Roselito de Oliveira Santos
Título da dissertação: O LIVRO E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO EM ALAGOAS: do Gabinete de Leitura à Biblioteca Pública
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
ROSELITO DE OLIVEIRA SANTOS
O LIVRO E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO EM ALAGOAS:
do Gabinete de Leitura à Biblioteca Pública
MACEIÓ – AL
2012
2
ROSELITO DE OLIVEIRA SANTOS
O LIVRO E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO EM ALAGOAS:
do Gabinete de Leitura à Biblioteca Pública
Dissertação apresentada como pré-requisito
para obtenção do grau de Mestre em Educação
Brasileira do Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas. Linha de
Pesquisa: História e Política da Educação.
Grupo de pesquisa: Caminhos da Educação em
Alagoas. Orientadora: Profa. Dra. Elione
Maria Nogueira Diógenes.
Maceió
2012
3
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Fabiana Camargo dos Santos
S237l
Santos, Roselito de Oliveira.
O livro e o processo civilizatório em Alagoas : do Gabinete de Leitura à
biblioteca pública / Roselito de Oliveira Santos. – 2012.
156 f. : il.
Orientador: Elione Maria Nogueira Diógenes.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Alagoas.
Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira.
Maceió, 2012.
Bibliografia: f. 124-130.
Anexos: f. 131-156.
1. Gabinete de Leitura - Alagoas. 2. Biblioteca pública - Alagoas. 3. Leitura e
escrita - História. 4. Processo civilizador. I. Título.
CDU: 37:028(09)(813.5)
4
ROSELITO DE OLIVEIRA SANTOS
O LIVRO E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO EM ALAGOAS: do Gabinete de Leitura
à Biblioteca Pública
Dissertação de Mestrado aprovada pelos seguintes membros da banca examinadora:
Profa. Dra. Elione Maria Nogueira Diógenes
Presidente (CEDU/PPGE/UFAL)
Profa. Dra. Edna Cristina do Prado
Membro Interno (CEDU/PPGE/UFAL)
Profa. Dra. Rosemeire Reis da Silva
Membro Interno (CEDU/PPGE/UFAL)
Profa. Dra. Roseane Maria Amorim
Membro Externo (CEDU/UFAL)
Profa. Dra. Sandra Regina Paz da Silva
Membro Externo (CEDU/UFAL)
Prof. Dr. Francisco Ari de Andrade
Membro Externo (CEDU/PPGE/UFC)
Profa. Dra. Inalda Maria dos Santos
Suplente (CEDU/PPGE/UFAL)
Maceió, 06 de julho de 2012.
5
DEDICO ESPECIALMENTE:
À minha Mãe Dalva de Oliveira, sempre a ‘alumiar’ o meu caminho, e que saiu de cena
na madrugada de 24/12/2011, [passando de “mentora intelectual à mentora espiritual”]
voltando a ocupar seu lugar na constelação estelar do espaço infinito (para onde vão –
certamente – todas as mães devotadas!).
À Profa. Dra. Elione Diógenes por tudo de bom que me proporcionou ao longo deste
trabalho.
Aos meus queridos irmãos e irmãs, sobrinhos, sobrinhas, Tia, cunhada e prima
[que também partiu antes de ver o presente projeto construído], que sempre me apoiaram em
tudo que apontasse para o bom e o bem, intenção permanente de promoção da paz interior e
familiar, e Deus, ‘sobre todas as coisas’.
E para: “GAMV”... promessa (e reciprocidade) de mil carinhos e muito respeito...
6
AGRADEÇO COM CARINHO:
A dileta orientadora desta dissertação, Profa. Elione Diógenes, paciente e diligente comigo
até o momento final do trabalho;
Ao grupo Caminhos de Educação em Alagoas pela oportunidade de compreender o
movimento da história;
Reverência para todos os professores que passaram pela minha vida escolar, desde a Dona
Margarida da 4ª série primária (em Penedo, AL), até a Profa. Graça Loyola (PPGE/UFAL);
Nesse intervalo é impossível listar todos/as, mas alguns nomes têm que ser mencionados,
como exemplo de profissionalismo nos quais sempre tentei me espelhar durante a graduação
em Biblioteconomia na mesma instituição:
Profas. Silvia Cardeal; Sueli Goulart; Marlene de Oliveira; Lourdes Lima; Cléa Costa e Graça
Targino;
Na pós -graduação ainda é necessário afirmar o nome do Prof. Élcio Verçosa – referência para
mim no seu entendimento histórico-intelectual das Alagoas;
Aos professores e colegas do PPGE, sem os quais a tarefa não teria sido cumprida, certeza de
que “ninguém é feliz sozinho!”;
Ao Prof. Eraldo Ferraz, com seu ‘inquisidor apoio’ no momento em que se deu
a “crise da pesquisa”.
A todas as pessoas que perpassaram todo o percurso sofrido das pesquisas, nas suas
instituições; no mundo virtual; no apoio material e moral, sempre me estimulando a seguir
rumo ao título tão almejado: o fazer diário de todos vocês é muito importante para os
pesquisadores!
Aos meus colegas Bibliotecários/as que sempre de uma forma ou de outra torceram por mim.
Aos amigos que sempre estiveram presentes em minha vida, incentivando a caminhada. Não
vou citar nomes,
posto que estão, todos no coração!
Aos Funcionários/as do PPGE, bolsistas e efetivos, pela sempre boa acolhida.
Aos servidores da Biblioteca Central da UFAL, com os quais convivo há 15 anos e com
eles/elas aprendi a ‘riqueza da profissão’ do Bibliotecário.
E especialmente à Profa. Nádia Amorim, primeiro estímulo intelectual e ímpar afinidade
espiritual.
À Profa. Dra. Edna Prado pela apreciação crítica a este estudo;
7
À Profa. Dra. Rosemeire Reis, pela leitura crítica deste trabalho;
À Profa. Dra. Roseane Amorim, pela sempre decidida alegria;
À Profa. Dra. Sandra Paz, pela sempre distinta crítica;
[Sem essas Mulheres Extraordinárias, o ciclo não se fecharia!]
Agradecimento ao prof. Dr. Francisco Ari de Andrade, e
À Suplente desta banca Profa. Dra. Maria Inalda Santos.
8
Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem
dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o
telescópio, são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz;
em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu corpo. O livro,
porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
(JORGE LUIS BORGES, 1982).
A leitura leva ao conhecimento melhor do mundo, através dos sinais gráficos
funcionando como propulsora da evolução cerebral e desenvolvimento dos
raciocínios que levam à educação e conseqüentemente à civilização.
(NÁDIA AMORIM, 2012).
A história não é um simples quadro de acontecimentos; é mais, é o verbo
feito livro. (MACHADO DE ASSIS, 2008).
Deslizamentos, sobreposições... Quando o historiador do livro olha para trás,
deve ser prudente ao definir transformações passadas. Hoje, ele continua
utilizando o vocabulário do geólogo, é preciso que procure uma palavra mais
radical para definir aquilo que está ocorrendo. Trata-se de um corte, uma
fratura. Desde logo, porque o objeto escapa à apreensão da história material
tal como ela sabia outrora, abordar e definir o livro. (CHARTIER, 1998).
O passado é um imenso livro, cheio de preciosos tesouros; atendendo a esta
verdade, todos os povos sempre tiveram suas tradições em muita conta, e
sempre puseram grande empenho em salvá-las do olvido (CAROATÁ,
2004).
9
RESUMO
A pesquisa trata do surgimento do Gabinete de Leitura em Maceió/AL em meados do século XIX,
portanto, politicamente o país encontrava-se sob a égide da monarquia. A partir do ponto de vista
histórico, o estudo traça uma narrativa de longa duração sobre o sistema de escrita e posteriormente do
nascimento do livro e sua evolução no contexto das sociedades de civilização avançada.
Especificamente, a preocupação científica revela-se no sentido de relacionar o surgimento do livro e
da leitura numa perspectiva civilizatória com base nas ideias de Norbert Elias (1897/1990). A
investigação foi levada a efeito por meio de sucessivas visitas ao Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas assim como à Biblioteca Pública do Estado de Alagoas e Arquivo Público Estadual. Em tais
espaços tivemos acesso a um rico material que denotou a realidade do Gabinete de Leitura e sua
transição na atual Biblioteca Pública. Esse processo histórico contou com a participação dos
intelectuais adeptos do positivismo José Correia da Silva Titara, Thomas do Bomfim Espíndola e
Alexandre José de Melo Moraes O tratamento metodológico configurou-se na coleta de documentos
antigos e na apreensão das principais informações. O fundamento teórico do estudo ficou a cargo de
estudiosos como Bloch (2001), Chartier (1998), Certeau (1982), Farge (2009), Costa (2011), Verçosa
(2006) e Madeira (2005, 2008, 2010, 2011). Outros estudiosos do campo da Biblioteconomia foram
visitados como Higounet (2003), Sampaio (2009), Campos (1994), Martins (1998) e Schwarcz (2001).
Chegou-se à seguinte conclusão: a escrita e a leitura são elementos importantes da cultura ocidental
civilizada. No caso alagoano, o Gabinete de Leitura em seus oito anos de vida não conseguiu se
materializar na vida cotidiana dos maceioenses pelo simples fato de que, aqui, a cultura elitista não
permitiu sua democratização. Entretanto, não podemos negar sua importância no cenário civilizatório
e sua transformação em Biblioteca Pública Estadual.
Palavras- chave: Gabinete de Leitura. Biblioteca Pública. Leitura. Processo Civilizador.
10
ABSTRACT
The research deals with the emergence of the Office of Reading in Maceió / AL in the midnineteenth century, therefore, politically the country was under the aegis of the monarchy.
From the historical point of view, the study provides a long narrative about the writing system
and later the birth of the book and its evolution in the context of the societies of advanced
civilization. Specifically, the concern appears to be scientific in order to relate the appearance
of books and reading perspective of civilization based on the ideas of Norbert Elias
(1897/1990). The investigation was carried out by means of successive visits to the Historical
and Geographical Institute of Alagoas as well as the State Public Library and Public Archives
of Alagoas State. In such areas had access to a wealth of material, what showed the reality of
the Office of Reading and its transition in the current Public Library. This historical process
with the participation of intellectuals adherents of positivism Titara da Silva, Thomas and
Alexander Bomfim Espíndola José de Melo Moraes The methodological approach was
configured in the collection of ancient documents and the seizure of key information. The
theoretical foundation of the study was done by scholars such as Bloch (2001), Chartier
(1998), Certeau (1982), Farge (2009), Costa (2011), Verçosa (2006) and Madeira (2005, 2008,
2010, 2011 .) Other scholars in the field of librarianship were visited as Higounet (2003),
Sampaio (2009), Campos (1994), Martins (1998) and Schwarcz (2001). Was reached the
following conclusion: writing and reading are important elements of civilized Western culture.
In the case of Alagoas, the Office of Reading in its eight years of life failed to materialize in
the daily life of maceioenses the simple fact that here the elitist culture did not allow its
democratization. However, we can not deny its importance in the civilization and its
transformation into State Public Library.
Keywords: Office of Reading. Public Library. Reading. The civilizing process.
11
RESUMEN
El estudio aborda el surgimiento de la Oficina de la lectura en Maceió / AL a mediados del
siglo XIX, por lo tanto, políticamente el país estaba bajo la égida de la monarquía. Desde el
punto de vista histórico, el estudio ofrece un relato largo sobre el sistema de escritura y más
tarde el nacimiento del libro y su evolución en el contexto de las sociedades de la civilización
avanzada. En concreto, la preocupación parece ser científica con el fin de relacionar la
aparición de los libros y la perspectiva de la lectura de la civilización sobre la base de las
ideas de Norbert Elias (1897/1990). La investigación fue llevada a cabo por medio de
sucesivas visitas al Instituto Histórico y Geográfico de Alagoas, así como la Biblioteca
Pública del Estado y los Archivos Públicos del Estado de Alagoas. En estas zonas se tuvo
acceso a una gran cantidad de material, lo que mostró la realidad de la Oficina de la lectura y
su transición en la Biblioteca Pública actual. Este proceso histórico con la participación de los
intelectuales partidarios del positivismo Titara da Silva, Thomas y Alexander Bomfim
Espíndola José de Melo Moraes El enfoque metodológico se ha configurado en la colección
de documentos antiguos y la incautación de la información clave. El fundamento teórico de
este estudio fue realizado por los académicos como Bloch (2001), Chartier (1998), Certeau
(1982), Farge (2009), Costa (2011), Verçosa (2006) y Madeira (2005, 2008, 2010, 2011.)
Otros estudiosos en el campo de la bibliotecología fueron visitados como Higounet (2003),
Sampaio (2009), Campos (1994), Martins (1998) y Schwarcz (2001). Se llegó a la conclusión
siguiente: la escritura y la lectura son elementos importantes de la cultura occidental
civilizada. En el caso de Alagoas, la Oficina de la lectura en sus ocho años de vida no se
materializó en la vida cotidiana de maceioenses el simple hecho de que aquí la cultura elitista
no permitía su democratización. Sin embargo, no podemos negar su importancia en la
civilización y su transformación en Biblioteca Pública del Estado.
Palabras clave: Oficina de la Lectura. Biblioteca Pública. Lectura. Del proceso civilizador.
12
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
Figura 1: Detalhe da Bíblia de 42 linhas de Gutemberg [Velho Testamento].
Figura 2: Papiro egípcio.
Figura 3: Modelo antigo de uma imprensa.
Figura 4: Vista parcial da Rua do Comércio em Maceió no século XIX.
Figura 5: Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.
Figura 6: Folha de rosto de: BURLAMAQUE, Dr. F.L.C. Aclimatação do dramadarios nos
sertões do norte do Brasil, e da cultura tamareira. Rio de Janeiro: Typografia Nacional.
Figura 7: Folha de rosto de: MELLO MORAES, Alexandre José de. O Brasil histórico: jornal
histórico, político, litterario e de propaganda homeophatica, 1864. Tomo I.
Figura 8: Folha de rosto de: MELLO MORAES, Alexandre José de. Chorografia histórica,
chronografia genealógica, nobiliária e política do Império do Brasil contando... Rio de
Janeiro: Typografia Pinheiro, 1866. 446p. tomo I.
Figura 9: Folha de rosto de: JESUS, Raphael. Castrioto Luzitano ou historia da guerra entre o
Brazil e a Hollanda, durante os annos de 1624 a 1654... Pariz: J.P.Aillaud, 1844. 605p.
Figura 10: Folha de rosto de: ANTONIL, José João. Cultura e opulência do Brasil: por suas
drogas e minas, com várias notícias curiosas dos modos de fazer o assucar... Lisboa: O.R.D,
1711. 205p.
Figura 11: Folha de rosto de: A DECLARAÇÃO DE MAIORIDADE DE S.M.I. O SR. D.
PEDRO II, desde o momento em que essa idéia foi aventada... Rio de Janeiro: T.A.D., 1840.
127p.
Figura 12: Folha de rosto de: CUNHA, Antonio Luiz Fernandes da (Org.). Documentos
officiaes relativos à exposição nacional de 1861comprehendendo os avisos e officios... Rio de
Janeiro: Typ. Diário do RJ, 1832. 263p.
Figura 13: Cena cotidiana no Gabinete Real de Leitura Portuguesa do Rio de Janeiro.
Figura 14: Gabinete de Leitura de Recife – PE.
Figura 15: Gabinete Português de Leitura de Salvador (detalhe).
Figura 16: Museu do Ceará, onde antigamente era instalado o gabinete de leitura de Fortaleza
(fachada).
Figura 17: Alexandre José de Mello Moraes.
Figura 18: Thomaz do Bomfim Espíndola.
Figura 19: José Correia da Silva Titara.
Figura 20: Antigo Liceu Alagoano.
13
Figura 21: Atual prédio da Secretaria do Ministério da Fazenda em Alagoas.
Figura 22: Prédio da Biblioteca Pública Estadual, durante as obras de restauração em 2011.
Figura 23: A necessidade de concentração do leitor.
QUADRO 1: Relação de livros doados para a Biblioteca Pública. (p.68).
QUADRO 2 – Gabinetes de Leitura no Nordeste. (78).
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO – TRACEJANDO OS MÚLTIPLOS E DILATADOS
CAMINHOS PERCORRIDOS
14
1 – A HISTÓRIA DO LIVRO: UMA LONGA E NECESSÁRIA VIAGEM
AO REINO DA INVENÇÃO GRÁFICA
21
1.1. Do papiro ao livro virtual: metamorfoses do tempo
22
1.1.1 Instrumentos e suportes da escrita
24
1.1.2 A imprensa no Brasil
33
1.2. O livro como veículo para o processo civilizador
35
2 – PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIX: IMPÉRIO
BRASILEIRO E PROVÍNCIA ALAGOANA
44
2.1. A leitura como principal elemento na educação formal e o conceito
oitocentista de cidadania
49
3 – OS GABINETES DE LEITURA NO BRASIL: CONCEITO E
ESTRUTURA
64
3.1. Gabinetes de Leitura remanescentes: uma busca pelo Nordeste
brasileiro
78
3.1.1 A participação dos intelectuais na formação do Gabinete de Leitura de
Maceió: Mello Morais, Silva Titara e Tomaz Espíndola
92
3.1.2 A Biblioteca Pública Estadual: dos primórdios aos nossos dias
3.1.3 Aventando um perfil do leitor do Gabinete de Leitura de Maceió
109
113
ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
116
REFERÊNCIAS
119
FONTES
125
ANEXOS
126
15
INTRODUÇÃO
TRACEJANDO OS MÚLTIPLOS E DILATADOS CAMINHOS PERCORRIDOS
Quem não lê...
Mal fala.
Mal ouve.
Mal vê!1
Heinrich Heine2, poeta alemão, historiou uma das mais consistentes frases que ressalta
a autoridade do livro na sociedade ocidental com ampla referência na Europa, com especial
passagem no contexto do nazismo3. Ei-la: “No lugar onde se queimam livros, no fim se
queimam homens” (apud BROOKS, 2008, p. 5). Tendo como guia de ação investigativa tal
pensamento, colocamos nesta ocasião as seguintes perguntas:
1) Quando o livro constituiu-se em principal elemento da cultura civilizada?
2) De que modo o processo de hegemonia da cultura letrada foi se consolidando a
partir do desenvolvimento da tecnologia gráfica?
3) Qual o papel da escrita nesse contexto?
4) Como a constituição do livro e do leitor foi acontecendo?
5) Quais as formas de democratização do livro na sociedade brasileira?
6) De que modo o império brasileiro oitocentista difundiu a construção dos Gabinetes
de Leitura nas províncias?
7) Como se formou o Gabinete de Leitura em terras alagoanas?
1 Campanha cultural da Editora “Civilização Brasileira” (1988).
2 Christian Johann Heinrich (1797/1856) é considerado um dos mais um importantes poetas românticos do
periodo oitocentista na Alemanha. Sua obra essencialmente lírica foi musicada por Robert Schumann, Franz
Schubert, Felix Mendelssohn, Brahms, Hugo Wolf, José Maria Rocha Fereira, Hans Werner Henze e Lord
Berners.
3 O Nazismo, nacional socialismo, originou-se na Alemanha entre guerras, isto é, consolidou-se no contexto do
final da primeira guerra mundial (1919) e da eclosão da segunda (1933-1945). Ideologia de Estado e de governo
que pretendia tornar hegemônico o poderio da raça branca, ariana, alemã sobre todos os povos.
16
8) Qual o perfil do leitor dessa instituição [e por arranjo] dos oitocentos em Alagoas
daquele momento histórico?
Com essas perguntas conduzimos o presente estudo. Não temos a pretensão de dar
todas as respostas nem mesmo podemos, humanamente colocando os termos da equação. No
entanto, apresentamos resultados que podem ser entendidos ou não como respostas.
Dependerá do ponto de vista adotado e da perspectiva avocada.
Muitas vezes nos perguntamos: porque nos decidimos pelo estudo do Gabinete de
Leitura em Maceió? Pronta se faz a resposta: o interesse particular por esse objeto mobilizou a
memória e revelou que isso está intrinsecamente relacionado com o curso de Biblioteconomia
concluído na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), no ano de 2002. Sua origem remonta,
à investigação realizada como trabalho de conclusão do curso (TCC), em que foi elaborada
uma monografia sobre as mulheres poetas de Alagoas, cujo resultado materializou-se no
catálogo intitulado “POETAS ALAGOANAS: bibliografia disponível em bibliotecas de
Maceió-AL4”.
Outro fator relevante que me impulsionou em direção a presente busca científica foi
uma experiência vivida como professor substituto, no citado curso, da mesma instituição, que
acabou despertando o interesse pela temática. A partir dessa vivência passamos a compreender
melhor o papel da leitura e do livro no processo de conhecimento e sua intrínseca relação com
o processo da educação, visto que não há sociedade letrada sem o domínio da técnica da
leitura.
Por extensão, o ‘fazer pedagógico’ da sala de aula, onde o agente que desempenha o
papel de professor (em certos momentos) se sente ‘herói’, em outros, um ‘ente meramente
burocrático’ diante do exercício dessa profissão, levou-nos a pensar em como poderíamos
trabalhar de modo a valorizar a cultura baseada no acesso ao livro, à biblioteca, e ao mundo
da leitura, perpassando pela interdisciplinaridade da educação e da história. Deste modo, na
condição de aluno ouvinte passei a frequentar as aulas da profa. Dra. Graça Loiola 5 do
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFAL).
De volta ao tempo da memória, foram nessas aulas que tivemos a oportunidade de
amadurecer a idéia de estudar os Gabinetes de Leitura, instituições que alcançaram o Brasil do
4 Encontra-se no acervo da biblioteca da UFAL.
5 Maria das Graças de Loiola Madeira é líder do grupo “Caminhos da Educação em Alagoas”. Consideramos
importante deixar registrada a influência positiva da referida professora nos rumos deste trabalho, visto que
muito do que aqui se materializa, relaciona-se com as discussões processadas no interior do referido grupo.
17
século XIX, seguindo um modelo europeu e tendo como missão “civilizar o povo através das
letras”, ação em voga em toda a Europa naquele momento.
No contexto local, esse movimento foi liderado pelos intelectuais simpatizantes do
positivismo6: José Correia da Silva Titara (nascimento: primeira década do século XIX? Ano
de falecimento: 1873 ou 1875); Alexandre José de Mello Morais (1816/1882) e Thomaz do
Bomfim Espíndola (1832/1889). Sujeitos sociais de um tempo considerado “novo” e “belo” 7
que deram impulso inicial à criação do Gabinete de Leitura de Maceió, único na província das
Alagoas e que mais tarde seria transformado na Biblioteca Pública Estadual, existente até os
dias atuais. Apesar de valorizar a ação dos referidos intelectuais não temos como pretensão
ufanar suas trajetórias até porque sabemos que “os homens se parecem mais com sua época do
que com seus pais8” (SCHWARCZ, 2001, p. 12), por estarem em momento histórico que os
absorve com a tessitura dos acontecimentos vivenciados.
Portanto, o percurso da pesquisa nos mostrou que o método (histórico) utilizado e o
que foi colhido nas fontes foram às vezes incipientes para tanta inquietação. As preciosas
orientações da professora Elione Diógenes também foram fundamentais para terminarmos o
trabalho. Justiça seja feita: a ela, a efetivação do trabalho é devida!
Os elementos colhidos foram inicialmente, uma lista de livros doados para a instalação
de uma biblioteca pública, por Alexandre José de Mello Morais; uma vez que o antigo
Gabinete de Leitura já se encontrava em declínio – ou descrédito – “por estar sempre
fechado” segundo palavras de Tomaz Espíndola em discurso de 1860 (SANT’ANA, 1965). A
lista consta de 119 itens sobre os mais variados assuntos, sobre os quais tecemos comentários
mais adiante.
Da citada lista, procedente de um Relatório Provincial do século XIX, foram
localizados no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas sete itens e com tal
informação subsidiamos a composição do perfil do leitor do Gabinete de Leitura de Maceió
no período de breve existência deste, que foi de 1857 a 1865, quando seu acervo (também) foi
doado, para a fundação da Biblioteca Pública Estadual, existente até hoje, embora sem dar
conta mais daquele acervo.
6 O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu no século XIX, criada por Augusto Comte (1798-1857),
filósofo francês, que defendia a primazia da experiência sobre o mundo sensível.
7 Para os adeptos do positivismo. Está presente também nesse contexto, o catolicismo.
8 Conforme Schwarz (2001) trata-se de ditado popular árabe.
18
Outro montante documental de suma importância para este trabalho, garimpado
durante as pesquisas, refere-se a notícias sobre o Gabinete de Leitura, publicados no jornal
Diário das Alagoas, do ano de 1859, do qual destacamos:
(a) Gabinete de Leitura: cobrança da ‘jóia’ de inscrição no gabinete de leitura;
(b) Gabinete de Leitura: sobre a doação de livros por Mello Moraes;
(c) Gabinete de Leitura: sobre suspensão de mensalidade;
(d) Preceitos Reguladores da Sociedade Gabinete de Leitura;
(e) O Lyceista e o Diretor do Liceu.
Todo esse material está transcrito e registrado fotograficamente nesta escrita que ora
expomos ao leitor.
Por isto confessamos: as primeiras investidas no campo investigativo colocaram-nos
lado a lado com todas as dificuldades a que o pesquisador da história da educação e da cultura
tem “direito” para ter acesso às fontes em nossa cidade9, como por exemplo: o horário de
funcionamento reduzido (8h às 11h30min, de segunda a sexta-feira) do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas – que se constitui em um de nossos principais locus de pesquisa - e a
interdição parcial do acervo da Biblioteca Pública Estadual que encontra-se em reforma. Além
destas, deparamo-nos com a dificuldade inexplicável/incompreensível de falta de acesso a
outros acervos em Maceió, a citar: ordens arbitrárias de que tal ou qual arquivo não pode ser
“mexido”.
Mesmo com todas as dificuldades postas, conseguimos reunir alguns “fragmentos 10”,
que acoplados a outros, vão tecendo o painel da história educacional/cultural do livro, do
Gabinete de Leitura e da biblioteca pública em nosso Estado, em suma: traçamos a partir dos
vestígios encontrados, a história da educação/cultura letrada em Alagoas. Mesmo
compreendendo que o material pesquisado nos arquivos tem/mantêm infinitas relações com
real, os pesquisadores precisam de tempo para entender/estabelecer essas relações com o seu
9 Foram realizadas pesquisas nas Instituições: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas; Biblioteca Pública
Estadual; Biblioteca Central do CESMAC; Biblioteca Central da UFAL; Biblioteca da Academia Alagoana de
Letras; Biblioteca do CEAGB; Arquivo Público de Alagoas; Biblioteca do SESC/AL; Biblioteca do Palácio do
Comércio de Maceió e catálogo on-line da Biblioteca Nacional.
10 Diz respeito a pequenos vestígios que evidenciam a presença e a existência desta ou daquela realidade que
não pode ser analisada em separado da totalidade social (BLOCH, 2001).
19
objeto de estudo. A nossa necessidade enquanto pesquisadores é a de poder examinar bem as
fontes, sem pressa, e dissecá-las meticulosamente!11 (FARGE, 2009).
A inexorabilidade dos prazos e a escassez de tempo para desenvolver os trabalhos de
pesquisa durante o curso, posto que os programas de pós-graduação estejam encurtando cada
vez mais o tempo de duração (o que é cada vez mais prejudicial ao desenvolvimento de uma
pesquisa mais consistente) nos encaminhou para uma situação de “anomia”.
Apomos a esta situação, o pouco “conhecimento” do ato de pesquisar no campo da
história da educação. Tudo isto nos fez adentrar na chamada “crise da pesquisa” quando nos
perguntamos em determinado momento, parafraseando Farge (2009): como e o que devemos
fazer com tantos atores inesperados pulando de cena em cena das fontes primárias de
pesquisa? E mais: o que fazer quando as fontes não nos informam sobre os objetivos que
delineamos para a pesquisa em si?
Para essas perguntas não temos respostas, o que trazemos, se constitui numa tentativa
ímpar de esboçar uma narrativa sobre a perspectiva da cultura letrada em Alagoas,
enfatizando que esta sempre foi negada às classes populares. Assim, a cultura letrada, é
propriedade exclusiva das classes dominantes em solo alagoano. O fato de ser inacessível às
classes dominadas não significa dizer que estas não se organizaram no sentido de ter direito
ao processo de escolarização/educação/civilização, como mostram os estudos de Santos
(2011). Contudo, o foco desta pesquisa não está em mapear estes processos e sim, investigar
quais os principais desdobramentos da cultura letrada do oitocentos no que diz respeito à
instauração do Gabinete de Leitura e sua travessia para a biblioteca pública.
Por considerar esta realidade, chegamos à conclusão de que o tema proposto: ‘a
história do livro e do Gabinete de Leitura em Maceió’ precisava ser analisada sobre o prisma
do processo civilizatório, vez que as sociedades letradas do período entendiam que estavam
em pleno processo de evolução civilizatória, os povos que dominavam a técnica da leitura e
da escrita. Portanto, eis o nosso argumento precípuo: a leitura cumpre uma função social
importante no cenário da civilização. A forma material de expressão da leitura é o livro e o
acesso a ele denota o grau de valorização que uma dada sociedade imprime a tal prática
cultural.
Fundamentados nesta concepção incursionamos pelos corredores do Instituto Histórico
e Geográfico atrás de fontes que fossem capazes de tornar concreto o objeto de estudo, isto é,
11 O pouco tempo do Mestrado (dois anos) não permite isso.
20
o Gabinete de Leitura, e livros do século XIX, portanto, no Brasil imperial, especificamente
no período que existiu o Gabinete de Leitura de Maceió: 1857 a 1865. Em tal sentido,
pensamos também em montar o perfil do leitor no século XIX em Alagoas.
Ao percorrer as fontes disponíveis para a coleta das informações necessárias, com base
em uma lista de livros (contendo 119 itens) doados à biblioteca pública de Maceió, por
Alexandre José de Mello Morais em 1865, descobrimos que o acervo da extinta sociedade de
leitura, mais conhecida como Gabinete de Leitura, estava totalmente destruído, com poucas e
raras exceções, como alguns livros que foram compor o acervo do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas - IHGAL.
No que diz respeito à fundamentação teórica da pesquisa, estudamos Elias (1993;
1994) para definir o termo civilização. Norbert Elias foi abordado acerca do processo
civilizatório por termos a compreensão de que ele é um importante teórico sobre o assunto, e
assim concentramos o estudo com base em suas teorias. Outros autores como Bloch (2001),
Farge (2009), Certeau (1982), Burke (1991 e 1992) foram discutidos para tratar a relação
história e o conhecimento historiográfico. Hallewell (2005) e Schapochnik (2005) nos deram
alicerce para discutir a história do livro e da leitura no cenário da civilização.
Com relação aos estudos no campo da história da educação e da cultura em Alagoas
visitamos os trabalhos de Verçosa (2006). Os trabalhos do grupo “Caminhos da Educação em
Alagoas” foram importantes para a compreensão do contexto local em se tratando da
realidade educacional da província Alagoana. Destacamos os estudos de Pauferro (2010) e
Santos (2011) por serem atuais e se preocuparem com aspectos traçados neste trabalho.
Este trabalho é marcado fortemente pela linha da história, considerando que a partir
dela se torna possível “pensar os indivíduos como produtores da história; para explicar que
não há mudança sem história; para combater o excesso de memória e de esquecimento, para
cultivar um saudável ceticismo” (NOVOA, 2010, p.10). Daqui nascem os objetos de estudo,
dos problemas do presente ancorados num estudo rigoroso do passado, levando em conta que
“vivemos num mundo do espetáculo e da moda, particularmente no campo da educação.”
(idem). Este estudo caminha, pois na contramão dos modismos e “holofotes”. A nossa
pretensão configurou-se tímida: delinear percursos e caminhos do livro, da leitura e dos
espaços de civilização/socialização desses artefatos culturais, enfatizando que esses artefatos
também fazem parte da história da educação.
Dito isto, colocamos sinteticamente que a estrutura da dissertação concentra-se em três
capítulos. O primeiro, esboça a história do livro; intitula-se apropriadamente: HISTÓRIA
21
DO LIVRO: UMA LONGA E NECESSÁRIA VIAGEM AO REINO DA INVENÇÃO
GRÁFICA, nele costuramos uma narrativa sobre o longo percurso que o livro peregrinou até
os nossos dias. O segundo recebe o título de PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO
XIX: IMPÉRIO BRASILEIRO E PROVÍNCIA ALAGOANA. Aqui é feito uma digressão
histórica com base em fontes e estudiosos da temática acerca da educação no Brasil
oitocentista e nas Alagoas do império. É no terceiro capítulo denominado OS GABINETES
DE LEITURA NO BRASIL: CONCEITO E ESTRUTURA em que damos conta do objeto
de estudo na sua forma expressa enquanto inquietação investigativa. Além destes capítulos, o
texto ora escrito tem esta introdução e uma conclusão em que expomos os resultados. Conta
ainda o presente escrito com as referências, as fontes consultadas e anexos. No mais, a
pesquisa foi um rico processo de investigação em que não faltaram diálogos intempestivos e
anseios em jogo.
22
1 - A HISTÓRIA DO LIVRO: UMA LONGA E NECESSÁRIA VIAGEM AO
REINO DA INVENÇÃO GRÁFICA
Figura 1: Detalhe da Bíblia de 42 linhas de Gutermberg [Velho Testamento].
Fonte da imagem: CHARTIER, Roger. A aventura do livro... (1998).
Livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil, que
votamos aos maços de cigarro! (Caetano Veloso).
Neste capítulo trabalhamos o contexto histórico da escrita até chegarmos à invenção
do livro e sua inserção nas sociedades mais avançadas. Realizamos uma abordagem no
sentido de Bloch (2001) sobre a questão da longa duração. Trabalhamos com Higounet (2003)
no sentido de traçar o difuso e fantástico trajeto do livro no cenário social. Fazemos uma
viagem equidistante em dois sentidos: temporal e local. Navegamos de uma ponta a outra da
vida cronológica e nos aventuramos de um continente a outro pela história do mundo gráfico
que viria a ser largamente conhecido como livro.
23
O leitor, pois, irá se deparar com o percurso histórico do livro, a partir da invenção da
escrita, passando pelos suportes que o construíram nas diversas partes do mundo. Seguimos
este percurso histórico a partir do momento em que o homem passou a utilizar-se da escrita
para contar a sua própria história na concepção de Sampaio (2009) abordando o momento da
invenção do objeto que viria ser amplamente conhecido como livro. Incursionando pela
história, encontramos o livro em argila; no suporte pergaminho; passando pelo papiro, até
chegar ao papel que hoje conhecemos. Marcando também a ‘invenção’ do alfabeto, e a
popularização da imprensa, até o surgimento do livro no Brasil, sua indústria; a censura aos
livros, até chegarmos à explosão bibliográfica dos dias atuais na argumentação histórica de
Martins, (1998). Privilegiamos a síntese histórica de Campos (1994), pelo fato de sua
concisão textual se amoldar ao objetivo proposto neste texto: informar sobre um longo
percurso histórico, de forma sucinta.
Figura 2: Papiro egípcio.
Fonte da imagem: www.fascinioegito/papiro. Acesso: 15/03/2012.
1.1. Do papiro ao livro virtual: metamorfoses do tempo
Um homem, suponhamos, caminha por um atalho de montanha; tropeça e cai
num precipício. Foi preciso, para que esse acidente acontecesse, a reunião de
um grande número de elementos determinantes. (BLOCH, 2001, p. 155).
A história da comunicação através de sinais ou idiomas, naturalmente precede a
história da escrita e do livro. Cabem, então, alguns questionamentos: a) Como e em que
momento a linguagem se diversificou em idiomas? b) Como e em que momento a linguagem
auditiva se transformou em linguagem visual? c) Como se deu a invenção dos primeiros
24
sistemas de escrita? Estes são questionamentos ainda sem respostas absolutas por que são
problemas até agora não resolvidos e que, continuarão insolúveis (MARTINS, 1998). Certo é
que o livro tem sua história bem demarcada ao longo do processo da existência humana; então
vamos recuar bastante no tempo para referendar o passo a passo de sua trajetória.
