Tiago Leandro da Cruz Neto
Título da Dissertação: '' Planejamento Educacional e Participação Democrática: um estudo sobre a rede pública estadual de ensino em Alagoas (1999-2004) ''.
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Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Centro de Educação – CEDU
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira - PPGE
Tiago Leandro da Cruz Neto
Planejamento Educacional e Participação Democrática: um
estudo sobre a rede pública estadual de ensino em Alagoas
(1999-2004)
Maceió – Al
2008
2
Tiago Leandro da Cruz Neto
Planejamento Educacional e Participação Democrática: um
estudo sobre a rede pública estadual de ensino em Alagoas
(1999-2004)
Dissertação de Mestrado em Educação
Brasileira apresentada ao Programa de PósGraduação do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas para a
obtenção do título de Mestre em Educação
Brasileira.
Área de concentração: Planejamento e Política
Educacional
Orientadora: Profª. Drª. Adriana Almeida Sales
de Melo
Maceió – Al
2008
3
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
C957p
Cruz Neto, Tiago Leandro da.
Planejamento educacional e participação democrática : um estudo sobre a rede
pública estadual de ensino em Alagoas (1999-2004) / Tiago Leandro da Cruz Neto.
– Maceió, 2008.
192 f.
Orientadora: Adriana Almeida Sales de Melo.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira.
Maceió, 2008.
Bibliografia: f. [185]-192.
Inclui anexos.
1. Planejamento educacional – Alagoas – 1999-2004. 2. Sociedade civil –
Participação no planejamento educacional. 3. Educação e Estado. 4. Burocracia.
I. Título.
CDU: 37.014.542(813.5)
4
Tiago Leandro da Cruz Neto
Planejamento Educacional e Participação Democrática: um
estudo sobre a rede pública estadual de ensino em Alagoas
(1999-2004)
Dissertação desenvolvida como requisito
para a obtenção do título de mestre em
Educação Brasileira.
BANCA EXAMINADORA
Dissertação aprovada em 22/04/2008
5
Dedicatória
A DEUS, minha esperança, minha força interior, minha coragem, pela
capacidade me dada, pelo desejo de lutar pela vida, mesmo nos
momentos difíceis, pela mão estendida; pela companhia nos sonhos
conquistados, pela oportunidade de continuar fazendo Histórias! O
futuro a nós pertence!
À minha MÃE, Damares, pela cumplicidade de sempre, pela companhia
às vezes de longe, mas sentida de perto. Amo-te!
Ao meu PAI, Leandro, pela torcida explícita. Também te Amo!
6
Agradecimentos
Aos alunos e colegas de profissão aonde trabalhei enquanto professor na
rede, pelos momentos de sonhos acreditados e de
realizações compartilhadas no desejo de uma Alagoas,
de um Brasil e de um mundo melhor;
À minha orientadora Adriana Melo que durante esse processo foi
importante para que eu pudesse ampliar muito dos
conceitos, pelos muitos momentos de diálogos, pelo
respeito às nossas idéias e concepções, pela confiança
me dada;
À professora Graça Tavares pelo convívio e os constantes
confrontos para o alargamento das minhas concepções;
Aos professores Elcio Verçosa e Geórgea Cêa pela contribuição
e críticas construtivas realizadas para a produção desse texto;
À minha nova amiga e companheira de jornada Ana Luiza, pelo
companheirismo e momentos de risos e tristezas que
passamos juntos;
Aos meus professores na Educação Básica que contribuíram no meu
processo de aprendizagem da vida;
Às minhas avós Josefa e Corina pelos conselhos dados, mas nem
sempre seguidos;
Às tias que torcem sempre por mim;
Aos meus poucos amigos que me deram o prazer de momentos felizes
quando não estava bem. Jack, Ita, Lú e Nanda;
Às professoras Auxiliadora e Laura pela convivência.
Às funcionarias Verônica, Andréa, Jadilza e Eliane pelo apóio nos
momentos de precisão acadêmica;
7
À turma de 2006 do Mestrado em educação pelos bons momentos
passados juntos e pela contribuição no processo de
reflexão nos diferentes momentos. Fizemos História!
Aos técnicos da SEE e membros da comunidade escolar pelo
acolhimento e às entrevistas cedidas, especialmente a
Marta Verônica pelo acolhimento.
A FAPEAL, pelo suporte financeiro para que essa
pesquisa fosse realizada!
Meu obrigado!
