (1999,
p.127).
Essa movimentação nasce das cobranças da sociedade, insatisfeita com o
desempenho desses profissionais formados por escolas médicas completamente
despreparadas para as “novas práticas profissionais, sociais e institucionais que
passam crescentemente a ser exigidas pelo novo Modelo Assistencial” (id,1999,
p.127). É nesse contexto que a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
é revigorada e com ela estruturada a Comissão Interinstitucional Nacional de
Avaliação do Ensino Médico (CINAEM).
O grande desafio, especialmente no âmbito do SUS, tem sido o
fomento dos debates acerca dos processos de reformulação
curricular, de modo a permitir a formação de profissionais com uma
visão mais abrangente do processo de promoção, prevenção e
assistência à saúde. (REGO; GOMES; BATISTA, 2007, p.1).
Almeida (1999) relata ainda em seu texto que, ao longo de debates
sucessivos, foi sendo construído o perfil dos egressos dos Cursos de Medicina,
existindo consenso quanto à dotação de “competências (conhecimentos, habilidades
e atitudes) que possibilitem sua integração e atuação multiprofissional, promovendo
e executando ações integrais de saúde que beneficiam indivíduos e comunidades. A
dificuldade está, contudo, nos “modelos acadêmicos”, seus limites e possibilidades
de inovação e de reforma da “educação médica”.
Essas dificuldades começaram a ser identificadas na década de 70, quando a
OPAS apoiou os estudos realizados por Garcia sobre os problemas da “educação
médica na América Latina”, incluindo escolas brasileiras, nas quais Bueno e
Pieruccini (2005, p.1), perceberam os seguintes entraves:
A incorporação deficiente dos planos nacionais de saúde ao
processo de formação dos profissionais da área; a falta de
coordenação entre instrumentos de formação e as necessidades da
população; e o número de candidatos muito acima do número de
vagas. No plano acadêmico, denunciava as rígidas estruturas
administrativas; a divisão em departamentos, gerando uma formação
com enfoque especializado; a escassez de professores e de recursos
60
materiais; o ensino fundamentalmente teórico, com transmissão
vertical de conhecimentos; e a inadequada comunicação entre
docentes e alunos.
Para minimizar essas dificuldades, a ABEM junto com a Comissão de Ensino
Médico do MEC, criada em 1971, recomendavam algumas mudanças e melhoria no
ensino médico, tais como:
Criação, supressão ou transformação de disciplinas; Reorganização
curricular, com alterações na seriação, no conteúdo e na carga
horária das disciplinas; Ênfase no ensino de Medicina Preventiva e
Social; Preparo didático-pedagógico dos docentes; Definição dos
objetivos educacionais; Aperfeiçoamento das técnicas de ensino e de
avaliação; Integração das disciplinas dos ciclos básico e profissional,
com antecipação da experiência clínica do estudante; Utilização dos
ambulatórios no ensino e criação do internato. (FERREIRA, 2006,
p.42)
Ainda nessa perspectiva, a ABEM, segundo Ferreira (2006, p.43.) considera
que a “formação do profissional em medicina deveria ser orientada para a resolução
dos principais problemas de saúde da população e para a capacidade de atuar nos
diversos níveis da cobertura de atendimento”. É nesse processo de inquietação e
propostas que o debate sobre a importância da estrutura da assistência à saúde
para a formação do médico se apresenta.
Em 1974, pela primeira vez, um documento da Comissão de Ensino Médico
do MEC trata do tema.
Num cenário de crescimento da rede ambulatorial de
assistência, na XII Reunião da ABEM, começa a se admitir “o ensino do internato
realizado fora da escola médica”, segundo Cury e Melo (2006, p.46–48). No aspecto
assistencial, a participação do estudante pode representar, “maior extensão de
cobertura, a custos menores” e, no aspecto educacional, possibilita “que o estudante
viva a realidade do sistema de saúde, percorrendo, no aprendizado, seus diversos
níveis.” (CURY e MELO, 2006, p.48).
O processo avança em nível nacional quando, em 1976, o MEC “reconhece
as dificuldades e as distorções existentes na educação médica brasileira” e o
Ministério da Saúde elabora dois projetos: o primeiro objetivando o funcionamento
de dez regiões docente-assistenciais e o segundo a interiorização das ações de
61
saúde e saneamento. E ainda em 1979, o governo cria o Programa de Integração
Docente-Assistencial. “Em nível internacional alguns eventos marcaram a trajetória
da Integração Docente-Assistencial [...], como a “Trigésima Assembleia Mundial de
Saúde, em 1977; a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde
em Alma Ata no mesmo ano” (CURY e MELO, 2006, p.47).
Esse “modelo de integração docente-assistencial pressupõe profundas
mudanças no currículo médico, [...] que passa a ser constituído por módulos e não
por disciplinas especializadas” e sua “organização passa também a ser definida pela
organização do sistema de saúde do País [...]”.(CURY e MELO, 2006, p.47).
A necessidade de mudanças no ensino médico continua se intensificando,
num paralelo constante com as mudanças na área da saúde como um todo. Em
1988, a Federação Mundial de Educação Médica organiza a Conferência Mundial de
Saúde em Edimburgo, quando é formulada uma declaração estabelecendo diretrizes
com quatro níveis de ação: global, regional, nacional e institucional, ao tempo em
que
propõe:
ambientes
educacionais
relevantes;
currículos
baseados
nas
necessidades de saúde; aprendizagem ativa e duradoura; aprendizagem com base
na competência; professores treinados para serem educadores; integração da
ciência com a prática clínica; seleção de alunos por atributos intelectuais e não
cognitivos também; coordenação da educação médica com os cuidados de saúde;
formação equilibrada de tipos de médicos; treinamento multiprofissional e educação
médica continuada. (Recomendações da Segunda Conferência Mundial de
Educação Médica – 1993.)
As conexões não param de ser construídas, de tal forma que o MEC, ao
elaborar as DCN para a área da Saúde, tem sua agenda de planejamento
aproximada das metas do Conselho Nacional de Educação ao emitir seu ponto de
vista sobre a interação entre os Ministérios da Saúde e da Educação:
A formação geral e específica dos egressos/profissionais da área da
saúde, com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação da saúde, indicando as competências comuns gerais
para esse perfil de formação contemporânea dentro de referenciais
nacionais e internacionais de qualidade. Desta forma, o conceito de
saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)
são elementos fundamentais a serem enfatizados nessa articulação.
62
(DESPACHO DO MINISTRO em 1/10/2001, publicado no Diário
Oficial da União de 3/10/2001, Seção 1E, p. 131.)
A comissão responsável pela elaboração das referidas diretrizes é, portanto,
subsidiada e incorpora aspectos fundamentais expressos nos documentos
estudados – a Constituição Federal de 1988; a Lei Orgânica do Sistema Único de
Saúde nº 8.080 de 19/9/1990; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) nº 9.394 de 20/12/1996; a Lei que aprova o Plano Nacional de Educação nº
10.172 de 9/1/2001; o Parecer CES/CNE 776/97 de 3/12/1997; o Edital da
SESu/MEC Nº 4/97 de 10/12/1997; o Parecer CES/CNE 583/2001 de 4/4/2001; a
Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI da Conferência
Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998; o Relatório Final da 11ª
Conferência Nacional de Saúde realizada de 15 a 19/12/2000; Plano Nacional de
Graduação do ForGRAD de maio/1999;Documentos da OPAS, OMS e Rede UNIDA
e os Instrumentos legais que regulamentam o exercício das profissões da saúde.
É importante destacar, quando da formulação das DCN para o Curso de
Graduação em Medicina, que a “comunidade acadêmica, organizada em torno da
ABEM, discutiu e encaminhou propostas que vieram a ser incorporadas nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Medicina DCNs, do Ministério da Educação em 2001” (AGUIAR, 2006, p.1).
Percebe-se novamente a tentativa de diálogo, de entendimento sistêmico
através do qual a educação é vista de forma integrada com os anseios sociais, com
o contexto histórico de mundo. Houve nesse momento a reflexão transformadora a
partir da crise nas duas áreas, a da educação e a da saúde. Os projetos
pedagógicos dos cursos da área de saúde deveriam ter como bússola os novos
paradigmas científicos e educacionais, com a perspectiva do estudante como um ser
ativo, ator, protagonista, capaz de ir além dos conteúdos e um professor que rompe
com o modelo hierarquizado de dono do saber e passa a ser um facilitador de
ambientes de aprendizagem, um facilitador do conhecimento. O papel de repassador
de informações é substituído pelo modelo problematizador, que desestabiliza o
conhecimento já posto, possibilitando a informação com valor agregado, cheia de
significados, gerando conhecimento.
63
Para a reforma sanitária, nada se compara à educação, pelo nível de
importância que representa, destacando-se dos demais sistemas de níveis diversos.
A essa característica sistêmica, Capra (1996, p.46) denominou de propriedade
“emergente”. Dessa forma, o sistema de educação emerge como figura, destacandose de um fundo por sua importância e complexidade dentro desse nível da rede. A
rede de educação é o sistema emergente dado a seu grau de influência na teia da
saúde – sem a formação, o desenvolvimento e a mudança de pensamento dos
atores que compõem a rede de saúde, não são viáveis quaisquer implantações de
sistemas de saúde e melhoria da qualidade de vida da população. As duas redes os sistemas de saúde e a educação do país - identificam suas profundas interfaces,
sem ignorar, entretanto, as demais redes que formam o “arranjo” para a promoção
da saúde, como a habitação, distribuição de alimentos, medicamentos, saneamento.
A transição do modelo de saúde até então praticada para o novo paradigma
torna-se mais difícil por exigir a expansão da forma de perceber e pensar o mundo,
bem como, a expansão de valores dos profissionais e gestores envolvidos. As duas
redes, Saúde e Educação, com seu intenso feixe de conexões, precisam incorporar
novas atitudes para promover as mudanças que são necessárias.
O Ministério da Saúde define políticas de preparação de um profissional da
saúde voltado para a prevenção, portanto, generalista, capaz de resolver os
problemas da atenção básica de saúde, através da integralidade das ações,
humanização e mudança da concepção de doença para a saúde.
O MEC se alia ao MS e, juntamente com ele, define a formação desse
profissional da saúde, construindo o perfil do egresso dos cursos da saúde, tendo
como consequência a necessidade de mudança da concepção dos projetos
pedagógicos dos cursos, com ênfase no ensino na prevenção e nas questões
sociais, bem como na preparação dos docentes para o aperfeiçoamento das
técnicas de ensino e de avaliação, capacitando-os para trabalhar com disciplinas
integradas e orientadas para a resolução dos principais problemas de saúde da
população.
64
O contexto universitário, entretanto, é de crise, em decorrência do
“surgimento de teorias Pós-modernas sobre a Universidade, difundindo a crença de
que a sociedade de hoje transformou-se e que vivemos na era da informação onde o
conhecimento é fragmentado [...]” (MOROSONI, 2005, p.19). Até então a
Universidade tratava da construção da narrativa totalizante, porém hoje “é
reconhecido o declínio do monopólio do conhecimento na universidade e de suas
antigas funções e [...] a existência atual de uma diversidade de modelos de
universidades e tipos de conhecimento.”.
A terceira onda traz para o ensino superior o desafio de preparar suas
instituições para atender às demandas sociais, daí a necessidade de um projeto de
educação inovador, abrangente e que vá ao encontro das necessidades da
educação nesse cenário de mudanças intensas.
Para Morosini (2005, p.31), a universidade no Brasil passou por dois
momentos de crescimento. O primeiro ocorreu quando foram superados “os passos
e traços do desenvolvimento tardio e subalterno” do período colonial, conseguindo
recuperar o descompasso em relação aos hispano-americanos, e o segundo
“quando da criação da USP, da UDF, das primeiras IFES, da UnB e das demais
Estaduais, Comunitárias ou Privadas, e de entidades como a SBPC, o CNPq, a
CAPES e a FAPESP”. Contudo, diante das necessidades de desenvolvimento do
país, os resultados apresentaram-se pouco promissores.
A Reforma Universitária de 1968, Lei 5.540/68, defendia um modelo único de
instituição de ensino superior, porém, em virtude da expansão de faculdades
isoladas na década de 70, houve um fracasso desse projeto. O período que se
segue, na década de 1980 até 1995, o ensino superior experimentou um
crescimento “meramente vegetativo”, com o aumento de 1,36% do número de
instituições e com uma taxa anual média de matrículas na ordem de 1,65%.
