ANAIS EPEAL 2017 v.1

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                    p. 2
ISSN 1981-3031
Vol. 01

Título da obra A Educação na Contemporaneidade: entre a emancipação
e o retrocesso – Volume 1
Comissão Anderson de Alencar Menezes
Central Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
Comissão Maria Auxiliadora Silva Freitas
Organizadora Roseane Amorim e Edlene Cavalcanti
Artur Nascimento
ISSN 1981-3031
Data da Edição Novembro/2017
Anna Rita Sartore, Anamelea de Campos Pinto, Anderson de
Alencar Menezes, Andrea Karla Ferreira Nunes, Carolina
Sella, Cleide Jane de Sá Araújo Costa, Daniela Mendonça
Ribeiro, Deise Juliana Francisco, Deborah Dornellas Ramos,
Eduardo Jorge Lopes da Silva, Edna Cristina do Prado,
Eduardo Calil de Oliveira, Elione Maria Nogueira Diógenes,
Elton Casado Fireman, Georgia Sobreia dos Santos Cêa,
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel, Herminia Laffin, Inalda
Maria dos Santos, Jane Paiva, José Ignacio Cruz, Junot
Cornélio Matos, Katia Maria Silva de Melo, Laura Cristina
Comissão Vieira Pizzi, Leonardo Brandão Marques, Lenira Haddad, Lidia
Científica Maria Marson Postalli, Lucélia Cardoso Cavalcante Rabelo,
Luis Paulo Leopoldo Mercado, Luiza Olívia Lacerda Ramos,
Mailsa Passos, Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante, Maria
Auxiliadora Silva Freitas, Maria Dolores Fortes, Maria de
Fátima Matos de Souza, Maria do Socorro Aguiar de Oliveira
Cavalcante, Maria Edna de Lima Bertoldo, Marinaide Lima de
Queiroz Freitas, Mercedes Bêtta Carvalho, Neiza de Lourdes
Frederico Fumes, Roseane Maria de Amorim, Silvio Donizetti
de Oliveira Gallo, Suzana Maria Barrios Luis, Walter Matias
Lima.
Nota: O conteúdo e a revisão de normas científicas dos textos reunidos nesta
obra é da total responsabilidade dos seus autores.

p. 3
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Vol. 01

ÍNDICE
Prefácio

9

A ADESÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE INCLUSÃO DE JOVENS –
PROJOVEM URBANO NO MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL

11

Inalda Maria dos Santos e Martha Vanessa Lima do Nascimento
GESTAO ESCOLAR DEMOCRÁTICA E A FORMAÇÃO CRÍTICOREFLEXIVA DO SUJEITO

26

Cindia Maria Braga Albuquerque e Inalda Maria dos Santos
A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO E
MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: o caso
do Plano Municipal de Educação em Santana do Ipanema/AL

41

Luciene Amaral da Silva e Inalda Maria dos Santos
ANÁLISE DAS PRÁTICAS AVALIATIVAS NO ENSINO JURÍDICO
BRASILEIRO: em busca de uma educação voltada à emancipação
humana nos cursos de Direito

54

Carla Priscilla Barbosa Santos Cordeiro e Lana Lisiêr de Lima Palmeira
AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE
DIREITO: uma análise crítica da recente proposta apresentada pelo
Ministério da Educação

68

Carla Priscilla Barbosa Santos Cordeiro e Lana Lisiêr de Lima Palmeira
EFEITOS DE SENTIDOS DISCURSIVO-IDEOLÓGICOS: um olhar na
cartilha nacional de alimentação escolar do MEC

81

Gabriela Alves de Arruda e Dennys Dikson
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: pensando a filosofia, seus desafios e
possíveis perspectivas

99

José Aparecido de Oliveira Lima; Williams Nunes da Cunha Junior e
Cindia Maria Braga Albuquerque
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: desafios pedagógicos
Manoel Santos da Silva e Arlete Rodrigues dos Santos S. Rosa

113

p. 4
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Vol. 01

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E SUA
RELEVÂNCIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À
EDUCAÇÃO

125

Alan Feijó Fernandes e Viviane Caline de Souza Pinheiro
RETROPECTIVA DA LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO

138

Bartolomeu Melo Brito
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E MEDIADOR DA
LEITURA

151

Floriza de Abreu Feitosa e Maria Inez Matoso Silveira
A LEITURA NO PROCESSO DO LETRAMENTO: a intervenção
pedagógica do professor

162

Lidian da Silva Santos e Rozana Vieira Leite
REFLEXOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ALFABETIZAÇÃO NA
SALA DE AULA: o programa Pacto com os Municípios

175

Islayne Barbosa de Sá Gonçalves
UM
CAMINHO
ANALÍTICO-METODOLÓGICO
EM
GENÉTICA
TEXTUAL: versões em criação de alunos recém-alfabetizados

187

Dennys Dikson
BIBLIOTERAPIA: um
vulnerabilidade social

estudo

com

crianças

em

situação

de

203

Jainy Fernandes de Lima Cordeiro; Adriana Lourenço e Maria Auxiliadora
da Silva Cavalcante
AVALIAÇÃO NACIONAL
alfabetização e letramento

DA

ALFABETIZAÇÃO:

perspectivas

de

222

LINGUAGENS DOS TEXTOS NO LIVRO DIDÁTICO: letrando nos anos
iniciais?

234

Viviane Caline de Souza Pinheiro e Adriana Cavalcanti dos Santos

Hebelyanne Pimentel da Silva; Viviane Caline de Souza Pinheiro e
Adriana Cavalcanti dos Santos
INTERTEXTUALIDADE NO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA
Jucicleide de Matos Silva e Luana Limeira dos Santos

246

p. 5
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Vol. 01

RASURA E EFEITOS DE SENTIDO NA REESCRITA DO CONTO “O
LOBO E OS SETE CABRITOS”, POR ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

256

Laudicéa Maria de Souza e Adna de Almeida Lopes
LEITURA DO GÊNERO CHARGE, IDENTIFICAÇÃO DE ELEMENTOS
PRESSUPOSTOS E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS

269

Marcos Antônio da Silva
LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ENSINO: UMA EXPERIÊNCIA
DOCENTE

287

Adriana Nunes de Souza e Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante
LIVRO DIDÁTICO: diálogos sobre as propostas de leitura como
aprendizagem cultural polimorfa

299

Larissa Gabriela Gouveia dos Santos e Adriana Cavalcanti dos Santos
O LETRAMENTO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR
DE LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL

310

Janeclécia Oliveira Nune; Aline Barbosa Oliveira e Bruna Marques da
Silva
OS GÊNEROS DISCURSIVOS COMO SUPORTE PARA O
LETRAMENTO EM SALA DE AULA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

324

Bruna Marques da Silva e Aline Barbosa
A CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES: o PIBID e os Cursos de
Licenciatura

339

Stephanie Silva Weigel Gomes e Regina Maria de Oliveira Brasileiro
A CRIANÇA E O LÚDICO: relatório de observação de crianças em
atividade livre

355

Nivan Ferreira de Lima e Sandra da Silva Soares
A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A RELAÇÃO
PROFESSOR E ALUNO

367

Ely Quintela Lisboa Carvalho e Ermans Quintela Carvalho
AFETIVIDADE E PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: análise
das narrativas de alunos de uma sala do EJA
Elenice Monteiro Soares Araújo

382

p. 6
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Vol. 01

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
DE LETRAS: contextos macro e micro

401

Humberto Soares da Silva Lima e Eduardo Lima dos Santos
DA LEITURA PRAZEROSA PARA A LEITURA CRÍTICA DO MUNDO

419

Maria das Dores de Lima Palmeira e José Domingos Silva Ferreira
DA PAIDEIA NA GRÉCIA CLÁSSICA À RELAÇÃO COM O CORPO
UTÓPICO FOUCAULTIANO: ILAÇÕES SOBRE O DIÁLOGO DO
DRAMATURGO ARISTÓFANES NO BANQUETE, DE PLATÃO

441

Yvisson Gomes dos Santos
EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
representações das aulas enquanto objeto de reconstrução social

453

Nara Elisa Gonçalves Martins e Leonéa Vitoria Santiago
CRIAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO DE MANGÁS NAS AULAS DE
SOCIOLOGIA: uma experiência de diálogo com os saberes no ensino
médio a partir do PIBID

471

Donizete Medeiros de Melo; Keitt Stefan Rodrigues e Rosemeire Reis
CONTANDO OUTRAS HISTÓRIAS: re/construindo o currículo de uma
escola quilombola em Penedo/AL

486

João Pedro dos Santos Viana; Valéria Campos Cavalcante e Janayna
Paula Lima de Souza Santos
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: pensando a filosofia, seus desafios e
possíveis perspectivas

502

José Aparecido de Oliveira Lima; Williams Nunes da Cunha Junior e
Cindia Maria Braga Albuquerque
FILOSOFIA E INFÂNCIA: considerações sobre o ensino de Filosofia para
crianças

516

Williams Nunes da Cunha Junior e Dariely Lays Monteiro de Lima
PROFESSOR DE FILOSOFIA: considerações acerca da transição da
universidade a sala de aula da educação básica

531

José Anderson de Oliveira Lima
O NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE ALAGOAS NO CONTEXTO DAS CRECHES
UNIVERSITÁRIAS: discussões preliminares
Meiriane Ferreira Bezerra Santos

542

p. 7
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Vol. 01

O ANIQUILAR DA RAZÃO NO DESBRAVAMENTO DE UM NOVO
MUNDO E SUAS IMPLICAÇÕES NA ATUALIDADE

554

Adriana Tavares de Almeida
O CONFRONTO DISCURSIVO ENTRE O CONSERVADORISMO
EMPRESARIAL E A MEMÓRIA AMBIENTALISTA E SINDICAL NA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL ALAGOANA

569

Clay Ewerthon Alves do Nascimento
O MAPA E A BÚSSOLA: instrumentalidades metafóricas na pedagogia
do problema em Michel Fabre

591

Ibrahim Camilo Ede Campos
SER CRIANÇA, SER BRINCANTE: reflexões sobre o brincar na
educação infantil

605

Michaelly Calixto dos Santos; Priscila Gomes dos Santos e Sayarah Carol
Mesquita dos Santos
A IMAGEM DOS NEGROS NO LIVRO DE HISTÓRIA DO TERCEIRO
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: contextos e reflexões

619

Cintia Gomes da Silva e Roseane Maria de Amorim
UMA LEITURA BENJAMINIANA DO PAPEL
EXPERIÊNCIA NA NARRATIVA MODERNA

PEDAGÓGICO

DA

631

A APLICABILIDADE DO DESIGN THINKING NA ESCOLA ESTADUAL
TEOTÔNIO VILELA

649

Carlos Henrique Ferreira Nunes e Anderson de Alencar Menezes

José Oseas de Oliveira Filho
AMBIENTE ESCOLAR E AS NOVAS DEMANDAS DA GERAÇÃO Z

667

Carlos Alexsandro de Carvalho Souza e Ana Lívia Clemente Santos
DESENVOLVIMENTO DE APLICATIVO PARA ABORDAGEM DE
GEOMETRIA MOLECULAR TRIDIMENSIONAL BASEADO EM
REALIDADE AUMENTADA

676

Valdeir Antonio do Nascimento Santos; Maria de Fátima Correia da Silva
Neta e Simone Pimentel Sobral
ESTRATÉGIAS DE GAMIFICAÇÃO APLICADAS AO ENSINO
SUPERIOR: uma análise comparativa no curso de Comunicação Social
Daniel Augusto Monteiro de Barros e Fernando Silvio Cavalcante
Pimentel

688

p. 8
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NOVOS PARADIGMAS
EDUCAÇÃO ONLINE

NA

UTILIZAÇÃO

DO

VÍDEO

PARA

A

705

PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TUTOR NO PROCESSO DE ENSINO
APRENDIZAGEM A PARTIR DO USO DOS PLANOS DE TUTORIA NA
EAD DA UAB

720

Fernanda Josirene de Melo Ferreira e Cleide Jane de Sá Araújo Costa

Emmanuele Maria Correia Costa e Cleide Jane de Sá Araújo Costa
A INCLUSÃO DE UMA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL NUMA
PRÉ-ESCOLA: sobre competências de crianças

738

Elton André Silva de Castro
ARTE, VISÃO DE UM MUNDO COM DEFICIÊNCIA

757

José Ricardo Lopes da Silva; Lais Helena Gouveia Rodrigues e Lucas
Moreno Cavalcanti Araújo
CONCEPÇÕES E PERCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A INCLUSÃO
NO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS

778

Márcia Rafaella Graciliano dos Santos Viana; Géssika Cecília Carvalho e
Flávia Regina Gomes de Lucena Sarmento
JUVENTUDES: educação e cultura no contexto da educação popular
pela promoção dos direitos humanos

794

Maria José Guerra e Maria Dolores Fortes Alves
PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA L2 PARA PESSOA SURDA:
DESMISTIFICANDO OS MITOS DESVENDANDO A VERDADE
Aparecida Célia R. Bezerra e Reudson Douglas Bezerra

811

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PREFÁCIO
A Pós-Graduação no Brasil passa por momentos turbulentos e com
grandes desafios para os anos vindouros.
O Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Alagoas não fica alheio à toda esta problemática conjuntural e social.
Os quinze (15) anos deste Programa de Pós-Graduação revela o
compromisso desta Pós-Graduação com a sociedade alagoana. Sobretudo ao
pensarmos numa ciência que se faz com recortes históricos, sociais, políticos
e econômicos. A nossa defesa é de uma ciência cada vez mais engajada e
comprometida com as tramas sociais e culturais.
O VIII EPEAL não ficou indiferente à problemática nacional. O título do
Encontro revelou muito bem esta preocupação. De fato, refletir sobre a
Educação na Contemporaneidade: entre Retrocesso e Emancipação significa
repensar um conjunto de práticas, valores e políticas que perpassam o
arquétipo cultural de uma dada civilização.
Vivemos momentos sombrios em que o Estado Democrático de Direito
vem

sendo

constantemente

ameaçado

por

políticas

conservadoras,

autoritárias e maniqueístas. Quando a Democracia deixa de ser uma
realidade concreta, vivemos à margem do realismo civilizacional que
almejamos.
Neste âmbito de compreensão, o VIII EPEAL quis reunir, traduzir,
expressar e contemplar esta temática na sua mais profunda candência. O
reflexo desta realidade ímpar, foi a presença de tantos pesquisadores
nacionais e estrangeiros que com diferentes sensibilidades perceberam a
gravidade de uma democracia em risco, soterrada por práticas autoritárias e
fascistas.

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O objetivo maior do VIII EPEAL foi reunir estas sensibilidades e
práticas em torno das pesquisas desenvolvidas no Estado de Alagoas.
Pesquisas que desenvolvam outras

narrativas sociais, que promovam a

construção de novas identidades pessoais e sociais. Pensar em novas
gramáticas sociais em que as subjetividades marginais possam emergir e se
emanciparem de sistemas tiranos e opressores da dignidade humana.
O compromisso final deste encontro é com a Emancipação Humana
em terras alagoanas. Sobretudo com a compreensão de que precisaremos
construir uma ciência compreensiva capaz de perceber as dobras e as bordas
das tramas da existência humana, neste sentido, fica o movimento de que
Conhecer é Transformar.

Meu abraço fraterno,

Anderson de Alencar Menezes
Coordenador do PPGE/CEDU/UFAL

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A ADESÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE INCLUSÃO DE
JOVENS – PROJOVEM URBANO NO MUNICÍPIO DE
MACEIÓ/AL
Inalda Maria dos Santos
inaldasantos@uol.com.br
Martha Vanessa Lima do Nascimento
nesslim@hotmail.com
RESUMO: O presente trabalho objetiva traçar um recorte histórico acerca da
implantação do PROJOVEM Urbano em esfera nacional, dando ênfase a sua
adesão no Município de Maceió/Alagoas. Com isso, pretende-se destacar os
objetivos do Programa, bem como os obstáculos quanto à sua execução. E,
para tanto, inicialmente, torna-se imprescindível o entendimento acerca do
que são políticas públicas e políticas públicas voltadas para juventude, além
da compreensão quanto à conceituação de juventude à luz de autores que
versam sobre o tema.
Palavras Chave: PROJOVEM Urbano - Políticas públicas - Políticas para
Juventude e Juventude.

1. Introdução
A execução das políticas públicas é de suma importância para o
desenvolvimento do Estado, e suas ações devem assegurar os direitos de
cidadania da população, entretanto, não podemos deixar de entendê-las no
contexto de uma sociedade capitalista. No ano de 2005, o governo federal
desenvolveu o Programa de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, de caráter
interdisciplinar, com o objetivo inicial de elevar a escolaridade dos jovens com
idades entre 18 e 24 anos, que soubessem ler e escrever, mas que ainda não
tivessem concluído o ensino fundamental. Em sua proposta pedagógica
metodológica, também está prevista a capacitação profissional e a
participação cidadã do jovem. Dessa forma, o Programa apresenta o seguinte

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tripé: Educação Básica, Qualificação Profissional e Participação Cidadã, que
o alicerça.
O Programa foi criado em 2005 e reestruturado em 2008, passando a
ser denominado de PROJOVEM Integrado, e ampliando o seu atendimento
para jovens com idades entre 15 e 29 anos. O programa surge como tentativa
de se corrigir distorções educacionais históricas presentes na vida dos jovens
das camadas menos favorecidas, propondo-se a atender também às
exigências do mercado de trabalho, ou seja, as demandas do capital.
Entende-se ainda que ao integrar a Educação Fundamental (do 1º ao 9º), a
Qualificação Profissional e a Participação Cidadã, o PROJOVEM Urbano
oferece a oportunidade para que os jovens experimentem novas formas de
interação, bem como a apropriação e construção de novos conhecimentos,
tendo sempre as suas experiências de vida valorizadas durante o processo de
ensino aprendizagem.
Além disso, o PROJOVEM é uma extensão da Política Nacional de
Juventude e se divide em quatro modalidades, voltada aos jovens com
diferentes perfis: Projovem adolescente, Projovem do campo, Projovem
trabalhador e Projovem urbano, sendo este último o foco do nosso trabalho
que se desdobra acerca da adesão do Programa no Município de Maceió em
Alagoas. Vale salientar que o trabalho é de cunho bibliográfico, e, também
constitui objeto de investigação no âmbito do Mestrado em Educação pela
Universidade Federal de Alagoas – UFAL. O PROJOVEM Urbano é gerido
pelo governo federal em parceria com o município de Maceió/AL, sob a
coordenação da SEMED, e em 2015 completou dez anos de atuação no
referido município.

1.1 Conceituação de Políticas Públicas
Políticas públicas são conjuntos de programas, ações e atividades
desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a

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participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar
determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para
determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. As
políticas públicas correspondem a direitos assegurados
constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento
por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos
direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais
ou imateriais. (SEMA/PR, 2013, p.1).

As políticas públicas são formuladas principalmente através da
iniciativa dos poderes executivo ou legislativo, separada ou conjuntamente, e
também a partir das demandas sociais em seus diversos seguimentos. Possui
fina articulação com o Estado, que por sua vez tem abrangência histórica
articulada com a dinâmica das transformações sociais, econômicas, políticas
e culturais de uma determinada sociedade, e com a sua capacidade de
resolver ou não os problemas e os dilemas de sua época. Ou seja, “toda
política pública é uma forma de regulação e intervenção na sociedade”
(SILVA, 2001, p. 37).
Não podemos deixar de entender as políticas públicas no contexto de
uma sociedade capitalista, portanto, faz-se necessário a análise acerca da
política social estabelecida no Estado que alicerça as políticas públicas, para
que assim, possamos, obter a compreensão sobre para quem se destinam
tais políticas e com quais finalidades. Sob o entendimento de Höfling (2001),
política pública é uma forma de interferência do Estado, com o intuito de se
manter determinado modelo social. Contudo, Souza (2007), esclarece que
não existe uma única, nem melhor, definição sobre política pública.
Embora, as políticas públicas surjam, prioritariamente, como forma de
atender aos interesses da classe dominante, de manutenção e acumulação
do capital, por outro lado, configuram-se como de suma importância, pois
surgem a partir de uma problemática pontual, que necessita de atenção,
demandando, portanto, mobilização de todas as formas (pessoas, tempo,
investimentos financeiros e entre outros).

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Neste

sentido,

o

PROJOVEM

Urbano

como

política

pública,

caracteriza-se como um programa de abrangência nacional, tem como público
alvo os jovens na faixa etária dos 18 aos 29 anos, que saibam ler e escrever,
mas que ainda não concluíram o ensino fundamental.

1.2 Políticas Públicas Direcionadas a Juventude

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, ao afirmar,
em seu artigo 1º, que "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos”, estabelece o paradigma de uma sociedade justa e
igualitária, que ainda não conseguimos atingir. A caminhada na direção do
reconhecimento dos direitos sociais tem sido marcada, historicamente, por um
processo de avanços gradativos, permeados por retrocessos e pela
necessidade de atenção permanente. Ao longo do tempo, diferentes grupos
como:

pequenos

comerciantes,

trabalhadores,

mulheres,

intelectuais,

homossexuais, jovens e indígenas, lutam de forma incessante pela afirmação
de suas especificidades e pelo respeito à sua dignidade. Dentre esses
grupos, os jovens estão entre os de reconhecimento social mais tardio. No
Brasil a população oficialmente reconhecida como jovem é aquela situada na
faixa etária de 15 a 29 anos. É para essa faixa que se destinam tais políticas.
Segundo Aquino (2009) a inserção das discussões acerca da
juventude no âmbito dos discursos sociais no Brasil se deu, até meados do
século XX, essencialmente a partir de duas ideias centrais: por um lado,
considerava-se a juventude como uma transição da infância para a vida
adulta, constituída assim, por etapas rígidas que direcionariam o jovem aos
papéis típicos do mundo adulto, como por exemplo, estudar, ingressar no
mundo do trabalho, casar e constituir família, o que até em tão, exigia

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esforços da família e da escola para que o jovem se tornasse um adulto útil
para a sociedade. Porém, quando essas etapas não eram devidamente
seguidas, tal comportamento seria considerado um desvio no processo de
socialização.
Quaisquer desvios e disfunções representavam a etapa
problemática da juventude, quando apontava-se a necessidade do
enfrentamento pela sociedade dos problemas sociais geralmente
associados aos jovens, sendo direcionadas a essa população as
ações e políticas de controle social repressivo (AQUINO, 2009, p.
26).

Em contrapartida, e partindo de uma concepção ampliada de direitos,
“alguns setores da sociedade brasileira têm se voltado para a discussão da
situação dos adolescentes e dos jovens” (CARRANO; SPOSITO, 2003, p. 19),
principalmente a partir do ano de 1985, instituído pela Organização das
Nações Unidas – ONU, como o Ano Internacional da Juventude: Participação,
Desenvolvimento e Paz, impulsionando discussões e inserindo o tema
juventude

na

agenda

internacional.

Diante

disso,

“delineia-se

nova

perspectiva sobre a juventude, em que perde força a conotação problemática
do jovem e ganha relevo um enfoque completamente inovador: a juventude
torna-se ator estratégico do desenvolvimento” (AQUINO, 2009, p. 26).
“Em um contexto em que a juventude surge de forma múltipla como
questão social relevante – seja pelos problemas que vivencia, seja
pelas potencialidades de realizações futuras, seja ainda pelo que há
de genuinamente rico neste momento do ciclo da vida –, cabe
pensar os desafios que se apresentam para a sociedade brasileira
em termos de atenção aos jovens” (AQUINO, 2009, p. 26).

E, um dos principais desafios para alcançar o pleno reconhecimento
dos direitos dessa população reside no fato de que,
“no âmbito da juventude, existem várias juventudes, ou seja, é
preciso considerar a existência uma diversidade de identidades
juvenis, de forma que para afirmar os direitos dos e das jovens fazse necessário articular a busca pela igualdade individual de
condições com a valorização da diferença” (BRASIL, 2006 p. 06).

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Com isso, destaca-se que as necessidades provenientes da pobreza e
dos processos de exclusão social e vulnerabilidades sociais, atrelados às
necessidades inerentes ao desenvolvimento dos jovens, e que exigem ações
que perpassam a necessidade de transferência de renda e bens materiais.
Faz-se necessário, o reconhecimento dos direitos da juventude, ou seja,
“associar serviços e benefícios que permitam a prevenção de riscos e
contribuam para o reforço da autoestima dos jovens, o desenvolvimento de
sua autonomia e capacidade de sobrevivência futura” (BRASIL, 2009, p. 06).
Institui o Estatuto da Juventude Lei nº 12.852/2013 e dispõe sobre os
direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de
juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE.
O jovem tem direito à educação de qualidade, com a garantia de
educação básica, obrigatória e gratuita, inclusive para os que a ela
não tiveram acesso na idade adequada (Título I, Capítulo II, Seção
II, Art. 7º).
O jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda,
exercido em condições de liberdade, equidade e segurança,
adequadamente remunerado e com proteção social. (Título I,
Capítulo II, Seção III, Art. 14).

Com isso, entende-se que todas as políticas públicas educacionais
direcionadas a população jovem surgem como forma de se reparar as
consequências danosas dos processos de exclusão social do indivíduo, e,
nesse sentido, todas as ações governamentais devem contribuir para a
formação plena do cidadão, proporcionando-os a participação ativa no
processo de construção do conhecimento, de modo que, esses possam atuar
de forma decisiva na sociedade, no sentindo amplo, ou seja, oportunizando
uma educação que possibilite a consciência política, a participação
econômica, a responsabilidade social e a produção cultural. De acordo com o
secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, o PROJOVEM é a primeira
política pública de reconhecimento do jovem como sujeito de direitos.

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1.3 Especificidades do Público Jovem
No Brasil, a população oficialmente reconhecida como jovem é aquela
situada na faixa etária de 15 a 29 anos. É para esse público que são
destinadas as políticas públicas para a juventude, dentre as quais,
destacamos o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem Urbano.
Para Carrano (2003) juventude é algo que varia no tempo e no espaço, mas
que, de forma geral, tem sido definida pela cronologia etária ou pela
“imaturidade psicológica”.
Para Margulis e Urresti (1996, p.11) juventude, “é um conceito fluido, é
uma construção histórica e social e não meramente uma condição de idade.
Cada época e cada setor postulam diferentes maneiras de ser jovem, dentro
de situações sociais e culturais específicas”. Ou seja, para os autores, ser
jovem, não é somente uma questão de idade, há de se considerar aspectos
fundamentais como, por exemplo, a circunstância cultural, na qual, o sujeito
está inserido, aprofundando-se, desse modo, em novas percepções,
valorizando-se as especificidades da juventude que, de fato, caracterizam-na
e a difere de outras gerações.
Para Novaes (2015) especialista em Juventude, o PROJOVEM Urbano
é um programa que acontece a partir dos sonhos e expectativas dos jovens. E
que este está sempre se reinventando, se oxigenando. “É um programa de
aprendizado do jovem do século 21, focado naqueles que estão vulneráveis,
excluídos.”
2. Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM URBANO
De acordo com o Projeto Pedagógico Integrado do PROJOVEM
Urbano, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Juventude, vinculada à
Secretaria Geral da Presidência da República, o programa foi criado como
ação integrante da Política Nacional de Juventude lançado pelo governo

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federal no ano de 2005, destacando-se em sua proposta, o desenvolvimento
do Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, a Qualificação e
Ação Comunitária – PROJOVEM. Com ênfase no segmento juvenil mais
vulnerável e, portanto, menos contemplado por políticas públicas, e,
compreendendo, inicialmente, jovens de com idades entre 18 e 24 anos, que
já haviam terminado a antiga quarta série primária, hoje denominada de
quarto ano do ensino fundamental I, mas que ainda não haviam concluído a
oitava série (nono ano) do ensino fundamental, e ainda, que não possuíssem
vínculos formais de trabalho.
“O Programa caracterizou-se como emergencial, atendendo um
segmento que tem necessidade de chegar ainda jovem ao ensino
médio, e experimental, baseando sua proposta curricular em novos
paradigmas de ensino e aprendizagem que permitem articular o
ensino fundamental, a qualificação profissional e a ação
comunitária.” (BRASÍLIA, 2008).

Desse modo, o PROJOVEM foi implantado sob a coordenação da
Secretaria Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da
República, em parceria com os Ministérios da Educação, do Trabalho e
Emprego e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O Programa,
regulamentado pelo Decreto n° 5.557, de 05/10/2005, obteve parecer
favorável da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação CEB/CNE 2/2005, de 16/03/2005, aprovado pela Resolução
3/2006, de 15/08/2006, como um curso experimental, de acordo com o artigo
nº 81 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Dessa forma,
viabilizou-se, por meio dos sistemas de educação a certificação de conclusão
do ensino fundamental e de qualificação profissional (formação inicial). De
acordo com o Manual do Educador do PJU (2013) - guia de orientações do
Projovem Urbano, a meta inicial do programa foi atender cerca de 200.000
jovens, no período de 2005 a 2008, atuando em todas as capitais brasileiras e
no Distrito Federal. Em 2006 ampliou o atendimento aos municípios das
regiões metropolitanas que possuíam 200.000 habitantes ou mais, tendo

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recebido a adesão de 29 cidades, incluindo-se o município de Maceió
Alagoas.

2.1 – Adesão do Programa Nacional de inclusão de Jovens - PROJOVEM
URBANO no município de Maceió/AL

O PROJOVEM atua no estado de Alagoas com o Projovem Campo
Saberes da Terra que integra as políticas de educação do campo e de
juventude,

desenvolvidas

pelo

MEC,

dando

oportunidade

a

jovens

agricultores, excluídos do sistema formal de ensino, o Projovem Trabalhador
que prepara os jovens para o mercado de trabalho e para ocupações
alternativas geradoras de renda, o Projovem adolescente destinado aos
jovens de 15 a 17 anos que oferece oportunidades sócio-educativas para criar
condições de inserção, reinserção e permanência do jovem no sistema
educacional, que são as ramificações do programa que tem coordenação pela
Secretaria de Estado de Educação.
Em 2005, a Prefeitura de Maceió/AL, apresenta ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação – FNDE, a proposta de Plano de Trabalho
Anual com vistas ao apoio financeiro de ações para implantação do Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária
– Projovem, uma iniciativa do Governo Federal, no município que apresenta
uma oferta de 6.000 vagas. Com isso o Projovem Urbano destinado ao
público da Educação de Jovens e Adultos – EJA com atendimento aos jovens
com faixa etária entre 18 e 29 anos, fica sob a coordenação da Secretaria
Municipal de Maceió.
Segundo as diretrizes que o norteia, o Projovem oferecerá, a seus
participantes, oportunidades de elevação da escolaridade; de qualificação
profissional; e de planejamento e execução de ações comunitárias de

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interesse público, por meio de curso, que proporcionará a formação integral
do jovem. Cabe ressaltar que a educação profissional destinada ao público
jovem no Brasil, não se configura como um fato novo, tal oferta prevista,
inclusive nos documentos que norteiam a educação, visa à inserção do jovem
no mercado de trabalho, cada vez mais cedo, porém, é pertinente a
observação em relação aos cursos profissionalizantes, de caráter inicial,
disponíveis para os jovens, os arcos ocupacionais do PJU objetivam o
suprimento de vagas de acordo com as exigências regionais, o que não
oportuniza ao jovem um grande número de opções ou remuneração
adequada. Além disso, observa-se ainda que, a oferta de vagas de emprego
disponível encontra-se cada vez mais escassa, o que oportuniza a fala do
empreendedorismo no PJU, inclusive.
O capital não só assume tudo aos seus interesses, mas inclusive
determina o que quer e o que deve ser feito para atender aos seus
desejos. O capital não espera os trabalhadores têm a lhe oferecer,
dita suas necessidades. Para isso, constrói os novos conceitos e as
novas categorias coordenadas da sua relação com o trabalho. Entre
estes, os conceitos de empregabilidade e de competências surgem
como aqueles que melhor sintetizam a crise do emprego e as
estratégias do capital, no campo educacional, objetivando manter
sua hegemonia (OLIVEIRA, 2003, p 86).

No dia 10 de junho de 2008, a Medida Provisória nº 411/2007 foi
convertida na Lei nº 11.692/2008, que dispõe sobre o Programa de Inclusão
de Jovens – PROJOVEM e determina, em seu art. 2º: “O PROJOVEM,
destinado aos jovens de 18 a 29 anos, com o objetivo de promover sua
reintegração ao processo educacional, sua qualificação profissional e seu
desenvolvimento humano, será desenvolvido por meio das modalidades: (I)
PROJOVEM Adolescente – Serviço Socioeducativo; (II) PROJOVEM Urbano;
(III) PROJOVEM Campo – Saberes da Terra e PROJOVEM Trabalhador”, já
descritos anteriormente. A Lei nº 11.692/2008 estabelece, ainda, em seu
artigo 12: “O PROJOVEM Urbano atenderá a jovens de 18 a 29 anos que
saibam ler e escrever e não tenham concluído o Ensino Fundamental”.

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Segundo a SEMED, o município de Maceió Alagoas tem parceria com
o PROJOVEM desde o início do Programa, em 2006, e de forma ininterrupta,
lança todos os anos, por meio de sua Secretaria Municipal de Educação,
edital para inscrições de estudantes. Nos últimos três anos ofertando mais de
cinco mil vagas na rede pública estadual, para o ensino fundamental que
corresponde do 1º ao 9º ano, oportunizando a qualificação profissional inicial,
geralmente

nas

áreas

de

Administração,

Telemática

e

Turismo

e

Hospitalidade, de acordo com as necessidades da região. Para o ingresso no
curso, no ato da inscrição, o jovem realiza prova de proficiência na própria
Secretaria Municipal de Educação, ou nos devidos postos de cadastramento,
geralmente, escolas do próprio município, a prova de língua portuguesa,
deverá atestar que o estudante sabe ler e escrever. E, além das disciplinas
regulares, o currículo integrado do PROJOVEM Urbano proporciona a
interdisciplinaridade dos conteúdos, incluindo-se a disciplina de participação
cidadã, fundamental para formação emancipatória dos sujeitos aos moldes de
Paulo Freire.
A proposta do Programa possibilita ainda que os estudantes tragam
seus filhos para a escola, na qual, permanecem na sala de acolhimento, do
início ao final da aula. O ingresso e permanência no curso concede aos
jovens uma bolsa de estudos de R$100,00 mensais que estará condicionada
a 75% de frequência nas atividades presenciais e a entrega de trabalhos
pedagógicos. Dentre os materiais didáticos entregues aos estudantes
incluem-se, Guias de Estudo Integrado nos respectivos volumes I, II, III, IV, V
e VI, além da agenda do estudante e dos cadernos de atividades de
Participação Cidadã e Qualificação profissional. Assim como todos os anos
ocorre a inscrição para estudantes do PROJOVEM, a SEMED também lança
edital para contratação de profissionais para atuarem como docentes nas
disciplinas de português, matemática, inglês, ciências naturais e humanas,
participação cidadã e qualificação profissional, além de merendeiras e

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educadoras para desenvolver atividades com as crianças na sala de
acolhimento.
É importante destacar que o programa estipula uma carga horária de
12 horas mensal para formação continuada dos educadores durante os
dezoito meses de curso, as formações acontecem aos sábados em uma
instituição de ensino superior de Maceió. Os formadores oriundos da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL, no caso de Maceió, são
contratados para atuarem no programa e recebem formação prévia e
continuada em diferentes regiões onde ocorrem os encontros estaduais de
formadores do PJU, o evento está sob a coordenação pedagógica da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. A proposta
requer atualização dos temas desenvolvidos durante o curso, bem como
prevê a investigação da realidade local onde estão inseridos os jovens, com o
intuito de adaptação dos conteúdos disponíveis nos guias de estudo.
Ao final do curso, os jovens concluirão o ensino fundamental e terão
uma formação profissional inicial. Porém, embora haja esforços dos
profissionais diretamente ligados ao PROJOVEM, o programa enfrenta uma
série de obstáculos de cunho administrativo, principalmente no que se refere
ao pagamento das bolsas dos alunos que a recebem com atraso do governo
federal, com atraso também são entregues os materiais didáticos, outro ponto
a se destacar refere-se às salas de acolhimento (salas de aula das escolas
públicas de Maceió) com infraestrutura precária e a falta de materiais
educativos e didáticos nas escolas. Contudo, acredita-se que o maior
obstáculo enfrentando pelo Programa seja a evasão escolar, realidade muito
presente na modalidade EJA, público alvo do PROJOVEM, mas que deve ser
cuidadosamente analisado levando-se em consideração os impasses
relatados acima, afim de, se observar a existência de alguma relação entre as
falhas na execução do programa e o quantitativo anual de alunos desistentes.

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3. Considerações Finais
O PROJOVEM Urbano é uma política pública vigente no Município de
Alagoas, direcionada para o público jovem, completa dez anos de atuação de
forma ininterrupta, com considerável participação no cenário educacional da
capital, visto o quantitativo de concluintes nos cursos, durante toda a sua
existência. Configura-se como um programa educacional e de qualificação
profissional voltado para jovens de baixa renda, com entradas e saídas da
escola, característica bem presente no público da EJA. Levando-se em
consideração o capitalismo, proporciona a manutenção do modelo de
sociedade atual que visa à entrada dos jovens, cada vez mais cedo, no
mercado de trabalho, ocupando vagas de trabalho com baixa remuneração,
oferecendo poucas chances de ascensão profissional, principalmente,
àqueles que não pretendem dar prosseguimento aos estudos.
Porém, trata-se de uma importante política pública, considerando as
especificidades do público jovem e oportunizando a busca do primeiro
emprego, e que apesar da contradição, e diante do modelo de sociedade
capitalista, o trabalho torna-se uma ferramenta imprescindível para a vida
humana, além disso, auxilia o estudante a avançar com os estudos. Apesar
do

modelo

capitalista

histórico

de

desenvolver

o

ensino,

tem

comprometimento com a formação dos estudantes e de seus educadores, e
preza, sobretudo, pela atualização dos conteúdos ministrados em sala de
aula, oportunizando assim, o desenvolvimento de novas abordagens, visto
que, o conhecimento é dinâmico e o público jovem pertence a uma geração
ativa e que se renova a cada dia. Vale ressaltar ainda o seu projeto
pedagógico interdisciplinar comprometido à emancipação da educação.
Contudo, observam-se obstáculos pertinentes e que interferem
diretamente no bom andamento do programa, pois atrasos financeiros
recorrentes dificultam, e muitas vezes até, inviabilizam a execução dos
trabalhos, principalmente, porque o programa lida com a questão da

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vulnerabilidade social dos jovens que ainda não trabalham e necessitam do
auxílio mensal que o governo prevê para o aluno frequentador do curso. Com
isso, tenta-se continuamente obter respostas para esses impasses, afim de,
se obter uma compreensão do papel do Estado na garantia da efetivação do
programa que oportuniza o ensino fundamental, a capacitação profissional e a
participação cidadã dos jovens, de acordo com os dados do programa, em 10
anos de atuação, apesar do grande número de evasões, uma média de 600
alunos conseguem concluir o curso todos os anos em Maceió/Alagoas.

Referências
ABRAMOVAY, Miriam. Castro, Mary Garcia. WAISELFISZ, Júlio Jacobo.
Juventudes na escola, sentidos e buscas:Por que frequentam? Brasília –
DF: Flasco – Brasil, OEI, MEC, 2015.
AQUINO, Luseni. A juventude como foco das políticas públicas. In:
CASTRO, Jorge Abrahão de. et. al. (org.). Juventude e Políticas Sociais no
Brasil. Brasília: Ipea, 2009.
BRASIL. Manual do educador – Orientações Gerais/ [organização: Maria
Umbelina Caiafa Salgado; Revisão: Rafael Paixão Barbosa] – Brasília:
Programa Nacional de Inclusão de Jovens e Adultos – PROJOVEM Urbano,
2012.
DIÓGENES. Elione Maria Nogueira. Políticas públicas de Educação:
concepções e pesquisas. Fortaleza: Edições UFC, 2014.
_____Estatuto da Juventude. Lei 12.852 de 5 de agosto de 2013.
OLIVEIRA. Maria Auxiliadora Monteiro. Políticas públicas para o ensino
profissional: o processo de desmantelamento dos Cefets. 2003.
_____MEC/FNDE – Plano de trabalho. Programa Nacional de Inclusão de
Jovens. 2006.

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_____Presidência da República – Secretaria - Geral da Presidência da
República-Secretaria Nacional de Juventude - ProJovem Urbano. Projeto
Pedagógico Integrado do Projovem Urbano. Brasília 2008.
SEMA. Secretaria do Meio Ambiente. O que são políticas públicas. Disponível
em:

<

http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/coea/pncpr/O_que_sao_Politi
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2017.
Programa

de

capacitação

de

jovens.

Disponível

em

<http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/04/programa-capacita-jovens-parao-mercado-de-trabalhoAcesso em: 02 de

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GESTAO ESCOLAR DEMOCRÁTICA E A FORMAÇÃO
CRÍTICO-REFLEXIVA DO SUJEITO
Cindia Maria Braga Albuquerque
cindiabraga@gmail.com
Inalda Maria dos Santos
inaldasantos@uol.com.br
RESUMO: A gestão escolar democrática tem sido alvo de muitos estudos,
pretendemos aqui colaborar apontando a formação e a atuação críticoreflexiva dos sujeitos inseridos no espaço escolar como caminho para
alcançar a efetividade do princípio democrático. Consideramos que a partir
dessa visão seja possível refletir sobre os dilemas do ambiente escolar,
passando a atuar de forma coletiva em busca de sanar tais problemáticas.
Assim, buscamos incentivar para que os educadores despertem para uma
atuação crítica, na qual possam tornar-se produtores de conhecimento, ao
mesmo passo que estimulam seus alunos desenvolverem tais capacidades.
Em meio a esse processo a escola aparece dando condições para que esses
sujeitos se desenvolvam e oportunizando o envolvimento da comunidade
escolar nas ações realizadas dando efetividade a democratização por meio da
participação na instituição escolar.
Palavras-chave: Gestão - crítico-reflexiva – participação.

