Irailde Correia de Souza Oliveira

Título da dissertação: “Inovação e mudança na educação escolar: ciclos de formação na escola de ensino fundamental – um estudo de caso”

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                    IRAILDE CORREIA DE SOUZA OLIVEIRA

INOVAÇÃO E MUDANÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: CICLOS DE
FORMAÇÃO NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL –
UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação
Brasileira como requisito parcial para
obtenção do grau de mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Maceió, setembro de 2004.

2

DEDICATÓRIA

Aos meus pais
JOÃO (in memoriam) e LUZINETE,
com quem aprendi
o sentido da perseverança,
da ousadia na superação de limites.
Aos meus filhos Felipe e Laís,
com quem vivencio
o sentido da partilha e da solidariedade.
Aos educadores e educadoras
que ousam inovar suas práticas, visando
assegurar a todos os educandos e educandas
o direito de aprender e se desenvolver.

3

AGRADECIMENTOS

À professora e orientadora
Maria Antonieta, pela competência e
rigor profissionais, em especial, pela disponibilidade,
compreensão e respeito aos meus tempos e ritmos.
Aos meus irmãos Gonçalves, José, Messias
e familiares, pelo carinho e paciência com que souberam
compreender as minhas ausências no convívio familiar,
especialmente à minha irmã Irenilda, pelo incentivo
e apoio irrestrito para realização deste trabalho.
Aos professores e professoras do Mestrado
em Educação Brasileira, pela riqueza dos debates, das experiências,
do conhecimento socializado e construído coletivamente
e pela sensibilidade e compreensão nos momentos difíceis
de minha caminhada para esta produção.
Aos meus colegas de turma do Mestrado em Educação Brasileira,
com quem compartilhei reflexões, experiências e ansiedades,
em especial, Elza e Abdizia, pela cumplicidade e solidariedade.
Aos funcionários do Curso de Mestrado em Educação Brasileira,
pela cordialidade com que sempre me atenderam, em especial,
a Jadilza, pela sua atenção, amizade e solidariedade.
Aos professores do CEDU, especialmente, as colegas do APE, que,
direta ou indiretamente me incentivaram nesta caminhada.
Aos professores e professoras, estudantes, diretoras,
coordenadoras pedagógicas, funcionários,
pais e mães da escola campo de estudo,
sem os quais este trabalho não seria possível.

4

RESUMO

Este estudo focaliza a inovação e mudança em educação, especificamente a
escola fundamental estruturada por ciclos de formação, tendo como campo de
investigação a experiência da primeira escola da rede pública estadual de Alagoas a
implantar essa estruturação. Investiga como os ciclos de formação podem ser uma
opção para inovar e mudar a escola, no sentido de transformar idéias e práticas no
cotidiano escolar, através dos significados que os sujeitos envolvidos constroem.
Evidencia as inovações e mudanças educativas situadas no contexto sociohistórico,
como substrato para análise do objeto, ressaltando a educação como direito e o
conceito de qualidade como eixo para mudar as escolas. Discute conceitos e
concepções teóricas que fundamentam os ciclos de formação, a amplitude das
mudanças e possibilidades de ruptura com o instituído. O estudo realiza-se à luz da
pesquisa qualitativa interpretativa, tomando como estratégia metodológica de
produção do conhecimento o estudo de caso. A análise do processo investigado
apóia-se na perspectiva teórica da pedagogia crítica. A base teórica e o caminho
escolhido possibilitaram desvelar, em meio às contradições, as mudanças ocorridas
e em processo, as limitações teórico-práticas e possibilidades de superação que
configuram diferenciadas condições objetivas e subjetivas dos sujeitos no cotidiano
escolar. Os impasses que se destacam estão associados a uma transição de cultura
escolar e envolvem tempos profissionais, formação docente continuada, recursos
humanos e política pública de apoio. Os êxitos, limites e possibilidades do projeto
escolar por ciclos de formação, em construção, apontam contradições do processo
dentro da conjuntura educacional alagoana e brasileira de exclusão e indicam
caminhos para sua superação.
Palavras-chave: mudança, ciclo de formação, qualidade, democratização.

5

ABSTRACT

The following study focus the innovation and change in education, specifically,
the structured elementary school by training cycles, having the public state schools
as the first school experience in an investigation field, to implant this structure.
Inquires how can the training cycles be an option to break new ground and change
school, by the meaning of changing ideas and the daily school practices, through the
meanings the involved customers build. It makes the educational innovations and
changes situated in a historical social context, as an analysis of the object, detaching
the education as a right and the quality concept as a way to change schools. Discuss
concepts and theoretical conceptions substantiate the training cycles, the changes
comprehensiveness and possibilities of severance with the established. The study
accomplishes to the interpreted qualitative research, taking as a methodological
strategy of the knowledge production, the study of cases. The investigated process
analysis supports the theoretic perspective of the pedagogy appreciation. The theory
basis and the chosen way enabled to emerge, among all the contradictions, the
occurred changes and in process, the theory-practical limitations and possibilities of
exceeding, that configure differentiated objective and subjective conditions of the
subjects in the daily school system. The highlighted doubts are related to cultural
school transitions and involve professional timings, continued teaching training,
human resources and public political support. The results, confines and possibilities
of the school for the training cycles’ project, under construction, point to
contradictions to the project in the Alagoas and Brazilian exclusion educational
juncture and indicate ways for its improvement.

Keyword: change, training cycle, quality, democratization.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................08
CAPITULO 1 – EDUCAÇÃO ESCOLAR: INOVAÇÃO E MUDANÇA
EDUCATIVAS....................................................................................21
1. 1. Compreendendo o sentido dos termos..............................................................23
1. 2. Mudanças no mundo e mudanças na educação................................................25
1. 3. A qualidade do direito de aprender....................................................................31
1. 4. Como mudar a escola........................................................................................37
CAPITULO 2 – CICLOS DE FORMAÇÃO: O SENTIDO DA MUDANÇA
ESCOLAR.........................................................................................46
2. 1. Raízes dos ciclos................................................................................................51
2. 2. Os ciclos escolares no Brasil..............................................................................52
2. 3. Propostas atuais dos ciclos................................................................................60
2. 4. Os ciclos em Alagoas.........................................................................................63
2. 5. A propósito das experiências de ciclos..............................................................66
CAPITULO 3 – UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL ESTRUTURADA
POR CICLOS DE FORMAÇÃO EM ALAGOAS: O CONCEBIDO
E O CONSTRUÍDO NO COTIDIANO ESCOLAR.............................73
3. 1. Escola e contexto ..............................................................................................75
3.1.1. O espaço escolar..............................................................................................78
3.1.2 . Os sujeitos.......................................................................................................81
3. 2. História e Processo de inovação........................................................................83
3. 3. O projeto escolar: as concepções construídas..................................................87
3. 4. As mudanças organizacionais............................................................................90
3.5. Mudanças curriculares e organização do conhecimento....................................94
3.6. Mudanças na avaliação da aprendizagem..........................................................99
3.7. Luzes e Sombras...............................................................................................105
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS.......................................................................110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................115
ANEXOS...................................................................................................................121

7

Daquilo que eu sei,
Nem tudo me foi permitido,
Nem tudo me deu certeza.
Daquilo que eu sei,
Nem tudo foi proibido,
Nem tudo me foi possível,
Nem tudo foi concebido.
Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei.
Ah! eu usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo.
Ivan Lins

8

INTRODUÇÃO

As preocupações que me levaram ao estudo da Inovação e Mudança na
Educação Escolar e, mais especificamente, dos Ciclos de Formação, bem como a
formular algumas questões que demarcam a investigação, especificamente sobre
como os ciclos de formação podem inovar e mudar a escola de Ensino
Fundamental no cotidiano escolar através dos sujeitos envolvidos são decorrentes
de situações vividas ao longo dos anos de vida profissional, especialmente na
educação pública.
Durante mais de duas décadas, como professora e orientadora educacional
da escola pública estadual, e enquanto docente do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Alagoas desde 1991, acompanhando estágio em
Coordenação Pedagógica de estudantes pedagogos/as em algumas escolas de
Ensino Fundamental das redes estadual e municipal, convivi (ainda convivo) com o
fenômeno da “produção do fracasso escolar”. Nesse período, a escola básica foi,
progressivamente, se expandindo. Mas enquanto se ampliava o acesso de alunos à
escola, também se tornava “natural” o crescente número de crianças que não
conseguiam aprender, sendo freqüente encontrar turmas inteiras de 3ª e 4ª séries do
ensino fundamental ainda não alfabetizadas, que apresentavam um percurso cheio
de retenções, interrupções, sem a garantia de uma aprendizagem sólida, relevante e
significativa. Observei que muitas crianças, por não conseguirem aprender,
consideravam-se incapazes ou eram assim convencidas e, associada às precárias
condições de vida, abandonavam a escola, engrossando a legião de analfabetos.
Além disso, era evidente um distanciamento entre o discurso teórico esclarecido,
crítico e transformador de inúmeros colegas professores, na defesa de uma escola
pública com qualidade social e a prática profissional conservadora, reforçando o
autoritarismo, a seletividade e a exclusão.
Por outro lado, foi possível verificar que diversas iniciativas reformistas que
chegavam às escolas em forma de projetos, pensados e financiados pelo Ministério
da Educação e Cultura intentando modificar esse quadro de seletividade e exclusão,

9

foram adotadas por vários governos estaduais, sem sucesso. Vivenciei alguns deles 1
e, mesmo sem muita clareza, percebia que criavam um movimento para quase nada
mudar, pois seguiam a mesma lógica da ideologia do mérito e da crença nas
capacidades individuais, que, além de não assegurar aos alunos a aprendizagem,
também os responsabilizava pelo seu êxito ou fracasso.
Essa realidade e meu compromisso com a educação escolar, principalmente
das camadas populares, sempre me desafiaram a transformar “dificuldades em
possibilidades” e, portanto, a buscar um arcabouço teórico-prático que possibilitasse
a construção de uma escola democrática capaz de assegurar o desenvolvimento e a
aprendizagem de todos os educandos e educandas.
Foi a partir dos estudos de pós-graduação lato senso2, ao conhecer e
analisar propostas de reestruturação escolar e de reorientação curricular que
estavam sendo desenvolvidas em redes escolares públicas, como a do município de
São Paulo e especialmente a de Belo Horizonte – Escola Plural –, que organiza a
escola sob lógica do desenvolvimento humano, com possibilidades de mudanças
efetivas, que passei a investir, de forma mais rigorosa, em estudos nessa direção.
Com a implantação de Ciclos de Formação na rede estadual de ensino de
Alagoas, tendo participado de sua concepção e posteriormente acompanhando este
trabalho com que, entre limites e possibilidades, os agentes educativos da escola
tentam concretamente mudar a escola.
Assim, a idéia de realizar estudo sobre a Escola de Ensino Fundamental
organizada por Ciclos de Formação, a partir de uma prática concreta, foi se
corporificando nas discussões desenvolvidas durante a realização dos créditos do
Mestrado, acrescidas da sistematização da literatura atual, basicamente a que trata
da escola e seu processo de inovação e de mudança educativa na sociedade
brasileira.
Os estudos mostravam-me a importância da centralidade da escola como
objeto de investigação de educadoras e educadores brasileiros e de outras
nacionalidades, sob os mais diversos enfoques. Privilegiei a leitura daqueles que a
colocam como eixo e motor da inovação na perspectiva da mudança social,
1

Projeto ALFA, destinado às primeiras séries do 1º Grau (hoje ensino fundamental) e Projeto para
organização de “Currículos Plenos”.
2
Estudos realizados em 1993-94 na PUC de Belo Horizonte.

10

especialmente os que se referem ao movimento de renovação da escola e de
reorientação curricular em desenvolvimento nas últimas décadas, na perspectiva da
melhoria da qualidade da educação escolar.
Como se sabe, as organizações escolares, em todo mundo, têm sido
questionadas e desafiadas pelas necessidades e reivindicações de suas respectivas
sociedades, marcadas pelo fluxo de mudanças econômicas, políticas, sociais e
culturais profundas e rápidas, em que o conhecimento é, hoje, o bem mais
disputado.
As ações governamentais e educacionais desenvolvidas na generalidade
dos países, independentemente de seu regime político e de seu grau de
desenvolvimento, que levaram à expansão massiva de vagas para acesso à
educação, não atingiram as intenções manifestas de assegurar educação básica
com qualidade a todas as crianças em idade escolar. Por isso, os governos
introduzem reformas educativas, elaboram novas leis e diretrizes presididas por
diferentes concepções, umas numa perspectiva utilitarista, de mercado, e outras
numa perspectiva crítico-libertadora, voltadas para a emancipação.
Em meio a tais reformas, a organização da educação escolar básica por
ciclos emerge em diversos países da Europa e da América Latina, evidentemente,
com algumas diferenciações. No Brasil, a partir do final dos anos 1980, os Ciclos de
Formação são introduzidos como proposta inovadora de reforma educativa de
natureza progressista, assumida por governos comprometidos com as causas
democráticas populares, com significativa disseminação na década seguinte, tendo
como referência o desenvolvimento humano e autonomia escolar.
Essa proposta parte de uma crítica ao modelo educacional vigente no país,
identificado com os pressupostos neoliberais, profundamente seletivo e excludente,
reforçador

das

desigualdades

sociais,

conforme

apontam

os

indicadores

educacionais do país, do Nordeste e de Alagoas, e se propõe a ressignificar a
educação básica, particularmente o ensino fundamental, em direção à construção de
uma escola de qualidade para todos.
Nesse sentido, a Secretaria Executiva da Educação de Alagoas – SEE,
diante das necessidades educacionais dos educandos que freqüentam sua rede de
escolas, da má qualidade do ensino por ela ofertado e do compromisso com a

11

construção de uma escola cidadã3, implanta múltiplas inovações, na tentativa de
melhoria e aperfeiçoamento da educação escolar. Em 2001, inicia a implantação dos
Ciclos de Formação, tendo como eixo o desenvolvimento humano.
Parece importante esclarecer, resumidamente, as diretrizes da proposta
para esta nova organização do trabalho pedagógico. Assume uma concepção de
conhecimento enquanto processo de construção e reconstrução e, portanto, em
ressignificação constante, a partir das experiências e vivências dos sujeitos.
Apresenta-se como uma alternativa à fragmentação do ensino seriado, ao currículo
disciplinar, aos tempos e espaços escolares fixos, à avaliação como exame.
É um projeto que objetiva transformar a escola nos seus eixos
administrativo, pedagógico e relacional, em função do desenvolvimento e da
aprendizagem de todos os alunos. Também busca efetivar a gestão democrática,
criando e fortalecendo os espaços de participação popular, quer nas suas instâncias
representativas, quer nas relações interpessoais e profissionais, no interior da escola
e com a comunidade externa; construir o currículo, partindo da realidade dos
educandos e da comunidade em que vivem e implantar uma avaliação diagnóstica,
formativa e emancipatória, com o avanço continuado dos alunos (cf. SEE, 2002).
O Ciclo de Formação, como bem define Lima (2002), é uma proposta de
estruturação da escola, enquanto espaço de formação e de aprendizagem, orientada
por uma concepção de formação humana integral em que a constituição dos sujeitos
é a preocupação inicial e, a partir daí, as aprendizagens serão definidas em função
deste objetivo mais amplo.
As experiências em curso em vários municípios e estados brasileiros têm
angariado aplausos e críticas, o que me desafia a buscar compreender o que ocorre,
que práticas vêm sendo desenvolvidas e o que sinalizam os estudos relativos ao
tema.
Estudos como os de Cunha (2003) e Oliveira (2002)4, sobre Ciclos de
Formação na Escola de Ensino Fundamental, destacam a positividade da inovação
proposta e afirmam: vem ocorrendo um movimento de melhoria, ainda que
lentamente, pois para efetivar mudanças é preciso mudar modos tradicionais de
3

A construção de uma escola cidadã era compromisso de Governo, que eleito por uma coligação de
centro-esquerda, se propunha reconstruir o estado e ampliar o espaço democrático.
4
São estudos que têm como campo de pesquisa a escola Cabana, do município de Belém do Pará.

12

pensar, confirmando a idéia de que “mudar a prática educativa implica alterar
concepções enraizadas” (VASCONCELLOS, 2002, p. 15), requerendo um tempo de
(re) qualificação que ajude na sua superação.
Por outro lado, Almeida (1999) e outros estudos apontados por Lima (2003) 5
também tecem severas críticas aos ciclos escolares, especialmente no que se refere
à progressão dos alunos que, na prática, continua excluindo. Entretanto, nenhum
deles discorda da proposta em si, dos pressupostos, mas das formas de implantação
e das condições de sua efetivação, que, por não serem observadas e praticadas,
contrariam os próprios princípios que delimitam a inovação. Em muitos casos, os
ciclos foram impostos, implantados por decreto, provocando reações de resistências.
No caso em estudo, a equipe da escola inicialmente foi composta por
profissionais que desejavam vivenciar a experiência e a comunidade informada
como seria a proposta da escola. Entretanto, observa-se que mesmo sendo um
desejo e um compromisso dos professores e funcionários envolvidos com um projeto
organizado sob outra lógica, eles agem e reagem de maneira diferente. Do lado das
famílias, alguns pais e alunos acham que o ensino é fraco porque não tem livro, nem
prova e porque todos os alunos passam, segundo eles, mesmo sem saber; outros
têm percebido que seus filhos aprenderam em pouco tempo o que não conseguiram
em vários anos freqüentando a escola.
Os professores habituados ao uso do livro didático e ao conhecimento
preestabelecido, agora são desafiados a construir o currículo e a avaliação sob outra
lógica, o que põe em xeque a própria formação, suas crenças e seus valores.
Diante desse quadro, algumas questões instigam a investigação: O que está
acontecendo no cotidiano da escola e como vem assumindo este desafio? Que
práticas educativas vêm incorporando os princípios basilares da proposta políticopedagógica? O que significam essas ações para os que dela participam? Que
elementos facilitam ou dificultam a construção do projeto? Como os professores e
demais sujeitos agem e reagem em relação à proposta? Em meio a essas
indagações, busco saber: como os ciclos de formação podem ser uma opção
para inovar e mudar a escola fundamental no cotidiano escolar?

5

Estes teóricos analisam as mudanças em curso na rede estadual pública do estado de São Paulo.

13

O objetivo deste estudo é, pois, investigar como os Ciclos de Formação
podem inovar e mudar a escola de Ensino Fundamental, através dos significados
que os sujeitos envolvidos constroem e que processo de mudança vai se
constituindo em razão dessas representações, com seus ajustes e suas
readaptações. Enfim, visa identificar a cultura que vai sendo (re) construída, no
sentido de instituir uma escola democrática que assegure a todos o direito de
aprender, com qualidade social.
Tomo como pressuposto que os ciclos de formação são uma inovação e
uma mudança na educação escolar, porque, por sua natureza, implicam algumas
especificidades. Ao serem introduzidos, já trazem em si a reformulação do conceito
de ensinar e aprender e do conceito de conhecimento associado à noção de que
este é um direito e, portanto, todo indivíduo deve ter acesso a ele. Isto requer
reconstruir a escola sob outra lógica, no plano administrativo, pedagógico e
relacional. Contudo, os ciclos de formação, como toda proposta de mudança
educativa que transforme idéias e práticas escolares, dependem em boa medida dos
que dela participam. Portanto, a implementação e consolidação dessa inovação terá
mais probabilidade de êxito se os sujeitos envolvidos, principalmente os professores,
acreditarem e se comprometerem, coletivamente, com o projeto, e se eles estiverem
convencidos de sua necessidade, ainda que desconheçam seus caminhos. Ao
pensar assim, não estou eximindo ou diminuindo o nível de responsabilidade das
outras instâncias educacionais, que devem apoiar, assessorar e propiciar condições
para que a transformação da educação e da escola ocorra.
Da mesma forma, compreendo que sendo a ação educativa escolar uma
construção social, ela é condicionada pela ideologia, por relações de poder, por
contextos socioculturais, pelas conjunturas econômicas e políticas e, também, pelo
grau de envolvimento das diversas instâncias educativas.
Nesse universo de questões, este estudo volta-se para a relação inovação
educacional/educação escolar/ciclos de formação/escola e sua relevância se
expressa:
em contribuir com algumas referências significativas para os que pretendem
aprofundar o tema, como também para aqueles que se preocupam em transformar a
escola pública em uma escola de direito, de inclusão e de aprendizagem para todos;

14

pela necessidade de um olhar externo, principalmente quando se trata de
uma mudança que afeta a todos, que permita ajudar a escola a refletir sobre o
sentido e os resultados dos processos e, quando se fizer necessário, que os próprios
envolvidos realizem as mudanças derivadas dessa reflexão;
e, também, pela importância em penetrar e desvendar a realidade vivida
por sujeitos que ousam romper com as “permanências” que têm sido sempre mais
significativas e marcantes do que as “rupturas” na sociedade e na educação escolar
alagoana, como bem diz Verçosa (1996, p.202), e de compreender como, a partir de
seus valores, crenças, conceitos e práticas, vão (re)construindo a escola possível.
Neste sentido, esta investigação, ao buscar conhecer como os Ciclos de
Formação pode inovar e mudar as idéias e práticas no cotidiano escolar, a partir das
representações dos que dela participam, requereu a definição de um caminho
teórico-metodológico que permitisse captar a complexidade do fenômeno, o sentido
e o significado que os sujeitos lhe atribuem.
O caminho trilhado toma com referência a escola – unidade e eixo da
inovação

em sua complexidade, pluralidade e globalidade, o que implica dizer que

uma análise consistente sobre a escola e o processo educacional que nela se
efetiva deve ser compreendido inserido no universo social, político, econômico e
cultural que a envolve.
Trata-se, no campo da investigação educacional, de uma meso-abordagem6
que se esforça na construção de uma pedagogia centrada na escola. Desse modo,
valoriza-se a escola como organização, o que implica construir uma nova teoria
curricular e entender a instituição escolar como lugar dotado de uma autonomia
relativa, como espaço de formação e de autoformação participada; como centro de
investigação e experimentação, como “locus” de manifestação da contradição, do
complexo e da diversidade cultural; enfim, como núcleo de interação social e de
intervenção coletiva. Concordo com Nóvoa (1995, p.20), quando considera que a
análise centrada na escola não é uma necessidade apenas política ou ideológica,
técnica ou administrativa, mas, sobretudo, científica e pedagógica, por ser “no

6

Essa denominação é enfocada por Nóvoa (1995), que apresenta 3 tipos de investigação adotados
na pesquisa educacional: a macro-abordagem, a micro-abordagem e, a mais recentemente, a mesoabordagem.

15

âmbito do espaço escolar que todos os outros níveis de análise e intervenção devem
ser equacionados”.
Tendo em vista a natureza do próprio objeto, a investigação realiza-se à luz
de uma abordagem qualitativa, segundo o enfoque interpretativo. Se a educação
escolar é uma atividade complexa, construída socialmente, recriada e interpretada
pelos homens para se compreender a complexidade real do fenômeno social, no
dizer de Gómez (1998, p. 103), é “imprescindível chegar aos significados“.
Hernández (2000, p. 41) diz que, de acordo com o enfoque interpretativo, os
seres

humanos

“criam interpretações

significativas

dos

objetos

físicos

e

comportamentais que os rodeiam em seu meio” e, elaboradas tais interpretações,
consideram-nas como se fossem reais.
Para este autor, a abordagem interpretativa ainda é uma perspectiva pouco
considerada na pesquisa social e educacional, entretanto, revela-se bastante
promissora no estudo das inovações educativas, pois é conveniente utilizá-la
quando se quer conhecer:
a) A estrutura específica dos fatos, mais do que seu caráter geral e sua
distribuição global, ou seja, o que está acontecendo em um lugar mais
do que em um certo número de lugares.
b) A perspectiva de significado de alguns atores concretos em alguns
acontecimentos específicos.
c) A fixação de pontos de contraste de fatos naturais que possam ser
observados como se fossem experimentos naturais.
d) A identificação de vínculos causais específicos (2000, p. 42).

Por outro lado, a pesquisa interpretativa é útil quando as questões a serem
investigadas são do tipo “como” e “por que”, ou seja, quando busca os significados.
Assim, sob esse enfoque, utilizo como estratégia metodológica de produção do
conhecimento o estudo de caso, por possibilitar, segundo Chizzotti (1991, p. 102), a
análise de uma determinada realidade na “multiplicidade de aspectos globais,
presentes em uma dada situação”.
O estudo de caso, pelas suas características fundamentais, encerra um
grande potencial para conhecer e compreender melhor os problemas da escola, seu
papel e suas relações com a prática social, principalmente quando se busca
apreender como ciclos de formação inovam e mudam a escola fundamental, através

16

do concebido e do construído pelos sujeitos da pesquisa, no cotidiano escolar, em
direção à escola que se quer: democrática e com qualidade. Também, permite
recuperar no processo os aspectos contraditórios e as diferentes perspectivas,
presentes na situação estudada.
Para isso, diz YIN (2001, p. 106), os estudos de caso devem utilizar várias
fontes de evidências. Nesse sentido, esta investigação se deu por múltiplas vias:
análise de documentos da escola e das orientações da SEE; depoimentos e
entrevistas semi-estruturadas com pais, alunos, funcionários, professores, direção e
coordenação; observações diretas em reuniões, jornadas escolares, laboratório de
aprendizagem, biblioteca, refeitório, secretaria, atendimento às famílias.
O trabalho de campo foi realizado em uma escola pública estadual, durante
seis meses, envolvendo todos os segmentos da comunidade escolar. Foram
realizadas 14 entrevistas individuais semi-estruturadas, sendo 9 delas com membros
do Conselho Escolar (a diretora e 2 pessoas por segmento: professores, alunos, pais
e funcionários), 1 coordenadora pedagógica e mais 4 professores, para contemplar
dois representantes de cada ciclo. Além disso, foram entrevistados, coletivamente,
dois grupos de crianças e adolescentes (1 por turno), estudantes dos ciclos de
formação, já que os alunos conselheiros eram ambos da educação de jovens e
adultos. Também foram colhidos depoimentos do presidente da associação de
moradores do Conjunto Cleto Marques Luz e da Secretária da Educação da época,
que permitiram elaborar a história da escola.
O processo metodológico se deu em fases. Entretanto, como dizem Lüdke e
André (1986, p. 23), elas “não se complementam numa seqüência linear, mas se
interpolam em vários momentos, sugerindo apenas um movimento constante no
confronto teoria-empiria”.
Na etapa inicial, denominada fase exploratória, mantive contatos com a
direção, a coordenação da escola, depois com professores, educandos e com os
membros do Conselho Escolar, estabelecendo momentos de negociação e de
diálogo para explicar o objetivo do estudo, solicitar apoio e colaboração na
realização do trabalho de campo. Ao lado disso, consultei os documentos da escola
e da SEE que expressam a proposta político-pedagógica da escola por Ciclos de
Formação.