Consoante as pesquisas desenvolvidas por Sampaio (2009) os homens “começaram a
comunicar-se entre si fazendo desenhos de caráter mágico, como acontece com os desenhos
rupestres, depois recorreram a ideogramas, sinais que exprimem ideias e não sons”. (idem, p.
34)
Não à toa vão surgindo muitas e diferentes formas de escritas nas diversas línguas no
tempo e no espaço (como a pictografia, a escrita cuneiforme, os hieróglifos, a escrita chinesa,
a grega, a latina, a romana entre tantas outras), inclusive a escrita impressa, que se tornou
possível através do desenvolvimento da ciência e da indústria geradora do instrumento que
convencionou-se chamar de livro.
Segundo Higounet (2003, p.09) a escrita enquanto expressão gráfica da linguagem é
“um procedimento do qual nos servimos para imobilizar, para fixar a linguagem articulada”
tornando-se mais que um instrumento, que realiza o pensamento que até então permanecia em
estado de possibilidade. Para que ela exista é preciso “inicialmente um conjunto de sinais que
possua um sentido estabelecido de antemão por uma comunidade social e que seja por ela
utilizado, e em seguida é preciso que esses sinais permitam gravar e reproduzir uma frase
falada” (idem, p.11). Assim, a linguagem composta no livro faz parte de um mundo social que
reconhece e se reconhece nela. Martins (1998, p.33) corrobora com o autor em tela quando
explica:
O que é certo é que a história da escrita é em essência uma longa tentativa
para desenvolver um simbolismo independente com base na representação
gráfica seguida da lenta e amargurada constatação de que a linguagem falada
é de um simbolismo mais poderoso do que qualquer espécie de gráfico e que
o verdadeiro progresso na arte da escrita repousa no abandono virtual do
princípio de que originalmente partiu. A escrita é apenas um –
provavelmente o mais perfeito e o menos obscuro – entre inúmeros outros
sistemas de linguagem visual: a essa mesma categoria pertencem os
desenhos a mímica, os códigos de sinais marinhos e terrestres, luminosos ou
não, os gestos, em particular a linguagem por gestos dos surdos [...], etc.
Após o homem primitivo ter desenvolvido a linguagem oral e a do desenho, entre
outras formas de expressão, seguiu-se a linguagem escrita, logicamente não de uma só vez, de
“um único golpe no espírito humano” (MARTINS, 1998, p.34). Em verdade, foi um processo
que levou séculos: se completou e se aperfeiçoou, mas está em constante mudança. Sendo o
25
objeto de discussão neste ponto, a história do livro e não da escrita, estamos abreviando para
chegar ao nosso objeto de estudo.
Nesse contexto Higounet (2003, p.59) aventa um conceito para a ‘invenção’ do
alfabeto: “O alfabeto pode ser definido como um sistema de sinais que exprimem os sons
elementares da linguagem”. Afirmando que os mais antigos monumentos da escrita latina que
chegaram aos dias de hoje datam do fim do século VII ou início do século VI. São inscrições
da pedra negra do antigo fórum romano, descoberta em 1899 [...], vem em seguida uma “série
de outros textos gravados e mais longos, encontrados em Roma e no Lácio, distribuindo-se do
século VI ao século IV a.C., nos quais a orientação [da escrita] para a direita acaba de
prevalecer” (idem,103). Estabelecidas historicamente a escrita e o alfabeto, passemos às
formas/instrumentos de escrita e seus suportes.
1.1.1. Instrumentos e suportes da escrita
O instrumento apropriado para a escrita diferia segundo a matéria empregada. Assim,
se os caldeus12, faziam uso de uma espécie de cinzel para gravar as tabletas de argila, os
romanos empregavam o graphium ou stylus – tabuinhas enceradas. O estilete era uma haste de
metal ou de osso, pontuda de um lado, achatado de outro, o que permitia escrever e apagar,
em caso de erro.
São Jerônimo13 afirma que o estilete escrevia sobre a cera e o caniço, sobre o papiro ou
sobre o pergaminho. Esse caniço, chamado comumente calamus era conservado em estojos
apropriados, que muitas vezes se carregavam pendurados na cintura, junto com o recipiente de
tinta. “Os romanos chegaram a fabricar calami de bronze, que foram, assim, um prenúncio da
pena metálica, dela separados pelo reinado da pena propriamente dita, a pena das aves.”
(MARTINS, 1998, p.68).
As lajotas de barro das bibliotecas mesopotâmicas, com sua escrita cuneiforme, são
consideradas os mais remotos ancestrais do livro. Para fabricá-las, recorriam à mesma técnica
de fazer tijolos. O barro mole era acomodado em moldes e posto a secar. Uma antiga pintura
parietal egípcia mostra oleiros produzindo tijolos por este processo. Para redigir, os escribas 14
12 Povos que habitavam a antiga Mesopotâmia.
13 Nasceu no século III (ano: 347) e faleceu no século IV (420). Traduziu a Bíblia do grego antigo e do hebraico
para o latim. Considerado o padroeiro dos bibliotecários e dos tradutores, e patrono das secretárias.
14 Categoria profissional profundamente valorizada no mundo antigo oriental.
26
(copiador de livros, copista) valiam-se de um estilete de metal ou de osso, com o qual
gravavam os caracteres cuneiformes sobre as lajotas antes de serem postas a secar. A fim de
manter a umidade necessária à gravação nos textos mais longos, os escribas envolviam em
panos molhados as lajotas que ainda não estavam sendo utilizadas. O livro de barro não
registrava o nome do autor, mas sim, com alguma frequência, o do escriba ou do proprietário.
As bibliotecas dispunham de catálogos das obras, também em lajotas de barro: “Os livros não
tinham títulos, sendo catalogados pelas duas ou três primeiras palavras do texto. Eram
guardados em nichos feitos nas paredes do recinto palaciano destinado às bibliotecas”
(CAMPOS, 1994, p.23). O mesmo autor esclarece que
O papiro é um dos suportes mais antigos da escrita. Os camponeses egípcios
chamavam a planta de parucca. Abundante nas margens do Rio Nilo [...]
serviu ao homem desde a pré-história, possibilitando suas fibras o fabrico de
esteiras, cordas, sandálias, barcos e outros utensílios, antes que algum
escriba sobre elas desenhassem os primeiros sinais de comunicação. Tudo
indica que os egípcios tenham sido os primeiros a usar o papiro como
suporte da escrita. O Papiro de Prisse (Biblioteca Nacional de Paris),
contem textos de caráter religioso e ético do velho Egito, e data
aproximadamente de quatro mil anos. (idem, p.42).
O rolo do papiro era denominado volumen pelos latinos e de kylindros pelos gregos,
que era a forma do livro naqueles idos, compondo-se em regra de 20 folhas em formato
retangular, em sequência, medindo cerca de 30 cm de altura por 20 cm de largura. Os egípcios
escreviam em colunas, assim como se escrevem nos jornais de hoje. Tais colunas, que os
latinos chamariam de paginae, ficavam em posição perpendicular ao eixo do rolo.
Normalmente, usava-se apenas o reto, isto é, o lado da frente da folha, o mesmo lado de suas
fibras horizontais, o que facilitava o trabalho de escrita. Alguns papiros apresentam textos dos
dois lados comumente chamados de opistógrafos. Entretanto, têm-se poucos. Isto porque a
folha de papel muito delgada tinha dificuldade em suportar a tinta no reto e verso: “dispondo
de abundante matéria-prima, os egípcios tornaram-se os maiores produtores de papiro e
desenvolveram esforços no sentido de aperfeiçoá-lo” (CAMPOS, 1994, p.43).
O pergaminho é o único suporte da escrita que requer sacrifício de animais – bois,
carneiros, cavalos, porcos, veados – para sua elaboração. Sucintamente pode-se dizer que o
pergaminho resulta do couro cru esticado. Utiliza-se a parte intermediária da pele (derme)
macerada, alisada com pedra-pome e lubrificada para que se mantenha flexível e polida. Vale
dizer que existiu “um tipo especial de pergaminho, o mais fino e o mais caro, que era o
‘velino’, preparado com a pele de carneiros natimortos.” (CAMPOS, 1994, p.69).
27
Sobre os profissionais que lidavam com a escrita nestes suportes, registramos que
eram tidos como pessoas diferenciadas: a profissão de escriba no Egito dos faraós, tanto
quanto na Mesopotâmia, era das mais importantes. O candidato tinha que passar por um longo
aprendizado básico na Escola do Livro. Para alcançar o apogeu da profissão, devia frequentar
cursos superiores. Carta de um pai, daquela época, a seu filho, conforme transcrição de Úrsula
Katzeinstein, (em a Origem do Livro, 1986) nos dá ideia das vantagens da profissão:
“somente os escribas têm um serviço suave com riscos mínimos para a saúde e conforto”.
Disto resulta que mesmo que tenha vindo de uma origem humilde, seu trabalho os eleva
acima de sua classe e pode levá-los às portas do poder, enquanto aos outros estavam
reservados duros trabalhos de má recompensa. Era, então, um cargo político, podendo ser
considerado como os ancestrais dos bibliotecários de hoje, no entanto, com mais prestígio e
eventual poder.
Está escrito num papiro de remota idade: O pobre homem ignorante, de quem ninguém
sabe o nome, é como um burro pesadamente carregado conduzido pelo escriba. Abençoados
por Thot, o deus da sabedoria, os escribas tornaram-se peças fundamentais na comunicação
entre os faraós, os sacerdotes e o povo, passando a ocupar altos cargos no governo e
crescendo sua importância na medida em que se desenvolvia o Estado egípcio. Cabia-lhes,
além da redação de textos oficiais, burocráticos, religiosos e laudatórios, a redação de obras
literárias. Graças ao seu conhecimento da história, da geografia e da política, os escribas eram
seguidamente chamados a assumir funções diplomáticas. Mas também cabia, dependendo do
estágio de cada um dentro da profissão “a simples tarefa de cobrador de impostos, quase
sempre mal vista, principalmente pelos camponeses, as maiores vítimas” (CAMPOS, 1994,
p.44).
Em contrapartida, a profissão de curtidor de peles era considerada desonrosa pela
sociedade por causa do mau cheiro das pessoas que a exerciam. Em Roma, no século VI a. C.,
os curtumes, do outro lado do Rio Tibre, ficavam bem distantes dos bairros residenciais. A
profissão foi praticada por muitos judeus desde a Antiguidade. Isto não impediu que o
Talmude, o segundo livro sagrado das comunidades judaicas, também feito de pergaminho,
discriminasse os curtidores, permitindo o divórcio às suas mulheres e proibindo a presença de
filactérios15 e da mesusa16 nos curtumes. Conforme Campos (1994, p. 68): “O mais antigo
15 Amuleto com o qual se busca afastar o infortúnio.
16 Caixinha com faixa de pergaminho, contendo passagens bíblicas.
28
pergaminho sobrevivente foi descoberto entre as ruínas da cidade helenística de Dura
Europos, na Mesopotâmia, e está datado do início do século II a. C.”.
Cem anos antes de começar a Idade Média, o pergaminho já substituíra quase
inteiramente o papiro na produção de livros. Graças ao pergaminho foi possível o
desenvolvimento do codex (ancestral do livro na forma atual) a partir do século II da era
cristã: “É que o pergaminho, muito mais resistente do que o papiro, suportava a costura pelo
vinco sem que as folhas se rasgassem, desgastava-se muito menos pelo manuseio e facilitava
a correção de eventuais erros no texto pela simples raspagem das letras”. (CAMPOS, 1994,
p.70).
Visto que o conhecimento desponta em diversos lugares do mundo, anotações de
diferentes períodos nos transmitem a ideia de que o bambu estava bastante difundido na
China, como material para escrita. K’ung Chi, neto de Confúcio, num relato do século V a.C.,
nos fala em fichas de bambu como livros em que foram registrados o bom governo dos reis
Wen e Wou. Tais fichas ou tiras, com um centímetro de largura, eram obtidas depois do
seccionamento do caule da planta em cilindros de vinte centímetros de altura. Em seguida as
peças eram raspadas internamente e postas a secar sobre o foco. Finalmente, para formar o
livro, eram furadas numa das extremidades e unidas por um fio de seda. Cada tira de bambu
comportava uma coluna de caracteres verticalmente composta, contendo em média vinte
palavras.
Os escribas usavam como caneta uma pequena vara, também de bambu. Um dos
inconvenientes do livro de bambu era seu peso. Isto certamente contribuiu para sua extinção.
Não obstante, o livro de bambu durou mais de 1.000 anos e muitas obras da literatura chinesa
foram escritas sobre este suporte. A Arte da guerra, de Sun Tsu cujos 13.000 caracteres
exigiram uma quantidade de tiras de bambu difícil de calcular e ainda mais de carregar, é um
dos mais famosos exemplos.
O papel (mais ou menos) como o conhecemos, hoje, teve origem na China. Um alto
funcionário do governo Chinês, Tsai Lun, é quem o teria inventado no ano de 105 de nossa
era. Tsai Lun é uma espécie de santo muito particular, venerado por antiquados fabricantes de
papel até hoje estabelecidos na China; nasceu em Hunã, (distrito famoso pela fabricação de
panos), homem talentoso, dedicado a extensas e minuciosas pesquisas, fez um relato ao
imperador sobre o processo de fabricação de papel em sua província natal. Uma apreciação
distorcida deste documento transformou Tsai Lun no inventor do papel, porém o mesmo foi
vítima de intrigas palacianas e acabaria por se suicidar, “mas seu informe ao imperador
29
contribuiu decisivamente para a adoção generalizada deste suporte de escrita em substituição
ao bambu, à seda e às tabuinhas entalhadas.” (CAMPOS, 1994, p.75).
A produção do papel chinês obedecia ao seguinte processo: juntavam-se as matériasprimas (refugos de seda, entrecasca da amoreira e do bambu, restos de produtos feitos com
fibras vegetais) num tanque de água e batia-se para separar as fibras. A polpa líquida
resultante era colhida numa peneira retangular, deixando-se escorrer a água. Assim, era
“retirada e posta a secar, a película formada pela camada de fibras sobre a peneira resultava
numa folha de papel. Os chineses mantiveram o monopólio do papel por cerca de seiscentos
anos.” (ibidem, p.76).
Os chineses também inventaram a imprensa; embora os historiadores ainda não
saibam explicitar exatamente como, nem se conhece o nome do inventor. Talvez algum dos
muitos budistas empenhados na propaganda de sua religião mereça o crédito. “Entre os
antigos documentos encontrados no Turquestão constam muitas pequenas imagens impressas
de Buda”. (ibidem, p.77). Em 1907, um arqueólogo inglês, sir Aurel Stein, vasculhando uma
sala secreta das Cavernas dos mil Budas, em Tung-Huang, no extremo-oriente chinês,
encontrou um exemplar do mais antigo livro impresso, o Sutra diamante, um rolo de papel de
5m de comprimento por 30 cm de largura contendo sete folhas, seis textos e uma ilustração; e
no colofão se lê: “Esse livro foi impresso por Wang Chien a 11 de maio de 868 para
distribuição geral a fim de perpetuar a memória de seus pais com profunda veneração”. É
possível notar a xilogravura do fronstispício, rica em detalhes, representando Buda em
pregação, rodeado de figuras divinas. Isto nos dá bem “uma ideia do alto nível que tinha
atingido a arte de imprimir e de ilustrar na China muitos séculos antes que esta mesma arte
alcançasse a Europa” (CAMPOS, 1994, p.78).
Além de serem os inventores do papel e da impressão tabular, os chineses também
foram os primeiros a fazer tipos móveis e a utilizá-los para a reprodução de textos. Segundo
relato do escritor chinês Shen Kua, que viveu entre 1030 e 1093, foi o ferreiro Pi Sheng, de
Hamg-Chu, “homem de trajes de algodão”, isto é, pobre que fabricou os primeiros tipos
móveis (ibidem).
Redesenhando nossa viagem pela história do livro, passemos a outro continente. A
caminhada do papel na Europa começa nas cercanias do século XII, importado de Damasco,
via Constantinopla, e da África, passando pela Sicília. Havia mil anos que fora inventado
pelos chineses. Lenta seria a difusão do papel na Europa, podendo-se evocar mais de uma
razão para explicar o fenômeno, sendo a primeira o analfabetismo, que não forçava a
30
demanda de livros. A segunda causa estava na qualidade do pergaminho, muito superior a dos
primeiros papéis utilizados pelos europeus. A terceira causa deveu-se ao fato de – sendo o
papel de origem mulçumana e judaica – não contar com o apoio da Igreja, estando também
sujeitos a sanções legais, como um decreto do rei Frederico II, divulgado em 1221, que
declarava não válidos os documentos escritos sobre papel. Assim, o “primeiro documento
europeu em papel é uma escritura do conde Rogério, da Sicília, datado de 1109” (CAMPOS,
1994, p.164).
A produção caseira do papel também se espalhou porque a tecnologia era simples e o
preço baixo, variando entre quatro a oito vezes menos que o do pergaminho, até porque essa
produção caseira dava origem a um papel mais grosso, esponjoso, sem o refinamento do
pergaminho (CAMPOS, 1994). Numa leitura sobre o significado do termo “papel”, Martins
(1998, p.111) nos informa que vem “etimologicamente de “papiro”, que era papyrus em latim
e papuros em Greco”. Mas, ainda uma vez, o nome poucas relações tem com a coisa, e o
papel não é um derivado do papiro: é seu rival vitorioso.
Sobre o suporte da escrita do livro latino, Campos (1994, p.118) confirma-nos que “a
entrecasca (líber) da tília, uma árvore ornamental, nativa da Europa, talvez tenha sido o mais
antigo suporte de escrita usado pelos romanos”. O processo de produção deste suporte
lembrava muito a maneira pela qual os egípcios obtinham a folha de papiro. E a forma do
livro de entrecasca era também o volumen, referido ainda no século V como de algum uso
entre os romanos. A partir daqui já temos o antecessor do nosso moderno papel sulfite.
Com relação à invenção da imprensa, Campos (1994) nos informa que, embora a
xilogravura (impressão em madeira) já fosse conhecida no Japão e na China desde o século
VIII, a técnica só chegou à Europa bem mais tarde. No século XV, os primeiros livros
xilogravados, em geral religiosos, foram produzidos na Alemanha e nos países Baixos.
Atribui-se ao viajante Marco Polo a informação de que os chineses usavam no século XI,
tipos soltos para a impressão. No século XV, Johannes Gutemberg, conhecido como inventor
(oficial) da imprensa, soube disso e desenvolveu o processo. Criou um instrumento prático de
fundição e produção de tipos móveis e um tipo especial de tinta preta de fácil secagem e sem
gorduras, que permitia aproveitar as duas faces do papel. A imprensa revolucionou a história
do livro e o transformou no veículo por excelência da ciência e da cultura.
O surgimento do primeiro livro impresso na Europa do século XV representou uma
autêntica revolução cultural. O livro marcou a emergente influência dos iluministas e permitiu
31
que a educação e a cultura se expandissem para além dos círculos a que estavam
habitualmente restritas – a nobreza e o clero.
Do ponto de vista estritamente funcional, o livro é um conjunto de elementos de
comunicação gráfica que contém ideias, descrições ou referências a vários assuntos, com o
propósito de divulgar conhecimentos ou de preservar o registro de fatos de qualquer natureza.
Em todas as civilizações com literatura escrita, o livro sempre foi o instrumento fundamental
para a preservação e a difusão da cultura. Embora a forma, o conteúdo e as técnicas editoriais
tenham sofrido profundas transformações ao longo do tempo, existem características que são
comuns a todo e qualquer livro, como o objetivo de difundir e comunicar ideias e o uso de
linguagem escrita (CAMPOS, 1994).
Voltando outra vez à roda do tempo, vamos lembrar que já no terceiro milênio, antes
da era Cristã se empregavam no Egito, rolos de papiro nos quais os escribas copiavam textos
sagrados, políticos, comerciais ou literários. Os papiros eram guardados em potes de barro ou
estojos de madeira. O texto mais importante dentre os que se conhecem daquela cultura é O
livro dos mortos, que data de cerca de 1.800 a.C.
A placa de argila, outro antecessor do livro, existiu na Mesopotâmia desde o quarto
milênio anterior à era cristã. Textos políticos, comerciais e religiosos eram gravados em
escrita cuneiforme. Foram encontradas mais de 500.000 placas, escritas em ambos os lados,
algumas agrupadas em série. Normalmente a primeira placa da série exibia o título da obra, os
nomes do proprietário e do escriba. O período marcou um florescimento da literatura. Merece
especial destaque a coleção de Nínive, reunida pelo rei assírio, Assurbanipal, até o ano 650
a.C. Também os hititas, na Anatólia, deixaram coleções de placas em escrita cuneiforme e até
catálogos das obras.
Na China, a produção escrita se desenvolveu um pouco mais tarde que no Egito e na
Mesopotâmia. Usavam-se tábuas de madeira, escritas da esquerda para a direita e de cima
para baixo. Ou seja, houve um ‘império do livro’ em formatos anteriores ao papel, e
bibliotecas que ficaram na história. No ano 213 a.C., o imperador Shi Huangdi mandou
queimar todos os livros por achar que incitavam à subversão. No período seguinte tentou-se
reparar a perda, mas a madeira disponível não era suficiente e usou-se seda como suporte. No
início século II da era cristã, os chineses inventaram o papel, feito de cascas de árvores e
restos de tecido.
No século VII a. C., os rolos de papiro foram introduzidos na Grécia. A cultura grega
do papiro floresceu extraordinariamente durante o período helenístico, após a guerra do
32
império de Alexandre, o Grande, quando a dinastia ptolomaica do Egito atraiu para
Alexandria grande número de sábios gregos, que se dedicaram à produção científica e
literária. Reuniram-se assim, grandes coleções de obras escritas em papiro, como a célebre
biblioteca de Alexandria. Algumas dessas obras eram ricamente ilustradas e em sua
elaboração, além do escriba, atuava também o revisor ou comentarista, que às vezes
acrescentava notas marginais ao texto. Alexandria conheceu um punjante comércio livreiro,
que continuou após o incêndio da biblioteca original, no século I a.C., a coleção de obras
reunidas em Pérgamo, na Anatólia, jamais superou a de Alexandria, visto ter sido naquela
cidade que teve início a difusão do uso do couro fino e curtido na elaboração de livros. O
material foi chamado, a partir daí, de pergaminho. Como permitia a raspagem, é comum
encontrar pergaminhos onde aparecem dois textos superpostos (CAMPOS, 1994).
Originalmente o pergaminho era usado em rolos, como os papiros. Pouco a pouco,
começou a se impor um formato mais cômodo, conhecido como códice, mais parecido com o
livro moderno, que consistia numa série de folhas de pergaminho cortadas e agrupadas entre
duas capas de couro ou madeira. No século IV o códice já era a forma mais difundida. Em
Roma houve um ativo comércio de livros. O livreiro importava exemplares, sobretudo gregos,
ou editava seus próprios livros, utilizando como escribas escravos especializados, da mesma
maneira que os grandes colecionadores particulares.
O comércio livreiro, muito ativo durante a Antiguidade, desapareceu com o advento do
cristianismo e da barbárie. O livro durante a maior parte da Idade Média, era encontrado
quase que exclusivamente nos claustros. Com o nascimento das universidades, no século XII,
o livreiro e seu comércio ressuscitam. No século XIV, segundo uma estatística do ano de
1323, a cidade de Paris contava com 29 livreiros, congregados numa corporação que admitia
como sócios negociantes de papel, capelistas, pintores e barbeiros.
O regulamento imposto pelas universidades aos livreiros era muito severo. Em 1324,
exigia-se que o livreiro jurado da universidade devia comprovar ser pessoa de vida correta e
bons costumes, e a lista dos livros a serem comercializados dependia de aprovação da
autoridade universitária; assim como o formato do livro, seu preço de venda ao público e a
porcentagem de lucro do livreiro também eram determinado pela universidade: “o livreiro
também ficava obrigado a alugar livros aos estudantes, que podiam copiá-los” (CAMPOS,
1994, p.163).
Durante os séculos turbulentos que se seguiram à queda do Império Romano, as
instituições eclesiásticas se encarregaram da preservação do saber antigo e também da
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elaboração de livros. No império bizantino, primeiro refúgio da cultura grega, foi criado
vastas bibliotecas monásticas. Também constituiu decisivo o trabalho de recuperação cultural
dos árabes, que transmitiram ao Ocidente grande parte do saber clássico, sobretudo por meio
da Espanha islâmica. Muitas obras de medicina, matemática e astronomia foram traduzidas do
grego para o árabe e, então, para o latim.
Na Europa ocidental a ordem beneditina se impôs a tarefa de conservar a cultura
mediante sua reprodução e estudo. Os copistas produziram volumes de conteúdo literário,
filosófico e religioso. Da escrita grega e romana se passou à escrita cursiva. Adotaram-se as
abreviaturas e contrações que tornaram mais rápido o trabalho dos copistas, e a iluminura
(ornamentação) do texto dos códices17 se converteu numa forma de arte e as encadernações
atingiram maior nível de sofisticação e riqueza. Com o surgimento das universidades, o livro
passou a ser difundido fora do meio eclesiástico e o comércio livreiro renasceu. O uso cada
vez maior do papel durante o século XIII contribuiu para a difusão do livro. O papel havia
chegado ao Ocidente em meados do século XII, por intermédio dos árabes, que o conheceram
na China. As novas condições sociais do Renascimento fizeram com que tanto a emergente
burguesia comercial quanto a nobreza demonstrassem renovado interesse pela cultura e pelo
livro. Surgiram grandes bibliotecas particulares e reais, que reuniram apenas obras em latim,
mas também nas línguas vernáculas. No mesmo período, os humanistas, inspirados por
Petrarca, dedicaram-se à recuperação das obras clássicas gregas e latinas.
O processo litográfico para reprodução de ilustrações, descoberto no século XVIII, e
as técnicas mecanizadas de impressão aperfeiçoadas no século seguinte, proporcionaram os
meios necessários para atender a crescente demanda de livros nas sociedades culturais. No
século XX, graças ao progresso tecnológico que, dia a dia, cria métodos de produção cada vez
mais rápidos e possibilitam grandes tiragens, o livro se converteu num instrumento de difusão
cultural acessível à maioria dos povos. Seu papel prioritário, nesse aspecto, se mantinha no
fim do século, a despeito do grande progresso de outros meios de comunicação (CAMPOS,
1994).
Figura 3: Modelo antigo de uma imprensa.
17 Conjunto de placas de madeira ou marfim , articulados por dobradiça; constituindo-se uma espécie de livro.
34
Fonte da imagem: www.riodejaneiroaqui.com. Acesso: 20/04/2012.
1.1.2. A imprensa no Brasil
A primeira tentativa de introduzir a tipografia no Brasil foi feita pelos holandeses
durante a ocupação no Nordeste brasileiro entre 1630-50. Só em 1747 no Rio de Janeiro é que
há provas de que havia uma impressora no Brasil, através de folhetos impressos na época. O
tipógrafo era Antonio Isidoro da Fonseca de (reconhecido tipógrafo de Lisboa), que vendera
seu negócio lá e viera para o Brasil.
Na verdade, esse tópico de nossa história parece muito confuso e não encontramos
consenso nos autores consultados. Há relatos de que a primeira tipografia instalada no Brasil
teria sido pela Academia dos Seletos (1752?-?), mas que durou pouco, porque por ordem do
governo da metrópole, foi destruída e queimada para que não se propagassem por este meio
ideias contrárias ao regime colonial.
Outros autores recuam dessa data e dão como certa “a instalação da primeira oficina
tipográfica em 1747, pertencente Antônio Isidoro da Fonseca, que imprimiu documentos da
Companhia de Jesus no Rio de Janeiro” (MARTINS, 1998, p.299).
Por outro prisma, mas, contando a mesma história, Carvalho (1996, p.01) cita que “A
imprensa Régia, fundada no Rio de janeiro em 1808, deu início à imprensa escrita no país” e
que o primeiro periódico brasileiro foi A Gazeta do Rio de Janeiro, que tinha a função de
divulgar toda a informação oficial emanada do Poder Real.
A imprensa surgiu em nosso país com a autonomia; na fase colonial, apesar de
tentativas, não conseguiu aparecer: os livros eram impressos na metrópole, com a dupla
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licença da autoridade religiosa e da autoridade civil, ambas rigorosas. Entravam na colônia
como contrabando, via de regra, e eram considerados material subversivo; só se compreendia
o livro em mãos religiosas, para usos do ofício. Nos fins do século XVIII, apareceram
algumas bibliotecas particulares, quase todas de padres; o arrolamento delas, nas chamadas
inconfidências, dá a ideia do que se passava na época.
Com a condição política de Reino Unido, surgiu a imprensa no Brasil, sob severas
restrições Regenciais, mesmo assim, desenvolveu-se e ganhou, nas áreas urbanas, um teor
popularesco singular, marcado pelos pasquins. O Segundo Império, mantendo embora,
formalmente, a liberdade de expressão, reduziu em muito o alcance da imprensa; ao fim do
século XIX, quando ocorreram as reformas em que o próprio regime seria alterado: “a
imprensa tomou novo impulso; o governo oligárquico submeteu-se novamente; e assim foi
com altos e baixos” (SODRÉ, 1996, p.130).
Desde que surgiram as primeiras oficinas gráficas, começaram a ser produzidos livros.
A precariedade do parque gráfico, na fase artesanal, era tamanha, entretanto, o livro, na maior
parte, era impresso no exterior, particularmente em Portugal. O desenvolvimento do parque
gráfico brasileiro data da fase em que crescem e se alastram as relações capitalistas: “a
atividade editorial, em termos nacionais, tem início após a revolução de 1930” (SODRÉ,
1996, p.130).
Conceituado tecnicamente como um “objeto formado por conjunto de folhas de papel
encadernadas, impressas com elementos de comunicação gráfica que contém ideias,
descrições ou alusões a diversos assuntos” (BARSA, 2002. p.87) e como “objeto
transcendente” na voz do poeta (VELOSO, 1997); ou: “publicação impressa, não periódica,
que tenha mais de 49 páginas, excluindo capa e a folha de rosto” (ARRUDA; CHAGAS.
2002. p.132), o livro “frágil e ao mesmo tempo indestrutível” (GUEDES, 2001) tem uma
imensa trajetória precedida pela linguagem e pela escrita, que teve início com as lajotas de
barro das bibliotecas mesopotâmicas, com sua escrita cuneiforme (CAMPOS, 1994),
desencadeando o processo que deu origem à Bíblia de Gutenberg, conhecida como o primeiro
livro da história.
Não podemos perder de vista que o livro não é, apesar de tudo, uma mercadoria como
as outras. Ele tem um aspecto nobre, representado por suas origens espirituais e pelos fins a
que se destina. Seu emprego próprio não exclui, antes pressupõe a delicadeza de trato, o bom
gosto, a finura intelectual, os ambientes em que a inteligência e não a matéria deve reinar
soberanamente.
36
Mesmo quando na mão de um professor ou de um escritor, ele não passa de um
“instrumento de trabalho”, de uma “ferramenta”, o livro guarda a sua superioridade própria e
venerável de veículo privilegiado, de forma pela qual a ideia materializa-se e transmite.
Tanto quanto possível, o livro deve ser criador e necessário socialmente inclusive
como objeto e deve ser agradável à vista e ao tacto, como é agradável à mente. Reduzi-lo à
condição de mera mercadoria é “vilipendiá-lo, é humilhá-lo na sua natureza e, o que é pior, é
tornar o homem indigno dele.” (MARTINS, 1998, p.242).
Toda a importância que os autores/historiadores referendados aqui atribuem ao livro
sanciona a nosso ver, que este objeto é por excelência um dos protagonistas do processo
civilizatório e educacional.
1.2. O livro como veículo para o processo civilizador
Discutimos nesta seção, as ideias de Norbert Elias, no que concerne ao processo
civilizador, tendo como base a tese da importância do acesso à informação e a cultura, através
do livro. Defendemos a teoria de que a civilização se embasa no conhecimento escrito por
excelência, tornando o objeto livro elemento primordial no processo de educação humana.
Referendando que a história da humanidade divide-se em antes e depois da escrita.
Norbert Elias (1897/1990) foi um sociólogo de origem judaica, nascido na Alemanha,
de onde teve que fugir da perseguição nazista exilando-se em 1933 na França, antes de
estabelecer-se na Inglaterra onde passou grande parte de sua carreira. Seus trabalhos em
alemão tardaram a ser reconhecidos e ele viveu de forma precária em Londres antes obter em
1954 um posto de professor na Universidade de Leicester. Suas obras priorizavam a relação
entre poder, comportamento, emoção e conhecimento na História.
Por isto, exatamente, permaneceu durante um longo período como um autor marginal,
tendo sido redescoberto por uma nova geração de teóricos na década de 1970 do século
passado, quando se tornou um dos mais influentes sociólogos de todos os tempos. Sua tardia
popularidade pode ser atribuída à sua concepção de grandes redes sociais, que encontrou
aplicação nas sociedades ocidentais pós-modernas, onde a presença da ação individual não
pode ser negligenciada, visto que a demasiada ênfase na estrutura sobre o indivíduo em vigor
até então começava a ser duramente criticada.
A obra mais importante de Elias foram os dois volumes de O Processo Civilizador.
Originalmente publicado em 1939, foi ignorado até sua republicação em 1969, quando o
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primeiro volume foi traduzido para o inglês. Este primeiro volume traça os acontecimentos
históricos do habitus europeu, ou "segunda natureza", ou seja, a estrutura psíquica individual
moldada pelas atitudes sociais. O autor em tela demonstrou como os padrões europeus pósmedievais de violência, comportamento sexual, funções corporais, etiqueta à mesa e formas
de discurso, foram gradualmente transformadas pelo crescente domínio da vergonha e do
nojo, atuando para fora de um núcleo cortesão de etiqueta.
O autocontrole era cada vez mais imposto por uma rede complexa de conexões sociais
desenvolvidas por uma autopercepção psicológica cunhada por Freud como ‘superego’
(ELIAS, 1993). Neste sentido, a eclosão do livro e da leitura, foram determinantes para
moldar os sujeitos humanos conforme uma necessidade coletiva e coletivizante.
É sobre o segundo volume de O processo civilizador que tem como subtítulo
‘formação do Estado e civilização’, que vamos nos debruçar mais acuradamente – embora
também fazendo uso do volume um da obra –, para comprovar a tese de que o acesso aos
livros tornou-se primordial para a formação do indivíduo, de forma que a partir de então se
iniciou um processo de aprimoramento dos costumes, mesmo que os “indivíduos” tenham
pago um alto preço: repressão das próprias pulsões, gerando o que Elias chama de ‘uma
segunda natureza’, rumando para o mundo chamado civilizado de hoje. Reiterando nosso foco
na relação social local: o Gabinete de Leitura de Maceió e o uso que se fez de tal instituição
para esboçar o que podemos considerar como processo civilizatório no Estado de Alagoas,
mais especificamente em Maceió, através da existência e ação do Gabinete de Leitura.
Sendo o foco da presente pesquisa (enquanto recorte temporal) o Império Brasileiro na
segunda metade do século XIX (1855-1865), vamos inserir no contexto, as teorias Iluministas
e Positivistas, (na concepção de Comte), tão em voga no período estudado nas províncias do
Brasil, como fazendo parte de um chamado ‘ideário civilizador’ originário da Europa, que
visava à construção de um homem: letrado, trabalhador, higiênico e regrado moralmente
(MADEIRA, 2005). Em Alagoas tínhamos como entusiastas desse movimento, também
inspirado nos ideais franceses de liberdade, igualdade e fraternidade; os intelectuais
Alexandre José de Melo Morais, Thomaz do Bomfim Espíndola e José Correia da Silva
Titara.
