Laudirege Fernandes Lima
Título da Dissertação: ''DIREITO À ALIMENTAÇÃO E FRUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO:GESTÃO E ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ALAGOAS''.
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Laudirege Fernandes Lima
DIREITO À ALIMENTAÇÃO
E
FRUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO:
GESTÃO E ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ALAGOAS
Maceió - AL
2008
Laudirege Fernandes Lima
DIREITO À ALIMENTAÇÃO
E
FRUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO:
GESTÃO E ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ALAGOAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós - Graduação em Educação do Centro
de Educação da Universidade Federal de
Alagoas – PPGE/CEDU/UFAL – como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestra em Educação Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. Elcio de Gusmão Verçosa.
Maceió – AL
2008
Laudirege Fernandes Lima
FICHA CATALOGRÁFICA
Laudirege Fernandes Lima
DIREITO À ALIMENTAÇÃO
E
FRUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO:
GESTÃO E ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ALAGOAS
Banca Examinadora
_______________________________________________________
Prof. Dr. Elcio de Gusmão Verçosa – CEDU/UFAL
_________________________________________________________________
Profª Drª Mª das Graças Medeiros Tavares – CEDU/UFAL
________________________________________________________________
Profª Drª Maria de Fátima Machado de Albuquerque – FAMED/UFAL
DEDICATÓRIA
Ao meu inesquecível marido (in memoriam),
que, apesar de inexoravelmente contrário ao
meu processo de formação profissional, foi,
indubitavelmente, e por isso mesmo, o meu
maior incentivador.
À minha mãe, pelo enorme esforço que fez
para garantir a minha escolarização inicial.
À minha sogra, que soube tão bem
encaminhar
a
“menina-adolescente”,
estimulando-a sempre no gosto pela leitura,
pelos estudos, pela autonomia, pela
responsabilidade e vivência cidadãs.
Aos meus três filhos, Kine, Hugo e Victor, por
sempre revelarem sua admiração e orgulho
pela Mãe-Estudante-Professora, meu eterno
amor e gratidão pela compreensão das
ausências contínuas.
À grande amiga Rosa Virgínia, pelo eterno e
grande
apoio,
propiciando-me
sempre
grandes momentos de reflexão, o que me
conduziu ao amadurecimento e crescimento
profissionais.
AGRADECIMENTOS
À
colaboração
imensurável
do
meu
orientador, Prof. Elcio Verçosa, pelo aceite e
acolhida inicial ao meu projeto; e, como ser
humano admirável que é, altruísta e
desprovido de vaidades, agradeço-lhe
também pela generosidade e paciência com
que sempre me orientou.
Agradeço
aos
meus
professores
e
professoras do CEDU/PPGE/UFAL, que tão
bem souberam me conduzir na imersão em
novos saberes e na conseqüente construção
de novos conhecimentos.
Finalmente, agradeço também aos colegas e
às colegas do Mestrado, que juntos, me
deram muito apoio nos meus momentos de
fragilidade, especialmente a Mª José Alves,
Ana Luiza, Thiago, Copérnico, Arquimedes e
Nitecy.
Vi ontem um bicho
Na imundície de um pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava, nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manoel Bandeira, 1970)
RESUMO
O presente trabalho apresenta os principais resultados de uma investigação
sobre a gestão da alimentação nas escolas públicas estaduais de Alagoas, com um
foco especial sobre o que se convencionou chamar de política de escolarização, que
quer dizer gestão da merenda feita diretamente pela escola a partir do aporte dos
recursos pelo poder público estadual. Para o desenvolvimento deste estudo, além
das referências gerais que fui buscar no campo da história e da política de
alimentação escolar praticada no Brasil e em Alagoas, bem como no campo da
cultura política dos gestores e dos destinatários das políticas de merenda, procurei
fazer um confronto entre a realidade sócio-econômica alagoana e o sentido das
políticas de alimentação escolar, compulsando, para tanto, documentos tais como
legislação e relatórios produzidos nas instâncias gestoras das políticas em apreço.
Tomando como uma das referências centrais do meu estudo o que, a partir da
legislação, se convencionou chamar, na rede estadual de ensino de Alagoas, de
“gestão democrática da educação”, com tudo o que essa categoria comporta ou
deixa de considerar, tentei dar atenção às dinâmicas e processos de gestão,
entendida a “gestão” no mais amplo espectro que esse termo pode significar na
dinâmica escolar. Daí por que categorias como “participação política” e “controle
social” são centrais neste estudo, o que implicou a busca da percepção de como a
alimentação escolar era vista e conduzida por gestores e usuários. Evidentemente
que aqui usuários são aqueles e aquelas que atuam como responsáveis por
estudantes que integram as duas escolas públicas que tomei como caso de estudo.
Tomando como caso duas escolas situadas em Maceió, capital de Alagoas, procurei
perceber processos, dinâmicas e sentidos da ação dos sujeitos que, na rede
estadual de ensino, direta ou indiretamente, lidam com a alimentação escolar e suas
políticas. A decisão por dois casos – que denominei de exemplares – foi motivada
pela intenção de comparar uma situação considerada bem sucedida, com outra tida
como de pouco êxito frente a escolarização da merenda na rede pública estadual.
Quanto aos resultados obtidos, com este trabalho de pesquisa, intitulado DIREITO À
ALIMENTAÇÃO E FRUIÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO: GESTÃO E
ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE PÚBLICA DE
ALAGOAS, espero haver obtido resultados explicativos para o alcance e limites do
fenômeno da escolarização da alimentação escolar na rede pública estadual, visto
que o principal objetivo dessa política foi a democratização da sua gestão. Se os
resultados obtidos, por se tratar de um estudo de dois casos, não permite uma
generalização taxativa, por outro lado, pela captação de realidades concretas,
processos e sentidos, permite um mergulho mais fundo no campo e,
conseqüentemente, um aprofundamento na compreensão dos fenômenos
analisados. Quanto aos resultados, fica um convite aos interessados pelo tema e
pelos objetos pesquisados para que, comigo, empreendam a leitura do trabalho que
ora vem a público.
PALAVRAS-CHAVE:
Merenda escolar – gestão pública – políticas sociais - participação – controle social
ABSTRACT
This study presents the main results of an investigation on food management in
the public schools of the state of Alagoas with special emphasis on what has been
called “the politics of autonomy”, meaning the taking over of food management tasks
by the school staff with state government resources. In order to bring it to fruition I
went beyond the general references on the subject, scanning both national and local
food management policies as well as the political culture of both managers and
beneficiaries, striving to bring together the social-economical reality of the state of
Alagoas and the deeper meaning of the referred policies, examining several
documents such as the general rules and regulations dealing with the subject as well
as the reports produced by the food management instances under examination.
Taking what has conventionally been called, specially within the Alagoas’ state
school system, “democratic educational management” as one of the key references
of my study, with all that this particular category take or leave to be considered, I
strive to throw some light on the dynamics and process of management, taking
“management” in its broadest possible sense as regards the particular dynamics of
the school. That’s the reason why such categories as “political participation” and
“social control” appear as so important in this study, implying the search for
determining the general perception of both managers and beneficiaries of the school
nutritional issue. Of course, here the word “beneficiaries” applies mainly to those
responsible (parents or tutors) for the students enrolled in the two schools that made
up my case-study. Indeed, taking as my case two schools located in Maceió, the
capital of the state, I strived to reach a more accurate perception of the different
process, dynamics and senses of the actions of the subjects who, in the state school
system, deal directly or indirectly with food management and the policies related to it.
My intention in studying these particular cases – which I reputed “exemplar” – was to
set a comparison between a unit that has been perceived as successful and another
one officially seen as flawed as regards the process of giving food management
autonomy to schools. As for the results achieved by this study, titled THE RIGHT TO
BE FED AND THE FRUITION OF THE RIGHT TO EDUCATION: AUTONOMY AND
FOOD MANAGEMENT IN SCHOOLS IN THE STATE EDUCATIONAL SYSTEM OF
ALAGOAS, I hope to have pointed out to the strengths as well as the limits of the
policy of giving food management autonomy to schools, since the adoption of this
policy aimed at the democratization of school management in general. If, on the one
hand, the results thus achieved do not allow for a thorough generalization, they do
allow, on the other hand, with its grasping of concrete realities, processes and
senses, for a deeper understanding of the phenomena under consideration. Be that
as it may, I believe that one is perfectly able to judge for oneself what either was or
was not achieved after giving some thought to what I hereby propose.
KEYWORDS:
food management in schools – public management – social policies - participation –
social control
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
BPC - Benefício de Prestação Continuada
CAE - Conselhos de Alimentação Escolar
CEDU - Centro de Educação
CE – Constituição Estadual
CEPA – Centro Educacional e de Pesquisas Aplicadas Dr. Antônio Gomes de Barros
CF – Constituição Federal
CGE - Coordenadoria de Gestão Educacional
CME – campanha da Merenda Escolar
CNA - Comissão Nacional de Alimentação
CNME - Campanha Nacional de Merenda Escolar
CNAE - Campanha Nacional de Alimentação Escolar
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar
CONSEPE - Conselhos Interativos das Escolas da Rede Pública Estadual de Ensino
CPS – Centro de Políticas Sociais (da Fundação Getúlio Vargas).
CRE - Coordenadoria Regional de Educação
DEEE - Divisão de Ensino Extra-Escolar
DGE - Diretoria de Gestão Escolar
EDUFAL – Editora da UFAL
EE – Entidades Executoras
FAE – Fundação de Assistência ao Estudante
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FISI - Fundo Internacional de Socorro à Infância
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FNDE – Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
FNDEP - Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
FNME – Fundação Nacional de Material Escolar
FUNESA – Fundação Universidade Estadual de Alagoas
GAAE - Gerência de Acompanhamento da Alimentação Escolar
IEA - Instituto de Estudos da Alimentação da Universidade de São Paulo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IETS - Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
INEP – Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP – Medida Provisória
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PAE - Projeto de Alimentação Escolar
PcD - Pessoas com Deficiência.
PDDE - Programa de Dinheiro Direto na Escola
PDE - Programa de Desenvolvimento da Escola
PEA – População Economicamente Ativa
PEE - Plano Estadual de Educação
PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
PIB – Produto Interno Bruto
PMA – Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNE - Plano Nacional de Educação
PNUD – programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONAN - Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SUNAB - Superintendência Nacional de Abastecimento
TRE – Tribunal Regional Eleitoral
UEX – Unidade Executora
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Em Português,
“Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência ea cultura).
UNICEF - The United Nations Children's Fund (em Português, “Fundo das Nações Unidas para a
Infância”)
PAE – Projeto de Alimentação Escolar
PNE – Plano Nacional de Educação
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação
PRODECOM - Programa de Valorização e Desenvolvimento da Comunidade Escolar
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEE - Secretaria Executiva de Educação
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
SUGESE - Superintendência de gestão Educacional
UFAL - Universidade Federal de Alagoas
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo
UNEAL - Universidade Estadual de Alagoas
USAID – Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
USP – Universidade de São Paulo.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
I – TABELAS:
TABELA 01 – OCUPAÇÃO DA TERRA POR NÚMERO DE PROPRIEDADES (2005)
TABELA 02 - PIB ALAGOANO DE ALGUNS MUNICÍPIOS DE ALAGOAS(2004)
TABELA 03 – FORMA DE INSERÇÃO DA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA EM
ALAGOAS (2004)
TABELA 04 – ALAGOAS E MACEIÓ: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO (1960/2005)
TABELA 05 – PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA DO GOVERNO FEDERAL, VIA
MDS, COM NÚMERO DE BENEFICIADOS E VALOR EM R$ POR MÊS (MARÇO
2008)
TABELA 06 – CRESCIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL 1999/2004
TABELA 07 –TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO BRUTA E LÍQUIDA DO BRASIL, DO NORDESTE E
DE ALAGOAS (2004)
TABELA 09 – DADOS COMPARATIVOS DE REPETÊNCIA, ABANDONO E DEFASAGEM
IDADE/ANO CURSADO NO ENSINO FUNDAMENTAL DE ALAGOAS FRENTE AO
BRASIL E AO NORDESTE (2003-2005)
TABELA 10 – EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO PELAS POLÍTICAS NACIONAIS DE
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (1954 – 1979)
TABELA 11 - RECURSOS FINANCEIROS PÚBLICOS NACIONAIS DESTINADOS À
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E ALUNOS ATENDIDOS (1995-2007)
TABELA 12 – NÚMERO DE CRE’s, ESCOLAS E ALUNOS BENEFICIADOS PELO PROCESSO DE
DESCENTRALIZAÇÃO E RECURSO APLICADO (2003-2007)
TABELA 13- NÚMERO DE ESTUDANTES DAS ESCOLAS PESQUISADAS ATENDIDOS PELO
PNAE
TABELA 14- CARACTERÍSTICAS GERAIS DE IDADE/SÉRIE
TABELA 15- DISTORÇÃO IDADE/SÉRIE DOS ESTUDANTES DA ESCOLA CREUSA
MARINHO
TABELA 16- CARACTERÍSTICAS FAMILIARES DOS ESTUDANTES
TABELA 17- CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS AUTOREFERIDAS
TABELA 18- CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE EXISTÊNCIA DA MERENDA
TABELA 19- CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE QUALIDADE DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
TABELA 20 - CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE INFRA-ESTRUTURA DA ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR
TABELA 21 – ESCALA DE AFERIÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR DE ACORDO COM
INSTRUMENTO DA USAID
TABELA Nº 22 - CONCEPÇÃO DOS PAIS ACERCA DA MERENDA
II – GRÁFICOS:
GRÁFICO 01 – FORMA DE OCUPAÇÃO ECONÔMICA DO TERRITÓRIO ALAGOANO
GRÁFICO 02 - PIB DE ALAGOAS POR SETOR ECONÔMICO (2006)
GRÁFICO 03 – PERFIL DE RENDA DA POPULAÇÃO ALAGOANA (2006)
GRÁFICO 04 – PERFIL PROPORCIONAL DA PEA POR SITUAÇÃO TRABALHISTA (2004)
GRÁFICO 05 – PERFIL DEMOGRÁFICO DE ALAGOAS (1970-2006)
GRÁFICO 06 – PERFIL EDUCACIONAL DO ELEITORADO DE ALAGOAS (2007)
GRÁFICO 07 –EVOLUÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM ALAGOAS POR
DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA:
GRÁFICO 08 – REPROVAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM ALAGOAS (2003):
GRÁFICO 09 – ABANDONO NO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM ALAGOAS (2003)
GRÁFICO 10 – SITUAÇÃO DE NUTRIÇÃO DA POPULAÇÃO ALAGOANA POR MESORREGIÃO
GRÁFICO 11 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (1994-2008)
GRÁFICO 12ESTUDANTES DA ESCOLA LAURITA RODRIGUES QUANTO AO
GÊNERO
GRÁFICO 13- ESTUDANTES DA ESCOLA CREUSA MARINHO QUANTO AO GÊNERO GRÁFICO
GRÁFICO 14 – PERCENTUAL DA COMPOSIÇÃO ÉTNICA DOS ESTUDANTES DAS ESCOLAS
GRÁFICO 15 – PERCENTAGEM DA COMPOSIÇÃO ÉTNICA DOS ESTUDANTES DAS
ESCOLAS PESQUISADAS
GRÁFICO 16- PERFIL SOCIOECONÔMICO GENÉRICO, SEGUNDO AUTODECLARAÇÃO
GRÁFICO 17 – FORMA DE OCUPAÇÃO DOS PAIS EM TERMOS PERCENTUAIS GRÁFICO
GRÁFICO 18 – FORMA DE OCUPAÇÃO DAS MÃES EM TERMOS PERCENTUAIS
GRÁFICO 19– ESCOLARIDADE DOS PAIS EM TERMOS PERCENTUAIS
GRÁFICO 20 – ESCOLARIDADE DAS MÃES EM TERMOS PERCENTUAIS
GRÁFICO 21- PARTICIPAÇÃO DOS PAIS EM PROGRAMAS SOCIAIS-ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
GRÁFICO 22- PARTICIPAÇÃO DOS PAIS EM PROGRAMAS SOCIAIS - ESCOLA CREUSA
MARINHO
GRÁFICO 23 - RENDA MENSAL MÉDIA AUTO-REFERIDA PELOS PAIS
GRÁFICO 24- SEGURANÇA ALIMENTAR DAS FAMÍLIAS DOS ESTUDANTES DA
ESCOLA LAURITA RODRIGUES
GRÁFICO Nº 25 - SEGURANÇA ALIMENTAR NA FAMÍLIA DOS ESTUDANTES DA
ESCOLA CREUSA MARINHO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................... 13
CAPÍTULO I – A SOCIEDADE ALAGOANA FRENTE ÀS POLÍTICAS
DE ESCOLARIZAÇÃO E ALIMENTAÇÃO DE SUA
POPULAÇÃO................................................................ 41
CAPÍTULO II – A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO POLÍTICA
PÚBLICA NO BRASIL E EM ALAGOAS......................69
CAPÍTULO III – A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE PÚBLICA
ESTADUAL DE ALAGOAS – ANALISANDO DOIS
CASOS EXEMPLARES ............................................ 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 138
REFERÊNCIAS E OBRAS CONSULTADAS......................................145
LEGISLAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO OFICIAL CONSULTADA.........153
ANEXOS ............................................................................................ 156
ANEXO 1 – QUESTIONÁRIOS PARA OS ESTUDANTES................................157
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR.........................162
ANEXO
3
–
QUESTIONÁRIO - PERCEPÇÃO DOS PAIS SOBRE A
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR.......................................................163
ANEXO 4 – QUESTIONÁRIO ÀS MERENDEIRAS............................................164
ANEXO 5 – QUESTIONÁRIO ÀS DIRIGENTES DA ESCOLA...........................166
ANEXO 6 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM GESTORES DA ESCOLA.....170
ANEXO 7 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM MERENDEIRAS....................171
ANEXO 8 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM PROFESSORES(AS)......... 172
INTRODUÇÃO
O presente estudo é decorrência de toda uma trajetória profissional por mim
percorrida. Primeiro porque, ao iniciar minha carreira no magistério, sempre procurei
me envolver com as questões gerais da escola e não somente com a sala de aula.
Em segundo lugar, devido à minha atuação como vice e, em seguida, como
diretora–geral de uma escola pública estadual, e, em seguida, graças também à
minha atuação como técnica da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE),
localizada em Viçosa, na Zona da Mata Alagoana, que tinha ação coordenadora e
supervisora sobre 21 escolas da rede estadual de ensino, em oito municípios.
As atividades nessa última função, sobretudo, me impuseram observações
inevitáveis acerca, não somente do ensino desenvolvido em sala de aula, mas
também da gestão da escola no seu espectro mais amplo, em parte significativa da
rede pública estadual de ensino, considerando, já a essa altura, a postura da
comunidade e sua relação, entre outros elementos, com a merenda escolar.
Por isso, no ano de 2003, ao assumir a administração pedagógica do CEPA
(Centro Educacional e de Pesquisas Aplicadas Dr. Antônio Gomes de Barros),
localizado em Maceió, capital de Alagoas, com um total de onze escolas, quando vi
nascer, de forma restrita, mais um importante programa piloto de descentralização
de recursos1 - desta feita referente à escolarização da merenda em escolas públicas
estaduais de Alagoas2 – não deixei de prestar especial atenção a essa política
pública que, ao meu ver, assumia particular importância para a educação das
maiorias social e economicamente excluídas daquele Estado.
Assim sendo, ao longo de parte significativa de minha trajetória profissional,
primeiro como professora e gestora escolar numa área urbana do interior do Estado
de Alagoas, cuja economia era baseada no setor agrícola, com as enormes
carências daí decorrentes, e, em seguida, como coordenadora da ação de gestores
1
A referência a mais um programa deve-se ao fato de já se encontrarem em curso nas escolas,
desde o ano de 1996, programas federais de descentralização de recursos financeiros, tais como o
Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e Programa de Desenvolvimento da Escola (PDE) e,
em 1999, um programa estadual voltado para todas as escolas da rede estadual, denominado
Programa de repasse de recursos para as Escolas Estaduais. Esse último projeto tinha as Escolas
Normais como piloto e nestas chegou ao seu término.
2
A chamada “escolarização da merenda das escolas públicas estaduais de Alagoas”, por ser uma
referência central deste trabalho, terá um tratamento especial mais à frente.
de políticas públicas na capital do Estado – num espaço social que deveria, como
era minha esperança, apresentar menor índice de exclusão social de sua população,
já que compreendia a capital do Estado -, fui adquirindo uma compreensão cada vez
maior sobre a relação entre alimentação e gestão escolar, ainda que restassem
sempre situações novas antes não percebidas, ou, quando observadas, carentes de
explicação, apesar do meu olhar sempre atento e curioso, ditado pela sensibilidade
humana de quem, àquela altura, passara a maior parte de seus dias de cada
semana de vida, por exigência profissional, em contato com crianças, jovens e até
adultos estudantes oriundos das camadas populares.
Daí que, quando me vi, já em 2004, imersa no PRODECOM (Programa de
Valorização e Desenvolvimento da Comunidade Escolar), por força de minha
nomeação como Gerente desse programa, no seio da Coordenadoria de Gestão
Educacional (CGE), da Secretaria Executiva de Educação do Estado de Alagoas
(SEE/AL), deparei-me envolvida com um projeto chamado PAE (Projeto de
Alimentação Escolar)3, que estava diretamente submetido organizacionalmente ao
PRODECOM, vendo, assim, cair em meus braços a política de merenda escolar de
toda a rede estadual, à qual eu já vinha prestando tanta atenção, devido às minhas
experiências profissionais e a minha atenção pessoal, como tive já oportunidade de
referir.
Desse modo, o que, na rede escolar e em cada escola com que me envolvera
até então, era foco de minha atenção e grande preocupação como docente e
gestora, vinha agora ficar sob minha coordenação direta, cabendo-me encaminhar e
supervisionar a implantação da chamada “escolarização da merenda” que se
encontrava já em curso, e, conseqüentemente, cuidar da sua consolidação.
3
A denominação de Programa para o PRODECOM, bem como a de Projeto para o PAE, por mais
estranho que possam parecer, designam, não políticas temporárias da Secretaria Estadual de
Educação de Alagoas, mas setores administrativos com existência permanente. Isso se deveu à
forma como foi reestruturado o organograma desta Secretaria de Estado, mediante a Lei nº. 6.202, de
21 de dezembro de 2.000, que lhe deu nova estrutura, bem como o Decreto nº. 1.790/2004, que a
regulamentou. No ano de 2007, com a entrada do novo chefe do Executivo Estadual, por meio de
uma Lei Delegada pelo Legislativo, de nº 43, de 28 de junho de 2007, a estrutura da Secretaria
Executiva de Educação sofreu nova alteração – inclusive sua denominação, que passou a ser
Secretaria de Estado da Educação e do Esporte -, o que fez com que os dois setores acima referidos
– PRODECOM e PAE - passassem a se chamar, respectivamente, Diretoria de Gestão Escolar
(DGE) e Gerência de Acompanhamento da Alimentação Escolar (GAAE). A fim de evitar duplicidade
de denominação, considerando-se que foram basicamente alterados, pelas novas normas legais,
apenas os nomes dos setores, com o segundo, inclusive, subordinado ao primeiro, manterei as
denominações originais, que eram aquelas de quando esta pesquisa teve início. Quanto à Secretaria
de Educação, este problema inexiste, vez que a sigla continuou a mesma.
Isso representava uma responsabilidade imensa para quem, como eu,
considerava a merenda escolar como um elemento significativo no processo de
acesso das camadas populares ao domínio do saber letrado, considerando-se as
carências econômicas e nutricionais da maioria da população de Alagoas.
O meu sentimento de tarefa a ser cumprida com sucesso devia-se, primeiro
por ser de natureza pública, e, ainda mais, por considerar a escolarização no Ensino
Fundamental num nível satisfatório um dos elementos fundamentais para a inclusão
social dos que, pelo modelo econômico em que vivemos, encontram-se fora ou,
apenas, nas franjas do banquete social que o constante crescimento econômico do
país e do Estado proporciona apenas a uma exígua minoria. Na verdade, estava eu
lidando com as condições para o atendimento a uma cláusula fundamental da lei
maior da educação nacional.
De fato, é sabido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
estabelece, no caput do Art. 5º que integra o Título III – Do Direito à Educação e do
Dever de Educar – que “o acesso ao ensino fundamental é direito público
subjetivo (grifo meu)”, ao mesmo tempo em que expressa preocupação do
legislador em vê-lo cumprido, a partir do momento em que prossegue no texto do
citado artigo, dizendo que é facultado a “qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra
legalmente constituída, e, ainda, ao Ministério Público, acionar o Poder Público para
exigi-lo [o direito ao Ensino Fundamental]”.
Estamos lidando, portanto, com um
direito humano fundamental de todo cidadão brasileiro – acesso ao Ensino
Fundamental – que exige como pré-condição, dentre outros, o atendimento à
necessidade de alimentação num nível satisfatório.
Assim, a coordenação do processo de “escolarização da merenda”
representava para mim um desafio cujos resultados, se favoráveis aos seus
usuários, poderiam trazer um grande benefício aos estudantes da escola pública
estadual – na sua maioria carentes de recursos financeiros para terem providas, de
forma adequada, suas carências, inclusive alimentares - e que há muito vêm se
debatendo com tantas políticas públicas malogradas no país e em Alagoas,
particularmente no campo educacional, sobre as quais irei deter-me com mais vagar
no primeiro capítulo deste trabalho.4
4
Para maiores informações sobre o fracasso das redes públicas de ensino de Alagoas no seu intento
de universalizar o acesso ao Ensino Fundamental (entendido acesso não apenas como matrícula
inicial, mas também e, sobretudo, como permanência e sucesso no que se faz necessário aprender
Além do mais, mesmo que eu não tivesse vindo a ser responsável direta pela
coordenação das políticas de merenda da Rede Estadual naquele momento que, a
meu ver, era crucial para a educação de Alagoas, graças às mudanças políticas em
curso no âmbito do Governo Estadual, sobre as quais falarei pormenorizadamente
mais adiante, as minhas preocupações tão próximas aos temas da Gestão e da
Merenda escolar não me abandonariam, visto que, por concurso, passei a exercer, a
partir de 2004, na Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) – naquela época
ainda denominada FUNESA - a docência no Curso de Pedagogia, lecionando, no
Campus III, localizado na cidade de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano,
justamente as disciplinas de Gestão Educacional e Estágio em Gestão Educacional.
Essa minha forma de inserção acadêmica, evidentemente, considerada a
minha forma de ver a escola e sua gestão, não somente reforçava diante de mim,
entre outros problemas educacionais, o da merenda escolar, como apresentava,
ainda com mais ênfase, o interesse de entendê-lo mais a fundo, considerando sua
história, as suas formas de gestão, assim como, por via de conseqüência, a relação
dessa política específica com as políticas mais gerais praticadas na sociedade
alagoana.
Não seria necessário acentuar que, para uma professora universitária, na sua
tarefa de contribuir para a formação de novos docentes em cujas atribuições
funcionais estava incluída a Gestão Educacional, lidar com as explicações
freqüentemente ditadas pelo senso comum, inclusive para as misérias do modo
como funcionava a merenda escolar na rede pública estadual, era um limite que
urgia ultrapassar. Como avançar nesse desafio, portanto, foi o que me impus até
quando, em 2006, vi a possibilidade de encaminhamento de solução, ao menos no
plano racional, mediante o meu ingresso no Mestrado de Educação Brasileira do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do Centro de Educação (CEDU)
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Como tinha competido a mim a responsabilidade direta de gerir a implantação
e implementação da política de escolarização da merenda em todas as escolas
públicas estaduais de Alagoas, – entendida essa política, por enquanto, para fins de
compreensão, como a ação do Governo Estadual, via Secretaria Executiva de
Educação de Alagoas (SEE/AL), de fornecer os recursos financeiros às escolas da
no mundo contemporâneo) e ampliar a oferta dos Ensinos Médio e Superior, ver, entre outros,
Carvalho (2007), Verçosa (2006), Tavares & Verçosa (2006 A & B) e Verçosa & Tavares, (2008), que
serão a base de minhas reflexões no próximo capítulo.
sua rede para que elas cuidassem da merenda de seus estudantes e de suas
estudantes, indo esse cuidado desde a definição dos cardápios, passando pela
aquisição dos gêneros alimentícios necessários, até o ato de servi-la na escola e
prestar contas ao poder público -, tal fato, por si só, já justificaria o meu interesse em
pesquisar tão significativa mudança numa política que, no Brasil já contava com
mais de cinqüenta anos, sem que nela tivesse havido uma ruptura de gestão de
recursos públicos tão drástica como aquela que, com a escolarização da merenda,
começava a ocorrer5.
Afinal, examinar a aplicação do princípio da “gestão democrática” da
educação pública (Art. 3º, inciso VIII da C.F. e Art. 3º., inciso VIII da LDB) também
no que dizia respeito ao trato com a “merenda escolar”, acrescida, às razões de
natureza acadêmica por mim apresentadas, tornavam mais que plausível o foco de
minha pesquisa, que veio a culminar nesta dissertação.
E foi o que aconteceu: a partir do momento em que delineei um projeto de
pesquisa e o submeti ao processo de seleção para ingresso como aluna regular do
PPGE/CEDU/UFAL, não pude escapar do estudo da merenda escolar e de sua
gestão como temas que povoavam minhas preocupações desde meus primeiros
passos como profissional da escola, como espero já haver demonstrado.
E, como em todo intento de pesquisa – mormente com vistas a uma
dissertação, em que tudo precisa ser claramente estabelecido, sobretudo do ponto
de vista do objeto e dos problemas a serem investigados, – no projeto original que
apresentei para ingresso no programa, intitulado “A ESCOLARIZAÇÃO DA
MERENDA NAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE ALAGOAS: um desafio à
comunidade escolar para o fortalecimento da gestão democrática”, e que, ao longo
destes dois anos sofreu alguns ajustes, inclusive de título, em meio às múltiplas
possibilidades de estudo do tema, esteve sempre presente, desde o início, e
preservada até aqui, a minha preocupação com a gestão da alimentação escolar na
rede pública de ensino de Alagoas, e as injunções de natureza política dessa ação
pública estadual.
A expressão “alimentação escolar”, que usei pela primeira vez no parágrafo
anterior, embora tradicionalmente secundarizada no trato com o que me propus a
estudar, sendo sempre substituída por “merenda escolar”, será, daqui por diante, a
denominação que empregarei em lugar do nome tradicional, seja porque, segundo
5
Sobre essa mudança de política no campo da merenda escolar tratarei pormenorizadamente mais
adiante, no 2º Capítulo desta dissertação.
entendo, merenda escolar comporta um alto grau de carga pejorativa, seja porque,
embora “alimentação escolar” não venha a ser a concepção da legislação brasileira
em vigor, como pretendo demonstrar mais adiante, é como “alimentação escolar”
que a política vem sendo designada nos últimos tempos pelos poderes públicos6.
De fato, é como direito fundamental que a alimentação escolar tem sido
estudada
por
vários
pesquisadores,
sobretudo
desde
o
processo
de
redemocratização da sociedade brasileira, após o Golpe Militar de 1964, e, mais
precisamente, após a Constituição Brasileira de 1988, quando as questões dos
direitos sociais e humanos puderam passar a ser, entre nós, foco de atenção, de
discussão, de estudos e de mais intensa reivindicação por parte da sociedade civil.
Como exemplo desses estudos podemos citar alguns trabalhos de pesquisadores
que se dedicaram às questões relacionadas à fome no Brasil e à nutrição, de modo
mais genérico, e à alimentação escolar e sua possível relação com o fracasso e/ou
sucesso escolar, de um modo todo particular.
Dentre os que estão no primeiro caso podem ser aqui destacados,
“Alimentação e Nutrição no Brasil, 1974-1984”, de Batista Filho e Barbosa (1985), e
“O problema alimentar brasileiro: situação atual, perspectivas e propostas de
políticas”, de Peliano et al. (1985), um trabalho de Silva, A. C. (1994), que visava
fazer uma varredura nas políticas e programas do governo no tocante à alimentação
e nutrição, cujo título era “De Vargas a Itamar: políticas de alimentação e nutrição”,
bem como “O problema alimentar no Brasil”, de Castro e Coimbra (1985), “O papel
do Estado na área de alimentação e nutrição” (1992), passando por Carvalho da
Silva, que escreveram, já em 1979, um texto cujo título foi “Políticas de alimentação
e nutrição no Brasil”, o qual foi apresentado no seminário “Pobreza, Fome e
Desnutrição no Brasil”, no Instituto de Estudos da Alimentação da Universidade de
São Paulo - IEA/USP.
Josué de Castro, referência nacional e mundial, combateu no legislativo e
escreveu vários trabalhos sobre o tema geral da fome e da desnutrição no país,
todos dedicados à problemática da fome, inclusive enfocando a desnutrição e a
6
Embora a denominação tradicional de “merenda escolar” aparentemente retrate melhor o caráter
dessa política, segundo consta na legislação nacional, já que o termo “merenda” acentua o papel
complementar da política como ela se efetiva (Ver DICIONÁRIO AURÉLIO – SÉCULO XXI [Do lat.
merenda.] - S. f. 1. Refeição leve, entre o almoço e o jantar; 2. O que se leva em farnel para comer
no campo ou em viagem; 3. O que as crianças levam para comer na escola, em geral durante o
recreio. [Sin. ger.: lanche.]), a partir do momento em que pretendo pensar a educação escolar e tudo
o que torna possível sua fruição como direitos humanos fundamentais, passo a assumir o termo
“alimentação escolar” no lugar de “ merenda escolar” como objeto de minhas análises, com tudo o
que daí possa decorrer.
alimentação escolar no Brasil, sobretudo no Nordeste brasileiro. Entre suas obras
podem ser destacadas “A alimentação brasileira à luz da geografia humana”, já em
1937, “O problema da alimentação no Brasil”, em 1939, bem como o “Programa
Nacional de Merenda Escolar - Introdução (Ministério de Educação e Cultura,
1954)”, o “Documentário do Nordeste (1965)”, até culminar com a “Geografia da
fome”, de 1957, trabalho antológico no Brasil e no mundo sobre o tema, o que fez de
Josué de Castro um precursor da temática. Como se pode ver, Castro, já em 1954,
tinha sua atenção atraída para a alimentação escolar.
Flávio Valente, que tem se destacado no Brasil nos últimos anos, a ponto de
se tornar referência entre aqueles que se dedicam atualmente à problemática da
fome
no Brasil, escreveu,
entre
outros trabalhos,
“Fome e
desnutrição:
determinantes sociais”, em 1986, “Do combate à Fome à Segurança Alimentar e
Nutricional: o direito à alimentação adequada, de 1997”, “O Controle Social do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no contexto da promoção do
Direito Humano à Alimentação e à Saúde”, de 2001, “O combate à Fome e à
desnutrição e a promoção da alimentação adequada no contexto do Direito Humano
à Alimentação - um eixo estratégico do desenvolvimento sustentável, de 2001 e, em
2002, “Direito Humano à Alimentação: desafios e conquistas”.
Na academia brasileira, sobretudo, o tema sob a segunda perspectiva – fome,
nutrição e educação escolar - tem tido seu espaço de estudo. Comprovação disso
são vários trabalhos de pós-graduação, dentre os quais seguem enumerados
“Merenda Escolar e crescimento”, que foi a tese de Doutorado apresentada à
Faculdade de Saúde Pública da USP, por Rosenburg (1972), já no início da década,
além de “Merenda Escolar: uma contribuição ao estudo”, de Fonseca (1988), tese de
Doutorado apresentada à Faculdade de Educação da USP, “Desnutrição,
rendimento escolar, merenda: uma querela artificial” de Moysés, Lima e Collares
(1986). Antes deste trabalho, Collares tinha escrito, já em 1982, sua tese de
Doutorado, apresentada à USP, denominada “Influência da merenda escolar no
rendimento em alfabetização: um estudo experimental”, além do texto “Desnutrição e
fracasso escolar: uma relação tão simples?”, também de 1982. Moysés e Lima
também escreveram e publicaram “Saúde escolar e merenda: desvios do
pedagógico?”, em 1985, enquanto Collares e Moysés divulgaram, em 1995,
“Aprofundando a discussão das relações entre desnutrição, fracasso escolar e
merenda”.
Vamos ter, em seguida, “Merenda Escolar: história, evolução e contribuição
no atendimento das necessidades nutricionais da criança”, uma tese de Doutorado
de Stefanini, apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1997. Freitas,
por seu turno, tinha apresentado, em 1995, sua dissertação de Mestrado à
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, denominada “Desnutrição e
fracasso escolar: um novo olhar a partir de crianças capixabas”. Como se pode ver,
a Academia tem sido um dos lugares privilegiados de onde emanam as reflexões
sobre a fome e a educação, sobretudo a partir dos anos de 1980, quando as classes
populares começam a se fazer presentes com maior evidência nas salas de aula.
Mas essa forma de enfocar o problema da fome na sua relação com a escola
continuou não sendo privilégio exclusivo dos programas de pós-graduação: sob a
chancela dos poderes públicos, Peliano, por exemplo, escreveu vários textos sobre
alimentação e escolarizacão, dentre os quais se pode citar “Quem se beneficia dos
Programas Governamentais de Suplementação Alimentar”, sob a chancela do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (1990). Silva (1996), igualmente,
escreveu três trabalhos em torno da alimentação escolar, a saber: “Contribuição da
merenda escolar para o aporte de energia e nutrientes de escolares do ciclo básico”,
“Estado nutricional de escolares matriculados em centros integrados de educação
pública” e “A trajetória do Programa de Merenda Escolar (1954-1994) e o estado
nutricional de crianças brasileiras”.
De Stefanini, Lerner e Chaves (1994) temos “Fome e política: história,
implantação, desenvolvimento, avaliação e implicações de um programa federal de
suplementação alimentar no Estado de São Paulo”.
Coimbra, Meire e Estarling (1982), por sua vez, escreveram “Comer e
Aprender: uma história da alimentação escolar no Brasil”, enquanto Ceccim (1995)
escreveu “A merenda escolar na virada do século: agenciamento pedagógico da
cidadania”. Já Hollanda (1996) publicou “A merenda escolar pode ajudar a
superação do fracasso escolar?”, enquanto, juntamente com Valla, fez vir à luz, em
1994, “Fracasso escolar, saúde e cidadania”.
Mariza Abreu, que tem se destacado nos últimos tempos por seus estudos no
campo das políticas públicas para a educação escolar, dentre os quais aparecem
alguns trabalhos sobre a alimentação escolar, como “A escola possível e a merenda
escolar”, além de “Alimentação escolar na América Latina: programas universais ou
focalizados/políticas de descentralização” e “Alimentação Escolar: combate à
desnutrição e ao fracasso escolar ou direito da criança e ato pedagógico?” todos
datados de 1995. Fischmann (1986), por sua vez, escreveu “Educação, alimentação
e economia: uma relação de coerência ou de contradição?”, enquanto Belanciano,
Moura e Silva escreveram, em 1995, “Direito e Garantia à Merenda Escolar”. Mais
recentemente, Pedraza e Andrade (2006) divulgaram o estudo “A alimentação
escolar analisada no contexto de um programa de alimentação e nutrição”, ao
mesmo tempo em que Oliveira (2007) escreveu “Educação e direito à alimentação”.
Tratando a alimentação e a nutrição em geral, e a merenda escolar, em
particular, sob os mais diversos ângulos, como já nos sugerem os títulos
anteriormente referidos, é possível perceber que elas – a alimentação e a nutrição não têm sido consideradas sob o prisma da democratização de sua gestão no plano
das redes escolares públicas e das escolas. Quando muito, a democratização frente
às dinâmicas e processos de se lidar com a merenda escolar – e a alimentação,
ouso dizer – é focada no plano mais geral das políticas públicas.
Isso implica considerar, antes de mais nada, que nos estudos até aqui
compulsados, a alimentação escolar como um direito que precisa ser atendido, se
quisermos democratizar o acesso ao saber letrado, quando enfocada, tem sido
analisada no plano mais geral das formas de exercício do poder – no plano da
macro-política, se quisermos sintetizar o problema. Quando particularizada a
questão, o enfoque tem se dirigido ao campo mais específico dos níveis nutricionais
ou nos resultados da aprendizagem.
O enfoque da alimentação escolar na sua gestão mais regional e local – no
plano das redes escolares e das escolas, vale dizer – considerando as formas de
participação, no sentido da definição dessa política, mas, sobretudo, no controle
social de sua gestão como questões centrais, que contemplem participação e
controle social como instrumentos para a fruição do direito à alimentação que é, pela
sua própria natureza, um direito humano fundamental, segundo a revisão
bibliográfica feita, parece inexistente, quando não tratada de forma tangencial. Daí
por que, ao desenhar o projeto de pesquisa que resultou nessa dissertação que ora
apresento, se, desde o seu início, pretendia investigar a relação da gestão
educacional da rede pública estadual de ensino – tida, desde 1999, como uma
gestão que precisa ser democrática nos termos das Constituições Federal (1988) e
Estadual (1989) - e a sua relação com a política de escolarização da alimentação
como questões fundamentais, aqui, nesse redesenho que fiz do meu intento inicial
de pesquisa, tornou-se central o direito à alimentação como elemento fundamental
para a democratização do ensino, o que me levou a pensar a gestão democrática
como meio e não como um fim, segundo parecia sugerido pelo meu projeto original.