8
Planejamento educacional e participação democrática: um
estudo sobre a rede pública estadual de ensino em Alagoas
(1999-2004)
RESUMO: Este estudo teve o objetivo de investigar, no período de 1999-2004, o
planejamento educacional, sob a perspectiva da participação escolar, realizado pelo
aparelho burocrático estatal Secretaria Executiva de Educação de Alagoas (SEE/AL)
a partir da implantação na rede do modelo de gestão educacional democrático em
1999. Esta pesquisa foi um estudo de caso onde consideramos a abordagem
qualitativa sob a concepção sócio-histórica e dialética, utilizando técnicas
qualitativas documentais — documentos primários e secundários —, bem como
entrevistas semi-estruturadas com os técnicos da Secretaria Executiva de Educação
e membros da comunidade escolar – alunos, professores, funcionários e pais e
questionários. O estudo realizado revela que no período de implantação do modelo
de gestão educacional democrática, em 1999, o estado restrito alagoano procurou
conhecer as demandas da comunidade para que fossem planejadas ações na
intenção de concretizar uma cultura de participação, antes inexistente, através de
mecanismos implantados em toda a rede pública de educação. No entanto,
constata-se que as ações planejadas muitas vezes se esvaziaram, enquanto
institucionalização e orientação para as unidades de ensino, de um conteúdo
político-pedagógico, estando muito mais restritas às orientações burocráticas do
funcionamento dos mecanismos implantados, como o preenchimento de relatórios,
notas fiscais etc. Nesse sentido, foram planejadas poucas ações que fomentassem
uma participação de base mais “engajada” de segmentos como os dos pais e
alunos, através dos grêmios estudantis e associações de pais nas escolas,
fragilizando, portanto, a qualidade democrática. O processo de planejamento
inserido numa cultura pouco participativa apresentou ainda características
consideradas tradicionais, constituindo-se num processo de planejamento
descompartilhado no aparelho burocrático, pela ausência de ações focalizadas em
uma participação de base e pelas sucessivas trocas dos gestores da Secretaria
Executiva de Educação. Assim, o discurso de formar uma “escola cidadã” da
burocracia estatal esbarrou na limitação do aparelho burocrático de Estado, que se
limitou ao planejamento de uma cultura participativa “relativa”, planejamento que
alargou a participação até determinado ponto, mas que resultou em poucas ações
de aprendizado de uma participação ativa.
Palavras-Chave: Planejamento educacional – Alagoas – 1999-2004; Sociedade
civil – Participação no planejamento educacional; Educação e Estado; Burocracia.
9
Educational Planning and Democratic Participation: a study
about the state public teaching system management in the
State of Alagoas (1999-2004).
ABSTRACT: This study aimed at investigating the educational planning from 1999
to 2004 under the perspective of the school participation accomplished by the State
bureaucratic apparatus, the Executive Secretary of Education of the State of Alagoas
(SEE/AL), in the north-east of Brazil, since the setting up of the democratic education
management model in the system in1999. This research was a case study where the
qualitative approach was considered under the dialectical social-historical
conception, using qualitative techniques: documentary – primary and secondary
documents, questionnaires and semi-structured interviews with the technicians from
the Executive Secretary of Education members of the school community - students,
teachers, staff and parents. The accomplished study reveals that, during the setting
up period of the democratic educational management in 1999, the restricted State of
Alagoas, tried to get to know the community’s demands so as to plan some actions
intended to fulfill a participation culture through mechanisms established throughout
the whole public system where there weren’t any previously. However, it is inferred
that most of the times the planned actions became exhausted as institutionalization
and orientation for the teaching units, of a political and pedagogical content, being
much more restricted to bureaucratic guidance of the working of the established
mechanisms, such as filling in reports, receipts, and so on. Therefore, it was planned
a few actions which promoted a more committed basis participation from segments
such as the parents’ and students’, through school societies and parents’
associations in the schools, thus weakening the democratic quality. The planning
process itself inserted within a little participative environment with traditional type
characteristics within the SEE’s bureaucratic apparatus, the lack of a accomplishing
a shared planning, and the constant changing of SEE managers resulted in
consequences in the planned actions. Therein, the SEEL’s discourse of building up a
‘citizen school’ collided with the limitation of the State bureaucratic apparatus which
has circumscribed itself to the planning of a ‘relative’ participative culture, planning
which widened participation to a determined extent, but intended a few learning
actions of an ‘active’ kind of participation.
