Talvanes Eugênio Maceno
Título da dissertação: “(Im)Possibilidade e limites da universalização da educação sob o capital”
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TALVANES EUGENIO MACENO
(IM)POSSIBILIDADES E LIMITES DA
UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SOB O
CAPITAL
MACEIÓ, JULHO DE 2005
1
TALVANES EUGENIO MACENO
(IM)POSSIBILIDADES E LIMITES DA
UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SOB O
CAPITAL
Dissertação apresentada ao Centro de
Educação da Universidade Federal de
Alagoas, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Professora Dra Maria do
Socorro Aguiar Oliveira Cavalcante.
Co-orientador: Professor Dr Ivo Tonet
MACEIÓ, JULHO DE 2005
2
Talvanes Eugênio Maceno
(IM)POSSIBILIDADES E LIMITES DA UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SOB O
CAPITAL
APROVADA EM 19 DE JULHO DE 2005
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dra. Maria do Socorro Aguiar Oliveira Cavalcante (UFAL)
Orientadora
____________________________________________________
Prof. Dr. Ivo Tonet (UFAL)
Co-orientador
____________________________________________________
Prof. Dra. Tânia Moura (UFAL)
____________________________________________________
Prof. Dra. Susana Vasconcelos Jimenez (UECE)
3
MACENO, Talvanes Eugênio.
(im)possibilidades e limites da universalização da educação sob
o capital. Maceió, 2005.
Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Alagoas –
Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação.
4
À Rebequinha e à Clarice, como sinceras desculpas pelo mundo em que vivemos. Na
esperança de que como formiguinhas um dia contribuam para a edificação de uma
comunidade emancipada como nos seus mais ingênuos sonhos infantis.
5
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que de uma maneira ou de outra contribuíram para a realização deste trabalho
os nossos eternos agradecimentos:
Aos meus pais e irmãos que sempre estiveram ao meu lado em todas as caminhadas.
A Rita, por ter segurado a barra da realização deste mestrado.
À professora Maria do Socorro Aguiar Oliveira Cavalcante, pelo exemplo de dignidade
pessoal e compromisso moral e profissional que sempre norteou suas posturas; por ter
assumido a nossa orientação com a coragem e a dedicação que lhes são peculiares.
Ao professor Ivo Tonet, por sua inestimável contribuição teórica, seja através das suas aulas,
de seus textos ou na co-orientação deste trabalho.
À professora Susana Jimenez, pelas sugestões apresentadas no momento da qualificação.
À professora Maria Cristina Soares Paniago, pela pertinente crítica da primeiríssima versão do
que viria a ser este texto e por suas aulas acerca do Estado em Marx.
À professora Edna Bertoldo, baluarte de defesa do marxismo no CEDU, pela generosa força e
contribuição a nós dedicada.
À professora Conceição Veras por primeiro nos ter apresentado a Lukács e nos livrado de um
“marxismo” praticista e religioso.
Aos companheiros Luciano Moreira e Aline Nomeriano pelos estímulos que nos deram ao
longo dessa caminhada e pela relação fraterna e cúmplice que estabelecemos nesses últimos
anos.
Ao companheiro Marcos Ricardo pela amizade e compartilhamento de idéias e ideais
consolidado ao longo de mais de uma década e meia.
Aos amigos, Moab, Enoc, Ranúzia, Diga, Neném, Léo e Joseth pela ajuda e apoio para a
realização do nosso mestrado.
À FAPEAL, pela concessão de bolsa de estudo para a realização desta pesquisa.
6
“A emancipação da sociedade quando à
propriedade privada, à servidão, adquire a
forma política da emancipação dos
trabalhadores; não na acepção de que
somente está implicada a emancipação dos
últimos, mas porque tal emancipação inclui
a emancipação da humanidade como
totalidade, uma vez que toda a servidão
humana se encontra envolvida na relação do
trabalhador com a produção e todos os tipos
de servidão se manifestam exclusivamente
como alterações ou conseqüências da
referida relação”. (Marx).
7
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo apontar os limites e demonstrar a impossibilidade da
universalização da educação formal sob o capitalismo. A realização desse fim é perseguida
tendo por base uma investigação teórica, de caráter ontológico-filosófico, cuja fundamentação
parte dos pressupostos teórico-metodológicos instaurados por Marx e, especialmente,
resgatados por Lukács. A educação nasce como uma esfera social particular, a partir do
trabalho e como uma mediação para a sua realização. Nas comunidades primitivas, o acesso à
produção cultural e espiritual do gênero humano não encontra barreiras socialmente
construídas, o que permite a existência de uma autêntica universalização no campo
educacional. Entretanto, com o aparecimento da divisão social do trabalho e das classes
sociais, o acesso à educação passa a ser desigual. É apenas com o advento do capitalismo que
a perspectiva de tornar a educação universal volta à tona. Nesse sentido, busca-se apontar as
relações que se estabelecem entre educação e capitalismo, apreendendo a natureza essencial
da universalização da educação promovida pelo sistema do capital. Depois de estabelecidas
sua origem e função social, a investigação demonstra o caráter extremamente limitador e
formal da universalização da educação sob o capital. Aponta-se, ainda, a deterioração e
barbarização do saber embutidos na universalização da educação no atual contexto da crise
estrutural do capital. Conclui-se, que apenas para além do capital é possível instaurar um
acesso igualitário ao conteúdo sócio-historicamente produzido e decantado.
Palavras-chave: universalização da educação, trabalho, capitalismo, crise estrutural do
capital.
8
ABSTRACT
This dissertation has objective points the limits and to demonstrate the impossibility of the
universalization of the formal education under the capitalism. The accomplishment of that end
is pursued tends for base a theoretical investigation, of ontológico-philosophical character,
whose foundtation leaves of the theoretical-methodological presuppositions established by
Marx and, especially, rescued by lukács. The education is born as a private social sphere,
starting from the category fundante of the work and as a mediation for her accomplishment. In
the primitive communities, the access to the cultural and spiritual production of the mankind
doesn’t find barriers socially built, what allows the existence of an authentic universalization
in the education field. However, with the emergence of the social division of the work and of
the social classes, the access to the education passes the unequal being. It is just with the
coming of capitalism that the perspective of turning the education universal turn to the
surface. In this sense, it is looked for the relationship that settle down between education and
promoted by the system of the capital. After having established her origin and social function,
the investigation demonstrates the character extremely limitador and formal of the
universalization of the education under the capital. It is appeared, still, to deterioration and
babarizetation of the knowledge embedded in the universalization of the education in the
current context of the structural crisis of the capital. She end, that just for besides the capital it
is possible to establish an equalitarian access partner-historically to the content produced and
decanted.
Key-words: universalization of the education, work, capitalism, structural crisis of the
capital.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 10
1. Pressupostos teórico-metodológicos _________________________________________ 10
2. O problema _____________________________________________________________ 18
CAPÍTULO I. GÊNESE E FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO: A PERSPECTIVA
DA CRÍTICA MARXISTA. ________________________________________________ 23
1.1 Da educação lato sensu à educação escolar / stricto sensu _______________________ 39
CAPÍTULO II. A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DAS SOCIEDADES: DA EDUCAÇÃO
PRIMITIVA UNIVERSAL À DESIGUALDADE EDUCACIONAL DE CLASSE ___ 42
2.1 A educação na comunidade primitiva e o imperativo da universalização ____________ 42
2.2 A educação nos marcos da divisão social do trabalho pré-capitalista e a universalização
impraticável ______________________________________________________________ 47
2.3 A educação na sociedade capitalista e o impulso à universalização ________________ 59
2.3.1 Gênese da universalização sob o capital _________________________________ 59
2.3.2 A relação capitalismo educação ________________________________________ 70
CAPÍTULO III. EDUCAÇÃO E CAPITALISMO: A UNIVERSALIZAÇÃO NA
ENCRUZILHADA ________________________________________________________81
3.1 Trabalho, educação e o problema da alienação ________________________________ 83
3.2 Limites da universalização da educação no capitalismo _________________________ 90
3.3 Educação para todos: universalizando a educação para o desemprego crônico _______ 99
3.3.1 A crise estrutural do capital na ótica de I. Mészáros: uma digressão necessária ___ 99
3.3.2 A universalização da educação no contexto da crise estrutural do capital _______ 110
3.4 Universalização e emancipação: a educação para além do capital ________________ 117
CONCLUSÃO __________________________________________________________ 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________________ 129
10
INTRODUÇÃO
1. Pressupostos teórico-metodológicos
O procedimento metodológico sob o qual se constrói nossa dissertação é aquele
instaurado por Marx e resgatado por Lukács, caracterizado pela investigação de cunho
dialético e ontológico. É com base no método dialético, entendido não como receituário, mas
como fundamentos teóricos que possibilitam ao pesquisador se debruçar sobre o objeto
respeitando sua legalidade própria, que nortearemos nosso trabalho.
A nosso ver, o método dialético recuperado por Lukács traz, entre outras, três
contribuições que julgamos fundamentais à investigação do nosso objeto, a saber: expõe a
radical historicidade do ser social, de maneira que nele não há nenhum átomo que não seja
histórico, que não seja construção da atividade humana sensível; em segundo lugar,
demonstra que o trabalho, a reprodução da vida material, é a base sobre a qual, em graus
cada vez mais elevados de autonomia relativa, se fundamentam as esferas da
socialidade; e por fim, evidencia que todo fenômeno social (cujo fundamento último é o
trabalho), por mais singular que seja, se relaciona e interfere na totalidade social, de forma
que só é possível apanhar um objeto de estudo se o apreendermos dentro do complexo
que compõe a totalidade.
Em decorrência, sendo o ser social radicalmente histórico e social, tendo o trabalho
como fundamento da socialidade e considerando o mundo dos homens como um complexo de
complexos que perfazem uma totalidade orgânica, é possível inferir que a atual sociabilidade,
com todos os seus desdobramentos, enquanto uma forma de ser do ser social, pode ser
superada.
11
Para Lukács, a partir de Marx, é no trabalho – entendido como síntese entre
teleologia e causalidade, entre prévia-ideação e objetivação, troca orgânica entre homem e
natureza, tendo por base as construções histórico-sociais produzidas e legadas pelo ser social
em seu conjunto – que encontramos o fundamento de todas as esferas que compõem o ser
social. Ao contrário do trabalho, as outras esferas do ser social operam com o ser já
constituído, embora seu desenvolvimento represente uma crescente complexificação deste
mesmo ser social. O direito, a educação, a política, a arte, enfim, todos esses complexos têm
sua gênese com o ser social já constituído. Isto é enfatizado por Lukács,
todas as categorias desta forma de ser [ser social] têm já, essencialmente, um
caráter social; suas propriedades e seus modos de operar somente se
desdobram no ser social já constituído; quaisquer manifestações delas, ainda
que sejam muito primitivas, pressupõe o salto como já acontecido. Somente
o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter
intermediário: ele é, essencialmente, uma interação entre homem (sociedade)
e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto do trabalho,
etc.) como orgânica, interrelação que pode até estar situada em pontos
determinados da série a que nos referimos, mas antes de mais nada assinala a
passagem, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social.
(1981a, p.4).
Entretanto, isto não configura uma impostação cronológica, mas sim uma priorização
ontológica,
Ser ‘fundante’, para Lukács, não significa ser ‘anterior’, vir antes, ou, ainda,
possuir um fundamento que não seja a própria processualidade da qual o
trabalho é a categoria fundante. Pelo contrário, não pode haver trabalho sem
a ‘linguagem, a cooperação e a divisão do trabalho’; pois, se não houver
linguagem, não pode haver conceitos e, sem estes, não há pensamentos e
nem sequer teleologia. Por outro lado, sem as relações sociais, como pode
haver a linguagem? E, por fim, sem o trabalho não poderia haver nem as
relações sociais nem sequer a linguagem. (LESSA, 2000, p. 163)
O próprio Lukács faz essa ressalva,
12
É claro que a sociabilidade, a primeira divisão do trabalho, a linguagem, etc.
surgem do trabalho, mas não numa sucessão temporal claramente
identificável, e sim, quanto à sua essência, simultaneamente. O que fazemos,
é, pois, uma abstração sui generis. (LUKÁCS, 1981a, p.5)1
Portanto, “ser fundante não significa ser cronologicamente anterior, mas sim ser
portador das determinações essenciais do ser social, das determinações ontológicas que
consubstanciam o salto da humanidade para fora da natureza” (LESSA, 2002, p. 38). Desse
modo não existe nenhuma das esferas citadas acima sem o trabalho. Ele representa o
momento fundante do ser social porque efetua o salto ontológico do mundo orgânico para o
mundo dos homens. Apenas por seu intermédio pôde um ser meramente biológico tornar-se
ser social. Por isso, ele torna-se o fundamento de todos os outros complexos que configuram o
ser social, o que não significa a redução desses complexos ao trabalho 2.
É apenas no interior do trabalho que se evidencia um pôr teleológico. Como
demonstra Lukács (1981b, p.13-14), “o trabalho não é uma das muitas formas fenomênicas da
teleologia em geral, mas o único lugar onde se pode demonstrar ontologicamente a presença
de um verdadeiro pôr teleológico como momento efetivo da realidade material”. É nesta
condição de momento teleológico do trabalho, enquanto práxis humana, que encontramos o
único espaço para afirmar que o homem, enquanto sujeito coletivo, faz a sua história,
diferentemente de qualquer outro ser, incapaz de pôr objetos teleologicamente orientados no
real.
1
Em relação a linguagem, a que alguns autores atribuem a centralidade do mundo social, Lukács diz que a
relação sujeito-objeto operada pelo trabalho estabelece, conseqüentemente, o distanciamento entre o sujeito e o
objeto e “essa distância cria imediatamente uma das bases indispensáveis, dotada de vida própria, do ser social
dos homens: a linguagem.” (LUKÁCS, 1981a, p. 107-108). A linguagem torna o distanciamento real realizado
pelo trabalho em distanciamento formal. Mais uma vez, temos aqui o assentamento do momento ontológico
predominante no salto realizado pelo trabalho, entretanto sem desconsiderar a legalidade própria da linguagem e
a ação recíproca de retorno exercida entre ela e o trabalho.
2
Embora as esferas sociais possuam as suas formas de existência assentadas em seus fundamentos ontológicos, o
que as remete ao trabalho, “nenhum ato de trabalho em sua singularidade pode exercer todas as funções sociais
que, no interior da reprodução de uma dada sociedade, em um dado momento histórico, são requeridas do
trabalho em sua totalidade.” (LESSA, 2002 p. 39).
13
O pôr teleológico não é uma manifestação que ocorre exclusivamente na
subjetividade; ela opera na realidade material. Uma posição teleológica só existe na
concretude; ela só pode adquirir realidade quando for posta.
Se, como afirmamos acima, no interior do trabalho se manifesta uma posição
teleológica que justifica creditar ao homem a construção de sua história, haveria então uma
identidade entre sujeito e objeto? Haveria uma história teleologicamente orientada?. Não,
porque o trabalho não é apenas uma posição teleológica, mas a síntese entre teleologia e
causalidade. A causalidade, posta ou não, não possui uma finalidade, ela é em essência,
segundo Lukács (1981a, p. 9), “um princípio de automovimento que repousa sobre si
mesmo”. Mesmo quando a causalidade é posta, ou seja, quando ela é objetivação realizada
por uma posição teleológica que apreendeu, mediante a consciência, os nexos causais
objetivos necessários a esse pôr, transformando a causalidade dada em seu contrário, em uma
causalidade posta, mesmo assim, ela continua a ser regida pelo princípio de automovimento
sobre si mesmo e não por uma orientação teleológica. Não há, neste caso, qualquer salto
ontológico, o fundamento da causalidade continua o mesmo. O acento da teleologia no
trabalho, no homem, não implica em identidade sujeito/objeto, nem confere à história uma
essência teleológica, embora a atividade humana consciente (por atos de escolha entre
alternativas que podem ser constantemente reeditadas e reorientadas) possa ir imprimindo
sobre ela uma certa orientação teleológica.
Ao firmar no interior do trabalho, e portanto no homem, a posição teleológica, Marx,
seguido por Lukács, confere ao homem a construção da história. A história nada mais é do
que a intervenção do homem na objetividade, mediante a práxis social, cujo fundamento
ontológico é o trabalho e a intervenção desta objetividade e da ação humana sobre o próprio
homem, como diz Marx (2002, p. 148), “a totalidade do que se chama história mundial é
apenas a criação do homem por meio do trabalho humano, manifestação da natureza para o
14
homem, ele detém já a prova óbvia e indiscutível de sua autocriação, das suas próprias
origens.” (grifos do autor).
Se é verdade que o único lócus de teleologia é no interior do trabalho, e se o mundo
dos homens, a história, é a intervenção do ser social na realidade mediante a práxis social que
tem como fundamento o mesmo trabalho, conclui-se, com certa obviedade, que “os homens
fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de
sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas transmitidas pelo
passado.” (Marx, 1986, p.17).
Em decorrência, o homem atua sobre um legado herdado e sobre uma objetividade
posta ou dada, que opera, como já foi dito, como “um princípio de automovimento que
repousa sobre si mesmo” e sobre a qual ele deve fazer as escolhas possíveis. Essa condição
dos limites impostos ao devir do homem é ineliminável. Ele sempre terá que agir a partir de
certos “determinismos” que condicionam suas alternativas. A sua possibilidade de escolha
será sempre do tipo se...então.
Outro aspecto fundamental da dialética marxista é a questão da totalidade. Para ela,
os aspectos já mencionados, da radical historicidade do ser social e do primado da economia
sobre as outras esferas sociais, são processados numa totalidade que articula, em um todo
orgânico, várias dimensões do ser social. Aliás, Lukács, em contraposição ao marxismo
vulgar e à ciência burguesa, a considerava como característica essencial do marxismo
ortodoxo.
Não é o predomínio de motivos econômicos na explicitação da história que
distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto
de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o domínio universal e
determinante do todo sobre as partes constituem a essência do método que
Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de
uma ciência inteiramente nova. (LUKÁCS, 2003, p.105)
15
Se a realidade se apresenta enquanto uma totalidade articulada cujo fundamento é o
trabalho, apenas quando se estuda o complexo maturado a partir de sua essência, buscando
reencontrar idealmente o processo da gênese é que cada uma das partes constitutivas do
processo de amadurecimento do objeto pode ser explicada. Dessa forma, a totalidade é
reconstituída, permitindo o verdadeiro conhecimento das partes. Só nessas circunstâncias é
que o conhecimento científico de um objeto é possível, quando ele é remetido à totalidade, “a
totalidade é a única via da compreensão. Explicar è reencontrar a totalidade.” (CHASIN,
s/d.a, p. 142).
A totalidade só pode ser alcançada por meio do método histórico-genético.
Empreender uma abordagem histórico-genética ao objeto social é procurar as suas
determinações mais profundas, condições necessárias para compreensão das formas de ser
desse objeto na totalidade social. Para Chasin (s/d.a p. 135), quando Marx faz a afirmação de
que “conhecemos apenas uma única ciência a ciência da história”, subjaz o entendimento de
que toda a ciência deve proceder de acordo com o método histórico-genético, ou seja, buscar
na forma plena, em seu processo formativo e no seu devir, a essência do objeto social.
A centralidade da objetividade é outra marca indelével do marxismo. Para Marx, a
ciência tem sua origem na realidade material concreta, ou seja, quem rege a ciência é o objeto
e não a subjetividade. Entre a subjetividade e a objetividade há uma determinação recíproca.
A objetividade social é subjetividade objetivada, mas é no contexto histórico objetivo que
nascem as subjetividades. Não são as subjetividades que criam a efetividade, mas a
efetividade, que explica as ideações. Por isso, a verdade só pode ser buscada no objeto, é na
objetividade que se encontra o critério de verdade, como diz Chasin (s/d.a, p.118), “a verdade
é, pois, poder de efetivação. O critério de verdade objetiva é questão da efetivação”, Marx
deixa isso claro na II Tese Ad Feuerbach,
16
A questão se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é
retórica mas prática. É na praxis que o homem deve demonstrar a verdade, a
saber, a efetividade e o poder, a citerioridade de seu pensamento. A disputa
sobre a efetividade ou não efetividade do pensamento-isolado da praxis – é
uma questão puramente escolástica. (MARX, 1978, p. 51)
Se a verdade está no objeto, a única forma de trazer a materialidade para cabeça é
através da abstração, de acordo com Chasin (1995, p. 419), “é, então, com essa aludida
capacidade mental de escavar e garimpar as coisas que o sujeito opera cognitivamente”.
Entretanto, e isso é importante, essa operação não significa a substituição da lógica imanente
do objeto por um construto intelectual do sujeito. Abstração aqui, significa a reprodução das
leis inerentes à objetividade social na consciência humana. Não é o sujeito quem constrói a
legalidade do objeto, mas, pelo contrário, é o objeto que faz derivar na subjetividade as suas
leis imanentes. Mais uma vez, a regência é do objeto.
Ao obedecer à lógica do objeto, é ele quem nos mostrará qual caminho e qual
método seguir, e não o oposto. O método na ciência, em que pese sua importância, não é
garantia de acesso ao saber verdadeiro, nem tão pouco é um receituário que possa servir a
todos os objetos. Alcançar a verdade do objeto depende do seu amadurecimento enquanto
complexo do ser e da perspectiva de classe sob a qual se coloca o observador. Para ser mais
preciso,
a conjunção cognitiva ideal depende do encontro entre um sujeito plasmado
em posição adequada à objetivação científica, ou seja, portador de ótica
social em condição subjetiva de isenção, e de um objeto desenvolvido, isto é,
perfilado na energéia de seu complexo categorial estruturalmente
arrematado. (CHASIN, 1995, p. 419, grifos do autor).
17
Chasin (s/d.a, p.128, 131, 136-137 e 1995, p. 515-517), apoiando-se em alguns textos
marxianos3, afirma que para Marx não há nenhum caminho rigoroso estabelecido a priori que
leve ao conhecimento científico. A ciência é o próprio caminho para a ciência e seu único
pressuposto é a efetividade, na qual está encerrada a verdade; “ciência não é aplicar um
método, mas é descobrir o segredo do objeto.” Por isso, o método marxiano não pressupõe
nenhum caminho a priori. O percurso metodológico é regido pelo objeto; é ele quem deve
guiar os rumos da pesquisa. “Se houvesse um método para o segredo, todos os segredos
seriam esclarecidos facilmente” (s/d, p. 135).
Exposto sumariamente o conjunto de pressupostos teórico-metodológicos que nos
serviram de base, salientamos que nossa dissertação consiste numa pesquisa teórica, que
busca apreender o problema da universalização da educação formal a partir da investigação da
sua gênese ontológica e da sua função social. A abordagem desenvolvida aqui pretende
focalizar o fenômeno da universalização da educação formal em íntima relação com o
conjunto da totalidade social.
Além dos fundamentos teóricos já apresentados, para realização da tarefa a que nos
propomos, tornou-se necessário também, recorrer a um conjunto de categorias importantes
para a análise do nosso objeto, tais como educação, educação em sentido lato, educação em
sentido estrito, educação formal, reprodução social, crise estrutural do capital,
universalização da educação, emancipação humana.
Entre os autores utilizados como fundamentação para a nossa investigação destacamse, Marx, Lukács, Leontiev, Mészáros, Childe, Ponce, Manacorda, Saviani e Ivo Tonet. Este
último em sua tese de doutoramento, intitulada educação, cidadania e emancipação
humana, demonstra a limitação intrínseca da cidadania e da concepção de educação cidadã,
3
Prefácios das 1.as edições alemã e francesa de O capital, posfácio da 2.ª edição alemã e a Introdução à crítica da
economia política (introdução de 1857).
18
como forma superior de liberdade. Embora entre esses autores, com os quais nós nos
referenciamos, haja uma diversidade de área de conhecimento, todos eles situam-se no campo
do marxismo, o que não significa dizer que tenham a mesma orientação filosófica no seio
dessa corrente do pensamento.
O elenco desses autores não se deu por uma simples escolha aleatória, nem a sua
reunião, por ocasião dessa pesquisa, tem em vista a demonstração de alguma erudição
intelectual. Em verdade, a amplitude e a profundidade das problemáticas trabalhadas por eles
vão muito além do que pretendemos aqui. Quem conferiu unidade a esse referencial, e quem
permitiu colher neles o necessário para o abarcamento da universalização da educação foi a
regência do nosso objeto sobre o desenvolvimento da pesquisa. Em outras palavras, o objeto
em questão, a partir do ponto de vista de classe e da perspectiva teórico-metodológica sob a
qual nos colocamos, encontrou suas respostas, nesse trabalho, exigindo que utilizássemos o
referencial que aqui utilizamos.
2. O problema
O presente trabalho tem por objetivo se contrapor às teses que considera possível a
realização da universalização plena da educação sob o capital, apontando os seus limites
intrínsecos e diferenciado-a do acesso irrestrito à produção do gênero humano, existente em
uma comunidade emancipada. A crença na possibilidade de se universalizar a educação está
presente, com importantes variações, tanto na consciência daqueles que vêm a luta
democrática como a via de acesso ao socialismo, quanto nas ações desenvolvidas pelo Banco
Mundial para o terceiro mundo. Ao longo do período de ascensão do capital, quando a sua
expansão garantia a elevação do patamar de civilização da humanidade, a conquista da
19
universalidade na educação parecia ser uma coisa praticável. De fato, aos olhos dos menos
críticos, as realizações postas em prática no campo da educação, sobretudo nos países do
chamado Welfare State, davam a munição necessária para que os apologetas do capitalismo se
armassem para o discurso da universalização da educação.
Entretanto, hoje, quando está enterrada qualquer possibilidade de reedição do Estado
de Bem-Estar Social, a crença na realização da universalização está mais presente do que
nunca. Na contra-mão dos ensinamentos da história e com os olhos vendados para enxergar a
deterioração que se processa em todos os campos da atividade humana, vários autores ainda
crêem na instauração da universalização plena da educação sob o capital. É justamente no
sentido de averiguar as possibilidades e limites existentes na contraditória universalidade da
educação no capital que se dirige este trabalho.
A universalização objeto desta pesquisa é concebida como o processo de expansão e
ampliação do acesso à educação em sentido estrito ou formal, nomeadamente na modalidade
escolar. Buscamos apontar as contradições que permeiam esse processo sob o regime do
capital e verificar as suas condições de realizabilidade. Entretanto, entendemos, dados os
pressupostos teóricos aos quais nos reportamos, que os limites da universalização da educação
sob o capital só podem se apreendidos mediante uma abordagem genético-ontológica. Neste
sentido, a pesquisa parte da gênese ontológica e da função social da educação. A nosso ver, a
apreensão do nosso objeto não pode ser correta sem a compreensão da natureza essencial que
possui a esfera educacional. O mesmo procedimento teórico-metodológico é utilizado na
localização da origem genética do fenômeno da universalização da educação ao longo do
processo histórico.
Entendemos que a origem da universalização da educação tem seu fundamento na
reprodução social, vale dizer, na economia. Ou seja, as necessidades surgidas para a
manutenção da reprodução material e espiritual dos indivíduos sob uma determinada forma de
20
sociabilidade, exigiram a universalização da educação formal. Assim, o impulso à
universalização não nasceu na consciência e nos ideais daqueles que a empunharam. Sendo,
também, essas expressões, frutos da determinação da realidade objetiva. Desse modo,
qualquer possibilidade de efetivação só pode ser investigada a partir da materialidade social.
Localizamos no capitalismo a origem e a função social da educação. O regime do
capital é o único modo de produção que coloca como problema a questão da universalização
da educação. Contudo, contraditoriamente, o capital impõe limites à sua concretização, o que
revela um aspecto extremamente antinômico entre o impulso à universalização da educação e
o refreamento à sua efetivação substantiva. Com efeito, essa antinomia nos mostra que as
possibilidades ou impossibilidades da realização da universalidade são intrínsecas ao próprio
caráter da universalização proposta pelo capital.
Numa direção oposta aos autores que partem da política para explicar as
possibilidades da universalização da educação, partimos da economia, da centralidade das
relações estabelecidas na reprodução material. Com isso não estamos negando a importância
da política, mas centrado-a no seu lugar. Para nós, qualquer mudança estrutural na esfera da
educação só pode ocorrer plenamente se a objetividade social oferecer essa condição. Neste
sentido, não é na política que encontraremos as respostas sobre a possibilidade ou
impossibilidade de efetivação plena da universalização da educação sob o capital. Por isso, ao
tomarmos como objeto os limites e impossibilidades da universalização da educação sob o
capital, privilegiamos o processo genético-ontológico de constituição do capitalismo. Ao
colocarmos em evidência o momento econômico em detrimento da explicação jurídicopolítica dos fenômenos sociais, estamos enquadrando a política no seu elemento fundante, que
são as relações econômicas ou, em última instância, o trabalho. Dessa forma nos é possível
reconstituir a totalidade.
21
Pensamos que desfazer ilusões é um primeiro passo para se conhecer a realidade.
Acreditar (sem levar em conta os elementos de análise já expostos nesta introdução) no
fortalecimento e ampliação dos espaços democráticos como suficientes para a realização
plena do homem, pode resultar em graves erros de táticas, se não levarmos em conta a
possibilidade de sua concretização histórica.
