Maria Liege Crisóstimo de Medeiros

Título da Dissertação: '' O DISCURSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS NEOLIBERAIS: a nova (de) limitação do campo educativo na lógica excludente''.

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL
CENTRO DE EDUCAÇÃO – CEDU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

MARIA LIEGE CRISÓSTOMO DE MEDEIROS

O DISCURSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS NEOLIBERAIS: a nova
(de) limitação do campo educativo na lógica excludente

MACEIÓ – AL
2009

MARIA LIEGE CRISÓSTOMO DE MEDEIROS

O DISCURSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS NEOLIBERAIS: a nova
(de) limitação do campo educativo na lógica excludente

Dissertação apresentada ao programa de Pósgraduação

em

Educação

do

Centro

de

Educação da Universidade Federal de AlagoasPPGE/CEDU/UFAL,

como

requisito

para

obtenção do título de Mestra em Educação
Brasileira.

Orientadora: Professora Drª. Maria do
Socorro A. de Oliveira Cavalcante

MACEIÓ – AL
2009

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecário: Marcelino de Carvalho Freitas Neto
M488d

Medeiros, Maria Liege Crisóstomo de.
O discurso da educação inclusiva em tempos neoliberais : a nova (de)limitação
do campo educativo na lógica excludente / Maria Liege Crisóstomo de Medeiros. –
2009.
95 f.
Orientadora: Maria do Socorro A. de Oliveira Cavalcante.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação
Brasileira. Maceió, 2009.
Bibliografia: f. 92-95.
1. Política de educação inclusiva – Brasil. 2. Análise do discurso.
3. Ideologia. I. Título.
CDU: 376(81)

A todos os excluídos, a quem o conhecimento elaborado jamais visou a
atender,

que

numa

demonstração

de

superação

contrariam

padrões

preestabelecidos e transformam-se em mestres e doutores.
Dedico

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que mesmo na condição de analfabetos, abdicaram de suas
próprias vidas para me oferecer aquilo que consideram o bem maior de todo ser
humano: O CONHECIMENTO.
Aos meus queridos: Allisson, Amerson, Laira e Airan, filhos amados,
responsáveis a cada dia por um novo significado para a minha vida; presenças
decisivas para que eu possa continuar lutando por um mundo melhor.
Ao meu esposo, a quem me falta palavras para qualificar tamanha força e
companheirismo dedicados a mim no percurso desses vinte e três anos de
convivência e, particularmente, nesses últimos anos dedicados á pesquisa. Crítico
incansável dos meus prévios ensaios para apresentação dos trabalhos.
Em especial à Professora Drª. Maria do Socorro de A. Cavalcante, pela
sabedoria singular dos grandes mestres de esculpir na madeira bruta do meu ser o
traçado das diversas faces o discurso.
À Professora Drª. Ana Maria Gama Florêncio e ao Professor Dr. Helson Flávio
da Silva Sobrinho, pelas valiosas intervenções na banca de qualificação e defesa
que em muito contribuíram para a conclusão dessa dissertação.
À Professora Drª. Edna Bertoldo, pelos momentos de discussão que muito me
ajudaram a ressignificar determinados conceitos.
A todos os alunos (as) e professores (as) que por meio de suas práticas,
possibilitaram-me ampliar a compreensão de educação inclusiva.
À Professora Lourdes Alves pela correção ortográfica desse trabalho.
À Secretária Municipal de Educação de Murici, Maria da Glória, pela
grandiosidade em compreender e apoiar as minhas necessárias ausências.
A Renata, pela gentileza de traduzir o resumo dessa dissertação.
A todos os que incansavelmente buscam no conhecimento uma possibilidade
de transformação humana.

MEDEIROS, Maria Liege de. O discurso da educação inclusiva em tempos
neoliberais: a nova (de) limitação do campo educativo na lógica excludente.
2009. História e política. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) –
Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2009.

RESUMO:

O presente trabalho é resultante do processo de investigação desenvolvido durante
dois anos de Mestrado em Educação Brasileira, na Universidade Federal de
Alagoas, com o intuito de contribuir para o delineamento de um debate acerca da
educação inclusiva, considerando as possibilidades do contexto atual com ênfase,
especificamente, na inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais
nas salas de aula regulares. Para atingir tal intento apoiamo-nos no referencial
teórico da Análise de Discurso e, a partir de suas categorias: sujeito, discurso e
ideologia desenvolvemos a análise dos discursos que orientam os efeitos de
sentidos da referida política. Buscamos ainda nas contribuições de Lukács e Bakhtin
suporte para desvelar esses discursos que representam o nosso objeto de estudo. O
corpus desse trabalho é constituído de recorte extraídos da resolução da CNE/ CEB
nº 2, de 11de setembro de 2001, dos pronunciamentos de ministros da educação e
da fala de professores envolvidos com a problemática da educação inclusiva. A
perspectiva teórica desenvolvida possibilitou o desvelar de um funcionamento
discursivo que caracteriza as políticas inovadoras que se apresentam sob forma de
consenso,

mascaram

as

reais

possibilidades

de

inclusão

e

fortalecem

implicitamente, dentro do discurso educacional e de suas políticas, o exacerbamento
da exclusão.

Palavras-Chave: Educação Inclusiva. Análise de discurso. Ideologia.

MEDEIROS, Maria Liege Crisóstomo de. The Speech of Inclusion Education at
New Liberal Times: the new delimitation of educational field into exclusion logic.
2009. História e política. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira).
Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2009.

ABSTRAT

This study is the result of process of investigation developed in two years of master’s
degree in Brazilian Education, at University of Alagoas, with the purpose to contribute
to the delineation of a debout inclusion, considering the possibilities of actual context.
The objective is to disclose the sensitive effects produced by the speech of political
inclusion education, specifically about inclusion of people with specials education
necessities into common classrooms. To reach to this objective, were used the
support of theoretical references of Speech’ Analysis. By using its categories:
subject, speech and ideology, were developed analysis of the orientations that
establish the political speech related. Also, were searched on the contributions of
Lukács an Bakhtin, support to disclose these speeches that represent the objective
of this study. The corpus of the study is made o sections reproduced by Resolution
CNE/ CEB number 2,from September 11 th, 2001, pronouncements of ministers of
education: The theoretical perspective that were developed made possible to find a
speech working method, characterized by innovative policies that were introduced as
a consensus, that hide the real possibilities of inclusion and implicit strengthen, into
the eucationalspeech end its policies, the worsening o exclusion.

Key-Words: Inclusion Education. Analysis of Speech. Ideology.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................09
1 UM OLHAR RETROSPECTIVO AO PROCESSO DAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS: a (de) limitação do direito à educação ...................................16
2 O CENÁRIO NEOLIBERAL E A CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO INCLUSIVA .....................................................................................36
2.1 Outras formas de um velho caminhar ........................... ................................36
2.2 LDB X Educação inclusiva: o ressignificar dos sentidos .......... .................46
2.3 O estigma da deficiência e a autorização da diferença ................................52
2.4 Dados que (des) velam a lei ............................................................................56
3 SUJEITO, DISCURSO E IDEOLOGIA: categorias fundantes da AD ................60
3.1 Percorrendo as múltiplas faces da AD ...........................................................60
3.2 Noção de sujeito ...............................................................................................62
3.3 Noção de discurso ...........................................................................................65
3.4 Noção de ideologia ............................................................................................66
4 DO DISCURSO À PRÁTICA: a trajetória da análise ..........................................69
4.1 Inclusão como processo de educação consensuada ...................................80
4.2 O grito do silêncio ............................................................................................82
4.3 O silêncio como processo de naturalização ...................................................84
5 CONCLUSÃO .......................................................................................................89
REFERÊNCIAS ........................................................................................................92

9

INTRODUÇÃO

Neste início de século, observa-se que a atual ordem mundial e o padrão
dominante de desenvolvimento têm apontado para determinadas tendências, como
o processo de globalização da economia que de forma desmedida ultrapassa as
fronteiras entre os países, determina suas formas de interpretar o mundo, imprime
marcas de automação, racionalização e de monopólio do conhecimento científico em
nome da competitividade de mercado e consequentemente das pessoas.
Este cenário tem-se configurado em todos os espaços da sociedade como
um fenômeno inerente ao processo de desenvolvimento mundial, porém ao
observarmos suas nuances, percebemos que um novo formato de exclusão vem
sendo delineado com base na inovação de velhas formas de discriminação e
segregação social.
O princípio de sustentação desse modelo de desenvolvimento encontra-se,
sobretudo, assentado em medidas de competição externa, na valorização individual
dos mais aptos, detentores de um padrão máximo de qualidade. Nessa lógica, a
qualidade se converte numa meta que todos devem buscar. Entretanto, quando
analisada sob a ótica do referencial da análise de discurso percebe-se que esta não
representa a melhoria do processo educacional e das condições de aprendizagem
da coletividade, mas a qualidade que atende às demandas de mercado.
Assim, exige-se a formação diversificada do indivíduo para atender a um
mercado de trabalho cada vez mais dinâmico, seletivo, competitivo e excludente.
Compreende-se, portanto, que o indivíduo necessita demonstrar competências
emocionais, sociais, políticas, culturais, éticas e educacionais em um processo de
desenvolvimento articulado, que acaba por submetê-lo à consequente exigência do
capital.
É nesse contexto que se configuram as idéias de implantação de políticas
públicas que sinalizam a necessidade de respeito à diversidade, dentre estas o
direito das pessoas portadoras de necessidade educacionais especiais frequentarem
as salas de aulas regulares da educação básica, sob a temática da educação
inclusiva. Tal perspectiva tem como princípio o direito de igualdade, resguardado
pela Constituição Federal – CF, que define a todos condições de igualdade perante

10

a lei; portanto, todos têm igualmente direito à educação, o que mais tarde é
referenciado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394 /
96), ao estabelecer em consonância com a CF “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola” (CF. art. 3º, Inciso I).
É no cotidiano escolar que se evidenciam as grandes impossibilidades de se
trabalhar a proposta de educação inclusiva. A natureza política que envolve essa
proposta exige o redimensionamento e a definição de projetos políticos pedagógicos
a serem, em última instância, executados pelo professor, bem como a construção de
propostas que contemplem o conhecimento dos alunos em níveis e possibilidades
diferenciadas de aprendizagem, assegurando-lhes o desenvolvimento pessoal e
social. A ausência dessas definições tem trazido ao professor muita ansiedade,
conflitos, inquietações e certo “desespero”.
Foram as inquietações e conflitos gerados pela disponibilidade quase que
forçada da escola em receber uma aluna surda-muda1, que despertaram em nós a
necessidade de abordar esse tema.
Na condição de coordenadora pedagógica da Rede Estadual de Ensino (1º
segmento do Ensino Fundamental), os pedidos de ajuda dos professores para lidar
com o aluno com necessidades educacionais especiais tornaram-se freqüentes. Foi
quando percebi que o nosso conhecimento também era deficitário para lidar com
essa situação, que inusitadamente havia se instalado no contexto escolar.
Por mais que nos esforçássemos na perspectiva da inclusão, considerando
as condições atuais dadas, percebíamos que não éramos capazes de promover uma
interação dialógica entre todos os alunos. Talvez o rótulo da deficiência desses
alunos fosse maior do que a nossa capacidade de reconhecer suas diversas
possibilidades, o que nos demonstra, a priori, que a proposta da educação inclusiva,
tal como está inscrita nos documentos oficiais, adquire um sentido inverso,
contraditório e antagônico ao que textualmente propõe em termo de discurso e
acaba por propagar ainda mais a exclusão.
Em relação a esta condição Rocha (1991, p.187) destaca que

1

Surda-muda – termo utilizado para designar a pessoa que não desenvolveu as habilidades de ouvir e falar.

11

enquanto a deficiência, assim como outras diferenças, for considerada
desvio da norma, as intervenções científico-sociais que visam estes grupos
estarão objetivando unicamente a perpetuação da segregação,
estigmatização e marginalização. A diferença não será considerada, pois
será sempre uma ameaça ao exercício do poder do status quo vigente.

Com base nesses aspectos, é possível perceber que seja qual for a forma
de educação oferecida a esses indivíduos, esta se apresenta totalmente
desprovida de caráter pedagógico. Todas as tentativas de atendimento a essas
pessoas evidenciam um preconceito social acerca da deficiência que acaba
segregando o indivíduo. Sem adentrarmos nesse momento na Análise de
Discurso – AD, mas já estabelecendo algumas relações, diríamos que essa idéia
permanente sobre o preconceito está fortemente relacionada a uma formação
ideológica na qual as raízes históricas e culturais do fenômeno da deficiência
sempre foram marcadas por forte rejeição e discriminação.
A deficiência fora considerada durante muito tempo como um fenômeno
metafísico, ligado à anormalidade. É possível observar em relatos sobre a Grécia
Antiga que crianças mal constituídas ou diferentes teriam que ser sacrificadas ou
escondidas sob determinação do poder público.
Na Idade Média, essas pessoas eram consideradas, muitas vezes,
possuídas pelo demônio. Só bem mais tarde, com Santo Tomás de Aquino, a
deficiência passa a ser considerada um fenômeno natural da espécie humana.
Tais idéias caracterizam os modelos e as práticas sociais segregadoras
de atenção às pessoas com deficiência em todo o mundo. Da mesma maneira, a
educação para essas pessoas nasce de forma solitária, segregada e excludente.
Contextualizar a educação inclusiva na sociedade contemporânea implica
analisar o seu significado como parte constituinte da vida do sujeito com
deficiência, com vistas à discussão e socialização das questões ligadas à inclusão
dessas pessoas em salas de aula comuns e, conseqüentemente, ao mundo do
trabalho e nas demais instâncias da sociedade, considerando a educação dentro
de um contexto social neoliberal marcado pela competitividade da economia de
mercado e pelo acirramento do individualismo, que segundo Hobsbwm (1995,
p.226), “ao subordinar a humanidade á economia, o capitalismo mina, corrói as
relações entre seres humanos que formam as sociedades e cria um vínculo moral
em que nada conta a não ser o desejo do indivíduo aqui e agora”.

12

A subordinação da sociedade ao capitalismo expressa talvez a mais
importante contradição entre a política da educação inclusiva e o neoliberalismo, por
este não considerar necessário o processo de interlocução entre as pessoas, mas o
princípio individual que provoca o distanciamento entre elas.
Partindo desse pressuposto, nega-se a constituição dos processos
educativos reduzindo-os ao economicismo, a mero fator de produção – “capital
humano” que é asceticamente abstraído das relações de poder, passando-se a
definir-se como técnica de preparar recursos humanos para o processo de
produção, reduzindo a educação ao fator econômico.
Quanto ao reducionismo da educação ao fator econômico, Frigotto (2003)
nos adverte sobre o pretencionismo desse constituir-se, segundo os seus
defensores, numa espécie de fetiche, um poder que, uma vez adquirido,
independentemente das relações de classe, é capaz de operar o milagre da
equalização social e sinaliza ainda para a concepção neoliberal da palavra eqüidade
que ao contrário da igualdade, de direito e oportunidade, remete apenas ao
propósito de ser dado a “todos” o mesmo ponto de partida, o ponto de chegada
depende única e individualmente de cada um.
Tal concepção fundamenta as novas demandas da educação explicitadas
por diferentes documentos dos novos detentores mundiais do conhecimento e das
novas formas de reprodução e de trabalho – FMI2, BIRD3, BID, BM4 – e seus
representantes

baseados

nas

categorias

da

sociedade

do

conhecimento

globalizado, da qualidade total e educação para a competitividade, respaldadas sob
a égide da “educação para todos”, que expressa os limites das concepções da teoria
do capital humano e as redefine sob novas bases.
Esse movimento de mudanças das categorias e a necessidade de conservar
a natureza excludente das relações sociais ajudam-nos a compreender as várias
faces do neoliberalismo e de seus representantes para moldar a educação a
interesses particulares. Explicita, de igual modo, um espaço de contradição, no qual
a partir dessa natureza excludente torna-se impossível desenvolver alternativas de
igualdade, democracia e emancipação humana.
2

Fundo Monetário Internacional
Banco Internacional de Desenvolvimento
4
Banco Mundial
3

13

Percebemos pela nossa experiência com os professores e pelos embates
com outras instâncias educacionais, que a proposta de inclusão enquanto
articulação e interação entre os sujeitos não produz até o momento um sentido.
Assim sendo, buscamos analisar à luz da teoria da Análise de Discurso-AD os
diferentes olhares expressos na proposta de educação inclusiva.
Os problemas encontrados em sala de aula, no tocante ao aprendizado dos
alunos, não serão resolvidos num passe de mágica. Trabalhar a inclusão, dada a
sua importância requer, em primeiro lugar, a desconstrução do imaginário préconstruído acerca do deficiente, bem como recursos humanos e materiais que
possibilitem o trabalho com essas pessoas. Nesse sentido, não é apenas o fato de
constar em lei que irá assegurar a eficácia da política de inclusão, mas esta passa a
ser instrumento de aparato para que se viabilizem as condições necessárias.
É importante ressaltar que não negamos o princípio valorativo traduzido na
proposta de inclusão, porém atentamos para a forma como esta se apresenta dentro
da escola estadual, a forma abstrata como vem se dando essa percepção,
considerando o caráter conservador da escola atual traduzido nas formas
ritualísticas e padronizado desse sistema, cuja presença significativa obscurece o
poder de influência de iniciativas pedagógicas que busquem infringir os padrões
tradicionais do cientificismo. Esse conservadorismo nos leva, em princípio, a
perceber que há uma tendência preponderantemente assistencialista e corporativista
na concepção de educação inclusiva pautada nos princípios do neoliberalismo e
que, provavelmente, a escola necessita de uma reorganização estrutural e curricular.
O que, consequentemente, implicaria numa mudança de concepção e de valores, na
qual as idéias e comportamentos já não estivessem prontos, de maneira
padronizada, mas que dialeticamente fossem re-significados seguindo os ritmos dos
diferentes sujeitos envolvidos.
A pesquisa aqui delineada caracteriza-se como um estudo de caso por este
possibilitar, de acordo com as afirmações de André (2005, p.17) maior configuração
com o conhecimento concreto e contextualização das experiências, o que permitirá
ao pesquisador uma maior compreensão dos fatos a serem estudados (grifo
nosso). Inscreve-se numa abordagem qualitativa por esta supor, segundo Bagdan e

14

Biklen in Ludkel (2003, p.11), “o contato direto e prolongado do pesquisador com o
ambiente e a situação investigada”.
A relação desses pressupostos configura a multiplicidade de dimensões
presentes numa situação problema focalizando os vários aspectos presentes numa
dada situação social, visto que estaremos em contato com documentos oficiais
sobre a política da educação inclusiva e a configuração de seu discurso nas
formações ideológicas e discursivas que sustentam a prática do professor. Assim
como os efeitos de sentido que estas provocam no comportamento de alunos e
professores que, mesmo de forma embrionária, já vivenciam a experiência da
inclusão.
Para a construção do corpus foram usados documentos oficiais que
constituem a política de educação inclusiva e a observação. Essa última
considerada como fator preponderante da pesquisa, por favorecer subsídios que,
quando analisados em consonância com o discurso oficial, permitiu-nos (des)velar
os efeitos de sentido que os legitimam.
Desse modo, mesmo consciente da necessidade de se analisar a política de
inclusão nas várias perspectivas em que esta se apresenta, por considerar os limites
de um estudo da natureza dessa dissertação de dar conta da amplitude, sob a qual
se inscreve a proposta de educação inclusiva, é que optamos por empreender um
estudo focado na inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais,
por ser esta temática de extrema relevância para a educação pública, sobretudo
pelas exigências que consubstanciam a sua implantação em contextos totalmente
desfavoráveis.
Assim,

no

primeiro

capítulo,

que

tem

como

título

“UM

OLHAR

RETROSPECTIVO AO PROCESSO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: a
(de)limitação do direito à educação” empreendemos uma incursão histórica pelas
constituições brasileiras, com o intuito de esclarecer em que circunstâncias se
inscreve o direito nestas constituições, bem como a sua institucionalização enquanto
“direito subjetivo” à educação. Essa leitura retrospectiva demonstra elementos de
intervenção política que tenham (de)limitado a constitucionalização do direito à
educação no seu processo germinal, e que hoje apresenta resquícios dessa mesma
(de)limitação.

15

No segundo capítulo, denominado “O CENÁRIO NEOLIBERAL E A
CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA”, buscamos situar a
educação no contexto das políticas sociais e como estas políticas se inscrevem no
contexto neoliberal. Abordamos os aspectos que marcaram historicamente as
pessoas com deficiência, por entendermos estarem presentes aí significativos
elementos de natureza político-ideológica que permearão os embates e discussões
da política atual da educação inclusiva.
No terceiro capítulo “SUJEITO, DISCURSO E IDEOLOGIA: categorias
fundantes da AD, faremos uma exposição das bases teóricas que orientam a nossa
análise, com o intuito de delimitarmos o lugar de nossa identificação.
No quarto e último capítulo, optamos por realizar alguns recortes das
Sequências Discursivas – SD -, que compõem a Resolução CNE / CEB nº 2, de 11
de setembro de 2001, e pronunciamentos de ministros da educação que respaldam
a inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais. Esses dados,
juntamente com alguns recortes da fala de professores envolvidos no processo da
educação inclusiva, comporão o corpus de nossa análise, que é objeto do nosso
trabalho de dissertação. Para atingir tal intento, lançaremos mão do referencial
teórico da Análise de Discurso que possibilita fazer uma leitura crítica do corpus
coletado, fazendo a articulação entre o discurso e a práxis donde provém.
Isto posto, esperamos de alguma forma, poder contribuir para que novas
posturas inclusivas sejam delineadas, no sentido de re-significação da ordem
vigente e de possibilidades concretas de inclusão.