17

A segunda fase, a da coleta sistemática dos dados. Após a seleção dos
sujeitos da pesquisa, seguiu-se o momento das entrevistas, realizadas num clima de
descontração e confiança entre pesquisador e pesquisados. As falas foram gravadas
e transcritas, registrando-se as visões dos entrevistados, os silêncios, as entonações
e peculiaridades no falar. De acordo com Chizzotti (1991, p. 84), “esta relação viva e
participante é indispensável para se apreender os vínculos entre as pessoas e os
objetos e os significados que são construídos pelos sujeitos”.
Paralelamente às entrevistas e durante todo tempo da pesquisa, estive
atenta ao que acontecia na escola, registrando no diário de campo as observações
relativas ao seu funcionamento, à prática pedagógica, às falas, gestos e expressões,
às dúvidas e questões que emergiam do trabalho escolar, além de resgatar estudos
teóricos relativos à temática.
Esse processo foi ampliado com a observação direta de jornadas escolares,
de reuniões de professores, de pais em momentos para avaliação do trabalho
realizado. Observei com discrição os diversos que-fazeres do dia-a-dia da escola.
O momento subseqüente à coleta e organização dos dados – o da análise –
foi a fase de trabalho mais sistemática e mais formal, embora a análise estivesse
presente em vários estágios da investigação. Nessa fase é quando se dá uma
aproximação ainda maior do pesquisador com o objeto de estudo, ao se debruçar
sobre o material coletado.
De posse do material obtido durante a coleta de dados, busquei penetrar na
realidade do objeto em estudo, efetuar a organização e categorização dos dados,
recortando-os e reunindo-os em unidades temáticas para sistematização das idéias
expressas nos discursos dos diferentes sujeitos.
Nesse exercício, procurei estabelecer os nexos, mediações e contradições
dos fatos do objeto em estudo, atenta às recomendações de Frigotto (1989, p. 88-9),
para a necessidade de “superar a percepção imediata, as impressões primeiras, a
análise mecânica e empirista, passando-se assim do plano pseudoconcreto ao
concreto que expressa o conhecimento da realidade”.
Assim, através de um processo dialético de reflexão, à luz do referencial
teórico sobre educação escolar/inovação e mudança educativa/ciclos de formação e
das perspectivas filosóficas assumidas, foram definidas as categorias – tópicos

18

centrais deste estudo e desenvolvidas a análise e a interpretação da realidade
pesquisada.
Na análise, procurei ir além do conteúdo manifesto nos discursos dos
pesquisados, buscando compreender como concebem a proposta e como constroem
significados. Nesse sentido, Ludke e André (1986, p.48) afirmam: “é preciso que a
análise não se restrinja ao que está explícito no material, mas procure ir mais fundo,
desvelando

mensagens

implícitas,

dimensões

contraditórias

e

temas

sistematicamente silenciados”.
Na busca da síntese do estudo, que foi se construindo nos diversos
momentos que se interrelacionam, elaborei a exposição escrita do relato do referido
Caso. O que não significa um conhecimento acabado, ou o esgotamento de todas as
questões que o tema suscita, quer pelo caráter provisório do conhecimento, quer por
compreender a produção do conhecimento como uma construção histórica, um
processo de criação que se faz e refaz sempre e, portanto, sujeito à construção de
novas sínteses.
A organização textual foi estruturada em quatro capítulos. No primeiro – A
educação escolar: inovações e mudanças educativas –, discuto as concepções
teóricas sobre inovação e mudança em educação, inseridas no contexto
sociohistórico, tendo como eixo a questão da qualidade na educação. Tomo como
ponto de partida a compreensão dos termos: reforma, inovação, melhoria e mudança
na educação.
No segundo capítulo, Ciclos de formação: o sentido da mudança escolar,
desenvolvo reflexão acerca das concepções teóricas sobre ciclos de formação, sob
o eixo do desenvolvimento humano, que busca garantir o direito de todos à
educação com qualidade social.
No terceiro – Uma escola de ensino fundamental estruturada por ciclos de
formação em Alagoas: o concebido e o construído –, apresento os resultados da
pesquisa de campo realizada em uma escola pública estadual, organizada por ciclos
de desenvolvimento humano. Tento captar a dinâmica político-pedagógica da escola
diante do desafio de implementar a proposta de Ciclos de Formação adotada pela
SEE, que propõe uma nova ação educativa escolar na busca de uma nova
qualidade.

19

Por fim, o quarto capítulo – Considerações Finais – procuro apresentar uma
visão prospectiva da questão, no confronto entre os fundamentos teóricos e os
achados da pesquisa.

20

Não haveria cultura nem história sem inovação,
sem criatividade, sem curiosidade,
sem liberdade sendo exercida
ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta.
(...) Se mudança faz parte necessária da experiência cultural,
fora da qual não somos, o que se impõe a nós
é tentar entendê-la na ou nas suas razões de ser.
Paulo Freire

21

CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO ESCOLAR: INOVAÇÃO E MUDANÇA EDUCATIVAS

A educação escolar e a escola, nas últimas três décadas, têm ocupado lugar
central no debate e na investigação educacional, nas mais diversas questões, sob
diferentes enfoques. Em todo o mundo e particularmente no Brasil questiona-se a
qualidade da educação e a formação de professores; em decorrência, emergem
movimentos no sentido de mudar a escola, tendo como foco a melhoria da qualidade
da educação. Todos defendem uma educação de qualidade. Tanto os professores
que fazem as escolas, os pesquisadores, as organizações sociais, estudantis e
sindicais, quanto o empresariado e os que decidem e formulam as políticas, querem
mudá-la.
Se, em princípio, todos desejam inovar, mudar a educação, esse desejo
reúne os mais diversos interesses, principalmente quando se trata de como mudar a
escola, a ponto de fundirem e se confundirem, nesse intento, propósitos bastante
opostos. Portanto, cabe indagar: o que, por que, para que e para quem mudar.
Ao tomar como estudo a Inovação e Mudança em Educação para
compreender como a escola de Ensino Fundamental organizada por Ciclos de
Formação vai transformando qualitativamente, ou não, sua prática pedagógica, fazse necessário demarcar algumas questões em torno das concepções de educação e
também do significado de alguns conceitos, tão em uso hoje, para identificar o
conjunto de transformações que está ocorrendo no campo educacional.
Com efeito, a educação é um fenômeno que se dá no âmbito das relações
sociais, como um processo historicamente determinado7 e, portanto, está sujeita a
limites ideológicos, epistemológicos, políticos, econômicos e culturais. Por certo, a
escola e sua prática, em função de tais limites, não pode tudo; todavia, concordando
com Freire (1993), ela pode alguma coisa.
Tal compreensão, a priori, recusa tanto o enfoque “otimista ingênuo” da
educação redentora da sociedade, supra-social, em que a escola seria dotada de
autonomia capaz de solucionar os males sociais, quanto o “pessimismo acrítico” que
7

Entretanto, essa determinação não se dá de forma unidirecional, mas na forma de ação recíproca
em que o determinado também reage sobre o determinante (Saviani, 1986).

22

concebe a educação como instrumento de dominação, com a tarefa primordial de
servir ao poder dominante e de perpetuá-lo, ou seja, a escola como reprodutora da
ideologia dominante e da desigualdade social, sem levar em conta as contradições
sociais e o papel histórico da subjetividade. Assume-se então outra perspectiva – a
transformadora – denominada “otimismo critico”, que supera a ingenuidade da
primeira tendência e o imobilismo e fatalismo da segunda 8. Sem negar a tarefa
reprodutora que tem a educação, há sempre uma outra a contradizer aquela.
Por conseguinte, compreendo a educação como uma atividade mediadora
da prática social que, atravessando o tecido social e sendo atravessada por ele,
pode contribuir para a manutenção da sociedade instituída, ou para a sua
transformação. A escola inserida na sociedade é uma via de mão dupla que pode
sim reproduzir as relações injustas, os valores dominantes e, concomitantemente,
também é capaz de funcionar como instrumento de mudanças sociais. É, portanto, a
natureza contraditória das instituições sociais que possibilita a inovação, a mudança,
a transformação das idéias e práticas.
Em suma, é este entendimento da educação como um dos instrumentos
necessários à transformação social, e tomada como desafio para colocar a
educação escolar pública de qualidade como direito de todos, a serviço das
crianças, adolescentes, jovens e adultos das camadas populares, que serve de
referência para este estudo.
Esse modo de conceber a educação exige que os professores se
posicionem, politicamente, em torno de que tipo de homem e de que formação
trabalham, a serviço de quem se colocam: dos grupos dominantes ou dos grupos
dominados, excluídos; da humanização ou da opressão dos educandos, membros
da sociedade.
Com isto, uma construção teórica sobre a escola e seu processo de
mudança requer a compreensão do universo social, político, econômico e cultural
que a envolve, hoje atravessado por tantas transformações e saturado de
informações, no qual “tecem-se as palavras e os factos, as regras e os usos, os
implícitos e os explícitos, em processo de fluidez movediça, reveladora do jogo das
forças contrastantes” (CAVACO, 1995, p. 157). Assim, não se pode esquecer que “o
8

Estas denominações dadas às tendências filosófico-políticas da educação encontro em Freire
(1993) e em Cortella (1998).

23

tecido histórico sobre o qual nos movemos, ao contrário da aparente evidência e
clareza, é opaco, reificado e fetichizado” (FRIGOTTO,1998, p. 47), sendo necessário
estar atenta aos significados dos termos e categorias que definem e redefinem o
social, o político, o cultural e, neste caso, o educacional.

1.1. COMPREENDENDO O SENTIDO DOS TERMOS

Várias referências às idéias de reforma, inovação, melhoria e mudança são
encontradas na literatura especializada e em textos oficiais. Essas idéias-termo
comportam uma diversidade de significados, sendo utilizadas com propósitos muito
diferentes e variam conforme a posição que elas ocupam. Quando se trata de
reforma no campo educacional,
abriga-se uma infinidade de iniciativas e programas. Fala-se de reformas
quando se efetua uma mudança de estrutura (de níveis e de ciclos de
ensino); quando se incorporam novos conteúdos e novas tecnologias;
quando se mudam os procedimentos na organização escolar, quando se
introduzem novas metodologias; quando se buscam mecanismos para
reduzir (ou apenas camuflar) os índices de repetência e de evasão escolar;
enfim, quando se pretende acomodar a escola às exigências do mercado.
Logo, uma reforma em si, não é sinônimo de progresso, de transformação
progressista ou mudança qualitativa (CAVALCANTE, 2002, p. 12).

Popkewitz (1997, p. 21) identifica a reforma educacional como mecanismo
estatal para alcançar o “ressurgimento econômico, a transformação cultural e a
solidariedade nacional”. Nesse sentido, define-a como parte das relações sociais de
escolarização, considerando-a

como

“ponto

estratégico no qual

ocorre a

modernização das instituições”.
Assim como a reforma, a inovação pode ser concebida de diferentes formas.
Huberman (1973, p. 15) considera o termo inovação “sedutor” porque pode significar
melhoramento e progresso, ou apenas alguma coisa de novo, e “enganoso”, vez que
também pode desviar a atenção do que é substantivo da atividade educativa – o
aprendizado – em favor, por exemplo, de artefatos tecnológicos. Para o autor, a
inovação abarca a idéia de reforma, pois tanto modificações específicas de
determinados aspectos particulares, como por exemplo, uma nova distribuição de

24

alunos numa sala de aula, quanto grandes iniciativas envolvendo o sistema como
um todo, como uma grande reforma legislativa, constituem igualmente inovações.
Carbonell (2002) faz uma distinção entre inovação e reforma, ao considerar
a magnitude da mudança. Para ele, a inovação localiza-se na escola, na sala de
aula, ou melhor, num nível mais concreto e delimitado; e reforma diz respeito à
estrutura do sistema educativo como um todo, a uma mudança em grande escala,
quase sempre movida por imperativos econômicos e sociais.
O que parece significativo considerar é que tanto inovação como reforma
carregam a idéia de modificação do que se faz ou da forma como se realiza, por já
não atender adequadamente às necessidades sociais, porém tais modificações nem
sempre implicam melhoria. Contudo, reforma e inovação educativa também podem
associar-se à mudança e à melhoria. Se assim é, torna-se necessário distinguir entre
as diversas inovações e reformas as que de fato representam uma melhoria efetiva
do ensino e da aprendizagem, pois elas só podem ser avaliadas em função dos
objetivos da escola e da educação.
Para efeito deste estudo, uma contribuição importante é a de Matos Vilar
(1993, p. 13), ao dizer que a inovação educativa e curricular difere quer da simples
modificação das variáveis, por objetivar essencialmente uma melhoria qualitativa dos
processos; quer da renovação, pois a inovação deve produzir elementos de ruptura
com os processos vigentes; quer da revolução, porque a ruptura não significa
supressão de tudo que constitui um sistema, apenas um ponto de partida para um
novo equilíbrio.
Já o termo melhoria, definido como “mudança para melhor estado ou
condição”, parece adequar-se para qualificar as transformações educacionais que
ocorrem no processo da inovação ou da reforma, apontando uma direção a ser
seguida.
Em relação à idéia de mudança educacional, Sacristán (1995, p. 77) a
entende como “uma transformação ao nível das idéias e das práticas” educativas, e
que, como diz Almeida (1999, p. 251), expressa o movimento de renovação que nas
últimas duas décadas vem ocorrendo em vários países, visando colocar a educação
“em sintonia com as demandas sociais”.

25

Estes significados e os conceitos já relacionados, particularmente o de
inovação de Matos Vilar e de mudança educacional de Sacristán, que trazem a idéia
de melhoria, ruptura e transformação, oferecem elementos para compreensão do
objeto deste estudo. Entretanto, considero importante ampliar o entendimento da
inovação e mudança na educação inserida no universo social, político, econômico e
cultural, visto que a educação e o processo de aprendizagem são afetados pelas
mudanças decorrentes da economia global, das estratégias políticas e sempre
acompanhadas de mudanças culturais.

1.2. MUDANÇAS NO MUNDO E MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO

As mudanças na educação não são fruto do acaso, elas se inserem no bojo
de um projeto de desenvolvimento que as classes sociais dominantes propõem para
a sociedade, ganhando mais visibilidade em determinados momentos históricos.
Nas últimas quatro décadas, o mundo tem sido atravessado por intensas,
profundas e aceleradas mudanças que romperam os limites espaciais e temporais,
produzindo perplexidades e incertezas. Tudo se modifica a cada dia. Os avanços
científicos, a velocidade das informações e distribuição do conhecimento põem em
questão fundamentos filosóficos e científicos de antigas verdades, modos de pensar
e fazer. Esperanças e otimismo são deslocados, gerando nas pessoas um misto de
angústia, insegurança, frustração e indignação, ou uma complacência resignada
diante do presente.
O desenvolvimento das ciências e da tecnologia tem propiciado avanços
geradores de grandes conquistas da humanidade, nunca antes imaginados, mas,
paradoxalmente, nem sempre favoráveis ao gênero humano. Constata-se que as
pessoas nunca estiveram tão próximas, podendo se comunicar umas com as outras
em qualquer parte do globo e, ao mesmo tempo, tão distantes entre si. Nunca se
produziu tanto, no entanto gerações inteiras de crianças morrem por desnutrição,
doenças curáveis, epidemias, pelas péssimas condições de vida em que vivem. No
Brasil, na América Latina e em grande parte do mundo cresce uma população cada
vez mais pobre, analfabeta e com poucas expectativas de vida.

26

Nesse sentido, Sader (1995, p.14) expressa que “a humanidade parece
caminhar para frente e para trás, quando seu progresso vai em direção oposta à
justiça social, à distribuição eqüitativa de seus bens e serviços, ao usufruto comum
de suas invenções”.
Tais mudanças resultam, no dizer de Hobsbawm (1995), do titânico
processo econômico-político e técnico-científico de desenvolvimento do capitalismo
nos últimos dois séculos. Outros estudos também indicam que estes são efeitos
combinados da crise fiscal e política do Estado keynesiano, do esgotamento do
sistema produtivo taylorista/fordista e da crise ecológica, com a inauguração de um
novo modelo econômico-político que se apóia no uso da microeletrônica, da
informática e das telecomunicações, e fortalecido pelo desmoronamento do
“socialismo real”, que facilitaram e fortaleceram o ideário neoliberal.
Por conseguinte, argumenta Gentili (1999, pp. 230-31), o neoliberalismo:
expressa uma saída política, econômica, jurídica e cultural específica para a
crise hegemônica que começa a atravessar a economia do mundo
capitalista, como produto do esgotamento do regime de acumulação
fordista, iniciado a partir do fim dos anos 60 e começo dos 70. O(s)
neoliberalismo(s) expressa(m) a necessidade de reestabelecer a hegemonia
burguesa no quadro desta nova configuração do capitalismo em sentido
global.

Assim, fortalece-se a chamada globalização, que traduz não só o histórico
processo de expansão do capitalismo 9, mas principalmente designa o avanço e o
predomínio da ideologia neoliberal, que se caracteriza pela redução do Estado, a
supremacia do mercado e destruição dos direitos sociais. É um processo assimétrico
que globaliza o grande capital, especialmente o capital financeiro especulativo;
concentra a riqueza em certas empresas e países; exclui grupos humanos e fragiliza
os Estados nacionais10. Os grandes grupos financeiros tendem a impor suas
políticas à maioria dos países do mundo, principalmente aos da periferia capitalista,
ou, como diz Camini (2001, p. 17), “a lógica empresarial se impõe à política”.

9

Uma análise da tendência intrínseca da permanente expansão do capital foi muito bem elaborada e
descrita por Karl Marx, em o Manifesto Comunista de 1848.
10
Como enfatiza Moraes (1997), o declínio do Estado-Nação é hoje um fenômeno mundial e o termo
soberania vem sendo redimensionado.

27

Nesse processo, em que predomina o ideário da “nova era do mercado”, que
se apresenta como única concepção aceitável sobre a sociedade hoje, como a
alternativa possível de sociabilidade humana e a globalização como o caminho que
conduz ao progresso e à modernidade, as forças neoliberais, apoiadas por uma
hegemonia conservadora, impõem um novo padrão de intervenção estatal que
desresponsabiliza o Estado pelas políticas sociais. Em decorrência, aumenta o fosso
entre ricos e pobres em todo o mundo (cf. CARCANHOLO, 1998).
Esse quadro é mais grave nos países periféricos, particularmente no Brasil,
uma das grandes economias do mundo que, segundo Hobsbawm (1996, p. 555), se
constitui num “monumento à negligência social”, com seu histórico modelo
concentrador de rendas, que continua apresentando profundas desigualdades
sociais. Em decorrência, uma minoria detém grande bolo da riqueza nacional e a
imensa maioria da população é relegada ao abandono e excluída de bens, serviços
e de uma vida digna.
Como se pode ver, longe de socializar a riqueza e o conhecimento, o
capitalismo globalizado tem viabilizado, especialmente nos países pobres e em
desenvolvimento, mas não só neles, a pauperização da pobreza de setores que são,
hoje, muito mais pobres do que antes. Mesmo no interior dos países desenvolvidos
cresce o contingente de pobres. Potencializa-se o caráter estruturalmente dual,
característico das sociedades competitivas: grupo de “integrados” e “excluídos”, de
“ganhadores” e “perdedores”, o que na perspectiva conservadora não é tão mau
assim, sendo até desejável e favorável à competitividade.
Ao lado disso, as mudanças tecnológicas no processo produtivo que esgotou
o modelo taylorista/fordista, possibilitaram ao modo de produção capitalista com
suas premissas de máximo benefício, investimento e competitividade, ampliar sua
capacidade produtiva e ao mesmo tempo reduzir os empregos. Com o declínio do
sistema fabril, o mundo do trabalho se reduz, suprimindo e criando novos postos de
trabalhos na produção de serviços, de informações e de imagens. Evidencia-se uma
tendência comum para o aumento relativo da ocupação de cunho informacional,
entretanto o decréscimo no nível de emprego é cada dia mais visível.
Como conseqüência, amplia-se a exclusão com um número crescente de
pessoas desempregadas em todo o mundo. O desemprego aparece hoje, no Brasil e
no mundo, como um dos principais problemas socioeconômicos. Estudos indicam

28

que a situação de desemprego é o principal fator de desagregação social, vez que
baixa a auto-estima do trabalhador e sua capacidade de inserção social. É o que
Forrester (1997, pp. 10-11) denomina de “drama das identidades precárias ou
anuladas”, pois o trabalhador desempregado sente vergonha e se crê dono falido de
seu próprio destino, a tal ponto que se considera incompatível com uma sociedade
da qual é produto natural. Assim, os trabalhadores “são levados a se considerar
indignos dela, e sobretudo responsáveis pela sua própria situação (...). Eles se
acusam daquilo de que são vítimas”.
Essa culpabilização das vítimas dá visibilidade ao princípio do mérito, tão
caro às ideologias meritocráticas e ao individualismo competitivo, que justifica e
legitima o êxito e o fracasso, a permanência ou não do indivíduo no mercado de
trabalho a depender tão-somente de sua capacidade e responsabilidade individual.
Contudo, vale considerar que a globalização em si não é um processo
negativo; sua negatividade se traduz no monopólio dos avanços científicos e do uso
das novas tecnologias pelos oligopólios que controlam a economia internacional.
Nesta nova configuração produtiva do capital, também denominada
sociedade da informação11, o conhecimento e a informação assumem papel
estratégico, transformando-se em fonte de maior produtividade e constituem-se no
bem mais disputado pelos detentores do grande capital. Comprar e adquirir
informação, distribuí-la, controlá-la e convertê-la em conhecimento é essencial no
mercado globalizado.
Se o conhecimento é tido como o recurso estratégico, o aprendizado passa
a ser o processo mais importante para aumentar a competitividade cada vez mais
desenfreada. Tal competitividade vem requerendo mudanças significativas na
natureza das organizações, nos ambientes empresariais, nos negócios e serviços,
em que agilidade, velocidade e capacidade de respostas rápidas são essenciais
para o sucesso esperado. O foco das organizações, que antes estava nos recursos
disponíveis, volta-se para os recursos humanos.
Além disso, as novas ferramentas e instrumentos tecnológicos vêm
alterando a cultura, as formas de fazer e, especialmente, as formas de pensar esse
11

Várias denominações são utilizadas para expressar esse tempo histórico: era da globalização, era
do conhecimento, sociedade do conhecimento, sociedade em rede, sociedade da comunicação,
sociedade pós-moderna, entre outras.

29

fazer. Alteram-se representações, os modos de conhecer, de saber e de regular a
sociedade.
Por outro lado, o avanço da ciência tem modificado a concepção do mundonatureza, agora dominada por novos conceitos, como o de indeterminação e
relatividade, que levam à celebração da criatividade e da autonomia, ao estudo de
novos problemas e ao reequacionamento de velhas questões.
Neste cenário, o papel do conhecimento na organização social e econômica
atual tende a redefinir a centralidade da instituição escolar. Portanto, são várias as
razões para a educação escolar ser hoje tão questionada por todos, vez que sempre
que ocorrem mudanças significativas nas bases sociais e tecnológicas da sociedade,
novas atribuições passam a ser exigidas à escola. Em decorrência, também a sua
função social tende a ser revista e seus limites e possibilidades questionados.
Em face dessas tensões atuais, Alves (2000) identifica três movimentos
diferenciados que questionam a realidade da escola e a forma fragmentária de
construir conhecimentos, em todos os níveis.
O primeiro é o que vem se processando no mundo do trabalho (desde as
indústrias de ponta à terceirização), que produz lugares novos de trabalho (porém
em número cada vez menor), que inverte a direção taylorista-fordista-keynesiana,
assumindo relações mais fluidas, horizontais, criativas e coletivas. Em relação à
escola, esse movimento põe em xeque o papel central que é dado às disciplinas
tradicionais, originárias das ciências do século XIX, vez que o saber, hoje fonte de
lucro e de poder, pressupõe extrapolar os muros disciplinares.
O segundo relaciona-se aos processos desenvolvidos pelas e nas ciências
de ponta (informática, comunicação) e pelos novos campos do conhecimento, não
mais disciplinares (como o da engenharia genética), que apontam e impõem uma
nova forma de pensar e de construir conhecimentos: a rede. Esta substitui a idéia de
um caminho único, linear, hierarquizado na construção do conhecimento, pela idéia
de que não há ordem nessa criação, o que existe são múltiplas conexões e
interpretações, assim como diversos caminhos possíveis, expressos na idéia de rede
que se inscreve em um valor diferente: o da prática social.
Para a escola, coloca-se a necessidade de posicionamento ético e político
em relação ao caminho a seguir: se ela se coloca a serviço do mercado, de acordo

30

com o que o mundo do trabalho apresenta para ela, em que poucos serão
chamados, ou se constitui em espaço inclusivo, democrático, de direito para todos.
O terceiro dos movimentos articula-se com o crescente reconhecimento da
contribuição que a modernidade trouxe ao mundo, na criação da ciência e,
principalmente, ao realçar a importância da subjetividade, não só como categoria,
mas sobretudo enquanto realidade social. Subjetividade que se expressa em
criações de sujeitos individuais e coletivos. Desse modo,
ações individuais e coletivas, expressões / criações individuais e coletivas,
vão colocando no centro das discussões de processos teóricos e de ações
concretas, o tempo e o espaço cotidiano de viver, indicando a necessidade
de respostas concretas aos problemas concretos, históricos, que os homens
se levantam e têm que resolver (ALVES, 2000, p. 117).

Todos esses movimentos apontam a necessidade de se efetuar uma crítica
reflexiva à educação escolar e à escola, com o objetivo de colocá-las em condições
de responder aos desafios deste tempo paradoxal, o que exige decisões políticas de
governos, organizações sociais e sindicais, sociedade civil em geral, educadores e
educadoras

em

particular,

especialmente

aqueles

comprometidos

com

a

educação/formação dos filhos das camadas populares.
Portanto, não basta universalizar o acesso à escola, é preciso garantir a
todos o acesso à cultura, ao saber sistematizado, de qualidade, que a escola vigente
não tem conseguido. Entretanto, que qualidade se quer? Que concepções entram
em cena no sentido de mudar as escolas e como mudá-las?

Para melhor

compreender essas questões, é preciso considerar o que argumenta Frigotto (1995,
p. 25):
A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações
sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações,
apresenta-se historicamente como um campo de disputa hegemônica. Esta
disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos
processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas
diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe.

31

1.3. A QUALIDADE DO DIREITO DE APRENDER: EIXO DA MUDANÇA

Transformar a educação escolar em instrumento do qual todas e todos os
estudantes possam se apropriar não é simples.
A educação como direito universal do homem e da mulher, integrante do
projeto iluminista há mais de dois séculos passados, ainda é uma utopia a ser
alcançada12, embora tenha se ampliado em todo o mundo. Nos países
desenvolvidos, a universalização da escolaridade básica aparentemente foi
cumprida, constituindo-se ainda um desafio para aqueles que não alcançaram tal
objetivo, como é o caso do Brasil.
O Estatuto de Criança e do Adolescente reafirma no seu capítulo IV o
dispositivo constitucional do direito ao acesso, à qualidade e a eqüidade no ensino
fundamental. Em relação a essa necessidade de reafirmar tal princípio, Chauí (apud
Fávero et al, 2001, p. 12) diz que:
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não
é um fato óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos
e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que tais direitos devam
ser reconhecidos por todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no
social e no político, afirma a sua origem social e política e se apresenta
como objeto que pede o

reconhecimento de todos,

exigindo o

consentimento social e político.

Na luta por direitos, muitos destacam a importância de se ampliar a
democracia, modernizar a sociedade e suas instituições para acompanhar o
desenvolvimento social. Nesse sentido, Arroyo (2000) identifica dois aspectos
relevantes nas sociedades democráticas: o reconhecimento dos direitos humanos e
a necessidade de superação dos mecanismos de exclusão social, com os quais a
escola como instituição social tem contribuído, vitimando especialmente os filhos das
camadas populares; o outro é reconhecer a infância e a adolescência como sujeitos
de direitos.

12

O relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
- PNUD 2003 aponta a existência, em todo o mundo, de 113 milhões de crianças fora da escola
básica, especialmente nos países pobres.

32

Desse modo, cabe indagar: até que ponto a sociedade brasileira e o poder
público reconhecem crianças e adolescentes como sujeitos de direitos? E a escola,
os professores e professoras, que vêm lutando para serem reconhecidos e
respeitados como sujeitos de direitos, têm garantido o direito dos educandos de
aprender e se desenvolver, no convívio com seus pares, sem rupturas e
interrupções?
Os indicadores educacionais deste país13 apontam que a taxa de atendimento
às crianças na idade de 7 a 14 anos é bastante promissora, apresentando um
percentual de 97% de cobertura, aproximando-se da sua universalização, ainda que
esse percentual varie nas diversas regiões. No Nordeste e em Alagoas a taxa de
atendimento é inferior à média nacional, girando em torno de 95%.
Entretanto, quanto ao desempenho do sistema educacional, permanecem as
elevadas taxas de evasão, repetência e abandono, especialmente no Ensino
Fundamental brasileiro. Em outras palavras, a permanência, com êxito, ainda está
longe de ser assegurada.
Esse quadro é mais grave na realidade educacional de Alagoas 14. De acordo
com dados do último Censo Escolar, este Estado se coloca como o campeão em
analfabetismo, em evasão e repetência e, conseqüentemente, em distorção
idade/série15, além de não assegurar o acesso à escola a milhares de crianças.
Tomando como referência dados da última década, constata-se que em 1990
ingressaram na 1ª série do ensino fundamental 165.213 crianças; em 1993 estavam
freqüentando a 4ª série apenas 50.090 alunos (30,32% do total inicial), e em 2001
somente 21.016 (12,72%) jovens cursavam o 3º ano do ensino médio. Sem dúvida,
esses dados, por si só, confirmam e revelam a cruel seletividade e exclusão deste
sistema.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB, em 2001,
conferiu que cerca de 59% dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental
apresentaram desempenho crítico na leitura. Nessa perspectiva, o então Ministro da

13
14

Dados do Censo Escolar -INEP/ MEC. Disponível em: <http//www.inep.gov.br>

Fonte: INEP/MEC e CDI/SEE/AL, 2003.
A distorção idade/série ocorre não só pela repetência, mas pelo ingresso tardio das crianças na
escola, o que denuncia a existência de falta de vagas, sem esquecer que as condições materiais das
famílias também interferem nesses indicadores.
15

33

Educação Cristovam Buarque, em 2003, ao apresentar o documento Toda criança
aprendendo, expressa que:
Nas últimas décadas, criou-se, de fato, um sistema educacional de
massa, que colocou em sala de aula a quase totalidade da população em
idade escolar. Contudo, esse sistema convive com níveis inaceitáveis de
desigualdade: mais da metade das crianças com 10, 11 ou 12 anos de
idade não sabem ler direito, apesar de terem freqüentado a escola por, no
mínimo, quatro anos. Abandonados a sua própria sorte, serão brasileiros
condenados à pobreza e à exclusão social. Não há exagero algum em se
afirmar que o desafio da educação brasileira corresponde a uma segunda
abolição.

