Bartolomeu Melo Brito
Título da dissertação: PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: FUNCIONAMENTO DO DISCURSO NORTEADOR DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
BARTOLOMEU MELO BRITO
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: FUNCIONAMENTO DO DISCURSO
NORTEADOR DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
MACEIÓ
2011
BARTOLOMEU MELO BRITO
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: FUNCIONAMENTO DO DISCURSO
NORTEADOR DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação Brasileira.
Orientadora:
MACEIÓ
2011
Profª Drª
Florêncio.
Ana
Maria
Gama
Universidade Federal de Alagoas
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Parâmetros Curriculares Nacionais: funcionamento do discurso norteador do ensino
de línguas estrangeiras modernas
BARTOLOMEU MELO BRITO
Dissertação submetida à banca examinadora, já referendada pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas e aprovada em 08 de
junho de 2011.
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Gama Florêncio (CEDU – UFAL)
(Orientadora)
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Stela Torres Barros Lameiras ( FALE – UFAL)
(Examinadora Externa)
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria do Socorro Aguiar de Oliveira Cavalcante (CEDU – UFAL)
(Examinadora Interna)
Aos meus pais:
Mariote (em memória) e Elza Brito.
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente aos meus pais: Mariote (em memória) e Elza Melo
Brito, pela vida e pelos exemplos de amor, dignidade e retidão de caráter que sempre
estiveram presentes em nosso convívio.
À minha orientadora professora doutora Ana Maria Gama Florêncio, pela
valiosa orientação, sem a qual seria impossível a realização deste trabalho.
À professora doutora Maria do Socorro Aguiar de Oliveira Cavalcante, pelas
contribuições com suas observações e leitura crítica durante o período de qualificação
desta dissertação.
À professora doutora Maria Stela Torres Barros Lameiras, pela leitura
cuidadosa e sugestões valorosas na fase de qualificação deste trabalho.
Ao professor mestre Pedro Antônio Gomes de Melo, a quem agradeço o
incentivo. Muitíssimo Grato!
Ao meu sobrinho professor mestre Deivdson Brito Gatto, pela amizade e
presença constante em minha vida.
A todos os professores, professoras, funcionários e funcionárias do Centro de
Educação da Universidade Federal de Alagoas, com quem tive o privilégio de
conviver durante o curso das disciplinas do Mestrado em Educação Brasileira.
À professora Cícera Valéria Galindo Cavalcante, pela amizade, espírito de luta
e imenso carinho demonstrados durante o Curso de Mestrado em Educação
Brasileira.
Extracto de Proverbios y Cantares (XXIX).
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.
Antonio Machado
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – O Ensino de Línguas no Período Imperial em Horas de Estudo
Tabela 2 – O Ensino de Línguas no Período 1890 a 1931 em Horas de Estudo
Tabela 3 – O Ensino de Línguas no Período de 1942 a 1996 em Horas de Estudo
LISTAS DE SIGLAS
BM – Banco Mundial
CEB – Câmara de Educação Básica
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
ELE – Ensino de Língua Estrangeira
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
EUA – Estados Unidos da América do Norte
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LC – Línguas Clássicas
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e do Desporto
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
OEA – Organização dos Estados Americanos
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEF – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
SEMTEC – Secretaria de Educação Média e Tecnológica
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
RESUMO
No presente estudo analisamos o discurso dos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM), direcionados à Língua Estrangeira Moderna. Como
ponto de partida, realizamos uma retrospectiva histórica do ensino de Língua
Estrangeira na educação básica brasileira, desde seus primórdios até a década de
1990, no intuito de entendermos como a escolha da abordagem comunicativa do
ensino de Língua Estrangeira Moderna, na educação básica, não aparece nas últimas
reformas educacionais brasileiras, como indicação secundária, mas como um dos
artifícios centrais da política educacional imposta na referida década. Nossa
investigação se assenta na base teórico-metodológica da Análise do Discurso de
Linha Francesa, – a partir da realização de leituras de autores como Foucault,
Pêcheux, Orlandi, Cavalcante, Florêncio e outros. À referida base teórica aditamos
uma interlocução com Bakhtin, Althusser e outros estudiosos que desenvolvem
reflexões a respeito da ideologia, nos processos de significação. Nessa perspectiva,
entendemos discurso como um processo que se realiza como movimento de sentidos,
que mantém diálogo com outros discursos. Nosso corpus de análise se constitui, em
sua materialidade linguística, por algumas sequências discursivas advindas de
material impresso dos PCNEM, que apresentam os Conhecimentos de Língua
Estrangeira direcionados ao Ensino Médio. Inferimos, a partir de nossa análise, que o
discurso oficial preconiza uma estreita relação entre uma educação de “qualidade” e a
abordagem comunicativa de ensino de Língua Estrangeira Moderna, como
compreensão de língua como instrumento de comunicação. Desse modo utilizam-se
de discursos, que apontam, em suas marcas, para uma posição ideológica da classe
dominante, própria das relações de produção de uma sociedade que busca o controle
na adequação da aprendizagem de Língua Estrangeira Moderna, apenas com fins
comunicativos.
Palavras–chave: PCNEM. Língua estrangeira moderna. Análise do discurso.
Comunicação.
RESUMEN
En el presente estudio analizamos el discurso de los Parámetros Curriculares
Nacionales para la Enseñanza Mediana (PCNEM), direccionados a la Lengua
Extranjera Moderna. Como punto de partida, realizamos una retrospectiva histórica de
la enseñanza de Lengua Extranjera en la educación básica brasileña, desde sus
orígenes hasta a la década de 1990, en el intuito de entendernos como la escoja del
abordaje comunicativo de la enseñanza de Lengua Extranjera, en la educación básica
no aparece en las últimas reformas educacionales brasileñas, como indicación
secundaria, mas como uno de los artificios centrales de la política educacional
impuesta en la referida década. Nuestra investigación asentase en la base teórico
metodológico del Análisis del Discurso de línea francesa, – a partir de la realización
de lecturas de autores como Foucault, Pêcheux, Orlandi Cavalcante, Florêncio y
otros. A la referida base teórica adicionamos una interlocución con Bakhtin, Althusser
y otros estudiosos que desarrollan reflexiones a respeto de la ideología, en los
procesos de significación. En esta perspectiva, entendemos discurso como un
proceso que se realiza como movimiento de sentidos, que mantiene diálogo con otros
discursos. Nuestro corpus de análisis se constituye, en su materialidad lingüística, por
algunas secuencias discursivas advenidas de material impreso de los PCNEM, que
presentan los Conocimientos de Lengua Extranjera Moderna direccionados a la
Enseñanza Mediana. Inferimos, a partir de nuestro análisis, que el discurso oficial
preconiza una estrecha relación entre una educación de “cualidad y el abordaje
comunicativo de la enseñanza de Lengua Extranjera Moderna, como comprensión de
lengua como instrumento de comunicación. De ese modo se utiliza discursos que
apuntan, en sus marcas, para una posición ideológica de la clase dominante, propia
de las relaciones de producción de una sociedad que busca el controle en la
adecuación del aprendizaje de Lengua Extranjera Moderna, apenas con fines
comunicativos.
Palabras–clave: PCNEM. Lengua extranjera moderna. Análisis del discurso.
Comunicación.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 12
1
RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS NO BRASIL....................................................................... 16
1.1
O ensino de línguas estrangeiras modernas antes e durante o Império. 18
1.2
O ensino de línguas estrangeiras modernas a partir da Primeira
República....................................................................................................... 22
1.3
Primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional.......................... 29
1.4
Segunda lei de diretrizes e bases da educação nacional.......................... 33
1.5
A atual lei de diretrizes e bases da educação nacional............................ 37
1.6
Os Parâmetros Curriculares Nacionais....................................................... 44
1.6.1 As bases legais dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio............................................................................................................... 56
2
DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS................................................................67
2.1
O discurso sobre as línguas estrangeiras modernas..................................67
2.2
Condições de produção..................................................................................71
2.3
Ideologia...........................................................................................................74
2.4
Formação discursiva e formação ideológica.............................................. 79
2.5
A noção de pré-construido........................................................................... 82
2.6
Interdiscurso e intradiscurso....................................................................... 83
2.7
Silenciamento................................................................................................ 85
3
O DISCURIVO OFICIAL.................................................................................. 87
3.1
Um gesto de leitura....................................................................................... 87
3.2
Refletindo sobre o corpus............................................................................ 91
3.2.1 Condições de produção dos PCNEM para língua estrangeira
moderna........................................................................................................... 91
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................102
REFERÊNCIAS...............................................................................................106
ANEXOS..........................................................................................................111
12
APRESENTAÇÃO
O discurso referente ao que se preconiza para o ensino de Línguas
Estrangeiras Modernas nos Parâmetros Curriculares Nacionais constitui a temática
desta dissertação. Buscamos verificar de que modo ocorrem os processos de
produção de sentido no discurso presente no referido documento oficial para o Ensino
Médio e os determinantes sociais, históricos, políticos e ideológicos que possibilitaram
a introdução do ensino de Línguas Estrangeiras Modernas na escola regular de Nível
Médio.
A implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(doravante PCNEM), no ano de 1999 e em especial os Conteúdos dos
Conhecimentos da Disciplina de Língua Estrangeira Moderna, ali encontrados,
enfatizam, dentre outros aspectos, a importância da disciplina na educação básica
brasileira, e a opção por uma Abordagem Comunicativa 1 do ensino de Língua
Estrangeira Moderna. Isso nos motivou a estudar o discurso dos PCNEM, no sentido
de detectar a razão da opção por esse tipo de abordagem.
Desvelar o discurso oficial direcionado ao ensino de Língua Estrangeira para o
Ensino Médio, de modo que pudéssemos refletir sobre o papel da Escola em nossa
sociedade, constituiu-se uma questão que nos estimulava desde o curso de
graduação em Letras.
O termo Língua Estrangeira nos remete à língua do outro, ao que nos é
estranho, um código linguístico que pode nos causar estranhamentos e curiosidades.
Designa, também, a disciplina componente do currículo escolar de que o aluno
necessita, para obter êxito em sua trajetória escolar, mais do que aprender, pois
nesses termos o discente desenvolve apenas uma capacidade metalinguística e, no
máximo, alcança uma competência linguística no novo idioma, já que pela teoria de
ensino de Língua Estrangeira – que os PCNEM estabelecem – ao aluno o ideal é
1
Na abordagem comunicativa do ensino de línguas estrangeiras enfatiza-se o conhecimento
comunicativo do aprendiz, entendido aqui como competência comunicativa – isto é, o conhecimento
[prático e não necessariamente explicitado] das regras psicológicas, culturais e sociais que comandam
a utilização da fala num quadro social.– pode ser compreendido como parte de um desenvolvimento
social e pessoal mais amplo. Hymes (1972, apud ESPINET, 1997).
13
adquirir2 um novo idioma, pois desse modo, estará apto a desenvolver a aquisição de
uma competência comunicativa na língua-alvo que lhe possibilite interagir com seus
pares, em situações reais de comunicação/interlocução e estabelecer contatos com
culturas de diferentes países.
A metodologia adotada deve ser motivo de reflexão pelo professor de Língua
Estrangeira, no sentido de buscar em sua prática pedagógica, a efetivação do
processo de ensino/aprendizagem da Língua Estrangeira Moderna, procurando
estabelecer uma posição crítica em relação à cultura propagada pela língua em
estudo. Assim, não se deterá apenas na preocupação excessiva com a forma, em
detrimento do uso no contexto social em que a língua ocorre.
No entanto, o que observamos com frequência é a preocupação do professor
com o treinamento intensivo de aspectos formais do idioma, através da exercitação
descontextualizada de temas gramaticais, esquecendo-se de que a língua é usada
pelos falantes para pensar, intercambiar ideias, exprimir sentimentos e, sobretudo,
auferir potencialidades que promovam sua participação política, em uma sociedade
dividida em classes que tem na posse dos bens de produção seu principal objetivo de
existência e perpetuação.
Desse modo, com a pesquisa, estamos procurando responder as nossas
inquietações, quais sejam, o desvelamento do funcionamento do discurso oficial
subjacente no texto dos PCNEM que norteiam o ensino de Língua Estrangeira e o
conhecimento de discursos para os quais apontam. Para tanto, utilizamos
conhecimentos teórico-metodológicos da Análise do Discurso – AD (vertente
francesa). Tomando como base a teorização de seu fundador Michel Pêcheux (1969)
e de teóricos brasileiros. Compreendemos que a AD centra-se no estudo do discurso,
observando a linguagem como elemento mediador indispensável nas relações
humanas, histórica e socialmente constituída.
Filiamo-nos à teoria do discurso porque entendemos que a linguagem assim
concebida é uma atividade indispensável à intermediação necessária entre as
pessoas no convívio social, e na construção de suas subjetividades, em uma
determinada realidade objetiva.
2
“Na perspectiva de Krashen, a aquisição” é um processo inconsciente, enquanto a “aprendizagem” é
um processo consciente. “Assim, “adquirir” significa “captar” uma língua, saber usá-la, enquanto
“aprender” significa saber as regras de uma língua e poder falar sobre ela” (OLIVEIRA, 2007, p.129).
14
Desse modo, a AD nos permite trabalhar em busca dos processos de produção
do sentido e de suas determinações histórico-sociais. Isso implica o reconhecimento
de que há uma historicidade inscrita na linguagem que não nos permite pensar na
existência de um sentido literal, já posto, e nem mesmo que o sentido possa ser
qualquer um, já que toda interpretação é regida por condições de produção dos
discursos.
No 1º capítulo, nosso foco de interesses circunscreve-se na Retrospectiva
Histórica do Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil, pois, o conhecimento do
percurso histórico da legislação brasileira é imprescindível para entender o que
oficialmente está determinado para as Línguas Estrangeiras na sociedade
contemporânea, especificamente, nos PCNEM objeto desta pesquisa, que, assim
como a atual LDB/1996, constituem-se documentos oficiais idealizados como pilares
para dar sustentação legal às recentes reformas educacionais que tiveram como
contexto histórico a década de 90 do século XX, durante o primeiro e segundo
mandatos do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC). As
referidas reformas realizaram-se afinadas com o ideário neoliberal, direcionados à
economia e à educação para a América Latina, e traduzidas através de exigências de
órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura – UNESCO, Fundo Monetário Internacional – FMI e Banco
Mundial – BM, que impulsionaram tais reformas, ainda em vigência no início da 2ª
década do século XXI.
No 2º capítulo estudamos os pressupostos teóricos com que fundamentamos
as análises discursivas presentes no 3º capítulo. Para tanto nos filiamos à teoria do
discurso, pois é sobre a base teórico-metodológica da Análise do Discurso de Escola
Francesa (AD), que buscamos compreender os discursos subjacentes aos textos dos
PCNEM, tomando como categorias as que se seguem: as Condições de Produção,
Ideologia, Formação Discursiva, Formação ideológica, Silenciamento, a Noção de
Pré-construído, Interdiscurso e Intradiscurso.
No 3º e último capítulo, reservado às análises de sequências discursivas
(formulações), presentes nos PCNEM, particularmente as inseridas dentre as que
contemplam os Conhecimentos da disciplina de Língua Estrangeira Moderna, que
abordam o ensino e aprendizagem dessa disciplina, sob uma perspectiva histórica,
como também as que figuram dentre as que compreendem a Língua Estrangeira
Moderna inserida na grande área das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. No
15
intuito de desvelar em que direção apontam os discursos presentes no referido
documento oficial, elaboramos o presente trabalho, em busca da posição ideológica
que sustenta esses discursos.
Para tanto, iniciamos com um retorno à historicidade que sedimenta o que
estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, no que diz
respeito ao ensino de Língua Estrangeira Moderna, trazendo a seguir a teoria da AD e
as análises que nos oferecem respostas às questões que nos inquietam.
16
1
RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
NO BRASIL
A necessidade de conhecer outros idiomas acompanha o homem desde os
primórdios de sua História, pois o desejo de poder comunicar-se em outras línguas,
sempre esteve presente nas mais antigas civilizações. Na contemporaneidade, o ser
humano não prescinde desse permanente aprendizado, para satisfazer às mais
variadas finalidades, sejam as mesmas de caráter culturais, comerciais ou de
intercâmbio
de
conhecimentos
científicos
e,
ainda,
para
fins
estratégicos,
relacionados a interesses político-ideológicos.
O conhecimento do percurso histórico da legislação nacional sobre o Ensino de
Línguas Estrangeiras (ELE) na educação escolar é indispensável ao entendimento do
que oficialmente está determinado na atualidade, especificamente, da educação
básica no nível Médio de Ensino, foco dessa pesquisa. Desse modo, viabilizamos a
compreensão do desenvolvimento da inclusão desse componente curricular, da
importância e do valor a ele atribuídos, nos distintos momentos da trajetória da
educação nacional.
Para estudar o percurso histórico do ensino de Língua Estrangeira Moderna na
educação básica brasileira, nosso ponto de partida é o período que antecede à
chegada da Família Real ao Brasil, na primeira década do século XIX. Esse fato
constituiu-se um importante evento histórico da vida nacional, pois ficou caracterizado
por avanços em vários setores, tais como o econômico, político e, inclusive, o da
educação formal, quando observamos um incremento na oferta das disciplinas de
Línguas Clássicas e Línguas Estrangeiras Modernas na educação básica, embora
não obrigatória no início do século, razão pela qual seu aprendizado assume um
caráter de patrimônio exclusivo das elites.
A oferta obrigatória de uma Língua Estrangeira no currículo escolar, data dos
primeiros anos da segunda metade do século XIX, mais precisamente, em 1855.
Nesse período o tempo dedicado ao ELE atinge seu auge, mas também se inicia o
declínio do tempo dedicado ao seu estudo, motivado por decisões governamentais da
época. Desse modo, no presente capítulo, enfocaremos as políticas públicas
educacionais direcionadas à oferta do ensino de Língua Estrangeira Moderna no
Ensino Médio e enfatizaremos, dentre outros aspectos, o número de línguas
17
ensinadas e as horas dedicadas ao seu estudo, nesse nível da educação escolar, em
diferentes momentos da história da educação brasileira, no que se refere ao ELE.
Assim sendo, abordamos tais políticas, nos anos que antecederam a
Proclamação da República, durante a Primeira República3, na Reforma de 1931 e de
1942 que proporcionaram mudanças na oferta e disciplinamento das Línguas
Estrangeiras na educação brasileira.
Dessa forma efetuaremos, também, uma retrospectiva, das sucessivas
Legislações que estabeleceram e estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional: Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971,
e Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, respectivamente primeira, segunda, terceira
e última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Finalizando nossa trajetória, abordamos – nas recentes reformas da educação
nacional, ocorridas durante o segundo mandato do então presidente da república
Fernando Henrique Cardoso (FHC), mais precisamente entre os anos de 1999 a 2002
– os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, onde evidenciamos os
Conhecimentos de Língua Estrangeira, objeto de nosso estudo. O referido documento
oficial foi publicado e distribuído pelo Ministério da Educação – MEC às escolas
públicas de todo o país no ano de 1999, como um dos mecanismos utilizados pelo
poder público para assegurar o cumprimento da atual Lei de Diretrizes e Bases da
educação Nacional - LDB, no que concerne à segunda e última etapa da educação
básica. Os PCNEM foram concebidos para orientar os professores das escolas de
Ensino Médio, no tocante às práticas e conteúdos a serem desenvolvidos em sala de
aula.
3
A Primeira República brasileira, normalmente conhecida como República Velha é o período da vida
política nacional que se estendeu da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até a
Revolução de 1930, ano em que foi deposto o 13º e último presidente da República Velha Washington
Luís. Surge então, a República Nova, em oposição à República Velha, fase iniciada com o Governo de
Getúlio Vargas, chefe do governo provisório, a partir do golpe militar de 24 de outubro de 1930, a
conhecida revolução de 30.
18
1.1
O ensino de línguas estrangeiras modernas antes e durante o Império
Para realizar nosso objetivo de conhecer o histórico do ensino de Língua
Estrangeira na educação brasileira, tendo como ponto de partida o período que
antecede à chegada da Família Real, Leffa (1999, p.2-3), nos fornece contribuições
quando afirma:
Deixando de lado os primórdios da catequização dos índios,quando o próprio
português era uma língua estrangeira, e começando com as primeiras
escolas fundadas pelos jesuítas, pode-se dizer que a tradição brasileira é de
uma grande ênfase no ensino das línguas, inicialmente nas línguas clássicas,
grego e latim, e posteriormente nas línguas modernas: francês, inglês,
alemão e italiano (O espanhol só muito recentemente, considerando a
perspectiva histórica, foi incluído no currículo).
Como explicitado na citação acima, no curso do século XVI, já existia a
preocupação dos jesuítas com o ensino das Línguas Clássicas e posteriormente, com
o ensino das Línguas Estrangeiras Modernas no país. Para os que aqui habitavam a
língua portuguesa, idioma oficial da Metrópole, era uma língua estrangeira e para o
conquistador, por sua vez, constituiu-se um elemento indispensável na conquista do
território e submissão dos povos brasileiros.
Essa orientação predominou no ensino brasileiro durante aproximadamente
dois séculos, isto é, até 1759, quando se deu a expulsão dos jesuítas de
Portugal e de suas colônias por ato do Marquês de Pombal, então primeiro
ministro do rei Dom José I (SAVIANI 2007, p.59).
No século posterior se consolida a mesma prática, sob a égide do regime
imperial. Nessa perspectiva, como ocorreu no Brasil e com outros povos conquistados
em distintas partes do mundo, devemos considerar o fato de que o ensino de Língua
Estrangeira ao longo de seu percurso na História tem apresentado distorções, quer
sejam de evidências relacionadas ao etnocentrismo, baseadas nas teorias do
determinismo linguístico – que advoga a possibilidade de superioridade entre as
etnias tomando como referência o código linguístico em uso – quer sejam
relacionadas a posições ideológicas evidenciadoras de dominação cultural. Silveira
(1999).
No fim do século XVIII e início do século XIX, a Europa passava por
turbulências políticas provocadas por disputas territoriais entre a França e a
19
Inglaterra. A Península Ibérica, notadamente Portugal, não estava imune às tentativas
empreendidas por Napoleão Bonaparte de ampliar seus domínios e conquistar todo o
continente.
Nessa mesma época, a monarquia portuguesa, representada por D. João,
motivada por acordos internacionais de interesses político-econômicos com a
Inglaterra, assinou a Convenção Secreta de Londres, em 22 de outubro de 1807,
segundo a qual Portugal tornou-se dependente da Inglaterra. Entre os compromissos
firmados, pelos países signatários, estava o da proteção de Portugal das investidas
francesas de invasão e consequente conquista territorial do país e da transferência da
sede da monarquia portuguesa para o Brasil, o que ocorreu no dia 29 de novembro de
1807, protegido pela esquadra inglesa, na hipótese de que a França cumprisse suas
ameaças (Lopes, 2008).
Em território brasileiro, no primeiro decênio do século XIX, mais precisamente,
o mês de janeiro de 1808 é marcado pela chegada da Família Real portuguesa ao
Brasil. Com a permanência da Monarquia, intensifica-se a submissão ao domínio
português, e inicia-se uma série de acontecimentos que vão marcar de modo
determinante a vida da maior e mais importante Colônia Lusitana. (Lopes, op. cit.)
No campo da educação formal, privilégio exclusivo de uma reduzida classe
dominante da época, ocorre a inclusão oficial no currículo escolar da disciplina de
língua francesa, ainda que, como evidenciamos acima, Portugal e França estivessem
em processo acentuado de uma crise política. Este fato se consolidou com o
surgimento do Decreto de 13 de abril de 1808, por meio do qual D. João VI promove a
nomeação do professor de francês Renato Pedro Boiret, na província do Rio de
Janeiro. No transcurso de um ano, ocorre a criação da primeira cadeira pública de
Francês em conjunto com a de Inglês (Leffa, 1999).
A ênfase na língua francesa se dava como importância social, pelo fato de a
mesma ser considerada, na época, língua universal e requisito indispensável para o
ingresso em cursos superiores dos brasileiros componentes das elites emergentes
que partiam para a metrópole, no intuito de estudar Direito na cidade portuguesa de
Coimbra. O Método enfocado, e em voga nesse período, era baseado no ensino da
Língua Latina, que era o da Gramática e Tradução4. Evidenciamos que a utilização do
No Método da Gramática e Tradução, “a concepção tradicional ou clássica da linguagem é herdeira
direta da tradição Greco-romana e medieval, que via o estudo da gramática como disciplina mental,
normativa, considerada como extremamente necessária para se aprender uma língua. É uma visão
4
20
referido Método na prática docente de ensino de Língua Estrangeira, era, nesse
período, uma tendência comum na maioria dos países do mundo.
De acordo com Leffa (op. cit.), o monopólio linguístico do francês e a
importância da cultura subjacente ao idioma, exerceram uma vultosa influência no
Brasil colônia. Para a aristocracia rural mais exigente, aprender a língua francesa era
a forma de manter o monopólio das elites sobre o conhecimento sistematizado em
vários campos do saber, dentre eles o das Línguas Estrangeiras, porque, de posse
desses conhecimentos, teriam poder na condução do destino do país, em vários
setores, dentre os quais o da educação formal.
Desse modo, teve origem na Colônia o ensino de Línguas Estrangeiras, para
atender às aspirações da corte e das elites emergentes, com a meta de manter vivos
o ambiente e as relações do convívio social, nos moldes tipicamente europeus, que
tinham no aporte e domínio dos idiomas estrangeiros, uma das suas maiores
exigências.
Assim sendo, pelo modo como foi implantado, o processo do ensinoaprendizagem de Língua Estrangeira Moderna foi direcionado a um grupo seleto de
cidadãos. Indicamos aqui o surgimento do caráter elitista que sempre esteve
relacionado ao estudo das Línguas Estrangeiras no Brasil.
Posteriormente, segundo afirma Leffa (1999), ocorre um crescente interesse
pela língua inglesa, surgido como reflexo da influência norte-americana no país; esse
fato tem início com os acontecimentos que consolidaram a Proclamação da República
em 1888, mas não ultrapassa a forte influência do francês. Ainda, no final do século
XIX, mais precisamente em 1889, a língua inglesa e a língua alemã passaram a ser
disciplinas opcionais nos currículos escolares. No entanto, destaque-se que eram
componentes curriculares obrigatórios somente para algumas séries da educação
primária Fogaça e Gimenez (2007).
De acordo com Leffa (op. cit.), foi durante o Período Imperial que teve início a
decadência do ensino de línguas no país e se estendeu durante os anos posteriores à
proclamação da república. Como demonstrados nas Tabelas 1 e 2, podemos observar
que o declínio no número de horas semanais dedicado ao ensino de línguas não inclui
tão somente as Línguas Clássicas, mas também as Línguas Estrangeiras Modernas,
como é o caso da língua francesa. Apesar da discreta redução no número de horas
estática, desconsiderando o caráter dinâmico e mutável da língua, que evolui para poder acompanhar
as necessidades culturais, científicas e tecnológicas do povo que a fala” (SILVEIRA, 1999, p.46).
21
dedicado ao ensino do Francês, o decréscimo da oferta do idioma tem início, ainda
que fosse a língua que servia como meio de comunicação entre os membros da Corte
Portuguesa e seus aliados europeus, na realização de suas relações comerciais e
interpessoais.
Tabela 1 – O Ensino de Línguas no Período Imperial em Horas de Estudo por Mês
Ano
Latim
Grego
Francês
Inglês
Alemão
Italiano
Total
em
Horas
1855
18
9
9
8
6
3(F)
50
1857
18
6
9
10
4
3 (F)
47
1862
18
6
9
10
4
6 (F)
47
1870
14
6
12
10
-
-
42
1876
12
6
8
6
6F
-
32
1878
12
6
8
6
4
-
36
1881
12
6
8
6
4
3(F)
36
Fonte: Leffa (1999)
Como se vê nos números da Tabela acima, nos anos anteriores a 1881, o
declínio das horas dedicadas ao ensino das Línguas Estrangeiras continua associado
ao desprestígio crescente da escola pública de nível secundário. A partir do ato
adicional de 1834, que remete às Províncias a responsabilidade com o ensino
secundário, ocorreu uma desresponsabilização do governo central com a educação,
nas províncias, em matéria de financiamento do setor, o que teve como resultado o
agravamento da situação em que já se encontrava o ensino de línguas, no sentido de
que cada localidade se responsabilizaria pela educação com recursos próprios.
(Oliveira, 1999).
Assim, diante disso, vê-se que, os estados brasileiros reduziram o ELE nas
escolas públicas, com a intenção de poupar gastos, reduzindo o investimento na
educação. Tal atitude configura uma tomada de posição elitista, pois somente o
ensino privado continuava oferecendo o ensino de Língua Estrangeira.
22
1. 2
O ensino de línguas estrangeiras modernas a partir da Primeira República
Conforme Fogaça e Gimenez (2007), a carga horária semanal dedicada ao
ensino de Língua Estrangeira, no currículo do ensino básico, foi reduzida aos poucos,
a partir de 1892 e nos anos seguintes, período compreendido como os primeiros anos
da Primeira República, quando o declínio acontece. No momento em que ocorreu a
Reforma Fernando Lobo5, o declínio no ensino se intensifica e atinge índices nunca
antes registrados.
As Línguas Estrangeiras ensinadas nas escolas foram reduzidas a duas:
francês e inglês, ou alemão, com carga média de três anos letivos para cada uma. No
geral, compreendendo as Línguas Clássicas e as Línguas Estrangeiras Modernas,
passa-se das 76 horas semanais/anuais em 1892 e atinge-se em 1925, o índice de
apenas 29 horas, o que representa menos da metade da oferta compreendida entre a
virada do século XIX e o primeiro quartel do século XX, conforme indicamos na
Tabela 2 página 23, (LEFFA, 1999).