A categoria do possível, de acordo com Tonet (2003a, p. 44), “é freqüentemente
utilizada para justificar objetivos que demonstrem uma viabilidade imediata, opondo-se,
assim, a objetivos julgados de difícil ou impossível obtenção”. Nesse sentido, ainda segundo
Tonet (p.44-45) a apreensão errônea dessa categoria aristotélica, pode levar e tem levado, a se
tomar o caminho da viabilidade imediata, buscando-se com isso um fim que, ao nível da
aparência mostra-se possível, mas que pode ser na verdade irrealizável.
Portanto, apontar as impossibilidades e limites de se conseguir, nos marcos do
capitalismo, uma plena universalização da educação, descobrir os limites embutidos nas
propostas que se colocam sob o seu emblema significa contribuir para desvelar a realidade a
fim de que se possam traçar estratégias que, embora não permitam vislumbrar um fim
imediato, sejam realizáveis.
Considerando que as análises a respeito da universalização da educação, em sua
maioria, carecem de uma abordagem genético-ontológica, acreditamos que a nossa
investigação se constitui como uma contribuição para o preenchimento dessa lacuna.
O presente trabalho está organizado da seguinte forma: no primeiro capítulo tratamos
da gênese e função social da educação na reprodução do ser social, na ótica da perspectiva
marxista-ontológica. A partir das contribuições de Lukács, Leontiev e Tonet, procuramos
apreender a natureza essencial da educação. Demonstramos, com esses autores, que a
educação nasce em íntima relação com o trabalho, como uma necessidade para a reprodução
social.
22
O capítulo II está separado em três momentos, neles buscamos responder como a
educação nasce universalizada e se torna desigual. No primeiro momento, utilizando-nos da
produção de Childe, Ponce e Manacorda, mostramos a igualdade educacional presente nas
comunidades primitivas e o papel exercido pela educação nessas formas de socialidade,
mostrando que ela já nasce com função social própria e distinta do trabalho. No segundo
momento (tendo como fundamento os mesmos autores anteriormente citados), demonstramos
a impraticabilidade da universalização nas sociedades de classe anteriores ao capitalismo. No
terceiro e último momento, localizamos a gênese do impulso à universalidade no capitalismo
e apontamos as mediações que a universalização da educação exerce no regime do capital.
No terceiro e último capítulo, tratamos das contradições da universalização da
educação sob o capitalismo. No primeiro item, expomos, a partir de Marx, o problema da
alienação capitalista e a sua relação com a universalização da educação. No item II,
mostramos os limites intrínsecos à universalização da educação sob o capital. No terceiro
tópico, referenciando-nos em Mészáros, respondemos ao problema da universalização da
educação no contexto da crise estrutural do capital. Por fim, no último item, apontamos a
diferenciação entre a universalização da educação no capitalismo e a educação para além do
capital.
23
CAPÍTULO I. GÊNESE E FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO: A
PERSPECTIVA DA CRÍTICA MARXISTA.
A pesquisa, para dar conta do nosso problema, se desenvolve privilegiando em
alguns momentos a análise histórico-concreta e em outros momentos a análise filosóficoontológica. Entendemos que é necessário primeiramente explicitarmos a natureza essencial da
educação, sua gênese e função social essencial, para enfim, conhecer a forma particular que
ela assume em dado momento histórico e a gênese do processo de sua universalização. Por
isso, para compreender as impossibilidades e os limites da universalização da educação no
atual momento histórico, consideramos necessário ter claro o que é a educação em sua
determinação mais essencial.
A universalização objeto desta pesquisa refere-se ao processo histórico de expansão e
ampliação do acesso à educação em sentido estrito ou formal. Entendemos que a educação em
geral engloba duas dimensões distintas, embora interpenetradas, a lato sensu e a stricto
sensu4. A educação em sentido lato se refere à transmissão de conhecimentos e valores,
necessários à reprodução social, e ocorre sem sistematicidade. Nesse sentido, diz respeito a
todo o processo de socialização do saber produzido que ocorre independente de uma ação
sistematizada. Este tipo de educação é característico das comunidades primitivas (apesar de
permear todos os modos de produção e, portanto, ser uma condição ineliminável da
reprodução do ser social), especialmente onde a esfera da educação possui um baixo grau de
autonomia relativa. A educação em sentido estrito, ao contrário, caracteriza-se por ser uma
atividade que possui um alto grau de sistematicidade.
4
Usaremos, no decorrer do texto, educação em sentido lato como sinônimo de educação lato sensu e educação
em sentido estrito como sinônimo de educação stricto sensu.
24
Se o conjunto de conhecimentos necessários à existência do individuo e à reprodução
social como um todo, não é dado biologicamente, então o homem deve produzi-los e
transmiti-los, de tal modo que a educação é puramente social. Isto significa que tanto a
educação em sentido lato quanto em sentido estrito são práxis sociais. Ambas as modalidades
são postas por intermédio da consciência (ainda que não seja a consciência de ter
consciência), e por isso estão situadas no campo denominado por Lukács de teleologia
secundária, a qual explicaremos mais adiante.
Pelo trabalho, para o qual a educação é uma mediação, os homens põem, de modo
teleologicamente orientado, entes novos na realidade efetiva. Contudo, essa orientação
teleológica cessa após os objetos serem postos. Ela só existe no momento do ato de trabalho.
Depois dele ser objetivado, são necessárias outras intervenções para conferir ao objeto novos
momentos de teleologia.
Fora do trabalho, fora da práxis social, não existe nada que seja teleologicamente
orientado. Todos os entes postos, seja pelo mundo natural, seja pelo intercâmbio homem
natureza, estão submetidos à causalidade, ou seja, são governados por leis causais que
independem de vontade ou de fim. Mesmo as objetivações fruto da atividade humana, ao
serem inseridas na efetividade passam a ser regidas pelo princípio de “automovimento que
repousa sobre si mesmo”. Dessa forma, estarão sujeitas às mesmas leis causais cegas que
guiam a realidade objetiva.
Lukács chama, na esteira de Engels, de segunda natureza o princípio de causalidade,
de “automovimento que repousa sobre si mesmo”, que rege o mundo posto pelos homens.
Segunda natureza, pois não se refere ao mundo natural, mas ao mundo social.
Percebe-se que, apesar de guiar-se espontaneamente, a objetividade social é
produzida a partir da ação teleológica do homem. Mediante a ação do trabalho e das suas
mediações é que o homem pode apropriar-se dela e imprimir-lhe cada vez mais sua vontade,
25
agindo para com ela da mesma maneira que age em relação à “natureza primeira”. Nesse
sentido é que Lukács afirma,
Certamente os processos, as situações, etc. (sic) sociais são, em última
análise, produtos de decisões alternativas dos homens, mas não se deve
esquecer que eles só adquirem importância social quando põem em
funcionamento séries causais que se movem mais ou menos
independentemente das intenções de quem lhes deu origem, de acordo com
leis específicas imanentes a elas. Por isso, o homem que age praticamente na
sociedade encontra diante de si uma segunda natureza, em relação à qual, se
quiser manejá-la com sucesso, deve comportar-se da mesma forma que com
relação à primeira, ou seja, deve procurar transformar o curso dos
acontecimentos, que é independente da sua consciência, num fato posto por
ele, deve, depois de ter-lhe conhecido a essência, imprimir-lhe a marca da
sua vontade. (LUKÁCS, 1981a, p.137-138)
Segundo Lukács, a educação em sentido lato é “freqüentemente espontânea” (1981b,
p, xxiv). Entretanto, isso não significa, em nenhum momento, a ausência da práxis humana. A
espontaneidade referida por Lukács, diz respeito às apropriações do patrimônio histórico
socialmente produzido, que estão disseminadas no tecido social e que constituem práticas que
assumem uma segunda natureza, mas que em determinação última são produzidas por
posições teleológicas.
Evidentemente, o desenvolvimento da educação em geral, enquanto esfera do ser
social, que vai da educação lato sensu à educação stricto sensu, corresponde às necessidades
da complexificação do ser social. O predomínio da dimensão lato sensu ou stricto sensu, é
apenas a forma assumida pela educação em determinado momento histórico-concreto, mas
tanto uma quanto a outra possuem a mesma natureza essencial e a mesma função social no
seio da reprodução social.
A educação é um processo social e, por isso, somente ocorre entre os homens. Assim
como outras esferas que compõem o ser social, a exemplo da linguagem, do direito e da
política, ela é um fenômeno exclusivo do reino dos homens. Desse modo, sua gênese apenas
26
pode ser encontrada no processo de constituição do ser social. Como todo complexo social, a
educação surgiu para dar respostas às necessidades da socialidade humana. É justamente a
explicitação dessa natureza e função da educação, em sua determinação mais profunda, que
buscaremos perseguir neste momento inicial, pois, entendemos que para tratar de
universalização da educação é preciso ter claro, antes, o que ela é, qual sua função social e
como ela surge. Só a partir dessa sedimentação necessária é que poderemos apreender a forma
particular como se apresenta o fenômeno da educação na atual sociabilidade.
Embora a educação seja uma processualidade existente desde o surgimento do
homem, quando se fala em educação quase sempre se pensa em educação escolar. A nosso
ver, essa é uma forma particular assumida pela educação em um momento histórico
específico, que não altera em nada a natureza essencial da educação, pelo contrário, o
surgimento da educação escolar atua no sentido de, diante das exigências postas pela
realidade, melhor corresponder à natureza da educação em geral. Contudo, neste item não
estaremos falando de uma forma específica de educação, ou seja, não se trata, ainda, de
abordar a educação a partir do caráter particular que ela assume no plano histórico-concreto
em determinadas formações sociais. A abordagem do fenômeno da educação se fará, neste
momento, num plano ontológico.
De acordo com Lukács, o trabalho é o modelo de toda a práxis social. Nele, em sua
forma mais simples, “já estão contidos in nuce, nos seus traços mais gerais, mas também mais
decisivos, problemas que em estágios superiores do desenvolvimento humano se apresentam
de forma mais generalizada, desmaterializada, sutil e abstrata.” (LUKÁCS, 1981a, p. 52). Um
dos elementos que estão presentes in nuce no trabalho mais primitivo, mas que só tem seu
desenvolvimento relativamente autônomo a partir do amadurecimento da divisão social do
trabalho, é o que Lukács denominou de teleologia secundária.
27
Nas sociabilidades mais complexas, as posições teleológicas têm como mediação e
como objeto, entes mais sociais do que naturais. Neste sentido, passam a ter um peso maior as
teleologias secundárias, ou seja, posições teleológicas que não objetivam transformar
diretamente a natureza, e sim influenciar outras posições teleológicas. Para o filósofo
húngaro, as posições teleológicas podem ser primárias, cujo objetivo é transformar objetos
naturais em finalidades humanas, e por isso, se constituem como relação homem-natureza, e
secundárias, que atuam sobre a consciência dos homens, no sentido de influí-los a posições
desejadas. Neste último caso, a teleologia se processa na relação homem-homem.
Quando afirmamos que o homem, por meio do trabalho, constrói a realidade social,
significa dizer que o homem também se constrói. Neste sentido, a práxis humana não atua
apenas sobre o mundo externo ao sujeito, mas também sobre o próprio sujeito. Ou seja, o
processo de construção social é um processo de autoconstrução do homem. É exatamente na
objetivação de posições de teleologias secundárias, que têm sua gênese no processo de
trabalho, que se evidencia a amplitude da autoconstrução humana.
Em que pese o elevado grau de autonomia conquistado pelos complexos sociais que
Lukács denominou de posições teleológicas secundárias, essas atividades, tais como a arte, o
conhecimento e a educação, surgiram, em sentindo ontológico, como meios para a realização
do trabalho. O distanciamento relativo das esferas sociais não econômicas, e portanto
secundárias, em relação ao trabalho, conquistado com o alto grau de socialização do trabalho,
adquirido, sobretudo, com o capitalismo, produziu uma aparente independência ontológica
delas em relação ao trabalho.
De fato, a complexificação da sociabilidade expressa no elevado grau de divisão
social do trabalho, possibilitou, com isso, o surgimento de uma série de atividades não
produtivas, sem nenhuma ligação mecânica com a produção material da sociedade. Esse
processo, evidenciado no fato de que cada vez menos trabalhadores produtivos “sustentam”
28
mais trabalhadores não produtivos, todavia, não elimina o primado ontológico do trabalho
sobre as outras esferas sociais. Todas as esferas que compõem o ser social possuem uma
relação de dependência ontológica em relação ao trabalho5.
Lukács vai demonstrar porque atividades como a educação, o conhecimento, a arte e
a linguagem têm no âmbito do trabalho a sua gênese social. O fenômeno das posições
teleológicas secundárias não é um fenômeno que tem uma origem fantasmagórica. O filósofo
húngaro demonstra como, mesmo na forma mais elementar de trabalho, a exigência de
posições teleológicas não primárias já estava presente. Referindo-se às posições teleológicas
secundárias diz Lukács,
Este problema aparece logo que o trabalho se torna social, no sentido de que
depende da cooperação de mais pessoas, e independente do fato de que já
esteja presente o problema do valor de troca ou que a cooperação tenha
apenas como objetivo os valores de uso. Por isso, esta segunda forma de
posição teleológica, na qual o fim posto é imediatamente finalidade de outras
pessoas, já pode existir em estágios muito iniciais. (1981a, p. 52-53).
A educação é uma das atividades que atuam sobre a subjetividade, visando
influenciar os indivíduos a agirem de formas determinadas, e que têm sua origem no momento
em que surge o trabalho. Dessa forma, a educação compõe o conjunto das esferas sociais que
Lukács denomina de teleologias secundárias e que efetuam a mediação entre homem e
sociedade. Ela nasce enquanto posição teleológica secundária. A partir daí vai-se constituindo
enquanto complexo particular relativamente autônomo, mas que tem sua gênese e
determinação mais essencial no trabalho. Apesar de ter como fundamento o trabalho, a
educação não se confunde com ele. Uma vez que, a essência e a função social da educação se
5
Ainda que tenham no trabalho o seu fundamento ontológico, as esferas do ser social possuem em relação a ele
uma autonomia relativa. Não é possível, após o desenvolvimento da explicitação do ser social, reduzir ao
trabalho, todas as dimensões que dele se originam. As dimensões sociais possuem “Natureza e funções
especificas que só poderiam cumprir se tivessem uma autonomia (sempre relativa) com relação à matriz que lhe
deu origem.” (TONET, 2003, p.16).
29
dirigem à consciência do homem e não à ação sobre a natureza, como se depreende do
trabalho em sentido ontológico.
Assim sendo, a esfera da educação é uma peculiaridade do mundo dos homens; é
apenas nele que se confere a existência de um processo educativo. Segundo Lukács (1981b, p.
xxii) na educação dos homens “o essencial consiste em torná-los aptos a reagir
adequadamente a eventos e situações imprevisíveis, novas, que apresentar-se-ão (sic) mais
tarde nas suas vidas”.
Essa capacidade de dotar o homem de um arsenal que lhe permita enfrentar
ocorrências imprevisíveis, representa uma ampliação constante do salto ontológico que
permitiu o surgimento do ser social.
Ao contrário do que ocorre entre os animais, onde o conjunto de informações
necessárias à sua interação com o meio, transmitido aos filhotes, “se reduz a fazê-los aprender
de uma vez para sempre, ao nível da habilidade requerida pela espécie, determinados
comportamentos que, pelas suas vidas, permanecerão constantemente indispensáveis.”
(LUKÁCS, 1981b, p. xxii), no homem a educação não é mera extensão de suas capacidades
geneticamente herdadas. No animal, aquilo que ele aprende para sua sobrevivência imediata,
já aparece inscrito em seu código genético. Quando ocorre algum “aprendizado”
comportamental, ele é limitado pela herança biologicamente herdada. No homem, de modo
oposto, essa herança biológica serve de base para seu desenvolvimento social ulterior. O
“conhecimento” obtido por ações externas ao animal não é transmitido socialmente à espécie.
Apenas no homem o processo educativo se dá para além das determinações biológicas.
Para garantir a sobrevivência da espécie humana, os homens devem tornar aptas as
gerações que os sucedem, num procedimento contínuo de apropriação e transmissão, que não
se inscreve no âmbito da processualidade genético-biológica. De acordo com Leontiev “este
processo deve sempre ocorrer sem que (sic) a transmissão dos resultados do desenvolvimento
30
sócio-histórico da humanidade nas gerações seguintes seria impossível, e impossível,
conseqüentemente a continuidade do processo histórico” (s/d, p. 291, grifos do autor).
Desse modo, a existência humana é indissociável da educação. Quando o trabalho
funda o homem, junto com ele é fundada a educação como necessidade inexorável para a
realização do trabalho. Mesmo nas formas de organização social mais simples, onde
predominam as posições teleológicas que visam transformar diretamente a natureza, a
educação comparece como condição imprescindível para, em última instância, garantir a
realização do trabalho.
Podemos ver, com o grau de reflexão alcançado até aqui, que a educação surgiu
como uma exigência do trabalho, na medida em que este necessita submeter o modo
anárquico e instintivo de relação com o mundo, presente na esfera animal, por um modo
social de relação. Nesse sentido, desde o surgimento do primeiro ato de trabalho, há a
necessidade de infundir nos homens formas de reagir com o mundo natural e social que sejam
favoráveis à reprodução social matrizada por ele. Esta tarefa não é realizada exclusivamente
pela educação. A fala, a arte, a religião e outras esferas sociais também atuam nessa mesma
direção. O que caracteriza a educação é que ela é o instrumento privilegiado para conservar e
transmitir o patrimônio imaterial alcançado, a fim de assegurar que os homens vivam de modo
socialmente desejado.
Desde as formas mais elementares de comunidades humanas às mais complexas, o
homem só pode ser parte delas a partir da incorporação do patrimônio produzido sóciohistoricamente pela humanidade. O papel de mediadora entre o homem e o seu patrimônio,
entre o indivíduo e a sociedade, entre o indivíduo e o gênero, é a função social da educação.
Vejamos isso mais concretamente. De acordo com Leontiev (s/d, p. 280-281), na
história do homem, aproximadamente até o surgimento do homo sapiens, o desenvolvimento
humano esteve bastante imbricado com a sua evolução biológica. De modo reciprocamente
31
determinado, às mudanças na estrutura orgânico-genética, correspondiam, ao mesmo tempo,
evoluções sociais ocorridas na vida humana. Nesse sentido, a hereditariedade, continuava
sendo uma via privilegiada de transmissão da evolução. Nela, nesse momento inicial, se
inscreviam as aquisições humanas que moldavam a anatomia do homem.
A “viragem” ocorre com o aparecimento do homo sapiens. Desse momento em
diante, todo o processo histórico de aquisições e realizações humanas não será mais
acompanhado de transformações genético-evolutivas. Isto quer dizer que, a fixação das
aquisições da espécie humana não mais se fará pela hereditariedade biológica. Se ela não será
realizada pela transmissão genética, por qual mediação, então, se processará? É o próprio
Leontiev (id, p. 283) que lança a pergunta e a responde: através da cultura material e
intelectual. Em outras palavras, é na objetivação do mundo social que se fixa toda aquisição
realizada historicamente pelos homens. O patrimônio construído histórico-socialmente não
está inscrito na herança biologicamente herdada, mas na cultura objetivada.
Essa descoberta nos coloca outro problema. De um lado, a herança genética, em si, é
incapaz de dotar o homem do instrumental social necessário para apreensão do patrimônio
sócio-historicamente produzido. De outro lado, a existência das aquisições humanas
materialmente consubstanciadas na cultura e o seu confronto com qualquer geração nascente
– qualquer que seja a época –, não é capaz, por si só, de garantir a transmissão dessa fixação
do patrimônio humano. O que queremos dizer é que, entre o indivíduo e a riqueza material e
intelectual socialmente decantada, se põe uma série de mediações, sem as quais não é possível
o sujeito tornar-se parte integrante do gênero humano.
A apreensão pelo indivíduo da riqueza sócio-historicamente produzida pelo gênero –
ao contrário dos animais – só pode dar-se de modo ativo. É o que afirma Leontiev (ibid, p
286), “para se apropriar dos objetos ou dos fenômenos que são o produto do desenvolvimento
histórico, é necessário desenvolver em relação a eles uma atividade que se reproduza, pela sua
32
forma, os traços essenciais da atividade encarnada, acumulada no objeto.” Continuando, o
psicólogo russo diz,
A principal característica do processo de apropriação ou de ‘aquisição’ que
descrevemos é, portanto, criar no homem aptidões novas, funções psíquicas
novas, é nisto que se diferencia do processo de aprendizagem dos animais.
Enquanto este último é o resultado de uma adaptação individual do
comportamento genérico a condições de existência complexas e mutantes, a
assimilação no homem é um processo de reprodução, nas propriedades do
indivíduo, das propriedades e aptidões historicamente formadas na espécie
humana. (ibid, p. 288, grifos do autor).
Como já dissemos anteriormente, a herança biológica, em si, é impotente para fazer
do homem individual um ser que reconheça e viva como um ser genérico integrante da
espécie humana. Realizar isso implica, entre outras coisas, que o indivíduo amolde sua
estrutura biológica às legalidades socialmente postas existentes no mundo dos homens,
criando e desenvolvendo “novas aptidões” e novas “funções psíquicas”. Enfim, no homem, o
processo de tornar-se parte integrante do gênero é um processo ativo. Cada indivíduo singular
deve tornar seu o patrimônio legado pelas gerações que o antecederam. Esta é a única via para
construção do sujeito enquanto ser genérico. A esse respeito, mais uma vez, muito bem se
expressa Leontiev,
O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade.
Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são
incorporadas nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que o
rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se delas no
decurso da sua vida ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente
humanas. Este processo coloca-o, por assim dizer, aos ombros das gerações
anteriores e eleva-o muito acima do mundo animal. (ibid, p. 301)
Entretanto, a aquisição da produção material e intelectual desenvolvida e conservada
histórico-socialmente não é um processo individual, mas sim social. Ou seja, nenhum
33
indivíduo é capaz de realizar a apropriação em questão sem as mediações da socialidade.
Referindo-se a essa questão, diz Leontiev:
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são
simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura
material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se
apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os órgãos da
sua individualidade’, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os
fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num
processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade
adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo de
educação. (ibid, p. 290)
Nisto consiste a especificidade da educação. Ela é uma mediação privilegiada entre o
indivíduo e o gênero, ambos em contínua construção. É uma necessidade social para a
constituição do indivíduo.
Mas, o papel de mediação homem-sociedade exercido pela educação, como nos
aponta Tonet, é desempenhado em dois pólos, o pólo do indivíduo e o pólo do gênero. Como
já apontamos, “no que toca ao indivíduo, ela é uma necessidade imprescindível para sua
configuração como membro do gênero humano [como homem mesmo] e não apenas como
integrante da espécie [como homem apenas em seu sentido biológico]” (2001, p. 137). Essa é
uma determinação essencial que configura a reprodução do ser social. Isto é, qualquer que
seja a forma de sociabilidade, de classes ou não, não é possível o homem realizar-se, enquanto
indivíduo social, sem o acesso ao patrimônio do gênero humano. É esse o significado da
citação lukacsiana referida anteriormente, “na educação do homem (...) o essencial consiste
em torná-los aptos a reagir adequadamente a eventos e situações imprevisíveis, novas, que
apresentar-se-ão (sic) mais tarde nas suas vidas” (LUKÁCS, 1981b, p. xxii). Ou seja, a
educação visa dotar os homens de um instrumental que os habilite a viver socialmente, pois,
“o que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda
preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade
34
humana” (LEONTIEV, p. 285). Para isso eles devem conhecer, saber os valores e regras da
sociedade, bem como devem ter acesso ao saber necessário ao desempenho das funções que
exercerão na sociedade.
Nesse sentido, o conceito de educação defendido por Saviani representa, com alta
precisão, essa propriedade da educação enquanto “mediação para a construção do indivíduo
como ser social”. Diz ele,
o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados
pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de
outro lado e concomitantemente, a descobertas das formas mais adequadas
de atingir esse objetivo. (2003, p.13).
Contudo, na esteira de Lukács, ponderadamente, ressalva Tonet,
a constituição do indivíduo como membro do gênero humano é indissociável
da reprodução deste último. Mais ainda: a reprodução do gênero é sempre o
momento predominante no processo de reprodução do ser social. No caso da
educação, isto significa que a configuração genérica do indivíduo estará sob
a regência da reprodução da totalidade social. [...] Depreende-se disto que a
autoconstrução do indivíduo como membro do gênero humano é um
processo subordinado à reprodução mais ampla da totalidade social. (2001,
p. 139).
Assim, a educação, a produção direta e intencional da humanidade em cada
indivíduo singular, a mediação entre individuo e gênero, não se processa voluntariamente,
pois está condicionada à reprodução social. O pólo do indivíduo e o pólo do gênero são
integrantes do mesmo processo de reprodução social e por isso não se constituem enquanto
momentos separados um do outro. Entretanto, embora imbricados e embora sejam ambos
determinantes, a reprodução do gênero é o momento predominante dessa relação.
35
No que se refere à educação, os conteúdos e os meios para produzir a humanidade
em cada indivíduo singular, são definidos pela reprodução da totalidade social, cuja matriz é
econômica. Isto ocorre mesmo que aos olhos dos sujeitos históricos lhes pareça que eles estão
livremente determinando a dinâmica da educação. De fato, no plano histórico concreto,
aparentemente a educação, especialmente a formal, é definida pelos indivíduos. Entretanto,
apenas ao nível da aparência, pois na essência, a reprodução da sociedade impõe de antemão
os limites e possibilidades de atuação da educação.
Esse caráter “reprodutivista” da educação é reafirmado por Lukács (1981b, p. xxiv),
“a problemática da educação reenvia à questão sobre a qual ela se funda: a sua essência
consiste em influenciar os homens a fim de que, frente às novas alternativas da vida, reajam
no modo socialmente desejado.” Ora, para que a humanidade possa prosseguir sua marcha de
existência é necessária a contínua transmissão dos conteúdos acumulados pelas gerações
anteriores; é preciso dotar o homem de um arsenal de valores, crenças e conhecimentos
efetivos que lhes permita se identificar enquanto elo da reprodução da sociedade. As gerações
que antecedem as subseqüentes se encarregam de produzir o gênero em cada indivíduo
singular, em consonância com a forma assumida pela totalidade social em cada momento
histórico-concreto. Isto quer dizer que os valores, crenças e conteúdos característicos dessa
sociabilidade concreta serão os que presidirão a construção do indivíduo via educação. Assim
como a educação não podia, na sociedade feudal, deixar de preparar os homens para serem
servos e nobres, sob pena de não estar preparando os homens para as necessidades da
sociedade, não é possível à educação sob o capitalismo, não preparar burgueses e
trabalhadores. Seja qual for a forma de sociabilidade, a educação terá sempre a função de
mediação para a reprodução social e, nesse sentido, estará cumprindo um papel
imprescindível para a continuidade do ser social.
36
Evidentemente, em uma sociedade de classes, o caráter conservador da educação
assume uma valoração negativa, porém, ao mediar a reprodução da sociedade, a educação não
está desempenhando, exclusivamente, uma função conservadora, no sentido comumente
utilizado. O próprio Lukács chama a atenção para isso na continuação da citação do parágrafo
anterior, ao dizer,
Ora, este propósito [conservador da educação] se realiza sempre – em parte –
e isto contribui para manter a continuidade na transformação da
reprodução do ser social; mas ele a longo prazo fracassa – ainda uma vez,
como sempre, parcialmente - , e isto é o reflexo psíquico não só do fato que
tal reprodução se realiza de modo desigual, que ela produz continuamente
movimentos novos e contraditórios, aos quais nenhuma educação, por mais
prudente, pode preparar suficientemente, mas também do fato que nestes
momentos novos se exprime – de maneira desigual e contraditória – o
progresso objetivo do ser social no curso de sua reprodução. (LUKÁCS,
1981b, p. xxiv, grifos nossos)
Para Lukács a conservação implica um processo dialético de continuidade e
superação. Ela,
pode, claro, produzir a tendência a fixar definitivamente as aquisições, e isto
tem ocorrido freqüentemente no curso da história, mas a direção principal da
sua função é a de transformar o adquirido do passado em uma base para
posterior desenvolvimento, para resolver novos problemas postos pela
sociedade. (LUKÁCS, 1981b, p. xxiv)
Por isso mesmo, a reprodução social não é nunca um manter-o-mesmo, mas um
processo de contínuas transformações, cuja conservação é a base sobre a qual se constrói o
novo. Não há um começar do zero, e neste sentido, a fixação e a conservação assumem um
papel importante na construção do ser social, pois a reprodução social se expressa por uma
continuidade na transformação. Daí que o conservadorismo, no sentido aludido aqui é um
elemento indissociável da educação, conforme aponta Tonet,
37
Conservar, transmitindo às novas gerações aquilo que foi decantado e se
transformou em patrimônio do gênero humano é absolutamente fundamental
para a continuidade do mesmo gênero. Isto independe, em princípio, da
existência ou não de classes sociais. O que significa dizer que também
acontecerá em uma sociedade plenamente emancipada, embora, é claro, com
profundas diferenças em relação a uma sociedade de classes. (2001, p. 148).