16

1 UM OLHAR RETROSPECTIVO AO PROCESSO DAS CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS: a (de)limitação do direito à educação
A memória é uma verdadeira armadilha, corrige, sutilmente acomoda o
passado em função do presente.
(Mário Vargas Llosa)

Ao nos propormos tratar do discurso da inclusão de alunos com
necessidades especiais, defendido pelo governo federal e instituído como mola
propulsora das principais ações em prol da proposta de educação inclusiva, da qual
a Resolução do CNE / CEB nº 2 de 11 de setembro de 2001 é signatária, sentimos
ser necessário estabelecer algumas considerações acerca do processo germinal das
constituintes brasileiras para se chegar à compreensão do fenômeno da organização
escolar, bem como uma visão do contexto social brasileiro do qual a escola é parte e
com o qual estabelece uma permanente relação.
No entanto, não se trata de buscar uma compreensão isolada da sociedade
brasileira para posteriormente atentar para e a organização escolar. É fundamental
que se perceba a estrita relação entre sociedade e organização escolar, para que se
identifique as influências que determinam o percurso de ambas no decorrer de todo
o processo histórico.
Para nos subsidiar neste percurso, tomaremos como referência os aspectos
relacionados ao direito à educação inscrito nas constituições brasileiras, sem que
seja nossa pretensão adentrarmos profundamente nesta questão, pontuaremos
apenas aquilo que considerarmos relevante no tocante a concepção de direito que
vem permeando os discursos das constituintes brasileiras e que, mais adiante,
ajudar-nos-á a compreender as marcas que imprimem na educação atual, mais
especificamente na educação inclusiva.
O olhar retrospectivo, com base nas idéias acerca da educação, contribui
para melhor analisarmos os princípios e valores presentes nas primeiras
constituições, seus avanços e recuos, bem como as mudanças ocorridas, o que
delas herdamos e suas influências no momento atual.
Com a conquista da autonomia política, em 1822, e a sua progressiva e
complexa organização social, torna-se necessária a elaboração de uma constituição
para o país que, por sua vez, carrega consigo resquícios do modelo importado,

17

desvirtualizando-se em alguns aspectos da realidade brasileira. Assim, surge a
Constituição de 1824 e, juntamente com esta, a preconização do direito à educação
que, em seu artigo 179, afirma os seguintes termos: “a inviolabilidade dos direitos
civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm por base a liberdade, a segurança
individual e a propriedade”, dentre outros, assegura, no artigo 32, “a instrução
primária e gratuita a todos os cidadãos”. Com base neste princípio de gratuidade,
aprova-se a Lei Geral do ensino de 1827, determinando que houvesse escolas de
primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos. A (de)limitação quanto à
modalidade atendida (primeiras letras) reforça em particular, segundo Silva apud
Ribeiro(1988, p.45) que,
se a denominação de escola primária representaria política e
pedagogicamente a permanência da idéia de um ensino público
suficientemente difundido e realmente formativo, a classificação de escolas
de primeiras letras simbolizava, antecipadamente, a tibieza congênita que
irá marcar a maior parte dos esforços de educação popular durante o
império, até a República.

Conclui-se, a partir de Ribeiro (ibidem),
que a conquista da autonomia política, ou seja, o surgimento na nação
brasileira, impunha exigências a organização educacional. Mas, como já foi
visto as condições em que tal autonomia foi conseguida, resistindo às
alterações internas, constituem sérios obstáculos a um eficiente
atendimento escolar.

A falta dessas condições contribuiu para que esta lei não obtivesse o
sucesso esperado. Na economia, as dificuldades também se agravavam. A opção foi
recorrer a empréstimos estrangeiros que, com a alta dos juros torna-se cada vez
mais difícil honrar a dívida, submetendo a economia brasileira refém do capital e
consequentemente, das suas leis de mercado.
Os recursos destinados ao Brasil eram submetidos a outras áreas, visto que,
diante do grave contexto, a educação não era caracterizada enquanto prioridade.
Esse caráter não prioritário pode ser confirmado a partir do Ato Adicional à
Constituição (1834), que resulta em uma orientação descentralizada, que transfere
às províncias a responsabilidade pela organização do ensino e garantia da instrução
primária.

18

Segundo Villela (2000), o dispositivo legal de delegar poderes às províncias,
insere-se no princípio de descentralização administrativa, cuja centralização do
poder político pertence à União. Nestes termos, não causa nenhuma estranheza o
fato de a educação brasileira sofrer desde o início com problemas de ordem
quantitativa e qualitativa, provocados basicamente pelas condições desfavoráveis
nas quais se encontravam as províncias neste momento. O seu caráter embrionário
jamais lhes permitiria fazer valer tal dispositivo.
Um ponto considerável é o fato de, já nesse período, diante das dificuldades
“a educação acaba por depender marcadamente da boa vontade das pessoas”
(RIBEIRO, 1988, p. 53).
O modelo de sociedade importado pelo Brasil adquire contornos artificiais
por não conseguir traduzir a problemática da realidade brasileira. Apesar da
denominação francesa das idéias inovadoras, considerando ser a França o centro
do desenvolvimento iluminista da época, a educação brasileira mesmo quando
pensada como instrumento de inovação e transformação, mostra-se seletiva e
excludente nos termos de como e para quem se destina. Ao analisar esses
aspectos, afirma Ribeiro (1988, p. 57).
A exclusão não se fazia paulatinamente, de um nível de ensino para outro, e
sim marcadamente, no início da escolarização, pois a grande maioria não
tinha condições e, em boa parte, nem interesse, diante do regime de vida a
que estava submetida, em ingressar e permanecer na escola.

As condições de existência impostas ao povo brasileiro imprimem as marcas
da desigualdade e da exclusão desde os primeiros discursos constitucionais,
bloqueando, inclusive, algum tipo de interesse pela educação que, por ventura,
pudesse ser cogitado. No dizer de Santos (1995, p. 2).
A desigualdade e a exclusão são dois sistemas de pertenças
hierarquizados. No sistema de desigualdade, a pertença se dá pela
integração subordinada, enquanto que no sistema de exclusão, a pertença
dá-se pela exclusão. A desigualdade implica um sistema hierárquico de
integração social. Quem está embaixo está dentro e a sua pertença é
indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema igualmente
hierárquico, mas dominado pelo principio da exclusão, pertence-se pela
forma como é excluído. Quem está embaixo está fora. Estes dois sistemas
de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que na
prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas,
em combinações complexas.

19

A complexidade dessas combinações reflete o momento histórico da própria
sociedade e, consequentemente, as idéias que se tem acumulado sobre educação,
os princípios e valores em trânsito, nesse dado contexto.
Continuando a nossa trajetória, deixaremos para trás algumas constituições
por estas não apresentarem nenhuma novidade ao que se propõe este capítulo,
para nos determos à Constituição de 1934 por ser nesta, segundo Fávero (2005, p.
12), que aparece pela primeira vez a expressão “a educação é direito de todos e
deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos”.
A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos
poderes públicos, cumprindo a estes proporcional a brasileiros e estrangeiros
domiciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores de vida moral
e econômica da nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana.(Constituição de 1934,Art.149).

É este caráter inovador que possibilita segundo Ribeiro (1988, p. 104),
O Brasil ingressar numa política nacional de educação desde que atribuída
à União a competência privativa de traçar as diretrizes da educação
nacional (cap. I, art. 5º) e de fixar o plano nacional de educação (art. 151).
Aos estados, segundo este artigo, competia organizar e manter seus
sistemas educacionais, respeitar as diretrizes definidas pela União.

De acordo com esses pressupostos, o papel da União passa a ser
determinante, mediado pelo tema da centralização e da descentralização que mais
uma vez entra em cena. A partir daí, torna-se unânime entre os representantes de
governo, ao menos no discurso, que a instrução do povo brasileiro era responsável
pelo distanciamento entre o Brasil e as nações civilizadas. Desse modo, por meio da
instrução almejava-se a possibilidade de unificar certos padrões sociais e difundir o
que os governantes chamavam de uma “moral universal” VILLELA (2000, p. 42).
A própria dinâmica da sociedade passa gradativamente a exigir que a
educação, antes voltada para os interesses da elite, passe a preparar
representantes de alguns setores para ocupar os cargos que se formavam com a
nova estrutura administrativa do país, em virtude da mudança de uma sociedade
essencialmente agrária para uma sociedade basicamente comercial.
Observamos, assim, que remonta aos primórdios de sistematização do
ensino, o entendimento da educação enquanto possibilidade de ascensão políticosocial e econômica. No entanto, quando esta contempla o âmbito do direito, o faz

20

por meio de mecanismos de controle que (de)limitam a sua efetivação, por este não
representar muita obviedade ao caráter que lhe é determinante, como afirma Chauí
(1989, p. 20).
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato
óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro
lado, significa que não devam ser reconhecidos para todos. A declaração
dos direitos inscreve os direitos no social e no político e se apresenta como
objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o consentimento
social e político.

O fato de o direito não ser óbvio para a maioria dos homens, reafirma de
certo modo, a sua falta de veiculação a sua base real e, consequentemente, reforça
a constante necessidade de sua auto-afirmação enquanto consciência política do
povo brasileiro, diríamos que o direito é algo ainda distante do entendimento da
maioria dos homens. Motivo pelo qual sua conquista só é possível por meio de lutas
e enfrentamentos (bastante presente nos movimentos sociais). .
Sem sombra de dúvida, a constituição de 1934 inaugura a educação como
um direito declarado, excetuando os casos em que o livre arbítrio (relativo à família)
é sobreposto à força da lei, caracterizado como direito subjetivo sob o qual os
sujeitos possuem poder de ação.
Com a intervenção do Estado enquanto união federativa que reconhece e
aprova essa subjetividade, o direito educacional torna-se protegido e tem essa
dimensão afirmada para o universo dos cidadãos brasileiros. Gratuidade e
obrigatoriedade da escola primária tornam-se, então, princípios da educação
nacional.
Entretanto, as fissuras existentes na própria legislação fizeram com que a
proteção jurídica declarada, ainda que impusesse a obrigatoriedade da educação
primária e até vinculasse constitucionalmente percentuais como meios de prover
financeiramente, a conquista desse direito não continha instrumentos adequados
para punir judicialmente o Estado das possíveis eventualidades de omissão.
Nesta situação específica da constituição de 1934, observa-se que a
obrigatoriedade e a gratuidade quando exigidas pelo Estado é feita através da
mediação da família, quando não, do processo de centralização X descentralização,

21

que caracteriza uma clara transposição de responsabilidades do estado para esferas
subsequentes. Sobre esse aspecto, diz Fávero (2005, p. 25).
A ambigüidade entre instituições responsáveis pela obrigatoriedade talvez
explique porque se levou tanto tempo para que a educação fosse
reconhecida como direito público subjetivo. Como se sabe, tal direito diz do
poder de ação da pessoa possuir ou proteger um bem considerado
inalienável e ao mesmo tempo legalmente reconhecido. Daí decorre o fato,
por parte da pessoa, de exigir a defesa ou proteção do mesmo direito da
parte do sujeito responsável. Se havia normas no código penal para
assegurar essa proteção incriminando a família, o mesmo não existia, em
1988, em relação ao Estado, a fim de possibilitar ao indivíduo o uso de
mecanismos jurídicos correspondentes ao direito declarado.

Desse modo, a determinação social permitia, finalmente, que o direito de um
indivíduo se realizasse como um direito a um objeto determinado, tendo agora à
mão instrumentos jurídicos para fazê-lo valer. Esse, no entanto, não foi um processo
tranquilo e a inserção do direito público subjetivo como suporte da declaração
universal do direito ao saber só se impõe a partir da constituição de 1988. No
entanto, antes de adentrarmos nas discussões que fundamentam a próxima
constituição, pontuaremos alguns aspectos que caracterizam a inscrição do direito
no princípio da individualidade, ou seja, a estrita relação entre ambos, por
considerarmos que o caráter individualista se faz presente em todos os discursos
constitucionais dos quais necessitamos para estabelecer algumas relações.
Iniciando com Rocha (2005, p. 125), temos que, “a concepção doutrinaria
dos renovadores é a de considerar que o estado moderno constitucional exige que
se faça a afirmação da educação como direito individual”.
Partindo desse pressuposto, a concepção de individualidade que vem
norteando o processo das constituintes pode ser definida como uma conquista
progressiva do indivíduo que se desenvolve forçadamente a partir do seu próprio
esforço. Negando todo o processo sócio-histórico no qual o indivíduo está inserido.
Nesse sentido, afirma Cury (2005, p. 79).
É possível dizer que a educação teria sido o único direito social inusitado no
campo de direitos civis. Mas mesmo isto, com a hegemonia do liberalismo
oligárquico, será ancorado na dimensão do virtus, próprio do esforço
individual de cada qual. Assim, não haverá educação obrigatória
exatamente porque a oportunidade educacional será vista como demanda
individual.

22

Considerando

estes

pressupostos,

diríamos

que

a

concepção

de

individualidade presente nas constituições brasileiras (de)limitam o direito à
educação apenas os aspectos biológicos do ser humano, esquecendo a sua
constituição enquanto gênero. Para um melhor entendimento acerca desses
conceitos, recorremos a Duarte (1993) ao afirmar que todo ser humano é, por
natureza, “espécie biológica e gênero humano” e, consequentemente, resguarda em
si uma individualidade biológica e outra especificamente humana. Ao explicar esses
dois fenômenos, diz Cavalcante (1999, p. 2),
enquanto a individualidade biológica é herdada da espécie e se forma
através da adaptação com o meio ambiente, por meio de comportamentos
que garantem a sobrevivência. A individualidade humana se autoconstrói
pelo processo de apropriação da natureza e dos produtos que o gênero
humano acumula ao longo de sua história.

Desse modo, podemos considerar que o sujeito é um ser histórico. Porém,
para fazer história, é necessário que os homens tenham condições básicas de vida
como beber, vestir, morar e etc. desse modo, afirma Marx e Engels (2005, p.35).
O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios para a satisfação
dessas necessidades, a produção da própria vida material e a verdade é
que este é um fato histórico, uma condição fundamental de toda a história
que, ainda hoje, tal como há milhares de anos, tem de ser realizada dia a
dia, hora a hora, para ao menos manter vivo os homens.

Dadas essas condições, o indivíduo realiza suas escolhas a partir das
possibilidades

existentes.

Estas

possibilidades

de

escolhas

diferenciam

consubstancialmente a constituição da individualidade a partir do gênero, daquela
que (de)limita a individualidade ao virtus próprio. Portanto, acreditamos ser esta
última a concepção que permeia toda a discussão que fundamenta as constituições
brasileiras, inclusive a política da educação atual, visto que, todas as políticas
educacionais tendem a agregar valores e práticas individualizadas que estimulam
acima de tudo a competição entre os sujeitos.
Apesar do discurso que permeava a constituição anterior (1934), por
sinalizar o direito à educação como um direito de abrangência “a todos”, imprimindo
as marcas de um ideal de democracia, mesmo que restrito ao ensino primário, tal
possibilidade democrática é totalmente nula na constituição seguinte.

23

Na constituição de 1937, esse ideal é rapidamente suprimido do discurso;
esta dispensa os sistemas representativos, sobrepõe o executivo a todos os demais
poderes, aniquilando com a pluralidade sindical e com os poderes estaduais. Em um
dos seus artigos, o de nº 177 [...], “permitia ao governo aposentar ou demitir
funcionários considerados contrários ao governo” (RIBEIRO, 1988, p. 114). Vive-se,
neste período, um momento de repressão que representou alguns recuos no âmbito
educacional, além dos já mencionados.
Surge, nesse mesmo período, a indicação por parte do poder público de o
estado ofertar uma educação adequada às faculdades e aptidões vocacionais de
cada indivíduo. Essa idéia é complementada sequencialmente pelo artigo 131, ao
ressalvar a “obrigatoriedade do ensino de trabalhos manuais em todas as escolas”.
Considerando que a gratuidade nesse momento estende-se apenas ao ensino
primário e que o acesso gratuito aos demais só seria possível após a comprovação
da falta de recursos, logo se evidencia que a indicação para o ensino de trabalhos
manuais destina-se exclusivamente aos filhos da classe trabalhadora, visto que o
filho dos patrões encontrava-se em instituições particulares. Ao analisar esses
aspectos afirma Ribeiro (idem, p.115).
Já por este texto fica explicitada a orientação político-educacional capitalista
de preparação de um maior contingente de mão-de-obra para novas
funções abertas pelo mercado. No entanto, fica também explicitado que tal
orientação não visa contribuir para a superação entre um trabalho
intelectual e manual, uma vez que se destina “às classes menos
favorecidas”

A citação acima evidencia o fato de que em todo processo das constituintes
há uma (de)limitação do ensino oferecido de acordo com a classe social a que se
destina. Isso leva-nos a constatar que toda a organização de ensino desse país traz
implícita na sua conjuntura uma forte denominação de classe, com a qual
convivemos até os dias atuais.
Em 1946, é promulgada uma nova constituição que difere um pouco da de
1937 por reafirmar, em consonância com a constituição de 1934, alguns princípios
de democratização, bem como, a reafirmação do processo de descentralização
(negado na constituição de 1937), reconduzindo os três poderes de volta a pauta de
decisões do país.

24

Quanto o direito de acesso à educação, a referida constituição apresenta
algumas restrições, a exemplo do artigo 168, onde é possível constatar: “o ensino
ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta, ou insuficiência de
recursos”.
No tocante ao princípio da gratuidade é complicado afirmar a existência de
avanços, visto que se mantém a gratuidade do ensino primário, mas ao ser cogitada
a possibilidade de acesso ulterior, essa é (de)limitada pela exigência de
comprovação das condições do indivíduo. Parte dessa delimitação expressa-se pela
necessidade desses indivíduos trocarem o estudo pelo trabalho, para ajudar no
sustento da família, o que acaba inviabilizando o acesso das camadas populares a
esse tipo de ensino, uma vez que o próprio regime de vida a que eram submetidos,
contribui para distanciá-los ainda mais.
Quanto a nossa preocupação da busca pelo direito das pessoas com
necessidades especiais, nada foi encontrado até o momento nessa retrospectiva as
constituições. Apenas indícios pontuais de que a coroa portuguesa motivada pelas
idéias inovadoras, cria na corte em 1854, o ensino para cegos e dois anos depois
para surdos-mudos. Esse incluía instrução elementar e iniciação técnica.
Consta em registros, que a continuidade desse ensino só foi possível pela
iniciativa de diretores e professores, o que, em síntese, denuncia não ser uma
preocupação da corte dispensar atenção alguma a essas pessoas e muito menos,
mencionar seu atendimento aqui no Brasil, visto que, o interesse da coroa
portuguesa para com o Brasil era puramente comercial.
É basicamente a partir dos anos 50, que passa a fazer parte dos debates e
escritos

constitucionais

a

relação

educação

e

desenvolvimento.

O

tema

desenvolvimento apareceu como problema mundial, junto com este a criação dos
organismos Cepal e UNESCO, na qualidade de integrantes da ONU. A primeira
objetiva implementar e acompanhar políticas econômicas e sociais na America
Latina. A segunda, com ações voltadas especificamente para as áreas de educação,
ciência e cultura. Nesse mesmo contexto, explora-se a necessidade de um sistema
educacional que extrapole as redes escolares e busque a formação integral do
homem brasileiro, tendo como pressuposto, o crescimento econômico. Com essa

25

abrangência, busca-se traduzir um modelo de homem “ideal”, cabendo à educação
concretizá-lo.
Nesse sentido, é bastante visível a preocupação de Gadotti (1995, p. 18)
com o poder que se é atribuído á educação. Assim, diz ele
A educação tem importante papel no próprio processo de humanização do
homem e de transformação social, embora não se preconize que, sozinha, a
educação possa transformar a sociedade. Apontando para as possibilidades
da educação, [...], visa à formação do homem integral, o desenvolvimento
de suas potencialidades, para torná-lo sujeito de sua história e não objeto
dela.

Gadotti nos alerta anos depois que a forma como a educação vem sendo
delineada no país representa equívocos que reforçam o caráter hegemônico, de
que, sozinha dará conta dos problemas sociais. Equívocos estes, cujos resquícios
poderão ser sentidos na conjuntura política da educação atual, como veremos nos
capítulos posteriores.
Em meio à efervescência das discussões para elaboração desses debates,
coexistem segundo Fávero (2005, p.242), duas concepções distintas de educação.
Uma formadora da consciência nacional e instrumentalizadora de
transformações político-sociais profundas na sociedade brasileira, traduzida
nos movimentos de cultura e educação popular no início dos anos 60. Outra
como preparadora de recursos humanos para as tarefas da industrialização,
modernização da agropecuária e ampliação dos serviços educacionais.
(idem, p. 243).

A primeira concepção sinaliza os indícios para uma primeira tentativa de
“inclusão”, porém, foi assumida apenas brevemente pelo discurso oficial na gestão
do Ministro da Educação Paulo de Tarso, de 1962-63. Neste período, vários
movimentos foram encaminhados, a exemplo do Movimento de Cultura Popular –
MPC - Movimento de Educação de Base – MEB, - proscrito sob a nomenclatura de
MOBRAL- chegando a receber até apoio financeiro do MEC, desativado anos
depois.
A segunda, ao contrário, tornou-se fortemente hegemônica, fundamentada
principalmente na teoria do capital humano e traduzida no enfoque de mão-de-obra
dos planos de educação elaborados na esfera do Ministério do Planejamento e da
Coordenação Econômica.

26

No mesmo movimento, também o conceito de educação como investimento
vem à tona na fala de vários congressistas nos debates do Congresso Constituinte,
sobretudo para justificar a vinculação dos recursos orçamentários para a educação.
Não é o nosso intento explorar esse debate. Queremos pontuar apenas que, própria
ou impropriamente, a relação educação e desenvolvimento e o conceito de
educação tornam-se quase “lugares-comuns”, aparecem praticamente com o mesmo
sentido, tomados como pré-requisitos para a substancial alteração no quadro
nacional da educação no tocante ao planejamento e ao investimento.
Mesmo que alguns congressistas se utilizem desses princípios e a
vinculação de recursos orçamentários para a educação, diz Fávero (2005, p.246).
Todo o arsenal técnico-metodológico do planejamento e da economia
estava sendo aplicado para subordinar a educação em seus diversos níveis
e modalidades ao projeto econômico e inserção subordinada da economia
brasileira no capitalismo internacional

A interferência dos organismos internacionais na definição da política
educacional brasileira remota aos anos iniciais do nacional desenvolvimentismo.
Porém, “é a partir dos anos 1970, com o aumento significativo das verbas para
projetos educacionais integrados a política de desenvolvimento e alívio da pobreza
que a relação se intensifica” (LIMA, 2002, p.43).
Para uma análise mais precisa das mudanças que as idéias dominantes,
arraigadas pelo autoritarismo implantado a partir de 1964 provocaram na educação
brasileira, particularmente a partir da constituição de 1967, faz-se necessário
pontuar, mesmo que brevemente, alguns desdobramentos da Lei 4. 241/61.
Na esfera oficial, um primeiro ponto a considerar é o Plano Nacional de
Educação – PNE, previsto pela referida lei, elaborado em 1962 e complementado
em 1966 pelo Conselho Federal de Educação. O PNE predispõe-se a
instrumentalizar os dois princípios considerados fundamentais, tanto do ponto de
vista da LDB / 61, quanto da sua significância para o intento desta pesquisa - “o
direito de todos à educação e a igualdade de oportunidades”. Embora essa não seja
de todo uma novidade, uma vez que o direito de todos à educação (de)limitado ao
ensino primário, diga-se de passagem, já havia sido mencionado desde a
constituição de 1934, bem como a sua progressiva extensão para outros níveis.