Assim, antes mesmo das reformas que antecederam a década de 1930, a
carga horária semanal dedicada ao ensino das Línguas Estrangeiras, no ensino
básico, decresceu significativamente. Conforme registram Fogaça e Gimenez (op.
cit.), essa modalidade passa da significativa carga de 47 horas em 1892, a apenas 17
horas obrigatórias em 1929-1931 e caracteriza um notável desprestígio da oferta do
ensino de línguas estrangeiras no contexto recente da educação nacional.
Nesse período, essa abrupta queda na carga horária escolar dedicada às
línguas estrangeiras ocorreu, em grande medida, motivada pelas constantes
deficiências de cunho didático e ao “liberalismo suicida que reduzia a escola
secundária brasileira à simples função de diplomar estudantes presunçosos e não
raro analfabetos” (CHAGAS,1967, p.108). Assim sendo, a escola ficou limitada à
função burocrática de aprovar e de emitir diplomas, omitindo-se da sua primordial
função de ensinar e de promover a educação dos jovens, notadamente no nível
secundário.
5
A Reforma Fernando Lobo, ocorrida em 1892, através do Decreto nº 1.041, de 11 de setembro de
1892, foi o período em que as línguas estrangeiras modernas retomaram relativa importância. O
francês e o alemão passam a ter o mesmo tempo de estudo que as línguas clássicas – três anos – e
fazem parte dos exames nos institutos oficiais de ensino secundário dos estados.
23
Ainda, de acordo com os dados explicitados na Tabela 2, nos anos posteriores
à Proclamação da República, a situação do ensino de línguas apresenta consistentes
mudanças. Verificam-se, não somente acréscimos no número de horas dedicados ao
ensino de línguas modernas, mas decréscimo da carga horária da Língua Latina que
atinge na década de 1930, menos da metade do que apresentava no final dos anos
1800.
Tabela 2 – O Ensino de Línguas no Período 1890 a 1931 em Horas de Estudo por Mês
Ano
Latim
Grego Francês
Inglês
Alemão Italiano
Total
em
Horas
1890
12
8
12
11
11
-
43
1892
15
14
16
16
15
-
76
1900
10
8
12
10
10
-
50
1911
10
3
9
10
10
-
32
1915
10
-
10
10
10
-
30
1925
12
-
9
8
8
2(F)
29
1931
6
-
9
8
6(F)
-
23
Fonte: Leffa (1999)
Na década de 30 do século XX, foi criado o Ministério de Educação e Saúde
Pública e, mais precisamente em 1931, foi proposta uma reforma educacional, a
Reforma Francisco Campos, com novo enfoque ao ensino, ampliação dos seus
objetivos na preparação do aluno para prosseguir nos estudos em nível universitário,
como requisito indispensável para a formação integral do adolescente (Leffa, 1999).
A referida Reforma objetivava “soerguer a educação de segundo grau do caos
e do descrédito em que fora mergulhada” (CHAGAS, 1957, p.89 apud LEFFA, 1999).
Foi mais uma tentativa de recuperar aspectos da educação do período de declínio
que já chegava ao seu auge. Nesse período, foi proposta a democratização da escola
secundária e em relação ao ensino de línguas estrangeiras, a Reforma Francisco
Campos introduz, não apenas inovações relacionadas aos conteúdos estudados,
mas, principalmente, ao Método desenvolvido em sala de aula, denominado Método
Direto.
Segundo Silveira (1999), o referido Método tem como principais características:
não permitir em sala de aula a utilização da língua materna do aluno; o recurso da
24
tradução não é admitido; a leitura tem prioridade e é exercitada constantemente; o
material impresso serve para ser lido e apreciado para facilitar o desenvolvimento da
habilidade oral na língua estrangeira, não sendo utilizado como suporte de análise
gramatical. Com a meta de garantir um aprendizado ativo e participativo do aluno,
busca eficiência na tarefa de libertá-lo das inibições; falha, contudo, ao levá-lo a se
expressar muito rápido na língua estrangeira, ocasionando muitas interferências da
língua materna.
Esse Método de Ensino de Língua Estrangeira foi inicialmente desenvolvido na
França, em, 1901, e só implantado na educação nacional trinta anos após seu
surgimento, no Colégio Pedro II, por intermédio do professor Carneiro Leão. Imbuído
do espírito da referida Reforma, Leão relata suas experiências numa publicação de
1935, intitulada O ensino das línguas vivas, e segundo Chagas (1957 apud FOGAÇA
E GIMENEZ, 2007), o livro relata uma experiência extraordinária no campo do ensino
de línguas, que consistia em vivenciar da forma mais real possível o ambiente e
costumes próprios da cultura em que a língua surgiu. No entanto, até os dias atuais,
não encontrou continuadores no que se refere à educação de nível médio no Brasil.
Leffa (1999) nos adverte que, a metodologia proposta parece não ter adentrado
a escola, pois a mesma foi substituída por uma versão simplificada do Método da
Leitura6, em uso nos Estados Unidos da América do Norte (EUA). Como o Método
Direto apresentava enfoque exagerado na habilidade oral, constituindo-se um
problema entre a maioria dos aprendizes, optou-se por enfocar a leitura e
compreensão de textos, como o único e principal objetivo do ensino de Língua
Estrangeira, nas escolas de nível médio.
Conforme Campos (2006, p.114), nesse período a ditadura Vargas proibiu o
ensino da Língua Alemã nas regiões do Sul do país, determinando que o uso das
Línguas Estrangeiras, a partir de então, se constituía um delito. Assim sendo,
6
Conforme Silveira (1999), como uma reação ao Método Direto que dava ênfase exagerada ao uso da
habilidade oral, o Método da Leitura, em voga nos Estados Unidos e Canadá, durante a década de
1930, enfoca a leitura e compreensão de textos, como o único e principal objetivo do ensino de Língua
Estrangeira nas escolas.
25
As intervenções incidiram sobretudo no uso da língua, que foi alvo de uma
política nacionalizadora, (sic) a partir de 1938, concentrada prioritariamente
nas regiões de colonização alemã. (...) A ameaça da autonomia com a qual
funcionavam as escolas catarinenses foi atacada pela centralização e
controle do uso da língua nacional pelo estado, ação concretizada através de
uma série de medidas, como a proibição do uso da língua estrangeira nos
estabelecimentos escolares, e fiscalizada pela Superintendência Geral do
Ensino e pela Inspetoria Geral das Escolas Particulares e Nacionalização do
Ensino.
O que na verdade acontecia era uma proibição voltada para o ensino público,
pois criava-se, assim,
um fosso entre a educação das elites e a das classes populares, pois as
primeiras nunca se privaram da aprendizagem de LE, nas escolas
particulares ou nos institutos de idiomas (PAIVA, 2003, p.5).
Diante desse cenário, o ensino de Línguas Estrangeiras já se mostrava como
instrumento das classes dominantes, que tinham acesso ao estudo de uma Língua
Estrangeira, mediante a condição de poder pagar por isto.
Mas, na década seguinte, no ano de 1942, ocorre no Brasil uma nova reforma
do ensino, intitulada Reforma Capanema e, segundo Leffa, (1999), seu mérito
repousa em equiparar todas as modalidades de ensino médio, quer seja secundário,
normal, quer seja militar, comercial, industrial ou agrícola, o que resulta em uma
democratização do ensino, ao conceder, a todos os cursos, um status igualitário.
A referida Reforma, teve como motivação a mudança do ensino através de Leis
Orgânicas7, e seu alcance foi parcial, ainda que toda a estrutura educacional tenha
sido reorganizada. Verifica-se que a meta foi atender às conveniências políticas da
época, próprias de um governo ditatorial, dentre elas, a aproximação do governo
brasileiro, a partir de 1943, com as Forças Aliadas na 2º Guerra, o que resultou numa
postura mais comprometida com a democratização. Foi criada uma estrutura comum
para um ensino primário elementar, com uma duração de quatro anos, modificando o
primário complementar, de um ano. (Leffa, op.cit.).
As chamadas “Leis” Orgânicas do Ensino se constituem, na verdade, num conjunto de Decretos-Lei
elaborados por uma comissão de “notáveis”, presidida por Gustavo Capanema e outorgados pelos
presidentes Getúlio Vargas durante o Estado Novo e José Linhares durante o governo provisório,
período no qual esteve à frente do Ministério da Educação Raul Leitão da Cunha. Tiveram como
objetivos, reformar e padronizar todo o sistema nacional de educação, com vistas a adequá-lo à nova
ordem econômica e social que se configurava no Brasil naquela época (expansão do setor terciário
urbano, constituição de uma classe média, do proletariado e da burguesia industrial, resultante da
intensificação do capitalismo no país). Em seu conjunto, também ficaram conhecidas como Reforma
Capanema.
7
26
O ensino de Nível Médio ficou organizado verticalmente em dois ciclos, o
ginasial, com duração de quatro anos, e o colegial, com a duração de três anos
Saviani (2007). Essas inovações foram introduzidas através do Decreto-lei n. 4.244,
de 9 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário.
É o próprio ministro Gustavo Capanema, no rol de sua exposição de motivos,
quem reforça o ideário de que o ensino não deve permanecer apenas nos aspectos
instrumentais. Na apresentação do projeto ao governo, Capanema propõe através
desta Lei que a educação formal deve “formar nos adolescentes uma sólida cultura
geral, marcada pelo cultivo a um só tempo das humanidades antigas e das
humanidades modernas, bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência
patriótica e a consciência humanística” (CAPANEMA, 1944, p.250).
Para Capanema, (op.cit. p.250), o que seria, então, a consciência patriótica e
humanística que deveria pautar os princípios do ensino secundário?
[...] o ensino secundário se destina à preparação das individualidades
condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades
maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das
concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é
preciso tornar habituais entre o povo. Ele deve ser, por isto, um ensino
patriótico no sentido mais alto da palavra, isto é, um ensino capaz de dar aos
adolescentes a compreensão da continuidade histórica da Pátria, a
compreensão dos problemas e das necessidades, da missão e dos ideais da
nação, e bem assim dos perigos que a acompanham, cerquem ou ameacem,
um ensino capaz, além disto, de criar, no espírito das gerações novas, a
consciência da responsabilidade diante dos valores maiores da Pátria, a sua
independência, a sua ordem, seu destino. (CAPANEMA, 1944, p.254)
Podemos atestar que, nesses termos, o ensino secundário manteve o caráter
já determinado em outras reformas, qual seja o de preparar os discentes no intuito de
dotá-los de formação especial, para a condução das massas, pois a educação formal
traria dentre outros benefícios o de habilitá-los profissionalmente em nível superior e
facilitar-lhes a condução dos interesses da classe dominante, “dos homens que
deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação...”
(op.cit. p.254). Portanto, nem todos deveriam receber essa formação; apenas os
portadores das “concepções e atitudes espirituais”. Pensada nesse sentido, porque “é
preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo”.
Desse modo, podemos afirmar que o ensino no nível secundário com um
caráter humanístico, manteve-se elitista e excludente, com a função preparatória para
o ingresso em cursos superiores, como observadas em outras Reformas. Ainda que,
27
contrariamente às reformas ocorridas anteriormente, – durante a Primeira República –
, nas reformas realizadas a partir de 1930, a função preparatória começa a perder
mérito para a função formativa dos jovens, como podemos inferir a partir da citação
acima. Tradição até então predominante de uma educação vinculada aos interesses
das elites.
A Reforma Capanema consagrou a tendência que já vinha sendo afirmada por
Francisco Campos e reafirmada nos princípios da Constituição de 1937, em relação à
dualidade do sistema de ensino brasileiro: um ensino secundário público destinado às
elites condutoras do país e um ensino profissionalizante destinado à formação da
classe trabalhadora. De 1942 a 1946, durante e após um ano do Estado Novo, foram
realizadas reformas parciais nos diversos ramos de ensino, através de Decretos-lei,
conhecidos como Leis Orgânicas do Ensino.
Como evidenciamos acima, a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei
n. 4.244 de 09/04/1942) é um dos pontos centrais da Reforma Capanema, pois de
forma ainda mais explicita que na Reforma Francisco Campos, fortalece o caráter
elitista deste nível de ensino.
O próprio ministro Capanema reconhece que a Reforma Francisco Campos
preparou as condições favoráveis para o prosseguimento do trabalho de renovação
do ensino secundário. Assim, concretiza, com sua reforma, “a definição completa e
acabada do ensino secundário como um tipo específico de ensino, perfeitamente
caracterizado por seus objetivos, seu currículo e sua organização geral” (SILVA,
1969, p.294). Instituiu o pressuposto da especificidade do ensino secundário de
caráter propedêutico, assim como as outras leis orgânicas garantiram a especificidade
de cada um dos ramos do ensino profissional. Mais uma vez, não foram definidas
diretrizes gerais comuns a todos os ramos do ensino secundário (propedêutico ou
técnico-profissional).
Na verdade, a Lei Orgânica do Ensino Secundário garantiu o conceito e a
estrutura tradicional desse nível e, certamente, não garantiu aquilo que o momento
exigia em termos de avanços do ensino secundário.
Quanto à concepção de ensino secundário, na Exposição de Motivos, o
reformador definiu como finalidade fundamental a formação da personalidade do
adolescente. Na lógica da reforma haveria uma adolescência predestinada à
condução da sociedade que deveria ter acesso a um ensino específico, patriótico por
excelência, para a compreensão dos problemas e das necessidades da pátria, além
28
de criar a consciência da responsabilidade de sua missão social na divulgação desses
princípios ao povo.
Dessa forma, no contexto de consolidação da sociedade capitalista, a
dicotomia da estrutura de classes, também se reproduziu na educação. Para a classe
trabalhadora, o ensino profissionalizante era o caminho e deveria garantir a “formação
humana” do trabalhador, a formação técnica ou profissional, a fim de suprir as
necessidades de mão-de-obra das diferentes áreas da economia nacional. Assim
sendo, para a burguesia dedicava-se um ensino de formação geral que garantisse a
continuidade dos estudos, através de uma preparação para além do “simples
desenvolvimento dos atributos naturais do ser humano” (BRASIL, 1952, p.24)8.
Apesar de criticada por um número considerável de educadores, por
apresentar características nacionalistas, ou – como advogam outros – por ser um
documento fascista, pelo fato de promover o classicismo aristotélico e acadêmico –,
característico dos últimos anos do período imperial –, em relação ao ensino de Língua
Estrangeira Moderna, Leffa afirma que esta reforma foi,
paradoxalmente, a reforma que deu mais importância ao ensino das línguas
estrangeiras. Todos os alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico,
estudavam latim, francês, inglês e espanhol. Muitos terminavam o ensino
médio lendo os autores nos originais e, pelo que se pode perceber através de
alguns depoimentos da época, apreciando o que liam, desde as éclogas de
Virgílio até os romances de Hemingway. Visto de uma perspectiva histórica,
as décadas de 40 e 50, sob a Reforma Capanema, foram os anos dourados
das línguas estrangeiras no Brasil. (LEFFA, 1999, p.11-12)
Na verdade, essa é mais uma consequência da política elitista de exclusão,
pois o ensino de Língua Estrangeira, sendo destinado à classe dominante, reforça a
sua hegemonia, por distingui-la com um saber ao qual a massa não teria acesso.
Essa posição reforça a idéia de que alguns nasceram para comandar e outros
para serem comandados, um pré-construído9 historicamente circulante.
Ora, os que iriam comandar, sabendo outras línguas, poderiam estabelecer
relações com outros povos, outras culturas. Os outros, a “massa”, os menos
favorecidos, não teriam tais oportunidades.
“O que constituí o caráter específico do ensino secundário é a sua função de formar nos adolescentes
uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das
humanidades modernas, e bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência patriótica e a
consciência humanística” (BRASIL, 1952, p.23).
9
Categoria da Análise do Discurso, que será conceituada no capítulo II
8
29
Porque, então, despender recursos nessa direção? Nem todos deveriam saber
tudo; não se deveria conceder a todos o direito de saber o que não sabiam, porque
isto poderia mudar os rumos da sociedade vigente.
Havia desde a Portaria Ministerial 114, de 29 de janeiro de 1943, já em plena
vigência da Reforma Capanema, a preocupação central do ensino de Língua
Estrangeira Moderna com a metodologia a ser desenvolvida em sala de aula, para
que se efetivassem seus intentos o método recomendado continuava sendo o Método
Direto, já descrito anteriormente.
Na década seguinte, no final do transcurso do segundo governo do presidente
da República Getúlio Vargas em 1954, o Latim, Francês e o Inglês eram disciplinas
que faziam parte do currículo do antigo Curso Ginasial. No Colegial, em algumas
regiões do país, entre 1954 e 1961, houve a substituição do Latim pela Língua
Espanhola, conforme indicamos na Tabela 3 (p. 32). Pela primeira vez ocorre a
alternância de uma Língua Clássica por uma Língua Estrangeira Moderna na
educação nacional, o espanhol em substituição ao latim no Ensino Médio. É o
primeiro momento em que o espanhol é considerado Língua Estrangeira.
Essa substituição se deu gradativamente em razão da promulgação da primeira
Lei de Diretrizes e Bases (LDB), na qual as Línguas Estrangeiras passam a ser
disciplinas complementares, não obrigatórias. São criados os Conselhos Estaduais de
Educação, cabendo às comunidades escolares decidirem entre uma Língua Clássica
(Latim, Grego) ou uma moderna a ser ministrada na escola.
1. 3 Primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional
Publicada no dia 20 de dezembro de 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), foi um marco na história da educação nacional. No seu
Artigo 1º, a LDB enfatiza, pela primeira vez, a finalidade da educação nacional, que
contempla a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do
Estado, da família e dos demais grupos que compunham a comunidade; o respeito à
dignidade e às liberdades fundamentais do homem; o fortalecimento da unidade
nacional
e
da
solidariedade
internacional;
o
desenvolvimento
integral
da
personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum; o preparo do
30
indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que
lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; a
preservação e expansão do patrimônio cultural; a condenação a qualquer tratamento
desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a
quaisquer preconceitos de classe ou raça.
No âmbito da educação formal de nível médio, a referida Lei, especifica no
Artigo 33, que: “A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na
escola primária, destina-se à formação do adolescente” (BRASIL, 1961, p.3). Como
podemos interpretar, a partir do texto legal, a finalidade do ensino secundário era a
formação dos adolescentes sem, contudo, evidenciar a que espécie de formação se
refere. Quanto à função preparatória desse nível de ensino, somente se encontra
mencionada no Artigo 46, § 2º, que transcrevemos na íntegra:
§ 2º A terceira série do ciclo colegial será organizada com currículo
diversificado, que vise ao preparo dos alunos para os cursos superiores e
compreenderá no mínimo, quatro e, no máximo, seis disciplinas, podendo ser
ministrada em colégios universitários (BRASIL, 1961, p.4).
Assim sendo, a função preparatória para ingresso em cursos superiores não
era extensiva a todas as séries do ciclo colegial, ou seja, não se caracterizava uma
função de todo o ensino secundário, mas apenas da terceira série do segundo ciclo
desse nível de ensino. A legislação muda apenas quanto à vinculação do ensino
secundário com o ensino superior, objetivando dar ao ciclo colegial um objetivo de
formação mais geral, sem a observância de delimitações que se concretizavam em
preparar o aluno estritamente para o ingresso na universidade.
Como afirmamos anteriormente, quando tratamos do período da reforma
Capanema, a função preparatória para ingresso exclusivo nos cursos de formação
superior, que mantinha firme os interesses da elite na condução do país, começa a
perder méritos. Pretende-se que essa realidade se intensifique com a promulgação da
LDB de 1961, pois objetiva-se mudar a condução da educação básica e abrir a
possibilidade de democratização do ensino no país. Nessa perspectiva, o ensino
propedêutico começa a perder protagonismo para uma função formativa mais geral
dos jovens da escola de nível médio, no intuito de mudar uma tradição até então
predominante de uma educação vinculada aos interesses da elite brasileira.
Em relação ao tempo integral dedicado a esse nível de ensino, ficam mantidos
os sete anos de duração do Ensino Médio e a divisão entre os níveis ginasial e
31
colegial, mas retirou-se a obrigatoriedade do ensino da língua inglesa. Nesse mesmo
período, inicia-se a descentralização ou municipalização do ensino.
Para Gadotti (2000), a história da Municipalização do Ensino no país iniciou-se
no fim do período conhecido como Estado Novo (1945) e concretizou-se com a LDB
nº 4.024/61. O referido autor compreende que a história da democratização política do
Brasil, nesse período, consagrou o princípio da descentralização com a constituição
de 1946. Para cumprir essa meta, foi criado o Conselho Federal de Educação ao qual
segundo a LDB no seu Artigo 35, § 1º,
[...] compete indicar, para todos os sistemas de ensino médio, até cinco
disciplinas obrigatórias, cabendo aos Conselhos Estaduais de Educação
completar o seu número e relacionar as de caráter optativos que podem ser
adotadas obrigatórias pelos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1961,
p.10).
Conforme Leffa (1999), no que se referem ao ensino das Línguas Clássicas e
das Línguas Estrangeiras Modernas, as decisões ficaram a cargo dos Conselhos
Estaduais de Educação. Nessa conjuntura, a disciplina de Língua Latina, salvo raras
exceções, foi eliminada do currículo escolar, a de Língua Francesa teve suas horas
semanais diminuídas quase pela metade, quando não retirada do currículo; apenas a
Língua Inglesa continuou sem grandes alterações em relação ao número de horas
dedicado à oferta da disciplina. Nesse momento, verifica-se que o currículo escolar
brasileiro reflete as condições de produção, em referência à manutenção da Língua
Inglesa, momento em que se deu a ascensão das economias capitalistas industriais,
representadas pelos EUA, que desponta como uma potência econômica no mundo
ocidental e, em consequência desse protagonismo, a língua inglesa mantém-se como
objeto de interesse de estudo na educação formal e, portanto, fazendo parte do
planejamento linguístico de vários países.
32
Tabela 3 – O Ensino de Línguas no Período de 1942 a 1996 em Horas de Estudo por Mês
Ano
Latim
Grego
Francês
Inglês
Alemão
Italiano
Espanhol
Total
em
Horas
1942
8
-
13
12
-
-
2
35
1961
-
-
8
12
-
-
2
22
1971
-
-
-
9
-
-
9
50
1996
-
-
6
12
-
-
32
Fonte: Leffa, 1999
Valendo-nos das informações da Tabela 3, podemos estabelecer uma
comparação entre a Reforma Capanema, que representou um avanço para o ensino
de língua estrangeira moderna e a LDB, de 1961, no sentido de valorização das
Línguas Estrangeiras por razões já levantadas anteriormente. Mas, a primeira LDB é
um marco do começo do declínio do ensino de Línguas Estrangeiras Modernas
anteriormente alcançadas, durante a primeira metade do século XX.
Verifica-se a contraposição com a expansão do ensino de Língua Estrangeira,
que ocorria em outros países ocidentais, ocasionada pelo crescimento econômico dos
EUA e pelo impacto que as conquistas russas, no âmbito das tecnologias,
provocaram na educação norte-americana. Nesse contexto histórico é promulgada a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na qual as Línguas
Estrangeiras Modernas passam a ser disciplinas complementares, não obrigatórias.
São criados os Conselhos Estaduais de Educação, cabendo às comunidades
escolares decidirem entre uma Língua Clássica (Latim, Grego) ou uma Língua
Estrangeira Moderna a ser ministrada na escola.
Como podemos constatar, através da Tabela 3, acima, com o advento da LDB
de 1961, reduziu-se a oferta de Línguas Estrangeiras a menos de dois terços do que
era ofertada durante a década de 1940, na vigência da Reforma Capanema. As
Línguas Clássicas representadas pelo Latim desaparecem definitivamente do
currículo escolar e o Francês, como explicitamos acima, começa a perder prestígio,
com redução da carga horária semanal, em favor da língua inglesa, que, como
observamos anteriormente, motivada pelos avanços na economia dos EUA, converte-
33
se em língua hegemônica nas relações internacionais. Conforme Fogaça e Gimenez
(2007, p.7),
a escolha da língua no currículo escolar também denotava a guinada do país
para o desenvolvimento industrial, com a introdução da língua inglesa como
LE majoritária nas escolas. O humanismo cedia lugar ao modelo de
desenvolvimento econômico do pós-guerra.
Essa influência já poderia ser sentida em âmbito nacional, pois estudar a língua
inglesa converte-se em meta para os membros das elites emergentes que dispunha
de condições para custear cursos em institutos particulares de idiomas, com o intuito
de progredir nos estudos e no exercício de atividades profissionais.
1.4
Segunda lei de diretrizes e bases da educação nacional
A Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, segunda Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá
outras providências. Ainda que tenha reduzido a oferta da disciplina de Língua
Estrangeira, não faz nenhuma referência em relação à oferta obrigatória do ensino de
língua estrangeira, tanto quanto a LDB de 1961 que a antecedeu. Essa ausência na
LDB/71 ignora, pois, a importância das Línguas Estrangeiras ao não incluí-las dentre
as disciplinas de oferta obrigatória, no currículo de 1º e 2º graus. É reformada a
LDB/61 e o ensino das Línguas Estrangeiras Modernas passa a ser apenas
recomendado.
O país vivia o período de ditadura militar, no qual a filosofia vigente dava pouca
importância às culturas estrangeiras expressadas pelas línguas. Na realidade, ao
adotar essa posição as ideias subjacentes estavam
sob a égide de um falso nacionalismo que alegava que a escola não deveria
se prestar a ser a porta de entrada de mecanismos de impregnação cultural
estrangeira e, através dessa influência, contribuir para o aumento da
dominação ideológica de sociedades estranhas à brasileira, consagrando,
com isso, um colonialismo cultural a serviço de interesses estrangeiros.
Predominante na década de 70, esse pensamento tomava o ensino de
línguas estrangeiras como um instrumento das classes favorecidas para
manter privilégios, impondo um domínio social, cultural, político e econômico.
(NICHOLLS, 2001, p.17)
34
Portanto, como se pode observar, a LDB de 1961 reduziu drasticamente a oferta
de Língua Estrangeira Moderna no currículo pleno do Ensino Médio e em relação à
LDB de 1971, o ensino passa a ser apenas recomendado quando houvesse
possibilidade de oferta. Nesses termos, o momento histórico ditatorial, vivenciado pela
sociedade brasileira, atribui aos militares [1964 – 1985] a condução das políticas
públicas, incluídas as educacionais, diretamente vinculadas ao cerceamento das
liberdades civis. Em nome de um falso nacionalismo, as gestões militares
praticamente eliminam as Línguas Estrangeiras Modernas dos currículos das escolas
públicas brasileiras, o que resulta consequentemente, numa total ausência de
políticas nacionais de ensino de Língua Estrangeira e na diminuição significativa da
carga horária dedicada à disciplina.
Em algumas instituições de ensino, as Línguas Estrangeiras Modernas
apresentam uma carga horária de apenas uma aula por semana e um status desigual
ao das disciplinas obrigatórias, pois dentre outros importantes aspectos pedagógicos
constitui-se um conhecimento que não dispunha da prerrogativa de poder aprovar ou
mesmo reprovar o discente ao final de um ano letivo (Paiva, 2003).
A avaliação do desempenho dos alunos limitava-se a aspectos gramaticais da
língua, desvinculados de uma prática comunicativa. Consequências dessas ações
podem ser verificadas, ainda, nos dias atuais, quando o ensino das Línguas
Estrangeiras Modernas continua apresentando uma diminuta importância no currículo
da escola, pois centra-se em aspectos linguísticos e metalinguísticos da Língua
Estrangeira em estudo, dessa forma, habilitando o discente a falar sobre a língua e
não a língua propriamente.
Como ocorreu com a LDB de 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1971, também deixa a cargo dos Conselhos Estaduais de Educação a
incumbência de decidir sobre a inclusão da disciplina de Língua Estrangeira, nos
currículos plenos do ensino de nível médio. (Paiva, op. cit.).
Originalmente, a segunda LDB não apresentou inovações quanto aos currículos
do ensino de primeiro e segundo graus. Inovações posteriores à sua sanção
ocorreram através da Resolução número 8 de 1º de dezembro de 1971, que fixou o
núcleo-comum a ser incluído obrigatoriamente nos currículos plenos do ensino de 1ª e
2º graus que abrangia as matérias: Comunicação e Expressão; Estudos Sociais e
Ciências. Em relação à Comunicação e Expressão a obrigatoriedade se restringia à
Língua Portuguesa e em relação às Línguas Estrangeiras Modernas é recomendada a
35
inclusão de uma disciplina a título de acréscimo. De acordo com a redação dada pelo
Artigo 7º, identificamos a recomendação “[...] que em Comunicação e Expressão, a
título de acréscimo, se inclua uma Língua Estrangeira Moderna, quando tenha o
estabelecimento condições para ministrá-la com eficiência”. (BRASIL, 1971, p.2).
O texto oficial cria a possibilidade de não valorizar a disciplina de Língua
Estrangeira ao minimizar sua importância, quando oferece de início uma ressalva
prévia para que sua inclusão no currículo escolar não ocorra, pois sua oferta é
vinculada às condições dos estabelecimentos de ensino, com total silenciamento
sobre quais condições se referia para que as aulas de Língua Estrangeira fossem
realizadas.