Como se pode ver, a baixa qualidade e o fraco desempenho das escolas
têm contribuído para reforçar as desigualdades sociais. Mesmo quando se fala da
quase universalização, é preciso considerar: de que escola se fala ao afirmar que o
acesso à educação está praticamente garantido a cerca de 97% das crianças de 7 a
14 anos? Que condições de funcionamento e de trabalho as escolas públicas
oferecem aos professores? E estes, como são formados e valorizados?
Segundo Sacristán (2000, p. 53), viabilizar o direito à educação em
condições de igualdade, na prática, significa dispor de “instituições em quantidade
suficiente e de qualidade aceitável para viabilizar o exercício de tal direito”. E no
dizer de Demo (1996, p. 79), “a qualidade começa pela adequação da quantidade”.
Entretanto, não basta a simples ampliação do acesso à escola, a construção
de infra-estruturas escolares, aquisição de laboratórios de informática e outros
equipamentos escolares, capacitações pontuais de professores para garantir uma
boa qualidade de educação para todos.
Mas, o que se entende por qualidade? Por ser um termo impregnado de
conotações valorativas, pode adquirir diversos significados e traduzir diferentes
perspectivas teórico-práticas que afirmam distintos valores e defendem interesses
variados e contrapostos. Trata-se de um conceito historicamente produzido e, como
a educação, ele não é neutro, reflete sempre um posicionamento político ideológico.
Na busca da qualidade, diversas propostas mundiais para a educação vêm
sendo desenvolvidas, que expressando diferentes concepções. Ao mergulhar na
história da educação brasileira, identificam-se dois movimentos que vão dando corpo

34

às propostas de qualidade na educação no país, os quais demarcam concepções
divergentes.
Pela primeira vez, a educação de qualidade como direito de todos aparece
no cenário nacional como bandeira de luta do Movimento dos Pioneiros da
Educação Nova, em 1932, a partir da crítica à escola existente: seletiva,
propedêutica e formalista. No entanto, no interior do movimento duas visões se
evidenciavam: para os liberais igualitaristas e os socialistas, uma educação de
qualidade deveria ser democrática, única, com qualidade para todos, capaz de se
contrapor aos males e desigualdades sociais provocados pelo sistema capitalista; já
para os liberais elitistas, uma educação de qualidade deveria ser formadora das
elites, redistribuindo os indivíduos na sociedade de acordo com suas “aptidões” e
“talentos”.
Porém, é no final da década de 1950 e início de 1960 que emerge um
movimento, envolvendo setores populares, pela ampliação e expansão da escola e
da cultura, contra a tradicional exclusão sociocultural dos setores populares, que
apresentava um forte componente social, político e cultural.
A luta, como diz Arroyo (1995, p. 66), não era apenas pelo acesso à escola
básica, mas também pela construção de “espaços públicos de saber, de cultura e de
vivência dos direitos sociais; espaços de igualdade na diversidade”, colocando-se
contrária à tradição privatista dominante. A idéia de público como espaço plural
democrático e de direitos indicava o sentido de qualidade na educação naquele
período.
Para desmobilizar os movimentos sociais que se rearticulavam após o golpe
militar, o governo lança as reformas educacionais dos anos 1960-1970, que, apesar
de não negarem a importância da universalização da escolarização básica,
redefinem seu sentido, bem como sua qualidade social e cultural. A idéia de público
como espaço plural e democrático e de direito social ao saber e à cultura é
abandonada. Desqualificam o projeto nascente de escola democrática.
A escolarização, segundo Arroyo (1995, p. 66), é reduzida ao “reino das
necessidades do mercado: aprender os níveis elementares de leitura, escrita, cálculo
para inserção produtiva de desenvolvimento”. As reformas instituem os currículos

35

mínimos, as grades rígidas, os saberes instrumentais, e a reprovação representa um
indicador de qualidade.
Em contraposição a essa desqualificação do direito público à educação e à
cultura, inicia-se um movimento de renovação pedagógica, no final de 1970, em
conexão com o movimento social mais amplo que lutava pela retomada dos direitos
sociais e políticos, cuja bandeira da educação de qualidade como direito de todos e
democrática é retomada. A concepção de qualidade na educação, fundamentada
numa concepção sociológica e política da educação e vinculada a uma política de
combate às desigualdades, à dominação e a todo tipo de injustiça, é recolocada na
esfera dos direitos do ser humano, de sujeito social e cultural e na integração social
dos setores populares.
Estrategicamente, no final da década de 1980 os defensores e
simpatizantes do neoliberalismo começam a desenvolver o discurso de qualidade
como contraface ao discurso da democratização, reagem aos avanços na
construção do público como espaço de igualdade e de direitos, na construção da
escola pública e democrática. O conceito qualidade no âmbito educativo foi
assumindo o conteúdo que tem no campo produtivo-empresarial, com claro sentido
mercantil, sob a denominação Qualidade Total. Essa dinâmica que Gentili (1995, p.
116) chama “duplo processo de transposição” envolve duas dimensões: uma do
deslocamento do problema da democratização para o da qualidade; e a outra, da
transferência do conteúdo da qualidade do mundo dos negócios para a educação
escolar.
Nesse sentido, a educação de qualidade é concebida numa ótica
econômica, pragmática, gerencial e administrativa. Apesar de ser uma concepção
política, apresenta-se sob uma visão meramente técnica e adota como eixo a
eficiência, produtividade e competitividade. Entretanto, compreendo, como Silva
(1996, p. 171), que esta é uma concepção “particular, interessada e politicamente
enviesada”.
Fortalecendo a idéia de Gentilli, Azevedo (1995) afirma tratar-se de um
projeto de “reconversão cultural” em que, a partir da hegemonia dos valores de
mercado, redefinem-se o sentido e o papel da escola, que ele chama mercoescola.

36

De acordo com esta concepção, a educação é uma mercadoria, um bem que
pode ser vendido, comprado ou consumido. Se é assim, o mercado garantirá a
qualidade dos serviços aos consumidores, com estímulo à competição pela
excelência dos serviços, o que requer recursos de que poder público, nesse modelo,
se desobriga. Nesses termos, a qualidade é o que distingue um bem ou um serviço
dos demais que o mercado oferece, ou seja, não significa o melhor para todos, mas
para poucos e igual ou pior para os demais. Como diz Krug (2001, p. 130), assim, “a
privatização da escola pública vai sendo construída com o isolamento da mesma,
buscando a competição por excelência, o que vai na contramão de construções de
políticas solidárias, muito necessárias para transformar a realidade de exclusão
vivida hoje”.
Apesar do senso comum instituído, que confunde e seduz a muitos, uma
outra concepção é construída no seio dos movimentos sociais, em particular, do
movimento educacional, que parte da crítica aos pressupostos da Qualidade Total e
assume compromisso com a educação de Qualidade Social. Mas que significado
tem esta qualidade, como é compreendida? Camini (2001, p.45) a entende
como a capacidade da sociedade em providenciar educação com padrões
de acesso à escola pública, recursos tecnológicos, infra-estrutura,
organização, funcionamento, gestão dos espaços e instituições públicas,
processos de ensinar e aprender, adequados aos interesses da maioria da
população.

Nesse sentido, um projeto de educação de qualidade social, segundo
Azevedo (1998, p. 3), deve ser:
transformador e libertador, onde a escola seja um laboratório de prática, de
exercício e de conquista de direitos, de cidadãos plenos, identificados com
os valores éticos, voltados à construção de um projeto social solidário que
tenha na prática da justiça, da liberdade, no respeito humano, nas relações
fraternas entre homens e mulheres e na convivência harmônica com a
natureza, o centro de suas preocupações.

Corroborando com essa perspectiva, Silva (1996) se posiciona a favor de
uma escola e um currículo efetivamente democráticos, construindo estratégias e
meios que assegurem mais “recursos materiais e mais recursos simbólicos” para os

37

educandos, especialmente aqueles que têm sua “qualidade de vida e de educação
diminuída”, por lhes ser “negada, subtraída, confiscada”.
Para Moraes (1997, p. 211), uma educação capaz de contribuir com a
correção de inúmeros desequilíbrios, injustiças e desigualdades é:
uma educação voltada para a formação integral do indivíduo, para o
desenvolvimento da sua inteligência, do seu pensamento, da sua
consciência e do seu espírito, capacitando-o para viver numa sociedade
pluralista em permanente processo de transformação. Isso implica, além
das dimensões cognitiva e instrumental, o trabalho, também, da intuição da
criatividade, da responsabilidade social, juntamente com os componentes
éticos, afetivos e espirituais.(...) Uma educação que o ajude a formular
hipóteses, construir caminhos, tomar decisões, tanto no plano individual
quanto no plano coletivo.

Ao assumir esta perspectiva de educação pública e democrática que se situa
na esfera dos direitos sociais, entendo que a escola com qualidade social se baseia
no atendimento às demandas da comunidade; às crianças e jovens como seres em
desenvolvimento, críticos, participativos e autônomos e não como consumidores; à
aprendizagem para todos com rigoroso trabalho docente e ao desenvolvimento
possível de cada um; aos projetos coletivos não fragmentados; ao ato pedagógico
como ato político e à administração escolar como ato pedagógico. Mas, como mudar
para transformar a escola existente, que caminho tomar para efetivar um projeto
político pedagógico emancipatório?

1.4. COMO MUDAR A ESCOLA

Para mudar a escola convém buscar compreender o que acontece com as
reformas e porque as mudanças têm tão pouco êxito, problematizar a escola
existente e agir estrategicamente hoje, para que o futuro possa ser o resultado de
uma escolha e não de um destino. Canário (1999), ao analisar por que as reformas
têm tão pouco sucesso, questiona e refuta a assertiva dominante de que a crise da
escola é de eficácia, porque, para ele, a crise da escola é de legitimidade e não de
eficácia. Argumenta que a base das reformas apresenta dois erros fundamentais: um
erro de diagnóstico e um erro de terapêutica.

38

No que se refere ao diagnóstico, o autor discute que a crise da escola tem
sido interpretada como conseqüência da expansão quantitativa e que não foi
acompanhada de necessárias mudanças qualitativas. Daí, os problemas da escola
seriam decorrentes de seu caráter parcialmente obsoleto e de suas disfunções
internas, ou seja, os problemas seriam de natureza técnica e assim poderia ser
melhorada através de uma intervenção centrada em aspectos técnicos (didáticos e
curriculares), nos limites internos do sistema, para torná-lo mais eficiente.
Sem subestimar a vertente técnica, Canário argumenta que a crise da
escola é de legitimidade, decorrente da defasagem entre a instituição escolar e a
diversidade de expectativas e lógicas de ação da comunidade escolar, cada vez
mais diferenciadas.
Vários fatores, conjugados, contribuem para pôr em causa a credibilidade e
legitimidade social da escola: o fenômeno da “corrida à escola”, que se
desencadeou a partir dos anos 60, acompanhado de uma atitude de otimismo em
relação à escola, que evoluiu para uma atitude de desencanto com a não realização
das promessas16 que acompanharam o processo de escolarização do povo; a
relação das pessoas com a escola, que valorizam principalmente o valor de troca
dos diplomas escolares, em que elas são confrontadas pela rápida e real
desvalorização dos diplomas; bem como pela crescente escassez de emprego, que
produz a crise de sentido do trabalho escolar, quer para alunos, quer para
professores. É uma situação paradoxal: “o trabalho da escola faz cada vez menos
sentido, mas a freqüência da escola é cada vez mais necessária, na perspectiva de
evitar males maiores” (CANÁRIO, 1999, p. 273).
Desse modo, se o diagnóstico tem por base um pressuposto errado, também
o é o tratamento proposto – a reforma – que, via de regra, se propõe exportar para
as escolas soluções pré-fabricadas, muitas vezes sem levar em conta seu
funcionamento e sua singularidade. Canário destaca a utilização combinada de duas
estratégias que se complementam como a raiz do insucesso dos processos de
mudança educativa: a estratégia coerciva através de decretos e a estratégia
empírico-racional importada dos processos de produção industrial, que compreende
16

Gentili (1998), ao analisar a questão da educação para o desemprego, faz uma interessante
discussão dessa temática, a quem denomina de “a desintegração da promessa integradora”, que num
certo sentido expressa a desintegração do imaginário liberal que marcou a expansão dos sistemas
educacionais desde os meados do século XIX.

39

uma fase de concepção por especialistas, uma fase de experimentação em pequena
escala e uma fase de difusão massiva. E é exatamente nesta última fase que os
educadores são envolvidos para execução, concretização da reforma.
Esse modo de conceber a mudança, segundo um modelo de racionalidade
técnica, subestima a dimensão social dos processos de mudança educativa, sem os
quais as inovações não se efetivam.
Canário propõe mudar a lógica da reforma para a lógica da inovação
ancorada na criatividade das escolas e dos professores, o que supõe a passagem
de uma visão instituída da mudança, baseada na prescrição em que os professores
são meros aplicadores das mudanças impostas pelo sistema, a uma visão instituinte,
em que as mudanças são construídas em contexto pelos que fazem as escolas.
A decretação de uma reforma não produz mudanças reais, apenas
potenciais, pois é na escola que a inovação se concretiza, por meio do trabalho dos
professores, que pensam e fazem as escolas. Os profissionais da escola não são
meros executores do pensar alheio, são sujeitos do processo. Portanto, a
“transformação da realidade educativa não decorre de um simples processo de
adopção de idéias ‘boas’, mas sim, de um processo de reconstrução das
representações, das atitudes, dos projetos e dos valores dos actores” (op.cit, p.
275)17.
Desse modo, questões cruciais devem ser consideradas quando se quer
investigar como mudar e reinventar a escola. Canário diz que é essencial saber
como se articulam as mudanças ao nível dos indivíduos (no caso em estudo, os
professores,

estudantes,

pais,

funcionários,

diretoras

e

coordenadoras

pedagógicas), com as mudanças ao nível das organizações escolares e quais
devem ser os eixos estratégicos da intervenção que assegurem a fecundidade da
ação transformadora.
Por outro lado, a produção de mudanças na escola implica mudar a ação
individual, a maneira de pensar essa ação e, especialmente, mudar o processo de
interação social numa dimensão coletiva que remete à aprendizagem coletiva de
novas formas de ação, novos modelos relacionais e novas maneiras de pensar ação
17

O termo “actores” é empregado por Canário como sinônimo de “sujeitos”, conforme expõe a seguir:
a concretização das intenções reformadoras torna imprescindível que os professores (e acrescento,
os profissionais da escola) sejam sujeitos...

40

coletivamente. A indissociabilidade dessas duas dimensões – individual e coletiva –
do processo de mudança indica que os professores e as escolas mudam de forma
concomitante, o que Nóvoa denomina “perspectiva ecológica de mudança interativa
dos profissionais e dos contextos” (apud CANÁRIO, 1999, p. 277).
Canário destaca três eixos de intervenção como fundamentais no processo
de reinventar a escola:
1 - A necessidade de assumir o processo de inovação como um modo
diferente de organizar os recursos existentes. A possibilidade de inovar implica
produzir novos recursos a partir dos existentes, experimentar e otimizar novas
formas de sua utilização que dependem do modo como estes são lidos, mobilizados
e, com coerência, traduzidos em ação coletiva, contrariando a crença de que a
existência de mais recursos seria condição prévia para inovar.Todavia, o autor não
subestima o efeito catalisador e facilitador da mudança, que pode estar associado a
fatores e apoios externos, mas quer, sobretudo, realçar a importância decisiva de
uma “dinâmica endógena” na produção de mudanças qualitativas na organização
escolar (op.cit., p. 278).
2 - Produzir inovações que estabeleçam rupturas com as invariantes
organizacionais da escola que expressam ainda modalidades estandartizadas e
compartimentadas da organização dos espaços, tempos, saberes, enturmação dos
alunos e trabalho dos professores. Em outros termos, transformar a organização
tradicional que se caracteriza como um sistema de repetição de informações em
um sistema de produção de saberes.
3 - Conceber a ação educativa da escola tendo como referência um território
educativo. Esse modo de conceber requer: pensar a escola como um contexto
formativo global; estabelecer uma conexão com escolas que trabalham com esse
nível de formação e contribuir para a globalização da ação educativa de
desenvolvimento local integrado, articulando o escolar com o não escolar.
Mudar as escolas e os sistemas escolares, dizem Hargreaves et al (2002), é
um grande desafio para os educadores, que envolve trabalho árduo do ponto de
vista conceitual e prático. Dizem os autores que a transformação raramente é direta,
que algumas são difíceis de ser concretizadas e que muitos legisladores e
administradores subestimam, omitem ou esquecem as dificuldades que envolvem a

41

implementação de mudanças nos rumos da educação. Para eles, “adotar uma
inovação ou uma reforma já é um ato suficientemente genuíno; no entanto,
desenvolvê-la, sustentá-la e mantê-la é uma questão muito mais exigente” (op.cit., p.
113).
Para entender por que as mudanças em educação são tão desafiadoras
para os professores, os autores analisam quatro perspectivas, assim denominadas:
técnica, cultural, política e pós-moderna.
A perspectiva técnica ou tecnológica volta-se para as dificuldades técnicas
envolvidas num processo de mudança educativa. Mudar com êxito implica saber
como dominar um currículo novo, tecnicamente complexo e um conjunto de
estratégias e de habilidades de ensino. Alertam para a necessidade de se assegurar
apoio técnico, na realização do novo, já que “não se pode evocar novas práticas a
partir de nada” (2002, p.114). Esse apoio não deve limitar-se a viabilizar a
participação pontual em cursos, eventos, fora do local de trabalho, mas que inclua
também observar outras práticas e troca de experiências.
A perspectiva cultural refere-se aos significados e às interpretações que os
sujeitos atribuem à mudança. Direciona o olhar para a maneira como a inovação é
interpretada e integrada no contexto sociocultural das escolas, como afeta e
confronta idéias, crenças, emoções e práticas da comunidade escolar, em particular,
nas experiências e vida dos professores. O problema crucial é mudar o essencial da
prática educativa, ou, como diz Elmore, “como os professores entendem a natureza
do conhecimento e o papel do estudante no aprendizado, e como essas idéias sobre
o conhecimento e sobre o aprendizado se manifestam no ensino e no trabalho de
aula” (apud Hargreaves et al, 2002, p. 115).
Alguns elementos essenciais para que a mudança aconteça e os
profissionais a realizem devem ser considerados: a proposta precisa ter clareza
suficiente para que eles percebam sua essência e se convençam de sua viabilidade
e de seus possíveis benefícios; os envolvidos precisam saber como a mudança se
dá, não apenas na teoria, mas sobretudo na prática, para que possam perceber o
que ela significa para o seu trabalho; e eles também necessitam de tempo,
encorajamento e amparo para refletir sobre como a mudança está ocorrendo e
monitorar seu progresso.

42

Os autores, apoiados em Fullan, destacam a mudança como um processo e
não como um evento, reconhecendo que “a que tem características positivas
envolve um aprendizado contínuo e, portanto, sempre tem um elemento intelectual”
(op.cit., p. 116).
A perspectiva política diz respeito às questões do poder, como ele é
exercido sobre as pessoas ou desenvolvido com elas, a maneira como os grupos,
com seus interesses, influenciam o processo de mudança. Nessa perspectiva, é
importante que os envolvidos neste processo reflitam sobre suas práticas e o esforço
de mudar, entretanto essa reflexão deve ser feita de maneira crítica, interrogando-se
que finalidades sociais suas práticas cumprem, quem se beneficia ou quem sofre
com elas.
Também, questões acerca de quem está encarregado da mudança e a
serviço de que está são tópicos a ser refletidos, para identificar sua natureza e tipo,
isto porquê, como já foi dito, nem toda mudança é boa. Às vezes, não passa de uma
reforma superficial com finalidade de ganhar popularidade política ou por dificuldade
econômica, quando deveria ter por base os valores educacionais.
A perspectiva pós-moderna diz respeito à compreensão da realidade
complexa, paradoxal, com elevado grau de indeterminação, incerteza e de
mudanças constantes. Nesta perspectiva, as mudanças educativas devem levar em
consideração que a diversidade das comunidades, das escolas e dos estudantes
torna a transformação mais complexa; a tecnologia e outras formas de comunicação
são mais ágeis; a mudança ocorre em velocidade acelerada; o conhecimento é
rapidamente substituído; as soluções são contestadas, não sendo suficientes, para
mudar a escola, abordagens antiquadas e limitadas de mudança planejada e linear.
Desse modo, o trabalho educativo se dá em condições de incerteza,
complexidade e de mudanças contínuas, o que em termos pós-modernos requer,
dos profissionais da escola, flexibilidade, adaptabilidade, otimismo e trabalho em
equipe para oferecer o máximo aos estudantes.
Para Matos Vilar (1993), quando se quer inovar é importante definir como
fazê-lo. Uma inovação educativa e curricular resulta sempre de um conjunto de
procedimentos adequados às mudanças desejadas, isto porque não há uma só

43

estratégia que, sozinha, seja suficiente para garantir com êxito uma mudança
complexa como a educativa.
O autor destaca três estratégias fundamentais que se complementam na
construção de uma inovação:
1 - O Projeto Educativo da Escola18, que possibilita a ampliação gradativa
da autonomia das escolas em relação ao poder político do sistema, estabelecendo a
passagem de uma relação vertical, hierárquica, a uma relação democrática, que
pressupõe maior abertura à participação de toda a comunidade escolar, em todas as
suas etapas: definição, execução e avaliação do projeto; que estimule a inserção
social dos jovens na melhoria da qualidade de vida da comunidade mais ampla.
2 - A formação e aperfeiçoamento de professores, por ser fundamental
no (re) criar uma atitude favorável à inovação, já que a eles compete tomar decisões
seguras e fundamentadas que favoreçam diretamente a aprendizagem dos alunos e,
indiretamente, a comunidade como um todo.
Além disso, os professores são profissionais autônomos no planejamento e
desenvolvimento curricular, e não meros repetidores, e, se é assim, por si só já
justifica uma constante e sistemática atualização.
Matos Vilar defende que esta formação deve ocorrer preferencialmente,
ainda que não exclusivamente, no contexto da escola, porque é nela que se colocam
os problemas e dilemas que os professores têm de solucionar.
3 - A (re) estruturação do marco organizativo da escola. Esta estratégia
objetiva apoiar e facilitar a mudança. O autor destaca a importância do ambiente
escolar, dando ênfase à necessidade de uma administração que aproxime vozes
discordantes e negocie o direito de experimentação de novas, diferentes e
diferenciadas propostas e articule a interação escola-comunidade.
Convém destacar a necessidade de maior versatilidade do contexto
organizativo escolar: desde a ordenação dos recursos humanos, do pessoal
disponível; os meios didáticos; os espaços; o tempo; o tamanho das turmas; o clima
organizativo, até a ordenação dos recursos funcionais, como as normas, o horário, o
financiamento. Para garantir o êxito da inovação educativa e curricular, merece

18

A denominação “Projeto Educativo da Escola”, dada pelo autor português, tem o mesmo sentido do
que se denomina, aqui no Brasil, Projeto Político-Pedagógico.

44

especial atenção a prática de todos os dias, que deve ser uma prática subordinada à
reflexão sistemática.
Todas essas formulações até aqui colocadas sobre o entendimento de
educação escolar e as mudanças educativas, as relações entre escola e sociedade,
os processos de mudança e de como mudar a escola vigente, são uma tentativa de
captar, na riqueza das abordagens destacadas, elementos que me permitam
construir as primeiras sínteses necessárias à compreensão do objeto deste estudo.
As perspectivas teórico-analíticas dos autores alertam para as complexas,
contraditórias, dinâmicas e dialéticas relações existentes no interior da escola, e
desta com a sociedade onde está inserida, e como essa teia de relações se articula
na construção de um novo jeito de pensar e de fazer educação, que envolve
condições “objetivas” e “subjetivas” dos sujeitos envolvidos na implementação da
mudança.

45

Eu sempre sonho que uma coisa gera,
Nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
Adélia Prado

46

CAPÍTULO 2
CICLOS DE FORMAÇÃO: O SENTIDO DA MUDANÇA ESCOLAR

A revisão das idéias expostas no capítulo anterior revela parte das leituras
realizadas para compreensão dos focos selecionados para análise neste estudo. A
tentativa de avançar no entendimento da escola fundamental que assegure o
desenvolvimento e a aprendizagem de todos/as os educandos/as e como os Ciclos
de Formação podem inovar e mudar, na teoria e na prática, essa escola, a partir da
visão dos sujeitos (professores/as, educandos/as, diretoras, coordenadoras
pedagógicas, funcionários e pais), requer compreender: i) idéias e conceitos de
ciclos escolares, com enfoque nos Ciclos de Formação e nas concepções teóricas
que os fundamentam; ii) a amplitude das mudanças e as possibilidades de rupturas
com o instituído nas escolas, na busca de uma nova qualidade da educação; iii) e
que desafios, implicações e exigências se colocam para os/as professores/as no seu
“ofício de mestre”19.
Neste sentido, é necessário trazer as contribuições de teóricos que
estudaram e estudam as inovações e mudanças educativas, especificamente
aquelas que tratam da organização da escola em ciclos, como Perrenoud (1999,
2004), Lima (2002), Moll (2004), Krug (2001), Vasconcellos (2002), Arroyo (1999),
Giusta et al (2002), entre outros.
A reorganização da escola sob a forma de ciclos emerge no bojo de um
processo de reavaliação pelo qual passa a escola de ensino fundamental (escola
obrigatória), especialmente nas últimas décadas, em face da persistência do
fracasso escolar na educação básica20 em inúmeros países, desenvolvidos ou não,
dando visibilidade aos limites da escola organizada em séries e programas anuais.
Estudos e análises críticas da instituição escolar têm apontado para a necessidade
de quebrar a estrutura tradicional e rígida da seriação, tida como um dos
instrumentos de seleção e exclusão social, e instituir um outro fazer pedagógico,
com uma nova qualidade de ensino e aprendizagem.

19

Termo utilizado por Arroyo (2000) como expressão de um fazer qualificado e profissional.
Evidentemente que o fracasso escolar nos países desenvolvidos é menos agudo do que em países
como o Brasil, em que as desigualdades sociais são mais acentuadas.
20

47

Desse modo, a proposta de ciclos escolares ganha força. A idéia da
educação escolar em ciclos compreende períodos de escolarização que ultrapassem
as séries anuais, organizados em blocos com maior e variada duração, mais
adequados aos tempos de vida e de aprendizagem dos indivíduos. Eles se propõem
superar a fragmentação do currículo no processo de escolarização e reordenar o
tempo escolar em unidades maiores e mais flexíveis, que favoreça a aprendizagem
dos alunos.
Porém, a noção de ciclos comporta diferentes entendimentos. Como diz
Perrenoud (2004, p. 29), o conceito de ciclo flutua entre “um simples
enfraquecimento da reprovação e uma ruptura radical com as etapas anuais”, a
depender daqueles que o adotam. Isto quer dizer que a amplitude da mudança
depende da concepção que se tem dos ciclos, que oscila entre dois pólos: um mais
conservador, que quase nada muda na organização do trabalho, nos programas,
nas práticas pedagógicas, operando com as mesmas categorias mentais da escola
seriada; e outro mais inovador, em que os ciclos são sinônimos de profundas
mudanças nas práticas e na organização da formação e do trabalho escolar.
Perrenoud (2004) defende uma concepção de ciclos, sob a denominação
ciclos de aprendizagem, que rompa radicalmente com as etapas anuais, o que,
conseqüentemente, também leva à perda de sentido da própria reprovação. Ele
considera cinco razões que justificam introduzir ciclos de aprendizagens plurianuais:
a) etapas mais compatíveis com as unidades de progressão das
aprendizagens;
b) um planejamento mais flexível das progressões, uma diversificação das
trajetórias;
c) maior flexibilidade quanto ao atendimento diferenciado dos alunos em
diversos tipos de grupo e dispositivos didáticos;
d) maior continuidade e coerência, ao longo de vários anos, sob a
responsabilidade de uma equipe;
e) objetivos de aprendizagem incidindo sobre vários anos, constituindo
pontos de referência essenciais para todos e orientando o trabalho dos
professores (2004, p. 14).

