Wanessa Lopes de Melo

Título da dissertação: ATIVIDADE DOCENTE: UMA ANÁLISE DO PRESCRITO E DO REALIZADO NO CURRÍCULO ESCOLAR

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

WANESSA LOPES DE MELO

ATIVIDADE DOCENTE: UMA ANÁLISE DO PRESCRITO E DO REALIZADO
NO CURRÍCULO ESCOLAR

Maceió-AL
2012

1

WANESSA LOPES DE MELO

ATIVIDADE DOCENTE: UMA ANÁLISE DO PRESCRITO E DO REALIZADO
NO CURRÍCULO ESCOLAR

Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação Brasileira pela Universidade
Federal de Alagoas.
Orientadora: Profa. Dra. Laura Cristina Vieira
Pizzi.

Maceió-AL
2012

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
M528u

Melo, Wanessa Lopes de.
Atividade docente: uma análise do prescrito e do realizado no currículo escolar
/ Wanessa Lopes de Melo. – 2012.
115 f.
Orientadora: Laura Cristina Vieira Pizzi.
Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de
Alagoas. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação
Brasileira. Maceió, 2010.
Bibliografia: f. 107-115.
1. Ensino fundamental – Currículos - avaliação. 2. Autoconfrontação – Método.
3. Atividade docente. I. Título
CDU: 371.214

3

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Laura Cristina Vieira Pizzi, minha querida orientadora, pela orientação mais
do que atenta. Pelo carinho, pelo cuidado, pela preocupação, pelo afeto e confiança que
construímos bem antes dessa pesquisa. Por essa parceria que tornou tão mais leve o
percurso.

À escola e aos/as funcionários/as que possibilitaram as observações e filmagens. Em
especial, aos/as alunos/as que me acolheram com naturalidade e carinho e à professora
Clara, sem a qual esse trabalho simplesmente não existiria; agradeço pela confiança, pelo
carinho, pela acolhida, pela disponibilidade, por ter partilhado um pedacinho de seu
mundo.

Às professoras do PROCAD (UFAL/PUC-SP/UNESA-RJ), em especial: Neiza Fumes,
Maria Auxiliadora Cavalcante, Cláudia Davis e Wanda Aguiar.

Às companheiras de PROCAD e do “Currículo” (Grupo de Pesquisa Currículo, Atividade
Docente e Subjetividades): Berbella, Aninha, Elaine, Alessandra, Isabela, Paula, Manuella,
Fernanda, Manuella Magalhães, Júlia, Juliana, Soraya, Arlete e Sirley, pelas discussões
acadêmicas, pelas trocas de material, pelos momentos de descontração que resultaram em
boas gargalhadas, pelas viagens (aventuras) Brasil afora e por tornarem a vida acadêmica
mais fácil.

À Silvana, Elton e Cida, amigos muito especiais, que me ajudaram no momento que mais
precisei e que tornaram a conciliação trabalho-mestrado mais fácil.

À Elaine, amiga para toda hora, por toda ajuda nas transcrições dos episódios e das
autoconfrontações e a sua família, por sempre me receber com muita generosidade.

À Marta, amiga que se dispôs a ajudar, que se mostrou disponível no mesmo instante em
que eu fiz o convite. Pela amizade, carinho e pelas contribuições com esse trabalho.

4

A todos os amigos e amigas que estiveram comigo nesta caminhada, os quais partilharam
as alegrias e também os momentos difíceis. Em especial, a Karla, Aninha e Berbella, pelo
companheirismo e pelas histórias divididas durante o mestrado, por tornarem o caminho
mais leve.

A toda minha família, por acreditar e incentivar sempre os meus sonhos. Por compreender
a ausência tantas vezes necessária, por me encorajar a seguir na caminhada acadêmica.
Pelo carinho, pelo amor incondicional. Especialmente, aos meus pais, Gilvânia e João, e a
minha irmã, Waleska, maiores incentivadores.

5

Aqui está a minha vida – esta areia tão
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz – esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio.
Aqui está minha herança – este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
Cecília Meireles

6

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a complexidade da atividade docente, a partir da
perspectiva da Clínica da Atividade desenvolvida por Yves Clot, com foco no currículo
escolar das séries iniciais do ensino fundamental. A intenção foi buscar compreender a
atividade docente tal como é desenvolvida na sala de aula, pela própria professora,
considerando as condições, os recursos e as pressões reais vividas no cotidiano da sua
atividade. Foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa, com a utilização da
autoconfrontação simples, que tem como objetivo desencadear um processo de análise e
reflexão na professora diretamente envolvida na pesquisa e, em decorrência, permitir que
haja possíveis transformações na sua atividade docente curricular. Essa abordagem fornece
aos/às pesquisadores/as instrumentos de análise bastante complexos para estudar a
atividade docente na sala de aula, sobretudo a partir do que denominamos de currículo real
e o real do currículo. Nesse sentido, é importante destacar os elementos que prescrevem a
atividade docente, controlando e cerceando seu desempenho na sala de aula. A professora
participante dessa pesquisa ensina em uma escola de Ensino Fundamental da rede pública
municipal de Maceió, localizada na periferia da cidade, enfrentando cotidianamente
obstáculos de toda ordem na efetivação do currículo dentro da escola. Foram realizadas:
uma entrevista de história de vida, observações e filmagens na sala dessa professora. A
turma era uma 2ª série do Ensino Fundamental. Essa professora foi convidada a analisar e
discutir a sua própria atividade, como a faz, os seus obstáculos e, também, o que não pode
fazer para tornar possível a sua atividade curricular. Olhar para a atividade de trabalho
dessa professora implicou considerar os saberes, recursos e valores que circulam na sua
visão de educação e para a forma e o grau em que sua atividade é determinada pelas
prescrições curriculares, que se reconstroem no encontro, sempre singular, com
variabilidades inscritas nas situações reais de trabalho. Os valores que operam na atividade
da professora pesquisada não são desvinculados dos valores que a move na vida cotidiana,
os valores que ela carrega influenciam sua atividade, determinam caminhos.

Palavras-chave: Atividade docente. Currículo prescrito. Currículo real. Autoconfrontação.
Real do currículo.

7

ABSTRACT

This research aimed at analyzing the complexity of docent activity, from the perspective of
the Clinic of Activity developed by Yves Clot, with focus on the curriculum of the first
years of elementary school. The intention was to understand docent activity such as it is
developed in the classroom, by the teacher herself, considering the conditions, the
resources and the real pressure under which she lives in her everyday activity. A
qualitative research was carried out, using simple auto confrontation, which aims at
arousing a process of analysis and reflection on the teacher who was directly involved in
the research and, as a result, to permit possible transformations to occur in her curricular
docent activity. This approach provides the researchers with quite complex analysis
instruments to study the docent activity in the classroom, mainly from what we denominate
real curriculum and the reality of the curriculum. In this sense, it is important to point out
the elements that prescribe docent activity, controlling and restricting her development in
the classroom. The participant teacher of this research teaches in an elementary municipal
school in Maceió, located in the suburbs of the city, and faces various everyday obstacles
to put the curriculum into effect in the school. An interview, classroom observations and
filming were carried out in this teacher’s classroom; it was a group of 2nd grade of
elementary school. This teacher was invited to analyze and discuss her own activity, how
she does it, its obstacles, as well as what she cannot do to make her curricular activity
possible. Looking at this teacher’s work activity implied considering acquirements,
resources and values that are around her view of education. Furthermore, we looked at the
way and degree in which her activity is determined by the curricular prescriptions which
are rebuilt in the encounters, always singular, with variables inscribed in the situations of
real work. The values that operate in teacher Clara’s activity are not disentailed from the
values that keep her in motion in her everyday life; the values which she carries influence
her activity and determine paths.

Key words: Docent activity. Prescribed curriculum. Real curriculum. Auto confrontation.
Reality of the curriculum.

8

LISTA DE ABREVIATURAS

CAPES

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

PCN

Parâmetros Curriculares Nacionais

PIBIC

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PPP

Projeto Político Pedagógico

PROCAD

Programa Nacional de Cooperação Acadêmica

SEMED

Secretaria Municipal de Educação

UFAL

Universidade Federal de Alagoas

9

LISTA DE QUADRO

QUADRO 1 Análise dos dados.
QUADRO 2 Número de alunos/as por turma.
QUADRO 3 Matriz Curricular da 2ª Série para Ensino Religioso

10

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 12

2

A ATIVIDADE DENTRO DA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA E DA
CLÍNICA DA ATIVIDADE ................................................................................. 17

2.1

Algumas considerações sobre a Psicologia Sócio-Histórica ............................... 17

2.1.1 Consciência e atividade .......................................................................................... 19
2.1.2 Pensamento e linguagem ......................................................................................... 22
2.2

A Clínica da Atividade: compreender para transformar ................................... 25

2.2.1 Atividade real e real da atividade ............................................................................ 28
2.2.2 Atividade prescrita ou tarefa prescrita ..................................................................... 30

3

A ATIVIDADE DOCENTE E O CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO ....... 35

3.1

Currículo e política curricular ............................................................................. 35

3.1.1 Currículo prescrito e realizado................................................................................. 41
3.2

A complexidade da atividade docente .................................................................. 43

3.2.1 Atividade docente e subjetividade: emoções, valores e afetos ................................ 46
3.2.2 Atividade docente e as normas prescritas ................................................................ 49

4

PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................ 52

4.1

Participantes da pesquisa ...................................................................................... 53

4.2

Procedimentos para coleta de dados .................................................................... 54

4.2.1 A autoconfrontação .................................................................................................. 55
4.2.2 Análise documental ................................................................................................. 59
4.2.3 Entrevista de história de vida ................................................................................... 60
4.2.4 Observação e videogravação da atividade docente na escola pesquisada ............... 62
4.2.5 Autoconfrontação simples ....................................................................................... 63
4.3

Procedimento de análise dos dados ...................................................................... 64

5

ATIVIDADE DOCNETE, CURRÍCULO E OS CAMPOS DE INFLUÊNCIA
NA SALA DE AULA ............................................................................................. 66

11

5.1

Análise das informações iniciais da escola e da professora................................ 67

5.1.1 Caracterização da escola .......................................................................................... 67
5.1.2 Descrevendo o ambiente das aulas .......................................................................... 69
5.1.3 Conhecendo a professora Clara ............................................................................... 70
5.1.4 O dia-a-dia da sala de aula ....................................................................................... 73
5.2

Currículo como prescrição: PCN e Matriz Curricular ...................................... 76

5.3

Currículo real ......................................................................................................... 83

5.4

Real do currículo.................................................................................................... 94

6

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 98

REFERENCIAS ................................................................................................... 101

ANEXOS ............................................................................................................... 108
Anexo A ................................................................................................................. 109
Anexo B ................................................................................................................. 110

12

1 INTRODUÇÃO

Logo que iniciei o curso de Pedagogia (2005) na Universidade Federal de Alagoas
– UFAL, percebi que a universidade fazia muito mais do que ensinar. A pesquisa e a
extensão também faziam parte do mundo acadêmico e muitos/as professores/as, ao
apresentar a disciplina, falavam sobre seus grupos de pesquisa e foi dessa forma que
nasceu em mim a curiosidade pela pesquisa.
Em 2006, tive a oportunidade de ingressar no grupo de pesquisa coordenado pela
Profa. Dra. Laura Cristina Vieira Pizzi, “Currículo, atividade docente e subjetividades”,
como bolsista PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – de 2006
a 2008 do projeto de pesquisa “Profissão docente: razão versus emoção”, que tinha a
identidade do trabalho docente e a feminização do magistério, em particular no contexto do
ensino público fundamental, como foco.
Esta pesquisa foi um Estudo de Caso de duas escolas da rede pública municipal de
Maceió/AL, que tinha o objetivo de analisar o papel da afetividade e da subjetividade na
profissão docente, principalmente nas sérias iniciais (1º ao 5º ano) onde, historicamente, a
grande maioria dos/as profissionais são mulheres. Considerando que, pelo fato de os/as
alunos/as serem crianças, o apelo emocional da profissão tenderia a ser maior que em
outras séries.
Como exposto acima, resumidamente, a profissão docente esteve presente na minha
trajetória acadêmica, como objeto de investigação, desde o início da minha formação. Em
2009, quando ingressei no curso de mestrado, fui convidada pela minha orientadora a
participar do PROCAD – Programa Nacional de Cooperação Acadêmica financiado pela
CAPES, que tem a participação de pesquisadoras integrantes dos seguintes Programas de
Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação – PUC-SP
(coordenação geral); Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira – UFAL;
Programa de Pós-Graduação em Educação – Estácio de Sá/RJ. Essas Universidades, juntas,
vêm desenvolvendo o intercâmbio em atividades de pesquisa e ensino na temática da
atividade docente.
É nesse contexto que foi construída a pesquisa “Atividade docente: uma análise do
prescrito e do realizado no currículo escolar” – que tem a intenção de conhecer as

13

dimensões implicadas na atividade de trabalho docente, abordando-a na perspectiva da
clínica da atividade, com foco no currículo escolar.
Essa pesquisa tem como objetivo compreender a atividade real e o real da atividade
docente, dando enfoque às prescrições que estão presentes nessa atividade, principalmente
na organização do currículo, já que esse é um elemento imprescindível no seu trabalho.
Nossa análise percorrerá o que é prescrito, ou seja, tudo aquilo que se encontra como
direcionamento para a realização da atividade, e o que é de fato possível de ser realizado
pela professora, em termos do seu planejamento curricular.
Observamos que as prescrições curriculares têm um papel acentuado nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, por ter caráter de política pública nacional prioritária.
Outros documentos institucionais também estão relacionados à prescrição da atividade
docente, como: as Matrizes Curriculares do Município de Maceió, o Projeto Político
Pedagógico e o planejamento das aulas. Entendemos que é necessário conhecer as
prescrições relativas à atividade docente da professora pesquisada para que possamos
discutir de que forma o prescrito pode ser realmente realizado. Desse ponto de vista,
importa verificar o que pode impedir (ou não) a realização do prescrito e identificar como a
professora lida com o que não foi possível realizar. E mais, perceber como a professora
avalia a interferência do prescrito na sua atividade curricular, apontando suas implicações
para o seu trabalho e a aprendizagem de seus/ alunos/as.
O ponto de partida, neste trabalho sobre a atividade docente, é que é praticamente
impossível prescrever a atividade realizada em sala de aula em todos os seus detalhes, uma
vez que a atividade do/a professor/a é sempre mais ampla do que o que foi prescrito
inicialmente para ela (ALVES; CUNHA, 2008, p.02). Há uma distância entre o que está
prescrito para a atividade e o real da atividade. O real da atividade tende a ser mais
complexo e ir muito além do que o que foi realizado. O que não se fez, o que não se pode
fazer, o que se tentou fazer sem conseguir, o que não deveria ter sido feito, mas que foi
necessário fazer para efetivar a tarefa, o que se teria querido ou podido fazer, o que se
pensou, desejou ou o que se sonhou poder fazer, o que se fez para não fazer aquilo que
seria preciso fazer, ou o que foi feito sem o querer ou sem necessidade, também fazem
parte da atividade, pois interferem no que foi realmente realizado. Interfere, portanto, no
que foi efetivamente feito (CLOT, 2007, p.116).
Essa definição de atividade, ou mais precisamente de real da atividade nos desafia
a conhecer a atividade docente no lugar e no momento em que acontece, para, assim,

14

apontar seus aspectos singulares no âmbito das profissões e reconhecer aspectos comuns a
toda atividade docente. Utilizamos como metodologia a autoconfrontação que utiliza o
recurso da imagem (videogravação) do sujeito realizando sua atividade, como suporte de
observação, visando à confrontação entre o sujeito e a sua própria atividade, nos
permitindo visualizar a situação concreta de trabalho, considerando toda a complexidade
que a envolve (FAÏTA, 2002; VIEIRA; FAÏTA, 2003; VIEIRA, 2004).
Essa técnica integra diferentes fases: a videogravação propriamente dita da situação
a ser analisada, que é a gravação do sujeito da pesquisa no momento em que está
realizando sua atividade em sala de aula. E, posteriormente, são realizadas a
autoconfrontação simples, sessões de análise e reflexão, que serão analisadas a partir dos
fundamentos da Clínica da Atividade – técnica de análise e compreensão do trabalho
desenvolvida por Yves Clot, na França. As gravações são o momento culminante da coleta
de dados; mas também foram realizadas observações na escola e na sala de aula, entrevista
com a professora, com o objetivo de conhecer sua trajetória profissional, e análise de
documentos oficiais, que demarcam a atividade prescrita da docente.
Nessa perspectiva, são importantes tanto os aspectos do contexto real da atividade,
como também os seus aspectos subjetivos. Essa abordagem metodológica permite que o
sujeito possa se ver enquanto está realizando sua própria atividade e, a partir desse
movimento, ter a chance de refletir e transformar alguns aspectos da atividade realizada.
Através da videogravação, busca-se apreender as ações do sujeito exercendo a
atividade, o cenário e a trama que compõem a situação de trabalho. Entretanto, assim como
Clot (2007), acreditamos que a atividade vai além da tarefa realizada, passível de
prescrição para fins de análise, pois para ele os conflitos existentes, nos contextos reais,
também fazem parte da atividade de trabalho. Com o recurso da vídeogravação, as
possibilidades de apreender a atividade real e o real da atividade docente são maiores,
suscitando inúmeras questões.
A nossa atriz principal da pesquisa é uma professora1 das séries iniciais do Ensino
Fundamental da rede pública municipal de Maceió, que cotidianamente lida com os
obstáculos de toda ordem na efetivação do currículo dentro da escola. Durante quatro
meses, foram realizadas uma entrevista sobre a trajetória profissional da professora,
observações e filmagens na sala dessa professora – que voluntariamente aceitou participar

1

Usaremos o nome fictício de Clara, para a professora.

15

dessa pesquisa2 – a turma é uma 2ª série do Ensino Fundamental de uma escola da rede
pública de Maceió, localizada na periferia da cidade. Essa professora foi convidada a
responder não apenas a questões pontuais, mas discutir o que é a sua atividade, o que
realiza, os seus obstáculos, e também o que não pode fazer para tornar possível a sua
atividade.
Dessa forma, o objetivo da pesquisa não é meramente coletar dados para fins
analíticos, e sim permitir o envolvimento e o desenvolvimento da observação da própria
professora sobre sua própria atividade, colocando-a em posição de refletir e de transformar,
caso sinta necessidade e haja possibilidade. O papel atribuído à professora na pesquisa é o
de co-participante na e da produção do conhecimento acerca de sua própria atividade.
O texto está organizado em quatro capítulos, além da introdução e considerações
finais.
No capítulo intitulado A ATIVIDADE DENTRO DA PERSPECTIVA SÓCIOHISTÓRICA E DA CLÍNICA DA ATIVIDADE, abordamos algumas categorias da
Psicologia Sócio-Histórica: consciência, atividade, pensamento e linguagem. Utilizamos a
Clínica da Atividade como referencial que nos ajuda a entender a atividade docente, a
partir do que é prescrito e realizado na sala de aula, e também do que não lhe foi possível
realizar.
Já no capítulo A ATIVIDADE DOCENTE E O CURRÍCULO COMO
PRESCRIÇÃO, são tratados aspectos do currículo, de como ele é produzido e as inúmeras
reformulações que ele passa em diversos contextos, principalmente na sala de aula. As
prescrições que permeiam a atividade docente e o modo como cada professor/a redefine o
prescrito, a partir de seus valores e opções pessoais, também são aspectos discutidos nesse
capítulo.
No capítulo definido ASPECTOS METODOLÓGICOS, procuramos delinear os
caminhos percorridos nesta pesquisa, desde o início do estudo até os critérios para análise
dos dados. Em especial, apresentamos uma discussão sobre a técnica da autoconfrontação
simples que nos propomos utilizar na pesquisa.
O último capítulo, intitulado ATIVIDADE DOCENTE, CURRÍCULO E OS
CAMPOS DE INFLUÊNCIA NA SALA DE AULA, apresentamos a escola lócus da
pesquisa e a professora Clara. Em seguida, analisamos os dados recolhidos no decorrer da

2

Número do processo do Comitê de Ética desta Pesquisa: 022094/2009-65

16

pesquisa, através da videogravação da aula, dos documentos curriculares (PCN3 –
Parâmetros Curriculares Nacionais e Matriz Curricular da SEMED – Secretaria Municipal
de Educação), da autoconfrontação simples e da história de vida. Nesse capítulo, a
atividade de trabalho da professora mostra-se com mais ênfase. É o capítulo que
destinamos especificamente para a discussão dos dados coletados no campo. A fala da
professora (na história de vida e na autoconfrontação simples) e as aulas videogravadas
ganham espaço, evidenciando os conhecimentos que se constroem nessa atividade de
trabalho, bem como os valores e as emoções que circulam.

3

O PCN analisado foi o que traz o tema transversal da Pluralidade Cultural como tema.

17

2 A ATIVIDADE DENTRO DA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA E DA
CLÍNICA DA ATIVIDADE

2.1 Algumas considerações sobre a Psicologia Sócio-Histórica

Esta pesquisa tem como arcabouço teórico a Psicologia Sócio-Histórica, corrente da
Psicologia Soviética desenvolvida no início do século XX. Vigotski4 (1896-1934) é
considerado o fundador e principal representante deste enfoque, por definir a gênese e a
natureza social do homem.
A Psicologia Sócio-Histórica fundamenta-se no marxismo, no método e nos
princípios teóricos do materialismo histórico e dialético, formulado por Karl Marx (18181883) e Friederich Engels (1820-1895), principalmente no que diz respeito ao
entendimento do individuo a partir das relações sociais e a origem social da consciência
humana. Apesar da influência marxista, Vigotski diverge da teoria marxista, especialmente
no papel da linguagem, na ênfase à mediação semiótica, na dimensão simbólica e
comunicativa (MOLON, 2010).
Uma das principais contribuições dessa abordagem é a superação de uma certa
concepção de “natureza humana”, na qual o ser humano é concebido como uma essência
universal e a-histórica. A superação dessa concepção vai em direção à compreensão da
constituição do sujeito enquanto processo social e fenômeno histórico, em que os
processos psicológicos que ocorrem no processo de individuação do ser humano estão
inseridos social e historicamente numa cultura (MOLON, 1995, p.7).
Nessa corrente de pensamento, o ser humano é concebido como “ativo, social e
histórico; a sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho,
produzem sua vida material” (BOCK, 2009, p.17). Anterior à existência do ser humano,
existe um mundo material, “este mundo, porém, uma vez conhecido/transformado pela
ação do homem, deixa de ser natureza em si para se transformar em natureza subjetivada,
significada e, portanto, cognoscível” (MURTA, 2008, p.19).
Nessa perspectiva, os sujeitos são percebidos “como históricos, datados, concretos,
marcados por uma cultura como criadores de ideias e consciência que, ao produzirem e
4

Seguindo-se as publicações mais recentes em português, optamos pela escrita do nome de Vigotski com dois
“is” no corpo deste trabalho. Exceto nas citações literais e nas referências, pois respeitar-se-á a grafia usada
na publicação.

18

reproduzirem a realidade social são, ao mesmo tempo, produzidos e reproduzidos por ela”
(FREITAS, 2002, p.22).
A conduta humana não é apenas o produto da evolução biológica, graças à qual se
formou o tipo humano com todas as suas funções psicofisiológicas a ele inerentes, mas
também é produto do desenvolvimento histórico e cultural. Deve-se levar em conta, ao se
estudar o homem, a necessidade de compreendê-lo a partir da interação dialética do natural
e cultural. Portanto, os estudos que focalizam o ser humano, buscando compreendê-lo, não
podem ser examinados fora dessa relação com o social e nem de uma forma estática
(FREITAS, 2002).
Nesse processo de compreensão da gênese do ser humano, as categorias de análise
cumprem o papel de auxiliar a desvendar os fenômenos, saindo do nível das aparências
para apreender seus processos e concretude; suas relações, seu movimento (KAHHALE;
ROSA, 2009).
Compreendemos as categorias como sendo “abstrações que se constituem a partir
da realidade e que orientam a investigação de processos”, sendo essenciais e de extrema
relevância para a apreensão da singularidade e da subjetividade do ser humano
(KAHHALE; ROSA, 2009, p.26).

As categorias se apresentam então como aspectos do fenômeno,
constituídos a partir do estudo do processo, do movimento, da gênese
deste último. As categorias de análise devem dar conta de explicitar,
descrever e explicar o fenômeno estudado em sua totalidade. São
construções ideais (no plano das ideias) que representam a realidade
concreta e, como tais, carregam o movimento do fenômeno estudado,
suas contradições e sua historicidade (AGUIAR, 2009a, p.95).

Utilizaremos algumas categorias de análise tidas como centrais na perspectiva
Sócio-Histórica, para nortear nossa compreensão e análise da atividade docente
desenvolvida por Clot, as quais compreendem as ações prescritas e as efetivamente
realizadas. Destacamos as seguintes categorias: consciência, atividade, pensamento e
linguagem.
A relação entre as categorias consciência/atividade, pensamento/linguagem não
pode ser outra que não uma relação de mediação. Apesar de serem diferentes, e de um não
se confundir com o outro, um não pode ser compreendido sem o outro, pois um constitui o
outro, mantém uma relação de interdependência. É nessa perspectiva que discutiremos
estas categorias (VIGOTSKI, 2008).

19

A partir delas analisaremos a atividade docente, segundo os pressupostos da Clínica
da Atividade (CLOT, 2007).

2.1.1 Consciência e atividade

Embora as categorias consciência e atividade sejam distintas, uma é imprescindível
à outra; uma é fundamental para um entendimento mais aprofundado da outra. Juntas, elas
permitem entender a relação do homem com o mundo, e como acontece o processo de
construção do fenômeno psicológico. Segundo Aguiar (2009a, p.96), o fenômeno
psicológico é entendido “como atividade do homem de registrar a experiência e a relação
que mantém com o ambiente sociocultural”. A partir das relações e experiências vividas
pelo homem no mundo sociocultural, ele desenvolverá seu mundo psicológico, ou seja, seu
mundo de registros.

O homem está em relação com este mundo; atua interferindo no mundo
(atividade) e, ao mesmo tempo, é afetado por esta realidade, constituindo
os seus registros. O mundo psicológico, portanto, se constitui a partir da
relação do homem com o mundo objetivo, coletivo, social e cultural
(AGUIAR, 2009a, p.96).