Key Words: Educational Planning – Alagoas - north-east of Brazil – 1999-2004;
Civil Society – Participation in Educational Planning; Education and State;
bureaucracy.
10
Sumário
Índice de Figuras………………………………………………………..……...…………10
Índice de Tabelas……………………………………………………………………..…..11
Lista de Abreviaturas………………………………………………………………..……12
INTRODUÇÃO.........................................................................................................15
CAPÍTULO 1 - Apontamentos sobre a cultura participativa formal no Brasil: das
raízes coloniais ao Brasil do século XX....................................................................36
1.1. Sociedade Política x Sociedade Civil: resgate histórico do processo
participativo na política educacional brasileira.................................................41
1.2. “Orientações” e “reivindicações” para uma “gestão (democrática)” da
educação
brasileira
nos
anos
80
e
90:
o
elemento
da
participação..................................................................................................... 60
1.3. O discurso participativo educacional institucionalizado na década de 90 do
século XX: os marcos legais............................................................................70
1.4. Problematizando a categoria participação na atualidade.................................74
CAPÍTULO 2 - Implantação da Gestão Educacional Democrática na Rede Pública
Estadual
de
Ensino
de
Alagoas:
da
concepção
à
Carta
de
Princípios..................................................................................................................83
2.1. A particularidade de Alagoas: apontamentos sobre o processo histórico políticosocial de Alagoas.................................................................................83
2.2. Duas décadas para a democratização da educação: primeiras manifestações
em Alagoas —1980 1999.................................................................................94
2.3. A Vontade Política Transforma-se em Ação: a implantação da gestão
educacional democrática da Educação na rede pública de ensino em
Alagoas..........................................................................................................103
CAPÍTULO 3 - O estado como educador: uma análise das ações da Secretaria
Executiva de Educação de Alagoas na implantação de uma cultura participativa na
Rede Pública Estadual de Ensino..........................................................................116
3.1. Considerações sobre a pesquisa de campo: dificuldades na coleta de dados e
caracterização da amostra.............................................................................117
11
3.2. O planejamento da participação da Comunidade Escolar na rede publica de
ensino em Alagoas – conceitos e metas........................................................120
3.3. Implantação da gestão colegiada: aspectos do planejamento na SEE.........125
3.4. CREs: instrumentos de articulação entre SEE e escolas..............................134
3.5. O exercício de autonomia das escolas através da participação da comunidade
escolar............................................................................................................136
Considerações Finais.............................................................................................164
Referências.............................................................................................................185
Anexos....................................................................................................................193
12
Índice de Figuras
Figura 1- Canais de comunicação na rede pública de ensino em Alagoas..............98
Figura 2- Organograma da SEE antes da implantação da Gestão Democrática...126
Figura 3 – Organograma atual da SEE..................................................................128
Figura 4 – Avaliação das decisões vindas da SEE para as escolas......................147
Figura 5: Dificuldades dos conselhos na apresentação de contas.........................148
Figura 6 – Vacância nos Conselhos Escolares......................................................158
Figura 7 – Com quem se discute a utilização dos recursos da escola...................159
Figura 8 – Quem decide o que é discutido nas reuniões do Conselho..................159
Figura 9 - Encontro de conselheiros por segmentos..............................................162
13
Índice de Tabelas
Tabela
1
-
Sistematização
das
Oficinas
em
Gestão
Democrática
Educacional/Alagoas..............................................................................................112
Tabela 2– Assuntos na pauta da reunião do Conselho Escolar.............................149
14
Lista de Abreviaturas
•
ABE - Associação Brasileira de Educação
•
ABESC - Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
•
ADEFAL - Associação dos Administradores de Alagoas