27

Todos esses indicativos serviriam de aporte para a elaboração da
Constituição de 1967, como esclarece Alfredo Bosi in Fávero (2005, p. 249).
A constituição de 1967 não só mantém essa limitação da gratuidade como
inaugura o regime de “bolsas de estudo restituíveis”, no ensino superior. E a
Emenda Constitucional de 1969 estende este mecanismo ao ensino médio.
No sentido inverso ao da constituição de 1934, inaugura-se a figura do
ensino oficial pago e referenda-se o ágil mecanismo de subvenção ao
ensino privado.

É Bosi ainda quem enfatiza que no Império e na Republica Velha, a
educação foi tratada como assunto privado. A constituição de 1967 caracteriza um
período vitorioso para o setor privado ao consagrar o “apoio técnico financeiro” a
escola particular. Em todas as tentativas de expansão do direito e da gratuidade à
educação, são visíveis os mecanismos para burlar esses direitos, reduzindo-os
apenas ao elementar. Dentre os muitos já apresentados no decorrer desse capítulo,
a re-significação do conceito de público e privado nos parece bastante cabal para
reforçar o nosso dizer.
As várias investidas constitucionais em transferir direitos da esfera pública
para a esfera particular caracterizam o dicotomismo entre público5 X privado6 na
trajetória das constituições e na sua marcante presença na constituição de 1988 sob
uma nova roupagem. De acordo com Pinheiro (2005, p. 256),
o uso sem critério desse termo pode gerar incompreensões e dar margem
inclusive a manipulações ideológicas. [...] os diversos sinônimos de público
mostram sua abrangência a tudo aquilo que pertença o social, [..] o que se
passa fora do âmbito da família, o que é relativo ou destinado ao povo;
pertencente ao Estado, que é de uso de todos.

Diferentemente dessa amplitude de significados, o termo privado é mais
restrito e caracteriza certa negação em relação ao público. “O cerne da acepção da
palavra privado é a de privação” (FÁVERO, 2005, p. 256). As categorias público e
privado foram utilizadas para distinguir a esfera da política, da esfera das
necessidades básicas. Com o passar dos tempos, essas esferas foram tornando-se
complexas, a ponto de, na sociedade moderna, apesar de ambos possuírem

5

FALEIRO, Marlene de Oliveira Lobo. Os conceitos de público e privado e suas implicações na organização
escolar. In MERCADO, Luís Paulo Leopoldo. (org.). Formação de pesquisador em educação: profissionalização
docente, políticas públicas, trabalho e pesquisa. Maceió, 2007.
6
(Idem)

28

contornos diferenciados tendem a convergir para uma mesma denominação, ou
seja, para um mesmo significado. Diz o referido autor,
Agregado ao significado de público como o que se passa fora da vida da
família e cujo centro é a cidade, surgiu com a constituição da sociedade
moderna outra conotação de público relacionado ao poder público, que é o
Estado. Com este conteúdo, o público é uma categoria histórica própria
desta sociedade e quer dizer poder público. Como poder público, o estado
tem a tarefa de promover o bem comum a todos os cidadãos. Nesta
acepção estrita, público tornou-se sinônimo de estatal. Pode-se dizer que o
legado público e privado corresponde em geral a dois significados: o
público-privado no sentido mais amplo do que é manifesto–secreto; e o
público privado, no sentido de poder público e poder privado (idem, p. 257).

A perspectiva do direito que vimos discutindo no decorrer desse trabalho
autoriza-nos identificar uma forte tentativa de mascaramento do sentido de público –
destinado ao povo – pelo sentido de público relativo ao privado que presta serviço
ao povo. Entretanto, esse caráter dicotômico constitui no imaginário social, uma
formatação diferenciada de público e privado, visto que a partir desse ponto de vista,
o público nem sempre é aberto a todos, bem como o privado não é necessariamente
fechado ao público. Assim, diz Bobbio (1987, p.83).
Na sociedade contemporânea há uma tendência de interpretação dessas
esferas. Podendo mesmo ocorrer processos paralelos de privatização do
público e publicização do privado. Os dois processos de publicização do
privado e de privatização do público, não são de fato incompatíveis, e
realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de
subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade
representados pelo estado que invade e engloba progressivamente a
sociedade civil; o segundo representa a revanche dos interesses privados
através da formação de grandes grupos que se servem dos aparatos
públicos para alcance dos próprios objetivos. O estado pode ser
corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se
compõem para novamente decomporem-se e recomporem-se, estes
conflitos.

Desse ponto de vista, o “direito de todos à educação”, instituído desde as
primeiras constituições, é mais uma vez (de)limitado. Pois, em se tratando da
especificidade do acesso à educação não há uma ampliação significativa de vagas
nas instituições públicas estaduais e federais, visto que, os recursos terão que
migrar para instituições particulares sob a premissa de que estas, ao prestarem
serviço à comunidade, atendem a uma prerrogativa referente ao direito subjetivo dos
pais de escolherem a escola que considerem melhor para seus filhos. Desse modo,
é conferido à escola particular o status de receber e ministrar verbas públicas

29

cabendo ao estado apenas mediar as ações transitórias e coordenar a eficácia
dessas ações.
Deixando um pouco a discussão acerca do público e privado aqui colocada
apenas para ressaltar mais uma tentativa de (de)limitar e até mesmo mascarar as
conquistas das instituições públicas, no tocante ao princípio do direito á educação,
deter-nos-emos agora à constituição em vigor (1988), com o intuito de identificar os
pressupostos relativos ao direito que vimos discutindo ao longo desse capítulo e
pontuar alguns dos discursos que caracterizam a re-significação desses sentidos na
vigência da constituição atual.
Nos anos de 1980, com a crise de endividamento dos países periféricos, o
BM e o FMI começam a impor programas de estabilização de ajuste da economia
latino-americana, especificamente a economia brasileira. A renegociação da dívida
externa ficou condicionada ao aval desses organismos, a partir da realização dessa
política de estabilidade econômica e de ajuste estrutural.
É basicamente neste contexto que se configura o discurso da Constituição
Federal de 1988, que elege, em seu artigo 205, “a educação é direito de todos e
dever do estado e da família [...], visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, o que, em
síntese, não representa nenhuma novidade, além da troca posicional entre os
termos, Estado e família.
O artigo 206, em seu inciso I, traz uma preocupação quanto aos princípios
que poderíamos considerar um avanço – “igualdade de condições para o acesso e a
permanência do aluno na escola” -, porém dentre outras questões, denuncia que a
garantia de acesso desde a constituição de 1934, jamais assegurou a permanência
desse aluno, causando excessivas desistências e alto número de repetência.
Um avanço considerável que gostaríamos de pontuar, dada a sua
importância para a constituição desse trabalho, (apesar das suas (de)limitações
quando confrontada com a prática educativa) é a garantia (ao menos na lei) de
“atendimento

educacional

especializado

aos

portadores

de

deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino” (CF, art. 208, inciso III). Mesmo que
este, de certo, tenha provocado alguns equívocos (dos quais trataremos no segundo

30

capítulo), não deixa de representar um avanço significativo, visto que, o portador de
deficiência jamais fora mencionado nas constituições anteriores.
Portanto, a constituição garante a todos o direito à educação e o acesso à
escola. Toda escola assim reconhecida pelos órgãos oficiais como tal, deve atender
aos princípios constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoa em razão de
sua origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela. Nestes termos,
institui-se categoricamente a expansão de uma educação para “todos”. O processo
de acessibilidade desse “todos”, bem como a sua permanência com sucesso na
escola é algo que trataremos nos capítulos posteriores.
Saindo de um contexto mais geral para o específico, nos deteremos um
pouco na contemplação da política de inclusão no estado de Alagoas.
Como vimos anteriormente, a discussão acerca da pessoa portadora de
necessidades educacionais especiais frequentar a sala de aula regular, está
presente nos discursos oficiais desde a constituição de 1988. Essa discussão ganha
expressividade no Estado de Alagoas, dez anos mais tarde, com as discussões que
fomentaram a elaboração da Carta de Princípios da Educação – CPE: Construindo a
escola Cidadã, no ano de 1999. Esse movimento inicia-se com a instauração da
Constituinte Escolar num processo coletivo de discussão, envolvendo escolas e
comunidade acerca dos eixos: gestão educacional, pedagógico e relacional. A
referida carta consta de 68 princípios cuja centralidade objetiva está abaixo descrita.
O exercício desses princípios possibilitará, sem dúvida, a construção da
Escola Cidadã, pois estará fundamentada na prática constante do diálogo,
da comunicação e da construção coletiva, num processo contínuo,
permitindo aos sujeitos envolvidos na ação educativa a aprendizagem
possível a todos, o respeito às diferenças, oportunizando-lhes uma
compreensão crítica do mundo e sua ação como agentes de transformação
(CPE, 1999, p. 7).

Visando atender a tais objetivos, o Princípio 14 da referida Carta enfatiza
“que sejam supridas as necessidades de manutenção e aquisição de material
necessário às atividades da escola, inclusive a dos alunos portadores de
necessidades educacionais especiais”. Prossegue afirmando em seu Princípio 15,
que a escola pública estadual seja reestruturada através de uma política de
formação de profissionais que irão atender aos portadores de necessidades
educativas especiais, numa perspectiva de inclusão e adequação da rede
física.

31

Esses princípios reafirmam os dispositivos previstos na Convenção de
Guatemala promulgada pelo Decreto 3.956/2001, que assim determina,
Os órgãos responsáveis pela emissão de atos normativos infralegais e
administrativos [...], devem emitir diretrizes para a Educação Básica, em
seus respectivos âmbitos, considerando os termos da Promulgada
Convenção da Guatemala no Brasil, com orientações adequadas e
suficientes para que as escolas em geral recebam com qualidade a todas as
crianças e adolescentes.

Essas diretrizes devem observar os seguintes aspectos,
que os estabelecimentos de ensino eliminem suas barreiras arquitetônicas,
pedagógicas e de comunicação, adotando métodos e práticas de ensino
escolar adequadas às diferenças dos alunos em geral. [...], além de
recursos de ensino e equipamentos especializados que atendam a todas as
necessidades educacionais dos educandos, com e sem deficiência.

Ainda segundo o Decreto,
Os critérios de avaliação, com base no aproveitamento escolar, previsto na
LDB (art. 24) não podem ser organizados de forma a descumprir os
princípios constitucionais de igualdade de direitos ao acesso e permanência
na escola, bem como do acesso aos níveis mais elevados do ensino. Os
serviços de apoio especializados como os de [...] intérpretes de língua de
sinais, instrutores de Libras, de Braile, quando necessário em casos
excepcionais, não podem substituir as funções do professor responsável
pela sala de aula comum do ensino regular (grifo nosso).

No que se refere à formação, diz o referido decreto
Todos os cursos de formação de professor, do magistério às licenciaturas,
devem dar-lhes a consciência e a preparação necessárias para que
recebam, em suas salas de aula, alunos com e sem necessidades
educacionais especiais [...], os cursos de formação de professores
especializados em educação especial devem preparar esses profissionais
de modo que possam prestar atendimento educacional em escolas comuns
e em instituições especializadas.

Como

podemos

observar,

todos

os

passos

legais

foram

dados

cuidadosamente para que o portador de necessidades educacionais especiais possa
ser incluído na escola pública de educação básica. Entretanto, toda essa discussão
cai por terra quando nos deparamos com a realidade vivenciada pelos professores
que têm esses alunos frequentando a sua sala de aula.

32

A escola pesquisada evidencia elementos significativos para compreensão
antagônica entre o discurso que permeia as políticas públicas nacionais, estaduais e
a prática pedagógica observada.
Durante a nossa permanência na escola, ao serem questionados sobre a
implantação da proposta de inclusão defendida pela Carta de Princípios a partir da
política de inclusão, mais da metade dos professores responderam não possuir
habilidade alguma para lidar com os portadores de necessidades educacionais
especiais e que aceitam unicamente este aluno por ser “determinação da lei”.
Em contrapartida, vários são os argumentos que utilizam para justificar sua
falta de conhecimento teórico prático em lidar com essas pessoas, dentre estes:
recursos financeiros, condições físicas e materiais para o desempenho de
determinadas funções e profissionais habilitados. Esse último é o mais recorrente de
todos os argumentos, podendo ser compreendido em duas categorias, ambas
extremamente relevantes para o propósito de uma inclusão significativa. A primeira é
relativa à ineficiência da formação inicial do professor. Todos admitem ser esta a
causa maior e mais evidente de mascaramento da exclusão dentro da escola, uma
vez que durante suas formações jamais se tratou de deficiência e muito menos
desta, sob a perspectiva da diversidade. A segunda, não menos importante que a
primeira é a falta de condições físicas e materiais que acaba impossibilitando a
tentativa de um trabalho mais específico com esses alunos.
Nas conversas informais com diretores e outros membros da equipe técnica
dessa escola, quando questionados sobre as ações de inclusão, responderam que
já implantaram, citaram o número de alunos atendidos e suas especificidades com
certa positividade, o que a princípio nos causou estranheza, pelo fato de professores
e equipe técnica de uma mesma escola, falarem do mesmo problema de maneira
totalmente diferente. Os professores relataram insegurança e incerteza, a equipe
técnica, ao contrário, nos fez acreditar na existência de um efetivo trabalho de
inclusão nessas escolas. É como se o técnico pela função que ocupa sentir-se a
obrigação de reafirmar o discurso oficial.
Entretanto, com o avançar da pesquisa, constatamos que esse antagonismo
acerca da idéia de inclusão é resquício da fragmentação que caracteriza o trabalho
pedagógico ao longo dos tempos. É como se professores e equipe técnica

33

andassem em lados opostos, ou seja, se as ações desenvolvidas no interior da
escola fossem distintas entre si, a ponto de um não partilhar da experiência do outro
e por impulso, falarem de ações que deveriam ter o mesmo norte de trabalho, em
perspectivas totalmente diferentes.
Essas evidências respaldam de certo modo, a fala da maioria dos
professores quando estes afirmam que só aceitam na sua sala de aula regular
pessoas com necessidades educacionais especiais por “determinação da lei”, mas
que na verdade, ainda não conseguem vislumbrar a possibilidade de uma inclusão
efetiva. Sem que seja nossa intenção reforçar a descrença desses professores
quanto ao processo de inclusão, pois este não é nosso propósito e sim desvelar os
vários sentidos que essa política vem provocando no interior da escola, sentimo-nos
sensibilizados pelas constatações que revelam o descompasso não só daquilo que o
discurso representa em forma de lei, mas como esse se propaga no imaginário
coletivo, dada as condições atuais da educação.
Afirmar que “só aceitam o aluno com necessidades por determinação da lei’,
nos leva a pensar, em princípio que esses professores tenham conhecimento da lei.
Entretanto, com o avançar da pesquisa, observamos que estes nunca pararam para
ler a LDB nem tampouco o título que trata da educação especial e, muito menos, a
Convenção da Guatemala que complementa e reafirma os pressupostos da referida
lei. Tudo o que dizem é fruto de reuniões com a direção e a coordenação que da
mesma forma impositiva e vertical que lhes foi passada, transportam para o interior
da escola, simplesmente sob o “determinismo da lei”,
Nesse contexto, a “lei” representa a ordem recebida, sem que se tenha
conhecimento algum do que trata seus respectivos artigos, provocando assim, uma
reprodução automática, a base do ouvi dizer. Essa automatização com a qual o
discurso oficial é incorporado pelos professores nos ajuda a apreender as várias
perspectivas de discussão existentes na sociedade, contribuindo para desmistificar
práticas que evidenciam como a escola torna-se espaço de “reprodução” e como o
discurso da inclusão se processa no seu interior. Ao analisar esses aspectos
discursivos, afirma Guimarães (2007, p. 36)

34

O discurso oficial estabelece a normatização, as regras e posturas
consideradas legais e normais [...] o indivíduo, por ser sujeitado, tende a
incorporar o discurso como seu, defendendo ou argumentando, justificando
a ação desenvolvida junto ao objeto de sujeição.

Sob essa perspectiva, diz o referido autor, ocorre a “transmutação do
discurso oficial e do discurso local”. Essa transmutação gera certo consenso que é
justificado, segundo essa abordagem pela sujeição do homem a língua.
A abordagem teórica a qual nos filiamos (que especificaremos no terceiro
capítulo desse trabalho) autoriza-nos a concordar apenas parcialmente com essa
sujeição, visto que o sujeito da argumentação é um sujeito ativo, capaz de buscar
novas possibilidades, imprimindo marcas de sua personificação que não a de
sujeição e reprodução, mas a de transformação do contexto e da ordem vigente.
Todas as discussões aqui colocadas nos conduzem a concordar com o
pensamento de Chauí (1989), citado anteriormente, que a prática de declarar direito
implica que esse não é entendido como uma condição natural do sujeito, mas como
algo que lhe é exterior. Se pretendermos um exemplo bastante peculiar sobre essa
questão, basta observar as várias críticas sobre a conquista do direito do aluno que
vem processualmente sendo consolidado ao longo da história da educação. Essas
conquistas ganham um tom quase pejorativo. É comum ouvirmos afirmar que “o
aluno hoje está cheio de direito; é preciso cortar-lhe as asas”. Se adentrarmos em
um contexto social mais amplo, encontraremos outras falas como a de que “os
direitos humanos só protegem os bandidos”. Se fossemos pontuar, seriam tantos os
exemplos que mal caberiam neste capítulo. Não sendo esse o nosso propósito,
reafirmamos, complementando o dizer de Chauí, ser essa falta de maturidade
interrelacional do sujeito com o direito que dificulta a constituição desse último
enquanto princípio básico da vida em sociedade.
Portanto, se desejamos exercitar uma prática do direito nos seus mais
variados sentidos, importa levar em conta objetivos políticos, históricos e sociais
dessa prática, assim como princípios valorativos que traduzam concretamente a
visão política e o exercício de valores e atitudes socialmente articulados e
contextualizados.
Seria, contudo, assumirmos como compromisso político a necessidade de
estar compartilhando com os outros direitos comuns, sem que fosse preciso a

35

existência da lei. Consolidar o intercâmbio do exercício natural do direito, apesar da
sua trajetória legal na vida em sociedade, é um longo caminho a ser percorrido por
todos nós brasileiros no qual temos a impressão de estarmos apenas no início.

36

2 O CENÁRIO NEOLIBERAL E A CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA DE

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Temos o direito de sermos iguais quando a diferença
nos inferioriza; temos o direito a sermos diferentes
quando a igualdade nos descaracteriza. (SANTOS,
2003)

2.1 Outras formas de um velho caminhar

Para desmistificar os vários entendimentos desta proposta nos parecem ser
necessárias sucessivas idas e vindas ao contexto neoliberal sob o qual ela se
origina. É com este intento que trilharemos esse percurso.
Para uma maior compreensão das políticas sociais (dentre elas a educação)
implantadas no Brasil, torna-se indispensável discutir o caráter capitalista do estado
e suas relações com as classes dominantes e dominadas, quais aspectos configura
e que sentidos legitima.
Segundo Montanõ (2000, p. 21)
as políticas sociais não são mecanismos lógico-formais estáveis de um
estado supraclassista de bem-estar, ou de um estado apenas funcional ao
capital, se não o resultado contraditório, tenso e instável destas lutas entre o
capital e trabalho.

Esses pressupostos evidenciam que a existência de políticas sociais neste
país nunca representou a vontade política dos seus governantes, mas a luta
incansável entre dominados e dominantes numa relação de força entre capital e
trabalho, marcada pela contraditória subordinação de classes.
Paulantzas (2000, p. 135) considera que “as contradições de classe
constituem o estado, presentes na sua ossatura material, armando, assim, sua
organização, a política do estado é o efeito de seu funcionamento no seio do próprio
estado”.
Partindo dessa concepção, Nascimento (2002, p. 85), apresenta duas
observações.

37

A primeira, que o estado não pode ser entendido como um bloco monolítico
e sem fissuras, mas deve ser analisado como uma arena de lutas entre as
diferentes classes e frações de classes que eventualmente podem ocupar,
direta ou indiretamente, espaços da burocracia e dos aparatos
institucionais. Segunda, que as políticas de estado incluindo aí as políticas
sociais, como a educação, são o resultado das disputas e contradições
entre classes.

De acordo com Pereira (2000, p. 149), falar de políticas sociais exige do
estado um distanciamento dos princípios liberais clássicos do final do século XIX,
tendo que assumir funções capitalistas modernas de organização tanto política
quanto social. Nessa nova organização, o estado, a partir das exigências dos grupos
populares, passa a assumir a responsabilidade com o bem-estar de seus cidadãos,
bem como adotar novas formas de regulação da economia.
Analisando essa característica de organização do estado, Paulantzas apud
Nascimento (2002, p. 82) afirma que,
O estado pode preencher a função de organização e unificação da
burguesia e do bloco do poder [...]. Entretanto, o estado concentra não
apenas a relação de forças entre as frações do bloco no poder, mas
também a relação de forças entre estas e as classes dominadas. As classes
dominadas se constituem sob a forma de forças de oposição ao poder das
classes dominantes. Todavia, de acordo com os mecanismos internos de
reprodução da relação de dominação – subordinação, a presença das
classes dominadas no estado é assegurada exatamente como classes
dominadas, logo, a relação do estado com as classes dominadas não se dá
apenas através da repressão e da ideologia. A relação das massas com o
poder e o estado no que se chama especialmente de consenso, possui
sempre um substrato material. Entre outros motivos porque o estado
trabalhando para a hegemonia de classes, age no campo do equilíbrio
instável do compromisso entre classes dominantes e dominadas.

Tendo o Estado o propósito de equilíbrio entre classes, as políticas sociais,
nessa conjuntura, se apresentam como instrumentos constitutivos de uma nova
democracia (mesmo que restrita). A partir desse entendimento, afirma BARON
(19994, p.163).
A história da democratização do estado capitalista não se esgota na
extensão do sufrágio às classes e grupos subalternos. [...] é também do
nascimento de seus compromissos sociais e das políticas públicas
orientadas para corrigir as desigualdades geradas pelo mercado mediante a
introdução de instrumentos redistributivos do poder econômico.

Por serem as políticas sociais caracterizadas pela luta dos trabalhadores,
particularmente os da camada popular, a abertura dessas políticas se apresenta na

38

nova configuração política do estado brasileiro, como causadora da “desordem”
vigente, cuja superação só é possível com a implantação do projeto neoliberal.
Sem nos determos em reiterações desnecessárias sobre o neoliberalismo,
considerando que este já foi tema de inúmeros trabalhos acadêmicos, destacamos
aqui alguns aspectos fundamentais que este projeto assume no contexto social
mundial. De acordo com Gentili (2005, p.230-231).
O neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica e cultural
específica para a crise hegemônica que começa a atravessar a economia
do mundo capitalista como produto de esgotamento do regime de
acumulação fordista iniciado a partir do fim dos anos 60 e começo dos anos
90. O(s) neoliberalismo(s) expressa(m) a necessidade de restabelecer a
hegemonia burguesa no quadro desta nova configuração do capitalismo em
um sentido global.