É na relação do homem com o mundo que se constitui o psicológico, tornando
possível ao homem se tornar humano. “A humanidade necessária para que o homem se
torne humano está na cultura [...] nas relações sociais” (AGUIAR, 2009a, p.96). Ou seja, a
humanidade do homem é construída pela atividade humana, pelo trabalho5, pela
transformação do mundo, pelo próprio homem à medida que também é transformado, pois
assim estará construindo seus registros (psicológicos); “objetivando sua subjetividade e
subjetivando sua objetividade” (AGUIAR, 2009a, p.96). É através da atividade externa que
se criam as possibilidades de construção da atividade interna.
A categoria consciência, entendida como sendo “‘aquilo no homem’ que é capaz de
captar e refletir internamente o mundo externo e devolvê-lo significado”, ajuda-nos na
compreensão da complexidade do indivíduo e na constituição da sua subjetividade
(MURTA, 2008, p. 24).
5

Entendemos trabalho como sendo a transformação da natureza para produção da existência humana, algo
que só é possível em sociedade. (AGUIAR, 2009, p. 99).

20

Segundo Aguiar (2009a), a consciência é social e histórica, e tem sua origem a
partir da relação do homem com a realidade objetiva, ligado ao trabalho e à linguagem.
Nesse sentido, vale ressaltar que a realidade objetiva não depende de um homem em
particular; ela preexiste e, nessa condição, passará a fazer parte da subjetividade de um
homem em particular.
No entanto, a consciência não é determinada de forma mecânica e linear pela
realidade. Ao contrário, deve ser entendida como um sistema integrado, numa
processualidade permanente, determinada pelas condições sociais e históricas, que se
transformam em produções simbólicas e construções singulares. Logo, o plano individual
não constitui uma mera transposição do social; o movimento de apropriação envolve a
atividade do sujeito, contém a possibilidade do novo, da criação (AGUIAR, 2009a).
A consciência, como um processo, abriga o psicológico, ou melhor, o social
transformando em psicológico. Esse processo, sempre em construção, redunda em formas
de pensar, sentir e agir. Para compreender a gênese da consciência, é necessário analisar os
processos de internalização da linguagem (AGUIAR, 2009a).
Na tentativa de compreender a consciência, via processo de internalização do meio
externo, é importante considerar que essa atividade não é simplesmente cognitiva e
intelectual, uma vez que tem uma dimensão emocional.

Para Vigotski, a atividade humana não é internalizada em si, mas é
significada, como um processo social mediatizado semioticamente. A
consciência, dessa forma, se constitui a partir dos próprios signos, ou
seja, de instrumentos construídos pela cultura e pelos outros que, quando
internalizados, se tornaram instrumentos internos e subjetivos da relação
do individuo consigo mesmo (AGUIAR, 2009a, p.100-101).

Quando falamos em meio externo, estamos efetivamente nos referindo ao social.
Assim, podemos dizer que toda função psicológica superior é externa, na medida em que
foi social em algum momento, antes de se transformar em função psicológica interna. O
social constitui o sujeito, ao mesmo tempo em que é constituído por ele, ambos sendo
constituídos pela mediação do signo (VIGOTSKI, 2004). Em outras palavras,

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores processa-se pela
internalização dos sistemas de signos produzidos socialmente, o que nos
leva a concluir que as mudanças individuais têm origem na sociedade, na
cultura, mediadas pela linguagem (AGUIAR, 2009a, p.102).

21

Nesse sentido, a categoria consciência está necessariamente associada à
compreensão da atividade significada, uma vez que a consciência, como função
psicológica superior, se origina na e pela atividade. Para aprofundar o processo de
constituição da consciência, e também da atividade, que é foco maior dessa pesquisa,
procuramos focalizar, também, a questão da linguagem, que, sendo produzida social e
historicamente, é o instrumento fundamental nesse processo de constituição do sujeito.

Este processo humano no qual consciência e atividade se constituem
mutuamente (na medida em que a consciência se produz a partir da
atividade humana, a qual é necessariamente atividade consciente, dotada
de sentido e de intencionalidade), é possível pelo desenvolvimento da
linguagem como recurso mediador da atividade e do pensamento. A
linguagem articulada, simbólica e arbitrária permite ao homem substituir
o objeto ou realidade concreta pelo signo, para poder antever, planejar
suas ações e depois executá-las (KAHHALE; ROSA, 2009, p.33).

Os signos são instrumentos convencionais, de natureza social, são os meios de
contato do indivíduo com o mundo exterior e, também, consigo mesmo e com a própria
consciência (AGUIAR, 2008).
Segundo Vigotski (2008), o signo é tudo aquilo que possui um significado sobre
algo situado fora de si mesmo; é o elemento que integra as funções psíquicas superiores.
“Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o
meio básico para dominá-las e dirigi-las” (VIGOTSKI, 2008, p.70).
Para Vigotski (2008, p.150) “uma palavra sem significado é um som vazio; o
significado, portanto, é um critério da ‘palavra’, seu componente indispensável.” A palavra
constitui a chave para a compreensão da consciência e da subjetividade. O significado da
palavra é a unidade analítica, que contém as propriedades do todo, pertence formalmente a
duas esferas diferentes da vida psíquica, o pensamento e a linguagem. “O significado de
uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica
difícil dizer se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento”
(VIGOTSKI, 2008, p.150).
A seguir, abordaremos as categorias pensamento e linguagem.

22

2.1.2 Pensamento e linguagem

A relação entre as categorias pensamento e linguagem não pode ser outra que não
uma relação de mediação, assim procurando ver pensamento e linguagem como elementos
distintos e, ao mesmo tempo, interdependentes, Vigotski analisou e fez críticas a diversos
estudos realizados em sua época. Discordou principalmente das concepções psicológicas
de sua época, que viam pensamento e linguagem como entidades autônomas e
independentes entre si, e também daqueles que fundiram o pensamento com a linguagem
(VIGOTSKI, 2008, p.1).
Segundo Vigotski (2008), as raízes genéticas do pensamento e da linguagem são
diferentes e seguem cursos diferentes no seu desenvolvimento. O estudo genético do
pensamento e da linguagem revelou que a relação entre ambos passa por várias mudanças.
O progresso da linguagem não é paralelo ao processo do pensamento. As curvas de
crescimento de ambos cruzam-se muitas vezes, formando o pensamento verbal e a
linguagem racional; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo
fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente. Isso se aplica tanto à
filogenia como à ontogenia (VIGOTSKI, 2008, p.41).
Nesse sentido, “o pensamento não é apenas expresso na palavra, mas nela se
realiza”; o pensamento se realiza na fala, podendo, muitas vezes, fracassar. “O pensamento
é uma nuvem, da qual a fala se desprende em gotas” (VIGOTSKI, 2004, p.182). O
pensamento verbal engloba vários processos, dentre os quais a memória, a cognição e o
afeto; porém não se confunde com cada um destes processos.

A estrutura da fala não é um mero reflexo da estrutura do pensamento; é
por isso que não se podem vestir as palavras com o pensamento, como se
este fosse uma peça de vestuário. O pensamento passa por muitas
transformações até transformar-se em fala. Não é só expressão que
encontra na fala; encontra a sua realidade e a sua forma (VIGOTSKI,
2008, p.158).

Para que se possa compreender o pensamento verbal, entendido aqui sempre
conectado às emoções, requer que analise seu processo, que se expressa na palavra com
significado e, ao apreender o significado da palavra, entendemos o movimento do
pensamento (AGUIAR; OZELLA, 2006).

23

Assim, “[...] podemos encontrar a unidade do pensamento verbal no aspecto
intrínseco da palavra, no significado da palavra” (VIGOTSKI, 2008, p.5). Portanto, o que
faz a mediação da relação entre o pensamento e a linguagem é o significado da palavra. O
desenvolvimento da linguagem e dos significados (produzido social e historicamente)
permite uma representação da realidade no pensamento e, assim, a compreensão da
atividade no campo da consciência (AGUIAR et al, 2009b).

É no significado da palavra que pensamento e fala se unem em
pensamento verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as
respostas às nossas questões sobre a relação entre pensamento e a fala
(VIGOTSKI, 2008, p.5).

Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele
que encontramos a unidade do pensamento verbal. Do ponto de vista da Psicologia e da
Linguística, o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito.
Generalizações e conceitos são, inegavelmente, atos de pensamento, portanto podemos
considerar o significado também como um fenômeno do pensamento (VIGOTSKI, 2008).

Assim, o significado pertence formalmente a duas esferas diferentes da
vida psíquica. O significado das palavras é um fenômeno de pensamento
apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e
só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao pensamento,
sendo iluminada por ele (VIGOTSKI, 2008, p.151).
A linguagem é, portanto, instrumento fundamental no processo de “mediação da

relação dialética entre interno e externo e, [...] o que constrói a consciência é a atividade
mediada pelos significados. Vigotski [...] diz que a atividade é semioticamente mediada”
(AGUIAR et al, 2009b, p.56). Ao lado da linguagem e do pensamento, a emoção é uma
dimensão fundamental da consciência.

A transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a
outros requer um sistema mediador, cujo protótipo é a fala humana (som
e significado), oriunda da necessidade de intercâmbio durante o trabalho
(VIGOTSKI, 2008, p.7).

O pensamento, ao se realizar em palavras, passa por muitas transformações; a
transição do pensamento à palavra passa pelo processo de significação, ou seja, pelos
significados e sentidos. O sentido, segundo Vigotski, é outro elemento imprescindível para

24

avançarmos na compreensão do sujeito, pois através dele, encontraremos algo que é
próprio do sujeito, que melhor expressa sua subjetividade e sua singularidade, e que revela
a sua história e suas contradições; daquilo que representa o novo, que, mesmo quando não
colocado explícita ou intencionalmente, é expressão do sujeito (AGUIAR; OZELLA,
2006).
De modo geral, “não existe signo sem significado”; o significado é critério para o
signo, “é a faceta interna do signo”. Enquanto que “o significado é próprio do signo”, o
sentido é constituído pelo significado. (VIGOTSKI, 2004, p.175 e 182).

O significado é o caminho do pensamento para a palavra. O significado
não é a soma de todas as operações psicológicas que estão por trás da
palavra. O significado é algo mais definido: é a estrutura interna da
operação do signo. Isso é o que se encontra entre o pensamento e a
palavra (VIGOTSKI, 2004, p.179).

O sentido é produto e resultado do significado, “é o que faz parte do significado
(resultado do significado), mas não é fixado pelo signo.” (VIGOTSKI, 2004, p.186). O
sentido de uma palavra predomina sobre o seu significado; o sentido “é um todo complexo,
fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual”. A compreensão dos
sentidos passa pelos significados, o “sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos
psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência” (VIGOTSKI, 2008, p.181).

O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e
precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em
contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece
estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado
dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício
do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas
diversas na fala (VIGOTSKI, 2008, p.181).

O significado de uma palavra é convencional e dicionarizado. É através dele que
nos comunicamos e socializamos nossas experiências. Já o sentido de uma palavra pode
modificar-se de acordo com o contexto em que aparece, quanto pela pessoa que o diz;
diferentes contextos apresentam diferentes sentidos para uma palavra. “O sentido de uma
palavra é um fenômeno complexo, móvel, e variável; modifica-se de acordo com as
situações e a mente que o utiliza, sendo quase ilimitado” (VIGOTSKI, 2008, p.182).

25

Dependendo do contexto, uma palavra pode significar mais ou menos do
que significaria se considerada isoladamente: mais, porque adquire um
novo conteúdo; menos, porque o contexto limita e restringe o seu
significado (VIGOTSKI, 2008, p.182).

Desta forma, muitas vezes, a palavra e o sentido não correspondem entre si,
apresentam um grau elevado de independência, fato que não ocorre entre palavra e
significado; embora só haja signo se houver significado. Signo e significado são diferentes,
não se confundem, são constituições diferenciadas. “O significado do objeto não é o da
palavra” (VIGOTSKI, 2004, p.186).

O significado não se restringe ao objeto, nem ao signo, nem a palavra e
nem ao pensamento, mas pertence à consciência; não é ele que determina
a configuração da consciência e nem o sentido, mas a presença do
significado e do sentido impulsiona novas conexões e novas atividades da
consciência, em uma dimensão semiótica (MOLON, 2010, p.109).

A compreensão do sentido aproxima-nos da subjetividade que com mais precisão
expressa o sujeito. Entretanto, o sentido de uma palavra nunca é completo. Ele é
determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência
(VIGOTSKI, 2008).

2.2 A Clínica da Atividade: compreender para transformar

A nossa proposta é abordar a atividade docente dentro da perspectiva da Clínica da
Atividade, corrente da Psicologia do Trabalho que se desenvolveu na França a partir dos
anos de 1990, tendo como principais expoentes: Yves Clot e Daniel Faïta, sendo o primeiro
diretor do Centro de Pesquisa em Trabalho e Desenvolvimento6, e principal referência
nesta perspectiva até hoje. A Clínica da Atividade inspira-se, em grande medida, na “[...]
leitura renovada das obras de Vygotsky e de Bakhtin, obras em que a questão das relações
entre conceito e afeto é colocada de modo muito distinto” (CLOT, 2011, p.77).

Com efeito, a abordagem da atividade de trabalho aqui sustentada assume
deliberadamente a filiação à escola russa de psicologia fundada por
Vygotsky. Seu objeto é antes a atividade como tal do que o
6

Centre de Recherche en Travail et Développement (CRTD), ligado ao CNAM (Paris), onde é professor
titular de psicologia do trabalho (SILVA et al, 2011, p.188).

26

desenvolvimento das atividades do sujeito e os empecilhos a essas
atividades (CLOT, 2007, p.13).

A Clínica da Atividade caracteriza-se pela busca de instrumentos que possibilitem
compreender a situação de trabalho real, para aumentar “o poder de agir sobre o mundo e
sobre si mesmo, coletiva e individualmente” (CLOT, 2011, p. 72). A atividade de trabalho
é fonte permanente de recriação de novas formas de viver, de subjetividade. Sendo a
subjetividade constituída pela e na atividade, com interferência do coletivo que regula a
ação individual; entretanto isso não ocorre de forma mecânica (BENDSSOLLI; SOBOLL,
2011).
A Clínica da Atividade encontra-se pautada “no interior de uma psicologia
histórico-cultural que atribui um lugar central às realidades materiais e simbólicas do
mundo ‘exterior’” (CLOT, 2007, p.93).
Desta forma, a transformação e o desenvolvimento dos ofícios e dos trabalhadores
se dão durante diálogos, trocas, polêmicas e contradições, que acontecem durante a
atividade, sendo estas permeadas, ao mesmo tempo, pela dimensão da história singular do
sujeito e da história do ofício (SILVA et al, 2011).
Para Clot, “a atividade psicológica é, ao mesmo tempo, mediatizada (pela
linguagem, pelos instrumentos) e mediatizante (produz elo entre objetos, pessoas e
sujeito)” (FONSECA, 2010, p.112, grifo do autor).
O trabalho tem uma dimensão psicológica e social, sendo historicamente
constituída. Dizendo com outras palavras, “a função do trabalho tem uma ‘dupla vida’. A
vida social dessa função não explica sua vida psicológica. É a segunda que se explica – em
todos os sentidos do termo – pela primeira” (CLOT, 2007, p.9).
A análise do trabalho na Clínica da Atividade visa sempre compreender para
transformar. No entanto, não basta considerar a atividade; é preciso compreendê-la como
uma história sempre incompleta, inesperada, de possibilidades não realizadas: “As
possibilidades não realizadas constituem um campo de forças e é nesse plano que o sujeito
pode agir mais ou menos livremente” (SILVA et al, 2011, p.192). Para estender a
“definição da atividade aos movimentos da subjetividade”, é importante também “olhar o
trabalho como uma atividade dirigida” (CLOT, 2007, p.7, grifo do autor).
Para Clot, “o trabalho não é uma atividade entre outras. Exerce na vida pessoal uma
função psicológica específica que se deve chegar a definir. E isso, precisamente, em
virtude do fato de ser ele uma atividade dirigida.” (2007, p. 12, grifo do autor).

27

A atividade de trabalho [...] é triplamente dirigida e não de modo
metafórico. Na situação vivida, ela é dirigida não só pelo comportamento
do sujeito ou dirigida por meio do objeto da tarefa, mas também dirigida
aos outros. A atividade de trabalho é dirigida aos outros depois de ter sido
destinatária da atividade destes e antes de o ser de novo. Ela é sempre
resposta à atividade dos outros, eco de outras atividades. Ocorre numa
corrente de atividades de que constitui um elo. [...] o trabalho é, portanto,
ainda uma atividade dirigida [...] pelo sujeito, para o objeto e para a
atividade dos outros, com a mediação do gênero (CLOT, 2007, p.97).

Assim, a atividade profissional sempre é construída a partir do universo da
atividade dos outros. Há, portanto, um componente coletivo na atividade, que tem que “ser
sempre considerado uma coatividade, pois estará sempre endereçado a um ou vários
destinatários” (FONSECA, 2010, p.114). No entanto, isso não diz respeito à existência de
uma relação de oposição ou de anulação, “a actividade dos outros não é ‘inimiga’; a nossa
actividade é que se define, cristaliza, organiza na actividade dos outros, com a actividade
dos outros, contra a actividade dos outros, apoiando-se ou aproximando-se da actividade
dos outros” (SANTOS, 2006, p.35).

[...] a atividade do sujeito não se volta unicamente para o objeto da tarefa,
mas também para a atividade dos outros que se baseiam nessa tarefa, e
para suas outras atividades. A atividade psicológica no trabalho é aquilo
que se faz no universo dos outros para ele participar ou separar-se. É o
trabalho assumido pelo sujeito no âmbito do trabalho dos outros (CLOT,
2007, p.65, grifo do autor).

Desta forma, a atividade de trabalho vai além da realização da tarefa prescrita,
muitas vezes, existindo uma imbricada relação entre a atividade realizada pelo trabalhador
e o universo prescrito para esta atividade. A realização da atividade não se trata apenas de
fazer o que tem que ser feito, de terminar a tarefa prescrita, mas através da execução da
atividade, podemos ver quais as ações possíveis, a gama de gestos possíveis ou indevidos;
assim, podemos testar os limites do próprio ofício (CLOT, 2011).

[...] a atividade que temos sob os olhos surge cada vez mais como o que
ela é: apenas uma das atividades possíveis no conjunto das que teriam
podido ser realizadas ou poderiam vir a ser realizadas (CLOT, 2011,
p.76).

Lembrando sempre que, na noção de atividade para os outros, existe um coletivo
invisível, que forçosamente interfere na atividade realizada (FONSECA, 2010).

28

Exemplificando, no caso do trabalho dos/as professores/as, os/as alunos/as interferem
fortemente na atividade do professor/a, assim como os pais dos/as alunos/as, entre outros
agentes. Dessa forma, o/a professor/a nunca está sozinho/a, quando realiza a sua atividade;
ele/a sempre está dialogando com as situações reais e outros parceiros.

Uma Clínica da Atividade se destina ao embate desses conflitos de
destino na atividade coletiva e individual, com o propósito de preservar a
possibilidade de transformar a tarefa e a organização para aumentar o
poder de ação dos profissionais na arquitetura de conjunto de ofício
(CLOT, 2011, p.74).

Clot, para discutir a função psicológica do trabalho, se apropria de categorias já
previstas na Ergonomia do Trabalho, atividades prescritas e atividade real e acrescenta o
real da atividade (LIMA, 2007). Discutiremos a seguir essas categorias.

2.2.1 Atividade real e real da atividade

A atividade para Clot (2007) vai além da tarefa realizada, passível de descrição para
fins de análise. Para o autor, os conflitos do real também fazem parte da atividade de
trabalho.

A atividade exige a mobilização física e psíquica do trabalhador em face
de um meio em constante variação. Assim, para realizar o seu trabalho, o
sujeito faz escolhas, antecipações, improvisações e toma decisões, que
convocam a subjetividade no trabalho, o que se efetiva como realização
de desvios inventivos que permitem que a tarefa prescrita possa ser
realizada (TEIXEIRA; BARROS, 2009, p.82).

As situações de trabalho são dinâmicas e não podem ser previstas totalmente nos
procedimentos prescritos, na tarefa. É impossível prescrever a atividade em todos os seus
detalhes. A atividade real é sempre algo mais amplo do que a tarefa prescrita; a atividade
realizada ou atividade real toma dimensões maiores. Apesar da atividade efetivamente
realizada tomar o prescrito como ponto de partida e também o conter, não se limita a ele.
Nem sempre o que foi efetivamente realizado fazia parte da tarefa prescrita para a
atividade (ALVES; CUNHA, 2008).

29

Apesar de a atividade prescrita não ter sido realizada, ela não deixa de fazer parte
da atividade, pois a atividade também é aquilo que não se faz: “A atividade não é
simplesmente aquilo que se vê, não é o que se pode descrever, aquilo que se pode observar
diretamente. Portanto, a atividade não é simplesmente a atividade realizada” (CLOT,
2010a, p.226).
Nesse sentido, o conceito de atividade é ampliado, considerando que a atividade
real é sempre maior que a realizada. A Clínica da Atividade estabelece, assim, uma
definição e uma distinção entre atividade real e real da atividade. A atividade real “é o que
se pode ver, se pode observar, se pode descrever” (CLOT, 2010a, p.226); é o que se fez, o
que efetivamente foi feito, realizado. Mas seria uma parte relativamente pequena, em
relação ao que é possível realizar (CLOT, 2010a).
Já o real da atividade, segundo Clot (2007), vai além do que foi meramente
realizado. Para o autor, o que não se fez, o que não se pode fazer, o que se tentou fazer sem
conseguir, o que se teria querido ou podido fazer, o que se pensou ou o que se sonhou
poder fazer, o que se fez para não fazer aquilo que seria preciso fazer, ou o que foi feito
sem o querer ou sem necessidade, também fazem parte da atividade, pois interferem no que
foi realmente realizado, portanto no que foi efetivamente feito. Nesse sentido, entendemos
que o ser humano se manifesta frequentemente pelo que faz, mas muitas vezes e,
sobretudo, se manifesta por aquilo que não faz.

A atividade é aquilo também que não se pode fazer, aquilo que não se
faz, que gostaríamos de ter feito, é aquilo que guardamos no estômago, é
a atividade (re)engolida, impossível, as atividades suspensas, as
atividades impedidas. Não foi realizado, mas faz parte da atividade. É por
isso que podemos dizer que a atividade realizada não tem o monopólio do
real da atividade, o real da atividade é muito mais vasto que a atividade
realizada. [...] E são essas possibilidades não realizadas que estão na fonte
do desenvolvimento possível da atividade. E também, como diz
Vigotsky, a atividade realizada é a atividade que venceu entre muitas
outras atividades possíveis, a atividade que venceu é uma das
possibilidades (CLOT, 2010a, p.226).

Essa abordagem de Clot (2007), no nosso ponto de vista, amplia sobremaneira o
entendimento das ações planejadas, executadas e suas possibilidades de realização, se
consideramos o trabalho docente. Incluem todas as intenções, os desejos e os
impedimentos para que uma atividade seja realizada em sala de aula pelo/a professor/a e,
em particular, no âmbito do currículo, como fazendo parte da atividade.

30

O cansaço, por exemplo, pode ser resultado do trabalho em si, mas também dos
impedimentos presentes no trabalho, que inviabilizam as possibilidades de fazer o que se
gostaria, afetando o desempenho profissional. “Portanto, segundo Clot, o que cansa é a
atividade impedida, a atividade que retorna, a atividade impossível, a atividade não
realizada” (SANTOS, 2006, p. 36-37).
Entendemos que isso pode ser um elemento crucial para considerar quando um
trabalho torna-se prazeroso e com possibilidades de realização e crescimento pessoal, e os
trabalhos que são castradores ou um fardo para quem o realiza, um sofrimento, com
possibilidades de adoecimento.
No entanto, não podemos considerar a atividade real em segundo plano, pois é na
realização desta atividade que surgem novas possibilidades de ação. Há um risco de
desgaste potencial do trabalhador na atividade que ele, muitas vezes, não chega a realizar,
pois a configuração da atividade a partir do desenho proposto pela tarefa prescrita é que se
torna cansativa. Assim, a boa prescrição, ou seja, a boa tarefa é aquela que permite o
sujeito desenvolver-se enquanto realiza suas atividades. A prescrição, ao mesmo tempo em
que limita, constrange o/a trabalhador/a, também o autoriza, orienta sua atividade. Diante
do que foi apresentado, faz-se necessário um aprofundamento na questão da tarefa
prescrita, visto que esta faz parte da atividade realizada, mesmo quando não é realizada.

2.2.2 Atividade prescrita ou tarefa prescrita

As situações de trabalho são repletas de variabilidades que não podem ser
encerradas nos procedimentos prescritos, pois nem sempre o que deve ser feito é realizado,
existindo assim, uma distância entre o que é proposto pela atividade prescrita e o que é
realizado na atividade real. Entendemos por atividade prescrita um conjunto de condições e
exigências a partir das quais a atividade deverá ser realizada, ou seja, “tarefa é aquilo que
deve ser feito, a atividade é o que se faz” (CLOT, 2007, p.65, grifo do autor).
Dentro da atividade prescrita há duas dimensões básicas: as condições determinadas
para o desenvolvimento da atividade (o ambiente físico, a matéria-prima utilizada, as
condições socioeconômicas etc.) e as prescrições (normas, ordens, procedimentos,
resultados a serem obtidos etc.) (ALVAREZ; TELLES, 2004).

31

Assim, existem aspectos na atividade prescrita que podem ser definidos como
“variabilidades (a demanda inusitada de um cliente a uma telefonista, por exemplo) e
constrangimentos (a alta temperatura do ambiente), e as prescrições feitas ao trabalhador”
(ALVAREZ; TELLES, 2004, p.70, grifos dos autores).
Consideramos como prescrição as ordens emitidas pela hierarquia (oralmente ou
por escrito), os procedimentos definidos para a realização do trabalho (uma receita a ser
seguida, os regulamentos de uma instituição), as normas técnicas de segurança, ou outras
que devem ser seguidas, os objetivos explicitados aos sujeitos em termos de qualidade,
prazo, produtividade. Nesse sentido, a atividade prescrita envolve, além das prescrições, as
condições dadas para a realização da atividade (ALVAREZ; TELLES, 2004).
A atividade de trabalho consiste na realização da tarefa prescrita, considerando as
restrições e as vantagens dispostas pelas variabilidades. Para produzir sentido na atividade
e fazer frente às variabilidades que se apresentam, o sujeito “se engaja por inteiro, a cada
momento, com seu corpo biológico, sua inteligência, seu psiquismo, e com os respectivos
conhecimentos tomados no decorrer de sua história e nas relações com os outros”
(ALVAREZ; TELLES, 2004, p.72).