Posteriormente, o Parecer 853/71 de 12/11/1971 do Conselho Federal de
Educação, que define a doutrina de currículo, indica os conteúdos de núcleo comum;
apresenta o conceito de matéria; orienta suas formas de tratamento e integração,
indica os objetivos das áreas de estudo e os do processo educativo, remete-os ao
objetivo geral do ensino de 1o e 2o graus e aos fins da educação brasileira, traz
justificativa de indicação de inserção da disciplina de Língua Estrangeira como uma
simples recomendação quando afirma:
Não subestimamos a importância crescente que assumem os idiomas no
mundo de hoje, que se apequena, mas também não ignoramos a
circunstância de que, na maioria de nossas escolas, o seu ensino é feito sem
um mínimo de eficiência10. Para sublinhar aquela importância, indicamos
expressamente a “língua estrangeira moderna” e, para levar em conta esta
realidade, fizêmo-la (sic) a título de recomendação, não de obrigatoriedade, e
sob as condições de autenticidade que se impõem (BRASIL, 1971, p.2).
Paiva (2003) questiona sobre a conclusão a que chega o legislador ao afirmar
que o ensino de Língua Estrangeira é ineficaz na maioria das escolas, e não informa
em qual pesquisa ou fonte de informação é baseada sua assertiva; como também,
sobre “as condições de autenticidade que se impõem”, às quais o redator se referia,
pois, ao não qualificar o termo, não podemos identificar o que tenciona afirmar.
Curioso, ainda, é o que fica implícito no texto legal em relação aos objetivos propostos
pelo currículo escolar, quais sejam oportunizar ao alunado ler, entender e comunicar-
10
Expressão própria da concepção pedagógica tecnicista inspirada nos princípios de racionalidade,
produtividade e eficiência. Dando ênfase nos objetivos claramente definidos e na capacidade de
realização dos indivíduos. Esteve presente na educação brasileira durante o período ditatorial militar
que vigorou no país nos anos de1964 a 1985. Grifo nosso
36
se na Língua Estrangeira, uma vez que podemos inferir que as outras disciplinas
atingem seus objetivos, à exceção das Línguas Estrangeiras Modernas.
Em Leffa (1999, p.14), encontramos subsídios para entender que nessa época,
primeiro ano da década de 1970, houve a redução de um ano letivo no total da
escolaridade da educação básica. Isso se verifica, segundo o autor, na passagem da
LDB de 1961 – que manteve os quatro anos do ensino do Ciclo Ginasial do Ensino
Médio, ainda com a divisão entre Ginasial e Colegial de três anos de duração – para a
LDB DE 1971, quando o ensino é reduzido de 12 para 11 anos, momento em que foi
introduzido o 1º grau com oito anos e o segundo totalizando 3 anos. Essa medida
acarreta consistentes perdas no currículo das disciplinas de um modo geral e na de
Língua Estrangeira em particular, com um reflexo negativo no que se refere ao total
das horas de ensino. Salienta o autor que:
A redução de um ano de escolaridade e a necessidade de se introduzir a
habilitação profissional provocaram uma redução drástica nas horas de
ensino de língua estrangeira, agravada ainda por um parecer posterior do
Conselho Federal de que a língua estrangeira seria “dada por acréscimo”
dentro das condições de cada estabelecimento. Muitas escolas tiraram a
língua estrangeira do 1º grau, e no segundo grau, não ofereciam mais do que
uma hora por semana, às vezes durante apenas um ano, Inúmeros alunos,
principalmente do supletivo, passaram pelo 1º e 2º graus, sem nunca terem
visto uma língua estrangeira.
Posteriormente, a resolução nº 58 de 1º de dezembro de 1976, de algum modo,
recupera parcialmente o prestígio das Línguas Estrangeiras Modernas no currículo
escolar tornando-as obrigatórias no ensino de Segundo Grau. Encontramos no corpo
da referida resolução, no seu Artigo 1º: “O estudo de Língua Estrangeira Moderna
passa a fazer parte do núcleo comum, com obrigatoriedade para o ensino de 2º grau,
recomendando-se a sua inclusão nos currículos de 1º grau onde as condições o
indiquem e permitam”.
Interpretando o texto legal, podemos afirmar que ainda se mantém a mesma
diretriz do Parecer 853/ 1971: estabelece restrições à inserção do ensino de língua
estrangeira no nível de 1º grau, quais sejam, “às condições que indiquem e permitam
esse ensino”. Tais condições estão relacionadas com a disponibilidade de espaços
físicos disponíveis para abrigar salas de aulas que ofereçam condições mínimas de
funcionamento, material didático e equipamentos disponíveis e profissionais da
educação com formação específica em ensino de Língua Estrangeira.
37
1.5
A atual lei de diretrizes e bases da educação nacional
Conforme Paiva (2003), no mês de novembro de 1996, ocorre o primeiro
Encontro Nacional de Políticas de Ensino de Línguas (I ENPLE), promovido pela
Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB). Desse encontro surge a Carta
de Florianópolis que, dentre outras medidas, propõe um plano emergencial para o
ensino de línguas no Brasil. Na abertura do documento, como nos informa (Paiva, op.
cit.), é proposto que todo brasileiro tem direito à plena cidadania, nas condições
sociais das comunidades civilizadas; o que inclui o direito à aprendizagem de Línguas
Estrangeiras. Isto se dá, com a elaboração de um plano emergencial de ação para
garantir ao aluno o contato e estudo de Língua Estrangeira, no intuito de proporcionarlhe não apenas uma aprendizagem com objetivos instrumentais, mas, sobretudo que
integre sua formação geral.
Nesse contexto, o documento supracitado, foi enviado às autoridades
educacionais do país e um mês depois, em dezembro de 1996, foi promulgada a Lei
9.394 de 20 de dezembro de 1996, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB, que torna o ensino de Língua Estrangeira Moderna obrigatório, a
partir do sexto ano do ensino fundamental11. Encontramos no Artigo 26, § 5º que
Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir de
quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja
escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da
instituição. (BRASIL, 1996, p.90)
Em relação ao Ensino Médio a LDB, no seu Artigo 36, inciso III, inova quando
estabelece que:
Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das possibilidades da instituição (BRASIL, 1996, p.107)
Pelo modo destacado como as Línguas Estrangeiras foram tratadas na LDB de
1996, aparentemente, víamos, pela primeira vez, na legislação nacional, legitimada
sua importância. No entanto, conforme veremos mais adiante, quando tratarmos dos
O sexto ano do Ensino Fundamental corresponde à quinta série do mesmo nível de ensino – antes
do ensino de 9 anos –, nomenclatura anterior à promulgação da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
11
38
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira para o Ensino Fundamental
(PCNEF), publicados pelo MEC em 1998, sua importância continua minimizada, quer
seja por ser considerada como algo pouco relevante ou deslocada dos projetos
pedagógicos, por algumas ações governamentais e interpretações advindas do texto
da própria LDB.
A referida Lei introduz a organização do ensino em dois níveis distintos:
educação básica e educação superior. A educação básica passa a ser composta pela
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Este último, foco de nosso
interesse, tem, entre as suas finalidades, a consolidação e aprofundamento dos
conhecimentos desenvolvidos no Ensino Fundamental, possibilitando ao alunado o
prosseguimento de estudos.
A denominação Ensino Médio, já havia sido consagrada na Lei 4.024/1961 e a
Constituição Federal restabeleceu esta expressão:
A nomenclatura reflete a posição tópica deste nível de ensino: [...] ao
restabelecer o nome, a LDB não pretende restabelecer a compreensão, haja
vista que já define como etapa final de educação básica12. Pretende, desta
forma, resgatar-lhe a identidade perdida. E o faz, definindo, claramente, as
funções: i) consolidar conhecimentos anteriormente adquiridos; ii) preparar o
cidadão produtivo; iii) implementar a autonomia intelectual e a formação ética;
e, ainda, iv) contextualizar os conhecimentos. (CARNEIRO, 2000, p.105)
No passado, a não observância desta natureza de passagem do Ensino
Fundamental para o ensino de nível médio retirou-lhe a essência educativa como
processo de aprendizagem em construção. Observamos que prevaleceu a ideia de
ciclo preparatório de estudos para ingresso na universidade. Desse modo, é instituída
uma nova identidade ao Ensino Médio, pois passa por uma visão que ultrapassa a
ambiguidade entre ensino acadêmico e profissionalização e que objetiva a educação
integral e formação geral do educando.
Assim, não se trata de Ensino Médio propedêutico, Ensino Médio de formação
geral, Ensino Médio profissionalizante, ou outras expressões que desfiguram a sua
real compreensão. Trata-se de um nível de ensino que propicie a formação integral do
aluno para sua vida em sociedade, seu aprimoramento como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico e sua preparação básica para o trabalho e a cidadania, para que o
12
Grifo do Autor
39
mesmo continue aprendendo, de modo a ser capaz de se adequar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
Nesses termos, convém destacar que a escola, em tese, deve oferecer
condições reais para a preparação do educando a níveis mais elevados do
conhecimento, oferecer-lhe acesso a conteúdos contextualizados, assegurar relações
entre conhecimento produzido e a realidade social em que os atores sociais atuam,
estimular o protagonismo do aluno e sua autonomia intelectual, no intuito de
compreender e refletir sobre a lógica do capital, tendo como interesse central a
sobrevivência da própria sociedade. Nesta perspectiva,
[...] a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida
o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só fornecer uma
alternativa emancipadora radical. Uma das funções principais da educação
formal nas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto
for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites
institucionalizados e legalmente sancionados. Esperar da sociedade
mercantilizada uma sanção ativa – ou mesmo mera tolerância – de um
mandato que estimule as instituições de educação formal a abraçar
plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de
romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana, seria
um milagre monumental. É por isso que, também no âmbito educacional, as
soluções “não podem ser formais; elas devem ser essenciais”13. Em outras
palavras, eles (sic) devem abarcar a totalidade das práticas educacionais da
sociedade estabelecida. (MÉSZÁROS, 2005, p.45)
Desse modo, as soluções educacionais formais, mesmo algumas das mais
destacadas, regulamentadas pela lei se estabelecem a partir das determinações da
lógica capitalista permanecendo intactas, como modelo de referências norteadoras da
sociedade vigente. No entanto, a própria pedagogia pode realizar o rompimento da
lógica do capital, podendo se dar dentro de uma posição contrária que vise às
mudanças necessárias aos sujeitos sociais.
Em Gramsci (1981), encontramos que toda relação de hegemonia é
necessariamente uma relação pedagógica. A educação formal e, particularmente, a
escola, transforma-se em verdadeiro instrumento de hegemonia, uma vez que a ela é
concedido o poder de colocar-se, de modo sistemático, como uma instituição
articuladora de uma concepção de mundo, pré-estabelecida pelo capital. Gramsci,
tecendo essa crítica á escola, acrescenta que ela (a escola) tanto pode reproduzir as
ideias da sociedade capitalista, quanto empreender uma educação que vá de
encontro ao que a realidade estabelece como irrefutável e realizar uma escolha por
13
Grifos do Autor
40
uma educação transformadora. Seguindo esse raciocínio, tanto a classe que domina
pode assenhorear-se da instituição escolar, como a classe dominada pode, pela via
de uma educação emancipadora difundir a sua concepção e libertar a escola do jugo
do Capital.
O referido teórico é o estudioso que atribui à escola essa dupla tarefa de
conservar ou de corroer estrategicamente as estruturas capitalistas. Das múltiplas
contribuições de Gramsci ao mundo ocidental, essas acima referidas, concederam a
possibilidade de pensar a educação sob um novo prisma e possibilitaram o
aparecimento de propostas que, reconhecendo que a educação pode exercer tanto a
função de reprodutora, quanto a transformadora, a concebem como uma instituição
em sintonia com a sociedade, determinada, mas com poderes de intervir, podendo
tornar-se instrumento de luta na condução da transformação das estruturas sociais.
O consenso ou a adesão espontânea a um projeto societário é, de acordo com
Gramsci, o modo próprio como o capitalismo vem ganhando a disputa hegemônica
nas sociedades contemporâneas.
Gramsci não apresentou
nenhuma proposta, mas
levantou
questões
instigantes que deram lugar a discussões a respeito, o que fez surgirem novas
teorizações e, consequentemente, novas propostas que vieram contribuir para que se
pensasse numa escola mais crítica.
As propostas intituladas progressistas14 têm sua fundamentação na teoria
marxiana da história e concebem o homem como um ser concreto, social,
historicamente determinado. A estrutura social é concebida como um sistema
dinâmico, edificado por classes sociais de interesses contraditórios, motivo pelo qual
é alvo de conflitos e transformações, no curso de sua existência.
Nessa perspectiva, é importante situar a posição do educador na sociedade,
pois pode contribuir para manter a opressão ou se colocar em contraposição a ela. Se
o educador é um trabalhador em educação, parece coerente que este seja aliado das
14
A designação progressista, emprestada de Snyders (1974), é usada para referirem-se as tendências
que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades
sociopolítica da educação. Está claro que a pedagogia progressista não pode institucionalizar-se em
uma sociedade capitalista como a nossa; o que resulta ser ela um instrumento de luta dos profissionais
da educação em concomitância com outras práticas sociais. A pedagogia progressista é composta das
tendências libertadora, também conhecida como pedagogia de Paulo Freire; a libertária, que advoga a
autogestão pedagógica, tendo como seu principal representante o teórico Miguel Arroyo; a critico-social
dos conteúdos, que tem na pessoa de José Carlos Libâneo seu principal defensor e a tendência
histórico-crítica, por Saviani, que enfatiza a primazia dos conteúdos em confronto com as realidades
sociais.
41
lutas dos trabalhadores enquanto classe, visto que as suas conquistas sociais,
aparentemente mais imediatas, também dependem de vitórias maiores no campo
social.
Portanto, é coerente que a posição do educador seja em favor das classes
menos favorecidas, motivada por uma identidade de classe. Desse modo, o educador
tem importante função como intelectual comprometido com a transformação do seu
meio social.
Entender bem a realidade concreta parece ser o primeiro passo no desafio da
construção de uma nova perspectiva social que se apresenta para educação
brasileira. Tal entendimento é fundamental no tocante ao ensino de Línguas
Estrangeiras Modernas, no momento em que ocorrem as recentes reformas
educacionais da década de 90, do século XX, quando a educação nacional
recepciona a LDB de 1996 que lhe dá sustentação.
Este componente curricular passa a ter status de disciplina de oferta obrigatória
no currículo escolar e conhecimento tão importante como qualquer outro, ainda que o
tempo dedicado a sua aquisição, de um modo geral, não tenha sido ampliado,
conforme indicamos na Tabela 3, páginas 32.
Na atualidade, essa demanda se apresenta com uma dimensão ainda maior,
uma vez que o desenvolvimento científico-tecnológico de uma nação pode ser medido
pela quantidade e qualidade das informações que circulam nessa sociedade, que faz
parte de uma comunidade ainda maior e internacionalizada. Para o acesso e
comunicação dessas informações, o conhecimento tão somente da língua-materna
não é suficiente, pois se exige o domínio de pelo menos uma Língua Estrangeira que
na educação nacional deve ser incluída durante o curso da educação básica.
De um modo geral, no tocante à ampliação do tempo dedicado aos estudos na
educação formal, nos níveis fundamental e médio, ocorrem alterações significativas
em relação à carga horária mínima anual que passa a ser de 800 horas, distribuídas
em 200 dias letivos, no mínimo, representando um significativo avanço, quando se
compara à legislação anterior que lhes atribuía a denominação de Ensino de Primeiro
e Segundo Graus e determinava uma carga horária mínima anual de 720 horas e ano
letivo com duração mínima de 180 dias15de atividades escolares.
15
Organização do ensino, em relação à duração, nas Disposições Normativas das Leis de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1971 e 1996.
42
A partir de então, conforme a LDB/1996, no Ensino Médio16 – objetivou-se uma
satisfatória preparação dos educandos, para sua vida em sociedade, na produção de
sua existência e, dentre outras finalidades, a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, para possibilitar o prosseguimento
de estudos.
O questionamento que levantamos diz respeito a entender como esses
objetivos e finalidades podem concretizar-se, a partir do que reza o inciso I do Artigo
4º da Lei, onde encontramos que o dever do Estado com a educação escolar pública,
limita-se à garantia do Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
aqueles que a ele não tiveram acesso na idade própria. Ao Ensino Médio, de acordo
com o que rezava originariamente o inciso II do referido artigo, era atribuída a
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade17. Como podemos
compreender o referido inciso, em relação à obrigatoriedade do Ensino Médio, tratava
apenas de uma expectativa de direito. Recentemente, com a promulgação da Lei nº
12.061, de 27 de outubro de 2009, que altera a letra do inciso supracitado, o dever do
Estado, com esse nível de escolaridade, passa a ter a seguinte redação: “inciso II –
universalização do ensino médio gratuito”. A própria Lei nos esclarece que o termo
“universalização” refere-se à condição de assegurar o direito de acesso de todos os
interessados ao Ensino Médio público.
A recente universalização se configura como uma obrigatoriedade do poder
público em ofertar o Ensino Médio gratuito e de qualidade. Consequentemente, sendo
de oferta obrigatória, o referido nível de escolaridade, a exemplo do Ensino
Fundamental, converte-se em um direito público subjetivo18.
Nesses termos, compreendemos que,
o atraso de um século, pelo menos, na universalização da escola básica é um
dos indicadores do perfil anacrônico e opaco das nossas elites e um elemento
cultural que potencia o descompasso do discurso da “modernidade” e defesa
da educação básica de qualidade, da ação efetiva destas elites. (FRIGOTO,
2003, p.158)
16
Nível de escolaridade correspondente à segunda e última etapa da educação básica, com duração
mínina de três anos e equivalente aos 10º, 11º e 12º anos da educação escolar.
17
Grifo Nosso
18
Este direito público subjetivo pode ser entendido como explicitado no §2º do Art.208 da Constituição
Federal de 1988, que transcrevemos na íntegra: §2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
43
É ainda no corpo da LDB que vamos encontrar subsídios para o entendimento
das recentes reformas educacionais. No tocante à Organização da Educação
Nacional, nos deteremos na observância do que estabelece o Art. 9º, Inciso IV, onde
encontramos que é incumbência da União, em colaboração com os Estados, o Distrito
Federal, e os Municípios, o estabelecimento de competências e diretrizes para a
educação infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os
currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.
O MEC, como havia ocorrido com os outros níveis de ensino, fomentou
propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do Ensino
Médio. Esses escopos teóricos foram preparados pela Secretaria de Educação Média
e Tecnológica/SEMTEC, para serem apreciados e deliberados pela Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação/CNE.
Assim, tomada esta providência, como resultado, surge o Parecer nº CEB
15/98, com aprovação em 01 de junho de 1998, e a Resolução CEB 03 de 26 de
junho de 1998, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM).
As referidas DCNEM são, em sua totalidade, um compacto de “definições
doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem rigorosamente
observados na organização pedagógica e curricular” de cada escola. Os princípios
que norteiam esta organização são os que transcrevemos:
1. A estética da sensibilidade: procura substituir a estética da repetição e da
padronização, incentivando o aprender criativo, a função humana da
curiosidade, o desenvolvimento da afetividade e “as formas lúdicas e
alegóricas de conhecer o mundo”.
2. A política da igualdade: busca, a partir do respeito aos direitos humanos,
desenvolver o princípio constitucional da igualdade no acesso aos bens
sociais e culturais, no respeito ao patrimônio comum, no encorpamento
do espírito de responsabilidade tanto na area pública como no mundo das
relações privadas e na intolerância com todas as formas de
descriminação.
3. A estética da identidade: procura ultrapassar as dicotomias entre público
e privado, entre mundo moral e material, praticando um humanismo
permeável de elementos de solidariedade, espírito público e
reciprocidade, qualidades que devem cimentar as ações da vida
cotidiana, profissional, social, civil. Enquanto fundamento educativo, esta
ética não se preocupa em “enquadrar” os alunos em modelos
preestabelecidos de conduta social.
44
No tocante às Línguas Estrangeiras, incluídas na área de conhecimento das
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, as DCNEM enfatizam que o seu ensino
deve limitar-se ao objetivo de constituição de competências e habilidades que
permitam ao educando conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como
instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais, sem, no
entanto, apontar para a promoção do desenvolvimento do educando no que diz
respeito a sua atuação como ser político, no meio social em que vivencia suas
experiências e detentor de conhecimentos adquiridos também em seu entorno social.
Incluídas dentre as disciplinas que compõem a parte diversificada do currículo
do Ensino Médio, as Línguas Estrangeiras Modernas, tanto a obrigatória quanto as
optativas, terão sua carga horária limitada ao percentual de 25% do total da carga
mínima anual de 2.400 horas, estabelecido por lei, como carga horária para todo o
Ensino Médio. Quanto à preparação básica para o trabalho,
deve estar organicamente integrada tanto à base nacional comum quanto à
parte diversificada do currículo, ao mesmo tempo em que os conhecimentos
associados à realidade do mundo do trabalho devem ser básicos a quaisquer
atividades produtivas (RAMOS, 2006, p.139).
Assim, segundo as DCNEM, objetivando-se o êxito desse processo, o Ensino
Médio, além da preparação básica para o trabalho, incorpora os conceitos de
interdisciplinaridade e contextualização, que devem constituir uma espécie de eixo
norteador da prática pedagógica e didática a dar forma aos objetivos desse nível de
escolaridade.
1.6
Os Parâmetros Curriculares Nacionais
Para assegurar o desdobramento do texto das Diretrizes Curriculares
Nacionais e o cumprimento da atual LDB, foram elaborados, nas dependências do
Ministério da Educação e do Desporto (MEC), decretos, pareceres, medidas
provisórias, portarias, resoluções, e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental e Médio, (doravante PCN), sem a participação efetiva dos
docentes da área, sujeitos conhecedores das necessidades próprias de uma sala de
aula desses níveis de ensino. A não inclusão dos profissionais e da sociedade
45
brasileira no debate da reforma curricular e propostas que os PCN deveriam
apresentar, deve-se ao fato de que a equipe técnica responsável, do MEC,
determinou que fosse desenvolvido posteriormente um programa especial para este
fim.
Assim, no intuito de promover a divulgação dos princípios da reforma curricular
nas escolas públicas brasileiras e efetivar discussões em torno das formas de
concretização das propostas que os PCN apresentavam para serem trabalhadas em
sala de aula, o MEC desenvolveu o programa que ficou conhecido pela denominação
Parâmetros em Ação, introduzido nas escolas públicas de todo o país por meio de
equipes técnicas federais e estaduais, para o ensino fundamental e médio
respectivamente e treinadas, pela Secretaria de Ensino Fundamental e Secretaria de
Educação Média e Tecnológica.
Esses documentos oficiais foram concebidos para orientar os professores no
tocante às práticas e conteúdos que deveriam ser desenvolvidos em sala de aula nas
escolas de todo o país. No entanto, são levados aos professores, para serem
seguidos à risca. As escolas não discutem nem avaliam. E se isso alguma vez já foi
feito por algum conjunto de docentes, não gerou nenhuma reformulação. Ou seja,
segue-se uma determinação de gabinete; não se analisa uma proposta.
Cronologicamente, o primeiro mandato do então presidente da República
Fernando Henrique Cardoso (FHC) apresenta-se como o contexto de formulação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (PCNEF), e no
segundo mandato compreendido entre os anos de 1999 a 2002, foi formulado outro
documento tendo como meta a reforma do Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Nesse contexto, as Línguas Estrangeiras
Modernas são contempladas como conhecimento indispensável à formação do
educando no rol das transformações propostas para a educação nacional.
Conforme Falleiros (2005), a elaboração dos PCN contou com a assessoria
técnica de César Coll, principal ideólogo da reforma educacional espanhola. A
importação do modelo de reforma curricular implantada na Espanha, para o contexto
educacional brasileiro, ocorreu sem que houvesse consistente discussão sobre as
implicações e adequações à realidade dos sistemas de ensino e das instituições
escolares de educação básica do país. A implantação desse modelo de orientação
eurocêntrica propõe mudar o país através de transformações profundas na educação
básica, sendo os PCN o embrião das transformações que se deseja que ocorram na
46
sociedade brasileira. Mas, pergunta-se: em que direção se realizará estas
transformações?
Assim sendo, os PCNEM para Língua Estrangeira, objeto de nossa pesquisa,
originaram-se a partir das recentes reformas19 da educação brasileira, iniciadas na
década de 1990. Nesses termos,
Se fizermos uma incursão pela história da educação brasileira – da chegada
dos jesuítas ao momento atual – constataremos que ela sempre esteve
direcionada para atender aos interesses da classe dominante. Malgrado
diversos movimentos reivindicatórios pelo direito de acesso à escola e por
uma educação de qualidade para as classes populares, as diversas reformas
no sistema educacional brasileiro acabam sempre direcionadas para
contemplar os interesses da elite, no poder. (CAVALCANTE, 2007, p.12).
Esse estágio ainda pode ser verificado, sem grandes alterações no contexto
mais recente da educação nacional, onde observamos que houve alguns esforços em
traduzir nos documentos oficiais alguns avanços, como por exemplo, em relação ao
ELE, mas os próprios PCNEF elitizam a importância do ensino das Línguas
Estrangeiras quando não enfatizam o ensino das habilidades orais, afirmando que
“somente uma pequena parcela da população tem oportunidade de usar línguas
estrangeiras como instrumento de comunicação oral” (BRASIL, 1998, p.20). O texto
legal reproduz os preconceitos contra as classes desfavorecidas ao argumentar a
favor de se enfocar apenas o ensino da leitura em detrimento das outras habilidades.
O documento oficial afirma ainda,
Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal,
e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu próprio contexto
social imediato [...].
Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da
maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas,
pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores,
material didático reduzido ao giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o
ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim, o foco na leitura pode
ser justificado em termos da função social das Les no país e também em
termos dos objetivos realizáveis tendo em vista condições existentes.
(BRASIL, 1998, p.20)
“As reformas educacionais brasileiras, já implementadas, ou em processo de implantação visam, do
ponto de vista técnico, à formação de um homem empreendedor e, do ponto de vista ético-político, à
formação de um homem colaborador, características essenciais do intelectual urbano na atualidade,
nos marcos da hegemonia burguesa. Esse intelectual urbano de novo tipo a ser formado pelo sistema
educacional sob a hegemonia burguesa na atualidade deverá apresentar uma capacitação técnica, que
implique uma maior submissão da escola aos interesses e necessidades empresariais e uma nova
capacidade dirigente, com vistas a “humanizar” as relações de exploração e de dominação vigentes”
(NEVES, 2005, p.105)
19
47
Importante salientarmos que, o referido documento oficial deveria propor ações
que viabilizassem mudanças na realidade observada, propondo políticas públicas de
qualificação profissional dos atores sociais envolvidos na melhoria do ensino e não
apenas constatasse problemas e se acomodasse a eles. Uma vez que os PCNEF,
além de deixar de lado a importância das habilidades oral e escrita e de não
considerar os avanços provocados pela utilização dos recursos da informática, com a
virtualização das informações, retoma o antigo argumento do parecer 853 de, 12 de
novembro de 1971.
A justificativa pela opção do enfoque na habilidade da leitura advém da
generalização sobre a inoperância do sistema educacional, como se as precariedades
encontradas nas escolas e a deficiente formação continuada dos professores, que
não
atendem
às
exigências
pedagógicas
da
modernidade,
fosse
uma
responsabilidade da qual as autoridades que conduzem o rumo da educação no país,
estão isentas.
Formação de professor, superlotação de salas de aula, deficiência de material
didático, são falhas das quais as instituições se ausentam. É um olhar exterior, como
de um pai que constata problemas na educação dos filhos e os condena, como se
não tivesse o dever de educá-los e protegê-los.
Desse modo, negando-se a responsabilidade, nega-se a todos o direito à
educação, pois o referido direito encontra-se constitucionalmente assegurado, através
do Artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, p.118)
Entendemos que, para que os alunos estejam preparados para o exercício da
cidadania e alcancem a necessária qualificação para o trabalho, acima referendados,
os PCNEF deveriam incluir no tocante ao ELE o conhecimento de Língua Estrangeira
não apenas para a leitura de livro e documentos, mas também para a interação com
usuários da língua na modalidade oral e/ou escrita. Diante da presença constante de
Línguas Estrangeiras nos meios de comunicação, utilizados nas diversas situações da
vida social e em distintas instituições que compõem a sociedade, o ensino de outras
línguas não pode ser reservado a uma pequena parcela da sociedade, pois “a
educação é direito de todos e dever do Estado”.
48
Assim sendo, observamos ainda que,
a política nacional para o ensino de LE se limita à aprovação da legislação e
à publicação dos PCNs, pois esses textos não são acompanhados de ações
efetivas para valorizar o ensino de línguas. A ausência de preocupação com o
ensino de LE é refletida ainda em outras decisões políticas, tais como a não
distribuição de livros didáticos para o ensino de LE pelo MEC, e a exclusão
da avaliação desse conteúdo nos exames nacionais criados após a LDB de
1996 (PAIVA, 2003, p.98).
A diminuta valorização do ensino de línguas na educação básica pode ser
medida pela falta de preocupação em dotar os sistemas de ensino e as instituições
escolares públicas de condições mínimas de funcionamento. Isso pode ser verificado
nas escolas pela falta de laboratórios de línguas; inadequação entre o número de
alunos em sala de aula por professor da disciplina; falta de material didático, ausência
de oferta pública de livro didático da disciplina de Língua Estrangeira Moderna e de
recursos materiais mínimos para o desenvolvimento de atividades pedagógicas. Tais
deficiências acordam com uma ideologia da aquisição de Língua Estrangeira como
um artigo de luxo, privilégio de uma minoria que pode ter acesso a cursos em
Institutos de Línguas. Comprovando essa realidade educacional,
[...] pode-se entrever uma ideologia elitista, discriminatória, preconceituosa na
organização dos currículos, particularmente da escola pública, que leva à
exclusão considerável parcela da população escolar do acesso a algo que
deveria ser, sem dúvida, componente importante da educação. De fato, tudo
isso reflete o alheamento daqueles responsáveis pelo planejamento escolar e
execução do ensino, que relegam à língua estrangeira à condição (sic) de
Cinderela nos currículos da escola pública brasileira. (CELANI, 1996, p.210)
No âmbito do Ensino Médio, esse afastamento provoca deficiências de acesso
à aprendizagem desse importante componente curricular que se estendem do início à
conclusão do curso. Desse modo, a disciplina de Língua Estrangeira tem um
tratamento diferenciado das outras no currículo escolar, tanto pela falta de valorização
e condição precária de ensino, quanto no tocante à avaliação da aprendizagem dos
conteúdos desenvolvidos ao longo desse nível de escolaridade. Nesses termos,
também em âmbito nacional, a disciplina torna-se um componente curricular à
margem do processo de avaliação da formação do discente, porque o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo, até o momento atual, não avalia
nenhuma Língua Estrangeira.