Ao considerar essas razões, o autor traz a discussão da duração do ciclo,
que à primeira vista pode ser tida como uma questão menor, porém, para ele, é
indispensável, já que a decisão por ciclo mais longo ou mais curto depende da

48

concepção assumida. Se o interesse em introduzi-los na escola for apenas no
sentido de diminuir as reprovações, os de curta duração são bem-vindos. Sua
defesa é pelos ciclos mais longos, por favorecerem melhor o processo de
diferenciação do ensino e individualização dos percursos de formação, sendo
preciso considerar os dispositivos da pedagogia diferenciada. Ele alerta que “criar
ciclos sem nada mudar nos funcionamentos pedagógicos e didáticos, na avaliação,
na concepção de objetivos, na cooperação entre professores, pode agravar as
desigualdades, devido à própria dilatação dos prazos” (op.cit., p. 26).
Além disso, a introdução dos ciclos não tem um fim em si, eles são um
“arranjo estrutural” que pode facilitar a diferenciação do ensino, ou, como diz o autor,
“eles [os ciclos] são apenas meios de ressituar os problemas e as soluções para
inventar uma escola mais eficaz” (op.cit., p.76).
Nessa compreensão, os ciclos de aprendizagem envolvem processos de
recriação institucional, de reinvenção dos modos de organização do tempo, do
espaço e do trabalho escolar, ou seja, são concebidos como novos espaços-tempos
de formação, cuja meta é “que todos os alunos atinjam os objetivos no final da
formação escolar ao mesmo tempo, mas, se necessário for, tomando caminhos
diferentes” (op. cit., p. 41).
Com esse posicionamento, Perrenoud afirma que os ciclos, ao tempo que
exigem novas competências profissionais e novos funcionamentos coletivos,
oferecem a oportunidade de uma ruptura com o individualismo, com o trabalho
solitário que tem caracterizado o “ofício de mestre”.
Lima (2002) considera os ciclos de formação (denominação utilizada no
Brasil na perspectiva progressista) uma conseqüência da reconceituação da escola
como espaço de formação e não apenas de aprendizagem, que ressalta a
constituição dos sujeitos como preocupação inicial e as aprendizagens definidas em
função da formação humana.
Mas há aqueles que consideram os ciclos de formação como novidades
organizacionais introduzidas por reformas educacionais brasileiras de natureza
progressista (Ricci, 2002). Contudo, parece inadequado considerar o ciclo de
formação como uma novidade pedagógica. Como diz Lima (2002, pp. 8-9), não é
simplesmente uma nova proposta, um modismo, embora a mera reformulação do

49

ensino fundamental, em períodos, que não seja acompanhada de uma proposta
pedagógica pode assim se caracterizar. Ele é uma proposta de estruturação da
escola que envolve não só mudanças conceituais na prática pedagógica, nas
atitudes e nos valores da comunidade escolar, mas fundamentalmente envolve a
gestão dos tempos/espaços, dos instrumentos culturais, da comunidade escolar e da
socialização do conhecimento. Portanto, é uma concepção de formação humana
global

que

rompe

com

modelos

internalizados

sobre

aprendizagem

e

desenvolvimento humanos.
Também, diz a autora, não é uma proposta direcionada para aqueles que
não aprendem. Ao contrário, busca melhor adequar o tempo escolar ao
desenvolvimento biológico e cultural dos alunos, ou seja, “dar o tempo adequado a
todos21” para aprender e se desenvolver. E, acrescenta:
a idéia de ciclos confere ao processo de aprender o que ele é: um trabalho
com conteúdos do assim chamado conhecimento formal, simultaneamente
ao desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos, à formação
(aquisição, transformação e reformulação) de formas de atividade humana
que levam à construção do conhecimento (atividades de estudo) e à
possibilidade de realmente, se trabalhar a nível (sic) da transformação das
funções psicológicas superiores, que se dá pela introdução e pelo processo
de construção de significação de novos instrumentos culturais (LIMA, 2002,
p. 9).

Entretanto, não se trata de dilatar o término do curso, mas flexibilizar
adequadamente, ou diversificar os percursos para assegurar a aprendizagem de
todos. Nesse sentido, convém observar com Perrenoud que os ciclos visam uma
individualização não dos projetos de formação, mas sobre os seus caminhos. Eles
não são feitos para favorecer uma escolaridade em várias velocidades, pois todo
aluno tem o mesmo número de anos para atingir os objetivos de final de ciclo.
Assim, a diferenciação deve incidir não no tempo de formação, mas sobre o modo e
a intensidade do acompanhamento pedagógico, o que requer uma diferenciação dos
percursos da formação, cabendo aos professores a orientação das progressões.
Embora haja uma aproximação, em muitos aspectos, de idéias entre esses
autores, pode-se perceber que o fio condutor da análise de Perrenoud é considerá21

Grifo da autora.

50

los, essencialmente, um meio de combater o fracasso escolar e, por isso, toma como
foco a aprendizagem. Lima discorda dessa idéia, pois para ela ciclo não é solução
para o fracasso e nem é uma mera contraposição à seriação. Para ela os ciclos
devem ter como preocupação inicial a constituição do sujeito, para, a partir daí,
organizar um processo de ensino e aprendizagem adequado às características do
desenvolvimento humano, que é diverso.
Vasconcellos (1999) percebe os ciclos de formação como uma “verdadeira
alternativa de trabalho na perspectiva democrática da educação" e os considera uma
das mais avançadas concepções de educação escolar pelas razões, a saber:
reconhece-se que as pessoas passam por diferentes fases no seu desenvolvimento
que não correspondem ao período de um ano/calendário escolar; o processo de
conhecimento não se dá de forma rígida e compartimentada; há uma continuidade
crescente de estudos sem interrupção, com a possibilidade de romper com a nota /
conceito.
Corroborando essa posição, Krug (2001, p.17) destaca que os Ciclos de
Formação revelam “uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na
medida em que encaram a aprendizagem como um direito da cidadania” que permita
a todos serem partes e intervirem na prática social.
Em síntese, os autores e autoras acima mostram que a reorganização da
escola em ciclos implica fortes rupturas administrativas, políticas, éticas,
psicológicas, epistemológicas, pedagógicas e didáticas. Trata-se de uma mudança
profunda, requerendo dos educadores, educandos e pais uma efetiva participação.
Todavia, é importante lembrar que pensar a educação escolar para além de
uma sucessão de programas anuais não é uma idéia nova 22. Inúmeros pedagogos,
por todo o mundo, há muito tempo já pensavam uma educação que privilegiasse o
desenvolvimento global da pessoa e, sensíveis à diversidade de cada uma na
maneira de aprender, nos ritmos de desenvolvimento, discutiam que as
aprendizagens fundamentais não ocorrem em tempos tão curtos, de acordo com o
ano cronológico.

22

De acordo com Perrenoud (2000, p. 17), “as pedagogias diferenciadas enraízam-se em instituições
muito antigas, desenvolvidas pelos primeiros movimentos de educação nova. Edouard Claparède,
Celestin Freinet, Robert Dottrens e alguns outros precursores retomaram essa caminhada”.

51

2.1. RAÍZES DOS CICLOS DE FORMAÇÃO

A idéia da organização do ensino em ciclos de formação surge vinculada a
projetos de transformação social mais amplos, em que a educação é um dos eixos
desse processo. Eles buscam dar respostas aos problemas da educação básica, no
sentido de voltar à ação educativa para atender às necessidades sociais de
formação humana, a partir de uma visão integrada da escola na vida da comunidade
e na organização social.
A escola organizada em ciclos surge na França, inicialmente com Jean Zay,
em 1936, então Ministro da Educação da Frente Popular, comprometida com a
esquerda francesa e voltada para o ensino médio profissionalizante. Anos depois,
em 1945, os ciclos de formação aparecem como uma proposta concreta e
consistente de educação escolar, no plano de Reforma Langevin-Wallon23, que se
insere no projeto de reconstrução democrática da França, no pós-guerra.
Para Wallon, a educação escolar não estava desvinculada do modelo de
sociedade e se o desejo era uma sociedade diferente, era necessária uma outra
escola, que re-significasse o processo de aprender através de uma ruptura com a
clássica transmissão enciclopédica de conhecimentos, no sentido de possibilitar a
formação do homem como ser cultural e social, numa perspectiva humanizadora, em
direção à construção de uma sociedade democrática.
Assim, o referido plano de reforma propunha fortes mudanças no ensino,
para romper com a perversa seletividade do sistema educacional francês em todos
os aspectos: administrativo, curricular, metodológico, em torno do princípio de justiça
social, alegando que todas as crianças, independentemente de suas origens
familiares, sociais, étnicas, têm direito igual ao desenvolvimento máximo de sua
personalidade, à compreensão dos problemas mais amplos e a uma sólida cultura
geral.

23

Projeto elaborado por uma comissão do Ministério da Educação, sob a presidência de Paul
Langevin e, após sua morte, de Henri Wallon, apresentado à Assembléia Nacional em 1947, que
nunca chegou a ser aprovado, mas que influenciou mudanças posteriores no sistema educacional.
Convém frisar que a referida proposta começou a ser gestada antes do fim da Segunda Guerra
Mundial, nos núcleos de resistência contra o nazismo, dos quais Wallon participou ativamente (Cf.
Krug, 2001 e Vasconcellos, 2002).

52

Para Wallon, o princípio de justiça tinha por base a articulação dialética
“igualdade-diversidade”, que podem ser vistas como aspectos opostos, mas que se
complementam. Assim, defendia igualdade de direitos, de dignidade e diversidade
na forma de concretizá-los, visando atender os educandos em suas necessidades.
Essa idéia leva-me a uma indagação: Não seria esta a raiz da pedagogia
diferenciada e mais recente da individualização dos percursos escolares, defendida
por Perrenoud (1999) e Merieu (2003)?
Wallon24 organiza a educação buscando adaptá-la às características do
desenvolvimento humano, respeitando cada período de formação, voltada para a
formação humana, que inclua os processos de comunicação por meio dos sistemas
expressivos (movimento, atividades estéticas e a linguagem expressiva – literatura,
poesia etc.) e o desenvolvimento das linguagens simbólicas (a escrita, a matemática
e áreas do conhecimento). Lima (2002, p.15) assim resume a organização curricular
de Wallon:
A concepção de currículo não é de arrolar conteúdos a serem transmitidos,
mas a de que currículo é a definição de um projeto claro de formação do
indivíduo em que os conteúdos são encarados como elementos mediadores
do desenvolvimento, e que estes elementos incluem não somente o
conhecimento organizado em um sistema (geralmente referido como
conhecimento formal), mas também as formas de atividade humana
inerentes à construção deste conhecimento que são a utilização dos
sistemas expressivos (meios de se expressar e de se comunicar) e das
técnicas de pesquisa (observação, análise, comparação, síntese).

Enfim, a proposta de Wallon de formação humana expressa rupturas com os
modelos internalizados sobre aprendizagem e desenvolvimento.

2.2. OS CICLOS ESCOLARES NO BRASIL

Em nosso país, nos últimos anos, mais precisamente a partir de 1990, tem
se verificado um aumento de propostas e de práticas de reestruturação da escola de

24

Wallon, médico e filósofo, baseou-se, evidentemente, no seu amplo conhecimento na área do
desenvolvimento humano.

53

ensino fundamental, sob a forma de ciclos. No entanto, essa ordenação não é tão
recente.
O fraco desempenho da escola brasileira, com os elevados índices de
repetência e evasão que o sistema educacional vem registrando historicamente, a
busca de alternativas e implementação de ações para enfrentamento de tais
problemas, visando a melhoria da qualidade do ensino e do sucesso dos estudantes
que nela ingressam, são os fios que vão tecendo a organização dos ciclos escolares
no país.
Desde as primeiras décadas do século XX que vem sendo denunciado o
caráter excludente da educação e confirmado pelos elevados índices de retenção na
educação básica, especialmente no ensino fundamental. Nos idos de 1950 os
índices de retenção, no Brasil, eram superiores aos de vários países da América
Latina. As estatísticas mostravam que na passagem da primeira para a segunda
série, 57,4% dos estudantes ficavam retidos. De cada 100 crianças matriculadas na
1ª série, apenas 16 chegavam a concluir a 4ª série.
Anísio Teixeira, em 1957, fazia um balanço da situação educacional do país,
nada promissor. Mostrava que da população escolar de 7 a 11 anos de idade, num
total de 7.595.000, a escola primária acolhia 4.921.986, assim distribuídos:
2.664.121 no 1º ano, quando só deveriam estar 1.600.000; no 2º ano, 1.075.792,
que num fluxo progressivo, só estariam 1.500.000 alunos; no 3º ano, 735.116
alunos, do total de 1.500.000 que deveriam estar nesse grupo; e no 4º e 5º anos,
apenas 466.957 alunos, dos 1.480.000 que deveriam freqüentá-lo (Cf. Teixeira,
1977, p. 388-9). Dizia o autor que o que vem ocorrendo é um “processo puramente
seletivo”25, desvirtuado, cuja finalidade restringe-se a ser preparatório para os níveis
mais avançados da educação e não para atender todos os alunos, menosprezando
as diferenças individuais ou utilizando-as para eliminar os considerados incapazes.
Os estudos de Barretto e Mitrulis (1999, 2004) e Mainardes (2001)
mencionam que esse problema já preocupava as autoridades educacionais desde a
década de 1920. No entanto, é na década de 1950, num contexto de crescente
mobilização social e de luta de setores populares pela expansão e ampliação da

25

O autor dá ênfase ao termo puramente porque para ele o ensino primário deve “contribuir para uma
primeira seleção humana, embora esta não seja a sua finalidade precípua”.

54

educação e cultura, que o tema da promoção na escola primária ganha relevância
nacional, com o debate sobre a viabilidade da promoção automática.
Surgem publicações como o artigo “Repetência ou promoção automática?”
de Almeida Junior, em 1957. Nesse texto, o autor, que participou e foi relator da
Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação Primária Gratuita e
Obrigatória, promovida pela UNESCO e a Organização dos Estados Americanos –
OEA, na cidade de Lima, em 1956, reflete sobre um estudo apresentado pela
promotora do conclave, relativo ao fenômeno das reprovações na escola primária de
quatro países da América Latina, que apresentava medidas exitosas, adotadas por
alguns países, para deter a crescente expansão das reprovações. Essas medidas
apontavam para a promoção automática.
Almeida Junior discutia os problemas que a reprovação acarreta, mas era
cauteloso ao recomendar a revisão do sistema de promoções da escola primária
para reduzir a seletividade, isto porque não admitia a simples promoção automática.
Defendia serem necessárias à preparação e a sensibilização do professor para obter
sua adesão às medidas a serem adotadas, que requeriam modificar a concepção de
escola vigente e de ensino, pois os educadores a concebiam como uma instituição
seletiva. Era preciso também rever os programas e critérios de avaliação, que nem
atendiam às exigências sociais, nem se vinculavam aos interesses das crianças, e
aperfeiçoar o professor. O currículo deveria estabelecer uma maior proximidade à
vida dos alunos, enquanto elemento de transmissão cultural, sendo referência para o
reconhecimento e a solução de problemas sociais e construídos com a participação
da comunidade.
Por outro lado, manter a seletividade da escola primária passou a ser visto
como um obstáculo ao desenvolvimento social, político e econômico do país. O
presidente da república, em 1956, sugeria que os Estados adotassem a promoção
automática, alegando que:
A escola deixou de ser seletiva. Pensa-se, na atualidade, que ela deve
educar a cada um no nível a que cada um pode chegar. As aptidões não
são uniformes e a sociedade precisa tanto das mais altas, como das mais
modestas. Não mais se marca a criança com o ferrete da reprovação, em
nenhuma fase do curso. Terminado este, é ela classificada para o gênero
de atividade a que se tenha mostrado mais propensa. Sobre ser racional, a

55

reforma seria econômica e prática, evitando o ônus da repetência e os
males da evasão (...). Naturalmente, essa fecunda iniciativa teria também o
apoio técnico e financeiro da União (KUBITSCHEK, apud BARRETTO e
MITRULIS, 1999, p.31).

Percebe-se então que os dirigentes e governos estavam mais preocupados
com as questões econômicas do que com as questões pedagógicas e educativas,
pois a seletividade não era benéfica ao projeto de desenvolvimento que postulava
para o país um lugar ao lado das nações desenvolvidas.
Entretanto, para os educadores a promoção contínua justificava-se não
apenas por questões econômicas que limitavam a ampliação do atendimento, mas,
sobretudo, para possibilitar o desenvolvimento do aluno como pessoa, com
estímulos favoráveis, reduzindo os obstáculos à sua aprendizagem.
Na busca de alternativas para reverter o problema das reprovações, o Rio
Grande do Sul, em 1958, deu os primeiros passos na tentativa de reverter o
problema das reprovações, ao adotar uma modalidade de progressão continuada,
organizando

classes

de

recuperação

para

alunos

com

dificuldades

de

aprendizagem, que poderiam voltar a sua turma de origem se obtivessem êxito, ou,
se não, continuariam com sua escolarização em seu próprio ritmo.
Nesse período, intensificava-se o discurso favorável à adoção da promoção
automática, sob o argumento de que era necessário ajustar as atividades escolares
à capacidade e aos ritmos variáveis de aprendizagem dos alunos. Surgiram também
vozes contrárias e discordantes. Temia-se que a adoção da promoção automática,
sem se tomar medidas complementares e ações pertinentes, poderia agravar ainda
mais o quadro de exclusão. Alguns propunham uma política de inovação
progressiva, num esforço articulado para que os professores fossem receptivos às
novas práticas.
Nesse embate, alguns equívocos da prática pedagógica vigente eram
levantados: a forte crença em turmas e classes homogêneas, de que todos podiam e
deviam ser iguais e que a aprendizagem dependia do esforço de cada um. Uma
outra crença era a de que prêmio e castigo são formas de promover e acelerar a
aprendizagem. No dizer Barretto e Mitrulis (1999, p. 34), “esses procedimentos de
ensino, ao contrário, contribuíam para destruir o sentido da escola, desviando a
atenção do valor do conhecimento e do estudo para interesses periféricos”.

56

Com a persistência da retenção e da evasão, na década seguinte outras
iniciativas foram levadas a efeito por São Paulo, Pernambuco e Santa Catarina, com
duração efêmera.
São Paulo, entre 1968 e 1972, alegando compromisso político com a
democratização do ensino e com as mudanças que permitissem aos educadores
condições para buscar caminhos possíveis, adotou a “organização em níveis”,
agrupando as séries do antigo ensino primário em dois níveis: nível I (1ª e 2ª séries)
e nível II (3ª e 4ª séries), eliminando assim a reprovação dos alunos na 1ª e 3ª
séries. A promoção de um nível para outro seria através de exame “mediante o
alcance dos mínimos fixados nos programas de ensino” (MAINARDES, 2001, p. 43).
Os reprovados seriam agrupados em classes especiais de aceleração. Todavia, a
reforma logo inspirou desconfiança nos educadores, seguida de resistência e
rejeição e provocou reações negativas, em setores conservadores da sociedade, às
medidas adotadas. Mainardes destaca duas razões que, segundo Arelaro,
contribuíram para a extinção da iniciativa: a saída dos membros do grupo favorável à
mudança, sob a suspeita de “subversivos”, e a alegação de que a organização
curricular estabelecida na lei nº 5.692/71 era em séries anuais.
Pernambuco, em 1968, apoiado em argumentos de cunho psicológico
organizou o ensino por níveis, em lugar das séries, na escola primária, sob o
entendimento de que os níveis eram mais adequados a necessidades e interesses
dos alunos, especialmente ao desenvolvimento da capacidade de pensar. Propunha
seis níveis e a criança devia alcançar, no mínimo, quatro, com possibilidades de
avanço na mesma classe em qualquer momento do ano escolar.
Santa Catarina, alegando motivos de cunho psicopedagógico e os altos
custos causados pela repetência, iniciou, em 1970, a experiência mais abrangente e
duradoura, instituindo em toda a rede estadual oito anos de escolaridade contínua e
obrigatória, antecipando-se à lei nº 5.692/71. Extinguiu os exames de admissão,
estabeleceu avanços progressivos, aboliu a reprovação no decorrer das quatro
primeiras séries e das quatro finais e implantou, ao término das 4ª e das 8ª séries,
classes de recuperação para os estudantes que não conseguiam o desenvolvimento
adequado no processo da aprendizagem, devendo a escola “ajustar o ensino à
capacidade e ao ritmo próprio do aluno, procurando obter de cada um o rendimento
de acordo com suas possibilidades, ao mesmo tempo que deveria conduzi-lo à

57

iniciação ao trabalho e à criação de hábitos de estudo” (BARRETTO e MITRULIS,
2004, p. 196).
Tais tentativas foram severamente criticadas. Estudos a respeito da iniciativa
catarinense26 consideraram-na demagógica, por ter sido imposta sem as reais
condições de funcionamento administrativo-financeira e pedagógica.
Pelo exposto, essas experiências de reestruturação da escola para o
enfrentamento dos problemas gerados pela evasão e repetência não foram
acompanhadas das condições necessárias para seu êxito. Críticas foram muitas:
aligeiramento do ensino, preparo insuficiente dos professores, aumento de trabalho
para os professores sem a devida retribuição financeira, falta de materiais didáticos
necessários e de acompanhamento pedagógico e apoio às escolas, enfim, falta de
oferta das condições necessárias à mudança.
Vale ressaltar que, direta ou indiretamente, essas propostas inspiraram-se
no sistema de avanço progressivo adotado nas escolas básicas da Inglaterra e dos
Estados Unidos, visto que, por tradição, nesses países as escolas privilegiavam a
função social, considerando a progressão escolar mais como uma progressão social
a que todos os estudantes tinham direito, mediante freqüência à escola,
independentemente do nível de aprendizagem alcançado. Entretanto, esses
sistemas, ainda que se inspirassem em uma concepção mais democrática de
educação do que a que sustenta a cultura da repetência,
encontram também dispositivos sutis de aliar a seleção social dos alunos
aos meandros da sua trajetória escolar diferenciada. Dependendo dos
níveis de desempenho alcançados, é comum que a escola subestime a
capacidade do aluno de progredir intelectualmente,

oferecendo-lhe

oportunidades educacionais menos desafiadoras que não lhe permitem
passar para níveis mais adiantados (BARRETO E MITRULIS, 2004, P. 198).

Em relação aos referenciais do currículo, as referidas iniciativas recebiam
influência das teorias comportamentalistas. Todas objetivavam assegurar o direito de
o aluno progredir em seu próprio ritmo, sob uma concepção linear e cumulativa do
conhecimento.

26

Cf. Estudos de Sena e Medeiros (1983), citados por Mainardes (2001).

58

As questões que as malogradas experiências revelaram deixam claro que
uma reforma da educação e do ensino carece de fundamentação teórica coerente
aliada a um conjunto de medidas capazes de responder adequadamente aos
objetivos propostos e reforçam a idéia de que mudanças educativas não se efetivam
por decreto ou imposição.
Contudo, não há como esquecer que o contexto histórico que serviu de pano
de fundo às experiências era de opressão política, não favorável às propostas de
mudanças efetivas, a não ser aquelas propostas pelos ditadores militares e seus
adeptos27, que definiram e impuseram a “reforma necessária” para a educação
escolar no país, com seus programas e projetos, nos quais predominava a lógica
técnico-instrumental. Reformas que foram, como bem diz Moll (2004, p. 103),
amputadoras das possibilidades de criação produzidas ao longo do século
XX no Brasil e aceleradas nos fecundos anos de 1950 e de 1960. O desejo
de uma “educação nova”, gestado já nos idos da década de 1920, que
aproximava educação e arte, educação e vida, sucumbe ao silêncio que, de
alguma forma, encontra respaldo em um caldo autoritário presente nas
entranhas da instituição escolar.

Por conseguinte, é com o fim do governo militar e a restauração da
democracia que ressurgem os debates e novas iniciativas, com ênfase no caráter
político da educação. A vitória das oposições em dez estados brasileiros, nas
eleições para os governos estaduais, em 1982, produziu mudanças na política
educacional em vários deles. Os ideais de democratização do ensino e o
compromisso com o discurso da “mudança” na educação levaram os dirigentes
educacionais a adotar medidas inovadoras, que apontavam para um repensar da
função social da escola.
Desse modo, os estados de São Paulo (1984), Minas Gerais (1985), Paraná
e Goiás (1988) implantam o Ciclo Básico de Alfabetização – CBA, havendo muitas
semelhanças entre essas propostas. Constituiu-se numa medida democratizante,
com o objetivo de diminuir a distância entre o desempenho dos alunos das
diferentes camadas da população, assegurando a todos o direito à escolaridade.

27

A reforma universitária em 1968 e a da educação básica em 1971.