•
AEC - Associação de Educação Católica do Brasil
•
ANDE - Associação Nacional de Educação
•
ANDES - Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
•
ANPAE - Associação Nacional de Profissionais e Administração
•
ANPAE- Associação Nacional de Política e Administração da Educação
•
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
•
AOEAL - Associação dos Orientadores Educacionais de Alagoas
•
APAL - Associação dos Professores de Alagoas
•
APEFEM - Associação dos Professores de Educação Física do Estado de
Alagoas
•
APO - Assessoria de Planejamento e Orçamento da Secretaria
•
ASEM - Associação dos Supervisores de Educação
•
CE - Coordenadoria de Educação
•
CAC - Coordenadoria de Ação Cultural
•
CDPE - Coordenadoria de Desenvolvimento dos Profissionais da Educação
•
CE - Comunidade Escolar
•
CECEAL- Congresso Constituinte Escolar
•
CEDES - Centro de Estudos Educação e Sociedade
•
CGE - Coordenadoria de Gestão Educacional
•
CGE – Coordenadoria de Gestão Educacional
•
CP - Carta de Princípios
•
CREs – Coordenadorias Regionais de Ensino
•
CUT - Central Única dos Trabalhadores
•
DAF - Departamento de Administração e Finanças
•
FENEN - Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
•
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar
•
LDBEN – Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
15
•
MEC – Ministério da Educação
•
ONGs - Organizações Não-Governamentais
•
PAE - Projeto Alimentação Escolar
•
PAEG - Programa de Ação Econômica do Governo
•
PAGC – Projeto Acompanhamento e Avaliação da Gestão Compartilhada
•
PARF – Projeto Monitoramento da Aplicação dos Recursos Financeiros
•
PCB – Partido Comunista do Brasil
•
PDE - Plano de desenvolvimento da escola
•
PDGE - Plano de Desenvolvimento de Gestão Escolar
•
PDS - Partido Democrático Social
•
PLNSE – Projeto Legislação e Normatização do sistema de Ensino
•
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
•
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
•
PNE- Plano Nacional de Educação
•
POC – Projeto Organismos Colegiados
•
PPA – Plano Pluri-Anual
•
PPP – Projeto Político-Pedagógico
•
PROAV - Programa de Acompanhamento e Avaliação da Política Educacional
•
PRODECOM - Programa de Desenvolvimento e Valorização da Comunidade
Escolar
•
PROGES - Programa de Gestão Escolar
•
PSB – Partido Socialista Brasileiro
•
PSEC - Plano Setorial de Educação e Cultura
•
PT – Partido dos trabalhadores
•
SEE - Secretaria Executiva de Educação de Alagoas
•
SEED - Secretaria de Estado da Educação e do Desporto
•
SAMPE – Projeto de Assistência Médica Preventiva ao Educando
•
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
•
SESI - Serviço Social da Indústria
•
SUGESE - Superintendência de Gestão Educacional
•
SINTEAL - Sindicato dos Trabalhadores da Educação
•
UESA - União Secundarista dos Estudantes de Alagoas
16
•
UNE - União Nacional dos Estudantes
17
INTRODUÇÃO
A gestão da educação tem sido e ainda é um tema recorrente de
investigações em diversos espaços de pesquisa em nosso país. Um estudo sobre o
estado da arte em política e gestão da educação no Brasil, realizado pela
Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE)1, revela que
a abordagem sobre gestão aparece em 3º (terceiro) lugar dentre as categorias
analisadas, destacando-se o estudo sobre a democratização da gestão de sistemas
educacionais.
Apesar de ser um tema bastante discutido, em especial durante a década de
90, como nos mostra o estudo acima citado, Gracindo e Kenski (2001, p. 225)
afirmam que:
(...), as transformações que vêm ocorrendo em todos os sistemas
educacionais brasileiros nos últimos tempos mostram o vigor e a
necessidade urgente com que a categoria Gestão de Sistemas
Educacionais precisa e merece ser estudada. Com isso, ela poderá
consolidar-se como um campo de conhecimento relevante
academicamente, podendo ter reflexos positivos tanto na definição
de políticas públicas quanto na melhoria da prática da educação.
Para Bordignon e Gracindo (2001), falar de gestão na educação implica
refletir a respeito dos planejamentos e das políticas educacionais que estão sendo
desenvolvidas, pois é o modo de gerir a educação que irá direcionar os objetivos e
os planos estabelecidos, transformando-os em políticas, ou seja, um meio de
demudar em ação o que foi planejado.
Portanto, são os planejamentos e as políticas educacionais que irão definir a
educação que queremos e, por conseguinte, qual sociedade pretendemos
(re)construir, pois:
(...). Pensar um processo educacional e a ação das escolas significa
definir um projeto de cidadania e atribuir uma finalidade à escola que
seja congruente com aquele projeto. Pensar a escola e a construção
do seu projeto de vida requer o estabelecimento de fundamentos
sobre os quais se assenta essa construção, ou seja: definir
pressupostos filosóficos, sociais e educacionais (idem, 2001, p.149).
1
Cf. WITTMANN & GRACINDO, 2001.