(MOROSINI, 2005, p.32).
Assim, como na área da saúde, a Carta Magna de 1988, em seu artigo 205,
assegura que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família.
Ainda define os princípios da Autonomia universitária, da indissociabilidade do
65
ensino-pesquisa-extensão (art. 207) e fixa as normas básicas da participação do
setor privado na oferta de ensino (art. 209). Foi uma “segunda [e] intensa fase de
crescimento do sistema de ensino superior brasileiro”, “não apresentando mais a
afirmação de um modelo único, no caso das federais, mas a possibilidade de
formalização de diversos modelos institucionais” (MOROSONI, 2005, p.23).
Entretanto, o setor público do sistema teve sua participação continuamente reduzida
advinda das dificuldades de investimento estatal.
Em consonância com a Constituição de 1988, a nova LDB, Lei 9394/96,
promoveu, [...] “uma ampla diversificação do sistema de ensino superior, com novas
modalidades de cursos e estabeleceu os fundamentos para a construção de um
sistema nacional de avaliação da educação superior”. (MACEDO, 2005, p.132).
O ensino superior começa a se expandir a partir de 1995, tendo no ano
seguinte, sido aprovada a nova LDB: Lei nº 9394/96, a que se vincula uma expansão
de 32% do número de instituições e 53,1% de crescimento do número de matrículas.
Já entre “2000 e 2005 o total de instituições de ensino superior” apresentou um
“incremento de 91,5%,” e “entre 2000 e 2003 o número total de matrículas aumenta
42,3%”. Apesar dos números, a década de 90 não consegue realizar uma verdadeira
reforma na educação superior, segundo Macedo (2005, p.141).
A NOB da saúde e a LDB da educação são aprovadas, respectivamente nos
anos de 1995 e 1996. Esses instrumentos legais, mesmo incompletos, definem as
estratégias necessárias para atender aos princípios constitucionais. Com a
perspectiva de inclusão e democratização da saúde e da educação, possibilitam
todo um aprendizado de construção coletiva, com maior disseminação da
informação, menos controle das ações, melhores condições de acompanhamento e
tomada de decisão.
CAPÍTULO III - ESTRUTURA EM REDE DE COOPERAÇÃO E A
FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL MÉDICO NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE ALAGOAS: do Projeto Pedagógico Global ao Projeto
Pedagógico do Curso
O capítulo anterior apresentou o cenário de mudanças nacionais e as
transformações ocorridas em duas grandes Redes Formais do País – a Rede de
Saúde e a Rede de Educação Médica, onde sobressaem as questões referentes ao
ensino superior. Enquanto Redes Formais de Políticas, elas buscam definir
mudanças estruturantes na área de saúde e na área da educação médica,
articulando e mobilizando as agendas das organizações envolvidas nos três níveis
de governo – federal, estadual e municipal, bem como as organizações privadas e o
terceiro setor. Ampliar as relações e o diálogo com diversos tipos de organizações é
o propósito dessas duas redes temáticas, as quais se vinculam ao Ministério da
Saúde e/ou ao MEC, estruturas sociais filiadas ou estruturas complexas, dispersas
territorialmente.
Nessa ampla zona de interface entre as duas redes, o Curso de Formação
Médica se localiza e também vivencia um processo de transformação, ora como
instituição de ensino superior ligada diretamente às políticas do Ministério de
Educação, ora como instituição de formação em saúde, diretamente ligada às
políticas de saúde, considerando que cabe ao Ministério da Saúde, através do SUS,
ordenar a formação de recursos humanos dessa área (CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
1988).
A UFAL como um todo participa dessa transformação nacional, através da
revisão e elaboração de suas práticas pedagógicas. Sua área de saúde, diante
67
desse ambiente interno, da mobilização da sociedade civil organizada e fortemente
impulsionada pelas políticas da Reforma Sanitária, inicia um processo de mudança,
procurando adequar a formação profissional às necessidades das novas políticas.
Nas duas últimas décadas de história (1988–2009), o Curso de Medicina da
UFAL fez parte de dois grandes movimentos de construção de projetos pedagógicos
que atendessem aos princípios de mudança dessa nova ordem:
•
O Projeto Pedagógico Global – PPG em 1991 e
•
O Projeto Pedagógico de Curso de Medicina (PPC Medicina) em 2006
Este Capítulo 3 estará voltado para descrever o processo de construção
desses projetos, destacando o contexto e identificando os canais de comunicação,
ou seja, as conexões entre a UFAL/Curso de Medicina e as duas redes de políticas,
a de saúde e a de educação, bem como procurando entender como se deram as
relações entre os diversos nodos da teia. Portanto, ele trata de três propriedades
das redes de cooperação, ou seja, ele apresenta três categorias de análise –
conexão, relação e contexto.
A UFAL, no contexto das mudanças das políticas de saúde e educação, pósconstituição de 1988, desenvolve três caminhos de conexão com o ambiente
externo, além da rede interna de intercâmbio com os demais nodos, principalmente
os da saúde. A descrição desses caminhos e de como foram abertos, suas
características e de certa forma um pouco de sua história foram organizados de
forma cronológica, segundo relato das atuais gestoras da UFAL, a Reitora (2004-),
a Diretora da FAMED (2006-) e a Coordenadora do NUSP (2002-), bem como a
Médica Sanitarista do município de Arapiraca, representante do COSEMS (2004- )
que esteve presente nos debates de elaboração do PPC Medicina. Todas as
entrevistadas tomaram parte desses acontecimentos, em cargos de liderança, e
puderam descrever com detalhes suas visões e percepções dos fatos e do contexto
das mudanças.
68
3.1. O início da mudança – Projeto Pedagógico Global da área da saúde
Em 1991, a UFAL como um todo promoveu um movimento interno de
mudança, no sentido de construir um PPG que superasse a fragmentação do saber
e estabelecesse um processo de ação -reflexão- ação, acompanhando as
transformações da sociedade. O grupo de coordenadores dos cursos de Educação
Física, Enfermagem, Farmácia, Nutrição e Medicina que formavam o Centro de
Ciências da Saúde (CSAU) foi responsável pela elaboração do PPG da Saúde,
juntamente com seus professores e os Conselhos de Centro, sob a liderança de sua
Diretora.
A fig. 1 ilustra uma primeira fase do período pós-Constituição de 1988,
quando a estrutura física da área da saúde da UFAL era composta pelo CSAU e
pelo HUPAA, órgão suplementar vinculado ao Gabinete da Reitoria. Naquele
momento, o hospital universitário já estava inserido nas políticas do novo SUS.
Ambiente Externo
UFAL
HUPAA
CSAU
Ambiente Interno
Figura 1 – Estrutura da área da saúde da UFAL, no final da década de 80 e início da década
de 90, no momento da homologação da Constituição de 1988.
69
O grupo responsável pela elaboração do PPG da área da saúde foi
institucionalizado e começou a funcionar com o formato de colegiado, assessorado
pela área jurídica da UFAL e, tecnicamente, por sua Pró-Reitoria de Graduação
(PROGRAD). O processo de construção do novo projeto ocorreu a partir de debates
sobre a reforma curricular, observando as mudanças das políticas nacionais de
saúde. Participaram desses fóruns a Escola de Ciências Médicas e a Secretaria de
Saúde do Estado (SESAU), visto que à época o município não tinha secretaria de
saúde.
Trabalhamos juntos, porque a perspectiva do Sistema Único da
Saúde era a equipe de serviços, portanto a formação tinha que
trabalhar em equipe - da atenção básica ao hospital. Para haver
coerência, a formação tinha que ser compartilhada. (DIRETORA DO
CSAU, 1988-1992/ COORDENADORA PPG/SAÚDE, 1990)
Os instrumentos norteadores dos debates foram as diretrizes da Reforma
Sanitária e os estudos foram subsidiados também pela Constituição Federal de
1988, as Leis Orgânicas da Saúde e todo o processo de implantação do novo SUS.
A realização de seminários e a vinda de consultorias financiadas pelo Ministério da
Saúde tornaram-se freqüentes, no sentido de, através do fortalecimento da
formação, consolidar o projeto que acabara de ser homologado.
Embasada nos grandes debates nacionais sobre a educação médica, a UFAL
repensa sua prática de educação e aponta as premissas que deverá perseguir para
formar o profissional de que a sociedade precisa, o qual, segundo PPG/UFAL
(1991:72), deverá conhecer a realidade sanitária de sua região, ter como referência
o SUS, ter conhecimento generalista, devendo “sua especialização ser completada
através de curso de pós-graduação.”
A área de saúde da UFAL estava em repleto e intenso movimento. Enquanto
internamente ela participava junto com a UFAL do processo de reflexão com relação
às suas práticas pedagógicas e procurava construir um desenho de formação
consonante com as políticas de saúde pública do país, simultaneamente, ela
ampliava sua inserção no ambiente da saúde local de duas formas. A primeira,
através do histórico hospital de ensino, que começava a fazer parte da rede de
saúde do SUS, atendendo dentro de uma lógica integrada, e a segunda, através de
70
seu NUSP, onde ela passou a atuar de maneira estratégica, tendo um papel
significativo nas mudanças das estruturas de saúde do Estado.
3.1.1
O Hospital Universitário da UFAL – o primeiro caminho de
conexão
O curso de Medicina começou a prestar assistência à população de Alagoas
através do hospital-escola HUPAA, fundado oficialmente em outubro de 1973. O
HUPAA é um órgão suplementar da UFAL, voltado prioritariamente para a formação
e capacitação de recursos humanos da área de saúde e área o atendimento da
população. Atualmente disponibiliza aos alunos, sob a supervisão da Direção de
Ensino, atendimento em áreas de média e alta complexidade; pós-graduação stritcto
sensu; programa de Residência Médica, Curso de Mestrado em Saúde da Criança e
atividades de pesquisa.
A Universidade era um outro mundo! Não havia cultura de interação
entre a academia e o serviço, até hoje, parece não ficar clara a
importância da formação nesses espaços de práticas, tanto para os
gestores quanto para os profissionais dos serviços. (DIRETORA DA
FAMED, 2006-).
O HUPAA foi o primeiro caminho de conexão na interação e aproximação entre
a universidade e o ambiente da saúde. Entretanto, do ponto de vista da formação do
estudante, não havia nenhum movimento de integração, apesar de as discussões
sobre a necessidade da inserção dos hospitais universitários nas ações de saúde
ocorrerem desde a década de 70. A integração esperada entre a formação
profissional e o serviço, de forma interdependente, ainda precisava ser construída.
“O que de fato existia, era a tradicional experiência dos cursos da área da saúde da
UFAL com seus estágios obrigatórios no serviço, a exemplo do estágio rural que
funciona há cerca de trinta dois anos” (Médica do Serviço/Representante do
COSEMS, 2004-). Todavia, essas experiências não se caracterizavam como
formação integrada; eram processos incipientes focados no ponto de vista da
formação e baseadas nos projetos pedagógicos dos cursos da área da saúde,
afirma a Coordenadora do NUSP (2002-).
71
3.1.2 – O papel de agente de mudança do NUSP/UFAL – segundo
caminho de conexão
Ambiente Externo
UFAL
HUPAA
CSAU
NUSP
Ambiente Interno
Figura 2 – Estrutura da área da saúde da UFAL, no final da década de 80 e início da década
de 90, após Constituição de 1988.
A chegada do NUSP, no momento da criação do SUS, não é uma simples
coincidência. Nasceu da parceria entre o Ministério da Saúde e a OPAS, objetivando
estimular as Universidades a criarem espaços institucionais que articulassem a
educação superior com a saúde, através de suas ações, ou seja, abrir as portas da
academia, aproximando-a do SUS, conforme demonstra a fig. 2, com a seta branca
indicando o segundo caminho de conexão da UFAL com o ambiente externo da
saúde.
O NUSP foi constituído como órgão suplementar, de natureza técnica e
científica, vinculado diretamente à Reitoria, com a função de apoiar e estimular as
atividades de ensino, pesquisa, extensão e cooperação técnica aos estudantes,
docentes, pesquisadores, técnicos e instituições da área de saúde pública, visando à
implantação da reforma sanitária no Estado, o que implicava assessorar o processo
de descentralização da saúde com a municipalização de suas ações. (RESOLUÇÃO
nº 35/89 – CONSELHO UNIVERSITÁRIO). A equipe de implantação do Núcleo era
72
formada por profissionais especializados e com experiências nos postos de
comando e liderança na área da saúde, sob a coordenação do médico sanitarista,
ex-superintendente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS) e ex-Secretário de Saúde do Estado de Alagoas.