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa parte de uma análise de abordagem qualitativa, na qual
se pretende tecer algumas opiniões acerca da gestão escolar democrática e
ainda apontar a formação crítico-reflexiva do sujeito como caminho para sua
efetivação. Acreditamos que a gestão democrática seja um caminho
importante na busca pela transformação social. A escola é espaço no qual os
sujeitos tanto adquirem conhecimento como também o produz, assim sendo,
é nela que podemos iniciar um processo de mudanças que podem auxiliar na
evolução de toda uma conjuntura social.
Para superar as condições de submissão e aceitação é indispensável
uma transformação pessoal/individual, para que posteriormente passam

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ocorrer transformações em um contexto mais amplo. A fim de alcançar esse
despertar destacamos a formação crítico-reflexiva dos sujeitos no espaço
escolar como uma forma de atentar para as questões que decorrem dos
dilemas deste ambiente. É a partir dessa consciência crítica que novos
olharem podem ser apontados visando trazer soluções e mudanças para a
escola. Nesse sentido tanto professores como alunos devem buscar esse
desenvolvimento a fim de se tornarem sujeitos ativos.
Na gestão democrática o Conselho escolar aparece como órgão
representativo que é composto por todos os segmentos da escola: pais,
alunos, professores e funcionários. Tais segmentos precisam expressar seus
posicionamentos frente às decisões a serem tomadas, ao mesmo passo que
devem propor ações a serem desenvolvidas. Diante desse papel a formação
crítica aparece como fator favorável ao desenvolvimento desses sujeitos e a
escola deve se mostrar aliada nesse processo.
Gestão Escolar Democrática: apontamentos iniciais
Abordar a temática gestão escolar demanda compreender como o
termo gestão passa a fazer parte desse espaço (a escola) e de que forma ela
pode ser compreendida. Embora as leis educacionais ainda façam uso do
termo direção escolar é possível encontrar de forma bastante expressiva o
termo gestão sendo utilizado na literatura ou como sinônimo daquele. A
gestão democrática passa a fazer parte do cotidiano escolar como princípio
estabelecido na Constituição Federal (CF) de 1988 e posteriormente melhor
definida na Lei 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN).
O Artigo 206 da CF que trata dos princípios do ensino estabelece a
“gestão democrática do ensino público, na forma da lei”, que tem na LDBEN
(1996), a complementação textual, “na forma da Lei e da legislação dos
sistemas de ensino”. O termo gestão de acordo com Cury “provém do verbo

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latino gero, gessi, gestum, gerere e significa: levar sobre si, carregar, chamar
a si, executar, exercer, gerar. Trata-se de algo que implica o sujeito” (CURY,
2005, p. 14).
Cury refere-se à gestão democrática escolar como uma forma de a
comunidade educacional participar “ativamente” da sociedade, buscando
alcançar objetivos pré-estabelecidos em um projeto pedagógico, visando com
isso alcançar melhor qualidade educacional, tornando esses sujeitos seres
mais comprometidos e questionadores diante das ações do Estado.
Corroborando com o pensamento apresentado por Cury, de forma bastante
objetiva podemos compreender que
A gestão democrática é um princípio do Estado nas políticas
educacionais que espelha o próprio Estado Democrático de Direito e
nele se espelha, postulando a presença dos cidadãos no processo e
no produto de políticas dos governos. Os cidadãos querem mais do
que ser executores de políticas, querem ser ouvidos e ter presença
em arenas públicas de elaboração e nos momentos de tomada de
decisão. Trata-se de democratizar a própria democracia (CURY,
2003, p. 18).

O conceito apresentado é bastante pertinente, pois é possível constatar
nele aquilo que há de mais marcante na gestão democrática: a participação.
Sem ela não há como se efetivar tal princípio, somente a partir da voz ativa
dos sujeitos envolvidos e das suas contribuições é possível democratizar o
espaço escolar, da mesma forma que esta é a única forma de viver a
democracia política e social. Essa participação dos sujeitos no âmbito escolar
ocorre por meio do Conselho escolar, órgão representativo, deliberativo,
consultivo e fiscalizador que é composto por representantes de cada
segmento que compõe a instituição: pais, alunos, professores e técnicos.
Cury (2003) cita que na escola a gestão democrática torna-se sinônimo
de transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e
trabalho coletivo, representatividade e competência. Concordamos com o
autor e acrescentamos que na escola esses princípios se realizam através da
atuação efetiva do Conselho, pois é este o órgão que contempla todas essas
competências. Ele é agente fiscalizador das ações, do recurso financeiro

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destinado ao desenvolvimento das atividades fins e meio da escola, portanto,
somente a partir da aprovação do Conselho as ações podem ser efetivadas.
Com a gestão democrática e a atuação deste órgão representativo a
autonomia se fez presente nas instituições de ensino; os recursos passaram a
ser descentralizados; a escola torna-se responsável pela forma como os eles
serão distribuídos de acordo com suas necessidades. E para que tudo isso
ocorra de forma transparente à participação e o trabalho coletivo surgem
como ferramentas determinantes desse processo.
De acordo com Lück (2011), a gestão democrática é entendida “[...]
como o processo em que se criam condições para que os membros de uma
coletividade não apenas tomem parte, de forma regular e contínua, de suas
decisões mais importantes, mas assumam responsabilidade por sua
implantação. [...]” (LÜCK, 2011, p. 57). Desse modo, percebemos que
participar do processo, não significa apenas fazer parte dele, mais acima de
tudo, ser responsável por ele. Assim, gestão democrática na escola tem:
[...] finalidade de promover a partilha do poder entre dirigentes,
professores, pais, funcionários, e de facilitar a participação de todos
os envolvidos nas tomadas de decisões relativas ao exercício das
funções da escola com vista à realização de suas finalidades
(PARO, 2011, p. 15).

Nesse sentido, a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da
escola passa a não ser mais apenas do Estado, existe agora um conjunto de
sujeitos envolvidos que também se tornam responsáveis. Uma vez que a
escola torna-se autônoma e ela mesma decide (via Conselho escolar) de que
forma irá administrar seus recursos financeiros destinados ao ensino, não
cabe mais ao Estado a responsabilidade única pelo seu bom ou mau
desempenho, pois as ações foram descentralizadas e cada sujeito assume
sua parcela de responsabilidade nesse processo.
Com o estabelecimento do princípio da gestão democrática na rede
pública de ensino as escolas – que passaram a atuar segundo esse princípio
– iniciaram um novo ciclo, saindo do caráter clientelista e de apadrinhamento
advindo de tempos nos quais os governantes eram quem indicavam os

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gestores, para uma nova prática na qual a eleição torna-se forma de assumir
tal responsabilidade. Sendo assim, tanto para a gestão quando para se tornar
membro do Conselho deve haver um processo eleitoral que irá avaliar as
competências dos sujeitos e elege-los para representa-los durante um
período de dois anos, podendo reeleito pelo mesmo período por apenas mais
um mandato consecutivo.
Sobre a eleição, teóricos como Pinto, mencionam fatores negativos,
apontando que “o problema maior na eleição para dirigentes escolares é não
exigirem dos candidatos uma formação específica no campo da pedagogia
escolar” (PINTO, 2011, 173). Os candidatos ao cargo de gestor podem ser de
qualquer área (humanas, exatas), por isso a crítica apontada por Pinto, pois
na sua visão o conhecimento acerca do campo pedagógico torna-se
indispensável para essa função. O que se pode constatar através de dialogo
estabelecidos com gestores, no que concerne as escolas estaduais de
Alagoas, é que após a nomeação para o cargo de gestor ocorre apenas uma
formação com certificação de 40h na qual são esclarecidos diferentes
aspectos referentes às atribuições de um gestor: os aspectos pedagógicos,
administrativos e financeiros.
Concordamos com Lima ao apontar que “[...] a eleição para diretores é
um procedimento importante, mas não assegura em si a efetiva democracia
dos estabelecimentos de ensino [...]” (LIMA, 2011, p. 157). Esta, por sua vez,
apenas é assegurada através da efetiva atuação do Conselho escolar. O que
também demanda conhecimento acerca das finalidades, atribuições e
responsabilidades de cada segmento que o compõe. Para isso, faz-se
necessário orientar e esclarecer a comunidade escolar sobre a importância da
participação, prepará-los para o papel que cada um pode desempenhar na
escola. “A participação é condição para a gestão democrática: uma não é
possível sem a outra [...]” (BRASIL, 2006, p. 40).
Em virtude do processo histórico de dominação e repressão vivenciado
no Brasil, no período de ditadura, os sujeitos estão desabituados a terem voz

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ativa perante as decisões superiores, sentem medo de represálias, pois aquilo
que viveram outrora ainda está vivo em suas memórias. Diante disso, cabe
aos membros da escola proporcionar essa mudança de postura, dar abertura
para que comunidade sinta-se atraída para exercer seu papel. Visando
garantir que a gestão democrática não seja apenas um discurso, mas sim
uma realidade.
Buscar mecanismos que viabilizem a libertação social deve ser objetivo
central no espaço educacional. Orientar os discentes a serem críticos,
apresentar a eles conhecimento de elevado nível que os levem a reflexão
sobre qual a saída para a problemática da dominação é condição para que a
transformação aconteça. É nesse sentido que Rancière (2002, p. 107)
menciona que a intenção não deve ser tornar os sujeitos sábios, mas “elevar
aqueles que se julgam inferiores em inteligência, fazê-los sair do charco em
que se encontram abandonados: não o da ignorância, mas do desprezo de si,
desprezo em si da criatura razoável. O desafio é fazê-los homens
emancipados e emancipadores”.
Visando o desenvolvimento dessa concepção de superação da
dominação e do conformismo, bem como estando cientes da necessidade da
participação social no espaço escolar é que nos propomos a pontar a
formação crítico-reflexiva dos sujeitos como caminho alcançar a efetivação da
gestão democrática. Defendemos que se professores – possíveis gestores ou
membros de um segmento que compõe o Conselho – tiverem uma formação
pautada em fundamentos que incentivam a atuação crítica haverá maiores
possibilidades de participação efetiva desses sujeitos. Do mesmo modo, se
alunos – também segmento do Conselho – tiverem acesso a aulas que
estimulam a reflexão e a crítica acerca das problemáticas sociais também o
farão enquanto segmento representativo do Conselho.
Ou seja, à medida que sujeitos que estão inseridos diretamente nas
decisões e ações pertinentes ao espaço escolar são formados de modo a
refletirem sobre os dilemas escolares, políticos, sociais e educacionais como

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um todo, sem dúvida alguma terão maiores condições de exercerem suas
atribuições – enquanto membros do Conselho – de forma consciente e
responsável. Para tomar decisões é preciso conhecimento, senso crítico,
visão de mundo e objetivos pré-definidos, somente com pessoas que
possuam tais capacidades se faz possível considerar que há condições de
elas serem capazes de modificar a conjuntura social a qual estamos
submetidos. Dessa forma, defendemos que todos os segmentos do Conselho
tenham acesso a formações que os estimulem a serem pesquisadores e
produtores de conhecimentos em busca da transformação social.
Formando sujeitos críticos e reflexivos
O ser crítico e reflexivo ocorre quando o sujeito passa a se questionar e
a querer melhorar sua prática. Segundo Alarcão (1996) a postura de
questionador

caracteriza

o

pensamento

reflexivo,

logo,

não

haverá

produtividade em uma estratégia formativa se esta não vier acompanhada de
um espírito investigativo, de descoberta e envolvimento pessoal.
Essa atitude de refletir sobre as questões que lhe causam inquietude é
fundamental para que um profissional (docente) busque desenvolver-se e
desenvolver meios de realizar uma atividade com melhor desempenho,
atingindo, consequentemente, um melhor rendimento de seus alunos. Esse
perfil de docente é uma necessidade nos dias atuais, pois o aluno não é mais
um sujeito passivo e sem posicionamento, pelo contrário, é um indivíduo
questionador e com opiniões. E ele precisa constantemente ser estimulado a
expressar sua opinião e a expor o seu conhecimento de mundo.
Pensando nesse modelo de aluno, o educador necessita buscar
desenvolver sua prática de forma dinâmica e contextualizada, desenvolvendo
sempre uma reflexão sobre sua ação e sobre as ações de seus alunos,
questionando-se sobre os problemas que vivencia no contexto escolar e
buscando encontrar respostas que os solucionem. Para isso, a reflexão deve

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estar direcionada aos diversos personagens do processo de ensinar e
aprender. Tanto o aluno quanto o próprio professor devem ser avaliados, e
não apenas estes, mas todo o espaço escolar, inclusive a comunidade
externa.
O repensar sobre as problemáticas educacionais é o que torna um
profissional crítico-reflexivo, e isso só se realiza através da pesquisa. Assim,
segundo Mendes (2005), refletir deve ser um esforço consciente e voluntário
que leva ao questionamento, às ações e consequentemente à investigação e
as novas descobertas. Tais descobertas podem modificar uma realidade, ou
pelo menos pode apresentar meios para se alcançar as mudanças desejadas.
Pereira (2012) nos alerta que a prática reflexiva não acontece
individualmente. Ela ocorre no coletivo, na relação com o outro e consigo
mesmo, ouvindo a si próprio, fazendo-se ser ouvido e reconhecendo a
importância da teoria nesse processo de desenvolvimento reflexivo.
Percebendo ainda que não existe saber absoluto e imutável, todo
conhecimento pode sofrer alterações de acordo com as mudanças sociais,
políticas e culturais.
Para se adequar a esse novo perfil, faz-se necessário atentar para uma
prática mais questionadora e menos estática, algo que possibilite o
desenvolvimento da curiosidade dos alunos, deixando-os pesquisar e não
lhes dando respostas prontas e acabadas. Nesse sentido Perrenoud (2001, p.
26 apud PEREIRA, 2012, p. 75) menciona que “o professor profissional é,
antes de tudo, um profissional da articulação do processo ensinoaprendizagem em uma determinada situação, um profissional da interação
das significações partilhadas”. Apenas quando o docente perceber a
necessidade de se tornar pesquisador e reflexivo se fará possível a busca por
métodos transformadores de ensino. É necessário o despertar de uma açãoreflexão-ação, ou seja, uma consciência de que existe uma prática que
precisa ser repensada e transformada.

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É preciso buscar o dialogo, as respostas às inquietações sociais, as
razões e as formas de utilização dos conteúdos estudados em sala de aula. O
aluno é um ser ativo e, sobretudo, participativo. O professor reflexivo, é um
personagem que, segundo Alarcão (1996), não se esgota no imediatismo de
sua ação docente. Para ela, é indispensável que os professores sejam
agentes ativos do seu próprio desenvolvimento. Ao mesmo passo em que
devem se preocupar com o bom funcionamento da escola, enquanto espaço à
serviço do projeto social de formação dos educandos.
Para alcançar esse perfil de profissional faz-se necessário, como nos
aponta Pereira (2012, p. 71), “superar a alienação e o conformismo, buscando
atingir o modelo reflexivo e crítico, de modo a estimular os profissionais da
educação a repensarem suas práticas e ações, mudando seus conceitos em
prol de avanços educacionais”. Assim, a mesma autora acrescenta ainda que
“a pesquisa sobre a prática oferece condições de refletir as incertezas que
trazem, possibilitando ainda conduzir um ensino que luta por condições justas
e equânimes”. Pessoas insatisfeitas buscam respostas para os problemas
existentes. Evoluir individualmente é o primeiro passo para um crescimento
coletivo.
Atentar para o desenvolvimento dos alunos torna-se indispensável uma
vez que “[...] os alunos estão ainda em processo de autonomização e
precisam de ser ajudados neste processo pelos professores, sendo portanto a
autonomia simultaneamente objectivo e processo” (ALARCÃO, 1996, p. 5).
Filho e Quaglio (2008) destacam que o professor reflexivo deve ser um
facilitador do processo de aprendizagem, orientando aos alunos em suas
incertezas fazendo com que eles saibam tomar decisões, inclusive as que
concernem a atuação no Conselho escolar.
A prática docente deve estar preenchida de conhecimento teórico e das
vivências cotidianas, existindo uma contextualização em sua ação, pois essa
deve ser fruto das necessidades sociais, acontecendo sempre de forma
planejada, a fim de contemplar os interesses da comunidade onde está

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inserida. Além disso, esse planejamento precisa ser dialogado e pensado
junto aos sujeitos envolvidos. Assim, é preciso mais do que domínio do
conteúdo curricular; é preciso sentir o ambiente, os sujeitos e suas
necessidades, e para perceber todos esses fatores, pensar é a condição
primária.
Quando Paulo Freire (1921) tratou da conscientização do homem
esteve justamente mencionando sobre a necessidade do desenvolvimento
crítico do mesmo, desejando que o sujeito se preocupe com os problemas do
mundo e que busque resolvê-los. Para ele, a conscientização “é o olhar mais
crítico possível da realidade, que a “desvela” para conhecê-la e para conhecer
os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura
dominante” (FREIRE, 1979, xx). É nesse sentido que o autor deseja que o
homem busque a utopia, realizar aquilo que está distante, mas que pode, sem
dúvida, ser alcançado. Para ele utopia é “não é o irrealizável; a utopia não é o
idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de
denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante.
Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico” (FREIRE, 1979,
xx).
Diante desse pensamento de Freire é preciso que os educadores
acreditem na capacidade de mudança que o ser crítico-reflexivo pode
promover. Repensar a prática, buscar sanar os problemas e as dificuldades
encontradas na atividade docente e no espaço educacional como um todo
possibilitaria alcançar os objetivos a que se propõem como educadores.
Para que haja essas mudanças a escola também precisa ser um
espaço em reflexão, onde se busca caminhar favorecendo o desenvolvimento
crítico, onde os profissionais tenham autonomia de realizar suas atividades de
acordo com o que acreditam ser o adequado ao melhor desenvolvimento dos
alunos. Isso apenas se faz possível quando existe, no ambiente escolar, uma
parceria entre gestão, coordenação e docente. Essa parceria possibilita o

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desenvolvimento

de

práticas

educativas

pautadas

em

uma

postura

democrática, onde o professor tem autonomia e estímulo profissional.
Diante disso, Pereira (2012, p. 73) acrescente que o perfil de um
educador “que compreenda o processo

de ensino aprendizagem numa

dinâmica dialógica, no qual ‘o ato de aprender seja um ato de liberdade’,
(FREIRE, 2008) deve ser contemplado numa proposta de educação
democrática” (PEREIRA, 2012, p. 73), contanto que essa seja uma proposta
real e não apenas fantasiosa.
Compreendendo que a escola deve contribuir apresentando uma
parceria na constituição do professor pesquisador crítico-reflexivo desejamos,
como sugere Alarcão (2001), uma escola também reflexiva, um ambiente que
questiona sua própria atuação “concebida como uma organização que
continuamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua
organização, e confronta-se com o desenrolar da sua atividade em um
processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” (ALARCÃO,
2001, p. 11).
Nesse sentido, o papel de uma instituição de ensino hoje está para
além do processo de alfabetização; visa atingir aspectos sociais, contribuir
formando sujeitos que ajudam a sanar os problemas da sociedade local e que
estejam criticamente preparados para buscar melhorias em um contexto
global. “Uma escola onde se realize, com êxito, a interligação entre três
dimensões da realização humana: a pessoal, a profissional e a social. E onde
se

gerem

conhecimentos

e

relações,

comprometimentos

e

afetos”

(ALARCÃO, 2001, p. 11).
Alarcão (2001) ainda destaca que uma instituição inflexível, com uma
estrutura hierarquizada, sem diálogo entre setores, que não percebe as
potencialidades dos seus membros, e que não pensa em diferentes
estratégias de atuação, sem dúvida tende ao fracasso e ao insucesso. A
escola, enquanto espaço de reflexão, precisa conhecer o seu espaço, os
sujeitos que nela estão inseridos, quais as suas pretensões naquele

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ambiente, o que almeja desenvolver e quais os meios possíveis para alcançálos. Filho e Quaglio (2008, p. 62) mencionam que “a escola, sendo um
organismo vivo e atuante, precisa se interrogar e buscar sua transformação
em instituição autônoma, responsável e educadora, devendo saber ‘onde
está’, ‘para onde quer ir’ e ‘descobrindo o seu caminho para chegar lá’”.
Assim, a escola deve considerar, principalmente, os sujeitos que nela
estão inseridos, estando sempre atenta os cinco pilares que a sustenta
(liderança, visão, diálogo, pensamento e ação), não esquecendo jamais da
necessidade de possuir um projeto construído de forma coletiva, reflexiva e
democrática; um ambiente de grande papel social, sempre comprometida com
o desenvolvimento humano. Por isso, o professor, enquanto membro dessa
instituição,

deve ser ativo não apenas em questões pedagógicas, mas

também políticas e administrativas. Com isso,
[...] Importa assumir que a profissionalidade docente envolve
dimensões que ultrapassam a mera dimensão pedagógica. Como
ator social, o professor tem um papel a desempenhar na política
educativa. No seio da escola, a sua atividade desenrola-se no
cruzamento
das
interações
político-administrativo-curricularpedagógicas (ALARCÃO, 2001, p. 23).

Dessa forma, reafirmamos que todos que compõem a escola são
responsáveis pelo seu desenvolvimento e por tudo que ela acredita e realiza.
Nenhum membro da escola pode agir sozinho, todos devem dar sua parcela
de contribuição. É a partir dessa visão que corroboramos com a ideia posta
por Filho e Quaglio (2008) na qual o professor ao refletir criticamente se
permite analisar inclusive a própria estrutura institucional da qual é membro,
os valores educacionais que ela apresenta, podendo com isso buscar
apresentar propostas para sua melhoria ou optar por sair dela. São caminhos
que somente o educador poderá escolher, contudo essa escolha apenas
ocorre no momento em que há um despertar crítico-reflexivo, uma inquietude
que o faz pensar.
O professor reflexivo não apenas faz parte da escola, mas
necessariamente passa a pertencer à comunidade na qual ela esta inserida.

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Seu papel enquanto sujeito crítico está para além do ensino em sala de aula;
sua prática deve voltar-se para um contexto geral, social. Não há como
desconsiderar o contexto social, porque os alunos que ali estão trazem
consigo suas histórias, vivencias e culturas. Nesse sentido, concordamos cm
Colares (2011) quando diz que
A escola é um mundo. O mundo é uma escola. Os contextos
externos e internos se influenciam mutuamente. Os homens e as
mulheres não chegam à sala de aula desprovidos de saberes e de
conhecimentos. Trazem consigo as vivências, as marcas, as falas,
ou seja, imprimem ao contexto escolar o cotidiano do seu bairro, da
sua rua, da sua travessa, sua ponte, seu sítio, seu igarapé, seu rio,
sua vida (COLARES [et. al.], 2011, p. 161).

Uma escola como espaço de desenvolvimento crítico-reflexivo depende
de uma construção coletiva, onde alunos, professores, escola e comunidade
externa devem estar unidos, buscando alcançar objetivos comuns e melhorias
para o ensino-aprendizagem para a comunidade em geral. Logo, “se a escola
como instituição não quiser estagnar, deve interagir com as transformações
ocorridas no ambiente que a rodeia. Deve entrar na dinâmica atual marcada
pela abertura, pela interação e pela flexibilidade” (ALARCÃO, 2001, p. 25).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tratar de educação é mergulhar em um cenário amplo de
possibilidades. Cenário esse que antes de tudo perpassa por um processo
histórico que o define. Considerar todos os percursos pelo qual a educação
vem passando para que hoje tenha o caráter que apresenta é condição para
que se possa compreender quaisquer que seja o objeto de estudo
investigado. No contexto educacional é imprescindível reconhecer que
avanços ocorreram, porém é indispensável continuarmos em buscar de
efetivar conquistas que ainda não saíram do papel. As leis determinam
diversas garantias educacionais, porém ainda falta muito para que possamos
vê-las efetivamente realizadas na prática.

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Enquanto educadores e pesquisadores temos o dever de orientar
nossos discentes para que desenvolvam um sento crítico-reflexivo de
participação e de fiscalização, de luta constante por seus direito e de busca
incessante pela transformação social. Torna-se de grande importância nesse
processo a participação da escola como agente estimulador e incentivador de
todos os sujeitos a fim de tê-los como aliados nessa luta. O ambiente escolar
deve permitir e proporcionar condições para que seus profissionais busquem
conhecimento e crescimento, incentivar a participação e a democratização do
espaço escolar é caminho para grandes mudanças no mesmo.
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A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO E
MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS: o caso do Plano Municipal de Educação em
Santana do Ipanema/AL
Luciene Amaral da Silva
Inalda Maria dos Santos

Resumo: O artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa sobre a
participação da sociedade na elaboração e monitoramento do Plano Municipal
de Educação- PME, do município de Santana do Ipanema, estado de
Alagoas. A pesquisa buscou analisar a presença/ausência da participação
popular no processo de elaboração e monitoramento do PME. Para o
desenvolvimento da pesquisa utilizou-se a técnica de entrevista e observação
direta das reuniões do Fórum Municipal de Educação. A temática é discutida
à luz de Luck (2005), Saviani (2005), Dourado (2007), Bordignon (2009),
Gadotti (2014), dentre outros autores que discutem sobre a importância do
planejamento e participação popular.
Palavras-chave: Planejamento. Monitoramento. Participação Popular.
1 INTRODUÇÃO
As políticas públicas surgem como materialização da redemocratização
do país com intensidade na década de 1980. O planejamento educacional é
uma necessidade de execução eficaz das políticas públicas e para ser
efetivado, precisa da participação da população em seu acompanhamento e
avaliação, no entanto, quando há participação da sociedade ela se restringe
apenas ao processo de elaboração, deixando o monitoramento e a avaliação
a cargo de profissionais, que em muitos casos, são representações dos
governos do que dos interesses do povo.
O Plano Nacional de Educação, como planejamento educacional,
discutido desde 1932 com os Pioneiros da Educação, está legitimado no art.
214 da Constituição Federal com o objetivo de articular e integrar as ações do
poder público no tocante a educação. Contemplado de forma especifica na

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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/1996, o Plano
Nacional de Educação (PNE), mais uma vez, na sua segunda versão, aponta
para a necessidade de (mais) participação popular e a articulação com os
planos estaduais e municipais, com o intuito de promover o alinhamento entre
os planos e garantir a execução das metas propostas ao longo de uma
década.
A partir dessa discussão, municípios e estados foram convocados para
(re)elaborar e muitos ainda elaborar seus planos de educação com a
participação da sociedade, com o objetivo de garantir o alinhamento dos
planos a ser executado na década de 2014 a 2024.
A partir da aprovação do PNE (2014-2024), os estados e municípios
tiveram o prazo de um ano, para (re) elaborar seus planos de educação, no
entanto foi constatado, a partir do site De Olho nos Planos, que acompanham
a elaboração dos planos, grande parte dos municípios brasileiros ainda não
tinha planos municipais de educação construídos.
Para orientar os municípios na (re) elaboração dos planos de
educação, a União dos Dirigentes Municipais de Educação- UNDIME ficou
responsável em ofertar formação e acompanhar a construção e o
monitoramento dos planos de educação dos municípios brasileiros através de
suas secções regionais.
Para isso, foram convocados os técnicos das secretarias municipais de
educação para estudo do caderno de orientação elaborado pelo Ministério da
Educação para subsidiar os municípios na fase de elaboração.
O estado de Alagoas foi dividido em polos para organizar as formações
e garantir atendimento a todos os municípios. Concluída a fase de formação
dos técnicos das secretarias municipais, o passo seguinte foi desenvolver em
cada município a elaboração do Plano Municipal de Educação a partir dos
passos apresentados pela sistemática de trabalho da UNDIME.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

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As políticas públicas estão sendo tratadas por diversos autores
(AZEVEDO,1997; GAHANEM, 2004; GOMES, 2011; SANTOS, 2011) como
espaço de aprendizagem da democracia, através da participação da
sociedade, e eles vêem, nas políticas educacionais, a efetivação da
aprendizagem democrática em âmbito escolar. Sendo assim, nas últimas três
décadas, muito tem se discutido sobre políticas públicas no Brasil e no
cenário acadêmico, os estudos têm se intensificado em torno dessa temática
com base no momento histórico pelo qual o Brasil passa. Na produção
intelectual, os estudos inscrevem-se de forma interdisciplinar nos diversos
objetos de pesquisas que visam avaliar as ações do governo no âmbito social.
Desde o final dos anos de 1980 que os estudos e debates sobre
políticas públicas no Brasil fortaleceram-se e trouxeram para o cenário
nacional o debate sobre a responsabilidade do governo no campo social. As
políticas públicas apresentam-se com o objetivo de atender às necessidades
sociais de um povo que almejava a garantia dos diretos ora conquistados.
No contexto das políticas públicas, o termo política é utilizado como
“uma construção político-social, produto da ação humana interessada”
(GOMES, 2011, p. 22) e que se apresenta como o conjunto de ações
provenientes do poder público para sanar as demandas sociais que estão
prescritas na Constituição Federal, as políticas sociais acabaram por ser uma
forma de garantir os direitos que estão assegurados pela legislação. E a
educação como política pública, apresenta-se nas agendas dos governos
como um problema que pode resolver outros problemas.
Nessa direção, Azevedo (1997, p. 59) apresenta o conceito de política
educacional “como programa de ações construídas também para atender
objetivos e decisões políticas que se realiza por meio do Estado e se
materializa nos espaços educacionais”. Afirma também que na formulação
das políticas educacionais não se pode ignorar as mudanças sociais pelas
quais a educação vem passando nos últimos anos e como essas mudanças
interferem na forma política de gestão da educação. Como a educação não

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pode ser desvinculada dos processos políticos, também não se deve formular
uma política voltada para a educação em que será materializada na escola
sem vislumbrar as necessidades da realidade educacional.
A escola deve ser considerada, quando forem pensadas políticas
educacionais, como espaço de materialização e visualização das ações
planejadas, como um ambiente de possibilidades e limitações na execução de
tais políticas e que a estrutura deve ser pensada em primeiro plano para que
a política realmente possa atingir seus objetivos, mesmo que esses objetivos
não tenham sido construídos partindo da escola. É necessário perceber que
existem mudanças no percurso que uma política educacional faz até chegar à
escola. Os que pensam as políticas, muitas vezes, não têm a vivência das
relações que se processam na escola, daí deve-se contar com a possibilidade
de ressignificação da política pelo professor que irá ser o responsável último
em transferi-la para o aluno. Assim, Azevedo (1997, p. 59) afirma que “não se
pode esquecer que a escola e principalmente a sala de aula, são espaços em
que se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as
sociedades estabelecem para si próprias, como projeto ou modelo educativo
que se tenta por em ação”.
As políticas públicas voltadas para a educação materializam-se através
da legislação, programas e projetos destinados a modernizar a educação com
metas para democratização do ensino e da gestão da escola (AZEVEDO,
1997).
Segundo Saviani (2005, p. 29), “a política educacional diz respeito às
medidas que o poder público toma relativamente aos rumos que se deve
imprimir à educação”. No entanto, grande parte das políticas públicas é
planejada sem a participação da sociedade, cabendo às escolas o papel de
executoras as ações, gerando resultados defasados de aprendizagem quando
são

medidos

em

avaliações

padronizadas

e

homogeneizadas,

responsabilizando a escola pelo seu fracasso. De acordo com Romanelli
(1991, p. 43) “todas essas reformas, porém, não passaram de tentativas

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frustradas e, mesmo quando aplicadas representava o pensamento isolado e
desordenado dos comandos políticos [...].”
Desde a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB de 1996 até o Plano Nacional de Educação – PNE
de 2001 que foram consolidadas legalmente as ações destinadas à
implementação, isto é, pôr em prática as políticas educacionais no país. É
interessante observar que para cada momento histórico, as políticas públicas
tiveram um determinado objetivo para um fim. Isso significa que “qualquer
política pública, não é um fenômeno monocausal. Basta considerarmos que,
por exemplo, sobre a formulação de uma política pública de educação pesa,
explicita ou implicitamente, a divisão da população em classes sociais”
(GOMES, 2011, p. 21).
As

políticas

educacionais

existem

para

atender

determinados

propósitos oriundos de um projeto de sociedade esquematizado para sua
implantação. Desde a gestão da educação como forma ampla de
administração da educação até a gestão da escola, as políticas educacionais
encontram espaço para materializar-se e concretizar esse projeto de
sociedade.
2.1 A participação como elemento materializador da democracia na
construção de políticas públicas
De acordo com Motta (1987), os estudos sobre a participação na
gestão da escola tiveram início nos anos de 1960 e 1970 nos Estados Unidos
e Europa. O autor afirma que a participação surgiu como forma de controlar o
conflito, trazer o povo à participação era mantê-los passivos, que a força física
não estava mais sendo eficaz.
Os regimes ditatoriais, que faziam o povo à força obedecer as suas
regras, deram lugar a um modelo de gestão em que a sociedade pudesse
participar da escolha desses governos através do voto. A democracia tornouse uma construção individualizada (BOBBIO, 1986) de um grupo elitizado que

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foi direcionada a uma sociedade com o objetivo de gerar convivência pacífica
em períodos pós-ditatoriais.
A participação é o pilar na forma de administração com base em
princípios democráticos, presentes nas discussões desde 1968. Gutierrez e
Catani (1998, p. 60) afirmam que a introdução dos estudos sobre a
participação nas instituições sociais significou nada menos que uma revisão
dos pressupostos teóricos do taylorismo e a sua substituição, mesmo que
muito lentamente, por valores contemporâneos, como flexibilidade, tolerância
com as diferenças, relações mais igualitárias, justiça e cidadania.
Mesmo tendo sido usado pelos capitalistas e burocratas como forma de
apaziguar simbolicamente conflitos, levando o sujeito a acreditar que agora
estava sendo convocado a participar da elaboração e dos planejamentos das
políticas públicas sociais, a participação é uma forma de educar os sujeitos,
visto que “ao participar, os indivíduos estariam submetidos a um processo de
aprendizagem por meio do qual se capacitariam para intervir nas questões
que lhes fossem solicitadas” (SILVA, 2003, p. 19).
Sendo assim, para que haja democracia, a participação entra como
elemento materializador do projeto democrático através da partilha de poder,
pois, “participar não significa assumir um poder, mas participar de um poder
[...]” (MOTTA, 2003, p. 370). Os sujeitos que fazem parte do órgão
representativo da sociedade, devem ter poder de deliberação e decisão que
de forma inconsciente, não percebem a força que esse poder apresenta.
Para que haja participação o sujeito precisa ter conhecimento da
realidade que surge com a experiência, saber como as coisas devem
funcionar para poder opinar e habilidade política de como intervir. A forma
como o sujeito participa das ações e decisão está relacionada com a forma de
construção da cultura da participação ao longo da sua existência histórica.
Autores como Paro (2008), Barroso (1998), Bordignon e Gracindo
(2006) Lück (2005) compartilham a ideia de que a participação como ação
coletiva e autônoma é o instrumento de efetivação da democracia.

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O conceito de participação, aqui entendido, parte de uma abordagem
coletiva e consciente das ações dos sujeitos. Segundo Lück (2005, p. 17),
participação é o espaço em que a sociedade é “envolvida no estabelecimento
de objetivos, na solução de problemas, na tomada de decisões [...]”.
A cultura da participação deve ser construída, exercitada e repassada
através de ações do cotidiano que contemplem o exercício da democracia. A
garantia da democracia através da participação popular deve ser construída
em todos os espaços sociais. Paro (2003, p. 100) afirma que “[...] como todo
processo de democracia, a participação e o envolvimento das pessoas como
sujeito na condução das ações é apenas uma possibilidade, não uma
garantia.”
Paro (2008) assevera que não existe um modelo pronto de
participação, sendo assim, é necessário que cada sociedade construa seu
modo de participar, com base na cultura que permeia as relações, em que
participar é mais que executar é também a cima de tudo fazer parte da
elaboração, do planejamento para que depois de executada cada ação possa
ser avaliada por quem elaborou.
2.2 Presença/ausência da participação da sociedade no Plano Municipal de
Educação- PME
De acordo com dados coletados através de questionários aos técnicos
das Secretarias Municipais de Educação que fizeram parte do processo de
elaboração do PME, um dos primeiros desafios foi sobre a participação dos
demais membros das secretarias na fase de elaboração que demandou muito
trabalho para a coleta de dados. A tarefa de participar da formação foi dada a
alguns técnicos do setor de gestão e coordenação das secretarias, mas a
responsabilidade era também de todos que faziam parte da secretaria e
quando questionados sobre a participação dos demais membros das

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secretarias ainda 43% disseram que ainda não participavam da fase de
elaboração.
Questionados sobre a sistemática de trabalho, a equipe informou quais
espaços seriam construídos para garantir a participação da sociedade na fase
de elaboração 44% afirmaram que a participação da sociedade se daria
através de fóruns de debates, 28% através de comissão técnica e 26% seriam
informados através de reuniões, apenas 2% deixaram em branco.
Como a primeira versão do plano, nos municípios alagoanos, contou
com a presença de consultorias1, questionados sobre a elaboração da
segunda versão do PME, 63% afirmara que a segunda versão deu
oportunidade, através dos instrumentos de participação como fóruns e
comissões, a presença da sociedade nas discussões e elaboração do PME.
Durante as audiências que foram organizadas no município de Santana
do Ipanema para a fase de discussão das metas e estratégias por cada
modalidade de ensino, os participantes foram questionados sobre o motivo da
presença na audiência e 64% responderam que estavam participando da
audiência porque foram indicados por suas respectivas instituições.
O fato de terem sidos indicados pelas instituições e não buscarem
participar da audiência para conhecer como seria o PME e qual sua
importância para a sociedade como um todo, revela a fragilidade da
participação e levanta questões sobre o conceito de participação de quem
estava presente.
A fragilidade da participação também se revela na falta de
conhecimento da temática que estava sendo discutida na audiência e de toda
a problemática envolvendo as políticas públicas quando questionados se a
PME é uma política de governo ou de estado 81% disseram se tratar de uma
política de governo e desses que responderam, 80% eram representantes de
escolas.
1

Cf. SILVA, L. A. O plano municipal de educação como alinhamento dos planos de educação:
o caso do sertão alagoano. In: SANTOS, I. M (org). Planejamento e Política Educacional:
diferentes contextos e perspectivas. 2015.

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E quando questionados sobre os principais problemas enfrentados na
fase de elaboração do PME, 56% afirmaram a ausência de participação da
sociedade e 44% falta de apoio do governo.
Os dados apontam a dimensão da utilização da participação apenas
para legitimar projetos e programas hierarquicamente programados para
serem executados pela sociedade.
Como o sujeito irá participar de decisões se desconhece o
funcionamento da educação, das políticas públicas, de legislação, ele precisa
estar instrumentalizado de forma a poder participar efetivamente. Entende-se
por participação efetiva a atuação consciente do sujeito, ele sabe o motivo
pelo qual está naquele momento, ele tem interesse em estar fazendo parte do
momento, tem conhecimento do que está sendo discutido, consegue
questionar e argumentar em defesa do seu ponto de vista.
Outro fator observado em relação a participação dos representantes
dos diversos órgãos envolvidos legalmente via Portaria nº. 114/2016, que
designa os membros para integrar o Fórum Municipal de Educação, cuja
representação vem da Secretaria Municipal de Educação, 6ª Gerência
Regional de Educação, Câmara Municipal de Vereadores, Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e Adolescente, Conselho Municipal de Educação,
Conselho de Alimentação Escolar, Conselho do FUNDEB, Conselho Tutelar,
Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas, Representantes de
Estudantes da Rede Pública/Privada de Santana do Ipanema, Gestores da
Rede Pública, Gestores da Rede Privada, Professores da Rede Pública,
Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Assistência Social,
Instituições de Ensino Superior Pública/Privada e Federal de Educação, Polo
UAB de Santana do Ipanema, Secretaria Municipal de Finanças e
Planejamento, Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, SWA
Instituto, Associação dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais, Associação
dos Guardiões do Rio Ipanema, Secretaria Municipal de Obras, Saneamento,
Transporte e Trânsito, Representantes das Igrejas Católica e Evangélica, que

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ao longo de dois anos de constituição apresentaram o seguinte perceptual de
presença às reuniões.
Outra questão a ser refletida refere-se tanto ao índice de frequência
dos representantes das instituições durante as assembléias e demais
reuniões do fórum, como também, a mudança dos membros da comissão,
que fizeram parte desde a fase de elaboração e monitoramento.
Quanto a participação/frequência dos membros da comissão às
reuniões 27% nunca compareceram a uma reunião, motivo também pelo qual
foram substituídos. Dos membros substituídos, que compunham a comissão,
80% foram substituídos pela mudança de governo municipal, visto que, 20162017 houve a transição governamental das cidades do pólo de Santana do
Ipanema. Esse fato também aponta para a reflexão sobre a influência
partidária no processo de construção e execução das políticas públicas.
Contudo, e diante dos dados, percebe-se a necessidade de preparação
da sociedade para que tenha condições e instrumentos que garantam a
participação efetiva em todos os espaços e que dessa atuação consciente,
seja construída uma cultura do compromisso e engajamento em relação às
políticas públicas que são direcionadas para atendimento das demandas da
sociedade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como a participação teve em seu histórico inicial a motivação de
"controlar conflitos" (MOTTA, 1987), visto que as forças políticas, advindas de
períodos ditatoriais, não encontram mais espaço para garantia do controle,
entende-se que a participação efetiva é o caminho para a concretização da
luta por melhorias, mas da forma como ela foi criada e nas configurações que
se encontra na atualidade, não está apenas com o objetivo de controlar as
massas enfurecidas, como serve mais ainda para legitimar ações de controle
social.

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Essa reflexão sinaliza para o fato das manifestações serem de forma
intensa, em momentos de interesse de superiores hierárquicos do cenário
político e econômico, e em outras ocasiões em que a população deveria
participar com a mesma intensidade diante da gravidade da situação, ela se
exime ou se manifesta de forma simplória sem significado na representação
social, justificando a função social da participação popular que é legitimar, na
maior parte das situações, o projeto hegemônico.
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ANÁLISE DAS PRÁTICAS AVALIATIVAS NO ENSINO
JURÍDICO BRASILEIRO: em busca de uma educação voltada à
emancipação humana nos cursos de Direito
Carla Priscilla Barbosa Santos Cordeiro
Lana Lisiêr de Lima Palmeira
RESUMO: O presente artigo faz uma análise da crise pela qual passa o
ensino superior no país, registrando a preocupação de que este possa se
tornar uma mercadoria, diante do modelo capitalista sedimentado, dando
maior ênfase à crise no ensino jurídico brasileiro, objeto central do estudo,
apontando suas possíveis causas e formas de se buscar mudar o quadro
atual por meio da ruptura da metodologia conservadora empregada, onde se
enquadram mudanças nas práticas educativas de modo amplo, fazendo
surgir, consequentemente, novos paradigmas a serem seguidos por docentes
e discentes, levando-os a um amadurecimento humanístico e à inevitável
compreensão da educação como instrumento de emancipação do ser social.
PALAVRAS-CHAVE:
Emancipadora.