18
É compreendendo que o modelo de gestão educacional democrática é um
dos eixos, dentre tantos na sociedade, que permite o fazer políticas contributivas na
formação dos diversos sujeitos presentes na escola – pais, professores, alunos e
funcionários
–,
propiciando
processos
de
desalienação
política
e
social,
colaborando, também, na pedagogização de um processo participativo ativo no
contexto do qual fazem parte; entendendo, também, que esta é uma área a ser mais
explorada, em específico na rede pública estadual de ensino em Alagoas, que tem a
experiência em fase de primeiros passos, contando apenas com oito (8) anos de
gestão democrática (1999-2008) - é que nos propusemos a realizar este estudo.
Ao participarmos da rede pública estadual de ensino durante três anos como
professor em cinco estabelecimentos de ensino, observamos que o alheamento de
colegas de profissão, pais, alunos e funcionários era recorrente nos espaços e
discussões que exigiam sua participação. Mesmo as escolas apresentando perfis
diferentes, desde a localização, ao perfil dos sujeitos e integrantes, condicionantes
internos próprios de cada uma, percebíamos que a comunidade escolar em sua
maioria só participava quando era convocada pela SEE, especificamente nos
momentos de eleição de gestores e conselheiros escolares. Ao findar esses dois
processos, a participação nos espaços colegiados, como o conselho escolar e o
conselho de classe, ficava circunscrita aos membros eleitos e professores,
respectivamente.
Outro fenômeno que nos chamou a atenção é que as práticas participativas
escolares estavam restritas em sua grande parte aos direcionamentos, conduções
da SEE; é como se a comunidade escolar, mesmo diante de possibilidades
participativas em um modelo de gestão proclamado democrático, não tivesse
autonomia, capacidade, condições ou iniciativa para decidir como, quando, de que
modo poderia participar.
Diante desses elementos, inicialmente, perguntávamos o que implicaria a
não-participação
de
modo
“engajado”
(LÜCK,
2006b),
“tomando
parte”
(BORDENAVE, 1983) das questões pertinentes à escola? Várias explicações podem
ser dadas a partir da interpretação de estudos como o de Werle (2003), Paro (1997),
Araújo (2007), que não tratam de responder especificamente a questão acima, mas
de observar como a participação está ocorrendo nos estabelecimentos de ensino,
porém nos oferece também, subsídios para o entendimento do porquê da não
19
participação ativa dos vários segmentos que compõem a comunidade escolar. Não
desconsiderando as questões microquestões nesta problemática, ao verificarmos
que a política de participação no caso da rede pública estadual de ensino em
Alagoas passou a ser conduzida pelo aparelho burocrático estatal e que, no nosso
entendimento, a participação esbarrava em uma série de restrições, já que se
tratava de mecanismos participativos institucionalizados, procuramos compreender
de que modo a política desencadeada na rede estadual de ensino pela SEE
fomentou e conduziu uma cultura participativa em um contexto social e educacional
caracterizado
por
categorias
de
mandonismo,
coronelismo,
filhotismo
e
apadrinhamento. Assim, este estudo teve por objetivo investigar no período de 19992004 o planejamento educacional, sob a perspectiva da participação escolar,
realizado pelo aparelho burocrático estatal, Secretaria Executiva de Educação de
Alagoas (SEE), a partir da implantação na rede do modelo de gestão educacional
democrático em 1999.
A implantação da Gestão Democrática na educação em Alagoas, a partir da
própria legislação nacional – Constituição de 1988, LDBEN 9394/96, PNE
10.172/20012 -, partiu da necessidade de reverter a real situação da rede pública
estadual de ensino, como podemos observar no Relatório Triênio (1999/2002),
produzido pela Secretaria Executiva de Educação do Estado de Alagoas (SEE): 3
A situação educacional que se apresentava em 1998 indicava
grandes lacunas nas áreas de acesso escolar e na qualidade do
ensino, expressas pela inexistência de uma política educacional mais
democrática e de uma linha pedagógica construída, assumida e
avaliada coletivamente. A burocracia compactuava com a
centralização excessiva das estruturas técnico-pedagógicas e
administrativas, dificultando a articulação SEE/ CREs/ Escolas. Neste
cenário, tornou-se imprescindível a busca por padrões inovadores de
gestão, capazes de substituir a excessiva centralização por
processos mais abertos e flexíveis, com garantia de ampla
participação e expressão das vontades coletivas, interessadas no
alcance de uma educação, cujas metas de desempenho sejam
capazes de reverter os altos índices de analfabetismo, repetência,
2
No primeiro capítulo explicitaremos como a categoria participação institucionalizada foi preconizada
por tais legislações.