Ao se aproximar [...] do trabalho humano – em situações reais, a
ergonomia mostrou que o trabalho efetuado não corresponde jamais ao
trabalho esperado, fixado por regras, orientado por objetivos
determinados, segundo representações das condições de realização. Ao
realizar a tarefa, a pessoa se encontra diante de diversas fontes de
variabilidades: a do sistema técnico e organizacional (panes,
disfuncionamentos, dificuldades de previsão), a sua própria variabilidade
e a dos outros (fadiga, ritmicidade circadiana, efeitos da idade,
experiência), e a do(s) coletivo(s) de trabalho pertinente(s). (ALVAREZ;
TELLES, 2004, p.71).

Existe, por um lado, a prescrição, a tarefa e, por outro lado, um sistema de
obrigações partilhadas por coletivo profissional. Esta espécie de prescrição coletiva,
prescrição de origem interna refere-se, então, às obrigações que um coletivo de trabalhadores partilha num determinado espaço e tempo, assumindo um caráter histórico e
transitório. Esse coletivo de trabalho é a possibilidade que os/as trabalhadores/as têm de se
reconhecerem no que fazem. É a construção de uma história que não é apenas dos sujeitos,
mas a história de um ofício; que não pertence a um sujeito particular, mas a todos (CLOT,
2011).

32

Por fim, a atividade não é somente um atributo da pessoa. A tarefa
prescrita é redefinida pelos coletivos que formam e transformam os
gêneros sociais da atividade vinculados com as situações reais. Eles
delimitam gêneros de situação de trabalho, memória impessoal e
instrumento graças aos quais os sujeitos agem ao mesmo tempo no
mundo e entre si (CLOT, 2007, p.52, grifo do autor).

O gênero profissional corresponde ao coletivo de trabalhadores/as. Não está restrito
ao sujeito, pois remete sempre ao coletivo, ao grupo e aos registros que são compartilhados
por esse grupo, ao longo do tempo, em situações de atividade, extrapolando em muito a
prescrição original (ou tarefa).

As discordâncias criativas ou destrutivas que se manifestam na estrutura
inacabada das atividades sociais participam da formação do sistema
simbólico do trabalho, que designamos pelo conceito de gênero. Porém,
na ação, são essas tensões vitais que o sujeito transforma – quando o
consegue – em intenções mentais, as próprias intenções que ele tentará
então fazer prevalecer na tarefa que lhe é confiada, partilhar com os
outros e, eventualmente pôr a serviço de um gênero de situação a
promover (CLOT, 2007, p.68, grifo do autor).

O gênero da atividade é um sistema de instrumentos, coletivamente construído e
que se encontra no interior da atividade. Refere-se ao campo simbólico que se interpõe
entre o sujeito e a atividade, na condição de regras escritas e não escritas, utilizadas muitas
vezes pelos trabalhadores para evitar erros (CLOT, 2007).

Para Clot, também se pode definir o gênero profissional como o trabalho
da organização. Para melhor explicar este conceito o autor procede a um
novo desdobramento, passando o prescrito a dividir-se na organização do
trabalho (que corresponde à tarefa) e no trabalho da organização ou
gênero profissional (que corresponde, tal como referido anteriormente, às
obrigações partilhadas por um coletivo num meio profissional)
(SANTOS, 2006, p.37).

A atividade é sempre mediada pelo gênero, que tem regras e prescrições
construídas na tradição profissional do grupo ao qual o sujeito pertence. É o gênero que
define as fronteiras móveis daquilo que é aceitável e inaceitável no trabalho, obrigando o
sujeito a enfrentar limites e superá-los de forma inovadora, solicitando, assim, o estilo
profissional (CLOT, 2007).

33

Quando o sujeito inova, surge o estilo pessoal: a possibilidade individual de
transformar o prescrito pelo gênero social, mediante os recursos disponíveis para a
realização da atividade (CLOT, 2007).

O estilo retira ou liberta o profissional do gênero não negando este
último, não controla ele, mas graças a ele, usando seus recursos, suas
variantes, em outros termos, por meio de seu desenvolvimento,
impelindo-o a renovar-se. O conhecimento dos gêneros profissionais
mostra-se, portanto indispensável à psicologia do trabalho se esta deseja
ter uma oportunidade de compreender os estilos (CLOT, 2007, p.41).

O estilo pessoal está relacionado ao sentido da atividade para o próprio sujeito; diz
respeito à subjetividade do indivíduo, sendo essa subjetividade e o sujeito constituídos
social e historicamente, assim também é o estilo. O estilo é a maneira como o trabalhador
apropria-se do gênero, apropriando-se das regras socialmente construídas pelo grupo, para
transformá-las segundo suas particularidades próprias, e suas possibilidades para realização
da sua atividade. O estilo pessoal é um “jeito” de fazer singular e, ao mesmo tempo, social
e histórico. É ele que, de certa forma, contribui para o movimento contínuo e constante de
renovação e reconstrução do gênero que, ao ser interiorizado, colabora para a
transformação do próprio sujeito (TEIXEIRA; BARROS, 2009, p.85).
Compreender o estilo é apreender o gênero, porque um constitui o outro. Para Clot
(2007), a análise efetiva da atividade realizada permite chegar à compreensão do quanto a
mediação do gênero e do estilo pessoal constituem a atividade do sujeito, alcançando uma
apreensão mais complexa (para além do manifesto) da atividade realizada e avançando no
processo de desvelamento do real da atividade, dos impedimentos, do que não foi possível
ser realizado.
Normalmente, ao falarmos da nossa atividade enquanto profissionais, descrevemos
apenas o que realizamos. Nosso interesse não reside apenas na atividade real desenvolvida
pelo/a professor/a, mas também no real da sua atividade, ou seja, tudo aquilo que não foi
possível ser realizado, por uma série de fatores institucionais e pessoais (AGUIAR, 2007).
Dessa forma, é necessário utilizar uma ferramenta metodológica para análise da
atividade em que o trabalhador esteja vivenciando sua situação real e, também, que ele
possa falar de sua atividade. Uma das propostas, para conseguir realçar a discussão em
torno da atividade de trabalho, consiste na técnica da autoconfrontação simples: é uma
técnica centrada numa perspectiva reflexiva, isto é, propõe-se uma atividade de reflexão

34

sobre a atividade habitual de trabalho. “Trata-se de iniciar um diálogo entre profissionais,
[...] em torno de um vídeo da atividade, a fim de recuperar controvérsias sobre a atividade
em um coletivo e entre ‘conhecedores’ dela” (CLOT, 2011, p.75, grifo do autor).
Apresentaremos detalhadamente a metodologia utilizada nesta pesquisa mais adiante, no
capítulo intitulado: Percurso Metodológico.
No capítulo seguinte, procuraremos discutir a complexidade da atividade docente,
focando o currículo.

35

3 A ATIVIDADE DOCENTE E O CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO

3.1 Currículo e política curricular

Um dos elementos importantes para analisar a atividade docente é a compreensão
das normas e políticas públicas que guiam, influenciam e afetam, no âmbito escolar, a
atividade real do/a professor/a. Considerando que as orientações curriculares permeiam as
escolhas realizadas pelos/as professores/as, assim como também orientam a forma de
organização do conhecimento escolar, daremos foco ao currículo como uma das dimensões
de prescrição da atividade docente.
Dessa forma, entendemos o currículo como sendo “um artefato social e cultural”,
construído e constituído pela visão de grupos sociais que exercem o poder de influenciar as
ações educacionais. Diante disso, podemos afirmar que o currículo não é neutro, nem é tão
pouco inocente; a transmissão do conhecimento não é feita de maneira desinteressada, e
tem o objetivo de propagar uma determinada visão de mundo. “O currículo está implicado
em relações de poder [...], ele tem uma história, vinculada às formas específicas e
contingentes de organização da sociedade e da educação” (MOREIRA; SILVA, 2008, p.78).

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimento, que de
algum modo aparece nos textos e na sala de aula de uma nação. Ele é
sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo (APPLE,
2008, p.59 grifo do autor).

A atividade docente, como tarefa de educar através do desenvolvimento do
currículo, quase sempre implica uma prática de produção e vinculação dos conhecimentos
e conteúdos relacionados aos grupos culturais que exercem ou não o poder. Segundo
Santomé (2003), quando se pretende consolidar novos valores na sociedade, o sistema
educacional tem que cumprir novas funções, onde obviamente o currículo escolar tem que
ser afetado. Da mesma forma, Sacristán (2008, p.108-109), afirma que “mudar a prática
educativa supõe alterar a política sobre o currículo no que a afeta. A renovação pedagógica
tem um componente político iniludível”.

36

Com isso, Santomé (2003, p.195), afirma que a “educação no contexto das
instituições escolares nunca é inocente.” No desenvolvimento das atividades escolares
(tarefas e rotinas) são abordados determinados temas, são apresentadas apenas algumas
realidades, enquanto outras são excluídas, silenciadas; são valorizadas determinadas
atividades humanas, certos pontos de vista, enquanto outros são negados, deformados ou
ocultados; “são favorecidas atitudes, habilidades e valores enquanto outros são reprimidos
ou desalentados” (SANTOMÉ, 2003, p.195).
O currículo é, portanto, onde se desdobram as experiências de conhecimento que a
escola propicia aos/as alunos/as. A escolha de qual conhecimento, qual conteúdo, qual
disciplina devem estar presentes no currículo não é feita de forma tranquila; pelo contrário,
é um espaço de contestação, de luta, imerso em relações de poder.
Assim, segundo Goodson, é importante realizar uma

[...] análise da escolaridade aceitando, sem questionamento, a forma e o
conteúdo do currículo, aspectos que suscitaram lutas e que foram
estabelecidos num ponto histórico particular, com base em certas
prioridades sociais e políticas; isto é, tomar o currículo como um dado
significa renunciar a um vasto conjunto de entendimentos sobre aspectos
do controle e do funcionamento da escola e da sala de aula (2001, p.58).

Para Sacristán (1998, p.102), o currículo realizado no interior da sala de aula pelo/a
professor/a passa por um processo complexo de transformação e construção; ele é
“resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes ou
contraditórias”. O currículo se reduz, se distorce ou se altera em vários níveis ou fases. As
transformações podem acontecer no currículo oficial, no currículo em nível local, na
adaptação do currículo pela escola, e também nas “modificações que o professor introduz
pessoalmente, o que ele realiza, a transformação que ocorre no próprio processo de ensino
e, por último, o que realmente os alunos aprendem” (SACRISTÁN, 1998, p.104).
Segundo Lopes (2010), a política curricular se produz em diversos contextos
sociais, não apenas na esfera governamental, mas também nas escolas, nos movimentos
sociais e no entrecruzamento desses espaços. Isso faz com que o currículo seja produzido e
re-significado em diferentes contextos.

[...] as políticas curriculares são processos de negociação complexos, nos
quais “momentos” como a produção dos dispositivos legais, a produção
dos documentos curriculares e o trabalho dos professores devem ser
entendidos como associados. Os textos produzidos nesses “momentos”,

37

sejam eles registrados na forma escrita ou não, não são fechados nem têm
sentidos fixos e claros (LOPES, 2004, p.112).

Dessa forma, mesmo quando da efetivação de uma política curricular prescritiva,
os/as professores/as devem ser considerados/as atores/atrizes e as escolas espaços
privilegiados de (re) construção do projeto de formação dos/as alunos/as e de decisão
política. São os/as professores/as, dentro da escola na sala de aula, que realizam e efetivam
o currículo. Negar a importância do/a professor/a como sujeito, na construção da política
curricular, é considerar o currículo como fato, ou seja, é excluir o/a docente de qualquer
responsabilidade na “modelação do currículo”, assim como é também conceber o currículo
“como algo a ser entregue e a ser testado”, é desconsiderar a sua complexidade
(PACHECO, 2003, p.26).
Nessa perspectiva, as escolas e seus docentes são limitados a implementar
adequadamente as orientações curriculares, especialmente as oficiais; o currículo oficial
assume um enfoque, sobretudo prescritivo, sobre a prática pedagógica. A efetivação de um
currículo oficial prescritivo sugere os seguintes questionamentos: os dirigentes questionam
as escolas por não seguirem devidamente as políticas oficiais; os educadores criticam o
governo por produzir políticas que as escolas não conseguem implantar. Nos dois casos,
parece que a prática é entendida como o espaço de implantação das propostas oficiais,
sendo que as políticas curriculares são interpretadas como produções do poder central
(LOPES, 2004).
No entanto, o fato de se ter um currículo oficial, não significa que ele será utilizado
nas escolas da mesma forma como foi apresentado. Segundo Sacristán (2008, p.123), “As
orientações ou exigências curriculares contidas no formato de currículo que a
administração prescreve, não podem orientar ou prescrever de forma direta a prática de
professores e de alunos nas aulas, senão por via indireta”. Mesmo que os/as professores/as
afirmem que os documentos oficiais são instrumento de partida junto a outros para realizar
seu planejamento.

Os professores, quando preparam sua prática, quando realizam seus
planos ou programações têm dois referencias imediatos: os meios que o
currículo lhe apresenta com algum grau de elaboração, para que seja
levado à prática, e as condições imediatas de seu contexto (SACRISTÁN,
2008, p.122).

38

Os documentos oficiais trazem orientações, diretrizes que podem ser modificadas
na prática e no currículo das escolas. Apesar de serem apresentados como apenas
sugestões, o governo vem exercendo um certo controle para que o currículo oficial (PCN)
seja efetivado. Mesmo com a flexibilização sendo afirmada em vários documentos oficiais,
como na LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), temos também, por
outro lado, mecanismos de controle, principalmente a avaliação (Prova Brasil para o
Ensino Fundamental e o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – para o Ensino
Médio) definindo um determinado caminho para a prática curricular (LOPES, 2002).

As políticas curriculares não se resumem apenas aos documentos escritos,
mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos
em múltiplos espaços e por múltiplos sujeitos no corpo social da
educação. São produções para além das instâncias governamentais. Isso
não significa, contudo, desconsiderar o poder privilegiado que a esfera de
governo possui na produção de sentidos nas políticas, mas considerar que
as práticas e propostas desenvolvidas nas escolas também são produtoras
de sentidos para as políticas curriculares (LOPES, 2004, p.111-112).

Desse modo, qualquer análise que se pretende fazer na direção da política curricular
precisa ser levada em conta a intenção de controle do Estado, não podendo, no entanto, se
limitar apenas a isso. Pois, como aponta Moreira (2010, p.89), “as políticas são conjuntos
de tecnologias e práticas que se desenrolam, em meio a lutas, em cenários locais”; assim,
não faz sentido ficar restrito apenas às deliberações oficiais. Já que “política é tanto texto
como ação, tanto palavras como feitos, tanto o que é intencionado como o que é realizado”.
Entender as políticas apenas no que está escrito é compreendê-las de modo incompleto. É
necessário relacioná-las à “profusão selvagem da prática local. As políticas são cruas e
simples; já as práticas são sofisticadas, contingentes, complexas e instáveis” (MOREIRA,
2010, p.89).
Assim, toda política curricular, segundo Lopes (2004, p.111), é uma política de
constituição do conhecimento escolar. Sendo esse um “conhecimento construído
simultaneamente para a escola (em ações externas à escola) e pela escola (em suas práticas
institucionais cotidianas)”. Dessa forma, a autora considera toda política curricular como
sendo uma política cultural, “pois o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um
campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de
conhecimento, formas de entender e construir o mundo” (LOPES, 2004, p.111).

39

Toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares
e como também as constitui, não é possível de forma absoluta separá-las
e desconsiderar suas inter-relações. Trata-se de um processo de seleção e
de produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores,
de símbolos e significados, portanto, de culturas capazes de instituir
formas de organizar o que é selecionado, tornando-o apto a ser ensinado
(LOPES, 2004, p.111).

Segundo Ball (2001), as políticas são estruturadas em três contextos, cada um deles
situa-se em diversas arenas de ação, públicas e privadas. Sendo que esses contextos
situam-se em um ciclo contínuo de políticas. Eles podem ser assim, definidos: a) contexto
de influência é onde começa a surgir as primeiras definições políticas e os discursos
políticos são construídos; nesse espaço, acontecem também disputas de poder, pela
definição das finalidades sociais da educação. Esse contexto recebe influência das redes
sociais dentro e em torno dos partidos políticos, do governo, do processo legislativo, das
agências multilaterais, dos governos de outros países cujas políticas são referência para o
país em questão; b) contexto de produção dos textos, onde as políticas são definidas e
incorporadas como discurso oficial, o poder central propriamente dito, tendo esse uma
associação estreita com o primeiro contexto; e c) contexto da prática, onde as definições
curriculares são recriadas e reinterpretadas, no caso das políticas curriculares, o espaço
onde são realizadas é a escola, a sala de aula, através da atividade docente.
Nessa perspectiva, podemos entender que as propostas expressas nos documentos
oficiais, em certa medida, são influenciadas pela prática pedagógica, assim como a prática
pedagógica desenvolvida no cotidiano das escolas está carregada de marcas do discurso
oficial; está inscrita em uma política oficial (LOPES, 2004).
No entanto, vale salientar que, ao passar de um contexto para outro, as políticas
ficam sujeitas a deslizamentos interpretativos e passa por processos de contestação. Com
isso “as políticas estão sempre em processo de vir a ser, sendo múltiplas as leituras
possíveis de serem realizadas por múltiplos leitores, em um constante processo de
interpretação das interpretações” (LOPES, 2004, p.112).
Na mesma direção, Goodson (2008a) aponta que o processo de mudança, no âmbito
educacional, passa por diferentes segmentos: o interno, o externo e o pessoal. Os agentes
de mudança interna atuam no ambiente escolar para daí começar a iniciar e promover a
transformação em um arcabouço externo de apoio e patrocínio; a mudança externa
acontece de cima para baixo. É uma mudança administrativa, como é o caso da introdução
de diretrizes para o Currículo Nacional ou os sistemas estatais de avaliação; a mudança

40

pessoal diz respeito às crenças e missões pessoais que os indivíduos trazem para o processo
de mudança.
As escolas e os/as docentes têm diferentes histórias, concepções pedagógicas e
formas de organização, que produzem diferentes experiências e habilidades em responder,
favoravelmente ou não, às mudanças curriculares governamentais. Desta forma, as normas
institucionais e disciplinares condicionam as políticas curriculares no contexto da prática
(LOPES, 2004).
Sendo assim, para compreendermos como os/as professores/as realizam e percebem
as políticas curriculares nas escolas é imprescindível ampliar a visão para o que ocorre nas
salas de aula: “O currículo toma forma e transforma sua natureza no cotidiano da escola e
nas interações da sala de aula” (CARVALHO, 2005, p.62).
Diante disso, não é possível controlar totalmente, por mais que os autores das
políticas tentem, todos os sentidos que serão lidos, ainda que eles tentem sempre limitar
essas possíveis leituras. Uma das formas de controlar e restringir os sentidos possíveis de
serem lidos nas políticas curriculares está nos dispositivos legais, sistemas de
financiamento e sistemas de avaliação. Esses dispositivos também sustentam a ideia de que
é possível controlar a atividade docente e dos/as alunos/as, de maneira a garantir
supostamente uma eficiência educacional, a partir do controle de metas e de resultados
(LOPES, 2004).

Dentre as múltiplas influências sobre os textos, apenas algumas
influências são reconhecidas como legítimas. [...] apenas algumas vozes
são ouvidas, enquanto outras são silenciadas. Os sentidos, porém, são
produtos tanto do que se ouve quanto do que é silenciado (LOPES, 2004,
p.114).

A circulação dos textos, no âmbito da educação, é feita de forma fragmentada,
sejam eles oficiais ou não oficiais. Alguns fragmentos são mais valorizados em detrimento
de outros e esses são associados a outros fragmentos de textos capazes de ressignificá-los e
refocalizá-los (LOPES, 2004).

41

3.1.1 Currículo prescrito e realizado

Como já dissemos, o currículo é produzido, negociado e reproduzido, “é fabricado
numa diversidade de áreas e níveis” (GOODSON, 2001, p.52). Nessa variedade que pode
constituir o currículo, optamos por fazer uma distinção entre o currículo prescrito e o
currículo real. Ou, nas palavras de Goodson (2001, p.52), “entre o currículo escrito e o
currículo como actividade de sala de aula”.
Dessa forma, Goodson (2001) alerta sobre o perigo de estudar apenas o currículo
escrito. Para o autor, “a melhor forma de ler inadequadamente ou de compreender mal um
currículo é considerá-lo como um catálogo. É algo com pouca vida, desincorporado,
desligado e, por vezes, intencionalmente enganador” (GOODSON, 2001, p.52). Entretanto,
isso não significa considerar que “o currículo escrito é irrelevante para a prática, num
sentido real” (GOODSON, 2001, p.52). No mesmo sentido, “é politicamente ingênuo e
conceitualmente inadequado afirmar que ‘o importante é a prática em sala de aula’ (da
mesma forma que é uma ignorância querer excluir a política da educação)” (GOODSON,
2008b, p.20-21, grifos do autor).
Segundo Sacristán (1998), por mais que um político ou administrador acredite
poder mudar a prática pedagógica, modificando o currículo que ele prescreve, desde as
disposições legislativas ou regulações administrativas, esquece, por exemplo, que não são
suas disposições as que incidem diretamente na prática.

Obviamente, os professores, quando programam e executam a prática,
não costumam partir das disposições da administração. As orientações ou
prescrições administrativas costumam ter escasso valor para articular a
prática dos docentes, para planejar atividades de ensino ou para dar
conteúdo definido a objetivos pedagógicos, que por muito específicos que
sejam e por mais concreta definição que tenham, não podem transmitir ao
professor o que é preciso fazer com os alunos, o que lhes ensinar. [...] Os
professores, quando prevêem sua prática, através dos planejamentos que
realizam, consideram que sua experiência anterior e os livros-texto tem
tanta utilidade quanto considerar os documentos curriculares oficiais. É
um exemplo de que, se entendemos por currículo as suas prescrições
administrativas, estaremos falando de uma realidade que não coincide
com o currículo com o qual os professores e os alunos trabalham
(SACRISTÁN, 1998, p.103-104).

Diante disso, entendemos o currículo como sendo aquilo que está prescrito nos
documentos oficiais, e também como o que realmente é realizado na sala de aula e fora

42

dela, no ambiente da escola; e ainda, aquilo que, mesmo não sendo realizado, ficando de
forma silenciada, não visível, modela o comportamento e o pensamento de professores/as e
alunos/as (CARVALHO, 2005).
O currículo prescrito desenvolveu-se, a partir da crença de que imparcialmente
podemos definir os conteúdos para o desenvolvimento do estudo, e então, ensinar-nos
vários níveis de ensino as sequências de uma forma sistemática (GOODSON, 2007b).

O currículo prescrito para o sistema educativo e para os professores, mais
evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus
conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam,
que obedecem às determinações que procedem do fato de ser um objeto
regulado por instâncias políticas e administrativas (SACRISTÁN, 2008,
p.109).

As intervenções realizadas, no campo político sobre o currículo, ao estabelecer
concretamente os PCN para toda a educação básica, cumprem diferentes funções que é
preciso esclarecer, para dar a esta fase de decisões seu justo valor e analisar as
consequências de expressar as prescrições dessa forma (SACRISTÁN, 2008).
A elaboração de um currículo oficial para um sistema educativo pressupõe um
projeto de cultura comum para a sociedade, na medida em que afeta a escolaridade
obrigatória, pela qual passa grande parte da população. “O currículo comum contido nas
prescrições da política curricular supõe a definição das aprendizagens exigidas a todos os
estudantes e, portanto, é homogêneo para todas as escolas” (SACRISTÁN, 2008, p.111).
As prescrições estabelecidas nos documentos oficiais ficam muito centradas na
organização curricular e pouco centradas na discussão sobre a seleção de conteúdos. Isso
significa que o conteúdo em si não precisa ser discutido, e que deve ser trabalhado da
mesma maneira que sempre foi, pois o que precisa efetivamente ser mudado é o método, é
a forma de organização; o conteúdo acaba sendo naturalizado, e por isso não é discutido ou
questionado; é concebido como se ele fosse obrigatoriamente neutro (LOPES, 2002).
As prescrições curriculares costumam se referir a conteúdos e orientações
pedagógicas que, dificilmente, costumam ser reguladoras da prática pedagógica dos/as
professores/as de uma forma direta. Mesmo sendo um currículo oficial, os PCN não são
obrigatórios; por serem parâmetros, eles precisam ser ressignificados nas salas de aula,
muitas vezes em direção oposta em relação àquilo que está sendo proposto. Entretanto, isso
não significa que os PCN nas escolas serão abandonados numa gaveta e esquecidos. Pelo

43

contrário, apesar de não serem obrigatórios, eles estão em um contexto muito mais amplo
de reforma educacional. De forma que, atrelado aos parâmetros, temos as avaliações
governamentais e a confecção dos livros didáticos. (LOPES, 2002).
Portanto, a possibilidade de abandonar toda e qualquer orientação dos parâmetros
na sala de aula é quase nula, pois é impossível “pensar na força de um cotidiano escolar
que se constrói a despeito das orientações oficiais”, além do que as avaliações propostas
pelo Estado estão atreladas a essas diretrizes (LOPES, 2002, p.387). Dessa forma, uma
maneira de não se submeter totalmente aos documentos oficiais é questionar, debater, ver
formas diferentes de trabalhar, negar o discurso colocado, não entendê-lo como discurso
único.

3.2 A complexidade da atividade docente

O nosso interesse na atividade docente não é apenas pelo que os/as professores/as
deveriam ou não fazer, como trazem as visões normativas e moralizantes da docência. O
nosso interesse reside sobre o que eles/as realmente são e fazem. Segundo Tardif e Lessard
(2008), essas visões normativas e moralizantes da atividade docente têm suas raízes
históricas no ethos religioso. Historicamente, a docência se constituiu como um trabalho
orientado por uma ética do dever com forte conteúdo religioso, fundamentado na
obediência cega e mecânica a normas instituídas pelas autoridades escolares e, muitas
vezes, religiosas. Nesse sentido, os autores apontam que, durante muito tempo, ensinar foi
sinônimo de obedecer e fazer obedecer.

[...] o ensino foi, durante muito tempo, apresentado como uma vocação,
um apostolado, um sacerdócio leigo; seu exercício se baseava então antes
de tudo, nas qualidades morais que o bom mestre tinha de possuir e exibir
a todos aqueles que controlavam, de uma maneira ou de outra, o seu
trabalho com os jovens (LASSARD; TARDIF, 2009, p. 255).