Ensino

Jurídico;

Práticas

Avaliativas;

Educação

INTRODUÇÃO
É nítido o fato de que o ensino superior, de forma geral, sofreu grandes
alterações na última década, já que, sob o argumento da redemocratização
do acesso ao referido nível de ensino, uma série de problemas foram
gerados, chegando-se em um momento de crise que faz com que as leis do
mercado imperem fortemente.
No caso do ensino jurídico, é inconteste que há uma particularidade na
sua denominada “crise” que vai desde problemas com as práticas avaliativas
até mesmo com a formação dos docentes atuantes nos cursos de Direito, os
quais, por não apresentarem muitas vezes uma preparação voltada à
docência, passam a fazer da sala de aula extensão da função que exercem
no seu dia a dia como operadores do direito, desvirtuando o papel da relação
ensino-aprendizagem.

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Foi partindo dessa premissa que surgiu a ideia central deste artigo,
onde fazemos não só uma incursão sobre a missão do ensino jurídico em
uma sociedade capitalista e com forte manifestação do modelo neoliberal,
ressaltando ainda a função social do professor como um dos elementos
fundamentais para a emancipação humana, demonstrando a necessidade de
uma formação em consonância com os valores sociais que tanto se fazem
indispensáveis em uma sociedade ética.
Assim, percorrendo esse entendimento, buscamos demonstrar o
verdadeiro papel que a avaliação deve assumir na nova conjuntura
educacional jurídica, de forma a não tornar os estudantes rotulados ou
estratificados em camadas, mas sim como meio de aferir com coerência seus
conhecimentos de acordo com as especificidades identificadas.
As abordagens aqui realizadas seguem predominantemente, do ponto
de vista teórico, alguns dos postulados de Lukács, Tonet e Marx ao registrar
de forma enfática que em uma sociedade de consumo, com a exploração
constante do trabalho e verdadeira desvirtuação do seu real sentido, foi
gerada uma consequência com muitos riscos para a construção de um ensino
articulado socialmente, que se traduz na reificação do saber.
Com base nesse raciocínio, trouxemos as reflexões que consideramos
mais relevantes à proposta por nós declinada, apontando a importância de se

reformular as práticas educativas hoje em vigor, de modo a se reverter a crise
constatada atualmente, construindo um modelo de ensino jurídico que permita
a concretização dos verdadeiros ideais que se fazem necessários à
sociedade atual.
1 A CRISE DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO E SUAS CAUSAS
Vários estudos realizados na esfera jurídica, nos últimos anos,
comprovam a crise pelo qual tem passado o ensino jurídico no Brasil. Essa

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crise perpassa diretamente a esfera pedagógica, referente às práticas de
ensino e avaliação e à própria formação docente.
Como enuncia Muraro (2010), de um lado, a crise no ensino jurídico
pode ser percebida através dos métodos de ensino adotados por docentes,
geralmente resumidos à mera reprodução dos conteúdos e vivências que
tiveram enquanto discentes. As atividades de sala de aula se restringem à
reprodução mecânica e fria do texto da lei ou mesmo a adoção de livros que
serviriam para compreender a própria lei e que são tomados como base para
o desenvolvimento do processo avaliativo.
O problema repousa, também, sobre o fato de que não existe formação
pedagógica e didática para os professores de Direito nem na graduação, nem
no mestrado (CORDEIRO, MONTE, LINS JÚNIOR, 2015).
Ademais, é preciso perceber que a própria ordem jurídica liberal, na
qual o Direito se insere, é a causa primeira do modelo de ensino jurídico
baseado na mera reprodução normativa, isso porque a abordagem do Direito,
enquanto objeto de estudo e análise, se dá, com raras exceções, por um
único viés epistemológico: a ótica ideológica e conceitual liberal. Como o
rompimento com a ordem desigual não é o objetivo do sistema (MARX e
ENGELS, 2009), o Direito acaba por cumprir a missão fundamental de
perpetuar a sua ordem. Isso significa, em outras palavras, que o
distanciamento entre Direito e realidade sempre esteve umbilicamente
relacionado à gênese do Direito liberal, sua relação com o Estado, a luta de
classes e o modelo social capitalista. Ou seja, para cumprir sua função na
manutenção do status quo, a ciência e o ensino do Direito se afastaram e
negaram as contradições sociais, em vez de problematizá-las.
Nesse sentido, o positivismo jurídico e a reprodução de saberes
cristalizados ainda hoje é a base dos cursos jurídicos no país (OLIVEIRA,
2004; DOMINGUES, 2004), o que leva a uma necessidade de mudança que
vai muito além da matriz curricular e passa, sobretudo, por um processo de

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ressignificação epistemológica do próprio Direito, sua função social, sua
relação com o Estado e a luta de classes (LUKÁCS, 2013).
Importante, nesse passo, perceber que o trabalho é o responsável pelo
salto ontológico do ser natural ao ser social. Assim, além de produtor de
valores-de-uso, o trabalho é a atividade a partir da qual o ser humano
intervém na natureza, transformando-a, adaptando-a às suas necessidades,
ao tempo que se transforma constantemente, enquanto ser social e histórico,
construindo sociabilidades e dinâmicas sociais. Todavia, no modo de
produção capitalista, tem-se o trabalho abstrato, estranhado e alienado,
produtor de valores-de-troca, em que o próprio ser humano é tratado como
objeto/coisa (reificação) (TONET, 2015). É nessa modalidade que se
desenvolve a alienação, o estranhamento (MARX, 2010), fazendo com que o
indivíduo seja tratado como objeto, mercadoria. Isso porque a alienação é
marcada pela “extensão universal da ‘venalidade’ (isto é, transformação de
tudo em mercadoria); pela conversão dos seres humanos em ‘coisas’, de
modo que possam se apresentar como mercadorias no mercado (em outras
palavras: a ‘reificação’ das relações humanas)” (MÉSZÁROS, 2016, p.40).
Dentro desse modelo social capitalista, a educação acaba tendo uma
função muito específica: preparar os indivíduos para o mercado de trabalho,
já que este vale enquanto força-de-trabalho e não como um ser humano em
sua integralidade; bem como reproduzir as ideologias que sustentam a lógica
desse modelo social (TONET, 2015). Essa redução da educação à formação
de profissionais aptos a meramente cumprir sua função dentro da lógica
liberal capitalista ocorre muito intensamente na esfera jurídica, uma vez que o
judiciário como um todo atua fortemente como instituição garantidora da
propriedade privada, dos privilégios da classe dominante, do trabalho
alienado e da “ordem” imposta pelas ideologias vigentes

(CORDEIRO,

MONTE, LINS JÚNIOR, 2015).
O ensino jurídico necessita ter um sentido social, instrumentalizando os
atores desse processo – que são discentes e docentes – para a luta em prol

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da emancipação humana. Isso significa, em outras palavras, que para além
do significado de uma norma, o jurista precisa compreender a quem ela
procura atender, a que classe, qual o sentido por trás de sua (re)produção,
quem de fato recebe os benefícios por sua existência, ou por ela é
prejudicado. Ele precisa questionar o que está por trás da norma jurídica ou
da jurisprudência prolatada pelos tribunais, precisa compreender os jogos de
poder que compõem a tomada de decisão, a conjuntura no qual está inserido.
A ideia de emancipação humana, analisada sob o viés marxista,
pressupõe a completa superação do sistema capitalista e do trabalho
assalariado. No entanto, isto é impossível sob o prisma do Direito, uma vez
que esta área das ciências não tem o poder de, por si só, mudar o sistema
como um todo. Mas é possível, através do ensino jurídico, transformar a
realidade, ainda que não se consiga superar completamente o modelo
capitalista.
Isso se torna possível através do conhecimento, pelos sujeitos sociais,
das condições históricas nas quais se inserem, da luta de classes, da
natureza e realidade do capitalismo. É possível, através de um modelo de
educação que tenha por base a crítica ao sistema, formar profissionais com
capacidade de problematizar as ideologias vigentes e o próprio sistema,
contribuindo ativamente para a desconstrução de paradigmas. É possível, em
outras palavras, formar indivíduos que possam agir dentro dos limites do
Direito para melhorar a realidade social, transformando-a para melhor,
reduzindo as injustiças sociais e a desigualdade.
Assim, é preciso refletir sobre as práticas avaliativas reinantes para, a
partir destes resultados, repensar as formas de realizar o ensino jurídico com
o objetivo de alcançar a emancipação humana, a construção de uma
sociedade capaz de superar a lógica cruel imposta pelo capital.
2 A AVALIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO DA
REALIDADE

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Nesse sentido, a avaliação, dentro da esfera jurídica, vai reproduzir
esse modelo de educação voltada, na maioria das vezes, à reprodução, à
memorização da teoria e técnicas jurídicas (AGUIAR, 2004; BEZERRA, 2008;
PRADO, 2015). Trata-se do modelo de avaliação classificatória, baseado em
pedagogias tradicionais, com o objetivo de classificar e rotular os alunos
(LUCKESI, 2000).
No contexto da sociedade capitalista, onde a desigualdade é a regra,
não a exceção, a avalição torna-se instrumento de ordenação dos indivíduos
em camadas, estratos sociais. Reconhecer a natureza classificatória da
avaliação, no entanto, não significa dispensar sua necessidade (DEMO,
2002). Trata-se de uma etapa essencial ao processo pedagógico como um
todo, pois “qualquer atividade humana precisa ser medida ou avaliada, em
termos racionais, para que se conheça dos progressos ou falhas verificados”
(MELO FILHO, 1979, p. 61).
Alguns estudiosos, inclusive, defendem que qualquer análise do
sistema educacional deve passar pelo estudo do processo avaliativo,
considerado como eixo central do próprio processo educativo (HOFFMANN,
2001, 2003; SAUL, 1995; FREITAS, 1995).
Assim, ao invés de ser instrumento de opressão, a avaliação deve ser
utilizada como um instrumento capaz de auxiliar professores e alunos no
processo de apreensão e transformação da realidade (LUCKESI, 2000,
HOFFMANN, 2005).
Dentro do processo de ensino e aprendizagem, a avaliação deve
também se nortear pela busca da emancipação humana, perimindo que os
indivíduos possam compreender o objetivo das disciplinas estudadas e sua
aplicabilidade prática, aumentando a capacidade de compreensão das
demandas histórico-sociais e o consequente domínio de conhecimentos e
técnicas capazes de alterar positivamente a sociedade.

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Na esfera jurídica, esta necessidade é ainda mais pungente, haja vista
que o atual modelo de ensino prevalecente privilegia aspectos de uma
pedagogia tradicional de educação que não permitem à generalidade dos
indivíduos a inferência concreta e efetiva na realidade, sendo necessário
lançar novos olhares sobre este aspecto da educação jurídica.
As práticas avaliativas, nos cursos jurídicos, refletem o próprio
ambiente em que se inserem, diga-se, o próprio sistema capitalista e suas
necessidades e características, precisando, portanto, de reformulação. A
elaboração do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seria um
claro exemplo disto. Para o exercício da prática advocatícia se exige prévia
inscrição na OAB, única legitimada para verificação da capacidade neste
sentido. A Lei nº 8.906/1994, que instituiu o Estatuto da Advocacia da OAB
prevê, em seu corpo, que o exercício da advocacia está condicionado à
aprovação prévia no Exame da Ordem (art. 8º, IV). São cobrados
conhecimentos relacionados com a lei, doutrina e jurisprudência, em provas
que misturam questões de múltipla escolha, dissertativas e de elaboração de
peças jurídicas.
Outro exemplo são as provas realizadas para provimento de vagas de
cargos públicos, através dos concursos. Sabe-se que o bacharel em Direito
ocupa grande parte dos cargos públicos, que pressupõem o conhecimento de
normas jurídicas e técnicas de administração pública. Exige-se, nos na
maioria dos concursos, o domínio das leis, doutrina, jurisprudência, técnicas e
procedimentos jurídico-administrativos, deixando-se de lado a capacidade
crítica, argumentativa e criadora do indivíduo para transformar a realidade em
que está inserido enquanto agente estatal.
Os cursos jurídicos buscam, essencialmente, formar profissionais para
reproduzir, de maneira autômata, as normas que organizam e dão força ao
próprio sistema, sendo a formação humana emancipadora deixada de lado
para dar lugar a formação técnica e profissionalizante.

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Vários profissionais da esfera jurídica estudados por Chaves (2017),
como advogados, que passaram a lecionar no ensino superior, encontram-se
despreparados para questões pedagógico-didáticas. O reflexo dessa
situação, dentre outros fatores, está no fato de que as formas de avaliação
empregadas por tais profissionais acabam por refletir as formas de avaliação
com as quais eles tiveram contato na vida escolar. E essa forma de avaliação
reproduz basicamente os métodos tradicionais, utilizando-se provas escritas
para medir o aprendizado do aluno, o que limita bastante o amadurecimento
intelectual do indivíduo para o desenvolvimento de uma profissão.
Os métodos tradicionais de avaliação envolvem, majoritariamente, a
verificação da aprendizagem através da “prova objetiva, prova dissertativa,
seminário, trabalho em grupo, debate, relatório individual, autoavaliação,
observação e conselho de classe” (REVISTA ESCOLA, 2013; LEITE, 2016, p.
4)
Assim, existem funções básicas dos discentes e docentes dentro da
universidade. Aos discentes cabe a conclusão do curso através da aprovação
na disciplina, o que pressupõe o atingimento de uma série de notas mínimas.
Ao professor cabe “dar aulas, avaliar e atribuir notas” (CHAVES, 2017, p. 4).
Ambos os lados acabam se submetendo mecanicamente ao “ritual” proposto
nas universidades, sem sequer passar perto da ideia de uma formação
direcionada à quebra de rupturas dentro do sistema, muito menos de uma
formação voltada à emancipação humana (CHAVES, 2017).
No entanto, como bem elucida TONET, “uma concepção de educação
está vinculada ao tipo de sociedade que se pretende construir” (2016, p. 24).
Quando o objetivo da educação é a construção de uma sociedade realmente
humana, torna-se preciso “tomar conhecimento da realidade brasileira e da
forma como ela se insere na crise do capital internacional. Somente assim
poder-se-á tomar decisões lúcidas na atividade educativa cotidiana, em
direção à real emancipação humana” (TONET, 2016, p. 39).

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A avaliação nos cursos de Direito no Brasil deve refletir, em um
primeiro momento, práticas pedagógicas voltadas a desconstrução da
desigualdade reinante no meio social. E o pano de fundo da construção e
consolidação destas práticas deve ser o anseio pela transformação da
realidade, pelo fim da pobreza e marginalização de milhares de indivíduos,
bem como de toda e qualquer forma de exploração humana.
Como bem esclarece Loch (2009), é possível implementar uma
educação emancipadora em nosso país. Já existem, inclusive, projetos em
curso neste sentido. Sendo assim, é possível, mesmo dentro do sistema
jurídico de ensino, historicamente tão fechado em si mesmo (BASTOS, 2000;
BITTAR, 2006, BEZERRA, 2008) formular práticas educativas que ampliem,
consideravelmente, o conhecimento crítico do indivíduo sobre a sociedade, a
história humana e a função que a educação exerce dentro de tal contexto.
A construção de um Direito voltado à emancipação humana deve
ocorrer em plena paridade com o ambiente social onde se insere e para o
qual se destina. Para isto, deve levar em consideração uma série de
questões. A primeira delas é o fato de que os métodos tradicionais de ensino,
que envolvem os já conhecidos métodos de avaliação, está ultrapassada.
Aulas meramente expositivas, que pontuam o aluno pela capacidade
de reprodução dos conteúdos em provas escritas, orais, relatórios,
seminários, etc., devem ser repensados. Tratam-se de formas de avaliação
que não podem ser os únicos instrumentos utilizados por professores para
medir o aprendizado do aluno. Isto envolve a compreensão de que as aulas
devem permitir uma troca recíproca de conhecimentos entre discentes e
docentes, para que ambos possam aproveitar o processo de ensino e
aprendizagem de forma enriquecedora (LEITE, 2016).
É preciso superar a “filosofia do medo” ainda reinante dentro do
ambiente jurídico (LEITE, 2016). Com isto, referimo-nos a utilização dos
testes como instrumentos de controle e coação dentro da sala de aula. Uma
vez que os processos avaliativos são naturalmente classificatórios, uma

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pedagogia de ensino que force o discente ao estudo através do medo e da
coação tende a ter efeitos extremamente negativos, uma vez que ela cria
indivíduos que se acostumam a reproduzir mecanicamente a opinião de seus
docentes, acirra a competitividade entre alunos e desestimula, por vezes, uma
reflexão crítica sobre o próprio sistema capitalista.
Esta “filosofia do medo” caminha pari passu com posturas autoritárias
de professores que impõem seu poder pelos títulos que possuem ou pelo
cargo que ocupam fora da sala de aula (LEITE, 2016). Trata-se,
definitivamente, de um modelo de educação que de maneira alguma se
coaduna com uma educação voltada à emancipação humana, voltada a
construção de indivíduos críticos e conscientes de seu papel dentro da
sociedade.
Além disso, é preciso reconhecer que o domínio de técnicas e
procedimentos avaliativos é fundamental para o exercício do magistério
jurídico. Como não há, de maneira geral, formação em didática do ensino nos
cursos de pós-graduação lato sensu em Direito pelo Brasil, muito do processo
avaliativo que se verifica dentro do espaço da sala de aula reproduz os
modelos e práticas que foram vivenciados pelos professores quando ainda
eram alunos. No entanto, a avaliação é um processo técnico que exige o
domínio de conhecimentos pedagógicos essenciais, pressupondo a prévia
capacitação do professor para o exercício da docência. Uma preparação
efetiva no âmbito da pedagogia do ensino é essencial a professores da área
jurídica, especialmente no que diz respeito à avaliação (LEITE, 2016).
A avaliação deve permitir, em resumo, a melhoria do processo de
ensino-aprendizagem de alunos e professores. Isto perpassa o contínuo
questionamento sobre a utilidade dos conhecimentos lecionados em sala de
aula não apenas para a vida profissional do aluno, mas, e principalmente,
para a vida social (LEITE, 2016). A compreensão do contexto histórico no
qual os indivíduos estão inseridos, da realidade do sistema, da luta de
classes, da pobreza e marginalização que impera no ambiente social é

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fundamental dentro do ambiente da universidade. Isto se dá através do ensino
contínuo destes valores em todas as disciplinas jurídicas, mesmo as
dogmáticas. Ou seja, do ensino do processo histórico, dos direitos humanos,
da capacidade crítica e argumentativa de reagir ao próprio sistema.
Por fim, é preciso que o processo de avaliação englobe estratégias
“multidimensionais” (OLIVEIRA, 2004). Isto significa afirmar que a avaliação
deve utilizar, ao máximo, o tripé universitário. Ensino, pesquisa e extensão
devem ser aproveitados dentro do processo de compreensão de conteúdos
para permitir que o discente tenha uma visão multidimensional do
conhecimento. Incluir atividades que se concretizem fora da sala de aula ao
processo de ensino é uma das estratégias mais eficientes em termos de
compreensão da aplicabilidade prática dos conhecimentos estudados dentro
das disciplinas teóricas, principalmente quando tais atividades envolvem o
contato do discente com as desigualdades reinantes no ambiente social.
CONCLUSÃO
Depois

do

que

fora

apresentado,

onde

evidenciamos

a

nossa

preocupação com a crise atual pela qual passa o ensino jurídico brasileiro, em
que há ainda a prevalência de uma metodologia conservadora e sem maiores
correlações com as necessidades da conjuntura contemporânea, o que faz com
que os problemas vislumbrados ao longo deste artigo se tornem barreiras para se
alcançar uma educação jurídica com vistas a uma formação emancipadora,
algumas reflexões merecem ser registradas, a título conclusivo, pois só assim
teremos a certeza de que cumprimos nosso papel de pesquisadoras e de
profissionais que atuam diariamente no magistério superior jurídico.

Nas exatas palavras de Torres Santomé, “a educação, mesmo em suas
etapas obrigatórias, parece querer adotar cada vez mais os argumentos da
capacitação profissional, isto é, habilitar apenas para encontrar empregos,
preferencialmente bem pagos” (2003, p.30).

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Nessa seara, discutimos que o ensino jurídico também atravessa crises
dentro desse contexto mais geral, assim como identificamos ainda causas
mais específicas para a não efetivação do seu verdadeiro papel, qual seja:
realizar uma formação voltada à emancipação humana.
Destacamos, dentre as referidas causas a necessidade de reformular
as práticas pedagógicas e aqui se insere necessariamente as práticas
avaliativas, a fim de conseguirmos formar profissionais com consciência crítica
e visão humanística, que possam se deparar com a realidade desafiadora que
vivenciamos, sendo agentes transformadores dessa realidade e concretizadores
dos direitos mais amplos possíveis, afastando-se do paradigma de se ter uma
educação a serviço das leis do mercado.
Portanto, comungamos do pensamento de Mészaros quando o mesmo
propõe a construção de uma vertente educacional contra-hegemônica, afirmando
que só a educação contínua permanente e libertadora é capaz de transformar o
trabalhador em uma pessoa que pensa e se posiciona de forma a utilizar seu
conhecimento como meio para transformar a realidade.
Assim, resta-nos concluir, parafraseando o supracitado autor, que “apenas
a mais ampla das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o
objetivo de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos
de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital”. (2005, p.48).

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE
DIREITO: uma análise crítica da recente proposta apresentada
pelo Ministério da Educação
Carla Priscilla Barbosa Santos Cordeiro
Lana Lisiêr de Lima Palmeira
RESUMO: O presente artigo faz uma análise crítica da proposta de novas
diretrizes curriculares para o curso de Direito oriunda da Câmara de
Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Parte-se da hipótese
geral de que os problemas inerentes ao ensino jurídico não são recentes, ou
seja, têm sua origem com a própria formação destes cursos. Reconhecendose que as atuais diretrizes curriculares, advindas da Resolução CNE/CES nº
9/2004, são um marco na regulamentação dos cursos jurídicos no país,
pretende-se estudar a proposta de alteração em tramitação e seus impactos
na educação jurídica.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino jurídico; Resolução CNE/CES nº 9/2004; Novas
Diretrizes Curriculares.
INTRODUÇÃO
O curso de Direito possui uma vasta tradição dentro do ensino superior
brasileiro, sendo um dos cursos mais procurados do país nos dias atuais.
Mesmo assim, experimenta uma crise em de valores que tem minado
profundamente a qualidade do ensino jurídico, o que se deve a vários fatores.
As velhas práticas que moldaram o curso de Direito, ao longo dos
anos, perpetuaram pedagogias ultrapassadas. Desde o início dos primeiros
cursos, a matriz curricular representava o interesse das elites dominantes,
sendo formada por disciplinas eminentemente dogmáticas.
Nos dias atuais, o curso é organizado a partir da Resolução CNE/CES
nº 9/2004, que prevê uma série de competências que permitam aos futuros
juristas o domínio não apenas dos conteúdos e técnicas essenciais às
profissões jurídicas, mas a uma formação fundamental, profissional e prática.
Isto quer dizer, no plano ideal, que os indivíduos devem ter uma formação

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multidimensional, em que possam interferir positivamente na transformação
da própria realidade.
No entanto, existe uma proposta de alteração de tais diretrizes que
pretende modificar alguns pontos importantes da organização e estruturação
dos cursos de Direito no Brasil. São mudanças planejadas desde 2015 e que
envolvem o Ministério da Educação, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
e gestores educacionais.
Desta maneira, o objetivo central deste artigo é analisar e compreender
as novas Diretrizes Curriculares para o curso de Direito. A hipótese aqui
levantada é a de que o ensino jurídico já sofre com uma crise em seus valores
e em sua organização desde os seus primórdios no Brasil. Assim, o texto das
novas diretrizes, ao invés de resolver estes problemas históricos, revelaria um
cenário incerto para o futuro do ensino jurídico, com possível precarização e
perda da qualidade de ensino.
Pretende-se realizar uma abordagem qualitativa do texto proposto
pelas novas diretrizes, uma vez que as principais mudanças inauguradas
serão analisadas, pontualmente, a fim de se verificar possíveis efeitos
positivos/negativos para o ensino jurídico. A pesquisa possui caráter
exploratório, descritivo e explicativo, uma vez que além de explorar o
problema da crise do ensino jurídico, pretende-se traçar um panorama atual
do mesmo.
1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS ATUAIS COMO MARCO
DE REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL: UMA
LEITURA DA RESOLUÇÃO Nº 09/2004 DO CONSELHO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO
Para mergulhar no objeto de estudo do presente artigo, essencial se
torna fazer uma breve retrospectiva acerca da evolução ocorrida no âmbito

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das estruturas curriculares dos cursos de Direito desde os seus primórdios até
os dias atuais.
Não é excessivo relembrar que os cursos jurídicos inauguraram o
cenário do ensino superior brasileiro, eis que na primeira década da
independência político-administrativa do Brasil, o país alcançou uma grande
conquista: a Lei de 11 de agosto de 1827, sancionada por D. Pedro I, a
primeira referente ao ensino superior pelo governo imperial, a qual foi o
diploma fundador das primeiras escolas desse nível no país, que não por
acaso, eram de ensino jurídico (PALMEIRA, 2011).
Assim, recebendo a nomenclatura de Academias de Direito, foram
implantados os dois primeiros cursos no Brasil, o primeiro em março de 1828,
com sede em São Paulo, instalado no Convento de São Francisco e o
segundo localizado em Olinda, no Mosteiro de São Bento, do qual saiu depois
para o Recife. Esses centros estruturaram os conhecimentos basilares do
ensino jurídico no país, convertendo-se nos campos irradiadores da cultura
humanística pátria por muito tempo.
Nesse período inicial, a matriz curricular adotada para os referidos
cursos apresentavam uma composição extremamente conservadora e voltada
aos interesses das elites dominantes, tendo em sua formação disciplinas
alusivas ao Direito Natural, ao Direito Público, à Análise da Constituição do
Império, Direito das Gentes, Diplomacia, Direito Público Eclesiástico, Direito
Pátrio Civil e Criminal, Direito Mercantil e Marítimo, Economia Política, Teoria
e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.(RODRIGUES, 2005).
Ao voltar nosso olhar à realidade, temos que a educação jurídica
apresenta suas bases delimitadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Direito, devidamente dispostas na Resolução
CNE/CES nº 9/2004. De acordo com o art. 4º da referida resolução, os cursos
de graduação em Direito deverão possibilitar a formação profissional que
revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

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I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos
jurídicos ou normativos,com a devida utilização das normas técnicojurídicas;
II - interpretação e aplicação do Direito;
III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da
doutrina e de outras fontes do Direito;
IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos,
atos e procedimentos;
V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do
Direito;
VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão
e de reflexão crítica;
VII - julgamento e tomada de decisões; e,
VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente
compreensão e aplicação do Direito.

Objetivando alcançar esses ideais, o curso de graduação em Direito
deve apresentar no bojo do seu currículo, em consonância com a Resolução
nº 9/2004, conteúdos que permitam uma formação fundamental, profissional e
prática.
A formação fundamental consiste no desenvolvimento de atividades
voltadas à construção de uma base teórica adequada para o aprendizado dos
conteúdos

jurídicos

técnicos.

Inserem-se

neste

eixo

as

disciplinas

propedêuticas, que são: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética,
Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
O segundo eixo, o de formação profissional, tem como foco o
desenvolvimento de conteúdos e práticas de caráter dogmático, buscando por
meio de um conjunto de disciplinas teóricas capacitar o profissional para atuar
nas diversas carreiras que esta área da ciência contempla. Aqui estão
inseridas disciplinas como Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito
Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho,
Direito Internacional e Direito Processual.
O terceiro e último eixo é o de formação prática, cuja missão primordial
é permitir que o aluno do curso de Direito consiga integrar teoria e prática
incluindo-se

aqui

Supervisionado,
Complementares.

atividades

com

o

relacionadas

Trabalho

de

como

Curso

Estágio

além

das

Curricular
Atividades

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Outro ponto de grande relevância dentro da temática em comento é o
que se encontra disposto no artigo 11 da Resolução em análise, o qual
expressa que “a duração e carga horária dos cursos de graduação serão
estabelecidas em Resolução da Câmara de Educação Superior.”
Nesse segmento de ideias e nessa sequência normativa, tem-se a
Resolução nº 2/2007, que traz um mínimo de 3.700 horas para a
integralização do curso de Direito, ressaltando também que o limite mínimo
para a conclusão da graduação deve se dá no período de 05(cinco) anos.
Assim, por meio dessa síntese acerca do escorço curricular e
legislativo aqui declinada, buscamos tão somente nortear os parâmetros
existentes atualmente na seara da educação jurídica brasileira, a fim de que
possamos, a partir de agora, aferir a proposta e consequentes alterações
nesse campo, refletindo se haverá e, em havendo, até que ponto os
benefícios serão significativos ao contexto educacional em evidência.
2 A NOVA PROPOSTA DE DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO
DE GRADUAÇÃO EM DIREITO: uma observação em torno das principais
mudanças previstas para a educação jurídica
Todos os envolvidos com as temáticas relacionadas à educação
jurídica sabem que o Conselho Nacional de Educação vem buscando efetivar
mudanças nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Direito. Na
verdade, essas mudanças vêm sendo planejadas desde o ano de 2015.
Todavia, neste ano de 2017, o assunto ganhou mais força, reunindo inclusive
em audiências públicas integrantes não só da cúpula do Ministério da
Educação, como da OAB Nacional, das suas seccionais e gestores
educacionais.
Recentemente, duas audiências públicas foram realizadas na cidade
de Brasília, uma no mês de abril e outra agora no mês de junho.

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A primeira audiência pública teve uma discussão muito dispersa, sem
apresentação de nenhum esboço acerca das alterações vislumbradas,
apenas já se adiantando, dentre outras mudanças, a possibilidade da redução
do tempo de integralização do curso de Direito, o que foi visto com
preocupação por alguns gestores educacionais e por representantes da
Ordem dos Advogados.
Já no início de junho deste ano, em nova audiência pública, fora
apresentada a proposta escrita das novas Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de Direito, proposta esta composta de 16 artigos, cujas
mudanças mais substanciais passaremos a elencar sequencialmente.
A primeira alteração relevante existente na proposta consiste na
inclusão de “atividades extraclasse”, onde já surge para nós uma primeira
indagação fundamental, qual seja: qual o real significado, em termos de
incremento pedagógico, dessas atividades “extraclasses” mencionadas na
proposta?
Tal expressão, que sabemos ser advinda do ensino fundamental,
apesar de aparentar ter uma definição esboçada no artigo 9º da Resolução,
gera uma série de dúvidas do que se busca atingir por meio das referidas
atividades de forma concreta, não demonstrando o valor dessa “inovação”.
Também houve mudança nas nomenclaturas dos eixos de formação.
O eixo de formação fundamental passa, pela proposta, a ser
designado como eixo de formação geral, havendo a inclusão de História do
Direito como disciplina obrigatória; o eixo de formação profissional passa a
ser chamado de eixo de

formação técnico-jurídica com a inserção das

disciplinas de Direito Eleitoral,

Ambiental, Previdenciário, Propriedade

Intelectual, Tecnologias da Informação e Comunicação, Tutela dos Direitos e
Interesses Difusos, Coletivos, Individuais e Homogêneos, com ênfase na
solução consensual de conflitos.
Já o eixo de formação prática é nominado na Resolução como eixo
prático-profissional, sendo a principal mudança nesse aspecto a presença de

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atividades sob a forma de “Tópicos Especiais” que buscam “articular novas
competências e saberes necessários a novos desafios que se apresentam ao
mundo do Direito.”
Em relação ao Estágio Supervisionado, o parágrafo 2º do art. 7º da
Resolução em discussão no presente artigo traz uma alteração preocupante
ao estabelecer que: “as atividades de estágio poderão ser reprogramadas e
reorientadas de acordo com a competência gradualmente revelada pelo
aluno, na forma definida na regulamentação do NPJ, até que se possa
considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os
domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas
pela formação jurídica.” (Grifamos)
Isso tem levado várias pessoas a questionar se, a partir de agora, é o
estágio que terá que se adaptar ao estudante e não mais o estudante a tais
práticas acadêmicas.
Como mensurar essa “adaptação” no prisma prático, na realidade
diária das IES e, principalmente, dos Núcleos de Práticas Jurídicas? Sabemos
que dentro do estágio deve existir o cumprimento de atividades interligadas
ao curso que demonstrem o domínio de conhecimentos fundamentais da
profissão. Daí, indaga-se: se o aluno não “se adaptar” ao estágio
supervisionado, a IES estará amparada pelas Novas Diretrizes a aprová-lo,
em razão de “suas próprias aptidões”? Quais serão os critérios que
determinarão o que se chama de “domínio indispensável”?
Também no artigo 10º há um ponto que nos traz preocupações e
dúvidas, quando se menciona que “as IES adotarão formas específicas e
alternativas de avaliação, interna e externa, de caráter sistemático,
envolvendo todos quantos se contenham no processo do curso, centradas em
aspectos considerados fundamentais para a identificação do perfil do
formando.”(Grifamos)
O que seriam “formas alternativas de avaliação, seja interna seja
externa? Seria o fim da prova como critério avaliativo?

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Outro ponto “inovativo” de relevância complexa vislumbrado na
Resolução e que trazemos à cena no presente trabalho está a possibilidade
de redução do tempo de integralização da graduação em Direito, uma vez que
o Parágrafo único do artigo 12 faculta aos cursos de Direito em “turno
integral a integralização mínima em quatro anos, desde que o PPC
justifique sua adequação sem perda de carga horária estabelecida em lei.
(Grifamos).
Aqui,

chegamos

ao

elemento

mais

“instigante”

das

nossas

observações, ou seja, ao nosso ápice de preocupação do que está proposto
para o futuro da educação jurídica brasileira.
Há na Resolução maiores detalhes de como se dará a dinâmica dos
cursos de Direito em “turno integral”? Não! Há referência na Resolução de
que esse ponto seja objeto de norma específica? Não! Quais serão as razões
para tantos vazios, para tantas dubiedades na Resolução por nós observada?
Confessamos que nos vêm à mente, ainda que de forma hipotética, o
que inicialmente indagamos a respeito da ideia de “atividade extraclasse”.
O que nos assegura que um estudante que faça sua graduação em um
determinado turno apenas registre sua assinatura em uma lista de frequência
em outro turno de alguma atividade “extraclasse” e que a referida atividade
seja computada como componente curricular de um curso em “turno integral”,
uma vez que a atividade extraclasse pode se dar “fora do ambiente
acadêmico”?
Isso é realmente algo a ser refletido com responsabilidade, porque
dessa forma, seguindo a lógica dessa resolução, qualquer faculdade poderá
se nominar como de “turno integral.”
Por que não cogitarmos, ainda, que isso pode representar uma forma
discreta de se iniciar o Ensino à Distância nas graduações como atividade
extraclasse, já que a Resolução não faz qualquer proibição nesse sentido?
Cumpre-nos registrar também que o artigo 13 da Resolução analisada
disciplina que “o curso de graduação terá (no mínimo) até 20% de sua carga

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horária

destinada

às

atividades

complementares

e

ao

estágio

supervisionado”. Já no artigo 14 há uma simples ressalva no tocante ao
estágio curricular obrigatório, ao dispor que o mesmo compreenderá “no
mínimo 12% da carga horária total do curso”.
Ou seja, a perspicácia da norma está na expressão “até”, que faz com
que qualquer percentual nessa margem, seja esse percentual com pelo
menos 12% da carga horária total do curso, no caso do estágio curricular
obrigatório,seja condizente com os padrões de qualidade emanados de quem
tem o poder de regulamentar a educação no país.
O que isso traduz: a precarização do estágio supervisionado e/ou das
atividades complementares?
Certamente, diante da mercantilização do ensino vivenciada na
atualidade, a diminuição da carga horária destinada a tais atividades será
inevitável, já que representa, antes de mais nada, corte em gastos e aumento
de lucros.
Assim, para as instituições que não prezam pela qualidade do trabalho
desempenhado, que entendem educação como um segmento comercial e se
limitam a emitir diplomas, essa prática, sem dúvida, será uma constante,
colocando-se em risco a formação dos futuros profissionais do Direito e
consequentemente a sociedade como vertente mais ampla.
3 O FUTURO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA SOB O PRISMA
DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PROPOSTAS PELO
MEC: avanços ou retrocessos?
Após todas as observações realizadas a respeito da proposta das
novas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Direito, oriunda da
Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação,
chegamos ao sub tópico final deste trabalho, onde lançamos não só

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questionamentos, mas também levantamos nossas inquietações e reflexões.
Com tais reflexões intencionamos termos dado um passo inicial que
venha servir de alicerce para que estudos mais densos se desenvolvam a
respeito da temática e, principalmente, para que as incoerências constatadas
na Resolução em discussão possam ser corrigidas ou mesmo reformuladas
na intensidade que se fazem necessárias.
Reduzir o tempo da integralização do curso, criar “formas alternativas
de avaliação”, flexibilizar as atividades do Estágio Supervisionado “em função
da própria capacidade do aluno”, permitir uma carga ínfima destinada às
atividades de Estágio Supervisionado e Atividades Complementares, são, na
nossa ótica, algumas formas estratégicas de se privilegiar as instituições que
se preocupam basicamente em ganhar um número maior de estudantes em
detrimento do verdadeiro sentido de educar.
Visualizamos a proposta de resolução, da forma que está posta e
redigida, como uma verdadeira afronta para a qualidade da educação jurídica
brasileira.
Há algum tempo a sociedade vem assistindo de forma pouco positiva a
grande expansão dos cursos jurídicos. Como afirma Nascimento:
a expansão dos cursos jurídicos no Brasil, com uma concentração
maciça no setor privado, passou por uma política adotada na
década de 90, passando a conter uma participação maior da
iniciativa privada no setor educacional, descentralizando, assim, a
concentração do ensino em instituições públicas para a esfera
privada.(2016, p.35)

Prosseguindo no raciocínio, Feitosa(2007), mostra que a educação
superior foi “empresariada”, havendo a nítida privatização desse segmento
como consequência da reforma neoliberal promovida pelo governo.
Endossando tal segmento de ideias, o Conselho Federal da OAB
sempre se posicionou de forma contrária à proliferação desordenada de
cursos de Direito, envidando esforços para o surgimento de critérios
avaliativos mais rígidos nos processos de autorização, reconhecimento e

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renovação de reconhecimento de cursos, assim como tentando por anos que
os

pareceres

emanados

da

OAB

nesses

processos

avaliativos

apresentassem natureza vinculativa e não fossem somente de caráter
opinativo.
Entretanto, na contramão dos anseios da OAB e de boa parte da
sociedade, surge a proposta objeto de análise deste artigo que, parece querer
flexibilizar a educação jurídica brasileira o que certamente trará um futuro
sombrio para essa seara.
Explicações

para

esse

fenômeno

“flexibilizador”,

além

das

considerações já declinadas ao longo deste trabalho, seriam talvez
prematuras. Mas, não podemos nos deslembrar que, nos dias atuais, o curso
de Direito já começa a mostrar taxa de ociosidade de vagas considerável em
todo o país, seja porque grande parte da demanda que estava contida já foi
absorvida, seja porque o grau de dificuldade para a conclusão dessa
graduação apresenta-se como um fator que muitas vezes afasta um
contingente de estudantes que almejam a graduação.
E, não é à toa que muitos grupos educacionais assistem com aflição
essa nova realidade, eis que o curso de Direito sempre representou um
excelente suporte financeiro para todas as IES.
Assim, resta-nos declinar nosso entendimento de que facilitar as
“regras do jogo” infelizmente pode ser uma importante estratégia para aqueles
que querem salas de aulas cheias, receitas monetárias altas, domínio de
mercado absoluto, mas que pouco se importam com a qualidade do ensino
em si.
CONCLUSÃO
A partir do que foi estudado neste artigo, tornou-se possível chegar a
algumas conclusões. Em um primeiro momento, é possível perceber que os

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problemas do ensino jurídico brasileiro não surgiram agora, mas existem
desde o momento em que os primeiros cursos foram formados.
A forma como o ensino jurídico se organizou desde o início demonstra
que o curso já nasceu voltado à satisfação dos interesses de uma elite que
buscava, essencialmente, ocupar os cargos públicos a partir de seus
interesses. A própria matriz curricular à época permite chegar a esta
conclusão, eis que permitia ao jurista o domínio de conteúdos elementares
para operacionalizar o Estado.
A segunda conclusão se refere às diretrizes curriculares atualmente
vigentes para este curso: a Resolução CNE/CES nº 09/2004, verdadeiro
marco para a regulamentação da educação jurídica brasileira. Embora possua
um conteúdo abrangente, objetivando em seu texto uma formação não
apenas profissional, mas, também, humanística, não tem alcançado tais
objetivos, o que tem corroborado para a manutenção da crise vigente no
ensino jurídico.
Partindo desta conclusão, é possível verificar que a nova proposta para
as diretrizes curriculares não busca resolver os problemas já existentes, mas,
ao contrário, altera a forma de organização dos cursos de forma negativa.
Com isto, quer-se dizer que surgem mais dúvidas do que respostas sobre o
formato que o ensino jurídico deverá seguir se tal proposta for aprovada, o
que corroborará ainda mais para a precarização e sucateamento da educação
nesta esfera.
Desta maneira, visualiza-se que tal proposta de resolução se
consubstancia em verdadeiro retrocesso. Trata-se de uma grande afronta à
qualidade da educação jurídica brasileira, indo de encontro aos anseios
sociais e ao posicionamento adotado pelo Conselho Federal da OAB sobre a
matéria. Servirá essencialmente aos interesses mercadológicos e para a total
privatização do ensino jurídico dentro dos moldes neoliberais.
Qualquer

proposta

que

objetive

estabelecer

novas

diretrizes

curriculares deve buscar sanar os problemas já existentes, que permeiam

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toda organização dos cursos jurídicos. Para isto, deve-se ter o envolvimento
direto da sociedade, da OAB e das instituições de ensino superior,
congregando-se ao máximo todos os interesses e buscando-se, sempre,
melhorar a formação dos futuros juristas. Assim, estes poderão interferir, a
partir de sua profissão, na transformação da realidade social.
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Vol. 01