O que, então, a considerar minha proposta original e os estudos antes
referidos, vem como novo para dentro desse trabalho de investigação do ponto de
vista da temática e do objeto que aqui é apresentado na forma de uma dissertação?
Pode-se dizer que o novo se encontra no próprio tema e, em relação ao meu
projeto original no (re)enfoque desse tema, o que me levou a um novo recorte que,
de alguma forma, precisou mais o objeto, trazendo para dentro do estudo um outro
sentido. Explico-me: se inicialmente a problemática, no caso em análise, se
concentrava na avaliação da gestão – mais ou menos democrática, conforme fosse dos processos de implantação das novas políticas de alimentação escolar, após
estudos sobre políticas públicas recentes nos mais diversos âmbitos sociais, com
ênfase para a questão dos direitos humanos, e discussões feitas em eventos e com
especialistas no campo dos direitos e da gestão democrática de políticas públicas,
passou o meu estudo a ter um novo desenho. Nessa nova forma, o atendimento do
direito à educação fundamental seria o foco, e a análise dos modos de viabilizar
esse direito, a forma de nos conduzir à compreensão dos limites e possibilidades de
alcance do que é devido aos estudantes e às estudantes da rede pública estadual
de ensino de Alagoas. No nosso caso, o direito à alimentação é uma condição
fundamental, entre outras, de fruição do direito à escolarização plena no nível do
Ensino Fundamental, nos termos preconizados pela Constituição Federal de 1988 e
pela LDB de 1996.
Essa maior precisão de recorte, importa assinalar, de saída, a meu ver, toma
sentido pela repercussão que o processo chamado de “gestão democrática da
educação” implantado na rede pública estadual de ensino de Alagoas, desde 1999,
sempre teve, sobretudo nas políticas de divulgação da Secretaria Executiva de
Educação - SEE/AL7. Graças às reflexões desenvolvidas sobre o fenômeno em nível
nacional e que, em Alagoas, já foram produzidas, inclusive no PPGE/CEDU/UFAL,
sobre implantação e desenvolvimento da gestão democrática nas escolas públicas
mantidas pela SEMED/Maceió desde 19938.e depois pela SEE/AL9, e sua real
7
Essa foi a denominação tomada pela Secretaria de Estado da Educação, desde a reforma feita em
2000 até 2007.
8
Sobre o tema é possível referir o trabalho de Sérgio Onofre Seixas de Araújo, intitulado “Gestão
Democrática? Os desafios de uma gestão Participativa na educação pública em uma sociedade
clientelista e oligárquica (EDUFAL, 2007), além da dissertação de Mestrado produzida no
autonomia no contexto sócio-econômico e cultural
brasileiro, mas sobretudo no
alagoano, essa repercussão é bem visível. É que nesses estudos, que têm como
referência última a escola e o que nela se desenvolve, a alimentação escolar não
tem recebido a consideração que penso merecer quando se fala de democratização
do ensino, a se considerar a situação sócio-econômica dos alagoanos e das
alagoanas.
Alagoas, que infelizmente é um Estado da Federação que ilustra com
freqüência páginas de jornais e revistas, e telejornais nacionais, não somente pelas
suas belezas naturais e sua riqueza humana e cultural, mas, sobretudo, por deter o
pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual abrange questões como
analfabetismo, mortalidade infantil, miséria, desemprego e fome, torna as pessoas
ainda mais surpresas e indignadas quando vêem deflagrada, pela Polícia Federal,
exatamente no dia 17 de maio de 2005, a “Operação Guabiru”, com vários prefeitos
alagoanos sendo presos sob acusação de corrupção ativa, corrupção passiva e
formação de quadrilha, envolvendo, justamente, o desvio de recursos financeiros
públicos destinados à aquisição da alimentação escolar.
Diante deste fato, ganha espaço a discussão em torno da descentralização de
recursos, especialmente sobre o modelo de gestão dos recursos públicos alocados
na escola, fomentando na comunidade escolar a premente necessidade de perceber
que chegara a oportunidade de gerir todos os recursos de forma coletiva e
transparente, o que se transformou num enorme desafio. Como o processo da
chamada gestão democrática da educação na rede pública estadual de ensino de
Alagoas teve seu início apenas no ano de 1999, (após 11 anos de promulgação da
Constituição Federal de 1988 e 10 anos da Estadual, portanto), podemos afirmar
que essa mudança de sistemática de alocação de recursos certamente foi um
desafio à comunidade escolar, uma vez que o referido processo é algo recente e,
portanto, ainda em fase de aprimoramento.
Sabemos que esta política de descentralização de recursos financeiros, com
sua alocação diretamente nas escolas, a exemplo do PDDE, não é uma realidade
PPGE/CEDU/UFAL, da autoria de Vera Lúcia França de Lima (2003), intitulada “Pelos caminhos da
democratização: possibilidades e implicações na educação municipal de Maceió – 1993/1996.
9
Sobre a gestão democrática na SEE/AL acabam de ser defendidas duas dissertações no
PPGE/CEDU/UFAL: a primeira, de Tiago Leandro da Cruz Neto, denominada “Planejamento
Educacional e Participação Democrática: um estudo sobre a rede estadual de ensino em Alagoas
(1999 – 2004)” e a segunda, da autoria de Flávia Maria Monteiro de Lima Emiliano, com o título de
“Gestão Democrática da Rede Estadual de Ensino de Alagoas: percepções e perspectivas de uma
política pública”.
exclusiva de Alagoas. O Governo Federal e muitas unidades da Federação estão,
gradativamente,
transferindo
a
responsabilidade
da
gestão
da
educação
(especialmente no que se refere aos recursos financeiros) para as unidades
escolares, não somente por afirmarem ser esta dinâmica uma forma mais
democrática de fazer a gestão do ensino público, mas principalmente, como é o
caso específico de Alagoas, por não conseguir atender satisfatoriamente à
demanda, seja porque o número de unidades escolares extrapola sua capacidade
de gestão de todos os aspectos envolvidos no desenvolvimento do ensino, seja
porque, sendo um processo altamente burocrático, o Estado, por meio de suas
diversas instâncias, não conseguiu administrá-lo de forma satisfatória, de modo que
pudesse suprir as escolas com tudo aquilo de que necessita – particularmente no
caso da alimentação - com os gêneros alimentícios e a infra-estrutura de sua
preparação em tempo hábil.
Na implantação e no desenvolvimento da política de escolarização da
alimentação escolar na rede pública de ensino de Alagoas, minha hipótese central é
a de que, além das garantias governamentais referentes aos citados recursos e às
condições de trabalho para que ela possa ser desenvolvida de forma satisfatória e
voltada ao pleno atendimento aos seus usuários, não é apenas a eficiente
administração da prestação do serviço pelos gestores escolares a saída para
responder às necessidades alimentares da comunidade escolar; pelo contrário,
torna-se imperiosa a participação10 como elemento central do processo gestor.
O que quero dizer é que essa presença atenta e eficaz dos gestores, para
que o processo seja adequado, precisa, também, e principalmente, promover a
participação dos demais segmentos que constituem a comunidade escolar, a saber:
discentes, docentes, família representada pelos responsáveis dos discentes e
servidores técnicos e administrativos, até porque essa participação representa, além
do mais, o penhor de que o fornecimento das condições de funcionamento da
descentralização da alimentação escolar de forma regular e satisfatória possa ser
garantido – ultrapassando, inclusive, os limites da legislação sobre a matéria - donde
a necessidade de que sua gestão seja democrática.
Isso posto, procurei, com esta pesquisa, formas adequadas para o estudo da
prática de gestão da educação e da escola, perseguindo, na pesquisa de campo,
10
Participação aqui significa amplo envolvimento na definição das diretrizes a serem seguidas e
controle social do processo, desde a concepção até a prestação de contas e não simplesmente a
fruição do bem ou serviço, conforme se costuma conceituar participação.
caminhos que resguardassem a cultura da escola e apreendessem o eventual
desenvolvimento de condições políticas, econômicas e pedagógicas capazes de
promover níveis mais elevados de qualidade social e eqüidade na escola e na
sociedade em que ela se encontrasse inserida.
As questões relacionadas à descentralização da educação da escola pública
têm sido objeto de estudo de pesquisadores e especialistas da educação. Podemos
citar, dentre tantos estudiosos nesta área, Medina (1987), Lobo (1990), Frago
(1994),
Casassus
(1995),
Barreto
(1995),
Ribeiro
(1997),
que
trouxeram
contribuições ao debate, não somente do caso brasileiro, mas de todos os países da
América Latina.
Além destes, estudiosos como Paro (1997), Nóvoa (1997), Oliveira (2001),
Bastos (1999), Barroso (2000), Dourado (2000), Kuenzer (2000), Libâneo (2001),
Lück (2001), Ferreira (2002) Sander (2002) e Veiga (1995) nos vêm possibilitando a
compreensão do processo de transformação da administração pública no Brasil, as
suas políticas de gestão de educação e da escola, numa perspectiva crítica,
contribuindo para pensarmos sobre a democratização dos diversos processos de
gestão educacional.
As formas centralizadas de gestão, segundo esses autores, são incompatíveis
com a dinâmica da sociedade atual, na qual o progresso tecnológico transforma o
mundo num espaço global integrado pela informação, permitindo o envolvimento do
cidadão na administração dos problemas sociais. O Brasil, com exceção de breves
períodos historicamente recentes, foi freqüentemente administrado de forma
fortemente centralizadora desde o período colonial. No entanto, foi certamente a
partir de 1930, com a emergência do Estado desenvolvimentista e a ampliação
progressiva das funções de governo, que a União tomou para si a responsabilidade
explícita no tocante às capacidades financeiras e administrativas em relação aos
demais níveis de governo, se não em todos os campos, com toda certeza no campo
educacional. Apesar do acentuado federalismo na década de 1930, foi também e,
sobretudo, nesta década que os movimentos sociais de caráter educacional tiveram
um de seus momentos mais significativos, podendo ser apontado como marco
referencial o ano de 1932, com a divulgação do documento da autoria de Fernando
de Azevedo, conhecido como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que
defendia uma educação pública descentralizada, gratuita e laica para todos os
cidadãos brasileiros.
Se essa tendência à democratização, que apenas anunciada no final dos
anos de 1920 pela ação dos Pioneiros da Escola Nova, e que, passada a primeira
metade dos anos de 1930, foi sufocada pelo Estado Novo, retornando nos fins da
década de 1940 e que, mal tomava corpo e substância nos inícios dos anos de
1950, foi interrompida pela Ditadura inaugurada em 1964, retornou com a
redemocratização nos anos de 1980 para somente avançar até onde chegamos, nos
dias atuais.
Nesse contexto, configurando-se como resistência da sociedade civil ao
autoritarismo vigente no último período ditatorial de que o Brasil foi vítima, a atuação
de movimentos sociais foi decisiva para levar o país a um processo de
aprofundamento de sua democratização, ampliando espaços de participação e
envolvimento democrático na definição e gestão das políticas públicas no Brasil. No
seio deste movimento da sociedade esteve sempre presente um significativo grupo
de intelectuais voltados para o estudo da realidade social e política vivida pela
sociedade nacional.
No caso específico da educação, a partir de 1980, para tomarmos um período
mais recente, movimentos constituídos, sobretudo, por profissionais da educação,
exerceram forte influência na Constituição de 1988, que consagrou princípios como
o direito público subjetivo ao ensino fundamental, à educação gratuita, à
(re)definição de percentual mínimo do orçamento destinado à educação para as
esferas federal, estaduais e municipais, o conceito do que vinha a ser funçãoeducação como guia para aplicação dos recursos vinculados e participação da
comunidade na gestão da educação escolar pública.
Assim, a gestão democrática, ao menos da rede pública de ensino, assume
materialidade legal na Constituição de 1988, levada a cabo e defendida na
Constituinte de 1987 pelos movimentos em defesa do ensino público, gratuito e de
qualidade, reunidos em torno do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
(FNDEP), composto por quinze entidades. Segundo Tavares (2003, p. 47), “o
princípio da gestão democrática do ensino público é inédito na história da educação
brasileira”, representando tal princípio, para a autora, a “legitimação de um
movimento real já existente na sociedade brasileira” (p. 47).
Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN –
expressa pela lei 9.394, aprovada em dezembro de 1996, tenha sido aprovada
desconsiderando um projeto anterior elaborado segundo as reivindicações da
sociedade civil organizada, por força da Constituição, teve de manter a gestão
democrática que parecia já ser um princípio consagrado, ao menos como
reivindicação e como referência legal, no ensino público brasileiro.
O Plano Nacional de Educação (PNE), por sua vez, também ratificou esse
princípio da gestão democrática, ainda que de forma limitada, já que o projeto da
sociedade brasileira reivindicou e fez constar em seu projeto “o fortalecimento da
escola pública estadual e a radical democratização da gestão educacional”
(VALENTE, 2001: p. 12). De qualquer forma, o PNE aprovado pelo Congresso
Nacional por meio da Lei Nº 10.172/2001, que teve por referência a proposta do
governo, definiu no Eixo Financiamento “a promoção da autonomia financeira das
escolas mediante repasse dos recursos, diretamente aos estabelecimentos públicos
de ensino, a partir de critérios objetivos”, enquanto que, no Eixo Gestão, estabeleceu
a “definição, em cada sistema de ensino, de normas de gestão democrática do
ensino público, com a participação da comunidade”, bem como o “desenvolvimento
de padrão de gestão que tenha como elementos a destinação de recursos para as
atividades-fim, a descentralização, a autonomia da escola, a eqüidade, o foco na
aprendizagem dos alunos e a participação da comunidade”.
Em Alagoas, ainda que com os limites de organização e participação de sua
sociedade civil, é possível perceber que esta nunca ficou parada. Assim, na
Constituinte Estadual de 1989, por exemplo, defendeu e fez constar na Carta Magna
Estadual, no seu artigo 200, mais precisamente, que “a organização dos sistemas
estadual e municipal de ensino, na conformidade do que dispuser a lei, assegurará
estabelecimento, mediante lei estadual, da esfera de competência dos Conselhos
Municipais de Educação, participação da comunidade escolar no planejamento das
atividades administrativas e pedagógicas, acompanhadas por assistentes sociais,
psicólogos e profissionais do ensino”.
Demonstrando claramente esse movimento, o Estatuto do Magistério
Estadual de 1º e 2º graus, definido pela Lei nº 5.465/93, confirmou no seu artigo 1º
que “o exercício do Magistério Público tem como princípios básicos a participação na
gestão democrática do ensino público” e no seu artigo 2º estabeleceu que eram
direitos fundamentais dos ocupantes de cargos do Magistério Público Estadual de 1º
e 2º graus a participação nas decisões de política pedagógica, de qualificação
profissional e planejamento educacional e participação na gestão democrática do
sistema de ensino”. Além disso, o Capítulo II, dessa mesma Lei, que trata da Gestão
Democrática nos seus artigos 239, 240 e 241, ratifica a “participação efetiva da
comunidade no processo de trabalho da unidade escolar, intercâmbio entre as
instituições na elaboração coletiva das diretrizes político-educacionais e de sua
concretização, autonomia das diversas instâncias do sistema educacional na tomada
de decisão conjunta e coordenada, descentralização e articulação como elementos
promotores da organização pedagógica e administrativa do sistema.
Por sua vez, fica garantida, no Conselho Estadual de Educação, por meio do
Artigo 203 da Constituição Estadual, além da representação do Poder Executivo, a
representação dos estudantes, dos profissionais de educação, e de pais na
proporção de ¼ (um quarto) para cada segmento, com a gestão democrática
garantindo as formas de organização e participação por unidade de ensino e órgão
do sistema estadual de ensino.
Ratificando todo esse movimento em prol da democratização do ensino
público, o Decreto-Lei nº 36.586/95 irá incentivar a criação de caixas escolares, sob
a forma de sociedade civil, nas unidades da pré-escola e do 1º e 2º graus da rede
estadual de ensino, e no seu artigo 2º, ratificará que “as caixas escolares, entidades
sem
fins
lucrativos,
representativas
da
comunidade
escolar,
congregarão
professores, servidores administrativos, alunos e pais de alunos, e organizar-se-ão
sob a forma de sociedade civil, regendo-se por estatuto próprio”.
Já a Lei Estadual nº 5.945/97, que dispunha sobre a criação dos conselhos
interativos das escolas da rede pública estadual de ensino, e dava providências
correlatas, quando, no seu artigo 1º, definiu que “ficam criados os Conselhos
Interativos das Escolas da Rede Pública Estadual de Ensino - CONSEPE, órgãos
colegiados de função deliberativa e consultiva, encarregados de, em cada unidade
de ensino, promover a integração do Estado, da Sociedade e da Comunidade
Escolar, visando à gestão democrática e ao exercício da cidadania”, caminhava, ao
menos no plano legal, no sentido do princípio da gestão democrática do ensino nos
termos da CF.
Finalmente, a Lei 6.202, de 21 de dezembro de 2000, que dispôs sobre a
estrutura da Secretaria de Estado da Educação - SEE. e o Decreto N0. 1.790/2004,
que a regulamentou, estabeleceu as condições formais básicas para que se pusesse
em prática o princípio da gestão democrática consagrados na CF 1988 e na CE
1989.
Por sua vez, confirmando o que se encontra definido no PNE, o Plano
Estadual de Educação (PEE/AL), aprovado em agosto de 2006, e que cobre o
período de 2005 a 2015, trouxe como princípios norteadores, no plano da Gestão
Democrática da Educação, a eqüidade, a qualidade, a democratização e a ética; e
como diretrizes gerais de ação, aquelas que estão assim formuladas:
construção de uma gestão educacional democrática e compartilhada
entre os entes federados do Estado e a sociedade;
descentralização da administração educacional, nos marcos de uma
redefinição das funções do Estado;
estabelecimento de meios para construção e/ou fortalecimento da
autonomia das escolas.
Já no eixo Financiamento e Gestão, o PEE/AL assim definiu, entre as
diretrizes político-pedagógicas afetas ao poder público e aos que fazem a escola:
Gerir os recursos destinados à educação de forma descentralizada e
democrática, através de mecanismos colegiados de controle social, para
que se evite o desrespeito à vinculação legalmente definida e à aplicação
excessiva de recursos nas atividades meio, segundo injunções de natureza
política. (PEE/ AL, item 13.2.2)
Apresenta também o PEE/AL, como um dos objetivos e metas a serem
cumpridas,
Descentralizar as ações educativas desenvolvidas pelo executivo estadual,
possibilitando, cada vez mais, a autonomia didático-pedagógica,
administrativa e financeira das instituições educacionais. (PEE/AL, item
13.3.1)
Os princípios apresentados no PNE e no PEE/AL têm, também, como seus
eixos norteadores, dentre outros, a descentralização, a autonomia e a participação,
intrinsecamente indissociáveis, da gestão educacional democrática.
Sabe-se que a construção da democratização dos processos sociais passa
necessariamente pelo exercício da cidadania, o que implica uma vivência que
demanda, obviamente, convivência dos contrários, divergência de opinião,
circulação livre de idéias, sem o radicalismo da rigidez doutrinária, pois “cidadania é
essencialmente consciência de direitos e deveres, no exercício da democracia. Não
há cidadania sem democracia” (GADOTTI, 1998, p. 20).
Nesse sentido, a
democratização envolve participação, sendo “a democracia também (...) um
aprendizado, [que] demanda tempo, atenção e trabalho” (GADOTTI, op. cit. p. 18).
Aqui, exercício de cidadania como sinônimo de participação política, para
além da fruição de benefícios, implica intervenção na definição de políticas e
controle do exercício destas, sendo a fruição do resultado das políticas, antes
expressão de um direito do que resultado de uma dádiva.
Neste sentido, quando a população deseja ter espaço, não só para colocar
suas idéias, mas também para influenciar nas decisões, cada indivíduo
precisa estar preparado para tanto. Ele tem, antes de tudo, que
possuir a cultura da participação. Tem que estar familiarizado com ela.
Se a educação tem como princípio básico a preparação do indivíduo
para o exercício pleno de sua cidadania (e é o que estabelece o artigo
205 da Constituição Federal), então ela deve educá-lo para a
participação. Não é formando indivíduos submissos e conformados
que ela estará fazendo isto. Os atributos que se esperam dos seres
sociais e participativos são o espírito crítico, a independência, a
solidariedade, a capacidade de amar e ser amado, dentre outros.
(CUNHA: 2002, p.2).
Nessa perspectiva, podemos inferir que a Carta de Princípios da Educação do
Estado de Alagoas, aprovada no I Congresso Constituinte Escolar, ainda no ano de
2000, reflete a intenção de influenciar decisões políticas.
No caso da alimentação escolar e dos recursos para manter a escola,
especificamente, nos princípios 21 e 23 eles são assim traduzidos:
Princípio 21 – Que sejam descentralizados os recursos da merenda
para que a escola possa administrá-los com autonomia,
universalizando a distribuição para todos os níveis e modalidades;
Princípio 23 – Que os recursos financeiros sejam gerenciados pelos
Conselhos Escolares, com autonomia, participação e transparência
(prestação de contas periódica à comunidade escolar).
Se a demanda por descentralização/escolarização dos recursos da merenda
requer participação direta dos segmentos da comunidade escolar na definição de
políticas públicas, podendo conferir um maior ou menor grau de autonomia às
escolas, temos de considerar, com Demo (1999) que participação é conquista, é
processo infindável, em constante vir a ser. Para ele,
participação é em essência auto-promoção e existe enquanto
conquista processual. Não existe participação suficiente, nem
acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo
começa a regredir. (p.18)
Foi nessa perspectiva que todos os estudos realizados na década de 1990
acerca das políticas de descentralização na América Latina tiveram como eixo
central de discussão as questões de descentralização, confrontando-a com a idéia
de desconcentração e autonomia da escola e também a associação da
descentralização da gestão escolar como forma de melhorar a qualidade da
educação. Rivas (1991) destaca três formas de execução da política educacional: a
centralização, a desconcentração e a descentralização. Para ele, a centralização
ocorre quando as decisões públicas e administrativas são adotadas por um centro
de poder do Estado que concentre as decisões diversas do setor educacional,
enquanto a desconcentração, ou o descongestionamento do órgão central, acontece
por meio da distribuição de tarefas para os órgãos locais, mantendo ainda
concentrado o poder de decisão. Já a descentralização propriamente dita dá-se
quando se transfere poder de decisão e autoridade com o objetivo de fortalecer a
escola, criando um processo de democratização da educação e objetivando o
controle das atividades da educação pública pelos agentes que estão diretamente
envolvidos, sendo esse o conceito que assumimos quando pensamos o processo de
escolarização da merenda na rede pública estadual de educação.
Analisando o que vem ocorrendo na nossa educação escolar, tendo por
referência as categorias acima estabelecidas por Rivas, Casassus (1990) afirma
que, “salvo poucas exceções, hoje praticamente todos os processos de
descentralização
educacional,
na
América
Latina,
são
processos
de
desconcentração.” (p.17). Defende ainda a idéia de que as experiências de
descentralização, muitas vezes sem êxito, resultam de diversos fatores ligados à
tradição centralista ou ainda à falta de tradição descentralizadora. O autor aponta
também que os objetivos da descentralização aliam-se à lógica dos acréscimos:
mais democracia (ou a possibilidade de participação e maior espaço para a
diversidade), mais recursos (ou desejo da sociedade civil em participar da política de
financiamento); mais eficiência (ou desburocratização dos sistemas centralizados). É
inegável que, vista desta forma, a descentralização aparece determinada a alcançar
metas relacionadas ao desenvolvimento da qualidade da educação.
Atualmente, tem-se observado a grande atenção que é dada à gestão
educacional por parte dos governos (incluindo o brasileiro) e organismos
internacionais, pois a ela são atribuídos o sucesso ou o fracasso relativo das
instituições educacionais. Nesse sentido, Sander (2002; p.64-65) afirma que
a função da administração é atender às necessidades estruturais e
burocráticas das instituições educacionais. Na realidade, a escola e a
universidade são burocracias sui generis, definidas em função de
seus objetivos específicos e que requerem uma perspectiva de
organização e gestão concebida em função dessa especificidade.
Visto dessa forma e levando-se em consideração o arcabouço legal
estabelecido, a se ter em vista o que me propus a estudar, a SEE/AL teria como
função administrar sua rede levando em consideração as especificidades das
escolas e sua autonomia. E não se pode negar que as tradicionais estruturas
organizacionais hierárquicas e centralizadas na área da educação estão dando lugar
a sistemas mais descentralizados – ao menos no plano formal -, com gestão mais
horizontal, tornando as relações mais flexíveis, nas quais o dirigente não deve agir
isoladamente, mas cooperativamente, ainda que se considere o que assinala
Libâneo (2001, p.20), quando diz que
há pelo menos duas maneiras de ver a gestão centrada na escola.
Conforme o ideário neoliberal, colocar a escola como centro das
políticas significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado,
dentro da lógica do mercado, deixando às comunidades e às escolas
a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os serviços educacionais.
Na perspectiva sociocrítica, significa valorizar as ações concretas dos
profissionais na escola, de seus interesses, de suas interações
(autonomia e participação) em função do interesse público dos
serviços educacionais prestados, sem, com isso, desobrigar o Estado
de suas responsabilidades.
Entendo que a descentralização de recursos na perspectiva democrática não
deve ser de modo nenhum vista como um mecanismo de desresponsabilização do
Estado e de culpabilização da unidade escolar, dos educadores e das próprias
famílias dos seus usuários, mas como um instrumento que possa, a depender das
formas como se efetiva, intensificar a autonomia, quando impõe uma efetiva
participação da comunidade escolar. Assim,
(...) o reforço da autonomia das escolas não deve ser encarado como
uma forma de o Estado aligeirar as suas responsabilidades, mas sim
o reconhecimento de que, em determinadas situações e mediante
certas condições, os órgãos representativos das escolas (reunindo
professores, funcionários, alunos, pais e outros elementos da
comunidade) podem gerir certos recursos melhor que a administração
central ou regional. (BARROSO, 2000, p.20)
Por isso, uma das grandes reivindicações democráticas que vem dos anos
de 1970 e 1980, e nestas duas décadas teve força incomum, focaliza a
descentralização das políticas públicas. Na verdade, a idéia de descentralização foi
sempre abraçada pelas forças progressistas como uma grande possibilidade de
participação nas decisões, pois a cidadania reivindica, como sempre reivindicou,
práticas democráticas consubstanciais.
Nessa
perspectiva,
o
processo
de
descentralização que vários autores defendem e em que acreditam – e com o qual
compactuo – pressupõe ou precisa ser desenvolvido concomitantemente com a
democracia, com a autonomia e com a participação, tripé que dá sustentáculo ao
pluralismo e ao multiculturalismo que, numa ação compartilhada do Estado e da
Sociedade Civil, garantam bens e serviços que atendam às necessidades básicas
dos seres humanos, sem, contudo, retirar do Estado o seu dever de garantir os
direitos básicos dos cidadãos.
Assim, parece conveniente, a esta altura, caminhar para a sistematização do
que foi estabelecido para a realização da minha pesquisa que tomou o título
definitivo de “O DIREITO À ALIMENTAÇÃO E FRUIÇÃO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO: GESTÃO E ESCOLARIZAÇÃO DA MERENDA NA REDE PÚBLICA
DE ALAGOAS”. Como penso ter podido já demonstrar, tive várias vertentes para
seguir na minha pesquisa, dentre as quais fiz aqui um recorte, selecionando, como
elementos centrais para me ajudar a dar conta de meu objeto de estudo, DIREITO
HUMANO, DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA, DESCENTRALIZAÇÃO
e PARTICIPAÇÃO referenciados à ALIMENTAÇÃO ESCOLAR e ao ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR.
Tendo já tentado deslindar o que efetivamente para mim significa
DESCENTRALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO e DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO
ESCOLAR, deixo para mais adiante, nos dois primeiros capítulos desta dissertação,
o trabalho de precisar o que entendo por ACESSO À EDUCAÇÃO ESCOLAR,
DIREITO HUMANO e ALIMENTAÇÃO ESCOLAR.
Na realização desta pesquisa lancei mão, antes de mais nada, de
documentos referentes ao tema, como as Constituições Federal e Estadual, os
Planos Nacional e Estadual de Educação, os instrumentos legais e infra-legais,
como Decretos e Portarias, bem como de documentos produzidos pelo Estado e
pela Sociedade Civil, alguns dos quais já foram considerados até aqui e que serão
ainda levados em conta. Mas, este estudo não ficou apenas na análise de
documentos e textos sobre o fenômeno a ser estudado.
É que a pesquisa documental, que me subsidiou nas questões históricas,
legais, técnicas e até políticas, foi insuficiente, como havia previsto desde o início,
para dar conta da minha intenção de captar práticas, processos e formas de
entender o que pretendia ver explicado, ou seja, a gestão da escolarização da
merenda na rede pública de ensino de Alagoas, percebida não apenas como direito
humano à alimentação, mas como condição primordial para fruição do direito à
educação escolar. Nem mesmo o estudo de inúmeros trabalhos sobre o tema e
mesmo acerca das questões específicas neles envolvidas foi suficiente para dar
conta deste meu estudo.
Daí por que fui para a pesquisa de campo, iniciada com a caracterização do
universo pesquisado, e calcada na observação de processos e na percepção de
sentidos das ações, tanto dos gestores, quanto dos demais integrantes da
comunidade escolar. É que tinha como um problema central a ser pesquisado a
percepção da comunidade escolar como um todo acerca da merenda como política
pública e como direito social e humano inalienáveis, já que somente por essa
percepção pensei ser possível perceber a gestão democrática da merenda em sua
efetiva realização. Por isso, de forma auxiliar à observação, lancei mão de
entrevistas e questionários, estes com o intuito primordial, embora não exclusivo, de
caracterizar o campo de pesquisa e seus sujeitos.
Como é possível perceber, o enfoque metodológico por mim escolhido para
esta pesquisa foi eminentemente qualitativo, visto que o “seu propósito fundamental
é a compreensão, exploração e especificação do fenômeno” (SANTOS FILHO,
1995, p. 13-59) por mim selecionado. Com este enfoque, é possível enfatizar a
compreensão de um problema singular, dentro do seu contexto, permeado por fatos
e eventos que lhes são pertinentes, considerando-se ainda a dinamicidade das
relações dos seus protagonistas e da relação do pesquisador com os seus
pesquisados, visto que aquele “imerge-se no fenômeno de interesse” (FIRESTONE,
1987, p.16-31), tornando-se, diante do nível de envolvimento, segundo André (2002)
autor e ator ao mesmo tempo, pois naturalmente se envolve e participa do processo,
já que o objetivo se fundamenta nas pessoas, em suas relações e conseqüentes
ações, cuja intencionalidade e sentido visam à transformação e ao aperfeiçoamento
da prática.
A opção pela ênfase na dimensão qualitativa deveu-se, assim, ao fato desta
privilegiar o estudo das ações sociais individuais e grupais, tratando as unidades
sociais investigadas com totalidades que desafiam o pesquisador. É pertinente,
neste sentido, a assertiva de Minayo (1996), quando afirma que a abordagem
qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e
objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza: ela [a abordagem] se volve
com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir das quais
as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas.
A forma específica de abordagem do objeto, por sua vez, foi um estudo de
caso coletivo, envolvendo duas escolas, objetivando investigar como tem se
comportado a comunidade escolar diante da política de escolarização da merenda,
no tocante à sua gestão e quanto à concepção da alimentação como direito humano.
Nesse sentido, o meu interesse não esteve nas escolas em si, mas naquilo que seus
protagonistas
foram
capazes
de
revelar
acerca
das
concepções
de
descentralização/escolarização, gestão democrática, autonomia, participação e,
sobretudo, da alimentação como um direito humano para o acesso, com eqüidade,
ao saber letrado proporcionado pela escola, e não uma benesse do poder público.
Segundo entendo, a opção pelo estudo de caso se justifica ainda pelo fato
deste investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real,
especialmente neste caso, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não
estão claramente definidos. O reforço pelo estudo de caso se deve, ademais, à
compreensão de que esta abordagem representa não apenas “uma tática para a
coleta de dados, nem meramente uma característica do planejamento, mas uma
estratégia de pesquisa abrangente” (YIN, 2001, p. 33).
De fato, o estudo de caso tem como questão fundamental o conhecimento
que se deriva do caso estudado, isto é, o que se aprende ao estudá-lo, de forma
mais concreta e mais contextualizada, o que implica responder questões do tipo
“como” ou “por que” tal fato está acontecendo e sobre o qual o pesquisador tem
pouco ou nenhum controle. Nesse sentido, a abordagem escolhida é coerente com o
estudo em tela, visto que este focaliza um fenômeno particular, e investiga
problemas práticos que emergem do dia-a-dia, descrevendo detalhadamente o
fenômeno em estudo, isto é, descrição e análise criteriosa da situação investigada,
na perspectiva de iluminar a compreensão do leitor sobre o fenômeno estudado.
Finalmente, esse tipo de pesquisa permite elencar dados preciosos, vez que,
no dizer de Lüdke e André (1986 p. 18), “encerra um grande potencial para conhecer
e compreender melhor os problemas da escola”, o que, se diminui a possibilidade de
generalizações dos resultados, no entanto, leva a se ganhar pela possibilidade de
aprofundamento da compreensão do fenômeno.
Para a definição do que estou chamando “estudo de caso coletivo” selecionei
duas escolas situadas em Maceió. Os critérios de escolha foram basicamente dois:
considerei tanto o fato destas escolas estarem situadas na mesma cidade - que é a
capital do Estado -, o que, teoricamente, faria os atores envolvidos encontrarem-se
mais desprendidos das amarras e controles políticos para o exercício da
participação que se sabe existentes com muita intensidade no interior do Estado,
além de mais bem informados, quanto levei em conta o fato de uma das escolas ser
considerada pela SEE/AL como bem sucedida no processo de escolarização da
merenda, enquanto a outra como mal sucedida11.
Como instrumentos para a coleta de dados privilegiei, como já assinalado, a
observação participante, a entrevista semi-estruturada, o questionário e a análise
documental.
A observação participante permitiu um melhor contato pessoal e estreito com
o fenômeno pesquisado, oportunizando perceber a perspectiva dos sujeitos
envolvidos, pois a observação in loco feita com regularidade e durante um período
contínuo de tempo, pode e, de fato, pôde me permitir a apreensão do significado que
os sujeitos (re)produzem da realidade e de suas ações. A observação deu-se em
todos os momentos da pesquisa, desde a primeira visita, onde mantive contatos com
membros dos quatro segmentos da comunidade escolar, nos horários e dias
previamente estipulados e/ou acordados com o grupo envolvido na pesquisa.
Como já vinha adotando a postura de “Observador Participante” desde que
comecei a trabalhar com a merenda escolar – na verdade desde que iniciei minha
vida de gestora -, o que me faltou na pesquisa de campo propriamente dita desse
caso aqui delineado, busquei recuperar do que havia anteriormente percebido.
Utilizei como instrumentos o registro escrito, através do diário de bordo e o registro
audiovisual, através de fotografias.
11
Os critérios utilizados pela SEE/AL para definir um processo de escolarização da alimentação
escolar como bem sucedido eram, dentre outros, a adequada prestação de contas dos gêneros
adquiridos, o armazenamento dos gêneros alimentícios segundo orientação, funcionamento do
Conselho Escolar, atendimento ao cardápio definido e a oferta regular da alimentação.
As entrevistas semi-estruturadas visaram não “engessar” as questões e o
conseqüente discurso, deixando, assim, os/as entrevistados/as o mais à vontade
possível. Além do mais, este instrumento possibilita a captação imediata das
informações desejadas, independentemente de quem sejam os entrevistados e
quais os tópicos elencados, além do confronto entre o discurso captado na
entrevista e a prática percebida na observação.
Embora o meu trabalho tenha sido um estudo de caso coletivo, de cunho
qualitativo, no qual a representatividade estatística não era tida como central para a
fidedignidade dos resultados, no entanto optei por lançar mão, na aplicação dos
questionários, de 30% do total dos sujeitos da pesquisa, tanto no segmento aluno,
como no segmento pais e, em ambos, tendo utilizado o critério da Sociologia
Clássica.
Já nas entrevistas, até porque seria impossível entrevistar toda a comunidade
escolar, ou mesmo 30%, utilizei outro critério e elegi membros dos segmentos dessa
mesma comunidade, assim especificados:
segmento professor: 28
segmento funcionário: 0912
gestores escolares: 05
segmento pais ou responsáveis pelos estudantes: 93
Como primeira atividade de campo mais sistemática, para além da
observação participante, apliquei um dos instrumentos selecionados para a coleta de
dados - o questionário – cujos resultados apresento no 30. Capítulo. O uso desse
instrumento teve o escopo de fornecer um panorama geral das características dos
sujeitos envolvidos na pesquisa. Assim, a aplicação dos questionários objetivou
levantar dados para delinear um cenário geral em que a pesquisa iria se
desenvolver. Embora, como já assinalado, a aplicação dos questionários não viesse
– como não veio - trazer todas as respostas, nem era isso o que eu pretendia, ele,
no entanto, sinalizou alguns resultados preliminares, a ponto de se poder considerar
esse estudo, numa certa altura, como de feição quali-quantitativa, tamanho é o peso
dos dados levantados pelos questionários, sobretudo aqueles que retratam a
problemática da segurança alimentar dos estudantes e de suas famílias.
A opção pelo questionário se deveu ao fato dele ser base e, num certo
sentido, ter também um caráter complementar para as outras técnicas, como a
12
Na verdade, dos segmentos merendeiras e gestores, tanto os questionários, quanto as entrevistas
cobriram 100% do universo pesquisado, tendo em vista o pequeno número total deles nas escolas, o
que possibilitou o meu procedimento.
observação e a entrevista, já que ele foi totalmente estruturado, abrangendo três
partes distintas. A 1ª parte, com dados de identificação dos respondentes; a 2ª parte
- também fechada - com questões destinadas a tratar o perfil socioeconômico dos
sujeitos da pesquisa e a 3ª parte, dedicada às considerações finais – voltada para a
tentativa de captar, ainda que preliminarmente, a concepção dos sujeitos sobre a
alimentação escolar13.
Por representar uma fonte estável, rica e natural de informações, fez-se
necessário, nesta pesquisa, que eu analisasse documentos no tocante ao processo
histórico da merenda no Brasil, assim como outros referentes à gestão
descentralizada no Brasil e em Alagoas. Em se tratando de uma fonte poderosa,
podendo ser consultada várias vezes, e, pretendendo ratificar informações obtidas
através dos métodos acima mencionados, analisei também alguns documentos dos
arquivos escolares, como o projeto político pedagógico, o regimento interno, os
cardápios, planilhas de pesquisa de preços, fichas de controle de estoque, notas
fiscais e atas das reuniões ordinárias e extraordinárias dos Conselhos Escolares.
Além destes, examinei toda a legislação que permeia o processo de
descentralização
da
merenda
como
Leis,
Decretos,
Medidas
Provisórias,
Resoluções, Instruções Normativas, bem como toda a discussão acadêmica que
vem se desenvolvendo sobre a alimentação escolar e o acesso ao saber letrado,
enquanto políticas públicas e enquanto direitos humanos fundamentais. Como
instrumento para sistematização do material analisado, adotei anotações e
esquemas em bloco próprio para tal.
A análise dos dados foi orientada pela bibliografia tomada como referência, o
que significa dizer, rastreada pelas categorias centrais já assumidas para esse
estudo ou que, porventura, viessem a surgir ao longo da revisão bibliográfica, do
aprofundamento teórico ou das ações de pesquisa propriamente ditas.
Na caracterização das comunidades escolares, lancei mão de quadros
sinópticos e gráficos do perfil social, de renda e de moradia.
Como resultado das entrevistas, utilizei a análise dos discursos produzidos a
partir dessas entrevistas. Já na observação participante, construí configurações de
natureza etnográfica, seguindo a orientação fornecida pela antropologia. Além
desses instrumentos, outros surgiram em função da necessidade ditada pela
pesquisa.
13
Cópia do questionário será anexada no final deste trabalho.
Assim, o presente trabalho está estruturado em cinco partes.
A primeira parte, que é a Introdução, situa o estudo, seus objetivos, sua
justificativa e a metodologia esposada, enfocando o recorte que é feito, elegendo e
explicitando as categorias–chave que conduzem às categorias–núcleo, a saber,
Direito humano à alimentação e direito à educação escolar, ao tempo em que
busca estabelecer a magnitude e atualidade do tema.