A visão do ethos religioso foi criticada, mas nunca desapareceu por completo. Ao
contrário, ressurgiu em novos contornos na modernidade. A partir do século XVIII, a
educação ganhou status, e foi reconhecida como um instrumento de emancipação coletiva,
ao/à professor/a foi atribuído/a uma missão quase evangélica, mas de fundo profano e
laico: instruir o povo, ou seja, formar cidadãos esclarecidos (TARDIF; LESSARD, 2008).

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Nos séculos XIX e XX houve uma retomada desse discurso pelo poder público, que
investiu massivamente na educação, tratando os/as professores/as como uma categoria do
Estado destinada a prestar serviços à nação. No entanto, nesse período, não bastava apenas
obedecer às normas, mas tratava-se de compreendê-las e interiorizá-las como cidadãos
responsáveis pelo futuro do país, da nação (TARDIF; LESSARD, 2008). Segundo Tardif e
Lessard (2008), “desde então, os professores são considerados agentes sociais investidos
de uma multidão de missões, variáveis segundo as ideologias e os contextos políticos e
econômicos vigentes” (p. 36).
Diante disso, a natureza do trabalho docente é alterada, tendo o pragmatismo e o
utilitarismo como características presentes na cultura escolar, no currículo e no ensino
(VIEIRA, 2010). Nas últimas décadas, as políticas oficiais estabelecidas para o currículo e,
consequentemente, para os/as docentes que as concretizam têm um caráter altamente
prescritivo, e as avaliações que estão articuladas a essas políticas vêm desempenhando um
mecanismo de controle sobre a atividade docente (ARROYO, 2011). Segundo Vieira
(2010), “trata-se de um controle interpelador que atinge o professorando, ferindo sua
autonomia e sua capacidade de concepção, afetando também sua integridade física e
emocional, com efeitos, inclusive, sobre a identidade do professorado (p.2).”
Os/as docentes das escolas de Ensino Fundamental dos anos iniciais do Brasil vêm
sofrendo muitas críticas desfavoráveis quanto a seu desempenho profissional,
especialmente desde a última década do século XX. A imagem atribuída aos/as
professores/as pelo poder público é de passividade, negligência e incompetência técnica.
Essa imagem construída pelo Estado, muitas vezes reforçada pela mídia, não leva em
consideração as condições precárias de trabalho, que estão dadas na maioria das escolas,
principalmente na escola pública. Associado a isso, estão os baixos salários, que força o/a
professor/a a enfrentar uma dupla ou tripla jornada de trabalho (LELIS, 2009).
Apesar das precárias condições de realização de trabalho, os/as professores/as,
segundo Nóvoa (2003, p.18), recorrem frequentemente a dois argumentos em defesa do
seu reconhecimento profissional e de status: “o caráter especializado da sua acção
educativa e a realização de um trabalho da mais alta relevância social”.
Segundo Sacristán (2003), a profissão docente não possui uma posição social
elevada, ainda que frequentemente sejam feitas declarações sobre a importante missão que
esse coletivo profissional tem.

45

Os professores possuem, como coletivo social, um certo status, que varia
segundo as sociedades e os contextos, diferenciando-se em função do
nível de escolaridade em que exercem. Os factores que configuram o
status do grupo profissional, nos diversos contextos sociais, são
complexos e variados (SACRISTÁN, 2003, p.66, grifos do autor).

As transformações no estilo de vida dos/as docentes acabaram atingindo sua
subjetividade e a sociabilidade. Contudo, a imagem pública dos/as professores/as aparece
como problemática, se considerarmos que, ao lado da representação de pessoas pouco
competentes ou qualificadas para o exercício da profissão, atualmente a sociedade ainda
tem a imagem do professor/a fundada na retórica da missão, do sacerdócio e da vocação,
fato que impregna fortemente a história desse coletivo de trabalho (LELIS, 2009).
A nossa sociedade aplica sobre os/as docentes o velho discurso da abnegação e do
valor espiritual e formativo, projetando sobre eles/as um excesso de esperanças e de
missões, que não são capazes de realizar por si mesmos (NÓVOA, 2009). Com isso, o/a
professor/a vive o sentimento da insatisfação em sua atividade, pois passa a existir o
conflito da imagem idealizada da atividade que gostaria de realizar (ou deveria realizar) e
as dificuldades encontradas na atividade real.
Nesse encontro do prescrito com o real a atividade é reinventada, através da
mediação do gênero que resulta em estilos individuais. Como já dissemos, a atividade
docente não é um trabalho totalmente sujeito às prescrições; a reelaboração docente da
atividade exige mexer em seus valores, emoções, crenças, autoimagens da cultura
profissional e em sua história de vida.
Na reinvenção da atividade o/a professor/a também tem que lidar com a
subjetividade do/a aluno/a, ou seja, sua origem socioeconômica, capital cultural, sexo,
identidade linguística, religiosa, étnica, etc. O/a professor/a, ao realizar sua atividade, não
apenas se relaciona com os saberes para formação do/a aluno/a, mas se relaciona com o/a
próprio/a aluno/a com todo o seu ser, com tudo que é.
Exercer a atividade docente tem como objetivo a formação humana. Na efetivação
dessa atividade, o/a professor/a é chamado a lidar com inúmeras relações, que se
concretizam na interação, constante e concomitantemente, dos saberes, dos colegas, das
leis, da comunidade escolar, dos/as alunos/as e da família de seus/as alunos/as
(PASCHOALINO, 2009).
Dessa forma, a atividade docente não pode ser explicada levando em consideração
apenas ela mesma. É preciso situá-la no contexto da significação social, mas

46

compreendendo que o sujeito “não é de modo algum um sistema subjugado, cujos
parâmetros possam ser regrados a partir de fora, mas nem por isso é senhor de suas
intenções” (CLOT, 2007, p. 102).
Nesse sentido, consideramos complexa a formação profissional para o exercício
de um ofício como a docência, principalmente, pelo fato de estar voltado para formação
humana. Sua atuação implica, além do domínio dos saberes que devem ser transmitidos,
o domínio cognitivo de situações dinâmicas, gerenciamento de pessoas, autonomia e
responsabilidade nas decisões, adaptabilidade e adequação sem erros a um contexto
específico (TARDIF, 2002). Segundo Tardif (2002), os saberes que os docentes recorrem
na efetivação da atividade, bem como a relação do/a professor/a com esses saberes são
oriundos da formação profissional, construídos nas disciplinas, nos currículos e nas
experiências. O autor define ainda o saber docente como um saber plural, que possui uma
dimensão intersubjetiva construída por critérios de racionalidade.

3.2.1 Atividade docente e subjetividade: emoções, valores e afetos

Historicamente, o/a professor/a se constituiu como um/a profissional que carrega o
estigma da doação e que se deixa sucumbir para cuidar do crescimento dos/as alunos/as. A
atividade docente está inserida numa dinâmica em que a pressão no trabalho é constante,
convivendo com as incertezas sobre o seu desempenho profissional, principalmente no que
diz respeito ao seu papel mais relevante que é a aprendizagem do/a seu/sua aluno/a. Assim,
o/a professor/a, muitas vezes, se vê em meio a cobranças e se culpando por não conseguir
os resultados que almejava alcançar (PASCHOALINO, 2009).
A identidade dos/as docentes é forjada em processos de socialização familiar,
escolar e profissionais bastante complexos. (LELIS, 2009, p.56). A história dos/as docente
é construída a partir de um conjunto de histórias que se interpenetram: a história da
educação e da profissão; a história das conquistas dos/as docentes em relação ao Estado; a
história da escola e do saber que nela circula; e a história dos/as professores/as que “agem,
pensam, sentem, vivem, e isso no interior e no exterior do trabalho, na totalidade dos seus
espaços, dos seus tempos e das suas relações sociais” (ARROYO, 2008, p.199).

47

A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um
produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e de estar na profissão. [...] A construção
de identidades passa sempre por um processo complexo, graças ao qual
cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional
(NÓVOA, 2007, p.16).

As formas como os sujeitos realizam sua atividade é subjetiva, particular; assim,
não dá para definir uma identidade profissional única (LELIS, 2009). A atividade docente
não é realizada deixando de fora as condições psicológicas e culturais do/a professor/a.
“Educar e ensinar é, sobretudo, permitir um contacto com a cultura, [...] trata-se de um
processo em que a própria experiência cultural do professor é determinante”
(SACRISTÁN, 2003, p.67).
A sala de aula não é o único lugar onde a educação escolar ocorre, mas certamente
é o lugar que concentra a maior parte da atividade docente, relacionada diretamente com
os/as alunos/as. É nesse espaço que o currículo se transforma. É nesse espaço que se
realizam os processos de aprendizagem e ensino como uma prática social, “não só porque
se concretiza na interação entre professores e alunos, mas também porque estes actores
reflectem a cultura e contextos sociais a que pertencem”. O/a professor/a intervém,
pedagogicamente, pela influência do que pensa e como age nas diversas facetas da sua vida
(SACRISTÁN, 2003, p.66).
A maneira como cada professor/a ensina está diretamente ligada àquilo que é como
pessoa; as opções que cada professor/a tem que fazer ao ensinar se cruza com a sua
maneira de ser. É praticamente impossível separar o eu profissional do eu pessoal
(NÓVOA, 2007).

As experiências de vida e o ambiente sociocultural são obviamente
ingredientes-chave da pessoa que somos, do nosso sentido do eu. De
acordo com o ‘quanto’ investimos o nosso ‘eu’ no nosso ensino, na nossa
experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa
prática (GOODSON, 2007a, p.71-72, grifo do autor).

O que o/a professor/a realiza em sala de aula é uma “mistura de vontades, de
gostos, de experiências, de acasos” que se consolidam em “gestos, rotinas,
comportamentos com os quais nos identificamos como professores/as. Cada um tem o seu
modo próprio de organizar aulas, de se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de
utilizar os meios pedagógicos” (NÓVOA, 2007, p.16).

48

A atividade docente é uma atividade complexa que depende de decisões
individuais; mas, ao mesmo tempo, é regida por normas coletivas do seu grupo profissional
e por regulações organizacionais. Dessa forma, ser professor/a implica sempre a adesão a
princípios e a valores, a adoção de projetos, assim, na escolha da melhor maneira de agir,
se joga decisões do foro profissional e pessoal (NÓVOA, 2007).

Ser professor é como estar entre emoções, valores e afetos. Não nos
relacionamos apenas com o conteúdo para a formação do outro, mas
como professor nos relacionamos com outro com todo o ser que somos
(PASCHOALINO, 2009, p.39).

Ensinar é uma das atividades profissionais mais complexas. No entanto, se encontra
atrelada à visão de que o ensino é uma atividade relativamente “simples”, que se exerce
“naturalmente” e por qualquer pessoa que assim o deseje. Entretanto, sendo o objeto da
atividade docente constituído de seres humanos, seres complexos e inseridos em realidades
singulares e complexas, não teria como essa atividade ser simples. E mais, “ao contrário de
outros profissionais, o trabalho do docente depende da ‘colaboração’ do aluno, [...] o
sucesso do docente depende da cooperação ativa do aluno” (NÓVOA, 2009, p.229).
A atividade docente é, também, uma profissão sujeita ao envolvimento afetivo
especialmente quando os/as alunos/as ainda são crianças. A docência tende a se
caracterizar por esse envolvimento emocional, e a sala de aula é um espaço de forte apelo
emocional, pois na relação com o outro é quase impossível não existir sentimentos. Assim,
segundo Nóvoa (2009),

A atividade docente se caracteriza também por uma grande complexidade
do ponto de vista emocional. Os docentes vivem num espaço carregado
de afetos, de sentimentos e de conflitos. Quantos prefeririam não
participar disso? Mas eles sabem que um tal distanciamento seria a
negação do seu próprio trabalho. [...] Os docentes devem ser formados,
não só para uma relação pedagógica com os alunos, mas também para
uma relação social com as “comunidades locais” (p.229).

Nessa perspectiva, compreendemos a docência como um trabalho em que o/a
professor/a, ao agir, afeta o/a aluno/a, assim como também é afetado por ele/a, não apenas
do ponto de vista cognitivo, mas também emocional e na constituição de seus valores. E ao
mesmo tempo também sofre a influência do agir do intramuros da escola e da sociedade
(TARDIF; LESSARD, 2008).

49

A transformação do sistema de ensino de elite para um sistema de ensino de massas
acarretou em um aumento quantitativo de professores/as e alunos/as, como também o
aparecimento de novos problemas qualitativos. Ensinar nos dias atuais é diferente do que
era há vinte anos, principalmente pela heterogeneidade presente nas salas de aula, sejam:
econômicas, étnicas, culturais, de gênero, de crenças ou religiosas (ESTEVE, 2003).
Desse modo, cotidianamente os professores/as vêm sendo desafiados a lidar com as
diferenças, com a violência, com as inúmeras carências, suas e as de seus alunos/as, ainda
que não conscientemente. Isso tem deixado marcas de desgaste e adoecimento, no
profissional que se forma e se forja na atividade de trabalho (PASCHOALINO, 2009).
Muitas são as expectativas em torno do trabalho do/a professor/a, sempre atreladas
às demandas da sociedade, às necessidades sociais a que o sistema educativo deve dar
resposta.

A educação é objecto de um amplo debate social, graças ao qual se
constroem crenças e aspirações que formulam diferentes exigências em
relação ao comportamento dos professores. Esta diversidade nota-se
muito claramente em momentos de conflito, nomeadamente entre as
expectativas familiares e a acção dos professores (SACRISTÁN, 2003,
p.67).

Ser professor é realizar uma atividade complexa, é estar inserido em um trabalho
denso que tem um efeito pessoal, mas também é se inserir na história e no percurso da
profissão.

3.2.2 Atividade docente e as normas prescritas

A atividade docente vive num processo contínuo e contraditório, de realização do
que está prescrito, do que é exigido, e de renovação, criação do trabalhador/a a partir da
prescrição. No movimento de recriação, renovação da prescrição, a experiência de vida de
cada professor/a é um ingrediente importante, que aparece no contexto da sala de aula, seja
na seleção dos conteúdos ou na maneira de abordá-los, por exemplo.
Nas palavras de Goodson (2007a, p.70), quando os/as professores/as falam “sobre
problemas de desenvolvimento curricular, matérias de ensino, gestão escolar e organização
geral das escolas [...]”, trazem consigo, constantemente, dados sobre as suas vidas; logo é

50

possível afirmar ainda que estão falando sobre o gênero da atividade docente. O autor
aponta ainda para o fato de que há incidentes nas vidas dos/as professores/as que podem
afetar a sua atividade de trabalho.
Dessa forma, entendemos por prescrição, “o que é exigido, posto como ponto de
referência para o trabalhador na execução do seu trabalho, ditames estabelecidos por
outros” (PASCHOALINO, 2009, p.26).
Ser professor/a significa inserir-se em normas, em um arcabouço de inúmeras
prescrições. No entanto, a atividade do/a professor/a não está resumida a executar as
prescrições, ao contrário. Na atividade realizada em sala de aula, constantemente, o/a
professor/a vê a necessidade de reformular a prescrição para adequar às necessidades reais
dos/as alunos/as. É na reformulação da prescrição que a subjetividade fica mais evidente,
pois, ao refazer o prescrito, o/a professor/a cria uma maneira singular de realizar a
atividade, ou seja, dá o seu estilo à atividade.
Para entender a atividade docente, é preciso compreender as relações humanas que
acontecem num ambiente sócio-histórico e as normas de trabalho; sendo a vida demarcada
por normas, que ordenam e antecedem a atividade de trabalho, tentando regular sua ação
numa execução precisa.
O estilo criado por cada professor/a, a partir da prescrição, não significa
necessariamente uma mudança de postura para melhor. Pelo contrário, pode ocasionar
perdas, prejuízo ao/à próprio/a professor/a. “O trabalhador recria, faz microescolhas para
gerir sua própria ação, não necessariamente mais libertadoras e mais emancipatórias”
(PASCHOALINO, 2009, p.29).
O estilo que cada professor/a dá a sua atividade é o que permite as transgressões e
as recriações sucessivas do gênero profissional. Nesse sentido, vale lembrar que os/as
professores/as pertencem a um gênero do trabalho, mas que cada professor/a tem seu estilo
de realizar a atividade, sem haver separação.
A atividade docente, historicamente, se desenvolveu configurando várias imagens
que se transformaram “no gênero do seu trabalho: o ideal de missão, de sacrifício, de
sacerdócio, de trabalhadores, de explorados pelo mercado, de sofredores, da profissão do
impossível, de culpa, do estresse e do adoecimento” (PASCHOALINO, 2009, p.30).
A atividade docente está permeada por valores que norteiam a recriação e a
transgressão no trabalho e na própria vida. O/a professor/a trabalha inserido numa trama de
prescrições e de valores, que possibilitam a ressignificação da tarefa prescrita. “Nessa

51

perspectiva, a docência estabelece complexas relações com as situações de trabalho
prescritas” (PASCHOALINO, 2009, p.29).
O contexto no qual se desenvolve a atividade do/a professor/a é bastante complexo;
“é um trabalho cujo objeto não é constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de
relações humanas com pessoas capazes de iniciativa e dotadas de uma certa capacidade de
resistir ou de participar da ação dos professores” (TARDIF; LESSARD, 2008, p.35).
Portanto, a docência é uma atividade que envolve interação, constante e
concomitantemente, com o conteúdo, com outros/as professores/as, com a gestão, com as
leis, com a comunidade escolar, com seus/suas alunos/as e a família dos seus/suas
alunos/as. Isso faz da atividade docente um trabalho que tem suas próprias singularidades.
É na tentativa de compreender a atividade docente mesmo naquilo que não pode ser
visto, que não pode ser realizado que demos voz à professora, pois acreditamos que ela é a
melhor pessoa para falar de si. Entretanto, consideramos que ela não detém a única
responsabilidade pelo que realiza na sala de aula, pois, dentro do que é realizado, estão
presentes a influência das prescrições (políticas, currículo, normas institucionais), os
desejos dos alunos/as e as demandas sociais

52

4 PERCURSO METODOLÓGICO

O principal objetivo desta pesquisa consiste em compreender a atividade real e o
real da atividade docente, dando enfoque às prescrições que estão presentes nessa
atividade, principalmente na organização do currículo. Dessa forma, o percurso
metodológico que se apresenta com o formato mais indicado é o da pesquisa qualitativa.
Segundo Alves-Mazzoti e Gewandsnajder (2002), a pesquisa qualitativa responde a
questões muito particulares, e leva em consideração o fato de as pessoas agirem “em
função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores, e que seu comportamento tem
sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando
ser desvelado” (p.131).
Essa característica vai ao encontro do nosso propósito de compreender a atividade
docente através das situações reais vivenciadas pela professora no dia-a-dia da escola,
levando em consideração os aspectos subjetivos, de modo que o papel atribuído à
professora seja o de produzir reflexões e conhecimentos acerca de sua própria atividade.
Desse modo, acreditamos que realizar uma análise situada da atividade docente
requer que a coleta de dados aconteça no local e no momento em que a atividade de
trabalho da professora se desenvolve. Conforme afirma Alves, “é preciso adentrar o local
em que a atividade de trabalho se desenvolve, confrontar as situações de trabalho, ir ao
encontro do que seja a atividade de trabalho ali desenvolvida” (ALVES, 2009, p.52).
Trata-se de compreender a atividade de trabalho em movimento, tal como ela se realiza.
Entendemos, nessa pesquisa, a atividade humana como sendo complexa, e sempre
em alguma medida singular, encontro que não pode ser totalmente antecipado ou
enquadrado.

Nesse sentido, a Clínica da Atividade propõe novas modalidades em
análise do trabalho, nas quais o dialogismo constitui o princípio diretor e
a fonte do dispositivo metodológico. Trata-se, essencialmente, da criação
de um enquadramento em que [...] os trabalhadores possam protagonizar
as expectativas e as condições da intervenção, pondo em movimento as
maneiras de pensar coletivamente o seu trabalho, entre a imagem filmada
do que eles fazem e a transformação em discurso do que eles estão no
processo de fazer (VIEIRA; FAÏTA, 2003, p.29).

53

Seguindo essa perspectiva metodológica, nossa análise da atividade do trabalho
docente foi realizada em regime de cooperação entre pesquisadora e professora. Foi
necessário instaurar um diálogo entre pesquisadora e professora; foi preciso que a
pesquisadora se aproximasse do meio em que se deu a atividade docente, para que
buscasse apreender essa atividade de uma forma situada, no tempo e no espaço em que ela
aconteceu, levando em consideração a perspectiva da professora. É importante ressaltar
que não é nossa intenção “culpabilizar” ou responsabilizar o/a trabalhador/a pelos
problemas que, por ventura, ocorram no trabalho, mas compreender sua dinâmica, suas
possibilidades e limitações.
Desse modo, convidamos a professora, sujeito dessa pesquisa, a falar sobre sua
atividade de trabalho por meio de uma entrevista e das sessões de autoconfrontação. A
primeira pessoa a analisar a atividade docente foi a própria professora, protagonista da aula
filmada. Antes de iniciarmos a entrevista e as sessões de autoconfrontação, recorremos
também aos documentos institucionais que, eventualmente, estiveram relacionados à
prescrição da atividade docente dessa professora. Realizamos, também, observações na
sala de aula dessa professora.
Encontramos, na técnica da autoconfrontação, a possibilidade de instaurar essa
parceria entre pesquisadora e professora, como também de coletar dados do momento de
realização da atividade. Essa técnica propõe olhar a atividade do/a trabalhador/a como
indissociável do coletivo de trabalho (no mundo social), da categoria profissional. Pois
executar uma atividade de trabalho não constitui uma atividade simples, circunscrita às
responsabilidades e aos desejos individualizados de um sujeito (VIEIRA; FAÏTA, 2003).
No

tópico

4.2

deste

capítulo,

apresentaremos

detalhadamente

a

técnica

da

autoconfrontação.

4.1 Participantes da pesquisa

Durante a construção dessa pesquisa, foi necessário fazer alguns recortes, para
torná-la possível de ser realizada no tempo do mestrado. Assim, estabelecemos alguns
critérios para a escolha da escola e do/a professor/a, tais como: a escola teria de ser de
Ensino Fundamental, pertencente à rede pública municipal de Maceió e que possuísse um/a
professor/a efetivo/a que concordasse em ser filmado/a durante a realização da sua

54

atividade. Também seria importante que se dispusesse a participar das sessões de
autoconfrontação, além da obtenção da permissão dos pais dos/as alunos/as da turma
filmada, através do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, como solicitado pela
Resolução CNS nº196/96 (BRASIL, 2003). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo
Comitê de Ética da UFAL com o número do processo 022094/2009-65.
A partir da delimitação do espaço e do sujeito que fariam parte desse estudo,
iniciamos a busca pela escola e pelo/a professor/a que aceitassem participar da pesquisa e
que preenchessem os critérios acima mencionados.
Em junho de 2009, fizemos o convite à professora Clara que tinha o perfil
delineado. Explicamos todos os procedimentos e objetivos da pesquisa, assim como
também garantimos a preservação do anonimato. Após a sua anuência, nos dirigimos à
escola, onde ela desenvolvia suas atividades.
Optamos por encontrar primeiro a professora e, depois, fazer contato com a escola.
Fizemos essa opção porque o foco dessa pesquisa é o/a professor/a e é ele/a quem vai tecer
considerações e responder questões sobre a sua atividade.
Dessa forma, a proposta e os procedimentos da pesquisa foram primeiramente
apresentados à professora Clara, que nos ajudou no processo de apresentação e negociação
com a escola e os pais dos/as alunos/as da 2ª série, turma em que a professora lecionava.
A apresentação da pesquisa à direção/coordenação da escola aconteceu em agosto
de 2009. Nesse momento, a diretora assinou um termo consentindo a realização da
pesquisa, assim como se prontificou a fazer a reunião com os pais dos/as alunos/as para
explicar a pesquisa. Uma descrição geral da escola, da professora Clara e da turma será
apresentada no Capítulo V.

4.2 Procedimentos para coleta de dados
Na tentativa de apreender o contexto real em que a atividade docente é
desenvolvida, coletamos os dados através da análise documental, da realização de uma
entrevista, para compreender a História de Vida da docente, observações e videogravações
das situações de desempenho profissional da professora da rede pública de Maceió, sujeito
desta pesquisa.

55

A inserção no campo de pesquisa para a coleta de dados se deu entre os meses de
setembro a dezembro de 2009. Durante esse tempo, foi possível vivenciar a rotina da
escola e os rituais desenvolvidos pela professora no seu dia-a-dia.
A seguir, apresentaremos os instrumentos e a forma como que cada um foi
utilizado.

4.2.1 A autoconfrontação

Desde finais da década de 1960, um conjunto de pesquisadores europeus viram a
necessidade de valorizar os conhecimentos construídos pelos trabalhadores no seu local de
trabalho. Segundo Locamblez e Vasconcelos (2004), Ivar Oddone destaca-se entre esses
pesquisadores, pela criação do Método da Instrução ao Sósia. Esse método consiste em
fazer a seguinte proposição ao/a trabalhador/a voluntário:

“Suponha que amanhã eu o substitua no seu trabalho. Quais são as
instruções que você deverá me passar para que ninguém perceba a
substituição?”. Na continuidade do procedimento, delimitava-se uma
sequência de trabalho para ser focalizada nos detalhes de como fazer e
não de por que fazer, visando aumentar o conhecimento do trabalhador
sobre o valor da sua atividade (VIEIRA, 2004, p. 216).

Diante

desse

estímulo

inicial,

o/a

trabalhador/a

reestrutura

e

ordena

comportamentos particulares num plano global; desenvolve a experiência da forma mais
eficaz possível, face à forma como a resolução dos problemas se articula no ambiente de
trabalho; formaliza a experiência informal para torná-la transmissível (LOCAMBLEZ;
VASCONCELOS, 2004).
Yves Clot e Daniel Faïta, juntos com sua equipe, criaram, na metade dos anos 1990,
os “métodos de autoconfrontação, que fazem do princípio de confrontar um recurso
metodológico para ajudar nas análises complexas das situações de trabalho” (VIEIRA,
2004, p.215). O objetivo era retomar o estudo do trabalho pelo viés da atividade, apoiandose no Método da Instrução ao Sósia de Oddone, e buscando seu aperfeiçoamento e sua
melhor adequação a outros contextos e situações de trabalho.
A abordagem da autoconfrontação ressalta o fato de que é o/a trabalhador/a quem
exercita a confrontação de si, além de instituir dispositivos práticos que possibilitem uma

56

análise minuciosa da atividade. O uso da autoconfrontação, como forma de apreender e
compreender a atividade de trabalho, nos possibilita entender as dimensões da atividade no
que também não foi possível de realizar (CLOT, 2011; CLOT, 210b; CLOT, 2007;
VIEIRA; FAÏTA, 2003; VIEIRA, 2004; FAÏTA, 2002).