EFEITOS DE SENTIDOS DISCURSIVO-IDEOLÓGICOS: um
olhar na cartilha nacional de alimentação escolar do MEC
Gabriela Alves de Arruda
Dennys Dikson
RESUMO: O presente artigo realiza uma análise discursiva tendo como
materialidade e corpus de trabalho a “Apresentação” da Cartilha Nacional de
Alimentação Escolar, publicada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2014;
documento este que foi elaborado e direcionado como “orientação” aos
Conselheiros de Alimentação Escolar dos municípios, para fiscalização dos
recursos, controle, distribuição e qualidade da merenda nas escolas públicas.
Filiamo-nos, teoricamente, aos trabalhos da Análise do Discurso de linha
francesa fundada e desenvolvida por Michel Pêcheux (2009), bem como às
investigações teórico-metodológicas da área apresentadas por Orlandi (1994,
2003, 2015), Florêncio et al. (2009), Cavalcante (2007), Guimarães (2005),
dentre outros. Para empreender com as análises, recortamos o corpus em
uma sequência discursivas, focando nas materialidades e nos ditos que mais
carregados estivessem da ideologia dominante. A intenção foi desvelar os
efeitos de sentido e construções discursivo-ideológicas apresentadas pelo
MEC na Cartilha, em especial os de poder, de descaso com a educação, de
neoliberalismo, e de “camuflagem” das responsabilidades inerentes ao Estado
que a atravessam, mesmo em latência. As análises revelaram que os
discursos dos sujeitos que possuem em mãos obrigações de oferecer
políticas públicas como educação/alimentação de qualidade, sempre, em
documentos oficiais, tentam transparecer preocupação e ações para melhoria
da conjuntura educacional, entretanto, quando mergulhamos nos dizeres da
materialidade histórico-dialética, desvendamos que o efeito é inverso: o de
criar rótulos para mascarar a precária realidade do sistema.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso - Merenda Escolar - Cartilha
Nacional de Alimentação Escolar - Políticas Públicas da Educação.
Introdução
Dentre

as

incontáveis

políticas

públicas

que

deveriam

ser

implementadas pelo Estado, especialmente quando se trata de população
pobre e carente, a alimentação escolar, conhecida largamente por merenda, é

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uma das que de mais importância possui, pois se trata de refeições para uma
gama enorme de crianças e adolescentes de escolas públicas.
Pensando nessa tão relevante questão, este texto pretende fazer uma
análise discursiva da Cartilha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE) –
documento Oficial forjado como orientação aos Conselheiros de Alimentação
Escolar dos municípios. Esse Conselheiros, dentre várias outras atribuições,
deveriam zelar pela fiscalização da compra, distribuição e qualidade da
merenda em cada município. A intenção é desvelar dessa materialidade
discursiva alguns efeitos de sentido e construções discursivo-ideológicas
apresentadas pelo MEC e que maquiam a verdadeira realidade em que se
encontram tanto a educação em si quanto a merenda escolar.
O primeiro momento deste texto vai recair na apresentação histórica e
na relevância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),
Programa de extrema importância ao Brasil, por estar englobado no grande
leque das políticas públicas nacionais – o PNAE é gerenciado pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e procurar atender a
“todos” (mesmo não o fazendo!) os alunos matriculados na educação básica
das escolas públicas, federais, filantrópicas, comunitárias e confessionais do
país, seguindo os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA) e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Logo em seguida,
trataremos da Cartilha (CNAE), trazendo os objetivos da sua publicação e
qual sua ligação com o PNAE. E, por derradeiro, faremos um rápido trajeto
teórico-metodológico, seguido da análise discursiva da “Apresentação” da
CNAE, utilizando algumas categorias da Análise do Discurso de Linha
Francesa, fundada e desenvolvida por Michel Pêcheux (2009), a fim de
desvelar, como mostrado, os efeitos de sentido trazidos nas sequências
discursivas selecionadas.
1. O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE

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O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma das
políticas alimentares mais antigas no Brasil, mas é somente a partir da última
década que ele passa a ser discutido como instrumento de segurança
alimentar e desenvolvimento sustentável por meio das compras públicas tanto
de grandes, quanto de pequenos agricultores locais. Sua origem, de caráter
fundamentalmente assistencialista, ocorre por volta de 1930, por influência de
um grupo de nutrólogos sociais (RODRIGUES, 2004).
Contribui para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem, o
rendimento escolar dos estudantes e a formação de hábitos alimentares
saudáveis, por meio da oferta da alimentação escolar e de ações de
educação alimentar e nutricional. São atendidos pelo Programa os alunos de
toda a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio
e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas,
filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder
público), por meio da transferência de recursos financeiros.
Em 31 de março de 1955, é assinado o Decreto n.° 37.106, que
institui a Campanha de Merenda Escolar, subordinada ao Ministério da
Educação. O Programa inicia-se articulado às organizações internacionais de
ajuda alimentar criadas após a II Guerra Mundial, tais como a Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Agência dos Estados Unidos para
o Desenvolvimento (USAID) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA).
A partir de 1976, os recursos para o Programa passam a ser
financiados pelo Ministério da Educação e gerenciados pela Campanha
Nacional de Alimentação Escolar. Até 1994, o desenho e o gerenciamento do
Programa mantiveram centralizado o processo de aquisição de gêneros
alimentícios. Devido a interesses capitalistas da indústria alimentícia,
priorizou-se a distribuição de alimentos formulados e industrializados que
eram comprados de um conjunto selecionado de algumas empresas,
componentes do poder financeiro invólucro por uma ideologia neoliberal

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dominante, sendo essas compras realizadas por meio de licitação pública e
distribuídas para todo o território nacional.
A centralização absorveu o maior volume dos recursos financeiros do
Programa, afetando àqueles que mais necessitavam (os alunos), como
também a sua operacionalização e a eficácia dos resultados, em
consequência de um conjunto de distorções como: sistemas complexos de
fornecimento e de armazenamento dos produtos (algumas vezes acarretando
no fornecimento de alimentos vencidos aos escolares); cartelização obscura e
simulada dos fornecedores; elevação dos custos da merenda para mais
absorção do capital público; homogeneização da alimentação escolar no país,
entre outros (SPINELLI; CANESQUI, 2002).
Há pesquisas (ROZENDO, BASTOS E MOLINA, 2014; SOUZA, 2012;
BACCARIN et al.,2011; SARAIVA, 2013) que até procuram apresentar alguns
desafios para atender essas novas legislações, contudo não é difícil perceber
que a conjuntura histórica em que esses problemas são enunciados mascara
outras possibilidades de sentido advindas exclusivamente de um locus
discursivo dominante e neoliberal que apresenta obstáculos para que as
compras não sejam realizadas aos pequenos agricultores ou à agricultura
familiar: a destinação real do capital público [formado por nossos impostos]
vai às empresas de grande porte que, por sua vez, fornecem uma
alimentação de baixa qualidade, por vezes em quantidade menor do que a
necessária e extremamente superfaturada, perdurando e perpetuando a
ideologia dominante. Procuram-se produzir discursos paralelos, com efeitos
de sentido manipuladores, sempre com o intuito de encobrir a finalidade e
destinação dos recursos da merenda escolar.
2. A Cartilha Nacional de Alimentação Escolar – CNAE

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O Ministério da Educação (MEC), em 2014, publica a Cartilha
Nacional da Alimentação Escolar2 (CNAE), que consta de 87 páginas,
formulada pela “Apresentação”, mais quatro capítulos – 1. O programa
nacional de alimentação escolar; 2. O conselho de alimentação escolar; 3. A
prestação de contas pela entidade executora; e 4. Interação e cooperação
com outros autores e instituições. É a CNAE que vai fornecer a materialidade
discursiva para nossa proposta de estudo que trazemos no presente artigo;
conforme

mostrado

anteriormente,

na

Introdução,

delimitar-se-á

às

sequências discursivas constantes da “Apresentação”, por ser este o primeiro
contato do leitor com o que pautará todo o texto-discurso da Cartilha.
Levando em consideração toda essa contextualização historiográfica
supra-apresentada do PNAE – e estando a CNAE dentro dessa conjuntura
por ser um desdobramento específico aos Conselheiros de Alimentação
Escolar –, partimos da premissa de que, assim como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), aqui também entendemos a CNAE “ser uma
estratégia orientada para construir significados no âmbito da educação, cujo
objetivo é legitimar as reformas neoliberais como sendo as únicas que podem
e devem ser aplicadas no atual contexto histórico de nossa sociedade”
(CAVALCANTE, 2007, p. 12-13). Infelizmente os vieses que caminham no
contexto

educacional

brasileiro

são

esses

formulados

por

lugares

exclusivamente voltados ao mercadológico e à classe que possui o poder,
concretizado por uma ideologia que espalha formações discursivas das
formas mais explícitas, implícitas e silenciadas possíveis. Conforme ainda
assegura Cavalcante:
Se fizermos uma incursão pela história da educação brasileira – da
chegada dos jesuítas ao momento atual – constataremos que ela
sempre esteve direcionada para atender aos interesses da classe
dominante. Malgrado diversos movimentos reivindicatórios pelo
direito de acesso à escola e por uma educação de qualidade para
as classes populares, as diversas reformas no sistema educacional
brasileiro acabam sempre direcionadas para contemplar os
interesses das elites, no poder. (op. cit., p. 12)
2

Disponível no site no MEC: www.mec.gov.br.

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É nessa visão global do tema, em especial no que concerne à
legitimação das reformas neoliberais e ao direcionamento do sistema
educacional brasileiro aos interesses das elites, que o presente artigo se
insere como de ímpar relevância. Ao tratar de um foco que traz a alimentação
como um importante cerne do processo educativo, e havendo uma
materialidade discursiva (CNAE) construída, trazida e imposta pelo MEC, e ao
discutir e analisar discursivamente a imposição mercadológica do MEC para
que os Conselheiros dos CAE realizem a manutenção e a ordem do capital no
que diz respeito a recursos financeiros da merenda pública, construiremos
mais uma importante voz social para ecoar junto a tantas outras no que diz
respeito à seguridade de um direito irrevogável do aluno em ter uma
alimentação escolar constante, digna, saudável e regida pelo princípio da
educação enquanto lugar de formação e cidadania, e não como lugar de
comércio e de mercado.
3. Método e Fundamento
Em termos metodológicos, Eni Orlandi (2003) propõe a noção de
funcionamento, em vez de função, para pensar a relação do texto com sua
exterioridade, estrutura e acontecimento. Assim, nem só a língua, nem só a
situação, mas a materialidade discursiva; ou melhor, um corpus construído
por recortes retirados do discurso que o MEC imprime na CNAE. Intentamos
identificar os discursos recorrentes sobre o “controle de poder” elitista que o
MEC procura direcionar aos Conselheiros e aos que dependem diretamente
da alimentação na educação pública, entendendo como esses sujeitos,
interpelados pela ideologia, são afetados pelos efeitos de sentido de
discursos da classe dominante que paira na CNAE.
Através de procedimentos próprios da AD, procuraremos transpassar
a aparente homogeneidade do discurso que a CNAE apresenta, tentando
compreender – como já dissemos – as formações discursivas, os ditos e não

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ditos, bem como os intradiscursos e os silenciamentos que funcionam na
ideologia manipulativa e de controle apresentada no texto. Essa análise
qualitativa sob a égide da AD, vai possibilitar contribuições significativas no
sentido de retirar o véu da aparente tranquilidade que há no discurso
apresentado pelo Estado especialmente acerca de algo tão relevante como a
merenda escolar.
Filiamo-nos, então, à linha francesa de Análise de Discurso (AD)
fundada

e

desenvolvida

por

Michel

Pêcheux

(2009).

Sintética

e

sistematicamente vejamos seu recorte epistemológico, a fim de lançar luzes
por meio das quais pretendemos observar nosso objeto de estudo. Segundo
Orlandi (1994), a AD pecheutiana se constitui no espaço aberto entre a
Linguística e as Ciências Sociais, como disciplina de entremeio. Para além da
junção entre esses dois campos de conhecimento (Linguística e Ciências
Sociais), AD criou seu próprio objeto: o discurso.
O conceito de discurso pecheutiano é constituído a partir de uma
rediscussão da dicotomia suassureana língua/fala. Para Pêcheux (2009),
entre a universalidade da língua de uma comunidade e a individualidade do
indivíduo falante, há o nível da particularidade, que corresponde ao discurso.
Essa particularidade é determinada pelos interesses que se confrontam na
luta ideológica de classe. Seguindo o processo de elaboração do conceito de
discurso, ele se apropria de algumas categorias do Materialismo Histórico,
entre as quais a mais importante é a noção de ideologia.
O discurso supõe o sistema significante, mas em relação dinâmica
com a exterioridade. Essa relação é fundamental em AD, já que “sem história
não há sentido” (ORLANDI, 1994, p. 52). Graças à inscrição da história na
língua é que a língua significa. Da mesma forma, não há discurso sem sujeito
como não há sujeito sem ideologia. Como afirma Pêcheux (2009) o efeito
ideológico elementar é o que constitui o sentido e o sujeito como evidências.
Esse efeito leva à ilusão de que o sentido é colado à palavra como uma

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literalidade que lhe é essencial, sem levar em conta as determinações
históricas.
Portanto, ao compreender a língua sob a perspectiva do materialismohistórico, defendemos que ela deve ser entendida dentro da sua
processualidade histórica, não apenas através do dado empírico,
No caso particular da AD francesa pechetiana, sua filiação ao
materialismo histórico-dialético deve levar seus pesquisadores a
buscarem o discurso em sua processualidade histórica. Isto significa
que o analista não pode se restringir apenas à materialidade
empírica do discurso e nem tomar ideias abstratas que circulam nas
sociabilidades. Mas tem que tratar os discursos como prática de
sujeitos no seu fazer histórico-discursivo, buscando a posição do
sujeito discursivo, pois, para esse método.” (Florêncio et al, 2009, p.
42)

As palavras estão carregadas do imaginário e do simbólico, quer
dizer, as palavras possuem uma memória, uma história. E é a historicidade
das palavras que faz sentido. E por serem carregadas de história, os sentidos
das palavras sempre podem ser outros, pois a história se atualiza a todo
momento (ORLANDI, 2003).
Uma das mais importantes noções em AD é o que Michel Pêcheux
conceituou de Efeito Münchhausen3. O Efeito Münchhausen trata da ilusão de
que o sujeito é constituído enquanto tal por ele mesmo; enquanto que, de
fato, ele é constituído pelo outro/Outro. É daí que surge o que Pêcheux
chama de “o efeito ideológico elementar” (PÊCHEUX, 2009, p. 139) que faz
com que os discursos, inclusive os científicos, produzam o efeito de serem
verdades objetivas, verdades evidentes, pois para este mesmo autor, o
caráter comum da ideologia e do inconsciente “é o de dissimular sua própria
existência no interior mesmo de seu funcionamento, produzindo um tecido de
evidências “subjetivas” (ibidem) que constituem o sujeito. Assim, a proposta
do fundador da AD foi construir uma teoria não-subjetiva da subjetividade, na
3 Pêcheux, para exemplificar a questão da “evidência” de que o sujeito se constitui por ele
mesmo, se utiliza de uma lenda que conta sobre um determinado barão de nome
Münchhausen “que se elevava nos ares, puxando-se pelos próprios cabelos.” (2009, p. 144).

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qual postula que o sujeito, que é constituído por um inconsciente – que, por
sua vez,

é estruturado como uma linguagem –, não pode se eximir da

ideologia, enquanto discursiva, quando com ela se identifica. Florêncio et al
(2009) coadunam com o que postulamos, quando afirmam:
É esse sujeito determinado pelas relações de classe de seu tempo,
interpelado pela ideologia e atravessado pelo inconsciente que
Pêcheux traz para os estudos linguísticos, isto é uma subjetividade
objetivada, passível de ser compreendida cientificamente (p.53).

Tendo esse sujeito e sua materialidade-histórica como fundantes para
a AD, questões como interdiscurso, formações ideológicas e discursivas,
ditos, não-ditos, efeitos de sentidos e silenciamentos (PÊCHEUX, 2009;
ORLANDI, 1994, 2004, 2015; MAGALHÃES, 2005; FLORÊNCIO et al, 2009),
serão de alta relevância no funcionamento discursivo e de um lugar social de
poder e Estado que aqui estamos a propor. As funcionalidades que a AD
desemboca nessas categorias, bem como seus conceitos e definições,
apresentaremos na medida em que formos discutindo cada uma delas dentro
de nossa materialidade discursiva
4. Recorte Epistemológico e seus sentidos
Vejamos a “Apresentação” da CNAE:
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia
federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), tem por
missão prestar assistência técnica e financeira e executar
ações que contribuam para uma educação de qualidade a
todos, visando ser referência na implementação de políticas
públicas. Dessa forma, o FNDE tem compromisso com a educação;
ética e transparência; excelência na gestão; acessibilidade e
inclusão social; cidadania e controle social; responsabilidade
ambiental; inovação e empreendedorismo. O atual cenário da
educação pública brasileira é complexo e requer cada vez mais de
todos os brasileiros participação social e compromisso com o bem
maior de uma nação: a educação de seu povo. Entre os principais
desafios do FNDE estão a eficiência na gestão dos recursos, a
transparência, a execução dos programas institucionais e compras

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governamentais, parcerias estratégicas, fortalecimento institucional,
além da busca permanente de construção da cidadania, por meio
dos conselhos de controle social. Nessa perspectiva, esta Cartilha
para Conselheiros de Alimentação Escolar elaborada pela equipe da
Coordenação-Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar
do FNDE, em parceria com Promotores e Procuradores de Justiça,
corrobora a preocupação desta Autarquia com o caráter autônomo e
independente que deve conduzir a atuação de todos os conselhos
de alimentação escolar do país. (BRASIL, 2014, p. 3 – grifos
nossos)

Considerando o pequeno espaço que aqui temos disponível para
discussão da nossa materialidade discursiva, o recorte será para analisar o
primeiro parágrafo da “Apresentação” – que nomearemos de Sequência
Discursiva 1, o quais destacamos em negrito na citação anterior. A escolha
justifica-se por ser um primeiro lugar que mais fortes se apresentam os efeitos
de sentido, especialmente a partir das categorias e fins que acima já
elencamos como destaque de nossa investigação.
4.1 Sequência Discursiva 1
Nosso primeiro recorte:
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), tem
por missão prestar assistência técnica e financeira e executar
ações que contribuam para uma educação de qualidade a todos,
visando ser referência na implementação de políticas públicas.
(Op. cit., 2014, p. XXX – grifos nossos)

Em relação ao primeiro termo destacado nessa sequência discursiva,
“missão”,

remete-nos

à

missionária/religiosa/boa/assistencialista,

memória
levando-nos

da
a

ter

atividade
uma

falsa

impressão de um discurso voltado aos estudantes, principalmente pobres e
carentes, que necessitam de alimentação durante o período em que está na
escola. Isso legitima o discurso de poder trazido logo nessa primeira parte
pelo MEC, o que aparenta uma ilusão aos que são atingidos por essa
formação discursiva (seja os Conselheiros sejam os estudantes) de uma

p. 91
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pseudo-assistência e pseudo-preocupação com a alimentação escolar de
crianças e jovens.
Esse discurso que procura convencer os alunos – através do dizer
voltado aos Conselheiros Escolares – de que há uma “missão” preocupada
com a formação educacional, em especial com a alimentação que deve estar
sempre presente na sua escola, no seu prato, e no seu ambiente de
aprendizagem; essa estratégia discursiva faz o aluno persuadir-se de que a
estrutura Estatal o abraça e o protege, pois haveria um sentimento em
cumprir essa “missão” tão importante que é manter a criança/o adolescente
bem alimentado. Entretanto, parece que a necessidade e a pobreza desses
estudantes não os deixam entender o jogo mercadológico e de poder[excludente] que, em inúmeros casos, fornece comidas de baixa qualidade, em
pouca quantidade, e o pior, superfaturadas e corrompidas do dinheiro público
de impostos que pagamos.
Isso nos faz observar a presença da memória discursiva, em já-ditos
de outros momentos históricos, que, segundo Orlandi (2015, p. 29),
tem suas características, quando pensada em relação ao discurso.
E, nessa perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Este é
definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória
discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que
retorna sob a forma do pré-constituído, o já-dito que está na base do
dizível, sustentando cada tomada da palavra.,

Em conseguinte, no que pertine à expressão “educação de qualidade
a todos”, antes de tudo temos que pensar acerca de qual sentido o termo
“qualidade” é trazido, em especial enquanto predicativo de “educação”: Que
qualidade seria essa? Estaria ligada à oferta de alimentação?, ou à de
educação? Uma excluiria a outra?
Quando se usa a expressão “educação de qualidade a todos”,
retomamos na memória às expressões trazidas na nossa Constituição
Federal de 1988, no que se refere à educação enquanto direito de todos (art.
205), na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, na Declaração de

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Salamanca e tantos outros documentos normativos que trazem esta
expressão. Verificamos assim, uma paráfrase entre a Cartilha e tantos outros
documentos, já que, como ensina Orlandi (2015, p. 34), “Os processos
parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se
mantém, isto é, o dizível a memória.”
Verificamos, outrossim, que uma educação de qualidade a todos,
neste contexto de uma política pública alimentar que é o PNAE, nos faz
assimilar que essa “qualidade na educação” está diretamente ligada à
alimentação proporcionada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Sendo assim, observa-se a presença de uma polissemia, já que há um
deslocamento do processo de significação, ou seja, o termo “qualidade”
empregado está jogando com o equívoco, já que a escola é uma instituição
que tem como finalidade o ensino e a aprendizagem e que se tornou, através
desse processo polissêmico, o lugar que oferece alimentação de “qualidade”
para os alunos, como se isso por si só substituísse a formação crítico-humana
e o ensino-aprendizagem que são o centro formativo escolar.
Dessa maneira, ao empregar “qualidade” ligada à promoção da
alimentação escolar, está se apresentando uma formação discursiva com
efeito contrário, pois a escola é lugar de formação, e de ensinoaprendizagem, sendo esta a dualidade que deve pautar a avaliação de uma
qualidade educacional e não o fato de haver merenda na escola ou não para
fins de aferição dessa “qualidade”. É como se o MEC pretendesse subverter o
dito para que o estudante sinta-se com uma educação de qualidade
meramente pelo fato de haver (e não há!) merenda escolar no seu dia a dia
educacional. Fato esse extremamente preocupante, pois carrega uma
ideologia dominante liberal e de convencimento à mesmice.
Trazendo os ensinamentos de Orlandi (2015, p. 36):
Esse jogo entre paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o
simbólico e o político. Todo dizer é ideologicamente marcado. É na
língua que a ideologia se materializa. Nas palavras dos sujeitos.
Como dissemos, o discurso é o lugar de trabalho da língua e da

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ideologia. Podemos gora, compreendendo a relação da paráfrase
com a polissemia, dizer que, entre o mesmo e o diferente, o analista
se propõe compreender como o político e o linguístico se
interrelacionam na constituição dos sujeitos e na produção dos
sentidos, ideologicamente assinalados. Como o sujeito (e os
sentidos), pela repetição, estão sempre tangenciando o novo, o
possível, o diferente. Entre o efêmero e o que se eternaliza. Num
espaço fortemente regido pela simbolização das relações de poder.

É nessa interface entre a paráfrase e a polissemia, entre o mesmo e o
diferente, o estático e o que se modifica, que o sentido de “qualidade” está
ligado ao fornecimento de alimentação escolar, ou seja, uma educação de
qualidade seria, de acordo com o jogo paráfrase/polissemia trazido em
“educação de qualidade a todos”, uma educação que proporcionasse
alimentação aos alunos frequentadores da escola. Forja-se uma manutenção
da “qualidade” pela alimentação, com um discurso de convencimento que diz
ser o sistema educacional excelente e perfeito funcionamento. A formação
discursiva vai se trilhando a partir da ideologia dominante tão cara ao MEC.
Como

bem

sabemos,

é

impossível,

na

atual

conjuntura

socioeconômica, uma educação realmente de qualidade e que atinja a todos.
Esse jogo ideológico de legitimação do discurso que a CNAE carrega, revelanos um não-dito, já que a educação brasileira, conforme dados concretos e de
sapiência de todos, é de qualidade bem baixa.
Forja-se um dizer, para que os dizeres reais fiquem de fora, não
sejam realmente ditos. Esse não-dito é colocado no jogo discursivo pois é
preciso não dizer claramente das verdadeiras e complicadas “qualidades” que
consomem nossa educação, com o fito de silenciar ou mascarar nosso
contexto quando se trata de alfabetização, leitura, escrita, formação,
aprendizagem, avaliações, ensinos fundamental e médio, etc. Ao trazer a
merenda como um ápice na “qualidade”, silenciam-se todos os outros
inúmeros problemas conjunturais que circundam as questões educacionais do
país. Isso é uma estratégia discursiva interessante para o poder, pois, como é
sabido, estamos muito longe de conseguir uma educação de qualidade para
todos. Mas o dito precisa esconder essa face. E o MEC faz isso.

p. 94
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Para Orlandi (2015, p. 81), “há sempre no dizer um não-dizer
necessário. Quando se diz ‘x’, o não dito ‘y’ permanece como uma relação de
sentido que informa o dizer de ‘x’”. O posto (o dito) traz consigo
necessariamente esse pressuposto (não dito mas presente).”
Um outro questionamento importante se impõe: quem são esses
“todos”? Este dizer não abarca as crianças e adolescentes que estudam na
rede privada de ensino, já que estes, em tese, “não necessitariam” de um
fornecimento gratuito de alimentação na escola. Essa expressão “todos” se
refere aos beneficiários do Programa Nacional de Alimentação escolar, ou
seja, aos alunos de toda a educação básica (educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em
escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com
o poder público). Quer dizer, “todos”, na verdade, não são todos, mas àqueles
que, muitas vezes passíveis de necessidade, estão no ensino público
aguardando, pelo menos, uma merenda digna. E esses são bem mais fáceis
de, pelo discurso ideológico, convencer. Estratégia típica mercadológica.
Sendo assim, essa educação de qualidade a todos, além de ser
aferida pela disponibilização de alimentação na escola que é o lugar de
formação humana, de aprender, de se instruir, se refere aos alunos da classe
pobre, que precisam se alimentar na escola, que vai à escola, muitas vezes,
não com o intuito de aprender, mas para poder comer. Nem sempre possuem
alimento em casa, e a merenda seria a única ou uma das únicas refeições do
dia. Então, usar a e expressão “todos” denuncia uma flagrante política pública
compensatória, já que devido à falta de políticas públicas de incentivo ao
emprego, moradia, saúde, alimentação, esses alunos vão buscar na escola o
que lhes falta em casa: alimento. E sem alimento não se vive, não se estuda,
não se trabalha, porque ser a própria condição para sobrevivência humana.
Para encerrar nossa sequência discursiva, trazemos à tona o recorte
“referência na implementação de políticas públicas”.

p. 95
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O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), como
sabemos, diferentemente da formação discursiva exposta na CNAE, não é
parâmetro de referência em implementação de políticas públicas, seja pela
falta de transparência em suas atividades, seja pelo desvio de verbas
destinadas ao Programas e ao financiamento da alimentação. Ou seja, há um
silenciamento e uma subversão do verdadeiro alcance do significado da
expressão “referência”. Primeiro porque, para se ser referência em algo, tem
que haver um paradigma, quer dizer, algo que se possa comparar, um
padrão; e está longe de termos alguma política pública em alimentação que
possa servir de parâmetro ou medição. Segundo porque, em termos de
educação, infelizmente, o nosso país quase que não possui referências, em
especial ao que tange ao Ensinos Básico.
Revela-se, então, o silêncio fundador, já que, segundo Orlandi (2015,
p. 81), este indica que o sentido pode ser sempre outro, ou seja, faz com que
o dizer signifique. Nessa mesma seara de análise, a autora nos traz uma
importante e inestimável contribuição ao afirmar (2007, p. 29) que:
Chegamos a uma hipótese que é extremamente incômoda para os
que trabalham com a linguagem: o silêncio é fundante. Quer dizer, o
silêncio é a matéria significante por excelência, um continuum
significante. O real da significação é o silêncio. E, como o nosso
objeto de reflexão é o discurso, chegamos a uma outra afirmação
que sucede a essa: o silêncio é o real do discurso. (grifos da autora)

Verificamos então, que o MEC ao afirmar que o FNDE é referência na
implementação de políticas públicas, está silenciando em relação ao fato de
que a educação brasileira é uma das piores do mundo, deixando transparecer
que não há parâmetros para assimilar essa possível “referência” ou posição
paradigmática do FNDE em relação às políticas públicas educacionais.
Ainda segundo Orlandi (2015, p. 81): “O silêncio fundador pode ser
pensado como a respiração da significação, lugar de recuo necessário para
que se possa significar, para que o sentido faça sentido. É o silêncio como
horizonte, como iminência de sentido” – o que nos faz pensar o silenciamento
do MEC em relação à péssima qualidade da educação brasileira e que o

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FNDE está longe de ser uma “referência” na implementação de políticas
públicas, pois se assim o fosse, a educação não estaria nesse estado de
calamidade institucional.
5. Considerações Finais
Diante da discussão que aqui trouxemos, mediante a constatação da
presença de algumas categorias teórico-analíticas a partir da AD Francesa, foi
possível

perceber

diversos

efeitos

de

sentido

discursivo-ideológicos

apresentados pelo MEC, carregados de formação ideológica de mercado e de
capital e principalmente de poder, sempre refletida numa materialidade
discursiva de dentro do sistema Educacional, mascarada por diversas
conotações de “missão”, de transferência de “responsabilidade”, de
“educação de qualidade a todos”, de “referência na implementação de
políticas públicas”.
Concordamos, indiscutivelmente, com Cavalcante (2007), que, ao
tratar de alguns propósitos louváveis que vez ou outra aparecem no processo
de educação, na realidade, nada mais são do que rótulos montados pelo
Estado com funções outras: nos fazer acreditar que existem estratégias
políticas – no caso os CAE e, mais ainda, as “orientações” da CNAE – para
melhorar a conjuntura e funcionamento educacionais. Isso é uma tentativa,
sempre, de foscar a realidade através das ideologias minadas pelos discursos
opressores.
Infelizmente os vieses que caminham na conjuntura educacional
brasileira são esses formulados por lugares exclusivamente voltados ao
poder, ao mercadológico e à classe que possui a força, o dinheiro,
concretizado por uma ideologia que espalha formações discursivas
disfarçadas das maneiras mais explícitas, implícitas e silenciadas possíveis.
Enceramos, por enquanto, dizendo que a “Apresentação” da CNAE
transparece a legitimação das reformas neoliberais e o direcionamento do

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sistema educacional brasileiro aos interesses das elites, já que traz para as
camadas mais pobres a noção de que uma educação de “qualidade” é aquela
que oferece alimentação na escola, e que a responsabilidade dessa
“qualidade” ou de uma boa escola é das pessoas e não do Estado. Ou seja,
mascara a verdadeira intenção que é a manutenção do status quo da
educação

pública

de

péssima

qualidade,

aferindo-se

o

binômio

ensino/aprendizagem.
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e dificuldades para implantação do Artigo 14 da Lei 11947/2009 no Estado de
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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: pensando a filosofia, seus desafios
e possíveis perspectivas
José Aparecido de Oliveira Lima
aparecido.filosofia@gmail.com
Williams Nunes da Cunha Junior
williamsjr_cmf@hotmail.com
Cindia Maria Braga Albuquerque
cindiabraga@gmail.com
Resumo: O referido texto é fonte de estudos decorrentes da disciplina sobre
“Educação Brasileira”, no curso de pós-graduação em Educação, pelo Centro
de Educação/CEDU da Universidade Federal de Alagoas/UFAL. O artigo
buscará fazer um pequeno recorte acerca da discussão sobre a filosofia no
contexto da educação brasileira. Com isso, é preciso destacar que as
indagações sobre o que é filosofia e qual a sua importância na produção do
conhecimento são a mais variada, que em meio à práxis na sala de aula, ela
pode se realizar por meio dos questionamentos, das indagações e dos
debates com alunos do ensino. Por fim, faremos uma reflexão acerca da
descentralização da filosofia e do seu ensino, ficando evidente como
disciplina, puramente, conteudista e, estritamente, Europeia.
PALAVRAS-CHAVES: Filosofia - Ensino de Filosofia - Educação.
1 Introdução
Poderemos afirmar que a filosofia não é uma ciência, mas faz “uma
reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos” (CHAUÍ, 1999,
p. 17). Bem como o faz com relação à religião, arte, psicologia, sociologia,
política e história. Sendo assim, como ela desenvolve essa atividade de
problematização e crítica?
As possíveis respostas para tais questionamentos podem partir do
pressuposto da não aceitação das respostas prontas e tidas como
verdadeiras. A filosofia pode encarar os fatos com um olhar crítico, pode
procurar por meio de suas próprias investigações compreender a sociedade e
as formas como ela se manifesta. Segundo Lima (2010, p. 66), “o trabalho da
filosofia não consiste em trazer, necessariamente, soluções e respostas, mas

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em pensar o existente, a experiência individual e coletiva, a prática”. No
entanto, como esse conhecimento filosófico acontece na sala de aula? Como
é realizado esse processo crítico no mundo? Por que a filosofia mantém em
seu ensino atual uma compreensão conteudista e europeia?
É preciso entender que vivemos num tempo onde está cada vez mais
difícil a prática do docente em filosofia, mediante tanta globalização,
tecnologia e inversão de valores. Nesse contexto, a leitura vem se tornando
cada vez mais escassa e o aprendizado cada vez mais árduo, tanto para o
docente, quanto para os alunos que vivem uma vida precarizada e hostil.
Assim, buscaremos desenvolver um pequeno recorte acerca da
importância desse conhecimento filosófico na história e suas transformações;
após isso, buscaremos evidenciar esse conhecimento filosófico na práxis do
ensino da filosofia em meio a sala de aula com os alunos do Ensino Médio e,
por fim, faremos uma crítica a atual descaracterização da filosofia no seu
ensino e por deixar de lado o cotidiano de alunos e professores inseridos num
ensino e aprendizagem que tem como base, apenas, uma reflexão filosófica
que não busca problematizar o contexto real de nossa vida cotidiana.
2. A história da filosofia no processo de construção e produção do
conhecimento.
De acordo com Evandro Ghedin (2008, p. 55) “A Filosofia é a atividade
teórica de reflexão e de crítica de problemas apresentados pela realidade, e
esses problemas refletem necessidades e exigências de uma época e de uma
realidade”. Por meio desse pensamento questionador buscam-se respostas
que possam sanar necessidades e com isso possivelmente mudar o cenário
de uma dada realidade.
Marilena Chauí fala sobre atitudes filosóficas, reflexões filosóficas e
pensamento sistemático como formas de atuação da filosofia. A reflexão
filosófica questiona “Por quê? O quê? Para quê?” (CHAUÍ, 1999, p. 15), esse

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processo se dar pelas constantes inquietações acerca de algo posto no
mundo. Já o pensamento sistemático busca por meio de enunciados racionais
e bem elaborados, apresentar encadeamentos lógicos que demonstrem e
provem as ideias que se acredita, não ficando apenas no senso comum.
Desse modo, “a consciência filosófica procura explicar e compreender o que
parece ser irracional e inquestionável” (CHAUÍ, 1999, p. 16).
É preciso entender que essas formas de como a filosofia se apresenta,
pode nos levar a compreender de que forma chegamos a um esclarecimento
diferente do habitual, saber o que é?, Como é? Por que é? Seria um processo
constante de questionar. Ou seja, pode ser diferente?
Esse processo de entendimento levou a filosofia no percurso histórico a
buscar esclarecer aquilo que estava subjacentemente, oculto. Com relação a
esse processo, poderemos observar que diante dos quatros períodos da
filosofia (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea) houve uma busca
constante acerca desse desvelamento, com base no contexto histórico, social
e político, de cada época.
Sobre isso faremos dois recortes na história da filosofia em diferentes
contextos, que a partir de uma reflexão filosófica, concepções e ideias foram
instigadas no pensamento, na formação e na transformação de um povo.
Segundo Chauí (1999, p. 44), a Patrística, inserida na Idade Média
(Período que envolve os séc. I ao séc. XV), esteve ligada a tarefa de
evangelização, estando, portanto, em defesa da religião cristã. “para impor as
ideias cristãs, os padres das igrejas as transformavam em verdades reveladas
por Deus”. A patrística trazia como grande tema de discussão a “possibilidade
ou impossibilidade de conciliar razão e fé” (CHAUÍ, 1999, p. 44). Alguns
pensadores a julgavam irreconciliáveis, de modo que a fé seria soberana,
outros, acreditavam ser possível, contudo, a razão permanecia subordinada a
fé. E ainda havia os que acreditavam ser impossível a conciliação, pois cada
uma teria seu papel e seu conhecimento específico e não deveriam ser
misturados. Ainda neste contexto, a Filosofia Medieval tinha Platão e

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Aristóteles como influenciam principais, sendo também de grande relevância
a participação de Santo Agostinho e Tomás de Aquino, dentre outros
pensadores. Centravam-se na relação da filosofia com a teologia. Sobre isso
Lima, Melo e Menezes (2015, p.163) destacam que “a vida e o mundo eram
vistos apenas com base nos princípios religiosos, onde Deus é o centro do
mundo”.
Outro período importante foi a Filosofia Moderna (Período que envolve
os séc. XVII ao séc. XIX). As problematizações e debates da era medieval
levaram os pensadores a uma nova concepção filosófica acerca das coisas.
Essa nova concepção causou três mudanças significativas: o surgimento do
sujeito do conhecimento, onde “a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela
volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de
conhecer” (CHAUÍ, 1999, p. 46); o objeto do conhecimento, reconhecendo
que “as coisas exteriores [...] podem ser conhecidas desde que sejam
consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos formulados pelo
sujeito do conhecimento” (CHAUÍ, 1999, p. 47); e a realidade apresentada por
Galileu: “um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda
e invisível é matemática” (CHAUÍ, 1999, p. 47). Essa racionalidade foi aos
poucos modificando os conceitos outrora defendidos pela filosofia de modo
que hoje ela passa a ser questionadora, crítica e reflexiva. Ou seja, nesse
novo pensamento, Deus não seria mais o centro do conhecimento, que agora,
passaria a ser o homem.
Ora, mesmo diante desses dois pequenos recortes, podemos perceber
que o conhecimento filosófico foi/é importantíssimo na evolução do indivíduo.
Com isso tem-se atualmente o entendimento de filosofia como expressão do
pensamento humano, das confusões existenciais e do inconformismo para
com os problemas sociais. Esse pensar/refletir/questionar é condição de
liberdade. É por meio dessa atitude que se pretende compreender a função
de cada sujeito no mundo e sua significação. Por esta razão a filosofia se
apresenta como um processo de análise, reflexão e crítica. De modo que,

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segundo Ghedin (2008, p. 74) reflexão e crítica devem ser indissociáveis uma
vez que a reflexão sem a crítica torna-se mera descrição.
Com isso pensar é condição indispensável para que o ser humano
possa compreender o mundo e a si mesmo, estando constantemente em
busca da verdade. Assim, a capacidade de se questionar, avaliar sua prática
e repensar o seus atos são indispensáveis, de modo que “se não for possível
perguntar, não será possível a reflexão e não há como construir
conhecimento” (GHEDIN, 2008, p. 77).
Com relação às mudanças de concepção entre a filosofia tradicional e
a moderna Ghedin (2008) destaca que houve uma transferência de foco,
saindo do objeto para o sujeito ou da relação entre eles:
Na Filosofia tradicional, o processo de construção de
conhecimento estava condicionado ao objeto e concentravase nele, de acordo com o entendimento de que o objeto
possuía uma essência e dela o conhecimento resultava. Na
modernidade, essa ideia foi revestida e centrada no sujeito.
Até muito recentemente, o processo de conhecimento vinha
sendo compreendido como resultado quase exclusivo da
relação estabelecida entre sujeito e objeto (p. 84).

Essas mudanças são determinantes no processo histórico, marcam
períodos e vão sendo pensadas de modos diferentes, cada mudança ocorre
através de um logo processo que envolve o pensar, o repensar, a dúvida e o
questionamento, esse processo é comum para aqueles que não aceitam a
posições estabelecidas, o que gera a reflexão crítica sobre o mundo, os
sujeitos e o próprio pensamento. Diante disso, poderemos considerar
verdadeira a afirmação de Ghedin (2008, p. 86), quando destaca que o
conhecimento não está apenas no sujeito ou no objeto, como também não
está apenas no método ou no conceito, mas na relação desses elementos,
que juntos geram a produção do saber. Assim, “a filosofia é constante
processo de criação. É fundamentalmente a criação de novas interpretações
e de novos significados” (idem, p.88). A filosofia precisa reelaborar suas
problematizações de acordo com seus contextos históricos, sócias e políticos.