Apresentando-se como única alternativa possível para os problemas sociais
existentes, o neoliberalismo expande seus mecanismos de exploração que corroem
as relações e conquistas sociais, reduzindo-as a um individualismo imediato que
além de descaracterizar as lutas e conquistas do povo, propaga o fim da história. Os
adeptos desta corrente filosófica desprezam o processo histórico ontológico
enquanto princípio de conservação e transformação da espécie humana em sujeito
social, uma vez que crêem estar no capital a resposta a tudo e a todas as formas de
relações necessárias à sobrevivência, se não humana, mas do próprio capital.
Nesse sentido, mesmo que disfarçada em pele de cordeiro, a reestruturação
do capitalismo carrega consigo meios que conduzem a fins extremamente
excludentes, como as novas relações de trabalho que convergem para novos
padrões de produção e acumulação de riquezas. Essas novas relações de trabalho
“provocam a substituição do produto de massa e em série, pela produção flexível e
por novas formas de produtividade” (ANTUNES, 1998, p. 16). Neste contexto, darse-ão significativas mudanças quanto à denominação do papel do estado, que passa
a ter suas funções reduzidas de “executor a “coordenador”.
Sobre essa redução, diz Frigotto in Gentili (2005, p. 83), “a idéia-força
balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público é responsável pela crise
e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência e qualidade”. Dessa idéiachave advém a tese do estado mínimo, estado suficiente e necessário voltado
unicamente aos interesses do capital.

39

É importante salientar que as mudanças educacionais propostas serão
implantadas em meio a um acirrado processo de redefinição do papel do estado,
cujo pressuposto maior é que estas transformações provoquem um amplo conjunto
de reformas que estimularão o reordenamento do estado brasileiro.
Nesse sentido, no período de transição política, especificamente entre os
anos 80 e 90, o teor das críticas feitas ao estado brasileiro pelos defensores do
estado minimalista versavam dentre outras sobre a centralidade do poder e dos
recursos financeiros, a construção histórica (considerando o grande número de
excluídos), a fragilidade de relações entre estado e sociedade civil organizada, a
presença de ranços do colonialismo disseminado entre partidos conservadores que
permeiam o âmbito do aparelho de estado, instigando desvios nas decisões de
ordem político-administrativa. Tais aspectos provocam no interior do estado nacional
a necessidade do fortalecimento das relações intercambiais com países de todo o
mundo, o que vai consubstanciar significativas mudanças tanto nas políticas sociais
quanto no próprio seio da máquina estatal.
Diante

das

transformações

políticas,

tendo

como

pressuposto

a

descentralização e o alavancamento do processo de inclusão social institui-se a
reforma educacional no Brasil. A partir da década de 1990, vivenciamos uma série
de ações que, segundo o discurso oficial, provocariam uma melhoria na qualidade
do ensino, uma vez que este sinalizava uma visível preocupação com a
universalização. Desse modo, apresentam-se várias propostas para sanar os
problemas educacionais, dentre estas, diz Carvalho (2006, p.89).
A erradicação do analfabetismo antes do final do século, ampliando-se os
serviços educativos para adultos, melhorias da qualidade e eficiência dos
sistemas educativos em especial a educação básica, universalização da
educação, assegurando-se antes do término de 1999 e num mínimo entre 8
e 10 anos, a escolarização de todas as crianças em idade escolar.

Nesse contexto, mudanças políticas que deveriam ser criadas naturalmente
para resolver os problemas brasileiros, velam seus reais significados, passando a
caracterizar o conjunto de reformas desencadeado nos anos 80 em consonância
com as exigências dos detentores do conhecimento e signatários do neoliberalismo

40

Banco Mundial, FMI, BIRD e associados, para subsidiar os países emergentes da
América Latina e Caribe.
Essas reformas apontam indícios de como algumas mudanças se
processam no conteúdo e na forma, redefinindo novas estratégias de organização
social. Mudanças que, para Gramsci (2000, p. 266),
não possuíam um caráter de originalidade. Tratava-se apenas da fase mais
recente de um longo processo que começou com o nascimento do
industrialismo, uma nova fase que era apenas mais intensa que as
anteriores e se manifestava sob formas brutais de exclusão, que também
seria superado através de um nexo psicológico diferente dos anteriores.

De acordo com Aguiar (2000, p. 184), essas mudanças serviriam para
aumentar os recursos destinados a educação por fontes locais públicas e
privadas, e melhorar a qualidade do ensino, reduzindo a centralização dos
procedimentos burocráticos e atribuindo mais responsabilidade às escolas,
a usuários e provedores locais de educação.

Nesse sentido, a essência dessa reforma consubstancia a redução
orçamentária do setor público, bem como a redução de suas funções políticoadministrativas, institui uma nova denominação para o conceito de público e privado,
instiga a competitividade sob a premissa de uma melhor qualidade da formação do
capital humano7, no qual o individualismo assume a sua forma mais perversa.
A lógica da economia de mercado incorporada à educação pela teoria do
capital humano sedimenta as reformas educativas, perfazendo o conjunto de
medidas para adequar a educação ao projeto autoritário e conservador das elites
brasileiras.
Diante dessas circunstâncias, os ideais de democracia almejados pela
classe trabalhadora passam a ser substituídos por um pensamento neoliberal de
cunho capitalista, no qual as palavras adquirem significados diferentes na tentativa
de burlar os anseios do povo e criar um novo consenso, aquilo que Gramsci
denominou de “catarse”, uma espécie de benefício social, mesmo que restrito, mas
ideologicamente consensuado.
Obedecendo a essa mesma lógica criam-se novos processos de trabalho
estabelecendo-se o que se convencionou chamar de interdependência entre as
7

A teoria do capital humano surge inicialmente nos EUA e Inglaterra, nos anos 60, e no Brasil, nos anos 70, se
estrutura no contexto das teorias do desenvolvimento da pós 2ª Guerra Mundial (FRIGOTTO, 2005).

41

economias de todo o mundo. Analisando esses aspectos, alguns autores
consideram que o mundo atual entrou na era do globalismo e que essa é uma
realidade problemática atravessada por movimentos de integração e fragmentação.
Esses novos aspectos caracterizam, a partir dos anos 80, um novo perfil do
processo de interdisciplinarização da economia, ou seja, uma caracterização da
forma do ideário neoliberal, sob as categorias de qualidade total, formação abstrata
e polivalente, flexibilidade, participação, autonomia e descentralização, impondo
uma “atomização e fragmentação do sistema escolar e do processo de
conhecimento escolar” (FRIGOTTO, 2005, p.79). Esse adquire, sobretudo um
formato de transnacionalização que atinge os vários segmentos dos países de todo
o mundo, podendo de acordo com Bruno (2001, p.39), assim ser traduzida,
transnacionalização é uma estrutura sistêmica, em que cada parte deve
servir ao conjunto. Sua busca por eficiência é baseada na conceituação do
planeta como uma unidade econômica única, cujas partes são
necessariamente interdependentes, o que a faz transferir capitais e recursos
materiais e humanos de um continente para outro, ignorando as fronteiras.

Ressaltamos, porém, que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e o
processo de transnacionalização da economia se apresentam diferentemente em
cada país, em consequência da diversidade de cada um e do próprio grau de
desenvolvimento em que este se encontra.
Diante

dos

pressupostos

supracitados,

observa-se

a

necessária

transformação das regras de competitividade, que incide numa revisão dos
processos de produção e comercialização anteriores, que tinham como eixos
norteadores os modelos “tayloristas e fordistas”, mas que, diante da nova ordem
econômica, apresentam indícios de esgotamento deixando de acomodar-se aos
novos mercados (SANTOMÉ, 1990).
Junto a essas transformações, delineia-se o perfil de um novo profissional
cuja qualificação deverá ultrapassar os limites específicos de determinada função,
dando lugar ao que se convencionou chamar de formação geral, capaz de
possibilitar

ao indivíduo ajustar-se às

modificações do

sistema produtivo

(FORGAÇA, 2001). Juntamente às exigências da formação desse novo profissional,
torna-se comum, a partir da década de 90, com ênfase nas discussões neoliberais,
o uso dos termos qualidade e equidade, não que estes termos em seu sentido ethos

42

representem por si só algo de novo, visto que há muito já caracterizaram os desejos
dos que lutam por uma escola com qualidade. Porém, para o intento a que nos
propomos, sentimos a necessidade de tecer algumas considerações a respeito
desses termos, com o intuito de esclarecer a perspectiva em que se configuram
esses discursos no contexto atual. Nesse sentido, Gentili (1994, p. 115) nos fornece
subsídios para tal compreensão. Segundo ele,
na América Latina o discurso da qualidade referente ao campo educacional
começou a desenvolver-se em fins da década de 80 como contraface do
discurso da democratização. Esta operação foi possível em parte devido ao
fato de os discursos hegemônicos sobre a qualidade terem assumido
conteúdo que este conceito possui no campo produtivo, imprimindo aos
debates e às propostas políticas do setor um claro sentido mercantil,
consequências dualizadoras e antidemocráticas. No campo educativo, o
discurso da qualidade foi assumindo a fisionomia de uma nova retórica
conservadora funcional e coerente com o feroz ataque que hoje sofrem os
espaços públicos, entre eles, a escola das maiorias.

Fica bastante evidente que no contexto atual, a re-configuração do termo
qualidade, visando atender ao formato desse novo profissional tomando como
parâmetro as exigências do mercado, difere veementemente das concepções de
qualidade defendida pelos movimentos sociais e, em particular, pela maioria dos
professores deste país. Para estes,
a luta pela formação teórica de qualidade, um dos pilares fundamentais da
base comum nacional, implica recuperar, nas reformulações curriculares, a
importância do espaço para análise da educação enquanto disciplina, seus
campos de estudo, métodos de estudo e status epistemológico. (ANFOPE,
2000).

Observamos, assim, que a perspectiva de qualidade traduzida pelos
movimentos sociais no Brasil dos anos 80, era orientada por um forte ideal de
democracia, tanto na educação quando no restante da sociedade, diante das
expectativas de superação dos problemas causados pela ditadura. Nesse contexto,
o discurso da democracia funciona como articulador destes movimentos em defesa
de seus ideais e a concepção de qualidade defendida toma por base uma
concepção de “educação vinculada a uma política de combate às desigualdades, à
dominação e às injustiças sociais” (CAVALCANTE, 2002).

43

A relativa relação do termo qualidade nas duas perspectivas descritas
funciona como mais uma manobra do capital para burlar o sentido das palavras,
colocando-as a serviço de interesses estritamente mercadológicos.
Da mesma forma, o termo equidade, mesmo tendo se apresentado sob o
imaginário social como sendo sinônimo de igualdade, caracteriza-se pela sua
essência neoliberalista no oposto: “o igualitário que pretende transformar todos em
iguais, negligenciando as diversidades individuais que caracterizam cada
indivíduo como único, porém social” (PIRES apud MARTINS, 2006, p. 34). (grifo
nosso)
Diante desses pressupostos, os discursos de qualidade e equidade em
educação assumem conteúdos diferenciados vinculando-se a outros conceitos
relativos ao campo empresarial e apontados como alternativas para a promoção e
modernização das empresas, mas que na íntegra não passam de “outras formas de
um velho caminhar”. São os velhos e almejados conceitos que transmutados
apresentam-se como novos ao imaginário coletivo.
Tomando-se a educação como foco das discussões mundiais torna-se,
também, terreno fértil para a tessitura de críticas ferrenhas ao processo de educação
que não consegue preparar força de trabalho para atender à demanda do mercado
atual.
No caso brasileiro essa problemática torna-se ainda maior, visto que grande
parte da população encontra-se refém de um déficit educacional histórico muito
grande se comparado aos países do primeiro mundo. Entretanto, longe de
considerar que parcela significativa destes problemas deva-se especificamente ao
modelo de desenvolvimento neoliberal adotado no país, que inviabiliza qualquer
tentativa de implantação de um projeto que vise a equiparação das condições
básicas de sobrevivência da população, os defensores do capitalismo buscam várias
justificativas para desviar o foco de que o sistema neoliberal não atende nem nunca
atendeu às necessidades brasileiras, a sua natureza fragmentária apresenta sinais
de esgotamento,pois exclui parcela da população de usufruir dos bens por ela
produzidos.

44

Nesse sentido, afirma Gentilli (2005, p. 86), “nega-se não só a força
estrutural, mas a possibilidade de espaços de construções de universalidades, no
conhecimento, na cultura e na política”.
A falta dessas possibilidades somadas ao déficit histórico acumulado tem
rendido

ao

país

severas

críticas

e

grande

descrédito.

Ambos

incidem

veementemente sobre o sistema brasileiro por este não ter conseguido resolver
questões consideradas elementares de analfabetismo como: evasão e repetência. O
déficit educacional provocado pela não superação destes problemas evidencia a
falta de condições do país e, particularmente, do seu sistema educacional de formar
a mão-de-obra demandada pelo sistema capitalista, fato que inviabiliza qualquer
prenúncio de estabilização de um mercado regido pela produção flexível no Brasil.
Sob a premissa de superação dessas dificuldades, fomentam-se discussões
que institucionalizam reformas nos países de todo o mundo. Tais reformas focalizam
a educação como possibilidade de superação das mazelas existentes. Isso nos leva
a perceber que mesmo tendo se passado alguns anos, a concepção que orienta o
neoliberalismo8 pauta-se na idéia de uma educação redentora, a mesma que
margeava os anos 80 – capaz de resolver problemas de cunho econômico, político e
social - consequentemente, voltada para a valoração e reprodução do próprio
sistema.
De certo, a conjuntura atual é outra e, como vimos, as formas de burlar
sentidos são as mais variadas possíveis. Os representantes do neoliberalismo
conservam as práticas que melhor lhes convêm e resignificam outras. Dentre estas,
uma que vem se propagando é o imediatismo à valorização do aqui e agora, sem
nenhuma preocupação em conservar o passado, o que seria no dizer dos
neoliberais o fim da história.
Mesmo sendo o nosso posicionamento contrário aos propagadores do fim da
história ao defendermos o princípio histórico ontológico no qual a “conservação sem
conservadorismo” (TONET, 2005) é um dos valores necessários ao indivíduo para
que ele se processe enquanto sujeito historicamente construído, consideramos já

8

O neoliberalismo surge após a 2ª guerra Mundial, como reação teórica e política ao modelo de
desenvolvimento centrado no estado [...] o ideário posiciona-se contra o Estado e em favor do mercado
(TEIXEIRA, 1996 apud AMARAL, 1999).

45

serem visíveis os ideais propagados pelos apologetas9 do fim da história no campo
teórico educacional da atual conjuntura.
Ao analisar essa questão Chauí (1993, p.22-23), considera que na esfera
educacional, o conhecimento teórico é afetado pela negação de quatro aspectos
básicos,
que haja uma esfera da objetividade e, em seu lugar, o surgimento do
subjetivismo narcísico, que a razão possa captar uma certa continuidade
temporal e o sentido da história, surgindo em seu lugar a perspectiva do
descontínuo, do contingente local, a existência de uma estrutura de poder
que se materializa, tanto na lógica da dominação quanto da liberdade e, em
seu lugar, o surgimento de micro-poderes que disciplinam o social e, por
fim, a negação das categorias gerais, como universalização, objetividade,
ideologia, verdade, tidos como mitos de uma razão etnocêntrica e totalitária,
surgindo em seu lugar a ênfase na diferença, alteridade, subjetividade,
contingência, descontinuidade.
A citação acima nos leva a perceber que a negação desses aspectos, apesar

de estar concentrada no plano teórico, implica atitudes e comportamentos ligados
diretamente ao plano ético, o que evidencia uma co-relação entre os dois planos.
Sobre o plano ético, diz Frigotto (2005, p.84),
a totalidade do neoliberalismo é crucial, situando o mercado como definidor
fundamental das relações humanas, sob a idéia de que a igualdade e a
democracia são elementos nocivos à eficiência econômica, no caso
brasileiro, esta totalidade dá-se, sobretudo, pelo atrofiamento da esperança
e da resistência social popular organizada.

A negação da objetividade, da continuidade temporal, o surgimento de
micro-poderes e a negação das categorias gerais operam como provocadores de
descrédito à resistência social organizada causando, tanto no plano teórico quanto
no ético, o esvaziamento dos sujeitos, tornando-os vulneráveis a essa nova
conjuntura de sociedade que, por ter a educação como foco principal, denomina-se
sociedade do conhecimento.
Em síntese, evidencia-se a partir do dizer de Frigotto (idem) que,

9

Termo utilizado por Chauí (1993), para designar os defensores do fim da história.

46

a categoria sociedade do conhecimento, e seus desdobramentos, expressa,
na sua formulação ideológica, uma efetiva mudança da materialidade da
crise e das contradições da sociedade capitalista neste final de século.
Trata-se, todavia de uma mudança secundária, derivada, incapaz de
modificar a essência excludente da ordem social capitalista. Cabe,
entretanto, destacar que a materialidade das contradições que assume a
forma capital hoje, e sua negatividade da exclusão mais perversa,
engendram possibilidades de rupturas com a nova qualidade [...] no caso
brasileiro, tem como exigências a incorporação efetiva nos processos
políticos dos novos sujeitos sociais.

Portanto, o neoliberalismo que antes se apresentava como a resolução para
os problemas sociais, hoje apresenta sinais de esgotamento, muito embora seus
defensores teimem em dizer o contrário.
Suas características fragmentárias, seu caráter individualista, que imprimem
no indivíduo, o acirramento da competitividade de uns sobrepostos aos outros,
tornam esse modelo de sociedade incapaz de modificar a sua essência, por esta ser
naturalmente excludente.
Compreender como essa natureza excludente do neoliberalismo re-afirma,
nos termos da lei, a possibilidade de “Educação para Todos”, na perspectiva da
inclusão é nosso próximo desafio.

2.2 LDB x Educação inclusiva: o ressignificar dos sentidos

É sob a lógica da “Educação para Todos” que vinha sendo timidamente
orientada desde a constituição de 1988, que se define a política de educação
brasileira. Desde a ênfase a equidade e respeito às diversidades, a chamada política
de inclusão social, consubstancia-se na LDB.
Neste turbulento cenário de críticas e de apologias ao neoliberalismo, após
oito anos de tramitação e de severos embates políticos no Congresso Nacional,
aprova-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei 9.394 /
96).
Mais

uma

vez

reafirmamos

não

ser

nossa

pretensão

analisar

exaustivamente a referida lei, nos deteremos apenas aos artigos que fazem
referência às pessoas com necessidades educacionais especiais, por ser este o
intento do nosso trabalho. Entretanto, considerando a relevância desta lei e o
contexto político no qual ela se subscreve, sinalizamos, mesmo que pontualmente, o

47

caráter de contenção dessa proposta, o que nos ajudará mais adiante a
compreender sua efetivação enquanto política de inclusão. Analisando os
pressupostos da referida lei, afirma Saviani (2001, p. 199).
O Ministério da Educação, em lugar de formular para a área uma política
global, enunciando claramente as suas diretrizes assim como as formas de
sua implementação e buscando inscrevê-lo no texto do projeto da LDB que
estava em discussão no Congresso Nacional preferiu esvaziar aquele
projeto optando por um texto inócuo e genérico, uma LDB minimalista, a
expressão de Luiz Antonio Cunha, texto este assumido pelo senador Darcy
Ribeiro através do substitutivo que se logrou converter na nova LDB.

A configuração de um novo redirecionamento da educação brasileira não
obstante ao contexto da concepção de estado mínimo, apresenta em toda a sua
ossatura política elementos que minimalizam o caráter abrangente que as
discussões anteriores presumiam, antes da aprovação da LDB. Porém, é esse
caráter minimalista que também norteia a atual política de inclusão. Segundo Gentili
(2005, p.237)
claro que os discursos hegemônicos ocultam este processo, apelando para
o eufemismo de um governo e um estado mínimo. Entretanto, para destruir
o modo de regulação político keynesiano para desfazer-se do “bem-estar”
que caracterizava aquele tipo de estado, os neoliberais precisam recriar um
tipo de intervenção estatal mais violenta tanto no plano material, como no
simbólico. [...] neles se exprimem a necessidade de construir uma nova
ordem cultural voltada para a geração de novas formas de consenso que
assegurem e possibilitem a reprodução material e simbólica de sociedades
profundamente dualizadas [...] o que não implica em outra coisa que a
construção de uma nova desordem, na qual a exclusão se apresenta
travestida de um processo de inclusão, mesmo que (de)limitada
apenas ao acesso. (Grifo nosso).

Após nos situarmos no contexto nada afável do qual resultou o construto
final da LDB voltemos a nos deter nos aspectos direcionados às pessoas com
necessidades educacionais especiais.
A princípio tentaremos desmistificar alguns equívocos que a leitura da LDB
suscita quando em comparação com a CF, em se tratando de atendimento a estas
pessoas. Para tanto, iniciaremos fazendo-nos a pergunta que todos aqueles que
lidam com o processo de inclusão já se fizeram: “há um entendimento único quando
falamos de educação inclusiva”? A observação da prática cotidiana escolar
desenvolvida antes e durante esta pesquisa nos autoriza a afirmar que não, porém,

48

para não parecermos imediatistas, e/ou reducionistas, apresentaremos alguns
pressupostos em razão de nossa resposta.
Um aspecto que sempre nos inquietou é o fato de a LDB (Lei 9.394/96),
diante da perspectiva da inclusão, não mencionar nos seus artigos referentes ao
ensino fundamental o atendimento às pessoas com necessidades educacionais
especiais. Quando o faz, mesmo em consonância com o artigo 208 da Constituição
Federal – CF - que trata do atendimento educacional especializado, o faz a partir do
artigo 58, referente à educação especial. Vejamos a seguir
O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que em função das condições especificas dos
alunos não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino
regular10 (LDBEN, art. 58, § 2º).

A falta de clareza na definição da própria lei em assegurar quem são de fato
os sujeitos desse processo justifica, ao menos em parte, a resistência da escola e,
particularmente, do professor em receber o aluno com necessidades educacionais
especiais.
Segundo o documento elaborado pela procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (Brasília, 2004, p. 9),
O entendimento equivocado desse dispositivo tem levado á conclusão de
que é possível a substituição do ensino regular pelo especial. A
interpretação a ser adotada deve considerar que esta substituição não pode
ser admitida em qualquer hipótese [...] isso decorre do fato de que toda
legislação ordinária tem que estar em conformidade com a CF. Além disso,
um artigo não deve ser lido isoladamente. A interpretação de um dispositivo
deve ser feita de forma que não haja contradições dentro da própria lei.