Para compreender a atividade, que é mais global do que a ação, não seria
suficiente focalizar apenas a ação de realizar uma tarefa e, então, a partir
da observação restritiva, articular o sentido; é necessário levar em conta
que a atividade também é composta do seu entorno não evidente. [...]
Dessa forma, as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas e suas
contra-atividades devem ser admitidas na análise (VIEIRA, 2004, p.220).

Essa técnica possibilita chegar mais perto do “que se faz na situação concreta de
trabalho, por meio da observação da atividade (como filmagem, descrição e notas de
campo), contraposto ao que se pensa que se faz nessa mesma situação (como entrevista,
comentário e discussão)” (VIEIRA, 2004, p.215).
A técnica reside no fato de que é o próprio sujeito quem produz o material para
análise na autoconfrontação, no momento em que ele/a está realizando sua atividade de
trabalho. As videogravações foram recursos valiosos de observação da atividade de
trabalho da Professora Clara, possibilitando que a imagem da professora realizando sua
atividade fosse analisada e autoavaliada por um/a ou mais protagonista dessa prática
(CLOT, 2010b).
Com a videogravação foi possível nos aproximarmos do que seria a situação
concreta de trabalho, já que se faz um registro do/a trabalhador/a em ação, no momento em
que está exercendo sua atividade. Além disso, a filmagem permite o retorno da imagem e
do som, o retorno da informação, dando pausa ou enfatizando alguma fala, possibilitando
fazer uma reflexão daquilo que foi realizado e do que deixou de ser realizado, das
intenções e dos resultados esperados.
Através da videogravação, buscamos apreender as ações do sujeito exercendo a
atividade, no cenário e na trama que compõem a situação real de trabalho. As sessões de
autoconfrontação ocorreram em momentos posteriores à gravação da atividade docente e
destinam-se a suscitar e apreender o processo reflexivo do sujeito por meio da linguagem.
Durante a análise das imagens, ao se auto-analisar verbalmente, o sujeito pode ser levado a
uma desnaturalização das situações desenvolvidas no seu cotidiano, em geral repletas de

57

componentes cognitivos e afetivos (LAROCCA; SADALLA, 2004). Explicaremos mais
adiante a autoconfrontação simples.
Clot (2007) concebe a atividade para além da tarefa realizada, aquela passível de
descrição para fins de análise. Para ele, os conflitos do real também fazem parte da
atividade de trabalho. Dessa forma, ao usarmos o recurso da vídeogravação, nas sessões de
autoconfrontação simples, a possibilidade de apreender o real da atividade aumenta. O que
se pretende alcançar com as sessões de autoconfrontação, “é o que ainda não se consegue
dizer acerca do real da atividade: esse ‘difícil de dizer’ com o qual, talvez, fosse possível
fazer algo de diferente daquilo que se faz” (CLOT, 2010b, p.243).
O recurso da filmagem ajuda-nos a compreender e visualizar melhor os aspectos
reais da atividade curricular desenvolvida pelos docentes, já que o/a professor/a está
imerso/a na atividade real. Permite considerar e analisar não apenas o que foi feito, mas
também uma série de prescrições curriculares envolvidas na atividade docente, tais como:
o Parâmetro Curricular Nacional, o Projeto Político-Pedagógico da escola, os livros
didáticos, as avaliações institucionais, o próprio plano de aula do/a docente e as atividades
curriculares planejadas pelo/a professor/a, individualmente e coletivamente (MELO;
PIZZI, 2010).
Com frequência, ao falarmos da nossa atividade enquanto profissionais,
descrevemos apenas o que realizamos (AGUIAR, 2008). Nosso interesse, portanto, não
reside apenas na atividade real desenvolvida pela professora, mas também no real da
atividade, ou seja, em tudo aquilo que não foi possível ser realizado por uma série de
fatores institucionais e pessoais (CLOT, 2007).
Por meio da autoconfrontação, vemos a possibilidade de desenvolver “um
movimento dialógico”, em que os “implícitos possam ser explicitados, o não-dito possa ser
dito, as coerções sociais, técnicas, hierárquicas deixem de atuar, e cada ator, locutor possa
ultrapassar os limites das normas e das regras que lhe são impostas ou que ele próprio se
impõe” (SOUZA-E-SILVA, 2004, p.203).
Inicialmente, para realização da autoconfrontação simples, algumas sequências da
professora Clara realizando sua atividade foram gravadas. Esse procedimento foi adotado,
quando, no ambiente de trabalho, Clara e os/as alunos/as já estavam acostumados/as com a
presença da pesquisadora e com a câmara filmadora. Esse momento permitiu que fossem
produzidas imagens da professora em atividade. Através de um processo de edição, esses

58

vídeos se transformam em um pequeno filme que foi utilizado posteriormente nas sessões
de autoconfrontação simples (CLOT, 2010b).
No momento em que realizamos a edição, observamos minuciosamente todos os
movimentos realizados pela professora. É interessante notar que o sujeito no trabalho traz e
transporta uma história e uma experiência que, algumas vezes, pode ser confundida pela
observação exterior, feita de forma demasiadamente rápida ou impregnada de
pressupostos, “com um conjunto de automatismos e rotinas” (CLOT, 2010b, p.239).

Para evitar proceder a uma autoconfrontação a partir de um material
baseado no projeto discursivo dos protagonistas, mais do que sobre a
representação da atividade, é essencial que o analista não negligencie seu
papel dialógico no momento das escolhas dos elementos constitutivos do
material. Tal postura pressupõe que o analista participe da seleção dos
suportes técnicos (imagens, mas também registros dos discursos em
áudio) buscando manter a atividade como um objeto constituído com
base nas observações e nos diálogos anteriores (VIEIRA; FAÏTA, 2003,
p.33).

Decorrido certo tempo, após as filmagens, começaram as sessões de
autoconfrontação simples, que foram também filmadas. Na autoconfrontação simples, a
profissional filmada, no caso a professora Clara, assistiu a duas cenas (editadas com início,
meio e fim), comentando as imagens com a pesquisadora. Nesse momento, ela tendeu a dar
mais ênfase nas análises da atividade real, aproximando-se gradativamente do real da
atividade do seu trabalho. Resumidamente, a autoconfrontação simples é a “confrontação
do profissional com a gravação em vídeo de sua atividade na presença do pesquisador”
(CLOT, 2010b, p.240).
Na autoconfrontação simples, a discussão ficou centrada na observação de dois
agentes: a) a professora Clara, que, ao ver-se na tela, falou sobre o que fez (a atividade
real) e o que poderia (ou não) ter feito (real da atividade); b) a pesquisadora que, querendo
se assegurar de ter compreendido bem os argumentos da professora, teceu comentários
sobre eles. “O pesquisador não procura compreender por que se fez o que é feito. Essa
‘verdade’ não é diretamente acessível. Ele procura, de preferência, levar os trabalhadores a
se interrogarem sobre o que eles observam da própria atividade” (CLOT, 2010b, p.240).
Nesse momento, a filmagem enquadrou tanto a professora como a pesquisadora.

59

Segundo Clot (2010b), através da autoconfrontação simples é “possível coletar
resultados sobre o que um coletivo faz, ou não faz, da tarefa prescrita”. É “possível ter
acesso à sua função de recurso psicológico na atividade pessoal” (p.255).
É importante ressaltar que a pesquisadora não deve, em nenhum momento,
confundir o seu papel com o da protagonista; esta última pensa o que poderia ou deveria
ser o trabalho, ao mesmo tempo em que revive e reformula a atividade. Dessa forma, é
importante considerar que “a atividade sobre a atividade em que se constitui a
autoconfrontação não pode substituir a atividade mesma, uma vez que, nessa segunda fase,
o processo de produção de sentido é realizado a partir do trabalho observado no suporte
vídeo” (VIEIRA; FAÏTA, 2003, p.33).

4.2.2 Análise documental

A discussão que fazemos nesta pesquisa sobre atividade docente, centrada no
currículo, necessitou da análise dos documentos que servem de guia e prescrição para a
atividade desenvolvida. São elementos essenciais, para compreensão do modo de agir dos
docentes em muitas situações, principalmente na realização do currículo em sala de aula.
Acreditamos que eles podem fornecer pistas importantes para compreensão da organização
do trabalho pedagógico na escola e, por conseguinte, da atividade docente. Além disso,
consideramos que, sem conhecer as prescrições, não seria possível compreender a
atividade.
Segundo Alves-Mazzoti e Gewandsnajder (2002), qualquer registro escrito que
possa ser usado como fonte de informação é um documento, tais como: regulamentos, atas
de reunião, livros de frequência, relatórios, arquivos, pareceres, planos de aula, planos de
curso, registros escolares, etc. Dessa forma, a análise documental pode ser usada, tanto
como uma técnica exploratória, como para checagem ou complementação dos dados
obtidos por meio de outras técnicas.
Para Lüdke e André (1986), o contexto em que foi produzido o documento não
pode ser descartado, pois o documento surge e traz informações do contexto que foi
construído; assim, podemos dizer que o documento carrega elementos: históricos,
culturais, econômicos e sociais que precisam ser considerados.

60

Os documentos institucionais da escola – Projeto Político Pedagógico e Regimento
Escolar – ainda encontravam-se em construção no ano de 2009. Para suprir esta lacuna
obtivemos informações sobre a escola através de depoimentos da Vice-Diretora e da
professora sujeito da pesquisa.
Já quanto às informações sobre o currículo desenvolvido nessa escola, encontramos
algumas indicações nas Matrizes Curriculares do Município de Maceió para o Ensino
Fundamental (2005), visto que estas podem direcionar os conteúdos a serem trabalhados
pelos/as professores/as, definem critérios de avaliações que devem ser considerados
pelos/as docentes, e objetivos e habilidades que devem ser alcançados pelos/as alunos/as.
O PCN da Pluralidade Cultural (2001) também foi um dos documentos analisados
nesta pesquisa, principalmente por ter sido citado pela professora, no momento da
autoconfrontação simples, como uma das fontes bibliográficas utilizadas para fundamentar
a aula analisada nesta pesquisa e, também, por considerarmos um documento curricular
prescritivo importante para a aula filmada e analisada neste trabalho.

4.2.3 Entrevista de história de vida

Em pesquisas de campo, a entrevista tem sido um dos instrumentos mais usados. A
entrevista, no entanto, não é um instrumento despretensioso e neutro, uma vez que “se
insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeito-objeto da
pesquisa, que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada”
(MINAYO, 2000, p. 57).
Utilizamos a entrevista nessa pesquisa, por entendermos não ser possível
compreender a atividade de trabalho de uma pessoa apenas por meio da observação ou
filmagem. A atividade é algo muito mais complexo, pois envolve valores, saberes e
competências. Segundo Faïta (2002), “é provável até [...] que a pretensão de conhecer em
detalhe as situações de trabalho seja amplamente ilusória” (p.53). No entanto, mesmo
sabendo que não se pode apreender todos os aspectos da situação real de trabalho, nós
acreditamos que uma forma de nos aproximarmos ao máximo do que seja a atividade de
trabalho dessa professora, em sala de aula, seja através da entrevista e da autoconfrontação
simples.

61

No mês de outubro de 2009, realizamos uma entrevista de História de Vida para
conhecer um pouco da trajetória pessoal e profissional da professora Clara. Nesse
momento, ela narrou momentos da sua vida, falou um pouco da sua família, infância e
adolescência, sobre como fez a escolha pela profissão e, também, das experiências
profissionais que já vivenciou. O resgate de aspectos de sua história de vida nos permitiu
considerar importantes elementos da subjetividade docente presentes na sua atividade. O
roteiro usado na entrevista encontra-se no anexo A.
Segundo Momberger (2011), a história de vida possibilita que os aspectos
subjetivos dos sujeitos sejam conhecidos. Conhecer tais aspectos é importante, na medida
em que a subjetividade tem um papel primordial nas pesquisas sobre trabalho docente e na
maneira como os sujeitos ensinam e aprendem.
A história de vida investiga e constrói os sentidos a partir de feitos temporais
pessoais. Assim, os grandes elementos constitutivos da história de vida são as pessoas, a
temporalidade e o significado (GONZÁLES MONTEAGUDO, 2011).
A história de vida vem fazendo parte das pesquisas em educação desde o início da
década de 80 do século XX. Uma ênfase particular tem sido dada nos estudos sobre os/as
docentes, no que diz respeito à “vida cotidiana, aprendizagem da profissão, ciclos da
carreira docente, pensamento dos professores, atitude ante as mudanças e as reformas,
desenvolvimento do currículo, formação permanente e desenvolvimento profissional”
(GONZÁLES MONTEAGUDO, 2011, p.57).
O uso da história de vida, como um dos instrumentos metodológicos nesta
pesquisa, se deve ao interesse que temos pela professora em si, ou seja, em compreender os
sentidos e valores construídos pela professora acerca da profissão docente, na interface
entre as dimensões pessoal e profissional, e não apenas por suas práticas de ensino ou
competências e habilidades técnicas.
A utilização desse instrumento foi importante, pois, a partir da história de vida da
professora, foi possível perceber que há uma relação muito estreita entre a escolha da
atividade curricular e a trajetória de vida da docente, imprimindo um alto grau de
subjetividade na sua aula. Traremos, no Capítulo V, mais elementos a respeito dessa
relação.

62

4.2.4 Observação e videogravação da atividade docente na escola pesquisada

Como enfatizamos antes, na tentativa de apreender a atividade docente, no
momento em que está sendo realizada, optamos por utilizar a observação e as
videogravações, para a obtenção dos dados, levando em conta que “a análise de situações
de trabalho nos exige de modo tal, que nela se manifesta toda a complexidade das relações
estabelecidas entre os componentes da atividade” (FAÏTA, 2002, p.49).
Realizamos as observações e as videogravações da atividade docente apenas na sala
de aula da Professora Clara, por um período que se estendeu de setembro a dezembro de
2009; foram observadas 6 aulas nos meses de setembro e outubro, e foram filmadas 7 aulas
entre outubro e dezembro, totalizando 13 dias letivos, que resultaram na elaboração de um
diário de campo. Ressaltamos que as videogravações foram realizadas com o propósito de
fazer as autoconfrontações.
Realizamos primeiro as observações (setembro a outubro de 2009) e, depois, as
videogravações (outubro a dezembro de 2009). Isso porque entendemos que a professora e
os/as alunos/as precisariam de um tempo para se acostumarem com a presença da
pesquisadora, criando vínculo para que diminuísse o estranhamento. Esse período de
permanência na escola realizando as observações e as videogravações também possibilitou
conhecer melhor o contexto em que a professora estava inserida, além de compreender a
rotina dessa instituição e os rituais realizados pela professora.
Optamos por não predeterminar os comportamentos a serem observados e filmados,
pois o foco maior estava em conhecer a atividade docente e as prescrições curriculares nela
envolvidas. Dessa forma, compreendemos que não estruturar os comportamentos a serem
observados e videogravados possibilita que o/a pesquisador/a se aproxime da cultura
daqueles sobre quem pesquisa e, também, que consiga ver o mundo sob a perspectiva
deles/as (ALVES-MAZZOTI; GEWANDSNAJDER, 2002). Essa forma de observação e
videogravação nos possibilitaram conhecer melhor o que ocorria nas situações de trabalho
docente dessa professora, suas prescrições e subjetividades.

63

4.2.5 Autoconfrontação simples

A partir das videogravações das aulas da professora Clara, a pesquisadora reviu o
conjunto de imagens, com o objetivo de selecionar os episódios a serem utilizados na
autoconfrontação.
Depois de assistirmos às sete aulas7 videogravadas, escolhemos apenas uma aula
que teve duração, aproximada de 1h38min8, na qual, foram selecionadas e editadas
somente algumas cenas que resultaram na montagem de dois episódios para a
autoconfrontação simples. Os episódios foram denominados: “Aula de História 1”, com
duração de 08 minutos e 22 segundos e “Aula de História 2”, com duração de 12 minutos
28 segundos. Os dois episódios montados foram da mesma aula, só que em momentos
diferentes, sendo um no início (antes do intervalo) e o outro no fim; contudo, o conteúdo
abordado foi o mesmo nos dois episódios, compondo uma sequência com início, meio e
fim.
Selecionamos esta aula porque nos chamou a atenção o fato de a professora ter
passado informações superficiais e errôneas sobre o conteúdo escolhido por ela para os/as
alunos/as, e também porque percebemos uma sequência de atividades iniciadas e
finalizadas no mesmo dia. Preocupamo-nos em escolher uma aula que mostrasse a rotina
em sala de aula e os rituais desenvolvidos por essa professora no seu dia-a-dia profissional.
Percebemos ainda que, na referida aula, estavam presentes dois componentes importantes
para nosso estudo, as prescrições curriculares e a subjetividade da docente, elementos
significativos nas nossas análises.
A sessão de autoconfrontação simples ocorreu no mês de abril de 2010 e, em
apenas um dia, realizamos a autoconfrontação dos dois episódios. A sessão durou
aproximadamente uma hora.
A professora Clara assistiu aos dois episódios, junto com a pesquisadora e
orientadora da pesquisa9. Durante o momento em que estava assistindo a sua própria aula,
a professora não fez comentários. Apenas, ao final de cada episódio, ela teceu comentários
sobre a atividade realizada e sobre o ambiente escolar no qual trabalhava, deixando claro:
os objetivos, os conteúdos abordados, as fontes bibliográficas e os documentos que a
7

O total de tempo aproximado de videogravações, durante essas sete aulas, foi de 11 horas e 06 minutos.
A duração das aulas diariamente era de 4 horas; diante das limitações do equipamento de vídeo apenas era
possível filmar 1h40mim, aproximadamente.
9
Durante a sessão de autoconfrontação simples, houve a participação de uma segunda pesquisadora, a
orientadora desta pesquisa. Dessa forma, a denominamos como “orientadora da pesquisa”.
8

64

influenciaram na escolha e realização da atividade. Nesse momento, ela também respondeu
as perguntas da pesquisadora e da orientadora da pesquisa.
As perguntas foram elaboradas a partir dos vídeos e tiveram por objetivo gerar
discussões e manter o foco sobre a atividade docente da professora e o currículo por ela
desenvolvido. Tivemos o cuidado na forma de construir as perguntas, para não nos
precipitarmos em dar caminhos para as respostas da professora. O roteiro semi-estruturado
das perguntas feitas à professora encontra-se no anexo B.
Os comentários feitos pela professora durante a sessão da autoconfrontação simples
também foram filmados para fins de análise. A autoconfrontação simples proporcionou à
professora uma saída do lugar comum para o papel de parceira na sistematização de um
saber acerca do seu trabalho.
No momento da autoconfrontação, desenvolveu-se uma “atividade sobre a
atividade”, uma atividade de análise e produção discursiva sobre a atividade de trabalho
observada na filmagem. Esse instante representa uma oportunidade para a professora se
aprofundar em dimensões de sua atividade que, até então, permaneciam despercebidas, e
que surgem, a partir do diálogo com a pesquisadora. (VIEIRA; FAÏTA, 2003, p.33).
Possibilitar à professora esse diálogo com a sua própria atividade, por meio dos
registros feitos sobre ela, se constituiu em momentos muito ricos dessa pesquisa. Os
discursos produzidos pela professora trouxeram à tona aspectos da sua atividade que,
provavelmente, não teriam sido percebidos por nós e nem por ela própria, caso fossem
usados outros recursos.

4.3 Procedimento de análise dos dados

A primeira etapa para realizarmos as análises foi transcrever todas as falas
produzidas, na autoconfrontação simples, entre a professora Clara, a pesquisadora e a
orientadora da pesquisa, assim como os dois episódios “Aula de História 1” e “Aula de
História 2”, e a entrevista de história de vida. Após realizar as transcrições, fizemos
leituras flutuantes do material transcrito e, também, das Matrizes Curriculares do
Município de Maceió para o Ensino Fundamental, e do PCN da pluralidade cultural.
As leituras de todo esse material permitiram-nos perceber que as falas produzidas
pela professora ficam centradas em quatro temas: a subjetividade docente; a atividade

65

realizada ou atividade real; o currículo prescrito; e o real da atividade. Sendo que cada
tema aparece mais explicitamente em um determinado instrumento utilizado na pesquisa.
No quadro abaixo sistematizamos os temas, de acordo com os instrumentos.

QUADRO 1 – Análise dos dados
Temas

Instrumentos

Subjetividade Docente

A videogravação da aula e a entrevista de história de vida
trazem muitos elementos subjetivos.

Atividade Real

A videogravação da aula e a autoconfrontação simples.

Currículo Prescrito

Os documentos das Matrizes Curriculares do Município de
Maceió para o Ensino Fundamental (2005) e o PCN –
Pluralidade Cultural (2001), além da autoconfrontação
simples.

Real da Atividade

Autoconfrontação simples

No capítulo seguinte, faremos a análise detalhada desse material coletado.

66

5 ATIVIDADE DOCENTE, CURRÍCULO E OS CAMPOS DE INFLUÊNCIA NA
SALA DE AULA

A atividade de trabalho é, em alguma medida, desenvolvida a partir da tarefa
prescrita (CLOT, 2006; CLOT, 2010b). No entanto, nem sempre as prescrições dão conta
do imprevisível. O inesperado convoca o/a trabalhador/a a tomar decisões a partir de seus
valores, da sua história, que, por vezes, é diferente e até contrária àquela expressa ou
exigida pela tarefa. Conforme já mencionamos, para Clot a atividade vai além do que foi
realizado. E mesmo não sendo realizada, a tarefa ainda faz parte da atividade. Para o autor
“a atividade subtraída, ocultada ou recuada nem por isso está ausente, mas influi, com todo
o seu peso, na atividade presente” (CLOT, 2010b, p.104). Dessa forma, não podemos
excluir das análises as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas.
Ao longo da pesquisa, nos aproximamos da atividade docente, buscando apreender
as diversas dimensões ou registros que comportam essa atividade. A dimensão das
prescrições que antecedem a atividade; dos saberes utilizados na atividade; dos valores
pessoais da professora; das reformulações feitas no curso da atividade; do engajamento na
atividade; do trabalho coletivo.
Nesse capítulo, analisaremos a forma como algumas dessas dimensões se
apresentaram na atividade da professora Clara, durante o tempo de permanência no campo
de pesquisa, sua sala de aula. As falas da professora foram colocadas em citações extensas
por opção nossa. Preferimos mantê-las mais longas e, assim, preservar o contexto em que
estão inseridas as passagens para as quais daremos destaque. Os grifos encontrados nessas
citações são nossos e tem a intenção de chamar a atenção para alguns aspectos ou
elementos mais pontuais. Salientamos que não temos nenhuma pretensão de esgotar o que
seja atividade docente desta professora. Apenas vamos destacar os aspectos mais
relevantes suscitados pela professora, através de seus discursos, e pela própria atividade
desenvolvida através da observação das cenas gravadas e analisadas especificamente para
esta pesquisa, cujo o foco é o currículo.

67

5.1 Análise das informações iniciais da escola e da professora

Consideramos que, para entender a atividade da professora, faz-se necessário
conhecer a instituição na qual ela atua. Isso porque as condições reais de trabalho, que são
oferecidas a ela, é ponto de partida para a qualidade e satisfação no desenvolvimento da
sua atividade. A seguir, iremos apresentar: a escola, a turma, o dia-a-dia da sala de aula e a
professora.

5.1.1 Caracterização da escola10

A escola, lócus desta pesquisa, pertence à rede municipal de ensino de Maceió-AL.
Funciona desde 2006, atendendo às séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série) e à
Educação de Jovens e Adultos. A sua localização encontra-se numa área periférica da
cidade, que teve um dos maiores índices de criminalidade e violência da capital alagoana,
no ano de 2009.
A escola era uma das únicas da rede municipal que ainda não havia adotado o
ensino de nove anos, por não haver sala de aula disponível para inserir uma turma a mais.
Os horários das aulas iam de 7h30 às 11h30 no turno matutino; de 13h30 às 17h30 no
turno vespertino, e de 19h00 às 22h30 no turno noturno. O Ensino Fundamental atendia a
252 alunos/as, no turno diurno11 e as turmas eram distribuídas da seguinte forma:
QUADRO 2 – Número de alunos/as por turma
Turmas/Série
1ª
2ª
3ª
4ª
Total

N° de Turmas Matutino
02
01
01
04

N° de Turmas Vespertino
02
01
01
04

Fonte: Secretaria da Escola (2009).

A escola tinha 11 professores/as, dos/as quais 08 estavam em sala de aula e 03, na
gestão da escola, nos cargos de Direção, Vice-Direção e Coordenação Pedagógica. A
escola contava ainda com duas merendeiras, que se revezavam para atender aos três turnos;
10

Características da Escola referentes ao ano de 2009, os dados foram coletados na secretaria da escola, e em
uma conversa com a professora e Vice Diretora.
11
Não tivemos acesso aos dados do turno noturno; as informações referentes a esse turno são de
responsabilidade da funcionária da secretaria da escola, que trabalha apenas no turno noturno.