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A filosofia acontece no lugar e em cada tempo determinado, tendo como base
investigativa, o seu redor.
3. O filosofar como práxis no ensino da filosofia
Sendo a filosofia um constante processo de criação e tendo em vista
que criar é agir de alguma forma no mundo, torna-se necessário pensar o
filosofar como uma verdadeira práxis do ensino de Filosofia.
A palavra práxis é utilizada em sentidos diversos em variadas áreas do
conhecimento, como a própria filosofia e a psicologia. A palavra tem origem
no grego e significa conduta ou ação. Portanto, o filosofar visto como práxis é
aquele que possibilita um agir no mundo, a partir de uma reflexão sobre esse
mesmo mundo.
Para que essa práxis seja vista como crítica, Lipman (1995) aponta
quatro condutas para se atingir esse fim. A primeira conduta diz respeito à
crítica da prática dos colegas, a segunda diz respeito à autocrítica, a terceira
à correção da prática dos outros, e por fim, a autocorreção. Para que esta
práxis se concretize é necessário atentar-se para a prática do questionamento
efetivo, que é aquele que gera intervenções e produz mudanças (GHEDIN,
2008).
Ora, segundo Lima (2010), a tarefa da filosofia (do filosofar) é iluminar
o sentido teórico e prático daquilo que fazemos. Sendo assim, mais uma vez
se reafirma aqui o filosofar como práxis, onde o questionamento encontra
lugar especial. “Se não for possível perguntar, não será possível a reflexão e
não há como construir o conhecimento” (GHEDIN, 2008, p. 77).
É interessante notar como teoria e prática aqui parecem constituir dois
lados de um mesmo objeto, e assim deve ser, a fim de evitar toda alienação,
isto é, a separação ou mesmo hierarquização entre essas duas dimensões
constituintes daquilo que chamamos aqui de práxis.

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Perguntar, portanto, assume uma dimensão ontológica, uma vez que
nos caracteriza como humanos. Negar a possibilidade do questionamento é
uma negação ontológica, uma vez que nos desumaniza e nos tira algo tão
singular de nossa existência. É preciso, portanto, que o perguntar torne-se
elemento central no processo do ensino de Filosofia.
O professor de Filosofia deve entender seu lugar-docente como o
espaço propício em que se gera e se produz conhecimento, isto é, aqueles
conhecimentos que nascem de sua prática, os quais Tardiff (2011), chama de
saberes experienciais.
Os saberes experienciais são:
[...] conjuntos de saberes atualizados, adquiridos e necessários no
âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das
instituições de formação nem dos currículos. Estes saberes não se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes
práticos [...] e formam um conjunto de representações a partir das
quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua
profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões (p.
48-49).

Estes saberes, por sua vez, auxiliam naquilo que chamamos aqui de
práxis, fazendo com que esta seja vista como uma ação política, isto é, de
transformação da realidade. É do professor de filosofia a tarefa de buscar
reestruturar seu saber e seu ensino.
Uma vez que o questionamento ocupa um lugar de destaque na práxis
do ensino de Filosofia, duas questões se tornam de fundamental importância.
A pergunta primordial é a de saber o que é filosofia (FAVORETTO, 2008),
uma vez que é a partir desta que serão os autores, os referenciais teóricos,
tornando-se, pois, uma postura filosófica (DANELON, 2010).
Por outro lado, a questão de saber se o professor de filosofia é também
filósofo parece ser colocada aquele que deseja tornar o ensino de filosofia
uma prática sua. Assim como afirmam alguns especialistas neste ensino,
concordamos que sim, o professor de filosofia deve ser também filósofo, não

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sendo possível pensá-lo como outra coisa (CERLETTI, 2008). Ora, como
poderia levar seus alunos a filosofar se ele mesmo não o faz?
A partir destas duas questões postas anteriormente, podemos pensar
no professor de filosofia como alguém que ilumina os sentidos da prática
filosófica e que, ademais, deve repensar constantemente sua prática, de
forma permanente.
Portanto, é repensando sua prática, ou seja, filosofando sobre ela, que
o professor de filosofia, como filósofo, pode assumir uma postura filosófica de
melhoramento de seu agir docente, respondendo para si mesmo a questão do
que é filosofia e escolhendo os melhores caminhos para se traçar o ensino de
Filosofia. É nisso que consiste o que aqui chamamos de práxis, a qual possui
o próprio filosofar como fundamento.
4. Um problema filosófico chamado ensino de filosofia no Ensino Médio
Entretanto, levando em consideração os tópicos anteriores, tais como,
a importância do conhecimento filosófico na formação e transformação do
indivíduo e sua práxis no contexto do ensino da filosofia no ensino médio,
buscaremos problematizar a realidade da filosofia e do seu ensino em meio
aos tempos atuais, seus desafios e suas perspectivas.
Falar da importância do conhecimento filosófico na formação do aluno
de ensino médio e enquanto um instrumento para o professor de filosofia, em
nossa opinião, é lutar pela autonomia de pensamento, é lutar por uma
mudança cultural de vida e, principalmente, lutar contra paradigmas que
escravizam crianças, adolescentes e jovens.
Aos poucos, ao longo de nossa infância, adolescência, juventude,
vamos adquirindo entendimentos das coisas que compõem o
mundo que nos cerca, das relações com as pessoas, das normas
morais e sociais que regem as relações entre os seres humanos.
Nós, por isso, nos acostumamos a esses entendimentos, a partir do
momento em que fomos adquirindo-os espontaneamente
(LUCKESI; PASSOS, 2004).

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Diante disso, é preciso que o professor se utilize do conhecimento
filosófico e impulsione os alunos para o debate, os embates da vida e para as
confrontações de ideias.
Segundo o professor Dr. Walter Matias de Lima (LIMA, 2010), para
fugir da apatia que envolvem professores, alunos e a educação atual, é
preciso uma ruptura com o senso comum e com o dogmatismo, “[...]
propiciando a abertura para o debate, a crítica, a manifestação da contradição
no âmbito da relação entre o público e o privado, naquilo que é urgente para a
construção da cidadania em Alagoas” (p. 66).
Diante disso e pensando nessa ruptura, buscaremos fazer uma crítica
ao ensino da filosofia nos moldes atuais. Noutras palavras, o ensino da
filosofia vem abrindo mão de sua criticidade por um processo tecnicista e
conteudista, tendo em vista, provas, provinhas e provões que evidenciam
objetivos de preparar o aluno a reproduzir conhecimentos, sem as
características

primordiais

da

filosofia,

ou

seja,

sua

argumentação,

estranhamento, debate e olhar crítico do mundo. “O conhecimento é a
compreensão inteligível da realidade, que o sujeito humano adquire através
de sua confrontação com essa mesma realidade” (LUCKESI, 2011, p. 154).
Diante disso, o aluno de ensino médio precisa ter a sua experiência
particular com o conhecimento filosófico, buscando de forma crítica, sair do
senso comum e adentrar num novo posicionamento perante a realidade
social. É preciso que o aluno possa, ele mesmo, experienciar e não mais só
reproduzir.
A importância de um olhar crítico do contexto que nos cerca conduz o
indivíduo a busca pelo conhecimento, ao mesmo tempo em que esse mesmo
indivíduo adentra no processo de estranhamento e passa a problematiza o
meio em que vive e questionar a realidade que é imposta a ele.
5. Possibilidade de uma nova perspectiva para o ensino da filosofia com
vista nos sujeitos e nos seus contextos

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O ensino da filosofia no Brasil acontece na/pela concepção
Eurocentrista, ou seja, segue uma característica dogmática num contexto
grego, alemão, italiano, enfim, continuamos a fazer filosofia olhando para a
Europa (a chamada “filosofia ocidental”). Assim, mediante os estigmas de
uma filosofia fora do nosso contexto, filosófico, social e político, ficamos de
costas para o nosso continente e para nossas “outras” filosofias, tais como, a
filosofia africana, oriental e, principalmente, a filosofia latino-americana.
É necessário desenvolver uma filosofia que busque problematizar o
contexto real de seu povo, de suas precariedades e de suas lutas. Como foi
definida anteriormente, a filosofia foi fundamental na evolução, construção e
transformação do homem durante a história, levando em contas, a realidade
dos indivíduos.
O filósofo nigeriano K.C. Anyanwu, no portal Global Voices (2014),
busca definir a filosofia africana como “aquela que se interessa na maneira
que o povo africano, do passado e do presente, entende o seu destino e o
mundo no qual vive”. É preciso saber quem fala e de quem se fala.
Um problema real e instigante é perceber que mesmo fazendo
fronteiras com os países da América do Sul e Central, não conhecemos
quase nada ou, absolutamente, nada dos pensamentos filosóficos que
envolvem o contexto latino-americano. Para o professor de filosofia latinoamericana, Antônio Vidal Nunes, no Portal Ciência&Vida (2016), “Não há
como fazer Filosofia sem recorrer à tradição, mas isso não justifica o
esquecimento daquilo que é nosso, da realidade que nos envolve”.
É necessário superar uma ideia Europeia de fazer filosofia. A filosofia
precisa estar englobada no contexto histórico de um povo, de uma região e de
seus contextos precarizados. Esse contexto pode envolver indivíduos que
precisam vivenciar um processo de emancipação de realidades segregadoras
e alienantes. Noutras palavras, o ponto chave das problematizações
filosóficas podem ser instigadas nos/pelos próprios indivíduos da realidade do

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lugar em que estão inseridos. “O conhecimento direto da realidade decorre do
esforço que o sujeito do conhecimento faz para obter um entendimento
adequado da mesma” (LUCKESI, 2011, p. 158).
O conhecimento do contexto em que o indivíduo está inserido
produzido de maneira crítica faz com que esse indivíduo possa perceber e
conceber uma nova realidade a partir daquilo que foi imposto previamente.
Assim como afirma Lima (2010):
Pensar é criar, não unicamente refletir. É colocar a questão do
sentido (da produção do sentido e o sentido da produção), não da
verdade. É exercer o pensamento como atividade inventiva na
ordem dos problemas, das regras e dos conceitos: o pensamento
como criação. Essa é uma das possibilidades do ensino da filosofia:
experimentar novas relações entre os seres, construir novas
composições; o pensamento como plano de composição onde as
relações e os acontecimentos se constroem e se desconstroem (p.
70).

Diante destes tempos modernos em que estamos inseridos, uma
filosofia que busque problematizar os nossos contextos, a recuperação de
nossos valores éticos, a compreensão acerca de uma autonomia crítica em
relação à sociedade, tornam-se questões urgentes.
Considerações finais
Acreditamos que, quanto mais cedo os alunos da educação básica
tiverem contato com o conhecimento filosófico, mais cedo adquirirão valores,
criticidade e autonomia de pensamento, para um melhor desvelamento da
vida, do contexto social e político em que estão inseridos.
Tanto os professores como os alunos precisam experienciar as vidas
precarizadas em que vivem e estão imersos, principalmente, o professor,
pois, um professor de filosofia que é pobre em experiências sociais,
empobrece o conhecimento filosófico que pode buscar lidar com esses
sujeitos sociais e seus contextos. Poder adentrar na realidade do outro

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(Aluno, professor, escola, bairro, sociedade...) é poder vivenciar a experiência
biográfica do “outro”, que é indispensável para a emancipação do meu “eu”.
É preciso perceber a importância desse conhecimento na escola, tendo
em vista sua volta aos currículos. Se foi possível essa volta, é porque
pensadores da educação perceberam que a filosofia pode quebrar as
correntes que envolvem jovens acorrentados em meio ao senso comum das,
‘normas existenciais’ da vida; da ideia de que “é assim que tem que ser” ou
que “foi Deus que quis assim”.
É imprescindível fugir do circulo vicioso de uma filosofia conteudista e
tecnicista que tem como objetivo apenas reproduzir e reproduzir. É preciso
que a filosofia gaste menos tempos com as ideias e conteúdos dos filósofos e
passe a demorar-se, entrelaçar-se nas necessidades e precariedades do
outro que, muitas vezes, é a mesma que a minha
Pensamos que em meio às crises de identidade que envolve a filosofia,
o seu ensino e a formação de professores de filosofia, “É necessário e
urgente repensar a formação inicial de professores (as) em curso de
licenciatura neste país” (MATOS, 2013, p. 40).
Abrir a discussão do conhecimento para nosso contexto político, social,
econômico, étnico racial, epistemológico e identitário, enfim, para nosso
contexto brasileiro é de suma importância para o contínuo desenvolvimento
de nossa sociedade.
Noutras palavras, é necessário perceber que a filosofia pode ser um
meio para buscar/adquirir o conhecimento dando continuidade a formação e
transformação do ser humano através da história. Noutras palavras, o
conhecimento filosófico não pode ficar preso ao filósofo, a uma concepção, à
época, a uma visão de um determinado tempo, ou a uma ideologia do
professor.
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p. 113
ISSN 1981-3031
Vol. 01

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: desafios pedagógicos
Manoel Santos da Silva
manoelsos@gmail.com
Arlete Rodrigues dos Santos S. Rosa
arspsi10@hotmail.com
RESUMO: A centralidade da educação de jovens e adultos (EJA) nos remete
a uma concepção especifica de ensino e aprendizagem. Com o objetivo de
compreender as concepções sobre a EJA entre os professores dessa
modalidade observamos aulas e entrevistamos uma professora que atua
nessa área. A pesquisa de natureza qualitativa, expressa nossa preocupação
com a realidade que não pode ser quantificada, trabalhando com o subjetivo
dos sujeitos, ou seja, com atitudes, valores, crenças, e etc. buscando a
elucidá-las (COSTA e FREITAS, 2004). Com base no material coletado,
iniciamos o processo de análise, a luz de fontes bibliográficas relacionadas à
EJA: Freire (1997), Costa e Freitas, (2004), Moura (2004), e buscando refletir
a partir dados obtidos, sobre o perfil desse profissional e suas concepções
sobre a EJA, sobre os alunos e contexto socioeducativo podemos verificar
que as marcas da desigualdade na sociedade e na educação brasileiras
encarregam-se de tornar o movimento de centralidade da educação de jovens
e adultos uma tarefa árdua, de concretização difícil e, às vezes, com custos
significativos para sujeitos coletivos e individuais, do estabelecimento de um
espaço, um tempo e um método específico que mantenham conexões com
uma situação em que os sujeitos possam se orientar pela plena e livre
manifestação de seus pensamentos e de suas ações e determinar suas reais
necessidades, definindo também prioridades.
PALAVRAS-CHAVE: Educação de jovens e adultos – Concepções Formação de professores.
1 INTRODUÇÃO

A educação de jovens e adultos se constitui a partir da relação
pedagógica de alteridade estabelecida entre os membros da classe
trabalhadora. Seus objetivos educacionais orientam-se pela árdua e custosa
tarefa de potencializar o aprendizado nas lutas dos sujeitos coletivos e
individuais, envolvendo os interesses das classes trabalhadoras na afirmação

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Vol. 01

da identidade, na negociação das diferenças e no compartilhamento da
transformação. Para isso, é preciso compreender a alteridade frente às
relações assimétricas existentes na sociedade brasileira que atravessam a
educação de jovens e adultos.
Algumas características da educação de jovens e adultos oferecem
uma indicação de como uma pedagogia da alteridade pode ser plausível,
sobretudo no contexto da sua gestão. A primeira característica remete para a
referência social que marca a educação de jovens e adultos, nas quais
predominam grupos que vivem, simultaneamente, em situação de exploração
econômico-social e de discriminação cultural e valorativa, isto é, grupos que,
em seu cotidiano, enfrentam diversas formas de injustiça, relacionadas à
estrutura da sociedade (RODRIGUES, 2010).
A presença dessas coletividades torna a educação de jovens e adultos
um lugar de convivência de diferentes versões do dilema da desigual
distribuição dos benefícios e custos sociais e da dominação, do não
reconhecimento e do desrespeito cultural. Essa característica da educação de
jovens e adultos aponta para a necessidade de construção de coalizões em
torno do conhecimento e da luta pela humanização em suas diferentes formas
de manifestação.
A segunda característica diz respeito à especificidade formativa da
educação de jovens e adultos. As diferentes formas de compreender e de agir
que

as

coletividades

elaboram

acerca

do

dilema

da

redistribuição

socioeconômica e do reconhecimento cultural inclinam a educação de jovens
e adultos a desempenhar um trabalho pedagógico pautado em ações e
expressões de reciprocidade entre os diferentes grupos. Isso implica a
construção de diálogos e de práticas que visam não apenas constituir
identidades, mas, principalmente, viabilizar uma postura em que as diversas
coletividades estejam abertas a compreender aquelas que são características
próprias do Outro (RODRIGUES, 2010).

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Vol. 01

Essa compreensão não significa que os sujeitos estão mais
predispostos a abrir mão da construção de suas identidades e da
irredutibilidade de suas diferenças, mas, abertas a empreender relações
mútuas que permitem reconhecimento cultural, e um movimento em que
experiências subjetivas que expressem reivindicações socioeconômicas e de
reconhecimento cultural possam ser compreendidas de modo orgânico e
frente a uma totalidade social que marca a gestão educacional em sua luta
pela reapropriação do conhecimento.
A terceira característica aponta para a dimensão política da educação
de

jovens

e

adultos.

As

soluções

estruturais

para

os

problemas

socioeducativos não se limitam às fronteiras estabelecidas pelos muros
escolares. Significa dizer que as experiências pedagógicas tornam-se
inovadoras

quando

conseguem

dirigir-se

aos

membros

da

classe

trabalhadora, fortalecendo sua prática social na direção da superação dos
valores dominantes.
Essa perspectiva torna a educação de jovens e adultos um lugar da
valorização

de

consensos

em

torno

dos

dilemas

de

redistribuição

socioeconômica e de reconhecimento cultural que respaldem a necessidade
da transformação social nos levam ao desafio de reconhecer os sujeitos
coletivos e individuais no contexto de seus processos formadores e
transformadores que se realizam no movimento da sociedade.
A partir da pergunta problematizadora proposta na disciplina EJA II, no
curso de pedagogia UFAL: Quais as concepções teóricas metodológicas a
professora da sala de aula observada utiliza em sua prática pedagógica?
Partimos para uma Escola localizada no bairro do Jacintinho, na cidade de
Maceió e no Estado de Alagoas. Este estabelecimento Municipal oferece a
Educação de jovens e adultos no turno noturno. Todas as professoras da EJA
que ensinam nessa escola trabalham durante outros turnos em outras escolas
com série e faixa etária diferente da EJA, ou seja, educação infantil e ensino
fundamental I e II.

p. 116
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Iniciamos nossa exploração observando o estado de conservação da
escola. Esta se encontrava bem organizada e limpa. A construção é pequena.
Tem oito salas de aula, apenas. Todas possuíam ventiladores, armários,
lousa branca, havia ainda os ambientes: refeitório, secretaria, salas dos
professores, biblioteca, e sala de informática.
Fomos bem recebidas pela direção e pela coordenação, esta ultima
nos apresentou a professora do segmento um, a professora Gemma4, que
prontamente nos aceitou em sua aula, o que tornou possível a realização da
pesquisa.

2 DESENVOLVIMENTO

Articular

as

questões

acerca

dos

dilemas

das

injustiças

socioeconômicas e de não reconhecimento cultural elaboradas pelas
diferentes coletividades presentes na educação de jovens e adultos, quando
retornam aos estudos, exige uma ação pedagógica que privilegie o diálogo,
que possa permitir uma reapropriação do conhecimento na construção de
perspectivas comuns. O trabalho pedagógico que emerge daí traduz-se como
a dimensão humana impulsionadora do pluralismo existente na educação de
jovens e adultos.
A EJA nasce da educação popular e exige de nós uma politização e
conscientização voltada para todos. Ao abordar a relação educando
educador, sobretudo na educação de adultos, Paulo Freire (1997) mostrou
que há uma íntima relação entre docência e discencia, sinalizando a
especificidade do educar como prática inerente ao ser humano e
profundamente formador e que, consequentemente, não pode esgotar-se na
pura transmissão de conhecimento. Ou seja, ninguém é dono do saber, e que
ser professor de EJA requer especificidades (MOURA, 2004).
4

Nome fictício.

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Durante muitas décadas a educação de Jovens e Adultos não foi
tratada como prioridade. O modo de produção capitalista, especialmente na
sua vertente ideológica do neoliberalismo, dissemina o discurso fatalista da
impossibilidade; leva a educação à dimensão exclusiva da técnica, tornando-a
seu produto e eliminando o caráter eminentemente formador e transformador
da prática educativa. Segundo Paulo Freire (1997) “embora diferentes entre
si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e
forma ao ser formado” (FREIRE, 1997, p. 23). Freire traz educador e
educando, docente e discente, não como figuras antagônicas num jogo
relacional de oposição, mas como sujeitos inacabados que, no encontro
dialético de suas existências, ensinam um ao outro, se fazem, se refazem, se
constroem e se reconstroem.
Contudo, para que o processo educativo na perspectiva de Freire se
concretize, o educando necessita de espaço aberto para desenvolver ou
experimentar a curiosidade, que o ajudará no caminho que irá percorrer da
ingenuidade à criticidade. E o educador tem papel fundamental neste
processo, já que cabe a ele manter este espaço aberto, entendendo que
educar não é transferir conhecimento e que ambos, educador e educando,
complementam-se. E infelizmente não foi isso que observamos nos dias que
estivemos na escola. Ela demonstrou em sua prática e na entrevista que suas
concepções a aprendizagem do adulto e da criança são idênticas, como
podemos perceber:
A fase da escrita é igual, mas, a maior diferença está na bobagem
cultural, de conhecimento e de vida que eles trazem.
São
às
vezes como criança resistente, queixosa, teimosa e desmotivada.
Meu maior desafio é fazer com que todos leiam. Despertar neles o
gosto pela leitura. Quando eles já estão no mundo letrado fica mais
fácil. Uma doméstica que tem acesso aos jornais, à revista aprende
a ler mais depressa. Ela percebe o mundo diferente. (GEMMA)

Acreditamos que o conhecimento não deveria ser alheio e imposto,
mas sim criado e internalizado. Daí emana o que Freire (1997) entende por
aprender como uma aventura criadora. Aprender para o autor construir,

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reconstruir, constatar para mudar, ou seja, o conhecimento deve exercer uma
função na realidade concreta. O verdadeiro saber está relacionado à
experiência cotidiana e à capacidade de interferir sobre ela, transformando-a
(MOURA, 2004).
As atividades propostas são infantilizadas, e descontextualizadas, e o
livro didático apesar de ser utilizado, mas sem criticidade de seus conteúdos.
Também não são explorados na sala de aula, a curiosidade e a oralidade.
Como podemos perceber no trecho retirado do diário de bordo:
Durante a aula a professora falou sobre a necessidade da leitura,
através dos bilhetes, do letreiro dos ônibus, porém apenas citou que era
importante, mas não deu ênfase ao assunto, o que o tornou muito superficial.
Em seguida ao término da atividade, a professora entregou uma folha
xerocada com uma atividade de português para completar a cruzadinha.
Achamos essa atividade infantilizada e sem ao menos uma problematização,
dificultando que os alunos deem um salto qualitativo na construção do
conhecimento. Ao iniciar a atividade da cruzadinha a professora falou: “todas
as vezes que vamos escrever temos que falar a palavra, e quando escutarem
é que vamos escrever. Vocês também podem ler através de desenhos. Quais
são os elementos que compões essa figura?” (GEMMA)
Para Freire (1997), a curiosidade é uma das características ontológicas
cujo constante exercício é fundamental no processo de ensino-aprendizagem.
Para o autor, a curiosidade é a mola da efetiva aprendizagem. É a curiosidade
que move os seres humanos em favor de entender a realidade que os cerca.
No momento em que a curiosidade, inerente aos seres humanos, ao deixar a
ingenuidade, torna-se epistemológica, alcança também a criticidade. E esta
curiosidade crítica, que leva os seres humanos a problematizarem a realidade
concreta que os cerca, é que possibilita a mudança. A prática educativoprogressista, em uníssono com esta concepção, deve instigar – ao contrário
de tolher – nos alunos a curiosidade, a fim de torná-la “crítica, insatisfeita,
indócil” (FREIRE, 1997, p. 32).

p. 119
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Vale ressaltar que para Freire o currículo não é um espaço de
neutralidade. Os saberes veiculados na escola não são imparciais. Pretendem
hegemonizar determinadas concepções de mundo, sociedade, homem e
conhecimento. A partir disso, entende-se que, obrigatoriamente, a escola e
seus alunos estão inseridos em uma comunidade, cidade e país que operam
de maneira não neutra e que isto traz consequências. Ajudar o educando a
perceber esta realidade é ajudá-lo a construir, a partir da reorganização de
sua experiência concreta, possibilidades de transformação.
Uma fala da professora nos chamou muito a atenção, justamente
quando ela responde sobre quem são os alunos de EJA:
São domésticas, pedreiros, donas de casa, enfim homens e
mulheres de mão grossa, de muito trabalho com pouco
reconhecimento. Mas não são gente amarga não. Apesar de todo
sofrimento em vidas, são alegres, e divertidos. A gente até se refaz
perto deles. A história de vida deles é belíssima. (GEMMA)

No entanto, a professora tem aproveitado pouca essa riqueza, isto é,
não interliga os saberes dos educandos e os saberes curriculares. Freire
(1997) explica que é na recorrência ao saber prévio do aluno, no diálogo entre
suas experiências sociais e o que é proposto no currículo, cria-se a
possibilidade para que ele desenvolva a curiosidade epistemológica – já que o
conteúdo proposto tem significado, é familiar – e problematize a realidade em
que está inserido. Surge aí a oportunidade de, por meio da problematização
gerada pela curiosidade epistemológica, levar ao pensamento crítico e à ação
transformadora. A professora percebe que é difícil manter os alunos
motivados para aprender:
EJA é uma educação atípica cheia de altos e baixos. Às vezes é
frustrante quando não consigo atingi-los fazer com que eles
aprendam, mantê-los interessados, ativos e sem evasão. Quando
eles conseguem terminar o ano é uma vitória.

Por isso, para Freire (1997), não há docência sem discência e ensinar
não é transferir conhecimento. Se o homem é sujeito da história, ao contrário
de objeto, o educador deve perceber que a prática educativa capaz de

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contribuir para a formação de sujeitos críticos e autônomos rejeita a ideia de
educando como depósito de conhecimento. O sujeito crítico observa, julga e
intervém sobre aquilo que lhe é proposto. É necessário compreender os
rumos da formação continuada no Brasil, visto que são poucas universidades
ou programas de pós-graduações que discutem a temática, pois, segundo
Soares (2008, p. 65):
Até o ano de 2006, antes da homologação das Novas Diretrizes
Curriculares, havia no Brasil, segundo dados do INEP, 27 cursos de
pedagogia com habilitação em educação de jovens e adultos, de um
universo de 1.698 cursos existentes, distribuídos em três das cinco
regiões geográficas do País.

De acordo com Moura (2004, p.156), apud Vygotsky (2000), é através
da escola, como instituição universalmente responsável pela transmissão e
socialização do saber sistematizado, que o processo de aprendizado
acontece, assim, o aprendizado “engendra o desenvolvimento potencial, ou
seja, que faz nascer, estimula e ativa um grupo de processos internos de
desenvolvimento

no

âmbito

das

inter-relações

com

os

outros,

em

desenvolvimento e se convertem em aquisições internas.” A professora
parece perceber isso nos seus alunos: “Às vezes resistentes, queixosos,
teimosos e desmotivados. E quem não é assim depois de um dia difícil no
trabalho, e depois de passar por dificuldades na vida, não é mesmo? Meu
maior desafio é fazer com que todos leiam” (GEMMA).
Mas, a professora, parece não se sentir confortável como professora
dessa modalidade, e isto de alguma forma, pode trazer para o aluno uma
ideia de que seu curso não tem prestigio como os demais, inferimos isso a
partir da fala da professora:
Ser professor da EJA é uma arte. Falta formação específica. É
preciso um olhar mais carinhoso do governo para essa modalidade.
O professor é marginalizado pelo sistema. A educação infantil, o
ensino fundamental 1 e o ensino médio tem muito apoio, em forma
de cursos. Falta um olhar mais carinhoso para a EJA. Infelizmente,
o professor aceita resignado precárias condições de trabalho. Não
se valoriza. (GEMMA).

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Segundo Moura (2004), a função que o professor desempenha no
contexto escolar é de extrema relevância já que ele é o elementar mediador e
possibilitador das interações entre os alunos e entre estes e o objeto de
conhecimento. O professor pode entre coisas, desafiar o nível em que o
sujeito está, sem desrespeitar seus conhecimentos e experiências anteriores,
levar o aluno a o olhar para o futuro, para as capacidades que se
desenvolverá possibilitando a socialização das experiências culturais e
conhecimentos que possui. Para Bourdieu (1999, p. 41) o sistema escolar “é
um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência
de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o
dom social tratado como dom natural”. Pode tornar a classe, um espaço
privilegiado para desencadear o processo de aprendizagem, de elevação na
busca do conhecimento. Alcançando para o aluno a esperança de
transformação de si e do seu entorno.
Para

isso,

é

necessária

uma

preparação

teórico-metodológica

antecipada para a compreensão das especificidades da EJA e o professor
possa comungar necessidades e possibilidades dos seus alunos em sala de
aula, que é a partir do processo de trabalho, em um “processo de
aprendizagem, por meio do qual os professores retraduzem sua formação e a
adaptam à profissão” (TARDIF, 2002, p. 53), dessa maneira, o professor em
formação possa ir construindo uma identidade de educador de EJA.
Ao falar em transformação, o autor evidencia que a prática educativoprogressista tem, em sua essência, a esperança, que está diretamente
relacionada à dimensão histórica do ser humano. É porque inacabados que
os seres humanos necessitam da esperança para se mover, interagir,
interligar, mudar e transformar. E, na perspectiva de Freire, o educador
progressista pretende cultivar em seus alunos o entendimento de que, como
seres inconclusos, podem transpor os condicionantes que os limitam, mas
não os determinam. Como seres históricos e sociais, os homens são
esperançosos. A esperança é a essência da humanidade.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Moura (2004), alfabetização é apropriação de um
sistema de representação da realidade é um processo de construção onde o
sujeito é ativo e reflexivo. Acreditamos, igualmente, que é na escola que vai
se dando a sistematização e consolidação da linguagem enquanto
instrumento

de

comunicação

e

de

memória,

importantes

para

o

desenvolvimento social e psicológico do sujeito. As inovações pedagógicas
advindas da metodologia utilizada por Paulo Freire, contudo, ainda não é
amplamente utilizada por muitos professores. Prevalece, a forma tradicional
de alfabetização, considerada de fácil aplicação e aceitação, mas que é
também descontextualizada, mecânica. Segundo essa concepção o educador
vê o educando como um ser que é incapaz de aprender algo mais complexo,
como um ser despolitizado. Verifica-se assim a hegemonia da concepção
instrumental de alfabetização, advinda da necessidade de mão de obra
qualificada como uma consequência da diversificação do modelo econômico e
da expansão favoreceu uma até certo ponto alienada, prejudicando a
reflexão, conscientização e consequentemente a transformação do ambiente
em que o sujeito vive.
A atividade proposta na disciplina EJA II, nos ajudou compreender, e a
melhor conhece a educação de jovens e adultos, também nos fez pensar, o
quanto ela é importante, na medida que pode transformar a vida de muitas
pessoas que deixaram de ser acolhidas pela escola e do acesso ao direito a
educação; essas pessoas

ainda hoje lutam por oportunidades de estudar,

aprender e de participar do mundo letrado. Elas não perdem a esperança e
nós também não. Sabemos que isso só será possível que existirem propostas
que efetivem aspectos teóricos metodológicas para a alfabetização
específicas de adultos, que tenha por definição e referencial o contexto

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desses sujeitos, visando sua autonomia, politização e comprometimento
social.
Vale ressaltar que a especificidade formativa da educação de jovens e
adultos aponta para propostas político - pedagógicas mais complexas e
sofisticadas do que a gestão dos sistemas de ensino e das unidades
escolares tem proporcionado com todo o seu arsenal de escassez de
recursos, de empobrecimento na reapropriação do conhecimento e da cultura
e de negação dos direitos.
Articular

as

questões

acerca

dos

dilemas

das

injustiças

socioeconômicas e de não reconhecimento culturais elaboradas pelas
diferentes coletividades presentes na educação de jovens e adultos, quando
retornam aos estudos através de uma ação pedagógica que privilegie o
diálogo, pode permitir uma reapropriação do conhecimento na construção de
perspectivas comuns.
Em termos das condições do trabalho escolar, a precarização, o
improviso e o abandono persistem porque as políticas públicas continuam
tangenciando

os

problemas

da

aprendizagem

e,

consequentemente,

buscando soluções tópicas para a educação de jovens e adultos. Os sistemas
de ensino, bem como as unidades escolares, continuam tratando a educação
de jovens e adultos mais como um requisito formal da realidade educacional
do que como direcionada para a potencialização das características social,
formativa e política dos sujeitos que frequentam tal modalidade.
Recuperar a referência social da educação de jovens e adultos aponta,
também, para o problema de sua especificidade formativa. Os processos
formativos na educação de jovens e adultos têm se revelado como um
transplante da concepção, da estrutura e do funcionamento do ensino regular.
Ainda estão pouco consolidados na gestão educacional processos
formativos em que a construção de diálogos e de práticas potencialize as
experiências de jovens e adultos de modo a se estabelecer uma relação

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Vol. 01

educacional em favor daqueles que tiveram seus direitos historicamente
negados pela estrutura desigual que persiste na sociedade brasileira.

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p. 125
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Vol. 01

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E SUA
RELEVÂNCIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL
À EDUCAÇÃO
Alan Feijó Fernandes
alanfeijofernandes@gmail.com
Viviane Caline de Souza Pinheiro
vilibroy@gmail.com
RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo o professor alfabetizador,
inserido dentro de um contexto onde conseguimos traçar a sua especificidade
diante do direito fundamental à educação, nos baseando em uma perspectiva
que traça fatores que vão além do necessário para a efetividade do direito à
educação. Portanto, a metodologia desenvolvida neste artigo remete em uma
pesquisa bibliográfica, onde temos o objetivo de tratar acerca da formação do
professor alfabetizador e como sua formação inicial (desde a educação
básica) até a formação continuada se articula com o direito fundamental à
educação, tendo em vista que os percalços de uma profissão não se
resumem quando o indivíduo dá início a sua formação superior. De modo que
nossa fundamentação teórica se baseie, inicialmente, pelo documento legal
da Constituição Federal de 1988; Freire (1996); Rios (2011); Cavalcanti
(2005); Cunha Júnior (2013); o PPC de Pedagogia da UFAL (2006). Por isso,
pesquisar sobre a formação do professor alfabetizador nos faz entender que a
educação básica ainda se faz presente no trabalho pedagógico, tendo em
vista que as potencialidades e fragilidades de determinadas temáticas ainda
permanecem, de modo que a formação continuada quando discutida e
construída em conjunto venha suprir tais carências, fazendo com que o direito
à educação se mantenha sempre além do mínimo, com o intuito de promover
formações para os professores e aprendizagens para os alunos que visem a
sua realidade.
PALAVRAS-CHAVE:
Alfabetizador.

Direito

à

Educação

-

Formação

-

Professor

1 INTRODUÇÃO
O educador alfabetizador possui papel fundamental na formação dos
estudantes, tendo em vista que ele os apresenta aos conceitos da leitura e da
escrita de modo sistemático, através da alfabetização. Contudo, é importante
salientar, assim como afirma Freire (1996, p. 25): “Não há docência sem

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discência”. Essa construção da aprendizagem feita pelos alunos parte de
seus conhecimentos prévios de leitura e escrita, baseados em como a
sociedade na qual ele vive lhe apresenta tais termos, podendo denominar
esses conhecimentos prévios como os usos sociais da leitura e da escrita,
traduzido pelo termo letramento.
Através destes termos: alfabetização e letramento, o professor inicia o
seu trabalho pedagógico, mediando as experiências já vividas pelos alunos
com o que eles passam a aprender na escola. Por isso, é necessário enfatizar
acerca de como esse indivíduo (o professor), se forma e continua se
formando, tendo como base sua formação inicial e continuada.
Com isso, temos como objeto de estudo o professor alfabetizador,
inserido dentro de um contexto onde conseguimos traçar a sua especificidade
diante do direito fundamental à educação, nos baseando em uma perspectiva
que traça fatores que vão além do necessário para a efetividade do direito à
educação.
Portanto, a metodologia desenvolvida neste artigo remete em uma
pesquisa bibliográfica, onde temos o objetivo de tratar acerca da formação do
professor alfabetizador e como sua formação inicial (desde a educação
básica) até a formação continuada se articula com o direito fundamental à
educação, tendo em vista que os percalços de uma profissão não se
resumem quando o indivíduo dá início a sua formação superior. De modo que
nossa fundamentação teórica se baseie, inicialmente, pelo documento legal
da Constituição Federal de 1988; Freire (1996); Rios (2011); Cavalcanti
(2005); Cunha Júnior (2013); o PPC de Pedagogia da UFAL (2006).
O artigo, diante de tais fatos, se organiza em três sessões, sendo a
primeira separada para explicitar acerca do direito fundamental à educação
com o intuito de trazer uma abordagem inicial diante do que está sendo
discutido, para que em seguida possamos tratar nas duas últimas sessões
respectivamente, sobre a formação inicial e a continuada do professor
alfabetizador, tendo essa última como subsessão o professor mediador, onde

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busca trazer a relação do que o aluno vê no seu cotidiano com o que está
aprendendo na sala de aula.
2 O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
Sem entrar na complexa discussão acerca da definição da expressão
“Direitos Fundamentais”, consideraremos o posicionamento de Cunha Júnior
(2013), que entende tais direitos como:
[...] reivindicações indeclináveis que correspondem a valores
fundamentais consensualmente reconhecidos no âmbito de
determinada sociedade, ou mesmo no plano universal. Tais valores
condizem com a liberdade, igualdade e solidariedade, tendo por
base o princípio da suprema dignidade da pessoa humana (2013, p.
550).

Partindo

desse

pressuposto,

entendemos

que

os

Direitos

Fundamentais são aqueles indispensáveis à garantia da Dignidade Humana.
Encontram-se elencados no Título II da Constituição Federal de 1988, entre
os artigos 5º e 17, dentre os quais se destaca, para os fins da presente
discussão, o artigo 6º, que menciona expressamente o Direito à Educação5.
Dada a importância desses direitos, dispõe o § 1º do art. 5º que “as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”, ou seja, não dependem de lei específica além do texto
constitucional para que tal haja a sua concretização.
Ademais, entre os artigos 205 e 214, a Constituição traz detalhes sobre
como se dará o Direito à Educação, de modo que a inobservância desta
garantia acarretará a responsabilização do ente que a violar6.
Ocorre que, a presente discussão, com a menção aos dispositivos
constitucionais, encontra-se situada no plano abstrato, necessário, porém, à
5

CF/88, art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
6
CF/88, art. 208: [...] § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular,
importa responsabilidade da autoridade competente [...].

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sua efetivação. Assim, inicia-se no campo teórico, que deve servir como norte
para que seja possível a sua concretização.
Nesta senda, temos que o direito fundamental à educação parte de um
mínimo que indica, ao menos, o suficiente para que a criança seja inserida no
ambiente escolar. Isso é o que vincula, a princípio, não só o Estado, mas
também a família (art. 205, CF/88).
Esse “mínimo”, traduzido pelos estudiosos na expressão “mínimo
existencial”, remete, no entendimento de Marmelstein (2016, p. 325), à
obrigatoriedade do Estado em prover condições mínimas para que se
concretize determinado direito. Verifica-se, então, que determinar o que seria
o mínimo existencial depende de diversos fatores (questões históricas,
sociais, políticas, econômicas, etc.).
Destarte, considerando o mínimo existencial como ponto de partida na
efetivação do direito à educação, acreditamos que o Estado não se vincula
apenas ao fornecimento deste mínimo, devendo ir além, visando garantir tal
direito, caso contrário, restará violado o Direito Fundamental à Educação.
Contudo, se o “mínimo existencial” é uma expressão de conceito
aberto, mais difícil ainda seria a determinação de algo além. Porém, apesar
de tal dificuldade, torna-se palpável compreender um “mínimo” e um “além do
mínimo” quando se parte para exemplos práticos.
Dessa forma, o mínimo seria a construção da escola, com a
contratação de professores e demais funcionários, o fornecimento de
alimentação, material didático e meios para que o aluno ingresse e se
mantenha na escola. O “além”, por sua vez, pode ser traduzido como:
maneiras de acompanhar o desenvolvimento do aluno; saber se o conteúdo
transmitido está sendo realmente aprendido e se possui uma significação real
para o aluno; ampliar o alcance da escola na vida do aluno (atividades
extracurriculares); entre outros.
Noutro

norte,

importante

acrescentar

à

discussão

breves

considerações acerca do que se entende por “reserva do possível”, expressão

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consagrada a partir da decisão histórica do Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha no caso em que estudantes pleitearam a efetivação de seu direito à
educação, visando obrigar o Estado a fornecer mais vagas em cursos de
medicina. A decisão foi prolatada no sentido de que, apesar de reconhecer o
direito à educação dos estudantes, este só é exigível dentro de parâmetros de
razoabilidade, considerando a capacidade econômica do Estado.
Assim, Marmelstein (2016, p. 330), conceitua a reserva do possível
como “aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da coletividade”.
Ocorre que, em se tratando de direitos fundamentais, a sua importância é
tanta que não pode o Estado invocar a reserva do possível para se eximir de
sua responsabilidade de promover tais direitos, sob pena de cair em
contradição sobre a sua própria existência.
Nesse sentido, Cunha Júnior (2013):
Anote-se, ademais, que o Estado é, indiscutivelmente, uma
estrutura ordenada com vistas a servir a coletividade e prover a
pessoa humana das condições materiais mínimas de existência. A
Constituição brasileira de 1988, nesse particular, é nitidamente
confessa quando alçou o homem à condição de fim, e o Estado de
meio necessário a garantir a felicidade humana e o bem-estar de
todos. Por isso mesmo que, no art. 3º de seu texto, ela fixou como
objetivo fundamental do Estado, entre outros, construir uma
sociedade justa, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem
de todos, elegendo os direitos fundamentais – a partir da
perspectiva de que a dignidade da pessoa humana é fundamento
nuclear da organização estatal – como o centro do sistema político e
jurídico e o alvo prioritário dos gastos públicos e previsões
orçamentárias. Nesse contexto, a reserva do possível só se justifica
na medida em que o Estado garanta a existência digna de todos.
Fora desse quadro, tem-se a desconstrução do Estado
Constitucional de Direito, com a total frustração das legítimas
expectativas da sociedade (2013, p. 751).

Diante do que foi exemplificado, percebemos o quão necessário é o
direito à educação, sendo possível analisar que a formação do professor
alfabetizador acaba sendo organizada por meio dessas características. Por
consequência, esse sujeito acaba levando experiências e vivências que
refletem em seu trabalho pedagógico, repercutindo em todo o ambiente
escolar.