49
De acordo com os PCNEM, no rol das diretrizes curriculares a serem
implantadas, a disciplina de Língua Estrangeira passa a fazer parte integrante da
grande área das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e o seu ensino
fundamentado na abordagem comunicativa de ensino de Línguas Estrangeiras
Modernas, porque é de “fundamental importância conceber-se o ensino de um idioma
estrangeiro objetivando a comunicação real” (BRASIL, 2002, p.152)
Segundo Silveira (1999), a abordagem comunicativa de ensino de Línguas
Estrangeiras advém da revolução causada na Linguística pelas ideias do norteamericano Noam Chomsky, pois, foi a partir das noções de competência e
desempenho20 – que fazem parte da teorização do referido linguista – que novos
enfoques e construtos foram se impondo na Linguística Geral e na Linguística
Aplicada.
Cronologicamente, foi a partir da década de 1970 que começou a surgir um
interesse maior relacionados aos aspectos sociais da linguagem humana e, no início
dessa década Dell Hymes manifesta sua reação à noção de competência de
Chomsky, levantando críticas a não consideração justamente dos aspectos sociais
inerentes à linguagem. Nesses termos, Hymes (1972) propõe o conceito de
competência comunicativa, que segundo o referido teórico é o conhecimento (prático
e não necessariamente explicitado) das regras psicológicas, culturais e sociais que
comandam a utilização da fala num quadro social. Cumpre ressaltar que o referido
conceito não exclui o de competência linguística, baseado no conhecimento
gramatical, porém este é insuficiente à hora das interações sociais.
Assim sendo, a abordagem comunicativa concebe a língua como elemento
destinado à realização das interações sociais. Para tanto, se necessita desenvolver
uma competência comunicativa que envolva o conhecimento lexical, o gramatical e o
conhecimento do uso da língua em situações sociais. Desse modo, para que uma
pessoa possa comunicar-se com eficiência, os conhecimentos do léxico e da
gramática são importantes, mas não suficientes, pois, faltará o componente
indispensável que é o das regras de uso social da língua.
No que diz respeito à Concepção de Aprendizagem, advoga-se na abordagem
comunicativa que a aprendizagem de língua é um processo ativo e ocorre pela
interação de componentes cognitivos (internos, mentalísticos) e sociais (externos).
20
Segundo o Modelo Gerativa de Noam Chomsky a Competência é o conhecimento que o falante tem
da gramática de sua língua e o Desempenho é o uso desse conhecimento.
50
Nessa perspectiva, a abordagem cognitiva21 tem muito em comum com a abordagem
comunicativa.
Assim, ao aluno cabe utilizar suas estratégias de aprendizagem no curso das
atividades propostas e edificar seus conhecimentos por meio da interação com seus
pares em sala de aula e com o professor. O discente é concebido como um
comunicador e, assim sendo, participa do processo dialógico, devendo negociar
sentidos nas atividades de interlocução postas em sala de aula.
Em sua concepção de ensino, a abordagem comunicativa rejeita a figura
tradicional do professor, que, detentor do conhecimento e preocupado em transmitir
conteúdos temáticos da disciplina estabelece uma relação assimétrica em sala de
aula entre ele e seus alunos.
De acordo com Silveira (1999), no que se refere à concepção das relações
pedagógicas, a abordagem comunicativa dá um enfoque especial à habilidade textual
e discursiva. Desse modo, em sala de aula deve-se dar ênfase às atividades de
leitura e de escrita em que sejam enfocadas a coesão e coerência entre enunciados,
fazendo uso de estratégias de inferência e de outras práticas que promovam o
desenvolvimento da competência textual/discursiva.
Diante da opção pela abordagem comunicativa do ensino de língua estrangeira
moderna presente nos PCNEM, cumpre ressaltar que, tanto a Constituição Federal
em seu Artigo 206 inciso III quanto a LDB no Artigo 3º inciso III, enfatizam, dentre
outros aspectos, que o ensino será ministrado com base no princípio da pluralidade
de ideias e de concepções pedagógicas.
Assim sendo, pode-se perceber as contradições entre o poder público,
representado pelo legislador que reconhece e enfatiza a possibilidade de distintas
práticas pedagógicas, e dos membros da academia, a quem o governo encomenda os
textos, que indicam uma determinada prática pedagógica, no caso específico da
disciplina de Língua Estrangeira no Ensino Médio, a do ensino para a comunicação.
Ora, a abordagem comunicativa, embora se refira ao uso social da língua, é
uma escolha de enfoque de ensino que exclui a realidade. Logo, não admite a
pluralidade de sentidos sobre o meio social em que o aluno se insere. No caso,
21
Na Abordagem Cognitiva a língua é considerada nos seus aspectos mentalísticos, assim, sua
aquisição é recepcionada como um processo cognitivo contínuo, no qual o aprendiz vai internalizando
as regras da língua, a que está sendo exposto, por meio do contato e da organização dos elementos
linguísticos. Desse modo, a aprendizagem é considerada como um processo de conquista do próprio
indivíduo, em que atividades de natureza cognitiva individualizada por um lado, e as de socialização
por outro, conduzem à aquisição e ao desempenho linguísticos.
51
também não reflete sobre as sociedades das Línguas Estrangeiras e as relações que
se podem estabelecer entre estas últimas e o sistema social brasileiro.
A língua, na abordagem comunicativa é pensada como transparente, com
sentido único, pré-estabelecido, prestando-se a uma comunicação direta, sem falhas,
sem lapsos, sem ambiguidades. A interação a que essa abordagem se refere se dá
apenas no sentido de que a comunicação de um locutor será plenamente entendida
pelo interlocutor, num caminho único.
Dessa forma, os PCNEM preceituam que o aluno, ao concluir o ciclo da
educação básica, tenha desenvolvido um conhecimento comunicativo 22, que lhe
garanta contato e acesso a distintas culturas e sociedades, mas não à condição de
avaliar e refletir a respeito da cultura que as Línguas Estrangeiras trazem para a
sociedade brasileira e as influências que nos afetam.
Assim sendo, podemos afirmar que, para um indivíduo possuir competência
comunicativa em uma dada língua estrangeira, além de ser necessário que ele
desenvolva um bom domínio de cada um dos seus componentes (gramatical, cultural,
estratégico e discursivo), faz-se mister que o ensino de Língua Estrangeira envolva o
desvelamento da ideologia estrangeira que poderá afetar e desvirtuar a cultura
brasileira.
O trabalho com Língua Estrangeira nas escolas, se pensado pela via
discursiva23, possibilitará ao aluno tomar consciência de que a língua não serve
unicamente como instrumento para comunicação; veicula também, posições políticas
e ideológicas na sociedade de classes da qual faz parte e que permitirá ao mesmo
aproximar-se de várias culturas, pondo em marcha um projeto social da educação
linguística, qual seja, a promoção do diálogo intercultural entre os membros dos
países no contexto mundial, estimulando o respeito às identidades culturais,
fomentando a socialização dos conhecimentos produzidos e propiciando ao discente
sua integração num mundo globalizado, como sujeito consciente e capaz de avaliar o
que lhe é ensinado. Entretanto, verdadeiramente, esta prática pedagógica não ocorre,
uma vez que ao aluno do Ensino Médio é ofertado um ensino de Língua Estrangeira
Conhecimento comunicativo do aluno, entendido aqui como competência comunicativa – isto é, o
conhecimento [prático e não necessariamente explicitado] das regras psicológicas, culturais e sociais
que comandam a utilização da fala num quadro social.– pode ser compreendido como parte de um
desenvolvimento social e pessoal mais amplo ( HYMES, 1972 APUD ESPINET, 1997), mas no que se
refere à adequação do ensino/aprendizagem da Língua Estrangeira Moderna às determinações sociais.
23
Concepção com base na teoria da AD, que visa a um processo de produção de sentidos múltiplos, a
partir de uma visão de linguagem como opaca, na relação entre o que se diz e o que não está dito.
22
52
enfocado em temas gramaticais, que o habilita a conhecer parte das estruturas da
língua, mas nem o possibilita, ao menos, a comunicar-se na língua-alvo. Porque, se
assim o fosse, a real globalização deveria ser um processo facilitador de socialização,
de ampliação das perspectivas transformadoras do ser humano e não mais um
elemento de dominação econômico-cultural e de exclusão social, Silveira (1999).
Nesses termos, no século XX, presenciamos o surgimento do fenômeno da
globalização, que pode ser entendido como o processo de integração entre as
economias e sociedades dos vários países e continentes, especialmente no que se
refere à produção de mercadorias, serviços e aos mercados financeiros. Suas
práticas surgem em consonância com o neoliberalismo que tem no mercado seus
meios regulatórios. Nessa perspectiva, o discurso da globalização, no que se refere
ao ensino de línguas estrangeiras,
[...] passa a justificar, de modo contundente, as escolhas das línguas nas
escolas, sem que haja, necessariamente, mudanças na metodologia
proposta. A língua inglesa, como língua franca, assume caráter
universalizante e se apresenta como requisito essencial no mercado de
trabalho, que valoriza competências (FOGAÇA E GIMENEZ, 2007, p.169).
O ideário da globalização (e as decorrentes políticas econômicas) que se
difundiu atrelado ao discurso neoliberal – veiculado por instituições internacionais
como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) – é
disseminador de um discurso do pragmatismo, pois exige de todos os membros
participantes da sociedade em geral e do sistema educacional em particular, seu
ajuste às demandas do mercado em constante mutação.
O Neoliberalismo, segundo indica Frigoto, (2005), surge nas décadas de 19701980 nos países do chamado capitalismo central, integrado em sua gênese pela
Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte. Tal ideário aportou na América
Latina, ainda na década de 1970, tendo o Chile como o primeiro país a vivenciar a
experiência neoliberal no contexto do governo ditatorial do General Augusto Pinochet.
Nos outros países do continente, sua disseminação deu-se através das recentes
democracias que tinham no voto direto a aprovação das decisões governamentais.
Desse modo, como nos adverte Cavalcante (2007, p.60), nessa perspectiva, seus
[...] tentáculos se estendem por todo o globo rearticulando, mesclando,
confundindo povos, culturas, significados; controlando políticas econômicas,
meios de comunicação, sistemas de ensino; paralisando e desqualificando
toda e qualquer iniciativa que se oponha à sua lógica.
53
As sociedades capitalistas têm seu sistema econômico-social baseado na
propriedade privada dos meios de produção e na organização desta visando
sobremaneira o lucro – vantagem ou benefício que se obtém de algo –, no emprego
do trabalho assalariado e no funcionamento do sistema de preços. Nesse sentido,
devemos considerar, também, a influência dos referidos organismos internacionais –
FMI e o BM –, financiadores potenciais da educação nacional Fogaça e Gimenez
(2007).
Dessa forma, seguindo o mesmo raciocínio, aos indivíduos são impostas ações
de adequação que coadunem com o ideário que defende a liberdade de mercado e
restringe a intervenção estatal sobre economia, tornando a educação mais uma
mercadoria e um setor de poderosa demanda de aferição de lucros.
Nesses termos, a necessidade de estudo de Língua Estrangeira no Ensino
Médio para a interlocução entre os participantes do discurso, como sendo parte
integrante da formação geral dos alunos, se apresenta com uma dimensão ainda
maior, uma vez que o desenvolvimento do conhecimento científico-tecnológico de um
povo, de uma nação, pode ser medido pela quantidade e qualidade das informações
que circulam nessa sociedade que faz parte de uma comunidade ainda maior e
internacionalizada. Nesse sentido o estudo de Língua Estrangeira se faz necessário
mediante a idéia de globalização. Portanto, oficializando a oferta de Língua
Estrangeira no Ensino Médio o Ministério da Educação, através dos PCNEM, concebe
como competências e habilidades:
“Representação e comunicação
Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação
e o vocábulo que melhor reflita a ideia que pretende comunicar.
Utilizar os mecanismos de coerência e coesão na produção oral e/ou escrita.
Utilizar as estratégias verbais e não-verbais para compensar as falhas,
favorecer a efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido em situações
de produção e leitura.
Conhecer e usar as línguas estrangeiras modernas como instrumento de
acesso a informações a outras culturas e grupos sociais.
54
Investigação e compreensão
Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em
razão de aspectos sociais e/ou culturais.
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando
textos/contextos mediante a natureza, função, organização, estrutura, de
acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época, local,
interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e escolhas,
tecnologias disponíveis).
Contextualização sócio-cultural
Saber distinguir as variantes linguísticas.
Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar,
agir e sentir de quem os produz” (BRASIL, 2002, p.153)
Assim, as competências acima referidas, são estabelecidos para o estágio final
da etapa do processo de ensino de Língua Estrangeira Moderna na educação básica
do país. Ainda que sejam objetivos traçados para o final do Ensino Médio, é
indispensável lembrar que os alunos, desse nível da educação formal, possuem aulas
de Língua Estrangeira Moderna desde o sexto ano do Ensino Fundamental.
Desse modo, é importante enfatizar que para o desenvolvimento das
competências e habilidades acima referidas, o ensino das Línguas Estrangeiras
ofertadas nas escolas de Ensino Médio deveria ser centrado na Abordagem24
Comunicativa de ensino de línguas estrangeiras, para ideologia neoliberal que os
sustenta de adequação à realidade.
Na referida abordagem que os PCNEM comunicam, o principal objetivo do
ensino de Língua Estrangeira é o desenvolvimento não apenas do conhecimento
gramatical da língua estrangeira que os alunos tivessem que aprender, mas que
pudessem usar adequadamente as línguas em situações sociais reais de uso, de
interação social, portanto, “deixa de ter sentido o ensino de línguas que objetiva
apenas o conhecimento metalinguístico e o domínio consciente de regras gramaticais
24
A abordagem de ensino de línguas estrangeiras é uma filosofia de trabalho, um conjunto de
pressupostos explicitados, princípios estabilizados ou mesmo crenças intuitivas quanto à natureza da
linguagem humana. (ALMEIDA FILHO 1993, p.13). Na Abordagem Comunicativa de ensino de línguas
estrangeiras o aluno desenvolve mais que uma competência linguística, que é o conhecimento
gramatical da língua, ele adquire habilidades que o possibilitam a interagir socialmente em situações
reais de comunicação.
55
que permitem, quando muito, alcançar resultados puramente medianos em exames
escritos” (BRASIL, 2002, p.148).
Nesse sentido, em contraposição ao ensino tradicional de línguas estrangeiras,
que tem como método o ensino/aprendizagem de aspectos que se limitam ao ensino
da gramática e tradução da língua em estudo – no qual o aluno adquire apenas uma
competência metalinguística, na abordagem comunicativa – a língua é concebida
como um exercício destinado à realização das interações sociais.
Cabe aqui destacarmos que, a concepção de linguagem a que nos filiamos é
discursiva, compreendida como aquela que defende que a razão de ser da língua é a
interlocução, pois é nas relações sociais que o discurso se efetiva. Reconhecemos
que a interação humana é muitas vezes conflituosa, pois envolve relações de poder e
que a língua, dentre outros aspectos, não é apenas um meio de comunicação. Ela é
também meio de dissimulação, persuasão, de dominação, mas, também, de
libertação.
Dentro da concepção que vem dando respaldo ao ensino de Língua
Estrangeira, falar “corretamente” é comunicar-se de modo adequado às situações e
contextos sociais, é obter o que geralmente se chama de competência comunicativa,
ancorada na valorização das dimensões textual, e pragmática da língua, ignorando as
relações sociais.
A competência comunicativa é um acontecimento relativamente recente na
Linguística e, em alguns aspectos, ainda em pleno estágio de consolidação. Mas, de
acordo com Silveira (1999), seu arcabouço teórico encontra-se consolidado e tem
contribuído de modo determinante para o ensino das Línguas Estrangeiras, através
da Abordagem Comunicativa. As bases teóricas em que se sustentam essa
concepção advêm de estudos originados em várias teorias e disciplinas, tais como a
Etnografia da Comunicação, Sociolinguística, Análise da Conversação e outras
teorias que se ocupam dos múltiplos aspectos da interação linguística.
Assim, os PCNEM, apesar de reconhecerem que as aulas de Língua
Estrangeira Moderna no Ensino Médio são, em sua maioria, realizadas no estudo de
aspectos gramaticais, centrada na memorização de regras e exceções e com
prioridade da língua escrita, direcionam-se para a prática, o uso da língua como meio
de comunicação, mas não apresentam vínculo com a realidade. Isto se verifica no
documento ao colocar que
56
embora a legislação da primeira metade deste século (século XX)25 já
indicasse o caráter prático que deveria possuir o ensino das línguas
estrangeiras vivas, nem sempre isso ocorreu. Fatores como o reduzido
número de horas reservado ao estudo das línguas estrangeiras e a carência
de professores com formação linguística e pedagógica, por exemplo, foram
os responsáveis pela não aplicação efetiva dos textos legais. Assim, em lugar
de capacitar o aluno a falar, ler escrever em um novo idioma, as aulas de
Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por
assumir uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a
desmotivar professores e alunos, ao mesmo tempo em que deixa de
valorizar conteúdos relevantes à formação educacional dos estudantes.
(BRASIL, 2002, p.147)
Como se vê, a ênfase se dá em “capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um
novo idioma.”. O texto diz que o ensino de Língua Estrangeira “deixa de valorizar
conteúdos relevantes à formação educacional dos estudantes”, mas não esclarece
que formação pretende para o aluno e como “conteúdos relevantes” traz, apenas, o
que se refere à competência comunicativa. Ou seja, tal metodologia parece atender a
interesses educacionais vinculados a uma posição ideológica de dominação, visto
que, ao isolar o social contribui para manter o status quo que o determina.
1.6.1 As bases legais dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM)
As bases legais sob as quais se estruturam os PCNEM preconizam a reforma
curricular e a organização do Ensino Médio. Especificamente sobre o currículo, reza o
texto legal:
O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve
contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o ser
humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana:
a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva,
visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações
políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva. (BRASIL, 2002, p.29)
Nesses termos, a legislação educacional brasileira incorpora como diretrizes
gerais e orientadoras da proposta curricular, as quatro premissas apresentadas pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO,
25
Grifos Nossos
57
quais sejam: Aprender a conhecer; Aprender a fazer; Aprender a viver e Aprender a
se, que constituem os eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea.
Assim sendo, a partir das recentes reformas educacionais ocorridas no país
durante a década de 90 do século XX, tais proposições apresentam-se como eixos
estruturais da educação formal.
Dentre as referidas premissas, nos deteremos numa reflexão sobre o aprender
a conhecer, porque, segundo os PCNEM (op.cit. p.29), “aprender a conhecer garante
o aprender a aprender26 e constitui o passaporte para a educação permanente, na
medida em que fornece as bases para continuar aprendendo ao longo da vida”. Tal
proposição – que nos remete ao ideário pedagógico escolanovista – se mostra
importante para o nosso objeto de estudo (o discurso dos PCNEM, em relação ao
ensino de Língua Estrangeira Moderna).
Os pressupostos teóricos do Movimento da Escola Nova, pedagogia que surgiu
no final do século XIX e início do século XX, advogam a promessa de renovar a
educação e a prática educativa através da defesa do não-diretivismo no ensino27.
Mas, segundo Duarte (2004, p.29),
o “aprender a aprender”, entendido como emblema dos ideais pedagógicos
escolanovistas, manteve-se presente e forte no ideário pedagógico
independentemente da existência ou não de menções explícitas ao
movimento escolanovista e aos autores que foram as principais referências
desse movimento. [...] Uma das formas mais importantes, ainda que não a
única, de revigoramento do “aprender a aprender” nas duas últimas décadas
foi a maciça difusão da epistemologia e da psicologia genética de Jean Piaget
como referencial para a educação, por meio do movimento construtivista que,
no Brasil, tornou-se um grande modismo a partir da década de 1980,
defendendo princípios pedagógicos muito próximos aos do movimento
escolanovista.
No entanto, o movimento construtivista, em sua trajetória na educação
brasileira, dizendo-se um ideário que se constituía como portador de idéias
inovadoras, negava sua filiação ao movimento escolanovista. Nesse aspecto, salienta
o referido autor (op.cit. p.59): “os construtivistas brasileiros não foram fiéis ao mestre
Jean Piaget, pois este nunca escondeu que considerava sua perspectiva, no terreno
26
Grifo nosso.
A não-diretividade pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual
o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo
valores, objetivos etc., constituindo-se apenas num método informante do processo de aprendizagem
do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar
a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento
experiencial. (Puente, 1978, p.73)
27
58
epistemológico e psicológico, afinada com os chamados ‘métodos ativos’ da Escola
Nova”.
Conforme Freitag (1993), o construtivismo originou-se no movimento iluminista
que advoga a confiança na razão e nas ciências como motores do progresso. Nesse
sentido, a capacidade do ser humano é orientada pelo pensamento racional, o que lhe
possibilita construir e reconstruir o mundo que o circunda.
Trata-se, portanto, de uma teoria pedagógica que orienta diferentes tendências
didáticas, dizendo-se norteada pela epistemologia e psicologia genética de Jean
Piaget, sobre a gênese do conhecimento. Seus seguidores advogam que não se trata
de um método de ensino, posto que não possui um arcabouço metodológico acerca
do processo de ensinar e de aprende; tem-se como ponto de partida a premissa
interacionista, uma vez que apresenta o aluno como o centro do processo de
aprendizagem e ator responsável por sua formação. Ou seja, culpabiliza o aluno por
seus fracassos e estabelece mais uma forma de exclusão: os que obtêm sucesso são
naturalmente inteligentes. Esforçados, conquistam o sucesso e o consequente espaço
na sociedade capitalista que somente aceita os que vencem. Há pré-construídos28
que sustentam tais discursos, próprios da formação ideológica do capital: “você quer,
você pode”, “quem trabalha sempre alcança”, “somente os fortes vencem...”
As bases político-ideológicas se materializam nos discursos teóricos,
silenciando o não cumprimento da obrigatoriedade da educação para todos,
estabelecida no documento maior que rege os caminhos da nação, a Constituição
Federal – a Carta Magna.
As condições de produção29 da educação ofertada não são analisadas sob a
luz de um estudo sociológico que apontaria as reais necessidades educacionais,
como ponto de partida para que se adotem princípios fundamentados nessas
condições.
Assim, como nos adverte Duarte (2004), o desenvolvimento das idéias
construtivistas não pode ser compreendido como um fenômeno isolado de outras
demandas sociais, surgidas no contexto mundial, nas décadas de 80 e 90 do século
XX. Pois, esse panorama histórico é marcado pelos esforços de difusão das ideias da
mundialização do capital e de propagação, nas Américas do Sul e Central, do ideário
econômico, político e ideológico neoliberal, e também de seus correspondentes no
28
29
Vide nota nº 9
Esse conceito será posteriormente discutido no capítulo II.
59
plano teórico, o pós-modernismo e o pós-estruturalismo, como já discutido
anteriormente, na seção 1.6 deste estudo. É, pois, nessa arena de esforços intensos
do capitalismo, por sua manutenção, que a proposição “aprender a aprender” é
difundida e revigorada pelo movimento construtivista e concebida como orientação
indicada que caracteriza uma educação democrática, portanto, igualitária para todos.
Nesses termos, ratificamos a materialização do discurso da autodeterminação
do sujeito, como senhor de seu destino que, mesmo por não deter – e não se
esforçando para tal – capacidades individuais, não consegue atuar em sociedade, em
igualdade de condições.
A referida educação democrática, difundida pela ideologia das Pedagogias
Liberais, busca, nessa denominação, um sentido naturalizado de democráticas e
abertas, mas intenta escamotear a existência de uma sociedade de classes
excludentes. A prevalência da ideia de realização centrada no sujeito individual
aparece “como justificativa de um sistema capitalista, que, dizendo-se defensor da
liberdade e dos direitos individuais, estabelece uma organização social baseada na
propriedade privada dos meios de produção” Florêncio (2007, p.20).
Nesse contexto a amplitude das idéias construtivistas chegou a nortear as
reformas educacionais da década 1990, passando a ser, juntamente com o
tecnicismo pedagógico, a base teórico-metodológica de documentos oficiais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais e, consequentemente, constituindo-se em
fundamento dos cursos de formação inicial e continuada de professores de Línguas
Estrangeiras.
Ainda, como nos referimos acima na seção 1.6, a elaboração dos PCN contou
com a assessoria técnica do construtivista espanhol César Coll, protagonista da
reforma educacional espanhola, que explicitamente coloca que a finalidade última da
educação é conduzir o discente no desenvolvimento de aprendizagens significativas
por si mesmo, em distintas situações e circunstancias e que o aluno “aprenda a
aprender”.
O discurso desse lema “aprender a aprender” vem se disseminando nos meios
educacionais, utilizado como ferramenta própria de uma concepção educacional que
se propõe a formar nos educandos uma “competência” para adaptar-se ao mercado
de trabalho, numa visão de competitividade individualista. Para Duarte (2004, p.42), “a
adesão a esse lema implica necessariamente a adesão a todo um ideário educacional
afinado com a lógica de sociedade capitalista contemporânea”.
60
Os adeptos do “aprender a aprender” visam a uma relação entre o mercado e a
formação de profissionais voltados para as necessidades que são impostas por essa
lógica, silenciando que as oportunidades são ofertadas apenas aos já incluídos.
Assim, o revigoramento desse lema não se dá isento de posicionamentos
ideológicos que dão lugar à ideia de que o aprendizado por si mesmo é mais válido do
que através de um conhecimento já produzido e reconhecido socialmente. Tenta-se
instalar o “aprender a aprender” na sociedade capitalista contemporânea dizendo-se
como uma associação entre os meios de produção privada e o trabalho, o que
contribui para que seja fortalecida sua adesão nos meios pedagógicos, como elo
entre esse discurso e a ideologia do capital, sem que se procurem refletir a respeito
dos objetivos que norteiam o direcionamento dos repensar da educação.
Para o capitalismo a educação constitui um dos fortes pilares para a formação
de trabalhadores que atendam às exigências de sua visão ideológica de exploração
dessa mão-de-obra pela classe dominante, pois, voltam-se às instituições, para um
trabalho que forme sujeitos qualificados para o processo de produção e, desse modo,
consolide, cada vez mais, o poder da classe que detém o capital financeiro.
O que se pretende, com a educação sustentada pelo “aprender a aprender”, é
que o direcionamento da busca do conhecimento pelo próprio aluno é mais importante
do que ter acesso a conhecimentos já produzidos e por refletir sobre a relação entre
esse conhecimento e a realidade em que se insere.
Mas, silencia-se30 que, nessa direção, o que se quer conseguir é a adaptação
do aprendente às exigências do modo de produção capitalista, pondo em circulação
um discurso de culpabilização da escola, como responsável pela má formação de
sujeitos e a consequente permanência desse sujeito em subempregos.
Conforme Orlandi (1995), o silêncio não pode ser caracterizado por ausência
de palavras, assim, o ato de impor o silêncio (silenciamento) não implica calar o
interlocutor, mas impedi-lo de deixar surgir outro discurso. Diz a referida autora (op.cit.
p.105): “fala-se para não dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem
causar rupturas significativas na relação de sentidos”. Silencia-se, então, a ausência
de oportunidades e de não-cumprimento das atribuições do Estado para com uma
educação democrática. Ao se falar em autonomia e competências adquiridas pela via
30
Categoria da AD – a ser definida no capítulo II – discutida por Orlandi (1995), como uma política de
silêncio utilizada para evitar sentidos que possam desestabilizar o dizer. Diz-se algo para que se
apaguem dizeres indesejáveis.
61
de métodos que levem o aluno a buscar seu próprio conhecimento, criar o novo,
silencia-se que há um conhecimento anterior, historicamente constituído. Tal
silenciamento aponta-nos para uma visão político-ideológica de “laissez-faire”, que
pode levar a “incompetências”, aprendendo-se apenas pela prática e experiências em
detrimento da cientificidade.
Ao mesmo tempo, desvaloriza-se o papel do professor, reduzido a um mero
repassador de métodos elaborados por técnico em educação, de instâncias
superiores e distantes da escola.
Duarte (2004, p.47) discorre sobre o retorno ressignificado do lema
escolanovista “aprender a aprender”, que procura fixar pela via de
Um discurso sobre a educação [que] possui a importante tarefa de esconder
as contradições do projeto neoliberal de sociedade, isto é, as contradições do
capitalismo contemporâneo, transformando a superação de problemas sociais
em uma questão de mentalidade individual que resultaria, em última
instância, da educação.
Desse modo, “aprender a aprender” refere-se a uma prática pedagógica que
contribui para que o aluno, por si só, realize aprendizagens, através de situações que
o levem a “aprender a aprender”, sem a necessária intervenção do professor. Assim,
o aluno deve ser colocado diante de experiências concretas, que possibilitem a
aprendizagem em sua relação com a natureza, os objetos, sem que, para tanto seja
apontada, dialogada com a mediação do professor.