A segunda parte, representada pelo Capítulo I, cujo nome é “A SOCIEDADE
ALAGOANA FRENTE ÀS POLÍTICAS DE ESCOLARIZAÇÃO E ALIMENTAÇÃO
DE SUA POPULAÇÃO” apresenta, de forma objetiva, alguns dados sobre a
situação sócio-educacional do Brasil e, especialmente, de Alagoas, sem, contudo,
deixar de apresentar o contexto histórico, político e social alagoano no qual se
inserem as escolas estudadas e a alimentação que elas proporcionam, assim como
elementos conceituais sobre o que significam e onde e como se inserem os direitos
fundamentais dos alagoanos, com destaque para a educação e a alimentação.
Já
a
terceira
parte,
constituída
pelo
Capítulo
II,
denominado
“A
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL E EM
ALAGOAS”, busca apresentar um panorama histórico geral da alimentação escolar
no país e no Estado, bem como a evolução do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) e dos encaminhamentos de gestão oficial dessa política em
Alagoas, de suas origens aos dias atuais.
A quarta parte, representada pelo Capítulo III, com o nome de “A
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ALAGOAS –
ANALISANDO DOIS CASOS EXEMPLARES”, e que representa a pesquisa de
campo propriamente dita, faz uma caracterização mais fina do universo da pesquisa,
apresentando um breve histórico da merenda nas escolas estudadas, as formas de
gestão da política de alimentação nelas desenvolvidas, bem como as percepções
das comunidades escolares sobre as políticas de alimentação praticadas pelas
escolas, fazendo um breve escrutínio das políticas de gestão democrática frente aos
processos de gestão da alimentação escolar nos casos estudados.
A quinta e última parte, representada pelas CONSIDERAÇÕES FINAIS, trata
dos possíveis avanços e limites que a escolarização da alimentação trouxe para as
escolas estudadas, enfatizando aqueles aspectos e/ou questões que foram se
evidenciando mais fortemente na análise dos dados. Trata, ainda, das constatações
acerca das possibilidades e dos empecilhos que porventura se interpuseram ao
longo dos anos e ainda recentemente se interpõem a partir de traços da cultura
política do povo alagoano, provocando ou minorando a exclusão social no seio da
sociedade alagoana.
Assim, apresentadas as referências gerais do estudo por mim empreendido,
convido os leitores e as leitoras a me acompanharem na exposição dos resultados a
que cheguei e que espero venham a ser de algum proveito para a educação pública
de Alagoas e para os/as que a fazem, sejam estes/estas gestores, docentes ou
usuários/as da ação educativa escolar empreendida pela rede pública de ensino do
Estado. Para mim será considerado de proveito tanto o que vier a ser modificado ou
reforçado nas políticas por conta do que aqui apresento, quanto novos estudos que,
das minhas indagações ou lacunas, possam surgir sobre a temática.
CAPÍTULO I
A SOCIEDADE ALAGOANA FRENTE ÀS
POLÍTICAS DE ESCOLARIZAÇÃO E ALIMENTAÇÃO DE SUA
POPULAÇÃO.
Alagoas é
o que se ama e dói.
(Dirceu Lindoso, 1981)
Tecer considerações acerca do Estado de Alagoas, sobretudo de sua
realidade social, nos leva imediatamente a refletir sobre uma expressão que tem
sido amplamente discutida: refiro-me à exclusão social que é marca da maioria dos
que fazem essa sociedade.
Para o entendimento desse fenômeno, de saída, é imperioso afirmar que
nada pode ser dito sem considerar os problemas estruturais que permeiam a vida
dos alagoanos e das alagoanas neste Estado, desde sua origem como espaço
socialmente construído. A combinação da pobreza e da miséria dos que nele vivem,
expressa pelos desoladores indicadores sociais divulgados ano após ano, em
oposição à opulência de poucos, representa apenas a parte visível de seus maiores
problemas.
Começando pelo modo como o espaço social alagoano foi formado ao longo
de cinco séculos – a contar da chegada dos portugueses em terras alagoanas –
podemos afirmar, com Verçosa (2006) que, logo que os invasores se certificaram da
impossibilidade de ter os integrantes dos povos indígenas aqui encontrados, como
mão de obra farta e submissa, para tocar o projeto econômico definido como o único
viável para as terras ocupadas no litoral do que, depois, vem a ser o Brasil e o que
hoje se conhece como Alagoas – que era o cultivo da cana-de-açúcar, lançam mão
do latifúndio e do trabalho escravo desenvolvido pelos integrantes de povos trazidos,
à força, do continente africano, estruturando
uma organização social de natureza bem característica em que, com
as franquias governamentais, o senhor de engenho, mestre de
imensos domínios, vai exercer seu poder sobre grande território e
muita gente. (...) Esse padrão de assentamento vai se manter por
séculos afora, chegando até o século XX, adotado inclusive até a
década de 50 pelas usinas. Junto ao sítio destinado às residências e à
casa de engenho, a cana tem primazia na ocupação do espaço, com
as terras dos engenhos e das primeiras usinas divididas segundo os
usos: os vales úmidos, irrigados pelos rios – as várzeas – e as colinas
suaves – as encostas – eram ocupadas pelo plantio da cana, os vales
destinavam-se ao gado, as chãs e grotas eram para o cultivo dos
trabalhadores livres e as matas eram mantidas como reserva de terra
descansada para plantio futuro. (2006, p. 30-32)
Em Alagoas, esse padrão de exploração do território, quando teve alguma
alteração no correr dos períodos correspondentes à Colônia, ao Império e a muitas
décadas da República, foi para agregar outros produtos voltados para o mercado
externo: refiro-me ao algodão e ao fumo que, com o tempo, foram entrando em
decadência, o que, contudo, se vez por outra aconteceu também com a cana-deaçúcar, jamais fez com que esta retroagisse. No mais, a mudança se deu para pior,
com a subtração, nas últimas décadas, das terras dos tabuleiros e das grotas dos
agricultores livres, onde eram plantados gêneros alimentícios de primeira
necessidade, como mandioca, arroz, feijão e milho.
No geral, enquanto dois dos três produtos nobres – refiro-me ao algodão e ao
fumo - chegaram a quase desaparecer, o algodão hoje ausente com certeza e o
fumo em profunda crise, a cana-de-açúcar, sobretudo, desde a mais severa crise
dos engenhos bangüês nos anos de 1930, sempre contou com o apoio oficial, cuja
face mais visível e tradicional foi o Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA,
socializando, desse modo, por décadas, as perdas ocorridas no tempo das
chamadas “vacas magras”, proporcionadas pelas baixas de preço do açúcar no
mercado externo.
Nos últimos anos, reavivada pela necessidade de substituição dos
combustíveis fósseis, a cana-de-açúcar, mesmo sem o IAA, mantém-se pujante, já
que dela se tornou possível produzir açúcar e álcool, ou, como se costuma chamar
hoje, commodities14, viáveis, tanto pelo aporte intensivo de tecnologia nas várias
14 Commodity – que é a forma de commodities no singular - é um termo de língua inglesa que
significa “mercadoria’, sendo utilizado nas transações comerciais de produtos de origem primária nas
bolsas de mercadorias. É usada como referência aos produtos em estado bruto ou com pequeno grau
de industrialização, de qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades e por
diferentes produtores. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Commodity. Acessado em 25 de abril de
2008.
fases de sua produção, quanto pela brutal exploração da mão de obra nelas
envolvidas15.
De qualquer modo, nascida e criada como plantation16, a cana de açúcar
gerou, em Alagoas, uma sociedade pauperizada, com as riquezas concentradas até
os nossos dias em poucas mãos. Assim, a cana continua hoje, como dantes, sendo
a principal fonte de ocupação dos alagoanos, precisando, para isso, de uma
ocupação territorial assentada no latifúndio e na mão de obra sub-escolarizada e
sub-assalariada e que, quando substituída ou articulada, faz nascer ao seu lado a
criação extensiva de gado, pouco produtiva e altamente poupadora de mão de obra
(cf. CARVALHO, 2007).
Seguindo
a
tendência
histórico-política
até
aqui
esquematicamente
apresentada, tem-se, como expressão clara da forma como a terra vem sendo ainda
hoje ocupada em Alagoas, o quadro abaixo que mostra como chegou até nós a
distribuição do nosso território, segundo dados do IBGE:
TABELA 01 – OCUPAÇÃO DA TERRA POR NÚMERO DE PROPRIEDADES (2005)
DIMENSÃO EM
HECTARES
MENOS DE 10
HECTARES
MAIS DE 100
HECTARES
NÚMERO DE
PROPRIEDADES
EM RELAÇÃO AO
TOTAL DAS
PROPRIEDADES
ÁREA OCUPADA
108.000
82%
11%
8.000
5%
62%
FONTE: IBGE (2005)
15
Apenas como um exemplo da exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras envolvidos na
parte mais ampliada do trato da cana de açúcar – sua colheita – imagine-se o que é cortar uma
tonelada no sol a pino para se ganhar um pouco mais de R$ 3,00, considerando-se que o mais forte
dos trabalhadores não chega a cortar 10 toneladas por dia. Isso quando o apontador não trapaceia na
medição da cana cortada. Para se ter um exemplo da massa salarial produzida por essa atividade
canavieira que envolve o maior número de trabalhadores, vale ter em conta o que diz Carvalho
(2006), quando afirma que, considerando-se a massa salarial gerada no corte da cana em 2004,
quando Alagoas colheu 25 milhões de toneladas, (cada tonelada de cana cortada a R$ 2,40), se toda
a cana tivesse sido colhida manualmente, a renda teria sido de R$ 60 milhões de reais. Esse valor,
quando comparado cm o que foi pago pelo Programa Bolsa Família (R$ 165 milhões naquele ano),
corresponderia a menos de uma terça parte do que foi injetado por este programa federal em Alagoas
(Cf. CARVALHO, 2007).
16 Plantation é um tipo de sistema agrícola baseado na monocultura para exportação mediante a
utilização de latifúndio e mão-de-obra escrava. É constituída de uma grande propriedade
monocultora, para produção de gêneros tropicais em sua maioria, normalmente voltada para
exportação, já que o mercado interno ficaria saturado destes gêneros. Típico de Países
subdesenvolvidos, amplamente utilizado durante a colonização européia nas Américas, hoje em dia
alguns países subdesenvolvidos ainda usam este tipo de sistema agrícola, para isto contando com
mão-de-obra sub-assalariada ou trabalho escravo ilegal. No Brasil, por exemplo, a plantation é usada
em vastas porções do território nacional nos moldes tradicionais, principalmente nas áreas de cultivo
de café, soja e cana-de-açúcar.
Pelos dados sinopticamente apresentados na tabela acima, é perceptível,
sem grande esforço, o quanto a propriedade encontra-se concentrada em Alagoas,
com um sério agravante: refiro-me à existência do altíssimo percentual de
propriedades – 82% - com 10 hectares ou menos, que somente seriam capazes de
proporcionar bem-estar aos seus proprietários se tivessem altíssimo aporte de
tecnologia, o que não é o caso, sobretudo porque em nosso Estado a assistência
técnica aos agricultores, praticamente extinta no âmbito do governo estadual por
quase duas décadas, somente recentemente é que parece estar sendo reavivada,
assim mesmo devido ao apoio do Governo Federal.
É possível ter uma idéia mais exata dos dados acima se considerarmos o que
afirma Carvalho (2007), quando diz que
para termos outra leitura da situação no campo alagoano, podemos
analisar a relação entre os estabelecimentos familiares e o conjunto
patronal. Os considerados patronais são aqueles que utilizam
majoritariamente mão de obra assalariada; os familiares são aqueles
que têm na mão-de-obra familiar sua base de sustentação. A
polarização é clara: os patronais são apenas 7% do total, mas ocupam
64% da área agrícola do Estado e realizam 76% do valor bruto da
produção. Por outro lado, os estabelecimentos familiares representam
mais de 90% do total, mas ocupam apenas 36% da área agrícola,
realizando tão somente 23% da riqueza agropecuária de Alagoas.
(p.20)
Para se ter uma idéia ainda mais clara de como se deu a “modernização” da
economia alagoana, parece ilustrativo observar como vem se dando a ocupação do
seu principal meio de produção – a terra – mediante o exame do gráfico, a seguir:
GRÁFICO 01 – FORMA DE OCUPAÇÃO ECONÔMICA DO TERRITÓRIO ALAGOANO
FONTE: IBGE/PNAD (2006)
Numa primeira olhadela, poder-se-ia concluir que a cana tem pouca
importância, quando confrontada com a pecuária, em vista da extensão territorial
ocupada. Mas, se considerarmos que a cana-de-açúcar vem crescendo em
produção, ao tempo em que poupa área ocupada, via incorporação intensiva de
tecnologia, em oposição à pecuária, que sendo extensiva, vem sendo desenvolvida
com baixíssimo aporte de tecnologia, ao mesmo tempo em que, pela própria
natureza da cultura, é grande poupadora de mão de obra, veremos que as
chamadas outras lavouras – em boa parte referentes a produtos voltados para o
consumo externo, como o fumo, por exemplo – em Alagoas ainda se encontra
voltada para a produção de commodities, tendo a produção de alimentos para o
mercado interno como atividade marginal – desenvolvida, normalmente pelos
pequenos produtores, pela agricultura familiar, em suma – com menos de 19% da
área plantada, enquanto 18% do território é propriedade especulativa, na mão dos
grandes proprietários ou protegidos pelas leis ambientais.
A pouca produtividade da pecuária alagoana e de sua indústria – esta,
majoritariamente representada, como vimos, pelo setor sucro-alcooleiro – pode ser
observada pelo gráfico a seguir, que apresenta o Produto Interno Bruto (PIB)
alagoano
por
setor
econômico,
o
que,
num
primeiro
momento,
parece
correspondente a uma economia moderna, já que avulta a presença marcante do
setor de serviços:
GRÁFICO 02 - PIB DE ALAGOAS POR SETOR ECONÔMICO (2006)
Fonte: IBGE/PNAD (2006)
De fato, essa presença marcante do setor de serviços seria um ganho para a
economia alagoana, se ela não estivesse fortemente concentrada no setor público
ou no setor informal.
Segundo Carvalho (2007),
como a economia de Alagoas é frágil, a importância da presença do
Estado é muito grande. O poder público é um grande empregador.
São 56 mil funcionários estaduais, 18 mil federais e 13 mil somente na
Prefeitura de Maceió. O IBGE mostra que o número de funcionários
municipais (administração direta e indireta) em Alagoas não pára de
crescer: 73.000, em 1999; 75.000, em 2001; 82.000, em 2002; 88 mil
em 2004, e 92.800 em 2005. É um contingente que apenas perde,
numericamente, para os trabalhadores da informalidade e para os
beneficiários da Previdência. (p.16).
Considerando que os poderes públicos – sobretudo os executivos e a esfera
municipal – pagam baixos salários, e como se não bastasse o restrito mercado
interno que o tipo de economia voltado para as commodities formou no território
alagoano, tivemos, ainda segundo Carvalho (2007), durante todo o Século XX, a
economia alagoana dependente das atividades agrícolas ou agroindustriais
e, por isso, as classes urbanas, tanto os trabalhadores assalariados
quanto os da classe média, são relativamente pequenas. A precoce
urbanização criou uma realidade na qual o setor terciário ocupa, com
suas atividades tipicamente urbanas, 2/3 da área econômica
alagoana. Mesmo com a distribuição das atividades produtivas
revelando uma forte presença do setor de serviços, Alagoas tem
apenas 15 mil pequenas empresas e microempresas formais na área
de serviços e comércio. Enquanto isso, a pesquisa Economia Informal
Urbana, do IBGE (2005) revelava a existência de 205 mil pessoas
ocupadas trabalhando por conta própria ou nas 166 mil empresas
informais de até cinco pessoas. (p.16)
O baixo peso relativo da indústria na economia alagoana em todos os
tempos, por seu turno, dá-se em função de três fatores apontados por Carvalho
(2007) como altamente limitantes: um deles é o restrito mercado interno, enquanto o
outro é a ausência histórica de pólos dinâmicos capazes de substituir importações e
realizar exportações. Esses fatores são limitantes por conta do tipo de formação
social já assinalada acima, que faz avultar a presença das “comodities”, enquanto o
terceiro fator resulta da incapacidade do setor público – sobretudo, do estadual e
dos setores municipais - de realizar investimento, a par da cultura dominante que
praticamente não dissocia o público do privado, criando, assim, obstáculos para
projetos de desenvolvimento voltados para o interesse das maiorias (cf. VERÇOSA,
2006).
Em vista do quadro acima esboçado, temos em Alagoas, segundo os
indicadores apurados pela pesquisa Radar Social do IPEA, 62% da população
alagoana como pobre e cerca de 50% considerada como alvo do Programa Fome
Zero, sendo, por isso, beneficiária do Programa Bolsa Família.
Isso tem feito com que Alagoas, segundo o índice de Gini 17, apurado pelo
IPEA (2006), apresente um indicador correspondente a 0,575 que sinaliza uma
maior proximidade da perfeita iniqüidade do que de uma maior igualdade.
De fato, as condições sociais da população alagoana mostram uma situação
de renda que pode ser assim sintetizada:
GRÁFICO 03 – PERFIL DE RENDA DA POPULAÇÃO ALAGOANA (2006)
Fonte: IBGE/PNAD (2006)
Essa situação de renda super-concentrada faz com que, em Alagoas, 1% dos
MAIS RICOS fique com 31% da RENDA, enquanto os 50% MAIS POBRES
detenham apenas 13% da RENDA que circula em Alagoas.
Esses dados contribuíram para que Alagoas ocupasse, em 2004, segundo
pesquisa do IPEA/PNUD (2OO4), o 26º lugar no ranking nacional em relação ao
17
Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar
per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o
mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da
sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)18 – que é, na verdade, o penúltimo lugar -,
apresentando um valor igual a 0,649 (IPEA/PNUD, 2004).
Já o Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS), baseado na
Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), do IBGE - Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística -, apontava Alagoas, em 2003, como o Estado a deter os
índices mais negativos dentre as unidades da federação, e, ratificando essa
constatação, o IBGE divulgou em 2006 que a economia de Alagoas, medida a partir
do PIB, continuava superando apenas o Piauí, dentre os Estados nordestinos.
Como se não bastassem os limites de nosso Produto Interno Bruto, ele se
encontrava distribuído, nos anos de 2002, 2004, da forma mais iníqua possível –
com um visível agravamento com o passar do tempo -, como se pode ver pela tabela
a seguir, em que são apresentados os indicadores de alguns municípios das
diversas macrorregiões do Estado:
TABELA 02 - PIB ALAGOANO DE ALGUNS MUNICÍPIOS DE ALAGOAS(2004)
MUNICÍPIO
VALOR EM MILHÕES DE REAIS
Maceió
Arapiraca
Marechal Deodoro
Pilar
São Miguel dos Campos
Palmeira dos Índios
Roteiro
Feliz Deserto
Palestina
Pindoba
ALAGOAS
FONTE: IBGE
2002
4.050.592
435.109
222.215
103.364
225.070
188.441
10.541
9.871
8.329
7.781
8.767.282
2004
6.749.339
477.205
396.813
281.000
264.958
171.275
8.883
7.393
6.561
5.251
11.552.232
Pelo que se pode observar, em dois anos, o PIB alagoano cresceu menos de
50%, enquanto Maceió ultrapassou os 60%, fazendo com que o segundo município
com maior PIB, ainda que com um leve incremento nos mesmos dois anos, tenha
guardado uma distância ainda maior da capital do Estado. Já vários outros
municípios apresentaram um acentuado decréscimo na sua produção de riqueza,
18
Para o cálculo do IDH considera-se o resultado de uma média entre os indicadores da saúde,
educação e renda, da seguinte forma: a saúde é medida pela expectativa de vida ao nascer, a
educação é contabilizada pela alfabetização e pelo número de matrículas da população em idade
escolar e a renda é calculada pela riqueza total dividida pelo número de cidadãos. No caso do IDH,
temos um parâmetro oposto ao usado para o Índice de GINI, sendo desejável uma maior proximidade
de 1 como indicativo de melhor qualidade de vida.
fazendo com que, assim, Maceió sozinha acumulasse mais de 60% de todo o PIB de
Alagoas.
Uma das características mais perversas dessa economia que se desenvolve
em Alagoas, além da sazonalidade que lhe é peculiar, graças ao predomínio da
agroindústria e do turismo, e que deixa, assim, muitos alagoanos sem renda ou com
renda incerta por meses a fio, é o modo como as pessoas se encontram inseridas na
produção dos bens e serviços no território alagoano, segundo se pode perceber na
tabela a seguir:
TABELA 03 – FORMA DE INSERÇÃO DA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA EM
ALAGOAS (2004)
PEA
OCUPADAS
1.100.000
Fonte: IBGE
900.000
COM
CARTEIRA
250.000
SEM
CARTEIRA
650.000
DESOCUPADOS
200.000
O quadro acima nos mostra, em termos proporcionais, o seguinte perfil da
PEA em 2004:
GRÁFICO 04 – PERFIL PROPORCIONAL DA PEA POR SITUAÇÃO TRABALHISTA (2004)
Fonte: IBGE
Pelo que se pode constatar, quase dois terços da PEA de Alagoas encontrase desempregada ou na informalidade, havendo menos de um quarto com alguma
segurança trabalhista. Frente a tal perfil ocupacional, combinado com a
concentração do PIB alagoano, não é de se estranhar a forma como a população do
Estado foi se fixando ao longo dos últimos 36 anos, segundo o gráfico apresentado a
seguir:
GRÁFICO 05 – PERFIL DEMOGRÁFICO DE ALAGOAS (1970-2006)
Fonte: IBGE
É claramente visível, pelos dados do gráfico acima, não somente a forte
urbanização da população alagoana nas últimas três décadas e meia, mas, também
o incremento vertiginoso da população de Maceió, num movimento provocado pela
concentração da riqueza produzida na capital, em oposição à pauperização do
interior. Essa, reforçada pelo conhecido movimento de expulsão dos trabalhadores
da cana das terras em que moravam, sobretudo nas duas últimas décadas, feita
pelos usineiros e fornecedores de cana, para escapar das obrigações trabalhistas
antes desconsideradas.
Tal ritmo de crescimento da população de Maceió frente ao perfil demográfico
de Alagoas, como um todo, fica ainda mais visível quando nos detemos nos dados
apresentados na tabela a seguir:
TABELA 04 – ALAGOAS E MACEIÓ: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO (1960/2005)
ANO
1960
1970
1980
1991
2006
FONTE: IBGE (2006)
ALAGOAS
MACEIÓ
1.258.170
1.588.109
1.982.591
2.514.100
3.015.901
242.982
351.299
514.671
776.079
922.458
De fato, como a renda produzida pelo Estado, como vimos, encontra-se
fortemente concentrada, sobretudo em Maceió, seu crescimento demográfico se deu
de forma vertiginosa nas últimas três décadas e meia, e vem progredindo ainda
mais, tendo, para 2007, uma população estimada pelo IBGE de 996.965 habitantes;
Isso, porém, vem acontecendo em condições tais que, segundo Carvalho (2007)
a cidade cresceu rapidamente, mas foi “ruralizada” pela presença
massiva de uma população originária do campo alagoano, que trouxe
para a capital suas práticas e valores, determinando o cotidiano da
vida de bairros inteiros. Outro aspecto importante desse crescimento
urbano acelerado é que ele acontece de forma desigual, com o ritmo
mais forte nas áreas dos aglomerados subnormais (favelas, palafitas,
grotões, encostas, cortiços, loteamentos clandestinos, etc) e nos
bairros mais pobres e periféricos do que na parte rica da cidade
(condomínios fechados e nos bairros de classe média). É essa
polarização social crescente o principal problema a ser enfrentado na
cidade. (p.33)
Essa forma de crescimento demográfico de Alagoas – e de Maceió, em
particular – merece uma consideração toda especial no que tange ao bem-estar
social dos seus habitantes, com ênfase na problemática da fome, já que essa é uma
questão central do meu estudo. Considerando-se o Mapa do Fim da Fome II,
elaborado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, como uma versão atualizada e
ampliada do "Mapa do Fim da Fome", divulgado em 2001, em que Alagoas já se
encontrava em situação bastante desvantajosa, observa-se que os cinco estados
que possuem maior número de miseráveis, estavam todos na região Nordeste,
ficando Alagoas com um índice de 63,75% de sua população em situação de fome,
somente tendo atrás de si o Maranhão, que exibia 68,42%. Importa ressaltar que o
estudo da FGV considerou como renda mínima mensal o montante de R$ 79,00 correspondente ao valor necessário para garantir o consumo das necessidades
calóricas mínimas, fixadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – como valor
limite acima do qual se considerou a pessoa como fora da linha da miséria19.
Diante desse quadro social, temos Alagoas como uma unidade da Federação
que sobrevive às expensas do erário nacional. Informes do MDS – MINISTÉRIO DO
DESENVOVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME - davam conta, em 25 de abril
de 2008, por meio de seu sítio eletrônico20, que programas de sua responsabilidade
estão chegando a 2,1 milhões de pessoas em Alagoas, ou seja, a mais de dois
terços da população do Estado que, por se encontrarem sob esse pálio de proteção
federal, apresentam baixa renda e, conseqüentemente, insegurança alimentar.
De fato, segundo o MDS, o Estado de Alagoas recebe por ano, R$ 715,3
milhões para execução de programas sociais. Segundo esse órgão do Governo
Federal, em Alagoas
19
Informações obtidas no site www.fgv.br/ibre/cps/., acessado em 26 de abril de 2008.
O sítio eletrônico do MDS – MINISTÉRIO DO DESENVOVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME
é http://www.mds.gov.br
20
as ações nas áreas de transferência de renda, assistência social e
segurança alimentar (grifo meu) beneficiam 2,1 milhões de
pessoas. O Bolsa Família, maior programa de transferência de
renda do País, transfere por mês R$ 28 milhões para 353,2 mil
famílias alagoanas. (...) Para os programas de assistência social, o
Ministério destinou de janeiro a março [de 2008] R$ 55,1 milhões
para realizar 353 mil atendimentos em Alagoas. O MDS investe R$
1,1 milhão no Programa para Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
no Estado, para tirar 27,1 mil crianças e adolescentes do trabalho
entre janeiro e março. Cerca de 1,7 mil pessoas são beneficiadas
com o programa Agente Jovem, que aplica R$ 139,6 mil em 2008.
No Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), os 97 Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS), também conhecidos como
Casas das Famílias, oferecem atendimento psicológico e de
assistência social para 232 mil pessoas com repasse de R$ 1,1
milhão.
Em relação à Segurança Alimentar que, como os demais setores acima
referidos já vinha sendo apontada por Carvalho (2007) como fortemente dependente
dos recursos repassados pelo Governo Federal, por meio de suas políticas
compensatórias, o sítio do MDS diz que “os repasses do governo em segurança
alimentar em Alagoas alcançam R$ 39,1 milhões, atendendo 468 mil pessoas”, com
o Programa de Aquisição de Alimentos voltado ao incentivo da produção de
alimentos pela agricultura familiar21.
Segundo o informe referido, a distribuição destes produtos para pessoas em
situação de insegurança alimentar disponibilizava, na data da consulta à Internet, R$
3,24 milhões para beneficiar 125,9 mil pessoas. Com três Restaurantes Populares,
em fase de construção, o governo federal, além de buscar proporcionar alimentação
saudável a preços populares, propõe-se a desenvolver uma política educativa
voltada para a orientação de hábitos alimentares saudáveis, com um investimento
de R$ 306,3 mil na educação alimentar para Comunidades Tradicionais,
Quilombolas e indígenas.
Em suma, essa “federalização da economia de Alagoas”, segundo dizer de
Carvalho (2007) – que é também da segurança alimentar, diria eu -, é o que tem
impedido que milhares de alagoanos pereçam por conta da miséria, aportando
recursos mensais que, em suas linhas gerais, podem ser assim pormenorizados:
21
Essa referência à SEGURANÇA ALIMENTAR infelizmente não incorpora, ainda, pela recência da
política, os valores que estão sendo envolvidos nos TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, que, em
Alagoas, começam a investir fortemente na agricultura familiar e nos assentamentos da reforma
agrária.
TABELA 05 – PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA DO GOVERNO
FEDERAL, VIA MDS, COM NÚMERO DE BENEFICIADOS E VALOR
EM R$ POR MÊS (MARÇO 2008)
PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIA DE RENDA
NÚMERO DE BENEFICIADOS
VALOR EM
R$ POR MÊS
Bolsa Família
22
PETI
Agente Jovem
23
24
BPC – PcD
BPC – Idosos:
Atenção à Família:97 CRAS
Agricultura Urbana:
353,2 mil famílias
27,1 mil Crianças
1,7 mil Jovens
40,3 mil Pessoas com Deficiência
28,6 mil Idosos
232 mil pessoas
4,5 mil pessoas - Hortas, feiras,
defumados e doces.
-- 3 Restaurantes
Comunidades Tradicionais - Quilombolas e
indígenas
4,7 mil alunos
28.000.000
1.100.000
139.600
30.400.000
21.700.000
1.100.000
986.600
Restaurante Popular
Educação Alimentar
Cozinha Brasil
Cisternas
Programa do Leite
Cestas de Alimentos
PAA – CONAB
PAA Compra
35,8 mil pessoas 8,1 mil unidades
234 mil pessoas
61,2 mil pessoas ( 14,8 mil cestas (1,3 mil
Indígena e 520 Quilombola)
41,1 mil pessoas 238 agricult. (466 toneladas)
84,8 mil pessoas (822 agricultores)
3.500.000
306,3 mil
16 unicípios
atendidos
12.000.000
53.300/dia
796.600
543.900
2.700.000
Fonte: MDS (2008)
Sob as condições sócio-econômicas em que se vem dando o crescimento de
Alagoas, não é de se estranhar que o perfil de escolarização de sua população
acompanhe o perfil sócio-econômico, sendo confirmado como o mais baixo de todo
o
Brasil,
segundo dados da última Pesquisa
Nacional por Amostragem
Domiciliar(PNAD) feita pelo IBGE em 2006, ultrapassando, inclusive, o Maranhão,
que era o mais baixo do Nordeste e do País.
Sobretudo quanto ao número de analfabetos absolutos, se considerarmos os
dados do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas – TRE/AL25, vemos como os dados
relativos e absolutos apresentam a realidade que temos no gráfico a seguir
22
PETI quer dizer Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
BPC significa Benefício de Prestação Continuada, o que quer dizer um valor monetário transferido
mês a mês, por meses a fio.
24
PcD significa Pessoas com Deficiência.
25
Optei pelas referências do TRE/AL sobre o perfil educacional dos alagoanos por considerá-las mais
confiáveis quanto à indicação do número de analfabetos absolutos, já que são considerados como
tais todos aqueles que, com mais de 16 anos, registram sua presença nos documentos do Tribunal –
inclusive nas folhas de votação – com a impressão do polegar, enquanto o IBGE faz seu registro com
base apenas no que diz o informante.
23
GRÁFICO 06 – PERFIL EDUCACIONAL DO ELEITORADO DE ALAGOAS (2007)
Fonte: TRE-AL (2007)
O quadro de sub-escolarização é evidente no gráfico acima, com apenas 7%
da população com Ensino Médio completo, que é hoje, segundo posição de todos os
que estudam a relação entre educação e emprego, a escolarização mínima para
uma pessoa conseguir uma ocupação que pague um salário acima do mínimo, até
porque é com esse nível de escolarização que se torna possível lidar, com
familiaridade, com o uso de novas tecnologias. Parece não ser por acaso que o
número dos que detêm diploma de nível superior – 3% - praticamente coincida com
os que têm ganhos acima de 5 salários mínimos, segundo consta do Gráfico 03
apresentado anteriormente.
Se a situação de escolarização da população acima de 16 anos se apresenta,
em Alagoas, nas condições deploráveis que vimos no gráfico 06, no entanto, dados
recentes da matrícula inicial dos diversos níveis e modalidades da educação escolar
em Alagoas – sobretudo referentes ao Ensino Fundamental – nos dão conta de um
avanço que, se no que diz respeito à Educação Infantil, é praticamente nulo, no caso
do Ensino Fundamental, que, segundo a LDBEN, é de oferta obrigatória, já que é
direito público subjetivo, parece avançar para a chamada universalização, como
pode ser observado nos dados apresentados na tabela que segue:
TABELA 06 – CRESCIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL 1999/2004
NÍVEL/MODALIDADE
1999
2004
ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR
701.643 729.780
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
46.697 103.600
Fonte: INEP/MEC
Salvo o grande crescimento da matrícula na modalidade de Jovens e Adultos
– que indica claramente uma alta taxa de estudantes com defasagem entre idade
cronológica e ano escolar cursado -, ainda que de 1999 a 2004 o crescimento
pareça discreto, a matrícula de 2004 já atendia a mais de 90% dos estudantes no
Ensino Fundamental. Examinando comparativamente os índices de atendimento
educacional de Alagoas, frente aos índices do Nordeste e do Brasil, tínhamos, em
2004, os dados apresentados na tabela a seguir para as matrículas líquida e bruta 26:
TABELA 07 –TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO BRUTA E LÍQUIDA DO BRASIL, DO NORDESTE E
DE ALAGOAS (2004)
Ensino Fundamental
Bruta
Líquida
Brasil
117,6
93,8
Nordeste
127,9
91,6
Alagoas
133,9
91,1
Fonte: MEC/INEP (2004)
Ensino Médio
Bruta
Líquida
81,4
44,4
71,3
27,9
61,7
20,5
Educação Superior
Bruta
Líquida
18,6
10,5
11,1
5,9
8,9
4,0
Os dados referentes a 2006 apontam para uma matrícula líquida inicial no
Ensino Fundamental em Alagoas para além de 95%, o que representa um avanço
bastante significativo em relação a 2004.
Quando examinada, porém, a forma como se deu a ampliação dessa oferta
do Ensino Fundamental em Alagoas, temos uma situação complexa para todo o
atendimento, desenhada pelo gráfico que segue:
26
Considera-se MATRÍCULA LÍQUIDA, aquela que envolve estudantes na faixa etária regularmente
considerada pela lei para o nível de escolarização em que se encontra cursando, enquanto
MATRÍCULA BRUTA leva em conta todos/as os/as estudantes, independentemente de idade. Assim,
quanto maior a MATRÍCULA BRUTA, maior a defasagem entre idade cronológica e ano cursado.
GRÁFICO 07 –EVOLUÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM ALAGOAS POR
DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA:
Fonte: INEP (2007)
É visível, pelos dados acima, o quanto, em Alagoas, cresceu a oferta do
ensino público municipal, em detrimento da escola pública estadual, sendo ocioso
dizer que esse crescimento assim aconteceu, seja porque o Ensino Fundamental é
responsabilidade legal do Município, ainda que, segundo a LDB, de forma
compartilhada com o Estado, seja porque, não havendo, via FUNDEF, recursos para
a Creche e a Educação Infantil, que é exclusiva responsabilidade do ente municipal,
este deixou esses dois últimos níveis de educação ao Deus dará.
O fato é que, com os municípios alagoanos, sem exceção, açambarcando
mais de ¾ de todo o Ensino Fundamental, com um crescimento progressivo desde a
vigência do FUNDEF, temos hoje em suas mãos uma parcela considerável desse
nível de ensino – que é aquele, segundo a CF e a LDB, o nível de escolarização que
representa direito público subjetivo e ao qual se destinam as políticas de
alimentação escolar – que pode ser, por todos os marcos regulatórios da educação
escolar em vigor, exigível por qualquer integrante da sociedade brasileira, por si
próprio, por responsável seu, ou mesmo, por qualquer organização da sociedade
civil27.
O fato hoje concreto em Alagoas é que o atendimento cada vez mais
ampliado no Ensino Fundamental, que desde os anos de 1970 se dá pela
municipalização, foi se tornando cada vez mais precário nas séries iniciais,
27
Conferir, nesse sentido, o Art. 5º, que prescreve textualmente: “O acesso ao ensino fundamental é
direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária,
organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério
Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”.
expandindo-se essa precariedade para as séries finais, a ponto do SAEB/INEP/MEC
já indicar que o analfabetismo funcional que atingia, em 2003, a quase dois terços
dos estudantes da então 4ª. série28., hoje começa a se avizinhar, em montante
também expressivo, do ano final do Ensino Fundamental
Dados oficiais recentes, apurados pelo IBGE, sobre a escolarização em
Alagoas, confirmam esse quadro de improdutividade escolar. Isso se torna
perceptível se, para além da consideração apenas das matrículas iniciais,
considerarmos, por exemplo, os índices de reprovação registrados no Ensino
Fundamental em 2003, expressos no seguinte gráfico:
GRÁFICO 08 – REPROVAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM ALAGOAS (2003):
140.000
122.891
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
32.226
25.364
17.398
10.378
20.000
Fonte:
INEP/MEC (2004)
FONTE: 0INEP/MEC (2004)
1a.
2a
3a
4a
17.439
5a
10.209
6a
6.110
3.767
7a
8a
TOTAL
Fonte: INEP/MEC (2004)
Se tomarmos como base o montante de alunos com matrícula inicial no
Ensino Fundamental, no ano de 2004, que era de 729.780 estudantes, percebe-se
claramente, pelos dados acima, que, dentre estes, 122.891 foram reprovados ao
longo do ano. Este fato é ainda mais agravado quando se observa que,
proporcionalmente, o maior índice de reprovação se dá nos dois anos iniciais29. A
28
Sobre essa precariedade do atendimento no Ensino Fundamental, representado pelo baixo nível
0
de escolaridade, o SAEB nos dava conta, em 2003, que em Alagoas, 31,7% dos estudantes do 4 .
Ano tinham o nível muito crítico de desempenho em Língua Portuguesa, enquanto 43,2%
apresentavam nível crítico, representando, respectivamente, Muito Crítico, não ser capaz de
desenvolver habilidades de leitura, não estar alfabetizado adequadamente e não conseguir responder
os itens da prova, enquanto o nível Crítico significa não ser leitor competente, ler de forma truncada,
apenas frases simples.
29
Passarei a me referir a cada grupo de estudantes por classe pelo termo “ano” em vez de “série”
por ser essa a terminologia corrente nos dias atuais, por conta da implantação do Ensino
Fundamental de 9 anos.
reprovação no 10 e no 50 anos, por seu turno, totaliza 49.665 estudantes, o que
representa 40.41% do total de reprovados, chamando nossa atenção para o fato de
que apenas a reprovação em dois anos – para mim cruciais, porque, quando feito o
levantamento, os anos iniciantes de etapas importantes do Ensino Fundamental30perfazem 2/5 do total.
Já os índices de abandono, também no Ensino Fundamental, que expressam
improdutividade do trabalho escolar, considerados para o mesmo ano de 2003, não
são também mais animadores, como se pode ver pelo quadro a seguir:
GRÁFICO 09 – ABANDONO NO ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR EM
ALAGOAS (2003)
120.000
101.765
100.000
80.000
60.000
40.000
23.070
19.089
20.000
9.992
9.165
8.006
2a.
3a.
4a.
14.487
10.464
7.489
7a.
8a.
0
1a.
5a.
6a.
TOTAL
Fonte: INEP/MEC (2004)
Mais uma vez repete-se aqui o observado no gráfico anterior, quando o maior
índice de reprovação concentrava-se no 1º e no 5º anos: os que abandonaram o
Ensino Fundamental em Alagoas, em 2003, perfizeram um total de 42.159 alunos
reprovados, o que significa 42,41% do total dos oito anos considerados.
Observados os dados das tabelas 7 e 8 no seu conjunto, vê-se que eles
totalizam 224.653 estudantes, ficando evidente que o acesso à escola, por si só, não
é expressão de sua universalização, exigindo-se, para tanto, permanência com
sucesso.
Tentando atualizar mais os dados acima e colocando-os, no seu conjunto,
sem considerar ano a ano de escolaridade, em confronto com os indicadores do país
e do Nordeste, com o acréscimo do índice médio de defasagem entre idade
30
Com o Ensino Fundamental de 9 anos, as duas etapas que, infelizmente, ainda subsistem dos
0
0
antigos Primário e Ginasial que parecem o início de dois cursos autônomos são o 1 e o 6 . Ano.
cronológica e ano escolar cursado, que é também forte indicador de iniqüidade,
temos os dados que seguem para 2004 e 2005:
TABELA 09 – DADOS COMPARATIVOS DE REPETÊNCIA, ABANDONO E
DEFASAGEM IDADE/ANO CURSADO NO ENSINO FUNDAMENTAL DE
ALAGOAS FRENTE AO BRASIL E AO NORDESTE (2003-2005)
CATEGORIA
REPROVAÇÃO
ABANDONO
DEFASAGEM
IDADE/SÉRIE
BR
13,0%
8,3%
31,5%
2004
NE
16,7%
13,6%
45,6%
AL
18,9%
16,4%
51,4%
BR
13%
7,6%
30%
2005
NE
16,3%
12,3%
43,9%
AL
18,5%
15,5%
49,5
Fonte: MEC/INEP (2006)
Analisando a tabela acima, observa-se que Alagoas, quer seja nos índices de
reprovação, quer seja no de abandono e de defasagem idade-série, sempre supera
o país e o Nordeste, mostrando o quanto o Estado precisa avançar no tocante às
políticas públicas educacionais, sobretudo no que concerne, não apenas ao acesso,
mas, sobretudo, à qualidade da educação escolar que ministra. E aqui é imperioso
frisar que entre nós, quando há um decréscimo nos indicadores acima explicitados
em relação ao Nordeste e ao país, este se dá de forma tímida, para não dizer
inexpressiva, insignificante, pois o decréscimo é representado por menos de um
ponto percentual.