68

três assistentes administrativas que trabalhavam na secretaria da escola, uma em cada
turno; duas auxiliares de limpeza e dois porteiros.
Essa escola tinha uma estrutura física pequena e precária, os espaços eram muito
reduzidos; não tinha um pátio para as crianças brincarem e nem refeitório, os/as alunos/as
lanchavam e brincavam na hora do intervalo na própria sala de aula. Não tinha biblioteca
ou qualquer outro lugar alternativo para circularem, além da sala de aula. As aulas de
reforço eram dadas na entrada da escola em uma área coberta, mas aberta. Esse espaço
também era utilizado pela direção e coordenação pedagógica para realizarem suas
atividades rotineiras. No período de chuva, a escola ficava alagada, tendo que ter suas
aulas interrompidas.
Em 2008, ano anterior a essa pesquisa, as crianças não tiveram recreio, e o período
era descontado, de modo que eles/as iam para casa mais cedo. Segundo a professora Clara,
a Direção alegava que a falta de espaço impedia a realização dessa atividade. Para a
professora, o intervalo é um direito do/a aluno/a e do/a professor/a. Tem que ser
respeitado. Assim, através de conversas com a direção e com os/as professores/as, ela
conseguiu que o recreio fosse instituído e realizado na própria sala de aula, através de
jogos e brincadeiras de roda, sob a supervisão dos/as professores/as.
Os/as professores/as, a direção e a coordenação pedagógica também não tinham um
espaço onde pudessem conversar ou se reunir para trabalhar, individual ou coletivamente.
Não havia sala desocupada para que pudessem ficar e suas atividades eram desenvolvidas
no hall de entrada da escola, local em que foram colocadas duas mesas e algumas cadeiras,
para realização de outras atividades burocráticas e pedagógicas.
A estrutura física da escola era muita limitada; tinha apenas 04 salas de aula, 01
cozinha, 01 almoxarifado, 02 banheiros com apenas um vaso sanitário em cada um, e 01
sala que funcionava como secretaria, cujo espaço era muito pequeno, cabendo apenas uma
escrivaninha com telefone e computador, uma estante e um fichário, onde eram guardados
livros e documentos. A televisão e o DVD também ficavam guardados nessa sala.
A maioria dos/as alunos/as atendidos por essa escola eram provenientes do bairro
onde a escola estava situada e das regiões circunvizinhas. O bairro apresentava sérios
problemas

relacionados

com

a

segurança:

assaltos

e

homicídios

aconteciam

frequentemente. Em 2009, ano em que estivemos na escola, foi estabelecido toque de
recolher na comunidade, e a Força Nacional foi chamada para reforçar o policiamento
durante alguns meses nesse bairro e em outras regiões de Maceió. A comunidade convivia

69

com a falta de: saneamento, iluminação, água, coleta de lixo, ruas sem pavimentação,
número reduzido de transporte coletivo, enfim, de qualquer política pública de promoção
de qualidade de vida e de bem-estar social.
A maior parte das famílias dos/as aluno/as tinha uma situação socioeconômica
precária e apresentavam baixo poder aquisitivo. A maioria dessas famílias sobrevivia com
um salário mínimo, renda muitas vezes oriunda do trabalho informal12. Uma grande parte
dos/as alunos/as também era beneficiária do Programa Bolsa Família13.
São nas condições descritas acima que a professora participante dessa pesquisa
desenvolveu sua atividade de trabalho.

5.1.2 Descrevendo o ambiente das aulas

As videogravações da atividade docente foram realizadas em uma turma de 2ª série
do Ensino Fundamental do turno vespertino, composta por 29 alunos/as (12 meninas e 17
meninos) a faixa etária deles/as estava entre 08 a 10 anos. Era uma turma bastante
participativa, pois sempre estava disposta a colaborar com a professora e não apresentava
problemas quanto à indisciplina.
A professora considerava a turma heterogênea, quanto ao nível de aprendizagem.
Segundo ela, alguns alunos/as tinham muita dificuldade na leitura e escrita, e por isso eram
encaminhados/as para fazer reforço no horário contrário ao turno em que estudavam.
A sala de aula, apesar de ser espaçosa, era pouco ventilada e mal iluminada, sem
ventiladores e cortinas. As cadeiras eram organizadas em semicírculo, deixando o centro
da sala livre, para realização de algumas atividades didáticas. Como a professora do turno
anterior utilizava a sala em fileiras, todas as vezes que os/as alunos/as chegavam,
organizavam a sala em semicírculo. A sala de aula tinha um quadro branco e, do lado
direito do quadro, ficavam um armário de cimento, um fichário14 para colocar nomes, e um
calendário. Do lado esquerdo, tinha um varal que ficava cheio de livros15 de literatura
infanto-juvenil, gibis e revistas. Em cima do quadro, havia um alfabeto e, abaixo, o sistema
12

Informação retirada da ficha de matrícula dos/as alunos/as
Programa do Governo Federal para famílias de baixa renda.
14
O fichário e o calendário foram doados pela escola privada que a professora trabalhava no turno matutino.
15
Os livros de literatura infanto-juvenil, gibis e revistas foram comprados pela professora e também
adquiridos através de doações dos/as seus/as amigos/as e da escola privada que ela trabalha no turno
matutino.
13

70

numérico de 0 a 9. As outras paredes tinham vários cartazes de atividades feitas pelos
alunos/as.
Como procuramos demonstrar, a estrutura física da escola era um dos maiores
problemas vividos pelos/as professores/as, alunos/as e funcionários/as. A falta de espaços,
como: bibliotecas, pátio e sala de informática, reduzia drasticamente o processo ensinoaprendizagem apenas ao espaço de sala de aula. Mas, mesmo assim, a professora tentou
dar uma aparência mais agradável com os recursos disponíveis.

5.1.3 Conhecendo a professora Clara16

Clara, professora que, voluntariamente, se dispôs a participar dessa pesquisa, tinha
35 anos na época. Era casada há 17 anos e tinha dois filhos, um de 15 e outro de 13 anos.
Ela define sua infância como tendo sido sem grandes problemas. No entanto, com o
falecimento de sua mãe, quando ela tinha apenas oito anos de idade, as coisas tomaram
outro rumo.

E até os meus oito anos foi tudo normal. Quando eu completei oito anos
minha mãe teve uma doença muito grave. E infelizmente veio a falecer...
Daí assim as coisas começaram a ficar... Assim, tomaram outro rumo...
Porque minha irmã mais velha foi morar com minha vó. E em casa somos
quatro irmãos. Aí ficou eu de menina e mais dois irmão, meu pai sempre
trabalhou a vida toda, só chegava em casa a noite. (Entrevista de História
de Vida – Professora Clara, 2009)

São raros os momentos da pesquisa em que Clara fala sobre sua mãe; entretanto,
durante a aula17 que será analisada mais adiante, ela fala sobre os Testemunha de Jeová,
religião a que sua mãe pertencia. Notamos que a escolha do conteúdo da aula sofreu forte
influência religiosa de sua mãe. Voltaremos a esse aspecto da aula mais adiante.
Como seu pai sempre trabalhou e só chegava em casa à noite, ela disse que teve
muita liberdade e, também, muitas responsabilidades com a casa. Ainda muito cedo, com
apenas dez anos de idade, era ela quem fazia o pagamento da escola, água, luz, telefone e
as compras de supermercado.

16
17

Informações referentes ao ano de 2009, fornecidas pela professora na entrevista de história de vida.
No episódio “Aula de História 1”.

71

Não tive muito uma pessoa que acompanhasse meus estudos. Eu sempre
gostei de estudar. Apesar de ser... De ter sido e ser também na verdade
uma criança um pouco rebelde e uma adolescente mais rebelde ainda,
mas sempre gostei de estudar, não fui muito de namorar. Graças a Deus
que eu gostava de estudar. Porque como meu pai nunca foi de
acompanhar meus estudos, eu nunca perdi ano na escola, apesar de todo
ano estudar numa escola diferente. Porque eu tive excesso de liberdade, a
partir dos meus dez anos de idade, toda a responsabilidade da casa era
minha. Meu pai sempre deixava o talão de cheque assinado. Era eu quem
ia pagar minha própria escola. Era eu que ia fazer a “feira”, que pagava
água, luz, telefone. (Entrevista de História de Vida – Professora Clara,
2009)

Em 1992, quando terminou o Ensino Médio, ela se casou. Dois anos depois, passou
no vestibular da UFAL para o Curso de Pedagogia. Na mesma época em que prestou
vestibular, seu tio era diretor da rede de escolas Cenecistas do Estado de Alagoas e dono de
uma escola. Segundo ela, esse fato influenciou sua escolha pelo curso, além de sempre ter
gostado da área de educação. Embora não tenha perdido nenhuma disciplina, reconhece
que não foi uma excelente aluna, durante o curso, e que nunca pensou em trabalhar com
criança; apesar disso, considera-se apaixonada pela sua profissão.
Antes de atuar como docente, trabalhou durante onze anos na escola em que o seu
tio era diretor. Na época, a escola tinha 2000 alunos/as distribuídos/as nos três turnos.
Quando começou a trabalhar na escola, ainda estava cursando Pedagogia e não tinha
experiência profissional. Nessa escola, ela passou por diversas funções: iniciou como
secretária escolar; no último ano de faculdade, foi orientadora educacional, onde fazia
atendimento a pais e alunos, principalmente os que tinham problemas de comportamento e
relacionamento com os/as professores/as e com outros alunos/as; de orientadora passou a
coordenadora pedagógica, atividade que teve muita dificuldade de desenvolver, porque
muitos/as professores/as consideravam que ela estava lá apenas por ser sobrinha do dono e
não por capacidade.

Eu muito nova e sobrinha do dono da escola, muitas pessoas não viam
que eu estava lá por capacidade. Achava que eu estava lá a priori por ser
sobrinha do dono da escola, mas aí eu fui conquistando meu espaço e fui
provando que eu estava lá na verdade por merecimento. Apesar de ter
entrado lá por ser realmente sobrinha do dono da escola. É a minha
grande experiência. Foi ótimo. Eu digo que a minha escola de vida foi lá.
Era uma escola de periferia, localizada no Benedito Bentes. A escola na
época tinha dois mil alunos, funcionando os três turnos, com adolescentes
com problemas de drogas, com os lares comprometidos, no seio
familiar... Foi assim maravilhoso, não me arrependo. Saí de lá por opção,
porque consegui participar de uma seleção numa escola particular, e fui

72

aprovada. Abri mão de lá, porque não tinha mais onde eu crescer lá...
Trabalhei na parte financeira, depois fui pra orientação, depois
coordenação do infantil, fundamental e médio; trabalhava acompanhando
professores e assim... Não tinha mais aonde eu ir, eu não ia ser diretora
mais da escola, e aí aconteceu a escola particular, e aí optei, abri mão de
lá e fui pra escola particular, ter uma experiência que eu não tinha, que
até então eu não tinha sala de aula, não tinha entrado em sala de aula.
Minha experiência era fora de sala. (Entrevista de História de Vida –
Professora Clara, 2009)

Durante dois anos, além de trabalhar na escola do tio, ela trabalhou também como
coordenadora do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no CAIC da UFAL
e do Benedito Bentes. Esse programa é de responsabilidade da Secretaria Municipal de
Assistência Social (SEMAS), sendo desenvolvido em áreas periféricas, com criança
inserida em grupo de risco.
Em 2007, ela participou de uma seleção para ser professora de uma escola privada.
Ao ser aprovada, Clara optou por sair da escola em que trabalhou durante onze anos e do
PETI, para viver uma experiência que ainda não tinha tido, a de ser professora. Clara
iniciou sua experiência como docente, ensinando na Educação Infantil, nos dois turnos.

Com dois anos e meio mais ou menos, que eu estava na escola particular,
eu fiz o concurso público municipal, e fui aprovada [...] Aí o que, que
acontece? Pedi redução de carga horária na escola particular, porque eu
como moro numa periferia... No município eu não podia trabalhar à noite,
porque é muito complicado para mim retornar... Fiquei na escola
particular de manhã e, hoje, estou à tarde numa escola do município.
(Entrevista de História de Vida – Professora Clara, 2009)

Em 2008, ela se tornou professora concursada da rede municipal de Maceió, com
carga horária de 25 horas semanais. Com a nomeação no concurso, ela solicitou ficar na
escola particular apenas um turno. Dessa forma, Clara permaneceu como professora de
Educação Infantil na escola particular, no turno matutino, e na escola do município, no
turno vespertino, com Ensino Fundamental. Essa situação ainda permanecia em 2011 e
2012.
No seu primeiro ano na escola municipal, ela relatou que se assustou com a falta de
estrutura física e, também, com a falta de conhecimento dos alunos/as. Segundo ela, a
maioria das crianças não reconhecia nem a primeira letra do seu nome, apesar de estarem
na 1ª série. Segundo Clara, devido ao bom trabalho feito por ela durante o ano, a direção
considerou interessante que ela acompanhasse a turma até a quarta série.

73

Clara relatou que ainda não fez pós-graduação por opção. Foi aluna especial do
Mestrado em Educação da UFAL, mas desistiu por não ter se identificado com a área de
pesquisa que havia escolhido. Ela pretendia fazer uma pós-graduação voltada para área de
Educação Ambiental; no entanto, ainda não se interessou pelas que apareceram. Contudo,
frequentemente participava de cursos, seminários e congressos, como forma de se atualizar
e ampliar os conhecimentos.
A primeira vez que Clara entrou na sala de aula, ela relatou que sentiu suas pernas
tremerem, pois parecia que estava em um palco. Ela sentiu muito medo, principalmente,
porque sua estreia foi numa turma de alfabetização e o seu maior medo era de que as
crianças não conseguissem ler e escrever ao final do ano. Apenas com o passar dos meses,
foi vendo que não era tão difícil, ensinar na alfabetização; sobretudo porque tinha apoio na
escola, além do que estava gostando do que fazia, e vinha estudando muito.
Apesar da pouca disponibilidade de tempo, a professora Clara se mostrou bastante
participativa em todas as etapas da pesquisa, tendo respondido os questionamentos e as
perguntas.

5.1.4 O dia-a-dia da sala de aula

O dia-a-dia da sala de aula era bastante movimentado, agitado e barulhento. Os/as
alunos/as tinham liberdade para transitarem livremente pela sala de aula durante as
atividades e, ao terminarem, podiam dedicar-se a atividades paralelas, como: brincar com
os jogos que estavam disponíveis no armário, ler gibis, revistas, livros, ou conversar com
os/as colegas. Toda essa movimentação dos/as alunos/as era incentivada pela professora
Clara. Em diversos momentos da autoconfrontação simples fez referência ao
comportamento da turma quando ela iniciou as aulas, para mostrar que houve muitos
avanços desde então.

Essas crianças assim, elas não falavam, elas eram mudas, pareciam
que... Não falavam nem o nome deles, quando eu comecei a trabalhar lá,
não saia nada... Nem pra brincar, correr, pular... Hoje em dia, felizmente
melhoraram... 90% da turma são alfabetizados, lêem, compreendem,
interpretam, têm interesse...18 (Professora Clara – Autoconfrontação
Simples, 2010)
18

As falas das participantes da pesquisa serão colocadas em itálico e da mesma forma como foram ditas.

74

Em outro momento, Clara em resposta à pesquisadora, comentou o que mais gostou
de ter visto nas imagens:

Ah, eu gostei da roda, gostei de ver eles falando. [...] Gostei de ver eles
falando, participando. [...] Na verdade, o que eu mais gostei foi ver eles
participando, diante do histórico que eu tenho da turma. Eles não
levantavam da cadeira, eles eram robotizados. Hoje em dia eles falam,
participam... (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Assim, as crianças eram, em sua maioria, alegres, agitadas, falantes, curiosas,
participativas e não apresentavam problemas em relação ao comportamento (como
agressividade e violência). A professora era assídua e muito dinâmica, pois estimulava
bastante os/alunos na participação e realização das atividades.
Os/as alunos/as já estavam bastante acostumados/as com a rotina de sala de aula.
Quando eles/as chegavam à sala de aula às 13 horas e 30 minutos, geralmente a professora
já os estava esperando. Assim que eles/as chegavam, arrumavam as cadeiras no formato de
semicírculo e sentavam-se no chão formando um círculo. A professora também sentava
junto com a turma. Ela chamava esse momento da aula de “roda”.
A roda acontecia todos os dias. Era nesse momento que a professora realizava: a) a
chamada – mostrava a ficha com o nome completo de cada aluno/a. Ao reconhecer seu
nome, ele/a levantava, pegava a ficha e colocava-a no fichário. Algumas vezes, ela escolhia
alguns alunos/as e entregava as fichas a eles para que fizessem a chamada; b) a contagem
dos/as alunas – após o término da chamada, a professora escolhia um menino para ir até o
fichário contar as fichas dos meninos e anotar no quadro a quantidade. Apenas os meninos
da roda contavam junto em voz alta. Da mesma forma, uma menina era escolhida para
contar o lado das meninas. A escolha de quem iria primeiro, se menino ou menina, era feita
de forma aleatória. Já quanto à escolha da criança, ela observava quem ainda não tinha ido.
Depois, escolhia um/a aluno/a para somar o número de meninas e meninos; c) o calendário
– a professora indagava aos/as alunos/as sobre o dia da semana, o dia do mês, o mês e o
tempo, e entregava as fichas com os nomes para algum/a aluno/a colocar no calendário; d)
a conversa19 – nesse momento, a professora apresentava o tema e a atividade que seria
desenvolvida pela turma no dia e, algumas vezes, ela explicava o conteúdo. Esse era um
espaço de bastante diálogo, onde as crianças se sentiam muito à vontade para perguntar,
questionar e até discordar da professora, como foi possível observar nas videogravações e
19

O episodio “Aula de História 1” é exatamente esse momento da aula.

75

nas observações. O período de tempo que durava a roda dependia muito do tema abordado
e do interesse das crianças pelo mesmo. A duração média da roda era de,
aproximadamente, 40 minutos a 01 hora e 30 minutos.
Quando terminava a roda, os/as alunos/as se dirigiam, geralmente, para suas
cadeiras, para realizarem a atividade proposta pela professora Clara. Enquanto eles/as
estavam fazendo a atividade, Clara passava de banca em banca ou nos grupos. Mesmo a
atividade sendo individual, algumas crianças se organizavam por grupos, atitude permitida
e incentivada pela professora.
Regularmente, essa atividade aproximava-se do horário do lanche. O lanche
acontecia às 15 horas, aproximadamente. O porteiro ou uma das merendeiras passavam na
sala de aula avisando que a turma podia ir lanchar (ia uma turma por vez pegar o lanche,
pela falta de espaço na escola). Clara, então, formava a fila e aguardava na sala de aula o
retorno das crianças. Quando os/as alunos/as terminavam de lanchar, permaneciam na sala
de aula brincando sob a supervisão da professora. Às 15 horas e 20 minutos terminava o
recreio e os alunos retornavam fazendo novamente uma roda; no entanto, com objetivo
diferente da primeira.
A roda de leitura acontecia diariamente, sempre após o recreio. Essa atividade era
um momento muito aguardado pelos/as alunos/as. Todos os dias, a professora lia
histórias20, algumas vezes também cantava músicas e fazia brincadeiras21. A roda de leitura
durava, aproximadamente, uma hora. Geralmente, ainda na roda, a professora explicava a
atividade que seria realizada. Algumas vezes, a atividade era relacionada ao texto lido e,
outras vezes, era uma continuação do conteúdo abordado na primeira parte da aula22. Ao
terminar essa atividade, a professora explicava o exercício de casa, que era copiado no
quadro, para os/as alunos/as transcreverem para o caderno ou era do livro didático.
Às 17 horas e 20 minutos, o portão da escola era aberto e os familiares iam até a
porta da sala de aula buscar as crianças. Nessa ocasião, a família com frequência
conversava com a professora sobre o comportamento dos/as alunos/as e a aprendizagem.

20

Diversos gêneros textuais eram lidos pela professora.
As músicas e brincadeiras faziam parte da cultura popular.
22
O episódio “Aula de História 2” é exatamente esse momento da aula.
21

76

5.2 Currículo como prescrição: PCN e Matriz Curricular

Compreender a atividade efetivamente realizada passa pela compreensão das
prescrições e, no caso da atividade docente, o currículo é um componente que não pode
faltar, assim como as orientações e diretrizes curriculares contidas em documentos
governamentais.
Segundo Arroyo (2011), não é apenas o sistema escolar que tem relação com o
currículo, mas a escola, a sala de aula e a organização do trabalho docente giram nesse
território. O autor aponta o currículo como o elemento central e mais estruturante do
trabalho docente. Para ele, “tanto peso normativo sobre os currículos podem ser vistos
como normas, diretrizes do trabalho docente” (ARROYO, 2011, p.15).
É no espaço do currículo que o governo, em âmbito federal, estadual e municipal,
vem propondo constantes diretrizes e políticas, normas e controles. Isso vem acontecendo,
porque o currículo é o espaço onde a função social e política que se espera ou se deseja da
escola devem estar colocadas, mas também porque é uma referência significativa de
produção da identidade dos/as docentes (ARROYO, 2011).
As políticas curriculares propostas pelos órgãos governamentais têm caráter de
prescrição. Trazem, em seu texto, as condições determinadas de execução e antecipações
de resultados da atividade docente. São documentos que direcionam o que e quando o/a
professor/a deve ensinar um determinado conteúdo aos/as alunos/as, sem levar em
consideração as condições de trabalho que esses profissionais estão submetidos/as e os/as
alunos/as, em sua particularidade e pluralidade. Os/as docentes ainda têm que garantir que
os/as alunos/as aprendam o conteúdo, já que “nunca como agora tivemos políticas oficiais,
nacionais e internacionais, que avaliam com extremo cuidado como o currículo é tratado
nas salas de aula, em cada turma, em cada escola [...]” (ARROYO, 2011, p.13).

As políticas curriculares do que ensinar e como ensinar, do que avaliar,
exigir dos professores e dos alunos nas provas escolares e nacionais ou
estaduais têm agido como um marco conformador e controlador do
trabalho e das identidades profissionais (ARROYO, 2011, p.30).

Entretanto, é importante ressaltar que boa parte das mudanças propostas, nos
documentos curriculares para o ensino, ocorre por demandas e fatores externos ao
cotidiano da escola. Assim, olhamos para a escola e o ensino reconhecendo os/as
professores/as e alunos/as que vivenciam esse espaço e que não estão o tempo todo

77

dispostos a aceitarem qualquer tipo de interferência e/ou julgamento sobre suas ações
(MARTINS, 2004).
Dessa forma, compartilhando da ideia de um currículo oficial único, a Secretaria
Municipal de Educação de Maceió (SEMED) considera mais apropriado um planejamento
do trabalho pedagógico no Ensino Fundamental, que utilize de forma combinada as
Matrizes Curriculares da SEMED (2005) e os PCN (2001).
O principal objetivo desses documentos é orientar a atividade docente na
organização do conhecimento escolar desenvolvido em sala de aula. Eles têm um caráter
notadamente prescritivo, trazendo indicações detalhadas sobre o que o/a professor/a deve
ensinar (conteúdos), o porquê (objetivos) e como ensinar (orientações didáticas), bem
como orientações sobre o que avaliar (critérios de avaliação).
Esses documentos antecipam os resultados que devem ser obtidos na execução da
atividade, sem levar em conta as condições reais de trabalho, apesar de afirmarem quase
sempre que são flexíveis e que podem ser adaptados às concepções e à realidade local de
cada escola, de cada professor/a e de cada aluno/a.
Desse modo, os PCN (2001) enfatizam que as secretarias estaduais e municipais,
escolas e professores/as têm liberdade para elaborarem seus programas curriculares e
projetos educativos, devendo “adaptar, priorizar e acrescentar conteúdos, segundo suas
realidades particulares, tanto no que se refere às conjunturas sociais específicas, quanto ao
nível de desenvolvimento dos alunos” (BRASIL, 2001, p.15).

Os conteúdos aqui elencados se apresentam na vida social de modo
integrado, interagindo no contexto amplo de cultura. [...] Cabe ao
professor, na criação de sua programação, e à escola, na decisão de seu
projeto educativo, priorizarem tais conteúdos conforme a especificidade
do trabalho a ser desenvolvido (BRASIL, 2001, p.64).

Entretanto, apesar desse caráter de política flexível, os PCN vêm atrelados à
política de avaliação centralizada quantitativamente por desempenho, que deixa de fora a
possibilidade de autoria dos/as docentes e alunos/as, pois a avaliação é feita em parâmetros
únicos, e não consideram a realidade dos sujeitos que são avaliados.

As avaliações e o que avaliam e privilegiam passaram a ser o currículo
oficial imposto às escolas. Por sua vez, o caráter centralizado das
avaliações tira dos docentes o direito a serem autores sujeitos da
avaliação do seu trabalho. A priorização imposta de apenas determinados

78

conteúdos para avaliação reforça hierarquias de conhecimentos e,
consequentemente, de coletivos docentes (ARROYO, 2011, p. 35).

Na escola da professora Clara, nenhuma discussão é feita coletivamente sobre qual
conteúdo tem que ser abordado ou se deve ser seguido algum Plano Político da Escola.
Segundo ela, as poucas reuniões que aconteciam entre os/as professores/as e a gestão eram
para discutir as datas comemorativas.

Eu não sei se é a realidade da minha escola, da escola que eu trabalho,
mas, assim, as reuniões pedagógicas geralmente discutem festas futuras
de datas comemorativas [...] é pra discutir fardamento, é pra discutir
tudo, menos o que está dando dentro de sala de aula. (Professora Clara
– Autoconfrontação Simples, 2010)

Apesar da falta de um direcionamento da gestão escolar, quanto ao que o coletivo
de professores/as deve seguir, no que diz respeito ao conteúdo, a professora Clara afirma
que utiliza as Matrizes Curriculares da SEMED e o PCN para planejar suas aulas. Ela
menciona que uma das maiores dificuldades enfrentadas na escola é a falta de
direcionamento quanto à escolha do conteúdo. E explica de onde tirou parte dos conteúdos
da aula gravada e comentada, que tratava sobre religião.

Eu nunca recebi apoio nenhum da escola em relação a conteúdo
programático. Nunca! Eu tenho os Parâmetros, porque eu fui
coordenadora de uma escola, e eu tenho por conta disso. Entendeu por
que eu tenho? Inclusive eu até li na época da diversidade religiosa né?
Que tem nos Parâmetros. [...] Mas a escola, suporte nenhum! Nenhum!
Aí assim, eu é que ainda me ouso... Assim, por obrigação, na verdade de
correr atrás dos conteúdos que eu vou trabalhar. (Professora Clara –
Autoconfrontação Simples, 2010)

Os PCN trazem em blocos os conteúdos que devem ser trabalhados pelos/as
professores/as com seus/uas alunos/as. Critérios de avaliação também são propostos nesse
documento. Os PCN, além das áreas do conhecimento de: Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física, trazem alguns temas para
serem abordados dentro dessas áreas, transversalmente. A proposta é de que os Temas
Transversais: ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual
apareçam no currículo dentro de várias disciplinas.
As Matrizes Curriculares da SEMED trazem as seguintes áreas do conhecimento
para serem contempladas nos programas das escolas: Língua Portuguesa, Matemática,

79

Ciências, História, Geografia, Educação Física, Ensino Religioso e Arte. Essas áreas são
detalhadas nas Matrizes Curriculares da SEMED, a partir de objetivos/capacidades e
critérios de avaliação.
Os conteúdos escolhidos pela professora Clara para a aula que filmamos referem-se
à área de conhecimento de Ensino Religioso e do Tema Transversal da Pluralidade
Cultural; mas que ela apresentou para seus alunos como sendo “Aula de História”. Na
autoconfrontação simples, ela afirma ter usado, como fonte de informação para abordar os
conteúdos, os PCN e um texto da internet.