A natureza essencial da educação, que buscamos expor aqui, seguindo os passos de
Lukács e Tonet, aparece expressa de maneira precisa nas palavras desse último.
ela consiste em propiciar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos,
habilidades, valores, comportamentos, etc. que se constituem em patrimônio
acumulado e decantado ao longo da história da humanidade. Deste modo,
contribui para que o indivíduo se construa como membro do gênero humano
e se torne apto a reagir face ao novo de um modo que seja favorável à
reprodução do ser social na forma em que ele se apresenta num determinado
momento histórico. (TONET. 2001, p, 144),
Considerada em sua natureza mais essencial, em seu aspecto mais geral, a educação é
uma atividade processada em todos os homens e presente universalmente em qualquer
forma de sociabilidade. Isto fica claro na observação tanto do pólo do indivíduo quando do
pólo da totalidade. No primeiro, independentemente do grau de apreensão individual do
patrimônio cultural historicamente produzido e decantado, todos os indivíduos só podem se
constituir enquanto homens por mediação da educação. No que se refere ao segundo pólo, a
educação comparece como uma das mediações que contribuem para que o homem atue
favoravelmente à reprodução social. Como todas as pessoas assumem papel dentro dela, ainda
que seja não-produtivo, também, do ponto de vista da reprodução da totalidade, verifica-se
uma presença universal da educação.
Mas, se no seu sentido mais amplo a educação é acessível a todos os homens, e
portanto, é universal, do ponto de vista da humanização, da construção integral do gênero e da
igualdade social, ela não o é.
38
A educação, nas sociedades de classes, apresenta-se em todos os indivíduos sociais,
embora com graus socialmente variados de acesso ao seu conteúdo. Desta forma, no seu
aspecto mais essencial (o da reprodução social), a educação está universalmente presente. No
entanto, uma verdadeira universalização da educação pressuporia o acesso igualitário ao
patrimônio cultural historicamente produzido, acumulado e decantado, e não apenas o acesso
à educação stricto sensu e lato sensu socialmente desigual. Portanto, se entendermos a
universalização de acordo com esse último aspecto, não há universalização da educação nas
sociedades de classes.
Como vimos, a educação é uma condição inerente ao processo de trabalho, e por isso
constitui-se como uma condição ineliminável da reprodução social. Deste modo, todos os
homens têm acesso à educação, do contrário não seriam seres sociais. Todos têm acesso à
educação, mas não à mesma educação.
Em um dado momento do processo histórico-social, a educação de universalizada
passa a ser particularizada. Dois processos desenvolvem-se imbricadamente a partir daí. Por
um lado, a educação lato sensu, torna-se insatisfatória para garantir a reprodução da
sociedade, tendo origem uma modalidade mais especializada de educação, a educação stricto
sensu. Por outro lado, a educação, tanto em sentido estrito como lato, vai assumindo formas
desiguais de acesso, e conteúdos cada vez mais socialmente diferenciados.
Em conseqüência das transformações econômico-sociais que ocorrem ao longo do
processo histórico, vários níveis de educação são gestados, proporcionando diferenciações
que vão de uma educação geral e assistemática a modalidades altamente sistematizadas e
restritas. Buscaremos, mais adiante, no segundo capítulo, analisar qual chão social permitiu o
surgimento da desigualdade na educação e qual a natureza dessa desigualdade.
39
1.1 Da educação lato sensu à educação escolar / stricto sensu
Do ponto de vista ontológico vimos qual a natureza e função social que possui o
complexo da educação na reprodução social. Neste momento, procuraremos investigar como
esse processo, de ingresso universal e igualitário, tornou-se desigual e restrito, negando a
grande parte da humanidade o acesso ao saber refinado sócio-historicamente produzido. A
desigualdade que se operou na educação de modo algum se opõe à sua natureza essencial. O
fato de uma das dimensões da educação (exatamente o mais conscientemente organizado,
detentor privilegiado do patrimônio científico e cultural decantado) se tornar restrito a setores
específicos da sociedade não altera, em nada, o papel essencial que tem a educação na
reprodução do ser social.
Em que pese as diversas modalidades de educação6 que evidenciamos no plano
histórico-concreto, no plano geral da totalidade social ela se divide fundamentalmente em
duas modalidades, a educação em sentido lato e a educação em sentido estrito. Não vamos nos
deter na conceituação dessas categorias, uma vez que, a elas já fizemos referências
anteriormente. Cabe-nos, porém afirmar, a respeito da educação em sentido estrito, que se
caracteriza, em oposição à educação em sentido lato, pelo alto grau de sistematização e pelo
baixo grau de espontaneidade de sua ação. Assim sendo, corresponde às atividades educativas
processadas, predominantemente, nas escolas, ainda que possam ser desenvolvidas em
ginásios, academias, sindicatos, corporações etc.
Tanto a educação em sentido lato, quanto a educação em sentido estrito, possuem a
mesma natureza essencial, ambas são uma mediação para a reprodução social. Tanto uma
quanto a outra produzem o homem social necessário à continuidade da socialidade, em
6
Refiro-nos aos gradientes de educação existentes no plano histórico-concreto e que correspondem às diferenças
de classes, como por exemplo as modalidades de educação para o trabalhador simples, trabalhador complexo,
trabalhador improdutivo, burguês etc.
40
qualquer forma que ela se apresente historicamente. Portanto não há contradição entre elas, na
medida que têm a mesma finalidade. No plano ontológico elas são um mesmo processo
unitário. É dessa forma que entendemos a seguinte afirmação de Lukács (1981b, p. xxiii),
“entre educação em sentido estrito e educação em sentido lato não se pode traçar um limite
ideal preciso, um limite metafísico, embora no plano prático imediato isto seja feito, mesmo
que de maneira fortemente diferenciada segundo a sociedade e as classes”.
Conforme nos diz Leontiev (s/d, p. 291), “quanto mais progride a humanidade, mais
rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação
e mais complexa é a sua tarefa.”. Historicamente foi isso que ocorreu. A crescente
necessidade social, provocada pelo desenvolvimento histórico, exigiu uma formação
individual cada vez mais pautada pela educação em sentido estrito. Contudo, a existência de
contingentes enormes de pessoas que ainda vivem sem ter acesso à educação formal, mostra
que essa modalidade de educação, portadora do refino do saber sócio-historicamente
produzido, não foi universalizada. O fato de existirem indivíduos sociais sem ter acesso à
educação em sentido estrito, não está em choque com a reprodução social, pois a educação em
sentido lato continuou a formá-los favoravelmente à reprodução social.
O desenvolvimento social produziu a necessidade de ampliar o acesso ao saber
sistematizado da educação stricto sensu, mas não a todos os indivíduos. Contudo a não
integralização de todos ao saber sistematizado, não significou que a educação deixou de
mediar a formação de todos os homens para a sociedade. A educação em sentido estrito
nasceu como uma modalidade privilegiada da educação em geral, correspondendo à
necessidade de seu amadurecimento. O surgimento da educação formal (forma histórica de
educação) não elimina a função e a prioridade ontológica da educação em geral, da qual ela é
um elemento integrante.
41
Entretanto, em função da complexificação do conjunto das relações sociais, a
transmissão de saber propiciada pela educação em sentido estrito, principalmente pela escola,
tornou-se a forma privilegiada, passando a ter um caráter de superioridade em relação à
educação não-formal. O saber escolar passou a ser, por exigência da dinâmica social, a forma
dominante de saber, sobrepondo-se ao conhecimento repassado assistematicamente nos poros
da socialidade.
O conteúdo do saber a cargo da escola, transmitido de modo sistemático, reproduz o
conhecimento historicamente produzido ao longo do desenvolvimento do homem, na sua
máxima decantação. A escola assumiu a função de lócus quase que exclusivo de acesso ao
conteúdo cultural e científico sintetizado continuamente pela humanidade. Evidentemente, o
predomínio do saber sistematizado na escola não a eximiu de transmitir valores e crenças
necessárias à reprodução da sociedade. Contudo, esta última tarefa, exercida em várias esferas
da socialidade, continuou, também, a ser realizada no disseminado complexo da educação em
sentido lato.
42
CAPÍTULO II. A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DAS SOCIEDADES: DA
EDUCAÇÃO
PRIMITIVA
UNIVERSAL
À
DESIGUALDADE
EDUCACIONAL DE CLASSE.
2.1 A educação na comunidade primitiva e o imperativo da universalização
A educação surgiu no momento em que também surgiu o homem. Entretanto, os
critérios biofísicos são insuficientes para determinar quando ocorre esse surgimento. Nesse
plano, torna-se irresolúvel o estabelecimento de um critério que determine o momento do
salto ontológico do mundo orgânico para o mundo dos homens. Não obstante os vários
avanços obtidos pela paleontologia e pela arqueologia, as ciências não são capazes de
estabelecer um critério absoluto para o nascimento do homem social. Isto porque, embora seja
a base imprescindível para a constituição do homem, não é na estrutura biológica que se
efetiva a passagem do ser natural para o ser social. As condições biofísicas necessárias ao
salto podem ter estado presentes nos homens durantes anos, sem que eles tenham iniciado a
sua autoconstrução. Lukács aponta que apenas no plano filosófico-ontológico, apenas pela
abstração, torna-se possível reconstituir o salto ontológico que criou o ser social. De acordo
com o filósofo,
nós não podemos ter um conhecimento direto e preciso dessa transformação
do ser orgânico em ser social. O máximo que se pode obter é um
conhecimento post festum, aplicando o método marxiano, para o qual a
anatomia do homem fornece a chave para a anatomia do macaco e para o
qual um estádio mais primitivo pode ser reconstruído - no pensamento - a
partir daquele superior, de sua direção evolutiva, de suas tendências de
desenvolvimento. A maior aproximação nos é trazida, por exemplo, pelas
escavações, que lançam luz sobre várias etapas intermediárias do ponto de
vista anatômico-fisiológico e social (utensílios, etc.). O salto, no entanto,
43
permanece um salto e, em última análise, só pode ser esclarecido
conceptualmente através do experimento ideal a que nos referimos.
É preciso, pois, ter sempre presente que se trata de uma passagem que
implica num salto – ontologicamente necessário – de um nível de ser a outro,
qualitativamente diferente. [...] as características biológicas só podem
iluminar as etapas de passagem, não o salto em si mesmo. Nós, porém,
também acentuamos que a descrição, por mais precisa que seja, das
diferenças psicofísicas entre o homem e o animal não apanhará o fato
ontológico do salto (e do processo real no qual este se realiza) enquanto não
puder explicar a gênese destas peculiaridades do homem a partir do seu ser
social. (LUKÁCS, 1981a, p. 3).
O homem que surge a partir do trabalho é um homem que se constitui e se constituiu
em sociedade, ele é social desde o seu primeiro momento. Dessa forma, o mais rudimentar
instrumento por ele construído é uma produção social, não importando se apenas um
indivíduo foi responsável pela construção desse hipotético objeto. Pois, como afirma Gordon
Childe,
Até a mais simples ferramenta feita de um galho partido ou uma pedra
pontuda é fruto de uma longa experiência – de tentativas e erros, impressões
recebidas, lembradas e comparadas. A habilidade de fazer uma ferramenta
foi conquistada pela observação, recordação e experiência. [...] Felizmente a
criança não precisa acumular experiência ou fazer por si mesma todas as
tentativas e erros. [...] Herda, entretanto, uma tradição social. Seus pais e as
pessoas mais velhas lhes ensinarão como fabricar e utilizar o equipamento,
segundo a experiência acumulada por numerosas gerações anteriores, e que
constitui em si mesmo uma expressão concreta dessa tradição social.
Qualquer instrumento é um produto social, e o homem é um animal social.
(1988, p. 11-12, grifos do autor).
Observemos que no pôr teleológico da mais simples objetivação humana, a educação
já está presente. Que mediação é a responsável pela transmissão da experiência acumulada
por constantes tentativas? Que esfera social recolheu as experiência e as tentativas e as
transmitiu, se não a educação?
Evidentemente que nessa incipiente forma de organização social, todas as ações
humanas estavam diretamente ligadas à reprodução da vida, porém, isso não pode levar ao
44
obscurecimento de que a educação não é trabalho 7. Ela nasce imbricada com ele e a seu
serviço, mas tem desdobramentos completamente distintos dos seus. É bem verdade que não
há como fazer uma distinção logicamente sustentada de quando termina o trabalho e começa a
educação. Também, neste momento inicial, linguagem, captura do real e educação atuam em
estado germinativo. Apenas a posteriori, cada um desses complexos vai ter uma ação mais
especifica e relativamente autônoma em relação ao trabalho.
Todavia, a especificidade da educação já está dada desde o momento inicial de seu
aparecimento. Como vimos, a educação é uma práxis social que se enquadra entre as
teleologias secundárias, ou seja, está entre aquelas atividades que visam influenciar outros
homens a assumirem determinadas posições teleológicas. Sendo essa determinação uma
característica ontológica, ela aparece em qualquer grau de complexificação que o ser social
apresente. Entre as comunidades primitivas, portanto, a educação já aparece voltada para sua
função social determinante. Ou seja, ela já se apresenta como uma legalidade específica,
relativamente autônoma, cujo fim último é a mediação da reprodução social.
Para efeito da apreensão do nosso objeto, uma das principais características a ser
destacada da educação nas comunidades primitivas é a existência de sua universalização. O
baixo nível das forças produtivas nas comunidades primitivas, impunha, em conseqüência,
uma ínfima produtividade do trabalho. Em função disso não havia excedentes de produção.
Deste modo, inexistiam classes sociais. Nessa forma de organização o trabalho era exercido
por todos, de acordo com a condição natural de cada indivíduo, e as forças produtivas não
eram propriedade privada.
7
Grande parte dos autores da área de trabalho e educação considera que educação é trabalho, defendendo a tese
do trabalho como princípio educativo. Talvez o defensor mais arguto dessa formulação seja Saviani. De acordo
com ele “Dizer, pois, que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao
mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho” (2003, p. 12).
45
Uma outra peculiaridade que decorria do baixo grau de desenvolvimento das forças
produtivas, era o fato de que, a comunidade possuía uma forte dependência do mundo natural.
O processo infindável de afastamento das barreiras naturais estava apenas começando. Nesse
momento, o homem estava bastante preso aos seus instintos naturais e à opressão da natureza.
Assim, o conhecimento da realidade e as relações sociais eram bastante limitados e submissos
ao mundo natural. Entretanto, essas características proporcionaram uma educação
efetivamente universal e igualitária, uma vez que a reprodução social dessas comunidades
exigia que todos os seus membros tivessem acesso ao ínfimo saber acumulado. Isso era
condição inexorável para a sobrevivência daquela forma de sociabilidade. Ponce enfatiza isto
quando diz,
Numa sociedade sem classes como a comunidade primitiva, os fins da
educação derivam da estrutura homogênea do ambiente social, identificamse com os interesses comuns do grupo, e se realizam igualitariamente em
todos os seus membros, de modo espontâneo e integral: espontâneo na
medida em que não existia nenhuma instituição destinada a inculcá-los,
integral no sentido que cada membro da tribo incorporava mais ou menos
bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e elaborar.
(1992, p. 21, grifos do autor).
Não nos interessa aqui, tratar detalhadamente do processo de educação nas
comunidades primitivas. Nosso objetivo limita-se a demonstrar a universalização que nela
imperava. Porém, é oportuno fazer uma última consideração a respeito.
Via de regra, a educação nas comunidades primitivas é caracterizada como
espontânea, acontecendo no e pelo processo de trabalho. Nessa ótica, a criança aprende pela
observação e pela prática, assumindo funções na comunidade. Tudo isso é verdade, porém,
esses predicados da educação primitiva, não podem reduzir a legalidade específica que o
complexo educativo vai assumindo.
46
Desse modo, a educação primitiva não se reduz à imitação e à prática, nem tão pouco
se confunde com o trabalho. Desde a mais ínfima forma de organização produtiva humana, a
educação já aparece como uma esfera particular, distinta do trabalho. A partir do que nos
mostra Childe, podemos observar como a educação, já no início da humanidade, se processa
relativamente separada do trabalho, de acordo com o autor,
A educação animal pode ser feita totalmente pelo exemplo (...) para as
crianças, que tanto têm que a aprender, o método imitativo seria fatalmente
lento. Nas sociedades humanas, a instrução é dada tanto pela explicação
como pelo exemplo. (CHILDE, 1988, p. 13)
Em uma obra anterior Childe reforça o nosso argumento,
A criança não pode esperar até que um urso ataque a família para aprender
como evitá-lo. A instrução apenas pelo exemplo, neste caso, poderá ser fatal
a alguns dos alunos. A linguagem, porém, permite aos mais velhos advertir o
mais jovem contra os perigos mesmo quando não se manifestam, e
demonstrar as ações apropriadas no caso de sua ocorrência. (1986, p. 44)
Resumindo, podemos dizer que nas comunidades primitivas anteriores ao
aparecimento das classes sociais, a educação era universal, na medida em que permitia o
acesso igualitário de todos os seus membros ao saber acumulado e decantado. A apreensão,
“em cada indivíduo singular,” da humanidade que era produzida “histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens”, não se dava uniformemente em todos os homens. Entretanto, os
diversos graus de apreensão, correspondiam às diferenças naturais subsistentes entre os
membros da comunidade, e não a diferenças estabelecidas socialmente. Ou seja, não havia
obstáculo social, não havia nenhuma força construída pelo homem que se colocasse contra a
construção genérica do indivíduo. Nesse caso, as variações de incorporação do gênero no
indivíduo, advinham das limitações colocadas pela natureza. Como todos os homens
mantinham a mesma relação social para com as forças produtivas, a educação podia ser
47
universal, ou, para ser mais preciso, a educação era a mesma e seu acesso universal porque
não existiam diferenças sociais de classes. Conseqüentemente, não havia necessidade social
de educações desiguais.
Com efeito, por mais elementar que fosse o conhecimento transmitido, e por mais
mitificados que fossem os valores e comportamentos difundidos, a mediação exercida pela
esfera educativa cumpria a sua dupla função social essencial. Ou seja, estava formando
homens enquanto membros da comunidade humana, e estava formando homens para atuar
favoravelmente à reprodução social.
O exemplo histórico-concreto da universalidade da educação entre as comunidades
primitivas reforça uma determinação já dada na educação enquanto categoria ontológica. Qual
seja, não há impossibilidade, in limine da existência de uma educação universalizada. Restanos apanhar mais ricamente essa determinação.
2.2 A educação nos marcos da divisão social do trabalho pré-capitalista e a
universalização impraticável
Num processo muito lento de desenvolvimento das forças produtivas que durou
milhares de anos, as comunidades primitivas foram sofrendo profundas transformações que
acabariam por dissipar sua existência. De modo muito grosseiro e sintético, podemos dizer
que o aumento da produtividade, gerado, sobretudo, pela descoberta da agricultura e da
criação de animais, que caracteriza a revolução neolítica, proporcionou uma constante
ampliação do domínio do homem sobre a natureza. De meros coletores do que a natureza
oferecia, os homens passaram a “controlar a natureza, ou pelo menos conseguiram controlá-la
cooperando com ela.” (CHILDE, 1986, p. 77).
48
O conjunto de técnicas, instrumentos e processos de trabalho, que foram descobertos
no longo processo do que foi a revolução neolítica, proporcionou um aumento de
produtividade do trabalho, que por sua vez, se cristalizou socialmente em uma produção de
excedente antes inexistente. Em confluência com o desenvolvimento das forças produtivas
apontado, as comunidades que realizaram a sua revolução neolítica, puderam, pela primeira
vez, liberar da produção direta, do trabalho produtivo, uma antes inimaginável parcela de seus
membros. Ora, do controle social do excedente, da separação entre trabalho manual e trabalho
intelectual, da importância social que assumiram a terra e as pastagens, para a apropriação
privada foi um salto, especialmente se comparado ao lento processo da revolução.
Está fora dos nossos objetivos reconstituir todo processo histórico, iniciado com a
revolução neolítica, de constituição das primeiras civilizações. Para efeito da investigação do
nosso objeto de pesquisa, é suficiente frisar que a produção de excedentes, o aparecimento da
propriedade privada e o conseqüente surgimento das classes sociais, impuseram a necessidade
de uma instituição que assegurasse a reprodução das novas formas de organização que nascia
junto com eles. Essa instituição foi consolidada no Estado Antigo. Esses Estados, frutos mais
maduros das formas comunais de organização política, tinham sua legitimidade nas
necessidades de organização da produção e de realização das grandiosas obras hidráulicas,
não obstante, sua verdadeira função era a garantia da reprodução social, na forma que ela se
apresentava. O que significa dizer que, os estados antigos buscavam assegurar a acumulação
da propriedade privada e a manutenção das relações sociais, na forma como ela se processava
naquelas primeiras civilizações.
É certo que toda a transformação na esfera produtiva ocorrida a partir da revolução
neolítica, quando o homem passou a ser, efetivamente, produtor, significou mudanças em
todas as esferas sociais. As mudanças nas técnicas de realização do trabalho, representaram,
pela própria constituição do trabalho, um avanço da consciência na captura mais precisa do
49
real, na mesma medida em que as transformações das forças produtivas foram refletidas na
consciência e a impulsionou a realizações de operações cada vez mais complexas. Como
resultado, esferas como educação, arte, ciência e religião, também sofreram transformações.
No que diz respeito à esfera educativa, a especialização do trabalho, conseqüência do
aparecimento da divisão social do trabalho e das classes sociais, impôs a necessidade de
diferenciação na educação. Desse momento em diante a educação deixou de ser universal. Até
quando as técnicas estavam limitadas à agricultura de horta e à cerâmica e tecelagem simples,
a educação pôde ser universal, como aponta Childe,
os artesanatos neolíticos foram apresentados como indústrias domésticas.
Não obstante, não constituem tradições individuais, mas coletivas. A
experiência e o conhecimento de todos os membros são constantemente
reunidos. (...) todos os potes de uma determinada aldeia neolítica revelam
uma uniformidade monótona. Trazem a marca de uma longa tradição
coletiva, e não da individualidade. (1986, p. 103).
Técnicas relativamente complexas para o nível de desenvolvimento das comunidades
neolíticas, como a da cerâmica, que exigiam um conhecimento de botânica, química, física,
biologia, eram de acesso universal. O exercício da cerâmica e da tecelagem, não foi
exclusividade de alguns indivíduos, e se constituía em atividade realizada paralelamente ao
trabalho na agricultura.
Entretanto, quando o excedente apropriado privadamente tornou-se capaz de manter
indivíduos fora da produção agrícola, a divisão do trabalho alcançou um grau de maturidade,
que permitiu a especialização de algumas atividades sociais. As técnicas, nesse momento,
voltavam-se para a fabricação de objetos de metal, e de madeira (barcos, carroças) e para
construção de grandiosas obras, expressões das necessidades sociais daquela nova forma de
sociabilidade. Em decorrência, a educação deixa de ser universal. O exercício de funções
50
como as de ferreiro, carpinteiro e arquiteto, por exemplo, exigia que os profissionais se
dedicassem exclusivamente a elas. Em relação ao trabalho com metal afirma Childe,
tais conhecimentos, porém, não eram divulgados entre todos os membros da
comunidade, e nem todos os membros do clã eram treinados como ferreiros.
As operações de mineração, fundição e moldagem, sendo muito complicadas
e exigindo uma atenção contínua, não podem ser realizadas nos intervalos do
cultivo da terra ou do trato do gado. A metalurgia é uma tarefa que exige
tempo integral. (1988, p. 82)
Contudo, a diferenciação fundamental da educação não está entre o acesso ao saber
socialmente produzido e sintetizado exigido pelo o ofício do ferreiro ou do mestre-de-obras.
Sem sombra de dúvida, a negação do conhecimento científico-prático ao imenso contingente
de trabalhadores braçais, tanto das construções como da agricultura, marcou uma importante
diferenciação no seio da educação, até então igualitária. Mas, tanto esses últimos
trabalhadores quanto os artesãos realizavam trabalho em sentido ontológico, ambos
efetivavam a troca orgânica do homem com a natureza. Neste sentido, se opõem a uma outra
classe de indivíduos, que sem se relacionar com a produção material da sociedade, dela se
apropriou.
Uma extensa camada de pessoas, que no início da produção de excedentes foi
encarregada do seu controle e organização, especialmente para oferendas e para os momentos
de escassez, tornou-se posteriormente apropriadora privada e com prerrogativas hereditárias.
Uma imensa classe, proprietária e a serviço dos proprietários dos meios de produção,
constituída particularmente por sacerdotes e funcionários do estado, passou a ter o acesso
privilegiado ao conhecimento e à sua transmissão.
A nova sociedade, baseada em classes sociais, exigiu uma organização mais racional
para o comércio e para a produção e controle do excedente. A realidade social impulsionou,
pela necessidade social da época, o aparecimento da escrita, do sistema numérico e
51
matemático, e dos rudimentos das ciências exatas como um todo. O desenvolvimento e o
acesso a esses conhecimentos, estiveram restritos a uma camada social particular, a dos nãotrabalhadores. A própria complexidade das primeiras escritas baseadas em ideogramas (a
exemplo da cuneiforme, entre os sumérios, e da hieroglífica, entre os egípcios), reforçava a
restrição ao acesso à língua escrita, porta de entrada dos saberes privilegiados daquela época.
Apenas quem estivesse totalmente desligado da produção material poderia se dedicar ao
estudo da escrita.
Essa desigualdade na educação exprime, com maior precisão, o reflexo do
aparecimento das classes sociais. O acesso ao saber sistematizado, que antes era universal, a
partir delas, cinde-se em educação em sentido lato, processada de maneira quase sempre
espontânea, dirigida às massas dominadas, e em educação restrita, sistematizada, dirigida à
classe dos dominadores. A educação formal que surge nos primórdios da civilização, indica
uma atividade intencionalmente voltada para a transmissão de conteúdos historicamente
produzidos e selecionados. Esta atividade é diretiva e mediada pela escrita. De acordo com
Dominicis (apud, PONCE, 1992, p, 28), “a educação sistemática, organizada e violenta, surge
no momento em que a educação perde o seu primitivo caráter homogêneo e integral”, ou seja,
quando aparecem as classes sociais.
Podemos dizer, em resumo, que até o predomínio das comunidades primitivas,
mesmo com baixíssimo grau de desenvolvimento dessas sociabilidades, a atividade educativa
desempenhava plenamente os preceitos do conceito de educação expressado por Saviani, isto
é, a produção, em cada indivíduo singular, da humanidade produzida sócio-historicamente até
aquele momento, era realizada de modo socialmente igualitário. A construção do gênero em
52
cada sujeito (repetimos, mesmo que altamente preso às determinações naturais) não
encontrava barreiras sociais.8
A partir do surgimento das classes sociais, a construção da humanidade no indivíduo
singular, tal qual descrita por Saviani, não mais se realizou de forma plena e com acesso
igualitário. Mesmo assim, a educação continuou atuando na produção do gênero no sujeito
individual, entretanto não mais o gênero humano integral, mas sim cindido em classes. Por
isso mesmo, o aparecimento da sociabilidade de classes não alterou em nada a função social
mais essencial da educação, ou seja, embora desigual, ela continuou a formar os indivíduos
favoravelmente à reprodução social.
Com a sociabilidade fundada na propriedade privada, a educação divide-se em
correspondência às classes sociais existentes. Sem querer estabelecer nenhum padrão de
análise para o fenômeno educativo, no entanto com objetivo de ressaltar elementos comuns a
todas as formas de educação de classes, podemos afirmar que a educação apresenta aspectos
comuns. Manacorda procede nesta direção ao sintetizar os aspectos do processo educativo,
dividindo-os em três, a saber,
na ‘inculturação’ nas tradições e nos costumes (ou aculturação, no caso de
procederem não do dinamismo interno, mas externo), na instrução intelectual
em seus dois aspectos, o formal-instrumental (ler, escrever, contar) e o
concreto (conteúdo do conhecimento), e finalmente, na aprendizagem do
oficio (compreendida aqui aquela forma específica que é o treinamento para
a guerra). (MANACORDA, 2001, p. 6)
Trazendo essas conceituações para as categorias com as quais estamos operando em
nosso texto, a inculturação/aculturação, corresponde à transmissão dos valores e tradições
8
O que não quer significar que o gênero era produzido igualmente em cada homem, se assim o fosse, não
haveria diferenças individuais. Por outro lado, obviamente, é impossível, qualquer quer seja a forma de
sociabilidade, a reprodução, nos indivíduos, de todos os aspectos do patrimônio cultural socialmente produzido.
O que nós estamos a indicar, é que, antes das sociedades de classes não havia restrições sociais que impedissem
o acesso à produção cultural genérica.
53
repassadas especialmente pela educação em sentido lato, ao passo que a instrução intelectual,
formal ou concreta e a aprendizagem do ofício, correspondem à educação em sentido estrito.
Procuraremos nos parágrafos seguintes relacionar esses aspectos do processo educativo com
as diferenças de classes.
Buscaremos, a seguir, tratar de como a educação aparece nas diversas formações
sociais de classes da era pré-capitalista. No entanto, não iremos reconstituir no plano
histórico-concreto toda a trajetória da educação nesse período, tendo em vista que a realização
de uma tarefa dessa monta ensejaria uma investigação que está fora do nosso alcance e dos
nossos objetivos neste trabalho. Em conseqüência, recorreremos aos caminhos já trilhados,
especialmente por Ponce e Manacorda, para traçar algumas ligeiras considerações, mesmo
que conheçamos os riscos de efetuar generalizações e sínteses.