Trazendo um conceito de “civilização”, Elias (1994) nos explica que o termo refere-se
a uma grande variedade de fatos, onde a sociedade ocidental resume em sua tecnologia,
maneiras, conhecimentos científicos, ideias religiosas e costumes, claro que todos eles
imbuídos de um ‘nível’ de evolução, posto que “civilização” não significa a mesma coisa para
todas as sociedades; ocidentais ou não:
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O conceito de civilité recebeu seu cunho no segundo quartel do século XVI.
[...] Deve ele o significado específico adotado pela sociedade a um curto
tratado de autoria de Erasmo de Rotterdam, De civilitae morum puerilium
(Da civilidade das crianças), que veio a luz em 1530. A obra tratava de um
tema que já estava maduro para discussão e teve imediata e imensa
circulação através de sucessivas edições. Ao todo foram mais de 130 edições
alcançando o século XVIII. O livro trata do comportamento de pessoas em
sociedade, incluindo o ‘decoro corporal externo’. (ELIAS, 1994, p.68).
O comportamento é trabalhado através das ‘aulas de boas maneiras’ que é o início da
repressão dos impulsos naturais no homem começam [em “A civilidade das crianças”] com
uma lição sobre como as pessoas se olham, onde o autor cita:
O olhar esbugalhado é sinal de estupidez, o olhar fixo sinal de inércia; o
olhar que tem inclinação para a ira é cortante demais; é vivo e eloqüente o
dos impudicos; se seu olhar demonstra uma mente plácida e afabilidade
respeitosa, isto é o melhor. Não por acaso, se diz que os ‘olhos são o espelho
da alma’. (ELIAS, 1994, p.69).
O mesmo autor no mesmo livro esclarece que houve outros estudos/publicações sobre
o assunto no passado, ou seja, ele também está tomando/citando como base, outros estudos.
Em outro exemplo do uso de livros para a construção das boas maneiras em sociedade, temos
as “Cortesias” de Bonvicino Riva, um dos guias de mesa mais pessoais e avançados da Itália
da época. Em suas instruções encontram-se conselhos sobre o comportamento à mesa, como:
‘Se virar quando se tosse ou espirra, e não lamber os dedos’. A pessoa – diz
o autor – ‘deve evitar pegar os melhores pedaços no prato, e, cortar sem
excessos, os pedaços de pão. Não deve tocar a borda do copo comum com os
dedos e segurá-lo com ambas as mãos’. Essa obra foi reeditada várias vezes,
e ainda hoje seguimos preceitos descritos nesses textos. (ELIAS, 1994,
p.79).
Cortesia referia-se inicialmente às formas de comportamento que se desenvolveram
nas cortes dos grandes senhores feudais. Durante a Idade Média, porém, o significado da
palavra perdeu muito de sua limitação original social à ‘corte’, entrando também em uso nos
círculos burgueses.
Com a lenta extinção da nobreza guerreira baseada no cavaleiro e no senhor feudal e a
formação de uma nova aristocracia de monarcas absolutos no curso dos séculos XVI e XVII,
o conceito de civilidade elevou-se lentamente à categoria de comportamento social aceitável:
“A cortesia e a civilidade conviveram lado a lado durante o período da sociedade de transição
na França do século XVI, que era um misto de sociedade cavaleiresca-feudal e de monarquia
absoluta” (ELIAS, 1994, p.111).
São vários os exemplos que o autor traz sobre as obras que recomendam as formas de
se portar em público, civilidade e cortesia no comportamento social. Para aproximar mais os
39
exemplos da época da pesquisa em voga [século XIX] trazemos uma citação do autor extraída
de “The habits of good society18”(p.257), onde há a seguinte passagem: “Os garfos foram
indubitavelmente uma invenção posterior aos dedos, mas uma vez que não somos canibais,
sinto-me inclinado a pensar que os garfos foram uma boa invenção”.
O autor apresenta situações de diferentes épocas falando sobre o mesmo assunto,
enfatizando a necessidade de se ter/desenvolver cada vez mais ‘as boas maneiras’ para viverse melhor em sociedade, num movimento que não é retilíneo, mas vai aglutinando-se aos
poucos a partir de elementos de várias origens sociais, de onde emerge um novo código de
comportamento, sempre com base no que rezam os manuais de boas maneiras, que regram
desde sobre como “assuar o nariz em público” até o “ato de escarrar” e de “como se
comportar no quarto”.
A certa altura Elias (1993) questiona sobre o que tem a organização da sociedade sob a
forma de ‘Estados’, o que tem a monopolização e a centralização de impostos e da força física
num vasto território, a ver com a ‘civilização(?) O autor segue explicando que do ponto de
vista conceitual, a sociedade se apresenta como um conjunto de indivíduos inteiramente
independente entre si, cuja verdadeira essência está aferrolhada no íntimo de cada um e que,
por conseguinte, só se comunicam externamente e a partir da superfície.
Tornando flagrante a crítica que o próprio autor faz ao processo civilizatório, enquanto
causador de traumas intrapsíquicos em cada ser que passa pela aculturação da civilização,
reprimindo os instintos naturais, para tornar-se um ser socialmente polido e assim aceito pela
sociedade e mais tarde tornando-se cidadão no aparelho do Estado, por força e pressão deste.
É o preço a pagar pela saída do estado de barbárie, é o preço da cultura, que na concepção
Freudiana [citado pelo próprio Elias], quanto maior, o processo de civilização, mais este gera
infelicidade no homem.
Mas não é um ‘mal necessário’ para que o aparelho estatal possa existir e nos gerir na
era atual? (Elias entende o próprio Estado como “o monopólio do exercício da força física”).
Ou de qualquer forma, um caminho sem volta? Afinal qual a vantagem de deixar-se levar
pelos instintos naturais no mundo moderno? O processo civilizador é então necessário (?) por
mais doloroso que possa parecer!
Elias (1993) argumenta que o processo civilizador constitui uma mudança na conduta
e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica. E que o processo aconteceu de
18 “Os hábitos da boa sociedade” (Londres, 1859).
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maneira geral, sem planejamento algum, mas nem por isso sem um tipo específico de ordem.
O controle efetuado através de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em
autocontrole, que as atividades humanas mais animalescas são progressivamente excluídas do
palco da vida comunal e investidas de sentimentos de vergonha, que a regulação de toda a
vida instintiva e afetiva por um firme autocontrole torna-se cada vez mais estável, uniforme e
generalizada, tornando-se condição sine qua non para a convivência em sociedade:
A civilização não é ‘razoável’, nem ‘racional’, como também não é
‘irracional’. É posta em movimento cegamente e mantida em movimento
pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos, por mudanças
específicas na maneira como as pessoas se vêem obrigadas a conviver.
(ELIAS, 1993, p.195)
Em outra passagem o estudioso explica que, à medida que mais pessoas sintonizavam
sua conduta com a de outras, a teia de ações teria que organizar-se de forma sempre mais
rigorosa e precisa, a fim de que cada ação individual desempenhasse uma função social. O
indivíduo era compelido a regular a sua conduta de maneira mais diferenciada, uniforme e
estável.
A teia de ações tornou-se tão complexa e extensa, o esforço necessário para
comportar-se ‘corretamente’ dentro dela ficou tão grande que, além do autocontrole
consciente do indivíduo, um cego aparelho automático de autocontrole foi finalmente
estabelecido. Esse mecanismo visava a prevenir transgressões do comportamento socialmente
aceitável mediante uma muralha de medos profundamente arraigados, mas, precisamente
porque operava cegamente e pelo hábito, ele, com frequência, indiretamente produziam
colisões com a realidade social.
Aqui entra o medo como um elemento muito presente no processo a partir de então; e
esse ‘sentimento’ nos ‘vigia’ até hoje e cada vez mais de forma mais insistente e sofisticada,
funcionando como um regulador da vida moderna. O não atendimento ao seu apelo de alerta,
pode nos levar à perda do status quo adquirido na sociedade contemporânea, a muito custo.
Portanto, foi preciso aprender a conviver com o medo e também adestrá-lo ou administrá-lo,
através do processo de educação que alcançamos por via da leitura ou corremos o risco não
conseguir viver bem em sociedade, conforme exemplifica Elias:
Uma regulação constante e altamente diferenciada do próprio
comportamento é necessária para o indivíduo seguir seu caminho pelo
tráfego. Se a tensão desse autocontrole constante torna-se grande demais
para ele, isso é suficiente para colocar os demais em perigo mortal. (1993,
p.197).
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Após desenvolver consciência da necessidade de impor limites a si próprios, os
indivíduos das sociedades mais antigas sentem a necessidade de se proteger contra ataques
súbitos, contra a irrupção da violência física em sua vida. E, ao mesmo tempo, é forçado a
reprimir qualquer impulso emocional para atacar fisicamente outra pessoa.
As demais formas de compulsão que nesse momento prevalecem nos espaços sociais
pacificados, modelam, na mesma direção, a conduta e os impulsos afetivos do indivíduo.
Quanto mais apertada torna-se a teia de interdependência em que o indivíduo está
emaranhado, com o aumento da divisão de funções, maiores são os espaços sociais por onde
se estende essa rede, integrando-se em unidades funcionais institucionais, mais ameaçada se
torna a existência social do indivíduo que dá expressão a impulsos e emoções espontâneas, e
maior a vantagem social daqueles capazes de modelar suas paixões, mais fortemente é cada
indivíduo controlado, desde a tenra idade, para levar em conta os efeitos de suas próprias
ações ou de outras pessoas sobre uma série inteira de elos na cadeia social.
A moderação das emoções espontâneas, o controle dos sentimentos, a ampliação do
espaço mental além do momento presente, levando em conta o passado e o futuro, o hábito de
ligar os fatos em cadeia de causa e efeito, todos estes são distintos aspectos da mesma
transformação de conduta, que necessariamente ocorre com a monopolização da violência
física e a extensão das cadeias da ação e interdependência social. Ocorre uma mudança
‘civilizadora’ no comportamento. Acrescentando que:
Parte das tensões e paixões que antes eram liberadas diretamente na luta de
um homem com outro terá agora que ser elaborada no interior do ser
humano. As limitações mais pacíficas a ele impostas por suas relações com
outros homens espelham-se dentro dele; um padrão individualizado de
hábitos semi-automáticos se estabeleceu e consolidou nele, um ‘superego’
específico que se esforça por controlar, transformar ou suprimir-lhe as
emoções de conformidade com a estrutura social. (ELIAS, 1993, p.203).
Dependendo da pressão interna, das condições da sociedade e da posição que nela
ocupe o indivíduo, essas limitações produzem também tensões e perturbações peculiares na
economia da conduta e das paixões. Em alguns casos, levam a uma inquietação e insatisfação
perpétuas, exatamente porque a pessoa afetada só pode satisfazer uma parte de suas
inclinações e impulsos em forma modificada, como por exemplo, na fantasia, na qualidade de
expectadora ou ouvinte, nos devaneios ou nos sonhos. Às vezes, o indivíduo se habitua tanto a
inibir suas emoções (ou sentimentos constantes de tédio ou solidão constituem bons exemplos
disso – que no mundo moderno somente teve o nome mudado para ‘depressão’, por exemplo)
42
que não é mais capaz de qualquer forma de expressão sem medo das suas emoções
modificadas, ou de satisfação direta de suas pulsões reprimidas.
Nesses casos, o não saber lidar com o processo, não se adequar ao padrão social
estabelecido, pode até levar o indivíduo à loucura. Mas, a maioria das pessoas civilizadas vive
um meio-termo entre os dois extremos: “Aspectos socialmente positivos e negativos,
tendências pessoalmente gratificantes e frustradoras, misturam-se nelas em proporções
variáveis” (ELIAS, 1993, p.206). Isso é chamado também de equilíbrio: algo a ser alcançado
durante toda uma existência se pudermos/quisermos nos enquadrar e sermos aceitos no
Establishment.
Nas sociedades descritas por Elias (1993), o indivíduo miserável trabalhava para
outros sob ameaça constante de passar fome, ou de cumprir pena em prisão caso se voltasse
contra o sistema, ao contrário do mercador rico que trabalha sem parar, embora tenha
provavelmente mais do que o suficiente para viver no ócio. É compelido a fazê-lo não por
simples necessidade, mas, pressionado pela competição por poder e prestígio, porque sua
profissão, seu status quo elevado, fornecem o significado e a justificação de sua vida. No seu
caso, o constante autocontrole tornou o trabalho um hábito tão forte que o equilíbrio de sua
personalidade estará ameaçado se deixar de trabalhar.
O impulso para empenhar-se nas atividades econômicas não é mais a mera
necessidade de matar a fome, mas o desejo de preservar certo padrão de vida e de prestígio
elevado e socialmente esperado. Nas classes superiores, o controle das emoções e a
autodisciplina costumavam ser mais altamente desenvolvidos do que nas classes mais baixas:
o medo da perda ou redução do prestígio social constituía umas das mais poderosas forças
motrizes para transformar as limitações impostas pelos outros em autolimitação.
Elias (1993) historiciza que na mesma proporção em que mudam o comportamento e
a estrutura da personalidade do indivíduo [a repressão das pulsões], muda também sua
maneira de encarar os demais. A imagem que ele forma dos outros se torna mais rica em
nuanças, mais isenta de emoções espontâneas, ela é numa palavra “psicologizada”.
O medo da perda de prestígio aos olhos dos demais, instilado sob a forma de
autocompulsão, seja na forma de vergonha seja no senso de honra, que garante a reprodução
habitual da conduta característica, e como sua condição um rigoroso controle de pulsões em
cada pessoa. Tornando a civilização uma ‘faca de dois gumes’. E quaisquer que possam ser
seus efeitos em casos particulares; de qualquer modo, os arrancos do processo civilizador
43
ocorrem de modo geral, independentes de serem agradáveis ou úteis para os grupos
envolvidos (ELIAS, 1993).
É o caminhar social dos seres sociais. Os padrões de comportamento de nossa
sociedade, gravados no indivíduo desde cedo, como uma espécie de segunda natureza e
mantidos em estado de alerta por um controle social poderoso e cada vez mais rigorosamente
organizado, precisam ser explicados, não em termos de finalidades humanas gerais,
ahistóricas, mas como algo que evoluiu da totalidade da história do Ocidente, das formas
específicas de comportamento que se desenvolveram durante seu curso e de forças de
integração que as transformaram e propagaram:
A criança e o adolescente jamais aprenderiam a controlar o próprio
comportamento sem o medo instilado por outras pessoas. Sem influência
desses medos criados pelo homem, o jovem animal humano nunca se
tornaria um adulto merecedor do nome de ser humano, tal como a
humanidade de ninguém amadureceria plenamente se a vida lhe negasse
suficientes alegrias e prazeres. (ELIAS, 1993, p.269).
Finalmente o autor afirma que nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as
pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle muito específico de seu comportamento.
Nenhum controle desse tipo é possível sem que as pessoas anteponham limitações umas às
outras, e todas as limitações são convertidas, na pessoa a que são impostas, em medo de um
ou outro tipo.
Não devemos nos enganar: as constantes produções e reproduções de medos pela
pessoa são inevitáveis onde quer que seres humanos vivam em sociedade, em todos os casos
em que os desejos e atos de certo número de indivíduos se influenciem mutuamente, seja no
trabalho, no ócio ou no ato do amor.
Somente com a eliminação das tensões e conflitos entre os homens é que estas mesmas
tensões e conflitos podem tornar-se mais brandos e menos nocivos às suas probabilidades de
desfrute da vida. Mas isso parece ser impossível, uma vez que o processo civilizador é algo
que ainda está em andamento, num continuo e sem fim. O que torna a história mais um
processo, que deve ser permeado pelo processo educacional, que por sua vez é entremeado de
leitura e inevitavelmente atravessado pelo objeto livro, como um dos protagonistas do
processo de civilização da humanidade.
Mas, sendo o sujeito humano um ‘animal intelectual’ totalmente subjetivo, cabe aqui
refletir se este sujeito não merece ou deve ser consultado com relação ao processo de
civilização que lhe é ‘oferecido’ pelo Estado, uma vez que o verniz civilizatório é uma
demanda do próprio Estado para melhor administrar [ou dominar?] os recursos e cidadãos e
44
não necessariamente um desejo do indivíduo, que dependendo de sua cultura autóctone pode
sobreviver sem a polidez da civilização (?)
Podemos inferir que o interesse dos iluministas em ‘promover’ o processo civilizatório
se resume em um interesse coletivo de tornar o cidadão responsável pelo seu sustento, em um
momento crítico, em que se abolia o escravismo – gerando assim divisas para o Estado, em
vez de ser um peso para seus senhores (?). Temos aqui então, subentendidos os ideais da
Revolução Francesa: igualdade - liberdade – fraternidade (?) Em busca de uma
universalização da cidadania...
Na sociedade brasileira do século XIX, essas ideias já estavam – de certa forma arraigadas, mais especificamente falamos da província da Alagoas, onde se detém nossa
pesquisa e sobre a qual dissertamos no capítulo que segue; que vivia uma vidinha ainda
tacanha e acanhada culturalmente, com suas complexidades no âmbito público-administrativo,
o que não significa que não houvesse uma sede de conhecimento e crescimento dentro de seus
atores sociais.
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2 - PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIX: IMPÉRIO BRASILEIRO E
PROVÍNCIA ALAGOANA
Figura 4: Vista parcial da Rua do comércio em Maceió no século XIX.
Fonte da imagem: www.google/imagens.
Neste capítulo, nos detemos em remontar a estrutura educacional de Alagoas no século
XIX, com maior acuidade a partir de meados deste século. Assim, as referências centrais são
Madeira (2005 e 2011) e Verçosa (2006). Estudamos as dissertações de Pauferro (2010) e
Santos (2011)19 com o objetivo de traçar o percurso educacional de Alagoas através do
processo e acesso à leitura no cenário do segundo Império brasileiro.
Além dos autores citados, utilizamos também os relatórios provinciais e a escrita de
Moacyr Primitivo (1939) e Craveiro Costa (1931) sobre a Instrução e as Províncias no Brasil
do século XIX, acrescendo os escritos de Brandão (2004), Lindoso (2005) e Costa (2001), na
problematização da sociedade da época; um momento social em que Maceió estava imersa em
“uma vidinha miúda, imposta pelo acanhamento do meio, pelo atraso e pobreza material e,
sobretudo, policiada pela rígida moral de catecismo dominante” (JAMBO, 2011). Ao mesmo
tempo onde são tecidas as teias históricas de ligação entre leitura e educação, tão intrínsecas
19 Ambas defendidas no PPGE (2010 e 2011).
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ao processo civilizatório, em um momento histórico em que o positivismo exalta a ciência,
priorizando o progresso, querendo a província se igualar aos pontos mais avançados do
mundo em termos de ideologias sociais, através de ações de seus intelectuais liberais.
Lyons e Leahy (1999) informam que o panorama histórico da época do Rio de Janeiro,
determinava certos contornos históricos das demais províncias brasileiras. Entretanto com
relação à Maceió um cronista da época mostra que:
Nasceu pobre, humilde e simples a cidade. Fôra a princípio povoado e vila.
Fôra principalmente, caminho; era a estrada por onde transitavam os carros
de bois carregados de açúcar no ir e vir do movimento comercial entre os
ricos engenhos do norte – de Porto Calvo, de Camaragibe, do Vale de Santo
Antonio dos Quatro Rios – e o fértil vale do Mundaú, no centro. O caminho
era cortando um engenho. E foi desse engenho que nasceu Maceió.
(ESTADO DE ALAGOAS, 1939, p.63).
Foi dessa forma singela que o historiador da época descreveu o nascimento da cidade
de Maceió, que era até então ‘um caminho’ por onde se passava para atingir outro ponto de
interesse da região, uma vez que essa ‘estrada’ não se configurava como parada, ainda não
havia ali nada que merecesse ou oferecesse condição de uma estalagem para os viajantes.
Mas não continuaria assim a nossa Maça-y-ok (apenas um caminho alagadiço). E após
muitas contendas políticas, em 19 de dezembro de 1839, a resolução n.11 decidia que Maceió
tornava-se a partir de então a capital de Alagoas (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS DE
ALAGOAS, 2006). Antes a própria província alagoana havia conquistado a independência de
Pernambuco (1817) e Maceió tendo sido promovida à Comarca em 1833. Apesar do decreto
real de 1817, Alagoas somente teve sua primeira administração em 1819, ano em que seu
primeiro governante, o tenente-coronel Sebastião Francisco de Melo e Póvoas assumiu as
rédeas da administração: Era 27 de dezembro de 1819, quando o neto do Marquês de Pombal
desembarcou na enseada de Jaraguá, dirigindo-se à Vila das Alagoas e contava então com 28
anos. (CARVALHO, 1982).
No período recortado para o presente texto, houve uma sucessão de nomes na
Presidência da Província: de 1857 a 1859, Angelo Tomaz do Amaral presidiu Alagoas,
47
seguido por Manoel Pinto de Souza Dantas 20 (1859-1860); Pedro Leão Veloso21 (1860-1861);
Antonio Alves de Souza Carvalho (1861-1863); João Marcelino de Souza (1863-1864) e João
Baptista Gonçalves Campos22 de 1864 a 1865. (PINTO, 1979). Observe-se que ainda não
tinha a Província, prestígio político para nomear um presidente local, sendo os nomeados
oriundos de outras localidades.
Lançando um breve olhar para o contexto social da época, a história nos informa que o
Brasil do segundo Império vivia um momento de melhoramentos materiais, alterando o
cenário urbano nas províncias imperiais e que tal momento foi vivido pela capital alagoana
com intensidade. Em agosto de 1831, Alagoas contava com o seu primeiro jornal, o Íris Alagoense:
“Era seu redator o francês Adolphe Emile Du Bois Garin, que exercia múltiplas funções. O nosso
primeiro jornal mudou seu nome depois para Federalista Alagoano”. (CARVALHO, 1982, p.179).
20 Inhambupe (BA 21/2/1831 - Rio de Janeiro DF 29/1/1894 ) Deputado provincial e geral, presidente de
província, jornalista, ministro, magistrado, advogado. Filho de Maurício José de Souza e Carolina Francisca de
Souza Dantas. Formou-se pela Faculdade de Direito de Olinda (PE) em 1851. Nesse mesmo ano foi Procurador
dos Feitos da Fazenda, bem como Juiz de Órfãos da cidade de Salvador. Deputado Provincial pela Bahia, de
1852 a 1857. Nomeado presidente em 3/9/1859, toma posse no governo a 1º de outubro do mesmo ano,
permanecendo até 24/4/1860. Foi o 28o. Presidente da Província. No período de sua presidência ocorreu a visita
do Imperador a Alagoas. Em 14/10/1859, D. Pedro chegou à cidade de Penedo, de onde seguiu para visitar a
Cachoeira de Paulo Afonso. Em 31 de dezembro daquele ano, chegou a Maceió, onde permaneceu 11 dias, tendo
inaugurado a matriz de Maceió, hoje catedral, e visitado Pilar, Alagoas, Santa Luzia do Norte, Porto Calvo Porto
de Pedras, a Colônia Leopoldina e a fábrica de tecidos de Fernão Velho. Ao deixar o governo, Souza Dantas
volta a representar a Bahia, já agora na Câmara Geral, de 1861 a 1878, tendo ocupado o governo daquela
província (1865/66), bem como do Paraná ( 1879/80). Senador pelo seu estado natal, de 1879 até 15/11/89. Foi
ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1866/68); da Justiça ( 1880/82); da Fazenda (1884/85).
Militou no jornal Diário da Bahia. Foi o brasileiro que maior número de voluntários organizou para a guerra
contra o Paraguai. Apresentou ao Parlamento o projeto referente à libertação dos escravos sexagenários e o
aumento dos fundos destinados ao resgate dos escravos. Publicou-se: Correspondência do Conselheiro Manuel
Pinto de Souza Dantas 1831-1894; (Organização e notas de Américo Jacobina Lacombe, Rio de Janeiro, Casa de
Rui Barbosa, 1962-1973, 3v.). Fonte: ABC das Alagoas.
21 (Itapicuru BA 1/1/1828 - Rio de Janeiro RJ 2/3/1902) Presidente de províncias, ministro, deputado provincial,
deputado geral, senador, advogado, professor. Filho de Pedro Gomes Ferreira Veloso e Jacinta Leão Veloso.
Formou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo. Foi presidente do Espírito Santo (1859/60). Nomeado em
20/3/1860, toma posse no governo a 1º de maio do mesmo ano, permanecendo até 15/3/1861. Foi o 29o.
Presidente. Preside o Maranhão (1861), Rio Grande do Norte (1861/63), Piauí (1853/64). Pará ( 1866/67) e
Ceará (1867/68). Foi deputado provincial, em Sergipe (1861/68 e 1881/82) e deputado geral pela Bahia (1877).
Senador, ainda pelo seu estado natal, de 30/10/1879 a 15/11/1889. Catedrático da Faculdade Livre de Ciências
Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro, Ministro dos Negócios do Império (1882/83) e Conselheiro de Estado.
Obras: Fala Dirigida à Assembléia Legislativa da Província das Alagoas, na Abertura da Sessão Ordinária do
Ano de 1860, pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, o Comendador Pedro Leão Veloso, Maceió, Tip.
Comercial, 1860. Fonte: ABC das Alagoas.
22 (Pará) Presidente da província, desembargador. Nomeado em 5/12/1864, toma posse no governo em 15/12 do
mesmo mês e permanece no cargo até 26/7/1865. Em sua administração foi criada a Biblioteca Pública
Provincial (Lei 453, de 26/6/1865), que passou a funcionar anexa ao antigo Liceu Alagoano. Foi responsável
pelo recrutamento de significativo número de voluntários que seguiram para a Guerra do Paraguai. 32o.
Presidente. Obras: Fala Dirigida à Assembléia Legislativa Provincial das Alagoas no Dia 5 de Maio pelo Exmo.
Sr. Desembargador João Baptista Gonçalves Campos, Presidente da Província, Maceió, Tip. Progressista, 1865
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Claro que o fato da transformação da província para capital, foi decisiva para que o
progresso começasse a adentrar em nossas terras, quando se deu também
A criação de uma burguesia mercantil, enriquecida na prática do comércio de
exportação de açúcar e de madeiras de construção naval, e na importação de
bens manufaturados estrangeiros, a que se somavam atividades de
agiotagens altamente compensadoras, que preenchiam em nível de uma
província a carência de capitais de investimento. Essa burguesia urbana
mercantil se constituía de comerciantes agiotas e comerciantes importadoresexportadores, instalados em casas comerciais, empórios e armazéns em
Maceió e em Jaraguá. (LINDOSO, 2005, p.78).
Nesse trilho de progresso também ocorreu
A implantação do primeiro ramal ferroviário de seis quilômetros de
extensão, ligando a ponte de desembarque de Jaraguá ao Trapiche da Barra,
em 25 de março de 1868, e depois de um outro, que ia da rua do Livramento
até bebedouro, foi a arrancada da chamada modernização da capital
alagoana. Tudo o que a nova era mundial apresentava de mais avançado em
termos urbanos poderíamos encontrar em Maceió naqueles dias, tendo como
vitrine privilegiada o seu bairro portuário convertido em city financeira e no
centro do comércio: ruas iluminadas por lampiões a gás, calçamento das ruas
principais, ponte de desembarque de ferro, rede telegráfica, jardins nas
praças, casas bancárias e seguradores, navegação a vapor, trem e as
principais repartições públicas instaladas em prédios sólidos e vistosos como
o Consulado Provincial, a Alfândega, Repartição do Selo, Capitania do
Porto, Assembléia Provincial, Palacete do Barão de Jaraguá, onde
funcionaram o arquivo e a Biblioteca Pública, Delegacia Fiscal etc.
(ENCICLOPÉDIA MUNICÍPIOS DE ALAGOAS, 2006. p.371).
Apesar de termos passado por um ápice em alguns momentos daquele período, alguns
historiadores avaliam que o século XIX foi de decadência para o Nordeste do Brasil, uma vez
que a cultura açucareira – até então ponto forte de nossa economia – entrava em franco
declínio:
O açúcar gemia, dominado na balança comercial pelo café que entrara com
ímpeto na vida nacional, a ponto de figurar, quando ainda estava na
meninice, como símbolo da Pátria, por ocasião da Independência, em
evidente prejuízo do açúcar, arraigado por quatro séculos de existência à
história do Brasil. A pobreza se alastrava pelo nordeste com a queda do
açúcar. (ESTADO DE ALAGOAS, 1939, p.64).
Em se tratando da história da educação local no período, temos uma gama de fatos,
depoimentos, controvérsias, afetos e desafetos em uma história que ainda está em construção,
posto que em pleno século XXI, padecemos de males que eram tão comuns nos oitocentos, no
trato do poder público com a educação. No imenso painel que é a história e seus inúmeros
atores sociais, destacou-se em nosso contexto, o Professor e advogado, e também primeiro
Diretor da Instrução Pública na Província de Alagoas na época, o ilustre José Correia da Silva
49
Titara, que sendo um personagem controverso, também tinha suas angústias quando se tratava
do descaso da máquina pública com a educação na província:
Mas porque havemos nós passado por essa desolação do abandono da
instrucção, em que até agora temos vivido e tão em atrazo jazemos ainda
desviados desse farol, que constitui o melhor esplendor de uma nação? Que
como o sol difunde seus raios no mais recôndito da habitação, que como elle
alenta o débil peito da infância e a mão tremula da decrepitude? Certo que
não é o defeito da lei fundamental de nossa organisação política [...] por
certo que não poderia a Constituição do Estado, sábia e previdente como é,
deixar de escolher aquelle, que garantindo ao povo a instrução primaria e
secundaria gratuitamente, sem proibir o ensino particular, deixasse de
reservar para os poderes da nação o direito de regular em todo o tempo a
educação e instrucção do povo. (TITARA, 1856, p.01).23
O Professor Titara era tido como defensor ferrenho da ordem nas repartições públicas e um
tanto malquisto (ou incompreendido) pelos professores que trabalhavam sob sua inspeção, visto que há
diversos registros de sua propalada intolerância com os laços frouxos da máquina pública no controle
do cumprimento do dever profissional dos servidores. Mas, também era conhecedor e reconhecedor
das más condições de trabalho e remuneração desse mesmo professorado que ele às vezes criticava:
Continuarão, porem, sempre esses resultados funestos de nenhum systema de
ensino, e a tolerância dos abusivos excessos de negligencia dos preceptores
da mocidade da província: a pretendida reforma da instrucção se tornou
ainda dessa vez insubsistente e improfícua. Assignalei então em 1855 as
causas do máo estado da instrucção: no pessoal dos professores, sua
incapacidade e desídia; na falta de inspecção das escolas; na de methodo no
ensino; na de meios para a pobreza aprender nas mesmas escolas, e na
mesquinha remuneração dos professores. (TITARA, 1856.p.05).
Outros estudiosos da época também concordam com Titara, quando descreve que o
ensino primário faz apenas a instrução, aumentando somente o número de medíocres, ao
passo que, o ensino secundário e superior criam a massa dirigente e culta, levando a história
da Província a ser contada a partir dos interesses de classes dos grandes proprietários rurais e
da burguesia mercantil urbana (LINDOSO, 2005, p.37).
Apesar de – ao longo da história – observar-se um contexto ‘negativo’ nos processos
educativos em Alagoas, onde a educação foi por longos períodos, relegada à iniciativa
privada, ou a quem quisesse assumir essa responsabilidade diante do Estado, mesmo sem
preparo para a tarefa; a nossa educação pública viveu um período (entre as décadas de 1950 e
1970) considerado áureo, em que a disputa por uma vaga nas escolas públicas era muito
acirrada, tal como acontece hoje com as melhores universidades como a Universidade de São
Paulo, onde somente os ditos abastados tem acesso àquela instituição.
23 Em toda a transcrição/citação dos textos de época pesquisados, optamos por manter a grafia original.
50
No período citado, mais especificamente no antigo Complexo Educacional Antonio
Gomes de Barros - CEAGB, hoje Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas –CEPA, tínhamos
escolas que eram referência como o Instituto de Educação (na época, sob a direção da Profa.
Miran Marroquim) e Colégio Moreira e Silva, onde a elite de Maceió estudava, e de onde
brotou muitos intelectuais e figuras ilustres que estão no poder constituído no Estado até hoje.
Como explicar essa fase áurea, diante de uma história repleta de fracassos no sentido de
qualidade da educação pública em Alagoas? Certamente esse é um tema para uma futura
pesquisa, visto ser extemporâneo ao assunto que aqui tratamos.
Enfim, vivia-se um período em que as influências filosóficas do século estavam
espraiadas por vários pontos do Brasil, já desde o século anterior. De acordo com Tobias
(1987), já adentrando no campo educacional: o Materialismo, aparecido no Brasil com o
Cientificismo da Reforma do Marquês de Pombal no século XVIII, é no século XIX
engrossado pelo Positivismo, particularmente através da Reforma de Benjamim Constant,
encontrando a filosofia da educação positivista apoio na escola, na política, nos meios
militares, dividindo a seguir o ensino brasileiro em quatro grandes correntes: a cristã, a
cientificista, a materialista e a positivista, sendo que para o povo brasileiro, a filosofia
educacional que mais pesa é a herança da nação portuguesa e dos jesuítas, nominada aqui,
como a Filosofia da educação cristã.
2.1. A leitura como principal elemento na educação formal e o conceito oitocentista de
cidadania
A leitura constituiu-se em um dilatado espaço de tempo na principal técnica
civilizatória de apropriação do mundo real. Seja por meio de pinturas ou ideogramas seja por
meio do sistema de escrita, a leitura é o central elemento do processo de educação formal e do
saber sistematizado. Assim, é preciso definir o que é, pois, leitura e o que é o leitor. Em todos
os aspectos, ambos penetram o mundo da cultura escrita. Para Certeau (1999, p. 20):
O leitor é um caçador ilegal. O leitor como consumidor, se oculta no texto,
porém não no sentido entendido pelos teóricos da recepção. O leitor é um
invasor, rastejando pela propriedade de outrem atrás de propósitos nefastos.
A propriedade não é dele; a paisagem foi feita por outras mãos. Porém,
enquanto não é apanhado, ele toma o que deseja – uma lebre aqui, um tordo
ali, até mesmo um cervo, com sorte -, fugindo sem deixar rastros na página.
Desse modo, o leitor individual insinua seus significados e objetivos dentro
do texto de outrem. Cada leitor individual tem meios silenciosos e invisíveis
de subverter a ordem dominante da cultura de consumo.
51
Entretanto, para se chegar a esse nível de leitura [traçado por Certeau] é preciso que o
indivíduo seja educado formalmente. O que não ocorre em terras alagoanas. Não para a
totalidade de seu povo. Infelizmente, a crônica da educação alagoana no que diz respeito à
perspectiva formal da educação nos traz tristes realidades. Costa (1931), principal intérprete
da educação alagoana dos oitocentos, “pinta” com cores fortes e realistas os tristes fatos da
educação na “terra dos marechais”. Em geral, a população encontrava-se analfabeta, de modo
que o acesso a livros e a cultura letrada não era para muitos e sim para poucos, pouquíssimos
privilegiados.
Tal realidade pode ser atribuída à forma de colonização nessas terras instauradas:
marcadamente excludente e violenta. Sobre o surgimento do território alagoano, Costa (1983,
p.05) informa que:
Conhecida, porém, a costa brasileira em quase toda a sua extensão e feito,
pouco a pouco, o trato com as tribos mais acessíveis, o governo português
cuidou aforçuradamente da colonização e aproveitamento do seu vasto
domínio americano. E, para isso, organizou a expedição de 1530, sob a
chefia de Martim Affonso de Souza. Quatro annos mais tarde, D. João III
dividiu o Brasil em capitanias hereditárias, sob o regime feudal, com ellas
premiando serviços dos seus homens mais notáveis. A Duarte Coelho Pereira
couberam sessenta léguas de costa – da barra do São Francisco á do
Iguarassú, segundo o foral de 24 de outubro de 1534. Nessa capitania, que se
chamou de Pernambuco e também Nova Lusitania, ficou o território
alagoano, que somente della se desmembrou, para constituir-se em capitania
administrativamente independente, em 16 de setembro de 1817.