Ainda de acordo com o referido documento,
Para não ser inconstitucional, a LDBEN ao usar o termo Educação Especial,
deve fazê-lo permitindo uma nova interpretação, um novo conceito, baseado
no que a Constituição inovou ao prever atendimento educacional
especializado e não educação especial. Portanto, o direito ao atendimento
educacional especializado previsto nos artigos 58, 59 e 60 da LDBEN (Lei
9394/96) e também na Constituição Federal, não substitui o direito à
educação oferecida em classes comuns da rede regular de ensino (Ibdem,
p. 10).

10

O termo regular é encontrado, dentre outros, no parecer CNE/CEB, nº 11/00, das Diretrizes Curriculares da
Educação de Jovens e Adultos, bem como na resolução nº 02, de 11 de setembro de 2001.

49

O caráter dicotômico que estes dispositivos da LDB revelam conduz aos
mais desavisados considerar atendimento educacional especializado e educação
especial como sinônimo. Estes aspectos que aparentemente tratam apenas de uma
questão enunciativa ou interpretativa, quando revertidos à prática do cotidiano
escolar provocam significativas distorções ao processo de inclusão. A esse respeito,
afirma Carvalho (2006, p. 86),
quando a inclusão acontece sem levar em conta esses e outros dados são
entendidos como sinônimo de movimentação de todos os alunos das
escolas especiais para o ensino regular, pressupondo-se que a simples
inserção desses alunos nas turmas regulares signifique que estão incluídos,
o que poderíamos chamar de uma falsa inclusão quanto ao exercício
do direito à cidadania e da construção e apropriação do saber dessas
pessoas para a exacerbação da exclusão. (Grifo nosso)

Nesse mesmo sentido, Amaral (2002, p. 32) chama a nossa atenção para
outra abordagem um tanto quanto dúbia, resultante dessa mesma interpretação. A
afirmação de que o fenômeno da inclusão é o inverso da exclusão. Ao contrário, diz
a autora,
o avesso da inclusão pode ser uma inclusão precária, instável e marginal
decorrente de inúmeros fatores dentre os quais a sociedade capitalista que
desenraiza, exclui, para incluir de outro modo, seguindo suas próprias
regras, segundo sua própria lógica.

Chegar a um mesmo entendimento sobre as várias interpretações que
possibilitam os dizeres da lei é tarefa de todos que se detêm no (des)velar do
processo da educação inclusiva. Entretanto, considerando aquilo que ressalta o
documento da Procuradoria dos Direitos do Cidadão - PDC – órgão do Ministério da
Educação – podemos assegurar que a CF ao tratar do atendimento especializado
às pessoas com deficiência o faz diferentemente do entendimento da Educação
Especial dado pela LDB, o que nos autoriza a dizer que ambos não são sinônimos.
Reforça o documento,
se fosse seu intento legislar em favor da educação especial, ou seja, ao
mesmo tipo de atendimento que vinha sendo prestado às pessoas com
deficiência antes de 1988, a Constituição Federal teria repetido essa
expressão que constava na Emenda Constitucional nº 01, de 1969, no
Capítulo “Do Direito à ordem Econômica e Social” (PDC, 2004, p. 10).

Continua o referido documento,

50

na constituição anterior, as pessoas com deficiência não eram
contempladas nos dispositivos referentes à educação em geral. Esses
alunos, independentemente do tipo de deficiência, eram titulares do direito à
educação especial, matéria tratada no âmbito da assistência. Pelo texto
constitucional anterior ficava garantido aos deficientes o acesso a educação
especial. Isso não se repetiu na atual constituição, fato que, constitui
consideravelmente um avanço para a educação dessas pessoas (ibidem,
p.10).

Contudo, com a definição de educação especial a partir da LDB – como uma
modalidade de educação escolar que permeia todos os níveis de ensino, é possível
desvincular “educação especial” de “escola especial”. Passando a educação
especial a ser considerada como um recurso favorável à diversidade que cada grupo
constitui na particularidade da sala de aula. Porém, observamos que a LDB não
traduz explicitamente tais pressupostos, estes se dão a partir da interpretação da
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, já na tentativa de esclarecer os
equívocos existentes.
Devido a LDB ter sido alvo de severas críticas, posteriormente surge uma
nova legislação com o intuito de desmistificar tais equívocos, o Decreto 3.956/2001,
resultante do encontro que reuniu diversos países contra todas as formas de
discriminação às pessoas portadoras de deficiência. Tal decreto revoga os
dispositivos anteriores que lhe são ambíguos ou contrários e acrescenta eventuais
omissões prescritas na LDB.
No Brasil, esse documento foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio
do Decreto Legislativo nº 198, de 08 de outubro de 2001, passando a funcionar
como norma constitucional. A partir deste decreto, assegura-se de forma normativa
uma reinterpretação da LDB, quando aplicada em desconformidade com a
Constituição Federal, como vimos anteriormente. Assim,
a Convenção da Guatemala deixa clara a impossibilidade de tratamento
desejado com base na deficiência [...] que tenha o efeito ou o propósito de
impedir ou anular o reconhecimento ou exercício por parte das pessoas
portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades
fundamentais (PFDC, 2004, p. 12).

Mesmo com a aprovação do decreto que possibilita uma nova interpretação
da LDB, a proposta de educação inclusiva, pelo caráter de verticalidade com o qual
se impõe a sociedade brasileira, representa um grande desafio para a escola

51

pública, pois não se trata apenas de uma questão interpretativa, mas das condições
básicas que garantam a sua efetivação.
Em meio a toda essa discussão e compreendendo (ao menos no discurso)
que a educação e, em particular, a escola é uma instância peculiar na disseminação
do saber, cria-se no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, durante a gestão do
ministro Tarso Genro – a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade – SECAD. Com esse feito, acredita-se ter dado um grande passo para
enfrentar as injustiças nos sistemas educacionais do país. Na fala do então ministro
da educação, Tarso Genro (2004, p.5),
garantir o exercício desse direito é forjar um novo modo de desenvolvimento
com inclusão, é um desafio que impõe ao campo da educação decisões
inovadoras [...], o fortalecimento de políticas e criação de instrumentos de
gestão para a afirmação cidadã tornaram-se prioridades, valorizando a
riqueza de nossa diversidade social e cultural.

Continua,
a constituição da SECAD traduz uma inovação institucional. Pela primeira
vez estão reunidos os programas de alfabetização e de educação de jovens
e adultos, as coordenações de educação indígena, diversidade e inclusão
educacional, educação no campo e educação ambiental. Esta estrutura
permite a articulação de programas de combate á discriminação racial e
sexual com projetos de valorização da diversidade étnica. Um dos objetivos
é tornar a multiplicidade de experiências pedagógicas dessas áreas em
modos de renovação nas práticas educacionais. Mais do que uma reunião
de programas, a tarefa da nova secretaria é articular as competências e
experiências desenvolvidas em instrumentos de promoção à cidadania, da
valorização da diversidade e de apoio às populações que vivem em
situação de vulnerabilidade social. (idem).

A institucionalização da SECAD tende fortalecer a discussão da proposta de
inclusão fomentada pela LDB (lei 9.394/96) de que as pessoas com necessidades
educacionais especiais tenham acesso à educação regular, ampliando este acesso
aos vários segmentos da sociedade sob a égide da “educação para todos” e
valorização da diversidade, tão negligenciadas ao longo da história.
De acordo com estes pressupostos, dá-se uma maior atenção ao trato com a
diversidade e, conseqüentemente, com a educação inclusiva. As exigências se
acentuam diante da implantação dessa proposta sem ao menos se pensar nas
possibilidades existenciais concretas para a sua efetivação. Aquilo que se coloca em
lei aparentemente arrumado, na prática desencadeia uma série de questões que

52

historicamente se fez presente na sociedade brasileira, mas que sempre se buscou
formas de velar seus sentidos, provocando o estigma da deficiência por meio da
segregação.

2.3 O estigma da deficiência e a autorização da diferença

Tentaremos, a partir de então, situar o estigma da deficiência em seu
contexto histórico-ontológico, apontando características permissíveis a autorização
da diferença.
Vários aspectos encaminham diversas abordagens na tentativa de justificar
as diferenças e/ou deficiências existentes na formação da humanidade.
É preciso, como afirma Skliar (2006, p. 53),
compreender o discurso em torno da deficiência para logo revelar que o
objeto desse discurso não é a pessoa que está numa cadeira de rodas, ou o
que usa um aparelho auditivo ou o que não aprende segundo o ritmo e a
forma como a norma espera [...] a deficiência está relacionada com a
própria idéia de normalidade e com a sua historicidade.

Todos nós concordamos que as formas como se propaga a exclusão das
pessoas com deficiência são inaceitáveis, romper com os vícios significa ultrapassar
séculos de grandes preconceitos. A citação de Korczak (1984, p.46) ajuda-nos a
melhor nos situarmos a esse respeito.
A lei cruel mais franca da Grécia e Roma antigas autorizou a matar
crianças. Na Idade Média os pescadores achavam em suas redes
cadáveres de bebês afogados nos rios, por apresentarem alguma
deformidade. Na Paris do século XVII, sobre o adro de Notre Dame se
livravam dos pequeninos por nada. E isso não faz tanto tempo. Ainda hoje
crianças são abandonadas quando não atendem aos padrões da dita
normalidade. O número de crianças ilegítimas, abandonadas,
negligenciadas, discriminadas aumenta dia-a-dia. De certo elas são
protegidas pela lei, mas suficientemente?

Registros históricos revelam que vem de muito longe a resistência para o
reconhecimento social de pessoas que apresentam qualquer tipo de diferença ou
mesmo deficiência.
As pessoas com deficiência representavam uma ameaça capaz de corroer a
parte sã da sociedade, os tratamentos de desigualdade dispensados a essas

53

pessoas e a ignorância sócio-cultural da época geravam contra elas posturas
atualmente consideradas criminosas.
De acordo com o pensamento platônico da Grécia Antiga, o belo e a
perfeição do corpo escultural eram reverenciados; os deficientes eram sacrificados
ou escondidos. Segundo relatos do próprio Platão (2000, p. 163) em sua obra A
República, a referir-se aos filhos dos indivíduos da elite e aos indivíduos inferiores;
quaisquer um [...] “que tenham alguma deformidade, serão levados a paradeiros
desconhecidos e secretos. [...] é um meio seguro de preservar a pureza da raça dos
guerreiros”.
O texto coloca uma questão intrigante, desde seus primórdios a humanidade
tende a dedicar certa hierarquização no trato com os sujeitos. Mesmo numa época
em que as diferenças eram explicadas enquanto “condição natural”, determinados
indivíduos já eram qualificados como “inferiores” em relação a outros, mesmo que
fossem (como no caso da deficiência), determinados ao mesmo fim.
Durante séculos, buscou-se justificar essas diferenças recorrendo-se a
várias abordagens.
Entretanto, seja qual for a abordagem teórica, esta sempre ocorre sob o
critério de comparação entre “opostos”, ou seja, sempre se faz necessária a
superação de um aspecto pelo outro, o que não seria nem um pouco arbitrário se
essa superação não carregasse consigo implicitamente uma carga ideológica –
reducionista de preconceito que quando não iguala transformando todos em iguais,
sobrepõe um em detrimento do outro. É neste sentido que se tem consubstanciado a
visão de normalidade e anormalidade que permeia a discussão a cerca da educação
inclusiva.
Historicamente são estes parâmetros predominantemente quantitativos e
referentemente mórbidos que direcionam os valores e os sentimentos de apreciação
das pessoas com deficiência. Ainda segundo Carvalho (2006, p.40),
as comparações entre Eu e o Outro (quando deficiente) ocorrem numa
dimensão de alteridade comprometida pelo modelo clínico ou pelo modelo
matemático que segundo a teoria dos conjuntos, organiza e separa os
grupos em função das suas características diferenciadas em busca de um
padrão. (grifo nosso).

54

Dentro dessa padronicidade, algumas diferenças são socialmente aceitáveis
criando apenas alguns estereótipos que qualificam os indivíduos como pertencentes
a essa ou aquela raça, podendo ser consideradas normais. Pois, pela sua
trivialidade, já não provocam impacto algum ao olhar o outro, ou seja, não interferem
nas relações interpessoais, nem tampouco geram estigmas.
O mesmo não acontece quando o oposto se deve a ”diferenças
significativas” (AMARAL, 1998), aquelas em que um dos sujeitos ou grupos de
sujeitos, por suas características físicas, sensoriais, mentais e psíquicas, não
correspondem ao modelo idealizado, dele desvirtuando-se totalmente.
Pessoas que apresentam diferenças consideradas significativas, ou seja, os
portadores de necessidades educacionais especiais geram certa indiferença ao
olhar do outro dito normal, desencadeando uma série de sentimentos negativos,
dentre eles o preconceito.
Por ser subjetivo, o preconceito se expressa das mais variadas formas,
manifestando-se até mesmo na sutileza daqueles que se autodefinem não
preconceituosos.
O dispositivo ideológico da luta contra o preconceito, que desiguala e exclui
é, segundo Santos (1995, p. 06), “o universalismo” – uma forma de caracterização
essencialista que paradoxalmente pode assumir na aparência duas formas
contraditórias: “o universalismo antidiferencialista que opera pela negação das
diferenças” e o universalismo diferencialista. Nesse sentido, diz o referido autor,
quer um, quer outro processo permitem a ampliação de critérios abstratos
de normatização sempre baseados numa diferença que tem poder social
para negar todas as demais ou para as declarar incomparáveis e, portanto,
inassimiláveis. Se o universalismo anti-diferencialista opera pela
descaracterização das diferenças e, por essa via, reproduz a hierarquização
que elas comandam, o universalismo diferencialista opera pela negação das
hierarquias que organizam a multiplicidade das diferenças. Se o primeiro
universalismo inferioriza pelo excesso de semelhança, o segundo inferioriza
pelo excesso de diferença.

Ainda de acordo com o pensamento de Santos (idem), os dispositivos
ideológicos que envolvem esses dois processos estão constantemente em atividade,
seja o antidiferencialista caracterizado politicamente pelo princípio da cidadania e
dos direitos humanos ou o diferencialista que passa a ser acionado sempre que o
primeiro fracassa, o que poderíamos considerar como uma forma de operar a ênfase

55

as diferenças como no caso de segregação em guetos, quando a assimilação é
considerada impossível.
A assimilação é um clássico exemplo dessa segregação, o diagnóstico
precoce da não assimilação é um fato recorrente às salas de aula de todo Brasil,
professores tendem a todo o momento rotular como incapazes de aprender, alunos
que apresentam qualquer tipo de dificuldade, sem considerar que indivíduos
possuem tempos diferenciados de aprendizagem que carecem ser respeitados. Ao
demonstrar tal atitude, não pretendemos atribuir ao professor a culpa por esse e
outros comportamentos, pois entendemos ser o professor, também, vítima de um
longo processo de má formação tanto político-social quanto acadêmico. Apenas
atentamos para o fato de como tais comportamentos indicam atitudes visivelmente
preconceituosas capazes de segregar um ou mais alunos, sem que o professor nem
mesmo tenha se dado conta.
Nestes termos, trabalhar com educação inclusiva tornou-se um extremo
desafio com o qual a escola pública, na grande maioria, mesmo não sendo sua
explícita intenção, acaba por classificar pelas diferenças, gerando a exclusão dentro
daquele que deveria ser o âmbito do processo de inclusão, a sala de aula.
Em um contexto onde todos os documentos de políticas públicas
apresentam os encaminhamentos para a implantação da educação inclusiva,
acabam esbarrando nos problemas recorrentes que todos conhecemos e que já
foram pauta de calorosos debates e numerosas páginas de pesquisas como: falta de
estrutura física e material e a falta de qualificação específica do professor, para
trabalhar com as pessoas com necessidades educacionais especiais. Esta última
nos parece ser a problemática de maior relevância, uma vez que saber lidar com a
deficiência e/ou diferença (pois não importa para nós a sentença da categoria), essa
é sempre uma delicada questão que vai além das meras condições físicas e
materiais, requer uma mudança de postura político-social e cultural que compreenda
o “outro” não como oposto, mas como valoração contínua do próprio eu.
Compreender o outro nesta dimensão torna-se um empreendimento
bastante peculiar considerando que, ”o ser humano adquire o plano ideal da
atividade vital unicamente por meio do domínio das formas historicamente

56

desenvolvidas da atividade social, apenas junto com o plano social da existência,
apenas junto com a cultura”. (DUARTE, 2003, p. 98).
Entretanto, este plano de existência anterior não nos permitiu experimentar
conviver harmônica e solidariamente com a deficiência do outro; pelo contrário,
demonstra exemplos reais de segregação e exclusão praticados em alguns casos
sob a legitimação de algumas culturas da época. Porém, se é mesmo possível
“aprender com os erros”, é esse legado histórico que possibilita a objetivação do
sujeito, que também, no caso das pessoas portadoras de necessidades
educacionais especiais, permitirá que utilizemos a história e a cultura para
compreendermos e superarmos as práticas de preconceito e exclusão que afetam a
sociedade contemporânea, onde a escola ocupa lugar de destaque.

2.4 Dados que (des)velam a lei

Tendo em vista o objetivo dessa pesquisa (como já dissemos), optamos por
nos deter aos dados que representam, segundo o PNE11, a demanda das pessoas
com necessidades educacionais especiais nos estados e municípios.
A partir da análise destes documentos, constata-se ser bastante recente o
atendimento às pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais nas
instituições públicas.
Cerca de 40% dos municípios brasileiros não contavam com qualquer
Serviço de Educação Especial no final da década de 90. Em 2002, apenas
3.612 municípios (65% do total de 5.560 municípios do Brasil) registraram
matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais (PNE, 2001).

De acordo com os dados do Ministério da Educação – MEC, só a partir de
1998 é que os censos começaram a registrar em separado a matrícula de alunos
com necessidades educacionais especiais, como veremos na tabela a seguir:

11

Em 1998, o Poder Executivo enviou ao Congresso nacional o projeto de Lei que instituía, por dez anos, o
plano Nacional da Educação (PNE)

57

Tabela 1 – Número de alunos matriculados em classes e escolas especiais e regulares de1998 a
2006 (MEC).

ANOS

TOTAL

ESCOLAS

ESCOLAS

ESPECIALISADAS E

REGULARES

CLASSES
ESPECIAIS
1998

337.326

293.430

43.923

1999

374.699

311.354

63.345

2000

382.215

300.520

81.695

2001

404.743

323.399

81.344

2002

448.601

337.897

110.704

2003

504.039

358.898

145.141

2004

566.753

371.383

195.370

2005

640.317

378.074

262.243

2006

700.624

375.488

325.136

Fonte: Autora, 2009.

De acordo com a tabela 1, nos últimos nove anos, o maior número
concentra-se nas instituições especializadas, na sua maioria privadas. Entretanto,
vale salientar que o número de alunos com necessidades especiais nas escolas
privadas não especiais é bastante pequeno. Esse pequeno número de pessoas com
necessidades educacionais especiais nas escolas não especializadas privadas nos
possibilita perceber que o atendimento a essas pessoas na rede particular não
possui um caráter inclusivo, dá-se apenas de forma parcialmente contemplativa ao
dispositivo da lei.
Outro aspecto observado na tabela acima é a evolução nas matrículas de
337.326 em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de 107% do
total. No que se refere ao ingresso em classes comuns do ensino regular, verifica-se
um crescimento de 640% em comparação entre os respectivos anos, o que
caracteriza (ao menos em números), uma mudança significativa na distribuição
dessas matrículas. , como veremos a seguir em termos de porcentagem, entre
esfera pública e privada.

58

Com base na legislação vigente e nos documentos anteriormente
mencionados referentes à política de inclusão, a concentração dos alunos com
necessidades educacionais especiais seriam nas escolas regulares de educação
básica. Entretanto, de acordo com os dados do PNE, esse fato ainda não é real,
como mostra a tabela 2.
Tabela 2 – Matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais, 1998/2006, por
modalidade de atendimento. (Revista Inclusão - MEC).

ANO

ESCOLA PÚBLICA

ESCOLA PRIVADA

1998

53,2%

46,8%

1999

52,3%

47,7%

2000

54,5%

45,5%

2001

51,1%

48,9%

2002

53,3%

46,7%

2003

54,8%

45,2%

2004

57,0%

43,0%

2005

60,0%

40,0%

2006

63,0%

37,0%

Fonte: Autora, 2009

De acordo com os dados obtidos a distribuição dessas matrículas a partir de
1998, registra-se um percentual de 53,2% na rede pública contra 46,8% na rede
privada. No intervalo de nove anos esse percentual evidencia um crescimento de
146% das matrículas nas escolas públicas, que passam a alcançar 441.155 (63%),
alunos em 2006. O que em síntese representa, nos últimos anos, uma procura bem
maior dos alunos com necessidades educacionais especiais pela escola pública.
Entretanto, na escola analisada, de 250 alunos matriculados no 1º segmento
do ensino fundamental em 2006, apenas uma era portadora de necessidades
especiais, não que em toda Murici – cidade com mais de 25 mil habitantes – não
houvesse outras crianças com necessidades especiais. Porém, podemos constatar
que não só a lei, mas tanto a escola quanto as famílias contém formas explícitas de
exclusão. A resistência da família em colocar a criança na escola, e da escola em
receber essa criança ainda é muito grande. Em depoimento numa das conversas

59

informais realizadas durante a pesquisa, uma mãe quando indagada sobre o motivo
de não colocar a sua criança, que visivelmente apresentava necessidades especiais
na escola, respondeu: “Pra quê? Se não aprende nada” (traduzido igualmente a
fala).
Para aqueles que se dizem adeptos da educação inclusiva, mas que na
verdade a consideram apenas do ponto de vista simbólico, este fato chega a ser
meio desproposital. Pois, tornou-se comum assistirmos a divulgação midiática de
projetos bem sucedidos de inclusão a todo o momento. No entanto, esquece-se que
se trata apenas de um projeto pontual, cujas condições lhes são totalmente
favoráveis. E que, em se tratando de educação pública, pela sua complexidade,
requer muito mais que um simples projeto, requer além das condições físicas e
materiais, a internalização de valores e atitudes que tornam o eu e o tu
complementares. E isso perpassa consubstancialmente pela formação, tanto social
quanto acadêmica do sujeito (como já foi dito nos itens anteriores).
O discurso midiático tem o propósito de criar no imaginário coletivo a “ilusão”
de que o problema não é tão difícil, se tem alguém que consegue resolvê-lo, os que
não conseguem, serão seus próprios responsáveis. No entanto, são depoimentos de
mães como o mencionado anteriormente, que nos trazem de volta a realidade.
Realidade essa que aflige se não a todos, mas a maioria dos municípios do interior
do estado de Alagoas por ter de conviver com as exigências de implantação da
educação inclusiva sem, ao menos, dispor das condições básicas necessárias.
Para efeito de conclusão, pela trajetória que empreendemos até o momento,
três aspectos se colocam. Primeiro, a escola pública legalmente autorizada em
termos legislativos, tem avançado consideravelmente no tocante a matrícula de
pessoas com necessidades educacionais especiais (ao menos é o que indicam os
dados). Segundo, a família ainda carece de esclarecimentos sobre a essa
modalidade de ensino. Terceiro, o fato de a escola pública aceitar na sua matrícula
alunos com necessidades, não significa na prática pedagógica que esse aluno esteja
realmente incluído, como tantas vezes já sinalizamos no decorrer desse trabalho,
cuja confirmação ressaltaremos com a análise empreendida nesse capítulo.