Para a coordenadora do NUSP (2002-), naquele momento já fazia parte do
pensamento dos profissionais, da sociedade organizada e do governo a
necessidade de construir uma nova forma de realizar a atenção à saúde da
população, o que implicava principalmente mudança na formação de seus
profissionais. Portanto, “o contexto era muito favorável, facilitando a construção de
toda uma rede, um jogo de alianças, de identidades e de projetos institucionais entre
a SESAU e a UFAL.
Alagoas aderiu prontamente ao SUS, mas a situação do Estado era muito
incipiente. Mesmo a capital, Maceió, não tinha Secretaria de Saúde, e apenas a
cidade de Arapiraca tinha certa estrutura e ação concreta de assistência, com
propostas de políticas de saúde organizadas. “Portanto, o trabalho de implantação
do SUS no Estado, praticamente, teria que começar da base” comenta a
Coordenadora do NUSP (2002-). Para participar do SUS, o município deveria se
vincular mediante convênios ao antigo INAMPS e no futuro migrar para uma relação
de gestão autônoma. Dessa forma, a participação da UFAL seria de grande valia
para transformar essa realidade.
Com os recursos do Ministério da Saúde, o NUSP/UFAL desenvolve o
Programa de Apoio à Municipalização da Saúde no Estado de Alagoas realizando
diversos trabalhos de consultorias e capacitações nos municípios alagoanos,
objetivando prepará-los para a inserção no Sistema. Também elaborou e realizou
um
programa
de
sensibilização
para
os
prefeitos
visando
à
adesão
à
municipalização, à implantação dos Conselhos de Saúde, à estruturação dos órgãos
gestores das secretarias municipais de saúde, bem como à criação do COSEMS.
Outra questão a se considerar, segundo a Coordenadora do NUSP (2002-),
foi que a proposta do SUS era percebida como realidade muito distante daqueles
municípios, que reagiam demonstrando descrença. Poucos foram as prefeituras, no
73
período de 1990 a 1992, que conseguiram firmar convênio com o INAMPS. Sem a
adesão dos municípios a consolidação do SUS estaria comprometida, daí por que a
UFAL, enquanto agente de mudança, se envolve, capacitando e sensibilizando
gestores e profissionais, com ações efetivas em cerca de 20 municípios, além de
diversas ações pontuais no interior do Estado. Na sua visão, “A Universidade é
então legitimada e reconhecida, de forma significativa, por todas as instituições do
trabalho”.
Internamente, os debates no CSAU avançam e ganham, com as novas
políticas da saúde, um aliado com conhecimento, experiência e a familiaridade dos
profissionais
do
NUSP,
havendo,
portanto
convergência
de
interesses
e
competências.
Foi um momento muito interessante, porque a academia trabalhava a
Reforma Sanitária para adequar a construção dos projetos
pedagógicos dos cursos da área da saúde, ou seja, construía seu
Projeto Pedagógico Global, e o Núcleo acabara de chegar com os
profissionais do serviço com os mesmos objetivos – formar frente ao
contexto de implantação do SUS. (COORDENADORA DO NUSP,
2002-).
Em 1993, o NUSP amplia sua inserção na academia ao se aproximar dos
estudantes nos espaços em sala de aula e ao abrir campo de estágio em saúde
pública. Como referência em políticas de saúde pública dentro da Universidade, ele
passou a ser procurado pelo movimento estudantil para participar da realização dos
trabalhos técnicos fora da UFAL. Os estudantes acompanhavam as consultorias
junto aos municípios, participavam das conferências e ajudavam na montagem dos
conselhos municipais de saúde. Foram identificadas as lideranças estudantis, muitas
delas envolvidas com os Centros Acadêmicos, o que contribuiu para criar uma base
de referência junto aos discentes da UFAL.
Essa movimentação que acabamos de descrever, ilustra a complexa
tecelagem de uma rede, nesse caso, como a reforma sanitária vai se inserindo na
instituição universitária, movimentando simultaneamente diversos fios do sistema.
Podemos já citar os debates da elaboração do PPG, onde os princípios do SUS são
aprofundados; a interação com uma rede de contato do Estado, sensibilizando e
74
preparando a comunidade da saúde para gerir seus recursos numa perspectiva de
interdependência e troca; o campo de estágio e a apropriação de um conhecimento
por parte dos discentes da UFAL, que vivenciam a perspectiva integradora e
multidisciplinar ; os técnicos da saúde que vêm compor os NUSP, descobrem a
academia e se inserem nas salas de aulas, influenciando o pensamento da reforma
em diversos cursos. A quantidade de intercâmbio desencadeado pelo nodo
caracteriza essa dinâmica e gera as possibilidades de construção do padrão
sistêmico, que tem sempre um novo formato, uma nova “gestalt”.
3.1.3 – A construção do Projeto Pedagógico Global da Saúde –
PPG/Saúde
A Reforma Sanitária Brasileira e a Lei Orgânica de Saúde exerciam um forte
apelo por mudanças curriculares, objetivando formar profissionais com perfil mais
adequado à nova estratégia de atuação. O PPG/Saúde nasce nesse contexto
favorável, associado à vontade política da Universidade e às novas condições físicoespaciais do CSAU, conforme texto do PPC/UFAL.
Para a Diretora do CSAU (1988-1992) /Coordenadora PPG/Saúde (1990),
toda a estratégia do novo modelo sistêmico de saúde pública e seus princípios de
integração desafiavam o CSAU a trabalhar com as mesmas perspectivas, como área
integrada e não como área fragmentada, com relações justapostas. “Várias
estratégias foram adotadas na época, no sentido de envolver as pessoas no
processo de mudança”, conseguindo inclusive que os cursos, juntos, definissem as
estratégias comuns a toda a área de saúde. Um bom exemplo dessa integração foi
a disciplina de saúde coletiva que passou a fazer parte de todos os projetos
pedagógicos, inclusive realizando aulas práticas comuns.
Dentre outras estratégias, foram ainda realizadas as seguintes ações:
1.
Ampliação do colegiado do Curso de Medicina, objetivando envolver um maior
número de representantes participando das discussões sobre o perfil do estudante e
as necessidades do novo sistema;
75
2.
Realização do Seminário sobre o PPG, em abril de 1988, com a participação
dos professores convidados de outras universidades brasileiras, com conferências e
debates, tendo, em seguida as principais ideias sido impressas e distribuídas pelo
Campus A. C. Simões, em Maceió;
3.
Realização de uma campanha publicitária planejada e executada pelos alunos
de Relações Públicas – “Pense nisso; pense mais e Agora proponha”;
4.
Realização de discussões preliminares da síntese do seminário e do
documento-proposta com Diretores de Centro, Chefes de Departamentos,
colegiados de cursos e representantes do corpo discente sobre os dois documentos;
5.
Realização de um seminário, objetivando discutir o papel do Hospital
Universitário, enquanto agente formador integrado ao SUS.
Atendendo às diretrizes do PPG/UFAL, que recomenda o “diálogo com a
comunidade maior, “extramuros” da Universidade” e o permanente intercâmbio, foi
efetivada também toda uma estratégia de articulação junto aos Secretários de
Saúde, objetivando convencê-los da importância da integração do ensino com o
serviço, “o que não era uma tarefa fácil, em virtude da alta rotatividade de
Secretários, naquele momento”.
O PPG/Saúde foi uma decisão política, assumi o compromisso com a
Reitora. Ele foi pioneiro, estruturamos em 89 e implantamos em 91.
Apresentamos em congressos, Londrina, Ceará. Ele era ousado, o
único na época formado por grupo de cursos (DIRETORA DO CSAU,
1988-1992/ COORDENADORA PPG /SAÚDE, 1990).
Além das mudanças já citadas, ocorreram outras de caráter estrutural, com a
mudança do CSAU para suas novas instalações físicas dentro do Campus A.C.
Simões, em fevereiro de 1989, no mesmo período da construção da Biblioteca. Os
cursos até então estavam distribuídos em outros espaços, o que dificultava qualquer
perspectiva de interação. O curso de Medicina, por exemplo, estava instalado nos
galpões de madeira da Petrobrás, localizados no Tabuleiro dos Martins, os quais
foram demolidos após sua transferência. O de Odontologia, por sua vez, funcionava
no início do bairro do Farol, vizinho à Usina Ciência/UFAL.
76
A partir do ano letivo de 1991, muda o regime acadêmico de “sistema de
créditos” para o “regime seriado”, nos cinco cursos – Medicina, Odontologia,
Enfermagem, Nutrição e Educação Física, e a UFAL aprova o PPG/Saúde, após um
processo de construção reflexivo e dinâmico, que buscou envolver diversas
unidades e atores, bem como a comunidade externa, com o propósito de integrar
ensino, pesquisa e extensão e trazer uma identidade à instituição, consonante com o
amadurecimento democrático do País, ou seja, um instrumento que definisse as
diretrizes que norteariam os cursos, para revisão de seus projetos pedagógicos.
Quando o PPG/Saúde surge diante de uma nova ordem constitucional, ele
ainda não dispõe da LDB, que será aprovada apenas em 1996, momento em que o
curso de Medicina forma sua primeira turma no novo projeto. Dessa forma, o
pensamento de mudança estava amparado apenas no texto constitucional. Num
processo recursivo, a Constituição de 1988 legitima as mudanças, produto dos
debates e “ lobbies” da sociedade civil organizada durante o processo constituinte e,
a partir de sua homologação, passam a ser fonte de direção, produzindo o
surgimento de novas idéias, para atender às necessidades dessa mesma sociedade
que as produziu.
[...] somos produtos e produtores, num ciclo rotativo da vida. Desse
modo, a sociedade é, sem dúvida, o produto das interações entre
indivíduos. Essas interações, por sua vez, criam uma organização
que tem qualidades próprias, em particular, a linguagem e a cultura.
E essas mesmas qualidades retroatuam sobre os indivíduos desde
que vêm ao mundo, dando-lhes linguagem, cultura, etc. Isso significa
que os indivíduos produzem a sociedade, que produz os
indivíduos.(MORIN. In: SCHNITMAN, 1996:48).
Os princípios de inclusão assegurados no texto constitucional - “saúde, um
direito de todos os brasileiros” e a “educação um direito de todos e dever do Estado
e da Família” - amparam a construção de novos instrumentos e regulamentações
que objetivam fortalecer essas diretrizes. Esse contexto é um fundamento
importante à medida que ele entende o princípio da inclusão em duas áreas-chave e
aponta o caminho a ser percorrido para construir uma sociedade menos injusta e
mais democrática. A complexidade desses princípios une dois sistemas em torno da
visão de que todos os cidadãos brasileiros têm os mesmos direitos. Dessa forma, a
77
saúde, pensada como rede, traça as grandes coordenadas e estabelece um arranjo
educativo e indutor para a inserção de novos agentes. Esse processo educativo de
aprendizagem traz a possibilidade de gerar nos gestores compromisso e
responsabilidade,
ao
tempo
em
que
os
torna
mais
autônomos
com
a
descentralização da gestão e a consequente municipalização. E dessa forma
individualiza e separa, ou melhor, distingue, como dinâmica do pensamento que
une, numa perspectiva que é dialógica, segundo Morin apud Schnitman (1996, p.
276).
Essa abordagem traz consigo outro aspecto que é a incerteza, porque o fato
de essas soluções estarem sendo construídas não garante o resultado esperado. O
processo não é linear. As tentativas da equipe de implantação do PPG/Saúde, para
pensar de forma integrada e sistêmica, considerando o elemento novo, o
inesperado, como uma possibilidade no padrão de interação em rede, contribuem
para o avanço do projeto. É a dinâmica do pensamento complexo, que inclui, nas
relações, as conexões e o contexto como integrantes do mesmo fenômeno.
A construção do PPG/Saúde é resultado desses pensamentos, da discussão
social, e da identidade da academia na formação desse profissional. Um dos
aspectos exaustivamente debatido é a integração das ações da saúde com a
educação, agora não mais como um campo de troca linear onde, se por um lado o
serviço é campo de prática, por outro lado passa a contar com um número maior de
pessoas para realizar suas ações, porém uma integração em rede, com a
possibilidade
de
se
enxergarem
fazendo
parte
de
um
todo
interligado,
interdependente e integrado, onde os problemas de um afetam o outro, e as
soluções são possibilidades de melhorias para todos. Com a participação de outras
instituições da área da educação e do serviço, o PPG da área da saúde tenta
construir a integração entre os cursos de saúde da UFAL, chegando a traçar
estratégias em comum e partilhar disciplinas, na perspectiva de equipe.