Como se pode ver, valoriza-se mais o método do que o conhecimento já
existente. Perguntamos, então, como elaborar novos conhecimentos, desconhecendo
a produção de outros, não levando em consideração a história? Não estamos
pensando no cerceamento da autonomia do aluno, nem tampouco na ausência da
formação de ações científicas no aluno, mas situando-nos numa posição que
defende, além disso, o não abandono do conteúdo, trabalhando a partir de uma
concepção não apenas voltada para a cientificidade, mas, também, para uma posição
político-filosófica que aborde o conhecimento inserido na história e no social.
Nessa direção, Duarte (op.cit. p.39) adverte:
como a criança pode aprender a julgar as distintas concepções e a adotar seu
próprio ponto de vista se os adultos que a educam omitirem suas opções e
seus julgamentos? Pode o educador ser neutro do ponto de vista ideológico,
ou científico, ou filosófico?
62
Portanto, como a criança pode, segundo essa teoria (a Escola Nova), criar
seus próprios interesses e necessidades, sem um parâmetro, a partir do qual possa,
numa liberdade de expressão, proporcionada pelo diálogo com o adulto e com o
mundo, assumir uma posição como sujeito que, dentro da realidade que a cerca,
realize as devidas escolhas?
A educação, a nosso ver, deve acompanhar a sociedade, não para inserir-se
nela servilmente, mas para agir sobre ela, pela via de um conhecimento produzido
pela reflexão sobre o existente.
Retomando a noção de competência que se junta à de “aprender a aprender”,
encontramos em Ramos (2006, p.79), competência concebida como:
conjunto de saberes e capacidades que os profissionais incorporam por meio
da formação e da experiência. Somados à capacidade de integrá-los, utilizálos e transferi-los em diferentes situações profissionais. [...] em que relaciona
inteligência prática, responsabilidade, autonomia, cooperação e disposição
comunicativa.
Desse modo, tanto nas empresas como nas escolas, o esforço em introduzir o
ideário da “pedagogia das competências”, guiou-se pela intenção de adequar o perfil
dos membros da sociedade, trabalhadores e cidadãos, ao modelo dessa mesma
sociedade que representa a reorganização do processo produtivo. Por esse motivo,
nas organizações empresariais procura-se substituir o conceito de qualificação pelo
seu correspondente, competência e, no âmbito escolar, busca-se a condução do
ensino centrado nas disciplinas de conhecimento para o ensino por competências
endereçadas a situações determinadas.
Conforme Saviani (2007, p.436),
Em ambos os casos o objetivo é maximizar a eficiência, isto é, tornar os
indivíduos mais produtivos tanto em sua inserção no processo de trabalho
como em sua participação na vida da sociedade. E por ser produtivo, nesse
caso, não quer dizer simplesmente ser capaz de produzir mais em tempo
menor. Significa, como assinala Marx, a valorização do capital, isto é, seu
crescimento por incorporação de mais-valia.
Nesses termos, podemos afirmar que no âmbito educacional, esta é a base da
pedagogia tecnicista que se sedimenta nos princípios de racionalidade eficiência e
produtividade, dos quais deriva o corolário relativo à obtenção de maximização de
resultados com a constante redução de dispêndios. Assim, o desenvolvimento de
habilidades e o estímulo ao surgimento de novas aptidões tornam-se processos
63
essenciais, na medida em que criam as condições necessárias para o enfrentamento
das novas situações que se colocam. Privilegiar a prática e enriquecer a vivência da
ciência na tecnologia e destas, na sociedade capitalista passa a ter uma significação
especial no desenvolvimento da sociedade contemporânea.
Nessa perspectiva, o reconhecimento do processo educativo que o torne
objetivo e operacional é o perfil da concepção pedagógica do tecnicismo que se
inspira nos princípios de racionalidade, produtividade e eficiência, próprios do sistema
fabril e, o trabalho pedagógico, nesses termos, direciona-se à objetivação, ou seja, o
aluno e o trabalhador deve se adaptar ao processo de trabalho, já que foi objetivado e
organizado de forma a ‘assegurar a eficácia desses processos’ e que proporcione
acesso a novos saberes no intuito de manter a máxima eficiência (Saviani, 2007).
Em síntese, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM) fazem menção às competências básicas, que dizem respeito ao Ensino
Médio como um todo, relacionadas às areas de conhecimento. Por seu turno, os
PCNEM tratam as competências e habilidades de cada disciplina, encontradas ao
final de cada seção, inclusive das Línguas Estrangeiras, que compõem a area das
Linguagens, Código e suas Tecnologias. Reza o documento oficial que tais
habilidades circunscrevem-se em:
• Saber distinguir entre as variantes lingüísticas.
• Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a
comunicação.
• Escolher o vocábulo que melhor reflita a idéia que pretenda comunicar.
• Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada
em razão de aspectos sociais e/ou culturais.
• Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser,
pensar, agir e sentir de quem os produz.
• Utilizar os mecanismos de coerência e coesão na produção em Língua
Estrangeira (oral e/ou escrita). Todos os textos referentes à produção e à
recepção em qualquer idioma regem-se por princípios gerais de coerência e
coesão e, por isso, somos capazes de entender e de sermos entendidos.
• Utilizar as estratégias verbais e não verbais para compensar falhas na
comunicação (como o fato de não ser capaz de recordar, momentaneamente,
uma forma gramatical ou lexical), para favorecer a efetiva comunicação e
alcançar o efeito pretendido (BRASIL, 2002, p.150)
O referido texto concebe as competências e habilidades com significados
idênticos, mas a literatura da área trata-as como termos polissêmicos.
Assim, para Perrenoud (1999, p.19), “São múltiplos os significados de
competência. Eu a definirei como uma capacidade de agir eficazmente em um
64
determinado tipo de situação, apoiadas em conhecimentos, mas sem limitar-se a
eles”. (PERRENOUD, 1999, p.7).
Em Ramos (2006), encontramos que “Competências são habilidades que
podem ser desenvolvidas, não necessariamente, inatas, e que se manifestam no
desempenho [...] (KATZ, apud RAMOS, 2006, p.86). E por último transcrevemos dois
conceitos de competência, segundo Deffune e Depresbiteris (2000, p.50):
“Competência é a habilidade de alguém usar seu conhecimento para alcançar
um propósito”.
“Competência é a capacidade de uma pessoa para desenvolver atividades de
maneira autônoma, planejando-as, implementando-as e avaliando-as”.
As
competências,
tais
como
encontradas
nos
documentos
oficias,
anteriormente referidos, retomam os princípios pedagógicos da Escola Nova ou
Renovada – que colocou em ação a teoria educacional de Dewey 31, surgida nas
últimas décadas de século XIX, a exemplo do ideário Escolanovista pondo em prática
a necessidade de mudar por completo a ação pedagógica da Escola Tradicional,
posto que advogava a necessidade de dar mais enfoque à ação na prática
pedagógica do que à teoria.
Nessa visão, conduz-se o alunado a encontrar um significado nos conteúdos
escolares, ao tempo em que a escola enfatiza suas motivações e interesses, em
acordo com a posição ideológica que constitui a sociedade capitalista, no sentido de
preparar o aluno para nela se inserir, sem que a questione em seus princípios. Isto se
dá por meio do aprendizado do método de resolução de problemas, no enfrentamento
de resoluções de problemas. (Ghiraldelli Jr, 2000).
Nessa perspectiva, marcada por um ecletismo construtivista que identifica o
referencial teórico dos PCN, pois o mesmo mescla expressões e conceitos de
variadas correntes psicológicas e educacionais, as ideias construtivistas identificadas
no documento do MEC, dentre outros aspectos, superaria a concepção pedagógica
que centrava a prática educacional no professor e no ensino e é explicitada no
referido documento:
31
A ideia básica do pensamento do norte-americano John Dewey sobre a educação está centrada no
desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno.
65
Hoje sabe-se que é necessário ressignificar a unidade entre aprendizagem e
ensino, uma vez que, em última instância, sem aprendizagem o ensino não
se realiza. A busca de um marco explicativo que permita essa ressignificação,
além da criação de novos instrumentos de análise, planejamento e condução
da ação educativa, na escola, tem se situado, atualmente, para muitos dos
teóricos da educação, dentro da perspectiva construtivista. A perspectiva
construtivista na educação, é configurada por uma série de princípios
explicativos do desenvolvimento e da aprendizagem humana que se
complementam, integrando um conjunto orientado a analisar, compreender e
explicar os processos escolares de ensino e aprendizagem. (BRASIL, 1997,
p.50).
A adoção do construtivismo como sustentação teórico-metodológica da
educação formal (escolar) tem suas origens na pedagogia genética (Piaget), na
perspectiva sócio-interacionista, acrescidas de noções da atividade significativa.
Segundo os PCN, a teoria e a prática descritas nesse documento constituem
uma integração das contribuições acima, por serem teorias que reconhecem o
conhecimento construído, na medida em que dão a devida importância à “atividade
mental construtiva nos processos de aquisição do conhecimento” (cf Brasil, 1997).
Desse modo, a perspectiva construtivista na educação brasileira é configurada
por uma série de princípios explicativos do desenvolvimento e da aprendizagem
humana.
Assim, uma abordagem cognitivista implica, dentre outros aspectos, o estudo
científico da aprendizagem não como forma de refletir sobre a sociedade, as pessoas
ou fatores que são externos ao aluno. Observamos a ênfase nos “processos
cognitivos
e
na
investigação
científica
dissociada
dos
problemas
sociais
contemporâneos, onde as emoções são consideradas em sua articulação com o
conhecimento”. (MIZUKAMI, 1986, p.59).
A utilização de expressões, nos PCN, como ressignificar, marco explicativo das
propostas de mudanças na condução dos rumos da educação no país, apontam suas
bases na perspectiva construtivista. Principalmente para o atendimento das
exigências postas pelo modelo de sociedade que pretendia estabelecer, qual seja, o
modelo neoliberal que tem no centro de seus discursos o argumento de ressignificar o
papel do Estado, na economia mundial, “um marco explicativo que permita essa
ressignificação” (BRASIL, 2001, p. 50).
Ainda, de acordo com a citação dos PCN, acima, a relação que se estabelece
entre ensino e aprendizagem é de mudança de paradigma, uma vez que se expressa
o argumento bastante difundido entre os construtivistas no país, qual seja, o da
superação das concepções que centravam as atividades educacionais escolares, no
66
ensino e no professor32. Assim, o foco passa ser o aluno, e seus processos de
aprendizagem, pois, “O núcleo central da integração de todas essas contribuições
refere-se ao reconhecimento da importância da atividade mental construtiva nos
processos de aquisição do conhecimento”.
Desse modo, a perspectiva construtivista na educação brasileira “é configurada
por uma série de princípios explicativos do desenvolvimento e da aprendizagem
humana”.
Conforme Mizukami (1986, p.76),
O ensino que seja compatível com a teoria piagetiana tem de ser baseado no
ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de problemas por
parte do aluno, e não na aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas,
definições etc. [...] A descoberta irá garantir ao sujeito uma compreensão da
estrutura fundamental do conhecimento. Dessa forma, os processos pelos
quais a aprendizagem se realizou assume papel preponderante, O ponto
fundamental do ensino, portanto, consiste em processos e não em produtos
de aprendizagem.
Nesses termos, como referido acima, o ensino é enfatizado no protagonismo
do aluno como centralidade do processo, porque o exercício da aprendizagem
depende do estágio de desenvolvimento, ou da competência de cada indivíduo. Isso
põe em marcha um projeto societário centrado nas individualidades, na manutenção
da ideologia da autodeterminação do sujeito, a partir do pré-construído “eu quero, eu
posso”, que tem no projeto neoliberal suas origens.
Nessa perspectiva, a aprendizagem verdadeira ocorre no exercício operacional
da inteligência. Na ocorrência de fracassos por parte dos alunos, estes estarão
excluídos e, de modo oposto, os que obtêm sucesso são considerados, naturalmente,
dotados de inteligências privilegiadas.
Para o entendimento dessas questões, no capítulo seguinte trazemos noções e
conceitos que constituem o arcabouço teórico da Análise do Discurso de Escola
Francesa – AD e que comporão o quadro teórico de referência que sustentará a
análise do nosso corpus discursivo.
32
As referidas concepções de ensino são representadas pelas abordagens tradicional e
comportamentalista.
67
2
DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
2.1
O discurso sobre as Línguas Estrangeiras Modernas
No intuito de realizarmos a Analise do Funcionamento do Discursivo Norteador
do Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
objeto desta pesquisa, nos filiamos à teoria do discurso, pois é sobre a base teóricometodológica da Análise do Discurso de Escola Francesa (AD) que fundamentaremos
as análises do presente estudo. É na referida teoria, que buscaremos suporte para
compreender os discursos que se materializam no documento (PCN)
No final dos anos 60, surge a AD, em meio a uma ebulição intelectual, num
espaço de questionamentos ao estruturalismo e suas relações com a história, o
indivíduo, a língua.
Cumpre ressaltar, que a AD teve como fundadores Michel Pêcheux (filósofo) e
Jean Dubois (linguista). Essa dupla fundação tinha em comum as idéias de
convicções marxistas e políticas sobre a luta de classes, a história e sobre o
movimento social. Assim, com o surgimento da AD, disciplina essencialmente de
ruptura, está lançado um olhar específico sobre o domínio do discurso, pois o
aprofundamento dos estudos sobre o discurso, promoveu, à época, uma ruptura
teórica, uma vez que o domínio da Semântica não podia mais prescindir do discurso.
Pêcheux (1988) analisa que a linguística Saussuriana, permitiu a constituição
da morfologia, da fonologia e da sintaxe, mas foi insuficiente para permitir a
constituição da semântica, espaço de contradições da Linguística. Para o referido
teórico, o sentido, objeto da semântica, foge às abordagens de uma Linguística da
língua, uma vez que a significação não é sistematicamente apreendida, motivada pelo
fato de sofrer alterações em conformidade com as posições ocupadas pelos sujeitos
que enunciam.
Seguindo esse raciocínio é que Pêcheux, considerando que as condições de
produção de um discurso são partes constitutivas de sua significação, defende uma
semântica do discurso, em detrimento de uma semântica linguística.
Nesses termos, para Orlandi (2001, p.86), a Análise do Discurso problematiza
as maneiras de ler ao afirmar:
68
As palavras não significam em si. Elas significam porque têm textualidade, ou
seja, porque sua interpretação deriva de um discurso que as sustenta que as
provê de realidade significativa. E sua disposição em texto faz parte dessa sua
realidade. É assim que na compreensão do que é texto podemos entender a
relação com a exterioridade (o interdiscurso), a relação com os sentidos. O
texto é um objeto linguístico-histórico.
Desse modo, conforme os ensinamentos de Pêcheux:
Todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sóciohistóricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo
um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente,
deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas
determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço. (PÊCHEUX,
2002, p.56)
O discurso assim concebido está intimamente relacionado com a análise dos
processos de sua produção, não dos seus produtos. Na AD, a exterioridade não só
está no discurso, como faz parte de sua constituição e o texto, em AD, é o lugar de
materialização do discurso.
Cumpre ressaltar, ainda, que, “A materialidade da língua funde-se à
materialidade da história e opera nas relações sociais” (Florêncio et al, 2009, p.21),
provoca um deslocamento na rede de filiação dos sentidos, pois os sujeitos e os
sentidos se deslocam, realizam suas próprias trajetórias. Movimentos estes que
podem ser observados nos mais diversos discursos presentes nos gêneros textuais
que se fazem presentes nas sociedades contemporâneas.
Todo discurso traz em si sua historicidade, e é, em essência, heterogêneo,
estando exposto por isso mesmo, ao equívoco por sua exposição e relacionamento
com um discurso-outro que marca a alteridade, quer seja das sociedades, quer da
história. Assim, segundo Orlandi (2001, p.63):
Quando digo que o discurso é feito de sentidos entre locutores, estou assim
pensando o efeito produzido pela inscrição da língua na história, regida pelo
mecanismo ideológico. Em decorrência, estou pensando a interpretação, pois
a interpretação torna visível a relação da língua com a história, o
funcionamento da ideologia. Não há sentido sem interpretação. A rigor, não
há língua, sem interpretação, e, ao interpretar, ancoramos na textualidade.
Assim sendo, nos estudos discursivos, a AD lança mão do exercício da
intervenção de conceitos exteriores ao domínio linguístico, para manter com estes
uma relação de criticidade, pois esse campo do saber se move no espaço existente
entre a Linguística e as ciências das formações sociais, considerando as relações
69
contraditórias que há entre as mesmas. Trata-se, portanto, de uma metodologia que,
privilegiando a interdisciplinaridade, articula pressupostos teóricos dos domínios da
Linguística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise que resulta em uma ruptura
com as ideias reinantes nos estudos da linguagem entre os séculos XIX e primeira
metade do século XX.
À época, a linguística começa a ser interrogada pela problematização do
discurso, ao tempo em que os eventos de Maio de 6833 produziam discursos políticos
que se disseminavam e traziam para o seio da linguística diferentes questionamentos
sobre tais discursos, na busca de empreender uma política de leitura de textos.
Assim, a AD se firmava, de início, como uma disciplina em que tinha entre os
corpora analisados uma predominância do discurso político.
Mas Courtine (2006, p.62) ressalta que as:
Determinações de ordem política não são as únicas que explicam a
emergência da análise do discurso político na linguística francesa. [...] A
evolução da disciplina nos anos 70 coincide realmente com uma certa
exaustão do paradigma da linguística estrutural.
Isso constituía polêmica no contexto interdisciplinar que se instaurava na
universidade, a partir dos acontecimentos de Maio de 68. Trata-se, pois de mais uma
contribuição para a AD, juntamente com uma reflexão articulada entre linguística e
história, numa perspectiva marxista, principalmente com os trabalhos de Pêcheux que
se direcionavam à elaboração de métodos de análise do discurso.
A AD como disciplina que se caracteriza, então, pela ruptura, apresenta um
quadro epistemológico que reside na articulação das três regiões do conhecimento
científico, acima citadas, conforme Pêcheux e Fuchs (1975), a saber:
1. A Linguística, que representa a teoria dos mecanismos da Sintaxe e dos processos
de enunciação, a um só tempo;
2. O materialismo histórico, considerado teoria da ideologia, compreendida como
teoria das formações sociais e suas transformações;
3. A teoria do discurso, como processo de determinação histórica dos processos de
significação.
33
Período compreendido na história da França em que ocorreram diversos acontecimentos políticos,
sociais e intelectuais que marcaram significativamente a sociedade francesa, dentre eles, destacamos
a greve geral de 10 milhões de trabalhadores; o questionamento por parte dos estudantes do modelo
de sociedade imposta e a estrutura elitista e conservadora da universidade francesa. Nessa conjuntura,
no campo epistemológico ocorrerem questionamentos direcionados a vários campos do saber e na
linguística, o estruturalismo não ficou imune a tais questionamentos. Florêncio et al (2009).
70
Os referidos teóricos afirmam que todas essas três regiões estão atravessadas
por uma teoria psicanalítica do sujeito. E é sobre essa teoria do discurso que vamos
nos deter, porque é nessa região que vai ser produzido o corpo teórico para que a AD
possa se estabelecer e operar sobre seu objeto que é o discurso, sendo este
essencialmente heterogêneo.
A AD desenvolve seu trabalho a partir de dois conceitos nucleares, quais sejam
discurso e ideologia e se constitui uma teoria crítica da linguagem. Essas teorizações
nos levam a uma relação com a concepção de língua postulada por Mikhail Bakhtin.
Para este teórico
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 1986,
p.123)
Assim, a linguagem não se constitui somente de formas linguísticas ou de uma
enunciação monológica isolada, mas sim, da interação verbal no fenômeno social. A
linguagem deve, dessa forma, ser estudada e entendida dentro da esfera da relação
social organizada.
Daí a relação que estabelecemos com a concepção de discurso na AD, visto
que fica evidente que o ponto principal para o entendimento do funcionamento da
linguagem está no desvelamento do discurso em sua materialização.
Entendemos, pois, que o estudo da linguagem não prescinde dos quadros
sociais, uma vez que seu processo de constituição e seus sentidos são históricosociais; motivo pelo qual os conceitos de condições de produção do discurso, de
formação discursiva e de formação ideológica são postulados pelos teóricos da teoria
do discurso como sendo indispensáveis para o estudo do discurso.
A partir do sobredito, examinaremos noções e conceitos que compõem o
arcabouço teórico da Análise do Discurso, parte integrante do quadro teórico de
referência, que servirá como objeto de sustentação, neste estudo, para a realização
das análises do corpus discursivo, advindo de formulações, sequências discursivas,
originárias dos PCNEM. Assim, refletiremos, primeiramente, a respeito de categorias
que compõem o dispositivo teórico da AD.
71
2.2
Condições de produção
Como evidenciamos, o objeto teórico da AD é o discurso e sua unidade básica
para realizar a análise é o texto, embora estes não possam ser tomados em nível de
igualdade. Este último tomado em sua acepção puramente linguística é uma
superfície fechada em si mesma, com sentidos estabelecidos. De modo distinto, na
acepção discursiva o concebemos como unidade significativa não fechada – embora
possa ser considerada uma unidade significativa completa, com começo, meio e fim –
“pois ele tem uma relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários),
com suas condições de produção” (ORLANDI, 2004, p.54), pela possibilidade de
reflexão sobre sua exterioridade, o que dá margem a múltiplas interpretações.
Para Pêcheux (2002, p.45), o discurso “é acontecimento que articula uma
atualidade à uma rede de memória. [...] todo discurso é índice de agitação nas
filiações sócio-históricas”
Para o analista do discurso, é indispensável, ainda, considerar a base material
sobre a qual o discurso é veiculado e neste estudo, essa base material encontra-se
no suporte impresso dos PCNEM. No entanto, as informações ali contidas não
bastam à análise, porque se constitui relevante e indispensável indicar o momento
histórico, no qual o discurso foi construído e levado a efeito, quando de sua
materialização e posterior circulação na sociedade.
A expressão condições de produção encontra-se alicerçada no Marxismo e na
AD (vertente francesa); remete-nos à história, às formações sociais e às relações
estabelecidas nas sociedades de classe, o que significa que podemos inferir que há
outros saberes anteriores ao próprio discurso analisado.
Em outros termos, nenhum discurso é pensado isoladamente, porque cada
discurso traz em sua constituição outros discursos já ditos em outros lugares e
momentos, ou seja, traz a memória histórica de discursos anteriores.
O texto, elemento veiculador do discurso, entendido como unidade complexa
de significação, traz em si as condições de sua realização. Não levamos em
consideração sua dimensão – extensão –, no entanto o que devemos observar é o
fato de ser significativo, em relação à situação em que é produzido. O que implica
dizer que o texto, quando visto a partir de suas condições de produção, aponta para
discursos que lhe subjazem.
72
De acordo com Orlandi (2001), o discurso é produzido e trazido a efeito como
resultado das relações entre o interdiscurso e o intradiscurso, ou seja, o discurso “é
um processo contínuo que não se esgota em uma situação particular. Algumas coisas
já foram ditas e outras serão ditas depois. O que temos são sempre fragmentos,
trajetos, estados do processo discursivo” (ORLANDI, 2001, p.14).
Conforme Amaral (1999, p.18) “a análise das condições de produção do
discurso tanto inclui as determinações históricas desse discurso como os efeitos de
sentido que provocam mudanças na realidade em que é produzido”, desse modo, o
discurso é a instância na qual a palavra cumpre sua função e manifesta-se como
produto das relações sociais.
Com base nisso, a AD, para Orlandi (1996, p.12), busca compreender a língua
fazendo sentido, e,
como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática,
embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra
discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, percurso, de correr
por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. [...] A
análise de discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o
homem e a realidade natural e social.
Desse modo, a AD nos permite trabalhar em busca dos processos de produção
de sentidos e de suas determinações histórico-sociais. Isso implica o reconhecimento
de que há uma historicidade inscrita na linguagem que não nos permite pensar na
existência de um sentido literal, já posto, e nem mesmo que o sentido possa ser
qualquer um, já que toda interpretação é regida por condições de produção.
Todo discurso traz em si sua historicidade, e é, em essência, heterogêneo,
estando exposto por isso mesmo, ao equívoco por seu relacionamento com discursos
outros que marcam a alteridade, quer seja das sociedades, quer da história. Assim,
segundo Orlandi (2001, p.63):
Quando digo que o discurso é feito de sentidos entre locutores, estou assim
pensando o efeito produzido pela inscrição da língua na história, regida pelo
mecanismo ideológico. Em decorrência, estou pensando a interpretação, pois
a interpretação torna visível a relação da língua com a história, o
funcionamento da ideologia. Não há sentido sem interpretação. A rigor, não
há língua, sem interpretação, e, ao interpretar, ancoramos na textualidade.
Ou seja, a interpretação nasce da determinação do lugar e momento em que
ela mesma se realiza em relação ao lugar da descrição do discurso interpretado.
73
As condições de produção compreendem basicamente os sujeitos e as
situações que põem o dizer em relação com sua exterioridade, com a cultura, com a
sociedade e com a economia de um determinado momento histórico e podem ser
consideradas em: sentido estrito, que compreende as circunstâncias da enunciação,
considerando o imediato e, em sentido amplo, que inclui o sócio-histórico e ideológico,
ou seja, podemos entender que são condições que trazem para a consideração dos
efeitos de sentidos elementos que advêm da forma de uma sociedade, com suas
instituições, do modo como escolhe seus representantes, enfim, como organiza o
poder constituído, compartilhando posições de mando e obediência, onde os sujeitos
assumem posições variadas em relação a determinadas formações ideológicas e
discursivas (Orlandi, 2002).
Nessa perspectiva, podemos afirmar que as condições de produção em sentido
estrito em que os PCNEM e, particularmente os Conhecimentos de Língua
Estrangeira Moderna, surgiram, circunscrevem-se ao período em que o Brasil, como
membro integrante da América Latina e um dos países mais importantes das
Américas do Sul e Central, sob os aspectos político, econômico e comercial, inicia sua
participação no desenvolvimento de políticas linguísticas para atender aos interesses
educacionais e comerciais mútuos com seus parceiros do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL). O referido bloco econômico teve sua criação na década de 1990,
através do Tratado de Assunção no Paraguai, assinado pelos países signatários em
26 de março de 1991, quais sejam Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Conforme Savedra (2008), os Estados-membros que assinaram o protocolo de
adesão ao MERCOSUL foram Argentina, Brasil, Paraguai e o Uruguai. Após 15 anos
de sua existência o bloco é ampliado com a adesão da Venezuela em 2006 e como
países associados participam o Chile, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia. De acordo
com a referida autora, nas Constituições Federais dos referidos países são
reconhecidas como línguas oficiais o português no Brasil, o espanhol para a Argentina
e Uruguai, o espanhol e o guarani para o Paraguai.
No mesmo ano de criação do MERCOSUL, é elaborado um protocolo de
intenções, onde encontramos no seu artigo 4º, o compromisso dos países membros
em difundir a aprendizagem dos idiomas oficiais do bloco econômico – Português,
Espanhol e o Guarani – por meio dos seus sistemas educacionais, nos níveis
Fundamental e Médio da educação básica.
74
Posteriormente, essa demanda motivou o governo brasileiro a promulgar no dia
5 de agosto de 2005 a Lei Nº 11.161, que torna o ensino da língua espanhola como
Língua Estrangeira Moderna, uma disciplina de oferta obrigatória pela escola de nível
médio e de matrícula facultativa para o aluno. Conforme a referida Lei, sua
implantação será gradativa, nos currículos plenos do Ensino Médio.
Assim, para a AD, fazem parte do discurso, as condições de produção no modo
de funcionamento da linguagem, pois os discursos não ficam na inércia, ou seja,
atualizam-se, acompanhando as transformações sociais, econômicas e políticas pelas
quais passa uma sociedade.
Em síntese, para refletirmos sobre o discurso, prática social cuja regularidade
só pode ser apreendida a partir da análise dos processos de sua produção, se faz
necessário conhecermos as condições de produção em que os mesmos foram
produzidos e trazidos à luz através de textos.
2.3
Ideologia
Conforme Bakhtin (1986, p.41),
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem
de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro
que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as
transformações sócias [...] A palavra é capaz de registrar as fases transitórias
mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.
Desse modo, as palavras participam de todas as relações entre os indivíduos,
em determinados contextos sociais de interlocução, sejam as mesmas de
colaboração, nas de bases ideológicas, ou nas de relações de caráter político, etc.
Nesses termos, o discurso que é produzido em determinado momento histórico-social
é também tecido por milhares de fios ideológicos. Assim, todo discurso é ideológico,
posto que, na articulação, na união e no entrelaçamento dos referidos fios ideológicos
é composta a tessitura discursiva.
Assim sendo, para refletirmos sobre ideologia iniciamos pelas teorias que
refletem a respeito. Nesse intuito, tecemos algumas considerações em torno do seu
conceito. De acordo com Vaisman (1989, p.3) o termo ideologia
75
Aparece na época da Revolução Francesa e foi cunhado “por Antoine de
Tracy para indicar uma disciplina filosófica que deveria constituir o
fundamento de todas as ciências”. Ideologia significa para Tracy a ciência das
ideias e ele “circunscreve o papel da ideologia à descoberta das fontes de
nossa consciência, de seus limites e de seu grau de certeza [...] ela indaga a
origem das ideias e das leis segundo as quais se formam”, para concluir que
“evitando-se as falsas ideias, o progresso da ciência está garantido”.
Assim, para o criador do termo ideologia, mesmo que a expressão esteja
relacionada ao sentido etimológico, como ciência das ideias, seu estudo é vinculado
ao campo gnosiológico, ou seja, o tratamento do tema tem vínculo com a
problemática do conhecimento, relaciona-se, pois, com a problemática das bases
necessárias ao desenvolvimento das ciências, uma vez que, através dela seria
imperativo evitar as falsas ideias.