60

3 SUJEITO, DISCURSO E IDEOLOGIA: categorias fundantes da AD.
O trabalho de pesquisa é um ir e vir constante gera reações adversas,
leva-nos a caminhos que ao imaginarmos termos chegado ao final,
sugere o início de mais um ciclo de investigação. (MEDEIROS, 2008).

3.1 Percorrendo as múltiplas faces da AD.

Antes de elucidarmos qualquer conceituação sobre os pressupostos que
consideramos imprescindíveis à constituição da Análise de Discurso – AD (Sujeito,
discurso e ideologia), é de suma importância, mesmo que sucintamente,
explicitarmos os elementos que deram origem a AD, assim como a ancoragem de
nossa filiação teórica.
Com a curiosidade e a persistência de um eterno aprendiz, venho passo a
passo trilhando por caminhos tortuosos como a criança que ansiosa busca
equilibrar-se na tentativa dos seus primeiros passos, mas logo se desequilibra,
tomba, percorre com o olhar em volta buscando algo que devolva-lhe a firmeza do
seu caminhar, percebe a figura do adulto, perfila-se e recomeça o seu trajeto. É
basicamente essa capacidade de movimento, da busca por firmar um equilíbrio que
se constitui a minha fortuita relação com a Análise de Discurso.
Criada nos fins dos anos 60 na França por Michael Pecheux, época da crise
do estruturalismo como paradigma consensual do mundo e, consequentemente dos
intelectuais que se formam nesse contexto, a AD surge com a intencionalidade de
provocar o que hoje podemos chamar de uma re-leitura do discurso político francês,
ou como coloca Cavalcante (2002, p.42), “em oposição aos dois quadros teóricos
existentes – o estruturalismo saussuriano e o gerativismo chomiskyano – e como
ruptura epistemológica com a ideologia que dominava as ciências humanas na
época o psicologismo”.
A Análise de Discurso dialoga Constantemente com outras áreas do
conhecimento, especificamente a lingüística, o materialismo histórico e a
psicanálise, o que caracteriza a presença ininterrupta de movimento. Desse modo,
fica evidente que a AD não se pretende como afirma Robin in Ferreira (2005, p. 15).

61

Nem disciplina autônoma, nem disciplina auxiliar. O que AD visa é tematizar
o objeto discursivo como sendo um objeto de fronteira, que trabalha nos
limites das grandes divisões disciplinares sendo constituído de uma
materialidade lingüística e de uma materialidade histórica, simultaneamente.

Ao analisar essa questão Orlandi (1996) imputa à AD a condição de
disciplina de entremeio, dada a sua capacidade em dialogar com outras disciplinas e
com elas operar intensos deslocamentos. Esses deslocamentos possibilitam resignificar sentidos ajustando-os “às especificidades e à ordem própria da rede
discursiva” (idem, p.16).
De acordo com a autora, “haverá sempre por mais estabelecida que já seja a
disciplina, muitas maneiras de apresentá-la e sempre a partir de perspectivas que
mostram menos a variedade da ciência que a presença da ideologia” (idem p.9).
Desse modo, transitar por entre esses conceitos é fazermos diversas vezes
o mesmo percurso, certos de descobrirmos algo novo em cada leitura empreendida,
basicamente quando delimitamos o discurso como objeto de análise.
Assim, como percorrer caminhos tão variáveis? Ou melhor, a que lugares
esses caminhos poderão nos levar dada a imprevisibilidade dos discursos
enunciados a partir do contexto histórico atual12. Do lugar de onde falamos sentimos
no próprio fazer as fortes determinações desse contexto. Percebemos que o
desequilíbrio faz parte dessa caminhada. Entretanto, só os que encontram o eixo e
firmam o seu caminhar têm possibilidade de realizar suas escolhas, construir
caminhos mais seguros, deixando abertas as entradas e saídas para que outros
também possam percorrê-los.
Nessa perspectiva, entendemos ser necessário empreender algumas
interlocuções com determinados autores como Pechêux, pela relevante contribuição
em fundar a AD, e sobretudo, trazer de volta à cena, “o sujeito que tivera sido
excluído durante todo o processo áureo do estruturalismo.” (FERRREIRA, 2005,
P.14). Bakhtin e Lukács pela possibilidade de interação dialógica entre os conceitos
(sujeito, discurso e ideologia) e, mais ainda pela extrema necessidade de
encontrarmos um ponto de equilíbrio imprimindo marcas de nosso posicionamento,
uma vez que esse se encontra em processo de construção.

12

Ver segundo capítulo, onde tratamos do contexto neoliberal.

62

Enveredar
extremamente

por

delicado,

entre

esses

demanda

conceitos,
certos

definindo

cuidados

para

posições
não

é

algo

parecermos

redundantes ou até mesmo simplistas demais. Todos apresentam uma intrínseca
relação dialógica que se completam entre si, a ponto da não existência de um sem
a presença do outro, por serem partes constitutivas de um todo. É dessa relação
entre esses elementos que se propaga o fio condutor do discurso, aqui privilegiado
como objeto de análise por tecer meios e fins de todos e qualquer relação social,
cuja finalidade implique na formação de sujeitos.
No entanto, não temos a intenção de examinar detalhadamente esses
campos teóricos, mas levantar alguns elementos característicos das posições dos
autores supracitados com o intuito de estabelecer um contraponto entre seus
posicionamentos e a filiação teórica que assumimos.

3.2 Noção de sujeito

Devido à estreita relação de Pechêux com Althusser a noção de sujeito
empreendida pela AD de origem francesa corrobora com o princípio de que “todo
indivíduo social só pode ser agente de uma prática se se revestir da forma sujeito”
(Althusser apud Orlandi, 2006, p.18), diz a referida autora,
é examinando as propriedades discursivas da forma sujeito que nos
deparamos com o ego-imaginário, como sujeito do discurso. Este por sua
vez constitui-se pelo esquecimento do que o determina, pois é do
funcionamento da ideologia em geral que resulta a interpelação dos
indivíduos em sujeitos.

De acordo com a análise de Ferreira (2005, p.14), o sujeito da AD
Pecheutiana é extraído,
em parte da psicanálise, apresentado como um sujeito descentrado afetado
pela ferida narcísica, distante do sujeito consciente que se pensa livre e
dono de si. A outra parte desse sujeito desejante, sujeito do inconsciente, a
AD vai encontrar no materialismo histórico, na ideologia althusseriana o
sujeito assujeitado, materialmente constituído pela linguagem e
devidamente interpelado pela ideologia.

63

No dizer de Pechêux (1988) “não podemos pensar o sujeito como origem de
si, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia”. Dessa interpelação é
consubstanciada a forma sujeito histórica, no entanto essa forma sujeito histórica
passa

por

um

processo

de

individualização

institucional

que

permite

a

ultrapassagem do indivíduo do plano das configurações biológicas e psíquicas, para
o plano social.
Continua Pechêux (ibidem),
A interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela
identificação do sujeito com a formação discursiva que o domina, essa
identificação, fundadora de unidade imaginária do sujeito apóia-se no fato
de os elementos do interdiscurso que constituem, no discurso do sujeito, os
traços daquilo que o determina são re-inscritos no discurso do próprio
sujeito. Daí dizer que a ideologia não tem exterioridade. O desdobramento
do sujeito – como tomada de consciência de seus objetos, é uma
reduplicação da identificação, precisamente na medida em que ele designa
o engodo dessa impossível construção da exterioridade do próprio interior
do sujeito.

É com essa perspectiva do assujeitamento, a ideologia como
possibilidade una do indivíduo se tornar sujeito, que apesar de reconhecermos a
valorosa contribuição desses estudos para a formação de conceitos permissível a
criação da AD, que buscamos romper. Filiando-nos a proposta de um sujeito ativo e
ao caráter relacional da sua construção como sujeito, bem como, a construção
negociada do sentido que o discurso representa.
De acordo com Brait (2007, p.22), a partir de estudos em Bakhtin,
a proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para si condições
de formação da identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro,
condição de inserção dessa identidade no plano relacional
responsável/responsivo que lhe dá sentido.

Assim sendo, podemos afirmar com base nos pressuposto Bakhtiniano que
só me torno “eu” entre outros “eus”. No entanto, mesmo que o sujeito se constitua a
partir do outro, ao mesmo tempo se constitui por meio de objetivações genéricas, é o
“outro” do outro, aquilo que Bakhtin define como o não acabamento constitutivo do
ser. “Capacidade que tem o indivíduo de re- elaborar o já existente, descobrindo
nele novas funções, novas formas de utilização e objetivação produzindo o novo”.
(CAVALCANTE, 2002, p 2). Para essa produção torna-se relevante considerar tanto
os princípios dialógicos como os elementos sociais históricos, nos quais a linguagem

64

opera enquanto necessidade ímpar de comunicação entre os sujeitos. Essas
afirmações adquirem respaldo na fala de Lukács, para quem o homem é um ser que
responde de forma precisa as demandas da realidade objetiva. Desse modo, afirma
o referido autor (1977, p.5).
O homem torna-se um ser que dá respostas, precisamente na medida em
que paralelamente ao desenvolvimento social e em proporção crescente –
ele generaliza, transformando em perguntas seus próprios carecimentos e
suas possibilidades de satisfazê-los; e, quando, em sua resposta ao
carecimento que a provoca, funda e enriquece a própria atividade com tais
mediações, frequentemente bem articuladas.

A partir da afirmação de Lukács é refutada a idéia de decisões aleatórias,
independentes do processo concreto dessa decisão e do caráter situado do sujeito.
Ao tempo em que se reforça a idéia de que o sujeito que toma decisões, o faz ativa
e conscientemente em sua vida concreta, cujas especificidades incidem sobre sua
decisão, em vez de aceitar passivamente as proposições de que forma e conteúdos
dessas decisões já estejam determinados numa organicidade transcendente. Em
análise a esses pressupostos Brait (2006, p.24) destaca,
o sujeito não como fantoche das relações sociais, mas como agente, um
organizador de discursos, responsável por seus atos e responsivo ao outro
como alguém dotado de excedente visão, com relação ao outro. O sujeito
sabe do outro o que este não pode saber de si mesmo, ao tempo em que
depende do outro para saber o que ele mesmo não pode saber de si.

É com base nessa capacidade dialógica que recusamos a existência de um
sujeito infenso, assujeitado, e defendemos um sujeito constituído nas práticas
sociais concretas, que ao imprimir sua “marca” por meio de atos individuais se
responsabiliza coletivamente por esses atos, no constante papel mediador entre as
significações sociais possíveis, tornando-se sujeito do discurso. É sobre essas
marcas características da objetivação do sujeito, que por sua vez objetivam-se em
forma de discurso que falaremos a partir de então.

3.3 Noção de discurso

Assim como a noção de sujeito, várias são as concepções teóricas que
explicitam a noção de discurso. No entanto, não temos a pretensão de esgotar as

65

possibilidades de análise, mas de clarificar como são constituídos os processos
discursivos e como estes se transformam em ideologia dominante, constituindo um
“novo senso comum”, acreditado e defendido como verdadeiro por uma grande
maioria. Para tal intento, apresentaremos de forma direta a posição de discurso que
assumimos.
Dentre as várias conceituações existentes de discurso, optamos pela
afirmação bakhtiniana de que o discurso é por natureza dialógico. Ou ainda, como
afirma Cavalcante (2003, p.45),
o discurso é práxis, resultado e possibilidade das relações sociais, produto e
produtor das relações de sentido do indivíduo consigo mesmo e com os
outros indivíduos. Produzido socialmente, em um determinado momento
histórico, para responder às necessidades postas nas relações entre os
homens para a produção de sua existência, carrega o histórico e o
ideológico dessas relações.

Essa forma de conceber o discurso demonstra a sua complexidade. Diz
respeito ao fato de que a abordagem do discurso não pode se dá a partir de um
único ponto de vista, seja este interno ou externo. O princípio dialógico que o
acompanha indica a sua heterogeneidade constitutiva e a define enquanto campo de
mediação, que articula e resignifica novos sentidos aos sentidos já existentes, dadas
as condições de produção.
Considerando que todo discurso é gestado a partir das condições de
produção, temos em Amaral (2005, p.18).
Tratar das condições de produção de discurso requer compreender o
processo das determinações sociais, políticas e econômicas da produção
intelectual em geral, designada pela teoria marxista como formas de
consciência ou formações ideológicas. Essa produção é concretamente
organizada e explicitada em forma de discursos. É como discurso que ela
atua nas mesmas relações sociais que a originam.

Dessa forma, as condições de produção transitam entre os sujeitos e a
situação. Situação essa que segundo Orlandi (2006, p.15) apenas a título de
explicação pode ser pensado em seu sentido “estrito” e em sentido “lato”. O primeiro
compreende o momento da enunciação, o aqui e agora do dizer (o imediato). O
segundo compreende o contexto sócio histórico, ideológico (o sentido amplo). Por

66

exemplo, se transportados à sala de aula e particularmente à proposta de educação
inclusiva, a situação imediata refere-se à sala de aula regular, com alunos
portadores de necessidades educacionais especiais; o sentido amplo seria o
contexto sócio-histórico, ideológico, no qual numa sociedade conservadora como a
nossa a idéia de inclusão relaciona-se com a idéia de que “todos” são iguais perante
a lei. Desse modo, há uma veiculação direta daquilo que ocorre na sala de aula com
o contexto mais amplo, garantindo a constituição do sentido.
Isso implica considerar o discurso no interior de um sistema de formações
sociais, como a prática discursiva “resultante de um conjunto de determinações
regradas em um dado momento por um conjunto complexo de relações com outras
práticas discursivas” (MALDIDIER, et alli, op cit. 125-8). Em suma, a prática
discursiva integra a formação discursiva e os grupos sociais onde é produzido o
discurso. Esse modo de refletir coloca o discurso em sua função de representação e,
por conseguinte, ideológica.

3.4 Noção de ideologia

Também, como os demais conceitos, não constitui objeto desse trabalho o
exame exaustivo da noção de ideologia, mas é possível indicar que a posição
adotada por nós é a mesma defendida pelo círculo Bakhtiniano, que significa no
dizer de Brait (2007, p.169),
uma relação dialética se dando entre ambos na concretude. De um lado, a
ideologia oficial, como estrutura ou conteúdo, relativamente estável; do
outro a ideologia do cotidiano, como acontecimento, relativamente instável;
ambas formando o contexto ideológico completo e único, em relação
recíproca, sem perder de vista o processo global de produção e reprodução
social.

O discurso, pois, passa a ser um modo de afirmação das diversas ideologias.
Sobre esse aspecto, afirma Amaral (2005, p.11).
Essas formas ideológicas encontram no discurso a possibilidade de
objetivação e realizam sua função ontológica (...) é produzido em um
determinado momento histórico para responder às necessidades de
produção e reprodução da vida em sociedade.

67

De acordo com os pressupostos supracitados, empreende-se que a
prática social compreende um conjunto de idéias valores e crenças constituídas ao
longo da história da humanidade. Esse conjunto de idéias e valores possibilita a
configuração de um entendimento lógico acerca da ação humana que atenue os
conflitos gerados na relação entre os homens. De acordo com Vaisman (1999,
p.142), “a ideologia é uma forma de resposta às necessidades e às situações
conflituosas postas pelo processo de sensibilidade”. É segundo Cavalcante (2002,
p.4), “uma função social capaz de dirimir conflitos sociais, de regular a práxis
coletiva, de oferecer ao indivíduo uma compreensão do mundo em que vive
tornando-o aceitável, natural”.
Nessa perspectiva, o discurso não reflete a ideologia como algo que lhe é
exterior, mas enquanto efeito de sentido, por ser constituído pela prática discursiva.
Segundo Miotello (2007, p. 169), é Voloshinov o único representante do
círculo de Bakhtin, que explicita de forma direta uma definição de ideologia. Assim,
“por ideologia entendemos todos os conjuntos de reflexos e das interpretações da
realidade social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por
meio de palavras, ou outras formas significativas”.
A partir dessa explicitação, é conferido à linguagem o papel contínuo da
comunicação social como fator condicionante. Como afirma Bakhtin (1981, p.36), “a
palavra é o fenômeno ideológico por excelência”. Não a palavra como define a
lingüística e a filosofia da linguagem, mas a palavra como signo social.
A palavra, por assim dizer, está presente em todos os atos de compreensão
e em todos os atos de interpretação, “são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”.
(BAKHTIN, 1981, p.41). Assim, a palavra pela sua natureza dialógica, adquire
sentido a partir do contexto que esta representa. Os processos discursivos por ela
organizados variam de acordo com a necessidade comunicativa dos sujeitos.
A palavra inclusão, que tomamos como eixo desse trabalho, há mais de uma
década vem sendo utilizada com frequência nos discursos de natureza políticoideológica. Expressa posições de um grupo que se utiliza dessa capacidade de
atualização dos sentidos da palavra para transformar as salas de aula da escola

68

pública em aglomerados de pessoas, cujas condições de interação entre si, são
basicamente nulas, tornando ainda mais complexo o processo de exclusão.
Os sentidos que os articulam não estão somente nas palavras, nos textos,
na sua enunciação, mas na relação com a exterioridade – nas condições em que ele
é produzido, nos discursos em que ele se sustenta e para onde ele aponta, o lugar
de onde fala o sujeito. De acordo com Cavalcante (2002, p.45), “se o sujeito fala do
lugar da instituição, suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do
lugar do subalterno”.
Assim, podemos afirmar a partir dessas considerações que as palavras
mudam de sentido em função do contexto histórico e da posição ocupada pelos
sujeitos que as enunciam. Isso explica o uso de alguns termos antes encampados
pela classe trabalhadora, fazer parte, hoje, do repertório da política conservadora
neoliberal a exemplo dos conceitos (democracia, educação para todos, equidade e
inclusão).
A nosso ver, no plano da concepção da realidade histórica, não estamos,
pois, diante de um embate novo, mas apenas diante de questões que assumem um
conteúdo histórico especifico diante das “novas” formas de socialização capitalista
neoliberal.
Estas formas não são tão novas assim, revestidas de velhas práticas,
requerem,
antes de tudo, desenvolvimento de potencialidades e a apropriação de
‘saber social’ (conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e valores
que são produzidos pelas classes, em uma situação histórica de relações
para dar conta de seus interesses e necessidades). Trata-se de busca, na
educação, de conhecimentos e habilidades que permitem uma melhor
compreensão da realidade e envolve a capacidade de fazer valer os
próprios interesses econômicos, políticos e culturais produzidos nas
relações interpessoais (FRIGOTTO, 2003 p.26).

É justamente em busca dos efeitos de sentido produzidos em diferentes
situações sócio-históricas que empreendemos as análises do próximo capítulo.

69

4 DO DISCURSO À PRÁTICA: a trajetória da análise

Pela trajetória que empreendermos até o momento, observa-se que nenhum
processo de formação de consenso para obtenção de hegemonia política se dá sem
as pretensas transformações dos conceitos, das palavras, dos discursos, e, mais
precisamente dos significados que constantemente carecem ser (re) elaborados
para validar os sentidos que nomeiam a realidade. Nesse sentido, diz Silva (1996,
p.167) “as categorias linguísticas, os conceitos ao constranger e limitar a esfera do
possível, ao permitir ou impedir que certas coisas sejam pensadas, são parte central
de qualquer projeto político”. É nesse sentido, que vimos colocando desde o início,
que a lógica neoliberal cria novos conceitos, altera significados, provoca
deslocamento, possibilitando dualidade ao sentido das palavras.
Continuando a análise, Silva (op. cit) destaca as seis estratégias retóricas
que para ele estimulam a consolidação da hegemonia política do discurso neoliberal:
“(1) deslocamento das causas; (2) culpabilização das vítimas; (3) despolitização e
naturalização do social; (4) demonização do público e santificação do privado; (5)
apagamento da memória e da história; (6) recontextualização”.
O deslocamento das causas consiste em primeira instância, na
reconfiguração do eixo social, ou seja, há um deslocamento de foco, no qual as
causas de desigualdade que geram a exclusão da maioria passam a não possuir
nenhuma relação com a centralidade e com a exploração de poder, mas com a falta
de responsabilidade em gerenciar os recursos. A incidência dessa estratégia
provoca sinais da segunda, culpabilidade das vítimas. Nesse sentido, a
responsabilidade pelo fracasso ou sucesso está centrada nas escolhas e decisões
do próprio indivíduo13, não podendo ser atribuída as condições desfavoráveis que o
estado propicia.
Como o objetivo é perpetuar a hegemonia do capital, outra estratégia de
suma importância é a despolitização e naturalização do social, nessa como o
próprio termo sinaliza, desvinculam-se as relações sociais das relações de poder, há
um empenho desenfreado pela naturalização do social através da formação de
consenso.
13

Vê individualismo no segundo capitulo.

70

A estratégia de número quatro, demonização do público e santificação do
privado, apresenta as instituições privadas e o mercado como sinônimo de
competência, potencial em qualidade e eficácia, enquanto que o público é rotulado
de ineficiente, sendo a lentidão burocrática a causa maior de sua ingerência.
Perfazendo o número de estratégias apresentados por Silva, deparamo-nos
com aquela que consideramos ter um papel singular para o fortalecimento dessa
hegemonia o apagamento da memória e da história que segundo Cavalcante
(2007, p.56) “busca silenciar as histórias de lutas, impedindo o surgimento de
discursos indesejáveis.” Por último a estratégia de recontextualização que no dizer
de Cavalcante (op. cit.), consiste,
na resignificação e re-incorporação de discursos de Formações Ideológicas
e Discursivas oponentes com significados radicalmente higienizados e
transformados, ganhando na perspectiva da Formação Ideológica do
capital, novos e (in) esperados significados.