3
Atualmente, com a posse do novo governo em 2007, Teotônio Vilela Filho, a Secretaria passou a
incorporar novamente a modalidade de esportes, e passou a ser chamada de Secretaria de Estado
da Educação e do Desporto (SEED). Antes de 1999 a Secretaria tinha as mesmas atribuições atuais;
1999, com a posse de Ronaldo Lessa, até 2006, ela passou a gerir assuntos relacionados apenas à
educação. Neste texto manteremos a nomenclatura adotada no período estudado: SEE (Secretaria
Executiva de Educação).
20
abandono escolar, distorção idade-série. É nesse contexto que, em
1999, o Governo de Alagoas, (...), institui a Gestão Democrática
Educacional, em seu PPA 2000/2003, firmando seu compromisso
sóciopolítico com uma educação focada nos princípios da eqüidade,
qualidade, participação e da ética, abrindo espaços para a real
participação da comunidade escolar na construção de sua história.
(SEE, 2004a, p.1).
Pretendendo
modificar
a
estrutura
educacional
diagnosticada,
foi
institucionalizada uma equipe de Comissão e Acompanhamento da Gestão
Democrática Educacional cujo objetivo principal foi o de construir, acompanhar e
planejar junto às escolas da rede estadual um projeto de uma escola cidadã e de
princípios que viessem nortear a educação no Estado de Alagoas, princípios estes
discutidos com a comunidade escolar e estabelecidos no I CECEAL (1999).
Para a construção desses princípios a SEE adotou as linhas norteadoras: A
escola que temos. A Escola que queremos e Como Chegar à Escola que queremos,
tendo como aporte ideológico o seguinte:
Pensando em romper a lógica dicotômica entre os que pensam e
os que executam, e na certeza de que gestão democrática não se
concretiza somente pela constitucionalização de leis e decretos, mas,
principalmente, pela vontade dos sujeitos coletivos no exercício
cotidiano da prática educativa, o processo da democratização do
ensino em Alagoas buscou abrir espaços de participação à
comunidade escolar, para discussão e definição dos princípios
e mecanismos norteadores da gestão democrática da Rede
Pública Estadual de Ensino, à luz do referencial teóricometodológico freireano, que preconiza a escola como “espaço de
debates de idéias, de tomadas de decisões, de construção de
conhecimento, de sistematização de experiências, enfim, um centro
de participação popular na construção da cultura” (SEE, 2000b, p.
06, grifos nossos).
Em dezembro de 2000, através da Lei 6.202/2000 (ALAGOAS, 2000b) foi
criada a Coordenadoria de Gestão Educacional (CGE)4, resultando numa
reestruturação da SEE que, ao longo desse período, garantiu uma participação mais
efetiva da comunidade escolar no fortalecimento da Gestão Democrática em
Alagoas, com eleição do conselho escolar, eleições diretas para diretores escolares
(2001/ 2003/ 2004), descentralização dos recursos financeiros para escolarização de
alimentação escolar e da merenda escolar com o decreto nº 1.476 de 22 de
4
Em setembro de 2007 esta coordenadoria passou a ser chamada de Superintendência de Gestão
Educacional (SUGESE), incorporando novos programas e projetos.
21
setembro de 2003, seminário de lançamento do prêmio Gestão 2004, II CECEAL
(2004), culminando com a elaboração do Plano Estadual da Educação (2005-2015).
Esta coordenadoria definiu como objetivos formalmente explícitos5 a
implantação dos instrumentos de fortalecimento da gestão democrática com o
objetivo de coordenar e avaliar a implementação dos mecanismos de participação
de gestão democrática educacional, tendo como meta a construção de uma escola
pública de qualidade e que promovesse o acesso, o percurso e o êxito dos
educandos.
Resultado das discussões realizadas no processo de implantação da gestão
democrática, a educação em Alagoas passou a ser orientada por três eixos:
1- Eixo Gestão educacional - que (...) se movimenta por uma Gestão
Democrática planejada coletivamente, desenvolvida através de
ações nos âmbitos financeiros, material e humano necessários ao
andamento da escola e à efetivação da proposta pedagógica; 2-Eixo
Pedagógico - que (...) se movimenta pela proposta pedagógica e
possibilitará o desenvolvimento do currículo, do processo de
avaliação e do projeto político-pedagógico através da ação dos
professores e especialistas, (...); 3- Eixo Relacional - que (...) se
movimenta nos processos participativos que acontecem na escola,
com envolvimento de todos os segmentos e parcerias com outras
instituições da comunidade, num processo de superação de
mecanismos de exclusão nas relações hierarquicamente
estabelecidas (SEE, 2000b, p. 08 -17, grifos nossos).