As críticas recorrentes ao setor da saúde, que aconteceram com
maior intensidade e frequência a partir da década de 1960 em todo o
mundo, pelo que se denominou a "crise da medicina", evidenciaram
o descompromisso com a realidade e as necessidades da
população1. Estas constatações provocaram intensa movimentação
nos meios acadêmicos, instituições internacionais de saúde
78
(Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana de
Saúde e outras), governos, fundações internacionais (Rockfeller,
Kellogs e outras), instituições representativas de classe e na
sociedade em geral. (PAGLIOSA e DA ROS, 2008, p.1)
O SUS surge com uma concepção de rede, como resultado das ideias e
debates realizados nos congressos nacionais e internacionais. Nesse ínterim, ações
estratégicas estavam sendo construídas sob a influência dessas organizações,
momento em que o NUSP se instala na UFAL como um agente de mudança no
Estado de Alagoas, capacitando e assessorando na construção do novo sistema, de
forma interligada, interdependente e descentralizada, com o controle participativo da
comunidade.
3.1.4 – A Avaliação do Projeto Pedagógico Global - PPG
Segundo avaliação realizada pela equipe responsável pelo PPG, a
comunidade universitária como um todo não respondeu às demandas, que foram
atendidas apenas pelas áreas de Licenciatura e Saúde (PPG/UFAL, p. 32). Mesmo
tendo aderido ao processo de mudança e apesar de todas as medidas tomadas no
sentido de assegurar a implantação de uma nova concepção de ensino, “não foi uma
tarefa fácil e até hoje não o é!”. (Diretora do CSAU, 1988-1992/Coordenadora PPG
/Saúde, 1990)
No terceiro ano de sua implantação, o PPG/Saúde estava
começando a etapa mais especializada de sua implantação
Especificamente no Curso de Medicina, as dificuldades são
ampliadas, as disciplinas planejadas para funcionar de forma
integrada não conseguem se , prevalecendo o pensamento
fracionário. Durante o processo avaliativo das disciplinas ‘integradas’,
os alunos faziam quatro, cinco e até seis provas diferentes, uma de
cada professor, que ao final eram somadas e divididas pela
quantidade para obter uma única nota” (Diretora do CSAU, 19881992/Coordenadora PPG /Saúde, 1990).
O PPG forma a primeira turma de Medicina em 1996, começando então a
prevista etapa de revisão e realização de ajustes do projeto pedagógico. Apesar de
o projeto pedagógico para a saúde ter sido considerado um avanço para a época, os
79
investimentos em ações transformadoras [...] não foram suficientes para possibilitar
as mudanças esperadas no perfil do egresso.
A ABEM, com o apoio do Ministério da Saúde, organiza o projeto CINAEM,
como resultado do movimento de reflexão que há muito se organizava. Essa
comissão reúne entidades representativas ligadas à comunidade universitária e à
classe médica, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino médico no Brasil. O
CINAEM foi um movimento do qual a UFAL participou em sua primeira fase, no qual
foram apontadas as principais dificuldades apresentadas pelo curso de Medicina,
destacando as questões com a avaliação, o planejamento das aulas, o modelo
pedagógico centrado no professor e não no aluno, dissociação entre teoria e prática
e entre ciclo básico e profissionalizante, descontextualização da prática e currículos
arcaicos. Uma outra pesquisa foi realizada pela UFAL, no mesmo ano, vindo a
confirmar o resultado da Comissão da ABEM.
Em 17 de maio de 1999 foi realizado o Seminário de Avaliação do PPPG da
UFAL para a área da Saúde, formado pelos cursos de Medicina, Odontologia,
Educação Física, Enfermagem e Nutrição, onde o PPG/saúde foi considerado um
avanço, pela sua concepção inovadora e articuladora. Segundo a referida avaliação,
foi através dele que houve uma maior integração entre o aluno e a realidade social
do Estado, além da ampliação em pesquisa e extensão, e o consequente
crescimento da qualidade profissional.
Entretanto, a implantação do novo projeto apresentava vários problemas,
além dos já citados. O relatório apontava como principais dificuldades o
desconhecimento do PPG por parte dos docentes e discentes, além do
descompromisso e falta de adesão e integração do corpo de professores,
fortalecendo a continuidade do modelo hospitalocêntrico. O seminário conclui que, à
exceção do Curso de Medicina, todos os demais avançaram nas questões
curriculares, adequando o curso às necessidades da sociedade. Foi sugerida,
naquele momento, uma maior divulgação do PPG junto à comunidade acadêmica,
além da criação de um núcleo didático-pedagógico dirigido à área da saúde.
80
Esses movimentos da sociedade civil, em paralelo às políticas de estado, têm
em comum o paradigma da mudança – onde tentam envolver os diversos
integrantes da saúde e educação num processo de reflexão, cientes de que a visão
desarticulada compromete as possibilidades de solução. A história vai demonstrando
que os resultados desanimadores, causados pelo paradigma que prevalece, não
impõem recuo, mas a criação de novas estratégias e caminhos. O SUS e a reforma
da formação médica continuaram avançando, com novas agendas compartilhadas e
novas ou renovadas estratégias.
Talvez a impossibilidade de a rede de saúde avançar sem uma resposta da
rede de educação caracterize a completa dependência entre esses dois grandes
sistemas. É nesse cenário que a UFAL realizou, em menos de quinze anos, dois
processos de construção de reforma curricular ou de elaboração de novo projeto
pedagógico para seu curso de Medicina. A perspectiva, desde o primeiro deles, é a
formação de médicos com visão generalista e humanista, críticos, reflexivos e éticos,
capacitados para atuar em diferentes níveis de atenção, com ações de promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação, na perspectiva da integralidade da
assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania,
como promotor da saúde integral do ser humano. Porém, o mais significativo é que
demonstra o aprendizado, a construção, os recuos e avanços de qualquer processo
de aprendizagem coletiva sendo realizados.
3.2. O Movimento NEMED e a Construção do Projeto Pedagógico do Curso - o
terceiro caminho de conexão
Alguns professores, já inquietos com a realidade da formação médica, ficam
fortemente incomodados com o resultado do seminário de avaliação do PPG/Saúde
em 1999, apontando o curso de medicina como o que menos mudou e o que menos
se aproximou do perfil do egresso. No ano seguinte, influenciados pelos avanços de
outras universidades com relação às mudanças de seus cursos médicos, resolvem
formar um grupo de estudos e debates e se reúnem para pensar o curso.
Naquele momento, já havia forte indicação de que o PPG tinha que
mudar e o grupo inicialmente foi liderado por uma professora do
81
Curso de Medicina (2000), mais adiante denominado Núcleo de
Ensino Médico – NEMED começa a discutir as dificuldades e os
problemas da formação médica, e aprofunda a discussão da reforma
sanitária e a mudança da estratégia pedagógica.” (DIRETORA DE
ENSINO DO HU, 2000-2004/ COORDENADORA DO NEMED, 20012005).
O Núcleo de Educação Médica (NEMED) tinha como principal função
construir um “Projeto de Reestruturação do Curso Médico” baseado nas
necessidades da população. Agregam-se ao grupo os estudantes do Centro
Acadêmico, dando uma nova movimentação aos encontros, além de vários docentes
que se envolvem espontaneamente com os debates sobre saúde e
educação,
representantes dos departamentos do Curso de Medicina, profissionais de outros
cursos da UFAL, representantes dos órgãos de classe e gestores da saúde. A
discussão do grupo buscava responder à seguinte questão: Que projeto pedagógico
queremos para o curso de Medicina, em atendimento às necessidades da
população? Em 2001, a coordenadora se afasta e a Diretora de Ensino do HUPAA
(2000-2004) dá continuidade às reuniões do Núcleo, assumindo sua coordenação.
A experiência do PPG e os resultados do diagnóstico da CINAEM trazem
subsídios enriquecendo os debates nas reuniões do NEMED, que passa a assumir,
dentro do Curso de Medicina da UFAL , o papel de “estimular o desenvolvimento da
Educação Médica, assessorando, apoiando e participando da elaboração e da
realização de projetos de pesquisa e extensão, bem como estimulando a
participação da pós-graduação nas atividades de educação permanente”
As propostas de mudanças no sistema de saúde, em especial no que
concerne aos cuidados básicos com a saúde, não vêm sendo
acompanhadas pelos currículos dos cursos de Medicina. A educação
médica no Brasil parece não valorizar o alcance de objetivos
coerentes com a realidade social, nem elaborar planejamentos
eficazes nesse sentido (KOIFMAN, 2001, p. 1 ).
O movimento NEMED começa a se organizar e focar seus principais objetivos
de trabalho, buscando construir um espaço para o diálogo, planejamento e
realização de ações, que visassem à melhoria do ensino e ao aprimoramento do
curso de Medicina. Seu principal trabalho foi o de facilitar o processo de mudanças
82
curriculares, assessorando o Colegiado do Curso na formulação de políticas,
avaliação e reformulação permanentes do Projeto Pedagógico do curso de Medicina.
Com esse intuito, planejaram diversas estratégias para envolver as pessoas no
processo de reflexão e crítica sobre as práticas de ensino-aprendizagem, através de
ações de capacitação didático-pedagógica, ações de integração Academia –
Serviços de Saúde – Comunidade, motivando a participação interna e externa no
processo de mudança.
Essa comunidade de prática, chamada NEMED, começa, dessa forma, a se
conectar a uma rede formal de políticas, traçando seus objetivos em consonância
com a reforma sanitária e as grandes discussões sobre mudanças em educação
médica que permeavam o país. Passa então a ser sua atribuição facilitar o
aprimoramento do curso de Medicina, através da construção de um novo modelo de
projeto pedagógico. As pessoas vão se integrando ao NEMED de forma voluntária,
espontaneamente ou a convite de algum membro, com a função de resolver
problemas comuns e cooperar para juntos encontrarem as respostas e alternativas
para o Curso. Assim esse núcleo se transforma num espaço de aprendizagem,
normalmente utilizando metodologias participativas e sempre que possível com
alguém assumindo o papel de facilitador, ou seja, transforma-se em uma
comunidade de práticas.
Com grande capacidade de promover transformações, essas comunidades de
práticas estão conectadas com outras instituições nacionais, tratando da reforma no
ensino-médico. Como ambientes de aprendizagem, as comunidades de práticas
objetivam sensibilizar as pessoas e comprometê-las com um objetivo comum,
gerando mudanças. São espaços abertos, também conectados com outras
instituições de saúde pública local.
O recém-criado Núcleo se instala numa sala do HUPAA, recebe apoio
institucional para se organizar e, com os recursos de projetos financiados, estrutura
suas instalações e realiza os trabalhos de construção de um novo projeto
pedagógico.
83
O papel dos congressos da ABEM na sensibilização dos participantes do
NEMED bem como a visita a outras universidades foram estratégicos para
conhecimento de outras experiências inovadoras que gerassem mudanças no
projeto pedagógico e conhecimento dos debates e trabalhos de pesquisas
desenvolvidos sobre o tema.
Esses contatos externos junto às experiências de mudanças de outras
instituições de ensino médico motivam a equipe do NEMED para aprender e
sistematizar algumas práticas de condução de trabalhos participativos. Foram então
trazidos consultores e profissionais com experiências em técnicas de gestão,
planejamento e acompanhamento de projetos. Esses profissionais contribuíram
principalmente com as estratégias de sensibilização e preparação do corpo de
profissionais e alunos para o processo de transformação das práticas pedagógicas.
Portanto, as conexões e relações passaram a ser facilitadas com técnicas e
instrumentos, sempre de caráter participativo, mesmo quando tinham objetivo de
esclarecimento e capacitação.
A boa comunicação continua sendo chave. Para isso precisam ser
implementadas ferramentas de informação e comunicação
adequadas, o que não quer dizer que são necessariamente as mais
sofisticadas. Além disso, é importante lembrar que a comunicação
não é um processo mecânico que pode ser executado com
ferramentas, mas um processo extremamente complexo que exige a
maior atenção e habilidade e precisa ser facilitado permanentemente.