Em relação à diversidade de religião, falando do Testemunha de Jeová,
alguma coisa assim, eu li nos Parâmetros. E em relação ao conceito de
mundo, de início de mundo, eu peguei um texto informativo da internet.
Eu lembro que tá até colado no caderno pequeno meu que tava lá... Acho
que só. (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

O PCN da Pluralidade Cultural traz a “constituição da pluralidade cultural no Brasil
e situação atual” como um dos “blocos de conteúdos que mantém grande afinidade com a
área de História e Geografia, na medida em que apresenta a dinâmica das culturas que
formaram historicamente o Brasil, e o constituem” (BRASIL, 2001, p.72). Esse bloco de
conteúdo é dividido em três tópicos: 1.Continentes e terras de origem dos povos do Brasil;
2.Trajetórias das etnias no Brasil e 3.Situação atual. O tópico “Trajetórias das etnias no
Brasil” traz a diversidade religiosa e cultural, como um dos conteúdos a serem abordados
no currículo escolar, e foi essa a prescrição inicial para a elaboração da aula de Clara
(BRASIL, 2001).
De acordo com as Matrizes Curriculares da SEMED, “compreender o direito de
escolha e algumas diferenças próprias das manifestações religiosas” é um dos
objetivos/capacidades que alunos/as da 2ª série têm que sair compreendendo. Ainda
conforme esse documento, os/as professores/as devem levar em consideração os seguintes
critérios de avaliação, para conseguir esse objetivo/capacidade: “respeitar as diferentes
tradições religiosas valorizadas pelos colegas e expressar atitudes de respeito e aceitação
do diferente” (PREFEITURA DE MACEIÓ, 2005, p.57).

80

QUADRO 3 – Matriz Curricular da 2ª Série para Ensino Religioso

Fonte: Matrizes Curriculares da SEMED (2005, p.57).

O Ensino Religioso no currículo das escolas públicas do Brasil está garantido na
Constituição Federal de 1988. Seguindo praticamente todas as outras constituições federais
desde 1934, o esse componente curricular foi incluído como disciplina dentro do art. 210, §
1º: “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais
das escolas públicas de ensino fundamental”. Com isso, cada família ou estudante deve
informar se quer ou não assistir às aulas de Ensino Religioso no ato da matrícula.
A oferta do Ensino Religioso é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), nela é dada autonomia aos Estados para definir o currículo e os
critérios de habilitação de professores/as, para essa disciplina. Segundo Diniz et al. (2010),
os Estados, na sua maioria, cedendo ao ímpeto catequizador das religiões, instituíram um
Ensino Religioso que ignora a diversidade e o pluralismo cultural da sociedade brasileira,
estimula a intolerância e transmite preconceitos. De acordo com Diniz et al., não existem
muitos estudos sobre o caráter facultativo do Ensino Religioso, e também sobre como se
efetivou a regulamentação em cada unidade da federação.
Segundo Cunha (s/d), as tensões presentes no currículo aumentam ainda mais com
a disciplina de Ensino Religioso. Isso porque a determinação constitucional de oferta dessa
disciplina nas escolas públicas não resultou de um consenso democrático; mas, sim, da
hegemonia exercida por algumas instituições religiosas, particularmente a Igreja Católica.

81

Apesar do esforço dos documentos curriculares em conceber o Ensino Religioso
como sendo imparcial e pluralista, e de tentar não trazer em seu corpo uma visão de
educação religiosa de caráter proselitista, que tem por objetivo transmitir os valores de uma
dada religião, não é o que observamos na aula de Clara. Encontramos, na aula da
professora Clara uma visão arraigada de princípios e valores de uma única religião,
fortemente influenciada por sua história de vida.
A aceitação do Ensino Religioso como um componente curricular reconhece a
religiosidade como um dado incontornável da vida, colocando em risco, portanto, a
liberdade de crença, ao apresentar, explicitamente, a religião como fundamental à
formação da cidadania, substituindo seu caráter político pelo religioso. Dessa forma, a
abertura da escola pública ao Ensino Religioso está propensa a servir como campo
estratégico de manutenção de moralidades hegemônicas, como as tradições cristãs, ou de
inviabilização de crenças não majoritárias, como as tradições afro-brasileiras, orientais ou
indígenas (DINIZ et al., 2010).
Apesar de os documentos curriculares trazerem o Ensino Religioso como
componente curricular, acreditamos que a escolha do conteúdo feito pela professora
aconteceu quase que exclusivamente no campo da subjetividade. No trecho a seguir, a
professora Clara relaciona quais conteúdos foram abordados na aula:

A diversidade de religiões que existe e a influência do comércio em
épocas de datas comemorativas, que coincidiu aí... Era o Natal... Eu citei
o Natal porque já estava próximo, entendeu? Porque, inclusive, surgiu a
história do Natal, porque eles ficaram: vai ter festa de Natal? [...] O
conteúdo foi esse: a influência do comércio em datas comemorativas e a
diversidade de religiões que existe. [...] Pra eles, compreenderem que
têm pessoas que acreditam em várias coisas, não só existe um Deus do
Adão e da Eva, existem outras coisas, que futuramente, quem sabe algum
deles pode até acreditar... (Professora Clara – Autoconfrontação
Simples, 2010)

O Natal como data comemorativa religiosa, que está presente em várias culturas, foi
o tema da primeira parte da aula gravada. O tema foi discutido com os/as alunos/as, na
roda, logo no início da aula, como mostram as falas a seguir:
P23: Quem é que sabe o que é natal? [...] Quem é que imagina o que é
Natal?
23

Designamos a letra P para identificar a fala da Professora Clara.

82

A24: Eu! (vários alunos levantam a mão)
A2: Quando Jesus nasceu... Ele nasceu...
P: Ele nasceu no mesmo dia que surgiu o Natal?
A2: Quando ele nasceu as pessoas... Pensou ser nesse dia... Ser o natal.
P: [...] Olha o que a Cecília que não quer vim pra roda falou. Posso
repetir? (A aluna acena com a cabeça um sinal positivo) A Cecília disse
que no Natal é o dia que as pessoas... A família fica junto.
P: Mas a pessoa fica junto só no Natal?
A: Não! (os alunos respondem em coro)
P: Não, né? Também. Só quem acredita nisso é quem é... [...]
P: [...] É quem acredita no cristianismo. Quem imagina o que é
cristianismo? É quem acredita em quê?
A3: Cristão.
P: Mas é quem acredita em quê?
A: Em Deus! (os alunos respondem em coro)
P: Como é o nome?
A: Jesus Cristo (os alunos respondem em coro)
P: Quem acredita em Jesus Cristo... Só que, quem criou essa data...?
A4: Foi o comércio.
P: Também. Mas junto com outra igreja. Que igreja?
A: Católica. (os alunos respondem em coro)
(Trecho do Episódio – Aula de História 1, 2009).

O objetivo da professora Clara, nessa aula que ela chamou de “História”, era que
os/as alunos/as tivessem uma visão crítica do Natal e que entendessem a influência que o
comércio tem em datas comemorativas como essa, associada à religião católica
especificamente. Clara enfatiza que essa preocupação surge, principalmente, porque as
crianças são da periferia e que sofrem muito por não ganharem presente no Natal.

Na verdade a minha intenção, é que nessa aula. Que eles não pensassem
no natal com essa visão estática que as escolas passam. Que o 25 de
dezembro Jesus nasceu, naquele cestinho, com os apóstolos. A minha
intenção é que eles assim, que eles conhecessem que existe outras
religiões, que acreditam em outras coisas. Não, que não acreditem em
Cristo, que acreditem em Deus e em Jesus Cristo, são crentes, mas não
acreditam na data, em si. E a minha intenção, além que eles conhecessem
que existe outras religiões, que acreditam em outras coisas, é da
influência massacrante que o comércio faz em cima disso. Então a minha
intenção, na verdade, foi essa. (Professora Clara – Autoconfrontação
Simples, 2010)

A professora Clara aponta que, apesar dos esforços, nem sempre é possível realizar
todos os objetivos; ela acredita que sempre fica algo sem ser realizado. A falta de discussão
e planejamento da escola sobre o trabalho pedagógico que deve ser realizado é uma de suas
maiores angústias.
24

Designamos a letra A junto com um número para indicar a fala dos/as alunos/as.

83

É muita a dificuldade, não existe ninguém... É eu e eu, na sala. Uma
dificuldade grande é isso. Tem as Matrizes que a SEMED dá... Tem as
Matrizes Curriculares onde tem conteúdo que devem ser alcançados
numa determinada série: Português, Matemática, Ciência... Mas onde
meus alunos são fora de faixa, aí fica complicadíssimo, trabalhar em
cima daquilo, ainda mais se o professor não tem uma formação.
Nenhuma, não existe. Pelo menos, eu nunca participei, por intermédio da
escola, nunca. (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

A fala acima nos indica como era sentida pela professora a ausência de
oportunidades no âmbito institucional para realização de um trabalho coletivo com
outros/as professores/as da escola. Nesse momento da autoconfrontação simples, a
professora também ressalta a distância existente entre a atividade prescrita (nesse caso, o
currículo proposto pelas Matrizes Curriculares da SEMED, 2005) e a atividade real, ou a
que ela efetivamente realizou na sala de aula. Nesse espaço que vai do prescrito ao real, o
currículo é renormatizado, é redefinido na sala de aula, espaço central da atividade
docente, em meio às tensas relações entre professor/a e alunos/as. Nesse espaço, tanto o/a
professor/a como o/a aluno/a “experimentam frustrações, desânimo, incertezas, cansaço...
mas também vivenciam realizações, compromissos ético-políticos que vão configurando
outros profissionais e outros educandos” (ARROYO, 2011, p.10).
Dessa forma, o nosso olhar, nesse momento, vai se voltar para sala de aula, espaço
central da atividade docente, de tensas relações entre professores/as e alunos/as, e de
redefinição do currículo, ou seja, da efetivação do currículo real.

5.3 Currículo real

O currículo prescrito não consegue, por mais que tente, prescrever em todos os seus
detalhes o currículo real, ou seja, o currículo realizado de fato em sala de aula. O currículo
real, o que é realmente realizado, é sempre mais amplo que o currículo prescrito. Não é
possível registrar, no currículo prescrito, tudo o que acontece no momento da atividade, as
variabilidades que estão presentes na sala de aula e que surgem, principalmente na
interação entre professor/a e alunos/os; assim, é impossível antecipar que variabilidades
estarão presentes no exercício da atividade docente.
É sobre o aspecto do que foi realizado em sala de aula pela professora Clara, ou
seja, do currículo real que nos debruçaremos nesta parte do texto. No entanto, ressaltamos

84

que o currículo real não deixa de fora o currículo prescrito. O currículo prescrito está
presente no que foi efetivamente realizado pela professora Clara, na medida em que a
escolha do conteúdo e o planejamento para a aula têm os documentos curriculares como
referência e justificativa.
O currículo real é sempre diferente daquelas condições previamente determinadas
no currículo prescrito, nos documentos curriculares. Há que se considerar que o currículo é
desenvolvido por um/a professor/a que tem sua história, valores e crenças, e que atua em
constante interação com alunos/as, que também são seres socializados, que trazem para a
sala de aula toda a carga de suas múltiplas pertenças sociais: origem socioeconômica,
capital cultural, sexo, identidade linguística, religiosa, étnica, etc. (ARROYO, 2011).
Segundo Pimenta (2000), ao concebermos a sala de aula como local privilegiado
para a efetivação do currículo, temos que considerá-la nas suas múltiplas determinações.
A aula não fica confinada no espaço da sala. Através dos sujeitos que nela atuam, ela
ganha outros lugares, assim como é determinada pelo que está para fora dela.
Da mesma forma, Tardif e Lessard (2008) acreditam que a atividade docente não é
fechada em si mesma, dia após dia. Os/as alunos/as e docentes entram e saem da sala de
aula, modificando sem parar o ritmo escolar, introduzindo pontos de fuga e resistência.
O currículo se desenvolve no encontro entre esses diferentes sujeitos, e toda a
bagagem que trazem acumulada em sua história social, são aspectos que não estão
presentes no currículo prescrito. As negociações que os/as professores/as fazem com os/as
alunos/as, no dia-a-dia da sala de aula, não podem ser antecipadas no currículo prescrito.
No entanto, fazem parte do currículo real.
No que diz respeito ao currículo, o/a professor/a, interpreta, “decide” e organiza,
operando uma série de transformações simbólicas, cognitivas, discursivas, permitindo a
passagem de um discurso codificado, formal, geral do currículo prescrito, para um
“discurso situado na ação”, regido por exigências reais da escola, da sala de aula e dos/as
alunos/as (TARDIF; LESSARD, 2008).
Ao mesmo tempo, o/a professor/a redefine o currículo, tomando decisões relativas à
escolha dos meios, aos objetivos que serão considerados importantes, à utilização do
material, etc. O/a professor/a precisa, ainda, negociar com os/as alunos/as e, algumas
vezes, também com a direção da escola, com seus pares e os pais dos/as alunos/as, a sua
interpretação e suas opções curriculares.

85

Nessa perspectiva, salientamos que as trocas e interações ocorridas entre alunos/as,
professores/as e conteúdos disciplinares são os pilares da construção do conhecimento, do
currículo, ao mesmo tempo em que é o resultado da elaboração do prescrito e do vivido
(TARDIF; LESSARD, 2008).
Os/as professores/as fazem tudo que está ao seu alcance para realizar o currículo
prescrito. No entanto, ao mesmo tempo, são chamados a improvisar, constantemente,
diante do real e de objetivos imprecisos, trazidos pelos documentos oficiais. Segundo
Tardif e Lessard (2008), os/as professores/as perseguem objetivos e se esforçam para
respeitar o currículo prescrito; mas estes não têm o mesmo valor para os/as alunos/as, os
pais e os próprios professores/as.
Na autoconfrontação simples, a professora Clara fala sobre as interferências e
readequações que são necessárias fazer diante da realidade da escola, dos/as professores/as,
da sala de aula e dos/as alunos/as. Ela comenta, também, sobre as dificuldades que teve
que enfrentar na escola, por ter um estilo diferente do coletivo docente.

Não, não na minha sala não se comemora nada. Eu comento, assim...
Existe um comentário, eu faço um estudo histórico e assim... E tudo
sempre é voltado em relação a essa história do comércio, sempre.
Sempre que eu leio alguma coisa, a data nasceu naquela época... O
comércio havia uma lacuna e tererê, entendeu? Sempre em relação a
isso. Quando, no primeiro ano que teve uma festa de dias das mães, que
minha aluna olhou pra mim e disse: – “Tia, eu odeio a minha mãe. A
minha mãe foi presa porque me espancava...” Aí foi uma das falas que eu
fui falar pra o coordenador. Falei oh, como é que você quer que eu
trabalhe o dia das mães numa sala que uma aluna diz isso... [...] E dia
dos Pais é pior ainda, porque muitos pais são alcoólatras, muitos batem
na mãe ou o pai foi embora pra São Paulo e nunca mais voltou...
Desapareceu, e por aí vai. Várias conversas que a gente tem... E assim,
como é que eu vou comemorar uma coisa dessas, se pra elas mesmo não
existe, entendeu? Uma vez eu fiz lá na sala... Como na escola particular
que eu trabalho, o Dia da Família, que vai qualquer pessoa... Aí assim,
eu fiz uma tarde de lanche, lá na escola, quem não tinha mãe levou a
avó, quem não tinha... Levou o tio, assim... Eu achei mais proveitoso na
minha sala. A escola até ficou prontificada que ia fazer isso, tentar fazer,
entendeu? Mas, aí existem professoras que não aceitam... E assim vai...
Essa barreira... São muitas barreiras a serem quebradas. Fiz inimizade
na escola por conta disso... Porque as professoras achavam que roda de
leitura é enrolar, que aí eu não abria o livro (didático). “Há ela não dá o
livro...” E assim, acham que eu estou enrolando. Eu posso ter todos os
defeitos, mas isso eu não faço. A criança lê, eu leio, conto, a outra conta,
estórias que aconteceu... Histórias da imaginação, por aí vai. Hoje em
dia eles falam. Eles produzem textos com coerência, hoje em dia eles
sabem fazer um reconto, uma reescrita, antes não sai um eu... Um “era

86

uma” vez não saía e hoje em dia são barreiras que foram quebradas...
(Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

O conteúdo escolhido pela professora Clara, na aula que filmamos, aborda o
conhecimento religioso como tema, mexendo com valores e crenças religiosas dos/as
alunos/as, sendo fortemente influenciado pela sua visão pessoal, subjetiva das religiões,
conforme observamos na sua História de Vida. A escolha desse tema propicia
potencialmente conflitos de valores e de visões de mundo na sala de aula, entre a visão da
professora e a dos/as alunos/as. O conhecimento exposto atendeu às crenças de muitas
crianças, mas não de outras. Por isso, em diversos momentos, eles/as questionam a
professora Clara, surgindo várias negociações do conhecimento durante a aula,
questionando, inclusive, o tema da aula apresentado pela professora, como sendo de
“História”, mas que, na verdade, era de religião, como questionou uma das suas alunas.
Na medida em que o conhecimento é exposto a partir dos valores e das crenças da
professora, os/as alunos/as começam a confrontar-se com a sua história. Isso fez com que a
professora Clara refizesse seu discurso, diversas vezes, durante a aula de História planejada
e filmada. Ela redefiniu e negociou o conhecimento e, assim, o currículo. Isso aconteceu
em vários momentos da aula filmada. Acreditamos que, por estar em jogo a disputa de
valores e crenças pessoais, os questionamentos, as negociações e o confronto do
conhecimento apareceram de forma mais intensa na aula.
Segundo Arroyo (2011), as tensões vividas no âmbito do currículo fazem parte da
luta por reconhecimento da diversidade de experiências e conhecimentos, e da diversidade
de sujeitos que chegam às escolas, carregando suas experiências e seus conhecimentos. Ou
seja, a subjetividade docente está sendo permanentemente negociada com a dos/as
alunos/as, gerando tensões e reorientações, ainda mais quando está em pauta a religião.
Os trechos descritos a seguir se referem a esses momentos de negociações e de
conflitos dos/as alunos/as e da professora Clara. O primeiro trecho foi retirado do episódio
– Aula de História 1, momento em que a professora fala sobre o comportamento “dos/as
católicos” no Natal, levando alguns alunos/as a questionarem, por se reconhecerem como
católicos e não se identificarem com a crítica presente na fala de Clara. Diante dos
questionamentos e da interferência dos/as alunos/as, a professora Clara refez o seu
discurso.

87

P: [...] O Natal é a época que o comércio mais vende no mundo. É a
época que o comércio mais ganha dinheiro... [...] Tudo é propaganda,
nas casas do povo tudo enfeitada aí as pessoas oh!... [...] Todo mundo
quer comprar as coisas do Natal... [...] Aí termina Luciano (aluno), que
os católicos até esquecem o que é que tá comemorando.
A3: Esqueço não, Tia, eu sou católico e não esqueço.
A4: Eu também não esqueço.
P: [...] O que é pra comemorar?
A5: O nascimento de Jesus.
(Joana e outros/as alunos/as não se conformam com o que a professora
diz, e ficam fazendo comentários. Infelizmente na filmagem não dá para
ouvir o que foi dito)
P: [...] Joana presta atenção. [...] Eu não estou dizendo que é errado
comemorar o Natal no dia 25, e nem estou dizendo que Jesus não nasceu
nesse dia... [...] Eu só quero que vocês saibam que cada religião acredita
numa coisa...
A6: Tá passando da hora, a chamada.
[...]
P: E cada povo tem o que diferente? [...]
P: Uma cultura diferente. Tem os hábitos, os costumes, tudo diferente.
(Trecho do Episódio – Aula de História 1, 2009)

O episódio – “Aula de História 2” inicia depois do intervalo, com a professora
Clara no quadro escrevendo a atividade proposta para a turma, que deve ser copiada no
caderno. No cabeçalho, ela coloca que a atividade é de História, fato que causa
questionamento por parte de uma aluna. O conflito de valores e crenças entre os/as
alunos/as e a professora Clara continua. Diferente do que muitos alunos/as e suas famílias
acreditam, a visão de mundo exposta pela professora Clara entra em conflito,
principalmente no que se refere, novamente, à religião Católica. Ela usa seus valores e
crenças para desvalorizar a religião dos/as alunos/as.

A6: Hoje não é aula de História. Hoje é de religião.
P: E é religião!? Mas a religião faz parte da nossa História.
P: Só que tem um problema, viu... Não é todo mundo que acredita que
Jesus é filho de Deus, nem é todo mundo que acredita em Deus não. [ela
fala isso enquanto está apontando o lápis; isso acontece
corriqueiramente]
[...]
A7: E em Maria.
P: Em Maria então, é que tem um monte de gente que não acredita. Se
não acredita em Jesus...
A6: É pior quem não acredita em Maria.
P: Maria é que não acredita mesmo.
A3: Minha vó acredita.
(Trecho do Episódio – Aula de História 2, 2009)

88

Não se pode determinar previamente como um/a aluno/a reagirá diante de uma
atividade, um conteúdo, os questionamentos que possam colocar, as dúvidas que possam
apresentar e os conflitos que possam surgir. Não se pode prever o estado de espírito do/a
professor/a no dia em que deveria aplicar essa ou aquela atividade, ou ministrar o conteúdo
ou mesmo justificar sua escolha. Assim, como não se pode esperar dos/as alunos/as a
inércia diante de determinados conhecimentos abordados nas aulas. Isso porque os/as
alunos/as, como todos nós, são seres socializados e nem sempre são passivos, mesmo
sendo crianças.
O processo de construção do conhecimento é constituído pela bagagem cognitiva
dos/as professores/as e alunos/as, associado à interação processada entre eles, bem como
ao contexto sociocultural que compartilham (TARDIF;LASSARD, 2008). Essa bagagem
cognitiva está impregnada de subjetividade, de emoções e de cultura.
Se é fato que a prescrição e o planejamento do currículo não conseguem prever
totalmente as situações, há que se considerar que o currículo efetivamente realizado será
sempre parcialmente diferente daquele que havia sido planejado, por mais que se tente
enquadrá-lo. Segundo Macedo (2002), isso acontece por que o currículo é construído,
fundamentalmente, nos fluxos das necessidades diárias e específicas da escola.

[...] em termos de cultura escolar contemporânea, é o documento que
legitima a própria existência escolar, mesmo sabendo-se que o currículo
real transcende em muito o documento oficial, por ser um fenômeno
construído eminentemente nos fluxos das interações cotidianas da escola
(MACEDO, 2002, p.171).

Os/as professores/as não aplicam nem seguem o currículo prescrito mecanicamente,
ao contrário, apropriam-se dele e o transformam em função das necessidades situacionais
que encontram na sala de aula, da interpretação que fazem das necessidades dos/as
alunos/as, dos recursos disponíveis e de suas preferências, crenças e valores, etc.
(TARDIF; LESSARD, 2008)
Cada professor/a lida e realiza o currículo de uma maneira única, singular. Dessa
forma, o currículo é atravessado pela subjetividade, por elementos de dimensão pessoal:
saberes, experiências, valores, crenças. O/a professor/a e o/a aluno/a não deixa fora da sala
de aula, fora do currículo, sua história, vivências, valores e crenças. Pelo contrário, são
elementos constituintes do currículo real. O mesmo vale para os/as alunos/as, também
protagonistas desse currículo real.

89

Segundo Tardif e Lessard (2008), os/as docentes, mesmo quando utilizam
programas, materiais didáticos, manuais, apostilas (currículo prescrito) elaborados por
outros, eles/as os retrabalham, interpretam, modificam, a fim de adaptá-los aos contextos
concretos, reais e variáveis da ação cotidiana e às suas preferências.
Os/as professores/as não fazem suas escolhas de uma forma restrita ao interior da
escola. As escolhas dos/as professores/as têm como referência o patrimônio cultural que
carregam, sua história de vida, suas experiências. Segundo Goodson (2007a, p.72), “[...] o
estilo de vida do professor dentro e fora da escola, as suas identidades e culturas ocultas
têm impacto sobre os modelos de ensino e sobre a prática educativa”. Por isso é tão
importante garantir o acesso a bens culturais aos/às professores/as.
Na aula da professora Clara, elementos da sua história de vida surgem como parte
do conteúdo, do conhecimento a ser compartilhado com os/as alunos/as. Ela expressa
valores que circulam entre o espaço de sua atividade de trabalho e o espaço de sua vida
fora da escola. Circulação de valores que constrói nessa professora a consciência e a
adesão a uma tarefa que é de propriedade sua, que não vem de uma determinação colocada
pelo currículo prescrito ou pela escola, que faz parte do seu estilo profissional.
No trecho a seguir, podemos perceber que a atividade docente não se reduz ao que
os discursos oficiais e o currículo prescrito dizem sobre a sua atividade. Os/as
professores/as negociam e realizam sua atividade em meio a um conjunto de variáveis
como: a história familiar e pessoal (sua e de seus alunos/as), as condições de trabalho e
ocupacionais, os discursos que, de algum modo, falam do que são e de suas funções
(GARCIA et al., 2005).

P: Oh! A Tia Clara quando era pequena, na idade de vocês, foi criada...
Minha mãe, meu pai, meus irmãos era de uma religião que não se
chamava católico.
A4: Judeu.
P: Nem era Judeu. Nem era evangélico.
P: Eles eram de uma religião chamada TES-TE-MUNHAS... Quem já
ouviu falar?
A5: (Uma aluna completou: “de Jeová”, entretanto, não deu para ouvir
na filmagem)
P:Quem é da sua família?
A6: Eu, meu pai, minha mãe.
P: Você!? (Acena positivamente com a cabeça). E... É. Então olha só...
[...] Sabia que o Testemunha de Jeová não acredita que Jesus Cristo
nasceu nesse dia 25 de dezembro que os católicos dizem.
A7: Não acredita?!