Vale ainda registrar que os índices de abandono de Alagoas em relação ao
país representam quase o dobro, tanto no ano de 2004, quanto no ano de 2005, o
que só comprova o “desastre educacional” numa terra conhecida por grandes
luminares das letras, como Guimarães Passos, Aurélio Buarque de Holanda, Ledo
Ivo, Graciliano Ramos e Jorge de Lima, os três primeiros, inclusive, integrantes da
Academia Brasileira de Letras.
Em resumo, é imperioso dizer que, embora dados do INEP dêem conta, em
Alagoas, de uma evolução do Ensino Fundamental de 1993 a 2006, de 497mil para
707 mil, o que representa um crescimento regular de mais de 40%, todos os dados
acima mostram que o crescimento na matrícula inicial pouco representa diante dos
indicadores desfavoráveis de evasão, de reprovação e de defasagem entre idade
cronológica e ano escolar cursado.
Esse panorama de escolarização nos remete, inexoravelmente, aos dados
perversos relativos à pobreza, à concentração de renda e à desigualdade social de
Alagoas. É possível afirmar, com apoio em Verçosa (2006) que, em última instância,
foi a forma como Alagoas foi colonizada e vem sendo governada que tem
determinado, em grande parte, a brutal exclusão social. Na verdade, a forma como
Alagoas foi colonizada e estabeleceu seus padrões de produção da vida material e
social parece explicar não somente as origens, mas também a permanência da
profunda exclusão social, incluindo a de natureza educacional.
De fato, as relações sociais vivenciadas, dos primeiros povoados até os dias
atuais, originaram um imenso poder de natureza oligárquica, já que o latifúndio e o
trabalho escravo – hoje, em grande parte, sub-assalariado = consolidaram e
continuam a consolidar a autoridade caprichosa e despótica dos senhores da terra e,
conseqüentemente, do poder político. Segundo Verçosa (2006, p. 47) esse
verdadeiro “modo de vida”, que nunca conseguiu ser apenas “meio de vida”,
representa, ainda hoje, os núcleos fundamentais da sociedade alagoana, “tecendo
os laços de submissão não apenas do escravo, mas também do trabalhador livre,
fundamentais para o futuro do sistema”. Essa relação poderia ter sido rompida, ou,
ao menos, fraturada, não fosse a permanência hegemônica, até os dias atuais, da
cana-de-açúcar e do gado, que, de algum modo, sempre a acompanhou, cujas
relações de produção mal foram tocadas com a substituição do bangüê pela usina.
Isso se pode dizer quando abordada a dimensão estrutural da sociedade alagoana.
No que diz respeito à conjuntura, ressalte-se a política econômica secular
sempre adotada pelos Poderes Públicos do Estado quando das crises dos produtos
de exportação (álcool / açúcar) no mercado mundial, que foi sempre o de socorrer as
oligarquias e seus apaniguados, favorecendo particularmente o setor sucroalcooleiro até bem recentemente – vide Acordo dos Usineiros31. Por isso, este setor
consegue manter-se hegemônico até os dias de hoje, inclusive à frente do próprio
aparelho de Estado, seja por seus representantes, seja por um usineiro em pessoa,
como é o caso dos dias atuais.
Nesse sentido, constata-se claramente que, ao longo dos anos, em Alagoas a
política adotada tem visado atender especialmente – quando não exclusivamente –
via políticas de Estado, aos interesses de uma minoria já tão bem aquinhoada. É
nessa realidade de exclusão que se tem feito, quando inevitável, o encaminhamento
31
Da forma mais simplificada possível pode-se dizer que o ‘acordo dos usineiros” representou um
contrato celebrado, na década de 1990, entre o Governo de Alagoas e os usineiros desse Estado,
fazendo um “acerto de contas”, por meio do qual os industriais do açúcar e do álcool não apenas não
continuariam pagando imposto pela cana própria, por ser bitributação, já que pagavam imposto pelos
produtos produzidos pela indústria a partir daquela matéria prima que era sua, como receberiam de
volta o que haviam pago por anos – incluindo-se no pacote todas as empresas da holding, quando
fosse o caso – o que levaria o Estado a uma crise fiscal da qual se encontra prisioneiro ainda hoje.
de políticas sociais direcionadas à grande população excluída. Evidentemente que o
desejável seria a implementação de políticas estruturais e auto-sustentáveis de
inclusão, que viessem a promover emprego e/ou renda de camadas cada vez mais
amplas da população alagoana, capazes de redistribuir riqueza e, assim, promover
bem-estar, alçando-se, aqui, com relevo, à promoção de níveis cada vez mais altos
de escolarização. Para isso, porém, faz-se indispensável a promoção de algumas
medidas, ainda que emergenciais, no campo das políticas sociais, dentre as quais
toma vulto a problemática da alimentação.
Sendo o acesso à comida em quantidade, mas, sobretudo em qualidade, uma
condição do simples existir, refletir sobre essa questão numa realidade tão
socialmente iníqua como a alagoana, na perspectiva da fruição, não apenas desse
direito que, para além de social, é inerente à condição humana, faz-se condição
indispensável para se pensar a garantia de acesso à escola e permanência nela
com sucesso e é o que farei a seguir, como condição primordial de possibilidade de
se ter inclusão na educação formal.
A alimentação escolar está inscrita na Constituição Cidadã de 1988 como um
direito humano social de toda criança ou adolescente que freqüente, desde a
Educação Infantil até o 90. ano do Ensino Fundamental. Todavia, mesmo sendo o
direito à alimentação garantido em dispositivos legais específicos (CF/1988 - Art..
208, VII e LDBEN/1996, Art .4º, VIII), nós acabamos tendo políticas compensatórias,
indo, inclusive, o estudante à escola para matar a fome do dia, tão grave é a
situação de segurança alimentar em Alagoas, a ponto de aqui serem contempladas
cerca de duzentas mil crianças e adolescentes, com um investimento anual de mais
de seis milhões de reais.
Diante destes fatos, importa assinalar que, a considerar o que nos ensina
Marshall (1967), a cidadania não é vivenciada na área da alimentação, como da
escolarização, em sua plenitude, pelo povo alagoano, já que a vivência da cidadania
implica ter garantido o atendimento a três dimensões dos direitos - o civil, o político e
o social -, todos imbricados e, por isso, indissociáveis.
Na verdade, em Alagoas, se considerarmos o enfoque tripartite apresentado
por Marshall, a cidadania não estaria formalmente sendo integralmente negada em
todos os aspectos. Afinal, há um aparato civil que busca garantir o direito de ir e vir,
a liberdade de opinião e de imprensa, o direito à propriedade e à justiça, sendo este
último o direito que, segundo o sociólogo inglês, converge para uma luta no sentido
de defender e afirmar todos os outros direitos. No entanto, quando se trata da
cidadania social, que tem direitos correspondentes - os direitos sociais - que iniciam,
segundo Marshall, com o direito a um mínimo de bem-estar econômico e de
segurança, chegando ao direito de participar e levar uma vida com dignidade, o que
significa ter acesso aos bens comuns como trabalho, alimentação, moradia,
educação, saúde e lazer, percebe-se a desigualdade a que a maioria dos alagoanos
e das alagoanas está submetida, pois, como vimos, muitos vivem numa situação de
indigência total ou de profundas carências. Daí porque me parece mais apropriado
pensar a questão do acesso à alimentação, como de escolarização da população de
Alagoas pela perspectiva dos “direitos humanos”, pelas razões que passo a
apresentar.
Os Direitos Humanos proclamados em declaração específica e assumida
pelos integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual participa o
Brasil, são mais do que um código moral. Na verdade, compõem um código legal
mundial, cujo comprometimento dos países lhes impõem responsabilidades
administrativas e às sociedades envolvidas, a compreensão/internalização dos
princípios morais e éticos que alicerçam esses direitos de forma indivisível, criando
um todo que é devido a cada ser humano pelo simples fato de assim ser.
Considerando a fome e a miséria como se apresentam em Alagoas e a
maneira como a alimentação escolar é proporcionada aos estudantes, isso tende a
reforçar todas as idéias já arraigadas na mentalidade patrimonialista dominante de
que se trata de um favor, em detrimento de uma concepção onde a alimentação,
tanto quanto a educação, representam uma política, não apenas assegurada
constitucionalmente como um direito inalienável do ser humano, mas,também, uma
responsabilidade do Estado a cada alagoano e cada alagoana pelos simples fato de
ser pessoa humana integrante do grupo e beneficiário dos bens produzidos
socialmente. Na verdade, segundo penso, a execução de políticas de alimentação
também na escola pública está embasada na promoção do Direito Humano à
Alimentação, no contexto da indivisibilidade dos direitos humanos, civis, culturais,
econômicos, políticos e sociais. Durante muitos séculos, graves violações
envolvendo esses direitos, como desemprego, desnutrição e mortalidade infantil,
foram considerados conseqüências inevitáveis do desenvolvimento global da
sociedade, podendo ser solucionados somente após o tão sonhado desenvolvimento
econômico a ser alcançado. No entanto, essa concepção equivocada é responsável
não só pela separação entre os direitos, mas, sobretudo, por uma hierarquização
entre essas “categorias” de Direitos Humanos.
Nesse sentido, o que se deve ter em mente ao tratar, tanto de direitos
econômicos, sociais e culturais, como civis e políticos, é o fato de todos serem
fundamentados pela noção de dignidade, inerente aos seres humanos, sem
discriminação alguma por motivo de etnia, sexo, língua, religião, condição
econômica e orientação política. E é exatamente essa noção que explicita o caráter
universal, indissociável e interdependente dos Direitos Humanos em geral, devendo,
assim, ser tratados de maneira justa e igual, nas mesmas bases e com a mesma
ênfase por todos os atores que compõem a sociedade internacional, a nacional e a
local. E é nessa perspectiva da indissociabilidade que será possível promover o
desenvolvimento
humano
que
incorpore
os
conceitos
de
eqüidade
e
sustentabilidade.
No que tange especificamente à alimentação, o código de Conduta
Internacional sobre o direito à alimentação adequada, no seu art. 4º, dispõe que
o Direito à alimentação adequada significa que todo homem, mulher e
criança sozinha ou em comunidade deve ter acesso físico e
econômico, a todo tempo, à alimentação adequada através do uso de
uma base de recurso, apropriada para a sua obtenção de maneira
consistente com a dignidade humana. O direito à alimentação
adequada é uma parte distinta do direito a um padrão de vida
adequado. (Instituto Internacional de Pesquisa de Política AlimentarIFPRI-1999, apud Valente, p.246)
O
ser
humano,
não
há
como
negar,
necessita
de
se
alimentar
adequadamente. Isto é intrínseco à sua cultura, à sua família, a seus amigos. Assim,
o Direito à Alimentação passa pelo direito de alimentar-se de acordo com os hábitos
e práticas alimentares de sua cultura, de sua região ou de sua origem étnica, o que
fortalece sua saúde física e mental, assim como sua dignidade humana. Faz parte,
também, do Direito à Alimentação, o poder comer alimentos seguros onde quer que
esteja, assim como dispor de informações corretas sobre o conteúdo dos alimentos,
sobre práticas alimentares e estilos de vida saudáveis.
O médico Josué de Castro, reconhecido internacionalmente e ex- presidente
do Conselho da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO) escreveu uma metáfora a respeito da fome no Brasil, da qual ressaltamos o
que segue: “No Brasil, ninguém dorme por causa da fome. Metade, porque está com
fome e a outra metade porque tem medo de quem tem fome.” E, quando vemos os
dados sociais de Alagoas, somos obrigados a concordar com o ilustre
pernambucano.
Atualmente, o Brasil está no 30 lugar entre os maiores exportadores mundiais
de alimentos, sendo a décima maior economia do mundo, com produção suficiente
para alimentar toda a sua população. Apesar dessa realidade, porém, milhares de
alagoanos ainda sofrem de fome ou, ao menos, de um certo grau de desnutrição,
estando, conforme micro-dados da PNAD/IBGE, organizados pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) para 2002, que são os dados mais recentes, assim distribuídos por
mesorregiões:
GRÁFICO 10 – SITUAÇÃO DE NUTRIÇÃO DA POPULAÇÃO ALAGOANA POR
MESORREGIÃO
Fonte: FGV/2002
Diante dos dados apresentados, há que se considerar que a magnitude da
fome em Alagoas é uma flagrante afronta à dignidade humana. O reconhecimento
da alimentação enquanto um direito humano – e seu fim, não como expressão da
caridade cristã, como se constituiu historicamente no Brasil - assumiu uma dimensão
de grande amplitude no país com a criação da Ação da Cidadania contra a Fome, a
Miséria e pela Vida, em 1992, e com a instituição do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (CONSEA) em 1993, e se fortaleceu com o processo de
preparação da Cúpula Mundial de Alimentação, em 1996, e a criação do Fórum
Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, em 1998. A implementação do
Programa Fome Zero e a proposta de elaboração de uma política de segurança
alimentar e nutricional, no contexto da promoção do direito humano à alimentação
adequada, são, de certa forma, resultados deste longo processo de luta e
mobilização da sociedade brasileira em relação ao tema.
No entanto, apesar dos avanços observados, a implementação das políticas
necessárias à efetiva realização dos direitos humanos à alimentação ainda se
apresenta distante do discurso. Vale aqui registrar que, para os organismos
internacionais, segundo Melo (2005, p.77) “a pobreza é agora vista como a
incapacidade de alcançar os padrões básicos de nutrição, saúde, educação, meio
ambiente e participação nas decisões que afetam a vida de pessoas de baixa renda”
e, nesse sentido, ainda conforme Melo, “a pobreza e o aumento da desigualdade
social acabariam sendo responsabilidade e culpa não só de países, mas também de
indivíduos incapazes de, em um mundo cheio de possibilidades, informar-se e
participar.” (2005, p. 77).
Quando tratamos da garantia dos direitos sociais, é nosso dever assinalar que
os governos atuais persistem em uma política equivocada, concentrada na violação
de alguns deles, de forma totalmente apartada da dimensão dos direitos humanos,
econômicos, sociais e culturais como um todo indivisível. Nesse sentido, os
programas e políticas de segurança alimentar ainda têm sua implementação
impregnada de assistencialismo, vinculada a condicionalidades, quando não
manipulados de forma eleitoreira, em razão da ausência de mecanismos efetivos de
monitoramento público em todos os níveis e de controle social efetivo. Atualmente,
embora no discurso daqueles que se comprometem com a consolidação da
democracia e com a eliminação/redução das desigualdades sociais, esteja a
construção de políticas públicas como garantia dos direitos elementares do cidadão,
a prática tem mostrado o contrário, conforme aponta Janete Azevedo (1987, 101),
quando afirma que as políticas públicas têm colocado o cidadão na condição de
assistido, beneficiário ou favorecido pelo Estado, e não na posição de usuário ou
consumidor de um serviço ou benefício a que tem direito como cidadão. Se isso é
verdade para o Brasil como um todo, o que dizer de Alagoas, cujas relações
políticas primam por ser mais de tipo pessoal do que de natureza pública e social
(Cf. VERÇOSA, 2006).
É nesse contexto que, segundo entendo, o programa de alimentação escolar
– como, de resto, qualquer outro programa de alimentação - ganha uma imensa
relevância social, especialmente em Alagoas, à medida que continuamos tendo um
imenso contingente daqueles que vão à escola em jejum, com a alimentação
dispensada pela escola apresentando-se, para muitos, como a única refeição diária.
As crianças e adolescentes que, devido ao baixo grau de acesso de sua
família aos bens essenciais a uma vida com dignidade, mal se alimentam em casa,
apresentam um quadro de desnutrição e fome incompatíveis com os direitos
humanos que lhes são inerentes. A desnutrição, que resulta de uma alimentação
inadequada é, como regra geral, determinada pela falta de recursos financeiros para
a aquisição de alimentos na quantidade ou com a qualidade necessária ao
desenvolvimento do organismo humano. Decorrente da pobreza, portanto, a
desnutrição faz parte de um “complexo de doença social’, à qual se juntam precárias
condições de habitação, de saneamento básico e de saúde, além dos baixos índices
de escolarização e informação dos pais, que, quando com recursos, adquirem
freqüentemente alimentos inadequados. Nesse sentido, a desnutrição está
imbricada à realidade socioeconômica que a determina.
Em decorrência disso, a desnutrição provoca danos que, segundo o grau,
pode levar a lesões no sistema nervoso; a fome, ao contrário, é uma situação
transitória, ou potencialmente transitória, que não provoca lesões irreversíveis,
embora dificulte a realização de qualquer atividade, dentre elas a escolarização, pois
a chamada “fome do dia” interfere no processo de aprendizagem, tanto quanto se
torna difícil aprender quando se está com muito frio, muito calor ou na iminência de
realização de necessidades fisiológicas.
Como já afirmado, a alimentação adequada é um direito humano básico,
reconhecido em pacto internacional e, sem a qual não se pode discutir os outros
direitos, pois sem uma alimentação adequada em quantidade e qualidade não há
sequer o direito à vida. E o direito à alimentação se inicia pela luta contra a fome,
isto é, pela garantia de que todos os cidadãos e todas as cidadãs tenham acesso
diário à alimentação em quantidade suficiente e com qualidade para o atendimento
às necessidades nutricionais diárias essenciais à manutenção da saúde.
Segundo VALENTE (2002, p.38),
a alimentação para o ser humano tem outras conotações importantes.
A alimentação humana tem que ser entendida como processo de
transformação de natureza – no seu sentido mais amplo – em gente,
em seres humanos, ou seja, em humanidade.
Assim, o direito à alimentação implica o direito ao acesso aos recursos e
meios para obtenção de alimentos seguros e saudáveis, sendo este acesso “um
direito humano básico que está acima de qualquer outra razão que possa tentar
justificar sua negação, seja de ordem econômica ou política.” (VALENTE, 2002,
p.40).
Apesar de ser o acesso à alimentação, como vimos, um direito humano
inalienável, frente a uma sociedade eivada de carências como a alagoana, no
entanto, a Constituição Federal de 1988 consagra, no seu artigo 208, VII, o
“atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência
à saúde.” (grifo nosso) E é aí que reside um visível retrocesso desta Constituição em
vigor, quando observamos que a Constituição de 1934, no seu art. 157, § 2º, ao
menos no plano do legalmente estabelecido, ao se referir a fundos sociais já
garantia que
parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílio a alunos
necessitados, mediante fornecimentos gratuito de material escolar,
bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para
villegiaturas.
De qualquer modo, como derivação da ordem constitucional atual, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei n0. 9.394/96 – no seu título
III, do Direito à Educação e do Dever de Educar, reafirma o “atendimento ao
educando,
no
ensino
fundamental
público,
por
meio
de
programas
suplementares de material didático - escolar, transporte, alimentação e assistência
à saúde. (grifos meus).
É bem verdade que, frente às restrições acima, dentre os objetivos e metas
para o ensino fundamental consignados no Plano Nacional de Educação, (PNE)- Lei
n0.10.172/2001, com vigência para o período 2001-2011, encontra-se definida a
necessidade de se garantir, com a colaboração entre União, Estados e Municípios, o
provimento da alimentação escolar e o equilíbrio necessário, garantindo os níveis
calóricos-protéicos por faixa etária, e isso representa, sem dúvida, um avanço
trazido pelo PNE, já que nele, constatados os limites presentes na CF e na LDBEN,
tenta-se contornar o drama presente nas carências alimentares de grandes parcelas
da população brasileira – da alagoana, com toda a clareza que os dados analisados
nos exibem – co-responsabilizando os três entes federados - UNIÃO, ESTADOS e
MUNICÍPIOS - pelo seu provimento.
Cabe aqui fazer algumas reflexões mais pormenorizadas acerca do que está
posto nas leis acima citadas. Em primeiríssimo lugar, é imperioso assinalar, segundo
os ditames legais, a quem se destina a alimentação escolar, ou seja, apenas aos
alunos matriculados no ENSINO FUNDAMENTAL. Evidentemente que essa
exigência arbitrária exclui de forma violenta os jovens e adolescentes matriculados
no Ensino Médio. Revendo apenas alguns dados sócio-econômicos postos neste
trabalho sobre Alagoas, podemos constatar, com toda clareza, o quão excludente e
discriminatória é esta disposição legal e, conseqüentemente, político-prática. Os
alunos do Ensino Médio são também, em grande parte, oriundos das populações
carentes – muitas, alvo do programa Fome Zero e outros de natureza assistencial e, portanto, também sentem fome, sem falar, ainda, do enorme constrangimento por
que passam quando, diante dos colegas da mesma escola que freqüentam, não
resistindo à alimentação servida, “ousam” penetrar na fila dos alunos do Ensino
Fundamental e são imediatamente alertados para o fato de que a merenda é para os
“pequenos” - isto é, para os alunos do Ensino Fundamental – como se grande parte
destes, devido à defasagem idade/série não fossem jovens ou mesmo adultos como
aqueles.
Frente ao que vim até aqui desenvolvendo, em Alagoas, particularmente,
considerando-se a forma como recentemente se posicionaram os Poderes Públicos
Estaduais frente à descentralizando da alimentação escolar, impõe-se uma
arqueologia dos modos como esta foi instituída e se desenvolveu no país e no
estado, bem como a análise dos processos de sua administração e execução para
captar, não apenas a forma como vêm sendo encaradas as políticas de alimentação
escolar, mas também como elas vêm contribuindo para as políticas de inclusão
educacional das maiorias economicamente desprivilegiadas, ultrapassando até os
limites que esses programas carregam. E é o que farei nos próximos capítulos,
começando pela trajetória histórica da alimentação escolar – a tão falada merenda –
no Brasil e em Alagoas.
CAPÍTULO II
A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO POLÍTICA PÚBLICA
NO BRASIL E EM ALAGOAS
Gente foi feita para brilhar,
e não para morrer de fome.
(Vladmir Maiakóviski, 1982)
É importante, de saída, considerar que, além da questão vital – a
sobrevivência – por meio da alimentação escolar, são agregados outros elementos
como a formação de hábitos e atitudes alimentares, a depender de como ela é
gerida e ministrada. Mediante a alimentação para o corpo, a escola poderá, segundo
penso, desenvolver representações sobre comida, cultura, saúde, longevidade e,
sobretudo, dignidade e direitos humanos, enquanto contorna os efeitos negativos
sobre a aprendizagem e as perdas causadas pelo absenteísmo e a evasão, ditados
pela necessidade de sair da escola para lutar pela sobrevivência que representa, em
última instância, batalhar pela aquisição de alimentos, que é o que praticamente
consome todos os ganhos dos mais pobres.
Em Alagoas, segundo Verçosa (2006), os determinantes desse e de outros
problemas de natureza social vão se tornar mais presentes, perceptíveis e ainda
fortemente sobreviventes32 pela estrutura social de longa duração que, como
realidade, conceito e ferramenta de trabalho acadêmico, nos chegam pelos
caminhos da Nova História. Assim, ainda que seja uma política indispensável ao
apaziguamento da fome e da miséria que são encontradas em Alagoas, a
alimentação escolar parece tender a ser proporcionada aos estudantes como um
meio de reforçar as idéias já arraigadas na mentalidade patrimonialista dominante de
que o “dever” da efetivação das políticas sociais é, na verdade, “um favor” para as
classes dirigidas. O conceito de impessoalidade é substituído pelas concepções do
apadrinhamento, típico da tradicional sociedade segmentar dos tempos coloniais e
imperiais, realimentando, portanto, o privilégio de poucos em detrimento de muitos,
mediante a apropriação privada ou o uso simbólico dos recursos financeiros e
32
Sem deixar de reconhecer que esta é uma característica da cultura nacional, Verçosa entende –
como também entendemos – que esta é uma marca notadamente mais presente no mundo social e
político alagoano do que no país como um todo.
humanos que deveriam ser direcionados e geridos em favor da classe dirigida – do
público, em suma – que é a quem eles se destinam.
Exemplo de parte do que acabo de dizer foi o que resultou da recente e tão
propalada ação da Polícia Federal em Alagoas, tristemente conhecida como
“Operação Guabiru”, em maio de 2005. Naquele momento, vários prefeitos
alagoanos, não satisfeitos com os baixos valores per capita destinados à
alimentação escolar, foram presos sob acusação de corrupção ativa, corrupção
passiva e formação de quadrilha, envolvendo o desvio de recursos financeiros
destinados à aquisição da alimentação escolar, mediante fraude em licitação,
manipulação de notas fiscais frias e coisas do tipo. Somente por esse exemplo dá
para perceber, claramente, como se entrelaçam inextricavelmente a questão da
cultura, da história de formação das elites econômicas e políticas de Alagoas.
É considerando esse contexto que ganha espaço a discussão em torno do
sistema de gestão dos recursos públicos focados na escola – dentre os quais
aqueles destinados à alimentação -, induzindo a comunidade escolar a perceber que
é já passada a oportunidade de gerir estes recursos de forma democrática, coletiva
e transparente, enquanto empreende uma luta para sua ampliação. E, através desta
aprendizagem, perceber a alimentação escolar como um direito inalienável do ser
humano, que precisa ser administrado em quantidade e qualidade compatíveis com
a dignidade dos estudantes.
Outra mentalidade construída historicamente sobre a alimentação escolar e
que merece discussão é a sua associação com a fome, implicando que as
discussões levantadas sobre a temática da alimentação escolar levem a vê-la como
um meio de minimização da fome daqueles e daquelas que não têm nada para
comer em casa e têm na escola a possibilidade de fazer a única refeição do dia.
Desta forma, o modo como o processo histórico sobre a alimentação escolar foi
sendo processado estigmatizou, via senso comum, a política de alimentação dos
estudantes, já que era vista com o propósito da minimização de um problema social
brasileiro típico dos miseráveis, que era a fome.
É fato que não há como fugir da realidade que se apresenta, mormente
quando muitas crianças vão à escola com o intuito principalmente de alimentar-se, a
ponto de que, não havendo comida na escola, torna-se perceptível a baixa
freqüência escolar. No entanto, é preciso considerar que a alimentação escolar
“precisa ser encarada como uma refeição para manter a criança alimentada
enquanto está na escola, independente de suas condições socioeconômicas, e não
instrumento para erradicar a desnutrição” (Abreu, 1995, p. 5), sendo essa, em última
instância, uma questão de políticas mais gerais do Estado Brasileiro.
Para se pensar a educação escolar como um direito fundamental é
imprescindível, portanto, pensar-se a interação na qual se concretizam a conquista e
a garantia dos direitos humanos em duas dimensões: a primeira, no âmbito da
política, em que se organizam as instituições de um país e o poder do Estado,
garantindo aos Cidadãos um maior ou menor número de direitos, enquanto a
segunda se situa no campo social, em que os diversos estratos, classes e
comunidades que integram a sociedade com seus interesses e aspirações, muitas
vezes contraditórios, reivindicam do Estado o reconhecimento dessas aspirações
como novos direitos que lhes devem ser garantidos, dentre os quais o da
alimentação e da escolarização.
Alagoas disputa hoje, com o Maranhão, o título de Estado mais pobre do país.
No entanto, é aqui onde está a maior proporção de pobres, e a 2ª menor renda real
média (a menor é a do Maranhão). Segundo o IETS, de 1998 a 2004, houve uma
queda ininterrupta na renda real média alagoana, de 28,5%.
Antes de entrar na história nacional da alimentação escolar propriamente dita,
cabe ainda registrar que Alagoas é hoje o Estado que possui a maior proporção de
pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, e ainda se destaca por ter
“cristalizado”, por uma década – de 1995 a 2005 - a proporção de indigentes,
significando dizer que é o que menos progrediu em termos da redução da
indigência, ainda que não tenha havido redução – pelo contrário, como vimos - do
crescimento considerável do PIB do Estado.
O problema da subnutrição sempre gerou preocupações mais acentuadas em
escala mundial que remontam ao início do século XX, mais precisamente em 1908,
quando, em Nova York, um movimento em prol da alimentação escolar visou
atender crianças subnutridas. A iniciativa contava com a oferta de um prato quente
que era servido ao meio dia às crianças pobres. Posteriormente, em 1917, estudos
davam conta de que 21% das crianças da cidade de Nova York sofriam de
subnutrição, enquanto em 1918, foi constatada a sua presença nos estudantes dos
Estados Unidos em torno de 15% a 25%, fato este que conduziu, embora de forma
gradativa, para o fortalecimento de um Programa de Alimentação Escolar que,
contudo, somente veio a acontecer de fato em meados da década de 1930.
O Japão, na dianteira dessa iniciativa, já realizava, em 1889, um programa
alimentar, destinado às crianças pobres e mal nutridas. Este programa foi expandido
e se mantém até hoje, atendendo desde os estudantes da pré-escola aos de nível
médio.
Em 1904, na Grã- Bretanha, foi sancionado o Ato de Provisão das Refeições
que fomentava o fornecimento de refeições aos estudantes da escola elementar,
tendo o Governo, mais tarde, exatamente em 1943, anunciado para a Inglaterra um
inédito programa de serviço à saúde, que viria a se tornar uma ação marcante na
história da saúde comunitária, sobretudo no tocante à nutrição, devido à grande
crise econômica que se instalara em todo o mundo, no período de 1929 a 1936,
como conseqüência da depressão econômica que atingiu o mundo.
Enquanto isso, no período que permeia a 1ª Grande Guerra Mundial e lhe é
subseqüente (1914 –1918), por conta do rescaldo nutricional que sempre
acompanha os grandes eventos bélicos, discute-se, em todo o mundo, com maior
intensidade, o valor do alimento e é nesse contexto que surgem as Escolas de
Nutrólogos.
No Brasil, já se discutia e se criticava nesta época a falta de políticas de
alimentação, a ponto de se criarem, na década de 1930, as caixas escolares, numa
iniciativa particular-assistencialista que tinha mais caráter caritativo do que de
política social, até porque a Sociedade Civil brasileira, àquela altura, tinha uma
organização ainda bastante localizada em setores específicos, e muito precária,
frente ao autoritarismo dos governos.
Aqui, em nosso país, estudos científicos pioneiros do médico pernambucano
Josué de Castro, datados de 1932, feitos na cidade do Recife, vão apontar para o
grave problema da fome e da subnutrição que envolvia as classes populares. A
pesquisa, que abrangeu 500 famílias, totalizando 2.585 pessoas, revelou, com seus
resultados, a presença entre estes pernambucanos de uma dieta alimentar
composta quase que exclusivamente por farinha com feijão, charque, café e açúcar,
o que traduzia uma grande riqueza de carboidratos e um baixo valor calórico
(CASTRO, 1957).
Seguindo-se essa movimentação, ainda tímida, em torno da problemática da
alimentação e da nutrição do povo brasileiro, em fins da década de 1940 e início dos
anos de 1950, já se assinalava a fome e a desnutrição como um grave problema de
saúde pública na maioria dos países latino-americanos. Estudos pioneiros de
Frederico Gomez et al. (1956), no México, confirmavam a desnutrição como uma
epidemia na América Latina. A partir daí, grande número de programas foram e têm
sido colocados em prática, visando combater a desnutrição neste sub-continente,
inclusive no Brasil.
Assim, já contando com uma significativa retaguarda de estudos e discursos
em prol da atenção à má alimentação das maiorias, o Brasil toma a iniciativa, no
início dos anos de 1940, de instituir o Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE-, quando o Instituto de Nutrição defendia a proposta de o Governo Federal
oferecer alimentação escolar, o que não foi concretizado nesse primeiro momento,
porque não havia, na época, políticas públicas que disponibilizassem recursos para
um Programa de tal natureza. Foi ainda na primeira metade desta década que foi
criada a Comissão Nacional de Alimentação (CNA), por meio do Decreto 7.328, de
17 de fevereiro de 1945.
Tendo finalmente sido implantado na década de 1950, desde seus primórdios
o PNAE e sua gestão sempre despertaram interesses variados e muita cobiça no
meio político e industrial, devido a sua grande abrangência territorial e ao montante
de recursos globais nele envolvidos. O principal interesse, porém, desde o início foi,
sobretudo, eleitoreiro, o que perdurou ao longo dessas quase seis décadas. De fato,
quando se observam os números que envolvem o Programa, entende-se, em parte,
o porquê de tal cobiça. Atualmente, o PNAE atende 36 milhões de usuários em todo
o país, com um orçamento previsto de cerca de 1 bilhão e 600 milhões de reais para
o ano vigente de 2008. Por isso, o Congresso Nacional - sobretudo a Câmara dos
Deputados -, manteve-se e mantém-se até hoje atento às políticas de alimentação
escolar, concomitantemente aos interesses de privilegiar certos setores produtivos
e/ou direcionar para este ou aquele eleitorado tamanho montante de capital.
A primeira grande reestruturação da Campanha Nacional de Merenda Escolar
(CNME), que era como então era denominado o Programa, ocorreu em 1959,
quando aquela deixa de ser uma simples repartição da Divisão de Ensino ExtraEscolar (DEEE) e o seu superintendente ganha mais autonomia, além de um
discurso elogioso, o que já sinalizava, àquela época, uma luta pelo controle do tão
cobiçado cargo da CNME.
Ainda em 1959, dois deputados do PTB pernambucano (Josué de Castro e
Estácio Souto Maior), protagonizaram o mais acalorado debate acerca da CNME.
Em 2 de março de 1961, o deputado Josué de Castro fez um longo discurso no qual
denuncia o programa de ajuda alimentar Norte-Americano, cujo lema era “Alimento
para a Paz”33. O deputado adjetiva o programa norte-americano de paternalista e
inaceitável,
por
gerar
dependência,
classificando-o
como
estratégia
do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América para se livrar dos
alimentos excedentes que prejudicavam o preço dos alimentos no mercado mundial.
Categoricamente, ele asseverava:
há ainda um perigo enorme: é que esses excedentes são transitórios.
Os Estados Unidos estimulam o consumo de certos alimentos no
mundo, como o fez no Brasil, depois que seus excedentes acabam,
ficamos nós sem ter para quem apelar e passamos a ter crises de
formação de hábitos, sem ter meios de satisfazê-los. Isso não é
hipótese, e dou meu testemunho de Delegado do Brasil na FAO.
(Discurso proferido na Câmara dos Deputados Federais, em 2 de
março de 1961).
Finalizando seu discurso, o Deputado Josué de Castro, dirigindo-se ao Presidente da
República, em forma de apóstrofe, afirma:
que não venda a fome dos brasileiros, porque os brasileiros preferem
passar fome a ser escravos... O Brasil continua a mandar na sua
miséria, na sua fome e no seu subdesenvolvimento. É capaz de, com
sua forte economia, com sua poupança, com seu esforço e trabalho,
tornar-se independente da falsa caridade das grandes potências
colonialistas, imperialistas e exploradoras da fome do mundo.
Àquela época, como agora (lembrando a Operação Guabiru, deflagrada em
Maio de 2005), já havia indícios de desmandos administrativos, como bem denuncia
o deputado pernambucano Souto Maior, ao subir à tribuna e atacar ferozmente a
postura do Superintendente da Campanha da Merenda Escolar, Tenente Coronel do
Quadro do Magistério Militar, Walter Joaquim dos Santos34. O Deputado acusou-o
de distribuir o leite no Estado de Pernambuco às vésperas das eleições de 1954, o
que levou à eleição de alguns dos seus amigos, além de, segundo ele, estranhar
suas constantes viagens, inclusive ao exterior, com recursos oriundos da CNME.
Ainda segundo o Deputado, a Campanha havia gasto, de março de 1955 a
março de 1959, a quantia de Cr$ 73.416.000,80 (setenta e três milhões,
quatrocentos e dezesseis mil cruzeiros e oitenta centavos), no atendimento a 1
33
34
No original em inglês chamava-se “FOOD FOR PEACE”.
O ex–assessor do Col. Walter Santos, jornalista Ruy Paes de Castro, corroborando as denúncias
do deputado, publicou denúncia semelhante no jornal “Correio Brasiliense” acerca dos desmandos
administrativos do seu ex–chefe.
milhão e 800 mil escolares. É que, quando o Coronel Santos assumiu a
Superintendência, esta dispunha de dotação orçamentária no valor de Cr$
460.000.000,00, e, considerando que ele poderia ter recebido apenas ¼ deste valor,
mesmo assim ele recebeu Cr$ 395 milhões para os anos de 1959 e 1960, o que
representava mais de 5 vezes o que gastou a administração anterior, sem aumentar
o atendimento aos usuários do programa. Afirmava o deputado, ainda, que os
recursos tinham sido desviados em mais de 74% para despesas como instalações
suntuosas para a sede da superintendência, compra de veículos, descalabros nas
aquisições de leite e gêneros, assim como na contratação de funcionários, cujo
número passou de 36 em 1956 para 98, e, posteriormente, para mais de 250
pessoas.
Assim como hoje, logo depois desse debate na Câmara dos Deputados
ocorreu a exoneração do Cel. Walter Santos, e criou-se uma legislação de caráter
eminentemente regulatória para as aplicações dos recursos, bem como foi definido o
“modus operandi” da Campanha.
Em 1963 seria criada a Superintendência Nacional de Abastecimento
(SUNAB), com a responsabilidade de coordenar o abastecimento de gêneros
alimentícios no país e ainda indicar o Superintendente da CNME, o que parece ter
paralisado as ações da Campanha, haja vista que todos os pronunciamentos dos
parlamentares sobre o tema eram comunicações ao MEC, solicitando liberação de
recursos ou gêneros que tinham deixado de ser distribuídos e/ou quando
distribuídos, feitos com bastante atraso (no 1º e 2º semestre daquele ano).
O ano de 1964 seria marcado por dois momentos díspares: o primeiro,
marcado por críticas por ocasião da demissão de funcionários antigos ou eficientes
da Campanha, além do abandono dos escolares, enquanto que o segundo, marcado
pelo retorno - via Projeto de Lei - da CNME à custódia do MEC.
Entre 1965 a 1968 percebe-se um “afastamento” gradual dos parlamentares,
provavelmente em decorrência da “militarização” da Campanha por conta do golpe
militar de 1964. A princípio enviando requerimentos de informações, que eram
respondidos indiretamente, em seguida, pela crescente vinculação com programas
de ajuda externa (como a Aliança para o Progresso, USAID, PMA, FAO) e pelo
crescente número de denúncias acerca dos desvios em alguns Estados, envolvendo
os gêneros e recursos da Merenda, o “interesse” dos parlamentares vai, ao menos
publicamente, escasseando até se fazer “ausente” por completo.
Ainda que pareça impermeável à pressão parlamentar, a Campanha passa a,
publicamente, despertar interesse de diversos grupos produtores de alimentos no
país, quando em 1967, o deputado da ARENA35 por São Paulo, Marcos Kartzmam,
encaminha Projeto que propõe o aproveitamento do café estocado para a Merenda
Escolar.
O ano de 1968 ainda seria marcado por debates acirrados acerca da
merenda, quando a oposição faria críticas ao empreguismo da Campanha, além de
criticar violentamente a criação do FNDE, como possibilidade de ser este “um
instrumento de promoção pessoal do Ministro da Educação”. (MEC/CNAE B, 1981,
p.21)
Estes foram os últimos debates parlamentares sobre a campanha durante
seus primeiros 15 anos de existência e, a partir daí, pode-se inferir, então, que a
alimentação Escolar foi um tema secundário, que apenas se sobressaía quando
ameaçava alterar resultados eleitorais ou quando era colocado no centro de uma
discussão que tinha uma conexão mais abrangente, internacional, sendo a maior
parte dos seus primeiros três lustros servido como instrumento de disputas pessoais,
conflito entre burocratas, ou entre parlamentares que, contudo, em nenhum
momento, questionavam a essência da política de alimentação escolar vigente.
É possível afirmar que isto se deve ao fato da base alimentar da Campanha
ter sido de origem estrangeira ou adquirida em setor que ainda não despontaria no
setor da agroindústria e, complementando a justificativa, cabe dizer que a
representação da população–alvo do programa de merenda escolar dedicava-se a
outros temas, mesmo aqueles do PTB, inclusive o principal teórico e fomentador da
Campanha, o deputado Josué de Castro.