Em 16 de setembro de 1817, temos enfim, o fato político da Independência da
Província de Alagoas - que desliga-se politicamente de Pernambuco - constituindo-se como
espaço político-administrativo autônomo, no contexto da formação social do Brasil. Criada a
Capitania das Alagoas, só dois anos depois (1819) é que assume o primeiro Governador,
Sebastião Francisco de Mello Póvoas. Sua primeira providência foi criar a Junta de
Arrecadação, com representações em Penedo e São Miguel dos Campos, e a Alfândega de
Jaraguá, além de fortificar o litoral. Cuidou ainda de fortificar a nova Capitania, criando duas
companhias de Infantaria com 232 homens e uma de Artilharia com 109 soldados. Em
confronto com a guarnição de 30 homens existentes na antiga Comarca, trata-se de um
contingente significativo, além de ser um campo de emprego para a plebe que antes só tinha
guarida na lavoura ou como capanga dos senhores. Quanto às características gerais daquela
sociedade, Verçosa (2006) analisa que não se pode esquecer que na época, além da carência, na
província, de pessoal intelectualmente apto a ocupar os cargos mais cobiçados no aparelho
burocrático, já estava em pleno funcionamento a Faculdade de Direito de Olinda, criada em 1827, na
qual já se fazia necessário preparar os filhos de senhores da terra, criando as condições culturais para
52
se assumir os postos de comando surgidos com a autonomia e, posteriormente, com a criação da
província.
O autor citado esclarece ainda que no campo educacional, uma das primeiras medidas
da recém instalada Assembléia Provincial (em 1834), foi ampliar as aulas preparatórias de
quadros para a política e a administração, bem como a área de atuação da Educação, criando
duas cadeiras – Filosofia e Francês – para a vila de Penedo. A essa altura, já contando com
cinco aulas de Latim, duas de Francês, uma de Retórica, uma de Filosofia e uma de
Aritmética, destinadas aos rapazes ricos. Só em 1836 vai ser regulamentado o funcionamento
das escolas de primeiras letras, transcorridos quase vinte anos de autonomia políticoadministrativa da região.
Certo, é que no ano de 1848, a província contava com uma população de 207.249
habitantes, sendo 59.775 escravos e 147.474 livres. Destes apenas 22.566 eram alfabetizados,
havendo apenas 2.073 alunos matriculados em cursos primários que eram ministrados em 44
escolas, sendo criado no ano seguinte o Liceu de Maceió, que centralizará as cadeiras avulsas
para o ensino secundário, já existente. Como se vê ainda não existe um planejamento
adequado para o estabelecimento de um processo educacional na província.
Observações feitas por José Bento da Cunha Figueiredo, que irá governar a
província de 1849 a 1853, sobre a forma como se vinha conduzindo a
educação pública na época, deixa claro o papel das injunções políticas no
funcionamento do setor. Isso evidentemente iria aumentar ainda mais o
descrédito para a educação mantida pelo governo, sendo, com certeza, o
principal motivo para o aumento das escolas privadas, a respeito das quais,
infelizmente não dispomos de dados mais pormenorizados, sabendo-se
apenas que eram inúmeras. (VERÇOSA, 2006, p.77).
Por sua vez, Costa (1931) complementa que D. João VI, cuidou do ensino público no
Brasil, mas cometeu o erro de iniciar a obra educacional brasileira de cima para baixo. Em
todo o país foram criados cursos de Retórica, Filosofia, Latim, Francês, Matemática. Criaramse academias e museus. Criou-se a imprensa. Mas a base de todo esse edifício, que seria a
escola primária, que desde 1774 era uma instituição nacional nos Estados Unidos, não
procurou fundar no Brasil. De alto a baixo a ignorância no que diz respeito ao domínio das
letras era completa. Saber ler e escrever era privilégio de raros, raríssimos sujeitos
economicamente favorecidos.
Tal prática civilizatória não era mesmo considerada coisa de grande importância pela
aristocracia rural dominante. Com a criação da capitania de Alagoas, a instrução pública
tomou certo impulso, mas visando preferentemente o ensino secundário às classes abastadas.
Costa (1931) continua a criticar, com sua verve realista, a situação educacional das Alagoas
53
no século XIX, quando comenta que desde então, a instrução primária ficou privativa das
Províncias, na sua legislação, na sua orientação e na sua propagação; além de serem
trabalhadas pelas competições partidárias, sem continuidade administrativa, desaparelhadas
de recursos financeiros, ou seja, o ensino primário entrou pelo caminho do abandono...
Em se tratando especificamente da história da educação o citado historiador nos conta
que Titara foi o primeiro diretor da Instrução Pública em Alagoas e os seus relatórios são
ainda hoje admiráveis pelo estilo e pelas ideias. Numa época em que ninguém se preocupava
com a organização do ensino público, ele pugnava por essa organização, do ponto de vista
puramente pedagógico, combatendo a incapacidade do magistério e o erro, que chegou até
nossos dias, de se transformar esse importante ramo administrativo num departamento
exclusivamente burocrático sob a égide da politicagem.
Somente em 1836 a Assembléia Legislativa votou a Resolução n. 21, de 9 de março,
sancionada pelo presidente Antonio José de Moura, que regularizava o funcionamento das
escolas de primeiras letras. Esta Resolução foi regulamentada pelo presidente Rodrigo de
Souza da Silva Pontes, em 21 de outubro do mesmo ano. Todavia essas providências eram
insignificantes. A situação do ensino primário continuou ao desamparo governamental.
A rotina, a politicagem, a indolência e a ignorância caracterizavam esse lastimável
abandono. E nesta condição, o próprio Titara relata [ao presidente da província] em 1853, as
deploráveis condições em que se achava o ensino público, devido à incapacidade dos
professores, a falta de inspeção escolar que favorecia a desídia do magistério, à ausência de
métodos de ensino, à mesquinha remuneração do professorado, corpo este, despreparado para
a sua função.
Em 1857, Titara apresentou relatório à presidência, o qual trazia como novidade, uma
escola que estava ensaiando o método chamado de leitura repentina, de Antonio Feliciano de
Castilho. Tal método vinha precedido da respeitabilidade científica do nome de seu autor e de
um luminoso parecer da Sociedade de Ciências Médias de Lisboa. O próprio Castilho viera ao
Rio mostrar como se praticava o seu processo de leitura. Entretanto, quanto à sua eficiência
pedagógica, foi acolhido com ceticismo. Em Alagoas ele foi combatido pelo ilustre pedagogo
José Alexandre Passos, que foi também um filósofo insigne. Todavia propagou-se um pouco,
aceitando-o os professores menos “ronceiros” e capazes de admitir inovações.
Nos idos de 1859, quando da visita de D. Pedro II à Maceió, esta já era uma terra de
bacharéis, com cerca de 134 doutores formados apenas na Faculdade de Direito de Olinda,
54
agora já transferida para Recife. A Província caminhara rápido na formação de quadros para a
vida pública, se considerarmos a situação em que se encontrava nos seus primórdios. Isso,
inclusive, já devia estar contribuindo para complicar e acirrar as lutas políticas por funções
públicas. (COSTA, 1931).
No início da década de 1870, com uma população de 310.000 habitantes, Alagoas
contava com um contingente escolarizável de 78.470 crianças e jovens, dos quais apenas
9.483 frequentavam escola. O descrédito do ensino público nessa época atingia até o Liceu,
que foi fundado em 1849 e funcionando por uma década até ser extinto, fora restaurado em
1863, com o intuito de melhorar o ensino secundário na província. Entretanto, isso na verdade
só tinha conseguido piorar a situação das cadeiras avulsas que o antecederam.
Os jovens, cujas famílias tinham recursos, continuavam saindo para fazer fora seus
estudos preparatórios para os exames que lhes permitiriam ingresso no ensino superior, até
porque estudando em Recife ou Salvador, com os professores que os iriam arguir, teriam mais
facilmente garantida sua aprovação. Com base em quadro de Craveiro Costa sobre a educação
nos idos de 1860, no período 1857 a 1865 – limite base desta pesquisa – a população escolar
na província de alagoas chegava apena a 10% do total da população em idade escolar,
contando com cerca de 100 escolas no território. (VERÇOSA, 2006).
É importante enfatizar que no primeiro quartel do século XIX, a sociedade imperial
estava constituída de governo, elite senhorial, trabalhadores livre e escravos. A formação
escolar do povo era o elemento fundamental em tal processo, o poder estava centrado nas
letras, sendo o estudo considerado meio de classificação social, garantindo aos cidadãos a
possibilidade de distinguir-se da massa de escravos e superar o estado de barbárie de grande
parte da população, espalhadas pelos confins do território.
O modelo de educação para a Nação que estava vindo ao mundo foi copiado do
contexto europeu, devido à influência herdada pela colônia. O projeto de educação que
queria-se implantar no Brasil nos moldes europeus não levou em consideração como
apresentava-se o Brasil no referido século. Este nasceu em uma sociedade econômica e
socialmente desigual.
A escola era o espaço onde iria ser reproduzida essa realidade, visto que, o sujeito
receberia o nível de educação de acordo com sua classe social. A racionalidade só poderia ser
adquirida através do conhecimento e esse era obtido através da escolarização que tornava o
sujeito civilizado.
55
Nesta perspectiva, os analfabetos eram considerados incapazes, responsáveis pelo
atraso da Nação. Precisava-se urgentemente disseminar a educação, e para tal propósito,
importou-se da França o método mútuo, onde existia apenas um mestre e os monitores, e em
curto espaço de tempo centenas de alunos eram alfabetizados apontando para uma economia
em relação ao pagamento dos professores – visto que os monitores não recebiam remuneração
alguma, e ainda deviam sentir-se honrados por serem convidados pelos mestres.
O modelo de educação transplantado para o Brasil, pela elite européia, não condizia
com a realidade brasileira, o que para o outro Estado (Europeu) tinha sentido, no contexto
brasileiro não tinha significado algum. A elite brasileira estudava nos moldes europeus e,
quando aqui chegava, fazia parte do quadro de funcionários públicos, criava-se assim uma
homogeneidade ideológica que dava condições de reproduzir a ideologia portuguesa.
Os juristas e magistrados formados em Coimbra exerceram um papel marcante na
política e na administração portuguesa e posteriormente na brasileira. Fazendo parte da elite
estava a Igreja, esta pertencente à burocracia estatal, tendo grande influência principalmente
na educação desde 1530 quando os jesuítas chegaram aqui e iniciaram seu propósito de
catequizar e instruir os indígenas, ampliando essa ação aos filhos dos colonos.
Os colégios Jesuítas foram instrumentos de formação das elites no período colonial, a
Companhia de Jesus se tornou a ordem dominante no campo educacional. Os Padres jesuítas
foram expulsos em 1759 pelo Marquês de Pombal, acusados de deterem o poder econômico,
educar a serviço da Igreja e não do estado. Era o início de um sistema público de ensino,
entretanto, as dificuldades eram muitas.
A forma de educação escolarizada era transformada em mero privilégio controlada e
fiscalizada pelo Estado. Inicia-se um processo de aulas isoladas de matérias estabelecidas em
colégios religiosos e seminários, com vistas ao desenvolvimento de um ensino superior.
O objetivo da elite européia era acabar com a barbárie e o analfabetismo, visto serem
estes os fatores que depunham contra a representação da nação perante outros países. Dessa
maneira precisavam implantar a “civilização”, somente assim iriam ter progresso. Para tanto
era necessário que as escolas fossem organizadas de acordo com os preceitos do ideal
iluminista
Assim precisava fiscalizar e punir os professores que não estivessem atendendo às
normas estabelecidas. Surgia um sistema educacional pautado no autoritarismo, os fiscais de
ensino sendo representados pelos homens de poder, governadores ou seus representantes
como: presidente da província, diretores gerias, inspetores.
56
As normas estabelecidas no Brasil eram determinadas pela elite política bacharelesca
com o olhar do lugar em que adquiriu conhecimento, ou seja, Coimbra. Dessa forma estes
eram os responsáveis primeiro pela constituição do aparato legal da nova nação.
Com a finalidade de atender aos propósitos do governo, iniciam-se as reformas
educacionais. Entretanto, tais reformas são para atender as elites; há uma distância entre o que
é posto nas legislações e o que acontece na realidade.
A Constituinte de 1823 produziu muitos discursos, porém o resultado foi que a
educação básica ficou relegada à iniciativa privada, atendendo assim ao poder central que só
tinha olhos para o ensino superior. Esta também aboliu o privilégio do estado para dar
instrução, concedendo a liberdade de ensino para quem quisesse ensinar. Com isso trazia-se o
princípio da liberdade de ensinar e da gratuidade. Essa liberdade de ensino incentivou a
abertura de escolas particulares, e também uma desqualificação profissional, pois qualquer um
poderia ensinar, ou seja, quem quisesse poderia ser professor.
A escola era o espaço onde os chamados iletrados vinham em busca de instrução e de
educação, porém, essa mesma escola deveria reconhecer as diferenças. As elites caminhavam
por todo o processo educacional, primário, secundário e superior. Já os demais homens livres,
apenas o primário é o suficiente para diferenciá-los da massa de escravos. Dessa forma, a
educação imperial homogeneizaria a elite, dava a base aos homens livres e excluía os demais.
(PAUFERRO, 2010).
Conforme Chizzotti (2005) isto foi mudando paulatinamente a partir de novos projetos
de nação que nasceram com vários movimentos contestatórios, mas acima de tudo pelos
inconfidentes:
A fragilidade do equilíbrio de forças ameaçadas pelas fissuras abertas pelos
movimentos inconfidentes estava cada vez mais debilitada pelos encargos de
sustentação da nobreza perdulária, subsistindo à custa da Coroa e amparada
pela carga fiscal. A ela se somava a penúria das províncias, extorquidas pelas
obrigações tributárias, que se somava, por sua vez, à miséria dos agricultores
e à indigência dos artesãos e senhores de pequenos ofícios, todos alijados da
proteção real, curtindo a pobreza de todas as formas, nos campos e núcleos
urbanos. (CHIZZOTTI, 2005, p.31).
O autor continua informando que:
Os artesãos e serviçais de ofícios autorizados, submetidos à pobreza
permanente, os intelectuais ilustrados pelas idéias revolucionárias da França
e dos Estados Unidos ou pelo ideal parlamentarista inglês, todos eles, por
hostilidades particulares ou por idéias curtidas nas associações secretas
agregavam-se no partido liberal, um mosaico de idéias filoliberais que
abrigava nacionalistas nativistas vibrantes, como Muniz Tavares, patriotas
57
exaltados, como Antônio Carlos [...] que reclamavam uma carta
constitucional, uma forma de governo e instituições, legislação, novos usos e
costumes que afirmassem a ‘nação brasileira’. (ibidem, p.32).
O plano imaginado consistia em criar uma escola de ensino mútuo em “cada província
e, para isso, cada uma delas deveria enviar um soldado que aprenderia o método
[Lancasteriano] na capital e, voltaria como mestre e propagador do mesmo na província de
origem.”24 . No que se refere à prática de tal método, Bastos (2010) afirma que não houve a
implantação do método monitorial/mútuo no Brasil, conforme a preconização original inglesa,
o que ocorreu foi
A adoção de medidas legais e de muita discussão política em torno das
vantagens e desvantagens do método, e das dificuldades de implantação de
escolas de ensino mútuo. Na prática não tivemos uma escola que
comportasse mais de cem alunos, além de um número reduzido de
professores realmente com domínio do método e com o material necessário
para o seu desenvolvimento. (p.49)
O projeto elaborado pelo Conde de Barca, Gal. Francisco de Borja Gastão Stockler,
reproduzia o ideário de Condorcet, dividindo a instrução pública em quatro graus: as
pedagogias, que compreendiam o ensino elementar primário; os institutos, que acrescentavam
às pedagogias os conhecimentos necessários aos agricultores, artistas, operários e
comerciantes; os liceus, que ministravam os conhecimentos científicos; e as academias, que
desenvolviam os conhecimentos das ciências abstratas e os estudos das ciências morais e
políticas. O projeto, pela sua inspiração liberal, pelo risco de se formar uma massa letrada e
um sistema que nem Portugal, nem a própria França possuía, contrastava com os interesses
colonialistas da Coroa. Por outro lado, o erário, exaurido de todas as formas pelas cortes, não
teria condições de implementar plano tão amplo.
O plano apresentado para a instrução pública de autoria de Martim Francisco Andrade,
inspirado nas ideias de Condorcet, justificava a instrução como instrumento de liberdade e
igualdade, e fonte de moralidade pública, prosperidade do Estado e progresso da humanidade,
portanto, ideais civilizadores.
O único dispositivo legal para a instrução primária foi uma lei de 20 de setembro de
1823, que permitia a todo cidadão abrir escola elementar, sem os trâmites legais de
autorização prévia e sem licença e exame do requerente. Podendo-se ler que a partir de então
teve início o processo de favorecimento à iniciativa privada na educação, promovida pelo
24 O Sistema de Lancaster consiste na aplicação de uma máxima muito antiga, segundo a qual tudo quanto um
homem sabe pode ensiná-lo, e o melhor modo de saber bem as cousas é ir ensinando uns aos outros (MOACYR,
1939, p.10).
58
próprio Estado. A Constituinte de 1823, em seis meses de trabalho produziu mais discursos
veementes e oradores esfuziantes sobre a instrução, que diretrizes fundamentais para a
educação nacional, em parte, por não existir no grupo de legisladores, especialistas na área da
educação (CHIZZOTTI, 2005).
Nas chamadas ‘escolas de primeiras letras’, os professores ensinariam a ler e escrever;
as quatro operações aritméticas; prática de quebrados; decimais e proporções; noções gerais
de geometria prática; a gramática da língua nacional e os princípios da moral cristã e da
doutrina católica romana; tão necessárias ao processo de civilização, além da Constituição do
Império e História do Brasil (SUCUPIRA, 2005). E ainda:
A apertada centralização de nossa primeira Constituição, produziu a reação
política do Ato Adicional de 1834 e a garantia da instrução primária gratuita
que ela dava aos brasileiros, tornou-se dever das províncias, como aliás o são
até hoje, mesmo que os [agora] municípios não consigam gerir bem essa
obrigação. (SUCUPIRA, 2005, p.59).
Para as classes dirigentes da época, o mais importante era uma escola superior
destinada a preparar as elites políticas e quadros profissionais de nível superior em estrita
consonância com a ideologia política e social do Estado, de modo a garantir a ‘construção da
ordem’ [o ideário civilizador, para o controle das massas?], a estabilidade das instituições
monárquicas e a preservação do regime oligárquico (SUCUPIRA, 2005, p.67). Sem provocar
rupturas, nem romper com as permanências. Na introdução de “A instrução e as províncias”
Moacyr (1939. p.05) já argumentava, em defesa do sistema educacional incipiente da época
que “Nos governos despóticos é a ignorância dos vassalos a base do sistema, assim como nos
governos constitucionais o é a instrução dos súditos. Mais vale pouca instrução que
nenhuma”.
Em discurso proferido em 1844, citado por Moacyr (1939, p.16), o presidente da
Assembléia Anselmo Francisco Peretti não se limitou a colher informações sobre o ensino.
Foi pessoalmente às escolas, donde concluiu que “o estado da instrução pública na província é
o pior que se pode conceber”, acrescentando que os professores e os educandos arguidos por
ele, mal souberem responder às perguntas mais simples, que os professores conseguiram as
cadeiras através do patronato, e que os alunos não tinham condição de adquirir nem o papel,
nem a pena, muito menos um compêndio para acompanhar as aulas.
A instrução secundária se acha em bastante atrazo. O Liceu que conta nove
mezes de existência nasceu logo necessitando de humanidades bem e
reforma. Entretanto não peço a sua extinção e sim melhoramentos, e uma das
medidas é sem duvida, que se ensinem as noções gerais de agricultura, de
química aplicada ás artes, de geometria e mecânica prática e outros
59
conhecimentos favoráveis ao desenvolvimento da indústria americana.
(MOAYCR, 1939. p.19).
A Constituição de 1891 instituiu a descentralização do ensino (artigo que a
Constituição de 1824 já prescrevera); delegando aos estados competência para prover e
legislar sobre a educação primária; na realidade, oficializava-se a distância entre a educação
da classe dominante e a educação do povo, retratando a organização social brasileira, embora
sem considerar os vários estratos sociais emergentes. Preserva-se a ‘educação para o ócio’, e
até as massas associavam ‘trabalho com escravidão’.
A capital era o Rio de Janeiro, a língua era portuguesa, embora a elite preferisse falar
francês como marca de distinção social, de familiaridade com a Europa e de tradição cultural.
Seguia-se a etiqueta francesa à risca. Os ingleses controlavam a economia, dominando todos
os sistemas básicos de comunicação, transporte e commodities no Brasil. Se o Rio era o
epicentro da política e da cultura, São Paulo já era o centro financeiro (LYONS; LEAHY,
1999).
Mas nas províncias, imperava/assolava a doença, miséria e pobreza; e a escravidão era
vista como um problema para a civilidade, então era imperioso subvencionar um sistema de
educação que embora não atingisse a todos, que foi a realidade por todo o século XIX em
Alagoas; mas, que tivesse início em nome do progresso e da civilização pelas letras. Em
verdade, era uma tentativa de ‘branqueamento’ do negro através do processo de educação,
posto termos culturalmente como parâmetro de ‘civilizado’ o europeu colonizador. Ocorre que
as províncias não tinham recursos para efetivar um projeto de educação para os pobres, e
algumas iniciativas beneméritas esporádicas davam conta de um mínimo da população que
era obrigado a priorizar a subsistência, afinal naquele período não havia razões para crer numa
necessidade de escolarização, posto que não houvesse mercado de trabalho com essa demanda
(SANTOS, 2011). Todo esse contexto serve de preparação para o surgimento dos Gabinetes
de Leitura no Brasil com espraiamento social por todas as províncias, e cada província
fazendo um uso diferenciado da instituição, como observa Schapochnik (1999, p. 40):
Os gabinetes favoreciam um conjunto de práticas, como a leitura
individualizada e silenciosa e a correspondência epistolar, que davam vazão
à subjetividade, caracterizando esse espaço como um recanto propício para a
introspecção e autonomia pessoal.
Em uma sociedade profundamente desigual no que diz respeito à apropriação do
legado cultural historicamente construído, os gabinetes de leitura acabaram funcionando como
espaços de divulgação do saber e de uma dada forma civilizatória. Claro que estava a
60
princípio interditados de frequentar esses espaços, os “homens de cor escravizados” e toda a
massa amorfa e analfabeta dos oitocentos no Brasil e especialmente em Alagoas.
Este contexto propiciou uma situação de não acesso à leitura àquela população
permanecendo quase um luxo, para os abastados. Sendo esta sociedade fortemente marcada
por contradições de várias ordens, citando aqui apenas as socioculturais, Silva (2010, p.86)
relata que:
O século XIX foi um período de independência e consolidação do Brasil
como Estado-nação que se pretendia guiar por um modelo europeu de
civilização. Nesse processo, as bibliotecas e outras instituições culturais,
como museus, teatros, institutos históricos e arquivos, tiveram um papel
fundamental para ajudar a moldar a nova identidade.
Se considerarmos que o autor da citação acima está com a razão, é preciso reconhecer
também, que o século XIX no Brasil constitui-se como um “divisor de águas”, principalmente
no que toca às questões sociais. No entanto, o processo histórico de formação do povo
brasileiro ainda está por ser consolidado. Em verdade, é um processo muito lento e gradual,
formado de avanços e recuos, numa sociedade estruturada socialmente sob o signo da
injustiça social. Contudo, o Brasil é os brasis. Nisto, queremos afirmar que temos artefatos
culturais profundamente sofisticados convivendo com uma sociedade que não demandava o
uso desse artefato chamado livro. Este vivia quase como uma peça de museu, onde somente
os que sabiam interpretar o seu valor tinham acesso ao seu manuseio.
Especificamente no que se remete à história da leitura e/ou das bibliotecas no Brasil, o
marco zero (pelo menos do ponto de vista oficial) é a criação da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, originada do acervo de livros, manuscritos, mapas, estampas, moedas e medalhas,
que constituía a Real Biblioteca da Ajuda, trazido ao Brasil pela família real portuguesa
(GOMES, 2007). Com o nome de Real Biblioteca que foi instalada em 1810 nas dependências
do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, atual Rua primeiro de março
(conhecida na época por Rua Detrás do Carmo), e em 1811, já atendia mediante prévia
autorização régia, e, a partir de 1814, estava aberta a toda a população da cidade, o que pode
ser considerado um grande avanço para a época, mesmo que a frequência não fosse grande
devido a pouca importância que se dava aqui às ‘ocupações literárias’. Mesmo assim havia
um grande atrativo para os leitores daquela instituição, que eram os periódicos impressos no
Rio de Janeiro e nas províncias, recebidos a cada manhã, formando um grupo de leitores
significativo, e de todas as classes e opiniões.
Sobre o leitor que frequentava a biblioteca, um visitante inglês de nome Thomas
Ewbank, nos idos de 1845, sentenciou que a “Biblioteca é uma honra para a cidade”, mesmo
61
não tendo encontrado ali “mais de meia dúzia de consulentes, sendo a maioria de cor”
[provavelmente negros libertos]. E segue em seu elogio afirmando que a biblioteca contém
excelentes livros em todos os ramos do saber, e que a direção trata a todos, “dentro de um
espírito liberal, não entravado por preconceito religioso ou político” (apud SILVA, 2010).
Outra instituição que se firmou na cidade do Rio de Janeiro e tal como a Biblioteca
Nacional, existente até os dias de hoje, foi o Real Gabinete Português de Leitura (fundado em
1841). Este era um panorama da Corte, tão distante da pobre província alagoana, que na
mesma época era apenas a senzala de um engenho banguê, no sítio em que foi mais tarde
construído o prédio do Tesouro provincial, cuja pedra fundamental foi assentada a 14 de
março de 1851, nas palavras de Altavila (1962).
Apesar do alto índice de analfabetismo que atingia – e ainda atinge - o Brasil no século
XIX, havia um interesse dos homens letrados em incutir uma cultura civilizatória na
população, através de ações que facilitassem o acesso à leitura; por intermédio de iniciativas
como os gabinetes de leitura. Estes intelectuais interessados em civilizar os “menos
favorecidos” seguiam um ideário europeu de formar um cidadão “letrado, trabalhador,
higiênico e regrado moralmente” (MADEIRA, 2008). Schapochnik (2005, p. 229) vem
corroborar com a autora em tela:
A afirmação de que a leitura foi uma prática circunscrita a uma parcela
diminuta da sociedade brasileira do século XIX, faz parte do repertório de
nosso saber tácito, isto é, do arsenal de certezas que se mostra tão seguro a
ponto de parecer ser evidente por si mesmo. Talvez a ampla aceitação desta
‘evidência’ repouse no argumento bastante plausível de que a maior parcela
da população brasileira era constituída por analfabetos e, sendo assim, estava
automaticamente alijada de participar ativamente da experiência da leitura e
do prazer do texto. Esta situação adversa era corroborada pela precariedade
do sistema de instrução pública e do restrito acesso aos centros de ensino
superior.
Em Alagoas, a situação não era diferente. No século XIX tínhamos um sistema de
educação precário. Sistema este, que surgiu no então Império com o intuito – em grande parte
– de resolver o problema da moralidade pública, amparo e vigília social (MADEIRA, 2005).
A escola da época não pode ser nomeada pública, privada ou filantrópica, considerando que
estas categorias não se distinguiam; havia um entrelaçamento, dando outra feição ao que se
costuma nomear de laico e religioso, individual e coletivo, urbano e rural, público e privado.
É nessa tessitura histórica que surge o Gabinete de Leitura. No mesmo contexto temos:
A discussão sobre a necessidade de investimento na educação estava
relacionada à importância da formação do cidadão-eleitor. Preparar o homem
para o sufrágio universal, através da escola, tomou uma forte tonalidade,
buscando garantir o desempenho de seus deveres de cidadão quando o voto
62
fosse estendido a todo cidadão brasileiro [...] simultaneamente, a transição
do trabalho escravo para o livre desencadeou a preocupação com a educação
do liberto, para ‘ensinar-lhe’ a amar o trabalho. (MACHADO, 2010, p.93).
No discurso do poder constituído da época, temos uma breve noção de como era a
situação nacional na área da educação, social e política, onde não se percebe nenhuma
preocupação por parte do poder dominante com a questão das bibliotecas, acesso à cultura ou
à leitura para todos os cidadãos:
A Assembléia Nacional e Geral Constituinte de 1823, pelo discurso e pela
forma, pela composição de seus membros e pelos projetos apresentados,
constitui um observatório privilegiado dos problemas e das concepções
sociopolíticas do Brasil, no primeiro quartel do século XIX. As propostas de
lei, as indicações e os decretos, assim como os usos, o estilo e o conteúdo
dos discursos revelam muito das orientações políticas e culturais que vão
tomando forma e delineando a organização jurídico-política do Brasil
independente. [...] A fragilidade do equilíbrio de forças ameaçadas pelas
fissuras abertas pelos movimentos inconfidentes estava cada vez mais
debilitada pelos encargos de sustentação da nobreza perdulária, subsistindo à
custa da Coroa e amparada pela carga fiscal. A ela se somava a penúria das
províncias, extorquidas pelas obrigações tributárias, que se somava, por sua
vez, à miséria dos agricultores e à indigência dos artesãos e senhores de
pequenos ofícios, todos alijados da proteção real, curtindo a pobreza de todas
as formas, nos campos e núcleos urbanos.
(CHIZZOTTI, 2005, p.31).
Diante dessa situação precária das províncias, onde a instrução primária “continuou
constituída de aulas de leitura, escrita e cálculo; pressupõe-se que cerca de um décimo da
população a ser atendida o era realmente [mas] não se tem certeza, já que não existiam
estatísticas educacionais” (RIBEIRO, 2007, p.56). Nesse contexto surgem as iniciativas de
associações literárias, com o intuito de levar civilidade para o povo:
Na segunda metade do século XIX, foram criadas por eles [os homens de
letras da província] em Maceió, algumas associações e grêmios literários que
tinham projetos de disseminação das letras. Só para citar algumas, foram
fundadas A Sociedade Gabinete de Leitura (1857), pelo diretor da instrução
pública José Correia da Silva Titara, cuja intenção era abrir escolas noturnas
e serviços de empréstimo de livros; entretanto de acordo com Tomás
Espíndola, a biblioteca do Gabinete, instalada nas dependências do Liceu,
mantinha-se constantemente fechada sem acesso ao público. (MADEIRA,
2008, p.56).
Imbuídos de um senso de civilidade, os homens letrados da época se mobilizam no
sentido de atuar numa esfera que seria de obrigação do poder público; subvencionando
espaços para a disseminação da cultura, visto que os governantes não dispunham orçamentos
para este fim, deixando embutido nesse discurso, que: promover cultura não é prioridade,
como infelizmente ainda acontece até hoje, em pleno século XXI!
63
No século XIX, o grande problema foi saber como é que os que divergiam do
‘cidadão-padrão’ (o escravo, o primitivo, o camponês, o criado, o operário, o pobre) podiam
vir a transformar-se num igual; como reduzir as diferenças (culturais, intelectuais,
psicológicas, de condições materiais) entre os homens, para depois os integrar na cidade.
(SILVA, 2009). O que podemos inferir da fala da autora é que a busca por uma igualdade
social através do processo de civilização – que se dá através de educação e leitura - é que
torna o sujeito cidadão, civilizado e incluso socialmente, com o mesmo direitos que qualquer
outro indivíduo, mais letrado ou mais rico, com as possibilidades de uma plenitude social que
é um processo histórico – ou um projeto da história – para o futuro, visto que em pleno século
XXI, apesar de muitos avanços, ainda temos regiões no Brasil e no mundo que jazem da
pobreza cultural e escolar, com populações inteiras submersas no famigerado analfabetismo!
Para a sociedade dos oitocentos, o cidadão que se pretendia construir era “um tipo
moral e social homogêneo” nas palavras de Rui Ramos apud Silva (2009, p.535). Esse
cidadão-padrão, segundo Certeau (2009) Deveria ser formatado através do processo de
escolarização e leitura que era o então passaporte para o mundo dito civilizado. Posto que,
acreditava-se que o livro fosse capaz de reformar a sociedade, que a vulgarização escolar
transformasse os hábitos e costumes, que uma elite tivesse com seus produtos, se a sua
difusão cobrisse todo o território, o poder de remodelar toda uma nação.
Claro que havia – sempre houveram – os detratores da cultura, que sempre acham que
o povo só precisa saber o mínimo para manter-se no mercado de trabalho [de forma precária]
e gerar lucros para o Estado, conforme discussão ocorrida na Assembléia Legislativa acerca
da instalação da Biblioteca Pública após o fechamento das portas do Gabinete de Leitura, (a
contenda se deu entre os deputados Manoel César e Tomaz Espíndola), em 1865:
O deputado Manoel Cesar, em aparte, chegou ao cúmulo de declarar que
achava ‘desnecessário o Liceu, quanto mais uma biblioteca!’ Tão grande
insensatez lhe valeu uma ferina resposta da parte de Tomaz Espíndola: ‘Quot capita, tot sententiae’. Já se vê que o nobre deputado é apologista do
regresso e ama por demais a ignorância’, prosseguindo lamentando –
“Alagoas não pode e nem deve tê-la, (uma Biblioteca porque no entender de
alguns nobres deputados (o citado Manoel Cesar e Dr. Anacleto de Jesus
Maria Brandão) ela não pode despender seiscentos mil réis anuais!!”
Continuando com as suas arrevezadas justificativas, o deputado Manoel
Cesar alegou que os livros da futura Biblioteca Pública só podiam ser lidos
pelos lentes do Liceu, vindo então Tomaz Espíndola a perguntar-lhe se os
mesmos não podiam ser lidos também pelos comerciantes e artistas,
finalizando os debates: - ‘Por essas idéia retrógradas e egoísta é que muitas
vezes uma sociedade não marcha bem; porque despreza-se muitas vezes o
aperfeiçoamento moral para cuidar-se só do material, quando este deve
marchar pari passu daquele’. A despeito desses entraves, o projeto foi
64
finalmente aprovado em 3ª discussão no dia 10 de junho de 1865 e remetido
á Comissão de Redação. (SANT’ANA, 1965, p.11).
Nem sempre esse tipo de polêmica termina a favor de cidadão, posto que o poder
dominante está sempre mais preocupado em se manter no poder, e para isto ele tem
consciência de que as camadas menos favorecidas, que são a maioria de um todo social,
precisam ser cada vez mais alienadas para que no mínimo mantenha-se mão de obra barata e
que os ricos continuem ricos e pobres continuem pobres e ignorantes, sem saber ao menos o
que é ser civilizado, para compreender minimamente a função e o poder de seu voto nos
pleitos eleitorais. Chartier (1998) argumenta que há essa contradição em querer civilizar, por
uma parcela da sociedade letrada e outra parcela da sociedade – a dominante – que não se
interessava por tal processo de letramento, temendo que se diminuísse a mão-de-obra, e
causa-se rupturas não desejadas no tecido social burguês.
Retomando as observações de Silva (2009) acerca do que era ser cidadão no século
XIX, a autora vem esclarecer que havia uma diversidade de ‘candidatos’ à cidadania,
composta por escravos, camponeses, criados, operários, pobres etc, e lidar com essas
diferenças que eram culturais, psicológicas, intelectuais e de condições materiais, era o maior
impasse. Em seus estudos sobre os processos educacionais em Alagoas no mesmo período,
Madeira (2010) afirma que todo esse empenho em civilizar o povo pelas letras, era uma ação
que partia dos intelectuais daquela sociedade, preocupados com a ausência do governo nesse
sentido, e que esse ideário civilizador importado da Europa preconizava um cidadão letrado,
trabalhador, higiênico e regrado moralmente, antítese do que se considerava bárbaro, na
época. Para referendar mais corretamente esses conceitos, recorremos ao intelectual
positivista Tomaz do Bomfim Espíndola, que em seu Elementos de Geografia e Cosmografia
oferecidas à mocidade alagoana, que é apresentado em forma de perguntas e respostas, vem
esclarecer:
Mestre- o que são povos bárbaros?