59

Esta proposta não tentava a desseriação do ensino fundamental como um
todo; buscava um modo de reorganizar a escola no sentido de resolver o
estrangulamento de matrícula nas séries iniciais, daí estruturar de forma contínua a
primeira e segunda séries, eliminando a reprovação no final do primeiro ano. Era
uma medida que procurava flexibilizar a organização curricular, à revisão dos
conteúdos programáticos e à utilização de estratégias de aprendizagem de modo a
atender mais adequadamente os alunos, levando em consideração sua diversidade
social, cultural e econômica.
Nessa década, das grandes mobilizações sociais e sindicais, de debate
educacional intenso, emerge um movimento de renovação pedagógica pela
democratização e qualificação da escola básica. No tocante à escolarização
fundamental, a teoria piagetiana, o interacionismo vigotskiano e os estudos de Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky sobre alfabetização deram suporte às propostas
curriculares dos ciclos. A concepção de avaliação adotada assumiu caráter
diagnóstico e formativo, valorizando os processos educativos, com enfoque
descritivo sobre a construção do conhecimento pelo aluno e se ampliou para aliar a
análise das condições de ensino, no sentido de assegurar a aprendizagem e o
sucesso do educando.
Contudo, alguns limites foram identificados: a flexibilidade de critérios para
formação das turmas e a possibilidade de remanejamento de alunos de uma classe
para outra reforçaram a tradição de criar classes homogêneas e as orientações
construtivistas deram ênfase aos aspectos cognitivos e de interação entre os
indivíduos, descuidaram-se de fatores outros que afetam a vida do coletivo,
deslocando assim o eixo sociopolítico que justificara a adoção do ciclo.
No começo dos anos 90, o município do Rio de Janeiro, e dois anos depois,
o próprio Estado, implantam o bloco único com duração de 5 anos, incorporando as
crianças de 6 anos e os alunos dos quatro anos iniciais do ensino fundamental,
organizado em dois momentos: o primeiro com três anos, no qual o aluno deveria
dominar determinados conceitos e o segundo com dois anos, onde deveria ocorrer o
aprofundamento e ampliação dos conceitos-chave. Aqui, também não era permitida
a retenção, podendo, ao final do bloco, o aluno cursar mais um ano de estudos
complementares, caso não atingisse objetivos essenciais de término do curso.
Tratava-se de uma proposta pedagógica com aporte teórico em Vigotsky, com

60

currículo organizado, para cada um dos momentos, a partir de conceitos-chave
estruturantes dos conteúdos escolares. A avaliação considerava o que a criança já
aprendeu (desenvolvimento real) e também o seu progresso em direção aos
objetivos de final do bloco (indicador do desenvolvimento potencial). Todavia, a
medida não se manteve. Foram muitas reações contrárias, principalmente pela longa
duração do ciclo, mas serviu de inspiração a outras iniciativas.
2. 3. PROPOSTAS ATUAIS DOS CICLOS
Com a eleição de prefeitos com compromissos populares, vários municípios
adotam os ciclos de formação, buscando a construção de uma escola democrática e
includente. Os municípios de São Paulo (1992), Belo Horizonte (1994), Porto Alegre
(1996), Belém (1997), Chapecó (1998), entre outros, vêm realizando mudanças
profundas, baseados em outros princípios ordenadores, rompendo com a
organização disciplinar, voltados para a construção de uma escola popular e
democrática. O ponto de partida de integração dos conteúdos são as vivências
socioculturais dos alunos e as séries são substituídas por ciclos no ensino
fundamental como um todo. Há uma grande preocupação com o desenvolvimento
cognitivo, social e afetivo do aluno, sempre levando em conta a sua história de vida.
A ênfase é maior no processo que no produto, tendo como eixo a avaliação
diagnóstica.
Os municípios de São Paulo e Belo Horizonte iniciaram mudanças mais
efetivas no ensino fundamental, que tiveram repercussões nacionais.
São Paulo organizou o ensino em três ciclos: o inicial (antigas 1ª, 2ª e 3ª
séries), o intermediário (4ª, 5ª e 6ª séries) com duração de três anos e o final (7ª e 8º
séries) com dois anos finais de ensino fundamental. A proposta educativa trazia um
outro fazer pedagógico com uma nova qualidade de ensino-aprendizagem, que
passava pelo comprometimento dos segmentos da população atendidos na
discussão, execução, acompanhamento, formulação conjunta e na avaliação da
proposta educativa a ser construída. O trabalho coletivo era a tônica dessa nova
organização. O currículo passa a ser pensado e construído pelos educadores, a
partir de princípios ordenadores que articulavam a integração dos conteúdos com

61

base nas experiências socioculturais dos alunos. Foi dada ênfase à necessidade da
avaliação se constituir em atividade contínua e qualitativa.
Considerada como uma proposta ousada, era a primeira vez desde as
iniciativas estaduais dos anos de 1980 de introdução dos ciclos de alfabetização,
que se pensava o ensino fundamento na sua totalidade. Ela foi implantada em clima
de grande envolvimento dos professores e da comunidade escolar com o projeto de
reestruturação curricular.
Entretanto, os dois governos que se seguiram, de forte acento conservador,
não investiram na sua consolidação. O último deles, por decreto, altera a
organização dos ciclos, forma dois ciclos de quatro anos, acompanhando o
agrupamento da rede estadual paulista e se manteve na atual gestão petista. Essa
organização dos ciclos é criticada porque instaura a antiga divisão entre primário e
ginásio, frustrando o intento de melhor articulação do projeto educacional da escola
completa de oito anos (cf. Barretto e Sousa, 2004)
Belo Horizonte, Porto Alegre, Chapecó, implantaram o ensino fundamental
de 9 anos28, estruturado em três ciclos contínuos, e cada ciclo com três anos de
duração. Como o Rio de Janeiro, esses municípios anteciparam e ampliaram a
escolarização, incluindo as crianças de seis anos.
São

denominados

ciclos

de

formação,

compreendendo

o

período

característico da infância, pré-adolescência e adolescência, sem esquecer que a
lógica do ensino e da aprendizagem se orienta por uma perspectiva mais global,
levando em conta uma visão integrada do aluno na construção de sua auto-estima e
de sua identidade nos grupos de socialização.
A proposta mineira – Escola Plural – reorganizou a escola a partir de quatro
núcleos vertebradores: o primeiro deles são os eixos norteadores, que redefinem a
função social da escola e propõem mudanças significativas na cultura escolar; o
segundo refere-se a reorganização dos tempos escolares que se pautam na vivência
de cada idade de formação; o terceiro núcleo relaciona-se com os processos de
formação plural que busca uma nova identidade do profissional da escola e o
alargamento da concepção de formação profissional continuada; e, por fim,

28

Ampliar o ensino fundamentaI para 9 anos, incluindo as crianças de seis anos, é uma das metas do
Plano Nacional de Educação – PNE.

62

(re)significa a avaliação escolar na nova lógica da inclusão, numa abordagem mais
global de processo educativo. A avaliação, no início, admitia que ao final de cada
ciclo os alunos com maiores dificuldades podiam permanecer mais um ano, no
máximo, no mesmo ciclo, não devendo se distanciar de seus colegas de idade,
colocando limites à reprovação. Esta proposta tem servido de referência para várias
iniciativas no país.
Em Porto Alegre, a ruptura com a seriação se insere-se em um projeto de
democratização do município desencadeado a partir de 1989 por gestores petistas.
A política inicial voltada para a alfabetização das crianças nas séries iniciais se
amplia na segunda gestão quando foi delineada a proposta de reorganização de
todo ensino, fruto dos debates realizados com a comunidade escolar, que
focalizavam alternativas para evitar a exclusão escolar. A Escola Cidadã como foi
denominada, implantada gradualmente, apresenta-se com o propósito de garantir a
aprendizagem de todos, sem interrupções em sua trajetória escolar. Reorganiza os
espaços e tempos escolares, criando condições para que os alunos avancem
sempre, seja por progressão simples ou por progressão com apoio didático para os
alunos que apresentam dificuldades no ano ciclo ou no final do ciclo.
Vale salientar que nas escolas de Porto Alegre e de Chapecó o currículo é
elaborado pelo coletivo de professores, a partir da pesquisa participante, com a
participação de pais, alunos e comunidade para a definição dos conhecimentos
significativos, superando o currículo preestabelecido. Os gaúchos planejam o
currículo em Complexos Temáticos, fundamentados em Pistrak, Paulo Freire,
Vygotsky, Wallon e Piaget. Os catarinenses optam pelas Redes Temáticas, na
perspectiva freireana. A Escola Plural assim como a escola Candanga de Brasília
(gestão Cristovan Buarque), com suas fases de formação, adota a pedagogia de
projetos.
Em 1998, o Estado de São Paulo adota os ciclos organizados em dois blocos:
de 1ª a 4ª série e 5ª a 8ª série. Toma como referência argumentos psicopedagógicos e dá ênfase ao princípio da heterogeneidade. O Estado do Ceará
também organiza o ensino fundamental em nove anos, formando quatro ciclos que
vêm sendo implantados gradativamente. O primeiro, com três anos de duração,
incorpora as crianças de seis anos e as da primeira e segunda séries; os três ciclos
subseqüentes, com duração de dois anos cada. Sua proposta organiza-se por eixos

63

norteadores, inspirados no projeto da Escola Plural e tem como referência os
Parâmetros Curriculares Nacionais.

2. 4. OS CICLOS EM ALAGOAS
O Estado de Alagoas inicia a implantação dos ciclos em 2001, estruturando
o ensino fundamental em três ciclos de formação, cada um com três anos de
duração e, como Porto Alegre e Belo Horizonte, incorpora e antecipa a escolarização
de crianças de seis anos de idade.
A justificativa para adoção de ciclos de formação se baseia em motivos
políticos e educacionais: o compromisso com a reconstrução da educação escolar
pública, que para fazer frente ao alarmante fracasso escolar (já referido no capítulo
anterior) que vem sendo produzido, se propõe construir uma escola realmente
democrática e com qualidade social; e a compreensão de que a criança, o
adolescente, o adulto é capaz de aprender, desde que sejam oferecidas as
condições para tal. Sua referência inicial para estruturação da escola por ciclos foi a
proposta de Porto Alegre, com ajustes e adequações à realidade alagoana.
A organização do trabalho escolar segue outra lógica que institui rupturas
com modelo seriado, tendo como centro do ato educativo o educando, enquanto ser
individual e social, em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem e,
portanto, a enturmação tem como referência as idades, as fases de formação. Os
argumentos de que os ritmos e os tempos de aprendizagem de cada um são
diferenciados são os conhecidos. Para atender a essa diferenciação nos percursos
do aprender, institui as turmas de progressão para os estudantes que apresentam
distorção em relação à aprendizagem e ao seu grupo de idade, o laboratório de
aprendizagem e os professores volantes para o atendimento de modo mais
individualizado aos alunos com maiores dificuldades.
No tocante à aquisição do conhecimento sistematizado, o ciclo I dá ênfase
ao processo básico de alfabetização, o ciclo II intensifica o processo anterior
ampliando o estudo nas áreas do conhecimento e o ciclo III aprofunda o trabalho das
áreas do conhecimento, através das disciplinas, estabelecendo relações pluri e
interdisciplinares.

64

O currículo é compreendido como construção cultural, como ação e como
prática, rompendo com a idéia de currículo prescritivo. Ele é construído pelos
sujeitos que dão vida ao projeto político-pedagógico da escola, de forma
contextualizada. A elaboração do planejamento curricular toma como ponto de
partida a realidade concreta29 dos alunos, o que se dá através da investigação,
problematização, sistematização e apreensão crítica da realidade.
A concepção de avaliação é coerente com a de conhecimento e currículo,
enquanto construção. A avaliação é contínua e permanente, com função diagnóstica
e formativa, envolvendo todos os segmentos como co-partícipes, co-autores e coresponsáveis na práxis educativa. A aprovação/reprovação é substituída por formas
de avanço diferenciadas (progressão simples, progressão com apoio didático e
progressão com apoio especializado) que indicam as necessidades de a escola
programar atividades diferenciadas, para atender cada criança ou cada adolescente.
Desse modo, não se anula o acúmulo de conhecimento do aluno. O educando que
apresenta dificuldades progride para o ano seguinte com sua turma, com um plano
de estudo de apoio que será orientado e acompanhado pelo laboratório de
aprendizagem e professores volantes ou, se for o caso, por educadores da
educação especial.
Diferentemente de outros estados e municípios que adotam a estruturação
da escola fundamental por ciclos de formação em toda sua rede escolar, a SEE
optou por uma política a ser implantada, gradativamente, e por adesão das escolas,
devendo para tal ampliar a discussão e o estudo sobre os ciclos e seus fundamentos
teóricos. Contudo, a idéia não era experimentar, construir um modelo, para depois
expandir, mas iniciar um processo de reconstrução da escola e intensificar o
processo de reflexão reflexiva sobre as práticas instituídas, para, a partir daí,
redefinir os projetos político-pedagógicos das escolas, tendo como eixo o
desenvolvimento humano.
Entretanto, a ação não vem ocorrendo conforme foi pensada. Apesar de o
governo ser o mesmo por duas gestões, tem havido substituição constante de
dirigentes da SEE, prejudicando a continuidade de algumas políticas, com sérias

29

Realidade concreta, segundo Paulo Freire, são todos os dados, todos os fatos e mais a visão de
mundo dos sujeitos envolvidos numa determinada comunidade.

65

implicações para as escolas30. Além disso, medidas adotadas no ensino
fundamental apresentam concepções que se opõem e colocam em risco até a
ampliação dos Ciclos de Formação. Em 2003, os dirigentes educacionais da SEE
lançam, com muita pompa, um programa intitulado “PRÓ SEGUIR”, com o objetivo
de reduzir a reprovação e o abandono escolar na primeira e segunda séries e na
quinta série. Esse programa adota o regime de progressão continuada nas duas
séries iniciais, fazendo ressurgir o ciclo básico dos anos de 1980. Os argumentos
relativos ao desenvolvimento humano são os idênticos aos do ciclo de formação.
Entretanto, é uma proposta modesta de simples correção de fluxo, inspirada nos
PCNs. O curioso é que em nenhum momento se faz alusão à proposta de ciclos já
existente, que expressa uma visão mais ampla e mais global da escola. O que
permite algumas indagações: Não estaria a SEE com duplicidade de ações
orientada por diferentes concepções que, na raiz, são divergentes? Se é assim, seria
a expressão de uma política equivocada de governo? A falta de definição política de
um projeto para a educação e, particularmente, para o ensino fundamental? Ou seria
uma incompreensão teórica dos responsáveis pela definição de tal projeto? E,
mesmo que exista esse projeto, por que o silenciamento em relação às experiências
e práticas em construção? Se o próprio ensino fundamental, preocupado com a cruel
situação apontada a cada ano pelos indicadores educacionais e com o instituído na
rede escolar, já havia iniciado um movimento de reconstrução de suas escolas, não
teria sido mais fecundo conhecer, analisar o que estava sendo feito, verificar os
avanços e as fragilidades e redirecionar, se fosse o caso? Por que não buscar as
experiências da rede, que partem de um diagnóstico mais global do ato educativo e
buscam mudar qualitativamente a escola, para definir uma intervenção coletiva mais
radical na estrutura e na cultura da escola que legitimam as práticas educativas
vigentes?
Sabe-se que as propostas educativas de mudança neste estado têm
valorizado mais as “continuidades” do que as “rupturas“ tão necessárias à melhoria
qualitativa da educação e das escolas. Compreendo, como Verçosa (2001, p.177),
que “algumas rupturas só se efetivarão se enfrentarmos as persistentes
continuidades decorrentes de nossa cultura” e que esse enfrentamento exige
30

No caso da escola campo de estudo, as condições necessárias ao trabalho (como equipamento
das salas ambiente e a ampliação da jornada de trabalho prometida aos professores) ainda estão por
ser ofertadas.

66

definição de uma política clara, acompanhamento e apoio, enfim, concentração de
esforços coletivos para institucionalização e enraizamento de novas práticas
escolares, mesmo porque as mudanças não se efetivam por milagre, por um toque
mágico, mas por trabalho sério, paciente, difícil e honesto.

2. 5. A PROPÓSITO DAS EXPERIÊNCIAS DE CICLOS
Pelo exposto, a partir da literatura visitada sobre os ciclos de formação e da
diversidade das propostas em curso, na busca de síntese, algumas questões
merecem destaque.
De acordo com Barreto e Mitrulis (2004), as propostas são as mais diversas
e acolhidas por gestões dos mais variados matizes partidários, que apresentam
justificativas

convergentes

nas

idéias

e

revelam

muitos

consensos

no

encaminhamento das políticas.
No tocante à estrutura, percebo que mesmo havendo consensos nos
encaminhamentos e convergência em muitas idéias, estão postas diferentes
concepções que apontam para a qualidade da escola que se quer. Em meio às
nuanças das propostas, é possível identificar dois tipos de estrutura escolar por
ciclo, no ensino fundamental: uma que segue a lógica da junção de séries ou bloco
de séries que não rompem com a estruturação seriada e outra que adota a
desseriação, com compromisso claro com a construção de uma escola como direito,
sob o eixo do desenvolvimento humano.
Um exemplo claro de propostas do primeiro tipo é a dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs que organiza os ciclos em uma base da escola
seriada:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão organizados em ciclos de dois
anos, mais pela limitação conjuntural em que estão inseridos do que por
justificativas pedagógicas. Da forma como estão aqui organizados, os ciclos
não trazem incompatibilidade com a atual estrutura do ensino fundamental.
Assim, o primeiro ciclo se refere às primeira e segunda séries; o segundo
ciclo, à terceira e quarta séries; e assim subseqüentemente para as outras
quatro séries (2001, p. 62).

67

Convém observar o alerta de Arroyo (1999, p. 157), de que existem ciclos
que deformam, que não passam de um amontoado de séries, cujo objetivo é corrigir
fluxo e, portanto, efetuam “retoques pontuais na velha lógica seriada”.
Os propositores dos PCNs reconhecem que a estruturação proposta não
elimina os problemas de passagem da quarta para a quinta série, geradores de
muita repetência, como também não incorpora à escolaridade obrigatória as crianças
de seis anos. O que confirma o caráter reformista e modernizante, analisado por
Cavalcante (2002), que caracteriza as propostas neoliberais para a educação.
Os ciclos de formação buscam uma nova qualidade de educação.
Apresentam uma concepção de educação escolar voltada para a formação social
crítica, para a formação integral. A escola é concebida, no plano político, como uma
escola democrática que se flexibiliza para assegurar o direito a todos os estudantes;
no plano cultural, como pólo irradiador da cultura e espaço de produção coletiva e,
no plano pedagógico, como espaço de desenvolvimento de sujeitos capazes de
pensar criticamente e agir autonomamente.
Em relação aos fundamentos que orientam a estruturação da escola por
ciclos, os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento aparecem com mais ênfase
do que o de ensino-aprendizagem. Este, entendido como expressão da relação
entre professor e aluno, fundado na lógica transmissiva do conhecimento, que supõe
um ser que ensina e um que aprende, em um tempo determinado. Pensar o
conhecimento sob essa perspectiva pressupõe que há um conhecimento pronto e
acabado que a escola deve transmitir.
Os ciclos seguem outra lógica que se vincula à teoria histórico-cultural de
desenvolvimento humano. Os estudos de Vigotsky (2002, p. 118) mostram a íntima
relação entre aprendizagem e desenvolvimento, sua interdependência e articulação.
Partindo de uma crítica às concepções de que os processos de desenvolvimento da
criança

são

independentes

do

aprendizado,

ou

que

aprendizagem

é

desenvolvimento, ou da concepção que tenta superar os extremos das duas
combinando-as, ele conclui:
aprendizado

não

é

desenvolvimento;

entretanto,

o

aprendizado

adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis de acontecer. Assim o aprendizado é um aspecto

68

necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções
psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

Para

Vigotsky

há

uma

interação

dialética

entre

aprendizagem

e

desenvolvimento, sendo que em muitos momentos a aprendizagem se antecipa e
estimula o desenvolvimento. Ao redefinir assim essas relações, afirma que a
aprendizagem deve se antecipar ao desenvolvimento, por ser um mecanismo que o
completa, projetando-o para patamares mais elevados, o que cria novas
possibilidades de intervenção na prática pedagógica e na sala de aula
especificamente. Isto porque, se a aprendizagem estimula o desenvolvimento, os
conteúdos escolares aprendidos são incorporados como desenvolvimento mental
dos educandos.
Na elaboração das dimensões do aprendizado escolar, Vigotsky apresenta
um conceito novo, que denomina zona de desenvolvimento proximal, compreendida
como a distância entre o nível desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento
potencial. Esta zona define aquelas funções que ainda não amadureceram mas que
estão em processo de maturação e que, para se tornarem desenvolvimento efetivo,
precisam da mediação de um agente externo. Assim, a zona de desenvolvimento
próximo é o espaço de investimento do processo de ensino/aprendizagem que, se
bem-sucedido, amplia o âmbito do desenvolvimento real.
No que se refere à formação, sabe-se que as inovações / mudanças
introduzidas na escola por ciclos incidem nas formas de trabalho pedagógico dos
professores. Estes são desfiados a criar, recriar, construir, estabelecer estratégias
para o planejamento, para a avaliação, para o estudo coletivo (dos alunos e com
seus pares), para o processo de ensinar e aprender, enfim, para o exercício da
docência.
Thurler (2001, p. 18) considera que os ciclos impõem dois novos desafios
para os professores: reinventar a escola como local de trabalho e reinventar a si
próprios como pessoas e como profissionais. O professor deve, progressivamente,
construir-se uma nova identidade, fundada no desenvolvimento de um conjunto de
novas posturas e competências profissionais. O primeiro desafio é romper com o
individualismo, porque o trabalho com ciclos é de responsabilidade coletiva, exercida
no cotidiano através de decisões tomadas pela equipe, das ações empreendidas e

69

dos meios utilizados ao longo do ciclo para propiciar aos educandos as melhores
condições de aprendizagem.
Para isto, a autora relaciona algumas competências que o professor
necessita para mediar a progressão dos alunos: cooperar dentro de uma equipe;
traduzir os objetivos de final de ciclo em dispositivos de aprendizagem; observar e
gerir a progressão dos alunos; desenvolver uma organização de trabalho ágil e
flexível; dosar desafios mobilizadores em função das competências e envolver-se
em uma exploração cooperativa.
Essa perspectiva implica a necessidade de (novos) saberes que devem ser
colocados à disposição dos professores, a fim de que possam desincumbir-se bem
no seu ofício de mestre, o que requer um repensar da formação inicial e continuada.
Conseqüentemente, de um lado é preciso que as agências formadoras repensem
seus cursos para que os futuros profissionais possam construir saberes e
habilidades para o trabalho com os ciclos e, de outro, o processo de formação
contínua deve se dar no chão da escola, no seu acontecendo, à medida que se
constrói a inovação, sempre de forma coletiva, não havendo polarização entre
pensar e fazer, teoria e prática, tempo de formação e de ação.
Sintetizando, os ciclos de formação apresentam uma série de princípios,
objetivos, conhecimentos, bastante complexos e peculiares, que mexem com
esquemas mentais já construídos e com a cultura de cada um. Essa nova maneira
de ser da escola não vem sendo aceita tranqüilamente, tem provocado tensões
docentes, embates políticos, culturais e intelectuais.
Uma das principais polêmicas gira em torno da aprovação/reprovação da
proposta de progressão continuada que a maioria dos projetos de ciclo adotam,
tendo sido, inclusive, tópico do debate entre os presidenciáveis na última campanha
eleitoral para presidência da república. Os dados do IBGE mostram que São Paulo,
nos últimos dez anos, com a adoção dos ciclos tem reduzido o atraso escolar em
42,9%31. Os defensores da proposta afirmam que eles permitem ao estudante mais
tempo para aprender sem ficar retido, pois a retenção é geradora de desestímulo e
tem levado muitos alunos a abandonar a escola. Os críticos alegam que a
implementação dos ciclos vem se dando sem critérios, maquiando estatísticas que

31

Cf. Reportagem da Folha de São Paulo de 14 de abril de 2004.

70

demonstram melhoria, mas não há garantia de que o aluno efetivamente aprendeu o
conteúdo.
Nos meios acadêmicos, os ciclos têm mais adeptos do que opositores.
Quando se trata do ideário que o fundamenta, são poucas as vozes discordantes;
contudo, em relação aos procedimentos de implantação e às condições de
implementação, posicionam-se com reservas.
Entre os críticos, Demo (2003) questiona a progressão continuada e afirma
que ela, em grande parte, é um abuso do conceito de flexibilidade (contido na LDB)
que se vincula à aprendizagem e não à progressão. Não defende a repetência em si,
mas diz que “uma coisa é perceber que o aluno deve aprender sem repetir e outra
coisa é camuflar a aprendizagem para que possa avançar sem aprender” (p. 14).
Paoli e Costa (2004, p. 145), em seu estudo, tecem críticas à Escola Cidadã
e afirmam: “de nada adianta uma progressão plena, sem nenhuma possibilidade de
retenção, se ela não estiver vinculada diretamente a um processo de excelência no
que diz respeito ao principal compromisso da escola com a formação científica das
crianças e jovens”.
Entretanto, o argumento dos críticos de que a escola deve assumir o
compromisso com a aprendizagem de cada aluno e envidar todos os esforços para
que cada um aprenda, é idêntico ao que os defensores do ciclo utilizam (cf. Krug,
2001, Oliveira, 1998, entre outros). Não há quem advogue que aluno, especialmente
da escola pública, deva concluir o ensino fundamental de qualquer jeito, sem que ele
elabore, amplie, se aproprie dos conhecimentos que lhe permita “o acesso e o
trânsito na sociedade, compreendendo-a” (Santiago, 1990, p. 27).
Entendo que o caráter instigante dessas propostas não está nas polêmicas
entre série e ciclo ou entre aprovação e retenção. Elas refletem uma questão mais
fundamental, por tentarem recuperar para a função social da escola e da docência a
função de educar. Como diz Arroyo (2004, p. 11), elas buscam
recuperar a educação. Colocar o foco nos educandos e em seus processos
formadores. Reconhecer em cada criança, adolescente, jovem ou adulto um
ser humano em formação. Os processos de formação humana incluem
processos de ensino, de aprendizagem e de construção do conhecimento.
Mas vão além. Defrontam-se com as complexas e tensas artes de formação

71

do ser humano, tarefa esquecida ou secundarizada muitas vezes no
pensamento e no fazer educativo escolar.

Com esses referenciais mergulho na análise do objeto em estudo, com a
clareza de que
se não partirmos do reconhecimento de que respeitar os tempos humanos,
cognitivos, socializadores e culturais dos educando(as) é uma exigência de
todo processo de ensinar e aprender, sobretudo de todo processo de
formação humana, dificilmente nos aproximaremos com respeito intelectual
às complexas tentativas de organizar a escola em ciclos de formação
(Arroyo, 2004, pp.12-13).

72

Ninguém caminha
sem aprender a caminhar,
sem aprender a fazer o caminho
caminhando, refazendo e retocando
o sonho pelo qual se pôs a caminhar.
Paulo Freire

73

CAPÍTULO 3
UMA ESCOLA ESTRUTURADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO
EM ALAGOAS: O CONCEBIDO E O CONSTRUÍDO
NO COTIDIANO ESCOLAR

Neste capítulo analiso como o projeto escolar estruturado por ciclos de
formação inova e muda a escola fundamental, através das representações dos
diferentes sujeitos envolvidos no processo de mudança.
Sabe-se que mudar a feição conservadora da escola significa enfrentar o
instituído e alterar modos de pensar e fazer. Para tanto, faz-se necessária a
constituição de um novo olhar sobre o fenômeno educativo, a incorporação de novas
atitudes e valores e a construção de uma nova mentalidade educacional. Isto
pressupõe não só o envolvimento de diferentes instâncias do campo educativo, mas,
sobretudo, dos sujeitos que, coletivamente, são responsáveis pela construção e
institucionalização do projeto político-pedagógico da escola.
Compreendo que o projeto constitui-se em um instrumento “em busca de
novas trilhas para a escola” (Veiga, 2001, p. 45) e em uma estratégia indispensável
para a efetivação da mudança educativa, visto que:
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro.
Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se,
atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em
função da promessa que cada projeto contém de estado de melhor do que o
presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a
determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação
possível, comprometendo seus atores e autores (Gadotti, 1997, p. 37).

Contudo, as promessas do projeto dependem das orientações que adotam,
dos compromissos assumidos, dos objetivos que se colocam a educação e que
conseqüências produzem. As promessas podem apenas visar à modernização da
escola sem mudar o instituído, ou podem ser inovadoras no sentido da sua
transformação teórica e prática.
De acordo com Carbonell (2002) um projeto educativo inovador deve
expressar finalidades e esperanças; revelar histórias e narrações compartilhadas

74

O projeto escolar organizado por ciclos de formação, ao buscar transformar
a escola pública de ensino fundamental em uma escola de inclusão, de direito e de
aprendizagem para todos, não introduz apenas alterações pontuais na prática
escolar; altera valores básicos dos programas de escolarização, tendo como eixo o
desenvolvimento humano e as vivências dos educandos, em que os ciclos de idade
são pilares da organização da prática educativa. Considero que, pela complexidade
e amplitude dessa mudança educativa, o próprio projeto já deve contemplar as
outras duas estratégias citadas por Mattos Vilar, no primeiro capítulo, para
construção de uma inovação: a formação e aperfeiçoamento dos professores e a
(re)estruturação do marco organizativo da escola.
Por conseguinte, para apreender os Ciclos de Formação como objeto de
estudo, requer tomar a escola assim organizada como uma totalidade32, captando
suas contradições, desvelando seus conflitos, sua organização, sua prática e seus
compromissos. Desse modo, o projeto é tomado como “as intenções do corpo da
escola, geradas, discutidas e postas em ação por todos aqueles que fazem a escola
e, de modo particular, pelo trabalho dos professores” (Santiago, 1997, p. 71).
Embora reconheça a extrema relevância dos professores na construção da
inovação educativa, busco reunir, confrontar e dialogar não só com suas vozes, mas
também com as vozes dos demais envolvidos na construção e consolidação do
projeto escolar por ciclos de formação. No movimento constante e dialético, entre o
concebido e o construído pelos sujeitos no cotidiano da escola assim estruturada, no
sentido que eles lhe atribuem, procuro captar como nesse processo os ciclos podem
inovar e mudar a escola.
Os diferentes construtores da inovação possuem nomes, que eu os
individualizo na minha lembrança, como pessoas concretas. Contudo, para preservar
as suas identidades, substituí seus nomes por codinomes tomados de pessoas
muito caras: filho, filha, sobrinhos e sobrinhas.

32

O termo “totalidade” é aqui entendido não como todos os fatos de uma realidade, mas como um
todo estruturado, dialético, em curso de desenvolvimento e de autocriação (cf. Kosik, 1995).