Por isso, a figura do facilitador é essencial para o bom funcionamento
de uma rede (PFEIFFER, 2008, p..33).
Contribuiu com essa perspectiva a chegada da equipe do NUSP quando o
NEMED se encontrava no início das discussões da reforma do Curso Médico da
UFAL. Essa integração foi uma iniciativa dos estudantes do Centro Acadêmico, que
já tinham participado dos programas e projetos do NUSP e conheciam a experiência
dos professores em planejamento e condução de trabalhos participativos de grupo.
Além das técnicas apresentadas e utilizadas pelo NUSP, outros instrumentos
foram apreendidos e começaram a fazer parte do conhecimento e das estratégias do
NEMED. Numa rede, os veículos de facilitação da comunicação não são meras
ferramentas; são a própria rede, de forma indissociável. Não se economiza em
84
recursos de facilitação das relações quando se trata de redes; elas são concebidas
com essas propriedades, são da sua natureza. É comum nas redes a preparação de
seus participantes para as relações interpessoais e identificação de perfis de
facilitadores para otimizar os resultados das comunidades de prática e dos grupos
de tarefa. A Rede internacional de Computadores é uma modalidade conhecida
mundialmente e que não para de construir mecanismos de interação, criando
continuamente espaços de intercâmbio em ambientes facilitados visualmente e
operacionalmente. Essa lógica é a da relação como propriedade maior. Outro fator
presente é o contexto, nada acontece na rede que não se identifique seu contexto
de inserção.
O processo de constituição de redes na UFAL utiliza, em vários momentos de
seu processo de mudanças, vários instrumentos e técnicas de facilitação, escolhidos
para sensibilizar, mobilizar, formar, identificar e planejar de forma estruturada e
sempre participativa o processo de intercâmbio e preparação do grupo social. Está
registrado no documento intitulado Linha do Tempo, numa escala cronológica, o
lançamento de mais de cem títulos de eventos realizados a partir de 1999,
objetivando gerenciar as mudanças. Nos relatos e nos relatórios foram explicitados
como essas técnicas e instrumentos realizaram-se, conforme passamos a
relacionar:
Munguzá Pedagógico – era “um espaço de aproximação e diálogo da Medicina com
as demais áreas do conhecimento”. Era um espaço de aprendizagem lúdica e de
desenvolvimento humano aberto aos docentes, discentes de todas as áreas e
também à comunidade do HUPAA. Era uma comunidade de práticas;
Seminários – a partir de um referencial teórico apresentado para os participantes,
em forma de palestra, eram organizadas perguntas-chaves e formados grupos que
deveriam eleger um representante para apresentar o pensamento do grupo. Usados
para aprofundar conceitos e análises das realidades vividas, tinham como estratégia
a participação do corpo docente, discente e técnico e quase sempre de
representantes de outras unidades acadêmicas da UFAL e da comunidade;
85
Reuniões – realizadas de forma constante, como prática para identificar problemas e
encaminhar de forma democrática as atividades, acontecem em todos os níveis e
sempre;
Oficinas – têm uma função pedagógica de planejamento e de facilitação das
relações interpessoais e grupais. Com duração mínima de um dia, normalmente são
conduzidas por um ou mais facilitadores, objetivando de forma eqüitativa conduzir a
participação e a reflexão dos participantes;
Metaplan – ferramenta de planejamento participativo, com etapas de diagnóstico,
elaboração e acompanhamento de ações estratégicas ou tácitas, de organizações e
grupos diversos;
Grupos de trabalho/ força tarefa – envolvem mais pessoas no gerenciamento e na
proposição de soluções, em apoio e consonância com a gestão formal;
Grupo de sensibilização – objetiva, através de diversas técnicas de integração,
apresentar novas referências, influenciando a participação e adesão de outras
pessoas;
Colóquios informais e articulação interpessoal – incentivam ao contato interpessoal e
a formação de rede pessoal de relações para aproximar pessoas e ajudar na sua
inserção nos processos;
Participação em congressos – incentivar a participação da comunidade acadêmica
através da apresentação de trabalhos que possam contribuir com a ampliação de
seus quadros de referências, inspirando mudanças de ordem técnica, pessoal e
conceitual;
Semana de capacitação e planejamento – ocorre no início de cada semestre e
objetiva congregar a comunidade acadêmica para avaliar e planejar o semestre
seguinte, bem como ofertar cursos anteriormente identificados como necessários ao
quadro de funcionários do curso de Medicina;
Intercâmbio com Experiências exitosas – objetiva identificar as estratégias e as
técnicas e referencias teóricos utilizados para gerenciar o processo de mudanças –
tanto em nível de conhecimento quanto em nível de preparação das pessoas;
86
Consultorias especializadas em várias áreas – objetivam trazer profissionais cuja
competência técnica e humana, ajudem a transmitir, opinar, orientar, capacitar,
planejar, acompanhar na elaboração e implantação de projetos;
Mesa redonda – objetiva trabalhar um determinado tema através de vários
subgrupos, permitindo que contribuam em cada fase da construção da solução ou
do debate com os aspectos significativos para a construção de soluções;
Ampliação da comunicação interna – planeja a utilização de todos os meios de
contato disponíveis para ampliar a disseminação da informação na FAMED;
Fórum – através de vários palestrantes, em volta de um mesmo tempo, instala o
projeto dialógico que possibilita a formação e ampliação dos quadros de referências,
dentre outros instrumentos de participação.
Cada instrumento e/ou técnica utilizada e registrada na cronologia do
documento Linha do Tempo teve uma finalidade, conforme descrevemos acima, seja
ela de capacitação, informação, resolução de problemas, administração de conflitos,
estudo, etc. Um exemplo de facilitação do diálogo foi a realização de oficinas de
integração, desenvolvidas nos serviços de saúde, objetivando sensibilizar e preparar
as equipes para receberem os estudantes. Se o objetivo for resolver problemas, a
técnica de tempestade de ideias pode facilitar a liberação da criatividade para
encontrar alternativas. Caso o objetivo seja facilitar a aquisição de novos conceitos,
os seminários com palestras e mecanismos para promover a participação, podem
trabalhar dinâmicas de grupo ou jogos, selecionados para o tema.
Essas técnicas de facilitação são recursos de condução de grupos, que foram
aperfeiçoadas e são utilizadas em processos participativos e interativos nas
organizações humanas no mundo todo. Normalmente são conduzidas por um
facilitador, com experiência com grupos. Como uma rede tem o pressuposto da
comunicação, a escolha do instrumento de intercâmbio adequada poupa tempo e
potencializa resultados. O grupo do NEMED procurou conhecer esses instrumentos
de trabalho em outras instituições e trazer pessoas que ensinassem a utilização
desses recursos.
87
Conexões vão se formando dentro do nodo, numa troca contínua com o
ambiente. A movimentação dos alunos em consequência de vivências do
NUSP/UFAL na rede de saúde trouxe a oportunidade de conhecer a realidade da
saúde nos municípios alagoanos. Essa experiência dos discentes, une o NUSP ao
NEMED, para discutir educação médica, ao tempo em que eles conversam com as
instituições formais de saúde, abrindo o diálogo entre a Universidade e o serviço de
saúde. Educação e saúde se entrelaçam, numa contínua troca e rede de influências
mútuas. O currículo se transforma motivado pela necessidade da saúde, que, por
sua vez, transforma a educação através de um projeto pedagógico convergente com
as demandas sociais. O processo de mudança não é prerrogativa do curso de
Medicina da UFAL, considerando que vários cursos no país vêm reformulando seus
projetos, direcionados pelas premissas do SUS, como parte de uma teia que vem
sendo tecida e vem se conectando no país.
Além das ferramentas de planejamento e facilitação de grupos, houve uma
significativa convergência de interesses entre o propósito do NEMED, que passava
por construir um projeto pedagógico de vanguarda, e a experiência e conhecimento
do NUSP em consolidar a Reforma Sanitária Brasileira em Alagoas. Segundo a
Diretora de Ensino do HUPAA (2000-2004)/Coordenadora do NEMED (2001- 2005)
“o NUSP foi muito importante como fonte de informação – ele dava o `Norte`;
enquanto para a Coordenadora do NUSP (2002-), a aproximação dos dois núcleos,
foi fundamental para definir o projeto da saúde coletiva contribuindo com a
perspectiva do projeto pedagógico como um todo. O núcleo de saúde pública
contribuiu em diagnósticos, na identificação dos órgãos que poderiam ser apoio, nas
estratégias para captar recursos, com a sua rede de contato no ambiente de saúde
do Estado e dos municípios.
O novo projeto em concepção é redirecionado com a participação de outras
áreas do curso de Medicina, convergentes com a reforma sanitária, bem como com
a participação das organizações do Estado, ligadas à saúde ou à educação. Essa
dinâmica foi possibilitada pela perspectiva de integração e de construção coletiva,
permitindo que o foco da atenção fosse deslocado da parte para o todo, ampliando a
percepção e as alternativas de respostas.
88
O NEMED, objetivando elaborar a proposta de reestruturação do curso de
Medicina consonante com os fundamentos de um novo paradigma pedagógico,
constituiu uma equipe encarregada de pesquisar, analisar e selecionar os modelos
de projetos pedagógicos implantados no País, na concepção da mudança. Naquele
momento de construção, as iniciativas da ABEM, com a realização de eventos e
debates, no sentido de articular as idéias de mudança na formação médica,
contribuiram significativamente com a equipe do NEMED. Os debates sobre a
educação médica ganharam espaço e norte com a iniciativa do MEC no tocante à
aprovação das diretrizes para os cursos de ensino superior, com políticas
consonantes com a reforma sanitária do país.
Ainda na última década do século XX, iniciam-se as discussões para
a formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os
cursos de graduação da medicina, homologadas em 07 de novembro
de 2001 (Brasil, res. nº. 4, CNE/MEC, 2001), tendo como atores
atuantes os Projetos UNI, a ABEM e a CINAEM. As DCNs afirmam
que o profissional médico tem que ter formação generalista,
humanista, crítica e reflexiva, e com princípios éticos deve promover
a saúde integral do ser humano. (LAMPERT, 2008, p.33)
Vários anos se passaram entre a promulgação da Constituição de 1988 e a
homologação das DCN para os Cursos de Medicina em 2001. As diretrizes foram
elaboradas em consonância com os princípios do SUS, buscando responder às
questões da sociedade, repletas de desconforto e desaprovação referentes à
qualidade da saúde que lhe era disponibilizada. As críticas e insatisfações quanto à
formação dos profissionais médicos, há muito ocupam os debates dos espaços
acadêmicos, da administração pública e privada, da sociedade civil organizada e,
em todos os debates evidenciava-se a desconexão entre a reforma sanitária
nacional e a formação do profissional médico praticada pelas escolas de nível
superior.
As novas DCN do MEC “foram essenciais para nortear a integração do ensino
com o serviço e para definir os princípios na construção de um novo currículo
médico” (UFAL/FAMED, 2009). As DCN objetivam substituir a visão tradicional de
currículo como grade, modelo, com seu formato linear, estático, fracionado,
sequencial, numa visão mecanicista de compreensão da realidade, pela visão de
89
diretrizes. “O mundo mudou e o desafio, para as instituições e professores, está em
como contribuir com o enriquecimento do indivíduo, como sujeito capaz de aprender
a partir de suas experiências, pensamentos, desejos e afetos” (GÓMEZ, 2001, p.
77).
Essa movimentação e troca entre as organizações interessadas no tema da
saúde e no ensino médico demonstram abertura para o intercâmbio e diálogo, que
são decorrentes de dois contextos – o processo democrático e as facilidades das
novas tecnologias da informação. O governo, com a participação dos dois
Ministérios (Saúde e Educação), a sociedade civil organizada (ABEM, ANDES e
outras) e os agentes de fomento como a OPAS vão se conectando e construindo um
conjunto de ações interligadas, onde a abertura para o ambiente externo e a
constante troca promovem mudanças e geram novas agendas de compromisso. “Os
dois Ministérios, pela primeira vez, dão sinalização de olharem na mesma direção a
partir das DCN. Por exemplo, nos eventos de educação médica, o Ministério da
Saúde se fazia presente mas a participação do MEC é mais recente” (DIRETORA
DE ENSINO DO HU, 2000-2004/ COORDENADORA DO NEMED, 2001- 2005).