Nesses termos o teórico que assume na íntegra essa perspectiva é Louis
Althusser. Segundo Vaisman (op.cit. p.04),
Há em Althusser uma radicalização do critério gnosiológico na determinação
do que é ideologia [...] na perspectiva althusseriana, é o enunciado que, em
termos puramente epistemológicos, se configura de modo oposto àquela que
seria a função teórica ou função de conhecimento.
Desse modo, para o referido autor, haveria uma falta de continuidade entre
ideologia e a ciência, de ordem “qualitativa, teórica e histórica”.
No ensaio sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado34, Althusser (1987),
desenvolve reflexões sobre o fenômeno da ideologia relacionado com o processo de
reprodução das condições de produção, revela-nos que a “reprodução da força de
trabalho evidencia como condição sine qua non, não apenas a reprodução de sua
‘qualificação’, mas também a reprodução de sua submissão à ideologia dominante, da
‘prática’ desta ideologia, assim sendo, é nas formas e sob as formas de sujeição à
ideologia que vemos assegurada a reprodução da qualificação da força de trabalho.
Esse fato nos leva a reconhecer a presença de uma nova realidade, qual seja a
ideologia. Althusser (op.cit.).
34
O conceito de aparelhos ideológicos de Althusser é bastante esclarecedor, para sua concepção de
ideologia. Retomando a teoria marxista de Estado, o autor afirma que o que tradicionalmente se chama
de Estado é o Aparelho Repressivo de Estado (ARE), funciona “pela violência” e cuja ação é
complementada por instituições – a escola, a religião, por exemplo –, que funcionam “pela ideologia” e
são denominadas Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Pela maneira como se estruturam e agem
esses aparelhos ideológicos – por meio de suas práticas e de seus discursos – é que se pode
depreender como funciona a ideologia (MUSSSALIM, 2008, p.126).
76
Assim, o referido teórico distingue uma “teoria das ideologias particulares”, que
revelam posições de classe, de uma “teoria das ideologias em geral”, que permitiriam
destacar o mecanismo responsável pela reprodução das relações de produção,
comuns a todas as ideologias particulares. É exatamente nesse último aspecto que se
circunscreve o interesse de Althusser. Nessa instância ao propor-se a investigar o que
realmente determinam as condições de reprodução social, o autor parte do
pressuposto de que as ideologias têm existência material, assim sendo, devem ser
conhecidas não como ideia, e sim como um conjunto de práticas materiais que
reproduzem as relações de produção.
Na concepção clássica de capitalismo, as relações de produção implicam
divisão de trabalho entre os indivíduos que são donos do capital e outros que
“vendem” a sua mão-de-obra. O referido modo de produção é a base da formação
social capitalista. Seguindo esses argumentos, na metáfora marxista do edifício
social, a base econômica é designada de infra-estrutura, e as instâncias políticojurídicas e ideológicas são denominadas superestrutura. A infra-estrutura determina a
superestrutura, dito de outro modo, a base econômica determina o funcionamento dos
estratos político-jurídico e ideológicos de uma sociabilidade, sua função primordial
seria a de assegurar, através de mecanismos próprios à sua natureza, qual seja a
perpetuação das relações sociais vigentes (Vaisman, 2006).
Nesses termos é que podemos reconhecer a base estruturalista da teoria
althusseriana, no modo como a infra-estrutura determina a superestrutura e, ao
mesmo tempo, é perpetuada por ela, como um mecanismo cujo movimento circular
faz com que seu funcionamento incida sobre si mesmo.
Consequentemente, como afirma Mussalim (2008, p.126):
A linguística, então, aparece como um horizonte para o projeto althusseriano
da seguinte maneira: como a ideologia deve ser estudada em sua
materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a
ideologia se materializa. A linguagem se coloca, para Althusser, como uma
via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia.
Desse modo, podemos entender em que sentido o Marxismo e a linguística
comandam o nascimento da AD. O referido projeto, inserido em uma tradição
marxista que advogava a apreensão do funcionamento da ideologia tendo com ponto
de origem a sua materialidade, ou seja, por meio das práticas e dos discursos dos
AIE, admitia uma linguística embasada sobre bases estruturalistas. Porém, uma
77
Linguística saussuriana, uma linguística tendo como objeto a língua, não seria
suficiente; só uma teoria centrada no discurso, concebido como o lugar teórico para o
qual fluem componentes linguísticos e sócio-histórico-ideológicos, poderia conceber
esse projeto.
Mas, a tematização da ideologia em Lukács é centrada na constatação
ontológica preliminar. Esta constatação está contida, conforme Vaisman (1989,
p.407),
na afirmação do pensamento marxiano, que é precisamente o
reconhecimento do homem ativo no mundo real, ou seja, o mundo real existe
e essa é uma constatação feita pelo homem ativo no mundo. Em decorrência,
este homem real é capturável pelo homem, pelo seu entendimento. Em
síntese, a concepção ontológica da qual Lukács parte é a de: o homem ativo
no mundo real é capaz de capturar o realmente existente.
Essa concepção de homem como ser prático é a base da tese lukácsiana de
homem que não fica passivo diante das demandas sociais posta ou impostas pela
realidade que o circunda, ao contrário, ele dá respostas a necessidades
determinadas. Aqui, encontramos, pois, o que diferencia Lukács de Althusser: para
este último o homem é um ser socialmente determinado, por isso, submetido às
regras sociais; para Lukács, no entanto, a determinação social se relativiza, diante da
possibilidade de o homem realizar escolhas, a partir da realidade posta.
Lukács em vários momentos expressou-se de modo direto e categórico em
relação à determinação ontológica fundamental:
O homem é um ser que responde. [...] o homem torna-se um ser que dá
respostas precisamente na medida em que – paralelamente ao
desenvolvimento social e em proporção crescente – ele generaliza,
transformando em perguntas seus próprios carecimentos e suas
possibilidades de satisfazê-los; e, quando, em sua resposta ao carecimento
que a provoca, funda e enriquece a própria atividade com tais mediações,
frequentemente bem articuladas (1978, p.5).
Assim, se o homem dá respostas, ele intervém na realidade que o circunda e
reage a alternativas que lhe são apresentadas por essa mesma realidade objetiva e
sua existência é marcada por um processo que só ocorre a partir de posições
teleológicas, atribuição da espécie humana, porque só o homem é capaz de
estabelecer, ou pré-estabelecer um fim específico aos seus atos convertidos em
ações. Afirma o autor (op.cit. p.345):
78
Na ontologia do ser social não há teleologia, enquanto categoria do ser, sem
casualidade que a realize. De outro lado, todos os fatos e eventos que
caracterizam o ser social enquanto tal são resultados de cadeias causais
postas em movimento teleologicamente.
As referidas posições teleológicas realizam-se conforme seu grau de
complexidade e apresentam-se com as denominações de primárias e secundárias. As
“primárias” seriam aquelas em que o homem, no processo metabólico com a
natureza, a transforma para satisfazer as suas necessidades básicas de
sobrevivência, quais sejam, alimentar-se e proteger-se dos eventos provocados pela
natureza. Por seu turno, as “secundárias” têm como objetivo o próprio homem, pois
orientam as ações entre seus pares, na práxis social extra-laborativa, que os induz a
assumirem posições quer de mando, ou de subordinação, quer de cooperação ou de
contestação, de adesão ou resistência, objetivando transformar consciência, diante de
situações reais postas por uma determinada formação social.
Outra contribuição ao entendimento do fenômeno que se denomina ideologia
vem de Bakhtin, para quem o estudo da ideologia, deve ter conexão com o estudo da
linguagem, utilizando o método marxista. Afirma o autor:
A ideologia não pode derivar da consciência, como pretendem o idealismo e o
positivismo psicologista. A consciência adquire forma e existência nos signos
criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os
signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu
desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. (BAKHTIN, 1986, p.35)
Assim, para o referido teórico, objetos materiais do cotidiano dispostos no
mundo, que recebem alguma função no conjunto da vida social, desde que advindos
de um grupo organizado no transcurso de suas relações sociais, passam a significar
além de suas próprias particularidades como matéria. Um objeto de trabalho pode se
converter em signo, desde que em torno dele se incorporem valores que representem
significativamente para os indivíduos organizados socialmente. O conjunto de signos
de um determinado grupo social forma o que Bakhtin denomina de universo de
signos. E todo signo,
além dessa dupla materialidade, no sentido físico-material e no sentido sóciohistórico, ainda recebe um “ponto de vista”, pois representa a realidade a
partir de um lugar valorativo, revelando-a como verdadeira ou falsa, boa ou
má, positiva ou negativa, o que faz o signo coincidir com o domínio do
ideológico (MIOTELLO, 2008, p.4)
79
Assim, todo signo é ideológico, e o ponto de vista, o ambiente valorativo e a
situação são sempre determinados sócio-historicamente. Seu âmbito de constituição
e de manifestação é o da comunicação sem intervalos que ocorre nos grupos
socialmente organizados, no entorno de todas as esferas das atividades dos homens.
O lugar de tais comunicações, sem intervalos, ocorre na interação verbal, o que
confere à linguagem o lugar mais fértil para a materialização do fenômeno ideológico.
2.4
Formação discursiva e formação ideológica
Em sua obra A arqueologia do saber Foucault (1997) é o primeiro estudioso a
tratar teoricamente das formações discursivas. No intuito de descrever as possíveis
relações entre enunciados no campo dos estudos discursivos, o referido teórico forja
o conceito de formação discursiva. Infere que entre as relações de enunciados há
série de lacunas, desvios, etc., chegando à conclusão, com esse raciocínio, que é
indispensável descrever sistemas de dispersão, os quais, por seu turno, estão
relacionados com as formações discursivas.
Advoga o autor que, uma dada formação discursiva relaciona um sistema de
dispersão, onde vai ser possível observar uma regularidade (posições, ordem,
correlações, funcionamento e transformações), em relação aos conceitos, tipos de
enunciação, objetos e escolhas temáticas. Foucault (1997, p.43-44) denomina de
regras de formação as condições a que estão submetidas as escolhas temáticas e
assim se expressa: “As regras de formação são condições de existência (mas
também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em
uma dada repartição discursiva”. As referidas regras de formação permitem, assim, a
determinação dos elementos componentes do discurso e como tal, determinam uma
formação discursiva (FD).
Discorre o teórico que, um enunciado pertence a uma FD, do mesmo modo que
uma frase ou expressão pertence a um texto. Desse modo, a regularidade dos
enunciados é controlada pela FD e, certo número de enunciados, apoiados em uma
mesma FD, compõe o que Foucault denominou de discurso.
80
Assim sendo, Foucault (1997) considera o discurso como dispersão e a FD
insere-se como um sistema enunciativo geral, ao qual pertence um grupo de
performances verbais, dizendo de outro modo, é a FD que vai determinar o tipo de
discurso.
De modo conclusivo, refletindo sobre essas redes de formulações onde
encontramos enunciados, sistema de dispersão, regras de formulação, FD, e
finalmente discurso, Foucault entende por prática discursiva “um conjunto de regras
anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em
uma época dada e para uma área social, econômica ou geográfica dada, as
condições de exercício da função enunciativa” (1997, p.136).
Ao elaborarem o quadro epistemológico da AD, Pêcheux e Fuchs (1975)
retomam a noção de FD originária em Foucault e a constroem a partir do conceito de
formação ideológica (doravante FI) que, como defendido pelos autores, é o elemento
suscetível de agir, como uma força em confronto com outra força, no momento
ideológico característico de uma formação social. O que se chamou de FI constitui-se
na realidade um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem
individuais, nem universais, mas emergem com as posições de cada classe. Desse
modo, as FI compreendem necessariamente uma ou várias formações discursivas
ligadas ente si, as quais comandam o que pode e deve ser dito a partir de uma
posição dada, excluindo ou eliminando, por seu turno, o que não pode e não deve ser
dito em um dado momento da enunciação.
Assim sendo, devemos considerar sempre as construções em que as palavras
e/ou enunciados podem se combinar, uma vez que elas comportam distintos sentidos,
de acordo com as posições adotadas por quem as empregam. Dito de outro modo, as
palavras assumem diferentes sentidos ao transitarem de uma FD a outra. Esse fato
tem relação direta, também, com as distintas posições que o sujeito enunciador vai
assumir no discurso que profere, pois a posição que ele assume está diretamente
conectada com a FI, e consequente FD, em que esse sujeito está inscrito. Por essa
razão, afirmamos que a FD é o ambiente específico da formação dos sentidos, da
materialidade ideológica. Assim, a noção de FD que tem papel representativo, na AD,
dispõe de um status central de articuladora entre língua e discurso.
Ainda, seguindo o raciocínio de Pêcheux e Fuchs (1975), “o ‘sentido’ de uma
sequência discursiva só é materialmente concebível na medida em que se concebe
esta sequência como pertencente a esta ou àquela formação discursiva” (1975,
81
p.169). Desse modo, para que uma sequência discursiva seja possuidora de sentido,
deverá pertencer, indubitavelmente, a uma determinada FD. Esta afirmação explica,
do mesmo modo, o fato de que uma sequência pode possuir vários sentidos em
distintos enunciados.
Assim, a concepção de mundo não pode existir desvinculada da linguagem,
motivo pelo qual as distintas FIs têm sua materialidade assegurada nas distintas FDs.
Desse modo, as FDs representam, na ordem do discurso, as FIs que lhes são
correspondentes Grigoletto (2003).
Em síntese: a FD é a materialização de uma determinada FI, em uma situação
de interlocução específica; é a materialização, no discurso, da formação ideológica.
Pode ser entendida como sendo um conjunto de enunciados constituídos por
idênticas regras de formação que representam um lugar destacado de articulação
entre língua e discurso. Desse modo, a AD trabalha com a noção de FD enquanto
elemento componente da FI, com o objetivo de atestar o funcionamento da ideologia
na composição do discurso.
Destacamos, ainda, que a noção de FD, na teoria do discurso, é atravessada
por três distintos momentos, a saber: o primeiro, no final da década de 60, momento
em que Pêcheux teorizava em Análise Automática do Discurso, a FD era
concebida como um conjunto de regras de formação, atravessadas pela
homogeneidade, o que possibilitou que se discutissem diferentes FDs, sem ter
relações umas com as outras, sem elo algum entre as mesmas. Concebida
inicialmente como homogênea; em um segundo momento, após 1975, os teóricos
empenham-se em falar num complexo de FDs, dentre as quais, uma é dominante e
mantém contatos com as outras.
Em 1981, com Courtine, é inaugurada uma nova fase na noção de FD. Pois
nesse momento não se trata mais de um complexo de FDs com dominante, mas de
uma FD que se mostra heterogênea, onde há espaço para o distinto, o diferente, para
o que se mostra contraditório. Deparamo-nos com distintas posições-sujeito35 no
corpo de uma mesma FD marcadamente heterogênea. E suas fronteiras são
35
Essas distintas posições-sujeito só são possíveis dada à heterogeneidade do discurso, abrindo
espaço para a contradição, descontinuidades, dispersões, pré-constrídos. E para Indurski (1997, p.2728) o sujeito, ao produzir seu discurso, o faz a partir de determinadas posições sujeito, igualmente
ideológicas. Tais posições, contudo, não transformam esse sujeito em uma figura que decide
livremente seu discurso, pois se trata de um sujeito socialmente constituído. No entanto, por não ter
consciência de seu assujeitamento, mantém fortemente arraigada a ilusão de ser plenamente
responsável por seu discurso e suas posições.
82
essencialmente instáveis, não possuindo um limite traçado aprioristicamente e
possibilitando deslocamentos.
Posteriormente em 1982, o referido teórico reelabora
o conceito de FD, afirmando que “uma FD não é só um discurso para todos, não é
também a cada um seu discurso, mas deve ser pensada como dois (ou mais)
discursos em um só” (1982, p.245). Ocorre então o entendimento de que, a
contradição é elemento constitutivo de toda FD, que se mostra heterogênea em
relação a si mesma.
Neste estudo tomamos essa última noção de FD apresentada por Courtine
(1981), na qual há lugar para as contradições, para os distintos efeitos de sentido e
para as diferentes posições-sujeito. Assim sendo, nessa concepção há lugar para a
heterogeneidade e para fronteiras instáveis. Essa categoria discursiva está inscrita no
interior do interdiscurso, responsável, pois, pelo deslocamento de suas fronteiras.
Doravante, neste estudo, passaremos a discutir o conceito de interdiscurso,
associado ao intradiscurso.
2.5
A noção de pré-construído
É pela noção de pré-construído, que se designa uma situação onde o modo de
organização do objeto é indistinguível de seu modo de interpretação.
Assim, o pré-construído é um componente do interdiscurso determinado
materialmente na sua própria estrutura. Elemento esse de um determinado domínio
de saber que irrompe em outro sob a forma de “pré-construído”, ou seja, como se
esse elemento já se encontrasse aí. Nesses termos Pêcheux (1975) afirma que o
“pré-construído corresponde ao ‘sempre-já-aí’ da interpelação ideológica que forneceimpõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade (o ‘mundo das
coisas’).”
De acordo com Courtine (1981), o pré-construído remete às evidências, através
das quais o sujeito percebe os objetos de seu discurso: “o que cada um sabe” e
simultaneamente “o que cada um pode ver” em dada situação. E isso nos remete a
um efeito que está ligado ao interdiscurso como memória do dizer.
83
2.6
Interdiscurso e intradiscurso
Em Pêcheux (1975, p.162) encontramos uma das mais importantes teses do
autor quando afirma:
Toda formação discursiva dissimula, pela transparência de sentido que nela
se constitui, sua dependência com relação ao “todo complexo com
dominante” das formações discursivas, intricado no complexo das formações
ideológicas
O mais importante que nos cumpre destacar dessa formulação é a assertiva da
dependência da FD em relação ao todo complexo com dominante. O que se
especifica melhor em outro trecho, no qual o referido teórico propõe:
chamar interdiscurso a esse “todo complexo com dominante” das formações
discursivas, esclarecendo que também ele é subordinado à lei de
desigualdade-contradição-subordinação que (...) caracteriza o complexo das
formações ideológicas (ibidem).
Assim sendo, o próprio de toda FD é dissimular, no sentido que nela se forma a
objetividade material contraditória do interdiscurso, que especifica essa FD como tal.
Essa objetividade a que nos referimos tem lugar no fato de que “algo fala” sempre
“antes, em outro lugar e independentemente”, ou seja, sob a dominação do complexo
das formações ideológicas em confronto nas relações de dominação/subordinação.
(FLORENCIO et al, 2009).
Para Courtine (1981), o interdiscurso é espaço no qual se constituem os
objetos de que o sujeito enunciador se apropria para fazer deles os objetos do seu
discurso. As uniões entre esses objetos (o que dá coerência ao propósito do sujeito)
referem-se ao que Courtine, em comunhão com Pêcheux (1975), designa de
intradiscurso da sequência discursiva.
Assim sendo,
É, portanto, na relação entre o interdiscurso de uma FD e o intradiscurso de
uma sequência discursiva produzida por um sujeito enunciador a partir de um
lugar inscrito em uma relação de lugares no seio desta FD, que é preciso
situar os processos pelos quais o sujeito falante é interpelado-assujeitado em
sujeito do seu discurso (COURTINE, 1981, p.35)
84
Cumpre ressaltar que a FD está inscrita no interior do interdiscurso como
memória do dizer. De acordo com o referido autor, o interdiscurso consiste em um
processo de reconfiguração incessante, no qual o saber de uma Formação Discursiva
é conduzido em função das posições ideológicas que esta FD representa, numa
conjuntura determinada, incorporando elementos pré-construídos, (sempre-já-aí da
interpelação ideológica), entre outros. Desse modo, conforme o avanço promovido por
Courtine, nessa noção,
o interdiscurso de uma FD (constitutivamente contraditória) como instância de
formação/repetição/transformação dos elementos do saber dessa FD, pode
ser entendido como o que regula o deslocamento de suas fronteiras (1982,
p.250)
Assim, é o interdiscurso a categoria discursiva que determina o efeito de
encadeamento do pré-construído36. Pode ser entendido como o interdito do discurso,
o já-dito em seu estado puro, ou seja, a ausência, a falta, o silêncio, a lembrança, a
incompletude, o esquecimento. Desse modo, executa a re-significação do sujeito
sobre o que já foi dito, e caracteriza-se como o repetível, determinando os
deslocamentos executados por esse sujeito nas fronteiras de sua FD, ou seja, de sua
posição-sujeito Grigoletto (2003).
De acordo com o que já foi citado, temos associado ao interdiscurso o
intradiscurso, que pode ser entendido como o fio condutor do discurso; é o efeito do
interdiscurso, enquanto elemento pré-construído sobre si mesmo, porque incorporadissimula, no eixo sintagmático, a relação de possibilidade de substituição entre
elementos, como se esses possuíssem um sentido literal. Pode ser entendido como
um simulacro material do interdiscurso, o lugar onde se realiza a sequencialização
dos elementos de saber, lugar onde a desnivelação interdiscursiva dos enunciados é
linearizada, conforme Courtine (1982).
Desse modo, enquanto o interdiscurso é a dimensão vertical do discurso, o
intradiscurso é a horizontal, pois, são dois conceitos que estão unidos um ao outro,
compondo o discurso. “Falar de discurso não é senão falar do plano do interdiscurso e
do intradiscurso” (COURTINE, 1982, p.251).
36
Podemos entender o termo pré-construído como sendo aquele empregado para designar de todo
modo, qualquer conteúdo possível numa coletividade e agiria assim, com termos que nomeiam
estereótipos, preconceitos, script, etc., ou seja, nomeia representações sociais já consolidadas. Nestes
termos, podemos entendê-lo como traços num discurso específico de elementos discursivos
anteriormente existentes, a partir dos quais o enunciador dispõe para a construção de seu próprio
discurso, Maingueneau (1989).
85
Dessa forma é na articulação do plano interdiscursivo com o plano
intradiscursivo que se forma o discurso. Assim sendo, as características em termos de
funcionamento ou efeito discursivo advêm de uma relação da dimensão vertical, lugar
onde se tece o saber da FD, e da dimensão horizontal, lugar onde os elementos deste
saber linearizam-se.
2.7
Silenciamento
Encontramos em Orlandi (1995), o silêncio trabalhado como categoria
discursiva da AD e, como tal, não podemos concebê-lo como ausência de sons ou de
palavras que não participam dos processos de significação. Ao contrário, o silêncio é
considerado como sentido; matéria significante, como indício de uma totalidade
significativa e, fazendo parte integrante da constituição de produção de sentidos, ele é
fundante – silêncio fundador – significa em si mesmo e rege os processos de
significação.
Segundo a referida autora, o silêncio assim considerado é o lugar onde é
permitido à linguagem significar. Além do silêncio fundador, tal como descrito acima,
existe o silenciamento que pode ser entendido como uma política do silêncio e que
possui duas formas de existência interligadas, que se expressam através do silêncio
constitutivo e do silêncio local. Pode ser ainda, definida como sendo o fato pelo qual,
ao dizer algo, apagamos necessariamente outro(s) sentido(s) que se mostram
possíveis, mas também indesejáveis, em uma determinada situação discursiva.
A distinção que se institui entre os dois (silêncio fundador e política do silêncio)
reside no fato de que o silêncio fundador não estabelece qualquer espécie de fronteira
ou recorte entre o que se diz e o que não se diz, ele significa em si e por si mesmo;
enquanto que a política do silêncio encontra seu limite circunscrito ao das distintas
formações discursivas, consequentemente determinando até onde se instalam as
fronteiras do dizer, pois, como nos adverte Orlandi (op. cit. p.76), o silencio
constitutivo representa
86
a política do silêncio como um efeito de discurso que instala o antiimplícito: se
diz “x” para não (deixar) dizer “y”, este sendo o sentido a se destacar do dito.
É o não-dito necessariamente excluído. Por aí se apagão os sentidos que se
quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo de uma
“outra” formação discursiva, uma “outra” região de sentidos. O silêncio
trabalha assim os limites das formações discursivas, determinando
consequentemente os limites do dizer.
Assim sendo, a política do silêncio é utilizada para evitar sentidos que possam
trazer desestabilização ao dizer. Pois, como explicitado na citação acima, diz-se algo
para que se apaguem dizeres indesejáveis à uma formação discursiva dada, em favor
de uma outra.
As categorias acima descritas, serão, então, sustentação para a análise do
corpus desse trabalho, no capítulo a seguir.
87
3
O DISCURSO OFICIAL
3.1
Um gesto de leitura
Como evidenciamos, na introdução desse estudo, nossas análises serão
construídas tendo como referencial teórico a Análise do Discurso (AD) de escola
francesa, a partir de teorizações de seu fundador Michel Pêcheux. A referida teoria
trabalha com conceitos nucleares, quais sejam, sujeito, ideologia e discurso,
indispensáveis aos estudos dos processos discursivos, tendo a linguagem como
elemento mediador, fundamental nas relações humanas histórica e socialmente
constituídas, concluindo-se pois que não há linguagem sem sujeito e nem sujeito sem
linguagem. Portanto, nessa direção, convém notar, a AD adverte que “é linguagem
porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história”
(ORLANDI, 2003, p.25). Em outros termos, a AD objetiva a compreensão de como o
objeto simbólico produz sentidos, como ele está constituído de significância para e por
sujeitos. Esse modo de compreensão, por seu turno, implica explicitar como o texto
organiza os gestos de interpretação que unem sujeito e sentido.
É a partir do gesto de interpretação, na compreensão do que se diz, que, pela
análise de marcas discursivas, com o apoio das categorias da AD, conseguimos
perceber o que não está dito, o que está interditado, excluído, silenciado.
Assim, nesse estudo nos cabe uma investigação, que contempla a ordem do
discurso, em relação com a história e com o momento social – no qual se realizaram
as sequências discursivas que tomamos para análise, – condições que lhes dão uma
existência específica. Essa existência faz o discurso emergir em relação a um
domínio de memória, mas, também, como possibilidade de discursos outros, a partir
de posições do sujeito, podendo gerar novas posições.
Nesses termos, nosso objetivo é analisar o funcionamento discursivo para o
ensino de Línguas Estrangeiras Modernas nos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM), no que diz respeito aos Conhecimentos de Língua
Estrangeira e entender, no referido documento, de que lugar os sentidos são
produzidos.
88
Os discursos estão circunscritos em uma dada formação discursiva dominante
que procura controlar o que pode e o que não pode ser dito, mas nem por isso
fechado à interferência ou interlocução com outros discursos, pois acreditamos que a
correlação, deslocamento, ou, vizinhança com outro(s) discurso(s) (o interdiscurso))
se deve ao fato de que o discurso acontece sempre no interior de uma série de outros
discursos. Segundo Pêcheux (2002, p.55):
esse discurso-outro, enquanto presença virtual na materialidade descritível da
sequência marca, do interior, desta materialidade, a existência do outro como
lei do espaço social e da memória histórica, logo como o próprio princípio do
real sócio-histórico.
Dado que a interdiscursividade é própria do discurso, as redes de memórias
participam da produção de sentidos em um momento histórico determinado. Desse
modo, recorrendo à AD pretendemos responder à questão maior que se nos
apresenta no início do processo de produção desse trabalho, qual seja o discurso do
ensino de línguas estrangeiras modernas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio (PCNEM) e, desse modo, verificar em quais condições os sentidos
são produzidos, tomando como suporte esse documento oficial que pode apontar, em
sua materialidade, para discursos outros, próprios a determinadas posições políticoideológicas.
É a partir da atual LDB e dos referidos documentos oficiais que a disciplina
Língua Estrangeira Moderna passa a compor o rol das disciplinas obrigatórias do
currículo do Ensino Médio e a integrar a grande área das Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, respectivamente.
Segundo os PCNEM, os conhecimentos de Língua Estrangeira são
indispensáveis à formação dos alunos de nível médio de ensino da educação básica
brasileira, pois objetiva-se que os discentes, ao concluir o Ensino Médio, estejam
aptos a se comunicar em Língua Estrangeira e possam aproximar-se de distintas
culturas, no intuito de propiciar sua integração às demandas das economias
globalizadas. Nessa perspectiva,
89
Conceber-se a aprendizagem de Línguas Estrangeiras de uma forma
articulada, em termos dos diferentes componentes da competência
linguística, implica, necessariamente, outorgar importância às questões
culturais. A aprendizagem passa a ser vista, então, como fonte de ampliação
dos horizontes culturais. Ao conhecer outra(s) cultura(s), outra(s) formas de
encarar a realidade, os alunos passam a refletir, também, muito mais sobre a
sua própria cultura e ampliam a sua capacidade de analisar o seu entorno
social com maior profundidade, tendo melhores condições de estabelecer
vínculos, semelhanças e contrastes entre a sua forma de ser, agir, pensar e
sentir e a de outros povos, enriquecendo a sua formação. (BRASIL, 2002,
p.152)
Nesses termos a abordagem comunicativa do ensino de Língua Estrangeira
parece não prescindir dos aspectos culturais subjacentes ao idioma; parece, ainda,
que a relação que se estabelece com uma dada realidade sociocultural nova se
produz sob a base dos pressupostos culturais que formam a própria identidade social.
No entanto essa relação como a realidade aponta para a busca de uma interação
perfeita entre diferentes culturas e diferentes sujeitos, para garantir a competência
linguística e comunicativa numa segunda língua.
Aqui, como se vê, esbarramos em concepções que vêem a cultura como
estável, exterior ao sujeito; a língua como instrumento de comunicação e esta última,
por sua vez, como uma realização sem ruídos que proporcionarão sempre uma
perfeita interação entre os falantes de línguas diferentes. Nessa visão, apaga-se, pois,
a heterogeneidade constitutiva da língua e do discurso, imprescindível em qualquer
funcionamento discursivo.