A educação, ao se encarregar da transmissão de comportamentos, de atitudes e
habilidades, e sobretudo, da difusão das tradições, das concepções de mundo e dos valores
necessários à reprodução social, o faz em todas as classes sociais. Todavia, esse conjunto de
conteúdos, reproduz hegemonicamente os interesses das classes dominantes. Com efeito, a
reprodução dos valores e dos comportamentos exigidos pelos exploradores, não se apresenta
da mesma maneira para todas as classes sociais. Neste sentindo, é importante a distinção que
faz Manacorda. Ora, quando dirigida às classes dominantes, a educação se apresenta como
uma inculturação, uma vez que está transmitindo conteúdos que representam seus valores. De
modo contrário, quando se dirige às classes subalternas, a educação representa, de modo
hegemônico, os interesses dos dominadores, e por isso torna-se uma aculturação. Em
conseqüência, de acordo com o pedagogista italiano (MANACORDA, 2001, p. 39-40), a
transmissão dos conteúdos “ético-comportamentais”, se processa numa depreciação cultural,
que vai da classe dominante (inculturação) à camada mais baixa da sociedade (aculturação),
apresentando-se de modo cada vez mais degradante.
54
Logo, na sociabilidade de classes, nós temos uma educação em sentido lato que
atinge a todos, contudo com uma grande variabilidade de graus de acesso ao seu conteúdo.
Some-se a isso, o fato de que a transmissão dos conteúdos ético-comportamentais não
reproduz valores autênticos de uma comunidade emancipadamente humana, mas sim valores
das classes que detêm o poder econômico-político em cada formação social concreta.
Não é exclusividade da educação em sentido lato a função de aculturação e de
inculturação. Embora ela seja o instrumento predominante para a transmissão dessas
modalidades de processo educativo, esse papel também aparece indissociavelmente ligado à
educação stricto sensu. No entanto, para os trabalhadores mais simples, mas centrais, 9 das
sociedades de classes do período anterior ao capitalismo, a educação lato sensu era a única
que bastava para torná-los indivíduos sociais. Desse modo, tanto os escravos da antiguidade
clássica, quanto os servos orientais e da idade média, não precisavam mais do que da
aculturação para se sentirem “homens”, no papel que lhes cabia nas relações sociais e para
serem socialmente úteis à reprodução daqueles modos de produção.
Valores que eram transmitidos às classes dominantes como inculturação, eram,
também, transmitidos às classes subalternas, mas como aculturação. Expliquemos melhor.
Tomando por exemplo a sociedade greco-romana, vemos que a formação de ideais guerreiros,
a valoração negativa do trabalho, a conscientização da classe enquanto dominante, a
valorização da participação na vida pública e a assimilação das relações sociais como
naturalmente estabelecidas, estavam entre os objetivos a que se destinava a educação lato
sensu. Esse conteúdo não formal da educação, dirigido à elite escravocrata, constituía-se em
uma inculturação, uma vez que representam valores autênticos de sua classe.
9
Nas sociabilidades pré-capitalistas, entre os trabalhadores que realizavam a produção material, ou seja, entre
aqueles que efetivamente atuavam na transformação da natureza e (ou) da matéria-prima, e por isso são centrais,
estão, os artesãos e os agricultores. Referimo-nos aos últimos.
55
Todavia, junto às classes dominadas da sociedade greco-romana, esses mesmos
valores estão presentes, mas nesse caso como uma aculturação, ou seja, como ideais externos
que visam garantir a manutenção da sociabilidade em benefício da elite escravocrata. Para a
classe subalterna, o conteúdo da educação lato sensu objetivava, entre outros fins, a
conformação do lugar social a ela destinado, a conscientização da classe dominante como
naturalmente superior à sua, a aceitação da vida pública e militar como sendo destinada aos
cidadãos, a aceitação das relações sociais como um dado imutável e natural. Longe de ser
maquinação atroz dos detentores do poder, a educação em seu sentido amplo exprimia as
determinações da totalidade social. Nesse sentido, estava perfeitamente condizente com as
necessidades de reprodução social do modo de produção escravista.
Entre os escravos principais da antiguidade clássica10, a educação em sentido lato era
a única existente, conseqüentemente, cabia a essa modalidade de educação fundamentalmente,
a tarefa de instruí-los nas rudimentares técnicas de produção agrícola, bem como reproduzir
os aspectos ideológicos que justificavam a escravidão. Conquanto esta última tarefa não
eliminava o alto poder de coerção que incidia sobre os escravos, instrumento esse que
representava a principal ferramenta de dominação.
Na sociedade feudal, com exceção da valorização da participação na vida pública,
inexistente no feudalismo, todos os outros ideais presentes na educação lato sensu das classes
dominantes no modo de produção escravista da sociedade greco-romana, continuam a existir,
mutatis mutandis. Em contrapartida, um novo elemento é elevado a princípio máximo da
educação. Trata-se dos valores ético-comportamentais cristãos, que se tornaram a base da
ideologia da reprodução social sob o feudalismo.
10
A adjetivação “principal” deve-se ao fato de existir, tanto na Grécia quanto em Roma antiga, escravos com
ocupações especializadas, inclusive de caráter intelectual. Com isso, queremos ressaltar os escravos que
efetivamente estavam na base da produção da antiguidade clássica, que a nosso ver formam a classe social
central daquelas sociedades.
56
Entre os servos semi-escravizados da idade média, a exemplo do que ocorreu com os
escravos da antiguidade clássica, a educação lato sensu era o único e suficiente meio de
acesso ao conhecimento necessário para formá-los enquanto indivíduos funcionais à
reprodução favorável do modo de produção feudal. Assim sendo, os valores éticocomportamentais (cuja principal base estava no cristianismo) disseminados fluidicamente e a
aprendizagem elementar, feita no trabalho e pela tradição oralmente transmitida, são os
conteúdos principais dessa forma de educação.
No que se refere à educação stricto sensu, ela surge, como já apontamos em outro
momento, como uma decorrência da divisão social do trabalho, aberta com o processo de
aparecimento da sociedade de classes. Nas sociedades de classes anteriores ao capitalismo, a
educação stricto sensu, esteve restrita exclusivamente às classes dominantes. Excetuando-se
alguns escravos, servos e homens livres, que possuíam alguma função mais especializada ou
intelectual, e que por exigência de seus ofícios, precisavam ter acesso aos aspectos, pelo
menos, elementares do saber transmitido pela educação em sentido estrito11, todos os outros
que estavam na base produtiva das sociedades de servidão oriental, escravista e feudal,
estavam excluídos do saber formal, uma vez que, o próprio exercício do trabalho produtivo
nessas sociedades era incompatível com o tempo e recursos financeiros exigidos para o acesso
à educação stricto sensu. Neste sentido, podemos concluir que a educação em sentido lato foi
a forma particular do processo de formação do gênero humano (ainda que cindido e alienado)
11
Isso é comum no fim da idade média, especialmente quando as relações sociais começam a sofrer mudanças
decorrentes das lentas transformações que se processavam no campo e no comércio e cujas guildas e corporações
de ofício são os exemplos mais candentes. Mas já no Egito antigo o acesso a essa parcela do saber estava
presente, “Somente a ‘multidão’ daqueles que exercem uma arte, daqueles que conhecemos nas sátiras dos
ofícios ou nos Onomástica, recebe uma instrução formal, isto é um pouco de leitura e de escrita, e uma
preparação profissional relativa ao ofício tradicionalmente exercido na família. É o próprio exercício
profissional, manual, imediatamente produtivo, que exige um mínimo de conhecimentos da instrução formal,
indispensável quer para a transmissão dos conhecimentos científicos-técnicos parciais e especializados, quer para
as relações sociais que o ofício, a aquisição das matérias-primas e a venda do produto supõem.”
(MANACORDA, 2001, p. 39).
57
no indivíduo social da classe dominada nas formações sociais pré-capitalistas, enquanto a
educação em sentido estrito assumiu o mesmo papel em relação às classes dominantes.
Nas formações sociais anteriores ao capitalismo não apenas não há universalização
da educação em sentido estrito, como também, inexiste qualquer ilusão ou perspectiva de
realizá-la. Pelo contrário, a educação era um instrumento que servia de negação do
conhecimento formal para as classes dominadas. Os conteúdos – como a arte guerreira,
fundamental para a manutenção tanto das sociedades escravista, que tinham o militarismo
como instrumento de conquista e manutenção dos escravos, quanto para a sociedade feudal,
para a qual as guerras eram o meio de expansão territorial e de enriquecimento dos senhores
feudais – eram nitidamente impossíveis de serem estendidos às classes dominadas.
O mesmo ocorre com as finalidades da educação em Atenas e Roma. A formação de
homens para o Estado, para o exercício da vida pública, era o principal fim da educação
formal. Ora, em uma sociedade que excluía da cidadania as mulheres, os estrangeiros e os
escravos, isto é, a imensa maioria da população, não era possível estender a todos a entrada no
saber formal.
Nas sociedades escravistas e feudais, não havia nenhuma perspectiva de
universalização da educação formal, isso era uma total impossibilidade concreta. O chão
social sob o qual se erigiram as sociedades escravistas e feudais, não colocava a expansão e
ampliação da educação como uma questão a ser, sequer pensada. As diferenças sociais eram
tidas como naturais e insuprimíveis. Aos servos e aos escravos cabia o trabalho, aos senhores
de escravos e senhores feudais cabia o exercício do poder, para o qual a educação formal
estava voltada. Essa determinação era assumida claramente. Aristóteles, por exemplo, deixava
muito nítido que era impossível tratar diferentes como iguais. Em alusão ao papel do
trabalhador livre grego, diz ele, (apud, PONCE, 1992, p. 44) “nunca uma república bem
organizada os admitirá entre os seus cidadãos e, se os admitir, não lhes concederá a totalidade
58
dos direitos cívicos, direitos esses que devem ser reservados aos que não necessitam de
trabalhar para viver”.
A educação, tal qual se processou nas sociedades de classes anteriores ao
capitalismo, cumpriu o seu papel de mediação para reprodução social. As formas desiguais de
educação que brotaram da desintegração das comunidades primitivas estavam em
concordância com as novas formas de relações sociais. O modo de produção escravista e
feudal a exigia e ao mesmo tempo a gestava.
A irrealizabilidade da universalização da educação era inscrita na impossibilidade de
se suprimir as desigualdades de classe. Conceder educação formal aos trabalhadores escravos
e servos, se fosse possível, significaria o fim dessas classes e, conseqüentemente, o
fenecimento das sociedades escravistas e feudais. Ou melhor dizendo, a expansão e ampliação
aos trabalhadores, da educação formal destinada às classes dominantes, era intrinsecamente
impossível, pois exigiria, fazer deles todos cidadãos (nas sociedades escravistas) e senhores
feudais (nas sociedades feudais). Note-se que, acabar com os antagonismos escravoproprietário e senhor feudal-servo, sob o quais repousavam os modos de produção feudal e
escravista, significaria, eliminar essas formas de sociabilidades. Dessa forma, universalização
era irrealizável pela raiz. Assim sendo, a extensão da educação stricto sensu só seria passível
de realização para além da sociedade feudal e escravista e com conteúdos e formas diferentes
daquelas que possuía no feudalismo e escravismo.
Como a realização de uma sociedade para além do feudalismo e do escravismo não
era socialmente possível (até mesmo na simples visualização ideal), uma vez que, o
desenvolvimento material não tinha alcançado um patamar suficiente para tal, não existia
nenhuma expectativa de universalização minimamente imaginável.
59
2.3 A educação na sociedade capitalista e o impulso à universalização
Demonstramos, até aqui, que a educação nasce universalizada. Com o surgimento da
propriedade privada e a complexificação da divisão social do trabalho, desenvolve-se a forma
estrita de educação, ao passo que é promovida uma diferenciação no seio da educação em
geral (tanto em sentido estrito quanto em sentido lato), tornando-a não mais universal. Vimos
também, que nas sociedades escravistas e feudais, não havia nenhuma aspiração em se
eliminar as desigualdades no acesso à educação formal. Contrariamente, na sociedade
capitalista a universalização da educação aparece como um princípio defendido tanto pela
burguesia, quanto pela classe trabalhadora. Mais que isso, a universalização, entendida com
um processo de expansão e ampliação do acesso à educação formal, é um processo real e
inegável no sistema do capital. Nesse tópico, procuraremos apreender em que chão social é
fundada a perspectiva da universalização da educação no capitalismo e como se relacionam a
afirmação do modo de produção capitalista e o processo de expansão da educação formal
escolar.
2.3.1 Gênese da universalização sob o capital
Como afirma Dobb (1988, p. 10), os “elementos importantes de cada nova sociedade,
embora não forçosamente o embrião completo da mesma, acham-se na matriz da anterior, e as
relíquias de uma sociedade antiga sobrevivem por muito tempo na nova.” Em vista disso, o
processo que leva à constituição do modo de produção capitalista é extremamente longo.
Podemos afirmar que ele tem início no processo de degeneração do feudalismo, a partir do
século XII, conseguindo seu completo amadurecimento apenas no século XIX, quando o
60
capital industrial torna-se a forma dominante do capitalismo12. Para Marx (1989, p. 830), “A
estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade
feudal. A decomposição desta liberou elementos para a formação daquela”. É então a partir
das próprias contradições do modo de produção feudal que vão nascendo as novas relações de
produção que constituirão as relações capitalistas.
A extensão das terras cultiváveis e a expansão da mão-de-obra servil são os
mecanismos, por excelência, para a ampliação da produção feudal. Junto a esses dois
elementos, algumas pequenas modificações nas técnicas produtivas13 proporcionaram um
relativo aumento de produtividade na economia feudal, acompanhado por um acréscimo
demográfico. Entretanto, embora as inovações implantadas tenham gerado um excedente
social maior, levou, em alguns séculos, ao esgotamento da produção. Ou seja, o alargamento
da produtividade no modo de produção feudal não podia mais se dar pelos meios já utilizados.
Como o regime econômico do feudalismo impedia qualquer transformação nas técnicas
produtivas para além daquelas inovações já incorporadas, ele começou a ruir diante de seus
limites.
O modo de produção feudal foi-se apresentando como um entrave ao
desenvolvimento das forças produtivas, estas só poderiam ser desenvolvidas rompendo e
desmantelando os entraves das relações sociais feudais. Daí porque várias formas combinadas
de relações de produção, tais como, trabalhos por renda, trabalho parcelar e incrementação da
atividade manufatureira e comercial, foram-se estabelecendo junto às tradicionais. As
transformações operadas na esfera produtiva foram acompanhadas por mudanças nas esferas
12
o verdadeiro capitalismo é aquele em que “o capital industrial é a forma fundamental do regime capitalista,
sob a qual este impera sobre a sociedade burguesa (...) A medida que vai evoluindo, o capital industrial tem que
principiar por impor-se àquelas duas formas (comercial e usurária) e convertê-las em formas submetidas a ele.”
(MARX, Apud CHASIN 1978, p. 629.)
13
Hunt e Sherman (1993, p. 23-25) mencionam algumas dessas inovações: adoção da cultura em rodízio de três
campos; o amplo uso do cavalo nas comunicações e na aragem da terra, feita antes com bois; e a substituição da
carroça de duas rodas pela de quatro com eixo dianteiro móvel.
61
secundárias do ser social. Desse modo, a educação já não se colocava da mesma forma que
imperou no feudalismo.
No período em que o capitalismo lutou contra o feudalismo para se afirmar enquanto
modo de produção dominante, por ser um momento de transição, a educação de tradição
feudal, cavalheiresca e cristã secular e cenobial, ministrada dissociada do mundo materialconcreto e destinada às classes dirigentes, passou a conviver com demandas que exigiam um
outro tipo de educação, dessa vez relacionada com as coisas do mundo burguês que surgia. O
que se processava a nível econômico se refletia nas outras dimensões da socialidade. A
convivência econômica agonizante do velho com o novo, produto das transformações
transicionais, causava a coexistência de “educações” que objetivavam formar os indivíduos da
sociedade que se afirmava negando o feudalismo e aprofundando a sua crise, com
“educações” que anacronicamente lutavam pela reprodução da sociabilidade que desfalecia.
Essa separação entre educação reprodutora do velho e educação reprodutora do novo
não é tão clara quando foi referida acima. Na verdade, esse movimento é unitário e expressa a
contradição conservação/superação presente na reprodução social. Portanto, uma mesma
proposta pedagógica ou política, podia apresentar-se como apregoadora do novo e, ao mesmo
tempo, possuir elementos que contribuíam para a manutenção do velho e vice-versa.
Expressando essas contradições, o humanismo foi o primeiro movimento que
defendeu (não para todos) uma educação mais próxima do ideal burguês, “Em oposição à vida
‘santa’ dos monges e à vida ‘cavalheiresca’ dos barões, os humanistas defendiam outra
espécie de vida, que fosse mais laica do que aquela, e menos predadora do que esta”.
(PONCE, 1992, p. 115). O humanismo, o renascimento, a reforma e mais tarde o iluminismo
e o liberalismo, expressaram (contraditoriamente em alguns casos) no campo educacional, a
realização de uma educação mediadora da reprodução do modo de produção capitalista que se
consolidava.
62
A partir dos séculos XVI e XVII o problema da educação formal para os
trabalhadores aparece como questão da ordem do dia. No dizer de Manacorda (2001, p. 193194), “de fato, é agora que começa a se propor novamente o problema do como e quando
instruir, quem é destinado não tanto ao domínio, mas à produção.” Até antes desta data, as
iniciativas surgidas de educação para os dominados limitavam-se a instruí-los na catequese.
Mas é só no século XVIII, que a educação das massas populares assume proporções
consideráveis. É nesse século que iniciativas concretas de planos nacionais de educação
popular são postas em prática, cujos maiores exemplos são o ensino mútuo e o método
Lancaster14.
Os iluministas e revolucionários burgueses são os grandes protagonistas da defesa
das transformações educacionais do século XVIII, exigindo não apenas o completo
rompimento com os limites da razão medieval e a conseqüente implantação de uma educação
que respondesse aos interesses burgueses, mas também, a ampliação do acesso à educação
para as camadas populares. Nas revoluções americana e francesa se consubstancia o discurso
da universalização da educação. É a começar da instauração do estado burguês na França e
nos Estados Unidos que se inicia, de modo sistêmico, o processo de universalização da
educação formal escolar nos marcos burgueses. Na Assembléia Legislativa de 1792 da
Revolução Francesa, o secretário da casa Condorcet, aprova seu projeto sobre a educação,
contemplando o direito ao ensino, laico, público e gratuito. Nos Estados Unidos da América,
Benjamim Franklin propõe uma educação elementar e gratuita para as crianças de 7 aos 10
14
Tanto o ensino mútuo quanto o método lancaster são métodos que se caracterizam pelo ensino monitorial,
onde “alguns adolescentes instruídos diretamente pelo mestre, atuando com variedade de tarefas como auxiliares
ou monitores, ensinam por sua vez outros adolescentes, supervisionando a conduta deles e administrando os
materiais didáticos. [...] Podendo instruir até mil alunos com um só mestre, frente aos cinqüenta em média
instruídos nas classes tradicionais através do ensino individual.” (MANACORDA, op. cit. p. 256-258). As
primeiras experiências com esses métodos são iniciadas na Inglaterra, em fins do século XVIII e início do XIX.
Segundo Manacorda (op. cit. p. 260), eles caracterizavam-se por serem excessivamente disciplinados e
mecanizados e por estimularem a competição. Não é ocasional que um sistema educacional nacional e popular
surja na Inglaterra. A sua origem no centro do capitalismo, a sua instrução limitada e o seu método conservador,
atende perfeitamente à necessidade de se instruir e “civilizar” a classe subalterna. Seus princípios estavam de
acordo com a nova sociedade industrial.
63
anos. Porém não nos iludamos, o Projeto de Talleyrand adotado por Napoleão dá a dimensão
exata do conteúdo dessas propostas burguesas, “ler, escrever, fazer contas são necessidade de
todos e são também os únicos conhecimentos que é possível (sic) dar mediante uma instrução
direta e positiva aos habitantes das cidades e dos campos.” (TALLEYRAND, apud,
MANACORDA, 2001, p. 252)
Tendo necessidade de romper as barreiras feudais e realizar o seu projeto de
sociabilidade, a burguesia defendeu a liberdade e os direitos do indivíduo como princípios
básicos. Embora a liberdade não significasse ir além da liberdade de comerciar e o direito
individual não fosse mais que o direito de propriedade, esses princípios apresentavam-se
como superiores em relação às realizações humanas que o feudalismo realizara. É nesse
contexto que a universalização da educação formal surge, como uma necessidade da
burguesia para a formação do homem necessário ao novo mundo em formação, cujos valores,
princípios e relações sociais não podiam ser mais construídos pela educação de molde feudal.
O modo de produção capitalista tem sua gênese na compra e venda da força de
trabalho, mas para conseguir alçar o trabalho assalariado à forma hegemônica de relação de
produção, o capital teve que lutar contra os entraves feudais e derrubar as barreiras concretas
que se opunham a sua realização. Em decorrência, foi necessário destituir o trabalhador de
quaisquer meios de produção e tornar seus instrumentos de trabalho obsoletos, deixando-lhe
com uma única “propriedade”, a sua força de trabalho. Marx deixa isso bastante claro quando
afirma,
O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que
retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo
que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção
e converte em assalariados os produtores diretos. (MARX, 1989, p. 830)
64
O regime de enclousure, isto é, o cercamento das terras comuns para uso capitalista,
expropriou os trabalhadores do campo dos meios de produção, ao passo que a produção
manufatureira retirou do artesão urbano especializado a possibilidade de viver da propriedade
de seus meios de subsistência. Ambos os fenômenos produziram os trabalhadores “livres” de
que o capitalismo necessitava.
Descrever o complexo movimento histórico que vai do fim do feudalismo à
solidificação do capitalismo, exigiria muito mais espaço e esforço do que o empreendido aqui.
Nossas pretensões em relação ao rápido panorama traçado neste item objetivam identificar
nesse cenário, as razões que possibilitaram o surgimento da universalização da educação
como bandeira da burguesia.
Uma dessas razões foi a necessidade, já apontada, de formar os homens de classes da
sociedade capitalista. Ora, o modo de produção capitalista colocava o homem no centro do
mundo, apresentava um projeto superior de realização humana, onde o homem era “livre” e
pleno de direitos e defendia um regime de governo que exigia a participação dos “cidadãos”.
Esse homem, em que pese ser dividido em classes, precisava de outros tipos de educação,
com novos conteúdos e métodos e com novas diferenciações. Neste sentido, o homem da
classe trabalhadora, precisava ter acesso a noções de primeiras letras e de civilidade.
Contudo, esse não é o aspecto central da universalização promovida pela burguesia,
ainda que não seja menos importante. A nosso ver, a determinação que promove a perspectiva
da universalização da educação só pode ser encontrada no trabalho. É nele que encontraremos
a gênese da perspectiva da universalização da educação, embora, devido à autonomia e
complexificação conquistada pela esfera particular da educação, se torne mais difícil
relacioná-los.
Demonstramos no primeiro capítulo que em nenhuma forma de sociabilidade de
classes anterior ao capitalismo, a educação formal foi necessária ao trabalhador produtivo. O
65
trabalhador escravo e o servo, pilares centrais das sociabilidades escravistas e feudais, se
“situavam” enquanto parte do “gênero humano” e atuavam favoravelmente na reprodução
social, sem a necessidade da educação formal. A educação formal, no caso dos servos e dos
escravos, era incompatível com a reprodução de suas classes. Assim, era completamente
irrealizável qualquer forma de acesso mínimo ao saber formal.
Contrariamente às sociedades anteriores, na produção capitalista, o trabalhador
produtivo precisa da educação formal para se identificar como indivíduo genérico (embora
cindido) e para atuar favoravelmente na reprodução social. O mesmo ocorre no pólo da
reprodução da totalidade social capitalista (pólo esse que detém prioridade ontológica sobre o
do indivíduo). Nele a educação formal é uma necessidade para a auto-reprodução do capital.
O mundo capitalista é impensável sem a universalização da educação formal, como
diz Machado,
A escola no capitalismo constitui um acessório indispensável à produção,
por preencher necessidades técnicas e políticas e sua diferenciação interna
não é uma excrescência a ser superada no futuro, mas uma necessidade
inerente ao capital em concorrência com o trabalho, pois lhe permite
manipular os requisitos e exigências, de forma a lhe possibilitar maior lucro.
(1989, p. 31)
No pólo da totalidade, a reprodução da sociabilidade capitalista exige dos
trabalhadores quando pouco, o mínimo de letramento e de habilidade numérica, dificilmente
adquiridas fora da escola. Regidas pela mercadoria, reguladas por contratos e por legislações,
assentadas nos princípios do liberalismo, as relações de produção capitalistas, em seu aspecto
geral, não poderiam realizar-se sem a mediação da educação formal aos trabalhadores. É o
que afirma Machado (id, p. 32),
Nas antigas ordens escravista e feudal era possível deixar os trabalhadores
sem qualquer instrução, mas o moderno assalariado não pode deixar de
66
receber determinados conhecimentos necessários ao desempenho de suas
funções. Além disso, a nova ordem burguesa e o Estado que a representava
espera dos trabalhadores, que são também cidadãos, um mínimo de instrução
que lhes possibilite a compreensão de suas regras, de tal maneira que possam
se responsabilizar pelos seus atos.
Tonet, mais uma vez, sintetiza com precisão as determinações que marcam a origem
social da universalização da educação no aparecimento do capitalismo. Para ele:
Foi apenas com o advento do capitalismo, na medida em que a produção
econômica, cuja mola-mestra e dinâmica é o capital, passou a ser direta e
claramente o eixo de todo o processo social, que a educação ocupou um
lugar todo especial. Isto porque ela passou a integrar cada vez mais
profundamente o processo de produção. A partir deste momento, as classes
trabalhadoras não poderiam receber apenas uma educação prática no e pelo
trabalho. O próprio trabalho, agora cada vez mais complexo, exige
conhecimentos e habilidades que têm que ser desenvolvidos e adquiridos
fora do seu âmbito específico. Além disto, a transformação de todos os
indivíduos em cidadãos e a participação numa sociedade democrática
exigem, por parte de todos, a apropriação de um conjunto de elementos –
idéias, conhecimentos, valores, comportamentos, habilidades, etc. –
adequados para o exercício destas novas determinações. (2001, p. 149)
Esta é, a nosso ver, a essência da universalização da educação defendida pelo capital.
Ela nasce com o capitalismo e como uma mediação para a sua reprodução. Entretanto, a
essência não determina in totum as formas de ser, apenas coloca as possibilidades.
Como afirma Tonet, na esteira de Lukács,
a relação entre essência e fenômeno não é uma via de mão única. O
fenômeno não é uma simples e direta derivação da essência. Entre eles há
uma determinação reflexiva e isto é possível porque a essência põe apenas o
campo de possibilidades no interior do qual se darão os atos humanos
singulares. Estes atos, tanto poderão reforçar como alterar os traços que
compõem a essência, assim como poderão alterar ou reforçar os que
compõem o fenômeno. (2001, P. 44)
no mesmo sentido, para Lukács,
67
a substancialidade (...) não é uma relação estático-estacionária de
autoconservação que se contraponha em termos rígidos e excludentes ao
processo do devir, ela ao invés se conserva em sua essência, mas
processualmente, se transformando no processo, se renovando, participando
do processo. (LUKÁCS, apud LESSA, 2002, p. 51)
Lukács fala que entre o “trabalho como modelo de toda praxis social, ou seja, que
entre o modelo e as suas sucessivas e mais complexas variantes há uma relação de identidade
entre identidade e não-identidade.” (1981b, p 46). Ou seja, a identidade presente na essência
se manifesta nos fenômenos por uma relação de identidade e não-identidade. Desse modo, a
essência pode manter sua identidade por meio de processos que guardam para com ela marcas
não apenas de identidade, mas de não-identidade.
A essência não é uma determinação que é desdobrada mecanicamente nas formas de
existência do ser e que determina mecanicamente a esfera fenomênica, se assim o fosse não
haveria história, ser e essência coincidiriam. A essência, afirma Lessa (2002, p. 52-55), é o
locus da continuidade, é aquilo que concede unidade às singularidades, conferindo a elas um
caráter mais permanente. A essência só pode manifestar-se mediante as formas de ser, e nessa
manifestação fenomênica a essência se desenvolve em determinação recíproca com o
fenômeno. Dessa forma, a essência não determina de forma absoluta o desenvolvimento
posterior do ser. Não existe uma “necessidade essencial” que oriente em termos teleológicos
mecânicos a processualidade do ser.
Nesse sentido, embora a universalização da educação compareça como uma
necessidade essencial da sociabilidade capitalista para a construção do novo homem e da nova
forma de trabalho, a dinâmica processual entre a essência universalizadora da educação
capitalista e a sua manifestação no plano concreto, não coincidem, pois essa relação é de
identidade e não-identidade. Isto quer dizer que o capital, simultaneamente, amplia e restringe
a universalização da educação. É afirmando-a e negando-a que o capital mantém a identidade
68
da universalização que ele defende. Dessa forma, a necessidade da educação formal para a
reprodução do trabalhador produtivo e para a reprodução da totalidade social capitalista, não
se põe e não se repõe sem a tensão e a contradição características do movimento dialético. As
formas de ser da universalização defendida pelo capital se apresentam afirmando e, ao mesmo
tempo, negando a essência.
Assim, por exemplo, nos séculos XVI e XVII, apesar da necessidade de formação do
novo homem que a sociabilidade burguesa exigia, a universalização da educação à classe
trabalhadora é negada por amplos setores da burguesia, tendo em vista a necessidade de mãode-obra que as manufaturas exigiam para a realização da sua acumulação naquele momento
(LINS, 2003, p. 9).