O
grupo
do
NEMED
apreende
essa
concepção
de
mudança
e
estrategicamente envolve outras instituições em todas as fases da elaboração do
projeto pedagógico do Curso de Medicina. “O ambiente externo se conecta à
Universidade e nenhum projeto ou proposta, até sua formulação final, era tratado
sem a participação dos profissionais do serviço” (COORDENADORA DO NUSP,
2002-).
Muitos médicos que hoje são *preceptores 5 participaram dos
trabalhos e os conselheiros dos municípios faziam parte do NEMED,
tanto do Conselho estadual como do municipal de Maceió,
participavam das oficinas, seminários e reuniões. Sempre tinha
“atores” externos em tudo que era realizado. Eles formavam um
grupo de discussão, não era um grupo da elaboração e formulação.
“Cada necessidade que o núcleo sentia, vinha um gestor, vinham
técnicos, vinham conselheiros, vinham profissionais, ora vinham
todos e o mais presente deles era o Conselho de Maceió”
(COORDENADORA DO NUSP, 2002-).
5
Preceptores são os profissionais do serviço que recebem os alunos em suas práticas.
90
A maioria das ações realizadas para promover a reforma político-pedagógica,
conforme observamos nos documentos, ocorreu através do NEMED, que era um
grupo informal, no primeiro momento, mas que foi ocupando os espaços de debates
e se fortalecendo politicamente dentro do Curso. A realização do programa de
desenvolvimento docente foi uma das principais estratégias do NEMED, dentro
desse processo de mudança organizacional. Em 2002 com a parceria do Centro de
Desenvolvimento da UNIFESP (CEDSS) realizou uma série de seminários e
oficinas, sobre o ‘Projeto de Reestruturação do Curso Médico [...], e com o apoio da
SESAU/AL, viabilizou a participação de professores em congressos de educação
médica.
O Programa de Desenvolvimento Docente realizou, com o apoio e
financiamento da Fundação Alagoana de Pesquisa (FAPEAL), o Curso de
Especialização em Educação Médica, em parceria com o curso médico da
Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL). O grupo que participa
da Especialização assumiu logo em seguida o Colegiado do Curso, e instituiu o
currículo de transição, “como estratégia para sensibilização e planejamento do novo
currículo a ser implantado em 2006.” (PPC, 2006. DIRETORA DE ENSINO DO HU,
2000-2004/ COORDENAÇÃO DO NEMED, 2001- 2005).
O grupo do NEMED teceu vínculos e formou as alianças necessárias à
construção de um projeto pedagógico que formasse um egresso “crítico, humano,
generalista e conhecedor da realidade sanitária do Estado, com capacidade de
intervir tecnicamente”. O grupo compreendeu que a estratégia pedagógica que
possibilitaria a mudança não podia fortalecer o modelo de formação hospitalar
focado na preparação de especialistas. O novo projeto deveria quebrar com a
hegemonia de formação médica, e formar profissionais com conhecimento do
processo saúde-doença, em substituição à formação reativa de tratar os sintomas e
as doenças. Em 2005 foi implantado o currículo de transição com a ampliação do
internato de 12 para 23 meses letivos, “como estratégia para sensibilização e
planejamento do novo currículo a ser implantado no ano seguinte.” (DIRETORA DE
ENSINO DO HU, 2000-2004/ COORDENADORA DO NEMED, 2001- 2005).
91
Em 2006, em regime semestral, começou a primeira turma do novo projeto
pedagógico, organizado numa estrutura formada por três eixos pedagógicos:
Teórico-Prático, integrado com o básico-clínico; Eixo de Aproximação à Prática
Médica e Comunidade, e o eixo transversal aos outros dois – Eixo de
Desenvolvimento Pessoal.
A r tic u la ç ã o e n tr e o s e ix o s d o n o v o c u r r íc u lo
m é d ic o d a U F A L
T P I
A P M
D e s e n v o lv im e n to P e s s o a l
Figura 3 – Articulação entre os eixos do novo currículo médico da UFAL
Fonte: Projeto Pedagógico do Curso de Medicina (2004)
3.2.1.
A Faculdade de Medicina da UFAL – FAMED e suas interações
O ano de 2006 foi de muito movimento na UFAL, pois todos os cursos tiveram
que implantar seus projetos pedagógicos, enquanto em paralelo, uma nova estrutura
administrativa estava sendo implantada. Com essa mudança no estatuto, o CSAU
deixou de existir enquanto centro, e os cinco cursos passaram a fazer parte de
unidades acadêmicas separadas, continuando juntos apenas os cursos de Farmácia
e Enfermagem, compondo uma nova unidade. Nasce então a FAMED, tendo o curso
de Medicina como seu único integrante. Esse fato traz à tona as dificuldades de
esses profissionais trabalharem integrados.
Apenas para fins didáticos, apresentamos uma imagem com os setores que
passaram a constituir a FAMED, a partir de então, demonstrando o fluxo das
92
interações entre eles e, principalmente, as interações com outras unidades na UFAL
e as interações com o meio externo e a UFAL. Durante nossas análises, é
importante que ela seja resgatada, para facilitar a compreensão das ideias que
estamos estudando.
Ambiente Externo
UFAL
FAMED
HUPAA
NEMED
Curso de
Medicina
NUSP
CIEPS
Ambiente Interno
Figura 4 – Faculdade de Medicina com seu único Curso e o NUSP, com suas relações e
interfaces.
A fig. 4 apresenta os três grandes caminhos de diálogo com o ambiente
externo, que estão assinalados pelas setas largas de cor branca. O primeiro, o mais
antigo, é o caminho HUPPA – sociedade, por ser campo de prática médica e pela
prestação de serviços médicos hospitalares junto ao SUS. Outro grande canal de
comunicação com o ambiente externo ocorre diretamente com o próprio curso de
Medicina – sociedade, e, por último, de forma significativa, com o NUSP- sociedade,
por sua natureza e atribuição.
A titulo de esclarecimento, quando falarmos em ambiente externo, estamos
nos referindo ao ambiente local fora da Universidade, o Estado de Alagoas, suas
instituições e municípios, ou estamos nos referindo ao ambiente nacional, o
93
Governo, as instituições públicas, as associações de classe, iniciativa privada,
terceiro setor.
A FAMED se conecta ao serviço de saúde do estado de Alagoas, através de
três caminhos, conforme demonstram as setas brancas da fig. 4. Internamente
esses caminhos estão interligados por uma ampla faixa de interfaces, confundindose e unindo-se umas as outras pelas arestas pretas, demonstrando a ligação entre
as unidades da UFAL.
Observamos na imagem que a FAMED se expande no espaço do HUPAA,
seja em políticas educacionais e/ou em políticas de saúde da população, ocupando
os espaços físicos com procedimentos médicos e o exercício da docência. Um
hospital é uma estrutura organizacional bastante complexa, e um hospital escola,
que tem dupla missão, prestar serviços de saúde e desenvolver o ensino,
potencializa essas dificuldades, o que faz dessa área de conhecimento um potencial
para desenvolver o pensamento sistêmico. O paradoxo é que ele tende a manter o
estabelecido e reage fortemente a qualquer coisa que desequilibre o que está posto.
“[O que dificulta.] é a distância entre seus integrantes, são as várias culturas
presentes na Medicina. A ideologia médica reage ao novo. Não sei como ela é
nutrida, mas é muito forte” (DIRETORA DE ENSINO DO HU, 2000-2004/
COORDENADORA DO NEMED, 2001- 2005).
Historicamente, o primeiro e mais antigo canal de conexão ocorreu através de
convênios entre a UFAL/HUPPA e o governo federal, para prestar serviços de saúde
à população, e, em contrapartida, esses serviços viabilizavam a prática dos alunos
da graduação em Medicina, e demais cursos da saúde e até de outras áreas do
conhecimento. Antes da reforma sanitária, o planejamento e a gestão desse trabalho
não tinham a perspectiva de rede, mas adotavam uma perspectiva linear, pontual.
Havia uma demanda, e a unidade hospitalar ofertava os serviços de que dispunha,
porém sem o caráter de rede que articula agendas e tem um objetivo comum e
percepção sistêmica. A aproximação do HUPAA com o ambiente formal da saúde no
estado de Alagoas era sazonal, dependendo do governo que estava no poder, não
havendo ainda uma política de estado, interligada, sistêmica e interdependente.
94
O HUPPA passa então a ser uma unidade do SUS, recebendo os pacientes
encaminhados pelas unidades de atenção básica e realizando os procedimentos de
alta e média complexidade. Hoje as equipes são compostas de profissionais das três
esferas de governo na execução dos trabalhos de assistência dentro de suas
instalações, muitas vezes trabalhando juntas no mesmo setor. Entretanto tem como
desafio se inserir no sistema de saúde, percebendo-se como um nodo da saúde,
sem perder de vista sua missão de educação, ao contrário da faculdade de
Medicina, cuja ocupação com a educação vem demandando nos últimos anos maior
investimento dos profissionais na implantação do projeto pedagógico, reduzindo o
ritmo de intercâmbio com os demais nodos da rede estadual de saúde.
Como demonstra a imagem, o NUSP é nodo da rede da FAMED com um
feixe de arestas de intensas e constantes conexões com os outros cursos da área
da saúde e de outras áreas do conhecimento da UFAL. Internamente suas ações se
confundem com o Eixo de Aproximação às Práticas Médicas e à Comunidade –
(EAPMC), que compõe o novo PPC Medicina, considerando a quantidade de
relações mantidas e o envolvimento das equipes nas atividades de ensino, pesquisa
e extensão. Com relação ao ambiente externo, apresenta maior inserção nas
políticas e integração sistêmica, interagindo com as instituições que formam a rede
da saúde no Estado num contínuo e expressivo intercâmbio.
Diferentemente das estruturas hierárquicas, essas relações horizontais não
apresentam um quadrado, um formato único com limites claramente definidos no
organograma organizacional;elas vão adquirindo novas “gestalts”, à medida que
trocam com o contexto em que estão atuando. Percebe-se a presença de conexão,
relação e contexto no NUSP.
Como qualquer rede, não existe formato rígido e constante, podendo ser
apreendida, identificando o padrão de interação e movimento. O NUSP, apesar de
lotado na FAMED, integra várias áreas de conhecimentos da UFAL, ligadas direta ou
indiretamente ao tema da saúde. Como campo de estágio multidisciplinar, vem
possibilitando a preparação de profissionais na perspectiva do SUS. Os estudantes
das diversas áreas se inserem nos programas de extensão e pesquisa, realizados
no ambiente de saúde local e vivenciam juntos suas políticas de saúde e o
95
conhecimento de um conjunto de relações contextualizadas e multidimensional
(política, econômica, epidemiológica, sanitária, gestão e psicossocial).
Em virtude da importância que o movimento do NEMED teve na construção
das significativas mudanças no Curso de Graduação em Medicina, ele está
delineado na imagem que construímos para destacar sua importância na história
recente do UFAL/FAMED. Durante a construção do Projeto Pedagógico do Curso,
as conexões com o ambiente externo, através das ações do NEMED, foram
diversas, inclusive nacionalmente, através da ABEM, e de todas as articulações que
a entidade associativa promoveu, formando um movimento de estudo e articulação
política em favor das reformas – a da saúde, naquele momento já com a
consolidação do SUS, e a da mudança na educação-médica. Outra vez
identificamos neste parágrafo a presença das três categorias de redes. - conexão,
relação e contexto. Ele funcionava como uma unidade informal dentro da estrutura
do antigo CSAU constituindo uma comunidade de prática, caracterizada no primeiro
momento, pela autonomia e independência da estrutura formal, com vida própria
dentro do Curso.
Com o ambiente externo local, o Curso de Medicina, através do NEMED,
abriu o diálogo, incluindo a participação dos principais integrantes da área da saúde
do estado e dos municípios, os conselhos de saúde, na construção do seu novo
projeto pedagógico do qual também participaram as associações, os sindicatos, os
conselho de classe e a UNCISAL. O curso contou com o financiamento dessas
instituições para realizar capacitações e participação em eventos e reuniões
nacionais, estando presentes duas categorias: conexão e relação.
Por último, a imagem demonstra, dentro do NUSP, a Comissão Interna de
Educação Permanente para a Saúde (CIEPS). Trata-se de uma estrutura
independente, multidisciplinar que se projeta na universidade com o apoio do núcleo,
integrando a rede de saúde à universidade, completamente independente da
FAMED. Relações e conexões são as categorias presentes nessa estratégia do
SUS, onde a UFAL é a única instituição formadora, que possui CIEPS.