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Sabe-se, sobretudo, que o direito fundamental à educação faz com que
este termo “além do mínimo” possa ser desenvolvido e dialogado tanto na
sala de aula, quanto, pensando de uma forma mais abrangente, em todo o
cenário da educação básica.
Se, porventura, não for articulada ao processo escolar uma educação
que tem por objetivo à construção de sujeitos críticos e participativos na
sociedade em que vivem, maiores serão as chances de que o direito à
educação permaneça tão somente na esfera abstrata.
Por isso, a importância de tratar acerca de como o professor
alfabetizador se forma, desde o momento em que é inserido como aluno da
educação básica, quando entra na universidade e após assumir sua
profissão, pois, são observados os desafios que envolvem a categoria.
3 FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
Para retratar acerca do que seria a formação inicial, expomos aqui dois
momentos: o primeiro quando este é inserido na educação básica (educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio) e o segundo quando passa a
cursar licenciatura em Pedagogia. Dois momentos distintos, mas que se
complementam para a formação do sujeito, de acordo com os princípios
éticos, morais e políticos, tendo em vista o que expõe Rios (2011, p. 210): “É
no processo educativo que nos vamos configurando como humanos”.
O professor quando inicia sua formação, assim como seu aluno, entra
na escola com conhecimentos prévios de alguns conteúdos e que se
reorganizam conforme suas internalizações. Contudo, não são aprendidos
somente os conteúdos. Dentro da escola esse educador também aprendeu
sobre as relações sociais, como elas são construídas e firmadas.
Na escola, desenvolvemos nosso caráter e esse é o principal ponto
para refletir na influência que o ambiente possui para a formação de quem

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seremos quando adultos, por isso, evidenciamos o papel da escola na
formação inicial do professor.
A educação é um processo de construção contínua da humanidade,
de socialização da cultura, de criação, recriação e partilha de
conhecimentos e valores. É um movimento longo e complexo, no
sentido de as pessoas nele envolvidas irem renascendo, a cada
momento, junto com os outros. Bernard Charlot nos diz que nascer
é penetrar na condição humana. Entrar em uma história, a história
singular de um sujeito inscrita na história maior da espécie humana.
Entrar em um mundo onde ocupa um lugar (inclusive, social) e onde
será necessário exercer uma atividade (RIOS, 2011, p. 211).

Dando continuidade à formação inicial, como última etapa deste
processo é observado o sujeito em sua formação superior, no curso de
licenciatura em Pedagogia, tendo em vista que este engloba os professores
da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental, definidos
pelo Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da UFAL (2006) como dois
dos campos de atuação de quem se forma nesta graduação.
Funções de magistério na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental; nas disciplinas pedagógicas dos cursos de
Ensino Médio na modalidade normal; na educação profissional na
área de serviços e apoio escolar, tendo como base a docência
(2006, p. 4).

Nessa formação o sujeito se torna educador, tendo em vista a
especificidade dos conteúdos que são trabalhados durante o curso, com o
foco na formação pedagógica do ser, permeando ainda, aspectos
relacionados às relações sociais, da vida em comunidade.
De acordo com o que foi explicitado acerca da formação inicial, pode
ser entendido que na educação básica o sujeito aprende sobre os conteúdos
específicos de cada disciplina, sendo permeadas tais aprendizagens no
convívio com outros indivíduos e quando este passa para a educação
superior aprende a relacionar os conteúdos vistos na etapa anterior com os
aspectos pedagógicos, de forma que possa desenvolver estratégias para
ensinar o que aprendeu para seus futuros alunos. Como defende Freire
(2006, p. 24-25): “É preciso, (...), que o formando, desde o princípio mesmo

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de sua experiência formadora, (...), se convença definitivamente de que
ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”.
Porém, o que pode ser observado é que existem muitas lacunas na
forma como esses conteúdos são vistos na educação básica, fazendo com
que os professores que estão em formação e os recém-formados, se sintam
despreparados e inseguros, principalmente quando se fala em alfabetização.
Como já foi discutido, é necessário que se pense sobre os
conhecimentos prévios dos estudantes, tendo em vista que eles são o ponto
de partida para se trabalhar com qualquer conteúdo. Ainda pode ser pensado
numa efetiva participação dos alunos, onde se sintam parte da construção do
seu conhecimento, existindo uma articulação com toda a comunidade escolar,
como indaga Freire (1986, p. 33): “Por que não discutir com os alunos a
realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se
ensina, (...)?”. Abordar as relações dos assuntos sistematizados com aquilo
que o estudante presencia em seu cotidiano, pode trazer efetivação para a
aprendizagem significativa.
Através da discussão feita com relação ao professor alfabetizador, é
necessário refletir sobre o ensino de leitura e escrita na educação superior, de
modo que o curso de Pedagogia perceba as fragilidades apresentadas em
disciplinas que trabalhem com tais temáticas, podendo desta maneira,
aperfeiçoá-las.
4 FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
No que tange à formação continuada dentro da escola, é preciso que
se analisem todos os contextos que ali estão presentes, ou seja, que sejam
observadas as dificuldades tanto por parte dos alunos quanto dos professores
para que dessa forma possam ser trabalhados aspectos relevantes para o

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cotidiano escolar, principalmente no momento de alfabetização, onde as
fragilidades encontradas são mais pontuais.
O que é importante ressaltar é que a competência de que se fala
não é algo que diz respeito apenas ao profissional, mas também ao
contexto em que ele desenvolve sua prática e aos outros com que
ele se relaciona. Portanto, as condições para o desempenho
desejável do professor devem existir nele, em seus alunos, nas
escolas em que trabalha, nos dirigentes e colegas, em última
instância, na sociedade em que vive (RIOS, 2011, p. 217).

Realizando tal reflexão, é perceptível a importância do Coordenador,
por mais que ele esteja imerso no cotidiano da escola, lidando com as
relações que são estabelecidas nesse ambiente, se nota o quanto é
fundamental a sua presença na elaboração e discussão com toda a
comunidade escolar com relação à formação continuada.
Perceber os acontecimentos da escola, assumir uma posição de
observador permite que o Coordenador avalie as fragilidades deste ambiente,
de maneira que as formações não se limitem somente aos professores, mas
para todos os sujeitos que formam a escola, essa movimentação por parte do
Coordenador proporciona avanços para a instituição, avanços que passam a
ter uma proporção em um nível macro, ou seja, capaz de alcançar a toda a
comunidade que cerca a escola.
É preciso focar na representação de coletividade da escola, tendo em
vista, que através de seus processos assume como função social um único
fim, ou seja, todos os sujeitos da comunidade escolar trabalham com o
mesmo propósito, de formar e educar indivíduos críticos e capazes de refletir
sobre a sociedade em que vivem de maneira que tomem e assumam suas
próprias decisões.
Pensar na formação continuada é discorrer acerca do aluno que se
pretende formar e das condições dadas para desenvolver o trabalho com a
leitura e toda a relação entre a alfabetização e o letramento. A formação
continuada, portanto, deve ser pautada no cotidiano da escola, na rotina, no
planejamento, nas diversas relações existentes neste ambiente.

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É buscar o diálogo tendo como fundamento a gestão democrática em
que todos participam e discutem em busca de um bem maior, em busca de
uma escola para todos, de uma educação para todos.
4.1 PROFESSOR MEDIADOR
O professor mediador busca relacionar os conteúdos discutidos em
sala com o meio ao qual o estudante está inserido, promovendo uma
participação ativa, de forma que o educando reorganize seus conhecimentos
internalizando o que foi aprendido e percebendo o entorno através de uma
nova perspectiva.
A mediação se torna princípio fundamental nos processos educativos
pelo fato de colocar o aluno em um papel central, de forma que os
conhecimentos adquiridos sejam construídos por cada um, tendo o professor
nessa perspectiva um papel secundário, fazendo com que o estudante reflita
e assuma uma posição crítica diante do que está sendo trabalhado, evitando
que os conhecimentos sejam apenas reproduzidos e entendidos de apenas
um jeito, de modo que seja permitido o diálogo entre o conhecimento do
cotidiano do estudante e o científico, explicitado por Cavalcanti (2005):
É preciso, então, que o professor aguce bastante a sensibilidade
para captar os significados que os alunos dão aos conceitos
científicos que são trabalhados no ensino. Isso significa a afirmação
e a negação, ao mesmo tempo dos dois níveis de conhecimento (o
cotidiano e o científico) na construção do conhecimento, tendo,
contudo, como referência imediata, durante todo o processo, o
saber cotidiano do aluno (2005, p. 201).

Compreender que os processos educativos se desenvolvem através da
mediação entre os conhecimentos científicos e do cotidiano do aluno, de
modo que este se torne um ser ativo dentro da sala de aula e de seu próprio
desenvolvimento.
Contudo, este trabalho não ocorre de forma individual, é importante
que ocorra uma comunicação entre os demais professores, pois, surge a

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dúvida: Como é possível alfabetizar os alunos durante o ciclo de alfabetização
se não existe diálogo entre os professores? Todo o trabalho escolar deve ser
desenvolvido

e

articulado

mediante

participação

ativa

dos

sujeitos

pertencentes a essa comunidade e por isso, o diálogo deve ser um dos
pilares fundamentais.
Durante o planejamento é preciso pensar por meio de uma ação
conjunta e que durante todo o ano letivo esse trabalho seja discutido para
evitar possíveis desencontros. Dessa forma é possível pontuar as
potencialidades e fragilidades dos alunos e através da comunicação os
planejamentos de aula podem ter objetivos mais definidos sendo direcionados
para aquilo que o aluno possa ter mais dificuldade, notando outras maneiras
de se trabalhar com o mesmo assunto.
A escola não pode ser vista como um ambiente setorizado, onde cada
série de ensino seja fechada nela mesma e os professores sejam a
autoridade da sala. A escola deve ser pautada como um local democrático,
onde todos os sujeitos tenham participação ativa e possam discutir
abertamente, de forma que o trabalho pedagógico se firme coletivamente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação com a formação do professor, portanto, está vinculada
com sua formação inicial, na educação básica, pois, a dificuldade em ser
alfabetizado também foi deste que atualmente assume a posição de
educador, onde possui vínculo especificamente no direito fundamental à
educação.
Por isso, pensar no professor alfabetizador é estar diante de um sujeito
que possui suas próprias experiências, vivências e possíveis fragilidades.
Abordando ainda sobre sua formação continuada, tendo em vista que esta
depende muitas vezes de fatores externos tanto ao professor quanto à escola.

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O professor, deste modo, se forma e continua a se especializar dentro
de vários contextos que acabam sendo influenciados através de vivências
anteriores, ou seja, através do tempo em que ainda era aluno.
Esse fato tem relevância, pois, diante do que foi discutido acerca do
direito à educação constatamos que muitos alunos se alfabetizam dentro de
um grau considerado mínimo, que pode ser interpretado através da
codificação e decodificação, concluindo que o direito à educação não
representa a eficácia e a significação do que foi aprendido, de modo que o
aluno em muitas ocasiões não seja capaz de compreender e interpretar o que
está lendo ou escrevendo.
Por isso, pesquisar sobre a formação do professor alfabetizador nos
faz entender que a educação básica ainda se faz presente no trabalho
pedagógico, tendo em vista que as potencialidades e fragilidades de
determinadas temáticas ainda permanecem, de modo que a formação
continuada quando discutida e construída em conjunto venha suprir tais
carências, fazendo com que o direito à educação se mantenha sempre além
do mínimo, com o intuito de promover formações para os professores e
aprendizagens para os alunos que visem a sua realidade.
6 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso: 02 jul. 2017.
CAVALCANTI, Lana de Souza. Cotidiano, Mediação Pedagógica e Formação de
Conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de Geografia. 25 V. N. 66.
Campinhas: Cad. Cedes, 2005, p. 185-207.
CEDU. Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia. Disponível
em:<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=
0ahUKEwiQMqW9fXTAhVPfiYKHf0xBOwQFggmMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.ufal.edu.br%2
Funidadeacademica%2Fcedu%2Fgraduacao%2Fpedagogia%2Fprojetopedagogico&usg=AFQjCNFNf6fKS6Xj61Z2cMB5IfR4sXkN_A>. Acesso em: 29 de
maio de 2017.

p. 137
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CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Cap. X e XIII. 7. ed.
Salvador: Jus Podivm, 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2016, p. 322-336.
RIOS, Terezinha Azerêdo. Professores: autores e atores nos dizeres da escola – a
contribuição da reflexão filosófica. In_____. Perspectivas da Filosofia da
Educação. São Paulo: Cortez, 2011.

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RETROPECTIVA DA LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO
Bartolomeu Melo Brito
bart.melobrito@gmail
RESUMO: Neste artigo desenvolvemos um estudo retrospectivo da legislação
e do ensino da disciplina de Língua Estrangeira Moderna no nível médio da
educação básica do país, circunscrito ao período compreendido entre a
entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB; dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM, documentos que surgiram na
última década do século XX, e que foram idealizados e implantados para
servirem como suporte de sustentação às últimas reformas da educação
nacional. Neste percurso chegamos ao século XXI, mais precisamente ao
período de surgimento da Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 que alterou
a LDB, tendo como proposta a reestruturação do Ensino Médio e, no cerne
destas mudanças determina a obrigatoriedade da disciplina de Língua Inglesa
no Ensino Médio. A conclusão é a de que as soluções apresentadas à
educação formal, mesmo algumas das mais relevantes, normatizadas pela
legislação em vigor se firmam a partir dos ditames da lógica do capital,
permanecendo inalteráveis como molde de referências orientadoras da
sociedade em que vivemos.
PALAVRAS-CHAVE: Legislação- Língua Estrangeira- Ensino Médio- LDBPCNEM.
1 INTRODUÇÃO
O conhecimento do percurso histórico da legislação nacional sobre o
Ensino de Línguas Estrangeiras (ELE) na educação escolar brasileira,
compreendido entre a década de 90 do século XX até a presente data, é
imprescindível ao entendimento do que oficialmente está determinado na
atualidade, especificamente, para a educação básica no nível Médio de
Ensino, foco desse estudo. Desse modo, viabilizamos a compreensão do
desenvolvimento da inclusão desse componente curricular, da importância e
do valor a ele atribuídos, nos momentos acima mencionados da recente
trajetória da educação nacional.

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Para estudar o percurso histórico da legislação sobre o ensino de
Língua Estrangeira Moderna (LEM) na educação básica brasileira, nosso
ponto de partida são as últimas reformas da educação nacional, ocorridas
durante o segundo mandato do então presidente da república Fernando
Henrique Cardoso (FHC), mais precisamente entre os anos de 1999 a 2002.
Este estudo está dividido em duas seções: a primeira objetiva situar o
leitor no universo da legislação brasileira direcionada ao ensino e
aprendizagem de LEM. Para tanto apresentamos um breve panorama
histórico do ensino de LE no país, destacando alguns aspectos das últimas
reformas da educação nacional; a segunda traz os conhecimentos de LEM
nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), na
subseção trazemos a reestruturação do Ensino Médio ocorrida no ano em
curso de 2017, com foco na obrigatoriedade do estudo de língua inglesa no
Ensino Médio. Quanto à metodologia trata-se de estudo de cunho documental
e bibliográfico. No referencial teórico utilizamos autores e documentos
basilares que tratam da temática. Finalizamos este artigo apresentando as
considerações finais e as referências.
2 RETROSPECTIVA DA LEGISLAÇÃO DO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS MODERNAS
Conforme Paiva (2003), no mês de novembro de 1996, ocorre o
primeiro Encontro Nacional de Políticas de Ensino de Línguas (I ENPLE),
promovido pela Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB). Desse
encontro surge a Carta de Florianópolis que, dentre outras medidas, propõe
um plano emergencial para o ensino de línguas no Brasil. Na abertura do
documento, como nos informa (Paiva, op. cit.), é proposto que todo brasileiro
tem direito à plena cidadania, nas condições sociais das comunidades
civilizadas; o que inclui o direito à aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Isto
se dá, com a elaboração de um plano emergencial de ação para garantir ao

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aluno o contato e estudo de Língua Estrangeira, no intuito de proporcionar-lhe
não apenas uma aprendizagem com objetivos instrumentais, mas, sobretudo
que integre sua formação geral.
Nesse contexto, o documento supracitado, foi enviado às autoridades
educacionais do país e um mês depois, em dezembro de 1996, foi
promulgada a Lei 9.394 de, 20 de dezembro de 1996, atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB, que torna o ensino de Língua
Estrangeira Moderna obrigatório, a partir do sexto ano do ensino
fundamental7. Encontramos no Artigo 26, § 5º que
Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a
partir de quinta série, o ensino de pelo menos uma língua
estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade
escolar, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL, 1996,
p.90)

Em relação ao Ensino Médio a LDB, no seu Artigo 36, inciso III, inova
quando estabelece que:
Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em
caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição (BRASIL,
1996, p.107)

Pelo modo destacado como as Línguas Estrangeiras foram tratadas na
LDB de 1996, aparentemente, víamos, pela primeira vez, na legislação
nacional, legitimada sua importância. No entanto, conforme veremos mais
adiante, quando tratarmos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Estrangeira para o Ensino Fundamental (PCNEF), publicados pelo Ministério
da Educação e do Desporto (MEC) em 1998, sua importância continua
minimizada, quer seja por ser considerada como algo pouco relevante ou
deslocada dos projetos pedagógicos, por algumas ações governamentais e
interpretações advindas do texto da própria LDB.

7

O sexto ano do Ensino Fundamental corresponde à quinta série do mesmo nível de ensino –
antes do ensino de 9 anos –, nomenclatura anterior à promulgação da Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.

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Este componente curricular passa a ter status de disciplina de oferta
obrigatória no currículo escolar e conhecimento tão importante como qualquer
outro, ainda que o tempo dedicado a sua aquisição, de um modo geral, não
tenha sido ampliado.
O questionamento que levantamos diz respeito a entender como esses
objetivos e finalidades podem concretizar-se, a partir do que rezava o inciso I
do Artigo 4º da Lei, onde encontramos que o dever do Estado com a
educação escolar pública, limita-se à garantia do Ensino Fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para aqueles que a ele não tiveram acesso na
idade própria. Ao Ensino Médio, de acordo com o que rezava originariamente
o inciso II do referido artigo, era atribuída a progressiva extensão da
obrigatoriedade e gratuidade8. Como podemos compreender o referido
inciso, em relação à obrigatoriedade do Ensino Médio, tratava apenas de uma
expectativa de direito. Posteriormente, com a promulgação da Lei nº 12.061,
de 27 de outubro de 2009, que altera a letra do inciso supracitado, o dever do
Estado, com esse nível de escolaridade, passa a ter a seguinte redação:
“inciso II – universalização do ensino médio gratuito”. A própria Lei nos
esclarece que o termo “universalização” refere-se à condição de assegurar o
direito de acesso de todos os interessados ao Ensino Médio público.
A recente universalização se configura como uma obrigatoriedade do
poder público em ofertar o Ensino Médio gratuito e de qualidade.
Consequentemente, sendo de oferta obrigatória, o referido nível de
escolaridade, a exemplo do Ensino Fundamental, converte-se em um direito
público subjetivo9
Nesses termos, compreendemos que,
o atraso de um século, pelo menos, na universalização da escola
básica é um dos indicadores do perfil anacrônico e opaco das
nossas elites e um elemento cultural que potencia o descompasso
8

Grifo nosso
Este direito público subjetivo pode ser entendido como explicitado no §2º do Art.208 da
Constituição Federal de 1988, que transcrevemos na íntegra: §2º O não-oferecimento do
ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da
autoridade competente.

9

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do discurso da “modernidade” e defesa da educação básica de
qualidade, da ação efetiva destas elites. (FRIGOTO, 2003, p.158)

É ainda no corpo da LDB que vamos encontrar subsídios para o
entendimento das últimas reformas educacionais. No tocante à Organização
da Educação Nacional, nos deteremos na observância do que estabelece o
Art. 9º, Inciso IV, onde encontramos que é incumbência da União, em
colaboração com os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios, o
estabelecimento de competências e diretrizes para a educação infantil, o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus
conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.
O MEC, como havia ocorrido com os outros níveis de ensino, fomentou
propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do
Ensino Médio. Esses escopos teóricos foram preparados pela Secretaria de
Educação Média e Tecnológica/SEMTEC, para serem apreciados e
deliberados pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação/CNE.
Assim, tomada esta providência, como resultado, surge o Parecer nº
CEB 15/98, com aprovação em 01 de junho de 1998, e a Resolução CEB 03
de 26 de junho de 1998, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio (DCNEM).
As referidas DCNEM são, em sua totalidade, um compacto de
“definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a
serem rigorosamente observados na organização pedagógica e curricular” de
cada escola.
No

tocante

às

Línguas

Estrangeiras,

incluídas

na

área

de

conhecimento das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, as DCNEM
enfatizam que o seu ensino deve limitar-se ao objetivo de constituição de
competências e habilidades que permitam ao educando conhecer e usar
língua(s)

estrangeira(s)

moderna(s)

como

instrumento

de

acesso

a

informações e a outras culturas e grupos sociais, sem, no entanto, apontar

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

para a promoção do desenvolvimento do educando no que diz respeito a sua
atuação como ser político, no meio social em que vivencia suas experiências
e detentor de conhecimentos adquiridos também em seu entorno social.
Incluídas dentre as disciplinas que compõem a parte diversificada do
currículo do Ensino Médio, as Línguas Estrangeiras Modernas, tanto a
obrigatória quanto as optativas, terão sua carga horária limitada ao percentual
de 25% do total da carga mínima anual de 2.400 horas, estabelecido por lei,
como carga horária para todo o Ensino Médio. Quanto à preparação básica
para o trabalho,
deve estar organicamente integrada tanto à base nacional comum
quanto à parte diversificada do currículo, ao mesmo tempo em que
os conhecimentos associados à realidade do mundo do trabalho
devem ser básicos a quaisquer atividades produtivas (RAMOS,
2006, p.139).

Assim, segundo as DCNEM, objetivando-se o êxito desse processo, o
Ensino Médio, além da preparação básica para o trabalho, incorpora os
conceitos de interdisciplinaridade e contextualização, que devem constituir
uma espécie de eixo norteador da prática pedagógica e didática a dar forma
aos objetivos desse nível de escolaridade.
3 OS CONHECIMENTOS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS NOS
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO
Para assegurar o desdobramento do texto das Diretrizes Curriculares
Nacionais e o cumprimento da atual LDB, foram elaborados, nas
dependências do MEC, decretos, pareceres, medidas provisórias, portarias,
resoluções, e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e Médio, (doravante PCN), sem a participação efetiva dos
docentes da área, sujeitos conhecedores das necessidades próprias de uma
sala de aula desses níveis de ensino. A não inclusão dos profissionais e da
sociedade brasileira no debate da reforma curricular e propostas que os PCN
deveriam apresentar, deve-se ao fato de que a equipe técnica responsável,

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do MEC, determinou que fosse desenvolvido posteriormente um programa
especial10 para este fim.
Conforme Falleiros (2005), a elaboração dos PCN contou com a
assessoria técnica de César Coll, principal ideólogo da reforma educacional
espanhola. A importação do modelo de reforma curricular implantada na
Espanha, para o contexto educacional brasileiro, ocorreu sem que houvesse
consistente discussão sobre as implicações e adequações à realidade dos
sistemas de ensino e das instituições escolares de educação básica do país.
A implantação desse modelo de orientação eurocêntrica propõe mudar o país
através de transformações profundas na educação básica, sendo os PCN o
embrião das transformações que se deseja que ocorram na sociedade
brasileira.
Desse

modo,

negando-se

a

responsabilidade

dos

intelectuais

brasileiros, nega-se a todos o direito à educação, pois o referido direito
encontra-se constitucionalmente assegurado, através do Artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988,
p.118)

Por sua vez, entendemos que, para que os alunos estejam preparados
para o exercício da cidadania e alcancem a necessária qualificação para o
trabalho, acima referendados, os PCNEF deveriam incluir no tocante ao ELE
o conhecimento de Língua Estrangeira não apenas para a leitura de livro e
documentos, mas também para a interação com usuários da língua na
modalidade oral e/ou escrita. Diante da presença constante de Línguas
Estrangeiras nos meios de comunicação, utilizados nas diversas situações da
vida social e em distintas instituições que compõem a sociedade, o ensino de
10

Programa que ficou conhecido pela denominação Parâmetros em Ação, introduzido nas
escolas públicas de todo o país por meio de equipes técnicas federais e estaduais, para o
ensino fundamental e médio respectivamente e treinadas, pela Secretaria de Ensino
Fundamental e Secretaria de Educação média e tecnológica.

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outras línguas não pode ser reservado a uma pequena parcela da sociedade,
pois “a educação é direito de todos e dever do Estado”.
Assim sendo, observamos ainda que,
a política nacional para o ensino de LE se limita à aprovação da
legislação e à publicação dos PCNs, pois esses textos não são
acompanhados de ações efetivas para valorizar o ensino de línguas.
A ausência de preocupação com o ensino de LE é refletida ainda
em outras decisões políticas, tais como a não distribuição de livros
didáticos para o ensino de LE pelo MEC, e a exclusão da avaliação
desse conteúdo nos exames nacionais criados após a LDB de 1996
(PAIVA, 2003, p.98).

A diminuta valorização do ensino de línguas na educação básica pode
ser medida pela falta de preocupação em dotar os sistemas de ensino e as
instituições escolares públicas de condições mínimas de funcionamento. Isso
pode ser verificado nas escolas pela falta de laboratórios de línguas;
inadequação entre o número de alunos em sala de aula por professor da
disciplina; falta de material didático, ausência de oferta pública de livro
didático da disciplina de Língua Estrangeira Moderna e de recursos materiais
mínimos para o desenvolvimento de atividades pedagógicas. Tais deficiências
acordam com uma ideologia da aquisição de Língua Estrangeira como um
artigo de luxo, privilégio de uma minoria que pode ter acesso a cursos em
Institutos de Línguas. Comprovando essa realidade educacional,
[...] pode-se entrever uma ideologia elitista, discriminatória,
preconceituosa na organização dos currículos, particularmente da
escola pública, que leva à exclusão considerável parcela da
população escolar do acesso a algo que deveria ser, sem dúvida,
componente importante da educação. De fato, tudo isso reflete o
alheamento daqueles responsáveis pelo planejamento escolar e
execução do ensino, que relegam à língua estrangeira à condição
(sic) de Cinderela nos currículos da escola pública brasileira.
(CELANI, 1996, p.210)

No âmbito do Ensino Médio, essa indiferença provoca deficiências de
acesso à aprendizagem desse importante componente curricular que se
estendem do início à conclusão do curso. Desse modo, a disciplina de Língua
Estrangeira tem um tratamento diferenciado das outras no currículo escolar,
tanto pela falta de valorização e condição precária de ensino, quanto no

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tocante à avaliação da aprendizagem dos conteúdos desenvolvidos ao longo
desse nível de escolaridade. Nesses termos, também em âmbito nacional, a
disciplina torna-se um componente curricular à margem do processo de
avaliação da formação do discente.
De acordo com os PCNEM, no rol das diretrizes curriculares a serem
implantadas, a disciplina de Língua Estrangeira passa a fazer parte integrante
da grande área das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e o seu ensino
fundamentado

na

abordagem

comunicativa

de

ensino

de

Línguas

Estrangeiras Modernas, porque é de “fundamental importância conceber-se o
ensino de um idioma estrangeiro objetivando a comunicação real” (BRASIL,
2002, p.152),
Assim, os PCNEM, apesar de reconhecerem que as aulas de Língua
Estrangeira Moderna no Ensino Médio são, em sua maioria, realizadas no
estudo de aspectos gramaticais, centrada na memorização de regras e
exceções e com prioridade da língua escrita, direcionam-se para a prática, o
uso da língua como meio de comunicação, mas não apresentam vínculo com
a realidade. Isto se verifica no documento ao colocar que
embora a legislação da primeira metade deste século (século XX) já
indicasse o caráter prático que deveria possuir o ensino das línguas
estrangeiras vivas, nem sempre isso ocorreu. Fatores como o
reduzido número de horas reservado ao estudo das línguas
estrangeiras e a carência de professores com formação linguística e
pedagógica, por exemplo, foram os responsáveis pela não aplicação
efetiva dos textos legais. Assim, em lugar de capacitar o aluno a
falar, ler escrever em um novo idioma, as aulas de Línguas
Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por
assumir uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega
a desmotivar professores e alunos, ao mesmo tempo em que deixa
de valorizar conteúdos relevantes à formação educacional dos
estudantes. (BRASIL, 2002, p.147)

Como se vê, a ênfase se dá em “capacitar o aluno a falar, ler e
escrever em um novo idioma.”. O texto diz que o ensino de Língua
Estrangeira “deixa de valorizar conteúdos relevantes à formação educacional
dos estudantes”, mas não esclarece que formação pretende para o aluno e
como “conteúdos relevantes” traz, apenas, o que se refere à competência

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comunicativa. Ou seja, tal metodologia parece atender a interesses
educacionais vinculados a uma posição ideológica de dominação, visto que,
ao isolar o social contribui para manter o status quo que o determina.
3.1 REESTRUTURAÇÕES DO ENSINO MÉDIO E O ESTUDO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
Em 22 de setembro de 2016, o governo brasileiro encaminha ao
Congresso Nacional, a Medida Provisória (MP) 746/2016 para reestruturação
do Ensino Médio. A referida MP dá surgimento à Lei 13.415, de 16 de
fevereiro de 2017 que, no rol de mudanças impostas à educação nacional
revoga a lei ordinária nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, a qual instituía o
idioma espanhol como disciplina obrigatória a ser ofertada pelas escolas
públicas e privadas de Ensino Médio no país e, inclui a obrigatoriedade do
estudo da língua inglesa e a possibilidade de oferta de outra língua
estrangeira, em caráter optativo, dando preferência à Língua espanhola.
O país integra o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos da
América do Norte – EUA. Desse modo, as políticas linguísticas adotadas para
as relações com a comunidade internacional e as exigências internas, como
as centradas no contexto educacional, limitam-se, quase que exclusivamente,
ao protagonismo da centralidade da língua inglesa para atender as exigências
postas pela expansão do sistema capitalista nos países periféricos e à
demanda do mercado também em expansão. Assim, presenciamos uma
ideologia liberal, tendo o dólar como moeda determinante na economia, o
capitalismo como instrumento do sistema político e, como consequência, a
língua inglesa prestigiada como “a língua internacional” que forçosamente
atende a todos os interesses que envolvem a dominação norte-americana na
cultura brasileira, em sua memória histórica de país colonizado.
O monopólio linguístico do ensino de língua inglesa nas escolas
brasileiras, as questões sócio-históricas de tal fato são omitidas, ou seja, o
real sentido dos eventos discursivos, associados às contingências históricas,

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não são explicitados. Apenas diz-se que a língua inglesa predomina,
silenciando-se o porquê dessa predominância, salientando-se que havia
“carência de docentes com formação adequada”. Isto aparece como forte
argumento para reduzir “muito” o interesse pela aprendizagem de outras
Línguas Estrangeiras.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A

trajetória

percorrida

nesse

estudo

nos

proporcionou

uma

compreensão da direção dos determinantes históricos, sociais e políticos que
motivaram o surgimento da LDB e dos Conhecimentos de Língua Estrangeira
Moderna nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM) e a implantação do ensino de Língua Estrangeira, como disciplina
obrigatória no currículo da escola regular de Nível Médio no país e, mais
recentemente a opção pela obrigatoriedade da disciplina de língua inglesa.
Nas últimas reformas, que têm como pilares de sustentação a atual
LDB/1996

e

os

Parâmetros

Curriculares

Nacionais

para

o

Ensino

Fundamental e Médio, as ideias motrizes pautavam-se pelo discurso de uma
educação de qualidade para todos e todas brasileiros(as), ainda que essa
qualidade

almejada

estivesse

estritamente

relacionada

ao

que

se

convencionou chamar de otimização ou racionalização dos recursos
disponíveis para aplicação em educação e em outras demandas sociais.
Romper com essa realidade que atinge as escolas de todo o país, é
uma das tarefas da educação pública brasileira e cabe aos profissionais do
ensino de Língua Estrangeira tomar posição em favor da escola pública, dos
alunos das classes sociais menos favorecidas, e do ensino da disciplina no
Ensino Médio.
Nesse contexto de economias emergentes, dentre as quais a brasileira,
confirma-se o descompromisso do país com a educação pública de qualidade.

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Direito que não pode ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se
elementarmente a própria condição humana.
REFERÊNCIAS
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9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, e o Decreto-Lei
n° 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei n° 11.161, de 5 de agosto de
2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
Médio
em
Tempo
Integral.
Disponível
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>
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dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
(LDBEN).
Disponível
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maio de 2017.
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linguagens, códigos e suas tecnologias: língua estrangeira. 1998. Disponível
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CELANI, M. A. A. A integração político-econômica do final do milênio e o
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1996.
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construção de uma nova cidadania. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.)
A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o
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NEVES, L. M. W. A sociedade civil como espaço estratégico de difusão da
nova pedagogia da hegemonia. In: _____ (org.). A nova pedagogia da
hegemonia: estratégia do capital para educar o consenso. São Paulo:
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RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?
São Paulo: Cortez, 2006.

p. 151
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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E
MEDIADOR DA LEITURA
Floriza de Abreu Feitosa
florizaabreu@gmail.com
Maria Inez Matoso Silveira
mimatoso@uol.com.br
RESUMO: O presente artigo está situado na linha de Educação e Linguagem,
voltando-se mais especificamente para a formação do alfabetizador e promotor da
leitura. O trabalho tem como objetivo discutir a formação desse profissional do ensino
e sua importância na mediação da leitura, apresentando um breve percurso histórico
dessa formação até os dias atuais. Para a realização da pesquisa, foi realizado um
estudo bibliográfico a partir de autores como Costa (2001), Coutinho (2012), Villela
(2000), Poersch (1990), Capovilla (2005), Cosson (2015), Kleiman (2005) e Santos
(2015), os quais apresentam pesquisas relevantes na área da leitura e da
alfabetização. Os resultados da pesquisa apontaram para uma insuficiente
fundamentação linguística e didática no currículo dos cursos de Pedagogia de
Maceió, necessária à formação inicial de alfabetizadores tanto para o ensino da
alfabetização quanto para a mediação da leitura em sala de aula nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Alfabetização –Formação do Alfabetizador – Mediação da
Leitura.
1 INTRODUÇÃO
Neste artigo, serão discutidos aspectos relacionados à formação do
professor alfabetizador no Brasil e, especificamente, em Maceió, bem como à
importância do alfabetizador como mediador da leitura. Salientamos que este
trabalho é fruto dos estudos realizados no Projeto de Pesquisa do
Observatório da Educação (CAPES/INEP), intitulado “O ensino da leitura e da
escrita nas escolas públicas alagoanas”, sediado no Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Alfabetização de Alagoas- NEPEAL, do Centro de Educação
da UFAL.
O artigo encontra-se dividido em três sessões. Na primeira,
apresentamos um breve histórico da formação do professor alfabetizador em
Maceió. Já na segunda sessão, a discussão é voltada para a importância da

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mediação do alfabetizador para a promoção da leitura nas séries iniciais. E,
por fim, apresentamos a nossa conclusão.
2 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR EM MACEIÓ
Para falarmos sobre a formação do alfabetizador em Maceió, faz-se
necessário retomar um pouco da história dessa formação até chegarmos à
atualidade. Contudo, partimos do período inicial da República, quando a
formação de professores passa a se tornar mais presente na história, devido
à propagação das Escolas Normais. De fato, essas escolas tiveram um papel
fundamental na história da profissionalização do professor, conforme se lê na
seguinte afirmação de Nóvoa:
As escolas normais estão na origem de uma profunda mudança, de
uma verdadeira mutação sociológica, do pessoal docente primário.
Sob sua ação, os mestres miseráveis e pouco instruídos do início do
século XIX vão, em algumas décadas, ceder lugar a profissionais
formados e preparados para a atividade docente (NÓVOA, 1991,
p.125, apud, VILLELA, 2000, p.101).

Vemos, com isso, que é a partir da criação das Escolas Normais que
os professores passam a ter uma formação adequada para lecionar no curso
primário. A partir de então, foram abertas e fechadas muitas Escolas Normais
no Brasil, ressaltando-se a Escola Normal de Niterói, que servia de modelo
para todo o país. A propagação das escolas normais ocorreu devido à
necessidade de formar um quadro maior e mais bem preparado de docentes
para atuar no ensino primário, já que, após a abolição da escravatura (1888) e
a Proclamação da República (1889), o Brasil deu início à universalização do
ensino. Dessa forma, com a chegada da República e a necessidade de
instruir a população e os ex-escravos para atenderem às demandas do
mercado de trabalho emergente, a educação passa a ser considerada o
principal meio de ascensão para o país, pois a maioria da população era
analfabeta. Segundo Paiva (1990, p.10, apud, COUTINHO, 2012, p.26), “com
[...] a divulgação dos índices assustadores de analfabetismo revelados no

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Brasil na virada do século XIX, o tema analfabetismo assume posto de
destaque na conjuntura nacional”. Entretanto, era preciso formar os
professores, como já foi dito, para atuarem no ensino primário, a fim de
alfabetizar a população iletrada do período. Contudo, nem sempre as escolas
normais se encontravam em boas condições para realizar essa formação. Em
Alagoas, segundo Costa (2011, p.62):
Mais ou menos com a organização primitiva encontramos a escola
normal em plena República, anexa ao Liceu. Não se cuidava, até
1906, de, seriamente, preparar professores. Abandonado e
desorganizado, o curso normal desmoralizara-se [...].

Portanto, vemos que apesar de haver uma maior discussão acerca da
instrução pública nas primeiras décadas da República, em Alagoas a
formação dos professores era precária e desorganizada. Isso demonstra que
o descaso com a alfabetização atualmente é um problema iniciado há anos
atrás e que, de certo modo, não foi resolvido. A discussão em torno de qual
seria a melhor formação para o professor ganhou mais visibilidade no Brasil a
partir da década de 90 do século passado com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9.394/96), na qual ficou instituído que:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica farse-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal
(BRASIL/LDB, 1996, p.25).

Assim, o ensino nas séries iniciais e a Educação Infantil são de
responsabilidade dos/as pedagogos e professores formados no Curso Normal
(antigo Magistério), que deverão alfabetizar as crianças, além de ensinar
todas as disciplinas que compõem o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano).
Desta forma, os cursos de formação desses professores (Pedagogia e o
Curso Normal) devem trazer em seus currículos disciplinas que atendam às
demandas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, além de tratar sobre

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questões em torno dos métodos e teorias do ensino. Sendo assim, o ensino
da leitura e da escrita deve ser elemento importante nos currículos desses
cursos, já que compreende uma das fases mais importantes da vida escolar:
a alfabetização. Apesar disso, podemos perceber que nem todos os cursos de
formação de pedagogos atentam para essa responsabilidade de formar o
alfabetizador,

enfatizando

em

seus

currículos

questões

relativas

à

organização escolar e aos fundamentos da educação (filosofia, antropologia,
sociologia, história, psicologia...).
No caso de Maceió, a questão citada acima pode ser percebida
claramente. Fizemos uma pequena pesquisa nos currículos dos cursos de
Pedagogia das principais faculdades e universidades públicas e particulares
de Maceió, a fim de saber a carga horária destinada para os assuntos em
torno da alfabetização11, e obtivemos o seguinte resultado:
Quadro 1 - Disciplinas de alfabetização nos cursos de Pedagogia,
Maceió - 2015
Faculdade/Universidade
UFAL

Disciplina/s

Carga horária

12

Alfabetização e Letramento

40 horas

13

Alfabetização e Letramento

80 horas

14

Alfabetização e Letramento

...

Alfabetização e Letramento

60 horas

-

-

Escrita, Alfabetização e

80

UNEAL

FACIMA

Faculdade Maurício de
15
Nassau
16
CESMAC
UNIT

11

17

Consideramos apenas as disciplinas que continham o termo “alfabetização” em seu título.
Disponível em:< file:///E:/Downloads/ppc-pedagogia-licenciatura.pdf> Acesso em 10 de ago,
2015.
13
Disponível em: <http://www.uneal.edu.br/ensino/projetos-pedagogicos/projeto-ppcpedagogia-finalizado-16082012.pdf> Acesso em 10 de ago, 2015.
14
Disponível em:
<http://www.facima.edu.br/ensino/graduacao/tradicionais/pedagogia_grade.asp> Acesso em
10 de ago, 2015.
15
Disponível
em:<http://www.mauriciodenassau.edu.br/curso/matriz/cid/35/col/7/hid/1/fid/1/pedagogia>
Acesso em 10 de ago, 2015.
16
Não possui nenhuma disciplina que contenha o termo “alfabetização”.
12

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Letramento
Fonte: a autora.

Como podemos ver no quadro acima, na Universidade Federal de
Alagoas (UFAL) há somente uma disciplina de alfabetização (Alfabetização e
Letramento), oferecida no terceiro período com carga horária de apenas 40
horas18. No caso das faculdades particulares de Maceió, como FACIMA,
UNINASSAU e UNIT, a grade curricular do curso de Pedagogia também
oferece apenas uma disciplina sobre Alfabetização e Letramento, com carga
horária entre 60 e 80 horas (exceto a FACIMA que não disponibilizou a carga
horária das disciplinas em seu site). No caso do CESMAC, a grade curricular
do curso de Pedagogia não apresenta nenhuma disciplina em que o termo
“alfabetização” esteja incluso.
Sendo assim, fica claro que a carga horária destinada para a formação
em alfabetização é pouca se comparada às demais disciplinas do curso
(como as de fundamentos), pelo menos na UFAL. É claro que as outras
disciplinas são igualmente importantes para a formação do Pedagogo, mas é
esse profissional que irá alfabetizar as crianças de Maceió, e, para isso, deve
estar habilitado para determinada função, da qual 40 ou 80 horas em quatro
anos de formação podem não dar conta.
Percebemos que questões relacionadas ao ensino da leitura e da
escrita não são aprofundadas nos cursos que formam os professores
alfabetizadores de Maceió, assim como as questões acerca do conhecimento
linguístico. Como, então, ensinar as crianças a ler e a escrever sem ter o
básico da formação necessária em alfabetização? Como questiona Roulet
(1978 apud Poerch1990, p. 10), “como pode-se ensinar uma língua sem
conhecer sua estrutura e o seu funcionamento, bem como os mecanismos
que permitem sua aquisição?”. A falta de aprofundamento nas questões
17

Disponível em:<http://www.unit.br/cursos/wp-content/uploads/sites/6/2014/08/EstruturaCurricular-Pedagogia.pdf>Acesso em 10 de ago, 2015.
18
Essa disciplina foi acrescentada recentemente no currículo obrigatório, pois anteriormente a
mesma era uma disciplina eletiva (opcional).