Discípulo- São os que conhecem a arte de escrever e as outras mais
necessárias á vida e não tem língua polida, nem legislação bem conhecida;
dão grande apreço à profissão da guerra e pouco ao estudo e
aperfeiçoamento das sciencias e artes.
Mestre- E civilisados?
Discípulo-São os que teem língua polida, legislação bem conhecida, governo
activo e previdente; teem em grande estima as sciencias e as artes,
marchando o seu progresso material e intellectual, mais ou menos, a par do
aperfeiçoamento moral. (ESPÍNDOLA, 1874. p.39).
Em suma, os dois atributos principais para a cidadania era saber ler e escrever
(DARTON, 2010, p.23). Em tal concepção de cidadania não cabia, por exemplo, o povo.
65
Visto que esse se dedicava unicamente a trabalhar na forma mais perversa no sentido de
produzir excedente. No Brasil do oitocentos a cultura letrada não podia ser outra coisa que um
privilégio das elites econômicas. Alagoas com um número considerável de analfabetos reais e
funcionais não podia ter um quadro educacional diferente. Daí que, não raras vezes, a cultura
não letrada foi discriminada; não apenas pelas elites que a tinham por menos preço e, sim,
pelos que podiam minimamente mudar esse quadro como os professores. Afinal, eles mesmos
faziam parte dessa elite. Como não ser diferente? Com estas e outras reflexões partimos para
o próximo tópico do presente texto.
3 - OS GABINETES DE LEITURA NO BRASIL: CONCEITO E ESTRUTURA
Este capítulo baseia-se nos estudos de Madeira (2005); Sant’Ana (1965;1966); Lima
(2012) e Schapochnik (2008) – sendo este um estudioso importante dos gabinetes de leitura
no Brasil – pesquisamos também para dar substrato analítico a este capítulo as notícias do
Diario das Alagoas (1859), para construir o entendimento básico sobre o objeto de pesquisa.
Lajolo e Zilberman (1996), nos dão subsídios para uma construção histórica inicial de uma
sociedade leitora no Brasil.
Para o senso comum da língua vernácula, o termo “gabinete” tem entre outras
acepções, o significado de “sala destinada a trabalho; escritório; laboratório” (CEGALLA,
2005); trazendo já neste arcabouço um sentido de laborar, como espaço para elaboração de
alguma coisa, no caso presente: a leitura.
Ainda de acordo com as definições do citado autor, temos o conceito de “leitura”,
como “arte de ler”, o que à primeira vista daria à expressão “gabinete de leitura”, um sentido
de local onde se elabora a arte ler; laboratório do saber; espaço para a arte da leitura, entre
outras acepções que se pode depreender daí, no entanto – para a proposta em estudo –
carecemos de um aprofundamento dessas significações, que é o que vamos tratar em seguida.
Historicamente colocando, os Gabinetes de Leitura é uma criação livre da França
revolucionária. Certo é que em bom francês denominavam-se boutiques a lire e são artefatos
culturais e civilizatórios da revolução de 178925. Configuraram-se em espaços livres em que
pessoas letradas podiam, conforme suas posses, alugar livros. Da França a ideia se espraiou
25 Amplo movimento de contestação social, política, cultural e religiosa que se processou na França entre os dias
5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799. Simbolicamente representou o fim do Antigo Regime da França.
66
por toda Europa, com singular força na Inglaterra e na Alemanha; daí chegou a Portugal
tardiamente no século XIX e quase concomitantemente ao Brasil.
Figura 5: Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro
Fonte da imagem: MATTOS, Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de. Da ideologia à arquitetura, um projeto
além mar: os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2. [O gabinete de
leitura do Rio de Janeiro serviu de modelo para todos os outros que foram implantados no Brasil dos oitocento]s.
No sentido de construir um conceito mais elaborado da palavra “gabinete”, França
Júnior (1867) apud Schapochnik (2008, p.165), traz algumas possibilidades significativas do
termo:
O gabinete é um canto isolado do domicílio, onde o homem medita e resolve
as mais altas questões de interesse privado e social. O gabinete é a vida.
Aspirações, crenças, risos e lágrimas, egoísmo, sórdidos interesses, todas as
67
grandezas e misérias humanas nele se concebe, tudo aí sonha nas diversas
fases da vida.
Seguindo essa construção conceitual, Schapochnik (2008, p.165) define que um
gabinete também pode vir a ser um:
Quarto sombrio a respirar miséria; rico salão alcatifado, suntuoso de luxo;
paredes adornadas de suculentas bibliotecas; [e ao mesmo tempo] modesto
retiro de paz e felicidade, o gabinete, - ou é um sacrário onde se aninham as
aspirações do céu, -ou um antro escuro de Satã a vomitar as chamas do
inferno.
Mergulhando nas origens do termo “gabinete”, o mesmo autor traz conceitos variados
como o de Raphael Bluteau apud Schapochnick (2008), informando que a palavra é derivada
do francês: “Cabinet, que também significa Camarim, & Contador. Aposento particular do
Príncipe, ou Ministro, em que estão os papeis, & em que se tratão os negócios de maior
importância” (SCHAPOCHNICK, 2008, p.169). Para Mattos (2007, p.01):
O termo também suscita uma conotação moderna, atribuída a um espaço da
moda, dada a referência de vanguarda que tanto a função quanto o espaço
reservava e que, dessa forma , na literatura da época [século XIX], aparece
associada ao progresso e à civilização e, dessa forma, ao requinte que os
novos centros de saber irradiavam.
Mais de um século depois surge outro conceito do dicionarista Francisco Solano
Constâncio, reiterando os significados fixados anteriormente e esclarecendo mais
precisamente sobre a gênese da palavra: “Gabinete, derivado do latim cavinum: camarim,
quarto pequeno; quarto em que o rei despacha com os ministros, ou em que se ajunta o
conselho d’estado.” (idem).
O Gabinete de Leitura foi uma instituição que chegou ao Brasil, seguindo o modelo do
Real Gabinete Português de Leitura, que serviu de modelo para a implantação de gabinetes
literários nas províncias do Brasil nos idos do século XIX, seguindo uma corrente que
preconizava a necessidade de civilizar pelas letras, para que o Estado também tivesse melhor
controle das massas, através do disciplinamento de suas pulsões naturais, resgatando a
população de um estado de barbárie para um estado civilizado. Neste sentido Elias esclarece
que
O processo civilizador não segue uma linha reta. [...] Em escala menor,
observamos os mais diversos movimentos que se entrecruzam, mudanças e
surtos nesta ou naquela direção. Mas se estudamos o movimento da
perspectiva de grandes períodos de tempo, vemos claramente que diminuem
as compulsões originadas diretamente na ameaça do uso das armas e da
força física, e que as formas de dependência que levam à regulação dos
efeitos, sob a forma de autocontrole, gradualmente aumentam. Esta mudança
68
desponta em seu aspecto mais retilíneo se observarmos os homens da classe
alta do tempo – isto é, a classe composta inicialmente de guerreiros ou
cavaleiros, em seguida de cortesãos, e finalmente de profissionais burgueses.
(ELIAS, 1994. p.185).
Em continuidade ao entendimento do significado do processo civilizador (ou
civilizatório), Elias (1994) explica que este seria uma mudança na conduta e sentimentos
humanos, rumo a uma racionalização da atividade humana, tida como um conjunto de
comportamentos introjetados e exteriorizados socialmente pelos indivíduos, com o objetivo de
ter uma convivência pacífica com os semelhantes, a custa de muito autocontrole – o que causa
sofrimento, até se chegar ao domínio das pulsões naturais – sendo esse o preço dessa
civilização.
O autor deixa claro nas entrelinhas de seu discurso acerca do processo civilizatório,
que o mesmo só é possível através do processo educacional, de apropriação de leitura, e
naturalmente, passando pelo objeto livro. Para o grande romancista oitocentista, de
nacionalidade portuguesa, Eça de Queiroz, “o que, porém, mais completamente imprimia
àquele gabinete um caráter de civilização eram os aparelhos facilitadores de pensamento”
(QUEIROZ apud MARTINS, 1990, p.23).
Seguindo pistas investigadas por Lajolo e Zilberman (1996) nos deparamos com o
relato de que, foi por volta de 1840, no Rio de Janeiro – sede da monarquia – que começou a
se esboçar os traços necessários para a formação e fortalecimento de uma sociedade leitora no
Brasil: estavam presentes os mecanismos mínimos para a produção e circulação da literatura,
como tipografias, livrarias e bibliotecas; a escolarização era precária, mas manifestava-se o
movimento visando à melhoria do sistema; o capitalismo ensaiava seus primeiros passos,
graças à expansão da cafeicultura e dos interesses econômicos britânicos, que queriam um
mercado cativo, mas em constante progresso.
Foi nesse contexto que ocorreu nas províncias do Brasil a fundação de associações
literárias denominadas “Gabinetes de Leitura”. Seguindo a premissa de que
O aumento da demanda de livros numa sociedade constitui bom sinal de um
avanço pronunciado no processo civilizador, porque sempre são
consideráveis a transformação e regulação de paixões necessária tanto para
escrevê-los quanto para lê-los. (ELIAS, 1994. p.229).
Também foram criadas outras agremiações como o Liceu Literário Português e o
Retiro Literário Português, entidades particulares com a intenção de tornar pública a literatura
portuguesa no Brasil, sendo que as associações denominadas gabinetes, surgiram primeiro no
Rio de Janeiro (1837) e Recife (1853). Em Alagoas foi instalado apenas uma unidade do
69
Gabinete de Leitura em Maceió (MADEIRA, 2005). Quando o Gabinete de Leitura extinguiuse em 1865, Alexandre José de Mello Morais26 doou 119 livros à Biblioteca Pública, dos quais
foram localizados os seguintes27:
Quadro 1 - Relação de livros doados para a Biblioteca Pública
Nº
001
002
003
004
005
006
Título
Localização
da obra hoje
Aclimatação
do Dr.
F.L.C. Instituto
Dramadario nos sertões Burlamaque
Histórico e
do Brasil
Geográfico
de AlagoasIHGAL
O Brasil histórico,
Dr. A. J. de Instituto
(in-folio)
Mello Moraes
Histórico e
Geográfico
de Alagoas
Castrioto Luzitano ou JESUS, Raphael. Instituto
historia da guerra entre
Histórico e
o Brazil e a Hollanda,
Geográfico
durante os annos de
de Alagoas
1624 a 1654... Pariz:
J.P. Aillaud, 1844.
605p.
Corographia
Imperio do Brasil
Autor
do Dr. A. J. de
Mello Moraes;
I.A.
de
Cerqueira
e
Silva
Cultura e Opolencia do A.J. Antonil
Brasil
A
Declaração
da
Maioridade de S.M.I. o
Senhor
D.
Pedro
Área
Qtde
001
Agronomia
História
Brasil
do 003
02
tomos
História
Brasil
do
001
Instituto
Geografia
Histórico e
Geográfico
de Alagoas
001
Instituto
História
Histórico e Brasil
Geográfico
de Alagoas
Instituto
Legislação
Histórico e
Geográfico
do 001
002
26 Fonte: Relatorio da Instrucção publica e particular da província das Alagoas apresentado ao Exm Snr Dr.
Esperidião Eloy de Barros Pimentel (presidente da província), pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espindola... Maceió:
Typ do bacharel Felix da Costa Moraes, 1866. Destacamos no quadro itens que foram localizados no IHGAL.
27 Aqui apresentamos apenas imagens dos sete títulos que foram localizados durante a pesquisa e uma
classificação genérica de assuntos aos quais pertence cada livro. A lista completa com os 119 itens está no
“Anexo B”.
70
007
Segundo
(in-folio)
Documentos Officiaes
Relativos á Exposição
Nacional de 1861 (infolio)
de Alagoas
CUNHA,
Antonio
Fernandes
(Org.).
Luiz
Obra
Referência
de 001
v.02
Logo a seguir, trazemos imagens fotográficas dos títulos supracitados, localizados no
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, durante a pesquisa28:
Figura 06 (item 1) Folha de rosto de: BURLAMAQUE, Dr.F.L.C. Aclimatação do
dramadarios nos sertões do norte do Brasil, e da cultura tamareira. Rio de Janeiro: Typografia
Nacional.
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
28 Fonte das imagens que se seguem: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas - IHGAL. Fotos: Roselito.
71
Neste livro pressentimos que havia uma forte preocupação com as questões da
pecuária exótica e da cultura agrícola da tamarineira. O livro, como é de se esperar, não se
encontra em bom estado de conservação, inclusive, hoje, é considerado obra rara. O próximo
livro é sobre história do Brasil.
Figura 07: (item 2) MELLO MORAES, Alexandre José de. O Brasil histórico: jornal histórico, político,
litterario e de propaganda homeophatica, 1864. Tomo I29
O
29
72
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
Os quatro livros a seguir tratam da mesma temática que o anterior, história do Brasil.
Figura 08 (item 3) MELLO MORAES, Alexandre José de. Chorografia histórica, chronografia
genealógica, nobiliária e política do Império do Brasil contando... Rio de Janeiro: Typografia Pinheiro,
1866. 446p. tomo I.
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
Figura 09 (item 4) JESUS, Raphael. Castrioto Luzitano ou historia da guerra entre o Brazil e a Hollanda,
durante os annos de 1624 a 1654... Pariz: J.P.Aillaud, 1844. 605p.
73
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
Figura 10: (item 5) ANTONIL, José João. Cultura e opulência do Brasil: por suas drogas e minas, com
várias notícias curiosas dos modos de fazer o assucar... Lisboa: O.R.D, 1711. 205p.
Figura 11 (item 6) A DECLARAÇÃO DE MAIORIDADE DE S.M.I. O SR. D. PEDRO II, desde o
momento em que essa idéia foi aventada... Rio de Janeiro: T.A.D., 1840. 127p.
74
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
Figura 12 (item 7) CUNHA, Antonio Luiz Fernandes da (Org.). Documentos officiaes relativos à
exposição nacional de 1861comprehendendo os avisos e officios... Rio de Janeiro: Typ. Diário do RJ,
1832. 263p..
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
As informações contidas nesse rico material serviram como insumos para a elaboração
– parcial – de um perfil do leitor daquela época em Maceió, que já de antemão, visualizamos
como sendo os membros do Conselho do Gabinete de Leitura, embora o regimento deste
também contemple os alunos do Lyceo Alagoano como leitores do gabinete. Mas não era
75
efetiva a prática de uso do mesmo pelos alunos do Lyceu, que em determinado momento
reagem com uma manifestação descrita na notícia de jornal “O Liceysta e o Diretor do
Lyceo”.
Quando os alunos, em protesto contra os desmandos do diretor do Gabinete de Leitura
(que também acumulava os cargos de Diretor do Liceu e da Instrução Pública Provincial) José
Correia da Silva Titara, puseram velas sob as vidraças das janelas do prédio onde funcionava
o Gabinete, como que insinuando que aquela era ‘uma instituição morta’(?), por não cumprir
com a sua função social de dar acesso aos interessados aos seus tesouros literários, não foram
levados muito a sério. Na referida nota de jornal, o Sr, Titara ‘releva’ o ocorrido, nominando a
ação dos jovens como “pilhéria”, sem dar o devido valor político que a atitude de fato
representava.
Nos 119 itens analisados encontramos uma variedade de áreas do conhecimento, desde
obras de conhecimentos gerais, passando por história, geografia (geral e do Brasil),
agronomia, medicina, política, homeopatia, maçonaria, militarismo, biografias, religião,
ficção, bibliografias, dicionários, direito, diplomacia, oratória, monarquia, sociologia,
engenharia, ciência, zootecnia, relatos de viagens, além de revistas e jornais tratando de
assuntos os mais diversos.
Como vemos, trata-se de uma gama muito variada de assuntos, compondo um painel
abrangente de informações úteis para a formação de uma sociedade leitora da época, visando
à construção de um cidadão bem ao estilo do século XIX, onde a preocupação daqueles
intelectuais positivistas preocupados com a extinção da ‘barbárie’ através do processo de
letramento e leitura, era premente. Posto que aqueles ilustres senhores, bem posicionados no
poder constituído, e detentores de um saber enciclopédico, também interessados em difundir o
conhecimento para as demais camadas da sociedade, considerando, eles mesmos – as ações de
apoio à criação de instrumentos culturais e educacionais – como prova viva de que não eram
na província indiferentes ao progresso geral que fazem as letras no século XIX, citando as
palavras de um cronista da época, quando da cerimônia de segundo aniversário do Gabinete
de Leitura em 185930.
Em se tratando de delinear um perfil do acervo do gabinete, com base nesta pequena
mostra doada à Biblioteca Pública, ou seja, no ano de sua inauguração e dissolução do
Gabinete; inferimos que o acervo deste guardou similaridades, uma vez que o doador dos
30 In: Diário das Alagoas, Ed. 227,05 de Outubro de 1859, p.01, nota: “Gabinete de Leitura”.
76
livros era um dos fundadores do mesmo, e teria, certamente, doado essa bibliografia ao
Gabinete de Leitura, caso esse houvesse se fortalecido, tornando-se ele próprio uma biblioteca
pública31.
O que entendemos no caminhar pesquisado referente a esse ponto específico, é que
sendo o Gabinete de Leitura, uma instituição não oficial (que embora de caráter público – até
por estar localizado dentro de uma instituição pública, que era o Lyceu Alagoano) sofria de
um traço cultural ainda hoje presente em nossa sociedade – ainda senhorial – em que o
público ‘torna-se’ privado através da ação de alguns servidores da esfera pública, que insistem
em privatizar o que é público, com a ‘justificativa’ de que estão protegendo tal patrimônio da
depredação do mesmo público a quem esse patrimônio devia servir e estar à disposição.
Mas esta é outra discussão - que apenas citamos aqui, visto não ser o foco principal da
presente pesquisa - que remonta aos primórdios do nosso país e que deve ainda perdurar por
não sabermos quantos séculos, talvez até que as instituições públicas pelo menos em nosso
Estado sejam confiadas a profissionais competentemente habilitados para o trato com o
patrimônio cultural e público como um todo, fazendo valer o acesso a toda a nossa riqueza
histórica, mantendo permanentes programas de incentivo à cultura, à preservação da mesma,
priorizando uma palavra-ação tão em voga em nossos dias, mas efetivamente muito pouco
levada à prática, quando se trata dos elementos socioculturais de nossa sociedade, para citar
somente uma necessidade/direito do cidadão. Esta palavra, que precisa ser cada vez mais
sentida por todos os cidadãos é o tão propalado acesso. Este é de suma e absoluta importância
principalmente e primeiramente com relação à cultura e a informação, tida hoje como um bem
em nossa vida moderna.
Como ter acesso ao processo de educação e de civilização, se antes não temos o acesso
a uma simples informação, a, por exemplo, uma simples visita ou consulta a uma biblioteca,
museu ou arquivo, que pode/deve despertar no cidadão sonhos e voos intelectuais mais altos
que o catapultem à verdadeira cidadania?32.
31 Madeira (2005) nos informa que, foi no ano de 1867 que o acervo então existente do gabinete de leitura com
cerca de 3.000 volumes, passou a pertencer à Biblioteca Pública Provincial ,antecessora da Biblioteca Pública
Estadual; que por sua vez teve seu acervo distribuído entre várias repartições públicas, durante o governo Costa
Rêgo (1925), quando aquela Biblioteca foi temporariamente fechada por deteminação do citado gestor e nesta
ocasião, provavelmente dilapidou-se o acervo antigo do gabinete de leitura. (Sant’ana, 1965.p.28).
32 Cidadania aqui já no sentido moderno, na concepção de Dimesntein, como sendo a “síntese das conquistas
dos direitos obtidos pelos homens, orientados pelo princípio de que todos são iguais perante a lei,
independentemente de raça, cor, sexo, religião e nacionalidade”.
77
Não sabemos se a instalação dos Gabinetes de Leitura está relacionado com a questão
da cidadania. O certo é que não percebemos, em nenhuma fonte, alusão a essa questão. Até
porque não se constituía na época como um problema. Em Maceió, a instalação do Gabinete
de Leitura ocorreu de cima para baixo, como depreendemos das fontes analisadas:
o
Os membros do Gabinete de leitura pertenciam a uma elite senhorial,
intelectual e naturalmente o ‘povo’ não tinha acesso à Associação;
o
Outro fator que dificultava o interesse popular era a cobrança da “jóia” para
inscrição e cobrança de mensalidade com reajuste anual;
o
A dita mensalidade deveria ser paga em dinheiro, o que elitizava mais ainda o
o
Não havia uma rotina diária de uso do espaço do Gabinete de Leitura, e sim
acesso;
dias pré-determinados para leitura;
o
Apesar de, aparentemente, o projeto do Gabinete ser de interesse daquele grupo
que o mantinha, não houve empenho em ter alguém gerenciando a Associação, além de um
‘porteiro’;
o
A multa aplicada pelo atraso na devolução de livros tomados por empréstimo,
podia funcionar como outra dificuldade para o uso, ao menos para os estudantes do Lyceu.
Diferentemente ocorreu na corte imperial. Sobre as razões que levaram à implantação
do Gabinete Real Português de Leitura do Rio de Janeiro (primeiro no Brasil, e existente até
os dias atuais), Mattos (2007) afirma que, é na condição de refugiados do absolutismo que
estes homens engendraram uma ação mobilizadora e formas de intervenção junto à
comunidade lusitana, que resultaram na fundação do Gabinete Português de Leitura do Rio de
Janeiro, cujo primeiro objetivo parecia ser a perpetuação de suas tradições.
Os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil apresentam-se como
referenciais urbanos, conformados às aspirações sociais da época, expressos
nos novos centros de convívio, cultura e lazer. A sociedade formava-se, os
homens aproximavam-se para trocar idéias, e uma nova vida associativa se
viu desabrochar, resgatando, por meio de seus edifícios, a memória e a
formação da identidade nacional, preservando uma história cuja experiência
vivida o tempo poderia pôr a perder. (MATTOS, 2007. p.03).
Ou ainda, por estarem ausentes da pátria, impossibilitados de intervir nos grandes
acontecimentos em que estava empenhada sua geração; incapacitados pelas circunstâncias de
78
secundarem com o seu esforço a implantação das novas instituições, aqueles políticos
empreenderam a única política compatível com a condição de exilados
Da primeira reunião à institucionalização da associação foi um passo. Três
meses após sua formalização, a diretoria fazia lavrar um relatório que
indicava o aumento substancial do quadro social (aos 197 sócios
instituidores haviam se juntado mais 99 acionistas) e os encaminhamentos
para a formação da biblioteca ‘para ensinamento e recreio do espírito’.
Naturalmente que priorizaram a literatura em língua e de origem portuguesa
para dar início á composição do acervo do gabinete, com o intuito de
‘homenagear’ a própria pátria, prestando também um serviço ao país em que
residiam agora, posto que tinham a língua e traços da literatura em comum...
(SCHAPOCHNICK, 1999, p.104).
O citado pesquisador dos Gabinetes de Leitura no Brasil vem lamentar a
impossibilidade de averiguar sobre um perfil do leitor do Real Gabinete Português visto que
Depois de encerrar a leitura dos catálogos, convém recordar que o acervo do
Gabinete Português de leitura não era o único instrumento definidor da
cultura e da formação intelectual de seus associados. Assim como não é
possível afirmar que todas as obras nas estantes da biblioteca haviam sido
lidas ou consultadas, especialmente após o misterioso desaparecimento dos
registros de consulta, fica uma grande interrogação sobre quais os livros que
exerceram maior influência no comportamento intelectual ou nas atividades
profissionais de seus leitores. (idem, 1999, p.105).
Importa ressaltar que esta instituição de origem européia, simultaneamente comercial e
cultural, à parte o traço comum de casa de locação de livros, de proposta laica e de saber
modesto; revestiu-se ainda de vários significados, possibilitando delinear uma tipologia
batizada de ‘Gabinete de Leitura’ no Brasil e em Portugal. Correspondendo a um espaço
fornido de livros, autorizando a leitura sem a necessidade de compra e, originalmente, todos
os gabinetes eram estabelecimentos dedicados ao aluguel de livros, não dispunham de salas
para leitura.
Desta maneira, favoreciam a expansão das práticas de leitura por meio do
fornecimento de livros para a leitura domiciliar. Quanto ao horário de funcionamento, é
possível afirmar que eles seguiam o padrão dos outros estabelecimentos comerciais, abrindo
suas portas às oito horas e encerrando suas atividades por volta das vinte horas nos dias úteis,
com algumas variações para os domingos e dias santificados. (SCHAPOCHNICK, 1999,
p.51). Regras válidas para o gabinete do Rio de Janeiro, posto que no caso de Maceió, os
horários de uso previstos nos “Preceitos Reguladores da Sociedade Gabinete de Leitura” eram
limitados a dois dias por semana, às quartas e sábados, para os sócios e com espaço maior de
tempo para os alunos do Lyceu, porém estes eram submetidos à censura na consulta do
79
acervo, sendo autorizado apenas o uso de livros pertinentes às matérias estudadas em sala de
aula.
Figura 13 Cena cotidiana no Gabinete Real de Leitura Portuguesa do Rio de Janeiro33.
Fonte da imagem: AZEVEDO, Fabiano Cataldo. O contributo pra traçar o perfil do público leitor do Real
gabinete Português de Leitura: 1837-1847. REVISTA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO. Brasília, v.37, n.2,
mai/ago, 2008. p.20-31. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ci. Acesso 25.06.2012.
3.1 Gabinetes de Leitura remanescentes: uma busca pelo Nordeste34 brasileiro
33 Considerada a maior biblioteca de autores portugueses fora de Portugal teve início em 1837 e conta com
mais de 350.000 volumes em um acervo que reúne obras raras dos séculos XVI, XVII e XVIII, e serviu de
modelo a todos os outros implantados posteriormente no Brasil.
34 O Prof. Francisco Ari de Andrade (Universidade Federal do Ceará - UFC), explica que: o ‘Nordeste’, com a
nomenclatura que conhecemos hoje, na verdade, é uma ‘invenção’ da década de 1930. No século XIX, este lado
do Império brasileiro era chamado de “Províncias do Norte”. Optamos por manter a nomenclatura ‘errônea’, pelo
80
No Nordeste brasileiro foram instalados Gabinetes de Leitura nos Estados de
Pernambuco, Maranhão, Bahia, Ceará e Alagoas (SCHAPOCHNIK, 2008), sendo que
somente neste último, instalou-se apenas uma unidade. Sobre o processo de instalação e os
meandros políticos que culminaram no pouco funcionamento – de 1857 a 1865, quando foi
“transformado” em Biblioteca Pública Provincial – (SANT’ANA, 1965, p.12) é que estamos
empreendendo uma busca para a compreensão desse passado, que levará ao melhor
entendimento do nosso presente, como processo fundamental do ofício do historiador (LE
GOFF apud BLOCH, 2001).
No quadro abaixo, temos a distribuição dos gabinetes pelo Brasil, onde destacamos os
que foram instalados na região Nordeste:
Quadro 2 – Gabinetes de Leitura no Nordeste35
0
1
0
2
0
3
0
4
0
5
0
6
0
7
0
8
0
9
1
0
11
1
2
1
3
1
4
1
Gabinete de Leitura Pernambucano – PE
Gabinete Português de leitura Rio de Janeiro – RJ
Obras existentes no ano de
1841 = 379 obras
1844 = 3.526 obras
Gabinete de Leitura da cidade do Rio Grande de São
Pedro do Sul – RS
Gabinete de Leitura de Maceió
1854 = 1.076 obras
Gabinete Português de Leitura Recife – PE
1860 = 3.023 obras
Gabinete de Leitura Goiás – GO
1864 = 582 obras
Gabinete Português de Leitura São Luis – MA
1867 = 2.802
Gabinete de Leitura Sorocabano – SP
1872 = 2.000 obras
Gabinete Litterario de Valença – BA
1872 = 662 obras
Gabinete Cearense de Leitura – CE
1873 = 2.800
Gabinete de Leitura de Cametá – PA
Gabinete de Leitura de Cuyabá – MT
1874 = 331
1874 = 1.222
Gabinete de Leitura Rio-Grandense – RS
1877 = 2.206
Gabinete de Leitura Luso Brasileiro Santos – SP
1882 = 1.521
Gabinete Português de Leitura de Salvador – BA
1882 = 3.238
1860 = 1.721 obras
fato de que a nova informação (oral), nos chegou na ocasião da defesa da dissertação.
35 Informamos aqui apenas sobre as associações que foram criadas com a nomenclatura “Gabinete de Leitura”
e/ou Gabinete Literário, por ser o foco principal da pesquisa, excluindo outras associações que aparecem no
percurso histórico com os mesmos fins, mas com titulação diferente. Fonte: SCHAPOCHNICK, 2008, p.185.
81
5
1
6
1
7
1
8
1
9
2
0
2
1
2
2
Gabinete Inglês de Leitura Recife – PE
1885 = 1.000
Gabinete de Leitura do Atheneu Ubatubense – SP
1887 = 4.000
Gabinete de Leitura Bibliotheca Pelotense –RS
1890 = 1.495
Gabinete de Leitura de São Vicente – SP
1891 = 286
Gabinete de Leitura Campineiro – SP
1891 = 2.600
Gabinete de Leitura Mogimiriano – SP
1891 = 3.000
Gabinete Literário Português Belém – PA
1897 = 4.337
A título de ilustração, empreendemos uma pesquisa sobre os gabinetes de leitura ainda
existentes hoje, no Nordeste brasileiro, e trazemos algumas informações genéricas a respeito dos
mesmos. Sendo que não localizamos nenhum dado sobre o Gabinete de Leitura Maranhense,
transcrevemos alguns dados sobre os gabinetes de Recife/PE; Salvador/BA e Fortaleza/CE:
Figura 14: Gabinete de Leitura de Recife - PE.
Gabinete Português de Leitura de Pernambuco. R. Imperador Dom Pedro II, 290 - Santo Antônio - Recife - PE,
50010-240. Fonte da pesquisa: www.gplrecife.com.br/novo/historico.php. Acesso 20/03/2012
Em 1850, havia um grande número de portugueses residentes em Pernambuco. Estes,
por sua vez, não possuíam um local adequado onde pudessem se reunir para cultuar sua pátria
82
e comemorara datas importantes para o seu país. Procurando uma solução, o Comendador
Miguel José Alves, na época, Chanceler do consulado de Portugal no Estado, foi o primeiro a
pensar na possibilidade de um Gabinete Português de Leitura em Pernambuco.
Porém, se ao Comendador cabe o mérito da elaboração da ideia, coube ao cirurgião e
jornalista João Vicente Martins a honra de fundar, em 3 de novembro de 1850, constituir a
primeira diretoria, reunir os primeiros associados e viabilizar a instalação, em 15 de agosto de
1851, do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, em seu primeiro endereço, na Rua da
Cadeia Velha, Recife.
A obra de ampliação e modernização das instalações internas deu-se em
1973, com a criação de um auditório, uma sala de exposições [...]. Há, ainda,
duas bibliotecas: a Sala Jordão Emerenciano, que abriga a sua biblioteca
pessoal doada ao Gabinete, e a Eça de Queiroz, num espaço aberto, com
projeto moderno, amplas estantes e mesas individuais, guardando ao fundo
uma mesa para reuniões, de onde podemos ter uma visão puramente
romântica. (MATTOS, 2007, p.13).
O Gabinete Português de Leitura de Pernambuco promove a realização de solenidades,
comemorações, seminários, conferências, exposição de livros, fotografias, pinturas, cursos e
projeções cinematográficas portuguesas. Sua biblioteca possui um acervo superior a 80.000
volumes. Toda a bibliografia está permanentemente à disposição do público, em sua maioria
estudantes brasileiros. Quase 100 pessoas por dia frequentam o Gabinete para pesquisar e
estudar gratuitamente todas as obras que desejam. No seu valioso acervo, o Gabinete
Português de Leitura de Pernambuco mantém obras raras, verdadeiras preciosidades
bibliográficas, como livros dos séculos XIX, XVIII e XVII. Entre as mais importantes,
destacam-se um manuscrito de um capítulo do livro A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz;
uma biografia de Frei Bartolomeu dos Mártires, editada em 1919.
A revista Encontro, desde 1983, é editada pelo Gabinete para incentivar o intercâmbio
luso-brasileiro na área de Letras e o boletim informativo A Cidade e as Serras traz notícias de
interesse da comunidade. A vontade de homens que, longe de seu país, lutaram para enaltecer
e manter viva a história e a memória de Portugal, fez do Gabinete Português de Leitura de
Pernambuco o centro de acontecimentos portugueses e brasileiros. Seus comprometimentos
políticos, aberto a todos, desligado de ideologia, o Gabinete anseia crescer cada vez mais para
servir melhor, não só à comunidade, mas a Portugal e ao Brasil com um único objetivo: ser
um centro de intercâmbio cultural pulsante entre as duas nações.
83
Figura 15: Gabinete Português de Leitura de Salvador (detalhe).
Fonte da imagem: www.google.com.br. Acesso: 20/03/2012.
O Gabinete de Leitura de Salvador foi instalado a 02 de março de 1863, através da
ação de seu fundador comendador Manuel Joaquim Rodrigues, hoje localizado no centro de
Salvador. Considerado expoente cultura portuguesa na Bahia. O gabinete reúne um acervo de
livros que resgata grande parte da tradição lusitana. Tem arquitetura atraente e localização
84
privilegiada; é também conhecido como Casa de Fernando Pessoa, foi projetada pelo arquiteto
português Alberto Borelli. A instituição conta com um acervo de aproximadamente 36.000
volumes e tem a missão de promover a cultura de expressão portuguesa nas mais variadas
formas e promoção de eventos culturais. O atual edifício foi construído na Praça 13 de Maio,
atual Praça da Piedade, e foi inaugurado em 03 de fevereiro de 1918.
Figura 16: Museu do Ceará, onde antigamente era instalado o Gabinete de leitura de
Fortaleza (fachada).
Fonte da imagem: www.centrodefortaleza.com.br
O Estado do Ceará foi um dos mais profícuos em se tratando da instalação de
Gabinetes de Leitura entre a segunda metade do século XIX e as duas primeiras décadas do
século XX, tendo instalados gabinetes literários nos municípios de Sobral, Granja, Camocim,
Campo Grande, Ipu e Viçosa; somente para citar a região Norte do Estado, que é onde se
concentra o estudo de Lima (2012). O mesmo autor revela que a realidade social daquelas
comunidades eram bem divergentes das práticas, relacionadas à leitura e educação em nosso
Estado; quando traz a notícia de que:
A Escola de Ensino Fundamental e Médio Coronel Auton Aragão,
estabelecida em Ipu, ocupa ainda hoje o prédio onde funcionou as Escolas
Reunidas. Por ocasião da desativação do Gabinete de Leitura Ipuense,
depois de breve deliberação, ficou decidido que o acervo seria doado
àquela instituição de ensino. Tal fato revela uma última atitude
demonstrativa da associação entre gabinete de leitura e educação . (p.01).
O autor supracitado nos informa que ao empreender suas pesquisas sobre os Gabinetes
de Leitura Cearenses, depara-se com a informação de que o Gabinete de Leitura Granjense no
ano de 1881, notável sucesso na cidade, tanto que um “moço pobre” chamado Antonio
85
Martins ofereceu um “donato” àquela instituição, na forma de uma contribuição mensal de
valor de dez mil réis, para fomentar a instrução pública. Lembrando a constante associação
dos gabinetes de leitura à instrução, sendo comum a criação de cursos noturnos em suas sedes,
cujas aulas eram ministradas pelos próprios sócios e diretores, ou pagas por estes. Estas aulas
destinavam-se aos pobres. No mesmo segmento, o Gabinete de Leitura de Campo Grande,
mantinha uma escola que em 1884 era frequentada por 43 alunos “dos mais pobres a quem se
fornece roupa e livros”. Mesmo tendo garimpado algum material para subsidiar sua escrita, o
autor citado (também) lamenta as dificuldades da pesquisa sobre o objeto aqui estudado:
O trabalho com gabinetes de leitura esbarra a todo instante na escassez de
fontes e numa ausência quase total em termos de memória. Interessante
perceber como as cidades se preocuparam em construir uma memória
voltada para vultos ilustres, para datas especiais, construíram monumentos
e nomearam logradouros, mas não se preocuparam em preservar a memória
dos gabinetes de leitura, embora a instalação destes tenha sido obra, na
maioria dos casos, dos próprios vultos ilustres a que me referi algumas
linhas acima. (LIMA, 2012. p.07).