Assim, a participação internacional no Programa de Alimentação Escolar
brasileira foi intensa nos seus primeiros 15 anos, (de 1955 a 1970), com o total e
nítido predomínio da participação externa, sendo esta, portanto, elemento crucial
para compreender a política e suas características. Aqui vale, de saída, ressaltar
que toda essa influência sofrida de fora para dentro não aconteceu no vácuo, mas
encontrou ressonância no país.
A análise da participação internacional dá-se de forma cronológica que pode
ser assim apresentada.
35
ARENA (Aliança Renovadora Nacional) foi como se chamou o partido político instituído pelos
militares para dar respaldo ao Golpe de 1964, surgindo, como seu opositor, o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro).
1 - ETAPA FISI – concretizada principalmente nos anos de 1950, quando os
alimentos são oriundos do FUNDO INTERNACIONAL DE SOCORRO Á INFÂNCIA.
2 - ETAPA USAID – empreendida principalmente nos anos 1960, quando os
alimentos provêm do Programa “Alimentos para a Paz”, mantido pela AGÊNCIA
NORTE-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL36.
Dos anos de 1970 para cá podemos identificar no Programa de Alimentação
Escolar uma ETAPA NACIONAL, com os gêneros provindos do próprio país.
Essa tipificação cronológica não se deve apenas ao fato de os alimentos
terem origem, unicamente, no FISI ou na USAID, mas sobretudo por estas
subordinarem toda a lógica da campanha aos interesses que representavam, assim
como as regras de operação e gestão interna, como a supervisão e a definição de
prioridade ao atendimento empreendidos pela Campanha. Na verdade, o
funcionamento global desta tomava como referência a fonte de onde vinham os
gêneros transferidos, mesmo que ela não fosse a única, e muito menos aquela de
onde se originava a maior quantidade dos alimentos.
No intuito de tornar mais claro o que acabo de afirmar, passo a apresentar
mais pormenorizadamente as características da primeira etapa acima assinalada - a
ETAPA FISI – enquanto a etapa USAID aparecerá oportunamente nesse mesmo
capítulo.
O Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI) foi criado pela ONU em
1946 e só é compreensível no contexto que se segue à 2ª Guerra Mundial,
consubstanciado pelo sentimento coletivo de solidariedade diante da situação de
milhares de crianças européias que viviam em situação de abandono, miséria,
sofrimento e perdas, que despertariam a atenção, após cessado o conflito, em meio
ao triunfalismo dos Aliados.
Assim, o fundo nasceu objetivando atender às regiões mais atingidas da
Europa pelos conflitos, como Itália, Alemanha e França, sendo custeado por quase
todos os governos do mundo, além de Contribuições privadas voluntárias que
representaram cerca de 25% do total do fundo. Outra característica do fundo é a de
que nasceu com a idéia de “fundo de emergência”, sinalizando para algo transitório.
No entanto, no início dos anos 1950, uma rediscussão dentro da ONU sobre o FISI,
não só resultou na sua manutenção para a distribuição da “alimentação em massa
36
Essa é a tradução de USAID que significa em inglês “UNITED STATES AGENCY FOR
INTERNATIONAL DEVELOPMENT”.
em áreas mais necessitadas”, como para o atendimento à América Latina, à Ásia e à
África.
Desta forma, a partir de 1949, o FISI se manteve firme no propósito de
contribuir com programas de auxílio às crianças fora do continente europeu, além de
um projeto piloto de alimentação escolar para a América Central, aliado a outros
mecanismos para melhoria da escola do campo, além de um grande projeto de
saúde infantil (gabinetes dentários e equipamentos de raio X) para o Uruguai.
O Brasil desempenhou um importante papel na consolidação do FISI e
também na sua expansão para a América Latina. E isso não aconteceu porque o
país tivesse feito contribuições generosas; ao contrário, pois o país somente efetivou
sua participação financeira no fundo em junho de 1950, com Cr$ 2.000.000,00,
ainda que, desde 1948, tivesse vindo, através de um trabalho diplomático
desenvolvido pela Delegação Brasileira na ONU, exercendo influência tal que
obteve, não só a expansão das ações do Fundo, como substanciosas contribuições
de equipamentos e gêneros. Assim, o país apresenta-se, em 1951, como o país da
América Latina a possuir o maior programa apoiado pelo FISI, com 44% dos
recursos destinados à região aplicados somente no Brasil.
Foi o acordo Brasil – FISI que permitiu a implantação do 1º programa
brasileiro apoiado pelo Fundo, com um gasto de cerca de US$ 500.000,00 para um
amplo programa que contemplava os estados do Ceará, Paraíba, Piauí e Rio
Grande do Norte, com previsão de leite em pó, margarina e cápsulas de vitamina
para crianças, nutrizes e gestantes, além de melhorias a Hospitais Materno–Infantis,
vacinas contra crupe e difteria, treinamento de parteiras e uma campanha de
Educação e saúde para mães.
Foi na década de 1950 que, finalmente, foi elaborado no Brasil um
abrangente plano Nacional de Alimentação e Nutrição, denominado Conjuntura
Alimentar e o Problema da Nutrição no Brasil. É aqui que, pela primeira vez, se
estrutura um programa de merenda escolar com perspectiva de permanência de seu
desenvolvimento. Este programa foi pensado e implementado por Josué de Castro,
ainda que mais uma vez financiado com recursos oriundos de outros países, via
Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), atualmente UNICEF (FUNDO DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA), que permitia a distribuição do excedente do
leite em pó (destinado inicialmente à campanha de nutrição materna infantil),
infelizmente, sem abrangência nacional.
Entre os anos de 1950 a 1954, vários programas foram aprovados pelo FISI
para o Brasil, a saber:
→ Assistência Materno-Infantil;
→ Usina de Pasteurização do Leite em João Pessoa e Alimentação de crianças e
gestantes;
→ Equipamentos de novas Instituições de proteção à Maternidade e à Infância e
Treinamento de Parteiros;
→ Alimentação de crianças e gestantes;
→ Fábricas de leite em pó e Bolsas de Estudos.
O 2º programa brasileiro apoiado pelo FISI (1951) já incluía outros estados
como Maranhão, Pernambuco, Sergipe e Bahia e aqui entra o Estado de Alagoas,
além dos precursores.
A existência dos excedentes agrícolas nos Estados Unidos obrigou-os a
direcionar sua safra para fora do país, mesmo que a preços extremamente baixos.
Assim, pode-se afirmar que foram os excedentes estadunidenses que tornaram
possível a implantação do 1º Programa Nacional de Alimentação Escolar, embora
este já estivesse pensado, estruturado e experimentado pelos grupos de trabalho
dos profissionais da Nutrição, nascendo aí o que se pode chamar efetivamente
como a primeira política nacional de alimentação escolar no Brasil.
O Projeto de Merenda inicial, dentro dessa primeira política de assistência
alimentar ao escolar, previa a distribuição de leite em escolas para 250 mil alunos,
com recursos na ordem de US$ 538.400, incluindo, ainda, o atendimento materno–
infantil que deveriam cobrir os Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia, e também Alagoas,
além de prever sua expansão para Mato Grosso37 e Goiás.
A acelerada expansão do programa, que iniciou apenas em 4 estados, depois
9, 11 e depois 13, trouxe preocupações quanto à sua manutenção, pois se
acreditava que, dificilmente, o Governo Federal pudesse assumi-lo, quando não
contasse mais com o apoio externo. E, como previsto, menos de um ano após a
implantação do Programa, as remessas do FISI já se mostraram insuficientes,
forçando o governo brasileiro a complementá-los com compras diretas no Mercado
Americano.
37
Não esquecer que, naquela altura, o Mato Grosso constituía um único Estado, abrangendo todo o
território que hoje compreende o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul.
Em 1955, o Brasil participaria da assinatura de um novo convênio MEC/FISI
(1955-1956), exatamente em 20 de junho. Sua validade seria por 2 anos e tinha
como meta a distribuição do leite em pó numa proporção de 40g diários por escolar
durante os 200 dias do ano letivo, atendendo aos Estados do Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas. O valor global das mercadorias
bancadas pelo FISI importava em US$ 215.000, mas o governo brasileiro se
obrigava a complementar o montante com dotações aos 6 Estados contemplados no
valor total de Cr$ 1.400.000.000, para aquisição de gêneros alimentícios de alto
valor nutritivo a serem utilizados concomitantemente ao leite doado. É válido frisar
que desde o início do programa da Merenda já se incluíam alimentos formulados,
pois era isto que significava o termo “alto valor nutritivo”. É ainda importante
perceber a presença do mecanismo da “contra-partida”, que significava o quanto a
Governo Brasileiro deveria aportar à política alimentar em tela, sem que, com isso,
pudesse definir a natureza e o rumo da política.
Somente em 31 de março de 1955, é que foi assinado o Decreto nº 37.106,
que instituiu a Campanha de Merenda Escolar (CME), subordinada ao MEC. Na
época, foram celebrados convênios com o FISI e outros organismos internacionais
para uma ação coadjuvante de apoio à Campanha. Vale ressaltar que a Campanha
somente abrangia alguns Estados do Nordeste, dentre os quais Alagoas, e o vale do
Jequitinhonha (MG).
No ano seguinte, um novo Decreto (nº 39.007) de 11 de abril, mudaria a
nomenclatura da campanha, que passaria a se denominar Campanha Nacional de
Merenda Escolar (CNME), pressupondo, pela própria nomenclatura, o atendimento
em âmbito nacional.
Foi em fins da década de 1950 e durante toda a década de 1960, no contexto
do enfrentamento de forças políticas nacionais e regionais que iria resultar no golpe
militar de 1964, que tomou corpo e força a presença da USAID no cenário brasileiro,
sendo o Programa ALIMENTO PARA A PAZ, mantido por aquela agência, o carrochefe das políticas de assistência alimentar, com uma presença muito forte no
Nordeste. Até o golpe, essa presença corria, muitas vezes, de forma paralela aos
governos constituídos, e, depois do golpe, em perfeita comunhão com os prepostos
da ditadura militar. Assim, foi a partir de 1965 que um novo Decreto (nº 56.886/65)
alteraria o nome de CNME para CNAE (Campanha Nacional de Alimentação
Escolar), surgindo, justamente, neste período, vários programas de ajuda americana
via Alimento para a Paz, financiados pela USAID, como o Programa de Alimentos
para o Desenvolvimento e o Programa Mundial de Alimentos, financiados pelas
Organizações das Nações Unidas, por meio da Organização para o Alimento e a
Agricultura (FAO). É aqui que, como se pode perceber, é efetivada a ETAPA USAID
da história da alimentação escolar no país, por conta do perfeito alinhamento entre
Governo Ditatorial Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América. É o
momento da “desova” dos excedentes agrícolas norte-americanos, inclusive alguns
com problemas sérios de natureza ética, cujo emblema foi constituído pelo leite
magro e carente da vitamina A, que ficava na origem, devendo ser aqui reposta
artificialmente em forma de cápsulas, o que freqüentemente deixava de ser feito
pelos destinatários, uma vez que não entendiam para que servia aquela adição ao
leite ou, até, terem medo de ingerir aquilo que eles desconheciam. Esse fato ficou
marcado tragicamente na história da população brasileira pelos danos aos olhos que
o leite “doado” pelos norte-americanos provocou.
Financiada pelo MEC e gerenciada pela CNAE, em 1976 a política nacional
de alimentação escolar já era parte do II Programa Nacional de Alimentação e
Nutrição (PRONAN) que, somente em 1979 passou a ser denominado Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Tinha sido por força do Decreto nº 72.034,
de 30/03/1973, que o governo brasileiro passara a assumir definitivamente todos os
custos da operação do Programa, dispensando, a essa altura, bens e recursos de
origem externa. É aqui que Alagoas, já beneficiado anteriormente desde o 2º
programa brasileiro apoiado pelo FISI (1951) entra definitiva e regularmente na
política nacional de alimentação escolar.
Desde sua implantação, mais precisamente a partir de 1976, o PNAE
apresentava problemas na sua implementação em âmbito nacional. Dentre estes
obstáculos, podemos citar, segundo pesquisa efetuada por DRAIBE (1997), o atraso
na chegada dos gêneros (50,9%), a falta de gêneros alimentícios (46,4%) e a
distribuição de produtos com data de validade vencida (26,9%).
Concomitantemente aos problemas vivenciados pelo Programa, já se
defendia, desde os anos 1980, a descentralização radical de todas as políticas
públicas no Brasil – inclusive das políticas de alimentação escolar -, de forma que
se reduzissem drasticamente as atribuições do governo central na gestão das
políticas, transferindo grande parte da esfera decisória para Estados e Municípios.
Enquanto isso a FUNDAÇÃO NACIONAL DE MATERIAL ESCOLAR
(FNME), existente no MEC, seria alterada, por meio da Lei nº. 7.091/83, para
FUNDAÇÃO DE ASSITÊNCIA AO ESTUDANTE (FAE), ficando esta responsável
pelo PNAE até 1997, havendo no interior desta fundação, da sua criação, até 1994,
uma discussão para a mudança do paradigma de gestão da alimentação escolar de
totalmente centralizado para uma gestão descentralizada.
No entanto, somente em 1994, essa decisão de descentralizar os recursos
para a execução do programa, a par de sua sintonia com o espírito da CF 1988, de
fato se concretizou, vindo ao encontro dos reclamos da sociedade, respondendo,
desse modo, também, a razões de ordem econômica e política. Assim, a
descentralização dos recursos para execução do PNAE foi instituída pela Lei nº
8.913, de 12 de julho de 1994, mediante celebração de convênio com os municípios,
e com as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal, passando
Alagoas, no rastro dessa deliberação, a ser uma unidade a receber recursos
federais regulares descentralizados.
Em 1998, por meio da Lei 9.649, é criado o FUNDO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE), em substituição à FAE, passando
as políticas de alimentação escolar do governo federal a serem geridas pelo fundo
então criado.
A Consolidação da descentralização, já sob o gerenciamento do FNDE,
ocorreu através da Medida Provisória (MP) nº 1.784, de 14/12/1998. Os recursos
financeiros provenientes do Tesouro Nacional seriam assegurados no Orçamento da
União. O FNDE passaria, assim, a transferir a verba às Entidades Executoras (EE) Estados, Distrito Federal e Municípios – automaticamente em contas correntes
específicas, a quem competiria administrar estes recursos e complementá-los,
conforme o estabelecido na Constituição Federal. A Transferência passaria a ser
feita em dez (10) parcelas iguais, de fevereiro a novembro, cobrindo os duzentos
dias letivos, conforme preconiza a LDBEN/ 96.
Tentando apresentar esquematicamente esse processo de descentralização,
que num primeiro momento (de 1994 a 1999) se dava por adesão, e que, num
segundo momento (de 1999 aos dias atuais), acontece de forma compulsória, com
os
recursos
sendo
depositados
nas
contas
das
Unidades
Federadas
independentemente de manifestação de interesse, cabendo apenas a informação de
estudantes a serem atendidos, via Censo Escolar do ano anterior, a par de uma
prestação de contas do exercício passado, temos o gráfico apresentado a seguir:
GRÁFICO 11 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (1994-2008)
1º MOMENTO – 1994/1998:
COMPRA DE
GÊNEROS PELAS
UNIDADES
FEDERADAS
TRANSFERÊNCIA
PELO GOVERNO
FEDERAL MEDIANTE
ADESÃO
2º MOMENTO – de 1999 para cá
RECEPÇÃO
INDISTINTA PELOS
ENTES FEDERADOS
EM SITUAÇÃO
REGULAR
RECURSOS
TRANSFERIDOS
AUTOMATICAMENTE
PELO GOVERNO
FEDERAL
Considerando o alcance das políticas de alimentação escolar do Brasil de
1954 até 1979, temos o gráfico a seguir que considera, numa série histórica, número
de municípios atendidos, bem como número de escolas, escolares e merendas
servidas:
TABELA 10 – EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO PELAS POLÍTICAS NACIONAIS
DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (1954 – 1979)
ANO
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1965
1970
1979
MUNICÍPIOS
ESCOLAS
137
285
849
1.150
1.492
1.601
1.661
2.097
3.385
3.549
340
1.896
7.559
9.345
11.330
19.891
52.483
92.273
110.297
ESCOLARES
ATENDIDOS MERENDAS SERVIDAS
85.000
23.948
13.961.738
724.991
80.833.272
908.118
93.755.427
1.487.632
60.329.469
1.901.442
60.295.334
2.572.426
53.589.184
5.680.257
308.736.424
10.416.347
1.187.358.240
38
14.003.762
112.813.100
FONTE: MEC/DNE (1979)
38
A queda de quantitativo referente a 1979 na sua relação com 1970 deve-se ao fato de que aquele
diz respeito a Kg. disponibilizado, enquanto os dados referentes a 1970 representam, como os
demais, número de refeições servidas.
Avançando ainda mais, de modo a representar a extensão da política de
alimentação escolar até os dias atuais, em âmbito nacional, tomando em conta a
descentralização dos recursos federais e analisando uma série histórica da dotação
destinada à essa política que vem de 1995 até o ano de 2007, frente ao número de
estudantes atendidos, temos os seguintes dados disponibilizados pelo FNDE em seu
sítio eletrônico:
TABELA 11 – RECURSOS FINANCEIROS PÚBLICOS NACIONAIS DESTINADOS
À ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E ALUNOS ATENDIDOS (1995-2007)
Ano
RECURSOS FINANCEIROS
ALUNOS
ATENDIDOS
(EM MILHÕES DE R$)
(EM MILHÃO)
1995
590,1
33,2
1996
454,1
30,5
1997
672,8
35,1
1998
785,3
35,3
1999
871,7
36,9
2000
901,7
37,1
2001
920,2
37,1
2002
848,6
36,9
2003
954,2
37,3
1.025
1.266
1.500
1 600
37,8
36,4
36,3
36,3
2004
2005
2006
2007
FONTE: PNAE/FNDE/MEC
Assim sendo, o PNAE atende, hoje, aos alunos da pré–escola e do ensino
fundamental, cujo custo, per capita, por dia, é atualmente de R$ 0,22 para creches
públicas e filantrópicas, pré-escola e ensino fundamental, sendo diferenciado esse
valor para os estudantes das creches e escolas quilombolas e indígenas, cujo valor
per capita diário é de R$ 0,44.
O Programa atendeu, no ano de 2007, a mais de 36 milhões de estudantes,
com um desembolso de 1 bilhão e 600 milhões de reais. Para acompanhar a
execução do programa, foi definida, para cada município e Estado brasileiro, a
existência de Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), como órgãos deliberativos,
fiscalizadores e de assessoramento, a partir da MP nº 1.979, de 2000, devendo sua
constituição ser formada por membros da comunidade, professores, pais de alunos
e representantes dos poderes Executivo e Legislativo, não podendo integrar os
CAEs os presidentes das Entidades executoras (EEs), nem das Unidades
Executoras do Programa (UEXs) em qualquer nível de governo.
O PNAE vem procurando desenvolver uma mudança do paradigma
assistencialista tradicional a partir do qual nasceu e se desenvolveu a política
nacional de alimentação escolar, caminhando para a visão da alimentação como um
direito e o controle social de sua gestão como uma prerrogativa da sociedade, e não
uma responsabilidade exclusiva da União, dos Estados e Municípios.
Os Princípios hoje definidos pelo PNAE são de que este seja universal,
equânime, contínuo, descentralizado e com participação social, segundo as
seguintes diretrizes:
estimular o exercício do controle social;
respeitar os hábitos regionais e a vocação agrícola;
oferecer alimentação de boa qualidade a todas as escolas, garantindo no
mínimo, 15% das necessidades nutricionais diárias;
responsabilizar todos os entes federados.
Neste sentido, seus objetivos parecem claros e explícitos: promover o
crescimento e o desenvolvimento dos/as estudantes, promover o processo de
ensino e de aprendizagem (rendimento escolar), além de formar hábitos alimentares
saudáveis, numa perspectiva de consolidar o reconhecimento, a concretização e o
fortalecimento do direito humano à alimentação.
Como vimos anteriormente, no final da década de 1990, os Estados
brasileiros passaram a fazer a efetiva gestão dos recursos transferidos, primeiro por
adesão voluntária, e, depois, automaticamente, do Governo Federal para as contas
especificas das EEs, para a aquisição dos gêneros alimentícios.
No entanto, a forma de gestão no âmbito dos Estados e dos Municípios
permaneceria centralizada nas Secretarias de Educação. Em Alagoas, como em
outras unidades da federação, bem como em muitos municípios, essa prática de
gestão centralizada dos recursos da alimentação escolar logo passou a apresentar
dificuldades, para dizer o mínimo. Inicialmente, por conta do processo licitatório,
procedimento que levava os entes públicos a obedecerem ao que preconizava a Lei
Federal nº 8.666/93. O processo, extremamente burocrático e moroso, trazia, no seu
bojo, outros problemas como a falta freqüente de merenda nas escolas, além do
envio de gêneros alimentícios com data de validade a vencer (muito próxima) ou já
vencida, sem falar na velha cobiça sobre os recursos que, se eram insignificantes na
sua destinação per capita, passavam a ser significativos quando considerados no
conjunto. Isso logo despertaria a velha prática de gestores públicos de pôr a mão
nos recursos sociais, pondo em ação velhas práticas que iam desde capciosas
formas de apropriação, via superfaturamento ou vício no processo licitatório, até a
grosseira apropriação pura e simples do recurso, mediante o desvio de gêneros
alimentícios ou, o que é pior, a depreciação das rações alimentares por meio de
cardápios totalmente inapropriados.
Assim, essa logística logo se mostrou frágil e passível de desvios que por
muitas vezes escandalizaram a comunidade local. Como exemplo dessa
apropriação indébita de recursos públicos, cuja face mais visível tem sua síntese nos
indiciados da “Operação Gabiru”, pôde-se acompanhar, por exemplo, no dia-a-dia o
descalabro de um gestor regional que chegou a vender os gêneros aos
comerciantes locais por valores ínfimos, e, confiante na “proteção política”, chegou
ao cúmulo de instalar barraca na feira livre da cidade, tendo à frente seus filhos,
para venderem os gêneros alimentícios que eram, de fato e de direito, destinados à
alimentação daqueles que freqüentavam as escolas públicas estaduais.
Importa assinalar que, para além do mau uso dos recursos, tanto a SEE como
as Coordenadorias Regionais tiveram dificuldades com a logística do transporte
adequado para chegar a tempo em todas as escolas da região, inclusive àquelas
localizadas na zona rural, havendo dificuldade no pagamento do transporte dos
gêneros e instrumentos para a preparação dos alimentos, como os botijões de gás,
por exemplo. Até a precariedade das vias de acesso às localidades onde ficavam as
escolas era, muitas vezes, elemento dificultador de uma gestão adequada da
alimentação centralizada no Estado ou mesmo descentalizada nas CREs. O fato real
é que os recursos públicos destinados à aquisição da alimentação escolar sofriam
duplo desvio: o primeiro na gestão central e o segundo nas Regionais, quando não
deixavam de chegar no destino pura e simplesmente.
Nesse contexto, Alagoas buscou encontrar outros modelos de promoção da
alimentação escolar, talvez até numa tentativa de viabilizar melhor sua gestão.
Durante um breve período, por exemplo, a SEE/AL comprava os gêneros
alimentícios e os enviava às Coordenadorias Regionais de Ensino (CRE’s), hoje
Coordenadorias de Ensino (CEs), para que seus gestores os enviassem às unidades
escolares.
De qualquer modo, e mesmo com a eleição de um Governo Social-Democrata
em 1999, foi somente no ano de 2003 que a Secretaria Executiva de Educação
(SEE)
de
Alagoas
deu
início
ao
processo
de
implantação
da
gestão
descentralizada/escolarizada da alimentação escolar com um projeto piloto em
quatro escolas de Maceió, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em
2004, dando continuidade a esse processo, descentralizaram-se os recursos em três
Coordenadorias Regionais de Educação (CRE’s), abrangendo 42 unidades de
ensino39., em 29 municípios de Alagoas40.
Em 2005, diante dos resultados apresentados pela experiência levada a efeito
no ano anterior e pressionada pelo Conselho Estadual de Alimentação Escolar
(CEAE), pela sociedade civil organizada e, principalmente, pela comunidade escolar
que manifestara, como já assinalado, o desejo de gerir esses recursos, a SEE/AL
expandiu o projeto para todas as escolas da rede, plenificando a política de
ESCOLARIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR.
Essa deliberação de descentralização plena encontrava seu respaldo legal na
Medida Provisória nº 2.178-36 (de 24 de agosto de 2001) que dispunha sobre o
repasse de recursos financeiros da PNAE, e que, no seu art. 1º, § 6º assim dizia:
É facultado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
repassar os recursos do PNAE diretamente às escolas de sua rede,
observadas as normas e critérios estabelecidos de acordo com o
disposto no art.11 desta Medida Provisória.
Tal definição legal abriu, de fato, a possibilidade para que o Governo Estadual
de Alagoas instituísse o programa de escolarização dos recursos financeiros da
alimentação escolar, por meio do Decreto nº 1.476, de 22 de setembro de 2003,
atendendo, assim, à pressão social que se fazia já bastante vigorosa.
39
Deixo de referir os nomes das escolas aqui e, depois, no trabalho de campo, por um
posicionamento de respeito e ética no desenvolvimento da pesquisa.
40
Foram os seguintes os municípios em que primeiro começou a ampliação da descentralização da
alimentação escolar: 2ª CRE: São Miguel dos Campos, Teotônio Vilela, Barra de São Miguel,
Coruripe, Junqueiro, Boca da Mata, Anadia e Campo Alegre; na 4ª CRE - Viçosa, Cajueiro, Capela,
Atalaia, Mar-Vermelho, Pindoba, Paulo-Jacinto e Chã-Preta; na 11ª CRE: Porto Calvo, Campestre,
Matriz de Camaragibe, Passo do Camaragibe, São Miguel dos Milagres, Porto de Pedras, São Luiz
do Quitunde, Maragogi, Japaratinga, Jacuipe e Jundiá.
Desta forma, amparado pela CF/1988, pela LDBEN/1996, pela MP nº
2.178/2001 e pela Resolução FNDE/CD/nº 035/2003, é instituído oficialmente, a
partir de 2005, o Programa de Escolarização dos Recursos Financeiros de
Alimentação Escolar da Rede Pública do Estado de Alagoas.
A essa altura, a política estadual de descentralização apresenta os seguintes
resultados em termos numéricos:
TABELA 12 – NÚMERO DE CRE’s, ESCOLAS E ALUNOS BENEFICIADOS PELO PROCESSO
DE DESCENTRALIZAÇÃO E RECURSO APLICADO(2003-2007)
ANO
Nº DE CRE´S
Nº DE
ESCOLAS
2003
01
Nº DE ALUNOS RECURSOS
BENEFICIADOS APLICADOS
EM R$
04
1.091
11.455,50
2004
03
42
17.581
2005
2006
2007
15
15
15
282
315
299
105.592 3.794.640,00
162.486 4.542.687,60
157.000 7.222.000,00
165.645,15
FONTE: SEE/SUGESE/GAAE (2008)
O processo de descentralização dos recursos para aquisição da merenda
escolar na rede estadual de ensino de Alagoas se constituiu como uma resposta à
reivindicação da própria comunidade escolar, quando da realização do I Congresso
Estadual Constituinte Escolar, no ano de 2000, ocasião em que foi aprovada a
Carta de Princípios da Educação, a qual estabelecia a escolarização desses
recursos e sua forma de gestão como uma de suas reivindicações centrais.
O processo acima referido teve como eixos norteadores reivindicados a
descentralização, a autonomia e a participação. Nesse sentido, era de se esperar
que a escolarização dos recursos da merenda escolar viesse a contribuir para
implantar e fortalecer a democratização da gestão escolar, uma vez que requeria a
participação direta dos segmentos da comunidade escolar numa de suas políticas a
demandar decisão e controle, envolvendo, além do mais, recursos financeiros.
Como a escolarização dos recursos da merenda é uma realidade recente não
somente em Alagoas, mas também no Brasil, ela está a carecer de maiores
discussões e um amadurecimento do seu processo, o que implica reflexões acerca
da sua importância e de sua dinâmica no aprimoramento da gestão e da autonomia
da comunidade escolar, com vistas à viabilização de direitos essenciais aos usuários
da escola. No caso de Alagoas, particularmente, que é um Estado historicamente
marcado pela violência, corrupção, autoritarismo, paternalismo e coronelismo
político (cf. VERÇOSA, 2006), este caso da merenda escolar, como tudo o que tem
a ver com a desconcentração do poder social e seu controle, merece especial
atenção, sobretudo na forma como se implantou e se desenvolveu a política em tela,
o que parece justificar plenamente este estudo.
Numa visão retrospectiva para as normas legais e infra-legais que vieram
avançando no sentido da democratização das políticas voltadas para educação
nacional e estadual – particularmente no campo da alimentação escolar, que é o
foco de nossa pesquisa - deparamo-nos, primeiro que tudo, com a Constituição
Federal de 1988 que veio, pela primeira vez, estabelecer, no seu artigo 208, incisos
IV e VII, o direito à alimentação escolar "em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6
anos de idade”, bem como ao educando, do ensino fundamental, através de
programas suplementares”, como uma determinação de nível inarredável, porque
constitucional, ainda que desde a sua criação, até o ano de 1993, a execução do
programa se tenha dado de forma centralizada e, na atual CF, permaneça a
presença do caráter suplementar da política de alimentação escolar.
O Brasil, desde o início de sua colonização até a República–Velha, foi
administrado de forma ininterrupta de modo fortemente centralizado, o que, ainda
que se tenha vivido de lá para cá, a maior parte do tempo, sob regimes mais ou
menos democráticos, não deixou de retornar ao panorama político autoritário pelo
menos mais duas vezes depois da Revolução de 1930 – refiro-me ao ESTADO
NOVO (1037/1945) e ao GOLPE MILITAR DE 1964 (que vai de 1964 a 1985), que
tem seu fim com a eleição, ainda que indireta, de Tancredo Neves.
Em todos esses momentos, porém, se o controle sempre esteve de alguma
forma nas mãos do Poder Público Federal – leia-se Poder Executivo – contudo, as
responsabilidades com a gestão e, freqüentemente, com a manutenção concreta
das unidades geo-políticas que compunham a Nação, vez por outra foi deixada por
conta daquelas que, desde o regime de Capitanias, constituíram o mapa brasileiro.
Na educação, essa postura política de gestão tem seu paradigma no Ato Adicional
de 1834 à Constituição de 1824, que descentralizaria todas as responsabilidades
educacionais aquém do Ensino Superior para as Províncias e, em seguida dos
Estados, sem, contudo, perder o controle do que era feito.
Foi
certamente
a partir de
1930,
com
a
emergência
do
Estado
desenvolvimentista e a ampliação progressiva das funções de governo, que a União
passou a assumir responsabilidades educacionais explícitas no tocante às
capacidades financeiras e administrativas em relação aos demais níveis de governo,
sobretudo os estaduais, no que diz respeito ao Ensino Fundamental e agora, via
FUNDEB, também com a Educação Infantil e o Ensino Médio.
Apesar do acentuado federalismo na década de 1930, foi também e,
sobretudo, nesta década que os movimentos sociais – inclusive na área educacional
- no Brasil passaram a se expressar com maior visibilidade, tendo como marco o ano
de 1932, com a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que
defendia uma educação pública descentralizada, gratuita e laica para todos os
cidadãos brasileiros. A atuação desses movimentos tem sido considerada decisiva
para levar o país a um processo mais ampliado de democratização, alargando
espaços de participação e envolvimento democrático na definição, manutenção e
gestão das políticas públicas no Brasil, no que pese, de 1930 para cá, ter o país
vivido duas ditaduras, como assinalado anteriormente.
Foi frente à crise vivida por esta última ditadura, a partir da segunda metade
dos anos de 1970, que movimentos constituídos, sobretudo, por professores e
profissionais da educação, juntamente com outros movimentos e partidos que
vieram a ser criados ou passaram a ter liberdade de ação, que se concretizaria uma
forte influência nas políticas educacionais, que culminou com uma vigorosa
intervenção na construção da Constituição de 1988, como já assinalado no Capítulo
I.
Por força dessa luta, foram consagrados princípios constitucionais como:
educação gratuita, definição de percentual mínimo do orçamento para a manutenção
e desenvolvimento de ensino para cada nível de governo e participação da
comunidade na gestão da educação pública, consubstanciados no artigo 206,
Incisos III e VI (cf. CF 1988).
Regulamentando a Constituição Federal (CF/1988), a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional - LDBEN (Lei 9.94/96), promulgada em 20 de
dezembro de 1996, vem ratificar nos seus artigos 3º, inciso VIII; artigo 14, incisos I e
II, os princípios de gestão democrática da educação, como a participação, a
autonomia e a descentralização, que são assim explicitados:
Art. 3º, inciso VIII – gestão democrática do ensino público, na forma
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino.
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão
democrática do ensino público na educação básica, de acordo com
as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I- Participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II- Participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes.
A gestão democrática, ao menos da rede pública, assume, assim,
materialidade legal já na Constituição de 1988, levada a cabo e defendida na
Constituinte de 1987, como já assinalamos, pelos movimentos em defesa do ensino
público, gratuito e de qualidade, reunidos em torno do Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública (FNDEP). Segundo Tavares (2003, p. 47), referindo-se ao dispositivo
inscrito na atual CF, “o princípio da gestão democrática do ensino público é inédito
na história da educação brasileira.” Para a autora, tal princípio consubstanciado na
CF de 1988 e na LDBEN de 1996, representa a “legitimação de um movimento real
já existente na sociedade brasileira” (p. 47).
Embora a LDBEN tenha sido aprovada desconsiderando um projeto anterior elaborado atendendo a reivindicações da sociedade civil organizada – ela não teve
como evitar a regulamentação da gestão democrática que já era um princípio
consagrado para o ensino público brasileiro.
Por sua vez, o Plano Nacional de Educação/PNE (Lei 10.172/2001) torna
ainda mais preciso o princípio da Gestão Democrática da Educação Pública,
ratificando as bandeiras da sociedade brasileira que reivindicavam “o fortalecimento
da escola pública estadual e a radical democratização da gestão educacional”
(VALENTE, 2001: p. 12), ainda que também não tenha tomado por base a proposta
apresentada pela Sociedade Civil organizada.
O PNE aprovado e sancionado pelo Executivo Estadual41, e que hoje se
encontra em vigor, em seu texto define:
→ NO EIXO DO FINANCIAMENTO:
15 - Promover a autonomia financeira das escolas, mediante repasse dos
recursos diretamente aos estabelecimentos públicos de ensino, a partir de
critérios objetivos.
41
Os vetos feitos ao PNE pelo Governo Fernando Henrique Cardoso não interferiram nos princípios
ali definidos, embora tenham incidido sobre as vinculações de recursos para educação com o PIB, o
que, de algum modo, não tem deixado de interferir na efetivação concreta de muitas políticas de
desenvolvimento e manutenção do ensino.
→ NO EIXO DA GESTÃO:
22- Definir, em cada sistema de ensino, normas de gestão democrática do
ensino público, com a participação da comunidade.
23- Desenvolver padrão de gestão que tenha como elementos a destinação de
recursos para as atividades-fim, a descentralização, a autonomia da
escola, a eqüidade, o foco na aprendizagem dos alunos e a participação da
comunidade.
Confirmando a intencionalidade do PNE, o Plano Estadual de Educação PEE/AL (Lei 6.757/06 ) definido para o período de 2005 a 2015, aprovado em agosto
de 2006, traz como princípios norteadores a eqüidade, a qualidade, a
democratização e a ética e como diretrizes gerais de ação:
construção de uma gestão educacional democrática e compartilhada entre os
entes federados do Estado e a sociedade;
descentralização da administração educacional, nos marcos de uma
redefinição das funções do Estado;
estabelecimento de meios para construção e/ou fortalecimento da autonomia
das escolas.
No seu desdobramento, o PEE/AL 2005-2015 define o que se encontra
ausente no PNE, a saber:
→ NO EIXO DO FINANCIAMENTO E DA GESTÃO:
13.2.2 Gerir os recursos destinados à educação de forma
descentralizada e democrática, através de mecanismos colegiados
de controle social, para que se evitem o desrespeito à vinculação
legalmente definida e à aplicação excessiva de recursos nas
atividades meio, segundo injunções de natureza política.
13.3.1 Descentralizar as ações educativas desenvolvidas pelo
executivo estadual, possibilitando, cada vez mais, a autonomia
didático-pedagógica, administrativa e financeira das instituições
educacionais.
O PNE e o PEE/AL, como se pode perceber no que foi referido anteriormente,
têm como eixos norteadores a descentralização, a autonomia e a participação, todos
intrinsecamente indissociáveis da gestão educacional democrática.
Como sabemos que a democratização envolve participação, a população
deve ter assegurado espaço, não só para apresentar suas idéias, mas também para
influenciar nas decisões. E foi nesse sentido que a Carta de Princípios da Educação
do Estado de Alagoas, aprovada no I Congresso Constituinte Escolar, promovido
pela Secretaria Estadual de Educação, ainda em 2000, abriu espaços para a
intervenção da população escolar na definição das políticas públicas para a Rede
Estadual, tendo captado como intenção concreta inserida no campo das decisões
políticas, o que consta dos princípios 21 e 23 da carta, assim explicitados:
Princípio 21 – Que sejam descentralizados os recursos da
merenda, para que a escola possa administrá-los
com autonomia, universalizando a distribuição para
todos os níveis e modalidades (grifos meus);
Princípio 23 – Que os recursos financeiros sejam gerenciados
pelos Conselhos Escolares, com autonomia,
participação e transparência (prestação de contas
periódica à comunidade escolar) (grifos meus).
Pelo que se pode perceber, a descentralização/escolarização dos recursos da
merenda, reivindicadas desde 2000 pela comunidade escolar da Rede Pública
Estadual de Alagoas é uma realidade já relativamente antiga, ao menos como
bandeira de luta, requerendo participação direta dos segmentos da comunidade
escolar, podendo (ou não) conferir um maior grau de autonomia às escolas. Como,
porém, DEMO (1999:18) afirma, segundo o já assinalado anteriormente, que
participação é conquista, é processo infindável, em constante vir a ser, do mesmo
modo que não existe participação suficiente, nem acabada, não existe participação
efetiva impossível, sendo esta função da consciência do direito e da mobilização
correspondente, frente a uma correlação de forças determinada.
Foi, justamente, nessa perspectiva, que todos os estudos realizados desde a
década de 1990 acerca das políticas de descentralização na América Latina vêm
tendo com eixo central de discussão as questões de descentralização X
desconcentração e autonomia da escola; a associação positiva (ou não) entre
descentralização e democracia, e também a associação da descentralização da
gestão escolar como forma de melhorar a qualidade da educação.
Essa estratégia tem sido posta em prática em várias regiões do mundo, em
consonância com as reformas educacionais iniciadas na década de 1980 e
implementadas na década de 1990, sobretudo por apresentar-se como momento
ímpar na formulação das propostas no campo educacional, mais precisamente na
gestão da educação, ainda que esse movimento se inscreva predominantemente
dentro de um processo hegemônico de reforma da gestão pública, orientada para
aumentar a competitividade entre as nações, em um contexto globalizado, dominado
pelas forças do mercado.
Seguindo a forma como Rivas (1991) destaca três modos de execução da
política educacional - a centralização, a desconcentração e a descentralização – já
assinalada anteriormente nesse estudo, e tomando em conta o que afirma
Casassus, quando diz que, “salvo poucas exceções, hoje praticamente todos os
processos de descentralização educacional, na América Latina, são processos de
desconcentração.” (1990:17), bem como o que ele assevera sobre as experiências
de descentralização, muitas vezes sem êxito porque resultam de diversos fatores
ligados à tradição centralista ou, ainda, à falta de tradição descentralizadora, é que
analisarei os meus casos, rastreando a presença ou não de consciência dos direitos
aqui envolvidos, de busca por mais democracia (ou a possibilidade de participação e
maior espaço para a diversidade), mais recursos (ou desejo da sociedade civil em
participar da política de financiamento) e mais eficiência (ou desburocratização dos
sistemas centralizados), ou seja lá o que povoa as mentes em relação à educação e
à alimentação escolar, que são proporcionadas pelas escolas da rede pública
estadual de ensino. Vamos pois à leitura dos dados da pesquisa de campo e à sua
análise no próximo e último capítulo.
CAPÍTULO III
A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE
ALAGOAS – ANALISANDO DOIS CASOS EXEMPLARES
Na ausência da presença, a
certeza do direito.
(Boaventura de Sousa Santos, 2006)
Atualmente, na agenda daqueles que se comprometem com a consolidação
da democracia e com a eliminação/redução das desigualdades sociais, está a
construção de políticas públicas como garantia dos direitos elementares do cidadão.
Porém, a prática no Brasil tem mostrado o contrário, conforme aponta Azevedo
(1987, 101), quando afirma que as políticas públicas têm colocado o cidadão na
condição de assistido, beneficiário ou favorecido pelo Estado, e não na posição de
usuário ou consumidor de um serviço ou benefício a que tem direito como cidadão.