A abordagem comunicativa sustenta-se, assim, na pressuposição de uma
comunicação sem falhas, numa aquisição de uma língua que propicie ao postulante
fazer uso da língua como um nativo, pelo uso de um vocabulário adequado, uma
pronuncia sem o acento de sua própria língua e uma certeza dos efeitos de sentido
que, por ele produzidos, serão perfeitamente compreendidos nas situações de
comunicação. O que se pretende é, portanto, um ensino de Língua Estrangeira que
tenha como função levar o aluno a uma comunicação “autêntica” e “eficaz”.
Mas, ao contrário da noção de competência sem falhas, a AD vê incompletude
como constitutiva dos processos discursivos, em que se abrem espaços de reflexões,
críticas, análises, um lugar de interpretação que permite diferentes sentidos para
diferentes culturas, pensadas, sempre, a partir de processos sócio-históricos.
O ensino de uma Língua Estrangeira Moderna em que se valorizam diferentes
culturas vai além de “enriquecer” a “formação” do aluno no estabelecimento de
“vínculos, semelhanças e contrastes entre a sua forma de ser, agir, pensar e sentir e
90
a de outros povos” (BRASIL, 2002, p.152). Mais do que constatar diferenças, é
preciso pensar a cultura como dinâmica, espaço de constituição do sujeito que a
produz, mas que por ela é afetado.
Para que se pense comunicação entre línguas e culturas, necessário se faz
assumir uma postura política diante do ensino/aprendizagem de uma Língua
Estrangeira Moderna que valorize o movimento de sujeitos e discursos envolvidos.
Aprender uma segunda língua não é apenas alcançar um domínio funcional de
um novo código linguístico, mas também ser capaz de interpretar e relacionar-se com
uma realidade sociocultural distinta.
As sequências discursivas (SDs) que selecionamos, são extraídas dos
Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna. O texto sobre os Conhecimentos da
disciplina está dividido em dois panoramas: no primeiro, a partir de uma perspectiva
histórica do ensino da disciplina (SDs1). Num segundo panorama, o texto dos
Conhecimentos de Línguas Estrangeira, refere-se à integração da disciplina de
Língua Estrangeira na grande área das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
(SDs2).
SDs 1:
SD 1.1 – “No âmbito da LDB, as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam,
de alguma forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada.”
SD 1.2 – “Considerada, muitas vezes e de maneira injustificada, como
disciplina pouco relevante, elas adquirem, agora, a configuração de disciplina tão
importante como qualquer outra do currículo, do ponto de vista da formação do
indivíduo.”
SD 1.3 – “Assim, em lugar de capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um
novo idioma, as aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio,
acabaram por assumir uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a
desmotivar professores e alunos, ao mesmo tempo em que deixa de valorizar
conteúdos relevantes à formação educacional dos estudantes.”
SD 1.4 – “Além da carência de docentes com formação adequada e o fato de
que, salvo exceções, a língua estrangeira predominante no currículo ser o inglês,
reduziu muito o interesse pela aprendizagem de outras línguas estrangeiras e a
consequente formação de professores de outros idiomas.”
91
SDs 2:
SD 2.1 – “Ao figurarem inseridas numa grande área – Linguagens, Código e
suas Tecnologias –, as línguas Estrangeiras Modernas assumem a sua função
intrínseca que, durante muito tempo, esteve camuflada: a de serem veículos
fundamentais na comunicação entre os homens.”
SD 2.2 – “É essencial, pois, entender-se a presença das Línguas Estrangeiras
Modernas inseridas numa área, e não mais como uma disciplina isolada no currículo.”
SD 2.3 – “Embora seja certo que os objetivos práticos – entender, falar, ler e
escrever – a que a legislação e especialistas fazem referência são importantes, quer
nos parecer que o caráter formativo intrínseco à aprendizagem de Línguas
Estrangeiras não pode ser ignorado.”
3.2
Refletindo sobre o corpus
3.2.1 Condições de produção dos PCNEM para língua estrangeira moderna
Em meio à efetivação da ideologia neoliberal, que se iniciava na década
anterior, em que se verificava a chegada da globalização, a educação não ficou
incólume a todas as determinações do capital.
Dentro de necessidades de manutenção que acontecem nos periódicos
acontecimentos de renovação do capital, encontramos a ideia de globalização como
“expressão das forças de mercado [que] sugere o nascimento de um mundo sem
fronteiras e grandes empresas ‘sem nacionalidade’, que promove o deslocamento das
coisas, indivíduos e ideias” (CAVALCANTE, 2007, p.59).
Surgem, então, as reformas educacionais, como parte dessa conjuntura
política, dando lugar à produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados
no Ministério da Educação, para que tenham sua aplicação em toda a rede nacional
de ensino público, como proposta única, sem que haja lugar para outras propostas
92
que poderiam ser discutidas, quanto às necessidades que a educação no Brasil
apresenta37.
Nessas condições de produção dos PCNEM estão os Conhecimentos de
Língua Estrangeira Moderna que, diante do processo de globalização, em curso no
regime neo-liberal, são fixados, determinados por essa formação ideológica
dominante, materializada, no caso, no complexo de formações discursivas, a
dominante, as FDs da globalização, do mercado, da educação, mantendo e
assegurando a ideologia do capital.
Desse modo, a opção pela abordagem comunicativa adotada no contexto das
reformas educacionais brasileiras da década de 1990, não pode ser compreendida
como um fenômeno isolado de outras demandas sociais, surgidas no contexto
mundial e local, pois com a implantação na economia brasileira do neoliberalismo –
compreendido como a doutrina que favorece uma redução do papel do Estado na
esfera econômica – e consequentemente no modelo educacional brasileiro, fica
atestada a possibilidade de um documento governamental veicular, em seu discurso,
a posição político-ideológica do capital, direcionada à lógica de mercado e de quem
dela possa se beneficiar, deixando à margem as relações sociais.
Vejamos, então, o que nos dizem as SDs que retiramos de nosso corpus,
composto pelos Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna.
SD 1.1 – No âmbito da LDB, as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam38, de
alguma forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada.
Como podemos depreender pelo que está expresso na SD 1.1, no âmbito da
legislação específica, as Línguas Estrangeiras Modernas recobram uma importância
que ao longo dos anos não se confirmava. Desse modo, o que está implícito, não-dito,
é que houve um período na história da educação brasileira em que o ensino e a
aprendizagem de Língua Estrangeira gozavam de algum prestígio, dentre as
disciplinas que compunham o currículo escolar da educação básica. Pois, o verbo
recuperar nos confere esta prerrogativa – recuperam – recuperar significa readquirir
37
Convém notar que para os Conhecimentos de Língua Estrangeira, que estão embutidos nos
PCNEM, a teoria da abordagem comunicativa, à qual nos referimos anteriormente, anula a criticidade,
que não convém aos princípios ideológicos vigentes.
38
Vocábulo definido no Novo Dicionário Aurélio (1ª edição, 15ª impressão) como “v.t.d. 1. Ter ou obter
novamente (coisa, estado, condição que se havia perdido); reaver, retomar, readquirir, recobrar.
93
algo que se havia perdido, ou seja, reaver uma importância que um dia lhe foi
conferida.
Assim, o enunciante ao sustentar esse dizer, parece referir-se a legislações
anteriores – como a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei de
Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que “Fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional” – nenhuma referência faz ao ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira
Moderna. Mas agora recuperam a importância negada. De que forma? Com que
finalidade?
SD 1.2 – Considerada, muitas vezes e de maneira injustificada, como
disciplina pouco relevante, elas adquirem, agora, a configuração de disciplina
tão importante como qualquer outra do currículo, do ponto de vista da formação
do indivíduo.
Na supracitada SD o dêitico39 – elemento linguístico que, em um enunciado,
organiza as relações temporais em torno do sujeito tomando como referência o tempo
presente, ou seja, faz referência à situação em que esse enunciado é produzido –
agora, dialoga com uma situação anterior, pois embora “a legislação da primeira
metade deste século já indicasse o caráter prático que deveria possuir o ensino das
línguas estrangeiras vivas, nem sempre isso ocorreu” (BRASIL, 2002, p.147). Atribuise nos PCNEM a ausência do caráter prático que deveria nortear o ensino de Língua
Estrangeira a fatores como o reduzido número de horas-aula dedicado ao ensino da
disciplina e a carência de profissionais com formação específica para o exercício
docente.
Agora, com a implantação dos PCNEM todos os problemas referentes à pouca
relevância no currículo escolar das Línguas Estrangeiras estão sanados. Com isso,
procura-se produzir um sentimento de certeza de que, a partir do momento presente,
não haverá mais empecilhos à formação geral dos educandos nesse campo do saber.
Nesses termos, como reza a legislação vigente, observamos que em contraposição à
pouca importância dada anteriormente ao ensino e aprendizagem de Língua
39
Dêitico é todo elemento linguístico que, num enunciado, faz referência: (1) à situação em que esse
enunciado é produzido; (2) ao momento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante
(modalização). Assim, os demonstrativos, os advérbios de lugar e de tempo, em geral deles derivados,
os pronomes pessoais, os artigos (...) são dêiticos, constituem os aspectos indiciais da linguagem.
(DUBOIS, et al 1998, p.167)
94
Estrangeira Moderna, a atual LDB de Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 em seu
Artigo 36, inciso III, que transcrevemos revela-nos,
Art. 36 O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste
Capítulo e as demais diretrizes:
[...]
[...]
III. será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das disponibilidades da instituição.
Desse modo, o texto do Inciso III estabelece a inclusão, no currículo do Ensino
Médio, de duas línguas estrangeiras: uma em caráter obrigatório e outra de oferta
facultativa e, de acordo com os PCNEM, com a opção pela abordagem comunicativa
do ensino de língua estrangeira, “uma modalidade de curso que tem como princípio
geral levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações da
vida cotidiana” (BRASIL, 2002, p.148). O que fica explicitada é a limitação do aluno a
apenas comunicar-se no idioma em situações sociais em que sua competência
comunicativa seja posta em evidência.
Assim sendo, ao educando lhe é negada uma abordagem de ensino de Língua
Estrangeira que contemple a oportunidade de posicionar-se como sujeito atuante em
seu meio social. Silencia-se, desse modo, a ausência de oportunidades para todos na
condução das decisões de interesse social, especificamente, as relacionadas à
educação básica, ficando atestado o não-cumprimento das atribuições do Estado
brasileiro para com uma educação democrática.
A opção por uma abordagem comunicativa de ensino de Língua Estrangeira na
escola de nível médio se dá no momento em que vivenciamos o advento da
globalização das economias, e das relações internacionais, quando em âmbito
mundial e local é o mercado e o capital financeiro quem ditam as regras para a
condução do que seriam prioridades sociais, o que propicia, no âmbito pessoal, a
tendência de que cada um se torne, a sua maneira e de modo adicional, ascendente,
cidadão do mundo, com a prevalência da ideia de realização centrada no sujeito
individual, sem o compromisso de envolvimentos com as conquistas sociais, visto
que, na lógica do capital, a individualidade se dá pelo espírito de competitividade que
rege a sociedade, produzindo relações conflitantes, entre os indivíduos que se
transformam em adversários mútuos.
95
Nesses termos, a opção por uma abordagem discursiva de ensino de Língua
Estrangeira, reveste-se de uma exigência de valor indiscutível, para que seja
oportunizada a todos, uma participação na condução das políticas públicas
educacionais e, de um modo geral, nas conquistas de direitos sociais40.
Nessa SD 1.2 – Considerada, muitas vezes e de maneira injustificada,
como disciplina pouco relevante, elas adquirem, agora, a configuração de
disciplina tão importante como qualquer outra do currículo, do ponto de vista
da formação do indivíduo.
Silencia-se o fato de que o currículo do Ensino de Nível Médio no país é
propedêutico, portanto introdutório e que prepara os discentes apenas para o ingresso
nas Universidades e Faculdades, ou seja, não tem caráter formador. Na verdade, o
que se verifica é que o ensino de Língua Estrangeira Moderna nas escolas públicas
não vem atendendo nem aos padrões mínimos de aprendizado de uma Língua
Estrangeira. Deixa esse aprendizado para os alunos da rede privada de ensino que
não têm dificuldades de acesso e permanência na escola, mas estarão todos, pela
oferta da escola regular, aptos à aprovação no exame do vestibular, condição
necessária e suficiente ao ingresso nos cursos de nível superior, via de acesso para a
passagem da educação básica à de nível superior. Estes mesmos alunos têm, ainda,
a opção de uma educação bilíngue, pelo fato de poderem pagar institutos de língua
que lhes propiciarão um aprendizado mais efetivo de uma Língua Estrangeira.
O fragmento do ponto de vista da formação do indivíduo, da SD 1.2 nos
possibilita deduzir que antes as Línguas Estrangeiras não tinham uma configuração
de disciplina regular. Mas agora têm importância para a formação do indivíduo. A que
formação se referem? À formação que prepara o aprendente de uma Língua
Estrangeira para acatar regras sociais de uma outra cultura, apenas estabelecendo
comparações com a sua, sem a possibilidade de uma reflexão crítica?
Na sequência discursiva (SD 1.3) vamos encontrar uma justificativa para um
novo modelo que se impõe como solução para os problemas que as escolas vinham
enfrentando no ensino de Língua Estrangeira Moderna: Assim, em lugar de
capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um novo idioma, as aulas de Línguas
40
Desse modo – lembrando Lukács (1978) – somente assim o homem poderá reagir às questões
postas na realidade, refletindo sobre ela e posicionando-se como sujeito que faz história, pela via de
sua intervenção na sociabilidade. Essa constituição do sujeito se dá “através das práticas sociais e da
ideologia que darão as bases do complexo psíquico do indivíduo” (FLORÊNCIO et al, 2007, p.43)
96
Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram 41 por assumir
uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar
professores e alunos, ao mesmo tempo em que deixa de valorizar conteúdos
relevantes à formação educacional dos estudantes.
O fragmento em lugar de capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um
novo idioma, as aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível
médio, acabaram por assumir uma feição monótona e repetitiva, recorre à noção
de ensino de Língua Estrangeira em um enfoque tradicional, em detrimento dos
aspectos relacionados com a Abordagem Comunicativa de ensino que é a proposta
contemplada nos PCNEM, pois, segundo esta última,
Para poder afirmar que um determinado indivíduo possui uma boa
competência comunicativa em uma dada língua, torna-se necessário que ele
possua um bom domínio de cada um dos seus componentes. Assim, além da
competência gramatical, o estudante precisa possuir um bom domínio da
competência sociolingüística, da competência discursiva e da competência
estratégica (BRASIL, 2002, p.151).
Na Abordagem Comunicativa de ensino de Língua Estrangeira, tal como
indicado nos PCNEM, em contraposição ao Ensino Tradicional, a língua é concebida
como um exercício em que se privilegiam as competências gramatical e comunicativa,
direcionadas a uma comunicação perfeita, como já dissemos, preocupada apenas em
evitar falhas de vocabulário, que deve ser adequado: (conhecimento sociolinguístico e
discursivo – nesse sentido).
Assim, para que os indivíduos possam interagir com eficiência necessitam
desenvolver uma competência comunicativa que envolva o conhecimento do uso
social da língua, conhecimento gramatical e lexical. O termo Ensino Tradicional de
Língua Estrangeira, que esses novos conhecimentos pretendem reverter tem como
método o ensino/aprendizagem de aspectos que se limitam ao ensino da gramática e
tradução da língua em estudo, no qual o aprendente adquire apenas uma
competência metalinguística do idioma.
SD 1.3 – Assim, em lugar de capacitar o aluno a falar, ler e escrever em
um novo idioma, as aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de
nível médio, acabaram42 por assumir uma feição monótona e repetitiva que,
41
42
(Grifo Nosso)
(Grifo Nosso)
97
muitas vezes, chega a desmotivar professores e alunos, ao mesmo tempo em
que deixa de valorizar conteúdos relevantes à formação educacional dos
estudantes.
Observamos no fragmento da SD 1.3 acima: ao mesmo tempo em que deixa
de valorizar conteúdos relevantes à formação educacional dos estudantes. O
operador discursivo ao mesmo tempo, indicativo de simultaneidade, nos conduz ao
entendimento de que as Línguas Estrangeiras no modelo de ensino de nível médio
vigente no país nos anos que antecederam a edição e implantação dos PCNEM, não
contribuíam para a formação dos educandos. Ao afirmar que – deixa de valorizar os
conteúdos relevantes – o enunciador não explicita quais conteúdos considera como
importantes à formação educacional dos educandos. Apenas cita que a metodologia
anterior, utilizada no ensino de Línguas Estrangeiras Modernas, não os considerava.
Retomando na SD 1.3, Assim, em lugar de capacitar o aluno a falar, ler e
escrever em um novo idioma, as aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas
escolas de nível médio, acabaram43 por assumir uma feição monótona e
repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar professores e alunos, ao
mesmo tempo em que deixa de valorizar conteúdos relevantes à formação
educacional dos estudantes. Verificamos que a formação dos educandos é
destaque nos Conhecimentos de Língua Estrangeira, mas permanece apontada de
forma vaga, sem que se tenha clareza de que formação falam. Há, pois, um
silenciamento quanto a essa definição. Como advoga Orlandi (1995), na possibilidade
de se dizer “x” para não (permitir) dizer “y”, este sendo o sentido a se destacar do dito,
ou seja, é o não-dito necessariamente excluído. Por esse expediente se apagam os
sentidos que se quer excluir, sentidos que poderiam acionar o trabalho significativo da
formação discursiva dominante em evidencia nas reformas educacionais dos anos de
1990, determinando em consequência os limites do dizer, pois explicitando de que
formação se fala, poderia instalar uma FD, que não se quer que venha à tona.
SD 1.4 – Além da carência de docentes com formação adequada e o fato
de que, salvo exceções, a língua estrangeira predominante no currículo ser o
inglês, reduziu muito o interesse pela aprendizagem de outras línguas
estrangeiras e a consequente formação de professores de outros idiomas.
43
(Grifo Nosso)
98
Entre as décadas de 1960-1970 ocorre no Brasil o que ficou conhecido como o
“Milagre Econômico”, compreendido mais especificamente entre os anos 1969-1973,
período que corresponde ao primeiro decênio da vida política nacional sob a égide da
Ditadura Militar, quando vemos emergir, dentre outras demandas, o crescimento
acelerado da indústria nacional no eixo Rio-São Paulo, evento que provoca a
ampliação da concentração de rendas no país e um consequente aumento na
exclusão social das classes subalternas.
No campo da educação ocorre a difusão da pedagogia tecnicista que tinha
como elemento principal a implantação das ideias produtivistas na educação nacional,
priorizando a organização racional dos meio empregados à consecução de seus
objetivos, inspirada no modo de funcionamento do sistema das fábricas, que resultou
no aumento do caos em que já se encontrava o sistema educacional brasileiro (cf.
Saviani, 2007).
O país passa a integrar o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos da
América do Norte – EUA. Desse modo, as políticas linguísticas adotadas no país para
as relações com a comunidade internacional e as exigências internas, como as
centradas no contexto educacional, limitavam-se, exclusivamente, ao protagonismo
da centralidade da língua inglesa para atender as exigências postas pela expansão do
sistema capitalista nos países periféricos e à demanda do mercado também em
expansão. Assim, presenciávamos uma ideologia liberal, tendo o dólar como moeda
determinante na economia, o capitalismo como instrumento do sistema político e,
como consequência, a língua inglesa prestigiada como “a língua internacional” que
forçosamente atendia a todos os interesses que envolviam a dominação norteamericana na cultura brasileira, em sua memória histórica de país colonizado.
O monopólio linguístico do ensino de língua inglesa nas escolas brasileiras, as
questões sócio-históricas de tal fato são omitidas, ou seja, o real sentido dos eventos
discursivos, associados às contingências históricas, não são explicitados. Apenas dizse que a língua inglesa predominava, silenciando-se o porquê dessa predominância,
salientando-se que havia “carência de docentes com formação adequada”. Isto
aparece como forte argumento para reduzir “muito”o interesse pela aprendizagem de
outras Línguas Estrangeiras.
Desse modo, a não formação de professores em outras Línguas Estrangeiras é
sugerida como responsabilidade dos mesmos que não tiveram interesse em adquirila. Em nenhum momento, é dito que tal formação não era ofertada e nem a razão pela
99
qual isto não acontecia. As questões histórico-sociais e ideológicas às quais nos
referimos são apagadas, mas há uma memória que dá lugar ao retorno de discursos
outros, embora ocorram falhas e lacunas que concorrem para o apagamento do que
não pode ou deve ser dito.
Na SD 2.1 - “Ao figurarem inseridas numa grande área – Linguagens,
Código e suas Tecnologias –, as línguas Estrangeiras Modernas assumem a sua
função intrínseca que, durante muito tempo, esteve camuflada: a de serem
veículos fundamentais na comunicação entre os homens.” vemos declarado que
a função intrínseca das Línguas Estrangeiras Modernas é a da comunicação entre os
homens. Isto vem confirmar o que já dissemos sobre a abordagem comunicativa
como metodologia adotada no documento, o que se pretende é “produzir um falante
da língua que seja capaz de se adaptar a situações comunicativas em que estiver
diante de falantes nativos dessa língua.” Nardi (2009, p.127). Portanto, o professor
tem por obrigação apenas levar o aluno à competência comunicativa que deve ocorrer
em diálogos face a face. Se o aluno não consegue alcançar tal competência é
considerado incapaz de adquirir destreza no uso de uma Língua Estrangeira
Moderna.
Ignora-se a necessidade de reflexão sobre o processo de leitura, de uso das
modalidades de linguagem oral e escrita que conduzem ao aprendizado de uma
Língua Estrangeira.
Chama-nos a atenção, ainda, a expressão “camuflada”, pois provoca um efeito
de sentido de algo que propositalmente não era feito. Portanto, em vez de se colocar
que o ensino de Língua Estrangeira Moderna se dará por uma nova metodologia que
melhor atenderá ao aprendizado do aluno – conforme o documento –, em substituição
a um ensino tradicional, em que se primava pela decodificação e o estudo da
gramática, sugere-se que o método anterior apagava, escondia, evitava assumir a
“função intrínseca” do ensino de Língua Estrangeira Moderna: “veículo de
comunicação entre os homens”. A camuflagem apontada se repete, retorna,
ressignificada.
A SD 2.2 “É essencial, pois, entender-se a presença das Línguas
Estrangeiras Modernas inseridas numa área, e não mais como uma disciplina
isolada no currículo.” diz ser essencial a inserção das Línguas Estrangeiras
Modernas numa area, e não mais como uma disciplina isolada no currículo. A area a
que se refere denominava-se “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”. Esta
100
titulação confirma a concepção de linguagem como instrumento de comunicação, pois
vincula-se a códigos (língua como código) que nos sugere uma visão de leitura como
decodificação. As tecnologias, que se impõem na sociedade, como inovação que não
pode ser ignorada, aparecem, forçosamente, como meio de inserção na modernidade,
instrumento globalizante.
Faz-se presente, pois, a FD da globalização, manifestada na linguagem e
constituindo, em tais condições sócio-historico-ideológicas, o sujeito capitalista,
adequado às exigências mercantilistas do capital, submetido à comunicação filtrada e
higienizada por um aprendizado que visa à homogeneização e procura apagar
sentidos que poderão desestabilizar uma FD própria da FI dominante.
Na SD 2.3 – “Embora seja certo que os objetivos práticos – entender,
falar, ler e escrever – a que a legislação e especialistas fazem referência são
importantes,
quer
nos
parecer
que
o
caráter
formativo
intrínseco
à
aprendizagem de Línguas Estrangeiras não pode ser ignorado”, vamos encontrar
os objetivos específicos reduzidos a entender, falar, ler e escrever e adjetivados como
práticos. Reforça-se o caráter comunicativo da língua. O uso do adjetivo práticos
produz um efeito de sentido de regras pragmáticas que propiciarão um aprendizado
direcionado apenas à utilização da Língua Estrangeira unicamente para comunicarse, ignorando-se as diferenças, apagando-se heterogeneidade linguísticas e
diversidades subjetivas nas situações de comunicação. Basta entender o que o outro
diz, fazer-se entender, conseguir decodificar uma leitura e compreender o sentido
desta, como único, completo e expressar-se por escrito, mediante a visão de
comunicação como uma via direta, sem atalhos, sem desvios, sem ruídos nem
interferências, determinando-se o espaço de significação, onde o aprendente da
Língua Estrangeira procura adquirir um comportamento linguístico que não permita
distingui-lo do falante44 nativo.
Com caráter formativo a SD 2.3 acima, retorna à questão da formação, vista
nas SDs anteriormente analisadas. Essa expressão – caráter formativo – produz em
nós, um efeito de sentido de controle, de condução, de determinação de como o
sujeito deve realizar seu aprendizado da Língua Estrangeira: aprendê-la, aceitá-la,
reproduzi-la, sem refletir sobre o processo de aquisição e sobre a cultura estrangeira
44
“Falante” trazido aqui para referir-se a uma concepção que pensa apenas em constituir falantes e
não sujeitos da língua, a exemplo do falante-ouvinte ideal Chomskyano, teoria linguística que trata a
língua como transparente e homogênea.
101
que vem atrelada como imposição e não como possibilidade de refletir sobre a
mesma, e também de como poderá afetar a própria cultura do meio social em que o
aluno se insere.
Estamos, desse modo, diante da negação de movimentos de sujeitos e
discursos, na ideologia que constitui a globalização instalada no sistema capitalista.
102
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória percorrida nesse estudo nos proporcionou uma compreensão da
direção dos determinantes históricos, sociais, políticos e ideológicos que motivaram o
surgimento dos Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) e a implantação do ensino de
Língua Estrangeira, como disciplina obrigatória no currículo da escola regular de Nível
Médio no país.
Nesses termos, assumir uma visão discursiva no ensino de uma Língua
Estrangeira é promover as reais possibilidades de diálogo com a escola, ambiente
institucionalmente autorizado a ensinar a ler e a escrever, e que não pode
negligenciar sua posição de instituição que deve ter o compromisso de promover a
inserção social e despertar no aluno a cultura de um posicionamento político.
Durante a década de 1990 ocorreram as recentes reformas na educação
brasileira, ocorridas especificamente, durante os anos dos governos do Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso – FHC, que foram, na realidade, resultado de
um processo que já tinha seu curso iniciado nas duas últimas décadas, e
particularmente sob a égide dos governos do período da Nova República (Governos
dos Presidentes José Sarney e Fernando Collor de Mello).
Nas referidas reformas, que têm como pilares de sustentação a atual LDB/1996
e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio, as
ideias motrizes pautavam-se pelo discurso de uma educação de qualidade para todos
os brasileiros, ainda que essa qualidade almejada estivesse estritamente relacionada
ao que se convencionou chamar de otimização ou racionalização dos recursos
disponíveis para aplicação em educação e em outras demandas sociais.
Romper com essa realidade que atinge as escolas de todo o país, é uma das
tarefas da educação pública brasileira e cabe aos profissionais do ensino de Língua
Estrangeira tomar posição em favor da escola pública, dos alunos das classes sociais
menos favorecidas, e do ensino da disciplina no Ensino Médio.
Na atualidade, adquirir uma Língua Estrangeira na escola de Nível Médio deve
ser fator de inclusão social que possibilite o aluno valorizar os conhecimentos
histórico e socialmente construídos e as distintas formas de linguagem com as quais
esteja em contato no ambiente social fora das dependências da escola. Assim,
103
viabilizamos a compreensão de que o ensino de Língua Estrangeira Moderna no
Ensino Médio deve propiciar ao aluno mais que a aquisição de novas possibilidades
cognitivas, culturais, acadêmicas e profissionais.
Nesses termos, em nossa análise, constatamos que a elaboração, divulgação e
implantação dos PCNEM e particularmente dos Conhecimentos para Língua
Estrangeira, tidos como um dos mecanismos das transformações educacionais, no
tocante às disciplinas do Ensino Médio, assume como tarefa mediar as políticas de
contenção de aplicação de recursos públicos na educação nacional e as práticas
desenvolvidas em sala de aula nas escolas da educação básica que compõem as
redes de ensino no país. Na medida em que se propõe a buscar uma competência,
concebendo uma comunicação direta, isenta de ruídos, sustenta uma visão de
aquisição de Língua Estrangeira Moderna como reprodução da língua e cultura
estrangeira estudada, sem a possibilidade de refletir sobre o processo de aquisição,
bem como impossibilita uma reflexão e atitude crítica.
Ao aluno, não se permite fazer-se sujeito de seu discurso, constituído e
constituinte de suas posições político-ideológicas.
Na abordagem comunicativa, como vimos nas análises realizadas neste
trabalho, o ensino de uma Língua Estrangeira é pensado como meio de se produzir
um falante dessa língua que não somente tenha uma realização linguística como um
nativo da Língua Estrangeira, mas se porte como tal, de acordo com uma cultura
estranha à sua. Ou seja, o aprendente deve adequar-se às situações comunicativas,
sem que possa analisá-las, imerso num espaço ideal em relação à língua estrangeira.
Entretanto, queremos chamar a atenção para o fato de que em pleno curso do
primeiro semestre do ano de 2011 o processo de implantação dos Conhecimentos de
Língua Estrangeira encontra-se apenas iniciado no país, embora o documento date
de 1998. A título de exemplificação, na região nordeste brasileira, mais
especificamente no Estado de Alagoas, no universo de 362 escolas publicas de
ensino básico e em funcionamento na rede estadual de ensino, apenas 26 unidades
escolares têm nos currículos plenos do ensino médio, a oferta da língua espanhola –
pensada como necessária à implantação do MERCOSUL – como Língua Estrangeira
dentre as disciplinas obrigatórias, o que representa menos de 10% do total dos
estabelecimentos oficiais de ensino45
45
Fonte: Secretaria Estadual de Educação de Alagoas – SEE – AL.