Outro aspecto revelador da contradição entre a essência e as suas formas de ser, no
que se refere à universalização da educação, se manifesta na relação contraditória estabelecida
entre as necessidades de expandir a escola e, ao mesmo tempo, restringir o saber aos limites
aceitáveis pelo capital. Assim sendo, a universalização da educação capitalista se faz em um
plano que não elimina as barreiras de acesso ao saber. Todo o processo histórico de ampliação
da educação escolar sob o capital é realizado de uma forma que impõe limites para o acesso
integral ao saber15. Isto é exemplificado na defesa que Adam Smith faz da concessão, no
século XVII, da instrução formal à “gente comum”. Em suas próprias palavras,
A uniformidade de sua vida estacionária geralmente corrompe a coragem do
seu espírito [...] Corrompe mesmo atividade do seu corpo, e torna-o incapaz
de exercer a sua força com vigor e persistência, em qualquer outro exemplo
que não seja aquele que foi destinado (SMITH, apud LINS, 2003, p. 120,
grifo da autora)
Por isso,
15
Sob esse aspecto falaremos mais adiante, ao tratarmos da alienação e dos limites da universalização sob o
capital.
69
As partes fundamentais da educação, ler, escrever e contar, devem ser cedo
adquiridas na vida das pessoas de tal modo que a grande parte até das que
se destinam às ocupações mais inferiores, tenham de se empregar nessas
ocupações. Com uma despesa bastante reduzida, o público pode facilitar,
encorajar e mesmo impor a necessidade de aquisição dessas partes mais
essenciais da educação ao conjunto das pessoas (SMITH, apud LINS, 2003,
p. 120-121, grifo da autora)
Além do aspecto do embrutecimento da classe trabalhadora referido por Smith, outro
fator motivava a burguesia na defesa da universalização da educação. De acordo com
Machado,
estava em curso uma concorrência acirrada entre os capitalistas e uma
elevação do nível intelectual dos operários interessava à grande burguesia,
que buscava o progresso técnico como forma de obter uma margem maior de
lucros e, conseqüentemente, de alijamento dos pequenos e médios
empresários. (1989, p.32)
Nesse sentido, a universalização realizada pelo capitalismo nunca se chocou com sua
lógica reprodutiva e esteve, sempre, dentro dos limites tolerados pelo capital. Observemos,
mais uma vez, considerando o exposto anteriormente, que as formas históricas assumidas pela
universalização da educação sob o capitalismo, apresentam-se contraditoriamente, mas sem
negar a sua essência. O fato de que em alguns momentos a burguesia se empenhe na
universalização do saber formal, enquanto em outros a negue, ou de que, setores burgueses a
defendam, ao mesmo tempo em que outros se posicionam contrários, corresponde à
contraditoriedade presente no movimento dialético, que articula particularidade e
singularidade na universalidade da totalidade social. É em função dessa dialeticidade que não
encontramos no processo de universalização da educação – apesar de ter sido defendido por
vários ideólogos e economistas burgueses a exemplo de Adam Smith, e apesar de aparecer
70
como um problema de estado, desde as revoluções francesa e americana e, mais ainda, apesar
dele ser uma necessidade para a reprodução do capitalismo, – uma linearidade.
2.3.2 A relação capitalismo educação
Buscaremos agora, na tentativa de refinar a conexão entre capitalismo e
universalização da educação formal, discutir a relação entre educação e capitalismo. Faremos
isso a partir da crítica às teses levantadas por Frigotto sobre tal relação, contrapondo-se a elas
em alguns pontos essenciais, mas concordando com o caráter mediato que o autor atribui à
educação escolar. Recorremos a esse expediente pelo fato de Frigotto estabelecer uma ruptura
com as teses anteriores sobre a relação educação e capitalismo, porque o seu livro ainda se
apresenta como um vigoroso instrumento teórico no âmbito da formação em educação e
finalmente porque o autor tem o mérito de apontar várias mediações concretas existentes entre
a educação e o regime do capital.
Tendo como dimensão fundamental de análise o capitalismo em sua fase
monopolista, Frigotto argumenta que o processo de acumulação, concentração e centralização
de capital, ao aumentar o capital constante, (isto é, a parte do capital que não adiciona valor
ao produto social, constituído pelas instalações, máquinas e instrumentos de trabalho) e por
conseguinte, reduzir a participação do capital variável (parte do capital que produz valor,
constituído pela força de trabalho), aumentando a composição orgânica do capital, propiciou
ao capitalismo o comando da qualificação e desqualificação dos trabalhadores produtivos uma
vez que, a super utilização das máquinas e a incorporação do progresso técnico transformaria
o trabalho complexo em trabalho simples. Ou seja, estaríamos diante de uma desnecessidade
de força produtiva qualificada. De acordo com o autor,
71
Esta forma de relações sociais de produção tende historicamente, pela
natureza mesma da competição intercapitalista, a uma incorporação
crescente da ciência, da tecnologia e da técnica ao capital, desse modo, não
só vai existir um aumento orgânico cada vez maior do capital constante, em
detrimento do capital variável, como também o capital vai comandar a
divisão social do trabalho e a especificidade das qualificações ou
desqualificações da força de trabalho para o seu uso. (FRIGOTTO, 1984, p.
150)
Em decorrência, Frigotto argumenta que a escola não desempenharia papel
importante na formação do trabalhador produtivo. Este, quando necessário, seria formado na
própria produção16 , nas palavras do autor, “acompanhando-se o processo de subsunção real
do trabalho ao capital, nota-se que a contribuição da escola – enquanto ‘qualificadora’ para o
trabalho produtivo imediato – é praticamente nula.” (1984, p. 146).
A questão que instiga Frigotto é, “se o objetivo do capital é reduzir todo o trabalho
complexo a trabalho simples, e se isto implica uma desqualificação crescente do posto de
trabalho, para a grande maioria, como poderia a sociedade do capital pensar numa elevação da
qualificação para a massa trabalhadora?” (id, p. 26)
Para responder à questão, o autor levanta a tese segundo a qual a escola no
capitalismo desqualifica tecnicamente os alunos para o trabalho produtivo, entretanto, mesmo
assim, ela tem um papel importante na produção capitalista quando referida ao corpo coletivo
de trabalho. Neste caso a educação formal constitui-se numa mediação produtiva. (ibid, p.
18). No entender de Frigotto, o vínculo entre educação e capitalismo existe, mas não se
processa de maneira direta e mecânica, como julga a escola reprodutivista, a quem o educador
dirige suas críticas. A seu ver, a educação é uma prática mediadora e por isso o vínculo entre
a escola e o sistema do capital se processa de forma mediata. (ibid, p. 23).
16
cf. p. 150-151, op. cit.
72
Tendo por fundamento o conceito de trabalhador coletivo, o qual retira de
passagens do Capítulo IV ( inédito) de O capital e da Teorias da mais-valia, o educador
toma como trabalho coletivo, socialmente combinado, o conjunto das diversas formas de
trabalho assalariado, sejam elas produtivas (produtoras de mais-valia), improdutivas (não
produtoras de mais-valia) e inclusive de gestão e comando do capital. Diz ele,
A análise do corpo coletivo de trabalho, dentro das sociedades capitalistas
atuais, nos indica que funções de controle, planejamento, supervisão,
administração que tendem a aumentar, embora não estejam envolvidas
imediatamente e materialmente com a produção, são parcelas deste corpo
coletivo de trabalho. (ibid, p. 151)
É a conceituação alargada da categoria marxiana de trabalhador coletivo, que
permite a Frigotto afirmar o vínculo mediato que tem a educação e a produção capitalista.
Dessa forma, se,
Do ângulo da qualificação técnica específica proporcionada pela escola, fica
claro, historicamente, que o capital efetivamente tende a prescindir cada vez
mais da escola em geral, e até mesmo de instituições do tipo SENAI, para
essa função de qualificação para o trabalho produtivo material imediato. Isso
fica claro não só pela diminuição relativa desse tipo de trabalho mas,
também, e especialmente, pela desqualificação progressiva decorrente dos
métodos de simplificação do trabalho. (ibid, p. 150)
O mesmo não se pode dizer da imprescindibilidade da escola para a preparação
intelectual dos outros trabalhadores que, na ótica de Frigotto, são partes constituintes do corpo
coletivo do trabalho. Em função disso, a educação escolar é fundamental na preparação dos
trabalhadores improdutivos, tanto daqueles que exerceram funções no Estado, quanto dos que
assumiram funções não produtivas nas unidades de produção. Nestes casos, para o autor, a
educação teria uma função “produtiva” (ibid, p. 153-154).
73
A Produtividade da escola improdutiva, título da obra em questão, busca
evidenciar a improdutividade que a educação escolar possui na formação técnica do
proletariado, elemento central do modo de produção capitalista. Ao mesmo tempo, a tese
enfatiza a dimensão produtiva da escola na preparação do corpo coletivo do trabalho. A
improdutividade, neste caso, constituiria “uma mediação necessária e produtiva para a
manutenção das relações capitalistas de produção.” (ibid, p.134).
Para sustentar a tese da produtividade da escola improdutiva, além da formação do
corpo coletivo do trabalho, que no seu entendimento engloba todos os tipos de assalariados,
Frigotto capta outras importantes mediações exercidas pela educação formal na sociabilidade
capitalista. Entre elas estão: a necessidade de elevar o patamar educacional acima das
exigências do processo produtivo (isso seria necessário para aumentar a seletividade,
pinçando das escolas o contingente de trabalhadores produtivos e improdutivos para o
mercado); a diminuição da demanda por emprego através do retardamento da entrada das
pessoas no mercado de trabalho, mediante o alargamento da vida escolar; a disseminação de
um saber não-específico e geral para o desenvolvimento dos traços culturais, sociais, políticos
e ideológicos necessários ao capital; e, a função de circulação e realização de mais-valia.
Em relação a esta última mediação, o autor citado demonstra que sem levar em conta
o movimento de circulação e realização de mais-valia não se pode entender o processo de
ampliação do acesso à escola (ibid, p. 157). A universalização da educação formal
representaria gastos e despesas que se inserem no conjunto da demanda agregada. Em
decorrência,
Gastos improdutivos, sob o ângulo da produção, tomados dentro do ciclo do
capital, mostram-se necessários à realização dessa produção. Sob esse
aspecto, mesmo que a escola efetivamente se mostre desnecessária, e cada
vez mais desnecessária para qualificar pessoas para o trabalho produtivo, e
sobre esse particular possa ser vista como situada à margem do sistema
produtivo capitalista, enquanto atividade que utilize um volume cada vez
74
maior de recursos públicos e / ou privados, certamente é algo útil e funcional
para os interesses do capital. (ibid, p. 159).
Sintetizando a relação escola-capitalismo na visão de Frigotto, temos que, a educação
escolar cumpre funções: técnico-profissionais, ao preparar todos os outros trabalhadores do
corpo coletivo do trabalho (excetuando-se o proletariado, cuja aprendizagem técnica
necessária ao desempenho das funções se daria majoritariamente nas unidades de produção);
ideológica e político-cultural, na medida em que contribui para formação no homem de traços
comuns e necessários ao capital; e, finalmente, de realização e circulação de mais-valia.
Já sabemos que a educação se reproduz com uma legalidade própria que tem o
trabalho por base, mas que não pode ser deduzida diretamente dele, sobretudo na
complexidade assumida pelas esferas secundárias do ser social com o capitalismo. Frigotto,
embora não dedique, na obra em exame, nenhuma linha aos fundamentos ontológicos da
educação, percebe isso e atribui à educação sob o capitalismo uma função mediata.
Ao se opor aos reprodutivistas, que vêem na educação uma relação direta com a
produtividade do capital, Frigotto tem o mérito de apontar as diversas mediações exercidas
pela esfera educacional sob o capitalismo em sua fase monopolista. Do nosso ponto de vista,
as mediações expressas em seu livro, às quais já aludimos acima, ratificam a função social da
educação tal qual explicitamos no primeiro capítulo, ou seja, elas reforçam o papel da
educação enquanto mediadora para a reprodução social e enquanto práxis social inserida no
conjunto das teleologias secundárias.
Que a educação tenha uma funcionalidade no que se refere à realização e circulação
de mais-valia, perece-nos uma característica decorrente do fato de que o capital a tudo engole.
Citando Mészáros, o capital,
75
Em si não passa de um modo e um meio dinâmico de mediação reprodutiva,
devorador e dominador, articulado como um conjunto historicamente
específico de estruturas e suas práticas sociais institucionalmente incrustadas
e protegidas. É um sistema claramente identificável de mediações que, na
forma adequadamente desenvolvida, subordina rigorosamente todas as
funções de reprodução social – das relações de gênero e família até a
produção material e a criação das obras de arte – à exigência absoluta de sua
própria expansão, ou seja: de sua própria expansão constante e de sua
reprodução expandida como sistema de mediação sóciometabólico. (2002, p.
188-189).
Portanto, a importância da educação para a realização da mais-valia, não é função
que se depreenda da determinação ontológica da educação. Embora inegavelmente
verdadeiro, o nexo apontado por Frigotto não constitui o papel essencial da educação. Apenas
sob condições históricas particulares, o capitalismo em sua fase monopolista, é que a escola
pôde realizar tal mediação.
Apesar de termos acordo com Frigotto em relação aos aspectos da mediatização entre
escola e capitalismo, especialmente no que se refere à formação técnico-profissional e
político-cultural, pensamos que ele comete alguns equívocos. A nosso ver, por não
compreender a dimensão ontológica do trabalho na constituição do ser social, o educador
acaba atribuindo à escola um papel produtivo.
Ao tomar a categoria marxiana de trabalhador coletivo, como um trabalho coletivo,
socialmente combinado, que engloba todos os tipos de trabalhadores assalariados, Frigotto
dissolve dentro do conceito, a distinção entre trabalhador produtivo e improdutivo. Segundo
ele, “a questão fundamental, nas condições do capitalismo monopolista, não é a distinção
entre trabalho produtivo e improdutivo, mas a de trabalho coletivo, onde o trabalho produtivo
e o improdutivo, ainda que efetivamente distintos, são objetivamente interdependentes”
(Frigotto, 1984, p.150). Ora, ao alargar o conceito de trabalhador coletivo, e, portanto igualar,
dentro dessa categoria, trabalhadores improdutivos e produtivos, Frigotto, embora não diga
com todas as letras, atribui ao corpo coletivo de trabalho um papel produtivo na sociabilidade
76
capitalista. É isso, a nosso ver, que permite ao autor enxergar na educação uma mediação
produtiva.
Numa leitura oposta, argumenta Lessa,
O trabalhador coletivo recebe no texto de O Capital uma definição bastante
precisa: não inclui todos os trabalhadores assalariados, mas apenas aqueles
que são produtivos. E, por sua vez, não inclui todos os trabalhadores
produtivos, mas apenas aqueles cujas "operações semelhantes", que exibem
o "cunho da continuidade", se relacionam com a "manipulação do objeto do
trabalho". E tudo isto em um contexto da divisão social do trabalho que opõe
como "inimigos" o trabalho manual ao trabalho intelectual (2004, p.105)
Apoiado especialmente na leitura imanente do livro I de O capital, Lessa demonstra
que o trabalhador coletivo não é composto pelo trabalhador improdutivo, nem tão pouco pelo
trabalhador produtivo intelectual. O que caracteriza o trabalhador coletivo é existência da
cooperação, da força combinada e planejada de diversos trabalhadores que se colocam mais
longe ou mais perto – mas nunca ausentes – da manipulação do objeto de trabalho.
Como nos ensina Lessa, na esteira de Marx, o trabalho produtivo diferencia-se do
improdutivo, pelo conteúdo da riqueza social (enquanto o primeiro produz ou valoriza a maisvalia, o segundo apenas a consome), e por suas distintas objetivações. Enquanto o trabalho
produtivo proletário tem a função social de realizar a troca orgânica homem-natureza, o
trabalho improdutivo cumpre o papel de “controle (vigilância sobre as pessoas muito mais que
sobre as coisas)” (LESSA, 2004, p. 109). Portanto, não há nenhuma possibilidade de
identificação entre trabalho produtivo 17 e trabalho improdutivo18, quer fora ou dentro do
17
De acordo com Marx, os trabalhadores produtivos são aqueles produtivos ao capital, ou seja, que produzem
mais-valia. Entre eles estão os que criam o conteúdo material da riqueza (proletariado), mas, também, os
trabalhadores que, sem efetivar a transformação da natureza, valorizam a mais-valia. Como exemplo desses
últimos podemos citar os professores de escolas particulares e os médicos empregados em clínicas privadas.
18
Em oposição aos trabalhadores produtivos estão os improdutivos, isto é, os que nem produzem e nem
valorizam a mais-valia. Embora improdutivos, eles são importantes para a realização da mais-valia e para
sustentabilidade do capitalismo. Os funcionários do aparelho burocrático do Estado, os professores e médicos
que trabalham por conta própria ou nas instituições públicas, são exemplos de trabalhadores improdutivos.
77
trabalhador coletivo. Para Marx, é a partir da complexificação da divisão de trabalho no
capitalismo que,
O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor
individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo, isto é,
de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram mais
perto ou mais longe da manipulação do objeto de trabalho. (MARX, apud,
LESSA, 2004, p. 101)
Isto posto, o trabalhador improdutivo e o trabalhador intelectual não operam, nem de
longe, nem de perto, a manipulação do objeto, e portanto, não podem ser elementos
integrantes do trabalhador coletivo.
Frigotto não apreende corretamente essas dimensões do trabalho abstrato. Para ele,
“funções de controle, planejamento, supervisão, administração que tendem a aumentar,
embora não estejam envolvidas imediatamente e materialmente com a produção, são parcelas
deste corpo coletivo de trabalho.” (FRIGOTTO, 1984, p. 151).
Ora, a escola no capitalismo é uma instituição que emprega trabalhadores produtivos
intelectuais (a escola privada) e trabalhadores improdutivos (a escola pública), se o
trabalhador coletivo, como quer Frigotto, engloba todos os trabalhadores assalariados, os
trabalhadores da escola também são constituintes do trabalhador coletivo.
É, pois, o conceito alargado de trabalhador coletivo que faz Frigotto tomar a escola
no capitalismo monopolista como uma mediação produtiva ao capital. É por isso que ele pode
concluir que,
O prolongamento da escolaridade – efetivando uma qualificação geral
mínima – cumpre mediações importantes para as necessidades do capital, a
desqualificação do trabalho escolar, quando a escolaridade se prolonga, no
seu aspecto técnico-profissional e no seu aspecto político-cultural, será
igualmente necessária aos desígnios do capital. A escola será um locus que
ocupa – para um trabalho “improdutivo forçado” – cada vez mais gente e em
maior tempo e que, embora não produza mais-valia, é extremamente
78
necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização de mais-valia;
e, nesse sentido, ela será um trabalho produtivo. (FRIGOTTO, 1984, p.
27, grifos nossos.)
A nosso ver, de fato, a relação educação/capitalismo é processada de forma mediata,
mas isso não altera em nada a função essencial da educação na reprodução da sociabilidade
capitalista. Não podemos definir a escola como produtiva, nem tão pouco enquadrar a
atividade educativa no conjunto do trabalhador coletivo. Relembrando mais uma vez, a
educação não tem sua especificidade na realização de objetivações de teleologias primárias.
Ao contrário, ela opera teleologias que se dirigem à consciência dos homens. Assim, a única
maneira que a educação tem de se relacionar com a reprodução social é de forma mediata. E
essa, exclui qualquer papel localizado ao nível da objetivação material. Por essa razão
consideramos impreciso definir a escola como tendo uma produtividade improdutiva.
Para nós, não há nenhuma contradição entre a educação (na sua forma capitalista)
estar localizada no campo das objetivações secundárias e ao mesmo tempo exercer um papel
importante na reprodução do capital. Aliás, esta é a sua função social, ela é uma das esferas
que servem de mediação para o trabalho. Mas de modo nenhum isto nos autoriza a atribuir-lhe
um papel produtivo.
Assim como outras esferas do ser social que surgiram como mediação pra o trabalho,
a educação se autonomizou, sempre relativamente, ao trabalho, de modo que apanhar os fios
quase imperceptíveis que a relacionam com a produção material da vida é um trabalho
espinhoso, e neste sentido, Frigotto tem o mérito de desvendar alguns desses elos. Apesar de
considerar a escola como uma mediação produtiva, é no próprio educador que encontramos as
repostas para sustentar que a educação atua no campo das teleologias de segunda ordem. Diz
ele, “o específico da escola não é a preparação profissional imediata. Sua especificidade situa-
79
se ao nível da produção de um conhecimento geral articulado ao treinamento específico
efetivado na fábrica ou em outros setores do sistema produtivo.” (id. p. 146).
Para nós, a educação escolar no capitalismo é uma educação geral básica posta
historicamente e exigida pelo capital, acessada em níveis diferenciados a partir, e de acordo
com as classes sociais e as exigências da reprodução. Neste sentido, concluímos, a partir do
exposto no conjunto deste capítulo, que a universalização da educação formal tem sua gênese
apenas com o capitalismo, que ela se apresenta como uma necessidade ineliminável nessa
sociabilidade e que tal universalização é posta de modos diversos em cada momento históricoconcreto.
Repetimos, tanto para formação do individuo – seja ele produtor, burguês ou
qualquer outro elemento da sociedade – quanto para a reprodução do capitalismo, a educação
em sentido lato é imprescindível. O que ocorre no capitalismo é que cada vez mais a educação
lato sensu se torna insuficiente para que os indivíduos se reconheçam enquanto parte do
gênero (cindido), do mesmo modo em que a reprodução do capital precisa cada vez mais da
educação formal para se realizar, isso pelos diversos motivos apontados anteriormente.
Lukács enxerga isso com peculiar precisão. O filósofo aponta que a partir do processo de
desenvolvimento industrial há uma dissolução da educação em sentido lato e uma perda da
sua capacidade de produzir os tipos sociais anteriormente produzidos pela transmissão social
hereditária. Lukács aponta o romance Buddenbrook de Thomas Mann como ilustrativo desse
processo,
É ilustrativo examinar os Buddenbrook de Thomas Mann, onde vemos que
toda a tradição reproduzida mediante a educação em sentido lato é
condenada a desaparecer quando a reprodução da sociedade no seu
complexo lhe subtrai a possibilidade de desenvolvimento, de influir sobre
alternativas reais presentes e futuras. Que a falência da tradição originada da
educação possa se manifestar em termos tão contrapostos como em Thomas
e Christian Buddenbrook, avaliza posteriormente a lei geral que aqui se
80
exprime: comparados às gerações anteriores, Thomas e Christian se unem no
mesmo tipo de desastre. (LUKÁCS, 1981b, p. xxiv)
É assim que até o advento do capitalismo a educação em sentido lato era
predominante em relação à educação em seu sentido estrito. Com o capitalismo é a educação
em stricto sensu que predomina enquanto exigência para reprodução social. Isto é o que
marca a peculiaridade da educação no capitalismo. Na totalidade do regime do capital, não é
possível influir sobre as alternativas de posições teleológicas apenas a partir da educação em
seu sentido lato. O capitalismo promoveu uma complexidade na totalidade social, impondo a
especificação da educação como exigência para a sua reprodução. Como expressa Lukács,
Se hoje, nos países civilizados, é generalizada a obrigatoriedade escolar e os
rapazes ficam fora do trabalho um tempo relativamente longo, também este
tempo deixado livre para a educação é um produto do desenvolvimento
industrial. Toda sociedade reclama dos próprios membros uma dada massa
de conhecimentos, habilidade, comportamentos, etc.; conteúdo método,
duração, etc. da educação em sentido estrito são conseqüências das
necessidades sociais assim surgidas. (1981b, p. xxiii)
O processo de universalização, entendido como expansão e alargamento da escola,
do tempo livre para se dedicar à educação escolar é fruto do desenvolvimento industrial. De
um lado, as necessidades da reprodução capitalista exigem esse processo de universalização e,
de outro lado, o indivíduo, para tomar parte do gênero, precisa da educação formal.
Sabemos que do ponto de vista histórico-concreto a universalização da educação é
um processo rico e dinâmico de lutas, concessões e conquistas, fruto de embates entre o
capital e o trabalho. Mas o que quisemos desvendar neste tópico foi, a partir da análise
histórico-genética, a gênese da universalização enquanto produto social. Entendemos que está
claro que a universalização do acesso à educação têm sua origem social no aparecimento do
capitalismo.
81
CAPÍTULO III. EDUCAÇÃO E CAPITALISMO: A UNIVERSALIZAÇÃO NA
ENCRUZILHADA.
Antes de iniciarmos, cabe pôr em relevo, que a redação deste tópico se apóia,
sobremaneira, na tese de doutoramento do Prof.o Ivo Tonet, intitulada, Educação, cidadania
e emancipação humana, já referida na nossa introdução e que demonstra a limitação
intrínseca da cidadania e da concepção de educação cidadã, como forma superior de
liberdade.
Neste capítulo, buscaremos deixar absolutamente claro que não é possível
universalizar plenamente a educação. Pensamos que os capítulos anteriores já nos trazem
elementos que demonstram a impossibilidade de igualdade de acesso ao saber formal nas
sociedades de classes, entretanto, achamos necessário explicitar melhor essa questão. Neste
mesmo sentido, nos ocuparemos apenas em analisar a universalização da educação sob o
regime do capital, uma vez que já deixamos claro que não havia nenhuma possibilidade de
universalizar a educação nas sociedades de classes anteriores a ele. Assim, nos deteremos no
capitalismo, porque é com ele que surge a perspectiva da universalização da educação.
Nos países que assistiram à revolução burguesa (econômica e política), – e que em
função do caráter desenvolvido, imperialista e autônomo das suas particularidades
capitalistas, puderam realizar o chamado Welfare State – as conquistas democráticas, e entre
elas a universalização da educação, alcançaram sua forma mais plena possível sob o regime
do capital. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, França e Inglaterra. Enquanto a
educação nos países de desenvolvimento capitalista avançado proporcionava o acesso
universal à educação básica, nas nações subdesenvolvidas, com graus e variações diversas,
assistia-se à exclusão de enormes contingentes de pessoas do ensino mais elementar.
82
Evidentemente, o nível de universalização da educação presente nos países
capitalistas centrais é preferível a qualquer outro patamar inferior, mas o processo de
universalização da educação formal escolar, expressão das “conquistas” políticas, sociais e
econômicas realizadas nesses países, significou uma autêntica universalização da educação?
Tomando por base uma resposta negativa, o que significaria então uma autêntica
universalização da educação?
Para evitar confusões sobre as possíveis acepções desta palavra, consideraremos a
universalização da educação sob dois aspectos: no capital e para além do capital. No primeiro,
ela significa generalizar, tornar universal o acesso à escola. Neste sentido, é entendida como
extensão e alargamento de diretos e políticas sociais, que são aperfeiçoáveis indefinidamente.
No segundo caso, a universalização é entendida como a realização efetiva da educação, nas
bases preceituadas por Saviani. Ou seja, a universalização para além do capital, significa,
como já dissemos anteriormente, a produção, integral, em cada indivíduo singular, da
humanidade produzida sócio-historicamente. Significa permitir que todos os homens se
apropriem ativa e positivamente das realizações do gênero humano.
Procuraremos demonstrar que, a universalização promovida pelo capital não
representa o patamar mais elevado e possível de realização, exatamente por não garantir o
acesso igualitário e integral de todos os homens à educação. A autêntica, irrestrita e integral,
universalização não é realizável pelo capital, porque tem como pressuposto a sua eliminação.
O verdadeiro acesso igualitário ao saber produzido exige uma lógica de reprodução social que
permita que a autoconstrução humana não encontre barreiras socialmente construídas à sua
realização.
83
3.1 Trabalho, educação e o problema da alienação19
Desde o aparecimento da primeira sociedade de classes, o patrimônio espiritual e
material produzido socialmente pelos homens, passou a ser apropriado de forma
particularizada. Pela primeira vez na história foram erigidas barreiras sociais ao acesso à
produção genérica. Os indivíduos que detiveram a propriedade privada dos meios de produção
passaram a ter maior acesso à riqueza socialmente produzida, não só material, mas também
espiritual, enquanto que os sujeitos sobre os quais recaiu, efetivamente, o ônus da produção
social, tiveram mais restringida a condição de tomar parte no gênero. Desse modo, os
interesses individuais não mais se reconciliaram com os interesses coletivos.
Embora o antagonismo entre interesse particular e interesse geral, entre indivíduo e
gênero, exista desde o surgimento da divisão social do trabalho, é no capitalismo que esse
fenômeno ganha características peculiares e mais irreconciliáveis.