96
Numa estrutura hierárquica, essas formas de organização não são possíveis
porque desmontam o modelo de comando e subordinação de unidades funcionais,
gerando conflitos e comprometendo o fluxo dos processos e comunicação. No
modelo de rede horizontal, novas unidades vão se constituindo e se afiliando
(relacionando) com as unidades em interface e de natureza semelhante.
O NEMED foi um “propositor” e um “executor”, assumindo um papel
estratégico nas mudanças para uma formação mais condizente com as políticas de
saúde do País. “Hoje boa parte do grupo assumiu funções na gestão da
FAMED/UFAL, integrados em atividades e ações antes assumidas pelo Núcleo.
Atualmente, cabem ao Núcleo especificamente, as ações referentes à capacitação
docente” (DIRETORA DE ENSINO DO HU, 2000-2004/ COORDENADORA DO
NEMED, 2001- 2005).
As organizações sociais em rede se alimentam das relações, intercâmbio e
interdependência, gerando movimento e transformação nas pessoas e grupos. As
ações do NEMED movimentaram a comunidade acadêmica do curso de Medicina,
com encontros, reuniões, congressos, oficinas de planejamento e atividades sociais,
e com a perspectiva de aprender e agir sobre a realidade, Também recebe e visita a
comunidade de saúde do estado, seja seus integrantes o governo, a outra
Faculdade de Medicina do Estado, as associações de classe, sindicato, agentes
comunitários de saúde, conselhos de saúde, muitas vezes formando parcerias
através do compartilhamento de agendas. O Núcleo interage também com o arranjo
da saúde em nível nacional, seja ele a iniciativa privada ou o próprio governo,
participando das políticas indutoras (PPSUS, PROMED, PRÓ-SAÚDE) e eventos de
consolidação do SUS e de educação médica.
O urso de Medicina da UFAL se conecta com a rede de saúde pelo caminho
do NUSP, com programas de apoio ao serviço, capacitações, acessos a congressos,
oferta de especialização, participação nos Conselhos estaduais e municipais de
saúde, como integrante ou como consultor, fazendo diagnósticos e planejamentos. A
partir de 2007, a UFAL passou a participar com seis representantes da Comissão
Integração Ensino-Serviço (CIES), que assessora os gestores estaduais da saúde e
os colegiados de gestão regional, conforme definição do Pacto para a Saúde. A
97
universidade está, no nível local, participando e contribuindo com o tecido da rede e
recebendo os insumos para transformar a educação em algo vivo e convergente
com as necessidades sociais. Através do NEMED, a FAMED discute a formação
com esse mesmo público local e constrói um projeto pedagógico articulado, com
ideias e integração de ações da academia com o serviço. Nessa perspectiva de
conexão com o ambiente social, as relações são ampliadas e o Curso é organizado
para se inserir nos serviços de saúde a partir do primeiro período. A redes de
Educação e da Saúde fazem, nesse contexto, um engenhoso processo de ligações
entre as organizações sociais envolvidas.
Dessa forma, a FAMED e consequentemente a UFAL, através do
HUPAA/NUSP/Curso, estabelecem uma estrutura de rede com os outros órgãos da
saúde e com eles vêm dialogando e definindo juntos a formação dos seus
profissionais de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mais desafiante para a geração que vivencia as mudanças de paradigmas
a partir do século XX é entender o processo no qual está inserida e encontrar
respostas em pleno acontecimento dos fenômenos. A sensação de perplexidade e
insegurança do homem pós-moderno está presente em todas as áreas do
conhecimento, e os valores e crenças, que antes nortearam a sociedade moderna,
prevalecendo por três séculos, estão agora sob litígio e suas respostas para as
necessidades atuais são limitadas. O novo chegou e se instalou rapidamente,
causando disfunções de toda natureza, já que o conhecimento disponível não
consegue dar conta das novas formas de fazer as coisas, desencadeando a
necessidade de encontrar alternativas para os problemas dela decorrentes.
No Brasil, o modelo neoliberal de desenvolvimento dos governos da década
de 80 e 90 tinham como pressuposto distribuir a renda quando o Produto Interno
Bruto (PIB) crescesse e pudesse ser repartido com a sociedade como um todo.
Entretanto, quando o “bolo” começou a criar volume, não trouxe junto a partilha
esperada, e os problemas sociais chegaram a indicadores alarmantes de miséria e
falta de alternativas. A classe média brasileira praticamente desapareceu, enquanto
a faixa inferior e a faixa superior foram ampliadas, o que demonstra mais
concentração de renda de um lado e, do outro, a completa exclusão social. Dessa
forma, Alagoas, um dos estados mais pobres da federação, destaca-se no cenário
brasileiro como detentora de um dos menores índices de desenvolvimento humano
(IDH) do país, precisando urgentemente de políticas sociais efetivas, que
transformem o quadro em que se encontra.
99
É nesse contexto que a UFAL identifica a necessidade de atravessar seus
muros e cumprir sua função social. Essa abertura, segundo Tavares e Verçosa
(2006, p.180) vem sendo desenvolvida, através de “vínculos cada vez mais fortes
com o seu entorno, no sentido de oferecer respostas às ingentes demandas por
ensino, produção e disseminação do conhecimento de que Alagoas tanto necessita
para seu desenvolvimento”.
As políticas de saúde nacionais, conforme analisamos nos capítulos
anteriores desse trabalho, trazem a premissa da educação como base para as
mudanças na área, e identificam as Universidades como uma parceira estratégica
na implantação do SUS. Com a ajuda da OPAS, o governo federal cria equipes de
trabalho dentro das universidades, formadas por especialistas em saúde coletiva,
para planejar e desenvolver programas de preparação dos gestores e profissionais
da saúde, no conhecimento dos princípios e das premissas que norteiam o SUS.
Como resultado desse intercâmbio, foi sendo construído um espaço de
aprendizado de políticas de saúde pública, onde a Universidade aprende e abre
novos espaços de estágio nessa área tão estratégica e nobre para o Estado. E,
dessa forma, a saúde coletiva sai dos livros e documentos oficiais e ganha o olhar
da academia. Sua reflexão, investigação e intervenção, que passam a se apropriar
dos conhecimentos tácitos apreendidos nas vivências com os conselhos, gestores e
profissionais da saúde, transformando-os em conhecimentos explícitos e produzindo
informações para futuros projetos de extensão e pesquisa.
Os professores e alunos de vários cursos substituem o acesso às questões
sociais de saúde das aulas expositivas e dos livros da academia e têm a
possibilidade de, no contato direto com a cultura, fazer novas associações, com
aprendizados inéditos e cheios de significados. É nesse espaço de trabalho e
vivência da cultura que muitos egressos do curso de Medicina encontrarão seu
espaço de trabalho, estreitando a distância da formação acadêmica e a realidade
local, seus costumes e crenças. Como exemplo que ilustra a contribuição dessas
trocas nos espaços de intercâmbio, podemos descrever a reflexão ocorrida durante
um seminário de planejamento, com a presença dos representantes dos serviços e
gestores municipais, quando o tema em debate era o perfil do egresso do Curso de
100
Medicina. O grupo relatou que, apesar de programas como o PSF, serem atrativos
financeiramente e oportunizarem a inserção dos jovens médicos no mercado, “eles
não aguentam a natureza do trabalho, adoecem e desistem ”(PARTICIPANTE DO
SEMINÁRIO, 2001). Na visão daquele grupo, essa situação decorre da complexa
realidade das comunidades, e da distância existente entre o perfil que a academia
vem propondo na formação e o perfil que precisa ser desenvolvido para responder
às demandas da comunidade. Reflexões dessa natureza fomentaram a necessidade
de mudar, possibilitando a preparação de profissionais com formação robusta para
interpretar e associar as diversas dimensões do conhecimento.
A situação do Estado de Alagoas era muito favorável à adesão às novas
políticas, pois havia certo consenso com relação à necessidade de descentralizar e
fortalecer um sistema de saúde. Porém, era também desfavorável, pela carência em
que se encontrava o arranjo de saúde, considerando que, entre seus municípios,
apenas um tinha certa estrutura de saúde montada, e nem a capital, Maceió, tinha
secretaria de saúde. Não havia principalmente, a estrutura para formação adequada,
nem cultura de participação colegiada em conselhos, ou qualquer espaço de gestão
democrática.
Havia muito a aprender e a construir e “essa realidade muito distante”
precisava ser apresentada, não por decreto, mas pelo processo de aproximar
conceitos, e constituindo referencial para esses profissionais, que seriam
protagonistas nessa construção do ambiente da saúde. Mesmo para a UFAL, essas
práticas de interação e planejamento conjunto não faziam parte da sua experiência.
Foi preciso aprender fazendo, com avanços e recuos ao longo das duas últimas
décadas, num contexto de construção da democracia do país. Quando o cenário
mudou e uma nova ordem foi instalada, de imediato a Universidade orientou seus
cursos a abrirem suas portas para a sociedade, transformando o ensino, a extensão
e a pesquisa em instrumentos de promoção social e avanço científico.
Dessa maneira, as relações de troca e intercâmbio entre os nodos dessas
organizações, em rede formal de políticas, foram ampliadas, promovendo o
aprendizado do trabalho interinstitucional. Em nível local, tanto quanto no nacional,
políticas claramente definidas e legitimadas norteavam o desdobramento das ações,
101
sem perder o foco; identificaram as categorias do ambiente em volta, suas
características epidemiológicas, suas condições sociais e definiram suas estratégias
e ações de curto, médio e longo prazo, de acordo com o papel institucional de cada
nodo. Como essas interações, apesar dos avanços significativos, apresentaram
ainda aspectos em construção, levou algum tempo para a rede funcionar e trazer os
resultados próprios dos organismos abertos, que trocam e procuram sua
homeostase, em interação com o ambiente externo.
Observamos que, enquanto instituição de educação com o papel de
articuladora, a UFAL favoreceu o diálogo com os gestores do ambiente de saúde,
mas tudo estava ainda no início e precisava do fator tempo e de uma perspectiva de
longo prazo. Para a Coordenadora do NEMED (2001-2005), os avanços em Alagoas
eram comprometidos pela alta rotatividade de secretários da saúde nos municípios,
o que dificultava a sequencia e continuidade dos diálogos. “Trocamos mais com o
ambiente externo nacional e com as instituições privadas do que com ambiente do
estado”, declara a Coordenadora. É, necessário portanto, continuar investindo na
formação de novos vínculos, entre os nodos da rede de saúde do Estado, além dos
já existentes, considerando que as relações entre a UFAL e os gestores e
profissionais da saúde avançaram em participação e construção coletiva, e a rede
formal de políticas foi sendo tecida. Entretanto as Comunidades de Práticas, apesar
de todas as ações e espaços construídos, envolvendo a comunidade acadêmica e a
comunidade do serviço de saúde, ainda têm uma interação muito reduzida, que não
se traduzem em políticas de interação mais sistematizadas, na construção de
soluções conjuntas.
Internamente, essas relações e iniciativas de interação não eram menos
complexas. A dificuldade de conexão dentro do curso é evidenciada na fala da
Coordenadora do NEMED (2001-2005), quando diz: “-Não tínhamos prática de nos
reunirmos por nada” e [...] “Mesmo com todas essas ações da UFAL/NUSP no
ambiente da saúde, as informações geradas não chegavam ao resto do curso”.
Outro
fato
observado
pela
Diretora
do
CSAU
(1988-1992)/Coordenadora
PPG/Saúde (1990) foi o da separação dos cursos da saúde, no momento da
reforma: “Nunca foi uma integração fácil e até hoje, ainda não é”. Como os valores
102
permanecem inalterados, houve uma aparente integração no momento do
PPG/Saúde, explicitadas as diferenças, quando foi necessário aprofundar um projeto
interdisciplinar. O desafio de interação está presente também dentro do curso de
Medicina, onde o trabalho em equipe, base do novo PPC, vem encontrando
enormes barreiras de realização.