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linguísticas e também metodológicas no ensino da alfabetização, ocasiona
dúvidas e inseguranças nos alfabetizadores sobre como alfabetizar e quais as
abordagens e metodologias que melhor ajudam em sua prática.
Diante dessa situação, os professores acabam por fazer mau uso dos
métodos e abordagens ou optam pelo “espontaneísmo”, realizando o ensino
sem nenhuma orientação metodológica. Outro problema encontrado na
formação do alfabetizador, muitas vezes, refere-se à orientação metodológica
ensinada em seu curso de formação, por exemplo, na disciplina de
Alfabetização e Letramento deveriam ser abordados todos os métodos e
abordagens que envolvem o processo da alfabetização e as teorias em torno
da mesma; entretanto, o que ocorre muitas vezes é a ênfase em um
determinado

método

ou

abordagem,

limitando

as

possibilidades

metodológicas existentes no ensino da alfabetização. Capovilla (2005, p.125)
fez um levantamento sobre a formação inicial de professores, PCNs,
Universidades e as secretarias de Educação e concluiu o seguinte:

•

as Universidades, de modo geral, limitam as bibliografias de
seus programas de ensino a uma determinada orientação
teórica;

•

existe uma clara tendência a privilegiar livros relacionados
com teorias e a ignorar publicações mais voltadas para os
métodos e técnicas de alfabetização;

•

as Universidades, de modo geral, desconhecem, ignoram ou
optam por não expor seus alunos ao estado da arte sobre
alfabetização;
não existem livros de referência que sinalizem um mínimo de
consenso entre as instituições formadoras sobre os
conteúdos essenciais que os futuros alfabetizadores devam
aprender e ensinar.

•

Percebemos, dessa forma, que os futuros alfabetizadores saem do
curso superior sem a formação necessária para alfabetizar, sem o básico de
conhecimento linguístico e sem o conhecimento aprofundado dos métodos e
abordagens que norteiam o ensino da alfabetização. Com a deficiência na

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formação, e também, as mudanças periódicas nas abordagens oficiais
utilizadas pelo Governo, as Secretarias de Educação oferecem cursos de
formação continuada para esses professores, a fim de atualizar os mesmos
nas discussões referentes à alfabetização (como o PROFA, o Pró-Letramento
e o PNAIC). No entanto, os problemas advindos da precária formação inicial
continuam aumentando e colaborando com a dificuldade da leitura e da
escrita no ciclo da alfabetização.
2 O PAPEL DO ALFABETIZADOR COMO MEDIADOR DA LEITURA
Além do ensino da leitura e da escrita, o professor alfabetizador é um
dos principais responsáveis pela promoção da leitura entre os alunos das
séries iniciais. É dele a difícil tarefa de despertar o prazer pela leitura nas
crianças, a competência leitora e a compreensão, desenvolvendo na criança
não só o gosto pela tarefa, mas também as habilidades necessárias para o
conhecimento acerca dos diversos gêneros textuais, principalmente os textos
de literatura infantil.
A mediação de textos literários na escola começa desde a Educação
Infantil, quando é reservado, geralmente, um momento para o “cantinho da
leitura”. Apesar de algumas escolas públicas de Maceió não possuírem um
espaço adequado para a tarefa, sempre é organizado, junto a outra sala ou
na própria sala de aula, um espaço onde se possa apresentar os livros
infantis e a contação de história.
Ao chegar nas séries iniciais, onde é iniciada de fato a escolarização, o
professor se vê incumbido de duas tarefas: alfabetizar e letrar. Normalmente,
é iniciada a alfabetização, estando atrelada à momentos de leitura dos
diferentes gêneros textuais. Contudo, em Maceió, tem ocorrido um grande
problema durante esse processo: as crianças chegam ao 6º ano sem saber
ler ou escrever (SANTOS, 2015)19 e apresentam grandes dificuldades para se

19

Disponível em: http://www.semanadepedagogiaufal.com.br/index.php/anais

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alfabetizar nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, como demonstrou
o resultado da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), apresentando o
preocupante índice de 43% de crianças no 3º ano do Ensino Fundamental
que não sabem ler20. Diante deste fato, como o alfabetizador conseguirá
promover o gosto pela leitura e as habilidades necessárias para o
conhecimento sobre o texto se as crianças não estão se quer decodificando?
A alfabetização, então, perdura nas séries posteriores e a leitura de textos
literários é deixada de lado. De fato, é necessário que a criança aprenda
primeiro a ler para poder se deleitar com os textos literários autonomamente,
ou ficará à mercê somente da leitura do professor.
Assim sendo, a presença do texto literário na escola é de suma
importância para o aprimoramento cultural das crianças, principalmente
àquelas que não têm acesso a livros literários em casa. Desse modo, o
alfabetizador precisa equilibrar o ensino da alfabetização, enquanto domínio
da base alfabética e da decodificação, junto ao seu uso nos textos literários.
Segundo Cosson (2015, p.165), a literatura tem sido utilizada na escola como
dois tipos de atividades: a leitura ilustrada e a leitura aplicada. No primeiro
caso, a literatura é vista como um momento de deleite, onde a leitura é
“voltada quase que exclusivamente para a inserção do aluno no mundo da
escrita ou o manuseio livre de impressos”. Já no caso da leitura aplicada, a
literatura se torna um veículo para a aprendizagem de algum assunto
específico, como acontece nas demais disciplinas da grade escolar.
Pensando nisso, o alfabetizador precisa ser não só um conhecedor de
práticas de alfabetização, mas também um leitor de obras literárias. Assim,
frente à leitura, qual seria o papel do alfabetizador, mediar ou ensinar?
Segundo Tébar (2011, apud Cosson, 2015, p.166):
Como mediador, o professor deve guiar-se por princípios que
envolvem diversidade, sensibilidade, valorização da experiência e

20

Disponível em: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2015/09/em-al-4349-das-criancas-do3-ano-dofundamental-nao-sabem-ler-frases.html

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da contemplação, afetividade e fortalecimento da autoestima para
possibilitar ao aluno o desenvolvimento de suas potencialidades.

Sendo assim, o professor sai da condução apenas do ensino da
técnica da leitura e passa a ser mediador e, de certa maneira, “animador” do
uso da leitura como deleite, sendo necessário, muitas vezes, habilidades
teatrais. Segundo Camacho e Yela Gómez (2008, apud COSSON, 2015),
para ser “animador de leitura”, são necessárias algumas condições: ter desejo
de ensinar a ler; despertar a vontade de ler; colocar livro à disposição das
crianças; tornar os livros acessíveis ao leitor; contar com uma biblioteca
organizada; e trabalhar em equipe e estabelecer um plano de ação. Além de
todas essas habilidades e, frente ao atual contexto de propagação dos
diversos letramentos, o professor alfabetizador precisa também atuar como
agente de letramento. Segundo Kleiman (2005, p.84),
Um agente de letramento é um agente social e, como tal, é
conhecedor dos meios, fraquezas e forças dos membros do grupo e
de suas práticas locais [...], seus “modos de fazer” para realizar as
atividades visadas: ir e vir, localizar, arrecadar, brincar, jogar,
pesquisar.

Queremos chegar com todas essas informações à nossa preocupação
inicial – a formação do alfabetizador –, pois é possível perceber que além da
falta de disciplinas sobre alfabetização e linguística na formação desse
profissional, os cursos de pedagogia não preparam professores para a
mediação de textos literários, ou seja, não há orientação para atuar como
mediador de leitura, muito menos como “animador de leitura” ou agente de
letramento. De fato, o professor precisa atuar nos dois campos, ensinando e
mediando, mas se faz necessária uma formação adequada para as duas
funções, principalmente durante a graduação, já que as formações
continuadas, muitas vezes, se tornam insuficientes e episódicas. Diante de
suas várias tarefas e do acúmulo de trabalho, o professor primário muitas
vezes não tem tempo para se deleitar sobre um texto literário... Como, então,

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promover o gosto pela leitura? Diante disso, concluímos que a formação do
profissional de ensino para alfabetizar e letrar se tornou uma tarefa
indispensável e preocupante em Alagoas.
CONCLUSÃO
A partir do estudo bibliográfico realizado, pudemos concluir que a
problemática da formação do professor alfabetizador é histórica e atual,
apresentando uma forte precariedade em seu início e que se prolonga até a
atualidade em nossos cursos de Pedagogia, nos quais as questões
linguísticas e metodológicas deixam a desejar em seus currículos. Ademais,
percebemos também que falta formação para o professor atuar como
mediador da leitura. Assim, a falta de formação adequada para essas duas
funções colabora para o fracasso da alfabetização com que convivemos em
Alagoas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Leide Diretrizes e Bases da Educação
Nacional: Lei nº. 9.394/96. Brasília: MEC, 1996.
CAPOVILLA, F. (Org.). Os novos caminhos da alfabetização infantil.2.ed.
São Paulo: Memnon, 2005, p.1-174.
COSSON, Rildo. A prática da leitura literária na escola: mediação ou ensino?,
Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 26, n. 3, p.
161-173, set./dez. 2015.
COSTA, João Craveiro. Instrução Pública e instituições culturais de
Alagoas e outros
ensaios. Maceió: EDUFAL, 2001.
COUTINHO, Vanja Maria Dominices. UM ENFOQUE HISTÓRICO DA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR. Revista Pesquisa em Foco: Educação e
Filosofia, v. 5, n. 5, 2012.

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POERSCH, J. M. Pode-se alfabetizar sem conhecimentos lingüísticos?In:
TASCA, M;POERSCH, J. M. Suportes Lingüísticos para a alfabetização.
2.ed. Porto Alegre: Sagra, 1990.
SANTOS, José A. Dificuldade de compreensão leitora entre alunos de 6ºano
de uma escola pública do interior de alagoas: uma abordagem cognitiva. In:
Anais...IV SIP e I SLBEI, Maceió, 2015, -ISSN: 1981-3031. Disponível
em:<http://www.semanadepedagogiaufal.com.br/index.php/anais>
Acesso
em: 14 dez, 2015.
VILLELA, Heloísa de Oliveira S. O mestre-escola e a professora. In: LOPES,
Eliane Marta Teixeira, et al. 500 anos de educação no Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.

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A LEITURA NO PROCESSO DO LETRAMENTO: a intervenção
pedagógica do professor
Lidian da Silva Santos
lidian-santos@hotmail.com
Rozana Vieira Leite
rosanavieira-24@hotmail.com
RESUMO: A presença da leitura no processo do letramento é de fundamental
importância. O Ler transforma-se em sinônimo de viver, sendo a língua
materna geradora de significação e integradora da organização de mundo e
da própria identidade. Nessa perspectiva, a leitura se compreende como
capaz de instaurar a plena cidadania e possibilita ao cidadão o exercício de
uma postura crítica frente ao que lhe é colocado. Compreender esse universo
da leitura torna-se imprescindível para o bom desenvolvimento do trabalho
pedagógico efetivado pelo professor. É assim que a leitura pode ser vista,
como um recurso facilitador da aprendizagem para dos alunos. A leitura e os
diversos tipos de textos devem se fazer presentes no contexto social e
escolar dos alunos, como recurso didático pedagógico no processo
educacional do letramento. A leitura tem um papel imprescindível no processo
de desenvolvimento do letramento, pois através de sua vivência o aluno pode
aprender de forma diversificada, exercitando sua imaginação, fantasia e
criatividade. Diante disso, torna-se indispensável à intervenção do professor
como agente do letramento, no processo de construção do conhecimento,
visando a necessidade de se construir um aluno leitor e letrado.
PALAVRAS-CHAVE: Compreensão – Leitura – Letramento – Prática social.
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem como foco fazer um estudo teórico sobre papel da
leitura no desenvolvimento do letramento. Tendo como principal objetivo
refletir sobre a importância do professor utilizar em sala de aula diversos tipos
de leituras e textos que estejam presentes no contexto social dos alunos, que
despertem o interesse do aluno e favoreça o processo do letramento como
um todo.

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Nos dias de hoje, mais do que nunca, face ás cobranças do mundo
atual, a leitura tem um papel fundamental no processo de construção do
conhecimento, seja como fio condutor na rede do currículo interdisciplinar,
seja no desenvolvimento de competências e habilidades na interação com
diferentes sistemas de expressão com os quais se queira formar um aluno
capaz de aprender, por si próprio, ao longo da vida.
Na escola dos dias atuais se tem a necessidade de introduzir a leitura
de forma abrangente, de modo que o professor possa inserir estratégias
pedagógicas que incluam o maior número possível de leituras e textos em
sala de aula. Como sabemos a escola é espaço que abrange as mais
diversas culturas, por isso se faz tão necessário a intervenção pedagógica do
professor nas mais variados atividades que atentem para o processo do
letramento e atendam às necessidades de todos.
Os novos indivíduos que estão sendo formandos nas escolas atuais
precisam saber ler o que veem e, também, produzir e expressar-se no mundo
no qual estão inseridos, ou seja, necessitam se tornarem leitores proficientes,
leitores letrados, assim compreendidos aqueles sujeitos leitores críticos,
capazes de transformar aquilo que leem em conceitos pessoais, bem como
estabelecer diversas relações entre o objeto de leitura e o restante dos
conceitos de mundo que dispõem.
A leitura como recurso pedagógico favorece a relação entre o processo
de construção do conhecimento por parte do aluno e a ação pedagógica do
professor. A leitura na ação educativa possibilita que a informação seja
apresentada o aluno por meio de diferentes tipos de linguagens, atendendo
aos diferentes estilos de aprendizagem.
Dessa forma, torna-se indispensável à presença da leitura no processo
de desenvolvimento do letramento. Portanto, a leitura, os textos e os modos
de se comunicar fazem parte do mundo do aluno, pois estão presentes na

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humanidade desde seu início. Não podemos duvidar que a aprendizagem só
aconteça efetivamente em questão através de atividades e de temáticas que
faça parte do contexto social dos alunos.

2 A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO PROCESSO DO LETRAMENTO

Neste momento serão tratados aspectos fundamentais para entender o
que é leitura e letramento, seus conceitos, características, bem como a
importância das práticas de leitura no processo do letramento.

2.1 CONCEPÇÃO DE LEITURA
Como sabemos a leitura é uma atividade que se realiza de modo
individual, mas que, direta ou indiretamente, se intercala num contexto social
no qual o indivíduo está inserido, envolvendo não só as disposições
atitudinais mas, também as capacidades que vão desde a decodificação do
sistema de escrita até a compreensão e a produção de sentido para o texto
lido, ou seja, capacidades essas que possibilitam o aluno à participação ativa
nas práticas sociais letradas que contribuem para o seu letramento.
A concepção de leitura formulada por Senna (1999, p. 23-24), que a
situa para além da mera decodificação de sinais: “Sendo a linguagem a
faculdade de atribuição de juízos a conhecimentos, a leitura é a habilidade –
derivada da linguagem – através da qual o indivíduo aplica seus juízos para
compreender a experiência”. Dessa maneira, para o autor a leitura não é
simplesmente a decifração de códigos, mas sim, uma forma de compreender
e emitir juízos de valores sobre determinado objeto.
segundo Senna (2009), é:

Portanto,

a

leitura

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A leitura é, portanto, uma exigência que se faz presente em todas
as disciplinas acadêmicas da educação formal e, por isso mesmo,
todos nós professores, somos, implícita ou explicitamente,
orientadores do processo de desenvolvimento dessa leitura em
nossas salas de aula. Encarar a leitura, nesse contexto, é um
desafio para qualquer professor, já que sua formação,
invariavelmente, vem se estruturando historicamente com base em
orientações exclusivamente vinculadas à cultura científica. (SENNA,
2009, p. 96).

O principal objetivo do ensino da leitura é a compreensão dos textos
pelo aluno. Ler com compreensão inclui, além da compreensão linear, a
capacidade de fazer inferências. A compreensão linear unifica e interrelaciona os conteúdos lidos, compondo um todo coerente. Já a capacidade
de produzir inferências diz respeito ao ler nas entrelinhas, compreender os
subentendidos, os não ditos, à realização de operações como associar
elementos diversos, presentes no texto ou que fazem parte das vivências do
leitor, para compreender informações ou inter-relações entre informações que
não estejam explicitadas no texto.
Ler não significa meramente passar os olhos por algo escrito, não é
fazer a versão oral de objeto, ler na verdade vai muito mais além disso. É
nesse sentido que Foucambert (1994, p. 28) apud Senna (2009, p.92) afirma:
“Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas
respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a
essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas
informações ao que já se é”. De fato, ler é compreender, interpretar, inferir e
emitir opinião sobre um determinado objeto.
A capacidade de compreensão precisa ser desenvolvida, exercitada e
ampliada em diversos atividades desenvolvidas pelo professor em sala de
aula. Saber reconhecer diferentes gêneros textuais e identificar suas
características gerais favorece bastante o trabalho de compreensão, porque
orienta, adequadamente as expectativas do leitor diante do texto.

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Inúmeras são as atividades que podem ser executadas pelo professor
para o desenvolvimento da capacidade de compreensão de um determinado
texto. São atividades que levam os alunos a partilhar sua emoção e sua
compreensão com os colegas, avaliando e comentando afetivamente o texto,
resumindo-o, explicando-o e fazendo extrapolações. Pois, resumir, explicar,
discutir e avaliar o texto requer tê-lo compreendido globalmente, ter
interligado

informações

e

produzido

inferência.

Fazer

extrapolações

pertinentes – sem perder o texto de vista – contribui para o aprendizado
afetivo e atitudinal de descobrir que as coisas que se leem nos textos, podem
fazer parte da nossa vida, podem ter utilidade e relevância para nós. É
importantíssimo que na rotina da sala de aula, independentemente da idade
dos alunos, seja introduzido momentos diários de leitura, tanto pelo professor
quanto pelos alunos.
A leitura compartilhada tem sido uma das estratégias mais eficientes
para favorecer esse processo, para aproximar os alunos do mundo letrado,
mesmo quando ainda não sabem ler. A leitura contribui para ampliar a visão
de mundo, estimular o desejo de outras leituras, exercitar a fantasia e a
imaginação,

compreender

o

funcionamento

comunicativo

da

escrita,

compreender a relação fala/escrita, desenvolver estratégias de leitura, ampliar
a familiaridade com os textos, desenvolver a capacidade de aprender, ampliar
o repertório textual e de conteúdos para a produção dos próprios textos,
conhecer as especificidades dos diferentes tipos de texto, favorecer a
aprendizagem das convenções da escrita e entre outras.

2.2 CONCEPÇÃO DE LETRAMENTO
As práticas sociais que se realizam entre os sujeitos por meio da
linguagem encontram-se inevitavelmente baseadas no Letramento, condição
em que existe um conhecimento sobre a escrita que as pessoas, mesmo sem

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saber ler ou escrever, dominam. Tal conhecimento é adquirido pelo fato de
que estas pessoas estão inseridas numa sociedade letrada. Neste tipo de
sociedade, a escrita passa a funcionar como mediadora entre tais práticas e
os sujeitos, constituindo eventos de letramento. Assim, as práticas letradas
influenciam todos os indivíduos. Por esta razão, pessoas que vivem em
sociedades letradas não podem ser chamadas de iletradas.
O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender,
que nas sociedades contemporâneas é insuficiente o mero aprendizado das
“primeiras letras”, e que se integrar socialmente hoje, envolve também “saber
utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e
produzindo textos”.
Segundo o Dicionário Houaiss (2001), letramento é um “conjunto de
práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material
escrito”. Como apontado por Soares (1998), o termo letramento é a versão
para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado
ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever.
O letramento pode ser definido como o processo de inserção e
participação na cultura escrita, pode-se dizer que o letramento é um processo
histórico-social. Trata-se de um processo que tem início quando a criança
começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade
(placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas etc.) e se prolonga por toda
a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita, como a leitura e redação de contratos, de livros
científicos, de obras literárias e etc.
O letramento abrange a capacidade de o sujeito colocar-se como autor
(sujeito) do próprio discurso, no que se refere não só à relação com o texto
escrito, mas também à relação com o texto oral. Logo, para uma concepção
histórico-social do letramento, há de se considerar uma concepção de língua -

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e de linguagem - constitutiva das ações sociais. Ações que se organizam em
enunciados que se criam e se recriam nas práticas comunicativas,
configurando os variados gêneros e seus suportes, os quais podem ser vistos
como

o

resultado

das

práticas

discursivas

convencionadas

e

institucionalizadas de comunidades discursivas específicas.

2.3 AS PRÁTICAS DE LEITURA COMO RECURSO PARA O LETRAMENTO
A língua deve entrar na escola da mesma forma que existe vida afora,
ou seja, por meio de práticas sociais de leitura e escrita. A perspectiva é
formar alunos que saibam produzir e interpretar textos de uso social – orais e
escritos – e que tenham trânsito livre nas várias situações comunicativas que
permitem plena participação no mundo letrado. O desafio que se coloca hoje
para os professores é o de conciliar esses dois processos, leitura e
letramento, de modo a assegurar aos alunos a apropriação e a plena
condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Assim,
entende-se que a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que
contempla, de maneira articulada e simultânea, a leitura e o letramento.
Para tanto, Senna (2009), ressalta que:
Embora a leitura detenha um espaço privilegiado na experiência curricular
da escola básica em todas as áreas curriculares, ou seja, costuma-se
compreendê-la, formalmente, como objeto de atividades especificamente
destinadas ao trabalho com a escrita, ou seja, com a leitura/produção de
textos verbais e não verbais de caráter ficcional, restringindo-a, assim, às
ares das ciências humanas. A consequência disso é o fato de o aluno, não
raramente, deixar de se perceber leitor em outras situações recorrentes no
cotidiano da escola, especialmente as que envolvam atividades técnicocientíficas e a leitura de textos de caráter ficcional. (SENNA, 2009, p.93).

Esse contexto escolar de letramento representa uma abertura de
possibilidades, um exercício do direito de aprender na escola, as práticas de
leitura e escrita tal como acontecem na vida. É dessa forma que se pode
favorecer a plena participação dos alunos no mundo da cultura da leitura.
Explorar a relação extraescolar dos alunos com a leitura significa possibilitar
oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais ricas e
importantes para a plena integração social e o exercício da cidadania.

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De acordo com Senna (2009, p. 106), o ler é entendido como interagir,
é estabelecer uma conversa com o texto, na verdade ler para o autor significa
conferir significados ao escrito. Sendo assim, é de grande relevância levar em
consideração o conhecimento prévio do aluno, sua maneira de enxergar as
coisas do mundo. Ainda segundo o autor, é necessário que haja uma
definição do conceito de leitura associada à linguagem e à cognição por parte
de todos aqueles que estão envolvidos no processo educacional. Diante
disso, Senna (2009), coloca que:
a compreensão da leitura vai depender do conhecimento de mundo
do ouvinte (ou leitor) e, principalmente da relevância, por ele
atribuída, à multiplicidade de sentidos das palavras que lhe
apresentam. Por isso, então, para extrairmos sentido da linguagem,
torna-se necessário o conhecimento de mundo. O aluno atribui
sentidos ao que está lendo de acordo com o seu conhecimento de
mundo, seus juízos previamente instituídos como conceitos.
(SENNA, 2009, p. 105).

É certo que a capacidade do letramento só se desenvolve com o tempo
e progressivamente, mas é certo, também, que se a prática pedagógica não
estiver orientada nesse sentido, pode não se desenvolver em momento
algum. Criar um contexto de letramento na escola desde a Educação Infantil
até a Educação de Jovens e Adultos é uma tarefa das mais importantes
quando o objetivo é formar leitores e escritores desde o início do processo de
alfabetização, que tem lugar muito antes de os alunos serem formalmente
alfabetizados.
É importante ressaltar que a simples exposição dos alunos à leitura na
sala de aula não é suficiente para que eles sejam letrados. Salas de aula
cheias de escritas afixadas nas paredes não se constituem, por si só, em
ambientes letrados, não se constituem contextos de letramento. Isso é algo
que depende da criação do maior número possível de situações de uso real
da leitura na escola. A aprendizagem da leitura está relacionada à reflexão
que os alunos podem fazer sobre ela – suas características, seus modos de
funcionamento, suas regras de geração. Para que eles aprendam a ler e a

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escrever é preciso, portanto, planejar situações didáticas específicas
destinadas a essa finalidade.
A relação entre a escola, a leitura e a vida pode ser muito significativa
se não distanciarmos os elos dessa cadeia. A melhor coisa que fazemos por
nossos alunos é criar espaços na sala de aula para conversas, para manuseio
e leitura de materiais escritos variados e situações em que escrevam
atendendo a múltiplas propostas, para que possam se tornar íntimos de
diversos tipos de texto que, na sociedade letrada, cumprem funções
específicas e diferenciadas.
É nesse sentido que Senna (2009), aponta que no espaço da escola,
há alguns cuidados que devem ser levados em consideração pelos
professores durante a preparação de atividades de leitura, são eles:
I – assegurar-se de que todos os alunos já identificam a função da
escrita, reconhecendo os textos escritos – em todas as suas
modalidades escolares – como instrumentos de interação
comunicativa; II – assegurar-se de que a estruturação formal do
texto (sua estrutura gramatical e textual) seja adequada à interação
com o aluno no momento da leitura; III – assegura-se de que, na
interação com o texto, o custo de decodificação da escrita não se
some a um custo de representação na atividade leitora, devendo-se,
portanto, cuidar para que a quantidade de informações já
conhecidas pelo aluno seja muito maior do que a quantidade de
informações novas. (SENNA, 2009, p. 106).

É necessário que a escola ofereça aos alunos textos diversos e de
qualidade, complementando que esta diversidade compreende, também,
recursos de imagem e som, como é o caso da televisão. Este objeto não deve
ser excluído do universo de “leitura”, em seu sentido amplo, mas acolhido de
modo crítico, de modo que o afeto e a companhia do adulto leitor sejam meios
de promover uma postura reflexiva diante das inúmeras imagens e
mensagens que instauram realidades. Assim, deve-se procurar integrar a
televisão na vida escolar, com o objetivo de ampliar a formação leitora das
crianças, sem ignorar a importância desse veículo na vida cultural brasileira.

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Sabe-se que quanto mais os leitores iniciantes, leitores em formação,
tiverem contato com diferentes suportes de leitura (livros, jornais, revistas,
Internet etc.) e com variados gêneros e modalidades textuais que circulam
socialmente, mais aptos estarão para a leitura do mundo e da palavra e para
o efetivo exercício da cidadania.
Atualmente é necessário que o um ensino de leitura seja pertinente
para a vida dos alunos tomar a leitura como prática interativa. Essa
concepção abre-se para o fato de que não há uma única maneira de abordar
o texto, e uma única maneira de interpretá-lo. O que passa a contar para a
construção do sentido do texto é, em grande parte, a experiência do leitor.
Essa experiência, como nos mostra Kleiman (2005), é indispensável para
estabelecer o sentido, não há leituras permitidas num sentido absoluto, mas
sim reconstruções de significados, algumas mais e outras menos apropriadas,
segundo as finalidades e desejos de cada leitor.
As práticas de letramento em família e na comunidade são, às vezes,
surpreendentes na forma como criam, para os leitores, as condições
necessárias à construção do sentido da leitura através de experiências vivas
e interativas.
Diante dos aspectos aqui considerados e dos princípios inerentes a
uma concepção de leitura interativa, fica claro o papel da escola e mais
especificamente, do professor, no planejamento e realização de uma prática
em sala de aula, cujas implicações sejam positivas para a formação de um
leitor crítico e eficiente, um leitor capaz de desvelar significados, mesmo
quando as palavras de um texto lhes pareçam, à primeira vista, ou seja, um
leitor letrado.
O letramento envolve a imersão da criança, do jovem ou do adulto no
mundo da leitura e escrita e, nesse sentido, para conseguir essa imersão o
professor deve adotar práticas diárias de leitura de livros, jornais e revistas
em sala de aula, ampliando assim, o conhecimento ser adquirido pelo aluno.

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O letramento também significa compreender o sentido, numa
determinada situação, de um texto ou qualquer outro produto cultural escrito.
Por isso, uma prática de letramento escolar poderia implicar um conjunto de
atividades visando ao desenvolvimento de estratégias ativas de compreensão
da escrita, à ampliação do vocabulário e das informações para aumentar o
conhecimento do aluno e à fluência na sua leitura.
Uma importante contribuição dos estudos do letramento para a reflexão
sobre o ensino da língua escrita na escola é a ampliação do universo textual,
que significa, concretamente, a inclusão de novos gêneros, de novas práticas
sociais de instituições (publicitárias, comerciais, políticas) que, até pouco
tempo, não tinham chegado aos bancos escolares.
As práticas de letramento escolares visam ao desenvolvimento de
habilidades e competências no aluno e isso pode, ou não, ser relevante para
o estudante. Daí a importância de se incluir também os textos comuns, sobre
assuntos corriqueiros, de circulação cotidiana na família ou no ambiente de
trabalho, que qualquer escolarizado bem-sucedido compõe quase sem
pensar. Eis aí também não uma novidade, mas uma nova forma de conceber
o trabalho escolar e suas relações com a vida social.
O letramento nos permite aprender a continuar aprendendo. Assim é
com qualquer outro saber. Precisamos das ferramentas para continuar
aprendendo, e a leitura é sem dúvida nenhuma a ferramenta por excelência
para isso.
Para formar alunos leitores e letrados, o professor, além de ser um
leitor ativo e plenamente letrado, é claro, precisa ter os conhecimentos
necessários para agir como um verdadeiro agente social. O agente de
letramento consegue, por meio de sua liderança, articular novas ações,
mobilizando o aluno para fazer aquilo que não é imediatamente aplicável ou
funcional, mas que é socialmente relevante, aquilo que vale a pena ser
aprendido para que o aluno seja plenamente inserido na sociedade letrada.
Dessa forma, criar e recriar situações que permitam aos alunos participar

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efetivamente de práticas letradas torna-se imprescindível no trabalho
pedagógico do professor.
A formação de um leitor letrado competente é sem dúvida nenhuma o
maior objetivo da escola, pois a leitura é o maior instrumento para a
construção do conhecimento. Despertar no aluno o interesse pela leitura pela
leitura é o maior legado de um professor as seus alunos. Leitores letrados,
competentes e interessados só se farão com uma prática constante da leitura
de textos variados e contextualizados.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o trabalho foi apresentado à importância da leitura no processo
do letramento, que tem sido evidenciada por vários estudiosos do letramento
como um fato indiscutível, no sentido de que os alunos vivem em meios
contextualizados e também porque a leitura se constitui um dos recursos de
ensino mais eficientes para o indivíduo adquirir conhecimentos sobre a
realidade.
Foi apresentado também que as diversas atividades realizadas para o
desenvolvimento do letramento devem ser contextualizados com a prática
social dos educandos. Nesse contexto, a leitura e os diversos tipos de textos,
utilizados como recursos pedagógicos, não são elementos que trazem um
saber pronto e acabado, ao contrário, esse saber precisa ser ativado pelo
leitor. Assim, a leitura no processo do letramento é um objeto dinâmico e que
se modifica a partir das interações do leitor.
Na sociedade contemporânea a leitura é uma exigência que está
presente nos mais diversos contextos sociais. Dessa forma, um dos grandes
desafios das escolas nos dias atuais é formar leitores letrados, críticos,
capazes de produzirem sua própria visão de mundo.

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Apesar, de nos últimos anos, muitos estudiosos tenham mostrado a
verdadeira importância do letramento, seria de suma importância que novos
estudos científicos fossem realizados sobre o referido tema, pois o letramento
torna-se imprescindível para a compreensão de tudo o que está ao nosso
redor.

REFERÊNCIAS
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Disponível
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escrever? São Paulo: Produção Editorial, 2005. Disponível em:
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998.

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REFLEXOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
ALFABETIZAÇÃO NA SALA DE AULA: o programa Pacto com
os Municípios
Islayne Barbosa de Sá Gonçalves
islayne_bsa@hotmail.com
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo analisar as concepções de
uma professora alfabetizadora sobre um programa voltado para alfabetização
inicial, bem como refletir sobre a prática pedagógica redirecionada por esse
mesmo programa. Para tanto, a pesquisa, de abordagem qualitativa, utilizou
como instrumentos de coleta de dados a entrevista semiestruturada e
observação participante. Percebemos que a produção de políticas e
programas educacionais para alfabetização refletiu no processo alfabetizador,
redirecionou o trabalho pedagógico, e inseriu novas concepções de ensino na
sala de aula. A sua implementação trouxe benefícios à aprendizagem das
crianças, mas gerou dificuldades que poderiam ser minimizadas se a proposta
fosse melhor ajustada ao currículo. Ressalta-se a necessidade de dialogar e
propor caminhos que busquem aproximação com o cotidiano escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização – Programas – Concepção – Práticas
1 INTRODUÇÃO
A produção de saberes no campo da alfabetização trás novos olhares
para o processo de ensino/aprendizagem. Nas últimas décadas, assistimos
uma disputa entre o mais adequado e eficiente processo de ensino, que a
cada nova contribuição científica trazia concepções e práticas distintas para o
cotidiano alfabetizador. O debate estava centrado na descoberta e emprego
de métodos que oferecessem resultados positivos para alfabetizar. No
entanto, os avanços teóricos permitiram redirecionar o olhar para a
aprendizagem e isto ampliou a discussão, possibilitando a percepção do
processo de alfabetização a partir de novos eixos.
Apesar disso, o analfabetismo é realidade de muitas escolas públicas,
e mesmo que tenha tido uma diminuição nas últimas décadas, ainda
apresenta um percentual elevado, principalmente nas regiões Norte (9,1%) e

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Nordeste (16,2%) segundo dados do IBGE (2015). O reconhecimento dessa
problemática tem se manifestado em diversas iniciativas governamentais,
como o desenvolvimento de políticas públicas e programas educacionais para
as primeiras séries do Ensino Fundamental, seja em nível Federal, Estadual e
Municipal.
Dessa

maneira,

os

programas

educacionais

voltados

para

a

alfabetização inicial tem ganhado destaque nas escolas brasileiras. PROFA –
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores; PRALER – Programa
de Apoio a Leitura e Escrita; Pró-Letramento; PAIC – Programa pela
Alfabetização na Idade Certa; e PNAIC – Programa Nacional pela
Alfabetização na Idade certa são alguns exemplos de políticas para a
alfabetização desenvolvidas e implementadas pelo Governo Federal e
Estadual. Estes programas buscam através de estratégias de formação
contínua e metodologias diferenciadas contribuir para a aquisição da leitura e
escrita nas primeiras séries do Ensino Fundamental, reduzir o analfabetismo e
o fracasso escolar nessa etapa de ensino (VIÉDES; BRITO, 2015).
Nesse cenário, a rede Municipal de Paulo Afonso/BA adotou um
programa para auxiliar no processo de alfabetização. O programa “Pacto com
os Municípios” é uma iniciativa do Estado da Bahia, e apresenta como metas
principais alfabetizar todas as crianças até 08 anos de idade, a erradicação do
analfabetismo, e a melhoria na qualidade de ensino das escolas públicas. Em
parceria com os municípios baianos, o programa busca através de formação
contínua, de avaliações periódicas e da utilização de materiais pedagógicos
específicos para alfabetizar, reforçar a aprendizagem nas primeiras séries do
ensino fundamental e garantir uma educação de qualidade.
Nessa direção, entendemos que a constituição de políticas e
programas educacionais para a alfabetização reflete diretamente no trabalho
do alfabetizador, pois defini e redefini suas práticas pedagógicas. Desse
modo, o presente artigo teve como objetivo principal analisar as concepções
de uma professora alfabetizadora sobre o programa Pacto com os Municípios,

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bem como refletir sobre sua prática pedagógica redirecionada por esse
mesmo programa. Percebemos que a produção de programas para
alfabetização traz modificações para o exercício pedagógico, e, além disso,
insere novas concepções de ensino na sala de aula.
É relevante, desse modo, refletir sobre sua implementação a partir de
um viés concreto, isto é, a partir da percepção dos docentes que conduzem o
processo de alfabetização, onde, na maioria das vezes não são convidados a
participarem dessas elaborações (CANDAU, 1998). Buscamos, com este
artigo, refletir sobre os elementos que constituem o processo de alfabetização
a partir das discussões dos programas que buscam a qualidade na educação.
Desse modo, acreditamos que conhecer as concepções dos professores
sobre o programa a qual participam revela a sua relevância para o ensino,
assim como o impacto do programa para a aprendizagem das crianças.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O PROGRAMA PACTO COM OS MUNICÍPIOS: QUESTÕES TEÓRICOMETODOLÓGICAS
O índice de crianças alfabetizadas no Brasil vem crescendo a cada
ano. No estado da Bahia, houve redução entre os anos de 2007 e 2013. E
apesar disso, o estado ainda apresenta um nível considerável de
analfabetismo, aproximadamente 13,5% (IBGE, 2015). O reconhecimento
dessa problemática e a importância que a alfabetização inicial tem para a
continuidade da escolarização, levou a Secretária de Educação do Estado da
Bahia a elaborar e implementar o programa Pacto pela educação. Buscando
fortalecer o ensino das primeiras séries e garantir aos estudantes o direito a
uma aprendizagem de qualidade, o programa trouxe como eixo central a
alfabetização de crianças das escolas públicas da Bahia.

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O Pacto foi lançado em 2011, em regime de colaboração e parceria
com os municípios baianos. O programa atende aproximadamente 143 mil
estudantes de 1º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas da Bahia,
com adesão de 370 municípios. Buscando, nesse sentido, maior aproximação
entre as redes de ensino de modo a construir um sistema de educação de
qualidade na Bahia, “a estratégia é unir esforços, recursos e conhecimento
pedagógico para garantir a alfabetização” (TODOS PELA ESCOLA, 2014,
pag.08).
Traz como base teórico-metodológica alfabetizar por meio do
letramento. O ensino, a partir dessa perspectiva, procura possibilitar a
aprendizagem da língua, buscando apropriar-se dos significados e funções
que a língua apresenta socialmente, ou seja, “de fazer uso real e adequado
da escrita com todas as funções que ela tem em nossa sociedade e também
como instrumento na luta pela conquista da cidadania” (SOARES, 1998,
p.33). Assim, propiciar a aquisição da leitura e da escrita ao mesmo tempo em
que insere as crianças na cultura escrita possibilita ao aprendiz a
compreensão do sistema alfabético em sua totalidade.
Nesse sentido, o programa considera que,
[...] se aprender a ler a escrever com melhor qualidade e de forma
mais democrática, letrando-se e alfabetizando-se num ambiente
escolar que permita ao aprendiz ler com compreensão, com
sentimento, com criação, tendo como mediador um (a) professor(a)
que compreenda a não separação, as especificidades e as “facetas”
da alfabetização e do letramento. Este é o desafio: alfabetizar e
letrar, com qualidade, as crianças do 1º ano do ensino fundamental
do Estado da Bahia (PACTO COM OS MUNICÍPIOS, 2011, pág.
12).

Diante disso, o Pacto apoia sua proposta didática buscando alfabetizar
e letrar. Sendo a alfabetização compreendida a partir do desenvolvimento da
reflexão metalinguística, ou seja, é através de atividades que exerçam a
análise fonológica (reflexão de sonoridade/sílabas e composição das letras
nas palavras) que os aprendizes descobrirão como funciona o sistema de

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escrita alfabética, considerando as práticas sociais de oralidade, leitura e
escrita.
Figura 1 – Proposta didática do programa Pacto.

Fonte: Manual do Programa Pacto, 2011.
De acordo com esse esquema, o programa classifica as atividades a
serem desenvolvidas em atividades alimentadoras e estruturantes, “atividades
de análise fonológica para que ele compreenda que a escrita representa os
sons das palavras e atividades de análise estrutural para que ele compreenda
como a escrita representa” (PACTO COM OS MUNICÍPIOS, 2011, pág. 16).
Desse modo, considerando a sua proposta didática o programa Pacto busca
alfabetizar todas as crianças até os 08 anos de idade articulando-se em três
eixos centrais: Formação contínua, avaliações periódicas e suporte didáticopedagógico.
2.1.1 Formação Contínua e Acompanhamento

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É ofertado aos professores formações contínuas para o trabalho com o
programa na sala de aula. Cada município possui orientadores de estudo ou
formadores municipais que juntamente com os alfabetizadores discutem as
bases teóricas do campo da alfabetização e letramento, planejam suas
atividades de acordo com a proposta pedagógica do Pacto, e ainda
socializam as experiências vivenciadas através das rotinas didáticas.
As rotinas didáticas são apresentadas pelo programa e planejadas
durante os encontros de formação com os alfabetizadores, conforme os
conteúdos e objetivos previstos para o bimestre. O Pacto divide suas
atividades em 4 períodos, isto quer dizer que a cada 2 meses são previstos
conteúdos didáticos distintos para alfabetizar e letrar.
A figura abaixo exemplifica a organização das atividades através de
rotinas didáticas.
Figura 2 – Exemplo de rotina didática

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Fonte: Manual do Programa Pacto, 2011.