O capitalismo tem seu ato fundante na relação de compra-e-venda da força de
trabalho. Essa relação divide os homens entre aqueles que possuem a propriedade dos meios
de produção e aqueles que têm apenas a sua força de trabalho como propriedade. Isso torna a
sociedade capitalista socialmente desigual por natureza, uma vez que, seu pressuposto é a
19
Antes de começarmos a tratar da problemática proposta neste item, consideramos necessário enunciar, ainda
que muito sumariamente, os termos de um embate que tem coro entre os autores defensores da tradição teórica
lukacsiana. Referimo-nos a conceituação das categorias marxianas: entäusserung e entfremdung. Há um
entendimento, mais ou menos generalizado, de que entäusserung (exteriorização) corresponde ao momento
positivo da objetivação processada por meio do trabalho, na direção da autoconstrução humana. Nesse sentido, é
uma característica insuprimível, seja qual for a forma de sociabilidade. O mesmo consenso existe na
conceituação de entfremdung (estranhamento) como um processo de objeção sócio-econômica à realização
humana. A discordância surge na tradução desses termos como alienação. Para Ranieri (2004, p. 13-14),
alienação corresponde à entäusserung (exteriorização), assim sendo, remete ao caráter positivo da objetivação
social. Já Lessa (2002, p. 12), seguindo, conforme ele próprio aponta, uma tradução tradicionalmente usada por
autores como, Tertulian e Konder, considera a alienação como entfremdung, dando ao termo a significação
comumente conhecida de alienação como um movimento extremamente negativo. Neste trabalho, seguiremos a
posição apresentada por Lessa, utilizando alienação como sinônimo de estranhamento (entfremdung) e em
oposição à exteriorização (entäusserung). Para maiores esclarecimentos sobre estranhamento (entfremdung) e
exteriorização (entäusserung) em Lukács, sugerimos ao leitor os capítulos V e VI de Mundos dos Homens de
Sérgio Lessa.
84
desigualdade entre os homens “proprietários”. Este ato originário, processado em bases
materiais concretas, instaura um novo tipo de sociabilidade, cujo fundamento é o trabalho
alienado. O ato de compra e venda da força de trabalho e o trabalho alienado, são verso e
anverso da mesma moeda.
Do ponto de vista ontológico, é no trabalho alienado que se encontra o fundamento
do regime do capital. O próprio capital nada mais é o do que uma relação social que exprime
trabalho alienado e objetivado. Como diz Mészáros,
O sistema do capital se baseia na alienação do controle dos produtores. Neste
processo de alienação, o capital degrada o trabalho, sujeito real da
reprodução social, à condição de objetividade reificada – mero ‘fator
material de reprodução’ – e com isso derruba, não somente na teoria , mas na
prática social palpável, o verdadeiro relacionamento entre sujeito objeto.
(2002, p. 126)
Nos Manuscritos econômico-filosóficos, no final do primeiro manuscrito, num
tópico conhecido por O trabalho alienado, Marx põe em evidência dois tipos de alienação
existentes no capitalismo. A primeira delas é alienação do trabalhador em relação aos
produtos do trabalho. Para ele, “o produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto,
que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho. A realização do trabalho
constitui simultaneamente a sua objetivação.” (MARX, 2002, p. 111-112). Esse produto do
trabalho, ao invés de aparecer como objetivação originária da autoconstrução ativa do homem
e reconhecida como tal por seus produtores, aparece, no capitalismo, como “um ser estranho,
como um poder independente do produtor.” (id. p. 111). Desse modo, a objetivação do
trabalho, o produto social do trabalho, entificado pelo trabalhador coletivo lhe é estranho.
Com efeito, o que caracteriza o estranhamento do trabalhador no seu produto, não é o fato de
que “o trabalho se transforma em objeto, assume uma existência externa” (ibid, p. 112) mas o
fato de que o conjunto das realizações humanas postas pelo trabalho “se torna um poder
85
autônomo em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e
antagônica” (ibid, p. 112).
Contudo, este tipo de alienação constitui-se, em que pese toda a sua crueza, em uma
das manifestações da alienação e não no momento predominante das alienações em geral.
Ora, pergunta Marx, “como o trabalhador poderia estar numa relação alienada com o produto
da sua atividade, se não se alienasse a si mesmo no próprio ato da produção?” (ibid, p. 114).
Ao que ele responde, “se o produto do trabalho é a alienação, a produção em si tem de ser a
alienação ativa – a alienação da atividade e a atividade, da alienação. Na alienação do objeto
do trabalho, resume-se apenas a alienação na própria atividade do trabalho.” (ibid, p. 114). Se
a atividade do homem é o fundamento do ser social, nenhum estranhamento pode ocorrer
nesta esfera sem que seja originado no trabalho, no processo de produção das condições
materiais de existência.
O fundamento da alienação no processo de trabalho “transparece no fato de que ele
não é o seu trabalho, mas o de outro, no fato de que não lhe pertence, de que no trabalho ele
não pertence, a si mesmo, mas a outro.” (ibid, p. 114) Marx continua a indagar, “se a minha
própria atividade não me diz respeito, se é uma atividade alheia, coagida, a quem pertencerá,
então?” (ibid, p. 118). “a outro homem distinto do trabalhador” (ibid, p. 119, grifos do
autor), responde. Marx não tinha, nesta época (1844), formulado o conceito de força de
trabalho, mas fica claro na citação que é a venda dela a base originária do estranhamento.
Marx extrai da alienação capitalista um terceiro aspecto que a é alienação do
indivíduo em relação ao gênero. Para o pensador alemão, o trabalho é auto-atividade
consciente do homem. Através dele, o homem faz da natureza o meio e a matéria-prima para
construção material e espiritual do seu mundo e de si. Por meio do trabalho o homem se torna
um ser genérico, um ser que faz da natureza expressão de sua obra. Nas palavras de Marx “a
edificação prática de um mundo objetivo, a manipulação da natureza inorgânica, é a
86
ratificação do homem como ser genérico lúcido, ou seja, um ser que avalia a espécie como
seu próprio ser ou se tem a si como ser genérico.” (ibid, p. 117, grifos do autor). Na
sociabilidade capitalista, entretanto, torna-se também estranhada a objetivação da vida
genérica, porque o trabalho é estranhado na própria produção. Desse modo, o trabalho
alienado transforma,
A vida genérica do homem, e também a característica enquanto sua
propriedade genérica espiritual, em ser estranho, em meio da sua existência
individual. Aliena do homem o próprio corpo, assim como a característica
externa, a sua vida intelectual, a sua vida humana. (ibid, p. 118, grifos do
autor)
Dessa forma, o trabalho, na forma assumida com o reinado do capital, adquire um
duplo papel. Ao mesmo tempo em que é o meio que possibilita ao trabalhador realizar-se
enquanto indivíduo social, provoca também a sua desrealização, criando obstáculos à sua
auto-realização.
Pelo que vimos, podemos afirmar que o trabalho alienado na produção (constituído
na venda da força de trabalho), é o fundamento de todos os estranhamentos que ocorrem em
qualquer esfera social do mundo dos homens. De acordo com Marx,
O homem, por meio do trabalho alienado, não só produz a sua relação com o
objeto e com o ato de produção como com os homens estranhos e hostis, mas
produz ainda a relação dos outros homens com a sua produção e com o seu
produto, e com a relação entre ele mesmo e com os outros homens. (ibid, p.
119)
O aparecimento dessa alienação fundamental marca definitivamente o ser social.
Desse momento em diante, diz Tonet, “toda atividade humana se torna contraditória. Se por
um lado contribui para desenvolver as capacidades humanas, por outro lado também dificulta
87
e, muitas vezes, perverte o desenvolvimento do homem como totalidade” (TONET, 2001, p.
69).
No que concerne à educação, na forma assumida na sociabilidade capitalista, sendo
ela uma práxis social, também apresenta um caráter contraditório, embora extremamente
unitário. Ao mediar a reprodução do capital, a educação favorece a construção genérica do
homem, mas, ao mesmo tempo, contribui para a edificação do homem estranhado. Em
conseqüência, de um lado ela atua na construção de um homem rico (integral, ativo, livre,
plenamente desenvolvido), mas por outro lado, ela contribui decisivamente para instaurações
de alienações. A educação, como diz Tonet (id, p. 150),
Contribui poderosamente para que a apropriação, pelos indivíduos, do
patrimônio social, se faça sem pôr em risco os interesses das classes
dominantes. O que resulta, necessariamente, em obstáculos e em
deformações no processo de autoconstrução dos indivíduos como indivíduos
autenticamente humanos. Tudo isto pode ser encontrado desde nos aspectos
(sic) mais amplos até nos mais detalhados do processo educacional. [...] Por
outro lado, a educação também contribui para a autoconstrução positiva do
homem. A própria reprodução cada vez mais ampla e complexa do ser
social, exige que os indivíduos se tornem também cada vez mais ricos e
complexos, o que só é possível por intermédio da apropriação da riqueza
produzida pelo conjunto da humanidade. Temos aqui, portanto, um processo
unitário, mas contraditório; ao mesmo tempo, de construção e desconstrução
do homem.
A existência desse processo na práxis educativa, não é um fenômeno exclusivo dessa
esfera social. O fato de que, a autoconstrução positiva do homem, inegavelmente mediada
pela educação, esteja subsumida pela produção do estranhamento, decorre da própria
contradição estabelecida no fundamento da sociabilidade capitalista, ou seja, do trabalho
alienado.
Disso depreende-se que o processo de universalização da educação formal escolar,
amplia, tanto horizontalmente quanto verticalmente, as condições de auto-realização ativa e
88
positiva dos homens. Entretanto, em proporção direta, submete, com maior intensidade, mais
pessoas ao peso da alienação realizada pela escola.
Uma vez que o impulso à “universalidade” aparecido no capitalismo, não reintegra
essa força social ao conjunto dos homens, pelo contrário, encoberta sob o manto da igualdade
jurídica, reforça a apropriação privada da educação e a utiliza como elemento favorável à
manutenção da sociedade capitalista. O capital pode, em alguns momentos históricoconcretos, realizar avanços no processo de universalização da educação e em outros
obstaculizá-lo. O que move o processo de universalização da educação escolar são as
necessidades de reprodução do capital. O seu interesse não é de humanização, mas sim
econômico.
A existência na educação, sob o capital, e em decorrência na sua universalização, da
contradição insolúvel explicitada acima, não desqualifica a importância do acesso ao saber
formal para a classe trabalhadora. Do mesmo modo que o trabalho proletário no capitalismo é
um trabalho alienado, e nem por isso ele deixa de ser o elemento que detém a centralidade da
sociabilidade, o efetivo realizador da troca orgânica homem-natureza e o portador do ponto de
vista social privilegiado20, também a educação não perde a sua importância para a
20
Os pontos de vista, bem como as classes sociais das quais eles emanam, não são os portadores da verdade. A
verdade está na objetividade. Entretanto, a classe social que necessita conservar a forma atual de sociabilidade,
não pode enxergar além daquilo que compromete a sua reprodução enquanto dominadora, por isso, obscurece a
realidade. O seu ponto de partida (a conservação da ordem), já condiciona o seu ponto de chegada. Ora,
considerando a sociedade do capital eterna, o máximo de apreensão do real alcançável tem como limite não
mostrar que o capitalismo pode ser superado. Ao contrário, para a classe que não interessa conservar a ordem,
não existe nenhum perigo de conhecer a realidade efetiva. Em decorrência, ela tem a possibilidade de conhecer
o objeto em sua integralidade, não significando, entretanto, que o indivíduo empreendedor do conhecimento ira
realizá-la, nem tão pouco está assegurada a infalibilidade do conhecimento.
Entretanto, quando Marx concebe o pensamento condicionado às visões de mundo, enquanto pontos de vistas de
classes, não está presente a idéia de que as classes sociais fazem essa produção sem mediações. A relativa
autonomia que possuem as esferas de produção de conhecimento e ideologia – em relação a seu fundamento
ontológico, que são, a busca da apreensão do real, a construção de posições teleológicas para influir sobre outras
posições teleológicas e a necessidade de uma vida cheia de sentido, necessárias a realização do trabalho –,
confere aos homens a possibilidade de distanciar a sua produção intelectual da relação social que possui com
sua classe de origem, posicionando-se sobre a visão de mundo de outra classe.
Com isso, deixamos claro que não é o fato de ser trabalhador industrial que permite a visão social privilegiada
(pela condição sócio-cultural a qual o proletário está submetido, torna-se quase impossível o alcance dessa
visão.), mas sob qual ponto de vista de classe se posiciona o investigador.
Para um aprofundamento dessa problemática sugerimos a leitura de Chasin (s/d. b) e Lowy (1994)
89
autoconstrução do indivíduo por ela se constituir, no regime capitalista, em uma forma de
alienação. Portanto, assim como é preferível está submetido à alienação no processo de
trabalho a ser um desempregado, também é preferível ter acesso ao máximo de saber que as
brechas do capital nos permitir (ainda que a educação seja uma mediação para a reprodução
do capital), do que dela ser excluído.
Mesmo estando a serviço da classe detentora da hegemonia sob o capitalismo, a
educação é portadora do saber socialmente produzido ao longo da história humana, é a
guardiã do saber decantado. O fato desse saber, na forma como ele é difundido na escola,
associado com crenças e valores necessários ao poder do capital, encontrar-se a serviço da
classe dominante, não é argumento para desprezá-la. De forma contrária, qualquer
transformação social radical rumo à sociedade emancipada, não pode prescindir do saber
formal de que ela é portadora. Para o trabalhador a escola é um elemento imprescindível na
construção da consciência de classe para si.
Contudo, a universalização da escola do capital passa longe de propiciar um acesso
igualitário à construção do gênero no homem. Mais uma vez, frisamos, a educação contribui
para diminuir as tensões sociais, formar técnico-profissionalmente e ideológico-politicamente
o homem necessário à reprodução do capital na fase histórica em que se encontre, mantendo
intactas as diferenças sociais que são a base da desigualdade da educação. Embora ela seja
uma construção social do gênero humano, é privadamente apropriada assim que é instituída a
divisão social do trabalho. Desse modo, não atende de modo igualitário ao conjunto dos
homens, mas predominantemente à classe dominante, a serviço de quem atua como elemento
importante na manutenção de sua dominação.
Os aspectos estranhados da educação só poderão deixar de existir, permitindo a
autoconstrução integral do homem, quando o estranhamento realizado na produção da vida
material deixa de existir. Vale dizer, quando (e se) o regime do capital findar dando lugar a
90
uma sociedade emancipada. Assim, a autêntica universalização da educação é inseparável da
emancipação humana, pois a sua instauração só pode gestar das bases de um novo trabalho. O
trabalho alienado não pode gerar outro tipo de educação que não seja desigual, oposta a uma
verdadeira universalização.
3.2 Limites da universalização da educação no capitalismo.
Entendemos que existem vários níveis de limites postos à universalização da
educação sob o capitalismo. Não é necessário dizer que eles não podem ser tomados
isoladamente, pois constituem-se determinações que se interpenetram. Neste trabalho,
enumeramos duas ordens de limites: o limite intrínseco à reprodução social sob o capital e o
limite imposto pela forma concreta de reprodução do capital na atual fase de crise de
acumulação. A nosso ver, o primeiro limite é o momento predominante desse conjunto de
limitações, uma vez que nos remete aos aspectos mais gerais da sociabilidade. É sobre ele que
trataremos neste item. Contudo, não perderemos de vista que sobre essa limitação mais
essencial se coloca uma outra de ordem conjuntural que é a crise estrutural que vive o capital.
Essa outra limitação reforça e restringe ainda mais a margem de universalização qualitativa de
um efetivo saber. Sobre este aspecto trataremos mais adiante.
Do ponto de vista ontológico, considerando correta a natureza essencial da educação
exposta no capítulo inicial, não há nenhuma oposição entre o processo de universalização da
educação formal e o capital. Não há oposição porque a universalização promovida pelo
capital é ontologicamente distinta de uma universalidade autêntica. Se a educação é uma
mediação para a reprodução social, e se o predomínio da modalidade formal escolar é a forma
particular de educação necessária à sociedade do capital, a sua universalização estaria em
91
perfeita coerência com as suas (do capital) determinações essenciais. Entretanto, mesmo nas
particularidades nacionais onde ela foi mais ampla, não houve a eliminação das desigualdades
de acesso ao saber formal.
Isto porque a igualdade realizada pela sociedade burguesa não significa uma
autêntica igualdade. O capital realizou, no seu processo de afirmação, um notável papel
civilizatório, mas é incapaz de realizar o acesso igualitário ao patrimônio espiritual e material
socialmente construído. A emancipação realizada pelo capitalismo efetiva uma igualdade
meramente formal, não substantiva. O estado, ao “assegurar” essa igualdade política, o faz
por cima das particularidades. Ele não elimina, pelo contrário, pressupõe, a desigualdade real
para decretar a igualdade política. É por cima das particularidades, abstraindo-as,
desconsiderando-as, que ele pode, a seu modo, “garanti-la”.
O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de status social, de
cultura e de ocupação, ao declarar o nascimento, o status social, a cultura e a
ocupação do homem como diferenças não políticas, ao proclamar todo
membro do povo, sem atender a estas diferenças, co-participante da
soberania popular em base de igualdade, ao abordar todos os elementos da
vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que
a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo, isto é,
como propriedade privada, como cultura e como ocupação, e façam valer sua
natureza especial. Longe de acabar com estas diferenças de fato, o Estado só
existe sobre tais premissas, só se sente como Estado político e só faz valer
sua generalidade em contraposição a estes elementos seus. [...] Com efeito,
só assim, acima dos elementos especiais, o Estado se constitui como
generalidade. (MARX, 1991, p. 25-26, grifos do autor)
No Estado moderno, burguês, passa a se encontrar a vida genérica do homem.
Entretanto, a generidade do homem representada por ele não elimina as contradições, reais e
materiais da sociedade civil21. Como diz Marx, “todas as premissas desta vida egoísta
21
O conceito marxiano de sociedade civil é completamente oposto ao significado que lhe é atribuído hoje,
especialmente pelo chamado terceiro setor. Para Marx e Engels, a sociedade civil é o conjunto das relações
materiais entre os indivíduos. Nas suas palavras, “A forma de intercâmbio, condicionada pelas forças de
produção existentes em todas as fases históricas e que, por sua vez, as condiciona, é a sociedade civil; [...]. Vêse, já aqui, que esta sociedade civil é a verdadeira fonte, o verdadeiro palco da história. [...] A sociedade civil
92
permanecem de pé à margem da esfera estatal, na sociedade civil, porém, como qualidade
desta.” (id, p. 26, grifos do autor). Na verdade, a existência dessa generidade irreal acaba por
escamotear a vida individual real. A maneira política de realizar a igualdade, tornando
formalmente iguais as desigualdades, nada mais é, do que um modo maravilhoso de manter a
diferenciação. O homem passa, então, a viver uma dupla vida. Uma na abstrata universalidade
representada pelo Estado, e outra na realidade concreta. De acordo com Marx,
O homem, em sua realidade imediata, na sociedade civil, é um ser profano.
Aqui, onde passa ante si mesmo e frente aos outros por um indivíduo real, é
uma manifestação carente de verdade. Pelo contrário, no Estado, onde o
homem é considerado como um ser genérico, ele é o membro imaginário de
uma soberania imaginária, acha-se despojado de sua vida individual real e
dotado de uma generalidade irreal. (ibid, p. 26-27, grifos do autor).
Em essência o homem é genérico. A autoconstrução de si próprio, e ao mesmo tempo
da vida social, demonstra isso. Mas, sua generidade é roubada quando o alienam no processo
de produção. Ao ser alienado no trabalho, o homem é alienado de si mesmo, transformando a
vida genérica em vida individual estranhada. Tornar o indivíduo ser genérico, não é construir
uma igualdade jurídica-política, porque isso não elimina o fundamento da cisão do homem em
citoyen22 e bourgeois23.
La égalité, diz Marx (ibid, p. 43) “considerada aqui em seu sentido não político, nada
mais é senão a igualdade da liberté”. Isto é a liberdade do capital, a liberdade de que a
dinâmica da reprodução capitalista não encontre entraves, a liberdade de venda e compra de
força de trabalho, é o direito a dissociação do indivíduo em relação aos outros. Para o
abrange toda troca material dos indivíduos dentro de uma determinada fase de desenvolvimento das forças
produtivas. Abrange todo o comércio e indústria de uma determinada fase e, por isso, é mais ampla que o Estado
e a nação. [...]. (MARX & ENGELS, 2004, p. 61). De acordo com Tonet (1997, p.11), “Marx entende a
sociedade civil como o espaço onde têm lugar as relações econômicas. Fundada na propriedade privada, regida
pelo capital, ela é atravessada por conflitos radicais entre capital e trabalho, pela concorrência, pelos interesses
privados, pela anarquia da produção, pelo individualismo.” Para maiores aprofundamentos sugerimos ao leitor o
texto Do conceito de sociedade civil (in, Tonet, op. cit).
22
Isto é o indivíduo como membro da “comunidade” política, possuidor de direitos políticos.
23
O homem enquanto membro da sociedade civil.
93
indivíduo se reconhecer, tem que se estranhar em relação aos outros homens. Para se realizar,
o homem deve se utilizar do outro. Essa liberté jamais será capaz de gerar uma sociedade
emancipada. Nunca os homens serão livres, uma vez que para ser “livre”, deve-se privar a
liberdade do outro. La égalité do capital, continua Marx (ibid, p. 43), é igualdade em “que
todo homem se considere igual, como uma mônada presa a si mesma.”
A igualdade promovida nos marcos do capitalismo, em nenhum tempo, significará
uma real igualdade, tendo em vista que, ela nunca ultrapassará “o egoísmo do homem, do
homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo,
para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade”
(ibid, p. 44). Em conseqüência, a emancipação política, a realização da igualdade e liberdade
burguesas, nada mais é do que “a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade
burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa
moral”. (ibid, p. 51, grifos do autor). Por isso, Marx afirma, que,
Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato
e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho
individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha
reconhecido e organizado suas ‘forces propres’24 como forças sociais e
quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força
política, somente então se processa a emancipação humana (ibid, p. 52,
grifos do autor).
Assim, o homem só fará sua emancipação humana, quando recuperar a união entre
interesse individual e interesse geral. Quando a liberdade individual for a liberdade de todos.
Quando não houver mais antagonismo entre interesses de classes. Quando o homem se
reconhecer no outro. Quando a força vital que foi alienada dele com ele se reencontrar. Vale
dizer, quando o trabalho alienado der lugar a um outro tipo de trabalho.
24
Próprias Forças. Nota do editor da edição da A questão judaica.
94
É com fundamento nessa digressão de A questão judaica, que podemos afirmar que
a universalização real, e não apenas formal, política, da educação, pressupõe como requisito
imprescindível a realização da emancipação humana. A mais ampla e democrática
universalização da educação realizável pelo capital situa-se no campo da realização da
igualdade jurídica-política. É uma universalização que não se efetiva na vida individual real,
mas apenas na instância da generidade irreal.
A institucionalização de políticas e programas que objetivam dar condições
econômicas e sociais de ampliação do acesso à escola, atuam como corretivos minorativos da
distância entre a universalização formal, restrita, e as possibilidades individuais concretas de
acesso ao saber escolar. Contudo, elas são incapazes de eliminá-la. A contradição estabelecida
entre a universalização assegurada jurídica e politicamente e apoiada na ação do Estado, e os
obstáculos reais de realização da igualdade de acesso à educação, se revela no fracasso
escolar. As disparidades demonstradas nos índices dos indicativos sociais sobre a educação,
sejam eles a nível nacional ou mundial, demonstram, com clarividência que entre a
manifestação política da universalização e sua realidade efetiva há um enorme fosso.
A universalidade, sob o capital, só pode ser realizada no plano da política – porque
aí encontram-se abstraídas as desigualdades reais entre os indivíduos – mas não no plano da
concretude. Universalizar a educação, nos marcos capitalistas, significaria emancipar
politicamente todos os homens, ou seja, torná-los membros da sociedade política. Porém,
como os integrantes dessa pseudocomunidade não se realizam conjuntamente, isto é a
realização de um não implica a realização de todos, mas pelo contrário, o indivíduo se realiza
em oposição ao outro, nunca existirá igualdade efetiva entre eles. De modo que se constituem
em membros desiguais, onde o grau de emancipação política presente em cada indivíduo
singular é correspondente à posição exercida na reprodução social. Com afirma Tonet, (s/d, p.
11), “A inclusão dos trabalhadores na comunidade política não ataca os seus problemas
95
fundamentais, pois eles podem ser cidadãos sem deixarem de ser trabalhadores (assalariados),
mas não podem ser plenamente livres sem deixarem de ser trabalhadores (assalariados)”.
Mesmo nas particularidades nacionais onde a universalização foi mais ampla, não
houve a eliminação das desigualdades das condições de acesso ao saber formal. Ora,
universalizar plenamente a educação no capital, implicaria realizar tarefas que estão fora da
escola, como garantir a universalização da alimentação, da habitação, do vestuário, da saúde
pública, do trabalho. Se estas questões elementares do homem não são, integralmente,
satisfeitas, quer dizer, se o acesso a elas é desigual, como se pode garantir a igualdade da
educação? É impossível realizar uma autêntica universalização da educação, sem a efetiva
universalização da riqueza material25.
Como já expusemos26, há uma dependência ontológica entre educação e trabalho,
entre a forma assumida pela educação e a reprodução da totalidade social, isto quer dizer que,
embora seja elemento fundamental para que os que se colocam sob a ótica dos trabalhadores
possam fazer a crítica da sociedade burguesa e embora tenha um enorme grau de autonomia, a
educação formal escolar no capitalismo é essencialmente capitalista. Para ser mais claro, a
educação, no conjunto da totalidade social capitalista, não pode atuar de outra maneira que
não seja favoravelmente à reprodução social da sociedade do capital, pois é a esfera da
economia que tem prioridade ontológica sobre as demais esferas sociais.
Por isso, não há como instituir outra educação que não seja aquela que a reprodução
social exige. Sem que se vão efetuando transformações no fundamento da sociabilidade do
25
É fato que vários paises conseguiram um alto patamar de socialização das condições básicas de sobrevivência
humana, garantindo níveis elevados de aceso à saúde, alimentação e habitação e alcançando índices bem
próximos ao pleno emprego. Países pós-capitalistas (como Cuba, por exemplo, que está para realizar a
universalização formal do ensino superior.) também realizaram um grau elevado de universalização. Entretanto,
as condições de acesso à produção genérica continuaram desiguais. Ou seja, as barreiras socialmente construídas
à realização integral do indivíduo prosseguiram existindo. Desse modo, mesmo nessas formações sociais, a
possibilidade de cada indivíduo constituir-se em parte integrante do gênero por meio da educação, continuou a
depender das condições desiguais de aceso à riqueza material.
26
Ver especialmente no primeiro capítulo desse trabalho.
96
capital, nenhuma alternativa sistemática à educação capitalista pode ser realizada. É o que diz
Tonet,
Estando toda a realidade social, hoje, organizada sob a perspectiva das
classes dominantes – o que inclui a atividade educativa – qualquer atividade
que responda a outra perspectiva, não poderá adquirir teórica e praticamente
um caráter concreto e sistemático. Este caráter só poderá ir sendo adquirido
na medida em que, no processo social concreto, forem sendo construídas as
bases materiais que permitam a estruturação de uma nova forma de
sociabilidade (TONET, 2001, p. 134)
Isto porque, é a reprodução social que tem o primado ontológico sobre o indivíduo.
Desse modo, não é suficiente que o trabalhador pai tenha uma consciência da alienação
processada no regime do capital. Ele poderá, no máximo, fomentar em seu filho a mesma
consciência que ele possui, ou impulsioná-lo a atingir um grau superior de crítica à sociedade
do capital, mas isso não rompe a férrea determinação da esfera econômica. Ou ele coloca seu
filho na escola do capital, ou seu filho poderá se tornar um imprestável para a reprodução
social, e por conseguinte, poderá encontrar dificuldades para sua própria sobrevivência
enquanto indivíduo na sociabilidade capitalista. Desse modo, a consciência não é suficiente
para romper a lógica inexorável da reprodução do capital.
Cabe salientar, que não estamos postulando a desimportância da escola para a classe
do trabalho. Os aspectos conservadores e reprodutivos são elementos inerentes à práxis
educativa, e, portanto, estão presentes em qualquer forma histórica assumida pela educação. O
que queremos pôr em evidência é o caráter limitado da universalização da educação
capitalista. Em outras palavras, não é suficiente (o que não quer dizer que não seja
importante), se se deseja construir uma verdadeira igualdade no acesso ao patrimônio sóciocultural decantado, lutar pela perfectibilidade da educação no interior da sociedade capitalista.
Como aponta Chasin, “é preciso distinguir entre aquilo que você luta na imediaticidade e a
questão de fundo” (s/d.a, p. 210). É ilusão ter como finalidade última uma proposta
97
irrealizável no âmbito do capital. Para quem luta por uma efetiva universalidade no acesso ao
saber, a universalização formal, não substantiva, da educação sob o capital, só faz sentido
como mediação para superação da sociabilidade capitalista e construção de uma sociedade
emancipada.
Embora a universalização da educação só encontre saída para além do capital, de
dentro da própria escola, muita coisa pode ser feita na direção da construção de uma
autêntica universalidade. O próprio Tonet sinaliza atividades educativas que se dirigem nesse
sentido, e que podem e devem ser realizadas. Nas suas palavras,
Partindo, então, da natureza da educação, entendida como um campo da
atividade humana que se caracteriza por possibilitar ao indivíduo apropriarse do patrimônio comum da humanidade a fim de constituir-se como
membro do gênero humano, concluímos que uma atividade educativa
emancipadora, hoje, implicaria alguns requisitos básicos. Que seriam: o
conhecimento amplo e aprofundado do objetivo último; o conhecimento,
também o mais amplo possível, a respeito do processo social em curso;
também o conhecimento acerca da natureza e da função social da atividade
educativa; a apropriação dos conhecimentos e habilidades nos campos mais
variados da atividade humana e, por fim, a articulação da atividade
específica da educação com as lutas sociais mais abrangentes. Entendemos
que tudo isto possibilitará conferir à atividade educativa, ainda que em
formas extremamente limitadas, dada a natureza da educação e a adversidade
do momento presente, um caráter revolucionário, quer dizer, colocá-la como
uma mediação para a construção de uma ordem social qualitativamente
superior a esta em que vivemos. (TONET, 2001, p. 165-166)
Os limites à universalização formal (política) da educação formal escolar, são
estabelecidos a partir da forma histórica do padrão de acumulação de capital, levando-se em
conta, ainda, a posição hierárquica, no sistema capitalista global, da formação social em
consideração. Dito de outro modo, estes dois elementos, a reprodução ampliada do capital e a
particularidade concreta das formações sociais, põem o campo onde a universalização da
educação pode trafegar. É apenas na observação rigorosa desses dois momentos, um mais
geral e o outro mais concreto, que se pode apreender os limites e as possibilidades da
universalização.