Nesse sentido, o programa de alimentação escolar parece ganhar uma
grande relevância social, especialmente em Alagoas, à medida que, diante da
pobreza, miséria, e mesmo indigência de grande parte da população, a desnutrição,
que é resultante de uma alimentação inadequada, é, juntamente com determinados
hábitos alimentares arraigados, em geral, determinada pela falta de recursos
financeiros para a aquisição de alimentos na quantidade ou com a qualidade
necessária ao desenvolvimento do organismo humano. Decorrente da pobreza, a
desnutrição faz parte de um “complexo de doença social”, à qual se somam
precárias condições de habitação, saneamento básico e saúde, além dos baixos
índices de escolarização e informação dos pais, conforme procurei demonstrar nos
capítulos anteriores. Nesse sentido, a desnutrição está imbricada à realidade
socioeconômica que a determina.
Enquanto a desnutrição grave provoca lesões no sistema nervoso, a fome, ao
contrário, é uma situação transitória, potencialmente transitória, ou, se em caráter
permanente, pode provocar lesões irreversíveis. De qualquer modo, a fome dificulta
a realização de qualquer atividade do ser humano, dentre elas a educação, pois a
chamada “fome do dia” interfere no processo de aprendizagem, assim como se torna
difícil aprender quando se está com frio, com muito calor ou com vontade de ir ao
banheiro. (Abreu, 1995, p.05).
A situação acima registrada é consagrada pela legislação especifica que
dispõe sobre os recursos financeiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE). Por meio da Medida Provisória Nº 2.178-36 de 24 de agosto de 2001, por
exemplo, foi posto, precisamente no seu parágrafo 5º, que a assistência financeira
ao PNAE “tem caráter suplementar, conforme disposto no inciso VII do art. 208 da
Constituição Federal”. (grifo meu)
Nesse sentido, vale ressaltar o que a Resolução FNDE/CD/N° 005/06, já
referida, no seu artigo 10, estabelece:
o cardápio da alimentação escolar (...) deverá ser programado de
modo a suprir, no mínimo, 15% (quinze por cento) das
necessidades nutricionais diárias dos alunos matriculados em
creches, pré-escolas e ensino fundamental, e, no mínimo 30%
(trinta por cento) das necessidades nutricionais diárias dos
alunos das escolas indígenas, durante sua permanência na
escola. (grifo meu)
Evidentemente que dois pontos dessa última citação merecem considerações:
►o primeiro deles refere-se aos valores repassados às Entidades
Executoras (EE) e ou Unidades Executoras (UEX): estes valores não são coerentes
com uma política social, cujo programa (PNAE) tem como objetivo
atender às necessidades nutricionais dos alunos, durante sua
permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento e
desenvolvimento dos alunos, a aprendizagem e o rendimento escolar,
bem como a formação de hábitos alimentares saudáveis. (Art. 2º da
Resolução nº 38 / 2004).
Evidente está que suprir necessidades nutricionais diárias com os valores
alocados é impossível42;
►como se isso não bastasse, no objetivo do programa vê-se claramente
que a responsabilidade da União com a alimentação é EXCLUSIVAMENTE durante
a permanência do educando ou da educanda na escola, pressupondo-se que
42
Os valores per capita praticados pelo PNAE/FNDE até o início do Governo Lula eram de R$ 0,08
por dia, tendo sido alterados para R$ 0,13, depois R$ 0,18, estando em 2008 em R$ R$ 0,22 para o
Ensino Fundamental regular, havendo um diferencial para indígenas (R$0,44) e remanescentes de
quilombolas (R$ 0,44).
estes/estas têm, em suas casas, alimentos suficientes que venham a justificar os
percentuais mínimos oferecidos na escola.
Na verdade, a falta de alimentação para a maioria do povo brasileiro só
alimenta/aquece o fenômeno da EXCLUSÃO. Conforme já fora dito, a Alimentação
Escolar precisaria assumir uma relevância social devido à situação de indigência
em que se encontra a maioria do seu povo, cujo perfil mais acentuado parece claro
na leitura da realidade alagoana por mim feita anteriormente, e que espero
comprovar nos dois casos que examinei nesse estudo, cujos dados virão mais à
frente.
Antes, porém, recorro a Gramsci, (1979, p. 122), sobretudo quando ele
defende a escola unitária e os seus objetivos primordiais. Acredito – assim como ele
– que é na escola que, concomitante à ação de aprender a ler, escrever, fazer
contas, geografia e história, que todos devem ter as primeiras noções de Estado e
da Sociedade, assim como a compreensão dos direitos e deveres sociais, para
exigi-los e cumpri-los.
Assim, no intuito de captar concretamente o que representa a política pública
de alimentação escolar em Alagoas, frente ao direito público subjetivo de acesso ao
saber letrado via escolarização fundamental, passo, daqui em diante, a apresentar o
resultado de meu estudo de caso coletivo na sua integralidade, para ancorar meu
objeto de investigação na realidade concreta. Nesse sentido, iniciarei por uma
caracterização do universo pesquisado, mediante a leitura de um survey43 que teve
como objetivo caracterizar não somente o campo, mas também e, sobretudo, os
atores envolvidos, para o que estou focando o olhar nas escolas previamente
selecionadas.
Tendo como alvo/população, segundo afirmado na introdução, escolas da
rede pública estadual de Alagoas, por se tratar de um estudo de caso, foram
escolhidas duas escolas situadas na cidade de Maceió, Capital do Estado de
Alagoas, a região mais rica e mais densamente povoada, apresentando,
conseqüentemente, todos os problemas, mas, também, as virtudes de uma
metrópole de pequeno porte. Como casos a serem analisados, escolhi uma escola
43
Termo do inglês, que quer dizer “levantamento” ou “exame”, e que é usado na sociologia como
expressão de uma técnica de apropriação de dados da realidade, podendo, como é o caso, neste
estudo, ter natureza predominantemente descritiva, a partir do momento em que busca identificar
quais características ou situações estão presentes na população pesquisada e descrever a
distribuição de algum fenômeno na população ou entre os subgrupos da população ou, ainda, fazer
uma comparação entre essas distribuições.
pertencente à jurisdição da 14ª.44 e outra da 15a.45 Coordenadoria Regional de
Ensino (CRE)46.
As escolas escolhidas atenderam aos seguintes critérios comuns:
escolas de ensino fundamental (e médio, se for o caso) com até 2.000
alunos/as, nos turnos matutino, vespertino e noturno;
escolas que já administravam recursos do Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE) e/ou do Plano de Desenvolvimento da Escola de Ensino
Fundamental (PDEEF);
escolas que tinham, no mínimo, 80% dos seus funcionários pertencentes
ao quadro efetivo;
escolas localizadas nas sedes das Coordenadorias Regionais;
escolas que tivessem estrutura física mínima tida como adequada47;
uma escola em que, segundo a SEE, o Programa de Descentralização da
Merenda Escolar fosse considerado como atendendo satisfatoriamente aos
critérios estabelecidos e apresentasse alto índice de satisfação dos
usuários e outra em que o Programa de Descentralização da Merenda
Escolar não estivesse atendendo satisfatoriamente aos critérios
estabelecidos e apresentasse baixo índice de satisfação dos usuários48.
Como critérios a distingui-las considerei, como dito na Introdução, o fato de
ser ou não considerada pela SEE como de bom desempenho no que dizia respeito à
gestão da alimentação escolar, além de se encontrar uma na periferia da capital,
enquanto outra se situa num complexo educacional localizado num bairro de classe
média.
Para poder me referir às duas escolas de maneira mais ética, atendendo à
questão da guarda do sigilo para a preservação da identidade dos sujeitos que
participaram da pesquisa, passarei a denominá-las da seguinte forma: a 1ª,
localizada no CEPA, será, a partir de agora, chamada ESCOLA ESTADUAL PROFª
44
Esta CRE compreende a região conhecida como Maceió Norte, que abrange os bairros de
Tabuleiro, Salvador Lira, Benedito Bentes, Graciliano Ramos, Clima Bom, Santos Dumont, indo até o
Conjunto da INOCOOP, abrangendo, assim, uma área urbana eminentemente popular, tendo, entre
seus integrandes, quando muito, fragmentos da classe C, predominando os integrantes das
chamadas classe D e E.
45
A 15ª CRE compreende as escolas localizadas no CENTRO EDUCACIONAL DE PESQUISAS
APLICADAS ANTÔNIO GOMES DE BARROS, mais conhecido como CEPA, situado entre os bairros
do Farol e do Pinheiro, tendo, também, em suas proximidades, a chamada Favela do Bolão.
46
Embora, com a última reforma da estrutura do Estado de Alagoas, no ano de 2007, as
Coordenadorias Regionais de Ensino (CREs) tenham passado a se chamar simplesmente
Coordenadoria de Ensino (CE), optei por utilizar a nomenclatura tradicional, por continuar sendo ela
de uso corrente, apesar da mudança.
47
Como critério mínimo considerei: número de salas de aula adequado ao número de usuários,
existência de pátio, salas de professores, direção, coordenação e secretaria, banheiros para
estudantes e funcionários, local específico para guarda e elaboração de merenda escolar, além de
equipamentos essenciais, incluindo os utilizados para a preparação da merenda.
48
A escolha das escolas a serem pesquisadas baseou-se, nesse particular, no que me informou a
SEE.
LAURITA RODRIGUES, e a 2ª, localizada no bairro do Tabuleiro Novo, ESCOLA
ESTADUAL PROFª CREUSA MARINHO49.
A escola Profª Laurita Rodrigues tem uma especificidade, que a difere da
outra escola. A concepção do Complexo em que ela se encontra foi para,
inicialmente, atender aos estudantes de toda a capital, e, diga-se de passagem, aos
estudantes oriundos de classes sociais mais privilegiadas, pois como se sabe, o
acesso era restrito àqueles que pertenciam a essas classes, já que cursar para além
do antigo Curso Primário, correspondente às quatro primeiras séries do atual Ensino
Fundamental, exigia, até 1971, aprovação no Exame de Admissão ao Ginásio, que
tinha um índice de reprovação de mais de 50% dos candidatos oriundos do antigo
Ensino Primário.
Segundo o que me foi dado perceber na pesquisa de campo, com a
democratização do acesso aos ensinos fundamental e médio, via unificação dos
cursos Primário e Ginasial (pela Lei 5.692/71) e a conseqüente construção de
escolas nos bairros da periferia da capital – assim como no interior do Estado - essa
realidade mudou. Hoje, o CEPA atende, mais precisamente, aos estudantes
moradores dos bairros vizinhos e/ou das favelas que o circundam. Sendo assim,
eles vêm dos bairros de Bebedouro, Chã-da-Jaqueira, Bom Parto e de algumas
favelas próximas, como a do Bolão. É importante registrar que estes bairros são
populosos e compostos por uma população pobre, pertencentes às classes D e E.
Os seus moradores, na sua esmagadora maioria, sobrevivem do setor informal da
economia, fazendo trabalhos eventuais, praticando o pequeno comércio ou
trabalhando como ambulante.
O bairro do Farol, no qual o CEPA está inserido, é, por sua vez, muito famoso
na capital, já tendo sido o preferido da elite, antes que a Pajuçara, a Ponta Verde e a
Cruz das Almas se urbanizassem, oferecendo todos os serviços aos seus
moradores. Populoso, abriga hoje muitas lojas comerciais, clínicas, hospitais,
escolas da rede privada, além de várias faculdades. Abriga uma população ainda
pertencente às classes A e, na sua maioria, B e C, não formando mais a população
usuária das escolas do Complexo.
A 1ª escola pesquisada conta hoje com 375 estudantes do Ensino
Fundamental (I e II Ciclos), nos turnos matutino e vespertino, além de 317
49
Os pseudônimos das duas escolas foram por mim escolhidos como forma de homenagear (in
memoriam) duas professoras inesquecíveis que tive, ainda durante a minha formação inicial, no
Curso de Magistério, em Viçosa. A 1ª, professora de Educação Moral e Cívica e a 2ª, professora de
Psicologia da Educação.
estudantes da Educação de Jovens e Adultos no turno noturno, também do Ensino
Fundamental.
As diretoras (diretora geral e diretora adjunta) desta escola estão no seu 2º
mandato, pois foram reeleitas pela comunidade escolar no dia 20 de agosto do ano
vigente. A escola conta ainda com 18 funcionárias, aí incluindo 04 merendeiras, que
atendem apenas aos dois turnos, visto que no turno noturno não é mais ofertada a
alimentação para esses estudantes50. A escola tem um corpo docente formado por
36 professoras, que atendem aos três turnos, além de duas coordenadoras
pedagógicas.
A infra-estrutura da escola é precária, embora seja a mais bem cuidada do
complexo educacional, se comparada com as demais. Apesar disso, tem uma
pequena sala de leitura, num espaço improvisado, bem arrumadinha. Conta com um
laboratório de informática, um laboratório de aprendizagem, um pátio coberto que é
utilizado, e um descoberto, (inadequado para uso), 10 salas de aula, sala de direção,
de coordenação, de professores, secretaria, cozinha, refeitório, despensa, um
banheiro para as professoras e diretoras, outro para os funcionários, além de 2
banheiros para os/as estudantes.
Quanto aos recursos e/ou equipamentos, a escola conta com 10
computadores, 2 Tvs, 2 Dvd’s, além de contar com um fogão de 6 bocas bastante
enferrujado, um freezer, uma geladeira, e uma cisterna de onde é retirada a água
para o preparo dos alimentos.
A Escola Profª Creusa Marinho, por sua vez, está localizada no bairro do
Tabuleiro do Martins, que tem esse nome em homenagem à família Martins, que
possuía um sítio justamente nesta área e era muito querida pelos pobres que ali
passaram a viver. O bairro foi crescendo desordenadamente, novas ruas foram
surgindo, assim como a feira livre, que cresceu tanto, que é hoje uma das maiores
do Estado. O bairro ampliou-se para o lado oposto da pista asfáltica que o corta em
direção ao Aeroporto de Maceió e à Rodovia BR 101, tendo esse novo
assentamento urbano recebido a denominação de Distrito Industrial. Aí, vários
conjuntos residenciais e dezenas de casas comerciais foram surgindo ao longo das
50
Apesar da escolarização da alimentação ter começado nesta escola, no bojo de um projeto piloto,
ainda no ano de 2003, especificamente com os alunos da EJA, essa política só perdurou até o ano de
2006. A vitória do governo tucano e a sua inevitável assunção no início de 2007 trouxe a
determinação de suspender os recursos para a aquisição da alimentação escolar para esses
estudantes, sob a alegação de que o Estado estava “quebrado” e não havia recursos próprios (da
fonte 00) para dar continuidade e efetivar uma política já implantada.
três últimas décadas, bem como no foco urbano original do bairro. Foi aí também
que a Petrobrás descobriu as maiores jazidas de petróleo. Na verdade, aí se
aproveitam outros recursos naturais, como a água mineral e o clima de planalto. É
um dos bairros mais tradicionais e festeiros de Maceió. A escola pesquisada situa-se
no outro lado da pista, no lado mais recente - mais precisamente no hoje conhecido
como Tabuleiro Novo, bairro imensamente populoso e pobre.
Apesar de viverem num bairro com tantos recursos naturais, os seus
moradores vivem numa situação sócio-econômica desfavorecida. A maioria deles
sobrevive de pequenos bicos, com alguns sendo operários no próprio distrito,
enquanto outros são comerciários; assim, a maioria está no setor da informalidade e
outros tantos estão desempregados.
Essa segunda escola nasceu há cerca de trinta anos. É uma escola de
grande porte, que contempla os dois níveis da educação básica - Ensino
Fundamental e Médio. Tem 838 estudantes no ensino fundamental da 4ª à 8ª série
(ou o seu equivalente atual - do 5º ao 9º ano) e 341 discentes do Ensino Médio,
funcionando ambas as etapas da Educação Básica nos turnos matutino e
vespertino. Conta, ainda, com 320 estudantes de EJA - 2º segmento (Ensino
Fundamental), além de 360 de EJA – 3º segmento (ensino médio), ambos no turno
noturno, e também, como a outra escola, sem alimentação escolar nesse turno e
nessa modalidade de ensino, pelas razões já assinaladas.
A Escola Creusa Marinho conta, também, com uma diretora geral e duas
diretoras adjuntas51, com funcionamento nos três turnos. Para o seu pleno
funcionamento, a escola conta com 54 docentes, 24 funcionários/as, dentre os quais
5 merendeiras e 5 coordenadoras pedagógicas. Vale ressaltar que já no final desta
pesquisa houve mudança na gestão da escola, conforme já dito anteriormente, por
conta das eleições para gestores, que aconteceram em toda a rede pública estadual.
A diretora geral anterior, que estava no cargo há 9 anos, com dois mandatos
consecutivos, além de outros cinco anos anteriores (quando foi indicada para o
cargo pela SEE, por falta de candidato ao pleito), deixou o cargo no início do mês de
51
As escolas da Rede Pública Estadual, para efeito de quantitativo de gestores, têm, segundo a
SUGESE (SEE), uma tipificação. Assim sendo, escolas que apresentam no censo do ano anterior às
eleições, matrícula superior a 2.000 alunos, são do tipo I (um diretor geral e dois adjuntos), escolas
com matrícula de 1.600 até 1.999 alunos/as, são do tipo II ( um diretor geral e dois adjuntos). De 701
a 1.599 alunos/as, são do tipo III (com um diretor geral e um diretor adjunto), e, finalmente, as escolas
do tipo IV, que são aquelas que têm apenas um diretor geral e um número de alunos que vai até 700.
outubro e assumiu a coordenação pedagógica das turmas do ensino fundamental e
médio, no turno vespertino.
Em se tratando da infra-estrutura, esta escola tem 16 salas de aula, 1
biblioteca
com
aproximadamente
700
títulos,
1laboratório
de
informática,
1laboratório de Biologia, uma quadra de esportes, 1 auditório, salas de direção, de
coordenação pedagógica, de professores, secretaria, recepção, 6 banheiros para
professores e funcionários, e uma bateria de 16 banheiros para os/as estudantes.
Conta ainda com 1 cozinha, cisterna, despensa, uma cantina e um enorme pátio.
Quanto aos recursos e/ou equipamentos, conta com 2 antenas parabólicas, dois
televisores, 3 aparelhos de Dvds, 1 retroprojetor, 6 computadores com impressoras
que servem exclusivamente à secretaria e à direção, e 21 computadores instalados
no laboratório, um aparelho de som com acessórios e caixas acústicas, uma
filmadora e uma máquina fotográfica, um aparelho de fax, 2 máquinas de escrever
elétricas, uma máquina copiadora, 2 mimeógrafos, 1 fogão de 6 bocas, 2 freezers, 1
geladeira, além de 2 data-shows, um destes adquirido pela escola após parceria
firmada com uma escola britânica, num projeto chamado “Jovem Líder”. 52
52
O Projeto Jovem Líder (na verdade o nome é Projeto Inspiração Internacional) faz parte de
um Programa inclusivo e ambicioso que está sendo implementado em fase piloto em cinco países
(Brasil, Índia, Zâmbia, Azerbaijão e Palau). Ele é de responsabilidade do Governo do Reino Unido e
está sob a liderança de organizações governamentais e não governamentais. No Brasil, quatro eixos
estão sendo implementados: 1- Educação Física e Parceria entre Escolas; 2- Desenvolvimento do
Esporte; 3- Desenvolvimento de Crianças nas Escolas e nas Comunidades através do Esporte; 4Excelência no Esporte. A ambição do programa é transformar, por meio do esporte, a vida de
crianças e jovens de escolas e comunidades de países em desenvolvimento, criando sistemas
esportivos fortes, sustentáveis e efetivos, nos quais crianças e jovens, em sua maioria, residentes em
comunidades menos privilegiadas do mundo possam se desenvolver participando e se destacando no
esporte. É financiado pelo Governo Britânico, Organismos multilaterais como UNICEF e o Setor
Privado. As atividades no Brasil acontecem em quatro Estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará e
Pernambuco. A parceria foi firmada entre 12 escolas britânicas e 6 de Alagoas e 6 de Pernambuco,
previamente selecionadas por suas respectivas Secretarias de Educação. A diretora geral foi,
inclusive, à Inglaterra no dia 20 de setembro deste, juntamente com uma professora de Inglês
(coordenadora do projeto) conhecer a realidade britânica. Antes, porém, veio uma comitiva britânica
(um diretor e dois professores) conhecer a escola, o andamento do projeto, as atividades
desenvolvidas pelos alunos, enfim, toda sistemática do funcionamento escolar. A escola tem ainda
outras parcerias, a exemplo de convênios firmados entre a escola e a Universidade Federal de
Alagoas (UFAL), quando os acadêmicos do curso de Medicina vão à escola nos finais de semana e
atendem toda a comunidade com programas especiais aos diabéticos e hipertensos, momento em
que fazem palestras preventivas. Tem ainda convênios com a FIEA (Federação das Indústrias do
Estado de Alagoas), e com o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), para seleção de
estudantes estagiários, contemplando os melhores e os menos favorecidos com um salário mínimo
vigente. Além destes, ainda conta com um projeto chamado 2º tempo que contempla cerca de 200
alunos no contra-turno, em três dias da semana. Eles têm reforço escolar, praticam esportes e têm
alimentação escolar diferenciada. Um outro programa é o Escola Aberta. Este é coordenado por um
líder comunitário, que inscreve os membros da comunidade local em cursos de várias áreas como
artística, cultural (folguedos), esportes (judô e capoeira). Há ainda oficinas de arte-culinária, bordado
em ponto cruz, manicure, pedicure, artesanato, serigrafia e pintura em tecido e tela (um dos quadros
pintados por um aluno foi presenteado ao diretor da escola inglesa). Estes dois últimos programas
são financiados pelo Governo Federal e os recursos deste último fica numa conta da escola.
As informações referentes à oferta da alimentação escolar das duas
instituições pesquisadas podem ser vistas de forma sintética na tabela nº 13, a
seguir:
TABELA Nº 13- N° DE ESTUDANTES DAS ESCOLAS ATENDIDOS PELO PNAE
ESCOLA
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
ESCOLA CREUSA
MARINHO
ESTUDANTES
SEM MERENDA
ESTUDANTES COM
MERENDA
TOTAL DE
ESTUDANTES
317
45,8 %
375
54,2%
692
1031
55,4%
838
44,6%
1859
FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Na leitura do quadro acima, vale destacar o alto percentual de estudantes que
não têm acesso à merenda escolar. A discussão das conseqüências deste achado
será feita com maiores detalhes em momento posterior53.
Apurando o resultado dos questionários por mim aplicados, cabe informar, de
saída, recuperando o que foi assinalado na introdução, que 365 estudantes (o que
corresponde a 30% de um total de 1.530) pertencentes ao ensino fundamental da 3ª
à 8ª séries (o equivalente às turmas de 4º ao 9º ano, conforme a legislação vigente)
das duas escolas selecionadas foram os informantes do levantamento feito. E, a
título de exemplo, e com o objetivo de dar unidade ao trabalho de campo, são as
respostas deles às quais vou continua dando tratamento a partir do survey por mim
delineado, caracterizando o segmento estudantil, haja vista ser ele o foco central do
meu trabalho.
53
No momento vale, apenas, acrescentar que, na tentativa de corrigir esta distorção, o CONSEA e
membros da sociedade civil se organizaram a fim de pressionar a Câmara Federal para aprovação do
Projeto de Lei Nº 2877/2008 que atualiza o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o qual define,
entre outros pontos, a ampliação do programa para os alunos do Ensino Médio e da EJA. Este projeto
já foi aprovado pela Câmara Federal, restando apenas a aprovação pelo Congresso, pois a sanção
pelo Governo Federal é dada como certa, haja vista as declarações públicas do Ministro da Educação
quando ratifica a importância de sua aprovação e a inclusão de mais de 8 milhões de jovens
estudantes no PNAE. Essa afirmação se deu no dia 26 de novembro de 2008, no Hotel Ritz Lagoa da
Anta, em Maceió, quando da assinatura do Pacto pela Educação, entre o Governo do Estado de
Alagoas e o Sindicato dos Trabalhadores da Educação. Na oportunidade, o Ministro da Educação,
Professor Dr. Fernando Hadad, representando o Governo Federal, testemunhou e avalizou
publicamente o ato de ambas as partes.
Quanto ao gênero, a distribuição da matrícula nas duas escolas está bem
equilibrada, o que a torna semelhante à situação apresentada em todas as regiões
do país, conforme consta do diagnóstico da Educação Básica no PNE (p. 55, 2001).
Os gráficos abaixo mostram bem este equilíbrio.
GRÁFICO 12- ESTUDANTES DA ESCOLA LAURITA RODRIGUES QUANTO AO GÊNERO
Fonte: PDE (2008)
GRÁFICO Nº 13- ESTUDANTES DA ESCOLA CREUSA MARINHO QUANTO AO GÊNERO
Fonte: PDE (2008)
Quanto à composição etária do corpo discente, ela se apresenta da forma
como se pode ver na tabela a seguir:
TABELA Nº14- CARACTERÍSTICAS GERAIS DE IDADE/SÉRIE
IDADE DOS
ESTUDANTES
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
n = 113
105 (92,9%)
08 (7,1%)
----------------------
ESCOLA CREUSA
MARINHO
n = 252
-------66 (26,2%)
107 (42,5%)
60 (23,8%)
19 (7,5%)
SÉRIE
4ª
5ª
6ª
7ª
8ª
90 (79,6%)
23 (20,4%)
----------------------
-------37 (14,7%)
35 (13,9%)
30 (11,9%)
150 (59,5%)
X²=340,84
P<0,00
TEMPO DE
ESTUDO NA
ESCOLA
<1 ano
1 ano
2 anos
3 anos
4 anos
+ 4 anos
--------------41 (36,3%)
48 (42,5%)
24 (21,2%)
--------
-------38 (15,0%)
56 (22,2%)
52 (20,6%)
50 (20,0%)
56 (22,2%)
X²=255,89
P<0,05
10 – 11
12 – 13
14 – 15
>15 – 16
>16
SIGNIFICÂNCIA
ESTATÍSTICA
X²=333,61
P<0,00
FONTE: Pesquisa de campo (2008)
Considerando-se que os dados acima dizem respeito, majoritariamente, a
estudantes do curso diurno de escolas de Ensino Fundamental, é possível concluirse que, seguindo os indicadores dominantes em Alagoas, os estabelecimentos de
ensino pesquisados têm uma população escolar com acentuada incoincidência entre
idade cronológica e série cursada.
Na verdade, se considerarmos que a maioria dos estudantes pesquisados se
encontra em turmas diurnas de 4ª à 8ª série (atualmente 5º ao 9º ano) – onde se
espera
encontrar
pré-adolescentes
-,
recompondo-se
os
dados
acima
e
considerando-se a série cursada, tem-se uma população estudantil formada
predominantemente por adolescentes, que ainda cursam a 6ª, 7ª e 8ª séries (ou 7º,
8º e 9º anos).
A chamada “distorção idade-série” é, inclusive, segundo informação dos
gestores, um dos grandes desafios das duas escolas pesquisadas. Na primeira - a
Profª Laurita Rodrigues - nos anos anteriores, a distorção chegou a 74,3% no I Ciclo
e de 60,4% no II Ciclo. Já na segunda escola - a Profª Creusa Marinho -, a distorção,
no turno diurno, chega atualmente a 81,6%, conforme se pode observar na tabela a
seguir:
TABELA Nº 15- DISTORÇÃO IDADE/SÉRIE DOS ESTUDANTES DA ESCOLA CREUSA MARINHO
Até Até Até Até Até + de
Matrícula
Ano
12
13
14
15
16
16
Atual (A)
anos anos anos anos anos anos
Total de alunos
com idade
superior à série
respectiva (B)
Taxa de
Distorção
(B/A) x 100
6º
272
143
54
48
14
10
03
129
47.4%
7º
201
51
62
48
27
09
04
88
43.8%
8º
163
03
41
64
26
16
03
55
33.7%
9º
178
06
57
55
30
30
60
33.7%
Total
814
333
217
122
115
50
332
81.6%
197
Fonte: SECRETARIA DA ESCOLA (2008)
Ao considerarmos a composição étnica dos/as estudantes das duas escolas
no seu conjunto, curiosamente observou-se uma perceptível coincidência entre o
que foi respondido e a realidade efetivamente observada. Contrariando Munanga
(1996, p.187) que diz que “o brasileiro foge de sua realidade étnica, de sua
identidade”, os/as estudantes, quando perguntados, não usaram dos subterfúgios
identificados pelo autor acima citado para declarar sua origem étnica. Assim, em
resposta ao questionário, tivemos o reconhecimento da maioria dos destinatários
como mulatos, pardos, indígenas e negros, superando o total daqueles que se
declararam brancos, enquanto mais da metade se reconheceu como mestiça, o que
pode ser claramente observado nos dados do gráfico a seguir:
GRÁFICO 14 – PERCENTUAL DA COMPOSIÇÃO ÉTNICA DOS ESTUDANTES
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Juntando-se as subcategorias presentes no gráfico 14, para fins de uma
caracterização mais geral do universo pesquisado, temos a configuração que segue:
GRÁFICO 15 – PERCENTAGEM DA COMPOSIÇÃO ÉTNICA DOS ESTUDANTES
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Os gráficos apresentados, numa leitura bastante genérica, de saída
caracterizam o perfil típico da parcela majoritária da população alagoana, com as
escolas apresentando-se majoritariamente não brancas, o que já foi evidenciado
numa pesquisa do IETS/IBGE/PNAD (2002), ao confrontar a má distribuição de
renda em Alagoas com a origem étnica dos alagoanos.
Já quanto ao número de filhos e quanto ao número de residentes das famílias
dos
estudantes
pesquisados,
os
grupos
familiares
encontram-se
assim
caracterizadas:
TABELA Nº 16- CARACTERÍSTICAS FAMILIARES DOS ESTUDANTES
Nº DE IRMÃOS
Nenhum
1
2
3
4 ou +
Nº DE RESIDENTES
NA FAMÍLIA
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
N = 113
1 (0,9%)
06 (5,3%)
42 (37,1%)
22 (19,5%)
42 (37,2%)
ESCOLA CREUSA
MARINHO
N = 252
4 (1,6%)
50 (19,8%)
41 (16,3%)
63 (25,0%)
94 (37,3%)
-------6 (5,3%)
23 (20,3%)
49 (43,4%)
35 (31,0%)
-------32 (12,7%)
82 (32,5%)
89 (35,3%)
49 (19,5%)
0
1-2
3-4
5-6
+6
SIGNIFICÂNCIA
ESTATÍSTICA
X²=274,13
P<0,00
X²=264,74
P<0,00
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Como é possível perceber, a maioria das famílias dos estudantes
pesquisados apresenta características das antigas famílias tradicionais, já que
predomina em nossa amostra a incidência de mais de quatro filhos, ao contrário de
uma tendência que cada vez mais vem se evidenciando na família brasileira
moderna, segundo os repetidos levantamentos populacionais realizados pelo IBGE.
Extrapolando-se a categorização da família nuclear – composta apenas por
genitores e filhos – e buscando-se uma aproximação maior com o que a
Antropologia chama de família extensa – composta por parentes de primeiro grau e,
às vezes, até pelos denominados aderentes – que parece se encontrar ainda
presente na forma de as famílias alagoanas se agruparem numa mesma residência,
podemos também observar esta realidade na tabela anterior.
Pelo que nos é dado perceber dos números apresentados na tabela acima,
observa-se claramente que as famílias são de fato numerosas, o que não se
reproduz quando feito o levantamento dos que na família trabalham. Isso tem
implicações na situação socioeconômica dos pesquisados, como se pode ver na
tabela que segue:
TABELA Nº 17- CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS AUTOREFERIDAS
CATEGORIAS
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
(N = 113)
03 (2,7%)
13 (11,5%)
62 (54,9%)
30 (26,5%)
05 (4,4%)
ESCOLA CREUSA
MARINHO
(N = 252)
04 (1,6%)
32 (12,7%)
120 (47,6%)
84 (33,3%)
12 (4,8%)
Nº DE MEMBROS
COM TRABALHO
REMUNERADO
Nenhum
1
2
3
+3
Ñ respondeu
15 (13,2%)
33 (29,2%)
45 (40,0%)
10 (8,8%)
05 (4,4%)
05 (4,4%)
17 (6,7%)
147 (58,3%)
67 (26,6%)
06 (2,4%)
15 (6,0%)
--------
X²=156,57
P<0,00
RENDA MENSAL
MÉDIA FAMILIAR
<1SM
1SM
2SM
3SM
>3SM
38(33,6%)
46 (40,7%)
28 (24,8%)
01(0,9%)
--------
65 (25,8%)
128 (50,8%)
47 (18,6%)
07 (2,8%)
05 (2,0%)
X²=308,72
P<0,00
PARTICIPAÇÃO EM
PROGRAMAS
SOCIAIS
PETI
Bolsa Escola
Bolsa Família
Programa do Leite
Aposentadoria
Ñ Atendidos
-------48 (42,5%)
44 (39,0%)
07 (6,2%)
05 (4,4%)
09 (7,9%)
06 (2,4%)
33 (13,1%)
148 (58,7%)
-------23 (9,1%)
42 (16,7%)
X²=259,83
P<0,00
Muito Pobre
Pobre
Remediada
Classe Média
Rica
SIGNIFICÃNCIA
ESTATÍSTICA
X²=291,91
P<0,00
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Pelo que nos é dado perceber dos números apresentados na tabela acima,
em confronto com a tabela nº 16, um contingente significativo de estudantes vive em
famílias cujos integrantes vão para além dos pais e irmãos, o que pode representar
um fato grave em termos da manutenção da família, se considerarmos os dados da
renda familiar dos estudantes pesquisados.
Os indicadores acima configuram um panorama em que 75% das famílias –
que são predominantemente numerosas – auferem como rendimento global até um
salário mínimo. Não será demais dizer que estamos falando do salário mínimo real,
e não do salário mínimo legal que, segundo cálculos do DIEESE, ultrapassaria hoje
R$ 1.497,23 reais, valor este que supriria as necessidades mínimas com
alimentação, saúde, educação, lazer e moradia, de uma família de apenas 04
(quatro) integrantes, enquanto o salário de hoje é apenas uma quarta parte daquele.
Esse panorama – que se assemelha em tudo aos dados globais de renda da
população alagoana, que, como vimos anteriormente, apresenta 62% da população
considerada como muito pobre, segundo o Radar Social do IPEA, 2005 - poderia ser
mais grave, não fossem os dados apresentados na tabela acima, acerca do número
de famílias atendidas por programas sociais.
De fato, embora a maioria viva em famílias que chegam a cinco ou mais
pessoas, não é desprezível o conjunto daqueles que têm em casa mais de três
moradores. Essa situação, em termos de alimentação, por exemplo, somente não é
mais grave, em vista da baixa renda familiar, porque mais de 80% destes estão de
alguma forma assistidos por programas destinados pelos Poderes Públicos aos que
têm baixa renda – no caso do Programa Bolsa Família, de R$ 100,00 per capita. -, o
que, no mínimo, revela a sua condição de indigência, quando não de total miséria.
Infelizmente, essa condição não é assumida quando se pergunta sobre a renda, já
que eles se consideram, na sua maioria, de classe média ou remediada, conforme o
gráfico abaixo:
GRÁFICO 16- PERFIL SOCIOECONÔMICO GENÉRICO, SEGUNDO AUTODECLARAÇÃO
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Se o rendimento familiar declarado não fosse suficiente para contradizer a
assertiva dos estudantes de que pertencem à classe média e/ou remediada, a
situação profissional da maioria dos pais, que se caracterizam como de baixa
remuneração, ou, então, como ocupações típicas do mercado informal - pequeno
comércio ou prestação de serviços, sem carteira profissional assinada e vivendo por
conta própria - reforçam a conclusão de que os nossos estudantes pesquisados
refletem a realidade econômica que caracteriza o Estado de Alagoas, segundo
apresentamos no Capítulo I, como se pode ver nos dados dos gráficos a seguir:
GRÁFICO 17 – FORMA DE OCUPAÇÃO DOS PAIS EM TERMOS PERCENTUAIS
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
GRÁFICO 18 – FORMA DE OCUPAÇÃO DAS MÃES EM TERMOS PERCENTUAIS
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Esses dados, que revelam a fragilidade da economia alagoana e o alto índice
de desemprego, e retratam também uma economia de renda concentrada e com
enorme injustiça social (cf. CARVALHO, 2007), mostram, no caso dos pais das duas
escolas aqui pesquisadas, uma situação apenas um pouco menos desfavorável
quando consideramos o percentual dos que, de certa forma, têm trabalho
remunerado, seja no mercado informal, seja com carteira assinada, enquanto que as
mães, na sua esmagadora maioria, encontram-se na categoria “dona de casa”, o
que indica ausência de emprego ou outra qualquer ocupação remunerada.
Outro elemento significativo para o delineamento da renda dos nossos
pesquisados pode ser a escolaridade dos pais, que assim se manifesta:
GRÁFICO 19– ESCOLARIDADE DOS PAIS EM TERMOS PERCENTUAIS
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
GRÁFICO 20 – ESCOLARIDADE DAS MÃES EM TERMOS PERCENTUAIS
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Os gráficos acima coincidem em tudo com o perfil de escolaridade apurado
pelo TRE/AL e que foi apresentado no Capítulo I. Se considerarmos que no mundo
de hoje a escolaridade mínima exigida para a empregabilidade num nível menos
desfavorável é a de Ensino Médio completo, a posse desse nível de escolaridade
de, no máximo 12% dos pais pesquisados – das mães, mais especificamente –
reforça a nossa argumentação de que predomina, entre os sujeitos de nossa
pesquisa, um contingente fortemente carente, em termos de escolaridade e
financeiros, desde que os provedores das famílias – aqui considerados pai e mãe encontram-se, em mais de 70% na condição de analfabetos absolutos ou funcionais,
desde que se venha a considerar apenas alfabetizados os que detêm o nível
fundamental completo ou superior a esse nível.
Diante de todos os dados até aqui considerados, pode-se concluir que o perfil
socioeconômico e cultural dos sujeitos de nossa investigação assemelha-se em tudo
ao da sociedade alagoana – em alguns casos apresenta um perfil até mais carente -,
uma vez que Alagoas, segundo estudo de Carvalho (2007), caracteriza-se pela
extrema pobreza da maioria de seus habitantes, com alta concentração de renda e
baixa escolaridade que, reunidas num só estrato social, justificam, por si só, a baixa
qualificação profissional e o não exercício da cidadania.
Diante do exposto até aqui, tudo me leva a pensar o quão relevante torna-se
a alimentação escolar no contexto da análise do direito à educação, sobretudo
quando considero as observações feitas nas escolas pesquisadas. Posso afirmar
que no período de observação, havia oferta diária da alimentação escolar aos
estudantes da Escola Laurita Rodrigues, os quais estão entre o 1º e 5º anos.
Eles recebem a alimentação no refeitório, todos sentados, de maneira alegre
e descontraída e acompanhados de perto pela merendeira. Esses estudantes, ao
perceberem minha presença no recinto, demonstraram curiosidade, mas em
nenhum momento, constrangimento.
Já na Escola Creusa Marinho, os estudantes do 5º ao 9º ano, se alimentam
no pátio, em pé, com os pratos e /ou os copos na mão. Os adolescentes e as
adolescentes que estavam se servindo da alimentação escolar, quando me viram,
demonstraram curiosidade, ficaram mesmo muito desconcertados/as. Parecia que
eu estava praticando um sacrilégio.
Da primeira vez que estive presente ao momento da alimentação dos
estudantes, aproximei-me dos pequenos aglomerados, apresentei-me e perguntei se
poderia tirar fotos. A primeira pergunta foi: - “Vai sair na TV? Se for, não pode, pois
não queremos que o povo nos veja comendo merenda”.
Diante da minha negativa, sorriram e autorizaram as fotos, fazendo poses,
inclusive. Essa atitude expressa, no mínimo, um sentimento de humilhação da parte
daqueles que, não tendo clareza de que a alimentação escolar é um direito, se
percebem sendo assistidos pela “misericórdia” do Poder Público, enquanto eles, os
assistidos, por conta de sua pobreza, sentem-se diminuídos em sua dignidade.