75

3. 1. ESCOLA E CONTEXTO

A escola em que se realiza este estudo situa-se no bairro Santa Lúcia, que
integra a região oeste da cidade, distante do corredor turístico que encanta os
visitantes pelas suas belezas naturais, suas praias de águas mornas e
transparentes, sua bucólica lagoa e que, aqui, desfrutam do conforto dos hotéis, da
saborosa culinária alagoana e da hospitalidade de seu povo. Ele faz parte da cidade
real, como a maioria dos bairros, carente de infra-estrutura e de espaços e serviços
sociais básicos, compondo uma grande área predominantemente popular do “grande
bairro” Tabuleiro do Martins33, que até meados do século passado era apenas um
arrabalde de Maceió.
A partir de 1970 ocorre na capital uma “verdadeira explosão populacional”,
para o que concorreram vários fatores: a expulsão dos trabalhadores do campo pela
lavoura da cana, a seca persistente e, mais recentemente, a crise generalizada, que
intensificou a busca por novas oportunidades de trabalho (cf.Verçosa, 1999, p. 65).
Além desta “corrida” do interior para a capital, nos próprios limites da cidade é
crescente a ocupação dos espaços urbanos dos bairros mais nobres por arrojados
empreendimentos residenciais, com intensiva especulação imobiliária, empurrando
os moradores de baixa renda para bairros da periferia.
Desse modo, o Tabuleiro do Martins cresceu tanto que se dividiu em dois:
Tabuleiro Velho (área sede do sítio que o originou) e o denominado Tabuleiro Novo,
à direita da dupla pista para quem sai da cidade, do qual fazia parte o distrito
industrial34 e a localidade Santa Lúcia, área de grandes loteamentos, que cresceu,
se expandiu, surgindo, ao longo e em torno do corredor de transporte ali existente,
uma área de comércio e serviços, como oficinas, bazares, mercearias, mercadinhos,
videotecas, salões de beleza, escolinhas, clínicas populares etc., adquirindo vida
própria e, recentemente, passou a ser bairro.

33

O Tabuleiro do Martins, originalmente, era um sítio pertencente à família Martins de Oliveira.
Nos anos 70 e 80 várias indústrias ali se instalaram. Porém, com a crise e a falta de incentivos e de
infra-estrutura adequadas, muitas empresas fecharam, se transferiram, restando poucas, que
continuam a enfrentar os mesmos problemas de décadas. E a promessa de emprego e renda tão
esperada por setores da população foi ficando sempre mais distante.
34

76

A construção de vários conjuntos habitacionais para população de baixa
renda, o loteamento de enormes áreas urbanas e as favelas que ali se instalaram,
sem planejamento urbano, acarretaram e acarretam carência de espaços e serviços
públicos. Falta saneamento básico, postos de saúde, hospitais, escolas, áreas de
lazer, segurança e transporte urbano em quantidade suficiente para atender
dignamente a comunidade. É gritante o problema da violência ostensiva, muitas
mortes e assaltos, que têm levados seus moradores a mudarem os hábitos
provincianos, de que fala Verçosa (1997), pouco se ver pessoas sentadas a porta
das suas casas para o bate-papo constumeiro.
Apenas alguns conjuntos têm ruas pavimentadas, num esforço dos próprios
moradores. A maioria das ruas nem meio-fio tem. Uma referência exemplar é aquela
onde está situada a escola. Além disso, observa-se, na maioria das ruas que
circunda os conjuntos, muita água servida correndo nas valetas, com esgoto a céu
aberto.
Diferentes padrões residenciais abrigam a população. Por um lado, as casas
dos conjuntos, muitas já reformadas, algumas pequenas chácaras e casas de
padrão confortável e, por outro lado, predominam casas estreitas coladas umas nas
outras, muitas inacabadas ou sem reboco e sem pintura, diversas vilas de casas
com apenas um cômodo ou dois, com banheiros e sanitários coletivos, e também
pequenos barracos de lona.
É uma das zonas com elevado índice de desemprego. A população
economicamente ativa é diversa. Alguns são donos de pequenos negócios de
comércio e serviços, outros são empregados, principalmente, no setor de serviços,
na construção civil, no serviço público, ou ainda muitos desempregados
mergulhados na economia informal, realizando atividades por conta própria, sendo
que a maioria desempenha funções de baixa remuneração. Percebe-se que as
condições de vida da população refletem projetos desiguais de qualidade de vida,
diferentes acessos aos bens também entre as classes populares.
Esse quadro de crescimento acelerado da população do bairro, sem infraestrutura para atender, minimamente, às necessidades de seus moradores, tem
evidenciado, no campo educacional, um déficit de vagas, sendo comum, a cada
início de ano, muitas famílias acamparem, vários dias, sem sucesso, nas portas de
suas escolas públicas (estaduais e municipais). Mesmo com a pressão das famílias,

77

que quase sempre sensibiliza diretores e diretoras, matriculando estudantes em
maior número do que recomenda a pedagogia e o próprio Estatuto do Magistério
estadual, sendo freqüente encontrar turmas com 45 ou mais alunos na fase inicial de
escolarização, o problema persiste.
Em razão desse problema, a comunidade, através da Associação de
Moradores do Conjunto Cleto Marques Luz, mobilizou-se, foi à luta35, no sentido de
ampliar os serviços e espaços educacionais do bairro, mesmo havendo uma certa
descrença, até entre alguns dirigentes da associação, face às inúmeras promessas,
não cumpridas, em gestões anteriores. Foi possível assegurar a construção desta
escola através do orçamento cidadão36, instituído pelo Governo do município de
Maceió, no ano de 1999, no qual foram definidas as prioridades de cada região
administrativa e incluídas no plano de obras do ano seguinte. Todavia, conseguir o
atendimento ao pleito não foi tarefa fácil. Como disse o presidente, “havia outros
bairros brigando por escolas, foi uma batalha muito grande, mas conseguimos”,
demonstrando que as desigualdades sociais não têm sido aceitas passivamente
pelos moradores e trabalhadores dos bairros.
A sua construção foi uma parceria do governo municipal, que doou o terreno,
e do governo estadual, que financiou e assumiu a administração da escola, tendo a
Associação de Moradores assegurado, na execução da obra, trabalho para a
comunidade, pois 50% da mão-de-obra contratada pela construtora responsável foi
de trabalhadores da própria comunidade. Portanto, sua concretização vincula-se às

35

A luta de comunidades que buscam ampliar os espaços e serviços públicos para garantir direitos
sociais,em particular direitos educacionais, tem sido tema de vários estudos, entre os quais
destacam-se: Campos (1989) “A luta dos trabalhadores pela escola” que reconstrói um período – a
década de 1970 – em que setores populares, da grande Belo Horizonte, tiveram que enfrentar o
Estado autoritário nessa luta; Spósito (1984) e (1993), respectivamente, “O povo vai a escola” retrata
a luta pela expansão do ensino na década de 1950 e “Ilusão Fecunda” enfoca com propriedade a luta
social das mulheres e mães, na cidade de São Paulo, nas décadas de 1970 e 1980, que no interior
da luta pela sobrevivência, se organizam e buscam ampliar o acesso à escola, motivadas pela
compreensão da importância e possibilidades do conhecimento na concretização de um outro futuro
para seus filhos e filhas.
36

Também denominado orçamento participativo do Município de Maceió, foi instituído no final da 1ª
gestão da Prefeita Kátia Born, quando foram realizadas “assembléias populares” nas sete regiões
administrativas (cada região aglutina vários bairros próximos), nas quais, após levantamento dos
problemas de cada bairro, elegiam-se cinco prioridades por cada região, a serem apresentadas na
assembléia popular de todo o município. De acordo com o orçamento municipal e de possíveis
parcerias, por fim foram definidas três obras para cada região, que integraram o planejamento do ano
seguinte das respectivas secretarias responsáveis pela realização das obras. Tal iniciativa, tão bem
aceita pelas comunidades, não se repetiu nos anos subseqüentes, no segundo mandato da referida
prefeita, caracterizando-se não como uma política, mas como uma iniciativa puramente eleitoreira.

78

reivindicações da comunidade e às ações de um governo que se anunciava
comprometido com as causas populares e, no campo educativo, se propunha
assegurar o direito de todos os alagoanos a uma educação escolar de qualidade.
A Secretaria Executiva da Educação de Alagoas, doravante denominada
SEE, responsável pela escola, ao tempo que atendia à reivindicação da
comunidade, também buscava reordenar sua rede escolar, devido à necessidade de
expandir o ensino médio e, sobretudo, solucionar o problema dos excedentes da
matrícula do ano 200037. Ao atender a todos que buscaram vagas, matriculou a
mais, em uma escola próxima, cerca de quatrocentos estudantes, obrigando-se a
mantê-los em prédio alugado, sem instalações adequadas e em condições
precárias.
Desse modo, das 1.500 novas vagas, aproximadamente, quase metade já
estava ocupada pelos estudantes de 1ª a 5ª séries da escola citada anteriormente,
que, incluída no programa “Escola Jovem”, deveria ampliar o ensino médio. Por
conseguinte, no segundo dia de matrícula, a lotação da escola em estudo foi
preenchida e o problema da insuficiência de vagas, apenas minimizado 38.

3. 1. 1. O espaço escolar
Esse é o contexto em que esta escola se situa. Edificada numa rua
transversal ao corredor de ônibus, o seu projeto arquitetônico é bem moderno,
estruturado em dois pavimentos, destacando-se entre os prédios do bairro,
predominantemente de padrão popular. Ela tem por um dos lados e a sua frente
residências e casas comerciais e pelo outro lado e aos fundos, terrenos baldios,
alagadiços, que, por falta de drenagem, nos períodos de chuvas se transformam em
lagos, invadindo a rua e dificultando o acesso à escola.
37

Nesse ano, após a realização da matrícula, assumi a Coordenação de Educação do Estado de
Alagoas e pude perceber que esta situação criada de falta de espaços ocorreu em quase todo
estado, por vontade pessoal e política da Secretária de Estado, sem previsão orçamentária e,
portanto, não considerando a necessidade de planejar a expansão e reordenamento da rede. Isto
implicou aumento das carências de materiais, de equipamentos e, principalmente, de professores e
pessoal administrativo, resolvido, provisoriamente, com a contratação temporária de profissionais, até
a realização de concurso público, o que ocorreu no mês de agosto.
38
As famílias reclamavam insatisfeitas, não entendiam por que uma escola tão grande recebia tão
poucos alunos, e, sob pressão, a então secretária de educação assumiu continuar mantendo a
extensão da outra escola, para atender aos quase quinhentos alunos que esta nova escola não
abrigou.

79

Na entrada da escola, uma rampa liga a calçada ao portão interno e,
estendendo-se à direita, uma área livre cimentada, onde se improvisa uma pequena
quadra, muito utilizada pelos professores de educação física. Na calçada, um
frondoso cajueiro completa o visual acolhedor da escola. Contudo, esse bucolismo
tem sido alterado pela invasão de ambulantes, com pequeno comércio de
“bonbonnière”, em carrinhos improvisados, que disputam as moedas das crianças na
venda de pipoca, bombons, biscoitos, numa demonstração evidente e dramática do
desemprego estrutural, que leva à exclusão social e submete pessoas a condições
de vida precárias.
Ultrapassando o portão interno, um pátio coberto liga a ala da administração
à das salas ambientes e salas de aula e dá acesso ao grande pátio coberto. Na área
administrativa, encontram-se as salas da secretaria, dos professores, da
coordenação pedagógica, da direção, do almoxarifado de materiais didáticos e dois
banheiros. Todas as salas estão devidamente mobiliadas. A sala da secretaria, a
única com ar condicionado, é onde se acham instalados máquina xerox,
computador, telefone / fax.
Caminhando pelo pátio, à direita, encontra-se a sala do laboratório de
aprendizagem, que dispõe de jogos didáticos, livros infantis e outros materiais, aos
fundos, os bebedouros, o refeitório – equipado com bancadas em granito coladas às
paredes, mesas redondas e cadeiras plásticas – onde os alunos merendam e a
cozinha e suas dependências.
As 14 salas de aula, amplas, iluminadas e ventiladas, distribuídas em dois
pavimentos, estão situadas à esquerda do pátio de entrada, dispostas de tal maneira
que formam um longo L invertido, voltadas para uma área descoberta, de terra
batida, que nos períodos de chuva transforma-se em lago, devido a um defeito de
construção que impede o escoamento das águas. Essa área e o pátio coberto são
usados pelos alunos no recreio e também no decorrer das aulas de educação física,
já que a escola não dispõe de quadra ou ginásio adequados para tal fim. Além disso,
distribuídas igualmente nos dois pisos, mais quatro salas ambientes (multimídia,
biblioteca, laboratório de ciências e laboratório de informática, sendo que as duas
últimas ainda não dispõem de nenhum equipamento) e quatro conjuntos de
banheiros, devidamente adaptados para pessoas portadoras de necessidades
especiais, completam o espaço físico escolar. A biblioteca, bem iluminada, arejada e

80

como bom mobiliário, não dispõe de um bom acervo de livros que favoreça a
pesquisa. Os que existem são, quase exclusivamente, livros didáticos de níveis e
temas diversos e dicionários. Alguns outros (pouquíssimos) foram doações. Em
virtude da carência de salas, esta atualmente cede espaço ao laboratório de
aprendizagem.
O acesso ao pavimento superior se dá por escadas ou por uma grande
rampa de inclinações suaves, com cobertura em policarbonato, que se localiza, à
esquerda, próximo ao fundo do pátio coberto. Chama a atenção a decoração das
paredes na subida da rampa e no vão externo das escadas, feita pelos alunos, em
aulas de arte-educação, numa combinação de paisagens, pessoas, animais, flores e
motivos do folclore, em que se misturam muitas cores, formando imensos painéis de
forma harmoniosa. Aliás, as paredes externas do seu interior, não revestidas por
cerâmicas, e o muro da fachada da escola, ganham vida com a arte das crianças e
adolescentes, expressando temas diversos, estudo de traços de renomados artistas
plásticos e aproveitamento de recursos e objetos de uso cotidiano na composição de
painéis artísticos, sob orientação de um professor.
Nas salas de aula encontram-se sempre cartazes onde estão registrados os
combinados entre professores e alunos, ou seja, as normas de convivência. As salas
do 1º Ciclo são facilmente identificáveis pela longa faixa em cartolina com o alfabeto
escrito de diferentes formas: maiúsculo, minúsculo, em letras grafadas e
manuscritas, fixadas acima do quadro de giz. As carteiras (mesas e cadeiras
individuais), ao contrário da tradicional arrumação em fileira, estão dispostas em
forma de U ou em semicírculos, na maioria das salas, facilitando a circulação das
crianças e a realização de atividades em grupo.
Cartazes e murais no pátio de entrada, confeccionados pelos professores,
direção e coordenação, muitas vezes se misturam com os elaborados pelos
educandos, que tornam visíveis os temas geradores trabalhados e retirados da
prática social em que os sujeitos estão envolvidos, colocando os recortes do
conhecimento de várias áreas das ciências a serviço do desvendamento da visão de
mundo da comunidade, das famílias e dos alunos.
Este é o espaço da escola que funciona nos três turnos, ofertando ensino
fundamental no turno diurno para crianças e adolescentes e no noturno para jovens
e adultos, atendendo mais de 1.500 alunos assim agrupados: 16 turmas pela

81

manhã, 16 turmas à tarde e 15 turmas à noite39. No horário matutino funcionam
cinco turmas de 1º ciclo, nove turmas de 2º ciclos e duas turmas de progressão do
1º ciclo e no turno vespertino seis turmas do 2º ciclo, três turmas de progressão do
2º ciclo e sete turmas do 3º ciclo.
A escola oferece diariamente merenda escolar a todos os estudantes. À
medida que a equipe escolar detectou que várias crianças, jovens e adultos,
chegavam à escola com fome, em função das condições econômicas das famílias,
passou a servir uma pequena refeição de entrada, basicamente composta de um
copo de leite ou de suco com biscoitos e, às vezes, de um mingau que é bastante
apreciado por eles. Esse desjejum só não é ofertado quando o programa central de
distribuição da merenda40 atrasa e faltam gêneros alimentícios nas escolas.
Constata-se que as crianças menores são as que mais usufruem deste serviço, vez
que as maiores, algumas envergonhadas, preferem ficar com fome para não serem
identificadas, pelos colegas, como alguém que não tem o que comer.
Como não existe espaço adequado para as aulas de educação física,
diariamente, exceto às segundas-feiras, a cada hora há uma ou duas novas turmas
em atividades físicas.
A rotina escolar é bastante intensa. E, ainda que quase sempre ocorra falta
de professores, raramente os alunos voltam para casa sem aula, o que é um
aspecto muito elogiado pelas famílias. Como disse uma mãe, “uma coisa que mais
gosto daqui é que meu filho tem aula todo dia; na outra escola que ele estudava, os
professores faltavam e elas (diretoras) mandavam eles pra casa e, às vezes, as
crianças ficavam na rua sem os pais saber”.
3. 1. 2. Os sujeitos
A escola é dirigida por uma professora formada em pedagogia e duas
diretoras adjuntas, ambas com curso superior, uma em Pedagogia e a outra em

39

O ensino noturno está organizado em cinco etapas agrupadas em dois segmentos. O 1º segmento
abarca as 1ª, 2ª e 3ª etapas e o 2º segmento as 4ª e 5ª etapas, com duração de dois e três anos
respectivamente.
40

Entretanto, tal iniciativa é questionada por técnicos da Merenda Escolar, que não aceitam que as
escolas ofereçam mais de uma refeição no turno diurno e no noturno consideram desnecessária a
distribuição de merenda.

82

Letras, todas eleitas pela comunidade escolar. Duas professoras auxiliam a direção
na coordenação de disciplina.
O corpo técnico-pedagógico está constituído por cinco pedagogas, todas
com vinte horas-atividades, responsáveis pela coordenação do trabalho pedagógico
dos três ciclos, das turmas de progressão, do laboratório de aprendizagem e da
educação de jovens e adultos. Todas começaram na escola como professoras, o
que favorece o desempenho na função e as relações com os docentes. A maior
preocupação da equipe é com a aprendizagem dos alunos, que desafia a todos. A
coordenadora

pedagógica

Ana

Luisa

considera

a

prática

docente

como

indispensável para o exercício da função coordenadora, principalmente quando se
atua em turmas de progressão: “foi uma missão que recebi e, pra mim, trabalhar
hoje nessa escola sem ter passado pelas turmas de progressão, não ia ser a mesma
coisa”.
O coletivo de professores é composto por 54 professores, dos quais 36 têm
formação para o magistério em nível superior e, dentre estes, oito são pósgraduados em curso de especialização; 15 têm magistério em nível médio, sendo
que 10 já têm mais de 15 anos de serviço. Cerca de dois terços dos professores
ingressaram na rede pública, a partir de 2001, por aprovação em concurso público.
Contudo, muitos trazem experiências anteriores no magistério, em escolas públicas
ou privadas.
Entre as educadoras, encontram-se algumas ligadas ao movimento de
mulheres. Embora participem de mobilizações da categoria, ainda são poucos os
filiados ao sindicato. Alguns alegam falta de tempo para ir ao SINTEAL e outros
porque acham que o sindicato “não faz nada”, “só faz política”, “não consegue
melhora para a categoria”. Todos se sentem injustiçados, mal remunerados e alguns
estão cansados e até desencantados: “pra gente que trabalha o governo nunca tem
dinheiro”. Mas, essa forma de enfrentar a questão, sempre esperando, revela uma
incoerência, como alerta uma professora: “uma das coisas que é próprio da escola
de ciclo [mas não só dela] é que a gente tá formando cidadão, pra ter iniciativas de
mobilização e de busca, a gente como profissional num tá tendo” (Liana).
Os educandos são crianças e adolescentes barulhentos, alegres e muitos
carentes de atenção e afeto, que têm desejos, sonhos, aspirações, como
expressaram na entrevista grupal: “quero ser feliz”, “quero ser uma pessoa

83

importante e reconhecida na minha comunidade”, “quero ser gente”, “a minha família
é tudo par mim”. Sonham com uma vida melhor para si e seus familiares. Na sua
quase totalidade, provêm de famílias de baixa renda, conforme se pode inferir das
informações contidas nas fichas de matrícula, e do tipo de ocupação / trabalho dos
pais e mães, pois a maioria destes realiza ocupações em geral, muito mal
remuneradas.
Muitos alunos têm uma trajetória escolar marcada pela repetência e pelo
ingresso tardio na escola, de tal forma que quando da organização inicial das turmas
por ano-ciclo, tomando com referência a idade e o nível de escolaridade, 40% dos
alunos matriculados apresentavam distorção idade-série.
Os pais e mães têm uma boa participação nas atividades da escola. As
ocupações mais freqüentes exercidas por eles são as de vigilante, doméstica,
vendedora, caixa, pedreiro, carpinteiro, auxiliar de serviços diversos, assistente
administrativo, entre outras, e muitos desempregados vivem de “biscates”.
Na escola, um outro elemento interessante que chama atenção é a presença
significativa de alunos adultos, que também são pais de alunos do turno diurno.
Os funcionários que atuam na entrada da escola, na secretaria, no refeitório,
na cozinha, enfim, espalhados pelas dependências da escola nas funções de
assistentes administrativos, vigias, merendeiras e auxiliares de serviços diversos, no
apoio ao trabalho escolar, quase todos têm nível médio e dois têm formação
superior. São parceiros da ação de educar, ouvintes dos educandos na entrada, no
recreio, nos corredores, cuidam deles e, portanto, têm muito a contribuir com o
processo educativo.

3. 2. HISTÓRIA E PROCESSO DA INOVAÇÃO

Esta escola estruturada por ciclos de formação emerge no bojo de um
projeto de governo na administração da SEE que, naquele momento, se esforçava
em (re)construir a escola pública para todos, democrática e com qualidade social,
então denominada de Escola Cidadã. Nesse sentido, em 1999, iniciou um
movimento, a partir da reflexão e análise das práticas escolares instituídas (seletivas
e excludentes), no sentido de (re) definir a escola, que se quer democrática e de

84

qualidade para todos, envolvendo toda a comunidade de sua rede escolar,
expressando na Carta de Princípios da Educação seus desejos, propostas e
princípios. No ano 2000, sob a responsabilidade da Coordenação de Educação –
CED, foi desencadeado um processo de formação, em todas as suas escolas, no
sentido de qualificá-las para (re)construção de seu projeto político-pedagógico,
aprofundando o estudo sobre concepções de educação, currículo e avaliação, que
culminou, no final do ano, com a realização da I Conferência Estadual de
Educação41. Nesse processo, os educadores apontaram que a escola deveria, ao
(re)construir seu projeto político-pedagógico:
a) Conceber o aluno como sujeito de direitos e um ser capaz de aprender;
b) Comprometer-se efetivamente com a aprendizagem dos alunos;
c) Respeitar a diversidade dos alunos, valorizando suas experiências como
ponto de partida para a construção do conhecimento;
c) Resgatar o papel do professor como um pensador, planejador das ações
e não só mero executor de tarefas;
d) Implantar metodologia de estudo e trabalho coletivo;
e) Comprometer-se com a qualificação de seus profissionais, criando
espaços de formação em serviço;
f) Fortalecer a gestão democrática, fazendo o Conselho Escolar funcionar
efetivamente;
g) Construir o currículo, tendo como ponto de partida a realidade da
comunidade onde a escola está inserida, comprometido com a inclusão,
a pluralidade e o respeito à diferença;
h) Adotar uma sistemática de avaliação contínua, diagnóstica, não
classificatória, não seletiva... (cf. SEE, 2001).
Em sintonia com o proposto pelos educadores, a SEE cria a Escola Estadual
Professora Rosalva Pereira Viana42, através do decreto nº 081 de 28 de novembro
de 2000, inaugurada em janeiro de 2001, a primeira construída pela administração
de então, com uma proposta diferenciada na sua rede de ensino.

41

A Conferência foi apenas a culminância de uma etapa de estudos e discussão, continuando no ano
seguinte o processo, que, com a mudança da coordenadora de educação, foi interrompido.
42

Alagoana de Chã Preta, professora municipal, alfabetizadora, sem qualificação profissional para tal,
fazia parte do grupo de professoras leigas, ainda hoje existente em vários municípios do Norte e
Nordeste do país, o que levou o governo brasileiro a criar o curso a distância PROFORMAÇÃO.

85

Do ponto de vista legal, a escola apóia-se na Lei nº 9.394/96, que
estabelece em seu artigo 23:
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos nãoseriados, com base na idade, na competência e ou outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar (grifo desta autora).

Assim organizada e observando os princípios da LDB e das Diretrizes
Curriculares Nacionais pra esse nível de ensino, a escola iniciou suas atividades no
mês de março do mesmo ano, com a implantação do 1º e o 2º ciclos e, a partir de
2002, vem implantando, gradativamente, o 3º ciclo. Neste ano de 2004, completa
todo o ensino fundamental no turno diurno e, no noturno, com a educação de jovens
e adultos, que começou com o primeiro segmento e, nos anos seguintes, implantou
progressivamente as etapas do segundo segmento.
Como nenhuma mudança se dá por imposição, o primeiro passo foi divulgar
a idéia, ampliar a compreensão43 e abrir inscrição para compor a equipe de
professores, a partir do desejo de cada um em realizar o trabalho pedagógico sob
outra ótica. Como disse Liana, “a gente está aqui porque quis, por opção, porque
aceitou a proposta da escola”.
Ao optarem, os professores, aparentemente, estavam se definindo por
trabalhar em um determinado projeto educativo. “Desde que fazia pedagogia, lá na
UFAL, em Currículo e Programas, eu fiquei interessada, achei muito interessante,
acho que tive... uma afinidade, aí quando passei no concurso do Estado, resolvi vir
pra cá, exatamente pela proposta” (Beatriz).
No entanto, percebe-se que mesmo os professores tendo optado por
trabalhar na escola, isto não é por si só condição para que a mudança ocorra, ou
que torne mais fácil o seu caminho. Além daqueles que optaram pela escola em
razão da proximidade de suas residências, outros motivos explicam a escolha:
Fiquei encantada com a escola, bonita, não muito grande... salas amplas,
cadeiras levinhas... Aí, quando eu vim para o curso de capacitação e que

43

Nesse sentido, foram realizados dias de estudo e um seminário sobre ciclos de formação, com o
Professor Ivan Martins, de Porto Alegre, que também se reuniu com a equipe técnica do ensino
fundamental da SEE para orientações e planejamento da implantação.

86

falaram da pesquisa e tal, eu fui me encantando com a proposta, eu quis vir,
foi uma opção minha (Liana).
Quando entrei no estado, tomei conhecimento desta escola e já tinha
experiência com educação popular lá em Pernambuco, me interessei pelos
ciclos... E foi prometido também aumento de carga horária (Felipe).

Por outro lado, em função da burocracia na nomeação de professores
concursados, a escola iniciou as aulas ainda sem estar completa a equipe de
profissionais. No preenchimento dessas carências, e nos anos subseqüentes
modifica-se o critério que passa a se dá através da via administrativa usual. Assim,
na composição da equipe pedagógica da escola coexistem os professores que
optaram por um projeto educativo; os que escolheram por razões pessoais; e os que
foram enviados sem prévio conhecimento da proposta em curso. Esse fenômeno
repercute na dinâmica da escola e da experiência.
Como a matrícula da rede44 antecedeu a composição da equipe esta foi
realizada por técnicos da 1ª Coordenadoria Regional de Ensino que, pela pressão
das famílias por vagas, preencheram todas as turmas com mais de 35 alunos em
cada uma, dificultando a formação de grupos com número menor de alunos para
atendimento diferenciado, de acordo com a proposta de ciclos, constituindo-se no
primeiro problema a ser resolvido pela futura direção. Em razão disto, a
administração da escola45 teve que adotar algumas medidas: enturmação dos
educandos, aproximando-se dos critérios estabelecidos, que se desdobrou em 31
turmas, sendo indispensável utilizar, em caráter excepcional, duas salas ambientes
(ainda não equipadas) como salas de aula e, nos anos seguintes, só abrir vagas
para formar uma turma de crianças de seis anos. Contudo, em 2003, mais uma sala
ambiente passou a ser utilizada para aulas regulares, em função da implantação de
mais um ano do 3º ciclo.
Propondo-se a SEE a mudar a escola, faz-se interessante observar que
algumas condições facilitadoras da mudança foram abandonadas ou alteradas. A
promessa não cumprida pelo gestor da educação estadual em conceder aumento de
44

45

Realizada em janeiro de 2001.