Assim como ocorreu nas demais localidades, onde foram instaladas as associações
literárias denominadas Gabinetes de Leitura e praticamente todas copiando a matriz do Real
Gabinete Português do Rio de Janeiro: a ‘moda’ chegou com força à Fortaleza a partir de
1870, com a criação da “Fênix Estudantil”, uma associação de estudantes. O gabinete de
leitura cearense foi criado em 1875, diferenciando-se das demais associações literárias pela
ausência de caráter contestador, manteve por algum tempo um curso noturno de instrução
primária e também emprestava seu espaço para conferências públicas. No prédio onde
funcionava o antigo gabinete de leitura do Ceará, está hoje o Museu do Ceará, localizado na
cidade de Fortaleza que abriga um acervo de mais de 13 mil peças distribuídas em três
importantes
coleções
que
contam
a
história
do
Ceará:
Paleontologia,
Arqueologia/Antropologia Indígena e Mobiliário. Exibe também exposições temáticas
permanentes, com temas de interesse da história do Ceará, tais como os poderes constituídos,
as lutas e revoltas populares, a religiosidade, a produção intelectual e a irreverência do
cearense.
O Museu do Ceará atual tem suas coleções originadas no primeiro museu do Ceará
pertencente ao médico Joaquim Antônio Alves que em 1873 organizou uma coleção de
objetos e fragmentos da natureza. Essa coleção compôs o Museu Provincial que funcionou
entre 1875-1885 como uma das dependências do “Gabinete Cearense de Leitura”. A partir de
1894, Francisco Dias da Rocha formou uma coleção para o Museu Rocha que funcionou até
1950. Lima (2012) alerta para o fato de que nem todos os gabinetes daquele Estado
funcionaram com propósitos tão nobres, tanto é que há um “esquecimento” em torno dessa
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memória que está ligada a uma velada intencionalidade de grupos de disputaram o poder ao
longo da história, e para os quais não era interessante manter os gabinetes ou suas memórias.
Estudiosos como Laville; Dione (1999) informam que a história científica desenvolvese, como as demais ciências humanas [no século XIX], segundo os princípios do positivismo,
tentando construir um relato objetivo do passado. Mesmo sabendo-se que esta reconstrução é
apenas aproximada do real, considerando que as falas das fontes primárias, e aí por excelência
a fonte jornalística é parcial, percebemos que há como reedificar a memória do passado por
meio de narrativas que tenham essa compreensão:
Os historiadores acreditam ser somente necessário recolher todos os traços
do passado, sobretudo documentos escritos, depois [de] assegurar-se de sua
fidelidade, passando o conteúdo pesquisado por um crivo crítico e ao fim
denominando esse processo de ‘método histórico’. (LAVILLE; DIONE,
1999, p.67).
Com base nesta citação trazemos os seguintes dados sobre o Gabinete de Leitura de
Maceió:
Notícia A- Diário das Alagoas, n.148 – Maceió, 02 de julho de 1859. p.04
GABINETE DE LEITURA
O Conselho administrativo da sociedade deste nome, pede aos senhores sócios, tanto
effectivos como honorários, que ainda não fizeram entrega das respectivas jóias, que se
dignem de fazê-lo quanto antes, entregando os livros, no lyceo ao archivista do gabinete, o
snr professor de rhetorica Ignacio Joaquim Passos, ou a qualquer dos abaixo assignados
em suas casas.
Maceió 30 de junho de 1859 – o presidente do conselho, José Correia da Silva Titara. – O
secretario, José de Barros Accioli Junior.36
Por meio dessa notícia em jornal é possível perceber que existia certo controle no
empréstimo de livros, que eram considerados “joias”. Outra pauta importante diz respeito ao
fato de que o arquivista do Gabinete era também professor do Liceu.
Notícia B - Diário das Alagoas, n.165 – Maceió, 22 de julho de 1859. p.0437
GABINETE DE LEITURA
36 Este anúncio repetido nas edições 149; 150 e 155 do mesmo periódico.
37 Esta notícia trata de comunicação sobre transporte e guarda de livros doados ao gabinete de leitura por Mello
Morais. Não transcrevemos o texto porque não foi possível acessá-lo na íntegra. Mantemos apenas a imagem
registrada fotograficamente (do fragmento) no “Anexo A”.
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Notícia C - Diário das Alagoas, n.168 – Maceió, 26 de julho de 1859. p.04
GABINETE DE LEITURA
O Conselho administrativo dessa sociedade deliberou em sessão de 21 deste mez o
seguinte:
1. Que visto não se ter desde dezembro próximo passado aberto regularmente o
gabinete, se suspendesse na cobrança das mensalidades vencidas e por vencer,
desde então até agosto próximo seguinte, começando a funcionar o gabinete
regularmente de setembro deste anno em diante, quando começará novamente o
pagamento das mensalidades; cobrando-se, com tudo as que venceram até
novembro daquele anno de 1858.
2. Quando a mensalidade de cada sócio, a contar de setembro em diante, será
somente de dous mil réis por trimestre.
3. Que durante o impedimento de ausência do actual secretário que tem de retirar-se
temporariamente para o Rio de janeiro, fosse substituído pelo sócio Hermínio de
Paula Mesquita Cerqueira; e que enquanto durasse o impedimento também do
guarda nomeado fosse preenchido o lugar pelo contínuo do lyceo Manoel de Souza
Teixeira, com o mesmo vencimento designado.
O que fazemos constar a todos os senhores sócios para seu governo, como foi
deliberado pelo mesmo conselho.
Maceió, 23 de julho de 1859
O presidente do Conselho, José Correia da Silva Titara. – O secretario José de
Barros Acioli Junior
Nessa outra notícia verifica-se que o Gabinete sofre críticas por permanecer fechado
“muito tempo”. Assim, delibera-se que as mensalidades não sejam cobradas até que se volte a
normalidade, ou seja, o seu funcionamento. Outra questão: mais um funcionário do Liceu
passa a ocupar funções no mesmo Gabinete.
Notícia D - Diário das Alagoas, n.189 – Maceió, 26 de julho de 1859. p.02
PRECEITOS REGULADORES DA SOCIEDADE GABINETE DE LEITURA
Fundada no dia 27 de setembro de 1857, acompanhado das alterações que ulteriormente
lhes tem sido feitas pelo respectivo Conselho administrativo.
1. Fica organisada nesta cidade uma sociedade com o nome de – Gabinete de Leitura
– que terá por seu 1. Sócio honorário o presidente da província.
2. Este gabinete será estabelecido na casa em que estiver a secretaria da diretoria da
instruccção pública, com autorisação do mesmo presidente o qual será o installador
da sociedade, sendo possível.
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3. O numero de sócios será illimitado enquanto o contrário não for resolvido pelo
conselho administractivo, - que será composta de seis dos sócios e um presidente
nomeado annualmente em sessão por todos elles, sendo a nomeação por escrutínio
secreto votando-se primeiramente para presidente e depois para os seus membros.
Destes o mais votado é o vice presidente e nesta ordem será a substituição do
referido presidente do Conselho.
§1. O princípio da maioria regulará as decisões – quer do Conselho, quer da
sociedade em sessão geral, assim como havendo maioria há sessão do conselho.
§2. Na primeira sessão da installação da sociedade serão intirinamente nomeados
por aclamação um presidente e um secretário que servirão para se fazer a eleição do
conselho e seu presidente.
§3. O secretário effectivo será pelo mesmo conselho nomeado logo dentre qualquer
dos sócios e também por escrutínio secreto.
§4. Haverá também um thesoureiro nomeado pela mesma forma e pelo mesmo
conselho.
4. Cada sócio é obrigado a fazer ao gabinete o presente de uma obra litteraria que não
contrarie os princípios da boa moral (o que servirá de jóia) e antes de o fazer não
pode ser admitido como sócio, não sendo izento deste preceito nem mesmo o
principal sócio honorário.
5. A mensalidade será de quinhentos reis, pagos nos 1.s 5 dias de cada mez, sendo o
porteiro do lyceo, que fica sendo o da sociedade, o encarregado de receber e
entrega-la ao thesoureiro. O primeiro sócio honorário, assim como o secretario e
thesoureiro são isentos da mensalidade.
6. A despeza com os objetos necessários para luz e o mais será feita pelo thesoureiro
com o producto das mensalidades e a pedido do porteiro, sendo as contas prestadas
ao conselho administrativo de 3 em 3 mezes ou quando este determinar.
7. O porteiro vencerá pelo trabalho uma gratificação mensal que será a retirada pelo
conselho administrativo em sua primeira sessão.
8. Haverá leitura no gabinete – duas vezes por semana, desde o que estará aberta a
casa e presente o porteiro prestando-se ao serviço do gabinete, e isto nas quartas e
sábados.
9. Não é permitido sahir do gabinete livro algum a elle pertencente. A qualquer dos
sócios é livre a leitura dentro de casa, mesmo daqueles livros de que fez doação á
província o benemerito alagoano Dr. A.J. de Mello Moraes, a quem a sociedade por
meio do conselho administrativo votará um testemunho de reconhecimento em nome
da província.
10. Os livros dados pelos sócios do gabinete de leitura ficam pertencendo a biblioteca
publica que no futuro houver de estabelecer-se nesta capital, e em caso algum
poderão ser retirados pelos mesmos sócios.
11. Haverá sessão geral sempre que dez sócios o requeiram por escripto ao presidente
do conselho o qual fará a convocação com designação do dia e da hora da sessão, e
ahi estando presente a maioria absoluta se poderá propor tudo quanto for relativo ao
regime e bem da sociedade, menos a sua dissolução, cuja proposta só pode partir
do conselho administrativo, que também convocará a sociedade ao menos no fim do
anno ou principio do seguinte para prestar contas de sua gerencia
12. Ao presidente do conselho pertence regularizar o serviço, tornando responsável o
porteiro não só pelos livros como pelo que pertencer ao gabinete, dando parte ao
conselho administrativo quando for necessário podendo este resolver sobre a
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nomeação de outro porteiro quando entenda ser assim indispensável em
conseqüência de extravio ou desleixo.
13. Depois de organisada a sociedade e creado o conselho administrativo ninguém pode
ser admittido como sócio sem sua approvação por escrutínio secreto e por esferas
brancas e pretas ou signaes escriptos designados pelas letras – A e R – querendo
dizer approvado e reprovado – e sendo esferas, as brancas approvam e as pretas
reprovam.
14. O conselho se reunirá quando for convocado pelo seu presidente, ou ao menos uma
vez por trimestre a convite de dous membros delle com designação de dia e hora
sendo o lugar das sessões a casa da secretaria da diretoria da instrucção publica
sempre que for possível.
15. Desde que haja o numero de cincoenta sócios, os quaes darão o seu assenso a
estes preceitos, assignados o seu nome abaixo, se farão annuncios pela imprensa
designando-se o dia, hora e lugar de sua installação. Creado o conselho
administrativo começará logo a funcionar o gabinete.
Pelo presente estatuto do gabinete de Leitura é possível entrever um forte zelo pelo
acervo do Gabinete. Algumas questões precisam ser consideradas: a) o Gabinete é de
iniciativa privada, apesar de haver uma presença maciça de membros ligados ao Estado. O
próprio diretor, Titara da Silva, é servidor público; b) o Gabinete tem o seu acervo todo
montado por doações e isto significa dizer que a princípio não havia verba reservada para
compra de acervos; c) as despesas do Gabinete eram pagas com as taxas do sócios que se
denominavam de jóias; d) não é permitido a saída de livros do Gabinete; e) o Gabinete só
será aberto duas vezes por semana caso tenha funcionário responsável pelo mesmo; f) os
livros passarão a ser da Biblioteca Pública quando instalada na cidade; g) o porteiro é o
responsável pelo Gabinete no que diz respeito ao acervo e ao seu funcionamento, e; h) os
sócios precisavam ser admitidos pelo conselho administrativo depois de organizado o
Gabinete.
Tais exigências estatutárias são modificadas pelo documento elaborado na
Assembléia de 29 de setembro de 1858:
1. Que em vez do porteiro do lyceo tivesse o gabinete um guarda encarregado da sala
do mesmo gabinete de cobrança das jóias e mensalidades e dos livros que
sahissem, tendo direito á gratificação que lhe fosse designada, fazendo todo o mais
serviço que lhe é próprio.
2. Que houvesse também um archivista encarregado da classificação e arranjos dos
livros ajudado pelo dito guarda.
3. Que a mensalidade de cada sócio fosse elevada a mil reis por mez, de outubro
seguinte em diante.
4. Que a livraria fosse franqueada aos sócios e aos estudantes provectos do lyceo á
leitura dos livros consultivos, próprios das matérias das respectivas aulas, nos
domingos e dias santos e quintas feitas das semanas que os não tiverem; e nos
outros dias das nove horas da manhã até o meio dia, e das duas ás seis da tarde.
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5. Que os livros propriamente do gabinete dados pelos sócios como jóias pudessem ser
levados por elles para ler, cada livro ou tomo de per-si no espaço de três até oito dias
e sugeitando-se a fiel entrega nesse período, à cobrança pelos meios legais a multa
de mil reis diários no excesso do prazo, firmando-se um protocolo na ocasião da
sahida do livro.
6. Quando a mensalidade de cada sócio, a contar de setembro do mesmo anno em
diante, seá somente de dous mil reis por trimestre.
Entre as normas anteriores e estas há mudanças claras e substanciais, a saber: a)
necessidade de um profissional qualificado: arquivista para cuidar do acervo do Gabinete; b)
ampliação do acesso aos livros para os alunos do Liceu; c) ampliação dos dias de abertura do
Gabinete inclusive aos domingos e dias santos; d) que os livros pudessem ser retirados do
Gabinete para ser lidos fora dele pelos sócios. Percebe-se aqui que há uma crescente abertura
e flexibilidade no uso do Gabinete. Referindo-se a questão do acesso é constatado que os
alunos do Liceu podem se utilizar do acervo do Gabinete. Entretanto, essa relação com o
diretor do Gabinete nem sempre foi pacífica. Digno de nota é o que se passou entre esses dois
segmentos do Liceu alagoano noticiado no dia 24 de Agosto de 1859 no Diário das Alagoas
Ed. 192, p.02:
Notícia E - Diário das Alagoas, n.189 – Maceió, 24 de agosto de 1859. p.02
O Lyceista e o Diretor do Lyceo
O abaixo assignado, vendo no periódico Lyceista Alagoano de 20 deste mez dizer-se - que
por estar proibida a entrada pelo Diretor do Lyceo a entrada no edifício, os Lyceistas
erguerão as vidraças delle e introduzirão vellas noas batentes; isto no dia 10 deste mez;
julga-se na precisão de explicar o fato da prohibição da entrada no edifício, visto como pelo
modo descarnado da enunciação desse memso facto, pode resultar lançar-se o odioso,
como já se tem feito, sobre o Director por haver praticado um acto menos regular; entretanto
que da parte dos lyceistas, como dice esse periódico, nenhum escrúpulo houve em erguer
as vidraças as casa e introdusir vellas nos batentes por autoridade própria; circumstancia a
que cumpre que o publico attenda.
Parece que ninguém pode ignorar, que a casa ou edifício onde se acha o Lyceo, não se
deixe prestar para objeto diferente do fim a que está destinado sem ordem do emo.
Presidente da província ou do respectivo director.
Nada obstante a casa abrio-se, havendo uma reunião ou sessão da sociedade 7 de
setembro, - talvez no dia 17 de julho ultimo sem sciencia nem ordem de alguma dessas
autoridades. A reunião teve lugar, até na salla do Gabinete de Leitura onde se achão todos
os livros addidos ao mesmo Gabinete, estando então grande porção delles estendidas sobre
bancos por falta de armários.
91
Chegando este facto, um ou dous dias depois, ao conhecimento do abaixo assignado,
inquiriu elle do porteiro a rasão do seu procedimento, abrindo a casa e prestando-a sem
ordem legitima; tanto mais quanto desde o anno passado estava prevenido do que o não
podia fazer de sua própria vontade, pois que elle mesmo director o não podia também para
tal fim sem ordem superior.
Respondendo o porteiro: que o fizera por lhe dizer o presidente da sociedade – 7 de
setembro – que o abaixo assignado não podia prohibir o uso da casa á essa sociedade por
ser ella publica e dos brasileiros &c.
Foi em vistas disto, que se dirigio o abaixo assignado a palácio; e fazendo ver a S. Exc. O
ocorrido, lhe declarara que carecia da sua autorisação para consentir nessas reuniões,
sendo preciso mudar a secretaria da directoria, a fim de haver espaço na casa e evitar todo
o contato com a salla do gabinete; mas o exm. Snr. Gama não foi servido de annuir á essa
proposta, declarando o lyceo lugar impróprio para reuniões semelhantes.
Emtão teve o abaixo assignado opportunidade de declarar a S exc... que já no anno
passado havia ali funcionado a sociedade, no que tinha consentido com autorização da
presidência solicitada pelo mesmo abaixo assignado, no que somente conveio o exm. Snr.
Amaral por estar então muito próximo o dia 7 e evitar odiosidades e desgostos que já
começarão a sentir-se mesmo pela presidência.
Por essa ocasião o procedimento do porteiro do lyceo foi estranhado pelo abaixo assignado,
como era do seu dever, e de ordem para depois cessarem quasquer reuniões ali, sem
autorisação legal, do que o mesmo porteiro devia estar certo.
S.Exc. porem, o snr Gama depois dessas considerações do abaixo assignado, teve a
bondade de responder, que poderião os membros dessa sociedade recorrer á casa da
camara municipal como o lugar mais próprio para essas reuniões e outras idênticas.
Assim, foi o abaixo assignado obrigado a dar suas ordens terminantes no porteiro do lyceo
no sentido das prescrições da autoridade superior, para fazer sciente a quem conviesse.
Eis-aqui a verdade.
Talvez que a intimação de tal determinação desagradasse muito, tendo-se como filha de
algum propósito do abaixo assignado que não pode agradar a todos e a quem o mesmo
Lyceista, já em o n. anterior, attribuiu certamente a expedição de ordem para ser prohibida
aos estudantes achar-se este trancado.
Tal facto, contendo em si uma grave inexatidão, carece de ser explicado para conhecimento
do publico e dos sócios do Gabinete.
Como funncionario publico e como presidente do conselho administrativo da sociedade –
Gabinete de Leitura – o abaixo assignado deve a justificação de seus actos.
Quando teve lugar a decisão da presidência sobre a casa, foi também quando tendo elle
precisão de ver alguns livros e outros objectos no Gabinete, dice ao porteiro do Lyceo, que
pedisse ao archivista a chave da salla do mesmo Gabinete, pois que nem sempre era elle
92
encontrado e que ficasse com Ella para ver-se qualquer cousa que se precisasse dalli, visto
como o respectivo guarda nomeado estava em occupação differente fora do exercício.
Mais do que isto não determinou o abaixo assignado, quer relativamente ao archivista do
Gabinete, quer acerca de leitura de livros pelos estudantes. Tudo o mais é falso.
Apenas foi nomeado o continuo do lyceo para guarda interino, mandar-se-lhe entregar a
chave, aos estudantes provectos e a todos os sócios que quizessem ver alguns livros,
embora para estes estivesse designado o mez de setembro em que deveria começar a
funccionar regularmente.
O que porem sobretudo há a lamentar é o preconceito de baixo do qual tem sido publicados
esses factos que ficão explicados e que não poderão ser examinados nem pela redacção do
Lyceista composto de estudantes do lyceo nem pelo outro estudante que designadamente
assegurou a declaração de estar trancado o Gabinete.
Bem se vê como vai caminhando o Lyceista, se consederar-se este periódico com o órgão
do pensamento em que se nutrem moços que devem começar sua vida averiguando e
esmerilhando a verdade em todas as suas relações, para fazerem uso conveniente e
adequado de sua razão.
Na direcção que tomão esquecer a discrição a attenções para com o supeior, qualidades
inseparáveis de uma boa educação que sempre enobrecem a alma e adquirem foros á
estima de todos os contemporâneos e de seus maiores, é caminhar para um abismo. Tarde
se arrependerão os que aceitão conselhos semelhantes.
O abaixo assignado compreende bem a impropriedade de voltar sobre o assumpto, qual
quer que seja o juizo menos ajustado que a respeito do exposto tenha alguém de fazer,
mesmo pela imprensa.
Com o que fica dito em preenchido o seu fim e cumprido o seu dever.
Maceió 23 de agosto de 1859
O Director – José Correia da Silva Titara
Pela extensão do fato é certo que o Gabinete de Leitura de Maceió acabou
constituindo-se em mais um espaço público com uso privado. Os mais interessados na
consolidação do mesmo, os alunos liceistas não tinham como frequentá-lo visto a
intransigência do Diretor que na maior parte de suas atividades não conseguia tempo de
dedicação ao gabinete. Apesar disso o mesmo permaneceu oito anos no cenário educacional e
cultural maceioense, contudo não tivemos como relacionar sua existência com ações mais
democráticas de acesso à leitura em Maceió.
Notícia F - Diário das Alagoas, n.227 – Maceió, 05 de Outubro de 1859. p.02
Teve lugar no dia 2 deste mez a celebração do anniversário da installação da sociedade
litteraria desse nome, instituída no lyceo desta cidade pelo director da insturcção publica o
93
Dr. Silva Titara em 27 de setembro de 1857, sob os auspícios do Sr. Dr. Manoel Pinto de
Souza Dantas, que no segundo dia de sua administração teve o prazer de presidir a uma
festa litteraria, começou o acto com a presença de numerosos sócios pelo brilhante discurso
do Sr. Dr. Espíndola, que bem pode ser qualificado, como somos informados, de
eminentemente histórico e rico de illustração pela variedade de asumptos litterarios e
scientificos de que se ocupou.
Orou em seguida o Dr. Pinto da Rocha, digno juiz de orphãos da capital, sobresaindo na
belleza de pensamentos sublimes análogos ao objecto, e expostos com a maior clareza e
lucidez pela facilidade dos meios oratórios de que felizmente dispõe.
Em terceiro lugar recitou um bello e excellente discurso o talentoso Sr. Innocencio Rego, em
que procurou na narração de todas as academias e associações litterarias do mundo,
exemplificar com a historia, mostrar as vantagens de taes estabelecimentos e excitar o
nobre enthusiamo pelas lettras e pelo progresso e duração do gabinete.
Leu em ultimo lugar o Sr. Dr. Black mais um primoroso dicurso, no qual soube aproveitar
certas disposições e factos históricos do Brazil tendentes a provar a admirável disposição
dos brazileiros para a cultura das lettras e os progressos que muitos deles tem feito pelo seu
talento e saber, tanto no paiz, como também em diferentes pontos da culta Europa,
collocando-se entre as grandes capacidades que occupão as eminências da sabedoria;
mostrando-se a necessidade de favorecer a exist~encia do gabinete de leitura, com que
possam sobresahir talentos que murcharião á mingoa de meios, acerca do que esplorarão
os radores antecedentes abundando e variando em tal idéia, cada qual mais cheio de
lucidez e animação. O Sr. Dr. Espíndola aventurou em seu rico discurso a ideáia da criação
de um jornal litterario da dita sociedade, fazemos votos para que sua idéia vingue e
progrida.
Tambem assistiu ao acto o digno vice-prsidente, o Sr. Commendador Jacintho de Mendonça,
que teve lugar de distincção, e muitas pessoas distinctas.
Os intervallos forão preenchidos por differentes peças de muzica da banda de policia, e
tocando também a da guarda nacional na chegada de S Exc., que foi recebido e despedido
com demonstrações geraes de simpathia e cordialidade.
Retirando-se S. Exc. Procedeu-se a eleição do presidente do Conselho, sendo reeleito por
votação unânime o Sr. Titara; e o conselho ficou composto dos Srs. Dr. Espíndola, Dr.
Silveira, Dr. Pinto Rocha, Dr. Pereira do Carmo, Dr. Clack e Guilherme Graça.
Felicitamos ao Sr. Titara pela vida que vai tendo o gabinete de leitura, obra de seus
insessantes esforços, e a todos que se hão prestado para a existencia de uma sociedade
que ao menos deve ser um testemunho, uma prova viva de que não somos na província
indiferentes a esse progresso geral que fazem as lettras no século 19.
94
Também não tivemos como avaliar a relação entre o progresso das letras, ou processo
de civilização nas comunidades onde foram instalados gabinetes de leitura fora de Alagoas,
até pelo fato de não ser este o objeto direto da pesquisa, mas é flagrante que nas cidades onde
essas instituições existiram, ainda existem, ou mesmo numa nova configuração enquanto
ponto turístico daquela cidade, senão ainda ativos, como unidades de informação, o que
lamentavelmente comprova o atraso de nossa Alagoas quando se trata de cultura. É como se
estivéssemos reproduzindo o mesmo modelo do século XIX em pleno século XXI: falta – ou
existência de pouquíssimos - instrumentos culturais com acesso à população geral.
3.1.1 A participação dos intelectuais na instalação do Gabinete de Leitura de Maceió: Mello
Morais, Silva Titara e Tomaz Espíndola
No presente escrito, referendamos a participação dos intelectuais iluministas e
positivistas na instalação do Gabinete de Leitura de Maceió, através das pesquisas de Moacir
Sant’Ana (1965), por ter sido o único autor encontrado até agora, que debruçou-se
minimamente sobre este momento histórico. Utilizamos também os conceitos de Le Goff
(2006) sobre o que é ser intelectual; e Madeira (2008), na construção histórico-educacional da
época.
O Gabinete de Leitura (existiu de 1857 a 1865 = 08 anos), não chegou a ser
reconhecido como instituição oficial e para chegar a tal status, foi transformado em Biblioteca
Provincial, e no ano de 1865, em Biblioteca Pública do Estado de Alagoas, existente até os
dias atuais, embora ainda da forma precária em que sub-existiu no século XIX.
Para Le Goff (2006, p.23): “intelectual é o mestre das escolas [...] aquele cujo ofício é
pensar e ensinar seu pensamento, fundindo a reflexão pessoal na sua prática de ensino”. E
diante do contexto, vimos que os atores envolvidos no processo adequaram-se perfeitamente
ao perfil de “intelectual” formulado pelo citado historiador. Madeira (2008) vem confirmar
que:
Quando se trata de instrução pública no Brasil do século XIX, é preciso
cuidado para se compreender que, àquela época, havia um emaranhado de
relações, nas quais os poucos homens de letras estavam envolvidos em quase
todas as atividades intelectuais, quer no âmbito público, privado ou
filantrópico. Cuidavam de ordenar os liceus, as escolas normais, as escolas
primárias públicas e sua legislação, os colégios secundários particulares,
publicavam obras didáticas, com o fim de ordenar o tipo de saber a circular
nas escolas, assumiam simultaneamente o cargo de professores,
parlamentares, administradores públicos, inspetores escolares etc.
95
Esses intelectuais ainda guardavam resquícios da visão dos religiosos que foram
missionários/educadores no Brasil. Dessa forma
Sacralizaram [...] um modo de ver o mundo: católico, europeu ocidental,
trabalhador, adulto, branco, masculino e letrado. Com este perfil humano os
missionários estavam convencidos do estado de barbárie espiritual, cultural e
material do povo [...], daí a busca pela promoção de um povo ordeiro,
letrado, higienizado, trabalhador, cooperativo, honesto, cristianizado e
caridoso. (MADEIRA & SAMPAIO 2006, p.55).
Complementando este panorama a autora argumenta que:
Na segunda metade do século XIX no Brasil, os homens de letras se
colocavam como missionários do progresso instituído pela civilização
ocidental. Com os olhos voltados para os países europeus, considerados
avançados, buscavam modelos de organização social que deveriam ser aqui
implementados. Conviver em um país de modelo social ainda escravocrata,
patrimonialista, analfabeto ou semi-analfabeto, multiétnico, com hábitos
rústicos, fortes traços de afilhadismo político na administração pública e com
poucos sinais de uma economia urbana, tornava-os engajados na missão de
investir fortemente na ilustração da nação. Imbuídos com este ideário,
aqueles ilustrados dentro e fora da administração pública, criaram entidades,
associações, gabinetes de leitura, clubes científicos e literários, periódicos,
impressos escolares, instituições de ensino particulares e filantrópicas, cuja
função era cuidar de divulgar tal modelo civilizador. (idem, 2008, p.52).
Em se tratando dos intelectuais envolvidos na implantação do Gabinete de Leitura de
Maceió, Moacir Sant’Ana (1965, p.07) nos relata que Alexandre José de Melo Morais, José
Correia da Silva Titara e Tomaz do Bomfim Espíndola têm os seus nomes diretamente ligados
à criação da Biblioteca Pública Estadual de Alagoas, que seria formada com o acervo do
Gabinete de Leitura, e mantida a partir de então com orçamento provincial, uma vez que
O Gabinete de Leitura criado por Titara não era ainda uma instituição oficial.
Em 1860, em sua Fala à Assembléia Legislativa Provincial, o presidente
Pedro Leão Veloso, ao discorrer acerca do referido Gabinete, que então
contava com 1.721 volumes, afirmou ser “conveniente a criação de uma
biblioteca, em modestas condições, a fim de ir-se de ano a ano enriquecendo,
de modo que, no fim de pouco tempo, contasse a província com uma livraria
pública regular” (idem, p.08).
O Conselho do Gabinete de Leitura era formado por José Correia da Silva Titara
(primeiro diretor da instrução pública da província); Thomaz do Bomfim Espíndola; Bernardo
Pereira do Carmo (lentes do Lyceu Provincial); Pinto Rocha (juiz de órfãos); Jacintho de
Mendonça e Guilherme Graça. Silva Titara foi eleito o primeiro presidente e tinha como
96
objetivo a fundação de uma livraria pública, pois, já contava com cerca de 1.700 volumes
todos doados pelos sócios.
Complementando o panorama intelectual da Província na época, Lindoso (2005)
também se lembra de toda uma geração que compunha o cenário intelectual naquele contexto
histórico:
Podemos designar da geração de 1860 o grupo de intelectuais que, a partir de
meados do século XIX, iniciou no espaço da cultura alagoana a produção de
seus trabalhos intelectuais. Nesse grupo se inserem os nomes de Tavares
Bastos, de Ladislau Neto, de Mello Moraes, de Thomaz do Bomfim
Espíndola, de José Alexandrino Dias de Moura, de Arthur Jorge e de João
Francisco Dias Cabral. Ladislau Neto e Fernandes de Barros, [que] são
naturalistas; Thomaz Espíndola se pode considerar o fundador dos estudos
geográficos na Província das Alagoas; Dias de Moura escreveu dois esboços
corográficos memoráveis; Mello Moraes compôs obras de botânica e reuniu
precioso acervo documental sobre a história do Brasil; Araújo Jorge e Dias
Cabral se destacaram como filósofos da natureza, sendo Dias Cabral
considerado introdutor, na cultura alagoana, das idéias evolucionistas de
Charles Darwin e de Wallace. Uma geração, pois formada de nomes
destacáveis nas ciências, na historiografia e na filosofia. [...] Essa geração
representa na nossa cultura, a ilustração imperial do século XIX brasileiro.
(LINDOSO, 2005, p.67).
Dos atores mencionados, o que teve participação mais marcante na existência do
Gabinete de Leitura foi José Correia da Silva Titara, que atuou como professor, funcionário
público, advogado provisionado. Fez seus estudos no Seminário de Olinda. Em 1829 foi
nomeado para a cadeira de Gramática Latina na então Vila de Maceió. Foi nomeado, em 1839,
97
Inspetor da Tesouraria Provincial de Alagoas. Em 1844, foi demitido daquela Inspetoria sob
alegação de ter tomado parte ativa na “Revolução dos Lisos e Cabeludos”38.
Com relação à sua atuação enquanto dirigente do Gabinete, as pistas seguidas até aqui
apontam para uma administração ineficiente (despótica?) e inoperante, uma vez que o citado
senhor não permitia o acesso livre ao acervo para uso da comunidade, monopolizando o
espaço a seu bel-prazer, utilizando-o para fins políticos e sociais, menos para sedimentar o
38Segundo Bonfim Espíndola: “antes de 1844 não havia na província partidos políticos definidos;
poucos eram os "luzias "e os "saquaremas", liberais e conservadores e esses poucos existiam confundidos com o
povo, que jazia na mais completa ignorância sobre a política em geral”. O ministério organizado em 20 de
janeiro de 1843, nomeou, em abril daquele ano, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu para ministro residente
junto ao governo da República Oriental do Uruguai, país que se achava em luta contra os argentinos. Sinimbu só
regressa ao Rio praticamente no encerramento dos trabalhos legislativos. Dissolvida a Câmara dos Deputados, o
ministério foi substituído , em 2 de fevereiro de 1844. Tendo este ministério concedido anistia aos revoltosos de
São Paulo e Minas, começou a sofrer oposição do partido conservador, daí o fracionamento deste partido.
Eusébio de Queirós, então chefe de polícia, pede demissão e, à frente dos seus adeptos, declara guerra ao
governo. Na abertura dos trabalhos legislativos, em maio, discute-se a resposta à fala do trono, "com a qual
resposta era o ministério concorde; 24 deputados somente votaram por ela, consequentemente a favor do
ministério. Dos cinco alagoanos votaram a favor: João Lins Viera Cansanção de Sinimbu, Ignácio de Barros
Vieira Cajueiro e Joaquim Serapião de Carvalho que havia, como 1º suplente, tomado assento por ter sido
escolhido senador Antonio Luiz Dantas de Barros Leite -, e votaram contra José Candido de Pontes Visgueiro e
Manoel Felizardo de Souza e Mello", segundo Espíndola. E prossegue “Depois desta votação completou-se o
ministério cujo crime único fora ter concedido anistia aos liberais de Minas e São Paulo, dissolveu-se a Câmara.
Isto posto, Souza Franco, que pertencera ao número dos 24 deputados que sustentaram o ministério, foi nomeado
presidente desta província”. E pois, chegando à província, Souza Franco começou a fazer alguma pequenas
modificações no pessoal da polícia, e isto foi bastante para que os poucos conservadores aqui existentes,
instigados pelos seus correligionários da Corte, lançassem mão das armas para resistir ao governo legal. Para
tanto, ainda segundo Espíndola, “para que o povo os acompanhasse começaram por meio da imprensa, pelo
periódico Alagoano, cujo redator chefe era o dr. José Tavares Bastos, chefe dos Lisos, então inimigo do Dr. João
Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, chefe dos Cabeludos-, desde a mudança da capital a introduzir a cizânia - de
que a família Sinimbu pretendia o domínio exclusivo de toda a província contra os interesses da outras
famílias....”. Um grande grupo da elite acompanhou Tavares Bastos, entre os quais José Correia da Silva Titara,
inspetor da tesouraria provincial. Preparados os ânimos, rebentou a revolta. A 4 de outubro de 1844 tropas
revolucionárias acamparam em Bebedouro. Souza Franco vendo que não tinha forças suficientes para contê-los,
resolve recolher-se no iate Caçador. Na manhã do dia 5, aquela tropa, juntamente com outra que viera pela
estrada do Poço e Jaraguá, após pequeno combate com as tropas legais, apossa-se da capital. A seguir, enviaram
o juiz de direito Francisco Telles de Menezes, ao presidente, convidando-o a retornar ao cargo, com a condição
de serem anistiados, conservadas as suas posições oficias e serem eleitos deputados gerais José Tavares Bastos e
Francisco Joaquim. Sob promessa de anistia, Souza Franco, exigiu que os revoltosos depusessem as armas.