Com um modelo de interação tradicional e complexa, o HUPAA vem
respondendo de forma reativa ao ambiente interno e externo, em busca de soluções
para sua sobrevivência, faltando uma visão integrada de seus papéis, direcionando
melhor suas ações. Nesse contexto, a concepção de rede vem acontecendo pelos
mecanismos de gestão do sistema, ou seja, a construção de um novo pensamento,
integrado com o ensino, a pesquisa e a extensão, que só acontece quando a
organização se dispõe a aprender, está ainda engessado, e o fluxo de comunicação
deixando a desejar. Há pouca interação interna, tanto quanto a externa, mas precisa
ser expandida.
Quando o SUS foi criado, o HUPAA passou a integrar o fluxo de organização
da demanda de saúde da população do Estado, onde o paciente é inserido
inicialmente no sistema através das unidades básicas de saúde, em atenção
primária, que estima-se resolver “cerca 80% a 85% dos problemas encontrados”
(PRÓ-SAÚDE, 2007:13), e é encaminhado para o HUPAA ou outro hospital assim
definido, em seguida, para assistência aos casos de média e alta complexidade.
Entretanto, apesar desse papel já definido e que vem sendo consolidado
sistematicamente, as ações da atenção básica da saúde ainda fazem parte do
cotidiano do Hospital Escola da UFAL, pela fragilidade dos demais pontos do fluxo
em Alagoas.
Mesmo com esses aspectos aparentemente comprometedores, porque a
teoria das redes de cooperação entende esse fenômeno como um processo natural
dos grupos humanos, este estudo foi capaz de demonstrar o esforço e os avanços
dessas organizações em rede, ao realizar as trocas de informações e
conhecimentos, para identificar os pontos de convergência e aprender a conviver
com suas completas interdependências, contribuindo com seus processos de
trabalho e com as mudanças na formação do egresso de Medicina da UFAL.
103
Constatamos durante a pesquisa, que o processo de construção do projeto
pedagógico do curso de Medicina foi participativo internamente e externamente,
formando conexões com o corpo docente e discente, abrindo a academia à crítica do
ambiente externo, com reflexões sobre o papel que cabe à Universidade na
formação desses profissionais. Essa participação democrática representou todas as
soluções e representou também todos os desafios. Essas relações foram
aprimoradas com a utilização de técnicas e instrumentos de facilitação, aprendidos
com outras instituições e com a presença de profissionais internos e externos à
Universidade, que puderam contribuir com esses veículos de facilitação.
Os editais interministeriais lançados pelo MEC e pelo Ministério da Saúde
trazem uma linguagem de integração nas políticas relacionadas às questões da
saúde e da educação em saúde. Trazem uma linguagem convergente, de
fortalecimento do SUS, incentivando os nodos das respectivas redes a avançarem
em ações que ajudem a construir um processo de formação capaz de resolver os
principais problemas sociais em saúde. Um exemplo recente foi a construção de
uma política de remuneração dos médicos preceptores do serviço, cuja falta de
financiamento estava inviabilizando a formação nos ambientes de prática públicos.
Na visita do MEC à UFAL, em 2008, durante uma reunião com os docentes, foi
comunicado que o problema estava prestes a ser resolvido, com o financiamento do
MS, através do programa PET-Saúde. Observamos que os recursos disponibilizados
não atendem a ações isoladas, mas elas precisam está coerentes com as DCN e/ou
com os princípios e estratégias do SUS, e serem resolvidas durante todo um
processo ininterrupto de construção.
Com as políticas de estado para a saúde claramente explicitadas, a formação
médica tem o seu direcionamento, construindo seu projeto de formação em
consonância com os novos paradigmas educacionais da LDB na qual o currículo é
flexibilizado e a concepção de grade é substituída por diretrizes. A substituição do
currículo mínimo pelas diretrizes curriculares representa um grande avanço e
desafio, porque sua implementação requer uma base social ampla que a viabilize.
O SUS é uma política de estado, que apesar de estar no texto constitucional,
precisará ser acompanhada, direcionada e apoiada para ser construída. Os editais
104
disponibilizados às Universidades para ações de desenvolvimento profissional
financiam os eventos que fortalecem as diretrizes do SUS e as DCN, ou seja, eles
induzem e fomentam a construção dessas políticas. O fato dos cursos poderem
aderir ou não a esses editais demonstra o respeito à autonomia das instituições.
Entretanto, o acompanhamento de avaliação realizado pelo MEC pontua
positivamente o atendimento a essas orientações, o que gera controle, porque
condiciona e induz à mudanças, ou seja, intervêm nas instituições de ensino
superior. O termo intervenção significa o ato de intervir. Interferência é o ato do
estado impor medidas, segundo Holanda (1975, p. 778). Entendemos que o caráter
desse ato de pressão externa é, de certa forma, mais de convencimento e menos de
“intromissão”, considerando o contexto democrático de ampla participação social,
onde esses pressupostos foram direcionados. Nesse caso trata-se mais de uma
forma de acompanhamento e orientação, para que esses nodos se desenvolvam na
direção definida em processo coletivo do que um processo de interferência do
Estado nos assuntos internos de uma organização.
De forma diferenciada das práticas do Curso e, segundo percebemos na
UFAL como um todo, que não tem por hábito reuniões e processo de envolvimento
coletivo, os professores, alunos, e as instituições do serviço de saúde do Estado
começaram a se reunir e, entre Mungunzás Pedagógicos, Cursos de Especialização
em Formação Médica, visitas técnicas, grupos de trabalho e oficinas de diagnóstico
e planejamento, vão tecendo suas conexões, e construindo seu PPC de forma
integrada com as outras instituições da rede de saúde. Educação e Saúde vão se
entrelaçando com políticas e agendas comuns. A nível nacional, a rede se entrelaça
pelos Ministérios da Educação e da Saúde, formando uma comissão interministerial
com funcionários para tratar das questões referentes à formação dos profissionais
da saúde. Os programas de incentivo às mudanças curriculares, bem como
programas de apoio às pesquisa para o SUS, são realizados em conjunto, ou com o
apoio e anuência um do outro.
O grupo de professores e alunos da UFAL se organizou, todos convencidos
de que a formação do jovem médico proporcionada pelo Curso de Medicina da
UFAL precisava ser discutida, e um novo projeto elaborado. Com esse objetivo eles
105
formam uma comunidade de práticas e se prepararam e prepararam os ambientes,
interno e externo, para a mudança, convergindo com a reforma sanitária do país.
Essa importante e decisiva iniciativa deu origem à estruturação de uma comunidade
informal para estudo da educação médica, e o referido núcleo movimentou o
ambiente interno do Curso, envolvendo seus integrantes em encontros e eventos,
objetivando a formação de massa crítica, com a finalidade e ter pessoas capacitadas
para conduzir os processos de mudanças. Esse grupo também foi capaz de voltar
seu olhar para fora dos muros da Universidade e, contrariando todas as práticas
anteriores, que mantinham relações hierárquicas com o ambiente externo, percebese que faz parte de um todo e que tem profunda interdependência com ele.
O MEC começa a conversar com o Ministério da Saúde, alinhando seus
pressupostos, e a reforma sanitária ganha uma forte aliada: as DCN para o Curso de
Medicina. Como a base de pensamento é a mesma, os valores e princípios também
são, traduzindo-se em ações convergentes os dois temas tratados na perspectiva
do novo paradigma que emerge. Quando o SUS se define como um sistema
interligado e único, as Diretrizes curriculares flexibilizam o currículo, que se afasta da
concepção de grade, com disciplinas compartimentalizadas, e que se distanciam da
visão do modelo biomédico, migrando para a visão biopsicossocial, onde o
pensamento sintético substitui o pensamento analítico e reducionista, integrando
áreas de estudo, numa perspectiva humanista e de cooperação. Essa abordagem
das DCN pretende formar médicos generalistas, mas, à medida que flexibiliza o
currículo, permite que o contingente seja contemplado de acordo com o perfil da
região.
Na UFAL, o novo PPC, tende a ampliar as aulas práticas e os ambientes onde
o estudante é protagonista, com os temas integrados nos espaços de atendimento
ao paciente, em que a orientação do professor ajuda aos alunos em seus estudos e
leituras individuais correspondentes. Essas mudanças provocaram muita reação
entre os professores médicos, apesar dos treinamentos e dos espaços de debate e
construção coletiva do novo projeto pedagógico em construção. Essa situação
decorre, principalmente porque demandará mudanças significativas nesse clássico
106
papel de professor palestrante para o papel de professor facilitador de
aprendizagem, onde o aluno passa a ser o protagonista das atividades.
Estamos vivendo duas décadas de muita mudança, quando tem sido possível
observar os movimentos de transformações desencadeadas no país, numa dinâmica
de aprendizado ininterrupta. Como toda a mudança ela não se dá de forma
automática. É processual e precisa de um tempo de maturação, como todo
organismo vivo. O fato é que a quantidade de problemas e a diversidade de
situações apontam as lentes de aumento para o que não foi solucionado,
distanciando os olhares da revolução que as organizações estão passando. As
organizações em rede foram alternativas criadas para os problemas coetâneos, que
têm como premissas unir, aglutinar e juntar em cooperação.
Os projetos que surgem nesse contexto não têm espaço para ações pontuais
separadas, sem intenções de longo prazo e integração de políticas dissociadas dos
princípios constitucionais. É nessa perspectiva que a reforma sanitária cria o SUS,
com gestão descentralizada e ações interligadas em vários modelos de aglutinação
– municípios, grupos de municípios da mesma região, não necessariamente da
mesma unidade federativa, mas por proximidade ou perfil epidemiológico ou
estrutura de assistência.
Aprender a ir atrás das informações e conhecimentos em outras regiões, fazer
parceria com o Curso de Formação Médica do Estado, cooperando com a
transformação de ambos, aprendendo a mudar juntos, solicitando aos profissionais
do serviço que apontem as mudanças na formação, para convergir com a realidade
da social é, sem dúvida, uma das mais significativas mudanças, o que torna o curso
um organismo vivo e não uma estrutura dura, inflexível. A troca contínua com o
ambiente, própria das organizações abertas, interliga as ações de mudança
curricular e aproxima a academia da realidade do serviço. Assim, vai permitindo o
compartilhamento de agendas, que reduz as distâncias entre os nodos e facilita a
realização de projetos e a busca de soluções comuns.
A partir do desenvolvimento do trabalho, pudemos compreender a dificuldade
de visualização do padrão de uma rede, seus movimentos dinâmicos, sem forma
107
definida por longo tempo, assumindo sempre novas gestalts associadas ao contexto
e aos vínculos construídos. Pudemos ainda observar como projetos de longo prazo,
com valores e princípios de cooperação e inclusão claramente definidos e
amplamente legitimados, favoreceram as etapas seguintes de sua construção, sem
perda de foco e desperdício de energia. E, por último, observamos como o processo
democrático favorece os encontros e aos diálogos, tendo como conseqüência o
aprendizado coletivo.
Acreditamos que o conhecimento sobre organizações em rede pode propiciar
à comunidade acadêmica a reflexão sobre suas práticas enquanto integrante de um
grupo em organizações de ensino, gerando a possibilidade de ampliar o diálogo
interno e de interagir com o meio ambiente, aprendendo num processo de
retroalimentação contínua e se responsabilizando pelos rumos que a unidade tomar.
Uma conclusão importante do estudo, por tudo que foi exposto, é que esta
política pública que é, ao mesmo tempo, uma política de saúde e de educação
superior, mudou de forma contundente a formação médica oferecida pela UFAL e
que se alinha às DCN para o curso de Medicina. Paralelamente, constitui-se numa
política pública, configurada numa perspectiva de rede, que concebe um processo
de formação em rede e forma pessoas capazes de atuar profissionalmente, numa
concepção de integração, interdependência e aprendizado coletivo, como é próprio
das redes.
O que nos leva a crer que esta política educacional em rede talvez possa ser
utilizada também em outras áreas do conhecimento, oportunizando que a
Universidade forme profissionais nesse novo cenário mundial. Observamos que tal
política educacional começa a se espalhar para outras áreas, a exemplo do Pródocência e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) nas
licenciaturas. Possivelmente, essa seja uma política de educação superior
interessante, visto que aproxima a formação do exercício profissional, ao mesmo
tempo em que torna possível uma mudança, tanto no processo de formação, quanto
na natureza do exercício profissional, numa ótica mais coletiva, social e cidadã.
108
Um estudo que poderá ser feito, a partir daqui, é conhecer outros cursos de
medicina da área pública e os mecanismos que encontraram para ampliar as
conexões e vínculos entre o Curso e o meio ambiente local, bem como identificar as
comunidades de práticas internas que foram constituídas.
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