Como os profissionais da escola ainda não se conheciam para que pudessem escolher os
diretores, foi indicada, a primeira diretora, uma pedagoga da equipe pedagógica da SEE, residente na
comunidade, com o compromisso de coordenar a implantação dos Ciclos de Formação e organizar o
processo democrático para eleição da direção, o que ocorreu no ano seguinte.

87

carga horária aos professores de 20 para 40 horas, não é simplesmente um
benefício, mas uma necessidade para melhor viabilizar a mudança, que requer
tempo para formação, para trabalho coletivo e para pesquisa. Tempo que o
professor não dispõe porque premido pelo salário reconhecidamente aviltante se vê
obrigado a ter dupla ou mesmo tripla jornada de trabalho.
Composta a equipe inicial, começou a preparação da equipe através com a
realização de dias de estudo mediados por coordenadoras pedagógicas da SEE. Na
primeira semana letiva foi realizada uma capacitação de aprofundamento de estudos
e de planejamento curricular, quando foi elaborado o primeiro Complexo Temático,
sob assessoria de uma professora do município de Porto Alegre.
Paralelo ao planejamento e desenvolvimento do trabalho escolar, o coletivo
de professores passou a apresentar e explicar às famílias a organização da escola,
pois a comunidade, ao reivindicá-la, não expressou preocupação com o projeto
educativo que nela seria desenvolvido; mesmo assim, ela foi aparentemente bem
aceita pelas famílias, como disse o dirigente da associação: “no primeiro momento,
não sabíamos que ia ser uma escola de ensino ciclado, achamos que era uma
escola normal, igual às outras e, para surpresa, graças a Deus (...) tá indo bem”.

3. 3. O PROJETO ESCOLAR: AS CONCEPÇÕES CONSTRUÍDAS.

Se a escola organizada por ciclos de formação busca garantir a formação de
todos os educandos não só na sua dimensão cognitiva, mas também afetiva, ética,
estética e política, é preciso pensá-la e construí-la como um espaço de construção
do conhecimento e de vivência da cidadania e de valores que promovam a
transformação social numa perspectiva mais justa, solidária e humana. Como os
sujeitos da escola a concebem e a constroem no seu cotidiano?
A escola é representada pelos sujeitos envolvidos como um “lugar” de
transmissão cultural e como um “espaço” educativo, que volta sua ação para a
educação global. Do ponto de vista dos sujeitos pedagógicos46, como descreve a
professora Thaís, a escola é concebida como,

46

Denomino de sujeitos pedagógicos os docentes, diretores e coordenadores pedagógicos.

88

o lugar onde se trabalha mesmo a questão da educação em todos os
sentidos. A educação no sentido do saber, do letramento, da cultura e a
educação, no sentido de formar hábitos, de trabalhar a cidadania, os
valores, a ética, enfim é um espaço onde realmente se trabalha toda essa
questão mesmo da educação em todos os sentidos, não apenas a questão
de saber ler, de escrever, mas a educação de mudar mesmo a visão das
pessoas (...) enfim, mudar mesmo.

A preocupação dos pais é de que a escola fundamental deve assegurar os
conteúdos necessários ao prosseguimento de estudos, a preparação para os
exames do PSS.
No primeiro ano a gente ficava muito sobre o comportamento pra ver se o
conteúdo era dado, a gente cobrava muito, a gente ficava muito em cima
pra saber se aquilo dali que tava aprendendo por exemplo no primeiro ciclo
se correspondia à série, sempre tinha uma comparação, pra ver se
realmente tava condizendo, se tava a altura daquilo que devia aprender se
tivesse fora, na escola seriada. Porque senão depois, no ensino médio,
como conseguir fazer o PSS? (Carolina)

Essa é a perspectiva da escola ainda vigente, que tem como eixo central os
conteúdos escolares, relegando ao segundo plano a função de educar, de formar
sujeitos. Tal visão, não é aceita pela professora Laís, que argumenta.
A função da escola, realmente, é essa concepção de educar no todo, agora
o que as pessoas falam muito é “preparar pra vida, pra cidadania”, e às
vezes, a escola foge a isso, como a gente vê na maioria das escolas
seriadas, que eu não concordo, que é exatamente preparar pro vestibular,
que hoje é o PSS. E o aluno fica somente centrado naquela visão ali e
realmente não tem conhecimento de sua realidade, dos problemas que sua
comunidade vivencia, (...) está na frente dele, mas ele não conhece. Então
eu acredito que a função da escola, além de preparar pra essa vida de
mercado, também é pra ajudar a conhecer essa realidade local, para que
ele possa intervir de forma mais consciente (...) Eu acho que a escola tem
esse papel também, de fazê-lo perceber que ele pode melhorar a qualidade
de vida dele enquanto pessoa e enquanto membro de uma comunidade.

Ao pensar assim, recupera-se a idéia de que conhecimento não se separa
da prática social. Nesse sentido, Paulo Freire (1993, p.101), ao expor o que é
educação popular, numa sociedade de classe, afirma que uma educação,

89

substantivamente democrática jamais separa do “ensino dos conteúdos o
desvelamento da realidade”.
Os professores compreendem que é tarefa da escola ajudar a transformar os
filhos dos trabalhadores e eles próprios em cidadãos capazes, decididos e atuantes
na sociedade e na medida do possível, também felizes. E a transformação começa
com uma escola séria que jamais vire sisuda, de estudo rigoroso, competente, mas
sem perder a alegria, a amorosidade (Freire, 1991, p. 37). O professor Rodrigo, de
forma um tanto poética, diz o que esta deve visar:
É formação integral do ser gente,
Sendo gente será cidadão,
Sendo cidadão será gerente do seu destino.
Ele terá um nome, uma identidade.
Ele pode intervir no mundo e se sentir do mundo.
Ele é uma pessoa.

O que se propõe é transformar alunos em pessoas. Esse entendimento
rompe com o requisito prévio de aprendizagem que a escola historicamente erigiu,
que era a transformação de crianças e jovens em alunos. Para Canário (2003), uma
das condições favoráveis à educação do futuro, para superar o déficit de sentido da
escola básica, é transformar alunos em pessoa, em ser individual e social.
Demonstra-se a compreensão de que é a constituição dos sujeitos a
preocupação inicial e, a partir dela, serão definidas as aprendizagens. Esse é um
dos fundamentos dos ciclos de formação. Esta escola assim estruturada é
percepcionada como uma proposta “diferente”, “interessante”, “uma alternativa ao
sistema seriado”. Ela avança porque vê o aluno na sua totalidade e, principalmente,
porque respeita o tempo de cada um.
É importante que a escola considere os tempos e os ritmos de cada um, que
cada um seja parâmetro de si mesmo e não assim, um padrão, porque a
escola seriada tem um padrão, você deve dar conta daquilo naquele ano.
Nós temos que trabalhar pensando nos alunos e não na história de que a
aula dura tanto tempo.(Prof. Felipe)

Além disso, resgata a função política e cultural da educação, ao contemplar
a diversidade, a diferenciação dos educandos e apostar na capacidade destes
estabelecerem novas relações com a realidade vivida.

90

A escola de ciclos está exatamente empenhada nisto, em fazer o aluno
entender o mundo, mudar, vê que ele é parte desse mundo e que pode
transformá-lo, junto com as pessoas, entender o mundo dele e que ah!...
não é porque Deus quis não, eu também sou responsável pelo que
acontece, no meu espaço, o que eu escolho, onde eu voto e em quem voto.
(Thaís).

Os educandos, ao expressarem sua compreensão sobre a escola,
consideram-na “diferente”, que não é igual às outras. Como um projeto diferente, a
maioria dos entrevistados considera que é uma mudança boa porque:
É uma escola aberta para o que a gente pensa, pra dar nossas opiniões,
não é como nas outras escolas que a gente fala com medo de falar,
pensando que vai ser repreendido. Aqui não, a gente expõe o que pensa, os
professores, assim, acompanham a gente, levam a gente a pensar, são bem
legais (Rafael).
Quando eu estudava na escola de série eu num sabia nada e quando eu
vim pra cá eu me desenvolvi mais (João).
Esse negócio de ciclo num é igual as outras escolas de série, é muito
melhor porque as pessoas que estudam em série num aprendem quase
nada do que a gente tá aprendendo aqui (Roberto).

3. 4. AS MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS

A organização dessa escola segue uma lógica diferente da escola seriada. A
gestão da escola é percebida pelos sujeitos como democrática, não só porque os
diretores são eleitos, porque tem conselho escolar constituído, mas, sobretudo,
porque eles participam das decisões tomadas no seu interior, como se pode
perceber nas palavras da professora Laís “acredito que na escola existe essa
questão da democracia, da gestão democrática, tudo mais, porque sempre que têm
decisões a serem tomadas, a gente se reúne, decide o que é que vai acontecer”. Ao
gestor junto com a equipe diretiva cabe a coordenação de todo processo educativo.
De acordo com o projeto da Escola, o ensino fundamental tem como eixo de
sua organização o educando e seus ciclos, fases ou idades de formação. A partir
desse eixo foram organizados três ciclos de formação: o primeiro ciclo – período da
infância – formado pelos estudantes de seis a oito anos de idade; o segundo ciclo –

91

período da pré-adolescência – composto pelos alunos de nove a onze anos; e o
terceiro ciclo – período da adolescência – compreende os estudantes de doze a
quatorze/ quinze anos. Contudo, cada ciclo de três anos não se constitui em uma
unidade fechada e nem se esgota em si mesmo, mas se insere como parte do
período de escolarização mais global do ensino fundamental.
Os alunos com defasagem entre a fase de formação e o nível de
escolaridade foram agrupados em turma de progressão, que tem uma organização
do “tempo-ano diferente da do ano-ciclo, podendo avançar para o ano-ciclo ou para
o ciclo seguinte, em qualquer momento do ano letivo, desde que apresente
condições de acompanhar os estudos do ano-ciclo correspondente a sua idade”
(SEE, 2003, p. 16).
A partir dessa organização escolar a Escola realizou a enturmação dos
alunos, que no modelo seriado é considerado como uma questão simplesmente
administrativa. A organização das turmas teve como referência as idades
aproximadas para aqueles que estavam ingressando pela primeira vez na escola e
para os que vinham de outras escolas, tendo sido considerado para estes, também,
o conhecimento anterior adquirido, visto que, como disse a diretora, “não podíamos
ignorar a vida escolar dos alunos e os conhecimentos que já dominavam, mas o
critério básico foi agrupar por idade”. Desse modo, como explica uma professora,
formaram-se os grupos assim identificados:
As turmas A são do 1º ciclo (A11... A21... A31...), as B são turmas do 2º
ciclo (B11... B21... B31...), as C (C11... C21...) são turmas do 3º ciclo e as
AP e BP são turmas dos alunos com idade avançada ou porque entraram
tarde na escola ou pela retenção comum na escola seriada (Cinthia).

Este modo de estruturar o ensino apresenta dois aspectos inovadores. Um
deles refere-se à ampliação do tempo de permanência do aluno no ensino
fundamental, de oito para nove anos, como recomenda o Plano Nacional de
Educação – PNE, com a inclusão das crianças de seis anos. No entendimento dos
educadores e educadoras, “isso é um avanço, uma idéia interessante porque (...) a
grande massa de pobres não tem condições de botar o menino na pré-escola, pra
esperar a hora de entrar no Estado” (Rodrigo). O outro aspecto é a enturmação dos
educandos, tendo como referência as idades. Alguns podem questionar esse critério

92

de enturmar os alunos, sob o argumento de que não é a organização das turmas por
idade, fator determinante para que se efetive a aprendizagem.
Contudo, os estudos de teóricos do desenvolvimento, a exemplo de Piaget,
Wallon e Vigotsky, em meio à complexidade da questão das idades de formação e
do contexto de desenvolvimento, mostram que há um desenvolvimento possível
pertinente a cada fase de formação /desenvolvimento da criança e que ele gera a
necessidade de atividades diferenciadas a serem propostas aos estudantes na
escola. No modelo seriado que organiza os alunos por nível de conhecimento é
comum encontrar na mesma turma, especialmente nas séries iniciais, educandos de
diferentes fases de formação/desenvolvimento, com sérias implicações para o
processo de ensinar e aprender. Wallon (1986) destaca que o grupo infantil é
indispensável à criança, não só para a aprendizagem social, como para o
desenvolvimento da tomada de consciência de sua personalidade. Portanto, ainda
que não seja suficiente o reconhecimento das idades de formação para que a
aprendizagem ocorra, ela é também necessária, conforme assinala Lima (1997, p.
3):
A ação pedagógica que não tem como base as possibilidades de
aprendizagem e desenvolvimento do período de formação, nem se utiliza
dos instrumentos culturais segundo o período de formação e, além disso,
não se apóia nas formas de pensamento do educando, será sempre uma
ação pedagógica com pouca probabilidade de sucesso. Os procedimentos
pedagógicos terão que, necessariamente, ser distintos conforme a idade de
formação e o contexto de desenvolvimento.

Por outro lado, é importante considerar que quando as escolas passam a se
estruturar por Ciclos de Formação, além da enturmação das crianças e
adolescentes, nada muda de imediato, isto porque a organização da escola precisa
ser reconstruída.
A realidade da educação que produz defasagem entre idade e escolaridade,
provocada por mecanismos de exclusão externa e interna à escola é trabalhada nos
ciclos “aqui temos as turmas de progressão que são um desafio para qualquer
professor porque são alunos calejados, com baixa auto-estima” (Beatriz). Como diz
uma professora essa organização favorece avanços à medida que ele supera suas
dificuldades

93

Nas AP’s você percebe assim... Os níveis de aprendizagem super
diferentes, tem alunos que desenvolvem muito rápido, outros médio e outros
têm muitas dificuldades e esses são os que vão pro laboratório. Agora, o
que acontece, com aqueles que se desenvolvem muito rápido, eles vão ser
reenturmados, vão pra outra turma mais avançada, aproximando-se da
turma da idade dele. O avanço se dá a qualquer momento. Eu mesma
recebi na minha turma uma aluna de uma AP e ela se ajustou melhor e vem
se desenvolvendo muito bem, isto na escola seriada não seria possível, a
aluna ficaria marcando passo e ela avançou mesmo, sem problemas
(Cinthia).

A falta de apoio do órgão central que abandona suas escolas contribuindo
para um funcionamento precário. Contudo, uma professora que trabalhou com uma
dessas turmas vê a vantagem desses espaços “alguns recursos que a escola tem,
que está funcionando com certa deficiência, mas funciona. O acompanhamento do
laboratório de aprendizagem ajudou tanto as turmas de progressão”.
Compreendo que estes espaços criados inovam a prática escolar, pois como
diz Carbonell (2002) um projeto educativo inovador deve oferecer uma resposta aos
alunos que fracassam e também aos que estão em vantagem.
No tocante à formação, a lógica seguida difere da tradição, que toma a
qualificação como pré-requisito para a implantação de mudanças na escola. No
projeto escolar em estudo a formação ela se dá concomitante, em processo.
As pessoas dizem que aqui trabalham demais, é por essa questão da
pesquisa, do planejamento, que se planeja, que o professor não vai entrar
na sala de aula com o livro debaixo do braço, pra chegar lá mandar o aluno
ler, copiar, responder. Tem um planejamento, se discute nos departamentos
e busca como se vai fazer aquela atividade. O que eles dizem que
trabalham demais é pela questão do estudo, que precisa estudar, que tem
os departamentos de estudo, que a gente pára quinzenalmente, a gente
estuda, discute as questões pedagógica e administrativa. Quando a gente
pára, que manda o aluno para casa mais cedo, não é para descansar, é
realmente para estudar, pra trabalhar melhor, então é por isso que dizem
que a escola trabalha mais. Eu encontrei com uma pessoa na rua, que vai
entrar no estado e disse que não queria vir pra aqui por isso (Beatriz).

Entretanto, o fator tempo destinado ao estudo não é suficiente “a gente
precisa estudar muito, o curso universitário de formação não prepara a gente pra
trabalhar dessa forma, a gente tem que buscar. O nosso calendário de formação
atende só em parte”

94

Contudo, mesmo definindo priorizar a escola como espaço de formação,
esta não se limita nem se dá apenas no chão da escola. A equipe também participa
de cursos, seminários, jornadas pedagógicas, fóruns, realizados em Maceió e em
outros centros urbanos, incluindo idas, de alguns educadores, a escolas de outras
cidades que trabalham organizadas por ciclos de formação, para troca de
experiências, com a responsabilidade de, em reuniões de estudo, socializar os
pontos significativos da visita.

3. 5. O CURRÍCULO E A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO.

Os espaços - tempos pensados para oportunizar a aprendizagem de todos
inserem-se no currículo escolar. De acordo com a proposta escolar currículo é ação,
é caminhada construída coletivamente. A direção da escola o percebe como um
currículo aberto, em que os conteúdos não estão previamente definidos, ao contrário
do currículo prescritivo, que ela define como currículo fechado.
Então eu acho que o currículo aberto dá oportunidade da gente trabalhar as
coisas que realmente são necessárias, porque se eu quero compreender
uma situação social tem determinados conteúdos que eu preciso saber,
então esses são importantes, até na matemática mesmo, tem conteúdos
que a gente tem que saber para poder compreender o mundo, a ter uma
visão de tudo isso que acontece, então tem conteúdos importantes.

O currículo aberto é assim compreendido porque os conhecimentos são
definidos para desvendar a visão de mundo dos educandos. Para a professora Liana
uma das mudanças significativas “é o repensar do currículo, a prática curricular a
partir da pesquisa feita na comunidade, da fala significativa da comunidade, dos pais
e dos alunos, que é dali que você vai trabalhar, não a fala pela fala, você vai
trabalhar conteúdos, os conhecimentos sistematizados vinculados à fala”.
Dentre as possibilidades de organização do ensino, numa perspectiva
interdisciplinar, a escola optou pelo Complexo Temático, por possibilitar trabalhar o
conhecimento no desvelamento da realidade e favorecer o trabalho coletivo, tendo
como pressuposto uma perspectiva crítica-dialógica.
E isso me dá muita esperança, porque além das questões de
aprendizagem, tem a questão mesmo da formação política, a leitura de

95

mundo do aluno, que é contemplada e é respeitada, mas que a gente não
fica gravitando em torno não, o objetivo é avançar dessa visão pra uma
visão mais crítica e científica, e isso através de uma ação pedagógica
dialogada (Liana).

Mas, afinal o que se entende por Complexo Temático? Uma aproximação
inicial das palavras “complexo” e “temático” no nível dicionarizado aponta algumas
significações básicas: a primeira refere-se ao que abrange ou encerra muitos
elementos ou partes; observável sob diferentes aspectos; grupo ou conjunto de
coisas, fatos ou circunstâncias que têm ligação ou nexo entre si e a segunda é
derivada do termo “tema” que significa proposição a ser demonstrada, assunto. A
composição da expressão nominal é assim definida por Rocha (1999, p 21)
O termo “Complexo Temático” sugere, semanticamente, tratar-se
de uma designação proposta para “assuntos ou relações profundas” que
levam à criação, à produção, ao desenvolvimento. Propõe uma captação de
totalidade das dimensões significativas de determinados fenômenos
extraídos da realidade e da prática social. Eis porque se torna necessário
enfatizar que o Complexo Temático não se encontra nos indivíduos isolados
da realidade, tampouco na realidade separada dos indivíduos e na sua
práxis, O Complexo Temático só pode ser entendido na relação “indivíduorealidade contextual”.

O “Complexo Temático” toma como referência a idéia do ensino por
“complexos”, proposta por Pistrak para a educação russa, pós-revolução de 1917; de
tema gerador e de ênfase na pesquisa e no diálogo, de Paulo Freire e da
compreensão sobre conceitos, presentes na teoria vygotskiana e em outros teóricos
da abordagem cultural-histórica.
Essa forma de organização curricular rompe com o modelo de currículo e de
conteúdos preestabelecidos da escola tradicional, muitas vezes ditados pelas
editoras e livros didáticos “a gente vai fazer uma pesquisa de campo, pra pegar as
falas da comunidade, depois a dos alunos, da família e, pra partir disso, montar o
currículo, a programação da escola, não seguindo aquela seqüência, de rol de
conteúdos” (Cinthia).
Entretanto, no dizer de Pistrak (1981, p.108), “o critério necessário para a
seleção dos temas deve ser procurado no plano social e não na pedagogia pura. O
Complexo deve ser importante, antes de tudo, do ponto de vista social, devendo
servir para compreender a realidade atual”.

96

A contribuição de Freire (1995) nessa organização curricular é indispensável
porque explicita a dimensão política necessária à educação escolar. Para ele os
temas geradores devem ser problematizadores da realidade e só podem ser
encontrados nas relações homens-mundo.
Desse modo, para construção da prática pedagógica o ponto de partida é a
investigação da realidade. Contudo, o se quer apreender não são apenas os dados
e os fatos, mas a visão de mundo do outro. “O que se pretende investigar,
realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu
pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta
realidade, sua visão de mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas
geradores” (Freire, 1985, p. 103).
A organização do ensino por Complexo Temático constitui-se em um
processo interdisciplinar, realizado coletivamente pela equipe escolar, em diversos
momentos. Momentos esses, que não são estanques, mas interligados e
interdependentes. No início de 2003, período da pesquisa de campo, como
observadora participante, acompanhei a construção de um Complexo Temático. O
planejamento iniciou-se com uma releitura coletiva das questões apontadas por
professores, alunos, pais e funcionários na avaliação do final de ano escolar anterior
e mapeamento das comunidades em que os alunos residem. A equipe de
professores e membros do conselho escolar, em pequenos grupos, foram às
comunidades, realizaram entrevistas com moradores, de acordo com critérios e
roteiro definidos pelo coletivo, visando colher a visão da comunidade (alunos, pais, e
membros da comunidade onde vivem) sobre sua realidade, além de dados e fatos
das comunidades.
Das falas coletadas, os professores coletivamente selecionaram aquelas
mais relevantes e significativas47, que expressam a temática, entre as quais se
elegeu o tema / foco do complexo a ser trabalhado. Para isto, fizeram uma discussão
do conteúdo possível diante daquele tema, problematizaram o tema, analisaram as
inter-relações e características do complexo. O foco foi escolhido, considerando
aquela idéia que apresentou a possibilidade de apreender os problemas globais e

47

Estas são selecionadas, segundo critérios definidos por Freire na identificação de temas
geradores.

97

fundamentais, identificados na pesquisa, para nele integrar os conhecimentos
parciais e locais, ou seja, os temas secundários.
Definido o foco (visão de mundo da comunidade), os professores, após
problematizá-lo, o reescreveram construindo assim o contra foco (visão de mundo
dos educadores). No diálogo entre os conhecimentos e a demanda da realidade,
foram identificando alguns conceitos analíticos que atravessam o complexo e os
princípios das áreas do conhecimento e, a partir daí, definiram os conteúdos
escolares necessários para o processo de ensinar e aprender. O momento seguinte
foi de elaboração do plano de trabalho pelo coletivo de cada ciclo, que das falas que
compõem o complexo, selecionou aquelas adequadas ao seu grupo e a partir delas,
os conteúdos a serem trabalhados por cada ano ciclo, depois apresentado em
plenária, para compatibilizações, novas negociações e definições de estratégias e
parcerias a serem buscadas. A problematização da realidade em que os alunos
explicitam sua visão de mundo é uma constante no desenvolvimento do trabalho
pedagógico e se constitui na origem do futuro Complexo.
A coordenadora percebe que “esse é um trabalho difícil, mas prazeroso, é
momento de trocar, de discutir, as vezes, a gente quer selecionar fala que não é
significativa. As vezes a gente fica insegura (Ana Luiza)”
Assim, em todo o processo, busca-se, na “negociação dialógica” entre todas
as pessoas que compõem a equipe de trabalho, na interação de pontos de vista e de
discursos diferenciados de áreas do conhecimento e das diversas disciplinas, a
reconstrução da visão de realidade dos educandos, bem como a aplicação do
conhecimento, em direção à transformação do real vivido.
Essa “negociação dialógica” depende, de um lado, da concepção de mundo,
do corpo de conhecimentos e posturas dos educadores envolvidos e, de outro lado,
dos conhecimentos que cada área seja capaz de buscar, produzir, recriar e até
rechaçar.
Conseqüentemente, isto implica numa mudança de postura de alunos e
professores, no sentido de torná-los pesquisadores da realidade, o que exige, no
dizer de Fazenda (1991, p.13-4), atitude de busca de alternativas; de espera; de
reciprocidade; de humildade diante da limitação do próprio saber; de perplexidade;
de desafio diante do novo; de envolvimento e comprometimento com os projetos e

98

as pessoas nele implicadas; de compromisso; de responsabilidade, de alegria, de
revelação, de encontro, enfim de vida.
As mudanças de enfoque dos conteúdos escolares trabalhados nas várias
disciplinas através do complexo temático são percebidas pelas mães que
acompanham os estudos dos filhos
Minha filha começou a gostar das outras disciplinas, como é o caso da
geografia que ela detestava, por causa do lixo. De uma fala sobre o lixo na
comunidade, ela sabe quantos habitantes tem o Japão, ela sabe o tempo de
durabilidade de cada material reciclado, a diferença entre lixo seco e lixo
molhado, as doenças decorrentes, o que se pode aproveitar, como tratar o
meio ambiente. Quando ela aprendeu isso se encheu de uma maneira, que
ela viu que de um nada pode gerar um mundo inteiro. Ela disse, como pode
do lixo você aprender ciência, geografia, matemática, língua portuguesa. E
perguntei o que ela aprendeu em geografia e me disse: várias coisas, as
relações entre a densidade populacional e o lixo produzido, como por
exemplo a população da China, sua cultura e de outros países, mas tem
também aprendeu área, peso, conteúdos matemáticos. Achei super
interessante porque isso despertou, cativou ela e a turma (Yanna).
Na escola seriada, a gente vê muito aquela História que passou, a história
que foi e aqui a gente vê muito o dia atual! A questão da presidência, como
é, como foi, a questão da dengue, do jeito que ta sendo, porque aparece, e
assim vai (a partir daí também vai buscar os conteúdos mais antigos, a
história). É a história vai partir desse início e não do outro, de uma história
que vem de lá pra cá. É daqui pra lá, é indo e voltando, como se diz, num
movimento do agora para o antigo e voltando pro hoje. Num é aquela coisa
tradicional que a gente costumava que a gente conhecia (Carolina).

Trabalhar o conhecimento na escola, rompendo com o pré-estabelecido,
através de um processo de comunicação, de interação, de confronto e negociação
requer, dos educadores, selecionar estudos e pesquisas a serem feitas, reunir os
conhecimentos atuais e buscar novas informações, resolver conflitos entre áreas e
disciplinas, comparar e avaliar o trabalho, e decidir sobre as futuras tarefas, enfim
fazer opções não só técnicas e pedagógicas, mas, sobretudo, éticas e políticas.

99

3.6. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UM OUTRO OLHAR

Currículo e avaliação são eixos indissociáveis de toda proposta pedagógica,
visto que a redefinição da teoria e da prática da avaliação escolar só se torna
possível dentro de um processo de reconstrução do sentido e da ação da produção
do conhecimento. Um projeto escolar que tem como preocupação inicial a
constituição dos sujeitos, que busca dar o tempo adequado a todos, que se
flexibiliza e diversifica os percursos para assegurar a aprendizagem de todos,
requer redimensionar a maneira de enfrentar a avaliação. Na escola, esta adquire
um sentido que revela ser um dos aspectos mais relevantes da inovação em curso, a
partir do qual se aproxima melhor dos princípios dos ciclos de formação. A opinião
da diretora, ratificada por vários professores e professoras, confirma essa relevância:
“a avaliação é a que sempre achei que seria ideal em qualquer escola (...) para mim
é um dos melhores pontos da proposta de ciclos de formação”. Mas, é também o
mais polêmico.
A avaliação é concebida pelos docentes e equipe diretiva como “processo
contínuo”, com função diagnóstica e formativa. Como diz a diretora Beatriz, ela é
processual, realizada no dia a dia, observando como aquele aluno estar
crescendo no seu aprendizado, como iniciou, os avanços que ele está tendo
e que essa avaliação seja para que o professor retome, repense a atividade
que estar sendo feita, se o aluno não estar avançando, será que a
dificuldade é só dele ou também é minha.