Como tal não ocorreu, o presidente, após regressar ao palácio, deu ordens no sentido de ser mantida a força
moral do governo. Os revoltosos haviam se retirado para o interior, mas conservavam-se de posse de suas armas.
Exigido que as depusessem. Tornaram a atacar Maceió, pela segunda vez, no dia 21 de outubro, contando agora
os Lisos com o auxílio de Vicente Ferreira Tavares Coutinho, vulgo Vicente de Paula, que participara da
Cabanada de 1832-1835, por entender que a presença deste seria suficiente para aterrorizar o governo. Porém
desta vez, deixaram de contar com muitos dos revoltosos, que não concordaram com o convite a Vicente de
Paula. E, de outra parte, as forças governamentais, estavam reforçadas com um Batalhão de Artilharia, vindo de
Pernambuco, unido, ainda, com uma companhia provisória e perto de 100 guardas nacionais trazidos de São
Miguel dos Campos. O combate durou das seis horas da manhã às duas da tarde, ficando no campo da parte dos
Lisos ou rebeldes, 20 homens mortos e vários feridos e, de parte do governo e Cabeludos 10 mortos e 24
feridos ..." , Porém, acabam por ser rechaçados, inclusive os 400 bandoleiros de Vicente Ferreira de Paula.
Depois deste ataque, novas forças chegaram de Pernambuco, comandadas pelo Brigadeiro Antônio Correia
Seara, as quais lutaram contra os rebeldes em Murici e Atalaia, tendo conseguido nesta última que estes fossem
totalmente dispersos. Restaram grupos, que acabaram por depor as armas em 7 de dezembro. Alguns dos seus
chefes saíram de Alagoas, indo para Pernambuco e Rio de Janeiro em busca de anistia, obtida - com o apoio do
98
processo de ‘civilizar pelas letras’, embora este fosse um consenso entre os demais
intelectuais naquele momento histórico em Alagoas.
A pesquisa realizada aqui nos fez deparar com a informação (comprovada
documentalmente) da existência de com 119 títulos de livros doados ao Gabinete de Leitura
de Maceió por Alexandre José de Mello Moraes em 1865 39, com o intuito de compor um
acervo para a Biblioteca Pública de Maceió, que se instalaria naquele ano, sendo também
composta com o acervo do Gabinete de Leitura, conforme atesta Sant’Ana (1965, p.10); e
complementa:
Na sessão do dia 26 de maio do ano de 1865 [Tomaz Espíndola] apresentou
um projeto de criação de uma Biblioteca Pública, aproveitando-se o acervo
do Gabinete de Leitura, época com mais de 3.000 volumes, inclusive 500
folhetos e 1.600 estampas de botânica, e que funcionava, desde a sua
criação, em umas das dependências do Liceu Provincial, o tradicional Liceu
Alagoano.
O material doado para a biblioteca teria sido selecionado cuidadosamente pelo seu
doador, com o intuito de formar o cidadão cioso, respeitador das leis e temente a Deus, que o
contexto da época pregava, reforçando também a ideia da educação para o trabalho braçal,
que era o que cabia ao “pobre” naquela sociedade, tão à margem dos requintes da Côrte e da
ilustração européia.
Neste momento foi que se deu, não automaticamente, mas historicamente a transição
do Gabinete de Leitura para uma “livraria pública regular”, ou seja, que funcionasse para o
público da província. Situação ilustrada na fala de Veloso citado por Sant’Ana (1965, p.08)
Em 1860, em sua Fala à Assembléia legislativa Provincial, o presidente
Pedro Leão Veloso, ao discorrer acerca do referido Gabinete, que então
contava com 1.721 volumes, afirmou ser “conveniente a criação de uma
biblioteca, em modestas condições, a fim de ir-se de ano a ano enriquecendo,
de modo que, no fim de pouco tempo, contasse a província com uma livraria
pública regular”. E aquela instituição, ao que parece, não preencheu desde
logo as suas finalidades.
senador Antônio Luiz Dantas de Barros Leite - no governo do novo presidente de Alagoas, Caetano Maria Lopes
Gama. Cópia Sublevação Liso .Cabeluda. Proclamação Dirigida pelo Presidente Bernardo de Souza Franco,
depois que Desembarcou do Iate Caçador, Onde se Recolhera no Dia 5 de Outubro de 1844. Foi reintegrado ao
cargo em 1846, pelo novo presidente Caetano Maria Lopes Gama. Nesse mesmo ano é nomeado Delegado do
Diretor Geral de Terras Públicas. Em 1847 passa a ser Secretário do Governo da Província das Alagoas.
Nomeado, em 1853, foi o primeiro Diretor da Instrução Pública, dirigindo, cumulativamente, o Liceu Alagoano,
tendo se aposentado naquele cargo em julho de 1864. Fonte: ABC das Alagoas.
39 Fonte: ESPÍNDOLA, Thomaz do Bomfim. Relatorio da instrucção publica e particular da provincia das
Alagoas. Maceió: Typ. do Bacharel Felix da Costa Moraes, 1866.
99
A partir de então:
Extinto o Liceu alagoano, por lei de 4 de junho de 1861, o Art. 3. Da
Resolução provincial n. 385, de 7 de agosto do mesmo ano estipulava que
ficaria a cargo do Contínuo da Secretaria da Instrução Pública a guarda e
asseio da Biblioteca que pertenceu àquele estabelecimento de ensino,
inclusive certamente os livros do Gabinete de Leitura, que ali funcionava.
Abordando o assunto, em ofício de 18 de outubro daquele ano, o Diretor da
Instrução Pública da época, José Correia da Silva Titara, entendeu “que
desse artigo resulta a obrigação ao Governo de regularizar o serviço da
mesma biblioteca, que me parece dever incontestavelmente passar a ter uma
denominação de bibliotheca da província, dando-se-lhe uma direcção
conveniente e adequada. Titara chegou a elaborar e juntar ao citado ofício
um regimento para a futura biblioteca, pedindo ao Presidente da Província,
Dr. Antônio Alves de Souza Carvalho, a aquiescência para a organização da
Biblioteca Provincial, que jamais lhe foi dada. Já a Thomaz do Bomfim
Espíndola cabe as honras de, como deputado provincial ter apresentado o
projeto, de sua autoria, de criação da nossa Biblioteca Pública.
(SANT’ANA, 1965, p.09).
Após alguns entraves políticos na Assembleia Provincial, onde havia os que eram a
favor do ‘progresso e da cultura através das letras’, e os que eram contra a Província, assumir
mais uma despesa, no caso a Biblioteca Pública decidiu-se:
A 26 de junho do mencionado ano de 1865 o presidente da província,
desembargador João batista Gonçalves, apunha a sua assinatura à Resolução
n. 453, cujo Artigo 1. Declarava: “Fica creada no Lyceu desta capital uma
Biblioteca Pública, a qual se comporá dos livros existentes no actual
Gabinete do referido Lyceu pertencentes à Província e dos que forem sendo
comprados pela presidência por autorização da Assembléia Legistativa
Provincial”. Gonçalves Campos, o futuro barão e depois Visconde de Jarí,
em cuja presidência verificou-se a criação de nossa Biblioteca Pública,
presidiu Alagoas de 15 de dezembro de 1864 a 26 de julho do ano seguinte.
(SANT’ANA, 1965, p.12).
Ainda ilustrando a situação descrita, Sant’Ana segue relatando:
Criada finalmente a Biblioteca Pública, o seu primeiro dirigente, o professor
do Liceu da capital, Felinto Elísio da Costa Cutrim, foi nomeado
Bibliotecário a 6 de julho do mencionado ano de 1865, por portaria do
Presidente da Província, tomando posse do cargo, no dia 8 seguinte. A 30 de
janeiro de 1867 apresentou o seu primeiro Relatório, ao Inspetor Geral dos
Estudos da Província, o Dr. Tomaz do Bomfim Espíndola, decorrente de uma
exigência imposta pelo primitivo Regulamento da Biblioteca, datado de 16
de abril de 1866, expedido na presidência do Dr. Esperidião Elói de Barros
Pimentel. E é através deste Relatório que se tem conhecimento do total do
acervo bibliográfico da mencionada Biblioteca, na época com “2.072
exemplares de obras escritas em português, latim, francês, inglês, alemão,
italiano, espanhol, árabe e grego, compreendendo 2.622 volumes, além de
547 folhetos e 1.366 estampas de botânica, que se acham distribuídas por
nove grandes estantes com dois gavetões cada uma.” (1965, p.13).
100
A Biblioteca Pública do Estado de Alagoas hoje, não está em situação muito diferente
de quando da sua inauguração. O famoso Palacete Barão de Jaraguá, onde está instalada,
carece de uma ampla reforma estrutural, que está em execução, com término previsto para
2012. Realizada a reforma, espera-se poder oferecer uma biblioteca pública minimamente
digna em termos de estrutura e serviços à comunidade alagoana, tornando-se “um organismo
em crescimento”, (de acordo com os cinco princípios da Biblioteconomia 40 do bibliotecário
indiano S.R. Ranganathan -1895-1972) e efetivando-se como instrumento cultural a serviço
da educação e construção cidadã do povo alagoano.
O estudioso Moacir Sant’ana, atribui em seus escritos, a José Correia da Silva Titara a
criação do Gabinete de Leitura de Maceió, apoiado pelos defensores das letras e artes
Alexandre José de Mello Moraes e Tomaz do Bomfim Espíndola. O dito fundador do
Gabinete, que esteve à frente da direção da Instrução Pública da província por onze anos
(1853-1864) era tido como um homem carrancudo, mas um servidor público extremamente
sério no cumprimento de sua missão. Tão extremoso, que chegou a configurar-se como um
‘guardião’ do Gabinete, mal permitindo que se adentrasse ao recinto para uso de suas
coleções. O mesmo Sant’ana nos dita, que “Titara chegou até a elaborar e juntar ao citado
ofício um regimento para a futura biblioteca, pedindo ao Presidente da província, Dr. Antonio
Alves de Souza Carvalho, a aquiescência para a organização da Biblioteca Provincial, que
jamais lhe foi dada.” (p.09).
O referido historiador, sobre a obra do qual embasamos o presente capítulo, informa
que o Gabinete de Leitura não era ainda – e jamais se tornaria – uma instituição oficial. A
ideia inicial era mesmo implantar uma Biblioteca Pública com recursos e apoio do governo,
mas como este não se pronunciava, mesmo após solicitações; o Prof. Titara, fazendo uso de
sua prerrogativa de diretor da Instrução Pública e do Liceu Alagoano e já com 2.000 livros
encaixotados – doados pelo historiador Mello Morais – tomou a iniciativa de fundar a
40 Os livros são para serem usados - o livro é um meio que impulsiona o conhecimento. E podemos observar a
importância de uma biblioteca na seguinte frase: "quem tem informação, tem poder". Aponta para o livro como
um meio e não como tendo um fim em si mesmo. Em relação as bibliotecas de nada adianta tê-las cheias de
livros senão se dá o acesso a informação. Por isso, esta afirmativa de Ranganathan se perpetua até os dias de
hoje. Todo leitor tem seu livro - o bibliotecário deve fazer o estudo dos usuários, observando a clientela para
preparar o acervo. Aponta para a seleção de acordo com o perfil do usuário.Todo livro tem seu leitor - refere-se
a disseminação da informação, em que se deve divulgar os livros existentes em cada biblioteca. Aponta para a
importância da divulgação do livro, sua disseminação, antecipando a estética da recepção. Poupe o tempo do
leitor - a arrumação e catalogação dos documentos diminui o tempo necessário para encontrar a informação
desejada. Aponta para o livre acesso às estantes, o serviço de referência e a simplificação dos processos técnicos.
Uma biblioteca é um organismo em crescimento - o bibliotecário deve controlar esse crescimento, verificando
qual a informação que está sendo usada, através de estatísticas da consulta e empréstimo. Decorre da explosão
bibliográfica que exige atualização das coleções e previsão do crescimento da área ocupada pela biblioteca.
101
Associação Gabinete de Leitura em uma das dependências do prédio onde funcionava o
Liceu, precisamente a 26 de setembro de naquele ano de 1856 (SANT’ANA, 1965 p.07).
A história de vida do Gabinete de Leitura de Maceió, não viveu dias de glória, pelo
menos no que concerne a real função de uma instituição daquela natureza. Todos os
historiadores da época consultados para esta pesquisa são unânimes em apontar que aquela
instituição não cumpriu as suas finalidades, visto que nas palavras de Tomaz Espíndola,
citadas por Moacir Sant’ana: “durante o espaço de três anos que ela tem de existência, não
tem servido de utilidade alguma, por estar sempre fechada.” (1965, p.08).
Na teia que é a reconstrução da história, as contradições parecem sempre estar
presentes, mesmo porque estamos lidando o tempo todo com o ‘fator’ humano, e sua natureza
complexa por excelência, o que torna mais difícil ainda analisar ou entender a ação de um ator
social de um tempo tão recuado, como a personalidade do Prof. Titara, que era ‘destratado’
por uns e mitificado por outros. A história oficial ora diz que aquele ente ora era intratável, ora
era funcionário público exemplar e na constatação de Craveiro Costa, citado pelo mesmo
Sant’ana:
Numa época em que ninguém se preocupava com a organização do ensino
público, ele [Silva Titara] pugnava por essa organização, do ponto de vista
puramente pedagógico, combatendo a incapacidade do magistério e o erro,
que chegou até os nossos dias, de se transformar esse importante ramo
administrativo num departamento exclusivamente burocrático sob a égide da
politicagem. (idem p.08).
Com as críticas, ou apesar delas, pelo Gabinete estar na maioria do tempo com as
portas fechadas – e com a chave, provavelmente, em poder do zeloso Titara – o gabinete
seguiu sua curta história, mas não imune aos olhos e a língua dos seus detratores,
inconformados com os desmandos deste sobre o acesso à instituição. Devemos lembrar aqui
do protesto dos alunos do Liceu, já citada anteriormente, reclamando o acesso ao Gabinete, na
qualidade de alunos do Liceu, até porque o regulamento da instituição previa o acesso para
consulta pelos estudantes regularmente matriculados, conforme ponto daquele regulamento:
Que a livraria fosse franqueada aos sócios e aos estudantes provectos do
Lyceo á leitura dos livros consultivos, próprios das matérias das respectivas
aulas, nos domingos e dias santos e quintas feiras das semanas que os não
tiverem, e nos outros dias das nove horas da manhã até o meio dia, e das
duas ás seis da tarde. (DIÁRIO DAS ALAGOAS, 1859).
Após três anos de não funcionamento regular, em 1860, em sua fala à Assembléia
Legislativa Provincial, o presidente Pedro Leão Veloso, ao discorrer acerca do referido
Gabinete - que então contava com 1.721 volumes - afirmou ser “conveniente a criação de uma
102
biblioteca, em modestas condições, a fim de ir-se de ano a ano enriquecendo, de modo que, no
fim de pouco tempo, contasse a província com uma livraria pública regular”. Oficialmente o
que desencadeou a desativação do Gabinete de Leitura, foi a extinção temporária do Liceu
provincial no ano de 1861, conforme historiciza Sant’ana (1865, p.09):
Extinto o Liceu Alagoano, por lei de 4 de julho de1861, o Art. 3. Da
Resolução provincial n. 385, de 7 agôsto do mesmo ano estipulava que
ficaria a cargo do Contínuo da Secretaria da Instrução Pública a guarda e
asseio da Biblioteca que pertenceu áquele estabelecimento de ensino,
inclusive certamente os livros do Gabinete de Leitura, que ali funcionava.
Abordando o assunto, em ofício de 18 de outubro daquele ano, o Diretor da
Instrução Pública da época, José Correia da Silva Titara, entendeu “que
desse artigo resulta a obrigação ao Governo de regularizar o serviço da
mesma bibliotheca, que me parece deve incontestavelmente passar a ter a
denominação de bibliotheca da província, dando-se-lhe uma direcção
conveniente e adequada”.
E para a história, parece-nos que Titara morreu injustiçado, ou pelo menos
incompreendido, uma vez que ainda não se tem conhecimento de um estudo detalhado sobre
esse personagem tão controverso:
Faleceu em Coqueiro Seco no dia 7 de novembro de 1878, por uma ironia da
sorte, - já que é desconhecido em seu próprio berço natal – o único grupo
escolar do atual município de Coqueiro Seco não ostenta o nome do seu mais
ilustre filho, que tanto fez pela instrução pública em Alagoas. (SANT’ANA,
1965, p.08).
Outra personalidade ilustre no processo de instalação do Gabinete de Leitura foi o
geógrafo Tomaz do Bomfim Espíndola. Entusiasta do projeto iluminista/positivista de
“civilizar pelas letras”, a ele coube as honras de, como deputado provincial ter apresentado o
projeto, de sua autoria, de criação da nossa Biblioteca Pública. Foi incumbido pelo Presidente
da Província, Dr.Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, de fazer o apanhado de notas
estatísticas e geográficas das Alagoas. E a Geografia física, política, histórica e
administrativa da Província das Alagoas, impressa em Maceió, no ano de 1860, foi o
resultado da missão que fora confiada por aquele governante. Entre os inúmeros cargos que
exerceu em nosso Estado citamos o de Inspetor Geral dos Estudos da Província - cargo que
substituiu, a partir de 18 de junho de 1864, o de Diretor da Instrução Pública – para o qual foi
nomeado a 24 de julho de 1865.
Em seu projeto para a fundação da Biblioteca Pública, a justificativa apresentada era a
inoperância do Gabinete de Leitura, a falta de pessoal para atendimento e o estravio de obras
raras do acervo; além de que ia-se aproveitar o acervo do Gabinete de Leitura, na época com
mais de 3.000 volumes, inclusive 500 folhetos e 1.600 estampas de botânica; acrescentando
103
que muitas obras se achavam carcomidas pelo cupim e pelas traças por ingerência do/os
responsáveis. Quando da apresentação do novo projeto em sessão na Assembléia Provincial; o
deputado Dr. Manoel Cesar Bezerra de Gois apressou-se em pedir a palavra para justificar o
seu voto contrário ao projeto em discussão, alegando:
Voto contra o projeto, porque não considero nele utilidade alguma, e vejo
que vai sobrecarregar os cofres de despesas, concluindo: - Portanto, vejo que
vamos somente aumentar despesas, sem que daí resulte utilidade alguma à
província. Isto não é mais do que luxo e a província não tem um rendimento
tal, que possa satisfazê-lo. (SANT’ANA, 1965, p.10)
Tomaz Espíndola, contra-argumentando, afirmou inclusive que do Gabinete tem se
utilizado
Apenas um ou outro lente, um ou outro estudante; disse mais que diversas
obras tem sido extraviadas, como aconteceu com o dicionário de português
em10 volumes de Bluteau, obra raríssima, e livro de oradores franceses, e
sito pela falta de pessoal responsável... disse mais que um Gabinete que
possui tão avultado número de obras importantes e que anualmente pode ser
aumentado pouco a pouco e insensivelmente, sem grande ônus para os cofres
públicos, e quando esta Assembléia determinar, deve ser conservado aberto
às vistas do público; disse finalmente que a despesa decretada – seiscentos
mil réis anuais – é diminutíssima, e quando não fora, seria preferível
suprimir-se uma dessas cadeiras de primeiras letras pouco freqüentadas e
montar-se essa Biblioteca, do que conservá-la em prejuízo da existência
desta. (SANT’ANA, 1965, p.11 )
Nesta fala de Espíndola há entrelinhas que nos remete à necessidade que se tinha de
delegar à administração pública do Gabinete-biblioteca, para que este não continuasse
privatizado e inoperante, saindo assim do poder de um só cidadão para a alçada do governo,
que por sua característica de gerir para o público deveria permitir o acesso àquela entidade,
quebrando/retirando o ‘rótulo’ de “não oficial” (e daí, não-público), do Gabinete de Leitura.
Mas, finalmente (e felizmente), prevaleceu o bom sendo dos demais deputados e a de
26 junho de 1865 o presidente da Província, desembargador João Batista Gonçalves Campos,
apunha a sua assinatura à Resolução n. 453, cujo Artigo 1. Declarava:
Fica creada no Lyceu desta capital uma Bibliotheca Publica, a qual se
comporá dos livros existentes no actual Gabinete do referido Lyceu
pertencentes á Província e dos que forem sendo comprados pela presidência
por autorização da Assembléia Legislativa Provincial. (SANT’ANA,
1965,p.12)
No mesmo ano, a Biblioteca foi instalada no mesmo prédio onde havia se extinguido o
Liceu Provincial e o próprio Gabinete de Leitura. Após algumas mudanças, foi finalmente
104
realocada para o palacete Barão de Jaraguá 41, onde está até os dias de hoje. A seguir trazemos
um breve perfil dos intelectuais42 Alexandre José de Mello Moraes, Thomaz do Bomfim
Espíndola e José Correia da Silva Titara:
Figura 17: Alexandre José de Mello Moraes43
41 O Prédio onde atualmente funciona a Biblioteca Pública Estadual foi construído por José Antonio de
Mendonça, Barão de Jaraguá, durante os anos de 1844 a 1849 o chamado PALACETE “BARÃO DE
JARAGUÁ”, localizado no Largo da Matriz, atual Praça Dom Pedro II. Foi residência daquele titular do
Império, agraciado com o título de Barão em março de 1860. Passou a ser Monumento Histórico Estadual pelo
Decreto Nº 6219, de 01 de abril de 1985. Foi em 26 de junho de 1865 que o presidente da Província de Alagoas,
Desembargador João Gonçalves Campos, assinou a resolução 453, criando a Biblioteca Pública Estadual. Em
dezembro de 1989, é criada a Secretaria de Cultura a qual a Biblioteca Pública Estadual passa a ser subordinada.
Em Junho de 2005, a Biblioteca Pública completou 140 anos de fundação. Fonte: http://www.cultura.al.gov.br.
Acesso: 20.03.2012.
42 O Prof. Francisco Ari de Andrade (UFC), esclarece que para a maioria dos intelectuais daquela época, o
interesse maior era estar em contato com o que se elaborava em t ermos de ciência na Europa; ainda sem a
preocupação de mudar a sociedade local, o que naturalmente era um entrave para o desenvolvimento do processo
civilizatório Alagoano. [informação oral].
43 Fonte: www.google/imagens. Acesso: 27/03/2012.
105
Foto: Roselito de Oliveira, 2011 /Fonte: Instituto Histórico e geográfico de Alagoas-IHGAL
É desta forma que o historiador Moacir Medeiros de Sant’ana inicia um esboço
biográfico de Mello Morais:
Em uma casa da antiga rua da Matriz, na então cidade das Alagoas, hoje
Marechal Deodoro, nasceu o historiador Alexandre José de Melo Moraes,
aos 23 dias do mês de julho do ano 1816. Dez anos depois do alegre evento
falecia sua mãe, D. Ana Barbosa de Araújo Moraes. [...] A desventura [...]
não se restringiu a esta triste ocorrência. Não se passara muito tempo e
novamente a morte veio a se abater sobre outro membro da sua família. A 13
de maio de 1827 foi a vez do seu velho pai, o capitão-mor Alexandre José de
Melo. (1962, p.07)
Em sua visão da história daquele personagem, Santana segue descrevendo: Órfão aos
11 anos de idade foi enviado para a Bahia, onde a sua educação foi entregue aos cuidados dos
seus tios, frei Francisco Senhor do Bonfim e frei José de Santa Tereza. Aos dezessete anos de
idade, Mello Moraes passou a lecionar geografia, retórica e outras matérias para, com os
parcos rendimentos desse professorado, poder ultimar o seu curso de humanidades, e em
seguida matricular-se na Faculdade de Medicina da Bahia, onde veio a receber o grau de
doutor em medicina, no ano de 1840. Após a sua formatura consorciou-se com D. Maria
Alexandrina de Mello Moraes, fazendo então uma breve visita à sua terra natal, de onde se
achava ausente há doze anos.
Data de 1843 a sua estréia no jornalismo, quando passou a colaborar
assiduamente no Correio Mercantil da Bahia, do qual foi depois um dos
redatores. Nesse jornal defendeu, como político filiado ao Partido
Conservador, a causa dos seus correligionários que em Alagoas, tomaram
parte, em 1844, no movimento armado popularmente conhecido como
“Revolução dos Lisos e Cabeludos”, o qual teve como pretexto a destruição
106
de uma suposta oligarquia da família Sinimbú. No ano de 1845 fundou o
Mercantil da Bahia, onde reencetou a batalha pelas idéias do seu partido,
escrevendo ainda naquele periódico, sobre assuntos variados. (idem, p.08).
Tonando-se ardoroso adepto da doutrina homeopática, fundou em 1850, ainda na
antiga cidade da Bahia, o jornal O Médico do Povo, órgão destinado à propaganda daquela
doutrina, que a princípio combatera nas colunas do Mercantil da Bahia; tranferindo-se para o
Rio de Janeiro em 1853, ali firmou residência, fundando neste ano, juntamente com Inácio
Acioli de Cerqueira e Silva, O Guarany, jornal de caráter político, literário e industrial, de
vida efêmera. Prosseguiu, em 1864, com a publicação do seu periódico O Médico do Povo,
agora com o nome de O Médico do Povo na Terra de Santa Cruz, posteriormente mudado
para Brasil Histórico. Nessa época a História do Brasil passara a ser a sua principal
preocupação. Na capital da Bahia, em 1866, aproveitando a sua permanência de sete meses,
efetuando pesquisas históricas, redatoriou O Agricultor Bahiano, consagrado aos interesses da
agricultura brasileira. Redigiu, ainda, no Rio de Janeiro, um outro órgão de imprensa, este de
cunho religioso – A voz do Cristão na Terra de Santa Cruz. Com a ascensão do partido
Conservador, em 1866 foi eleito Deputado Geral por Alagoas, para a 14ª legislatura (18691872). Na carreira pública, foi o único cargo que ocupou.
Ao ilustre Melo Moraes, Alagoas deve a fundação, no ano de 1856, da sua
primeira Biblioteca Pública no ano de 1856. Denominada inicialmente
Gabinete de Leitura; para a qual fez a oferta de cerca de 2.000 volumes, e
nos anos de 1865 a 1868, já criada a Biblioteca Pública Provincial, novos
oferecimentos num total de 5.000 volumes. Melo Moraes radicou-se fora de
Alagoas, contudo, jamais esqueceu a terra natal. A comprovar esta assertiva,
o dístico – ‘Natural da cidade das Alagoas’, com que evocava a sua
naturalidade, grafado em todos os seus livros. Acometido por uma
pneumonia dupla, ás 16,15 horas do dia 6 de setembro de 1882 veio a
falecer, pobre, no Rio de Janeiro, ele que ganhara fortuna como médico
homeopata, mas tudo esbanjou na compra e impressão de documentos
históricos. Deixou mais de sessenta publicações nas áreas de medicina,
homeopatia e história do Brasil. (SANT”ANA, 1966, p.10).
Figura 18:Thomaz do Bomfim Espíndola 44
44
107
Foto: Roselito de Oliveira, 2011 /Fonte: IHGAL
Fazendo uso da escrita de Madeira e Reis (2011), trazemos alguns dados sobre a vida e
obra de Thomaz Espíndola, onde as autoras afirmam que o personagem em voga era um
homem ilustrado, de espírito liberal, que se punha em defesa de um discurso em torno do
sentido de civilização em função do progresso da humanidade para a qual tomava como
referência única o mundo europeu, e que se punha como respeitado e admirado no meio
intelectual alagoano, porque se tornara modelo intelectual e homem público. E asseveram o
contexto da produção intelectual daquela personalidade:
O lugar de onde escreve Thomaz Espíndola nos dá a dimensão de como suas
idéias tinham amplo alcance. Ele ocupou lugar no parlamento por várias
legislaturas, exerceu forte influência na redação do jornal O Liberal, ocupou
o cargo de Inspetor Geral de Estudos na Administração Pública, foi Lente
Catedrático do Liceu de Maceió, além de médico de instituições públicas e
filantrópicas de Maceió como o Colégio de Educandos e Artíficies (1854), o
Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho (1877) e o Liceu de Artes e Ofícios
(1884) [...] Por ocupar largos espaços sociais na Província, ele era a
expressão clara do intelectual de sua época, chamado a falar e ocupar os
lugares mais diversos no corpo social, assim se compreende a condição de
professor, médico, geógrafo, historiador, inspetor e parlamentar.
(MADEIRA; REIS, 2011. p.05).
E no âmbito educacional, as autoras informam que de autoria de Espíndola vieram a
público duas obras: um compêndio de Geografia, sob o título Elementos de Geografia e
108
Cosmografia Oferecidas à Mocidade Alagoana (1874), dirigido aos alunos da Escola Normal
e do Liceu provincial, e o Relatório da Instrução Pública (1866), o qual se pode considerar
como a primeira publicação da província, que pretendeu sistematizar a situação da
escolarização pública e particular da Província de Alagoas, desde o ano de 1835 até 1865.
Como expoente de sua época e à frente de seu tempo, ele definiu um perfil de escola
adequado aos tempos modernos, a qual o movimento em prol da República e da Abolição da
Escravatura já imprimiam seus ideais. Como um dos principais representantes do grupo
liberal de Alagoas do século XIX, Espíndola incorporou o lugar de um desbravador das luzes
e da civilização do povo por meio das letras. Suas obras estiveram a serviço deste propósito.
“Queiramos ou não, intelectuais como ele serviram para ordenar e consolidar o sistema de
ensino brasileiro que nós herdamos. Espíndola deixou publicadas obras nas áreas de
Geografia, medicina, Relatos de Viagens e Educação”. (MADEIRA; REIS, 2011. p.10).
Figura 19: José Correia da Silva Titara45
Nascido em Coqueiro Seco, município de Alagoas, em data desconhecida para nossos
historiadores, Jose Correia da Silva Titara fez seus estudos no Seminário de Olinda/PE. Foi o
primeiro Inspetor da Tesouraria da então Província de Alagoas. Cavaleiro da Ordem da Rosa,
Deputado Provincial e Geral de 1848 a 1856; sócio do Instituto Geográfico e Histórico de
Alagoas, Advogado, Diretor da Instrução Pública. É desta forma sucinta que Moraes, (1954),
45 Fonte da imagem: www.google/imagens. Acesso: 20.05.2012
109
anuncia para a história a vida de Titara. Por sua vez, Duarte (1963), nos traz outras
informações relevantes:
O advogado José Correia da Silva Titara conservou-se no cargo de Diretor
da Instrução Pública (e cumulativamente do Liceu) até 4 de julho de 1864,
quando foi aposentado. Durante esse tempo, algumas vezes o substituiu o
Vice-diretor, Dr. Manoel Lourenço da Silveira. Titara constituiu-se, pelo
sentido de austeridade e cumprimento da lei que imprimiu à sua
administração, um elemento muito útil e um verdadeiro espantalho para o
professores primários e secundários relapsos. A figura de Titara merece um
estudo à parte, mesmo porque seus atos não foram, na época, julgados todos
imunes de crítica. Pelo contrário, recebeu o ferrenho administrador, sérias
contraditas. Daí, sem um detido exame de suas assertivas, de uma revisão
serena de suas acusações e de uma desapaixonada análise de suas opiniões
sobre os homens de seu tempo, ser perigoso homologá-las. E ser ainda
necessário mesmo analisar a sua situação no meio comunitário, pois não se
tratava de um administrador, apenas, mas de um político militante também.
[...] Seria na realidade, justo nas suas diatribes e acusações? Ou concentraria
em si o poder e a vontade que manteve por tantos anos nas mãos, no setor do
ensino popular primário e secundário? A dúvida persiste. (DUARTE, 1963,
p.30).
Sem o intento de defender ou criticar, o autor repara que Titara não apontou soluções
verdadeiras, parecendo haver exercido, com mentalidade tacanhamente policial, a política de
combate ao absenteísmo sem criar condições novas próprias à melhoria do ensino e sem traçar
novos e mais largos horizontes na estruturação dele. Manteve o professorado sob o guante do
‘ponto’, fiel à execução dessa medida, o que por si só não se lhe abram as condições propícias
ao ensino, desde as de remuneração condigna até a elevação moral e cultural.
É de justiça, porém, acentuar que no Império, a remuneração do professorado do Liceu
foi equiparada a dos magistrados (idem, 1963). O biógrafo Tancredo Moraes aponta que o
intelectual deixou diversas traduções e trabalhos publicados, entre eles um Tratado de
Educação. (Moraes, 1954). Titara aparece nesta pesquisa, como o intelectual ‘mais
importante’ de todo período de existência do Gabinete de Leitura, provavelmente por estar à
frente desde o início, ou por tomar a causa como ‘sua’, tanto que manteve-se na presidência
do Gabinete durante todos dos oito anos de existência da instituição, ou talvez, como deixam
antever as entrelinhas por não haver outra figura que ousasse defrontar-se com tão importante
personagem naquele contexto histórico. A seguir mostramos em imagem da época o antigo
Liceu46, onde existiu o Gabinete de Leitura de Maceió, e a seguir, a construção que ocupa hoje
aquele espaço:
46 “Até 1877, esteve o Liceu alojado (e mal alojado) na Rua da Imperatriz n. 18, daí saindo para novas aperturas
na rua do poço, onde aliás pouco se demorou. [...] é verdade que o motivo para a extinção do velho Liceu
Alagoano foi a crise financeira existente, que assoberbava a Província”. (DUARTE, 1961, p.144). Fonte da
imagem: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
110
Figura 20: Antigo Liceu Alagoano
Foto: Roselito de Oliveira /Fonte: IHGAL
Neste prédio, funcionou provisoriamente o Liceu Alagoano, no período em que existiu
o Gabinete de Leitura de Maceió. Posteriormente foi transformado na 1ª Câmara Municipal de
Vereadores nos idos de 1938; passou enfim por uma demolição, onde foi construído o
Instituto dos Servidores Públicos e, enfim, foi construído no local a Secretaria do Ministério
da Fazenda, existente até hoje, localizada na Praça D. Pedro II, centro de Maceió:
Figura 21: Atual prédio da Secretaria do Ministério da Fazenda em Alagoas. No local do atual prédio
existiu o antigo prédio do Liceu alagoano, onde foi instalado o Gabinete de Leitura de Maceió.
111
Foto: Roselito de Oliveira, 2011
3.1.2 A Biblioteca Pública Estadual: dos primórdios aos nossos dias
112
Figura 22: Prédio da Biblioteca Pública Estadual, durante as obras de restauração em 2011
Foto: Roselito de Oliveira, 2011.47
Esboçamos neste tópico, um breve histórico sobre a Biblioteca Pública Estadual,
sucessora do nosso objeto de pesquisa, o Gabinete de Leitura de Maceió - onde, no intervalo
entre o Gabinete e a Biblioteca Pública -, teve brevíssima existência a Biblioteca Pública
Provincial. Para tal, nos reportamos aos estudos Jacob (2008); Duarte (1961); Madeira (2005);
Espíndola (1866); Velloso (1860); Bloch (2001); (Certeau, 1982), para referendar a
importância de tal instrumento cultural em todas as sociedades, através dos tempos.“A
biblioteca é um lugar, onde se dá o cruzamento paradoxal de um projeto utópico: fazer
coexistir num mesmo espaço todos os vestígios do pensamento humano confiados à escrita”.
(JACOB, 2008). Mesmo não se encaixando ainda nessa visão politicamente correta do autor,
a:
47 Uma visão ideal de biblioteca, segundo Jacob (2008, p.10) “Lugar da memória nacional, espaço de
conservação do patrimônio intelectual, literário e artístico, uma biblioteca é também o teatro de uma alquimia
complexa em que, sob o efeito da leitura, da escrita e de sua interação, se liberam forças, os movimentos do
pensamento. E um lugar de diálogo como passado, de criação e inovação, e a conservação só tem sentido como
fermento dos saberes e motor dos conhecimentos, a serviço da coletividade”.
113
Biblioteca Pública Estadual de Alagoas é um local de informação que
disponibiliza para os usuários todo tipo de conhecimento. Os serviços
fornecidos baseiam-se na igualdade de acesso para todos; independente de
idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, língua ou status social.