É a partir dessa lógica do capital, na qual as palavras adquirem novos e
inesperados significados que empreendemos a análise das sequências discursivas,
daqui por diante identificadas como SD. Vale lembrar que dada a heterogeneidade
da linguagem e a multiplicidade de seus mecanismos de funcionamento capaz de
propiciar usos diversos, este trabalho representa apenas uma possibilidade de
leitura das sequências escolhidas, sendo que tantas outras leituras serão possíveis.
Para uma melhor compreensão de nossa análise as SD que elegemos estão
organizadas numericamente e representam pontualmente a fonte donde provém,
caracterizando as diferentes posições de seus enunciantes.
As do primeiro bloco (SD de 1 a 6) representam o discurso oficial e as do
segundo bloco (SD de 7 a 11), a fala dos professores. Assim sendo (SD1 e SD2),
representam a Resolução do CNE/CEB N° 2, de II de setembro de 2001; (SD3), o
pronunciamento do ministro Tarso Genro em virtude da criação da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad; (SD 4, 5 e 6), entrevista
do atual ministro da educação Fernando Haddad a Revista Inclusão, da Educação
Especial – MEC, V.4 N° 1/2008; (SD7,8,9,10 e 11), depoimentos de professores da
escola observada. Assim, por uma questão organizacional elencamos todas as SD e
posteriormente iniciaremos as análises seguindo a disposição dos referidos blocos.

71

SD1 – “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,
cabendo a escola organizar-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias
para uma educação de qualidade”.
SD2 – “As escolas devem atender padrões mínimos estabelecidos com
respeito à acessibilidade”.
SD3 – “Garantir o exercício desse direito é forjar um novo modo de
desenvolvimento com inclusão, é um desafio que impõe ao campo da educação
decisões inovadoras”.
SD4 – “Temos que ter uma estratégia de construção de um novo
paradigma na educação, ainda mais sólido, ainda mais consistente, ainda mais
visível”.
SD5 – “Estaremos consolidando um conjunto de ações de apoio a
implementação da educação inclusiva”.
SD6 – “A inclusão educacional é hoje, uma realidade balizada pela evolução
dos marcos legal e declarações internacionais, onde o papel do MEC é definir uma
política que estabeleça o diálogo com todos os segmentos da sociedade. Não se
trata de votar uma política, mas de estabelecer um consenso”.
SD7 - “Não posso fazer muita coisa por esse aluno, ele fica aí, mas não
aprende nada”.
SD8 – “Na minha formação nada vi sobre o problema de deficiência”.
SD9 - “Essa foi a pior invenção desse governo”.
SD10 – “Talvez se houvesse capacitação primeiro fosse mais fácil, mas o
governo tem mania de empurrar de cima para baixo”.
SD11 – “Só aceito esse aluno porque a lei determina.
O registro dessas sequências caracteriza a necessária afirmação do dizer,
como também as várias formas do não dizer. Pois, em uma sociedade como a
nossa, pela sua constituição dinâmica, pensando-se o conjunto de suas práticas,
tende a produzir múltiplas relações, tanto de exclusão quanto de inclusão, pela
possibilidade de interação dos elementos de um discurso com o outro. De acordo
com Voese (apud Cavalcante, 2007, p.69),

72

dizer é importante exatamente pelo que significa o dito como ponto de
referencia para um novo dizer, isto é um novo agir. E, se dizer é importante,
tanto mais se for através da escrita. Melhor, contudo, é ter o escrito
publicado de forma que alcance um grande número de leitores.

Esses pressupostos suscitam-nos algumas indagações constituintes de todo
e qualquer enunciado. Quem são os enunciantes? A quem se dirigem? Como o
fazem?
Segundo Bakhtin (2006, p.301), “um traço essencial (constitutivo) do
enunciado é o seu direcionamento, o seu endereçamento (...), o enunciado tem
autor e destinatário”. Esse destinatário possui várias modalidades (público variado,
povo, amigo, inimigo, chefe, inferior, etc), no entanto, todas elas são determinadas
pelo campo de atividade humana e da vida a que tal enunciado se refere. Segundo
Bakhtin (idem),
a quem se destina o enunciado, como o falante (ou o que escreve) percebe
e representa para si os seus destinatários, qual é a força e a influência
deles num enunciado – disto dependem tanto a composição quanto,
particularmente, estilo do enunciado. Cada gênero14 do discurso em cada
campo de comunicação discursiva tem sua concepção típica de destinatário
que o determina como gênero.

Assim, todo enunciante ao construir o seu enunciado procura exercer sobre
este a influência de uma possível resposta antecipável, provocando uma ativa
influência sobre o seu enunciado bem como sobre o enunciado do outro. Tais
influências tornam-se bastante evidentes nas posições sujeitos dos dois blocos
apresentados.
Tendo o primeiro bloco como seus enunciantes o Ministério da Educação –
MEC (SD1 e 2) e os ministros do governo Lula (SD3, 4,5 e 6), estes enunciados
caracterizam-se pela forte presença do discurso autoritário, mais tenso, mais
modalizado, menos transparente, com menor distância na atitude do sujeito em
relação ao seu enunciado. No segundo (SD 7 a 11), onde os enunciantes são os
professores, a enunciação é mais transparente, menos modalizada, menos tensa,
com menor distância da atitude do sujeito em relação ao seu enunciado. O primeiro,
com base no que afirma Bakhtin (idem) de que “todo discurso tem um destinatário

14

Ao falar de gênero nos referimos à concepção bakhtiniana sobre tudo dos diferentes usos da linguagem nos
diferentes discursos, como manifestação da pluralidade. (BAKHTIN, 2007, P.152).

73

que o determina como gênero”, podemos classificá-lo de discurso político oficial15
(ou tradicional). O segundo, por caracterizar o seu oposto, o classificamos de
discurso do cotidiano16. A escolha quanto à classificação dos gêneros é determinada
segundo o mesmo autor pela implicação que o objeto do sentido causa para o
locutor na sua execução. É de Bakhtin (idem, 302) a afirmação seguinte,
ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu
discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação dispõe
de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação;
levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do
meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias. Tudo isso irá
determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele.

Essa capacidade que tem o locutor de prever as objetivações, antecipando o
argumento do seu interlocutor é prescrita por Cavalcante (2007, p.70) como
antecipação e ainda segundo a referida autora: “esse mecanismo regula a
argumentação de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o
efeito que pensa produzir em seu ouvinte”.
Assim, considerando as críticas de respeitados autores que conhecem os
pressupostos da educação inclusiva, dado o caráter superficial e impositivo que
consubstanciam a sua elaboração e sua implantação nas instituições de ensino
regular, buscamos estabelecer um paralelo sobre os efeitos de sentido que o
discurso dessa proposta provoca.
Tendo como destinatário a escola e particularmente o professor, o Ministério
da Educação, juntamente com seus ministros, tentam incutir no imaginário coletivo
a idéia de que a proposta de educação inclusiva, de fato, promoverá a inclusão no
sistema de ensino brasileiro. Assim, recorrem ao gênero do “discurso polêmico”
(ORLANDI, 2006), por ser esse o que melhor caracteriza o discurso político que
permeia a proposta de inclusão. Esse introduz por meio de Diretrizes Nacionais a
sua impositividade o que caracteriza a presença do discurso autoritário ao tempo
que camufla as relações de poder entre mandatário (MEC) e subalternos (instituição
escolar e professores), produzindo sobre estes um efeito mascarado de suas reais
intenções.

15
16

Discurso de características controladoras, polissemia controlada (ORLANDI, 2006).
Discurso do cotidiano – discurso empreendido no dia-a-dia (ORLANDI, 2007, P.99).

74

Tanto a resolução que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação de
Alunos com Necessidades Educacionais Especiais quanto os depoimentos dos
ministros caracterizam um tom de formalidade. Em ambas é possível perceber a
vinculação do ato de enunciar com o exercício de poder. No depoimento do exministro Tarso Genro e na entrevista do atual ministro Fernando Haddad, o tom de
formalidade e de comando apresenta-se mais suave, visto que na maioria das vezes
os enunciantes utilizam o pronome pessoal da primeira pessoa do plural – nós – na
função de sujeito da oração, o que permite o envolvimento de novos sujeitos no
desenvolvimento da ação, tornando imprecisa a identidade do locutor. Porém, o
mesmo não ocorre no discurso das diretrizes, nestas é possível inferir a relação de
mando, subordinação subjacente ao funcionamento discursivo de algumas
sequências nas quais o enunciante – MEC – assume a posição de comando
determinando ao mesmo tempo ao seu destinatário – escolas e professores - a
posição de receptores. Pois, nessa posição cabe-lhes apenas a execução das
propostas orientadas previamente pelo referido documento.
O funcionamento discursivo das sequências seguintes ajuda-nos a entender
melhor esse posicionamento, operam no sentido de conferir ao locutor a posição de
mandatário, ao passo em que transfere para seus interlocutores a tarefa de
implantação da proposta indicada.
SD1 – “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo a
escola organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades
especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de
qualidade”.
SD2 – “As escolas devem atender padrões mínimos estabelecidos com
respeito à acessibilidade”.
No segmento “... devem matricular todos os alunos...” o verbo “dever”
caracteriza uma ordem, ou seja, - expressa uma modalização deôntica (que diz
respeito ao que se deve fazer). Tal funcionamento discursivo nos possibilita uma
interpretação em duplo sentido. Um no qual o locutor (MEC), transfere toda
responsabilidade para a escola, esse deslocamento coloca o Estado como aquele
que nada tem a ver com a implantação da educação inclusiva, colocando-a
exclusivamente como “dever” da escola e dos seus respectivos sistemas de ensino.

75

Numa outra interpretação o verbo “dever” assume o lugar de “obrigação” como
imposição, tarefa que o outro é obrigado a executar, o que constitui uma relação não
dialógica e, portanto assimétrica entre os interlocutores.
Parafraseando Orlandi, essa assimetria (de cima para baixo) oculta o objeto
do discurso pelo dizer, imprimindo marcas de um discurso autoritário e
desarticulando

o

característico

da

interlocução

que

é

a

articulação

locutor/interlocutor.
No final da sequência “... assegurando as condições necessárias para
uma educação de qualidade”. A expressão “educação de qualidade”, como já foi
discutido anteriormente, ganha contornos diferenciados na conjuntura neoliberal,
está vinculada a outros conceitos como produtividade, otimização de recursos e
redução de custos.
Desse modo é necessário desmistificar o significado da expressão
“educação de qualidade”, buscando desvelar o sentido ideológico que ela imprime
no contexto da educação inclusiva.
Na perspectiva neoliberal afirma Silva (1996, p.170), “essa concepção se filia
a defesa de colonização da educação pelas perspectivas do mercado e pelos
interesses empresariais”.
Nesse sentido, por tudo que já foi discutido nos capítulos anteriores a
tentativa de uma educação inclusiva de qualidade só será possível se esta obedecer
a mesma lógica de mercado, qualquer esforço no sentido oposto é mero equívoco.
Contudo, isso se torna ainda mais explícito quando na sequência em análise cabe a
escola “assegurar as condições necessárias para uma educação de qualidade”. Ou
seja, recai sobre a escola a responsabilidade em oferecer uma educação de
qualidade.
Isso posto causa certa estranheza, soa como se a qualidade aqui defendida
ocupasse um lugar que não lhe pertence, pois em nenhum momento se questiona
as condições atuais da escola, pelo contrário, o que se deixa transparecer é que o
MEC fez a sua parte, estabeleceu as diretrizes que deverão servir como
direcionamento, basta segui-las (como num passe de mágica), que o espaço escolar
proposto atende os anseios e aspirações da maioria dos excluídos. Como na prática
a questão é outra, o que visivelmente pode-se considerar a princípio é que a palavra

76

qualidade na sua aplicabilidade adquire novas formulações, como afirma Orlandi
(2006, p. 21) “trata-se do fato que quando enunciamos há essa estratificação das
formulações já feitas, que presidem nossa formulação e formam o eixo de
constituição de nosso dizer”.
Indo um pouco mais além, diríamos que essa capacidade de transposição
de responsabilidades para a escola nos remete a memória discursiva ou dialogismo
bakhtiniano, resgata o discurso usado no início do processo de elaboração das
primeiras constituições, quando se previa que o “ensino de primeiras letras” 17 ficaria
a cargo das províncias. Esse resgate, ou seja, essa relação dialógica com essa
outra FD deixa transparecer outras faces, motivadas pela existência de domínios e
forças sociais tão inusitadas quanto à linguagem de mando sob a qual a escola
historicamente teve sempre que obedecer.
Tomando como objeto a organização do ensino brasileiro em momentos
políticos aparentemente distintos, a recriação de uma diretriz contendo basicamente
os mesmos pressupostos, indica que seus autores constituem seus enunciados a
partir de outros enunciados, assim estabelece as proximidades e distâncias que
podem ser reconhecidas quando considerado seu processo histórico ontológico, pois
de acordo com Bakhtin (2007, p.162) “não se trata de transportar as formulações de
uma área para outra, mas de re-elaborar dialogicamente o pensamento”.
Continuando nosso raciocínio de que o discurso da política atual está vinculado a
outra FD, ou seja, que este é re-elaborado a partir de outros discursos
estabelecidos...”. A expressão ensino de primeiras letras se constitui em vários
momentos da história do

nosso país, porém com o mesmo conteúdo e com a

mesma finalidade: fortalecer a divisão de classe social estabelecendo um referencial
que define o lugar do patrão e o lugar do subalterno. Uma primeira leitura que a
expressão nos possibilita é a sua associação a limitação do ensino de “primeiras
letras” aos filhos dos trabalhadores, quando, no entanto, só os filhos do patrão
poderiam ter acesso ao ensino superior. Mais tarde, essa noção reaparece com o
acontecimento do ensino tecnológico – criado para o trabalhador como alternativa de
mão-de-obra rápida e barata - levando esse trabalhador a assumir os trabalhos
mais pesados, com os quais o patrão não deveria envolver-se diretamente.
17

Vê detalhe no primeiro capítulo desse trabalho.

77

Percebe-se, contudo, que mesmo sendo a expressão em análise composta
por outras palavras, que não as mesmas do exemplo anterior, esta carrega
implicitamente na sua formulação a idéia da quantidade mínima de ensino que deve
ser oferecida ao trabalhador.
Como as palavras não significam por si, carece de um contexto que as deem
sentido. Hoje, diante do movimento de “Educação para Todos”, atender padrões
mínimos de acessibilidade, como prevê SD2, torna-se um princípio básico do capital
que acaba por se estender, tanto a qualidade quanto ao conhecimento expresso na
idéia de estado mínimo. Caracteriza um paradoxo que demarca o lugar do já dito,
que ao ser enunciado insere-se em uma rede de relações associativas implícitas,
funcionando e significando em diferentes registros discursivos.
Perseguir esses registros analisando o que estes significam nas sequências
discursivas abordadas é tarefa que nos propomos ao longo desse trabalho, que a
nosso ver explicitam a razão de ser da política de educação inclusiva. Na
perspectiva da AD, interessa não o que uma palavra ou expressão significa, mas
qual o funcionamento discursivo que opera na conjuntura histórica em que foi
enunciada. Perseguir esses registros nos levará ao desvelar dos sentidos, visto que
esse não está nas palavras, mas na discursividade, ou seja, na forma como no
discurso a ideologia produz seus efeitos, pois os sentidos são ideologicamente
determinados. Consequentemente, afirma Orlandi (2005, p.42) “podemos dizer que
o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas
em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas”.
É nessa perspectiva que analisaremos o sentido de “inclusão” expresso nos
discursos dos ministros da educação nas sequências seguintes.
SD3 – “Garantir o exercício desse direito é forjar um novo modo de
desenvolvimento com inclusão, é um desafio que impõe ao campo da educação
decisões inovadoras”.
SD4 – “Temos que ter uma estratégia de construção de um novo
paradigma na educação, ainda mais sólido, ainda mais consistente, ainda mais
visível.”
Nas sequências acima descritas percebemos a forte preocupação em
estabelecer um modelo de educação inclusiva como resposta aos acordos firmados

78

com os órgãos internacionais, que atenda a “nova” formatação do modelo de
sociedade mundial. Em SD3, o verbo “forjar” em seu contexto de atualidade e no
espaço de memória que ele convoca, possibilita várias interpretações como inventar,
moldar, sair de modo se deseja ou até mesmo falsificar um modelo de inclusão, esse
espaço de possibilidades é definido, segundo Orlandi (2005, p.52) pela incompletude
da linguagem. Diz a referida autora,
a condição da linguagem é a incompletude. Nem sujeitos nem sentidos
estão completos, já feitos, construídos definitivamente. Constitui-se e
funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do movimento.
Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também o
lugar possível.

Com base na colocação de Orlandi podemos dizer que a abertura no
processo de significação do termo em análise forjar, suscita outras determinações.
Tais determinações podem de fato estar afetando de forma negativa a prática da
política de educação inclusiva. Pois tanto os sujeitos quanto os sentidos derivam,
escapam para outra posição, produzindo aquilo que Orlandi (idem, p.53) chama de
efeito metafórico – a transferência – “a palavra que fala com outras”, gerando no
interior da escola processos de indeterminação que se sustentam pela ausência
precisa do saber fazer. Essa indeterminação encontra-se expressa no final da SD,
sob forma de “decisões inovadoras”.
O

novo

sempre

assusta,

causa

insegurança,

aponta

para

outras

necessidades visíveis. Também em SD4 – “Temos que ter uma estratégia de
construção de um novo paradigma na educação, ainda mais sólido, ainda mais
consistente, ainda mais visível”. Evoca-se mais uma vez o “novo” como algo
indeterminado, sujeito a no mínimo três suposições: que paradigma é esse?
Quando? E como pode ser construído? Na continuidade da SD, o termo ainda mais
reforçando os adjetivos: sólido, consistente e visível, aponta para um jogo de
indeterminações, o uso das formas de intensidade nos autorizam a identificar a falta
de solidez e de consistência presentes na proposta da educação inclusiva, fato que
leva o ministro a sugerir a construção de um novo paradigma para a educação.
Essa mesma necessidade encontra-se em SD3, que para garantir o exercício
do direito as pessoas com necessidades educacionais especiais o locutor sugere
“forjar” um novo modo de desenvolvimento com inclusão. Apesar da pejoratividade

79

do termo “forjar” a intencionalidade é a mesma - criar um novo modelo para
educação - fazendo-o a partir do verbo no infinitivo garantir que o reveste de certa
impessoalidade.
SD4, ao iniciar com a palavra “temos” o que implica o uso do pronome da
primeira pessoa do plural – nós – na função de sujeito da oração, torna imprecisa a
identidade do locutor, podendo esse representar tanto o poder executivo, quanto os
sistemas de ensino, e, em particular a escola, a quem a lei desde o princípio impõe
responsabilidade. É de Guespin (1985, p.46) a afirmação de que a própria natureza
do “nós”, designa conjuntos lexicalmente não-nomeados. A sua capacidade
transitória indefinida permite que a indeterminação instaure-se por seu intermédio.
De acordo com Geoffroy (1985, p.6) “nós é a primeira encarnação linguística do
mais de um”, cuja passagem do sujeito falante para o sujeito político pode ser
examinado. Observado desse ponto de vista segundo Guimarães (1996, p. 49).
O nós se mostra muito produtivo, pois, por seu intermédio, o sujeito do
discurso pode associar-se a referentes muito variados sem especificá-los
linguisticamente. Essa condição é responsável pela elasticidade referencial,
decorrendo a ambiguidade do dito.

Essa mesma forma de identificação do “nós” encontramos em SD5, ao
afirmar: “estaremos consolidando um conjunto de ações de apoio à implantação da
educação inclusiva”.

Com isso perguntamos mais uma vez, o que o locutor

representa nos mecanismos de produção de sentido, no funcionamento e
deslocamento desse discurso? Que “nós” é esse que a SD “estaremos
consolidando...” suscita? O coletivo da educação brasileira e em particular a
educação alagoana, que desde 1999 - ano da elaboração da Carta de PrincÍpio da
Educação – Conclama por condições de um trabalho inclusivo? Ou, “nós” o
Ministério da Educação – MEC do qual o locutor (ministro) é o representante legal?
Obviamente, mesmo estando o “nós” apresentado em construções
alternativas é preciso considerar que este ocupa o que Brait (2007, p.38) chama de
“posição axiológica”18 que lhe confere condição para agregar múltiplas e
heterogêneas coordenadas. Assim, nos lembra Bakhtin (2007, p.38), “a grande força
18

Posicionamento sócio valorativo em que o autor-criador ocupa múltiplas inter-relações (idem).

80

que move o universo das práticas culturais são precisamente as posições sócio
valorativas postas numa dinâmica de múltiplas interrelações responsivas”. Ou
melhor, ao mobilizar uma rede de múltiplas relações não se trata de um processo de
mera reprodução de um mundo objetivo, mas de um mundo multiplamente
interpretado, o que Bakhtin (idem) define como “processo semiótico”, em outras
palavras, processos que ao mesmo tempo em que refletem, sempre refratam o
mundo. Apoiando-nos no que coloca Bakhtin (idem), o “nós” identificado na fala do
ministro ocupa uma posição de refratado e refratante, refratado por se tratar de uma
posição axiológica recortada pelo viés da pessoa do ministro, refratante porque a
partir dela se reordena o desejo social de consolidar um conjunto de ações de apoio
a implementação da educação inclusiva.
Nesse caso específico poderíamos considerar todas aquelas necessidades
suscitadas para efetivação da educação inclusiva como, por exemplo: formação
continuada, recursos humanos e materiais, currículo adequado e tantas outras, que
demandam do coletivo educacional e social e que fazem do “nós”, constituinte da
totalidade dos brasileiros, uma perspectiva de consenso.

4.1 Inclusão como processo de educação consensuada.

Em SD6 temos, “a inclusão educacional é hoje uma realidade balizada pela
evolução dos marcos legal e declarações internacionais onde o papel do MEC é
definir uma política que estabeleça o diálogo com todos os segmentos da
sociedade. Não se trata de votar uma política, mas de estabelecer um
consenso”.
Como podemos observar há em SD6 a constatação daquilo que vínhamos
discutindo no decorrer desse trabalho, não resta dúvida de que a política de
educação inclusiva como o próprio ministro afirma está balizada nos marcos legais e
nos acordos internacionais, do neoliberalismo. Esse discurso é constituído por
palavras como inclusão, qualidade, flexibilidade e outras adquirem sentido no âmbito
da Formação Ideológica-FI19 do capitalismo no qual se inscreve a Formação

19

São posições ideológicas que cumprem sua função na determinação dos sentidos das palavras (RECHEVX,
1983).