90

P: Não. Para o Testemunha de Jeová... Lógico que eles acreditam em
Jesus Cristo, em Deus... Mas acredita que ele nasceu em outro dia... Aí o
Testemunha de Jeová não comemora o NA-TAL.
A7: Não comemora?!
P: Não. E o Testemunha de Jeová não comemora dia de aniversário...
Não comemora dia das crianças... Não comemora dia dos pais... Não
comemora dia das mães...
A8: E é tudo, é?!
P: É tudo. [...] (os/as alunos/as ficam surpresos e começam a comentar,
no entanto não dá para ouvir, na videogravação, o que eles dizem).
P: [...] Quando eu nasci minha mãe era... Tia Clara, hoje, não é mais
Testemunha de Jeová. Só que oh! Eu quero dizer a vocês que existem
vários tipos de religião... Vários tipos de religião onde cada um, Carlos,
acredita numa coisa...
(Trecho do Episódio – Aula de História 1, 2009)

Nesse trecho, percebe-se claramente toda subjetividade da História de Vida de
Clara na aula planejada. Ficou claro que o currículo real está permeado e moldado por
valores e propósitos dos/as professores/as; são os docentes que constroem suas práticas
educativas, moldando-as a partir de suas experiências. Os/as professores/as, no exercício
da atividade, incluem maneiras particulares de viver o trabalho, utilizam-se da sua história
de vida, das suas experiências, crenças e valores, para desenvolver sua atividade.
Não há como desvincular o/a professor/a da sua história, da sua identidade. As
políticas curriculares de caráter prescritivo insistem em tratar o trabalho docente como um
ofício destituído de subjetividade. Tentam reduzir a atividade docente à dimensão técnica,
conteudista, didática e à aplicação das prescrições. A docência é uma atividade exercida
por seres humanos históricos, que trazem para suas disciplinas e práticas pedagógicas as
identidades e capacidades construídas ao longo de sua história de vida (MARTINS, 2004).
Ao ressignificar o currículo prescrito, os/as docentes fazem escolhas entre várias
possibilidades. Uma característica marcante na ressignificação dos currículos pelos/as
professores/as tende a ser o improviso. Diante da situação real da sala de aula, e em
interação com os/as alunos/as, o que não estava previsto pode surgir. Segundo Tardif e
Lessard (2008),

Os objetivos e a os programas das escolas têm o peso de uma roupagem
burocrática mas, ao mesmo tempo, exigem que os professores tenham a
autonomia de verdadeiros profissionais, capazes de desviar-se de rotinas
para improvisar conforme a complexidade das situações. O mandato dos
professores, portanto, é bastante ambíguo no âmbito de sua atividade: ele
comporta, como dizíamos, algo de rígido e algo de flexível (TARDIF;
LESSARD, 2008, p.224).

91

Essa ambiguidade acontece, sobretudo, em atividades que têm o ser humano como
objeto em formação, ou seja, principalmente quando esse ofício está voltado para
formação humana, como é o caso do/a professor/a. Sua atuação implica, além do domínio
dos saberes que deve transmitir, o domínio cognitivo diante de situações dinâmicas,
imprevisíveis, como o gerenciamento de pessoas, autonomia e responsabilidade nas
decisões, adaptabilidade e adequação sem erros a um contexto específico (TARDIF,
LESSARD, 2008).
No segundo episódio, Aula de História 2, que ocorreu logo depois do lanche,
recreio e roda de leitura, a professora Clara propõe uma atividade com os/as alunos/as, que
consistia em procurar no dicionário o significado das palavras Natal, Jesus Cristo, Católico
e catolicismo. Como não havia dicionários para todos/as os/as alunos/as, a turma se dividiu
em duplas ou grupos de três. No entanto, no meio dessa atividade, a professora Clara
iniciou uma nova conversa com os/as alunos/as, sobre teorias de construção/criação do
mundo, que levou a uma votação para saber em qual teoria eles/as acreditavam. Nessa
conversa, novamente surgem elementos da sua visão de mundo, da sua concepção de
homem, do que ela acredita como pessoa e da sua história pessoal. Os elementos trazidos
pela professora Clara para isso foram superficiais e precisariam ser abordados e discutidos,
com mais elementos teóricos das abordagens científicas, que ela obviamente demonstrou
não dominar.
A aula realizada pela professora Clara parece não ter sido planejada, principalmente
a votação sobre visões de mundo, conforme a transcrição subseqüente:

P: Psiu! Oh! Olha o que eu vou dizer agora. [...] Vocês sabiam que tem
um monte de pessoas, cientistas, estudiosos que não acreditam nem em
Deus e nem em Jesus...
A5: Nem em Maria.
P: Em Maria nem se fala... Se não acredita em Deus, vai acreditar em
Maria!
[...]
P: Sabe em que eles acreditam? Duas coisas: primeiro que o homem veio
do macaco.
A: [Os alunos riem]
A6: O quê Tia?
P: Tem homens que acreditam... Os cientistas... Oh! Que o homem veio
do macaco. Que era um macaco... Aí o homem foi desenvolvendo o
cérebro. Senta lá pra ouvir essa. O homem foi desenvolvendo o cérebro,
e o cérebro foi ficando inteligente. E ele andava assim igual um macaco.
[Ela começa a imitar um macaco e alguns alunos começaram a imitar
com ela] Como é que o macaco anda? É, foi exatamente assim. Oh! [...]

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Mário como é que foi? Aos poucos. Aí! [Mário imita um macaco a
pedido da professora. Ele vai ficando ereto aos poucos]
P: Aí, muito bem. Muitos cientistas acreditam nisso. Mas, os outros...
Oh!
A1: Acham que sai da barriga.
[...]
P: Olha só. Muitos homens acreditam que o homem veio do macaco. E
outros acreditam que o homem nasceu sabe de quê, Mário? [Ela fala
isso enquanto escreve a palavra Macaco no quadro].
A12: Faz a ponta do meu lápis?
P: Faço já. Oh, psiu.
A7: Do Chimpanzé?
P: Não. Oh! Os outros cientistas acreditam que o homem nasceu sabe de
quê? Que o mundo se transformou sabe por quê? Porque aconteceu uma
grande... [ela escreve no quadro explosão].
A9: Explosão.
P: Aconteceu uma grande explosão. [A aluna que havia pedido para ela
fazer a ponta do lápis retorna e fica na frente dela com o lápis
levantado]
A: BUM! BUM! [Alguns alunos reproduzem o barulho da explosão]
A7: Que matou todos os dinossauros.
P: Muito bem. A explosão que matou...
A8: Todos os dinossauros.
[...]
A11: Tia! Tia! Meu colega tem um DVD de como matou os dinossauros.
P: Só que oh!... Matou todos os dinossauros... E também o homem
acredita que nessa explosão... [...]
P: [...] Juntou um monte de pedacinho de partículas, que chama. Aí foi se
transformando na vida humana. E vocês, em que vocês acreditam?
A5: Em Deus.
A1: Que a gente nasceu da barriga.
P: Vou fazer uma votação. Começando do João. O João acredita que ele
nasceu... Veio do macaco, da explosão ou de Deus?
A: De Deus! [Vários alunos/as respondem]
(Trecho do Episódio – Aula de História 2, 2009)

Ao final dessa atividade, a professora fez o levantamento da votação. Deus ganhou
como criador do homem, como era de se esperar, considerando o tom de descrédito da
professora para as outras possibilidades apresentadas, e a falta de esclarecimentos
consistentes sobre a teoria da evolução.
Ao terminar de assistir o episódio, Aula de História 2, a professora Clara afirma
que a situação é mais complicada que a do episódio anterior (Aula de História 1, 2009).
Ela comenta ainda, que, às vezes, se estende em determinados assuntos; que seria
necessário estudar mais, para conversar com as crianças sobre o referido tema. Ela aponta
os problemas da própria aula em análise:

93

Por conta de eu misturar os conteúdos. Em relação, por exemplo... Essa
aula eu tava falando do... Da influência do comércio, da diversidade de
religião e, depois, eu já entrei no segundo momento, falando de possíveis
crenças de cientistas em relação à formação do mundo. [...] Mas, assim,
eu acho que eu. Que eu tenho, quando for falar para as crianças... Eu
acho que deve haver mais estudos e não misturar muito as coisas. Eu
falei da influência do comércio, aí eu falei do Natal, do consumo, da
diversidade religiosa, depois eu fui falar de conceitos de formação de
mundo. Então eu acho que misturou muitas coisas pra uma aula só, isso
poderia ser subdividido, ou alguma coisa assim... Não sei. (Professora
Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Em outro momento da autoconfrontação simples, a professora Clara reafirma o que
ela considera que deu errado na aula e a necessidade de estudar mais os conteúdos.

Eu acho agora que eu não deveria ter misturado esse conceito de
explosão, sem ter estudado mais, e não deveria ter misturado. Eu tava
falando de comércio, diversidade religiosa, influência da Igreja
Católica... O coordenador fala que eu sou... Que eu faço campanha
contra o catolicismo, mas não é. É só em relação à influência que é
massacrante, eu quero mostrar isso pra eles, mas assim, eu acho que eu
misturo demais. Não sei se isso acontece em todas as aulas, sei que nessa
particularmente eu misturei demais os conteúdos sem ter um
embasamento teórico suficiente para trabalhar um determinado assunto.
(Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Ao possibilitar à professora Clara, através da autoconfrontação simples, esse
diálogo com a sua própria atividade, por meio dos registros feitos sobre ela, fez com que a
docente revivesse a atividade, trazendo aspectos que não foram percebidos no momento de
realização da atividade, mas que estavam presentes.

[...] Eu faria diferente a partir do dia que eu vi. [...] Claro que eu não
tinha noção do que faria de diferente nessa aula... Meia hora depois, não
dá pra você ter esse senso crítico... Pelo menos eu não tive. Tive depois
que vi. (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Percebemos um movimento de autocrítica da professora, quando reconhece que sua
aula fracassou no aspecto do conteúdo trabalhado, mas não consegue perceber que seus
valores pessoais e sua crítica ao catolicismo estavam sendo confrontados por alguns de
seus/uas alunos/as e que deveria ser evitadas.
Nessa pesquisa, entendemos o currículo real como sendo aquilo que está prescrito
nos documentos oficiais e, também, como o que realmente é realizado na sala de aula e
fora dela, no ambiente da escola. Consideramos, ainda, como parte do currículo ou como

94

real do currículo aquilo que, mesmo não sendo realizado, atua de forma silenciada, não
visível, mas que modela o comportamento e o pensamento de professores/as e de
alunos/as. É sobre o real do currículo que nos deteremos na próxima sessão.

5.4 Real do currículo

Estamos denominando de real do currículo, conceito inspirado na Clínica da
Atividade, tudo o que não se fez, o que não se pôde fazer, o que se tentou fazer sem
conseguir, o que se teria querido ou podido fazer, o que se pensou, se desejou ou se sonhou
poder fazer, o que se fez para não fazer aquilo que seria preciso fazer, ou o que foi feito
sem o querer ou sem necessidade, também fazem parte da atividade e do currículo, pois
interferem no que foi realmente realizado, no que foi efetivamente feito (CLOT, 2010b;
CLOT, 2007).
Compreender o currículo sob a ótica do real do currículo possibilita ampliar a
compreensão a respeito do currículo prescrito e do currículo real, ou como Goodson
(2008a) denomina, currículo escrito e currículo ativo.
Faz parte do real do currículo: os impedimentos ou acréscimos existentes na
concretização do currículo; na realização do currículo, de um planejamento de aula, é
preciso lidar com o imprevisto; algumas vezes é necessário fazer outra coisa, algo fora do
que está previsto (TARDIF; LESSARD, 2008).
A atividade da votação desenvolvida na aula com seus/uas alunos/as, segundo a
própria professora Clara, não estava prevista no planejamento e foi uma coisa que surgiu
durante a aula.

Eu nem lembro como é que foi. [...] muitas coisas assim surgem,
entendeu? [...] A votação foi uma coisa que surgiu, não tava nem no...
Planejamento. (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Os/as professore/as, segundo Tardif e Lessard (2008), fazem de tudo para realizar
os objetivos previstos em seus planejamentos, ou nos programas oficiais, mas nem
sempre é possível. Isso acontece, porque as prescrições curriculares costumam se referir a
conteúdos e orientações pedagógicas que, de uma forma ou de outra, tendem a se tornar

95

reguladoras da atividade pedagógica dos/as professores/as de uma forma direta ou
indireta (PIZZI; MELO, no prelo).
Segundo a professora Clara, ela não realizou tudo o que pretendia no primeiro
momento da aula, ou seja, no episódio, Aula de História 1.

Não! Não! Não realizei... Assim, porque creio eu que eu falei assim...
Foram muitas informações que poderiam ser aprofundadas em outras
aulas... Eu falei dos Testemunhas de Jeová, mas falei superficialmente,
apesar de alguns já terem conhecido, mas eu poderia escolher outras
aulas e aprofundar mais sobre isso. (Professora Clara –
Autoconfrontação Simples, 2010)

A professora Clara acredita que nem sempre é possível realizar todos os objetivos
propostos previamente para a aula. Na ocasião da autoconfrontação simples, ela falou
sobre a importância dos/as alunos/as participarem da aula, junto com ela na construção do
conhecimento e transformação do currículo. Esse é um aspecto que em diversos momentos
da autoconfrontação simples, e da sua história de vida aparecem. Entendemos que isso está
relacionado a uma concepção dialógica de ensino e de aluno/a, extremamente relevante no
estilo da professora.

Não, sempre fica sem realizar. É muito complicado você trabalhar
sozinha. Eles são dispersos. Quando eu comecei na escola, eles não
tinham essa rotina, essa dinâmica de trabalho que eles têm... Que eu
consigo manter hoje. Eles não eram adaptados a falar, essas crianças,
elas não falavam... Uma coisa assim, que eu prezo muito, que eles façam
é falar, porque eles só eram habituados a escrever o que estava escrito
no quadro, independente de saber o que tava escrito ou não. Aí assim,
nem sempre... Na maioria das vezes... Aí posso tá até equivocada em
dizer isso, mas nem sempre os objetivos são alcançados porque assim,
sempre ficam lacunas... Que possam ser preenchidas em aulas
posteriores. Como eles falaram do povo judeu, eu não me aprofundei,
mas, também, se eu fosse me aprofundar... Não dá naquela aula. Teria
que ser assunto para outra aula... Outra aula posteriormente.
(Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

No recorte acima, a professora Clara enfatiza a participação dos/as alunos/as como
um elemento importante para a realização da aula, que está presente em quase todas as
atividades, mesmo não sendo necessário em alguns momentos. Analisando o episódio,
Aula de História 2, a professora Clara acredita que não deveria ter realizado com os/as
alunos/as o conteúdo sobre possíveis crenças de cientistas em relação à formação do
mundo.

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[...] Em relação a essa história da explosão, de Deus, eu acho que não.
Eu não deveria ter misturado isso aí... Fugiu demais, isso aí. Acho que
ficou uma coisa muito complexa. Eu acho que deveria ter ficado... Em
relação ao cristianismo, a parte da pesquisa, e tudo... E ter esquecido
essa parte, pelo menos até então... Eu acho que ficou muita coisa, onde
há uma complexidade muito grande... Deveria ter estudado mais um
pouco pra falar sobre isso. [...] Quando eu quiser trabalhar um
conteúdo, eu tenho que me aprofundar melhor, porque assim, muitas
coisas que os professores falam são verdades absolutas pra as crianças,
e a gente tem que ter muito cuidado. Eu acho que convém um estudo
muito maior em relação... (Professora Clara – Autoconfrontação
Simples, 2010)

Para Tardif e Lessard (2008), é o/a professor/a que, numa sala de aula, determina se
os objetivos foram alcançados realmente, e também é ele/a quem decide em que momento
deve passar para outro objetivo, mesmo que algumas vezes o objetivo precedente não tenha
sido alcançado, devido ao tempo ou por outra razão qualquer. Dessa forma, entendemos
que a autoconfrontação simples possibilitou à professora retornar e repensar a atividade
realizada, fazendo uma ponderação do que realizou e do que deixou de realizar; do que
poderia ter realizado ou deixado de realizar. Nesse sentido, analisando a sua atividade via
autoconfrontação simples, a professora Clara diz o que mudaria na aula.

Eu acho que eu deveria ser mais sintética, assim é... Não em resumir. Eu
acho que eu não deveria ter entrado em vários assuntos. Eu falei do
testemunha de Jeová, eu falei do comércio, eu falei do Natal, tudo bem
que abrem ganchos pra isso, mas assim... [...] Eu acho hoje, né? Se eu
quiser tratar mais essa estória da influência do comércio, que eu me
detenha mais a isso, ou a religião mais a religião, e não misture tantas
coisas, porque fica terminando... Nem faz uma nem faz outra. Penso eu
poderia ter acontecido isso. Apesar de que essa estória do comércio... Eu
como sou anticonsumo (risos) eu sempre bato na tecla... Sempre que tem
data comemorativa, Natal, Ano Novo, Páscoa, Dia da Criança, dia disso,
dia daquilo... Eu sempre converso com eles. Olha! Lembra da estória do
Natal, da Páscoa, agora tá chegando outra... Agora vocês vão ver de
novo essa estória. Pra eles terem já uma consciência. Principalmente
eles que são da periferia, que são pobres e sofrem muito mais por não
poder consumir. (Professora Clara – Autoconfrontação Simples, 2010)

Na autoconfrontação simples, a professora Clara falou sobre suas escolhas, ao
trabalhar a Páscoa25 na escola, comparando com a forma com que é abordado o mesmo
assunto pelas outras professoras da sua escola.

25

A professora Clara se refere à Páscoa porque na semana em que fizemos a autoconfrontação simples, era
semana de comemoração desta data comemorativa.

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A única sala que não está trabalhando a data comemorativa é a minha.
Todas as outras salas, agora na páscoa, é coelhinho, nhen-nhen, barará
e eu não concordo. E o coordenador ele nem questiona, nem o
coordenador, nem o diretor, nem o professor... Às vezes os professores
ficam com raiva... Já houve muitas discussões, por eu fazer isso, ou por
eu não fazer, eu não concordo; vai de encontro aos princípios que eu
tenho, eu não concordo em vestir o aluno de coelhinho, de pintar
narizinho... Eu posso até tá errada, isso ser até coisa minha. [...] É. Isso
é meu, pessoal, que eu criei. Sei lá, não concordo. O que, que eu fiz na
páscoa? Contei a história do chocolate, trabalhei o conceito de onde veio
o chocolate, trabalhei o chocolate, fiz brigadeiro na sala, fiz não sei o
quê... E consegui um monte de brinde... Levei pra sala e fiz sorteio. Levei
aquela brincadeira do passa ou repassa. Aí trabalhei a páscoa: como é a
páscoa no Japão? Como é a páscoa na China, como é a páscoa não sei
aonde... Assim, eu tento, eu confesso que tento. (Professora Clara –
Autoconfrontação Simples, 2010)

No entanto, não podemos esquecer que o que foi possível de realizar é a atividade
que venceu entre muitas possibilidades de realização (CLOT, 2010a). Nesse sentido, não é
possível neutralizar, esquecer que o espaço onde são feitas as escolhas é no trabalho, e que
isso acontece o tempo todo. Por mais que se tente codificar, prescrever a atividade sempre
haverá aí uma dimensão que escapa a toda tentativa de racionalização. É nesse espaço que
a subjetividade, as vontades e os desejos acontecem.

98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou articular as considerações teóricas da Clínica da
Atividade com o campo do currículo. A nosso ver, a articulação entre essas áreas do
conhecimento propiciou uma discussão mais ampla sobre a atividade docente, pois
possibilitou visualizar as prescrições, a subjetividade e as escolhas dos/as professores/as
como fazendo parte da atividade.
A discussão sobre atividade docente e o currículo, que fizemos nessa pesquisa,
trouxe os documentos oficiais produzidos por e para a escola como elementos essenciais,
para compreensão do modo de agir dos/as docentes em muitas situações, principalmente na
realização do currículo em sala de aula.
As prescrições curriculares costumam se referir a conteúdos e orientações
pedagógicas, que, de uma forma ou de outra, tendem a se tornar reguladoras da atividade
pedagógica dos/as professores/as de uma forma direta ou indireta.
Dadas as mudanças curriculares introduzidas pelos PCN e suas variantes refletidas
nas políticas curriculares regionais e municipais, percebemos o quanto o papel do currículo
prescrito oficial na atividade docente ainda merece maiores aprofundamentos. Acreditamos
que ele pode fornecer importantes elementos para compreensão da organização do trabalho
pedagógico na escola e, por conseguinte, da atividade docente.
Ao longo dessa pesquisa, nos aproximamos da atividade docente, buscando
apreender as diversas dimensões ou registros que comporta essa atividade. A dimensão das
prescrições que antecedem a atividade, do currículo prescrito; dos conhecimentos
utilizados na atividade; do grau de subjetividade e dos valores pessoais da professora; das
reformulações feitas no curso da atividade; do trabalho coletivo. Esses aspectos só foram
possíveis de serem observados porque utilizamos a autoconfrontação como metodologia.
Nesse sentido, a abordagem da Clínica da Atividade e a metodologia da
autoconfrontação, da forma como vêm sendo propostas por Clot (2007) e seus
colaboradores, quando traduzidas para os estudos e pesquisas sobre a atividade docente,
com foco no currículo, como buscamos realizar nessa pesquisa, trazem novas
possibilidades de análise sobre o trabalho docente. Essa abordagem, em nossa opinião,
fornece aos/às pesquisadores/as instrumentos de análise bastante completos para estudar a
atividade docente no contexto escolar, sobretudo o currículo real e o real do currículo.

99

Olhar para a atividade de trabalho da professora Clara implicou em olharmos para o
que essa professora realiza cotidianamente, para os valores e saberes que circulam em sua
atividade, para a forma como sua atividade é determinada, parcialmente, pelas prescrições
curriculares que se reconstroem no encontro, sempre singular, com variabilidades inscritas
nas situações reais de trabalho.
Exercer uma atividade de trabalho, nesse sentido, é gerir em situação real as
prescrições curriculares da escola e os estilos que se reinventam no fazer cotidiano da
professora.
Ao tentarmos compreender o trabalho da professora Clara, tomando como ponto de
partida a noção de atividade, foi possível perceber as inúmeras circulações que se
processam no espaço dessa atividade de trabalho. Os valores que operam na atividade da
professora Clara não são desvinculados dos valores que a move na vida cotidiana. Os
valores que ela carrega influenciam sua atividade, determinam caminhos.
Percebemos que a metodologia da autoconfrontação simples foi muito bem
sucedida com a professora Clara, principalmente no aspecto do planejamento curricular,
visto que, ao assistir sua atividade em vídeo na autoconfrontação simples, de imediato ela
percebeu suas limitações, os improvisos, que nem sempre dão muito certo. E também por
ter reconhecido que o planejamento, o conteúdo e as informações a serem discutidas com
os/as alunos/as merecem mais dedicação e preparo prévio. Uma de nossas expectativas era
justamente que ela percebesse que estava lidando com conteúdos complexos, os quais que
foram ensinados de forma aligeirada, sem o aprofundamento necessário. Essa expectativa
foi plenamente atingida na autoconfrontação simples.
Por outro lado, no que se refere ao plano da subjetividade, da sua formação familiar
impregnada de valores religiosos, a professora não parece ter alterado sua orientação em
relação ao tema da religiosidade e a forma como afeta seus alunos/as. A aula da Professora
Clara deixava muita margem para a subjetividade. Ela, em nenhum momento, revelou as
referências que utilizou para a escolha do conteúdo e dos valores, além dos seus próprios.
Parece não ter percebido nenhum problema a respeito da influência dos seus valores
pessoais e as crenças de seus/suas alunos/as na aula, e os conflitos causados; assim como,
também, aparentou não ter percebido o modo desrespeitoso que tratou a crença de
alguns/mas alunos/as, e a indignação por parte de alguns/as deles/delas em relação à sua
postura. Não percebemos, portanto, o quão danoso pode ter sido para seus/suas alunos/as.

100

Dessa forma, a professora Clara procurou sempre justificar a escolha da aula, ao
consumismo que cresce durante as datas comemorativas e, através dessa justificativa,
sustentou a sua visão religiosa, seus valores e sua visão de mundo junto aos/as alunos/as
nunca explicitados claramente, uma vez que foram sempre justificados pelo consumismo,
que ela veementemente critica. Nesse aspecto, não percebemos nenhuma dúvida ou vacilo,
com relação a sua crença e valores, mesmo ao ser confrontada pelos/as alunos/as durante a
aula ministrada.
Observamos que o estilo de dar aula da professora Clara propicia o diálogo, a
interferência dos/as alunos/as, as manifestações e as trocas de conhecimentos entre eles/as.
Isso se deve também ao bom relacionamento que ela tem com sua turma e da metodologia
utilizada nas suas aulas, que avaliamos como um elemento altamente positivo. Em alguns
momentos, ela refaz o seu discurso e se reorganiza diante da interferência da turma, fato
que aconteceu várias vezes em suas aulas. As escolhas da professora Clara, a todo o tempo,
é confrontada com os desejos e vontades dos/as estudantes. Isso fez com que o currículo
prescrito fosse reinventado e com que o improviso fizesse parte do estilo de Clara,
exigindo que lançasse mão de uma gama de conhecimentos, saberes, muitas vezes
relacionados à sua história de vida, aos seus valores e crenças, na falta de outras fontes
mais seguras.
Para nós, ficou evidente o grau de subjetividade da Professora Clara na preparação
e desenvolvimento do currículo durante a aula. A forma como ela trabalhou conceitos
durante a aula e as datas comemorativas ao longo do ano letivo, como ela própria afirma,
são moldadas por valores pessoais dela. Ela usa o prescrito apenas como ponto de partida;
a aula realizada, em nossa opinião, foi desenvolvida através da subjetividade.
Nesse sentido, a docência é uma atividade que envolve interação, constante e
concomitantemente: com as prescrições, com o conteúdo, com outros/as professores/as,
com a gestão, com as leis, com a comunidade escolar, com seus/suas alunos/as e com a
família dos seus/suas alunos/as. Isso faz da atividade docente um trabalho extremamente
complexo e que tem suas próprias singularidades.

101

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108

ANEXOS

109

ANEXOS – A
Roteiro da Entrevista de História de Vida

• Como foi sua infância e adolescência?
• Como você escolheu a profissão docente?
• Quais foram suas experiências profissionais?
• Como foi sua formação para a profissão docente?
• Como você se sentiu quando entrou pela primeira vez em sala de aula?

110

ANEXOS – B
Roteiro da Autoconfrontação Simples

• Você pode descrever o que você estava fazendo no dia?
• Você realizou tudo que você pretendia nessa aula?
• O que você havia planejado para essa aula?
• Você acredita que foi realizado ou algo deixou de ser realizado?
• Você mudaria alguma coisa dessa aula?
• No seu planejamento quais eram os conteúdos que você pretendia abordar nessa aula?
• Você usou alguma fonte de pesquisa para programar essa aula? Você utiliza documentos
governamentais?
• O que você acha que deu errado na aula?
• No trabalho com os colegas como é que se dá a troca de conteúdos?