Essa visão dos sujeitos pedagógicos aproxima-se do proposto na Carta de
Princípios da Educação da rede estadual, na qual a comunidade escolar se
posicionou a favor de uma “avaliação contínua, reflexiva, diagnóstica, qualitativa e
emancipatória, envolvendo toda comunidade escolar com base na ação-reflexãoação” (SEE, 2000, p. 14).
A avaliação, nesse sentido, é entendida amplamente na sua função de ajuda
ao educando, propiciando condições de que reveja suas dificuldades, seus erros e
permita correções e ao professor na reorientação do trabalho pedagógico docente.

100

Essa perspectiva se contrapõe à avaliação classificatória ainda dominante
na prática das escolas e nas mentes das pessoas. Esteban (1997, p. 53), refletindo
sobre a avaliação formativa mostra que:
Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a
aprendizagem do aluno para servir como momento capaz de revelar o que o
aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno
já sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu
processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para que a
superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer.

As colocações da autora realçam um aspecto importante, em geral, pouco
trabalhado nas escolas que se propõem realizar avaliação diagnóstica e formativa: o
que avaliar? O que se quer saber não é só do que o educando já aprendeu, mas
também do que pode vir a aprender, do que está em maturação, ou seja, identificar
a zona de desenvolvimento proximal, como denomina Vigotsky, processo que deve
ser mediado pelo professor.
Como se pode ver, há um redimensionamento do conceito de avaliação
escolar articulado pelo compromisso com a democratização do ato pedagógico que
tem como característica ser uma atividade mais participativa, desenvolvida através
de um processo contínuo. Mas, como vem se realizando essa prática na escola?
A prática da avaliação na escola varia de docente para docente no que se
refere ao que avaliar e ao modo como se avalia e expressa compreensões teóricas
diferenciadas. A professora Liana que trabalha com uma turma de progressão
mostra como realiza a avaliação
Então faço atividades, eu tiro uma horinha para ver os cadernos de todo
mundo, então eu vou passo um visto que eles adoram, um parabéns
gatinho, muito bem, você está melhorando, ou então você precisa melhorar,
se esforçar um pouco mais. (...) e tem as atividades que eu levo pra casa,
as produções de texto, e vou refletindo sobre elas, aos pouquinhos para não
fazer tudo de uma vez. Nem tenho tempo, mas essas produções mais
significativas levo pra casa. Outras atividades, assim, mais pra questão da
base alfabética, eu vejo na sala mesmo. Pela quantidade de meninos48 eu

48

A professora trabalhava com uma turma de progressão do 1º ciclo, composta de 20 alunos.

101

tenho condições de ver, todo dia vejo, um por um, procuro saber como ele
fez aquela atividade, faço ele pensar. Ai, eu faço algumas anotações.
..........................................................................................................................
Pra ver a leitura por semana, assim já no final, eu peço alguns pra ler pra
gente. Uns já têm o hábito e gostam de ler, outros são tímidos, dizem: eu
não sei ler, mas só pra mim eles lêem. Com essas atividades vou fazendo
anotações dos avanços e das dificuldades. A avaliação é feita assim nessa
proximidade individual.

A preocupação da professora é, principalmente, com o desenvolvimento
cognitivo de seus alunos, procura investigar os avanços, o caminho percorrido por
cada um, o que já sabe e o que pode vir a saber. Já a professora Laís compreende
que se avalia, além da aprendizagem dos conteúdos, o processo de socialização e
participação do aluno
não é só a aprendizagem que a gente avalia, a gente vê o aluno, a questão
de desempenho dele, enquanto pessoa, o que foi que ele melhorou, se ele
se tornou uma pessoa mais consciente, se ele se tornou uma pessoa mais
participativa. Na verdade, é como eu coloquei, até em alguns relatórios que
tinha alunos muito calados, e agora já estavam falando, já estavam se
tornando mais participativos na sala, e isto a gente coloca na avaliação e
não só apenas assim, ele é bom em Matemática, bom em Português, mas
ele teve um desempenho, enquanto pessoa, que foi melhorando.

Entretanto, essa diferenciação é uma das questões que suscita preocupação
para os professores/as, porque não existem critérios muito claros para avaliar.
Noções incipientes e equivocadas sobre a concepção de avaliação adotada na
escola não permitem a vários professores articularem os princípios básicos da
avaliação diagnóstica, contínua, formativa e emancipatória, nem dão consistência ao
ato de avaliar.
Eu acredito que na hora de avaliar o aluno a gente sempre deixa algo
escapar, porque por mais que tente enquanto professora, (...) Então, a
gente avalia assim, de uma forma geral, e às vezes não sabe bem que
tópicos avaliar, entendeu, que critérios eu tenho pra avaliar, por exemplo, eu
avalio o que, avalio matemática, avalio línguas, avalio o que? Aí ficou
assim... um pouco meio... ah! O comportamento é bom...(Lais).

102

É uma avaliação geral, a gente não vai ver a parte cognitiva, mas se eu for
ver a parte cognitiva, a parte do conhecimento, não tem muita diferença da
seriada, não tem nota, mas tem um parecer do professor, apontando onde o
aluno deve melhorar. E a avaliação geral, da pessoa, essa aí é feita em
conselho, os professores sentam e cada um faz um comentário sobre o
aluno... Normalmente fica um consenso mesmo (Felipe).

Também, contrariando ao princípio de que o aluno compreenda e
compartilhe os objetivos que possam dar sentido à aprendizagem “ele não sabe que
está sendo avaliado. Uma atividade que ele está fazendo, uma tarefinha de sala é
uma avaliação, não deixa de ser uma avaliação (Thaís).
Esta falta de clareza se reflete na visão de alguns estudantes que
compreendem a avaliação como “um sistema complicado”, “um jeito estranho de
avaliar”, porque “não tem prova, não tem nota” e o que se avalia é o
“comportamento”.
Entre os alunos entrevistados, 30% deles percebem que na escola se avalia
mais os aspectos qualitativos comportamentais, sendo pouco valorizado o
conhecimento, o conteúdo.
Cada dia eles [os professores] vão avaliando o comportamento, as
presenças, as faltas. Eles não fazem prova (Jéssica).
O que eles avaliam é o comportamento, o que mais falam é se presta
atenção na aula, se bagunça... Se você ficar quietinho, no seu canto, aquela
pessoa já tá passada. Mesmo assim no ano passado passaram todos
(Diego).

Nessas falas, identifico a avaliação como reguladora de conduta, a que,
segundo eles, a promoção estaria condicionada e a pouca rigorosidade no trato com
o conhecimento sistematizado. Professores e alunos enunciam também a avaliação
como controle da aprendizagem. Cunha (2003) em seu estudo sobre as
representações dos professores da escola Cabana (Belém) em relação à avaliação
da aprendizagem mostra que mesmo apresentando um discurso de adesão a uma
avaliação processual, contínua, emancipatória, democrática em oposição ao
discurso de uma avaliação classificatória, seletiva, a maioria deles não conseguem
se desvencilhar da concepção tradicional de avaliação como controle da

103

aprendizagem do aluno, deixando claro que as mudanças estão sendo absorvidas
de forma lenta.
Por outro lado, Diego demonstra não perceber porque é que todos os alunos
passam. No entanto, outros alunos compreendem que existem outros espaços na
escola para atender aqueles estão com dificuldades de aprender
não são todos que passam não, aqueles que faltam, ou quando a agente
faz um teste e o professor vê que ele não sabe aquele assunto, ele vai pra
uma sala de laboratório ou de progressão onde fica mais entendido. E não
são todos os que passam não, tem uns que ficam sempre nessa progressão
(Ana Terra).

Para outros é um “sistema diferente”, “interessante”, “avaliação mais
completa”. Mas, a maioria dos estudantes não nega a função reguladora de conduta,
contudo compreendem que a avaliação privilegia também a aquisição do
conhecimento.
A gente é avaliado pelo comportamento, as relações entre os alunos, e
também pelo conhecimento. A gente faz teste só não se dá nota, faz
relatório. (Roberto)
Aqui, não tem aquele estresse de prova, mas a gente faz testes como toda
a escola, agora essa aqui é diferente porque ela num quer que a pessoa
decore um livro inteiro e depois faça os testes, ela quer que você aprenda e
aprenda mesmo (Ana Terra).
Avaliação não tem aquela prova que você tem de ta decorando. A avaliação
é de tudo que você faz aqui, você tem que criar, e isso é muito interessante,
muito bom. A gente estuda um problema, a gente tem de buscar a resposta,
a saída, e isso faz a gente pensar, criar (Maria Luiza).
A avaliação que a gente tem, foi o que me chamou atenção nessa escola.
No primeiro ano foi muito bom, que eu aprendi muito, eu chegava na sala de
aula, era uma pessoa muito tímida e a escola me transformou, com
apresentação na sala de aula de muitos trabalhos. As coisas que a gente
criava, isso foi que me desenvolveu muito na escola, não é aquela coisa só
decorativa. (Rafael).

Os estudantes, Ana Terra e Rafael, sinalizam para um novo aspecto da
avaliação, de que a própria atividade de avaliar torna-se uma atividade de

104

aprendizagem. Apontam a avaliação como um instrumento que possibilita a
aquisição do saber, de um saber criativo e crítico. Significa, no dizer de Méndez
(2002), transformar a avaliação em instrumento para fazer com que todos adquiram
o saber e apropriem-se dele reflexivamente.
Essa diversidade de visões permite-me compreender que as dificuldades
dos professores em torno de uma concepção de avaliação se refletem nas visões
dos estudantes.
Já os pais e as mães percebem a positividade da avaliação enquanto
processo, que favorece a aprendizagem do aluno.
a avaliação deve ser feita assim, porque você não tem que juntar uma série
de questões, de quesitos pra você sobrecarregar, estudar, pra fazer uma
prova naquela neura que vai ser tirado uma nota. Então na escola ciclada,
você estuda, já faz uma avaliação, já faz um resumo daquilo que você
aprendeu, quer dizer, tá sempre indo pra frente, tá sempre revisando, tá
sempre analisando, tá sempre fresco o assunto na mente. (Carolina).

No

entanto,

em

relação

aos

resultados

que

são

apresentados

descritivamente, ainda não foi absorvido pelas mães e alunos
a gente foi criado, foi sendo formado necessitando de um acompanhamento
formal de notas, de notas e conceitos, foi assim sempre na escola, eu sinto
falta entendeu, até para poder dizer assim como eu vou puxar mais por ela,
como vou poder ajudar mais. (...) eu me sinto assim, eu sinto dificuldade
nisso, por isto eu não falto a nenhuma das reuniões, às vezes eu chego
aqui me mostram os relatórios e tudo, mas não é a mesma coisa, eu sempre
vivi em cima de notas (Yanna).
Queria que essa escola fosse organizada como as outras, porque as outras
avaliam pelas provas, pelo o que você aprendeu e aqui não desenvolve
muito bem na caderneta a aprendizagem (Jéssica).

Sem referências que contrarie a cultura instituída, os funcionários “acho que
não é bom não ter nota, porque se não exercitar na escola quando for fazer um
concurso não sabe os macetes de uma prova” (Luis). Em meio a esse processo
ambíguo e contraditório, a equipe diretiva lidera o processo e na relação dialética
entre a estabilidade e a mudança busca um ponto de equilíbrio:
Este ano eu combinei com o pessoal da coordenação, a gente já vinha
pensando desde dos primeiros anos, que os professores faziam avaliações,

105

trabalhos dos meninos, mas não tinha, assim, uma sistematização, então
este ano a gente estar fazendo assim, terminou de trabalhar uma fala, um
tema, faz uma avaliação, porque os próprios alunos vão sentir a
necessidade de estudar, estão sendo cobrados, também as atividades que
eles levam pra casa, quando volte que o professor veja, que olhe, que
corrija, eu acho muito importante essa cobrança mesmo, porque se não
existir, que escola é essa que o aluno vai assiste aula vai pra casa e pronto.
O aluno num vai ter o estímulo pra estudar, porque a escola não cobra, tem
que acompanhando. E o acompanhamento tem que ser através de
avaliações constantes (Beatriz).

O encaminhamento se propõe a uma clarificação das regras do jogo, e
“adotar uma maneira diferente de pensar sobre os problemas da ação coletiva, as
resistências à mudança, os conflitos de poder, não considerando as características
contextuais de uma organização como variáveis que determinam sua estrutura, mas
como problemas que exigem soluções” (Thurler, 2001, p.197).

3. 7. LUZES E SOMBRAS

A equipe escolar vem fazendo um esforço no sentido de assegurar
aprendizagem de todos. Apesar do pouco tempo da mudança em estudo é possível
perceber alguns avanços: muitos alunos das turmas de progressão já foram
enturmados no seu grupo de idade e outros vêm se aproximando. O grupo de
crianças que entrou na escola aos seis anos “dos que começaram aqui, aos seis
anos, temos 21 alunos. Desses, 20 já estão lendo bem fluentemente, apenas uma
criança apresenta dificuldades que a gente tá acompanhando. Então eu acho isso
muito importante, começaram aqui em dois anos se alfabetizaram sem reprovação.
Em relação ao desenvolvimento dos educandos, especialmente nas turmas
do

3º ciclo, como

observa o

professor

Felipe: “pelas perguntas, pelos

questionamentos que os alunos estão levantando, a gente começa a perceber que
eles estão desenvolvendo um bom senso crítico”. Esse desenvolvimento é também
percebido uma mãe “ela [filha] se desenvolveu muito, muito, em todos os sentidos na
área do aprendizado dela: é mais dedicada, mais crítica, mais participativa, mais
observadora” (Yanna). A diretora Beatriz “o desenvolvimento político é excelente,
pode conversar com os alunos, que a gente sente a diferença, eles são

106

questionadores, eles sabem criticar, fazer uma crítica até construtiva mesmo, sinto
muito isso nas turmas”. Porém considera que o desenvolvimento cognitivo precisa
avançar
Verifico algumas dificuldades assim na questão da aprendizagem, de pedir
o aluno pra produzir um texto e o texto está excelente no sentido da
estrutura, mas que tem muitos erros ortográficos, para um aluno de 13 anos,
14 anos do 2º ano do 3º ciclo, então aí eu sinto que está precisando de um
acompanhamento melhor neste sentido, que não vai adiantar a gente formar
um pensamento crítico, saber tudo sobre a realidade social, se ele não sabe
produzir um texto, ortograficamente, correto.

Entretanto a escola enfrenta problemas na fase inicial não assegurando a
infra-estrutura necessária e as condições internas
Todas as pessoas, meus colegas e minhas colegas gostam muito desse
sistema, mas o que nós comentamos na sala dos professores, nos
grupinhos, é a questão da pobreza da escola, da falta de recursos, porque o
sistema em ciclos, necessita de muito material didático, a gente não pode se
prender a um único livro didático, nós não podemos abolir o livro, é
importantíssimo, mas não podemos nos prender a um só. Então, os alunos
precisam de vasto material pra pesquisar, precisam de biblioteca,
computadores e outros, mas até agora a escola só tem as salas (Felipe).
Antes com a Maria José Viana isso aqui era um paraíso, pelo menos uma
promessa, porque o que foi prometido nessa escola e o que o que Marizete
dizia que estava g-a-r-a-n-t-i-d-o, a-s-s-e-g-u-r-a-d-o, a gente não viu nada
disso. Uma das coisas era investir mais nas relações e outras questões.
Como formar um sujeito crítico, cidadão se a gente não vive essa condição.
Fica na picuinha, no pessoal, aí é complicado. (Liana)

Para os professores e professoras participar desse processo de implantação
e implementação dos ciclos de formação tem contribuído para alargar sua visão da
educação e modificar sua prática docente numa outra perspectiva, para além da
prática tradicional.
Uma coisa eu digo... Ainda que acabasse, vamos supor, esta escola não vai
mais trabalhar com a questão de ciclo, mas com certeza eu não vou ser a
mesma professora, nessa questão do tradicional. Muita coisa, assim, abriu a
cabeça da gente... e ainda que volte a trabalhar com seriação, muita coisa
eu vou continuar fazendo assim como a gente vem trabalhando. (Thaís).

107

Na fala da professora fica claro que independente das definições de governo
ou de Estado a sua prática em sala de aula já não será a mesma, e acrescenta:
A minha postura mudou até noutra escola que trabalho que não é por ciclo,
embora ela trabalhe na linha construtivista, mas mesmo assim, muita coisa
que a gente trabalha, estuda aqui, eu levo pra prática de lá da minha sala
de aula e tem dado certo, claro com adequações. (...) E, eu trabalho essa
questão da discussão, da problematização, da reflexão, de levar uma
problemática pra sala de aula e ver de que forma a gente poderia resolver,
discutindo, refletindo, buscando soluções.(Thaís)

Isto porque como diz Arroyo (1999, p. 161) “participar desse processo é
formador, é ressignificar pensamentos, valores, sentimentos, imaginários, autoimagens. È redefinir competências, práticas, capacidade de fazer escolhas. É
encontrar outro sentido para o próprio ofício e a própria existência humana”.
A professora Cinthia mostra que não é só o aluno que aprende, mas também
o professor aprende enquanto ensina.
você acaba aprendendo com o seu aluno, porque o professor aprende como
o aluno, sai do seu mundinho pra o mundo do outro, não é só a experiência
do aluno que aprende, o professor também aprende muito, e tem que
estudar é muito mesmo, procurar texto, a pesquisa constante do professor
num vai dar um texto por dar ele tem que pesquisar, vai num livro, vai
noutro, vai na Internet, muitas vezes a gente nota a colega na Internet, pra
dar conta da fala e disso fazem atividades com que o conteúdo esteja ligado
aquela fala.(Cinthia)

Na escola em construção, o professor é desafiado a buscar, a pesquisar, no
entendimento de que não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Entretanto, nem todos aceitam e ou acreditam no projeto. Alguns
professores e professoras resistem. Para a professora Liana, muitos já chegaram
“desencantados” outros “ainda não foram assim, conquistados pela proposta, mas a
maioria está em processo sim”. Segundo a professora Thaís “eu acredito, assim, que
seja até uma acomodação, as pessoas não querem sair daquele cantinho, é muito
cômodo fazer, preparar a sua aulinha e acabou. E aí resistem... porque toda
mudança requer o que? Requer sacrifício mesmo, estudo e trabalho, diversificar sua
prática, a sua postura em sala de aula, trazer novidades, sair mesmo da mesmice”.
Entretanto, nos vários contatos, nas reuniões foi ficando claro. De acordo com a

108

coordenadora Ana Luiza “num é mais aquela questão de não querer trabalhar dessa
forma, porque a gente tá tentando. Nos departamentos a gente senta, elabora o
planejamento juntas, e, assim, uma melhorar com a outra. Eu vejo que elas
conseguem encontrar bem os elementos presentes naquela fala, conseguem fazer a
problematização, já estão bem além. Eu acho que ainda é a questão do trabalho que
dá e não só por falta de comprometimento do professor, talvez seja pela vida de
cada um também”.

109

Inovar nos tempos atuais (...)
é uma autêntica aventura,
uma apaixonante viagem marcada por dificuldades,
paradoxos e contradições,
mas também por possibilidades e satisfações.
Carbonell

110

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

O meu objetivo neste estudo é muito mais abrir a discussão sobre os Ciclos
de Formação e suas possibilidades de inovar e mudar a escola de ensino
fundamental do que concluí-la. Acredito ser esta a minha possibilidade e a melhor
contribuição que poderia oferecer com este trabalho para quem esteja interessado
na (re)construção da escola pública, democrática, de qualidade que assegure a
todos o direito de aprender.
A análise do objeto estudado a partir da visão dos sujeitos envolvidos no ato
educativo no seu acontecendo, leva-se a pontuar algumas questões: a) a dificuldade
de se estudar processos dinâmicos e extremamente complexos como é o caso da
escola, especialmente o projeto escolar por Ciclos de Formação, visto que a
realidade não é fixa; b) o tempo transcorrido desde a idéia da pesquisa, sua
realização e a apresentação deste texto expressa momentos distintos, que não
constam no estudo; c) a história da escola em construção está repleta de mudanças
e a imagem captada por esta pesquisadora e pelos sujeitos da pesquisa no período
do trabalho de campo, certamente sofreu transformações.
Possivelmente, a realidade que represento, aqui, já é passado, porque como
diz o professor Felipe “não estamos numa escola acabada, nós estamos construindo
uma escola, de acordo com a comunidade, então como não é uma coisa acabada,
estamos sempre fazendo as adaptações necessárias, os ajustes estão sendo feitos,
estamos fazendo à medida que surgem as dificuldades”. Com isto, não pretendo
justificar as falhas e ou imperfeições que possam permear este trabalho, mas tão
somente considerar a dinâmica de um conhecimento que se constrói.
Feitas essas considerações, convém realçar também que a compreensão
teórica que orienta este estudo é situada, demarcada, em meio às concepções que
permeiam as atuais propostas mundiais de educação escolar. Para tanto, procuro
situar que apesar da existência de inúmeras propostas inovadoras, com diferentes
nuanças é possível categorizá-las em dois grupos: as que representam o
desdobramento da escola do trabalho, que se inspira no pensamento socialista
marxista da educação, comprometidas com a emancipação humana e as que
representam o desdobramento do velho liberalismo burguês com ações conhecidas

111

como neoliberais, que visam à adequação das instituições às necessidades de
mercado. Nesta última concepção a escola sofre de um problema de gerenciamento,
necessitando otimizar recursos e precisa inovar, mudar para modernizar-se e
adequar-se para tornar-se mais competitiva49.
A orientação teórica seguida vincula-se à primeira perspectiva que reafirma
seus compromissos com a formação integral do ser humano e busca nas práticas
sociais seu conteúdo e sua função social na transformação das práticas excludentes
em práticas inclusivas, humanizadoras e instigadoras do conhecimento formal, do
trabalho coletivo e participativo.
Nesse sentido, a inovação objetiva a melhoria qualitativa dos processos,
produz elementos de rupturas e busca transformar idéias e práticas, instituindo um
novo equilíbrio, orientado por determinadas concepções e objetivos da escola e da
educação. A inovação em análise situa-se em pelo menos dois planos da realidade
em conexão com dois campos de conhecimento, que se referem à conceitualização
e à sua aplicação na prática. Se os sujeitos que dão vida ao projeto escolar da
inovação não consideram tais conexões, ao defini-las na prática, surgem
imprecisões, confundem-se fatores implícitos que esses conceitos contêm e acabam
afetando o processo de mudança, a organização e a prática escolar, como se
observa no caso em estudo.
Da análise das diferentes falas infere-se que a interpretação e o valor
atribuído ao projeto escolar não é unânime. Todavia, se houvesse unanimidade
pressupunha considerar que a realidade pode ser homogênea e também não levar
em conta que os significados sobre a experiência carecem de um longo caminho
para serem compartilhados.
O estudo deixa claro o fértil esforço coletivo de construção de uma escola,
cheia de controvérsias naturalmente, mas prenhe de iniciativas capazes de delinear
uma nova maneira de pensar e de fazer a educação para todos. Ganha corpo, na
prática da escola, aparentemente, confusa, desordenada para um observador
desatento às tramas cotidianas, um movimento das diretoras, coordenadoras
pedagógicas e de um grupo significativo de professores, em relação à

49

Ver 1º e 2º capítulo

112

responsabilidade social com a aprendizagem de todos os alunos. Somam-se
esforços em direção a um atendimento mais digno dos educandos.
Vários educadores já despertaram para os princípios de inclusão social e da
construção da cidadania, outros estão a caminho, que se expressa através das mais
diversas atividades levadas a efeito na escola. Coletivamente, empenham-se em
atingir a meta da aprendizagem de todos sem retenção, que todos progridam,
criando condições para que os educandos atinjam os objetivos definidos para os
diversos componentes curriculares que integram o processo ensino e aprendizagem.
Contudo, o estudo também revela que os processos de transição de uma
escola instituída para uma escola instituinte não é tarefa fácil, porque não basta a
vontade, o desejo, visto que o “modelo” instituído está profundamente arraigado nas
mentalidades dos sujeitos envolvidos, sendo necessário, muitas vezes, desconstruir
o já construído.
A mudança educativa que vem sendo implementada expressa avanços e
também impasses que limitam ou dificultam a institucionalização do projeto escolar
por Ciclos de Formação.
Nesse processo, a escola tem evoluído principalmente em relação à
severidade atribuída à avaliação pela escola tradicional seriada. Percebe-se a
diminuição do caráter punitivo dado ao desempenho dos alunos e a substituição dos
procedimentos mais formais como a prova por outros instrumentos avaliativos a
exemplo de pesquisa, de relatório descritivo e organização de dossiês dos alunos.
Compreendo que se trata de avanços importantes uma vez que não é fácil fazer
desaparecer de imediato o caráter punitivo e classificatório do sistema anterior,
mesmo porque este ainda é praticado pela maioria das escolas. Além disso, os
valores da sociedade reforçam a seletividade em nome da eficiência e
competitividade
Contudo, trata-se de transformações iniciais que devem ser intensificadas,
ampliadas e melhor trabalhadas pelo coletivo da escola. Por certo, faz-se necessário
aprofundar entendimento sobre o processo avaliativo contínuo, diagnóstico e
formativo para a definição de critérios e adoção de procedimentos que possibilitem a
avaliação do conhecimento dos alunos e de seu uso social de acordo com os
princípios do projeto escolar por Ciclos de Formação. Por outro lado, a definição de

113

critérios para avaliar a aprendizagem dos alunos requer que se estabeleçam
parâmetros que apontem as competências cognitivas a serem desenvolvidas pelos
alunos, em cada ciclo.
Entretanto o processo de inovação não é simples. A criação e a implantação
de inovações educativas significam aperfeiçoar os modos de trabalho dos
profissionais da escola, principalmente dos professores. Processo que envolve
mudanças dos conhecimentos, habilidades e atitudes desses profissionais, não
sendo pela simples apresentação das inovações que elas serão aceitas e
assimiladas. Antigas práticas encontram-se firmemente estabelecidas sobre bases
cognitivas e emocionais.
As dificuldades de determinados professores em mudar não se relacionam
somente com as resistências em mudar as atitudes, mas em integrar novas formas
cognitivas, muitas vezes em virtude da maneira como os novos conhecimentos lhes
são apresentados. A resistência à mudança pode ser compreendida pelas suas
exigências quanto ao desempenho profissional dos docentes. A passagem para uma
nova maneira de trabalhar os conteúdos representava para o docente desestruturar
todo arranjo social construído. Além disso, as maiores dificuldades para os
professores assumirem a proposta estão ligadas ao caráter da proposta que traz em
si exigências que estão além das possibilidades dadas pelos próprios limites da
formação, bem como pelos limites das condições de trabalho.
Evidências também apontam problemas, limites, relativos às condições para
efetivação da proposta e à cultura pedagógica dos envolvidos e também dos que
pensam a política.
O projeto escolar por ciclos de formação que transita na fase de aplicação e
busca se institucionalizar vive momentos cruciais, em razão do modo como a
mudança vem se dando. As dificuldades sentidas pelos sujeitos envolvidos estão a
exigir o repensar de algumas questões que são indispensáveis à institucionalização
da mudança. É indispensável que a SEE apóie a escola não só tecnicamente, mas
assegure meios e recursos necessários.
Embora muitas das mudanças estejam no âmbito da escola, isto não exime
a SEE da responsabilidade que lhe cabe. Uma inovação educativa não pode ser
concebida de forma isolada. É preciso que ela não se restrinja às experiências

114

pontuais em algumas escolas, mas que se constitua numa política, para que possa
facilitar a comunicação entre várias escolas. Por outro lado, para a consolidação de
projetos escolares inovadores, é importante que as gestões da rede escolar atribuam
aos Ciclos de Formação, visto que “sempre que o propósito da organização em
ciclos não ocupa um lugar central nas políticas de educação, ele perde em parte a
sua condição potencial de desafiar as velhas estruturas excludentes e toca apenas
de maneira superficial na cultura escolar” (Barretto e Sousa, 2004, p. 45).

115

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121

ANEXOS

122

IRAILDE CORREIA DE SOUZA OLIVEIRA

INOVAÇÃO E MUDANÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: CICLOS DE
FORMAÇÃO NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL –
UM ESTUDO DE CASO

Maceió, setembro de 2004.