Atualmente, está dividida em direção, recepção, sala de consulta,
preservação e conservação (com obras raras), sala de exposição, autores
alagoanos, acervo, infantil, jornal e periódicos, hemeroteca e auditório. 48
Sobre os momentos iniciais da vida da Biblioteca Pública Moacir Sant’ana nos conta:
“O prédio onde funcionou simultaneamente o antigo Liceu de Maceió – Liceu Alagoano e, na
sua fase inicial, a nossa Biblioteca Pública, era um velho edifício situado na Praça da Matriz,
hoje Praça D. Pedro II, no local onde hoje se ergue a Delegacia Fiscal.” Quando foram
realizados reparos no prédio para a instalação do Liceu, o engenheiro responsável ressaltou
haver ali “uma espaçosa sala para os atos solenes, outra para a secretaria com um quarto claro
e espaçoso para a biblioteca: “Neste quarto claro e espaçoso foi, em 1856, alojado o gabinete
de leitura, praticamente transformado na Biblioteca provincial, em junho de 1865.”
(SANT’ANA, 1965, p.17).
E assim seguiu-se a história de uma instituição, que infelizmente, até hoje não tem
muito orgulho em exibir as fases de seu quase um século e meio de existência. Em 1872
ocorreu a primeira mudança de prédio para a mesma Rua da Matriz, para o prédio da
Assembleia Legislativa Provincial e em 1878, mais uma mudança, para a Rua João pessoa,
mais conhecida até hoje como Rua do Sol, no centro da cidade de Maceió, desta feita também
alterando seu horário de atendimento para até as 20 h., o que pode ser considerado um avanço,
até para os dias de hoje, onde não encontramos nenhuma instituição pública de caráter
informativo/educativo que receba o público até esse horário.
Em 1890 a biblioteca passa a ser subordinada ao Liceu alagoano, extinguindo-se aí o
cargo de bibliotecário, e onde surgem as primeiras denúncias sobre a má gestão daquele
órgão, onde o historiador afirma que:
[n]A biblioteca achava-se amontoado e em desordem em uma das
salas do pavimento térreo do Liceu alagoano, isto é, desde a época da
sua incorporação a este pavimento, trancada ao público, sem o mais
ligeiro cunho de utilidade e entregue ao abandono e estrago [d]o seu
precioso e crescido material. (SANTA’NA, 1965, p.19).
Eis a Biblioteca Pública repetindo a história de inacessibilidade do Gabinete de
Leitura. Em 1898 foi a biblioteca desanexada do Liceu e mudada para prédio 112 na Rua do
48 Fonte: http://www.cultura.al.gov.br. Acesso: 20.03.2012.
114
Comércio, sendo franqueada pela primeira vez a todo o público e subordinada à Secretaria do
Interior.
Felinto Elisio da Costa Cutrim, foi nomeado o primeiro Bibliotecário da instituição e,
após este, sucederam-se outros, que naturalmente também não conseguiram tornar aquela
entidade em uma unidade de informação como deveria ser: atualizada, organizada, acessível.
Hoje os nossos pares profissionais – bibliotecários – ainda sofrem com o descaso dos
mantenedores de tais instituições que insistem em não priorizar investimentos para as
bibliotecas – pelo menos em nossa região – e supomos que naquela época a situação era mais
crítica, e agravando-se até hoje quando se trata da relação do Governo Estadual com àquela
instituição.
Em junho de 1925, na gestão do jornalista Costa Rêgo, a biblioteca foi fechada e seus
servidores distribuídos para outras repartições. Mais uma vez, por motivos alheios à nossa
compreensão a biblioteca foi preterida pela administração estadual. Foi reaberta em 1925, por
iniciativa do interventor federal Luis de França Albuquerque (natural de Vilosa, AL), tornando
a biblioteca, um simples departamento do Arquivo do Estado.
Com relação à frequência da dita biblioteca, o intelectual Rosalvo Ribeiro (um dos
dirigentes da Biblioteca Pública em 1903) tece um comentário interessante, em relatório sobre
a biblioteca: “Não obstante o regulamento desta repartição, permitir a freqüência às pessoas
de ambos os sexos, apenas quatro senhoras dignaram-se a visitar o estabelecimento no ano
anterior”, atribuindo-se esta limitação à falta de acomodações apropriadas ao belo sexo.
(SANT’ANA, 1965, p.34).
Em relatório anterior, sobre as condições precárias da biblioteca, o bibliotecário
Antonio Francisco de Gouveia adiantava que “muito é preciso fazer para que possa ela atingir
o fim a que se destinam os estabelecimentos desta natureza.” (SANT’ANA, 1965, p.35).
Alguém, já consciente de que é preciso um alto investimento para se manter uma Biblioteca
Pública que faça valer esse título. Resta saber quando [e como?] os dirigentes absorverão essa
necessidade e priorizarão (?) a educação através das bibliotecas, e também museus, centos de
documentação, arquivos, e demais instrumentos culturais necessários à nossa sociedade, livros
e leitura, como fundamentais ao processo educacional e civilizador.
Em se tratando das perdas do acervo, ou dos acervos da Biblioteca Pública e do
Gabinete de Leitura, sabemos que lamentavelmente é uma situação corrente em nosso Estado,
o que demonstra o nível civilizado de nosso povo: a maioria desconhece o que é biblioteca, e
da minoria que a conhece e usa, há uma parcela que insiste – ao longo dos tempos – em
115
saqueá-la, com propósitos os mais estranhos... Ilustrando essa constatação Sant’Ana nos traz a
informação de que:
O decreto-lei estadual m. 2.702, de 16 de outubro de 1941, incorporou ao
Estado a Biblioteca Pública Municipal [que funcionava no salão nobre do
Teatro Deodoro]. O patrimônio bibliográfico desta biblioteca, - que havia
sido instalada a 13 de maio de 1838 – anexado ao que restou da Biblioteca
Pública Estadual, praticamente acabada na gestão do Governador Pedro da
Costa Rêgo, em 1925, veio constituir a nova Biblioteca Pública Estadual.
(1965, p.39).
Naqueles dias dos oitocentos, a situação não era diferente:
Se acaso tivessem sido conservados os livros da primitiva biblioteca do
Liceu, o que não aconteceu infelizmente, possuiria hoje rica biblioteca. Basta
salientar, para comprovação do alegado, que no Relatório com que o Dr. José
Bento da Cunha Figueiredo Junior, presidente da Província, passou a
administração da mesma ao Dr. Silvério Fernandes de Araújo, 1. Vicepresidente, em 1868, consta o trecho que transcrevo a seguir: ‘É para aqui
mencionar o perseverante zê-lo e patriotismo do Sr. Dr. Alexandre José de
Melo Morais, que pela terceira vez acaba de mimosear a biblioteca do Liceu
desta cidade com uma grande porção de livros utilíssimos, nas ciências e nas
artes, e que não podiam ser obtidos a pequeno custo. Devemos-lhe ser
reconhecidos. Os livros doados são em número de 3.312 volumes e de 1.336
pranchas da flora brasiliensis. Isto mostra o que seria hoje. As mudanças
sofridas, possivelmente, concorreram para a perda; mas não constituíram
elas só a causa – tudo leva a crer – dos desvios, pois a atual biblioteca, de há
muito desfalcada de outros livros conhecidos, está reduzida a cifra
inexpressiva. (DUARTE, 1961, p.137).
Nem podemos vislumbrar que grandioso acervo teria hoje a Biblioteca Pública
Estadual, se tivesse conservado todo o material amealhado desde o Gabinete de Leitura.
Já na década de 1960 a Biblioteca Pública, sob a direção de Jaime de Altavila, foi
transferida para o atual palacete Barão de Jaraguá e subordinada à Secretaria de Estado da
Cultura, à qual é ligada até hoje e vive mais um momento de transformação com o projeto de
restauração daquele prédio, onde o Governo Estadual promete uma ‘biblioteca moderna’ para
a população, uma vez que o projeto é subvencionado pelo Governo Federal, mas naquele
projeto não consta – curiosamente – subvenção de pessoal qualificado para dar suporte à nova
vida da velha nova biblioteca.49
Figura 23. A necessidade de concentração do leitor.
49 O acervo da Biblioteca Pública está provisoriamente armazenado no prédio do Teatro de Bolso Lima Filho –
onde também funciona a “Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas”; na Rua Pedro Monteiro, centro de
Maceió. Vale ressaltar que o citado prédio, também encontra-se em péssimo estado de conservação, pondo em
risco o material ali depositado. Este é somente um exemplo do descaso do poder público, com a cultura e a
educação em nosso Estado.
116
Fonte: Chartier, Roger. A Aventura do livro..., 1998.
3.1.3 Aventando um perfil do leitor oitocentista do Gabinete de Leitura de Maceió
A leitura séria é uma atividade formadora do ser individual. A experiência da
leitura é importante, não tanto porque nos transmite uma mensagem ou um
sentido, mas porque produz um estado de espírito no qual o ser se percebe
como tal e constitui a sua identidade. (BELLEI, 2002, p.22).
Aqui vamos encerrar as conjecturas traçadas anteriormente, trazendo de acordo com o
que se obteve durante as pesquisas, um perfil do leitor do Gabinete de Leitura de Maceió, no
período 1857-1865, período em que se deu a curta existência daquela instituição, que veio a se
compor como Biblioteca Provincial, passando à alçada do Governo Estadual com a
nomenclatura Biblioteca Pública do Estado de Alagoas, existente até os dias atuais. Os
subsídios utilizados para o intento são as notícias colhidas no Diário das Alagoas de 1859,
além de outras passagens da bibliografia utilizada para todo o presente texto. Para construir
esse perfil, vamos abrir um aparte no sentido de explorar conceitualmente a expressão “ler”
remontando aqueles tempos do século XIX:
O que é ler? É pronunciar palavras cada uma das quaes se acha
representada por um certo número de letras. Mas, para pronunciar
palavras que se achão representadas por letras, o que é preciso saber?
Primeiro: o valor ou pronunciação de cada letra; segundo: qual o som
que resulta da combinação de duas, três até quatro dessas letras, as
117
quaes se achão formando syllbas; terceiro: fazer a somma desses sons
para dal-os em uma pronunciação rápida. (SOARES, 1856, p.04).
E o que é “leitura”? É um processo complexo, em se tratando dos dias de hoje, que
perpassa pela visão particular de cada leitor, em dimensões as mais variadas, como: a leitura
sensorial, a leitura emocional a racional, etc. E se formos tentar construir um conceito do ato
de ler, vamos ter que levar em conta também as condições que influem nesse ato que são
interiores (subjetivas) e exteriores (objetivas), fundamentais para o desencadear e desenvolver
da leitura, e seja qual for o leitor ele sempre estará ligado a essas condições, precárias ou
ideais... (MARTINS, 1982)
Esta pode ser uma visão um tanto parcial do conceito de leitura, para os padrões
atuais, e talvez sem validade para principiantes de leitura daquela época. Com a evolução,
claro que o conceito se tornou mais complexo. Para Chartier (1998) a complexidade com que
a leitura ia sendo construída através da história, foi criando a necessidade de um leitor cada
vez mais preparada para a tarefa.
A habilidade de leitura que os intelectuais interessados em civilizar pelas letras, era a
condição acima citada, que deveria atingir ao máximo de pessoas possível. Mas isto só seria,
ou teria sido possível, se os demais mecanismos políticos, educacionais e culturais, aqui se
falando especificamente do acesso às bibliotecas e livros, fossem possíveis naquela sociedade,
de forma abrangente. O que apuramos no decorrer da pesquisa foi que estes fatores citados
não se somaram em momento algum, para que o “processo civilizador” fosse disseminados
nas Alagoas dos oitocentos e nem ao menos na pequena Maceió, onde se concentrava a elite
intelectual. Uma vez que os ‘iluministas’ e ‘positivistas’, entusiastas das letras em detrimento
da ‘barbárie’, eram em número reduzido e sem poder efetivo junto à administração central da
província para que se implantasse definitivamente um sistema de civilização sistemática
através de leitura. E muito provavelmente o poder estabelecido também não tinha muito
interesse em ter uma população “civilizada”, como infelizmente, ainda acontece até hoje: o
poder estabelecido sempre precisou mais de “bárbaros” do que de “civilizados” para se
perpetuar no poder.
Trazemos os nomes dos Sócios do Gabinete de Leitura detectados na pesquisa:
•
IGNACIO JOAQUIM PASSOS;
•
IGNACIO JOSE DE MENDONÇA UCHÔA (AL-182 / RJ-1910) [Deputado
provincial, presidente interino da província, advogado e magistrado];
118
•
HERMINIO DE PAULA MESQUITA CERQUEIRA [Deputado provincial na
legislatura 1880-81];
•
SR. AZARIAS CARLOS DE CARVALHO GAMA [deputado provincial em
várias legislaturas a partir de 1846-47, até 1859, Major.;
•
SR. ANGELO TOMAZ DO AMARAL (RJ 1822-1911) [Presidente da
Província entre 1857 a 1859];
•
MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS (BA-1831 / RJ-1894) [Deputado
provincial e geral, Presidente da Província, jornalista, ministro, magistrado, advogado];
•
DR. PINTO DA ROCHA;
•
INNOCENCIO REGO;
•
DR. BLACK 50;
•
JACINTHO PAES MOREIRA MENDONÇA [ BARÃO DE MURICI] (Passo
de Camaragibe) [Deputado provincial geral e interino da Província];
•
DR. PEREIRA DO CARMO;
•
José GUILHERME da GRAÇA [Deputado Provincial capitão, suplente de
deputado provincial nas legislaturas 1842-43]51;
•
Dr. SILVEIRA
Como está bem perceptível, todos estes senhores pertenciam à elite, posto que
ostentavam seus títulos de nobreza, de doutores/bacharéis. Apesar de o regulamento do
gabinete nos levar a entender que havia uma existência mínima de cinquenta membros na
referida Associação, não localizamos nenhuma lista que o comprove durante as pesquisas.
Outra descoberta durante o processo é a lista de livros que foram doados por Alexandre José
de Mello Morais, (Quadro 1), para compor o acervo da Biblioteca Pública, sobre os quais
realizamos breve análise e pontuamos que aquele acervo era voltado para o cidadão que se
queria formar, mas também com uma ênfase em um leitor trabalhador, cioso da moral e dos
50 As leituras realizadas para a identificação das personalidades citadas, nos levaram a crer que o citado Sr.
Black, trata-se na verdade de SACRAMENTO BLAKE, conhecido intelectual da época.
51 Fonte biográfica: ABC das Alagoas
119
bons costumes e que principalmente fosse educado para o trabalho, em um momento histórico
em que a escravatura se aproximava do fim, com muitos negros, já na condição de exescravos, e vivendo uma situação totalmente nova: terem que trabalhar para sobreviver por
conta própria, uma vez que não mais pertencia a um Senhor provedor de sua subexistência.
ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
É necessário fixar que atravessamos todo o processo de desenvolvimento da pesquisa
com o sentimento angustiante de que nem sempre sabemos o que fazer com algumas
descobertas nas pesquisas que nos deram tanto prazer. Tudo a princípio parece um grande
mosaico que nunca se completa, mas com as orientações alcançamos nossos objetivos
Mergulhamos nessa pesquisa de forma apaixonada, porém intermitente. Significa dizer que
sofremos os revezes do percurso.
Como Brecht (Poeta alemão que lutou contra nazismo. Nascido em 1898 veio a falecer
em 1956) contemos a sensação de que saímos com “Tantas histórias/Quantas perguntas”. Daí
que cumpre afirmar: estamos mais humildes. A humildade científica é mais do que necessário.
Devolve-nos a humanidade. Não somos tudo e sim apenas uma parte. Uma diminuta partícula
dessa imensa cosmogonia social.
Privilegiamos o método histórico, em que pesquisamos as fontes primárias e
trabalhamos com periódicos do século XIX, considerando a parcialidade desse tipo de fonte.
Durante mais de dois anos nos debruçamos sobre as fontes primárias nos principais espaços
de pesquisa histórica de Maceió e nos livros (eles sempre nos acompanhando na vida) e
chegamos a constatações polêmicas e interessantes.
Assim, a primeira constatação é a de que, em sociedades arcaicas, o valor dado ao
conhecimento e aos veículos de transmissão, produção e comunicação do mesmo é uma
“quimera”. Paradoxalmente, o livro figura como “totem” isto é, tem uma força mágica.
Destarte, fica a certeza da necessidade de se discutir a importância do livro e da leitura na
constituição de uma civilização criativa e crítica.
A segunda constatação diz respeito ao fato de que a Biblioteca Pública Estadual tem
sua história intimamente ligada ao Gabinete de Leitura, que foi seu embrião. A primeira
também passou por diversas mudanças de prédio até ser instalada no palacete Barão de
Jaraguá e nessas sucessivas mudanças, houve extravios de seu acervo mais antigo, posto que
lá não localizamos nenhum volume pertencente ao antigo Gabinete e Leitura. Esse fato
120
perpassa por um traço da cultura local (ou nacional?), onde as instituições públicas são
desvalorizadas (e ao mesmo tempo desacreditadas), e, por isso, constantemente vilipendiadas,
e até ocorrendo uma privatização do público em muitos casos.
A terceira constatação caminha no sentido de que a população (em sua maioria) na
nossa ainda estreita mentalidade ‘acha’ que um órgão público está à disposição de qualquer
vontade particular e assim depreda-se o patrimônio, sem a menor consciência de que nós
mesmos é que pagamos o preço de tal prejuízo. O próprio cidadão fica sem o bem que ele
muitas vezes destrói, inconsciente e inconsequentemente e que vem lhe fazer falta em outro
momento, isso só prova que esse indivíduo não consegue sequer diferenciar o que é público
do que é privado.
A quarta constatação aponta que a cultura das letras era fortemente incentivada no
interior da elite brasileira, entretanto tal cultura não conseguiu abranger a população nativa e
pobre pelo simples motivo de que não existia acesso ou qualquer estímulo por parte dos
agentes públicos para que tais parcelas da população atingissem tais bens culturais e
educacionais a um só tempo.
Deste modo, ser “letrado” constituía-se numa espécie de distintivo social, em que o
detentor se destacava como “ilustre” e o não detentor como “ignorante”. Havia um tratamento
pejorativo que vinha se reproduzindo a partir de uma base cultural eurocêntrica como enfatiza
Rueda (2009, p.11): Es sabido que el pensamiento antropológico do Occidente, e buena parte
de su legado científico, se basan em uma visión peyorativa del outro. O outro, ou seja, o não
descendente da eurocentria era rechaçado como “tupiniquim”, gente sem cultura e sem valor.
No material pesquisado tornou-se possível perceber este processo discriminatório.
Alertamos para a necessidade de se compreender o difícil itinerário do livro como
elemento central no processo civilizador alagoano, tendo em vista as inúmeras dificuldades
que se interpõem no processo histórico educacional da sociedade alagoana, visto que é notório
desde tempos imemoriais o descaso das autoridades com a educação do povo simples em
geral. Portanto, em tal contexto há uma elitização do acesso à leitura como prática cultural.
Finalmente, como o livro constituiu-se, então, como principal elemento civilizatório
desde os povos mais antigos até o contexto alagoano, neste caso, através do Gabinete de
Leitura? E qual o perfil do leitor daquela instituição [e por tabela] dos oitocentos em Alagoas
daquele momento histórico?
Em suma, não houve uma participação efetiva do objeto livro no processo civilizatório
nas Alagoas do século XIX, em grande escala de relevância. A parcela da população que era
121
letrada era também diminuta, e o processo de acesso a livros e leitura através do Gabinete de
Leitura foi ínfimo, se restringindo basicamente aos sócios daquela sociedade e um ou outro
aluno do Liceu que conseguia penetrar naquele santuário, sacralizado pelo Prof. José Correia
da Silva Titara.
Quando do início da pesquisa tínhamos pretensões mais ousadas, todavia o percurso se
fez estéril e desalentador, de forma que muito existe para ser feito. O certo é que em se
tratando da história da educação alagoana, os estudos e pesquisas precisam ser fortalecidos no
momento mesmo da coleta de dados, que em nosso caso precisou ser edificados. O que
pudemos concluir foi que o Gabinete de Leitura de Maceió foi uma ação altruísta, mas
“viciada” pela cultura local, onde o monopólio era a palavra de ordem. Ou seja, em verdade,
parece que serviu aos propósitos civilizatórios da elite, uma vez que (pelas pistas
investigadas) apontamos para um cenário de não acesso àquela instituição pelos menos
favorecidos.
122
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129
Anexo A
IMAGENS DA PESQUISA NO
ARQUIVO PÚBLICO DE ALAGOAS
130
Noticia A – Jornal Diario das Alagoas
Maceió, 02 de julho de 1859. p.0452
52 Fonte das imagens: Arquivo Público de Alagoas – APA. Fotos: Roselito. Os documentos aqui apresentados
estão transcritos no capítulo III da presente dissertação.
131
Noticia B -Diário das Alagoas, n.165
Maceió, 22 de julho de 1859. p.04
Noticia C - Diário das Alagoas, n.168
132
Maceió, 26 de julho de 1859. p.04
133
Continuação da Notícia “C”
134
Noticia D - Diário das Alagoas, n.189
Maceió, 26 de julho de 1859. p.02
Continuação da Notícia “D”
135
Continuação da Notícia “D”
136
Continuação da Notícia “D”
137
Continuação da Notícia “D”
Continuação da Notícia “D”
138
Continuação da Notícia “D”
Noticia E – Diário das Alagoas Ed. 192
24 de Agosto de 1859, p.02
139
Continuação da Notícia “E”
140
Continuação da Notícia “E”
141
Continuação da Notícia “E”
142
Noticia F – Diário das Alagoas Ed. 227
05 de Outubro de 1859, p.01
143
Continuação da Notícia “F”
144
Continuação da Notícia “F”
145
146
Anexo B
RELAÇÃO DE LIVROS DOADOS PARA A BIBLIOTECA PÚBLICA
(por Alexandre José de Mello Morais)
Nº
Título
Autor
Localização
Área
Qtde
147
da obra hoje
1
2
3
4
5
6
7
8
009
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Academia
dos
Humildes e Ignorantes
(in-fólio)
Actas das Sessões da
Camara dos Deputados
do Império do Brasil
(in-fólio)
Aclimatação
do Dr.
F.L.C. Instituto
Dramadario
nos Burlamaque
Histórico e
sertões do Brasil
Geográfico
de AlagoasIHGAL
Additamentos ao Novo Fr. A de Santa
Orbe Serafico Brasilico Maria Jaboatam
Agricultor instruido
Fr. Theobaldo de
Jesus Maria
Allocução
Dr.
Jonathas
Introductoria ao Estudo Abbolt
de
Anatomia
descriptiva
(in-fólio)
Almanak Militar do
Imperio do Brasil para
os annos de 1853-55-e
58
Almanak do Ministério
da Guerra para o anno
de 1857 (in-fólio)
Almanak do ministério
da marinha para os
annos de 1858 e 1860
(in-fólio)
Almanak do Reino de
Portugal
Ambassade
em Bassompierre
Espagne
Aminta(L’)
T.Tasso
Annexos
a
La
Memoria
del
Ministerio
de
Relaciones exteriores
de 1863-64
(in-fólio)
Annaes Brasilienses de Dr. Garnier
Medicina
Annuaire
Castellan
homoeopatique
Apontamentos para o L.S.Teixeira de
Código do Processo
Gouvêa
(in-folio)
Arcanes de la Vie L.A.Cahagnet
Future Devoilés
Armazem
de F.S. Constancio
Conhecimentos Uteis
Conhecimentos
gerais
001
052
História
001
Agronomia
001
Agronomia
001
Medicina
Conhecimentos
Gerais
004
Conhecimentos
Gerais
004
Conhecimentos
Gerais
003
Conhecimentos
Gerais
013
001
001
001
Política
001
Medicina
001
Homeopatia
001
Direito
Conhecimentos
úteis
001
v.03
001
148
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
Astréa-Almanak
maçonico
Auditor Brasileiro ou
Manual Geral dos
Conselhos,
Testamentos
e
inventários militares
(in-folio)
Aula politica
O
Auxiliador
da
indústria nacional
(in-fólio)
Barco dos Traficantes
Bibliotheca Brasileira,
revista mensal (infolio)
Bibliotheca Brasileira
[publicação mensal de
uma obra de auctor
nacional sobre todos os
ramos
de
conhecimentos
humanos}
Bibliothéque
Homoeopathique
Biographia de Alguns
Poetas
e
Homens
Ilustres da província de
Pernambuco
(in-folio, truncada)
Biographia do Exm.
Conselheiro Joaquim
Marcelino de Brito
(in-folio, truncada)
Biographia do TenenteCoronel e CirugiaoMor reformado do
Exército Dr. Manoel
Joaquim de Menezes
(in-folio, truncada)
Biographia do Senador
Diogo Antonio Feijó
(in-folio, truncada)
Biographia de Manoel
Theodoro de Araújo
Azambuja
(in-folio,
truncada)
Bossuet e a Missa ou
Papismo trahido e
confundido
Brasilia
bibliotheca
[truncada]
Bibliotheque
universelle dês dames
O Brasil histórico,
Maçonaria
L. dos
Titara
001
Santos
M.P. da Silva
001
Militarismo
Política
001
002
001
001
v.03
Periódico
007
Periódico
Homeopatia
Comendador. A.
Joaquino
de
Mello
Dr. A. J. de
Mello Moraes
001
v.20
001
Biografia
002
Biografia
003
Biografia
003
Biografia
J.B. Calogeras
001
Biografia
001
Religião
J. Norberto de S.
Silva
Conhecimentos
Gerais
001
001
Dr. A. J. de Instituto
História
do 003
149
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
(in-folio)
Mello Moraes
Breves annotações á
Memória que o Exmo.
Snr. Visconde de S.
Leopoldo
escreveu
com o título: Quaes são
os limites naturaes,
pacteados e necessários
do Imperio do Brasil?
(in-folio)
Bulletin de La Societé
Médicale
Homoeopatique
de
France
(in-folio, truncada)
Campagne de Paris em
1814
Cartas do solitário
(in-folio)
Castrioto Luzitano ou
historia da guerra
entre o Brazil e a
Hollanda, durante os
annos de 1624 a
1654... Pariz: J.P.
Aillaud, 1844. 605p.
M. J. M.
Costa e Sá
Histórico e Brasil
Geográfico
de Alagoas
02
tomos
da
001
Geografia
Brasil
do
001
v.4
Homeopatia
P.F.F.J. Giraud
001
001
Ficção
JESUS,
Raphael.
Catalogo Geral da
Biblioteca Publica da
Bahia (in-folio)
Catalogo Methodico da
Bibliotheca da Marinha
Catalogo dos Livros da
Bibliotheca do Instituto
Historico
e
Etnographico
Brasileiro
(in-folio)
Catalogo dos Livros á
venda na livraria Lusobrasileira
(in-folio)
Catalogo dos productos
Naturaes e Industriaes
que
figuraram
na
Exposição
Nacional
em 1861 (in-folio)
Catalogo dos mesmos
productos remettidos
das provincias (idem)
O Chale de cachemira A.Dumas e
verde- comedia
Sue
(in-folio)
Instituto
Histórico e História
Geográfico
Brasil
de Alagoas
001
do
001
Bibliografia
001
Bibliografia
001
Bibliografia
001
Bibliografia
Obra
Referência
001
de v.02
001
Obra
Referência
E.
de
001
Ficção
150
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
Chronica de El-Rei D.
Afonso Henriques
M.
Lopes
Ferreira
Chronica
da Padre Simão de
companhia de Jesus do Vasconcelos
Estado do Brasil ((infolio, truncada)
Du Ciel et de sés J. F. E. Le Boys
Marveilles
et
de dês Guays
l’Enfer d’apress ce qui
a ele entendu et vu par
Emmanuel
Swedenborg, traduit du
latim (in-folio)
Cathecismo para uso
dos parochos
Du Climat et dês J. T. X. Sigaud
maladies Du Bresil
Codigo do bom-tom
J.I. Roquette
Colleção Preciosa da
Maçoneira
Adonhiramita
Colleção dos Breves
Pontificios e Leis
Regias
Colleccion de Leys y A.T. Caravia
Derechos
de
la
Republica Oriental Del
Uruguai
Colleção de Tratados, J. P. Borges de
Convenções,
Castro
Contractos e Actos
públicos, entre a Corôa
de Portugal e outras
potências
(in-fólio)
Colleção Preciosa da
Maçoneira
Adonhiramita
(in-fólio)
Cerimonias Mason de
Montevidéo
(in-fólio)
Contes Populaires
Boully
Corographia
do Dr. A. J. de
Imperio do Brasil
Mello Moraes;
I.A.
de
Cerqueira
e
Silva
Corographia
do M.A. de Casal
Imperio do Brasil
(truncada)
Historia,
Dr. A. J. de
Cronographia,
Mello Moraes
Genealogica Nobiliaria
Biografia
001
001
História
001
001
Religião
Geografia
do 001
Brasil
Conduta social
001
Maçonaria
001
Legislação
001
001
Direito
Legislação
001
V.4
Maçonaria
001
v.14
001
Maçonaria
Instituto
Geografia
Histórico e
Geográfico
de Alagoas
001
001
001
Geografia
Instituto
História
Histórico e
Geográfico
001
v.5
151
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
e Politica
(in-fólio)
Corpo
Diplomatico
Portuguez
(in-fólio, truncada)
Correio
Mercantil
(jornal da Côrte)
Correspondencia entre
o M.P. Supr. Conc. da
França e a dele Supr.
Conc. Do Rito Esc Ant
e Acc para o Imp. do
Brasil ao Or da Bahia
(in-folio)
El Criterio Medico –
Periódico
de
Homoeopatia official
de
La
Sociedad
Hahnemanniana
Matritense
(in-fólio)
Cours de Droit Naturel
(truncada)
Cultura e Opolencia
do Brasil
A Declaração da
Maioridade de S.M.I.
o Senhor D. Pedro
Segundo
(in-folio)
Deducção
Chronologica
e
Analytica
(in-folio)
Defeza
do
Dr.
Laurindo
José
d’Almeida
(in-folio)
El Derecho de Gentes
(in-folio)
Novo
Diccionario
Portuguez-Allemao e
Allemão-Portuguez
Diccionario Historico
(truncada)
de Alagoas
Visconde
Santarem
de
001
Diplomacia
Periódico
002
v.04
001
Diplomacia
001
Homeopatia
Fritot
A.J. Antonil
001
Direito
História
e Brasil
Instituto
Histórico
Geográfico
de Alagoas
Instituto
Legislação
Histórico e
Geográfico
de Alagoas
J.D.S. da Silva
do 001
002
001
v.03
Dr.
A.C.R.A.
Machado e Silva
Direito
Mr. Vattel
Direito
J.D.Wagener
Obra
Referência
001
v.04
de 001
v.02
Obra
Referência
de 001
v.09
Obra
Referência
de 001
V.2
Obra
Referência
Obra
Referência
de 001
v.08
de 001
Dom Joseph de
Miravel
Casadevante
Dictionnaire
des J.H.M. Violette
Analyses Chimiques
et
P.J.
Archambault
Dictionnaires
de Dr. Fabre
Medicines
Dictionnaire
Vosgien
Geographique
001
152
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
Dictionnaire
Grec
Français
Die Martius Medaille
(in-folio)
Discurso
Historico
Pronunciado no dia 29
de Setembro de 1858
por
occasião
de
solemnisar-se a posse
dos GGR. Officiaes
Dignitarios
que
compõem o Grande
oriente do Brasil
(in-folio)
Discurso Recitado na
Sessão d’Assembleia
Geral da Sociedade
Agricultura,
Commercio e Industria
da Bahia, no dia 31 de
janeiro de 1736 (infolio)
Discurso contra a
liberdade de Imprensa
no Brasil, feito perante
o jury da Côrte
(in-folio)
Discurso Dito
C. Alexandre
Obra
Referência
de 001
001
Dr. A.J. de Mello
Moraes
Discurso
003
M. Calmon du
Pin e Almeida
Discurso
001
Dr. Carlos A.
Busch Varella
A.Fernandes da
Costa
Discurso Recitado por R.M. Azamar
ocasião da posse das
GG. Dignidades e
officiaes
d’Administração
d
Sapient Grande Loja
Central, em 14 de
junho de 1865 er. vul.
(in-folio)
Discurso Maçonico
(in-folio)
Discursos Sagrados
Conego Joaquim
(in-folio)
do
Monte
Carmello
Dissertação a favor da Marques
de
Monarchia
Penalva
Doctrine
Hahneman
Homoeopatique
Doctrine Sociale
J.B. Bonnin
Doctrine Médicale
Sepelletier
008
Discurso
001
Discurso
001
Discurso
Maçonaria
001
Discurso
001
Monarquia
001
Homeopatia
001
Sociologia
001
001
Medicina
91
92
Doutrina
Social, Dr. A.J. de Mello
extrahida de vários Moraes
Auctores
(in-folio)
Documentos Officiaes CUNHA,
Obra
de 001
153
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
103
104
105
106
107
108
109
110
Relativos á Exposição
Nacional de 1861 (infolio)
Documentos Relativos
a La pacificaccion de
la Republica
(idem)
Documentos Officiales
Justificativos contra las
accusaciones de las
Camaras Brasileiras
(in-folio)
Doze
proposições
sobre a legitimidade
Religiosa da vedadeira
Tolerancia dos Cultos
(in-folio)
Del Eltrecité et tu
Magnetisme
Elementos de Historia
Antonio
Luiz
Fernandes
(Org.).
v.02
005
História
001
Política
Ephraim
001
Religião
Becquerel
P. de S CastelloBranco.
Elementos
de Dr. A. J. de
Literatura
Mello Moraes
Elementos
de J.Bodin
agriculturé ou Leçons
d’Agriculture
Appliquées
au
Departement d’elle et
Vilaine
Elements
de
La P. Lepage
Science Du Droit
(truncada)
Elementos
de Perreau
Legislacion Natural
Elogio do Dr. A.R. J.M. da Costa e
Ferreira
Sá
Elucidário das palavras Fr. J.Santa Rosa
etc
de Viterbo
Encyclopédie
M. Le Chevallier
de La Marck
Eneida de Virgílio A.J. de L.Leitão
(truncada)
L’Eneide
Clemente Bondi
Ennumeratio
Phantarum
(truncada)
Ensaios
sobre
a
eletricidade dos Corpos
Ensaio Politico sobre
la Nueva Espana
Ensaio
sobre
a
Regeneração das Raças
Cavallares do Imperio
do Brasil
Referência
Engenharia
001
História
001
001
Literatura
001
Agricultura
001
Direito
Direito
Obra
Referência
Obra
Referência
Ficção
Ficção
C.S. Kunth
Nollet
A.de Humboldt
001
v.02
001
de 001
de 001
v.03
001
v.02
001
v.02
001
001
Ciência
Política
Burlamaqui
Zootecnia
001
v.05
001
154
111
112
113
114
115
116
117
118
119
Ensaio critico sobre a
viagem do Brasil em
1852 de Carlos B.
Mansfield
(in-folio, truncada)
Epithome
Historiae
Sacrae
Estatistica Eclesiastica
Estatutos do Instituto
Historico da Bahia
(in-folio)
Estatutos da Sociedade
propagadora
das
Bellas-Artes do Rio de
Janeiro (in-flio)
Estatutos da sociedade
Caridade de S. João
Evangelista da cidade
da Parahyba do Norte
(in-folio)
Estatutos
e
Regulamentos Geraes
da ordem Maçônica de
Portugal
(idem)
Exame de Bombeiros
Examen de quelques
pomts de l’Histoire
geographique du Bresil
(in-fólio)
A.D. de Pascual
(Adadus Calpe)
Relato
viagem
de 001
Lhomond
001
Estatística
001
001
Legislação
001
Legislação
J.F.Pinto Alpoim
Legislação
001
v.02
Maçonaria
001
Conhecimentos
Gerais
001
001
Geografia
Brasil
do