104
Nas outras unidades da federação que compõem a região nordeste, esse
índice se mostra muito próximo ao que ocorre no Estado de Alagoas, com escolas
destituídas de condições mínimas para abrigar a oferta da disciplina de língua
espanhola, compondo um cenário em que nem mesmo acontecem medidas efetivas
que possibilitem o cumprimento das legislações vigentes46.
Dessa forma, os Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna permanecem
apenas como um documento oficial engavetado, que não conta com os recursos
necessários para sua implantação.
Dito de outro modo, nem mesmo um ensino reducionista de Língua Estrangeira
Moderna foi implantado em todo o país, o que confirma o caráter elitista e excludente
que constitui a educação no País. A região Nordeste é excluída pelas razões de poder
impostas
pelo
capitalismo,
pelo
neoliberalismo
que
estabelece
prioridades
educacionais para as regiões mais ricas.
Num cenário em que o Brasil se destaca dentre um dos países mais
importantes da América Latina e do Bloco regional do MERCOSUL, e no momento em
que sua responsabilidade com uma educação pública de qualidade se evidencia, a
oferta e o ensino do espanhol como Língua Estrangeira e como disciplina obrigatória
no Ensino Médio, se mostra indispensável para a realização de um dos princípios
fundamentais contido na Constituição Federal do país, no tocante as suas relações
internacionais, qual seja: “A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à
formação de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 1988, p.4).
O país é conhecido nos meios de comunicação hispânicos como “El gigante de
las Américas” – “O gigante das Américas” –, o termo se refere à dimensão geográfica
do país, e ao fato de ser a mais importante potência econômica da América Latina. No
entanto, em direção oposta, os últimos Índices de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB, divulgados no país, atingem patamares de países subdesenvolvidos,
pois na primeira década do século XXI foram registrados no ano 2000 o índice 3,5;
em 2005 de 3,8; em 2007 de 4,2 e em 2009 o índice foi de 4,6. Nesse ritmo, objetivase chegar ao ano de 2022 com um IDEB próximo ao da média dos países
desenvolvidos, pois a expectativa é que só neste ano, a educação nacional atinja o
índice compatível a 6.0. Cumpre ressaltar que, no Brasil a evolução dos referidos
46
De acordo com discussões empreendidas no I Congresso Internacional de Línguas Oficiais do
MERCOSUL – Iº CIPLOM.
105
índices mostra-se inferior à dos países parceiros do MERCOSUL como Argentina e
Chile.
Nesse contexto de afirmação das economias emergentes, dentre as quais a
brasileira, confirma-se o descompromisso do país com a educação pública de
qualidade. Nas palavras de Frigotto (2003, p.32), a referida qualificação humana,
“Está, pois, no plano dos direitos que não podem ser mercantilizados e, quando isso
ocorre, agride-se elementarmente a própria condição humana”.
Todavia, quer no descaso de implantação de políticas educacionais nas
regiões em que a exclusão de sujeitos se faz evidente, quer na escolha da
abordagem comunicativa como ideal para o ensino de Língua Estrangeira, o que se
verifica são condições sócio-históricas e ideológicas de adequação dos sujeitos às
relações de poder. Tais relações permeiam a escola como instituição marcada pela
dominação, pela exclusão, pelo cerceamento de posições de sujeitos, submetidos à
lógica do capital, através de políticas públicas direcionadas à educação.
À Alagoas e outros estados da região nordeste nega-se o acesso ao
conhecimento de língua espanhola, como se não fossem partes do território nacional
que, por sua extensão dá lugar à denominação de “Gigante das Américas”. Ou seja,
como parte da extensão territorial, o Nordeste contribui para tal classificação, mas não
tem direito à participação no processo que institui as relações internacionais.
Finalizando, nas trilhas do discurso, fazemos nossas as palavras de conteúdo
filosófico do poeta sevilhano Antonio Machado, ao lembrar a questão da prioridade
essência/existência, trazidas na epígrafe desse trabalho, pois para o “caminhante,
não há caminho”, “faz-se caminho ao andar”, assim o percurso construído nesse
trabalho mostra-se essencialmente como um caminho possível a ser percorrido;
outras trilhas podem e devem ser seguidas na construção do entendimento do que se
reserva para o ensino de Língua Estrangeira na educação básica brasileira.
106
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111
ANEXOS
112
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna
No âmbito da LDB, as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam, de alguma
forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada. Consideradas, muitas
vezes e de maneira injustificada, como disciplina pouco relevante, elas adquirem,
agora, a configuração de disciplina tão importante como qualquer outra do currículo,
do ponto de vista da formação do indivíduo.
Assim, integradas à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, as
Línguas Estrangeiras assumem a condição de serem parte indissolúvel do conjunto
de conhecimentos essenciais que permitem ao estudante aproximar-se de várias
culturas e, conseqüentemente, propiciam sua integração num mundo globalizado.
No presente documento, procurar-se-á traçar um breve panorama sobre a
situação das Línguas Estrangeiras Modernas no Ensino Médio, tanto a partir de uma
perspectiva diacrônica quanto de uma perspectiva de interação e inter-relação delas
com a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Procurar-se-á, também,
esboçar as diferentes relações que elas propiciam, a partir da sua aprendizagem, com
o mundo do trabalho no qual o aluno estará — ou não — inserido e com sua formação
geral.
As discussões sobre a importância de se aprender uma ou mais línguas
estrangeiras remontam há vários séculos. Em determinados momentos da história do
ensino de idiomas, valorizou-se o conhecimento do latim e do grego e o conseqüente
acesso à literatura clássica, enquanto, em outras ocasiões, privilegiou-se o estudo
das línguas modernas.
No Brasil, embora a legislação da primeira metade deste século já indicasse o
caráter prático que deveria possuir o ensino das línguas estrangeiras vivas, nem
sempre isso ocorreu. Fatores como o reduzido número de horas reservado ao estudo
das línguas estrangeiras e a carência de professores com formação lingüística e
pedagógica, por exemplo, foram os responsáveis pela não aplicação efetiva dos
textos legais. Assim, em lugar de capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um novo
113
idioma, as aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio
acabaram por assumir uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a
desmotivar professores e alunos, ao mesmo tempo em que deixa de valorizar
conteúdos relevantes à formação educacional dos estudantes.
Evidentemente, não se chegou a essa situação por acaso. Além da carência de
docentes com formação adequada e o fato de que, salvo exceções, a língua
estrangeira predominante no currículo ser o inglês, reduziu muito o interesse pela
aprendizagem de outras línguas estrangeiras e a conseqüente formação de
professores de outros idiomas. Portanto, mesmo quando a escola manifestava o
desejo de incluir a oferta de outra língua estrangeira, esbarrava na grande dificuldade
de não contar com profissionais qualificados. Agravando esse quadro, o país
vivenciou a escassez de materiais didáticos que, de fato, incentivassem o ensino e a
aprendizagem de Línguas Estrangeiras; quando os havia, o custo os tornava
inacessíveis a grande parte dos estudantes.
Assim, as Línguas Estrangeiras na escola regular passaram a pautar-se, quase
sempre, apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na
prioridade da língua escrita e, em geral, tudo isso de forma descontextualizada e
desvinculada da realidade.
Ao figurarem inseridas numa grande área — Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias —, as Línguas Estrangeiras Modernas assumem a sua função intrínseca
que, durante muito tempo, esteve camuflada: a de serem veículos fundamentais na
comunicação entre os homens. Pelo seu caráter de sistema simbólico, como qualquer
linguagem, elas funcionam como meios para se ter acesso ao conhecimento e,
portanto, às diferentes formas de pensar, de criar, de sentir, de agir e de conceber a
realidade, o que propicia ao indivíduo uma formação mais abrangente e, ao mesmo
tempo, mais sólida.
É essencial, pois, entender-se a presença das Línguas Estrangeiras Modernas
inseridas numa área, e não mais como uma disciplina isolada no currículo. As
relações que se estabelecem entre as diversas formas de expressão e de acesso ao
conhecimento justificam essa junção. Não nos comunicamos apenas pelas palavras;
os gestos dizem muito sobre a forma de pensar das pessoas, assim como as
114
tradições e a cultura de um povo esclarecem muitos aspectos da sua forma de ver o
mundo e de aproximar-se dele. Assim, as similitudes e diferenças entre as várias
culturas, a constatação de que os fatos sempre ocorrem dentro de um contexto
determinado, a aproximação das situações de aprendizagem à realidade pessoal e
cotidiana dos estudantes, entre outros fatores, permitem estabelecer, de maneira
clara, vários tipos de relações entre as Línguas Estrangeiras e as demais disciplinas
que integram a área.
Numa perspectiva interdisciplinar e relacionada com contextos reais, o
processo ensino-aprendizagem de Línguas Estrangeiras adquire nova configuração
ou, antes, requer a efetiva colocação em prática de alguns princípios fundamentais
que ficaram apenas no papel por serem considerados utópicos ou de difícil
viabilização.
Embora seja certo que os objetivos práticos — entender, falar, ler e escrever —
a que a legislação e especialistas fazem referência são importantes, quer nos parecer
que o caráter formativo intrínseco à aprendizagem de Línguas Estrangeiras não pode
ser ignorado. Torna-se, pois, fundamental, conferir ao ensino escolar de Línguas
Estrangeiras um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender e a produzir
enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz a possibilidade de atingir
um nível de competência lingüística capaz de permitir-lhe acesso a informações de
vários tipos, ao mesmo tempo em que contribua para a sua formação geral enquanto
cidadão.
Nessa linha de pensamento, deixa de ter sentido o ensino de línguas que
objetiva apenas o conhecimento metalingüístico e o domínio consciente de regras
gramaticais que permitem, quando muito, alcançar resultados puramente medianos
em exames escritos. Esse tipo de ensino, que acaba por tornar-se uma simples
repetição, ano após ano, dos mesmos conteúdos, cede lugar, na perspectiva atual, a
uma modalidade de curso que tem como princípio geral levar o aluno a comunicar-se
de maneira adequada em diferentes situações da vida cotidiana. Na verdade, pouco
ou nada há de novo aí. O que tem ocorrido ao longo do tempo é que a
responsabilidade sobre o papel formador das aulas de Línguas Estrangeiras tem sido,
tacitamente, retirado da escola regular e atribuído aos institutos especializados no
ensino de línguas. Assim, quando alguém quer ou tem necessidade, de fato, de
115
aprender uma língua estrangeira, inscreve-se em cursos extracurriculares, pois não
se espera que a escola média cumpra essa função.
Às portas do novo milênio, não é possível continuar pensando e agindo dessa
forma. É imprescindível restituir ao Ensino Médio o seu papel de formador. Para tanto,
é preciso reconsiderar, de maneira geral, a concepção de ensino e, em particular, a
concepção de ensino de Línguas Estrangeiras.
Nesse sentido, vários pontos merecem atenção. Um deles diz respeito ao
monopólio lingüístico que dominou nas últimas décadas, em especial nas escolas
públicas. Sem dúvida, a aprendizagem da Língua Inglesa é fundamental no mundo
moderno, porém, essa não deve ser a única possibilidade a ser oferecida ao aluno.
Em contrapartida, verificou-se, nos últimos anos, um crescente interesse pelo estudo
do castelhano. De igual maneira, entendemos que tampouco deva substituir-se um
monopólio lingüístico por outro. Se essas duas línguas são importantes num mundo
globalizado, muitos são os fatores que devem ser levados em consideração no
momento de escolher-se a(s) Língua(s) Estrangeira(s) que a escola ofertará aos
estudantes, como podem ser as características sociais, culturais e históricas da região
onde se dará esse estudo. Não se deve pensar numa espécie de unificação do
ensino, mas, sim, no atendimento às diversidades, aos interesses locais e às
necessidades do mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o aluno.
Evidentemente, é fundamental atentar para a realidade: o Ensino Médio possui,
entre suas funções, um compromisso com a educação para o trabalho. Daí não poder
ser ignorado tal contexto, na medida em que, no Brasil atual, é de domínio público a
grande importância que o inglês e o espanhol têm na vida profissional das pessoas.
Torna-se, pois, imprescindível incorporar as necessidades da realidade ao currículo
escolar de forma a que os alunos tenham acesso, no Ensino Médio, àqueles
conhecimentos que, de forma mais ou menos imediata, serão exigidos pelo mercado
de trabalho.
Por outro lado, como a lei prevê a possibilidade da inclusão de uma segunda
Língua Estrangeira Moderna em caráter optativo, parece conveniente vincular tal
oferta também aos interesses da comunidade. Dessa forma, é provável que em
determinadas áreas do Rio Grande do Sul, por exemplo, seja muito mais significativo
116
o ensino do italiano, em função das colônias italianas presentes no local, do que
oferecer cursos de francês; em regiões onde a presença alemã é mais marcante,
provavelmente o ensino dessa língua adquira um significado mais relevante do que o
japonês. É preciso observar a realidade local, conhecer a história da região e os
interesses da clientela a quem se destina esse ensino. Em suma: é preciso, agora,
não mais adequar o aluno às características da escola, mas, sim, a escola às
necessidades da comunidade.
Experiência importante, nessa mesma linha de concepção da oferta de Línguas
Estrangeiras Modernas e dos objetivos de sua aprendizagem, é a dos Centros de
Estudos de Línguas Estrangeiras, como os existentes nos Estados de São Paulo e
Paraná, por exemplo. Nesses Centros, os alunos têm a oportunidade de aprender
outra(s) Língua(s) Estrangeira(s), à sua livre escolha entre as opções que o Centro
oferece, além daquela que figura na grade curricular. Tais Centros, criados ao final da
década de 80, em muitas ocasiões têm apresentado resultados altamente
satisfatórios.
O que aí se verifica é uma afluência de condições que propiciam uma
aprendizagem significativa, como podem ser a possibilidade de o aluno optar pelo
idioma que mais lhe interessar e o foco desses cursos centrar-se na comunicação em
lugar de centrar-se na gramática normativa. Convém, pois, ao inserir um ou mais
idiomas estrangeiros na grade curricular, procurar aproveitar os pontos positivos
dessas e de outras experiências semelhantes, no sentido de que o Ensino Médio
passe a organizar seus cursos de Línguas objetivando tornar-se algo útil e
significativo, em vez de representar apenas uma disciplina a mais na grade curricular.
Por tratar-se de uma iniciativa que já conta com aproximadamente dez anos de
existência, sem dúvida suas contribuições serão de grande valia para os objetivos que
a nova LDB postula com relação às Línguas Estrangeiras no Ensino Médio.
Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Línguas Estrangeiras
Modernas
Ainda um aspecto bastante relevante a considerar, já esboçado anteriormente,
diz respeito às competências a serem atingidas nos cursos de línguas. Atualmente, a
grande maioria das escolas baseia as aulas de Língua Estrangeira no domínio do
sistema formal da língua objeto, isto é, pretende-se levar o aluno a entender, falar, ler
117
e escrever, acreditando que, a partir disso, ele será capaz de usar o novo idioma em
situações reais de comunicação. Entretanto, o trabalho com as habilidades
lingüísticas citadas, por diferentes razões, acaba centrando-se nos preceitos da
gramática normativa, destacando-se a norma culta e a modalidade escrita da língua.
São raras as oportunidades que o aluno tem para ouvir ou falar a língua estrangeira.
Assim, com certa razão, alunos e professores desmotivam-se, posto que o estudo
abstrato do sistema sintático ou morfológico de um idioma estrangeiro pouco
interesse é capaz de despertar, pois torna-se difícil relacionar tal tipo de
aprendizagem com outras disciplinas do currículo, ou mesmo estabelecer a sua
função num mundo globalizado.
Ao pensar-se numa aprendizagem significativa, é necessário considerar os
motivos pelos quais é importante conhecer-se uma ou mais línguas estrangeiras. Se
em lugar de pensarmos, unicamente, nas habilidades lingüísticas, pensarmos em
competências a serem dominadas, talvez seja possível estabelecermos as razões que
de fato justificam essa aprendizagem. Dessa forma, a competência comunicativa só
poderá ser alcançada se, num curso de línguas, forem desenvolvidas as demais
competências que a integram e que, a seguir, esboçamos de forma breve:
• Saber distinguir entre as variantes lingüísticas.
• Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação.
• Escolher o vocábulo que melhor reflita a idéia que pretenda comunicar.
• Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão
de aspectos sociais e/ou culturais.
• Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar, agir e
sentir de quem os produz.
• Utilizar os mecanismos de coerência e coesão na produção em Língua Estrangeira
(oral e/ou escrita). Todos os textos referentes à produção e à recepção em qualquer
idioma regem-se por princípios gerais de coerência e coesão e, por isso, somos
capazes de entender e de sermos entendidos.
118
• Utilizar as estratégias verbais e não verbais para compensar falhas na comunicação
(como o fato de não ser capaz de recordar, momentaneamente, uma forma gramatical
ou lexical), para favorecer a efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido (falar
mais lentamente, ou enfatizando certas palavras, de maneira proposital, para obter
determinados efeitos retóricos, por exemplo).
É necessário salientar que os componentes acima não devem ser entendidos
como segmentos independentes. A compartimentalização que neles figura tem
caráter puramente didático. Todos os componentes, no ato comunicativo, estão
perfeitamente inter-relacionados e interligados. Nota-se, pois, que os aspectos
gramaticais não são os únicos que devem estar presentes ao longo do processo
ensino-aprendizagem de línguas. Para poder afirmar que um determinado indivíduo
possui uma boa competência comunicativa em uma dada língua, torna-se necessário
que ele possua um bom domínio de cada um dos seus componentes. Assim, além da
competência gramatical, o estudante precisa possuir um bom domínio da
competência
sociolingüística,
da
competência
discursiva
e
da
competência
estratégica. Esses constituem, no nosso entender, os propósitos maiores do ensino
de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio.
Portanto, se considerarmos que são essas as competências a serem
alcançadas ao longo dos três anos de curso, não mais poderemos pensar, apenas, no
desenvolvimento da competência gramatical: torna-se imprescindível entender esse
componente como um entre os vários a serem dominados pelos estudantes. Afinal,
para poder comunicar-se numa língua qualquer não basta, unicamente, ser capaz de
compreender e de produzir enunciados gramaticalmente corretos. E preciso, também,
conhecer e empregar as formas de combinar esses enunciados num contexto
específico de maneira a que se produza a comunicação. Em outras palavras, é
necessário, além de adquirir a capacidade de compor frases corretas, ter o
conhecimento de como essas frases são adequadas a um determinado contexto.
Outro ponto a ser considerado diz respeito à forma pela qual as diferentes
disciplinas da grade curricular podem e devem interligar-se. Trata-se, ademais, de
buscar
caminhos
para
desenvolver
o
competências mencionadas anteriormente.
trabalho,
relacionando
as diferentes
119
Um exemplo talvez auxilie a compreender melhor as afirmações anteriores. Se
no livro didático utilizado figura a frase, na língua estrangeira objeto de estudo, “Onde
é a estação de trens?”, além de chamar a atenção para a adequada construção
gramatical do enunciado, será necessário atentar para o contexto onde tal frase
poderia ser produzida e para as razões que confeririam importância ao fato de que o
aluno seja capaz de produzi-la e de entendê-la. Seria o caso, por exemplo, de
verificar-se se o livro didático provém de algum país europeu, onde o trem constitui
um meio de transporte muito importante. Sendo assim, nas aulas da Língua
Estrangeira, além de destacar a correção lingüística, o professor poderia — ou
deveria — estar considerando a importância que um enunciado como o referido pode
ter numa situação e contexto reais e os motivos pelos quais esse meio de transporte é
tão utilizado em alguns países e nem tanto no Brasil.
Outro exemplo, talvez mais próximo da realidade dos professores de Línguas
Estrangeiras, uma vez que se refere a um conteúdo normalmente abordado em sala
de aula: o léxico referente à alimentação. É freqüente que esse conteúdo figure sob a
forma de exaustivas listas com nomes de alimentos na língua estrangeira, o que
dificilmente permitirá que esse vocabulário chegue a tornar-se conhecimento
significativo para os alunos. Por outro lado, é comum os alunos sentirem curiosidade
por saber como se denomina, na língua objeto, determinado alimento que, muitas
vezes é típico do Brasil e pouco — ou nada — conhecido em outros países.
Por que não buscar outras formas mais adequadas para abordar essa
questão? Em lugar de trabalhar com listas que pouco resultado prático oferecem, já
que se apóiam, quase exclusivamente, na realidade brasileira, o professor pode tratar
o tema da alimentação em conjunto com o professor de Geografia. Pode ser feito um
estudo do clima e do solo do país onde se fala a língua-alvo, para chegar-se a discutir
questões como hábitos alimentares. Dessa forma, além de trabalhar-se um conteúdo
relacionado à competência gramatical, estará sendo desenvolvida, simultaneamente,
a
competência
sociolingüística,
posto
que
aspectos
sociais
e
culturais
obrigatoriamente serão abordados. Ademais, será uma maneira de deixar mais
evidente que nenhuma área do conhecimento prescinde de outras. Ao contrário, elas
estão perfeitamente interligadas e interrelacionadas e qualquer tentativa de
120
desvinculá-las redundará, com certeza, na criação de contextos altamente artificiais
geradores de desinteresse.
Conceber-se a aprendizagem de Línguas Estrangeiras de uma forma
articulada, em termos dos diferentes componentes da competência lingüística,
implica,
necessariamente,
outorgar
importância
às
questões
culturais.
A
aprendizagem passa a ser vista, então, como fonte de ampliação dos horizontes
culturais. Ao conhecer outra(s) cultura(s), outra(s) forma(s) de encarar a realidade, os
alunos passam a refletir, também, muito mais sobre a sua própria cultura e ampliam a
sua capacidade de analisar o seu entorno social com maior profundidade, tendo
melhores condições de estabelecer vínculos, semelhanças e contrastes entre a sua
forma de ser, agir, pensar e sentir e a de outros povos, enriquecendo a sua formação.
De
idêntica
maneira,
tanto
através
da
ampliação
da
competência
sociolingüística quanto da competência comunicativa, é possível ter acesso, de forma
rápida, fácil e eficaz, a informações bastante diversificadas. A tecnologia moderna
propicia entrar em contato com os mais variados pontos do mundo, assim como
conhecer os fatos praticamente no mesmo instante em que eles se produzem. A
televisão a cabo e a Internet são alguns exemplos de como os avanços tecnológicos
nos aproximam e nos integram do/no mundo.
Mas nem sempre os indivíduos usufruem desses recursos. Isso se deve,
muitas vezes, apenas a deficiências comunicativas: sem conhecer uma língua
estrangeira torna-se extremamente difícil utilizar os modernos equipamentos de modo
eficiente e produtivo. Daí a importância da aprendizagem de idiomas estrangeiros.
Para estar em consonância com os avanços da ciência e com a informação, é preciso
possuir os meios de aproximação adequados e a competência comunicativa é
imprescindível para tanto.
Em síntese: é preciso pensar-se o ensino e a aprendizagem das Línguas
Estrangeiras Modernas no Ensino Médio em termos de competências abrangentes e
não estáticas, uma vez que uma língua é o veículo de comunicação de um povo por
excelência e é através de sua forma de expressar-se que esse povo transmite sua
cultura, suas tradições, seus conhecimentos.
121
A visão de mundo de cada povo altera-se em função de vários fatores e,
conseqüentemente, a língua também sofre alterações para poder expressar as novas
formas de encarar a realidade. Daí ser de fundamental importância conceber-se o
ensino de um idioma estrangeiro objetivando a comunicação real, pois, dessa forma,
os diferentes elementos que a compõem estarão presentes, dando amplitude e
sentido a essa aprendizagem, ao mesmo tempo em que os estereótipos e os
preconceitos deixarão de ter lugar e, portanto, de figurar nas aulas.
Entender-se a comunicação como uma ferramenta imprescindível no mundo
moderno, com vistas à formação profissional, acadêmica ou pessoal, deve ser a
grande meta do ensino de Línguas Estrangeiras Modernas no Ensino Médio.
122
Competências e Habilidades a Serem Desenvolvidas em Língua Estrangeira
Moderna
Representação e comunicação
Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação e o
vocábulo que melhor reflita a idéia que pretende comunicar.
Utilizar os mecanismos de coerências e coesão na produção oral e/ou escrita.
Utilizar as estratégias verbais e não-verbais para compensar as falhas, favorecer a
efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido em situações de produção e
leitura.
Conhecer e usar as línguas estrangeiras modernas como instrumento de acesso a
informações a outras culturas e grupos sociais.
Investigação e compreensão
Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão
de aspectos sociais e/ou culturais.
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando textos/contextos
mediante a natureza, função, organização, estrutura, de acordo com as condições de
produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e
propagação de idéias e escolhas, tecnologias disponíveis).
Contextualização sócio-cultural
Saber distinguir as variantes lingüísticas.
Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar, agir e
sentir de quem os produz.
123
Parâmetros Curriculares Nacionais (ENSINO MÉDIO)
Parte I - Bases Legais – MEC 2000
A reforma curricular e a organização do Ensino Médio
O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve
contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o ser humano
para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em
sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração de
homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da
simbolização subjetiva.
Nessa perspectiva, incorporam-se como diretrizes gerais e orientadoras da
proposta curricular as quatro premissas apontadas pela UNESCO como eixos
estruturais da educação na sociedade contemporânea:
• Aprender a conhecer
Considera-se a importância de uma educação geral, suficientemente ampla,
com possibilidade de aprofundamento em determinada área de conhecimento.
Prioriza-se o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, considerado como
meio e como fim. Meio, enquanto forma de compreender a complexidade do mundo,
condição necessária para viver dignamente, para desenvolver possibilidades pessoais
e profissionais, para se comunicar. Fim, porque seu fundamento é o prazer de
compreender, de conhecer, de descobrir.
O aumento dos saberes que permitem compreender o mundo favorece o
desenvolvimento da curiosidade intelectual, estimula o senso crítico e permite
compreender o real, mediante a aquisição da autonomia na capacidade de discernir.
Aprender a conhecer garante o aprender a aprender e constitui o passaporte
para a educação permanente, na medida em que fornece as bases para continuar
aprendendo ao longo da vida.
124
• Aprender a fazer
O desenvolvimento de habilidades e o estímulo ao surgimento de novas
aptidões tornam-se processos essenciais, na medida em que criam as condições
necessárias para o enfrentamento das novas situações que se colocam. Privilegiar a
aplicação da teoria na prática e enriquecer a vivência da ciência na tecnologia e
destas no social passa a ter uma significação especial no desenvolvimento da
sociedade contemporânea.
• Aprender a viver
Trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e
a percepção das interdependências, de modo a permitir a realização de projetos
comuns ou a gestão inteligente dos conflitos inevitáveis.
• Aprender a ser
A educação deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa.
Aprender a ser supõe a preparação do indivíduo para elaborar pensamentos
autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a
poder decidir por si mesmo, frente às diferentes circunstâncias da vida. Supõe ainda
exercitar a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação, para
desenvolver os seus talentos e permanecer, tanto quanto possível, dono do seu
próprio destino.
Aprender a viver e aprender a ser decorrem, assim, das duas aprendizagens
anteriores – aprender a conhecer e aprender a fazer – e devem constituir ações
permanentes que visem à formação do educando como pessoa e como cidadão.
A partir desses princípios gerais, o currículo deve ser articulado em torno de
eixos básicos orientadores da seleção de conteúdos significativos, tendo em vista as
competências e habilidades que se pretende desenvolver no Ensino Médio.
Um eixo histórico-cultural dimensiona o valor histórico e social dos
conhecimentos, tendo em vista o contexto da sociedade em constante mudança e
submetendo o currículo a uma verdadeira prova de validade e de relevância social.
125
Um eixo epistemológico reconstrói os procedimentos envolvidos nos processos de
conhecimento, assegurando a eficácia desses processos e a abertura para novos
conhecimentos.
126
Parâmetros Curriculares Nacionais (ENSINO MÉDIO)
Parte II – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – MEC 2000
Apresentação
Este documento tem como finalidade delimitar a área de linguagem, código e
suas tecnologias, dentro da proposta para o Ensino Médio, cuja diretriz está
registrada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 e no
Parecer do Conselho Nacional da Educação/Câmara de Educação Básica nº 15/98.
As diretrizes têm como referência a perspectiva de criar uma escola média com
identidade, que atenda às expectativas de formação escolar dos alunos para o mundo
contemporâneo.
O respeito à diversidade é o principal eixo da proposta e, para a área, não
poderia ser diferente: as indicações deste documento procurarão ser coerentes com
os princípios legais.
A produção coletiva deste texto foi no sentido de colaborar com a explicitação
do contexto em que se insere. Para tanto, a reflexão sobre os documentos
antecedentes a ele deverá ser prioritária, bem como a leitura de outros, relativos às
áreas de Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências
Na
elaboração,
incluímos uma visão da área e de suas disciplinas potenciais, bem como reflexões
sobre o sentido do processo de ensino-aprendizagem de competências gerais a
serem objetivadas no Ensino Médio.
O caminho de sua produção foi longo e histórico. O ponto de partida se deu em
1996. Houve a adesão de diferentes pessoas, que encaminharam críticas e sugestões
diversas, o que motivou a elaboração de várias versões.
O objetivo principal do texto é a escola, pois só lá o encontro entre o pensar e o
fazer poderá delimitar o sucesso ou não deste trabalho.
127
Cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e
interpretativa, propondo a interativa, o diálogo, a construção de significados na, pela e
com a linguagem.