Entendemos que a pretensão de atingir tais objetivos proclamados acima,
intenções como a de construção e de fortalecimento de uma educação democrática,
de um sistema de ensino que ofereça possibilidades qualitativas e acesso igualitário
com sujeitos sociais atuando enquanto cidadãos politizados e conscientes da
importância de uma participação ativa, podem ser impulsionadas com a contribuição
de políticas em que se planejem ações e mecanismos que efetivem o que se pensa,
5
No período analisado a CGE era composta por três programas: PROGES (Programa de Gestão
Escolar), que desenvolve três projetos (POC – Projeto Organismos Colegiados; PDGE – Projeto de
Desenvolvimento da Gestão Escolar e PLNSE – Projeto Legislação e Normatização do sistema de
Ensino), PRODECOM (Programa de Desenvolvimento e Valorização da Comunidade Escolar), com
dois projetos: (PAE – Projeto Alimentação Escolar; SAMPE – Projeto de Assistência Médica
Preventiva ao Educando) e PROAV (Programa de Acompanhamento e Avaliação da Política
Educacional) que trabalha, também, dois projetos(PARF – Projeto Monitoramento da Aplicação dos
Recursos Financeiros; PAGC – Projeto Acompanhamento e Avaliação da Gestão Compartilhada).
Esses programas ainda continuam fazendo parte da agora SUGESE.
22
o que se quer objetivar, ações estas que devem ser planejadas a partir das
proposições e demandas da sociedade civil.6
Considerando o elemento humano, sua energia e talento para a base da
gestão, Lück (2006a) comenta que esta base é condicionante para um ensino de
qualidade e de transformação das identidades que foram e são forjadas nas escolas,
nos sistemas e na educação brasileira. A autora afirma que o modelo de gestão
democrática está comprometido com princípios democráticos e que reconhece a
“importância da participação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões” do
ambiente do qual fazem parte (p. 26-37).
Nesse sentido é necessário dizer o que se compreende nesta pesquisa por
gestão democrática e em que perspectiva acredita-se ser ela uma forma de
administração que melhor se coadune com a possibilidade da formação de
indivíduos, grupos e classes sociais conscientes na luta contra-hegemônica em um
sistema democrático. Por gestão entende-se, assim como Gracindo e Kenski (2001,
p. 205), “(...) o processo político-administrativo contextualizado e historicamente
situado, através do qual a prática social da educação é organizada, orientada e
viabilizada”.
Já por democracia, além do conceito clássico7, a definição que Gramsci
(1991) elabora:
No sistema hegemônico, existe democracia entre o grupo dirigente e
os grupos dirigidos na medida em que o desenvolvimento da
economia e, por conseguinte, a legislação que expressa este
desenvolvimento favorece a passagem molecular dos grupos
dirigidos para o grupo dirigente (p. 183).
Ou seja, em um sistema democrático tem-se a possibilidade, de grupos
subalternos, na sociedade capitalista, poderem articular-se e construir seu projeto de
sociedade através do processo (guerra de posição)8 de uma atuação consciente.
Assim, diferentemente de modelos administrativos educacionais vivenciados no
Brasil, anteriores ao que é hoje posto em forma de lei da gestão democrática, há a
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O termo sociedade civil é compreendido neste estudo na concepção gramsciana: local de relações
sociais onde há as ideologias, espaço relacionado às classes sociais e aos aparelhos privados de
hegemonia, local onde se produz o consenso (conflitos).
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O significado fundamental de democracia: um sistema político no qual quem governa é o povo, e
não os monarcas ou os aristocratas. (Antonny Giddens, 2005, p. 343)
8
Cf. Gramsci (1991), p. 67-75. “Luta Política e Guerra Militar”.
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probabilidade de se vivenciar uma forma de organização administrativa sócio-política
organizada, orientada, contextualizada com o meio em que os sujeitos vivem por
meio de momentos e espaços que contribui para a conscientização político-cultural
através da articulação, organização e fortalecimento político dos sujeitos.