81

Discursiva-FD20 de mercado compreendida como lugar de encontro entre elementos
de saber já sedimentados – elementos pré-construídos, produzidos em outros
discursos seja para serem confirmados, quer seja para serem negados.
No entanto, ao tempo que o ministro afirmar o papel do MEC ele explicita na
sua fala que “não se trata de votar uma política, mas de estabelecer um
consenso”. Porém, como a formação de consenso é puramente ideológica, essa
vem sendo a estratégia básica do capital, consubstanciado na política estabelecida
pelo mercado para promover a autonomia individual, na qual as oportunidades então
postas cabem a cada qual buscá-las. Nessa perspectiva política, há uma maior
independência, o indivíduo não só é autônomo, controlador das suas vontades,
como pode ele mesmo criar, inventar condições que lhe atribua legitimidade. A
afirmação dessa possibilidade caracteriza uma forma básica de eximir o estado de
parcela de suas responsabilidades
Com base nesses pressupostos, tomando como parâmetro a FI que subsidia a
política da educação inclusiva, diríamos que todos passarão a acreditar na proposta
de inclusão e que esta só não ocorre por causa da indisposição de cada indivíduo
em particular. Assim, a ideologia opera produzindo a transposição de formas
materiais, como se a história e a linguagem não tivessem a sua opacidade, podendo
ser imutáveis e naturalizadas. Isso denomina-se formação de consenso.
A partir do consenso a própria fala ganha um tom ritualizado, há sempre
formas de se justificar o não acontecimento do fato, isso porque, uma vez
consensuado o discurso de inclusão torna-se comum, acessível a todos, passando a
operar por meio de formulações mais ou menos generalizadas. Ocorrendo o que
Cavalcante (2007, p.54) denomina de “mascaramento do discurso”. Sendo assim, a
tentativa do ministro em “estabelecer um consenso” (SD6) é basicamente a forma
prática de se mascarar a política de inclusão implicitando os seus reais sentidos.
O relato abaixo retrata como ocorre o mascaramento da inclusão na sala de
aula regular.

20

Define-se como aquilo que numa F1 dada a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica
dada determina o que deve e o que pode ser dito.

82

4.2 O grito do silêncio

Como já é sabido, o desencadear dessa pesquisa se deu devido à existência
de uma criança surda-muda, com a qual nem a professora da sala nem eu,
enquanto coordenadora pedagógica, sabíamos como lidar. Reitera a idéia de que
todo acontecimento deve ser enfrentado na sua historicidade, na sua concretude,
para deixar transparecer além da sua aparência.
Já iniciada a pesquisa durante o mês de agosto/2006 resolvemos trabalhar o
folclore. Vários textos foram selecionados para serem lidos na turma, entre outros a
lenda do Saci, da Iara, do Curupira, etc.
Sempre que se lia uma história, era feito o reconto oral ou escrito por algum
aluno da sala, meio que involuntariamente ou pela falta de esforço em reconhecer
no outro a continuidade do eu, a aluna com deficiência auditiva pela sua suposta
incapacidade de interação cabia-lhe sempre observar, mas nunca lhe era pedido
que recontasse a história.
Certo dia, após ouvir uma dessas lendas ela se levantou deu alguns gritos
(balbucios) puxou a roupa da professora sinalizando que queria ela mesma fazer o
reconto, a professora sinalizou positivamente com o polegar (gesto habitual para
toda a comunicação com essa aluna) e ela começou o reconto, ou melhor, a
interpretação gestual.
Gesticulou, olhou para os lados... balbuciou alguns sons, passou a mão na
cabeça como a colocar algo. Neste momento imaginamos estar diante da
interpretação da lenda do Saci. Alguns alunos chegaram a sussurrar: “é a lenda do
Saci”. De repente, ela sentou na cadeira, cruzou as pernas (com gestos visivelmente
femininos), elevou a mão esquerda ao rosto como se estivesse a olhar-se no
espelho e com a mão direita passou os dedos por entre os cabelos. Um dos alunos
olhou para a colega ao lado e disse: “o Saci não era veado! Essa é a lenda da Iara”.
Naquele momento, meio atônitos com a desenvoltura da aluna e com o
desfecho espontâneo com o qual o aluno traduziu a interpretação, tivemos que nos
conter para não sorrir. Porém, ao analisarmos o caso com cautela, percebemos que
o motivo não era de risos, mas talvez de choro ou no mínimo de insatisfação. Se a
tradução feita gestualmente pela própria aluna para sua professora, faz sentido para

83

qualquer usuário da língua, a falta de oportunidade e a não compreensão desse
enunciado aparentemente atípico, desperdiça a possibilidade de se observar os
vários aspectos relacionados à aquisição da leitura e escrita. A pertinente leitura
realizada pela aluna, a sequência indecifrável para um interlocutor distanciado do
contexto inicial pode ser perfeitamente explicada por um especialista do sistema da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, observando, por exemplo, a articulação entre
os gestos executados pela criança surda-muda, considerando ser essa uma das
mais significativas formas de comunicação.
Entretanto, esse acontecimento nos conduz a outras interpretações se
avaliando da perspectiva da situação em que se deu e do contexto maior em que se
insere. Essa aluna, que se inscreve meio que forçadamente na linguagem gestual
como iniciante, na verdade não se encontra no início do processo de escolarização.
Tem nove anos de idade, está na segunda série do ensino fundamental como
repetente e continua no estágio inicial do processo de aquisição de leitura e escrita
do sistema de LIBRAS, (se é que podemos considerar esses primeiros ensaios
gestuais próprios, como estágio inicial). Significa que esse acontecimento aponta
para outros lugares além do referente pretendido. Aponta por exemplo, para a
situação do trato com a diversidade no ensino brasileiro, para as formas e
possibilidades que tem o sujeito de se constituir letrado, para o papel social que a
escola vem desempenhando na formação do sujeito. E, certamente, para tantos
outros lugares que devendo ser de inclusão (re) velam-se como sendo de extrema
exclusão, silenciada por meio de processos naturalizados.
Esta é uma dentre milhares de alunas (os) que estão sufocados num
contexto mascarado por um processo de inclusão, no qual o acesso é permitido,
mas a participação é totalmente negada. A aluna surda-muda desse breve relato
conseguiu soltar o grito contido no silêncio de mais de dois anos e chamar a atenção
da professora e dos colegas. Porém, muitos outros gritos continuarão silenciados
nos mais diversos espaços escolares desse estado e consequentemente desse
país.
Se compararmos o tratamento dispensado às pessoas com deficiência
desde os primórdios da Grécia Antiga, abordado no capítulo anterior, e
compararmos com o caso da aluna surda-muda, acima mencionado, observamos

84

que se mudam os meios, mas as formas modernas de exclusão remetem para o
mesmo fim. Nesses termos duas questões se colocam: qual seria o ato mais
excludente: a) aquele em que o indivíduo, por ser diferente é submetido à morte?
Ou aquele em que se mantém vivo o indivíduo, porém anulam-se as suas
possibilidades de viver?
A nossa tímida relação com o tema, somada a amplitude de conhecimentos
que as pessoas com necessidades educacionais especiais nos possibilitaram
adquirir ao longo desses dois anos de pesquisa, nos permitem dizer que ambos
estão em um mesmo patamar. Pois, atendem ao mesmo propósito – a afirmação do
preconceito e da exclusão- e, nós ao contrário, conclamamos pela vida,
retroalimentada pelo convívio mútuo entre os sujeitos.
Os “gritos” balbuciosos da aluna, que chegam a irritar nossos ouvidos, nada
mais são do que um pedido de socorro para manter viva a autorização da sua
deficiência, ou melhor, a autorização de uma existência que vem sendo
constantemente negada, ou na maioria dos casos, naturalmente silenciada.

4.3 O silêncio como processo de naturalização

Nossa reflexão dar-se-á a partir de dois eixos que consideramos bastante
pertinente dada a natureza do nosso objetivo.
Primeiro tomaremos como base a afirmação de Orlandi (2006, p. 263).
Que o silêncio tanto quanto a palavra, tem suas condições de produção, por
isso, dada a diversidade dessas o sentido do silêncio varia, isto é ele é tão
ambíguo quanto as palavras. O silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é
forma de dominação, enquanto que o silêncio proposto pelo oprimido pode
ser uma forma de resistência ou até mesmo uma tentativa de
naturalização da situação posta (grifo nosso).

Nesse caso, ambos produzem o que Orlandi (idem), costuma chamar de
“ruptura desejada”, podendo também, o silêncio produzir uma ruptura não desejada
ou comunicação mal sucedida. Há ainda segundo a referida autora, a ruptura
categórica ou silêncio ocasionado pela interrupção brusca do contato entre

85

interlocutores. Esses pressupostos levam-nos a afirmar que como as palavras, o
silêncio também possui uma multiplicidade de sentidos.
Segundo ponto, também com base no dizer de Orlandi (idem), é de que “a
fala é silenciadora em vários níveis” e que esse silenciamento produzido pela fala
pode ter vários sentidos, com efeitos e funcionalidades diferentes.
O pronunciamento do ministro em SD6 (anteriormente analisada), ao
explicitar a necessidade de estabelecer um consenso, encaixa-se perfeitamente
nessa questão, se considerarmos o autoritarismo seu discurso como pressuposto a
criação de mecanismos para formação de consenso. Pois, como nos lembra Orlandi
(ibidem), “a forma mais própria do autoritarismo não é impedir que as pessoas digam
o que querem, mas sobretudo, obrigá-las a dizer o que não querem”. Nesse caso, ao
afirmar a necessidade de estabelecer um consenso sobre educação inclusiva o
ministro silencia os processos de exclusão que também se estabelecem a partir da
forma como foi gestada essa política. Assim, pode-se dizer que ao ministro interessa
menos calar o interlocutor do que obrigá-lo a dizer o que se quer ouvir. Visto que, é
por meio da propagação das palavras que se estabelece o consenso.
Partindo do pressuposto de que a palavra se propaga por meio da fala e que
ambas constituem o discurso, observamos que a palavra pode ser silenciadora
quanto ao seu dizer, dizendo- se algo para naturalizar o dito, evitando que outras
palavras sejam ditas. Pode também deixar implícito o sentido desse dizer.
Devido a essa multiplicidade de sentidos que a palavra pode ter, as
sequências discursivas do segundo bloco, abaixo analisadas representam apenas
uma possibilidade de leitura dos fatos discursivos. Desse modo, sempre que
dissermos que a palavra é silenciadora estamos concordando com Orlandi (1995,
p.75-76), ao afirmar que,
o sentido do silêncio não deriva do sentido das palavras, se define pelo fato
de que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis,
mas indesejáveis em uma situação discursiva dada [...] se diz “x” para não
(deixar) dizer “y”, este sendo o sentido a se descartar do dito. É o não dito
necessariamente excluído. Por aí se apagam os sentidos que poderiam
instalar o trabalho significativo de outra formação discursiva.

No entanto, para nos referirmos a implícitos recorremos a Ducrot apud
Cavalcante (2007, p.78), segundo ele,

86

são modos de expressão que permitem deixar entender sem incorrer na
responsabilidade de ter dito. Ora, se tem frequentemente necessidade de
dizer certas coisas e ao mesmo tempo, de poder fazer como se não as
tivéssemos dito, de tal modo se possa recusar sua responsabilidade.

Considerando que a linguagem é basicamente dialógica buscaremos
identificar na fala dos professores das sequências abaixo os sentidos que estas
implicitam ou silenciam no processo de naturalização.
SD7 – “Não posso fazer muita coisa por esse aluno, ele fica aí, mas não
aprende nada”.
SD8 – “Essa foi a pior invenção desse governo.”
SD9 – “Talvez se houvesse capacitação primeiro fosse mais fácil, mas o
governo tem mania de empurrar de cima para baixo”.
SD10 – “Na minha formação nada vi sobre o problema da deficiência”.
SD11 – “Só aceito esse aluno porque a lei determina”.
De maneira bastante específica, as sequências supracitadas aludem para a
forma impositiva como a proposta de inclusão se incorporou ao processo educativo
regular. Em SD7, o advérbio de negação “não” deixa implícito que a posição desse
professor diante do aluno não revela grandes preocupações, revela a impotência
diante da situação, o que se confirma mais adiante com a expressão “ele fica aí”, o
“aí” caracteriza o lugar do descaso, do isolamento, ou seja, o silêncio da condição de
exclusão em que esse aluno é submetido diariamente. A forma casual com a qual o
locutor coloca o “aí” sugere certa conformidade com essa condição de exclusão,
como se o professor reafirmasse como tantas vezes o fez, que o aluno só esta na
sala, por “determinação da lei”. Portanto, o professor não pode fazer muita coisa. O
“nada”, no final da SD, considerando o lugar de onde fala o locutor (professor),
implicita uma interação com uma FD, muito utilizada no auge do ensino tradicional,
na qual o aluno é comparado a uma tabula rasa, só que dessa vez, dada as
circunstâncias é muito pior. Pois, se naquela o propósito era incutir conhecimento na
cabeça do aluno, nesta essa possibilidade é totalmente nula.
Essa nulidade é fácil de ser constatada quando em SD8 o locutor (professor)
afirma: “na minha formação nada vi sobre o problema da deficiência”. A expressão
“nada vi”, deixa implícito o eximir-se de sua responsabilidade externando-a para
outros, no caso, para a má formação recebida. No entanto, essa exterioridade

87

adquire um respaldo muito significativo quando ele mesmo acrescenta em SD9 “essa
foi a pior invenção desse governo”. O pronome demonstrativo “essa” sugere de
imediato a existência de outras propostas de valor e sentidos idênticos. Seguida da
palavra “invenção” implícita um tom de brincadeira, zombaria, algo sem
credibilidade, o que a nosso ver justifica parcialmente a falta de corresponsabilidade
do professor com a aprendizagem do aluno com necessidades educacionais
especiais, explicita em SD7 (acima analisada).
Entretanto, meio que inconformados com esse resultado da falta de
corresponsabilidade identificada na análise da fala dos professores, pois foge aos
nossos princípios subjugá-los, dada as condições em que o ensino vem se
delineando nesse país, buscamos indícios na fala desses mesmos professores que
desmistifiquem essa primeira impressão.
Tais indícios podem ser identificados em SD10, quando o professor
timidamente coloca: “talvez se houvesse capacitação primeiro fosse mais fácil,
mas o governo tem mania de empurrar de cima para baixo”. É possível perceber
com isso que a partir da idéia de inclusão instala-se na pessoa do professor o desejo
de que haja uma formação que o autorize a atuar na educação inclusiva. Porém, ao
suscitar essa possibilidade o faz de uma posição de dúvida (talvez), de descrença,
de submissão, não expressa na sua fala a determinação desse desejo enquanto
condição inviolável que é, quando se trata da efetivação de uma educação
realmente inclusiva. Silencia-se desse modo, o lugar de onde fala o sujeito, o lugar
do subalterno (culpado), por isso, expressa-se de maneira contida como se
estivesse sempre em dívida com algo que ele mesmo não tem clareza do que seja.
Toda essa fala é reforçada em SD11, quando o professor afirma, “só aceito
esse aluno porque a lei determina”. Essa fala traz implícita na sua conjuntura a
força do discurso autoritário com o qual a lei é constituída, bem como a imposição
sofrida pelo professor a partir do que determina a lei. Essa imposição acaba por
obrigar o professor a aceitar o aluno com necessidades educacionais especiais
apenas para cumprir as regras estabelecidas, porém ele “nada” pode fazer pela
inclusão desse aluno.
Sem que seja a nossa pretensão aferir culpa ao professor, diríamos a partir
dessas análises que as regras de funcionamento desses dizeres (as que

88

caracterizam a falta de responsabilidade e as que implicítam o desejo de formação),
podem indicar várias respostas. O resultado desse funcionamento discursivo é
múltiplo já que o locutor ao enunciar, ora deixa transparecer certo descaso com a
situação, ora vislumbra possibilidade. Entretanto, em ambos os casos, o locutor
silencia o processo de naturalização subtendido na política de inclusão sob forma de
“educação para todos”, seja ela real, ou presumida como tal.
O discurso do locutor (professor) das SD do segundo bloco estabelece uma
interlocução com os discursos enunciados no primeiro bloco (ministros e ministério),
prevalecendo o domínio desse último. Isso se torna visível nas falas quando estas
não traduzem oposição ao discurso oficial, mas representam marcas de um
inconformismo contido como quando atribuem a culpa a não inclusão a sua
formação e a obrigatoriedade da lei. Assim, a naturalização corresponde a uma
forma de arregimentação de poder que funciona da seguinte forma: aqueles a quem
os mentores da política de inclusão denominam agentes de propagação e, por
conseguinte formadores de consenso, a) passam a ter de justificar (acatar e
reproduzir), a categorizar e a agir de acordo com os princípios da naturalização que
lhe é imputada; b) reconhecem ser o processo de naturalização a via mais
confortável para acomodação da conjuntura dada.
Esses mecanismos legitimam a autoridade dos enunciantes do primeiro
bloco, uma vez que reproduzem as características da categoria que eles nomeiam e,
no mesmo movimento mascaram as ações discordantes, através do processo de
naturalização do silêncio.

89

5 CONCLUSÃO

Empreendemos um percurso em que iniciamos pela constituição do direito à
educação prescrito nas constituintes brasileiras, nas quais pudemos observar ser
este um princípio que carece ser reafirmado constantemente devido as (de)
limitações a que vem sendo submetido historicamente.
A partir dessa discussão buscaremos apresentar como a política de inclusão
está configurada no cenário neoliberal. O (des)velar desse funcionamento discursivo
mostrou-nos que a implantação dessa política representa mais uma investida dos
organismos internacionais para adequar os sistemas educacionais as exigências do
capital.
De maneira geral, não é de hoje que essas leis asseguram a “todos” (mesmo
que teoricamente) os mesmos direitos e deveres. Nossa preocupação torna-se
bastante evidente quando as exigências da educação inclusiva ultrapassam o limiar
do discurso e se instalam na sala de aula regular, sem que tenha havido nenhuma
organização prévia na estrutura da escola e muito menos na formação (ainda
bastante deficitária) do professor. Tendo em vista essas contradições, observa-se
que a educação inclusiva reconhecida no texto legal, tem efeito meramente
simbólico, quando relacionada à prática educativa.
Seus defensores resguardam-se em discursos de cunho ideológico, onde
determinadas palavras, previamente escolhidas, caracterizam aspirações coletivas
outras. Sobre esse aspecto diz Bakhtin (2007, p.181), “a escolha das palavras
possíveis em um contexto de utilização, por sua vez, só é possível, porque elas já
foram experimentadas por outros locutores em situações semelhantes”. O que
significa que o discurso assim como a palavra que o representa, possui uma
dinamicidade tanto histórica quanto imediata que evolui e adapta-se a várias
situações.
As palavras “igualdade” e “inclusão” (bastante utilizadas no nosso trabalho)
encaixam-se perfeitamente nesse exemplo, pois o uso dessas palavras, que antes
representavam um desejo coletivo da maioria dos excluídos, hoje vêm sendo
utilizadas para produzir os efeitos de sentido do consenso e o mascaramento da
política de inclusão.

90

No intento de (des) velar esses efeitos de sentido recorremos à análise de
documentos que traduzem o discurso oficial e outros que representam a fala de seus
interlocutores.
Nesse sentido, foi possível constatar que a fala instaura os espaços de
silêncio nos diferentes discursos. Aquilo que caracteriza o não-dito se instala de
modos diferentes nos diferentes funcionamentos discursivos. A observação desses
modos deu-se justamente devido a fala ter função silenciadora ou mesmo como no
dizer de Orlandi (1995), “pela forma como cada discurso, ao dizer, não se diz
exatamente o contrário, mas de qualquer forma dirige o interlocutor para outro lado”,
motivo que leva a autora considerar que o sentido está sempre no “viés”. Ou seja,
para a compreensão de um discurso é essencial perguntar sempre o que ele não
está querendo dizer ao dizer isto?
Desse modo, na análise do primeiro bloco (discurso oficial) os enunciados
parecem trazer um benefício ao propor a política de inclusão, mas está revestindose da sua posição sujeito para validar o domínio do bloco do poder, caracterizando o
discurso autoritário. No segundo bloco (fala dos professores), ao tempo em que o
locutor esta falando da sua provável falta de condições de atuação, exterioriza o
processo de naturalização pretendido pelo poder político para a formação do
consenso.
A análise desses discursos aponta pois, para novas formas de ler, para
outros gestos de leitura, outra escuta sustentada por dispositivos teóricos que nos
permitem não apenas nos reconhercermos no que lemos (ou ouvimos), mas que
conheçamos os modos como os sentidos estão sendo produzidos e como as
posições sujeito se constituem na relação do simbólico com o político. Pois, para
Bakhtin (2007, p.148) “o sujeito é individual, mas não subjetivo, e o mundo é
objetivo, mas sempre construído social e historicamente pelas ações da coletividade
humana”.
O caso da aluna surda-muda trazido propositadamente para exemplificar a
posição em que se encontra o aluno com necessidades especiais reafirma
explicitamente o que tantas vezes dissemos de forma implícita ao longo desse
trabalho, trabalhar com inclusão conduz inevitavelmente a um repensar das práticas
educativas, tecer considerações entre os diferentes, considerar seus limites, não

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para transformá-los em iguais, mas pelo necessário respeito a individualidade de
cada um.
No entanto, reconhecemos ser essa uma longa trajetória a ser refeita tanto
pelo governo quanto pelas escolas e seus profissionais, o que coloca a política de
inclusão num patamar distante do alcance da maioria dos portadores de
necessidades educacionais especiais, porém não impossível, pois como afirma
Gadotti (1995, p.277)

.

Já surgem sistematizações teóricas novas que não aniquilam as
experiências passadas no campo educacional, mas trazem um discurso
novo, superando o “conteudismo e o politicismo” é a criação de uma escola
oniforme (não uniforme), crítica e participativa, autônoma, espaço de um
sadio pluralismo de idéias onde o ensino não se confunde com o consumo
de idéias. Essa escola única [...] não seria a escola padronizada e
doutrinada da concepção burguesa, onde o objetivo era a disciplinação.
Essa idéia busca o desenvolvimento onilateral de todas as potencialidades
humanas.

Sabemos que essa ainda é uma realidade distante do contexto da maioria das
escolas alagoanas. Porém, concordamos com as palavras de Godotti, e
estabelecendo uma paráfrase com Lukács, diríamos que as possibilidades existem,
há sempre uma construção possível para cada situação que se coloca.
Contudo, esperamos ter contribuído para que os agentes educacionais que
vivem o cotidiano da escola constituam um novo olhar sobre a diversidade que se
mostra cada vez mais acentuada a realidade de todos nós e a partir desse olhar
possam atuar de forma crítica e inclusiva, como sujeitos fazedores da história que
com certeza será futuramente reescrita em outros moldes.

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