98
A universalização da educação não se põe do mesmo modo em todas as formações
sociais. As particularidades de cada formação social estabelecem o modo como ela se
apresenta histórico-concretamente em cada nação. Isto porque, embora a auto-reprodução
ampliada do capital seja um processo universalizado, ela assume formas diversas em cada
particularidade nacional.
A formação social se constitui na mediação entre universalidade e singularidade. Ela
é a forma particular da universalidade. De forma que, o capitalismo não é a soma das
particularidades e nem as particularidades são expressões que o reproduzem in totum. Desse
modo, um padrão de universalização da educação realizado em um país, pode, dadas as
características onto-genéticas das formações sociais específicas, constituir-se numa
impossibilidade em outros.
Em qualquer hipótese, mesmo na formação social, onde se realizou de modo mais
pleno, a universalização da educação não foi integral. Isto porque, no capitalismo, a
universalização formal (não substantiva) da educação aparece sempre como um direito social,
e enquanto direito, enquanto política pública, não pode sair da esfera do capital. Em todos os
casos, ela se realizou em concomitância com a reprodução da desigualdade social. Por isso,
mesmo que fosse possível garantir educação em todos os níveis para todas as pessoas, tal fato
hipotético não representaria uma autêntica universalização, uma vez que o saber transmitido
não estaria em consonância com a autoconstrução positiva do homem, mas sim submetido à
lógica da função social da educação sob o capitalismo.
Já dissemos e voltamos a salientar, é preferível o pior trabalho assalariado do que o
desemprego. Do mesmo modo, tem possibilidades maiores de se fazer mais parte integrante
do gênero humano quem tem um acesso mais rico à educação formal escolar. Contudo, o que
queremos frisar é que, a mais ampla universalização da educação realizável pelo capital é
99
infinitivamente inferior ao efetivo acesso igualitário, irrestrito e integral à educação
propiciado na sociedade emancipada.
3.3 Educação para todos: universalizando a educação para o desemprego crônico.
Salientamos que nosso objetivo não intenciona, nem de longe, abarcar toda a
complexidade da crise estrutural do capital. A inserção dessa problemática nesse trabalho visa
tão somente apontar os significados da universalização da educação escolar na atual
conjuntura, uma vez que entendemos que o momento reordena as ações desenvolvidas na área
da educação, no entanto, sem alterar as determinações ontológicas que possui a
universalização da educação escolar desde o surgimento do capitalismo.
3.3.1 A crise estrutural do capital na ótica de István Mészáros: uma digressão
necessária.
O capital é um modo de controle sócio-metabólico e uma relação social cujo
fundamento, como já apontamos, reside na alienação do trabalhador no processo de trabalho.
Nesse momento, com a venda de sua força de trabalho a outro, ocorre a perda de controle do
trabalhador sobre o seu produto. De acordo com Mészáros,
Neste processo de alienação, o capital degrada o trabalho, sujeito real da
reprodução social, à condição de objetividade reificada – mero ‘fator
material da produção’ – e com isso derruba, não somente na teoria, mas na
prática social palpável, o verdadeiro relacionamento entre sujeito e objeto.
Para o capital, entretanto, o problema é que o ‘fator material da produção’
não pode deixar de ser o sujeito real da produção. Para desempenhar suas
funções produtivas, com a consciência exigida pelo processo de produção
como tal – sem o que deixaria de existir o próprio capital –, o trabalho é
100
forçado a aceitar um outro sujeito acima de si, mesmo que na realidade este
seja apenas um pseudo-sujeito. (2002, p. 126)
Assim, tendo por base a alienação, o trabalho, ainda que seja o produtor real, passa a
figurar como não sendo o que é. O capital, que em si é trabalho social objetivado por essa
relação alienada, portanto, objeto de criação humana, é quem aparece como o sujeito do
processo social. Desse modo, com a perda de controle do produtor sobre o seu produto, se
constitui a separação radical entre produção e controle. Em conseqüência, a reprodução social
assume uma lógica reprodutiva sem sujeito, uma vez que, o sujeito real (o trabalho) é alienado
e o sujeito usurpador (o capital) não pode constituir-se em sujeito efetivo. Isso torna o sistema
do capital um modo de controle sócio-metabólico sem sujeito, onde, “as determinações e os
imperativos objetivos do capital sempre devem prevalecer contra os desejos subjetivos – sem
mencionar as possíveis reservas críticas – do pessoal controlador que é chamado a traduzir
esses imperativos em diretrizes políticas.” (id, p. 125).
Como o único sujeito capaz de conferir controle à produção social, o trabalho, perde
o controle sobre o que é produzido; nenhum controle pode ser exercido sem restituí-lo ao
produtor direto. Nesse sentido, impor qualquer tipo de freio à reprodução auto-ampliada do
capital significaria, se fosse possível, impedir o funcionamento de sua lógica reprodutiva,
tendo em vista que teria que se passar pela restituição do controle ao único sujeito capaz de
fazê-lo. Desse modo, ipso facto, o capital se reproduz sem qualquer possibilidade de controle
sobre si. Daí porque, a única solução viável para a incontrolabilidade do capital é a sua
superação pela instalação de um outro modo de controle sócio-metabólico.
Com a separação radical entre produção e controle, a orientação da produção social
deixa de ser guiada pela realização de bens e serviços com finalidades exclusivamente úteis às
necessidades humanas e passa a ser orientada pela realização da lógica reprodutiva do capital.
Dessa forma, o valor de uso dos produtos passa a ser subsumido ao seu valor de troca. Há,
101
neste caso, uma disjunção entre produção dirigida para necessidades humanas e produção
dirigida para a auto-reprodução do capital, conforme indica Mészáros,
Uma vez realizada a separação forçada do trabalhador de seus meios de
produção (e auto-reprodução), foi aberto o caminho para um
desenvolvimento incomparavelmente mais dinâmico. Dessa forma os
objetivos da produção não mais estão diretamente atados (e subordinados) às
limitações do consumo dado, mas podem antecipar-se significativamente a
ele, estimulando, na forma de sua nova reciprocidade, tanto a produção
como a ‘demanda conduzida pela oferta’. (ibid, p. 660).
A auto-reprodução se refere ao fato de o trabalhador não ter mais o controle e a posse
dos meios de produção, com efeito, ambos, produção e meios de produção são transformados
em capital. Nesse caso, a reprodução segue seu curso sozinha, sem o controle do produtor
direto. Esse processo de disjunção entre produção e controle e conseqüente aparecimento do
capital, permite que as forças produtivas se desenvolvam com uma dinâmica infinitamente
superior a qualquer outro modo de produção anteriormente existente, “contudo, o preço a ser
pago por esse incomensurável dinamismo totalizador é, paradoxalmente, a perda de controle
sobre os processos de tomada de decisão” (ibid, p. 97. grifos do autor).
Desse modo, embora não seja o objetivo perseguido pelo capital, durante a sua fase
de ascensão uma genuína ampliação da riqueza material e espiritual esteve associada à sua
lógica expansionista. Ou seja, a realização do seu modo eficaz de extração de trabalho
excedente e produção de valores de troca se realizava em concomitância com o
desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Isto porque,
Sob determinadas circunstâncias históricas, a auto-reprodução ampliada do
capital e a produção genuína podem coincidir num sentido positivo, e
enquanto isso ocorre o sistema do capital pode cumprir seu ‘papel
civilizador’ de aumentar as forças produtivas da sociedade e estimular, até
um ponto não só possível, mas também ditados por seus interesses, a
emergência da ‘industriosidade geral’. (ibid, p. 699)
102
Isso é claramente identificado, especialmente quando comparamos o capitalismo
com os modos de produção anteriormente existentes. Inegavelmente o capital alçou a
humanidade a uma condição nunca imaginável. O afastamento das barreiras naturais realizado
pelo capital atingiu um nível de alcance tão surpreendente que criou possibilidades, antes
apenas idealizadas, como a da construção da sociedade emancipada. Foi o próprio Marx quem
atribuiu ao desenvolvimento capitalista um papel positivo e civilizador, na medida em que ele
criaria as bases condicionais para realização da comunidade socialista. Nas palavras dele,
O impulso incessante do capital para a forma geral de riqueza leva o trabalho
para além dos limites de sua insignificância natural (Naturbedürftigkeit), e
assim cria os elementos materiais de uma individualidade rica, tão
multifacetada na sua produção quanto no seu consumo, e cujo trabalho, por
isso, já não aparece mais como trabalho, mas como o desenvolvimento pleno
da própria atividade, da qual desapareceu a necessidade natural em sua
forma direta, porque é a necessidade historicamente criada que tomou o
lugar daquela natural. É por isso que o capital é produtivo; isto é, uma
relação essencial para o desenvolvimento das forças produtivas sociais.
(MARX, apud, MÉSZÁROS, 2002, p. 676. grifos do autor).
Contundo, a produção genuína da riqueza social sempre esteve associada a uma
produção destrutiva incomparável a qualquer outro sistema. Durante toda a fase de ascensão
do capital – período que corresponde ao momento de expansão do sistema, e que vai, de
acordo com Mészáros, do surgimento do capitalismo até à década de setenta do século
passado –, não sem inúmeros conflitos, os seus aspectos negativos eram relativizados pelo
caráter positivo de suas realizações. Entretanto, em dado momento histórico, os aspectos
negativos da produção capitalista passam a se sobrepor aos positivos.
De fato, a lógica expansionista e auto-reprodutiva do capital nunca teve a questão do
bem estar comum como variante a ser considerada. A ocorrência de que na sua ascensão
histórica o capital tenha podido utilizar o argumento de que promovia o bem da humanidade,
realizando uma notável melhoria nas condições gerais de vida, embora limitada pela
103
apropriação desigual das benesses produzidas, não significa que ele tivesse o bem comum
como fim. O que se processou durante a sua fase ascensional é que o seu modus operandi, a
realização de sua lógica auto-referente, arrastou consigo, como necessidade de realização de
seus fins, a promoção da riqueza universal. Mas, jamais, em qualquer época, o capital teve o
bem-estar comum como objetivo. Conforme aponta Mészáros,
O desenvolvimento dos meios de produção não está diretamente ligado ao
desenvolvimento das necessidades humanas (nem é impulsionado por elas,
com maior ou menor vigor). Nem pode responder e se beneficiar diretamente
das potencialidades emergentes do avanço do próprio conhecimento ligado à
produção. Ao contrário, já que os meios de produção forma convertidos em
capital (isto é, constituem os meios de produção da sociedade dada somente
na medida em que possam se definir e provar a si mesmos, prática e
economicamente, como parte orgânica do capital), eles têm de se opor às
necessidades humanas existentes e potencialmente emergentes as assim
chamadas ‘necessidade da produção’, que correspondem diretamente ao
interesse de salvaguardar a expansão do capital. (2002 p. 663, grifos do
autor).
Segundo Mészáros, a junção, antes funcional à dinâmica do sistema, entre
desenvolvimento das forças produtivas e a auto-reprodução do capital, existente durante a sua
fase de ascensão, hoje não mais existe. O fechamento da etapa de dinamismo capitalista tem
como correspondência a abertura da crise estrutural do capital.
As crises, no capital, são processos recorrentes e se consubstanciam em uma queda
do padrão de acumulação e em uma superprodução. Entretanto, o atual momento vivido pelo
capital não se confina a um simples problema de acumulação e superprodução que pode ser
resolvido pela dinâmica expansiva do sistema. A crise presente é estrutural, pois coloca em
ativação os limites absolutos do capital, enquanto que as anteriores foram, apesar das
implicações que elas proporcionaram, apenas conjunturais. Mészáros aponta que as crises
conjunturais põem em evidência apenas os limites relativos do capital. Esses podem ser
superados pela expansão da eficiência produtiva do capital. Já a crise estrutural do capital,
104
ativa os limites absolutos. Esses, ao contrario dos outros, não podem ser eliminados
expandindo-se a eficiência produtiva do capital, dado o seu caráter eminentemente destrutivo.
O capital, na sua fase de ascensão tinha enorme capacidade de deslocar os problemas
que surgiam em decorrência da sua natureza contraditória evitando o confronto com os seus
limites últimos. Entretanto, as tradicionais estratégias de deslocamentos das contradições
explosivas do capital em momento de crise não podem mais sustentar uma saída satisfatória
nas circunstâncias atuais. Nas palavras de Mészáros,
Sob as condições de sua ascendência histórica, o capital teve condições de
administrar os antagonismos internos de seu modo de controle por meio da
dinâmica do deslocamento expansionista. Agora estamos diante não apenas
dos antigos antagonismos do sistema, mas também da condição agravante de
que a dinâmica expansionista do deslocamento tradicional também se tornou
problemática e, em última análise, inviável. (id, p. 343, grifos do autor).
Isto porque, de um lado, tais deslocamentos já estão em ação e mostram-se
insuficientes para reconstituir a sede de ampliação do padrão de acumulação e dar vazão à
superprodução; de outro lado, a ativação intensificada desses deslocamentos empurra a
humanidade para sua extinção, e em decorrência para extinção do próprio capital. Mészáros
cita algumas medidas corretivas utilizadas historicamente pelo capital para o deslocamento de
suas contradições que não são mais satisfatórios hoje em dia, como por exemplo, a guerra
mundial e a expansão do capital para os países de subdesenvolvimento forçado.
O aspecto mais explosivo da crise estrutural atualmente vivenciada reside no fato de
que ao reduzir o capital variável e aumentar o capital constante, implicados na composição
orgânica do capital, eleva-se, por sua vez, a produtividade do trabalhador e a quantidade de
produtos no mercado. Isso se dá, hoje em dia, não apenas pelo aumento de produtividade
decorrente da mais-valia relativa, mas também, pela sua combinação com formas absolutas de
extração de sobre-trabalho. O elevado nível de desenvolvimento tecnológico à disposição do
105
trabalho, somado à exploração combinada de mais-valia absoluta e mais-valia relativa, reduz
o tempo de trabalho social necessário à produção global capitalista. Como, sob o regime do
capital, essa redução positiva não pode ser usada em benefício da libertação do homem da sua
condição “pré-histórica”, ela, por um lado, joga uma enorme quantidade de força de trabalho
no desemprego e de outro lado, reduz drasticamente o potencial de vazão para a
superprodução existente. Mészáros indica com muita precisão as implicações dessa
contradição:
Para se desembaraçar das dificuldades da acumulação e expansão lucrativa,
o capital globalmente competitivo tende a reduzir a um mínimo lucrativo o
‘tempo necessário de trabalho’ (ou o ‘custo do trabalho na produção’), e
assim inevitavelmente tende a transformar os trabalhadores em força de
trabalho supérflua. Ao fazer isto, o capital simultaneamente subverte as
condições vitais de sua própria reprodução ampliada. (ibid, p. 226. grifos do
autor).
Essa contradição se revela o nó górdio central da crise. Como, para recuperar o seu
padrão de acumulação na direção da incessante busca por lucratividade, o capital aumenta sua
produtividade ao passo que reduz a quantidade de força de trabalho empregada, acaba, dessa
forma, não apenas por tornar a maioria dos trabalhadores em força de trabalho supérflua, mas
por eliminar do consumo uma enorme quantidade de potenciais compradores, uma vez que,
para o capital “o trabalho não é apenas um ‘fator de produção’, em seu aspecto de força de
trabalho, mas também a ‘massa consumidora’ tão vital para o ciclo normal da reprodução
capitalista e da realização da mais-valia.” (ibid, 2002, p. 672).
A separação entre produção e controle, que está na base fundamental do capitalismo,
é acompanhada de outras contradições não menos importantes. Uma delas é a separação entre
produção e consumo. Como a produção capitalista não admite controle e é orientada para
auto-reprodução do capital e não para atender as necessidades reais dos seres humanos, ela
pode se separar do consumo. Desse modo, não interessa se o bem produzido é realmente
106
necessário e se vai ser utilizado ou não. O que verdadeiramente interessa é o seu consumo.
Como diz Mészáros,
Consumo e destruição vêm a ser equivalentes funcionais do ponto de vista
perverso do processo de ‘realização’ capitalista. Desse modo, questão de
saber se prevalecerá o consumo normal – isto é, o consumo humano de
valores de uso correspondentes às necessidades – ou o ‘consumo’ por meio
da destruição é decidida com base na maior adequação de um ou de outro
para satisfazer os requisitos globais da auto-reprodução do capital sob
circunstâncias variáveis. (ibid, p. 679, grifos do autor).
Assim, a separação entre produção e consumo faz com que a primeira se volte “por
gerar apetites imaginários ou artificiais. – para os quais, em princípio, não há nenhum limite, a
não ser a quebra do motor que continua a gerá-lo em escala cada vez mais destrutiva”. (ibid,
p. 109). Ou seja, no quadro da crise estrutural, a disjunção entre valor de uso e valor de troca
assume formas que não se limitam apenas à mera subsunção do valor de uso pelo valor de
troca. Há uma produção sem qualquer referência às necessidades humanas e que atuam
exatamente em sentido contrário, ou seja, na desconstrução da humanidade. Com o fim da
fase de ascensão, “a expansão dos contornos da circulação e o crescimento do valor de uso
correspondente à necessidade humana não são mais requisitos necessários à reprodução
ampliada.” (ibid, p. 692).
É nesse sentido da produção destrutiva, queimadora de capital, sem qualquer relação
com as necessidades autenticamente humanas que atua a taxa de utilização decrescente27. A
taxa de utilização decrescente e seus corolários comparecem, no conjunto das contradições
27
De acordo com Mészáros, a ativação da taxa de utilização decrescente não é um instrumento novo no
deslocamento dos problemas enfrentados pelo capital. Entretanto há uma substancial diferença no modo como
ela é utilizada hoje. Segundo o autor, a utilização dos mecanismos de destruição “é precisamente a maneira pela
a qual o capital conseguiu se livrar, ao longo de sua história, das situações de crise. [...] A inovação do
capitalismo ‘avançado’ e de seu complexo militar-industrial é dada pela generalização da prática anterior [...]
que se torna então o modelo de normalidade para a vida cotidiana de todo o sistema orientado no sentido da
produção para a destruição como procedimento corrente, em conformidade com a lei da tendencial da taxa de
utilização decrescente, capaz de se aproximar, teoricamente, do índice zero”. (2002, p. 693, grifos do autor).
107
intensificados pela crise, como a forma encontrada pelo capital para criar as demandas
necessárias para dar vazão a sua superprodução. Por isso, Mészáros afirma,
Em agudo contraste com a articulação socialmente produtiva do capital da
época de Marx, o capitalismo contemporâneo atingiu um estágio em que a
disjunção radical entre produção genuína e auto-reprodução do capital não é
mais uma remota possibilidade, mas uma realidade cruel com as mais
devastadoras implicações para o futuro. Ou seja, as barreiras para a produção
capitalista são, hoje, suplantadas pelo próprio capital de forma que
asseguram inevitavelmente sua própria reprodução – em extensão já grande
e em constante crescimento – como auto-reprodução destrutiva, em
oposição antagônica à produção genuína. (ibid, p. 699, grifos do autor).
Em outras palavras, o capital está, desde o fim da sua fase de ascensão, realizando a
mais completa e absurda destruição do produto do trabalho. Isto porque, no momento que
vive hoje, ele só pode reproduzir-se destruindo, conforme aponta Mészáros,
Na situação de hoje, o capital não tem mais condições de se preocupar com o
‘aumento do círculo de consumo’, para benefício do ‘indivíduo social pleno’
de quem falava Marx, mas apenas com sua reprodução ampliada a qualquer
custo, que pode ser assegurada, pelo menos por algum tempo, por várias
modalidades de destruição. Pois, do perverso ponto de vista do ‘processo de
realização’ do capital, consumo e destruição são equivalentes funcionais.
(2003, p. 21-22, grifos do autor).
Mészáros no capítulo V do Para além do capital, trata de quatro determinações que
envolvem uma multiplicidade de contradições e que representam, mais que suficientemente, o
quadro de crise estrutural em que vive o capital. Esses eixos de contradições remetem o
capital à ativação de seus limites absolutos, os quais não têm possibilidades de resolução na
ordem de reprodução sócio-metabólica do capital. São eles: “o antagonismo estrutural
irreconciliável entre o capital global – irresistivelmente transnacional em sua tendência
objetiva – e os Estados nacionais necessariamente repressores” (2002, p. 222); a eliminação
das condições de reprodução sócio-metabólica, por meio da degradação do meio ambiente; a
108
luta pela emancipação das mulheres e a impossibilidade de igualdade substantiva, e, por fim, a
questão do desemprego crônico.
Em relação a esse último ponto diz Mészáros,
a dinâmica interna antagonista do sistema do capital agora se afirma – no seu
impulso inexorável para reduzir globalmente o tempo de trabalho necessário
a um valor mínimo que otimize o lucro – como uma tendência humanamente
devastadora da humanidade que transforma por toda parte a população
trabalhadora numa força de trabalho crescentemente supérflua.” (id, p. 341,
grifos do autor).
Dessa forma, a reprodução ampliada do capital na fase de crise estrutural se faz, à
custa de um assustador aumento do desemprego, que não é, como fora no passado, “Limitado
a um ‘exército de reserva’ à espera de ser ativado e trazido para o quadro da expansão
produtiva do capital, como aconteceu durante a fase de ascensão do sistema, por vezes numa
extensão prodigiosa. Agora a grave realidade do desumanizante desemprego assumiu um
caráter crônico”. (2003, p. 22, grifos do autor). Hoje o desemprego atinge todas as
qualificações e todos os países, centrais e periféricos.
Diferentemente, na fase de ascensão do capital, o desemprego não se constituía em
problema à reprodução auto-expansiva do capital. Naquela época, o capital foi capaz de
conceder ganhos substancias ao trabalho, muitos deles exigências históricas do movimento
trabalhista. Essas conquistas, entretanto, não entravam em choque com a lógica autoreprodutivista do capital, pelo contrário, serviam aos mecanismos de deslocamento de sua
crise, sobretudo no pós-guerra. Ao contrário de constituir-se em óbice à reprodução
capitalista, os ganhos estendidos aos trabalhadores de algumas formações sociais,
significaram uma estratégia positiva para o refreamento das contradições entre capital e
trabalho na época referida. Desse modo, a real melhoria do padrão de vida dos trabalhadores
109
atingidos por essas ações foi revertida em benefício da auto-expansão acumulativa do capital,
como aponta Mészáros,
O capital teve condições de conceder esses ganhos [medidas legislativas que
possibilitaram a ação da classe trabalhadora e medidas que possibilitaram a
melhoria gradual do padrão de vida], que puderam ser assimilados pelo
conjunto do sistema, e integrados a ele, e resultaram em vantagem produtiva
para o capital durante o seu processo de auto-expansão. (2002, p. 95, grifos
do autor)
Em outro momento o mesmo autor afirma,
É importante salientar que estas concessões, junto com sua objetiva
incorporação material e institucional, são factíveis no momento de sua
aquisição porque também coincidem com os interesses das partes mais
dinâmicas do capital social total. [...] Assim, o capital, como uma totalidade
social, concede as ‘salvaguardas ilustradas’ da legislação trabalhista, de
acordo com o movimento em que predomina a mais-valia relativa, não
apenas porque pode fazê-lo com segurança, mas, ainda mais, porque as
novas práticas produtivas aumentam grandemente seu próprio poder e
auxiliam na realização de suas potencialidades objetivas para um
crescimento e uma expansão global inimagináveis anteriormente (isto é nos
limites da mais-valia absoluta). (id, p. 681).
Mas hoje, as condições que metamorfosearam as concessões ao trabalho em
benefícios para o capital estão encerradas. “O capital não está mais em posição de fazer
concessões que possam, simultaneamente, transformar-se em vantagens para si próprio” (ibid,
p. 681. Grifos do autor). De acordo com Mészáros,
Sob os efeitos da crise estrutural, até mesmo os elementos parcialmente
favoráveis na equação histórica entre o capital e o trabalho têm de ser
derrubados em favor do capital. Assim, não somente deixou de haver espaço
para assegurar ganhos substantivos para o trabalho (...) mas também muitas
das concessões anteriores tiveram de ser arrancadas, tanto em termos
econômicos como no domínio da legislação. É por isso que o ‘Estado de
bem-estar’ está hoje não só em situação tão problemática mas, para todos os
efeitos, morto. (id, p. 330).
110
O ataque à classe trabalhadora é feito, segundo Mészáros (id, p. 342), em duas
frentes. Uma correspondente à redução do patrão de vida, evidenciada na retomada de ganhos
do trabalho e a outra referente ao desemprego crônico. Essa dimensão da crise revela-se na
mais explosiva e preocupante, mesmo para o capital, contradição da reprodução capitalista. É
a partir dela que buscaremos entender as limitações que assumem a universalização da
educação na atualidade.
3.3.2 A universalização da educação no contexto da crise estrutural do capital
Como já afirmamos no item 2.3.1, a universalização, entendida enquanto um
processo de expansão e alargamento da educação formal escolar, tem seu fundamento no
capitalismo. Como a universalização promovida pelo capital é meramente formal,
constituindo-se em antípoda de uma universalização substantiva, o capitalismo pôde defendêla. Nesse sentido, a anteriormente impraticável e impensável expansão da educação escolar
aos trabalhadores constituiu uma das ações “civilizadoras” realizadas pelo modo de produção
capitalista em sua fase de ascensão. Entretanto, isso só foi possível porque a reprodução do
capital assim exigiu. Hoje, todavia, com a deterioração do caráter civilizatório do capital e
com a crescente intensificação da barbárie capitalista que se colocam no contexto da crise
estrutural, como se coloca a questão da universalização da educação?
Não há, tendo em vista a argumentação esboçada por Mészáros, possibilidade de
direcionar o conjunto das políticas educacionais para uma perspectiva de ampliação das
instâncias democráticas e de justiça social, como defendem alguns autores. Na contramão do
que já realizou até hoje, o capital busca justamente o oposto, isto é, limitar e rever conquistas
históricas dos trabalhadores, inclusive aquelas circunscritas à educação. Como diz Tonet,
diante da crise estrutural atravessada pelo capital,
111
[está sendo imprimido] a esta atividade [a educação], de modo cada vez
mais forte, um caráter mercantil. Isto acontece porque, como conseqüência
direta de sua crise, o capital precisa apoderar-se, de modo cada vez mais
intenso, de novas áreas para investir. A educação é uma delas. Daí a
intensificação do processo de privatização e de transformação desta
atividade em uma simples mercadoria. (2003a, p 39)
O desmantelamento do ensino público, sobretudo nos níveis secundário e superior, o
direcionamento da pesquisa científica para o setor privado, a proliferação de cursos pagos de
todos os níveis e de todas as modalidades, inclusive em instituições públicas, evidenciam
claramente a transformação da educação formal em mercadoria.
Somado à mencionada privatização, vemos o solapamento dos conteúdos do saber
formal por meio da educação aligeirada, fragmentada, esvaziada e orientada para a formação
de competências28. Todo esse conjunto de problemas demonstra a deterioração que se
processa na educação com a perda do caráter civilizatório do capital. Mais do que em
qualquer época, o conteúdo do saber está sendo trabalhado para uma construção genérica
deformada.
No entanto, se do ponto de vista qualitativo e positivo, relacionado com a difusão do
saber, assistimos à uma regressão, do ponto de vista quantitativo, circunscrito à expansão
estatística das matrículas, e restrito à escolarização elementar, assistimos à uma ampliação da
universalização da educação. Desse modo, ao lado da precarização da disseminação do saber,
caminha junto uma expansão quantitativa da educação escolar. Os dois processos, embora
antagônicos, servem ao mesmo interesse, que é a reprodução do capital no contexto de sua
crise estrutural.
28
Referimo-nos ao paradigma das competências em voga na pedagogia. Em relação à crítica radical à noção de
competências e sobre a impossibilidade de ressignificá-la sob uma perspectiva do trabalho, sugerimos a
dissertação de mestrado de Aline Nomeriano, intitulada, O modelo da competência e a educação do
trabalhador: uma análise à luz da ontologia marxiana.
112
A contradição entre saber qualitativo e expansão quantitativa, está presente desde o
primeiro momento em que a educação surge como necessidade da reprodução social sob o
capital. As necessidades de: educar para o trabalho e para as funções improdutivas;
“domesticar” para a vida social; e forjar os ideais liberais e democráticos que legitimam o
sistema capitalista, já traziam, desde o início, a contradição entre expandir o acesso à escola e
restringir o saber aos limites aceitáveis.