É importante destacar que a democracia e, portanto, tal modo de gestão, ao
institucionalizar espaços de participação apresentará suas limitações, mas existe
sempre a possibilidade do acolhimento de confronto de idéias, da diversidade de
opiniões, já que este modelo de gestão é produto histórico, da ação do homem o
que permite o enriquecimento espiritual e o desenvolvimento dos indivíduos em seus
grupos inseridos nas classes sociais. É evidente que isto depende de como a
relação entre dirigentes e dirigidos foi e está sendo construída historicamente.
No contexto das limitações e contradições que existem na democracia,
são imensos os obstáculos à democracia, pois o conflito dos
interesses é posto pela exploração de uma classe social por outra,
mesmo que a ideologia afirme que todos são livres e iguais (p. 406),
[porém, há] também, na democracia [a possibilidade] (...) de perceber
tais obstáculos e lutar contra eles (CHAUÍ, 2005, p. 408, grifos
nossos).
Apesar de obstáculos à gestão democrática e, também, estando presente nos
sistemas educacionais alguns ranços do burocratismo patrimonialista brasileiro, com
indivíduos
apresentando
ações
autoritárias,
autocráticas,
discriminatórias,
centralizadoras, este modelo de gestão pode ser um meio de estratégia por parte
daqueles que fazem a rede pública de educação na guerra de posição existente no
âmbito da sociedade civil.
Assim, a gestão educacional democrática é compreendida neste estudo
também como um dos instrumentos dos aparelhos privados de hegemonia, já que é
por meio da gestão do sistema público que será planejada a práxis educacional e a
formação escolar dos indivíduos na sociedade que se pretende conservar. Como,
também, o aparelho privado de “contra-hegemonia” dependendo de quais
“ideologias” perpassem as formulações das ações pensadas e viabilizadas.
O nosso entendimento de contra-hegemonia está associado à concepção de
hegemonia desenvolvida por Gramsci. Para ele, a classe trabalhadora pode ir
processando sua hegemonia no campo da superestrutura, no seio da sociedade
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civil, para tornar-se classe dirigente, mesmo antes de apossar-se do estado9, ou
seja, antes mesmo de tornar-se classe dominante. Esse processo se dá através da
“guerra de posições”, ou seja, de conquistas gradativas que serão acumuladas para
a obtenção da hegemonia. Isso não significa, porém, que o estado restrito não seja
um espaço de busca e demarcação de posição. Significa que mesmo a classe
trabalhadora estando em determinados aparelhos do Estado como, por exemplo, a
escola, em outros ela é mantida a distância, cabendo-lhe, na superestrutura,
elaborar suas estratégias de organização e de luta.
No caso específico de que estamos tratando, essa contra-hegemonia só será
ratificada a partir do elemento-base do modelo de gestão em foco neste estudo, que
é a participação. Mesmo considerando as limitações que envolvem o processo
democrático e da participação institucionalizada, ponderamos que no processo de
participação ativa da sociedade civil, especificamente dos grupos historicamente
excluídos, temos a possibilidade da afirmação de interesses e de vontades,
enquanto elemento limitativo e mesmo inibidor da afirmação dos poderes dirigentes,
intervindo nas esferas de decisão política e organizacional, fator quer de conflitos,
quer de consensos negociados (LIMA 2003a, p.71).
A participação desenvolvida de forma plena, através de uma “força de
atuação” consciente, é um meio de educação dos membros de uma comunidade
reconhecerem e assumirem seu poder e, conseqüentemente, a influenciarem no
contexto do qual fazem parte (LÜCK, 2006b, p.29). Deve-se considerar também que
a participação “não é somente um instrumento para a solução de problemas, mas,
sobretudo, uma necessidade fundamental do ser humano” (BORDENAVE, 1983, p.
16).
Assim, podemos sistematizar a idéia de que a participação é um meio,
caminho para o desenvolvimento do indivíduo, dos grupos e das classes nas
diversas esferas de suas vidas, intelectual, política, social, possível, através da
dialeticidade de uma transformação “para si” com o meio em que vive, mas que
mesmo no contexto democrático, dependerá também de condições construídas
historicamente, através do jogo democrático, das relações sociais na busca de fins
9
Neste texto por estarmos tratando de duas concepções de Estado (restrito e ampliado) adotamos a
escrita de estado em minúsculo quando nos referirmos a estado restrito no sentido de burocracia
estatal, e Estado em maiúsculo quando estivermos falando de Estado Ampliado (estado restrito +
sociedade civil)