Procurando perceber a regularidade do funcionamento da alimentação nas
duas escolas, bem como sua importância, segundo o que dela pensam os/as
estudantes, consegui, pelos questionários, apurar o que segue:
TABELA Nº 18- CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE EXISTÊNCIA DA MERENDA
EXISTÊNCIA DA
MERENDA
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
N = 113
ESCOLA CREUSA
MARINHO
N = 252
SIM
NÃO
ÀS VEZES
RARAMENTE
113 (100%)
-------------------
233 (92,5%)
5 (2,0%)
12 (4,8%)
2 (0,8%)
MERENDA
NO
COTIDIANO
SIM
NÃO
Ñ respondeu
113 (100%)
-------------
212 (84,1%)
38 (15,1%)
2 (0,8%)
IMPORTÂNCIA
DA MERENDA
PARA O
ESTUDANTE
Nenhuma
Muito Pouca
Mais ou menos
Bastante
Extrema
-------21 (18,6%)
48 (42,5%)
29 (25,6%)
15 (13,3%)
60 (23,9%)
28 (11,1%)
85 (33,7%)
56 (22,2%)
23 (9,1%)
27 (23,9%)
28 (24,8%)
22 (19,5%)
64 (25,4%)
74 (29,4%)
52 (20,6%)
36 (31,8%)
62 (24,6%)
Ausência da
Merenda
Faria muita Falta
Faria Falta
Faria um Pouco
de Falta
Não Faria Falta
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
SIGNIFICÂNCIA
ESTATÍSTICA
X²=8,98
P=0,02
X²=20,14
P<0,00
X²=346,84
P<0,00
X²=284,27
P<0,00
Analisando a tabela acima, dá para se dizer que há merenda nas duas
instituições, embora somente na Escola Laurita Rodrigues a oferta diária chegue à
totalidade dos estudantes. Pode-se inferir ainda que, quando os respondentes
afirmam que a merenda tem importância considerável (mais de 80% nas duas
escolas) e que sua ausência faria falta, isso não é contradito pelo acesso maciço ao
refeitório, assim como os pedidos para repetição do prato ofertado diariamente,
conforme veremos mais adiante na tabela nº 20.
Conversando
com
alguns
estudantes
enquanto
comiam,
todos
me
responderam que “a merenda era importante demais”, enquanto uns diziam:
“Já pensou se não tivesse?” Como a gente ia agüentar?
De um ou outro recebi as seguintes respostas:
“Eu hoje nem tomei café nem nada”.
“Ah, graças a Deus que tem”.
Quando observamos a resposta que eles deram à pergunta sobre “se não
tivesse merenda na Escola, como seria pra você”, contata-se a inequívoca
importância daquela para eles.
Se não bastasse o quadro acima, ainda no tocante à alimentação, eles
afirmaram que costumam repeti-la, o que parece demonstrar a sua aceitabilidade,
assim como a sua importância. Esses mesmos estudantes avaliam a alimentação
escolar servida como de boa qualidade, o que justifica a repetição, embora o fator
socioeconômico auto-referido anteriormente já possa sinalizar o que de fato
representa a condição social dominante e a alimentação escolar para cada um/a
dos/as usuários/as dessas escolas.
Ora, se mais de 80% dos alunos pesquisados avaliam a alimentação como
boa e ótima, poder-se-ia inferir o excelente grau de aceitabilidade, porém os
respondentes da Escola Creusa Marinho também afirmam que preferem se
alimentar fora da escola e, quando estão nela, prefeririam o lanche da cantina. Essa
resposta é bastante razoável, quando consideramos que os respondentes são
jovens e adolescentes, e certamente na cantina encontram-se os alimentos
preferidos por eles. Este fato não foi observado na Escola Laurita Rodrigues porque
nessa escola não há cantina.
Para uma melhor análise do que acabo de afirmar, basta ver a tabela abaixo
que consolida, em termos numéricos, a posição dos estudantes sobre a alimentação
servida na sua escola:
TABELA Nº 19- CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE QUALIDADE DA ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR
SUFICIÊNCIA
DA MERENDA
SIM
NÃO
Ñ RESPONDEU
ESCOLA
LAURITA
RODRIGUES
N = 113
113 (100%)
---------------
ESCOLA
CREUSA
MARINHO
N = 252
212 (84,1%)
38 (15,1%)
2 (0,8%)
Qualidade da
Merenda
Péssima
Ruim
Regular
Boa
Ótima
Ñ respondeu
04 (3,5%)
-------13 (11,5%)
65 (57,5%)
31 (27,5%)
--------
24 (9,5%)
19 (7,5%)
70 (27,8%)
99 (39,3%)
36 (14,3%)
4 (1,6%)
113 (100%)
--------
122 (48,4%)
54 (21,4%)
3 (1,2%)
Repetição da
Merenda
Uma vez
Duas Vezes
Mais de duas
vezes
Não Respondeu
Prefere se
Alimentar
Melhor
Na escola
Fora da Escola
Ñ respondeu
Alimentação
preferida na
Escola
Merenda
Lanches
da
Cantina
73 (29%)
41 (36,3%)
72 (63,7)
--------
74 (29,4%)
171 (67,8%)
7 (2,8%)
113 (100%)
--------
78 (31,0%)
174 (69,0%)
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
SIGNIFICÂNCIA
ESTATÍSTICA
X²=20,14
P<0,00
X²=301,75
P<0,00
Em relação à infra-estrutura da alimentação preparada e servida pelas
escolas, é essa a forma como os/as estudantes a vêem:
TABELA Nº 20 - CONCEPÇÃO DO ESTUDANTE SOBRE INFRA-ESTRUTURA DA
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
ATENDIMENTO DA
MERENDA
ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
N = 113
13 (11,5%)
30 (26,5%)
29 (25,7%)
41 (36,3%)
--------
ESCOLA CREUSA
MARINHO
N = 252
66 (26,2%)
118 (46,8%)
47 (18,7%)
16 (6,3%)
5, (2,0%)
SIM
NÃO
41 (36,3%)
72 (63,7%)
24 (9,5%)
228 (90,5%)
DIREÇÃO SUPERVISIONA A
MERENDA
Nunca
Raramente
Às vezes
Sempre
Diariamente
53 (47,0%)
10 (8,8%)
40 (35,4%)
10 (8,8%)
--------
119 (47,2%)
62 (24,6%)
64 (25,4%)
05 (2,0%)
2 (0,8%)
113 (100%)
--------
-------252 (100%)
LOCAL SUBSTITUTO
Sala de Aula
Pátio da Escola
Ñ respondeu
----------------------
-------252 (100%)
--------
HIGIENE DA COZINHA
Muito Limpa
Limpa
Nem sempre Limpa
Suja
Ñ respondeu
59 (52,2%)
50 (44,2%)
4 (3,6%)
---------------
50 (19,8%)
186 (73,8%)
08 (3,2%)
4 (1,6%)
4 (1,6%)
Muito Atenciosa
Atenciosa
Pouco atenciosa
Grosseira
Ñ Respondeu
PROFESSORES
MERENDAM
EXISTÊNCIA DE
REFEITÓRIO
SIM
NÃO
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Como é possível perceber, há alguma discrepância em alguns indicadores,
quando confrontadas as duas escolas, se considerarmos a percepção dos
estudantes: isso se explicita quanto ao modo de tratamento das merendeiras, quanto
à atenção da direção e à participação dos professores no ato de se alimentarem,
bem como quanto à higiene. No que diz respeito ao espaço apropriado para a
alimentação, a discrepância já estava clara desde que observei o espaço físico das
duas escolas.
Conforme já fora dito anteriormente, além dos questionários, foram feitas
entrevistas com pais de estudantes das duas escolas e, para a realização de ambos,
– questionários e entrevistas - contei com uma ocasião privilegiada: refiro-me aqui à
eleição para gestores nas escolas públicas da capital alagoana no corrente ano,
quando apliquei os questionários e, concomitantemente, fiz também as entrevistas.
É óbvio que seria impossível realizar as entrevistas e fazer a aplicação dos
questionários em duas escolas simultaneamente, no percentual proposto, se não
tivesse eu contado com essa coincidência. Mesmo assim, para realizar tal feito,
contei com a colaboração de cinco estudantes do Curso de Administração Pública
da UNEAL, por entender que, se não utilizasse esse artifício, jamais cumpriria aquilo
a que me propus na metodologia.
A aplicação concomitante desses dois instrumentos me fez perceber quão
grave é a situação dessas famílias no tocante à sua condição socioeconômica. Para
realçar o que foi dito pelos estudantes, via questionários, temos o que segue, desta
feita, afirmado pelos pais:
GRÁFICO 21- PARTICIPAÇÃO DOS PAIS EM PROGRAMAS SOCIAIS - ESCOLA LAURITA
RODRIGUES
FONTE: Trabalho de campo (2008
GRÁFICO 22- PARTICIPAÇÃO DOS PAIS EM PROGRAMAS SOCIAIS - ESCOLA CREUSA
MARINHO
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Se considerarmos apenas o confronto dos indicadores dos dois gráficos
acima, poderíamos concluir que a Escola Creusa Marinho, embora situada na
periferia, teria um situação levemente melhor do que a Escola Laurita Rodrigues, já
que aquela tem um percentual bem menor de famílias que participam dos programas
sociais do governo. Os dados da segurança alimentar, porém, vão apontar para uma
outra direção, como veremos mais adiante.
De qualquer modo, pelos dados acima, mais uma vez observamos a situação
de pobreza das famílias dos estudantes pesquisados. Uma vez que cerca de 80%
deles são atendidos por algum tipo de programa social, cabe aqui afirmar que,
segundo a classificação do CPS/FGV, estes pertencem à classe “E”, pois se
enquadram nesta categoria todos aqueles que percebem renda mensal de zero até
R$ 768,0054.
Para
perceber melhor a situação de renda das famílias das escolas
pesquisadas, podemos ver, no gráfico a seguir, os dados que foram fruto das
entrevistas feitas com os pais:
54
Por sua vez, as famílias de classe D seriam aquelas com rendimento entre R$ 769,00 até
R$1.064,00. Já a classe média abarcaria renda mensal entre R$ 1.065,00 e R$ 4.591,00.
GRÁFICO Nº 23 - RENDA MENSAL MÉDIA AUTO-REFERIDA PELOS PAIS
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
No gráfico acima temos um perfil que não contradiz o que é apresentado a
partir da consolidação dos dados do IBGE (cf. CARVALHO, 2007), revelando a
situação precária em que vivem os estudantes das duas escolas.
Assim, os pais dos estudantes das duas escolas pesquisadas têm mais de um
filho na escola, suas famílias são numerosas, e muitos estão desempregados. A
ocupação principal é no mercado informal. Pouquíssimos têm carteira assinada (que
são os funcionários públicos, motoristas profissionais e os comerciários). As mães
são donas-de-casa, na sua maioria. Sobrevivem às custas do companheiro ou do
Programa bolsa-família.
Muitos pais e mães aventuram-se no mercado da informalidade, nas mais
variadas ocupações, e recebem por este tipo de trabalho, ganhos irrisórios,
conforme mostrado no gráfico acima. As variadas ocupações podem ser assim
representadas: pintor, pedreiro, jardineiro, servente de pedreiro, auxiliar de
cabeleireira, faxineira, zelador, diarista, lanterneiro, vigilante, segurança, e operador
de máquina.
Quanto à escolaridade, a maioria é analfabeta e/ou apenas alfabetizada.
Ninguém tem curso superior. De todos os entrevistados, apenas uma mãe está na
Universidade, fazendo o curso de História.
Uma outra constatação dentre os pais da Escola Creusa Marinho que
responderam ao questionário e à entrevista, é que alguns deles são também
estudantes na mesma escola. Ainda segundo dados dos relatórios de auto-avaliação
(PDE- Escola Creusa Marinho),
muitos pais são dependentes de algum tipo de droga (tanto lícitas,
quanto ilícitas), vivem numa situação de carência geral: fome,
desnutrição, desemprego, lares desestruturados. A delinqüência
nessa comunidade é comum e a convivência diária com o crime
(furtos, roubos, assassinatos) banaliza a violência e a marginalidade
(2008).
Em relação à oferta da alimentação na escola, 100% dos pais acham que o
governo tem obrigação de fazê-la, embora apenas um pai assim tenha respondido:
(...) se o governo fornecesse e desse mais condições de trabalho
seguindo as leis, os pais não seriam obrigados a viver como vivem e
os filhos não teriam que deixar de se alimentar em casa para se
alimentarem nas escolas, expostos à sorte quando for fornecida a
merenda.
A assertiva desse pai apenas ratifica a importância dessa política. E, quando
responderam sobre a importância da merenda na escola, a resposta foi unânime:
“fundamental”.
Uma mãe assim respondeu:
a escola dos meus filhos é uma maravilha. Todo dia tem merenda. A
outra que eles estudavam era péssima: quase sempre tinha um
motivo para não ter merenda. Um dia era água que faltava, noutro
era a merendeira que adoecia, noutro dia o gás acabou. Assim, só
tinha merenda em um ou dois dias por semana, um horror.
As afirmações acerca da importância da merenda prosseguem:
“tornou-se importante, pois às vezes, não há comida em casa ou reduz as
despesas”, disse uma mãe.
Outra mãe afirmou:
“acho que a merenda foi muito importante, quando todos da casa não
trabalhavam - o que aconteceu há um ano.”
Outra disse que “é muito importante, pois há crianças que não têm o que
comer. Até desmaios já tive nessa escola.”
Outra informou ser “muito importante, pois às vezes não tendo dinheiro para
dar às crianças para que elas se alimentem, então a merenda sacia”.
A afirmação dos pais e mães sobre a importância da merenda e a
obrigatoriedade por parte do governo de ofertá-la de forma regular e suficiente, pode
ser mais amplamente percebida se considerarmos os gráficos a seguir sobre a
segurança alimentar das famílias dos nossos estudantes. Esses dados resultaram
da aplicação do questionário de segurança alimentar validado por pesquisadores
brasileiros para avaliação em área urbana (Escala Brasileira de Insegurança
Alimentar – EBIA), embasado em um instrumento utilizado pelo United States
Department of Agriculture (USDA) que, por sua vez, tem como principal referência, a
escala proposta por Radimer et al. e que vem sendo aplicado em Alagoas por
Albuquerque et al. (2008) em pesquisa realizada nas Favelas Muvuca, Sururu de
Capote, Torre e Mundaú, na Orla Lagunar de Maceió. Segundo esta pesquisadora,
trata-se de uma metodologia que “foi utilizada na PNAD 2004 (escala adaptada,
conforme o proposto por MARÍN-LEON et al., 2005)”, informando que “a discussão
detalhada do método, inclusive na questão da validação, pode ser encontrada no
IBGE (2004)”.
Segundo Tatiana Fávaro, Dulce Lopes Barboza Ribas, José Roberto
Zorzatto, Ana Maria Segall Corrêa e Giseli Panigassi (2007)55, ao se referirem ao
instrumento de aferição da segurança alimentar aqui utilizado, composto por quinze
perguntas56, os dados
permitem a avaliação da segurança alimentar intrafamiliar por meio
da percepção do entrevistado. As questões incluem a preocupação e
ansiedade da família em relação à obtenção dos alimentos,
perpassando o comprometimento da qualidade e quantidade da dieta
de adultos e crianças, alcançando situações mais graves, com
restrições quantitativas de alimentos para todos os membros da
família.
De acordo com a metodologia utilizada no questionário acima referido, que
admite a cada uma das 15 perguntas apenas a resposta SIM ou NÃO (ver anexo
número 2), o nível de segurança alimentar varia e é classificado de acordo com o
número de respostas afirmativas, atendendo-se à seguinte escala:
55
http://www.cielo.br/cielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000500005&tlng.
em 23 de julho de 2008)
56
Ver cópia do instrumento nos anexos desta dissertação.
(acessado
TABELA 21 – ESCALA DE AFERIÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR
CATEGORIAS
SEGURANÇA ALIMENTAR
PONTUAÇÃO
0 respostas afirmativas
INSEGURANÇA ALIMENTAR LEVE
1 a 5 respostas afirmativas
INSEGURANÇA ALIMENTAR MODERADA
6 a 10 respostas afirmativas
INSEGURANÇA ALIMENTAR GRAVE
11 a 15 respostas afirmativas
FONTE: Albuquerque (2005)
Feito o levantamento com os pais dos estudantes das duas escolas
pesquisadas, segundo o questionário referido, numa amostra que, como já
dissemos, cobriu 30% do universo estudado, obtive os seguintes resultados de
segurança alimentar:
GRÁFICO Nº 24- SEGURANÇA ALIMENTAR NA ESCOLA LAURITA RODRIGUES
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
GRÁFICO Nº 25 - SEGURANÇA ALIMENTAR NA ESCOLA CREUSA MARINHO
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (2008)
Quando comparados os dados da tabela nº13, que trata do acesso dos
estudantes à alimentação escolar com os gráficos acima, que mostram, de alguma
forma, que quase 98% das famílias das duas escolas padecem de insegurança
alimentar – seja grave, leve ou moderada -, dá para se perceber, de saída e
claramente, o que representa a alimentação escolar para a garantia do direito
público subjetivo de cada estudante à educação escolar que é oferecida pelo
Estado.
Se, frente aos dados em consideração, aprofundarmo-nos no que prescreve a
legislação sobre a alimentação escolar, deparar-nos-emos com o enorme abismo
entre o legal e o real, já que estudantes com tal perfil de insegurança alimentar
jamais poderão freqüentar adequadamente a escola – até simplesmente sobreviver,
eu diria – com uma alimentação que falta em casa e que na escola representa
apenas um complemento das calorias necessárias a uma vida saudável.
Ora, a obrigatoriedade da alimentação escolar prevê, por lei, como já vimos,
um percentual mínimo de 15% das necessidades nutricionais diárias para as
crianças e jovens adolescentes que vivem em SAN (segurança alimentar e
nutricional). Mas o quadro real demonstra que, além de 54,2% dos estudantes da
Escola Laurita Rodrigues e 44,6% da Escola Creusa Marinho serem simplesmente
excluídos da alimentação escolar, a enorme distorção não pára aí. Se mais de 90%
das famílias vivem em IAN, conseqüentemente seus filhos também. Isso significa
que os que têm acesso à merenda vivem em IAN, assim como os que não têm
acesso. O percentual estipulado legalmente torna-se irrisório. E o que dizer daquelas
que vivem em IAN e são excluídas na e da escola?
Diante do quadro acima esboçado, quando interrogados sobre se sabiam
quem é responsável pelos recursos para comprar a merenda, 46% dos estudantes
das duas escolas responderam que era de competência do Governo Estadual e
apenas 9,7% dos estudantes da Escola Laurita Rodrigues acharam que é do
Governo Federal, índice este que se eleva para 19% na escola Creusa Marinho.
Tendo em vista o papel-chave da alimentação escolar para a escolarização
com sucesso dos estudantes das duas escolas pesquisadas, tem importância a
concepção dos pais sobre essa política pública. Perguntados sobre o tema, assim se
posicionaram:
TABELA Nº 22 - CONCEPÇÃO DOS PAIS ACERCA DA MERENDA
SUPERVISÃO DA
QUALIDADE DA
MERENDA
SIM
NÃO
ESCOLA
LAURITA
RODRIGUES
N = 113
09 (11,5%)
69 (88,5%)
ESCOLA
CREUSA
SIGNIFICÂNCIA
MARINHO
ESTATÍSTICA
N = 252
41 (24%)
X²=4,8
130 (76%)
P=0,028
CONHECIMENTOSOBRE
EXISTÊNCIA DO CAE
SIM
NÃO
33(42,3%)
45 (57,7%)
69 (40,3%)
102 (59,7%)
X²=0,004
P=0,94
CONHECIMENTO DE
IRREGULARIDADES NA
MERENDA ESCOLAR
SIM
NÃO
09 (11,5%)
69 (88,5%)
38 (22,2%)
133 (77,8%)
X²=3,67
P=0,04
POSICIONAMENTO EM
CASOS DE
IRREGULARIDADES NA
MERENDA ESCOLAR
SIM
NÃO
NÃO RESPONDEU
01 (1,3%)
08 (10,2%)
69 (88,5%)
15 (8,8%)
23 (13,4%)
133 (77,8%)
X²=6,11
P=0,04
01 (1,3%)
08 (10,2%)
69 (88,5%)
05 (2,9%)
33 (19,3%)
133 (77,8%)
ÊXITO NAS
PROVIDÊNCIAS
SIM
NÃO
NÃO RESPONDEU
CONHECIMENTO
DO ESTADO COMO
PROVEDOR DA
MERENDA
SIM
78 (100%)
NÃO
.......
Fonte: PESQUISA DE CAMPO (200º
170 (99,4%)
1 (0,6%)
Os pais dos Estudantes das duas escolas, quando perguntados acerca da
obrigatoriedade da oferta da alimentação escolar pelo governo e também sobre a
importância desta na Escola, foram unânimes em reconhecer a quem cabia a
obrigação de provedor e sua vital importância, mas, interrogados se verificavam a
qualidade da alimentação da escola onde seus filhos estudam, 88,5% dos pais da
Escola Laurita Rodrigues dizem não verificar e 76% dos pais da Escola Creusa
Marinho também não o fazem.
Embora um pequeno número de pais das duas escolas tenha dito já ter
ouvido falar de irregularidades acerca da alimentação escolar (Escola Laurita
Rodrigues = 11,5% e Escola Creusa Marinho = 22%), dentre eles apenas uma
família da Escola Laurita Rodrigues e quinze da Escola Creusa Marinho disseram ter
tomado providências, com apenas cinco famílias tendo obtido resultados.
Na verdade, o pequeno número dos que tiveram conhecimento de
irregularidades resulta do fato de que mais da metade das famílias respondentes,
(cerca de 59%) não conhece o CAE, enquanto menos da metade acompanha a sua
qualidade (LAURITA RODRIGUES = 11,5% e CREUSA MARINHO = 24).
A quase unanimidade do conhecimento de que é o Estado o responsável pelo
provimento da alimentação escolar, por parte dos pais dos estudantes das duas
escolas, parece não ser suficiente para que ela venha a ser alocada e ministrada em
quantidade e qualidade nutricional suficiente para dar conta das carências que
detectamos. Afinal, sendo um direito para cujo atendimento pleno há que se ter uma
modificação da legislação, de modo a se destinarem recursos financeiros num
montante adequado, frente às prioridades políticas dos gestores maiores, há que se
ter, além de ciência, mobilização ditada pela consciência política que não decorre
espontaneamente do conhecimento do direito, mas, como já vimos, de vivência
cidadã. E, nesse particular, o alto nível de desconhecimento do CAE, juntamente
com a ausência de participação dos pais do Conselho Escolar, tornam o poder de
pressão para ampliação do direito a uma alimentação em quantidade suficiente para
o enfrentamento da insegurança alimentar da maioria dos estudantes difícil, quando
não totalmente impossível.
Penso que, a essa altura, poderia considerar o meu estudo concluído, se
tivesse apenas como escopo, a comprovação de que a alimentação escolar é um
direito humano fundamental dos estudantes das duas escolas públicas, já que é
condição sine qua non para seu acesso, com sucesso, à escolarização que é
definida pela CF como direito público subjetivo.
Como, porém, essa pesquisa, que nasceu de uma preocupação com a gestão
da alimentação escolar, vem se propondo, desde o início, como já dito, a construir
novas formas para o estudo da prática de gestão da educação e da escola,
perseguindo, na pesquisa de campo, caminhos que resguardem a cultura da escola
e fomentem o eventual desenvolvimento de condições políticas, econômicas e
pedagógicas capazes de promover níveis mais elevados de qualidade social e
eqüidade na escola e na sociedade em que ela se encontra inserida – segundo
consta da introdução – cumpre-me, ainda, ter em conta os demais atores que fazem
as escolas estudadas – aqui considerados não somente os gestores propriamente
ditos, mas também docentes e responsáveis pela preparação e distribuição da
alimentação escolar. Afinal, junto com a constatação da realidade e da existência e
natureza do direito inalienável de todos os estudantes à alimentação escolar,
interessa-me igualmente analisar as condições de possibilidades de realização e
garantia plena desses direitos, entendida aqui, como “garantia plena”, a oferta, em
qualidade e quantidade, da alimentação de que os grupos estudados carecem para
ter garantido o seu direito de acesso, com sucesso, pelo menos à escolaridade
legalmente definida como dever do Estado.
Nesse sentido, começando pelos professores das Escolas pesquisadas,
encontrei uma maioria (+ de 50%) com até 15 anos de docência, que coincide com o
período de professor na mesma escola. Destes, apenas 3,5% não são do quadro
efetivo, constituindo a categoria de professor monitor.
Quanto à formação inicial, apenas três docentes não têm Licenciatura,
possuindo apenas o curso de magistério, e outros três estão cursando Pedagogia, o
que caracteriza uma formação de alta qualidade para o nível de escolaridade em
que atuam, frente ao perfil de formação média dos professores que lecionam em
Alagoas, segundo os repetidos censos do INEP.
Dentre os professores entrevistados, oito são professores-atividade (lecionam
do 2º ao 5º ano), enquanto os demais vinte lecionam as mais variadas disciplinas, do
6º ao 9º ano, tais como Ensino Religioso, Filosofia, Sociologia, História, Geografia,
Língua Portuguesa, Inglês e Espanhol, além de Matemática, Ciências, Educação
Física e Artes. Pode-se afirmar que são professores ainda jovens, pois apenas seis
têm mais de 20 anos de docência.
Conforme já dito pelos estudantes, os professores não costumam ir ao
refeitório ou ao pátio acompanhar a distribuição da alimentação escolar, ainda que,
segundo minhas observações, tenha sido possível constatar a presença de ¼ deles
no refeitório ou no espaço onde as merendeiras preparam a alimentação. Lá, eles
sentam-se à mesa, e servem-se fartamente no intervalo de lanche dos estudantes.
Perguntei a uma professora de Ciências que estava à mesa saboreando a
merenda, o que ela achava da descentralização/escolarização da merenda57, se ela
havia percebido alguma mudança nos últimos anos, e obtive a seguinte resposta:
“Não...não percebi nada. Descentralização... escolarização... o que é isso mesmo?”
E ainda confessou que nunca conversou nada sobre merenda na sala de aula,
“apesar de ensinar Ciências”, disse sorrindo.
No entanto, um outro professor (de Física e Matemática), que também estava
à mesa comendo, disse que estava na Rede Estadual desde 2001, que não sabia
dizer muita coisa sobre a merenda, mas que podia afirmar com certeza que a
compra feita pela SEE dava margem a muita coisa, inclusive a desvios. Disse ainda
saber que hoje a Secretaria (o Governo) é quem manda os recursos para a escola e
que é a “gestão democrática” quem faz a aquisição.
Todos os docentes concordam que o processo de descentralização dos
recursos para a escola foi muito importante, foi válido, correto, ótimo, que melhorou
o processo de aquisição e ainda valorizou a identidade da comunidade escolar.
Assim uma professora respondeu: que tinha sido “importante, pois a escola tem a
opção de comprar produtos de qualidade”. Outra afirmou “que foi muito bom, pois só
assim os alunos podem ter alimentação de qualidade”. Uma outra professora disse
que foi “excelente, pois melhorou a qualidade da merenda” e que. “evita o
desperdício e a falta de merenda, pois é importante para agilizar a compra e
utilização dos alimentos”. “Torna a merenda variada e talvez mais prazerosa para
eles. A escola tem a certeza de ter a merenda em dia”, afirmou outra professora
entrevistada. “Importante no processo democrático da escola”, disse ela. “Foi ótimo,
pois possibilita que os produtos sejam adquiridos na comunidade e ainda é passível
de fiscalização do conselho escolar.”, continuou. “É válida, uma vez que cada escola
terá a responsabilidade de controlar a verba destinada para tal fim”.
Quando perguntei se eles achavam a merenda importante na escola, todos,
sem nenhuma exceção, afirmaram ser ela de vital importância, pois o contexto social
no qual eles estão inseridos transforma-a num mecanismo que favorece a
freqüência, a aprendizagem, e minimiza a fome.
Prosseguindo no tema “importância da merenda para os estudantes”, um
professor disse que “muitas crianças têm a merenda escolar como única fonte de
refeição saudável. Como também é uma forma de incentivar a freqüência escolar.”
57
Nas entrevistas dei preferência ao termo “merenda” por entender que, sendo a alimentação escolar
mais conhecida por aquela denominação, o seu uso facilitaria a comunicação com os entrevistados.
Outro professor assim disse: “Muitas crianças só vão para a escola por causa da
merenda, pois elas não têm o que comer e isso seria um motivo para elas estarem
na escola”.
Um outro professor me respondeu com uma pergunta: “você acha que o aluno
tem condições de assimilar o conteúdo com fome? Boa parte dos alunos tem na
merenda sua primeira refeição, senão a única, não é, professora?” Outro afirmou
que com “alunos bem alimentados, sua aprendizagem é maior”.
Embora os professores falem que a merenda favorece a freqüência à escola e
a aprendizagem, 96% deles se referem exclusivamente à condição social do aluno,
à fome, à miséria. Assim se expressou um deles:
muitos alunos da nossa escola são carentes, por isso, à vezes, essa
é a única refeição do dia. Na verdade a merenda deveria ser tanto
para os alunos como professores, esse é um dos problemas
causados em todas ou maioria das escolas aumentando a distância
entre professor e aluno.
Outro professor disse:
Como no nosso país a maioria da população tem renda baixa e
outros sobrevivem da bolsa família, a merenda serve para melhorar a
qualidade da alimentação dos nossos alunos.
Prosseguindo na constatação das carências, os professores assim se
pronunciaram sobre a importância da alimentação escolar: “a sua importância bem
representa a miséria do povo alagoano, inclusive dos nossos alunos” ou “a fome é
uma problemática em todo nosso Estado, inclusive na periferia da capital, origem
dos nossos alunos” ou ainda “muitas crianças vêm para a escola sem se alimentar,
para eles é uma certeza de ter uma alimentação em um horário do dia”.
Como é possível perceber, se entre os professores é flagrante a consciência
da miséria e da indispensabilidade da “merenda”, por outro lado é impossível
encontrar no seu discurso qualquer referência ao direito, seja à alimentação, seja às
condições de acesso à educação, dentre os quais se encontra a alimentação
escolar.
Quanto às merendeiras, funcionárias da Escola responsáveis pelo controle,
guarda e preparação dos alimentos para os estudantes, nas duas instituições
pesquisadas são todas do sexo feminino, em idade entre 30 e 50 anos. Têm renda
pessoal mensal entre R$ 400,00 e R$ 500,00. Com exceção de uma, todas tiveram
acesso ao serviço público via concurso. Quanto à escolaridade, três têm Ensino
Fundamental completo, cinco têm Ensino Médio e uma tem o Curso Superior de
Assistente Social. Esta é, inclusive, membro do conselho escolar e foi Presidente da
Comissão Eleitoral na Eleição para Gestor Escolar em agosto deste ano, na Escola
Creusa Marinho. Uma merendeira desta escola me disse muito satisfeita que fez o
Ensino Médio na Escola onde trabalha, e que estava se preparando para fazer
vestibular na Universidade Federal.
Todas as merendeiras afirmaram que já tinham feito formação específica
sobre merenda escolar promovida pela SEE mais de duas vezes. No momento da
pesquisa de campo, duas merendeiras da escola Laurita Rodrigues e duas da
Escola Creusa Marinho, estavam participando de um curso Técnico em Alimentação
Escolar. Era um Curso a Distância, funcionando dois sábados ao mês através de
módulos, por iniciativa do Governo Federal, havendo uma parceria com o Governo
Estadual que ofertava as passagens, o lanche e o espaço físico. O acesso ao curso
foi para quem tinha o Ensino Médio e funcionava no CEPA, tendo a seleção
considerado os mais antigos na função. Segundo informações, era a primeira versão
do curso, e que ele teria continuidade para contemplar os demais profissionais,
como parte do Programa Pró-Funcionário, dentro da política da SEE de Formação e
Valorização dos Profissionais da Educação.
As merendeiras das escolas pesquisadas não usavam uniformes, alegando
que eram quentes, mas seis delas disseram que o usariam desde que ele fosse
adequado ao ambiente, confeccionado num tecido que lhes permitisse trabalhar
tranqüilamente, sem se sentirem aprisionadas. A única a dizer que não usaria de
jeito nenhum o uniforme foi a Merendeira que tem curso Superior. Foi inflexível e
taxativa nesta questão.
Elas fazem diariamente a limpeza da cozinha e da despensa, inclusive
procedendo ao controle do estoque. Nunca se submeteram a nenhum exame
médico como orientação e/ou exigência da escola. Não usavam luvas nem toucas.
Disseram que as vezes que usaram toucas, elas é que compraram. As luvas foram
compradas pelas escolas. Cinco delas consideravam o espaço de trabalho
inadequado e a merenda insuficiente, pois sentiam que havia necessidade de
repetição pelos estudantes. Todas afirmaram ser injusta a não oferta aos estudantes
do Ensino Médio e que, apesar da escassez dos gêneros, sempre ofereciam a
merenda aos alunos desta etapa de ensino.
Quando perguntei se seguiam rigorosamente o cardápio elaborado pelos
nutricionistas da SEE, elas afirmaram que sim, mas eu presenciei o contrário.
Quando questionei, elas disseram que quando percebiam que alguma preparação
não agradava à maioria dos alunos, elas trocavam por alguma outra preparação da
Tabela de Substituição sugerida pelas nutricionistas da SEE.
Quando perguntei se achavam a merenda importante para os estudantes,
uma merendeira da Escola Creusa Marinho assim respondeu: “Há aqui duas
crianças que catam lixo. Você precisava vê-las quando chegaram aqui. Eram tristes,
isoladas, mal falavam. Agora já estão mais ativas... era fome”.
Outra afirmou um tanto quanto emocionada:
Tem alguns – vários - que quando chegam à escola vêm direto para
a cozinha saber do cardápio. Quando não têm aula, vêm para o pátio
e aguardam ansiosamente a hora do lanche. Há outros que têm
vergonha de lanchar. Mesmo a gente sabendo que têm mãe
desempregada e pai morto, e que vivem da boa vontade de algum
familiar.
As merendeiras da Escola Laurita Rodrigues disseram que a merenda é
importante “porque ajuda o desenvolvimento mental da criança”, enquanto uma
outra afirmou “que ajuda no aprendizado dos estudantes, motiva eles virem para a
escola, porque a comunidade é carente”.
Para todas elas é muitíssimo importante a alimentação escolar, como é
unânime que a escolarização só trouxe melhorias. Apesar de terem dito que já
participaram de mais de duas capacitações, duas delas disseram não saber o que é
o CAE e que este nunca esteve nas escolas pesquisadas.
Foi interessante o depoimento das merendeiras da Escola Laurita Rodrigues,
quando disseram que, as vezes em que modificaram o cardápio foi porque as
crianças preferem sempre algo mais substancial pela manhã, como feijão, arroz e
charque, mungunzá ou macarronada.
Pelo discurso das responsáveis pela preparação e distribuição da alimentação
escolar, em confronto com o que disseram os professores, parece paradoxal que
aquelas tenham mais consciência da importância da alimentação que fornecem para
o desenvolvimento saudável dos estudantes e para a sua melhor aprendizagem do
que os docentes. De qualquer modo, todos vêem com maior nitidez o clamor da
miséria – talvez porque esta esteja no seu quotidiano, ali bem próximo – e a
necessidade de atender concretamente às carências imediatas, pouco ligando para
a questão dos direitos e da gestão da alimentação escolar como bens a serem
cultivados de forma participativa, como condição de sua melhoria e de sua
salvaguarda. Se há uma unanimidade na compreensão de que a escolarização da
alimentação escolar foi um benefício, parece haver pouca clareza de que se trata de
um direito e que, como tal, deve ter sua melhoria – sobretudo em termos de
quantidade servida e universalização dos destinatários - reivindicada de forma
coletiva ou até mesmo individual.
Finalmente as diretoras: as da Escola Laurita Rodrigues têm idade entre 30 e
40 anos, e as da Escola Creusa Marinho entre 40 e 50. São todas do sexo feminino
e têm formação superior. Quatro delas têm o curso de Pedagogia e uma tem
Licenciatura em Biologia. Apenas uma entrou no Magistério Público por convite. Três
delas têm mais de 20 anos no magistério e duas têm entre 5-10 anos. Afirmam ter o
hábito de leitura, mas especificamente dedicada a jornais e textos/livros
relacionados à sua área profissional. Utilizam o computador para pesquisa,
correspondência e digitação. Participaram de formação continuada acerca da nova
política de gestão da alimentação escolar por mais de duas vezes, incluindo também
a gestão de recursos financeiros.
Todas foram eleitas pela comunidade escolar, um dos mecanismos utilizados
na rede pública estadual de Alagoas para o cumprimento do princípio da Gestão
Democrática legalmente estabelecida para o ensino público. Elas afirmaram que a
gestão democrática – entendendo-se como tal, sobretudo, a eleição direta de
dirigentes escolares e o funcionamento, em cada escola, do Conselho Escolar –
melhorou a gestão da Escola, mas que o conselho escolar precisa participar mais da
gestão da escola.
As diretoras da Escola Laurita Rodrigues fazem reunião bimestral com os pais
dos estudantes, conforme agenda afixada no pátio da Escola. Mantêm também um
cronograma da reunião do Conselho Escolar afixadas no pátio, assim como a
distribuição dos professores para o Recreio Dirigido. Elas fizeram um horário de
revezamento para atendimento aos três turnos. A Diretora Geral vem todas as
manhãs, três tardes e duas noites, ficando a cargo da Diretora-Adjunta todas as
tardes, duas manhãs e três noites. A Diretora Geral desta Escola é uma jovem
pedagoga que demonstra entusiasmo pela escola e sensibilidade com os alunos;
Fez um breve relato das dificuldades da escola, inclusive sobre os equipamentos da
cozinha, que estão velhos e enferrujados, como o fogão, e que não há manutenção
periódica dos equipamentos necessários à conservação e elaboração da
alimentação escolar. No entanto, do que a Diretora Geral mais reclamou foi o valor
per capita destinado à aquisição dos gêneros alimentícios. Mesmo assim, disse
poder garantir a merenda a todos. Disse ainda que o processo de gestão
descentralizada da merenda é trabalhoso, difícil, mas compensador e que jamais
optaria por voltar para o modelo anterior, centralizado na SEE. Registrou que houve
melhora no atendimento às crianças, tanto na qualidade da alimentação servida,
quanto na questão da freqüência. Segundo ela, desde que foi escolarizada, a
merenda nunca mais faltou na escola. A diretora disse também que os estudantes
avaliavam positivamente a merenda ofertada, e que chegaram até a sugerir a oferta
da preparação do que mais gostam, e que, por isso, não seguia rigorosamente o
cardápio. Referiu-se aos pais dos seus estudantes de forma cautelosa. Segundo ela,
eles deveriam participar mais das reuniões e da vida escolar dos seus filhos. Assim
afirmou:
Eu sei que eles [os pais] são pobres, que passam fome, que na sua
maioria estão desempregados e dependem do bolsa-família.
Preocupam-se muito com a própria sorte, mas o descaso com a vida
escolar dos seus filhos chama a atenção. Tenho feito muito esforço
para atraí-los até aqui. Às vezes, quando dá, distribuo pequenos
brindes.
Quanto à gestão de merenda, disse que o conselho escolar precisa participar
de todas as etapas do processo, e que sua maior dificuldade é a prestação de
contas, e que, se pudesse, mudaria a forma de se fazer a prestação de contas.
Afirmou que é ela mesma quem faz essa prestação de contas, auxiliada por um
funcionário da escola.
Apesar de ter afirmado a insuficiência do valor per capita, disse conseguir
garantir a alimentação escolar de qualidade e na quantidade prevista. Afirmou que
acompanhava diariamente a higiene no espaço onde era guardada e preparada a
alimentação escolar, deixando o controle de estoque a cargo de sua diretora
adjunta. Criticou a falta de atuação do CAE, que não ia à escola, portanto não
acompanhava o processo.
As diretoras disseram que acompanham as condições de saúde das
merendeiras, o que contradisse a afirmação destas, e que não vinham conseguido
se articular com a SEE para garantir os recursos (humanos, financeiros, infra
estrutura) necessários à exeqüibilidade da política de escolarização, o que configura
outra contradição frente ao que, sobretudo a Diretora Geral, afirmou repetidas vezes.
Assim resumiu a Diretora Geral da Escola Laurita Rodrigues a importância da
merenda na escola: “porque muitos alunos vêm para a escola sem alimentação,
prejudicando seu rendimento escolar; com a merenda, eles podem fazer a refeição
que não têm em casa”.
As três diretoras da Escola Creusa Marinho mantiveram uma rotina diária que
era assim organizada: a diretora-geral ia para a escola nos três turnos (excetuandose os momentos de reunião na CRE e na SEE), a outra adjunta no turno matutino e
vespertino, enquanto a 3ª, além de participar da direção, dava aulas de Ciências no
turno matutino, nas turmas de 7º, 8º e 9º ano.
A diretora geral é uma pedagoga com muitos anos no magistério, e nove anos
na direção da escola. Parece demonstrar uma competência ímpar na administração
da escola, sobretudo pelo respeito e deferência com que trata todos os estudantes,
aliás, toda a comunidade escolar. Na verdade, um fato que chamou a minha atenção
foi a sua interação com a comunidade da escola. Ela afirmou que os pais não iam
muito à escola espontaneamente, mas a comunidade na qual a escola está inserida
parece respeitá-la muito.