A educação no capitalismo tem a sua marca, isto é, a educação é tão contraditória e
desigual quanto o é o modo de produção do capital. Em conseqüência, quando a burguesia
defende a universalização, nessa defesa está embutida a desigualdade educacional, ou seja, a
universalização defendida não representa a igualdade educacional substantiva. No interior do
processo de universalização da educação formal escolar estão presentes diversos graus de
acesso ao saber sócio-historicamente produzido. Isso é evidenciado no fato de que nenhuma
formação capitalista, inclusive aquelas que realizaram o Welfare State, conseguiu
desembaraçar-se do constrangimento da permanência da diferença entre uma educação “mais
sólida” para a elite e educação “mais rudimentar” para os trabalhadores.
Quando o capital realizou a sua revolução burguesa e seguiu seu curso expansionista,
proporcionou ao trabalho, ainda que não linearmente, um acesso antes inimaginável ao saber.
Mesmo cumprindo o seu caráter conservador e alienante, a educação capitalista permitiu,
dada a contraditoriedade fundante do sistema, o acesso a um conhecimento socialmente
produzido e decantado. Hoje, em função da perda de seu caráter civilizatório, o capital
aumentou o abismo, já existente, entre universalização formal da educação e o efetivo acesso
ao saber.
O processo de universalização da educação escolar implantado pelo capital, sempre
foi acompanhado de uma forte restrição a um nível mais elevado de saber. A expansão
quantitativa da escola caminhou pari passu com a prescrição posológica do saber a doses
113
homeopáticas a para classe trabalhadora, defendida por Adam Smith. A função alienadora e
ideológica da universalização da educação nunca deixou de ser exercida, uma vez que
correspondem às necessidades essências da esfera educativa sob o capital. O que salientamos
como particularidade, no quadro da crise atual, é que essa restringibilidade e esse papel
alienador são realizados em uma escala maior, tanto no que tange à intensificação da sua
dimensão horizontal, quando no que diz respeito a sua expansão vertical.
A relação entre universalização, sempre formal (não substantiva), da educação e
reprodução capitalista é ontologicamente fundada, portanto, não pode ser rompida, nem
mesmo na crise do colapso final do capitalismo. Assim sendo, o capital não abandonou a
perspectiva da universalização da educação formal, mas a reordenou dentro do quadro de suas
necessidades atuais, retomando conquistas, impondo limites e aumentando a restrição aos
aspectos qualitativos do saber. A nosso ver, quanto mais a crise estrutural se agudiza,
mostrando a sua face perversa, perdulária, e desumana, mais a ampliação do acesso à escola
faz sentido como forma de auxiliar na reprodução do capital nessas características. Por isso,
entendemos que, ao contrário de outras conquistas que estão sendo revistas, a universalização
da escola, quantitativa, limitada à dimensão formal (política), privatizada, focalizada e em
franca deterioração dos conteúdos do saber, tem se expandido. Como explicar isso? De acordo
com Mészáros,
Diante do fato que a mais problemática das contradições gerais do sistema
do capital é a existente entre a impossibilidade de impor restrições internas a
seus constituintes econômicos e a necessidade atualmente inevitável de
introduzir grandes restrições, qualquer esperança de encontrar uma saída
desse círculo vicioso, nas circunstâncias marcadas pela ativação dos limites
absolutos do capital, deve ser investida na dimensão política do sistema.
(2002, p. 220).
114
Em outras palavras, o capital necessita impor restrições ao seu ímpeto acumulador,
uma vez que ele o empurra para sua autodestruição. Entretanto, ele não aceita e nem pode
submeter-se a qualquer forma de restrição à sua lógica reprodutiva. Como o capital não pode
dirigir-se às causas essenciais das contradições que assolam, reporta-se então, aos seus efeitos.
Desse modo, a ativação dos limites últimos do capital impõe, em intensidade maior, a esfera
da política como via de “solução” para os impasses estruturais do sistema. Ou seja, o campo
delimitado pelas ações baseadas na vontade, na subjetividade, passa a ser o locus privilegiado
para o enfrentamento da crise.
É neste sentido que a universalização da educação formal escolar, hoje
exponencialmente ampliada, comparece como uma das dimensões da atividade social que
assumem função na estratégia de limitar os defeitos estruturais do sistema capitalista aos seus
efeitos fenomênicos. Nesse sentido, ela tem desempenhado, em tempos de desemprego
crônico, um importantíssimo papel na relação em entre educação e (des)emprego.
Como vimos nos capítulos anteriores, a função social da educação escolar no
capitalismo não se dirige à preparação técnico-instrumental para o emprego. Embora, ela
possa formar para o emprego, como aliás, vem fazendo nos casos e nos momentos em que as
necessidades do capitalismo assim exigiram, a sua função social dirige-se a um objeto mais
amplo: às consciências a fim de que as pessoas atuem de forma socialmente desejada. Na
perspectiva de cumprir a sua natureza essencial, a educação escolar cumpre um papel de
mediadora para a reprodução da totalidade social capitalista, exercendo-o por várias formas de
mediação conforme enunciamos no item 2.3.2. Desse modo, a educação escolar, em cada
situação concreta, pode está muito ou pouco voltada para a formação do profissional
requisitado pelo mercado de trabalho. Entretanto, sua finalidade essencial não é a formação
profissional, mas sim a reprodução social como um todo, na qual, evidentemente, pode-se
115
encontrar presente, de modo mais ou menos mediato, contudo, jamais imediato, a preparação
técnico-instrumental para o trabalho.
O que vimos historicamente é que nas sociedades de classes anteriores ao
capitalismo, a reprodução social não exigia a extensão da educação escolar (restrita à elite
econômica) à classe trabalhadora. No capitalismo, entretanto, com variações concretas, a
depender do seu estágio de desenvolvimento e de cada formação social em particular,
instaura-se uma forma de sociabilidade que necessita, para a sua reprodução, da expansão e
alargamento da educação escolar. A sociedade do capital, cuja forma de dominação não tem a
coerção física como forma predominante, exige que a educação escolar se amplie, de forma
desigual, para todos indivíduos, constituam, ou não, força de trabalho empregada.
O enunciamento da relação direta entre educação escolar e emprego, onde a
educação comparece como instrumento promotor do posicionamento do indivíduo no
mercado de trabalho, não é nova na história do pensamento econômico. De acordo com
Furtado (2003), ela remonta ao início da ciência política, apesar de ter atingido o seu ponto
alto com a teoria do capital humano na década de 1970. A tese de que o investimento em
educação garante um retorno econômico futuro, sofreu várias críticas no campo do
pensamento educacional e foi objeto de uma série de teses importantes que desconstruíram as
suas bases. Entretanto, ela volta hoje com força total sob o emblema da empregabilidade.
O paradigma da empregabilidade, assumido como tarefa essencial da educação nos
dias de hoje, é o exemplo mais revelador da importância da universalização da escola como
forma de jogar para os fenômenos as causas das “disfunções” do sistema capitalista. O papel
assumido pela educação na responsabilização, do desemprego pelo desempregado, da
ausência de perspectiva econômica pela falta de iniciativa empreendedora do indivíduo,
demonstra a necessidade da universalização da educação para o capital no atual contexto
histórico.
116
Um exemplo emblemático desse fetichismo realizado pela educação pode ser
observado nas exigências para as vagas de emprego existentes. Especialmente no setor de
serviços, a escolaridade mínima exigida é muito superior às necessidades de desempenho das
funções que serão exercidas. Desse modo, a educação escolar torna-se um elemento potencial
de aumento de chances para a “conquista” do escasso e precarizado emprego. Em
conseqüência, o desemprego passa a ser justificado, no plano das idéias, como falta de
qualificação necessária dos indivíduos para as oportunidades e postos de trabalho abertos. As
causas reais do desemprego e da desrealização humana são encobertas pelo véu dos seus
fenômenos. Aquilo que é conseqüência é tomado como causa.
O que podemos observar é que hoje, muito mais que no passado, a educação escolar
não garante emprego a ninguém. O emprego não é criado no plano da subjetividade, a partir
da qualificação alcançada pelos indivíduos, mas no plano histórico-concreto. Como diz
Mészáros (2002, 328), não há nenhuma garantia de emprego na educação e na requalificação
dos trabalhadores sem a correspondente base industrial em expansão dinâmica e sob o
imperativo da contração do trabalho socialmente necessário mediante o uso dos processos
produtivos tecnológicos.
Certamente a universalização da educação formal escolar não tem em vista a
preparação técnica-funcional do indivíduo para um mercado de trabalho que diminui em
termos reais o nível de conhecimento formal para a realização das atividades laborais. Em um
contexto, onde, como diz Mészáros (id, p. 341), o capital reduz a níveis surpreendentes o
tempo de trabalho necessário para a produção social, transformando boa parte da humanidade
(em todos os países, quer sejam centrais ou periféricos) em uma “potencialmente explosiva” e
“extremamente instável” força de trabalho supérflua, a universalização da educação escolar
defendida pelo capital só pode significar uma tendência que visa a ajustar ideologicamente os
117
indivíduos à nova situação de desemprego crônico proporcionado pelas necessidades atuais de
acumulação do capital. Como afirma Mészáros,
Independente das alegações da atual ‘globalização’, é impossível existir
universalidade no mundo social sem igualdade substantiva. Evidentemente,
portanto, o sistema do capital, em todas as suas formas concebíveis ou
historicamente conhecidas, é totalmente incompatível com suas próprias
projeções – ainda que distorcidas e estropiadas – de universalidade
globalizante. (2003, p. 17).
Desse modo, na atual fase de crise estrutural do capital, a universalização da
educação realizada e propagada pelos apologistas do capitalismo e sustentada em dados
estatísticos, se processa pari passu com o aumento das restrições ao saber capaz de enriquecer
o indivíduo pelo acesso à produção sócio-cultural genérica. Como corolário da suplantação da
produção genuína pela produção destrutiva – que inclusive lança a sombra da destrutividade
sobre o próprio homem, tornando-o força de trabalho supérflua –, a deterioração e
barbarização assistida em todas as dimensões da atividade humana se espraia pela educação.
Com efeito, se na “época de ouro” do capitalismo algumas formações sociais puderam
realizar um elevadíssimo patamar de universalização da educação, – mediante a
superexploração de outras, mas, sem, no entanto, nem sequer arranhar o solo de uma
universalidade substantiva –, não há, dadas as características gerais da crise do capital
apresentadas aqui, nenhuma possibilidade de realizá-lo nos dias hoje mantendo-se a
permanência do modo de controle sócio-metabólico do capital.
3.4 Universalização e emancipação: a educação para além do capital
Qualquer universalização realizada no capitalismo é extremamente limitada,
especialmente se comparada com o patamar de produção genérica possibilitado pelo capital,
118
mas do qual está despojada a maior parte dos produtores. Na sociedade emancipada, por não
ter como função social a reprodução de uma sociedade desigual, mas de uma autêntica
comunidade humana, a universalização da educação será substancialmente diferente e
superior.
Se a sociedade capitalista não representa uma real comunidade humana, cabe-nos
então responder o que esta significaria. Para Chasin,
Não existe comunidade na sociedade capitalista. [...] Não existe comunidade
numa sociedade clivada em classes, por isso que é sociedade. A comunidade
é a idéia de iguais integrados numa relação fundante. E a sociedade de
classes é uma articulação não só do desigual, mas do conflitante. A
comunidade subentende a ausência do conflito estrutural. É a sociedade sem
luta de classes. (s/d.a, p. 152)
Nenhuma comunidade humana pode ser erguida tendo por base o trabalho alienado.
Em função disso, um novo tipo de trabalho tem que ser o fundamento dessa nova forma de
sociabilidade. E este é o trabalho associado. De acordo com Tonet,
O trabalho associado pode ser, inicialmente, definido como aquele tipo de
relações que os homens estabelecem entre si na produção material e na qual
eles põem em comum as suas forças e detêm o controle do processo na sua
integralidade, ou seja, desde a produção, passando pela distribuição até o
consumo. Por isso mesmo, dele estão ausentes tanto a sujeição dos homens à
natureza (embora esta sujeição nunca possa ser inteiramente eliminada),
quanto a exploração e a sujeição dos homens uns aos outros (estas sim
passíveis de completa eliminação). (2001, p. 89)
Não é possível antever, em todos os detalhes como seria a comunidade humana, uma
vez que a história não é teleológica, mas alguns lineamentos podem ser apontados. Em
primeiro lugar, não existiria o estranhamento na produção, em conseqüência todas as outras
formas de estranhamento desapareceriam. Ou seja, entraríamos num estágio em que não
haveria oposição entre os homens e nem entre indivíduo e gênero. O caminho para
119
autoconstrução do homem, e, com efeito, da comunidade, estaria livre de entraves sociais.
Engels descreve como seria essa comunidade,
Ao apoderar-se socialmente dos meios de produção, cessa a produção de
mercadorias e, com ele, o domínio do produto sobre o produtor. A anarquia
no seio da produção social é substituída por uma organização consciente e
sistemática. A luta individual pela existência termina. Só então o homem sai,
em certo sentido, definitivamente, do reino animal e abandona as condições
animais de vida, por condições verdadeiramente humanas. O conjunto de
condições de vida que rodeiam o homem, e até agora o dominavam, passam,
por fim, a estar sob o domínio e orientação dos homens, que pela primeira
vez chegam a ser os donos e verdadeiros da natureza, em virtude de serem os
amos de sua própria organização social. As leis de sua própria ação social
que, até aqui, lhe eram exteriores, estranhas e o dominavam como leis
naturais, são desde então aplicadas e dominadas pelo homem com plena
competência. A própria associação dos homens, que até agora lhes era
estranha, concedida pela natureza e pela história, converte-se em ato livre e
próprio. As forças objetivas e estranhas que até então dominavam a história,
passam ao domínio dos homens. A partir deste momento, os homens farão a
sua história plenamente conscientes; a partir deste momento, as causas
sociais postas por eles em ação produzirão, sobretudo e em medida cada vez
maior, os efeitos desejados. A humanidade saltará do reino da necessidade
para o reino da liberdade. (ENGELS, apud TONET, 2001, p. 114-115)
Desse modo, se no capitalismo a universalização da educação é irrealizável, na
sociedade emancipada, esta se dissolve na realização integral do gênero, que entre outras
realizações, inclui uma educação igualitária e socialmente irrestrita, tornando, dessa forma,
sem sentido a universalização formal (restrita).
Já mostramos que a desigualdade existente entre as condições de acesso ao saber
formal, tem sua origem e função social no aparecimento da sociedade de classes, na existência
da divisão social do trabalho e na conseqüente existência da propriedade privada. Em
decorrência, apenas a supressão do ato fundante pode eliminar o fenômeno fundado. De modo
que só com o fim da sociedade de classes, pode-se falar em igualdade no acesso à educação.
Agora, resta-nos demonstrar que nenhum aperfeiçoamento das instâncias democráticas,
nenhum Estado, nenhuma vontade política, nenhum ato de consciência, é capaz de promover
120
uma autêntica universalização, uma vez que não tem o poder de eliminar a relação ontológica
entre divisão social do trabalho e desigualdade na educação.
É certo que qualquer transformação na esfera do ser social só é passível de
realizabilidade pelo intermédio da consciência. A consciência, na perspectiva ontológica
adotada por Lukács, fundamentada em Marx, possui um papel de destaque na configuração da
socialidade. Para ambos, ela não é mero “epifenômeno” da realidade, mas, ao contrário, tem
incidência concreta sobre ela, “quando se diz que a consciência reflete a realidade e, sobre
essa base, torna possível intervir nessa realidade para modificá-la, quer-se dizer que a
consciência tem um poder real no plano do ser e não (...) que ela é carente de força.”
(LUKÁCS, 1978, p. 3).
Tendo como fundamento ontológico o trabalho, a consciência existe em
determinação recíproca com a realidade, não é possível pensar um pôr teleológico sem haver
uma atividade consciente, nem tão pouco é possível imaginar uma realidade que seja o
espelhamento exato de ideações. Por isso, como afirma Tonet,
No âmbito do ser social, subjetividade e objetividade têm o mesmo estatuto
ontológico (que dizer, a consciência não é um mero epifenômeno da realidade
objetiva) e se constroem em determinação recíproca. Pode-se, com
tranqüilidade, afirmar que espírito e matéria (social), consciência e realidade
objetiva, subjetividade e objetividade engendram-se mutuamente. (2003b, p.
15)
Assim, é através da consciência que o pôr teleológico do trabalho pode, mediante as
finalidades estabelecidas por ela, efetuar a escolha dos meios e realizar-se enquanto ente.
Através de suas mediações, ela guia o processo de objetivação da práxis social, tornando-se,
por isso, capaz de colocar na efetividade finalidades subjetivas.
Entretanto, a consciência, assim como todo o complexo que compõe o ser social, é
determinada pela totalidade social e só pode transitar no campo de alternativas postas pela
121
realidade material de dado momento histórico-concreto. Com isso, queremos destacar que: em
primeiro lugar, a perspectiva da universalização é expressão da objetividade material. Ela
nasce a partir de um amadurecimento real do ser social, e por isso tem origem social. Em
segundo lugar, quaisquer ideais de transformação – seja no campo da educação ou em
qualquer outro – são alternativas subjetivas. E finalmente, embora sejam construtos da
subjetividade, apenas os ideais que encontram sua viabilidade na realidade objetiva têm
condições ontológicas de realização.
É a ausência de condições ontológicas de viabilidade, ou seja, de possibilidade de
realização fundada na realidade objetiva, que limita o projeto de universalização da escola no
capitalismo. A consciência que pensa ser possível aperfeiçoar a universalização da educação
capitalista indefinidamente até à efetivação da igualdade plena no acesso ao saber, é uma
subjetividade que vê a efetividade do ponto de vista da política, da perspectiva da realização
das vontades. Não pensa a realidade a partir do que ela essencialmente é, mas do que ela
aparentar ser.
Essa subjetividade, cimentada na vontade, está limitada à razão política. Como diz
Marx (s/d.b, p. 19), “O intelecto político é político exatamente na medida em que pensa
dentro dos limites da política.” E pensar nos limites da política é pensar dentro dos marcos do
capitalismo. Assim sendo, nenhuma universalização da educação que se situe no campo
formal, na esfera da sociedade política, se põe, do ponto de vista ontológico, em antagonismo
com o capital.
Do mesmo modo que a ampliação dos espaços e das instâncias democráticas só pode
ocorrer quando o capital permite (assim que elas não interessam são retiradas), também a
universalização formal (jurídico-política) da educação não se opõe ontologicamente ao
capital. Ao se situar no campo da formalidade, portanto dentro da ordem social, a
universalização mais progressista já realizada, foi totalmente integralizada pelo capital, e
122
portanto, não se antagoniza com ele. Essa universalização não está mais próxima, nem é
confundível com a autêntica universalização. O seu limite é o próprio limite da política, ela
não pode realizar mais do que a política pode realizar.
No Congresso de Gotha, em 1875, é criado o Partido Social-Democrata da
Alemanha – SPD, unindo o partido liderado por Lassale e o de Bebel e Liebknecht. O
Programa do SPD, no que se refere à educação defendia, “Educação popular geral e igual a
cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita” (MARX, s/d.a,
p. 13) Ou seja, depositava no Estado a possibilidade de universalizar a educação. Marx
absolutamente contrário a essa posição, argumenta, “Educação popular igual? Que se entende
por isto? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser
igual para todas as classes?” (id, p. 14)
Também nas Glosas críticas marginais ao artigo O rei da Prússia e a reforma
social. De um prussiano, Marx responde, entre outras questões que serve de base para a
argumentação no texto do Prussiano, a seguinte pergunta: “'Por que o rei da Prússia não
determina imediatamente a educação de todas as crianças abandonadas?” (PRUSSIANO,
apud, MARX, s/d.b p. 25). Ao que Marx responde,
Sabe o "prussiano" o que o rei da Prússia deveria determinar? Nada menos
que a eliminação do proletariado. Para educar as crianças, é preciso
alimentá-las e liberá-las da necessidade de trabalhar para viver. Alimentar e
educar as crianças abandonadas, isto é, alimentar e educar todo o
proletariado que está crescendo, significaria eliminar o proletariado e o
pauperismo. (id, p, 26)
Não vamos retomar as condições necessárias para a efetivação da verdadeira
universalidade da educação. Já sabemos que ela pressupõe o homem livre e integral. Mais do
que apontar requisitos, as respostas ao Prussiano e a Crítica ao Programa de Gotha,
demonstram a impotência do Estado e da mediação política para realizar a universalização da
123
escola. A irrealizabilidade da universalização da educação no capital denota a impotência do
Estado e da política em resolver os problemas estruturais do capital.
Sobre o Estado, diz Marx,
O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político,
duas coisas diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o
Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou em leis da
natureza, que nenhuma força humana pode comandar, ou na vida privada,
que é independente dele, ou na ineficiência da administração, que depende
dele. (ibid, p. 27).
Continuando, afirma,
Ele repousa sobre a contradição entre vida privada e pública, sobre a
contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares. Por isso, a
administração deve limitar-se a uma atividade formal e negativa, uma vez
que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu
poder.” ( ibid, p. 27).
O Estado moderno, como demonstrado nessa passagem, tem seu fundamento na
contradição que se estabelece entre interesse geral e interesse particular, a partir da divisão
social do trabalho e dos homens em classes. A realização do interesse geral exigiria a
eliminação do interesse privado, mas o Estado não pode suprimi-lo, pois repousa sobre essa
contradição. A supressão, de acordo com Marx, exigiria a própria destruição do Estado, uma
vez que acabando o antagonismo entre vida privada e vida pública, acabaria-se com a sua
essência.
Onde o Estado é mais necessário, nas desigualdades que brotam da sociedade civil, é
onde com mais intensidade se expressa sua impotência. Como os problemas sociais do capital
têm sua origem no antagonismo fundante da sociabilidade capitalista, eles não encontram
solução no âmbito do Estado, cuja função social é a preservação da contradição entre o
124
interesse privado e o interesse geral. Quaisquer questões sociais, e entre elas a da
universalização da educação, são insolúveis no capitalismo. E é por conta dessa insolubilidade
que as causas das mazelas da sociedade são buscadas, pelo Estado, onde elas não podem ser
solucionadas e nem ameaçar o capital. Com isso, passa-se à distância de onde realmente elas
têm origem, vale dizer, da sociedade civil.
Os limites à universalização da educação são insuperáveis no capitalismo. A vontade,
a política, a administração, enfim o Estado, não são capazes de realizar a igualdade de acesso
ao patrimônio intelectual decantado. Essa impossibilidade não reside na deficiência, nem na
imperfeição da política. Não se trata de uma questão de aperfeiçoar, pois o Estado não é
aperfeiçoável. Sua perfeição é a sua extinção, como diz Chasin (s/d.a, p. 216), “O Estado, o
poder, a política, a dominação não são perfectibilizáveis, não são aperfeiçoáveis. A perfeição
do poder e da dominação é a sua extinção.”
No que se refere à universalização da educação formal escolar, inegavelmente
assistiu-se, como parte integrante do papel civilizatório realizado pelo capital, um
extraordinário processo aperfeiçoador. Contudo, seu aperfeiçoamento não á capaz de atingir
uma verdadeira universalidade, uma vez que, como já mostramos, a universalização
capitalista se processa em uma dimensão que deixa intacta as desigualdades sociais. Qualquer
que seja o patamar de universalização realizado, esbarrará, sempre, na contradição entre
capital e trabalho.
Para concluir, faremos uso, mais uma vez, das palavras de Chasin, “Educar
efetivamente em termos universais numa sociedade, isto só será possível em nossos tempos
ultrapassando o capital, ou seja, no momento em que se abre a sociedade de transição
socialista.” (id, p. 210).
125
CONCLUSÃO
A partir dos pressupostos instaurados por Marx e resgatados pelo marxismo de
orientação lukacsiana, realizamos a nossa investigação teórica. De início, expusemos a
natureza essencial da educação. Demonstramos como ela nasce, tendo por fundamento o
trabalho, e como vai ela vai-se constituindo em uma esfera particular do ser social. Desde a
sua origem ela assume uma legalidade própria com uma função social específica que a
diferencia do trabalho. Enquanto este último dirige-se à transformação orientada da natureza,
a educação tem sua finalidade voltada para a relação que se estabelece entre os homens, desse
modo ela se caracteriza enquanto uma teleologia secundária.
A educação é uma mediação para a reprodução social. Essa mediação é feita, de
acordo com o que mostramos, em dois pólos dialeticamente imbricados. Do pólo do indivíduo
ela torna-se fundamental para que o homem se reconheça enquanto gênero. No que diz
respeito ao pólo da totalidade ela é um instrumento para que os homens ajam de modo
favorável à reprodução social. Isto permitiu-nos concluir que a educação é uma dimensão
ineliminável da existência humana, qualquer que seja a forma de sociabilidade.
Na relação da educação com os diversos modos de produção social, observamos que
nas comunidades primitivas, onde não existiam classes sociais, existia uma autêntica
universalização da educação. Não havia nenhuma restrição socialmente construída ao acesso
ao saber. O mesmo não ocorre com o surgimento das sociedades de classes. Com o seu
aparecimento, barreiras sócio-economicamente postas passam a impedir o acesso dos
indivíduos à produção espírito-cultural genérica. Esse evento cinde a educação em duas
modalidades, stricto sensu e lato sensu. A primeira correspondendo à transmissão do saber
sistematizado e decantado, a segunda ao conteúdo do saber disseminado pelo tecido social.
126
Com a sociedade de classes, ambas modalidades de educação são diferenciadas em
conformidade com as desigualdades sociais processadas no plano econômico. Desse modo, a
universalização existente na primeira forma de organização social é rompida.
Nos modos de produção escravista e feudal a irrealizabilidade da universalização no
campo da educação stricto sensu era claramente dada. A constituição orgânica das sociedades
que se ergueram sob o escravismo e sob o feudalismo demonstram a impraticabilidade da
universalização. A reprodução social dessas sociedades não colocava como necessidade a
oferta de educação formal escolar aos trabalhadores escravos e servos. O mesmo não pode ser
dito no capitalismo.
Demonstramos que foi no sistema do capital que surgiu o impulso à universalização
da educação escolar. Pela primeira vez na história, o acesso dos trabalhadores ao saber formal
tornou-se necessário para a reprodução social. Neste sentido, e em relação aos modos de
produção anteriores, o capitalismo representou um enorme avanço para o enriquecimento do
indivíduo. Entretanto, desconfiamos desse papel positivo, e investigamos as limitações e
contradições que estão por traz desse processo de universalização empreendido pelo capital.
Assim, mostramos o seu caráter limitador e meramente formal (restrito).
Na relação fundamental do sistema do capital, aquela que se estabelece na compra e
venda da força de trabalho, localizamos a raiz da impossibilidade da universalização plena da
educação escolar sob o capital. Apesar de ter permitido um alargamento brutal do acesso ao
saber formal, todo o processo de universalização empreendido pelo capital passa ao largo de
uma universalização substantiva. Esse distanciamento entre as dimensões qualitativa e
quantitativa do processo de universalização da educação formal é aprofundado pelo momento
atual. A crise estrutural do capital impõe uma ampliação da fronteira da universalização, ao
mesmo tempo em que, solapa barbaramente o conteúdo do saber. Desse modo, não há espaço
para reeditar um papel civilizatório que o capitalismo um dia já teve.
127
No atual momento histórico do capitalismo monopolista a educação cumpre, entre
outras mediações, as tarefas de: diminuir a pressão da demanda por emprego, na medida que
estende o tempo de vida escolar necessário para entrar no mercado de trabalho; “difundir e
sedimentar entre as atuais e futuras gerações a cultura empresarial” (NEVES, 2002, p. 172),
justificando do ponto de vista do individualismo a situação social em que se encontra a classe
dominada; “aumentar a produtividade dos setores mais produtivos da economia, em geral do
grande capital” (id, p. 173); “preparar o trabalho simples para operar e o trabalho complexo
para adaptar a ciência e a tecnologia trazidas de fora pelas grandes empresas multinacionais”
(ibid, p. 174); e responsabilizar o trabalhador pelo desemprego em que se encontra. Tudo isso
evidencia que a universalização realizada pelo capitalismo, de modo focalizado e privatista,
não entra em choque com a sua lógica reprodutiva, muito pelo contrário, a expansão da
educação promovida atualmente está em perfeita consonância com as necessidades da
reprodução do capital no contexto de sua crise.
Concluímos que não há possibilidade de realizar uma autêntica universalização da
educação enquanto o capital continuar existindo. Qualquer universalização realmente
substantiva só pode dar-se para além do sistema do capital com a eliminação de seu ato
fundante. Com efeito, as energias gastas na luta por uma universalização cujo horizonte não
aponte para a emancipação humana, reverte-se em pontos positivos para capital, uma vez que
se está operando no campo política. Com isto, não estamos sugerindo o abandono dos
embates, mas a sua radicalização. Neste sentido, muita coisa pode ser feita nas brechas
deixadas abertas pelo capital, mas esse aproveitamento só tem efeito se combinado com a luta
mais ampla pela comunidade emancipada, único espaço onde as lutas parciais podem perder a
sua razão de ser. A articulação das lutas imediatas e viscerais com a bandeira da emancipação,
o amadurecimento do ideal socialista, e a consciência das limitações das conquista parciais,
representam um caminho para por fim a pré-história da humanidade.
128
Para finalizar, gostaríamos de dizer que este trabalho se dirige no sentido oposto da
contra-revolução que domina o plano histórico, onde há um absoluto abandono do projeto de
sociedade emancipada nos termos apresentado por Marx. Entendemos que aqueles que
desejam defender uma verdadeira universalização da educação não podem ter outra bandeira
que não seja a construção da comunidade socialista.
129
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