Assim ela descreveu a comunidade:
A comunidade nos protege. Nesses nove anos de direção, apenas
dois pequenos furtos, apesar do bairro pobre e violento. Foram
roubados uma bomba d’água e um ventilador. E o mais interessante
é que o cidadão que furtou o ventilador veio devolver e até me pediu
desculpas. Ele havia prestado pequenos serviços à escola e mora no
seu entorno. Fiquei agradecida pelo ato, comprei uma cesta básica e
mandei entregar à sua esposa que estava grávida e ele,
desempregado.
Conforme já dito anteriormente, na Escola Creusa Marinho são desenvolvidos
vários projetos e todos com uma intencionalidade muito clara: educar e incluir.
Diante desse contexto, a diretora, que conta com muitos pais estudantes, mantém
um diálogo com jovens e adultos. Afirma que a forma de aquisição da merenda é um
elemento dificultador, apesar de contar com membros do conselho escolar nessa
tarefa. A gestão da merenda, segundo ela, “dá muito trabalho, mas vale a pena todo
sacrifício”.
Conta a Diretora que o lançamento desse projeto pioneiro de escolarização
da merenda aconteceu na sua escola e que, desde o início, apaixonou-se pela nova
modalidade de gestão. Relata ainda que “apesar de ter feito cursos a perder de
vista, a prestação de contas da merenda, (assim como dos demais projetos) dá
muito trabalho, mas toda vez que está exausta e lembra a quem serve, se revigora”.
Assim ela expressa sua opinião:
Eu sei que essa escolarização deveria ter acontecido antes. Deus
nos livre de voltar ao que era antes, pois houve uma melhoria
considerável na qualidade da merenda e na freqüência. Agora temos
merenda nos 200 dias letivos.
Relata com entusiasmo que estudantes e pais aprovam essa nova
modalidade, mas ela não se conforma com a exclusão do Ensino Médio, por isso
resolveu desobedecer às orientações da SEE e do PNAE e oferta para quem quiser.
É só ir para a fila do pátio. Diz não ter coragem de retirar um adolescente da fila,
quando sabe com certeza da situação de miséria em que vive.
Diz, ainda, que vive às voltas com o per capita, preparações, cardápio,
juntamente com as merendeiras, e que, quando se atrapalha, pede socorro às
nutricionistas da SUGESE/SEE, que imediatamente atendem ao seu chamado.
Nesse sentido, ela considera o trabalho das nutricionistas indispensável. Faz uma
crítica severa ao valor per capita e diz que se o valor do ensino fundamental fosse
igual ao valor das comunidades indígenas e quilombolas, tudo seria diferente, pois
teria condições de alimentar um maior número de estudantes. Por isso mesmo, ela
afirma que “desobedece” ao calendário e que o motivo maior é o custo financeiro
dos gêneros e, conseqüentemente, das preparações estipuladas no cardápio pelas
nutricionistas.
Contou ainda que apesar de ter tido um período onde o “sumiço” de alguns
gêneros da despensa acontecia semanalmente, nunca deixou de responsabilizar as
merendeiras pela despensa e pelo controle do estoque, e que assim consegue
garantir o fornecimento diário da merenda.
As diretoras afirmam acompanhar diariamente a higiene do espaço reservado
à preparação dos alimentos, e que acompanham as condições de saúde das
merendeiras, embora estas o neguem, como fizeram as da outra escola. Afirmam
ainda ter uma excelente relação com a SEE/CRE, ao se articular com todos para
suprir as necessidades da escola. No entanto, a escola ainda não tem refeitório, o
que sugere uma contradição, ou então, um baixo nível de exigência quanto às
condições de oferta da alimentação. A Diretora Geral elogia a regularidade dos
recursos destinados à aquisição dos gêneros alimentícios e se diz satisfeita com a
fiscalização do CAE. No entanto, pais e merendeiras negam essa presença na
escola.
O entusiasmo da Diretora-Geral pelo programa de escolarização da
alimentação escolar é visível, e assim ela sintetiza a sua importância:
Foi uma iniciativa fundamental para esta escola. Para mim, funciona
com um atrativo a mais. É um complemento necessário por conta da
situação deles (estudantes) que vivem passando fome, na miséria.
Se a escola não tivesse merenda, muitos nem viriam estudar. A
merenda traz mais ânimo para eles. Ela ajuda a não comprometer a
aprendizagem, contribuindo para um melhor desempenho.
Do discurso das Diretoras das duas escolas, em confronto com a observação
participante que consegui empreender, é possível afirmar que há uma certa
homogeneidade nas concepções dos docentes, merendeiras e gestores sobre a
alimentação escolar: penso ser possível afirmar que, se de um lado há uma grande
sensibilidade para o que significa a “merenda” para os estudantes, por outro lado
tudo parece estar ancorado no sentimento de piedade pela carência, ficando oculta
qualquer percepção de que a alimentação escolar, porque é um direito humano
inegável, frente às condições de vida dos estudantes, é uma política pública que
precisa ser monitorada, avaliada e reivindicada coletivamente num nível satisfatório,
seja em quantidade, seja em qualidade, seja, sobretudo, em relação aos recursos
financeiros para sua aquisição e às condições de amplitude em que é servida.
Pelos dados apurados e acima analisados parece ser possível concluir pela
importância do Programa de Escolarização da Alimentação Escolar enquanto
política de democratização, uma vez que permitiu o atendimento direto, regular e,
dentro das condições dadas, adequado, de milhares de estudantes alagoanos
marginalizados. Quando centralizada na Secretaria de Estado da Educação, essa
ação do poder público padecia de fluxo irregular, de inadequação do cardápio e dos
desvios que já tivemos oportunidade de assinalar, dentre outras mazelas
sobejamente veiculadas pela mídia local e nacional. Penso ser possível concluir,
igualmente, que seu aperfeiçoamento, sobretudo em termos de financiamento e
alcance, somente será possível se, tanto seus beneficiários, quanto os demais
integrantes das comunidades escolares pesquisadas tiverem clareza de que a
alimentação escolar é um direito fundamental que se funde ao direito à educação
pública e gratuita de qualidade para todos. Somente quando as escolas enxergarem
os estudantes como titulares desses direitos que se entrelaçam e se confundem é
que se poderá afirmar que ali há gestão democrática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, que foi realizada em duas Escolas Públicas da Rede Estadual
na capital alagoana, situadas na cidade de Maceió, visava, no seu projeto inicial,
investigar a Gestão da Alimentação Escolar na rede pública estadual de ensino,
após a implementação de sua escolarização e, conseqüentemente, as injunções de
natureza política dessa ação pública estatal – no sentido da definição de uma ação
inerente aos direitos de crianças, jovens e adolescentes, com vistas ao cumprimento
da determinação constitucional de os Poderes Públicos lhes assegurarem o direito
público subjetivo à escolarização plena no Ensino Fundamental que, depois da
transformação do FUNDEF em FUNDEB, avança, na prática, até o Ensino Médio. O
projeto inicial já contemplava questões inextricáveis no contexto da problemática a
ser pesquisada, tais como o controle social da gestão dessas políticas públicas e a
participação política como mecanismos basilares para uma gestão democrática.
No inevitável aprofundamento da pesquisa, sobretudo após leituras e um
diálogo mais detido com investigadores sobre políticas de alimentação e direitos
humanos, dois outros elementos foram se delineando de forma tão intrínseca ao
contexto escolar que seria impossível menosprezá-los ou permitir que eles
passassem despercebidos ou ao largo deste estudo. Estou me referindo
especificamente à concepção do direito humano inalienável à alimentação como um
dos instrumentos determinantes para fazer fruir do direito humano à educação
escolarizada nos níveis estabelecidos pela CF, bem como a necessidade de os
titulares dos direitos, bem como os que se encontram envolvidos na concretização
da referida política terem, tanto clareza desses direitos, como disposição de por eles
lutar.
Percebi, durante toda a pesquisa por mim empreendida, aquilo que, desde
meus tempos de professora, e depois de gestora, eu já desconfiava: a importância
da alimentação escolar para os titulares do direito à escolarização naquelas escolas
pesquisadas, não somente como uma política pública ali implantada, mas, também,
e, sobretudo, porque esta representa uma forma de acesso direto à alimentação e,
conseqüentemente, à garantia do direito à educação escolar, pois a ausência da
alimentação na família e/ou na escola gera/provoca, entre outros fatores, a exclusão
do direito à educação daqueles que já são excluídos do direito fundamental de se
alimentar adequadamente.
Posso agora afirmar, de modo seguro, sobretudo depois de comprovar o nível
de (in)segurança alimentar das famílias dos estudantes das duas escolas
pesquisadas, em confronto com os indicadores educacionais divulgados pelo INEP –
e, aqui me refiro não apenas ao que diz respeito aos que estão nas duas escolas,
mas, também, aos que nelas não têm conseguido entrar – que a alimentação
escolar é um elemento significativo no processo de acesso e permanência com
sucesso na escola dos estudantes das duas comunidades pesquisadas. Afinal,
somente o acesso, com trajetória completa e domínio do saber letrado, podem
caracterizar a garantia do direito público subjetivo à educação de que fala a CF.
Ora, se as famílias dos estudantes das escolas pesquisadas estão em
insegurança alimentar, conforme me foi possível mostrar, isso significa dizer que
sem a garantia do direito humano à alimentação adequada, torna-se inócua toda
discussão acerca da democratização do acesso à educação, via quase
universalização da matrícula líquida inicial a cada ano no Ensino Fundamental. E
aqui, embora podendo fazer esta afirmação de forma categórica apenas sobre os
meus dois casos, o que me impediria de ampliar os resultados e ao menos imaginar
que essa situação pode ser recorrente em todo o Estado de Alagoas?
Quando, no capítulo I, mostrei o perfil socioeconômico dos alagoanos,
pretendia fazer uma analogia com o recorte por mim delineado no tocante aos
estudantes das duas escolas. Por isso não foi uma surpresa o que a pesquisa
mostrou: que os usuários da escola pública alagoana são muito pobres – com uma
parcela significativa que pode até ser considerada como miserável, superando na
sua totalidade o perfil global do Estado – isso, sim, uma surpresa -, se
considerarmos que estas escolas pesquisadas encontram-se na capital alagoana
onde se concentra cerca de 60% do PIB alagoano e na qual se supunha serem os
seus habitantes em idade escolar, e suas respectivas famílias, possuidores de
melhores condições socioeconômicas.
No entanto, o que ficou demonstrado claramente, após a aplicação do
Questionário de Segurança Alimentar, é que temos um quadro bastante desolador,
preocupante e que clama por atenção específica por parte dos governantes, se
estes quiserem – como é seu dever - garantir o primeiro direito inalienável a todo e
qualquer ser humano, que é o de viver em segurança alimentar e, juntamente com
este, o direito ao saber letrado que é herança social e, por isso, direito de todos.
Penso que somente a partir daí ou juntamente com uma política de tal natureza é
que se pode começar a tratar de políticas especificamente pedagógicas, sejam no
campo da gestão, sejam no âmbito da relação mais específica de ensino e
aprendizagem.
Nessa direção, tendo em vista que estamos tratando de direitos inalienáveis e
de seus titulares, cabe, portanto, focar a importância que deve ser dada ao controle
social e à participação política dos titulares do direito, no caso aqui expresso,
estudantes e familiares, para que se faça cumprir o que é indivisível e ligado à
dignidade própria do ser humano, a saber: direito à educação, juntamente com
direito à vida com segurança alimentar.
Segundo enfocado neste estudo, o direito à alimentação adequada é, pois,
indispensável, tornando-se condição sine qua non para a realização de outros
direitos consagrados, não somente na Carta de 1948, que declara os Direitos
Humanos Fundamentais, como na CF de 1988, ou seja, o direito a uma vida digna,
que inclui, dentre outros, o direito à educação escolar. Na ausência desses direitos,
viola-se a Carta Magna e se admite a injustiça social, de tanto estar presente a
penúria em nosso cotidiano. Talvez, por isso, os gestores e docentes, bem como a
maioria das merendeiras, não consigam pensar para além da necessidade, jamais
encarando a carência alimentar e, mesmo a exclusão da escola, como resultado da
infração de direitos. Sendo assim, a adoção de políticas econômicas e sociais para a
efetivação desses direitos como resultado de uma luta não aparece no discurso da
esmagadora maioria dos investigados.
Dados da PNAD (2004) dão conta de que setenta e dois milhões de
brasileiros padecem de alguma restrição alimentar, o que me faz pensar no PNAE e
nos seus usuários. Como pode uma política complementar de alimentação escolar
dar conta de tantas carências, notadamente comprovadas, ao menos nas duas
escolas que pesquisei? E o que dizer das comunidades escolares que, segundo
mostrei, não se mobilizam para reivindicar esses direitos, quando vivem quase que
integralmente em IAN e têm uma política de alimentação escolar que é apenas
complementar e num nível muito baixo, se consideradas as carências reais?
Nos casos estudados, se, por um lado, as famílias dos usuários das escolas
estão convencidas de que é obrigação do governo a oferta da alimentação escolar,
por outro lado não conseguem, tal qual os trabalhadores das escolas, sequer
verbalizar que esse direito vislumbrado como resultado de uma noção vaga, quando
não atendido adequadamente precisa ser objeto de reivindicação coletiva ou mesmo
individual. Sentindo-se satisfeitos com o que parecem receber a título de dádiva,
acomodam-se, não praticando seu direito de cidadão para a exigibilidade de uma
política pública que lhe garantirá a efetivação do indispensável direito de todos à
escolarização e outros direitos.
No meu entender, mais grave ainda do que a postura inerte dos familiares dos
estudantes das escolas pesquisadas em relação aos direitos aqui tratados é a das
gestoras, dos docentes e das merendeiras dessas escolas. Digo isso com base em
Gramsci, já citado nesse trabalho, que afirma ser a escola o locus ideal e apropriado
para se compreender a verdadeira noção de direitos e deveres. Ora, se é no
contexto escolar em que essa concepção se forja ou se amplia e se aprofunda, não
percebi esta compreensão de nenhum dos diretores, professores ou merendeiras.
Em momento algum eu os ouvi falar e/ou verbalizar a palavra, que eu diria mágica –
ou seja, DIREITO, seja à alimentação, seja à educação escolar, e ambas, claro, de
qualidade.
Considerar essa postura dos trabalhadores como muito grave deve-se,
sobretudo, ao fato de que são eles que têm, na relação escolar, o maior nível de
escolarização e a responsabilidade, direta ou indireta, de lidar com alimentação e
merenda como políticas públicas e como direito de todos. O que observamos é que,
a par do reconhecimento da necessidade de uma alimentação em quantidade e
qualidade adequadas ao suprimento das carências por eles percebida e por mim
comprovada, o que é possível perceber, sobretudo de gestoras e merendeiras, é o
esforço por obrar o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes a que se refere o
Evangelho, quando o suprimento das necessidades deveria resultar de políticas
públicas referidas ao real, cuja concretização somente acontecerá, como nos ensina
a história das sociedades, por muita mobilização e reivindicação que trouxesse uma
adequação às comunidades escolares dos valores per capita para a aquisição da
alimentação escolar.
Aqui em Alagoas, as condições objetivas para essa mobilização e essa
reivindicação se efetivem, pelo menos nas Escolas da Rede Estadual, parece
estarem dadas, pois, além da descentralização dos recursos destinados à
alimentação escolar, a implementação das condições para a Gestão Democrática
consolidou, no seu âmbito, a escolha dos dirigentes das escolas e a implantação dos
conselhos escolares, espaço legítimo de discussão, fiscalização, acompanhamento,
controle e avaliação de toda e qualquer política pública a eles direcionada, sem
contar com as formações em torno da alimentação escolar. Daí por que, a princípio,
estranhei a ausência da palavra DIREITO em todos os discursos proferidos pelos
sujeitos da pesquisa. No decorrer da pesquisa, porém, concluí que, além das
condições estabelecidas para a discussão e aprofundamento da noção de direito,
para que se tenha mobilização há que se ter organização e vivência nas lutas
sociais, fatores ausentes na vida dos sujeitos dessa minha pesquisa, haja vista a
fragilidade da organização da sociedade civil em Alagoas.
De qualquer modo, o PNAE, frente aos estudos já existentes sobre a
realidade social brasileira e alagoana, tanto quanto frente à discussão dos direitos
humanos referidos à alimentação e, particularmente, à segurança alimentar, já
poderia começar a olhar a alimentação escolar – cujo nome, não por acaso, foi
trazido para substituir a antiga denominação de “merenda” - sob outra perspectiva, a
saber: a de que, se os seus usuários são pobres – quando não miseráveis - e que
passam fome em seus lares, a política de financiamento da alimentação escolar
precisaria resultar dessa releitura do real, estabelecendo-se, daí, um novo
ordenamento legal que redefinisse e, inclusive, regionalizasse – se escolarizasse, de
fato - a política de alimentação escolar, como foi feito no caso dos indígenas e
quilombolas, de modo a que se possa deixar de ver o que hoje se constata, ou seja,
uma total incongruência, ao menos nessa problemática, entre o Brasil Legal e o
Brasil Real.
De fato, como já assinalei, a legislação vigente do Programa de Alimentação
Escolar não vê o país real, esse que é retratado em minha pesquisa. Legalmente, a
norma dispõe sobre uma alimentação escolar para estudantes que supostamente se
alimentam bem em suas casas. A pesquisa mostrou o contrário. É grave essa
distorção porque aprofunda um problema social grave. Assim, precisa-se
inicialmente pensar numa política pública que, aumentando o volume de alocação de
recursos, dê conta do que provê a instância pública e do que, efetivamente, se tem
necessidade.
Penso caberem aqui duas reflexões necessárias e urgentes: a primeira é a de
que urge a necessária mobilização da sociedade e de toda comunidade escolar para
mudar a Lei ora vigente (PNAE); a segunda é a de que é passada a hora de se
pensar numa formação continuada para docentes, gestores, merendeiras e pais -
toda comunidade escolar - que trate dos DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS,
especificamente do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), como um
direito que precede a todos os outros, inclusive, e principalmente o da Educação
Escolar. Essa reflexão deve perpassar, inclusive, a própria compreensão do que
seja DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO no seu sentido pleno, que não se esgota
apenas no acesso de todos à escola, como não se cumpre quando se elegem os
gestores ou se escolhem e se instalam conselhos das mais diversas naturezas. Sem
o cumprimento do primeiro direito, o segundo fica seriamente comprometido,
conforme já assinalado. O primeiro traz a fruição do segundo. São direitos
indissociáveis. Isso, evidentemente, não significa que o conhecimento gere
espontaneamente a luta social por direitos; no entanto, sem aquele, parece
impossível a realização deste.
Cabe-me afirmar, aqui, por dever, frente à minha experiência e aos resultados
da pesquisa aqui apresentados, que a política de escolarização foi uma política
acertada, pois, ao menos no que diz respeito à oferta diária, a alimentação ficou
garantida de modo contínuo e sem interrupção na rede pública estadual, o que
infelizmente não acontece na maioria das redes municipais, onde a alimentação
escolar é ainda centralizada. Tivemos, igualmente, a adequação dos cardápios, ao
menos em termos culturais. Tivemos, portanto, uma política pública que, nos limites
do que tinha para prover, passou a fazê-lo de forma racional e justa. No entanto,
para que se garanta uma melhor efetividade que possa atender as necessidades
básicas dos usuários, é premente que se forme uma aliança entre escola e família
objetivando fazer valer os direitos dos escolares, inclusive com a reivindicação para
que o Poder Público Estadual complemente os valores para aquisição da
alimentação que atenda as carências detectadas, até que se consiga a mudança
legal no plano federal.
Por fim, considerando a pesquisa empreendida, parece ser possível afirmar
que a forma de gestão denominada de democrática, que foi implantada nas escolas
públicas estaduais desde 1999, não conseguiu, até agora, pelos seus limites
objetivos, pôr em prática seus princípios basilares, ao menos no que tange à
alimentação escolar. Refiro-me aos princípios da PARTICIPAÇÃO, do CONTROLE
SOCIAL e da AUTONOMIA, visto que, tanto gestores, quanto os demais integrantes
da comunidade escolar sequer verbalizam a noção de direito, quanto mais
empreenderem a luta necessária pela sua efetivação plena. Assim, não parece
demais reafirmar que os titulares desses direitos (estudantes e suas famílias) e seus
gestores (escola) precisam despertar para lutar de forma cidadã, sendo a
exigibilidade dos direitos aqui tratados a concretização dessa compreensão.
Prevalência dos limites ou avanço no campo das possibilidades?
Eis uma pergunta cuja solução se encontra no campo da política e cujo
desfecho pertence ao domínio da História...
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do PNAE. Brasília: Congresso Nacional, 1994.
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financeiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Brasília: Poder
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ANEXOS
ANEXO 1 – QUESTIONÁRIOS PARA OS ESTUDANTES
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS-UFAL
CENTRO DE EDUCAÇÃO-CEDU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA-PPGE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
APRESENTAÇÃO
Caro(a) estudante,
Eu, Laudirege Fernandes Lima, Professora, cursando mestrado em
Educação Brasileira no CENTRO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE ALAGOAS (UFAL), solicito a sua colaboração no sentido de responder este
questionário que tem como finalidade coletar dados para a pesquisa que estou
desenvolvendo, com o título de: “ESCOLARIZAÇÃO DA MERENDA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS ESTADUAIS DE ALAGOAS: UM DESAFIO À COMUNIDADE ESCOLAR
PARA O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DEMÓCRATICA”. Esta tem como
objetivo geral analisar o processo de gestão e a política de escolarização da
merenda nas escolas públicas estaduais de Alagoas.
Desta forma, a sua participação é de fundamental importância, pois sinalizará
respostas ao objetivo proposto acima. Para tanto, quero desde já agradecer a sua
valiosa contribuição, ao tempo em que garantimos que as informações aqui
repassadas terão sigilo absoluto da fonte.
Atenciosamente,
Laudirege Fernandes Lima
Circule a/s letra/s de cada questão que você escolher:
1) - Qual a sua idade?
a) 10-11 anos.
b) 12-13 anos.
c) 14-15 anos.
d) 15- 16 anos.
e) Mais de 16 anos.
2) - Em que série você estuda?
a) 4ª série
b) 5ª série
c) 6ª série
d) 7ª Série
e) 8ª Série
3) - Quantos irmãos você tem?
a) Nenhum.
b) Um.
c) Dois.
d) Três.
e) Quatro ou mais.
4) - Como você se considera?
a) Branco (a )
b) Negro ( a )
c) Pardo (a )
d) Mulato (a )
e) Indígena ou de origem indígena.
5) - Como você caracteriza a sua família?
a) muito pobre
b) pobre
c) remediada
d) de classe média
e) rica
6) - Quantas pessoas moram com você?
a) nenhuma
b) Uma ou duas
c) Três ou quatro
d) Cinco ou seis
e) Mais do que seis.
7) - A sua família participa de algum programa social?
a) PETI
b) BOLSA - ESCOLA
c) BOLSA - FAMÍLIA
d) PROGRAMA DO LEITE
e) APOSENTADORIA ( INSS )
8) - Quantos membros da sua família tem trabalho remunerado?
a) Nenhum.
b) 01 pessoa.
c) 02 pessoas.
d) 03 pessoas.
e) mais de 3 pessoas
9) - Somando todos os ganhos, qual a renda mensal (média) das pessoas que
moram na sua casa?
a)
b)
c)
d)
e)
Menos de 01 salário mínimo.
01 salário mínimo.
02 salários mínimos
03 salários mínimos
Mais de 03 salários mínimos.
10) - Qual a profissão do seu pai ? _______________________________
11) - Qual a profissão da sua mãe ? _______________________________
12) - Se seu pai estudou, ele:
a) Freqüentou uma escola quando criança
b) Aprendeu em casa com alguém da família
c) Estudou depois de grande
d) Estudou numa escola publica até concluir seus estudos
e) Estudou numa escola particular até concluir seus estudos
13) - Se sua mãe estudou, ela:
a) Freqüentou uma escola quando criança
b) Aprendeu em casa com alguém da família
c) Estudou depois de grande
d) Estudou numa escola publica até concluir seus estudos
e) Estudou numa escola particular até concluir seus estudos
14) - Que refeições você faz ao dia em casa? (você pode marcar mais que uma
opção)
a) Café da Manhã
b) Almoço
c) Jantar
d) Lanche
e) Nenhuma
15) - Há merenda na sua escola?
a) sim
b) não
c) às vezes
d) raramente
16) - Você percebeu alguma mudança no cardápio da merenda servido na sua
escola nos dois últimos anos?
a) sim
b) não
17) Se houve mudança no cardápio nos dois últimos anos, ela foi
(a) para melhor
(b) para pior
18) - A merenda é servida diariamente?
a) sim
b) não
19) - A merenda servida é suficiente para todos os estudantes?
a) sim
b) não
20) - O que você acha da merenda servida na sua escola?
a) péssima
b) ruim
c) regular
d) boa
e) ótima
21) - Se você costuma repetir a merenda, quantas vezes repete?
a) 1 vez
b) 2 vezes
c) mais de 2 vezes
22) - Em relação ao atendimento, a merendeira é:
a) muito atenciosa
b) atenciosa
c) pouco atenciosa
d) grosseira
23) - Os professores de sua escola merendam junto com vocês?
a) sim
b) não
24) – O (a) diretor (a) da sua escola acompanha a distribuição da merenda?
a) Nunca
b) raramente
c) às vezes
d) sempre
e) diariamente
25) - Há refeitório na sua escola?
a) sim
b) não
26) - Se não há refeitório na escola, você come sua merenda:
a) na sala de aula
b) no pátio da escola
27) - Você se alimenta melhor:
a) quando vem à escola
b) quando não está na escola
28) - Você considera a cozinha da sua escola:
a) muito limpa
b) limpa
c) nem sempre limpa
d) suja
29) - Que tipo de alimentação você prefere quando está na escola?
a) Merenda
b) Lanches da Cantina (pipoca, chiclete, coxinha, pastel, etc...)
30) - Que importância a merenda servida na sua escola tem para você?
a) nenhuma
b) muito pouca
c) mais ou menos
d) bastante
e) extrema
31) - Se não fosse servida a merenda escolar, como seria para você?
a) faria muita falta
b) faria falta
c) faria um pouco de falta
d) não faria falta alguma
32) - Quem você acha que é responsável pelos recursos para comprar a merenda
que chega à sua escola?
a) Governo Federal
b) Governo Estadual
c) Prefeitura
d) Não sei
33) - Quanto tempo você estuda nesta escola?
a) A menos de 1 ano
b) 1 ano
c) 2 anos
d) 3 anos
e) 4 anos
f) Mais de 4 anos
34) - Se você veio de outra escola, como você considerava a escola de onde você
veio?
a) Ruim
b) Regular
c) Boa
d) Ótima
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
QUESTÕES
SIM
Aconteceu alguma vez de a senhora ficar preocupada que a
comida de sua casa fosse acabar antes que chegasse a outra
cesta básica ou que alguém da casa tivesse dinheiro para comprar
comida?
Aconteceu de a comida de sua casa acabar antes do final do mês?
Aconteceu de a senhora ficar sem recursos para ter uma comida
boa em casa?
Aconteceu de a senhora ter que se arranjar com apenas alguns
alimentos para comer porque não tinha recursos?
Aconteceu de a senhora não poder dar às crianças uma comida
boa porque a cesta havia acabado e não havia dinheiro para
comprar?
Aconteceu de as crianças comerem menos comida porque não
tinha comida suficiente em casa?
Aconteceu de algum adulto da casa ou a senhora deixar de comer
(de manhã, no almoço ou no jantar) porque não tinha comida
suficiente em casa?
Aconteceu de a senhora comer menos do que devia porque tinha
pouca comida em casa?
Aconteceu de a senhora sentir fome e não ter nada para comer em
casa?
A senhora perdeu peso (emagreceu) porque ficou sem ter o que
comer em casa?
Aconteceu de a senhora ou algum adulto da cada ficar o dia inteiro
sem comer ou comer só uma vez no dia
porque não tinha comida em casa?
Aconteceu de a senhora ter que servir menos comida para as
crianças porque tinha pouca comida?
Aconteceu de as crianças deixarem de comer (de manhã, no
almoço ou no jantar) porque não tinha comida suficiente em casa?
Aconteceu de as crianças ficarem com fome e não comeram
porque não tinha comida em casa?
Aconteceu de as crianças ficarem o dia inteiro sem comer porque
não tinha comida em casa?
NÃO
ANEXO 3 – QUESTIONÁRIO - PERCEPÇÃO DOS PAIS SOBRE A
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Aconteceu alguma vez de a senhora ir à escola verificar pessoalmente a
qualidade da alimentação servida?
Aconteceu de alguma vez a senhora ouvir falar em alguma irregularidade
relacionada com a alimentação escolar servida na escola do seu/ua filho/a?
Se já ouviu falar ou se teve conhecimento, tomou alguma providência?
Se tomou providências, obteve resultado?
A senhora já ouviu falar do Conselho de Alimentação Escolar?
A senhora acha que o governo tem obrigação de fornecer a alimentação escolar?
A senhora participa de algum Programa Social do Governo, tipo “Bolsa Família”?
A senhora costuma matricular regularmente todos os seus filhos em idade
escolar?
A senhora costuma acompanhar a freqüência escolar dos seus filhos?
A senhora costuma atender aos convites da escola para participar de suas
atividades, tipo reuniões de pais, palestras, festividades, conselho escolar,
eleições?
O/a seu filho/a ou alguém que a senhora conhece já adoeceu depois de comer a
alimentação escolar?
ANEXO 4 – QUESTIONÁRIO ÀS MERENDEIRAS
Circule a/s alínea/s de cada questão que você escolher:
1)Qual sua idade?
a) Entre 20-25 anos
b) Entre 30-40 anos
c) Entre 40-50 anos
d) + de 50 anos
2)Seu Estado Civil é:
a) Solteira
b) Casada
c) Desquitada/divorciada/separada
d) Viúva
3)Até que série você estudou?
a) nunca fui à escola
b) Ensino Fundamental: de 1ª a 4ª série
c) Ensino fundamental: de 5ª a 8ª série
d) Ensino médio
e) Ensino superior
4)Você se Considera:
a) branca
b) negra
c) parda
d) mulata
e) indígena ou de origem indígena
5) Você recebeu formação específica para lidar com manuseio e preparo dos
alimentos?
a) Sim
b) Não
6) Em caso afirmativo, quantas vezes?
a) Apenas uma vez
b) Duas vezes
c) Mais de três vezes
7) Para você, FOME é:
a) Ausência de alimentação diária
b) Ausência de apenas uma das refeições
c) Alimentação insuficiente
d) Alimentação de má qualidade
8) Como você considera o seu espaço específico de trabalho na escola (cozinha,
refeitório, utensílios, etc.)?
a) Adequado
b) Muito adequado
c) Pouco adequado
d) Sem condições de trabalho
9) Existe manutenção periódica dos equipamentos existentes e necessários ao seu
trabalho diário na escola?
a) Sim
b) Não
c) Às vezes
d) Raramente
10) Você acha suficiente a quantidade de merenda servida diariamente ao
estudante?
a) Sim
b) Não
11) Acha necessário o aluno repetir a porção de merenda diária?
a) Sim
b) Não
12) Para você a merenda deveria ser oferecida aos estudantes
a) uma única vez durante a jornada escolar
b) mais de uma vez durante a jornada escolar
13) Acha justo o aluno do Ensino Médio não ter direito à merenda diária?
a) Sim
b) Não
14) Para você, com a escolarização a merenda:
a) Melhorou
b) Piorou
c) Ficou igual
ANEXO 5 – QUESTIONÁRIO ÀS DIRIGENTES DA ESCOLA
Circule a/s alínea/s de cada questão que você vier a escolher:
1-Qual a sua idade?
a) 20 – 30 anos
b) 30 – 40 anos
c) 40 – 50 anos
d) + de 50 anos
2-Como você se considera?
a)Branco (a)
b)Negro (a)
c)Pardo (a)
d)Mulato (a)
e)Indígena ou de origem Indígena
3-Se seu pai estudou, ele:
a)Fez até a 4ª série
b) Concluiu o Ensino Fundamental
c) Concluiu o Ensino Médio
d) Concluiu o Ensino Superior
4-A gestão democrática implica (pode assinalar + de uma alternativa ) :
a) maior responsabilidade
b) transparência das ações
c) participação de toda a Comunidade Escolar
d) descentralização das ações
e) prestação de Contas Constante à Comunidade Escolar
f)em Gestão Compartilhada
5-Dentre os espaços abaixo, enumere aquele que você considera de maior importância:
( ) – Instalações Administrativas
( ) - Salas de Aula
( ) - Espaço de Recreação
( ) - Espaço de Alimentação
( ) - Todos estão no mesmo nível.
6-Como você vê a participação do Conselho Escolar na Gestão da Merenda
descentralizada?
a)Não há necessidade de participação
b)Entram no momento de deliberar apenas sobre o ato de aquisição
c)Devem acompanhar a prestação de Contas
d)Devem avaliar apenas no final do processo
e)Precisam participar de todas as etapas do processo.
7-Como você vê o trabalho da nutricionista?
a)Necessário
b)Desnecessário
c)Indispensável
8-. Quanto ao desempenho das nutricionistas, você considera
a) Ineficiente
b) Regular
c) Bom
d) Indiferente
9-Como você vê a questão do professor se servir da merenda?
a) Normal
b) Forma de incentivar os alunos a comerem também
c) Ilegal
d) Imoral
e) Como um ato que dá credibilidade ao processo
10-Quanto à importância da Merenda, o que predomina na escola são os estudantes que:
a) Podem passar sem merenda
b) Independem de que ela seja ofertada ou não
c) Têm na merenda um elemento importante para sua aprendizagem
d)Sem a merenda tenderão a se evadir ou a faltar às aulas
11-Qual a sua maior dificuldade na gestão da merenda descentralizada?
a) A aquisição
b) Gestão do cardápio
c) Controle
d) Prestação de contas
12-O que você mudaria na forma da gestão da merenda:
a) O cardápio
b) A forma de aquisição
c) A prestação de contas
13-Quem faz a prestação de contas da merenda é:
a) você mesmo (a)
b) tesoureiro (a)
c) a (o) secretária (o) Escolar
d) outro membro do Conselho
14-O cardápio é obedecido rigorosamente:
a) Sim
b) Não
15-Se o cardápio não é seguido, a razão principal é:
a) a aceitação dos usuários
b) o custo dos gêneros previstos no cardápio
c) o tempo necessário para o preparo.
16-Quem faz o controle de estoque:
a) você
b) a merendeira do turno
c) o / a diretor (a) – adjunto (a)
d) outra pessoa designada por você
17-Há merendeiras suficiente na sua escola?
a) Sim
b) Não
18-As Merendeiras existentes participaram de formação continuada?
a) Sim
b) Não
19-Caso tenha participado, foi:
a) Apenas uma vez
b) Duas vezes
c) + de duas vezes
20-A merenda comprada para o período pré – determinado:
a) É Suficiente
b) É Insuficiente
21-O que você acha do valor per capita para aquisição da merenda?
a) Suficiente
b) Insuficiente
22-Acha que seria necessário o governo Estadual complementar o valor per capita?
a) Sim
c) Não
23-Quanto ao aspecto físico, na sua escola:
a) Está tudo muito bom
b) Há necessidade de Reforma Urgente
24-Há despensa na sua escola?
a) Sim
b) Não
25-Há freezer?
a) Sim
b) Não
26-Há geladeira?
a) Sim
b) Não
27-Há cisterna / caixa d’água?
a) Sim
b) Não
28-A cisterna / caixa d’água é limpa regulamente?
a) Sim
b) Não
29-O processo de Gestão da Merenda escolarizada:
a) é complexo
b) é simples
c) é trabalhoso
30-Se as decisões maiores dependessem de você:
a) voltaria para a Gestão Centralizada da merenda (processo gerido pela SEE)
b) permaneceria com a gestão descentralizada da merenda.
31-Você observa melhora na qualidade da merenda pós-descentralização?
a) Sim
b) Não
32-Há manutenção periódica dos equipamentos existentes e necessários à conservação e
elaboração da merenda?
a) Sim
b) Não
33-Acha justo o aluno do Ensino Médio não ter direito à merenda diária?
a. Sim
b.Não
34-Como você resolve o problema dos alunos do EM?
a) Deixa-os sem merenda, distribuindo apenas para os alunos do Ensino
Fundamental
b) Deixa todos merendarem, independente do nível de ensino
35-Os alunos fazem comentários acerca da merenda descentralizada:
a) de forma negativa
b) de forma positiva
c) não acompanham a questão e, por isso, não opinam
36-Como os pais se posicionam sobre a merenda descentralizada?
a) consideram essa forma melhor que a anterior
b) acham que a merenda centralizada era melhor
c) não comentam porque desconhecem a mudança
ANEXO 6 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM GESTORES DA
ESCOLA
1. GARANTIA DO FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO
QUALIDADE E NA QUANTIDADE NECESSÁRIA.
ESCOLAR
DE
2.
ACOMPANHAMENTO DIÁRIO DA HIGIENE NAS DEPENDÊNCIAS DA
ESCOLA, ESPECIFICAMENTE NO SETOR ONDE É PREPARADA E GUARDADA
A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR.
3. PRESENÇA DO CAE NA ESCOLA.
4.O QUE PENSA DO TRABALHO DO CAE.
5. ACOMPANHAMENTO DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DAS MERENDEIRAS DA
ESCOLA.
6. RECEPÇÃO DE VISITA DA ANVISA NA ESCOLA.
7. COMO SE ARTICULA COM A SEEE PARA A GARANTIA DOS RECURSOS
(HUMANOS,
FINANCEIROS,
INFRA-ESTRUTURA)
NECESSÁRIOS
À
EXEQÜIBILIDADE DA POLÍTICA DE ESCOLARIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO.
8. OS RECURSOS PARA AQUISIÇÃO DOS GÊNEROS ALIMENTÍCIOS E SUA
CHEGADA REGULAR À ESCOLA.
9. SOBRE ORIENTAÇÕES E/OU CAPACITAÇÕES DO FNDE PNAE OU DA SEEE
ACERCA DA POLÍTICA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, INCLUINDO A GESTÃO
DOS RECURSOS FINANCEIROS;
ANEXO 7 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM MERENDEIRAS
1. CUMPRIMENTO DO CARDÁPIO ELABORADO PELAS NUTRICIONISTAS DA
SEEE.
3. QUANTO AO PORCIONAMENTO DAS PREPARAÇÕES, COMO COSTUMA
CUMPRIR O QUE FOI ORIENTADO PELAS NUTRICIONISTAS DA SEEE.
4. USO DO UNIFORME DURANTE O PREPARO DAS REFEIÇÕES DIÁRIAS DOS
ESTUDANTES.
5. HIGIENIZAÇÃO DIÁRIA DA DESPENSA E DA COZINHA.
6. CONTROLE DE ESTOQUE, INCLUSIVE ETIQUETANDO COM A DATA DE
VALIDADE DOS GÊNEROS ALIMENTÍCIOS.
7. COSTUME DE VERIFICAR A ACEITAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO PELOS
ESTUDANTES.
8. INFORMAÇÃO À DIRETORA DA ACEITAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO SERVIDA
PELOS ESTUDANTES.
9. SOBRE RECEPÇÃO E USO DE LUVAS, TOUCAS E UNIFORMES.
10. QUANTO AO QUEACHA DO UNIFORME – ADEQUAÇÃO E DISPOSIÇÃO
DE USÁ-LO.
11. CONVOCAÇÃO PELA ESCOLA PARA FAZER ALGUM EXAME MÉDICO,
TIPO UM CHECK-UP.
12. O QUE ACHA – NÍVEL DE IMPORTÂNCIA PARA OS ESTUDANTES - DA
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR.
13. O QUE SABE E O QUE ACHA SOBRE CONSELHO DE ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR E O CONSELHO DA ESCOLA.
ANEXO 8 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM PROFESSORES(AS)
1-TEMPO DE MAGISTÉRIO.
2-TEMPO QUE LECIONA NA ESCOLA.
3-FORMA DE ACESSO AO QUADRO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO.
4-FORMAÇÃO / FORMAÇÃO ESPECÍFICA.
5-DISCIPLINAS LECIONADAS.
6-SÉRIES LECIONADAS.
7-O QUE ACHA SOBRE A GESTÃO DA MERENDA NOS ÚLTIMOS 4-5 ANOS NA
ESCOLA.
8-OPNIÃO (PESSOAL) SOBRE O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO /
ESCOLARIZAÇÃO DA MERENDA.
9-ACOMPANHAMENTO DOS SEUS ALUNOS NO MOMENTO DA DISTRIBUIÇÃO
DA MERENDA.
10-COSTUME DE MERENDAR JUNTAMENTE AOS SEUS ALUNOS.
11-IMPORTÂNCIA DA MERENDA NA ESCOLA.