É de acordo com a rotina didática que o alfabetizador desenvolve as
atividades com os alunos na sala de aula, ou seja, é a partir do que o Pacto
determina que a docente realizará os exercícios propostos, bem como o
tempo destinado para seu desenvolvimento.
Durante essas formações também, são avaliados e discutidos o
desempenho das escolas participantes do programa. Esse acompanhamento
é realizado pelos formadores municipais diretamente nas escolas, onde os
níveis de desenvolvimento das crianças são periodicamente analisados e
acompanhados pela Secretaria de Educação do Estado e pelo coordenador
responsável pelo Município.
2.1.2 Suporte didático-pedagógico
Para o desenvolvimento da proposta, as escolas participantes contam
com materiais didáticos específicos para o trabalho com a leitura e escrita,
distribuídos para as crianças e professores alfabetizadores, são eles: Livro de
leitura “parece, mas não é”são apresentados textos de diferentes gêneros
textuais envolvendo animais, em especial os animais selvagens; Cadernos de
atividades para os alunos; Conjunto de Cartelas e Fichas (Cartelas para
análise fonológica, Cartelas com alfabeto maiúsculo e minúsculo, Cartelas de
palavras e de animais de A a Z) para o trabalho com o sistema de escrita
alfabético; Cartazes e Manual do professor. Além disso, são distribuídos kits
com livros de literatura infantil para composição de cantinhos de leitura nas
classes de alfabetização.
3 PROCEDIMENTOS METODLÓGICOS
Considerando a natureza do objeto, esta pesquisa adotou o estudo de
caso de abordagem qualitativa. Para tanto, a investigação foi realizada em

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uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede
Municipal de Paulo Afonso – BA, composta de 25 alunos com faixa etária
entre 06 e 07 anos de idade e de 01 professora alfabetizadora. Utilizamos
como estratégias de pesquisa a entrevista semiestruturada e observação
participante. Inicialmente, foi realizada a observação participante com duração
de 07 semanas e, ao fim desse período, a entrevista semiestruturada com a
professora alfabetizadora. Os dados recolhidos foram analisados conforme
Lüdke e André (1986), e Lankshear e Knobel (2008), e ajudaram a descrever
e esclarecer pontos levantados inicialmente, bem como os dados emergidos
durante a investigação, que se tornaram significativos para a compreensão da
problemática da pesquisa. Foi possível, dessa maneira, entender o que a
professora pensa a respeito da implementação do Pacto na sala de aula,
contribuindo para a construção de saberes a partir da convivência com o
cotidiano escolar.
3.1 O PROGRAMA PACTO NA SALA DE AULA: ENTRE CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO
Compreender o que a docente pensa e entende sobre o Pacto revelou
elementos importantes do processo de alfabetização mediado pelo programa.
A organização das atividades e a avaliação do desenvolvimento dos alunos
são realizadas durante as formações contínuas com alfabetizadores e com os
orientadores de estudo, conforme mencionado anteriormente. O programa dá
ao alfabetizador sugestões de atividades e utilização do material. O Pacto é
desenvolvido através de rotinas didáticas previamente elaboradas pelo
programa e fornecida ao professor para ser aplicado a cada dia.
É orientado aos docentes trabalha-lo durante uma hora e meia (1h 30
min) diariamente. E manter essa estrutura foi preocupação constante da
professora. Por isso, ela se esforçava para que não houvesse atrasos nas
atividades. Desse modo, quando alfabetizadora precisa se ausentar da sala

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de aula, os exercícios do programa são repostos em dia posterior. O que
acaba gerando uma grande problemática, uma vez que a professora precisará
dar as atividades previstas para aquele dia e as atividades que estiverem
atrasadas. Em diversos momentos durante a observação em sala, pode-se
perceber sua preocupação: “Irei trabalhar os 03 dias (Segunda, Terça e
Quarta-feira), pois nesses dias estava em AC e em formações oferecidas pela
Secretaria de Educação do Município” (Alfabetizadora).
Pela sobrecarga de atividades a serem dadas, algumas atividades não
são desenvolvidas como planejadas. Isto pode ser verificado nos registros de
campo, onde a docente justifica aos seus alunos: “Não iremos realizar a
leitura em duplas, vamos passar para a próxima questão se não, não dará
tempo” (Alfabetizadora). Além disso, o tempo destinado ao próprio programa
gera uma problemática com os demais componentes curriculares, que, para a
professora, o tempo restante se torna insuficiente para o ensino de seus
conteúdos, como ela relata: “Leva muito tempo, o Pacto. Diz que é só uma
hora e meia para a gente trabalhar, mas não é só uma hora e meia, leva mais
tempo” (Alfabetizadora). Esse conflito surge pela distância entre aqueles que
elaboram as propostas educacionais com a realidade escolar, trazendo
dificuldades para o cotidiano do professor que, na maioria das vezes, não são
convocados a participarem dessas elaborações (CANDAU, 1998).
Por não haver esse diálogo, as outras atividades curriculares como
matemática ciências, geografia e história são negligenciadas. Conforme
descreve a professora, quando questionada sobre a aplicação do programa
na sala de aula: “É muito bom. Agora que fossem inseridos os conteúdos que
nós temos a trabalhar junto dele, no mesmo planejamento. Porque nós
ficamos muito confusas, uma hora a gente tem que trabalhar ciências,
matemática e no outro horário o pacto” (Alfabetizadora). Verifica-se, dessa
maneira, que há a necessidade de maior diálogo com a comunidade escolar
para que estas propostas possam ser de fato significativas.

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Sobre isso,

Candau (1998) destaca o distanciamento entre estas

propostas de reforma com a realidade escolar. Kramer (1997) também lembra
que isto ocorre pela a ausência de diálogo com todos os sujeitos envolvidos
nesse processo: professores, alunos e comunidade escolar. E desta forma,
segundo a autora, os professores acabam assumindo o papel de aplicadores
e reprodutores de propostas e projetos, deslocando-se de seu papel de
favorecer a construção do conhecimento. Assim,
Não são factíveis sem o consenso e a participação da comunidade
educativa e sem a incorporação das experiências que a sociedade
tem acumulado. As políticas impostas verticalmente, de forma
homogênea e sem consulta, constituem fracassos prováveis e
requerem medidas autoritárias para se sustentar [...] Uma reforma
deve respeitar os tempos e o direitos dos sujeitos da comunidade
educativa a participar na mudança da sua educação, da educação
de seus filhos ou daquela que lhes compete como docentes
(CANDAU, 1998, p. 39).

Contudo, foi possível perceber também, que para a professora, o
material didático disponibilizado por este Programa é melhor do que o livro
didático oficial de língua Portuguesa (Coleção Porta-Aberta) pois, possui os
conteúdos necessários à aprendizagem da escrita. Segundo a professora,
“Ele é muito bom. É melhor do que o livro porta-aberta, porque ele dá ênfase
na gramática, nos textos, nas interpretações. Então é muito bom as atividades
do Programa Pacto”(Alfabetizadora). Sobre isso, Coutinho (2005) destaca que
a preferência por determinado livro ou material didático implica uma
motivação implícita à prática pedagógica que determina quais conteúdos são
adequados/inadequados para o ensino da leitura e escrita. Desta forma, é
importante ressaltar que a concepção que a docente traz sobre o processo de
alfabetização

está

fundamentado

nos

elementos

da

codificação

e

decodificação, divergindo, desse modo, da concepção de alfabetização
proposta pelo programa em questão. No entanto, apesar dessa divergência,
as atividades disponibilizadas pelo Pacto se aproximam mais do modo como

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a alfabetizadora percebe essa etapa escolar e, portanto, são mais adequadas
para alfabetizar as crianças.
De acordo essas análises, é visível que a implementação do Projeto
trouxe benefícios à aprendizagem das crianças, mas gerou dificuldades que
poderiam ser minimizadas se a proposta fosse melhor ajustada ao currículo.
Ressalta-se a necessidade de dialogar e propor caminhos que busquem
aproximação com o cotidiano escolar, pois “uma proposta pedagógica precisa
ser construída com a participação de todos [...] levando em conta suas
necessidades, suas especificidades, sua realidade” (KRAMER, 1997, p. 171).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O programa Pacto com os Municípios trouxe inovações para a prática
pedagógica na medida em que inseriu o letramento como proposta didática
para alfabetizar. E embora exista certa divergência nas concepções de
alfabetização entre a docente e o Pacto foi possível perceber que as
atividades propostas pelo programa são consideradas pela alfabetizadora
como bastantes significativas para a apropriação da leitura e escrita.
Apesar disso, o trabalho com o Pacto tem gerado dificuldades para o
ensino e aprendizagem das crianças. O tempo destinado é insuficiente, há
pouco ou nenhum diálogo com os demais materiais didáticos e isto leva a
alfabetizadora a negligenciar os demais componentes curriculares previstos
para essa etapa de ensino. Assim, salientamos a necessidade de maior
aproximação com aqueles que elaboram as políticas e programas
educacionais, de modo a conhecer o cotidiano alfabetizador. Acreditamos que
reformas e programas educacionais serão de fato significativos e permitirão o
avanço educacional, desde que discutida e refletida com toda comunidade
escolar.
REFERÊNCIAS

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MOREIRA, A.F. (Org.). Currículo: políticas e práticas. 4. ed. Campinas:
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FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto
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_____, E. Reflexões Sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 1989.
_____, E. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 2001.
KRAMER, Sonia. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3º Ed. Belo
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VIÉDES, Silvia Cristiane Alfonso; BRITO, Vilma Miranda. A política
educacional de alfabetização da criança consubstanciada pelos
programas, projetos e pactos: o novo ou tudo de novo? Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, nº 63, p. 147-171, 2015.

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UM CAMINHO ANALÍTICO-METODOLÓGICO EM GENÉTICA
TEXTUAL: versões em criação de alunos recém-alfabetizados
Dennys Dikson
Resumo: Este trabalho se propõe a discutir e apresentar reflexões [teórico]metodológicas sobre a relação intrínseca que há entre a produção escrita
escolar de díades de alunos recém-alfabetizados e a Genética Textual (GT).
Um dos vieses metodológicos imbuídos na GT permite essa possibilidade de
discussão, qual seja: métodos de análises de Manuscritos Escolares (ME) a
partir de suas diversas versões – quando estes nascem, surgem e se fazem
escritura desde o planejamento até o texto final, forjados em tarefas escolares
no Ensino Fundamental. Inseridos neste campo de estudo (a GT), assumimos
cada um desses movimentos de criação (escrito e oral) como sendo uma
versão do processo da gênese escritural. Imbricados nas noções sobre
processos de escritura em ato e ME propostas por Calil (2008, 2009),
procuraremos demonstrar que tanto a discussão sem escrita, quanto a escrita
em curso, bem como a escritura em processo durante a coenunciação (dos
alunos) acerca do que vai para o papel e suas transcrições, por exemplo, são,
todas, faces de uma mesma moeda: o nascimento ou gênese do ME, com o
fito de produção de um único texto final solicitado pelo professor e construído
em duplas pelos discentes. Para tal, trabalhamos com os alunos Projeto
Didático/atividades escolares forjadas a partir do gênero histórias em
quadrinhos; e como base teórico-metodológica, guiamo-nos nas noções
propostas pela GT acerca das diversas versões produzidas pelo scriptor, este
sempre cindido pelos traços e rasuras na criação dos manuscritos
(GRÉSILLON, 1994, 2007; FERRER, 2002; DE BIASE, 2010; WILLEMART,
1993; CALIL, 2008, 2009; DIKSON, 2015).
Palavras-chave: Método em processo – Criação em ato – Versões genéticas
– Sala de aula – Histórias em quadrinhos.
1. Introdução
A presente investigação está situada na linha de estudos proposta por
Calil (2008, 2009), voltada a análises de processos de criação e escritura de
diferentes gêneros textuais em contextos escolares, a partir da interação entre
dois alunos recém-alfabetizados. Utilizando como recurso metodológico
filmagens desses processos de criação, marcados por uma escrita conjunta

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de um único texto por uma díade de alunas, nosso viés investigativo pretende
trazer contribuições substanciais no campo da Genética Textual (GT), ao
apresentar, dentro do caminhar metodológico de um projeto didático, cada um
dos movimentos do processo de invenção de textos em ambiente de sala de
aula como sendo uma versão – seja oral, oral/escrita, escrita, ou final – da
gênese criativa do manuscrito escolar (ME) finalizado.
Normalmente, os trabalhos voltados a análises ou estudos de textos
produzidos por alunos em ambiente ecológico-escolar focam em textos findos,
terminados, “passados a limpo”, enxutos dos “erros”. Ou seja, perdem-se os
aspectos processuais de autoria quando se analisa ou se “corrige” apenas o
texto final; perdem-se também os passos dados para que o texto se torne
texto, bem como as pistas que as falas, rasuras, rabiscos, combinações,
trocas de ideias, etc., podem deixar como rastros relevantes de investigação.
Tendo essas inquietações como ponto de partida, traremos uma discussão
não voltada a análise dos textos em si, mas direcionada a uma questão
metodológica de grande relevância para pesquisas que tenham ME como
objeto de perquirição, e tratada por alguns estudiosos do campo da Genética
Textual (GT) (GRÉSILLON, 1994, 2007; FERRER, 2002; DE BIASE, 2010;
WILLEMART, 1993; CALIL, 2008, 2014; LIMA; CALIL, 2008, 2009; DIKSON,
2011, 2015), qual seja: entender como cada versão da gênese do texto
[escolar] se apresenta a partir da aplicação e da metodologia trazida por um
projeto didático de escritura, criação e invenção de histórias em quadrinhos
(HQ) em sala de aula, e como essas versões podem trazer outros olhares ao
professor e, principalmente, ao professor-geneticista ou estudioso da área
que busca não exclusivamente o fim, mas, e em especial, os meios.
Num

primeiro

momento

traremos

alguns

aportes

teórico[-

metodológicos] da GT, como lugar de embasamento crítico; em seguida,
apresentaremos o projeto didático junto com sua metodologia; e, por
derradeiro, mostraremos como esse trabalho pedagógico nos proporciona um
corpus com versões textuais da gênese de criação que dão origem ao ME

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final, àquele que o aluno entrega quando termina de realizar a atividade
solicitada pelo professor.
2. Criação e Genética Textual
Mergulhar nos estudos da GT é caminhar no mundo do trabalho
sempre inacabado do geneticista – aquele que, incansavelmente, deita-se no
manuscrito, no prototexto21, para buscar o que riscos, rasuras, correções,
traços, proposições, apagamentos, deslocamentos, figuras, rabiscos, etc.,
podem oferecer enquanto interpretação e hipóteses; isto é, é através do que o
texto “não pronto”, em processo de escritura, apresenta, em suas possíveis e
diversas versões, que o estudioso vai procurando “desvendar”, compreender,
analisar e formar possibilidades acerca dos motivos, das causas, dos
porquês, que circunstanciaram a criação desta ou daquela materialidade
textual. Aquele que adentra no campo da GT como estudioso não é mero
espectador ou especulador da escrita, do que está posto no papel, na
verdade o geneticista extrapola:
Do traço fixo, isolado e frequentemente distanciado da mão que
escreve, ele remonta às operações sistemáticas da escritura –
escrever, acrescentar, suprimir, substituir, permutar – pelas quais
identifica os fenômenos percebidos. A partir dessas redes de
operações, ele forma conjecturas sobre as atividades mentais
subjacentes. Ele constrói (...) hipóteses sobre os caminhos
percorridos pela escritura e sobre as significações possíveis desse
processo de criação (GRÉSILLON, 2007, p. 29-30)

Embora a raiz da GT (conforme pontuamos acima quando tratamos da
terminologia CG) seja realmente o estudo de manuscritos literários de autores
consagrados, é interessante asseverar que não há “exclusividade teórica”
nisso. Quer dizer, quando se trata de GT, não se quer falar que temos por
objetos apenas textos de literatos conhecidos; de forma alguma. O leque é

21

Em nota de rodapé, Grésillon (2007, p. 29) mostra que “O termo foi proposto e definido por
Jean Bellemin-Noël, em sua obra Le texte et l’avant-texte, Paris, Laurosse, 1972. ‘Prototexto’:
o conjunto constituído pelos rascunhos, pelos manuscritos, pelas provas, pelas ‘variantes’,
visto sob o ângulo do que precede materialmente uma obra, quando essa é tratada como um
texto, e que pode formar um conjunto com ele’ (p. 15)”

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bem mais amplo, e é por isso que pisamos nesse terreno frutífero do
geneticista. De Biasi é bem enfático sobre tal ponto, quando afirma que “O
modelo de análise genética [...] pode, sem dúvida nenhuma, se estender a
outras manifestações de criação”, e acrescenta que fazer essa “extensão só é
possível para as obras cujos arquivos de trabalho foram mantido” (2002, p.
219 – grifo nosso). O grifo em obras foi absolutamente proposital. Nossas
“obras”, nossos arquivos de trabalhos, são exatamente os manuscritos
escolares e seus processos dialogados – justamente suas versões –
produzidos pelas díades em sala de aula, as HQ; essas são as “obras” que
preservarmos e mantemos análises, estendendo traços da GT para os
quadrinhos produzidos pelos discentes em locus escolar.
O genético de textos, senão escolhas, no mínimo deve implicar
preferências:
as da produção sobre o produto, da escritura sobre o escrito, da
textualização sobre o texto, do múltiplo sobre o único, do possível
sobre o finito, do virtual sobre o ne varietur, do dinâmico sobre o
estático, da operação sobre o opus, da gênese sobre a escritura, da
enunciação sobre o enunciado, da força da escrita sobre a forma do
impresso. (GRÉSILLON, 2007, p. 19)

Esta passagem de Grésillon parece sintetizar o trabalho do genético de
texto. E interessante é que, se observarmos com um pouco mais de atenção
e pensarmos como temos tratado os manuscritos, em especial os formulados
em sala de aula, vamos notar que na imensa maioria das vezes agimos de
forma contrária: primeiro o rascunho é desprezado, depois olhamos,
corrigimos, avaliamos e atribuímos notas ao produto, ao escrito, ao texto, ao
único, ao que finalizou, ao estático, ao que foi enunciado. Quando, na
verdade, a posição defendida aqui, através do que traz a GT, seria inverter
esses direcionamentos, analisando, observando e construindo situações
interpretativas da produção, da escritura, da textualização, do múltiplo, das
possibilidades e do dinâmico, atentando, sempre, às versões da gênese. Não
seria bem um novo olhar como a autora logo acima propõe, talvez fosse mais

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um deslocamento de olhar. Não um novo, mas um revirado, invertido,
diferenciado, apontado exatamente para o processo, ao “como se faz” e “de
que forma” se sustenta cada versão que compõem um texto. Conforme afirma
Souza (2005, p. 243):
Não é chegar ao texto único, o mais original, o mais perfeito, o mais
próximo do ânimo autoral, a última vontade do autor, mas sim
avaliar a criação do autor, os diversos momentos da criação, o
como e o porquê da criação. Por isso os críticos genéticos não
falam em variantes e erros, e sim em rasuras e consistências, pois
as opções do autor revelam momentos diferentes da criação e
iluminam a compreensão da obra como um todo.

O mundo do analista na área da GT parece ser infinito, diante das
possibilidades que os manuscritos – assim como os escolares – podem trazer
em seus traços e riscos e rabiscos e letras e palavras, tendo em vista que “o
crítico da gênese além de extrair e de expor as riquezas encontradas,
pretende tal qual um alquimista, discernir e entender o processo de criação”
(WILLEMART, 1993, p. 19). Essa parece ser a mais dura missão na
interpretação da escritura, a tarefa de entender o processo criativo,
compreender essa ranhura, que nunca veda, existente entre o escritor e sua
própria escritura, apreender esse rasgo que teima em não colar.
É muito interessante com isso, vermos que a GT não é um campo
teórico com categorias fixas ou pré-estabelecidas de análises, por exemplo,
em que se toma um determinado texto e realizam-se interpretações a partir de
categorias prontas e já-dadas. Trata-se de um lugar teórico – ou teóricometodológico – que discute a relação do escrevente com o texto, da
formulação do manuscrito, dos traços, dos rabiscos e rascunhos que se
apresentam no papel, e de que forma o geneticista deve se comportar ao
realizar as investigações, dentre outros caminhos. Isso porque
Não existe um modelo de crítica, e acreditamos que a escritura
tanto quanto a crítica são tão singulares e independem de um
padrão teórico estabelecido por uma escola determinada. Qualquer
teoria deve ser encarada como uma proposta, ou melhor, uma
ficção, isto é, uma história realista, fantasiada ou maravilhosa, que

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explica de forma ‘objetiva’, imaginária ou encantada fatos literários
para o leitor (WILLEMART, 1993, p. 19)

Reconstituir a processualidade a partir deles, dos ME, de cada uma
das versões do ME (escrita e falada), entendendo os engendramentos
escriturais “parciais e solidários” – como mostra De Biase (op. cit.) –, dentro
de um “pano de fundo” escolar enquanto aluno – conforme aponta Calil (2008)
– seria uma das tarefas, senão a principal, do crítico genético, do professor
genético; por isso que as filmagens, preservando o ecológico, apresentando a
coenunciação, são um outro lado da moeda manuscrítica, pois, caso não
houvesse esses registros, o “ato” em si estaria oculto, e precisaríamos
interpretá-los hipoteticamente, conjecturá-los, até porque o ME “é um objeto
que preserva, apenas graficamente, o resultado do traço na superfície escrita.
Invisíveis no manuscrito final, o que foi pensado pelo escrevente no momento
da efetivação de uma rasura resta perdido” (LIMA & CALIL, 2014, 122); é por
isso que assistindo essas escrituras em vídeo, o co-discurso das crianças – o
que sempre fica “perdido” –, lugar de outras versões da gênese do texto,
pode-se realizar um traçado analítico bem mais substancial entre o scriptor, o
manuscrito e o próprio prototexto em nascendi.
Enquanto os grandes teóricos da área da GT tratam os diversos
rascunhos e rabiscos de um texto literário e esse mesmo texto acabado
como, cada um, uma versão; nós vamos entender da mesma maneira,
entretanto trazendo para o caminho metodológico não só comparações das
versões do escrito, mas trechos do processo fílmico coenunciativo durante o
processo de criação em ato, enquanto as crianças discutem e escrevem a
atividade, com os textos finais, os ME. Como a própria GT argumenta, não há
lugares teóricos fixos ou categorias definidoras de análises na gênese textual,
é o geneticista que mostra o caminho e traz as análises pertinentes, com o
intuito de desvendar o processo de criação textual. É por aí que caminhamos.

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3. As Histórias em Quadrinhos, um Projeto Didático e as Versões da
Gênese
O gênero que escolhemos para servir de atividade em sala aos alunos
foi as HQ da Turma da Mônica (TM22). Escolher especificamente os
quadrinhos dentre tantos gêneros disponíveis se deu porque as HQ
“constituem um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em
constante interação: o ‘visual e o verbal’” (VERGUEIRO, 2004, p. 31), e essa
constância da imagem com o verbal – ambos complementando-se
mutuamente, ainda que haja HQ sem texto –, juntamente com a parte lúdica
que comporta, são condições privilegiadas para se trabalhar com crianças em
processo de alfabetização na sala de aula.
Além do mais, Ramos (2009, p. 89) nos mostra que as HQ
apresentam-se “como se um determinado instante fosse congelado, por mais
que, eventualmente, possa sugerir movimento”, e acrescenta que neles
“agrupam-se cenário, personagens, fragmentos do espaço e do tempo”: essa
delimitação faz entender que a imagem – mais precisamente a sequência de
imagens ou o congelamento agrupado – é o coração das HQ. É a constância
das imagens – acompanhada ou não de texto escrito – um forte aspecto
pontual que permite à HQ se constituir enquanto um gênero bastante
específico, e que pode ganhar muito espaço em sala de aula em que crianças
sejam o público alvo. As imagens, ou melhor, essa tão complexa formulação
semiótica que as historinhas comportam, dá bem mais visibilidade semiótica e
uma maior possibilidade de criação e invenção das crianças, exatamente
durante os diálogos e as discussões da díade no momento de construir sua
própria HQ.
O corpus deste trabalho foi retirado de um projeto bem maior,
denominado Gibi na Sala. Projeto este em que foram elaboradas 60
propostas de atividade escolar tendo por fim a de leitura e interpretação dos
22

As histórias da Turma da Mônica foram as escolhidas, por constituírem uma “turminha” já
bem conhecida no Brasil, com boa circulação, inclusive com desenhos animados já
transmitidos em algumas redes abertas televisivas.

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textos-quadrinhos, e 36 propostas voltadas à criação e escritura. Na
constituição dessas atividades, tentou-se propiciar condições favoráveis nas
consignas e na disposição das HQ para favorecer a entrada do aluno no
funcionamento linguístico-discursivo deste gênero. Essa prática foi de
extrema valia aos alunos, pois a imersão no universo da cultura escrita e,
consequentemente, nos gêneros textuais que o constituem, instaurados
através de diversas práticas interacionais (MARCUSCHI, 2008), se mostra
como uma arma poderosa que pode ser fomentada em ambiente escolar. O
objetivo do projeto seria fornecer situações de ensino-aprendizagem
adequadas ao gênero, permitindo que ele se apresente em sala de aula de
modo intenso, sistemático e significativo (CALIL, 2006), para que, a partir
dessa contextualização, os alunos pudessem apreender o funcionamento
desses textos e também criassem suas próprias HQ.
A execução do Gibi na Sala ocorreu em uma escola pública de
Maceió23, no segundo semestre de 2008, de outubro a dezembro. A
instituição trabalhava com a Educação Infantil e Ensino Fundamental
(primeiro ao quinto ano). Os turnos de funcionamento eram o matutino e
vespertino e atendia, em especial, crianças dos bairros Village Campestre,
Graciliano Ramos e Tabuleiro dos Martins. Tendo em vista toda limitação seja
financeira ou de pesquisadores que constituíam o L’AME24, apenas uma
turma foi selecionada, um segundo ano do Ensino Fundamental. Para
selecionar esta turma, alguns critérios foram observados, como os alunos
serem recém-alfabetizados, o professor aceitar a execução em sua sala de
aula, e os pais concordarem com a pesquisa.
Nas propostas de leitura, interpretação e produção de texto, os alunos
foram organizados em duplas pela professora e pelos pesquisadores que
fizeram parte da execução do projeto. Para formar os pares, seguiam-se

23

Escola Municipal Cícero Dué da Silva, localizada no Conjunto Residencial Tabuleiro dos
Martins, Maceió-AL.
24
Laboratório do Manuscrito Escolar, sediado no Centro de Educação (CEDU) da
Universidade Federal de Alagoas-AL.

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alguns critérios, como o relacionamento que havia entre os alunos ou duplas
que falassem alto durante a combinação da história (para captação do áudio
pela câmara). Em cada um desses encontros em sala de aula, era executada
uma atividade, momento este em que a professora ou os investigadores
explicavam às díades a consigna que consistia em a dupla, primeiro, inventar
e combinar a história sem estar com a caneta em mãos, e, logo após, com
caneta, rediscutir e escrever o que tinham combinado. Em cada encontro,
também por questões de limitações financeiras, apenas uma díade de alunos
era filmada, desde a combinação até a finalização do ME.
As propostas realizadas, em média, quinzenalmente, fazem parte dos
processos de escritura filmados e estavam “semi-estruturadas”, isto é,
continham as imagens organizadas sequencialmente, como no texto original,
mas não apresentam os textos. Em palavras mais detalhadas: foram
oferecidas aos alunos pequenas HQ da TM, publicadas no Portal da Mônica e
em gibis impressos, de uma ou duas páginas, as quais os discentes não
tiveram acesso anteriormente. Foram apagadas digitalmente, com a ajuda do
programa de computador PAINT, todas as referências linguísticas destas HQ,
isto é, as falas dos personagens, títulos, interjeições, onomatopeia e,
inclusive, as marcas tipográficas que indicam a fala dos personagens, como,
por exemplo, os balões. Os alunos apoiavam-se somente na sequência de
imagens, fotocopiadas em preto e branco, para inventarem o texto que
julgassem necessário. Os termos, como elementos verbais e escritos, título,
legendas – quer dizer, todas as marcas gráficas que pudessem indicar
presença de texto escrito e que apareciam nas HQ originais saíram para
transformarem-se em atividade escolar. Vejamos um exemplo de uma
atividade, primeiro em formato original retirada do site e, depois, tratada com
o programa PAINT:

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Este tipo de proposta com apagamentos se justifica por duas razões. A
seleção das HQ da TM permitiria aos alunos que tinham pouco contato com
materiais escritos do gênero, acesso ao universo cultural proposto pelos
quadrinhos. Em segundo lugar, a solicitação de se escrever uma HQ sem dar
nenhum tipo de apoio visual, exigindo do aluno de apenas 8 anos a criação
dos personagens, do storyboard, das cores e traços, etc., seria uma proposta
didaticamente inadequada. Vejamos, então, cada versão da gênese criativa
do ME que o Projeto Gibi na Sala permitiu observar.
3.1. Versão Processo em Coenunciação
A primeira etapa da constituição e criação da HQ diz respeito ao início
da tarefa escolar, que consistia em as duplas, com a atividade em mãos
(atividade esta forjada em duas folhas de papel A4, no modelo logo acima
apresentado), apenas combinarem entre si toda a história que deveria ir na
escritura para o papel. Sem a caneta em mãos, as díades deveriam inventar
quadrinho por quadrinho, utilizando o recurso discursivo-coenunciativo, pois a
caneta só era entregue quando a HQ já estava toda inventada oralmente.
Essa parte da versão genética do ME, nomeamos de “Versão Processo em
Coenunciação”, por termos a primeira versão textual apresentada num
processo de construção exclusivamente coenunciativa. As crianças dentro
deste primeiro movimento processual criativo:

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3.2. Versão Manuscrito em Coenunciação
Após encerrada a combinação exclusivamente oral pelas díades da
atividade em HQ, inicia-se o segundo momento da gênese textual, instante
em que as duplas à medida que vão terminando o “processo em
coenunciação”, chamam a professora, informam que já combinaram a
história, e pedem a caneta. Nesta etapa, um dos alunos de cada díade vai
iniciando a escritura dos textos na HQ, sendo que o outro aluno não escreve,
porém a discussão continua, pois as duplas, já com a caneta em mãos,
precisam ir construindo os textos a partir do que foi conversado na etapa
anterior, e, ao mesmo instante, precisam rediscutir coenunciativamente toda
história de novo. Ou seja, à medida em que escrevem, também conversam,
mantendo ou modificando o que combinaram anteriormente. A esta fase
constitutiva do nascimento do texto, chamaremos de “Versão Manuscrito em
Coenunciação”, exatamente por o ME ir sendo gerado ao mesmo tempo que
está sendo discutido:

3.3. Versão Transcrições do Processo e do Manuscrito em
Coenunciação

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Cada filmagem em cada aula, possui cerca de uma hora e vinte de
duração. Após findas as realizações fílmicas, o geneticista/pesquisador
precisa transcrever todos os diálogos, desde a versão Processo em
Coenunciação até o ME terminado. O trabalho é bem dispendioso e
complexo. Para tal, utilizamos um programa de computador chamado ELAN25,
software que oferece ferramentas interativas para se colocar em atividade os
dados registrados (as falas, conversas, discussões) em sistema fílmico,
incorporando à transcrição, de forma bem ordenada, simultânea e precisa,
aspectos presentes na situação filmada, como, por exemplo, gestos,
expressões faciais, direção do olhar, falas, rasuras orais e escritas, entre
outros pontos que possam ser definidos e organizados em trilhas separadas,
permitindo uma maior sincronia e melhor transcrição do momento exato em
que se deram as interações verbais. O ELAN:

Realizadas as transcrições, o anotador precisa transferir os dados do
programa para um documento word com o fim de que possa ser utilizado em
textos investigativos e científicos. Teremos, então, dessa forma, mais duas
versões da gênese em processo, a “Versão Transcrição do Processo” e a
“Versão Transcrição do Manuscrito em Coenunciação”. Isso porque a
filmagem não pode ser colocada “no papel”, para que o leitor “assista” aos
25

Eudico Linguistic Annotator, disponível gratuitamente no site https://tla.mpi.nl/tools/tlatools/elan/download/

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filmes; o que vai para os textos são as transcrições. Cada uma delas são
consideradas versões exatamente por serem de outra ordem: não são
movimentos visíveis como filme, são signos de linguagem transcritos. Isso
nos permite ter em mãos tanto o processo filmado junto de sua transcrição,
quanto o manuscrito em coenunciação e sua transcrição (cada um, um
processo passível de análise e observação). Analisá-los, comparando-os
simultânea e sucessivamente, é uma tarefa que o geneticista precisa
enfrentar. O trabalho é árduo, entretanto os frutos são mais promissores,
tendo em vista que não só se tem em mãos um texto, mas todo processo de
sua criação, em versões.
Após finalizadas, as transcrições ficam dessa maneira (RUBRICA é o
contexto; TC são os tempos cronometrados, ou seja, em que momento da
filmagem aquilo foi dito; A é o nome do aluno que está falando; DIÁLOGO diz
respeito às falas, que aparecem em negrito, e as partes que estão em
parênteses é a contextualização específica daquela fala):

3.4. Versão Manuscrito Escolar
Por fim, temos o ME finalizado, pronto, acabado. A última versão do
texto que deixou transparecer diversos outros momentos e movimentos de

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nascimento, de criação, da gênese. Essa contextualização metodológica é de
sua importância, em especial para aquele que não está interessado apenas
em saber como ficou o texto final dos alunos, mas, e principalmente, como
caminhou a constituição desse texto, seu processo nascendi. A “Versão
Manuscrito Escolar”:

4. Considerações Finais
Como se observa, não trouxemos análises para discussões, pois nossa
preocupação foi outra, a de apresentar um Projeto Didático em que se possa
contemplar um caminho [teórico-]metodológico diferente e ligado à GT. Com
essa proposta, é possível constituir-se de um corpus bem diferente daqueles
que carregam em si unicamente o texto final do aluno para ser trabalho,
discutido ou analisado.
A proposta trouxe à tona uma possibilidade de se ter cinco versões da
gênese, da criação, do nascimento de um único texto. Ou melhor, temos uma
gama bem mais ampla de versões no processo de escritura (um corpus mais
robusto), que se inicia apenas com discussão coenunciativa sem caneta em
mãos, passando para outra discussão e escritura juntas, quando as crianças
já possuem a caneta em mãos; após isso, vamos possuir as transcrições
completas desses dois movimentos de invenção, e, por fim, o ME acabado.
A ideia é compreender que dependendo da metodologia utilizada – a
nossa perpassa pelas noções da GT – é perfeitamente possível extrair mais

p. 201
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versões de textos finais, de textos escolares, coisa que permite enxergar não
só uma única versão “passada a limpo”, mas sim passar a limpo cada uma
das versões, compreendendo o andar de todo processo criativo da gênese.
Esperamos que esse rápido ensaio possa contribuir, especialmente no campo
metodológico, com estudos e estudiosos preocupados mais com o processo
do que com final.
5. Referências
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São Paulo: Unesp, 2008.
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de um encadeamento. In: CALIL, E. (Org.). Trilhas da escrita: autoria,
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processamento textual de tirinhas do Enen”. Linguasagem, eletrônica
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GRÉSILLON, Almuth. Eléments de Critique Génétique: lire les manuscrits
modernes. Paris: Presses Universitaires de France (PUF), 1994. Grésillon,
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Tradução de Cristina de Campos Velho Birks... [et. al.]. Porto Alegre:
Editoraas UFRGS, 2007
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.
VERGUEIRO, Waldomiro. A linguagem dos Quadrinhos: Uma “Alfabetização
Necessária”. In: RAMA, Ângela; WERGUEIRO, Valdomiro (org). Como usar
as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
WILLEMART, Philippe. Universo da criação literária. São Paulo: Edusp,
1993.
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Criação em Processo: ensaios de crítica genética. São Paulo: Iluminuras ,
2002.

p. 203
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Vol. 01

BIBLIOTERAPIA: um estudo com crianças em situação de
vulnerabilidade social
Jainy Fernandes de Lima Cordeiro
limajainy021@gmail.com
Adriana Lourenço
adriana.lourenco@ichca.ufal.br
Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante
maria_auxiliadora8@hotmail.com
RESUMO: Apresenta a Biblioterapia como uma técnica efetiva no processo
de trabalho com crianças em situação de vulnerabilidade social atendidas
pela instituição filantrópica Lar São Domingos, na cidade de Maceió-AL.
Expõe referencial teórico sobre a Biblioterapia, reforçando a possibilidade de
utilização com crianças vulneráveis. Faz uma explanação sobre
vulnerabilidade social infantil de forma geral, com intuito de apresentar o
contexto das crianças estudadas. Apresenta os procedimentos
biblioterapêuticos utilizados durante o processo de trabalho com as crianças,
por um grupo de contação de histórias, formado por alunos, professores e
técnicos e expõe os resultados obtidos por meio da utilização do trabalho
biblioterapêutico, constatando o efeito benéfico do uso da Biblioterapia com
crianças em situação de vulnerabilidade social, considerando que a
Biblioterapia auxilia no desenvolvimento emocional e no interesse pela leitura.
Palavras-Chave:
Biblioterapia.
Vulnerabilidade Social Infantil

Contação

de

Histórias.

Leitura.

1 INTRODUÇÃO
A leitura é uma atividade essencial para o desenvolvimento humano,
pois através dela o indivíduo pode ter acesso à informação e assim participar
ativamente da vida social e política, tornando-se consciente de seus direitos e
deveres.
Para as crianças que são socialmente vulneráveis, o acesso à leitura
torna-se ainda mais importante, pois por intermédio desta, a criança é

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desafiada a expressar seus sentimentos, pensamentos e opiniões, através da
linguagem,

assemelhando-se

com

os

personagens

das

histórias

e

encontrando possibilidades de descobrir o mundo para além daquele
conflituoso em que convivem diariamente.
Desde as antigas civilizações, já se acreditava que a leitura, além de
entreter, tinha o grande poder de auxiliar na cura de enfermidades, sendo
esta técnica denominada Biblioterapia (terapia por meio de livros), que nos
dias atuais pode ser usada para tratar diferentes pessoas, com problemas
distintos, inclusive auxiliar no processo de trabalho com crianças em situação
de vulnerabilidade social.
O presente trabalho teve por objetivo geral apresentar a Biblioterapia
como uma técnica efetiva a ser utilizada com as crianças em situação de
vulnerabilidade social, atendidas pelo Lar São Domingos, instituição
filantrópica que atua há 97 anos amparando crianças, jovens e adultos
socialmente vulneráveis, no município de Maceió – Alagoas.
Os estudos sobre Biblioterapia, sobretudo sua utilização com diferentes
tipos de sujeitos e problemas, ainda são bastante tímidos e apontam para
uma lacuna de conhecimento, ao mesmo tempo em que se tornam um
impeditivo para se traçar políticas públicas de promoção à saúde, educação e
ressocialização junto a esse público em particular.
A Biblioterapia é uma técnica utilizada há muito tempo e apesar de ser
um tanto desconhecida (PEREIRA, 1996), é também um tema muito atual já
que a Câmara dos Deputados, desde 2012, vem analisando a proposta que
estabelece o uso da Biblioterapia nos hospitais públicos e naqueles
contratados ou conveniados pelo Sistema Único de Saúde, a medida esta no
Projeto de Lei 4186/12 do deputado Giovani Chrini (PDT-RS), justificando-o
com a afirmação de que pesquisadores já recomendam o uso da leitura em
tratamentos médicos desde o início do século XIX.
No ano de 2014, foi noticiado pela mídia que o Reino Unido passou a
adotar a prescrição de livros em vez de fármacos para tratar a depressão uma

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vez que não acarreta efeitos secundários, fomenta a empatia e ainda, a leitura
pode ajudar os pacientes a superar as suas fragilidades emocionais. Isso
indica que a academia deve se preparar para agregar esse conhecimento e
investir em pesquisas oportunizando outros meios além da medicalização ou
que colaborem com ela, principalmente nas crianças e adolescentes por
entendermos que estão na principal fase do seu desenvolvimento.
2 DESVENDANDO A BIBLIOTERAPIA
O termo Biblioterapia tem origem a partir de duas palavras gregas:
Biblion (todo tipo de material bibliográfico ou de leitura) e Therapeia
(tratamento, cura, restabelecimento), em outras palavras, Biblioterapia é o
tratamento por meio da leitura. Não é um vocábulo existente em dicionários
de língua portuguesa, no entanto é um método utilizado desde a Antiguidade,
através de leituras de histórias, com o intuito de entreter indivíduos em
situação de ociosidade.
Vários registros atestam a antiguidade do uso da Biblioterapia, a
exemplo do antigo Egito, onde o Faraó Rammsés II tinha na faixada de sua
biblioteca a inscrição “remédios para a alma” e havia na Biblioteca de São
Gall, durante a idade média, os dizeres “Tesouro dos remédios da alma”
(ALVES, 1982). As bibliotecas egípcias ficavam localizadas em templos
denominados “casas de vida” (MONTET, 1989) e ainda, o Romano Aulus
Cornelius Celsus também indicou a leitura como tratamento, ao recomendar
que fosse feita a leitura e discussão das obras de grandes oradores como
recurso terapêutico no desenvolvimento da capacidade crítica dos pacientes
(ORSINI, 1982). De acordo com Alves (1982), por volta de 1800, nos Estados
Unidos da América, Benjamim Rush começou a recomendar a leitura para
doentes mentais, para pessoas com problemas de conflitos internos,
melancolia, medos, manias até mesmo para idosos.

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A partir da década de 1930, a Biblioterapia se firmou definitivamente
como um campo de pesquisa, destacando-se as biblioterapêutas Isabel Dur
Boir e Emma T. Foremam, principalmente a segunda, que insistiu que a
Biblioterapia fosse vista e estudada como uma ciência e não como arte
(ORSINI, 1982). Em 1949 surge o primeiro Ph.D. em Biblioterapia, Caroline
Shrodes, que desde 1943 já desenvolvia estudos sobre a aplicação da leitura
para fins terapêuticos.
A Biblioterapia foi definida pela primeira vez em um dicionário médico,
o Dorland’s Illustrated Medical Dictionary, na edição de 1941, como o
emprego de livros, através da literatura dirigida, no tratamento de doenças
mentais (RATTON, 1975).
Alguns estudiosos apresentam seu parecer a respeito do tema. Para
Carvalho (2010, p. 2) “A Biblioterapia é um método que se utiliza da leitura e
outras atividades lúdicas como coadjuvante no tratamento de pessoas
acometidas por alguma doença física ou mental.”. Este método pode ser
trabalhado com indivíduos de diversas faixas etárias, individualmente ou em
grupo. No entendimento de Caldin (2001, p. 36), a Biblioterapia pode ser
definida como “Leitura dirigida e discussão em grupo que favorece a interação
entre pessoas, levando-as a expressarem seus sentimentos: os receios, as
angústias, os anseios.”.
Desta forma, entendemos que ela proporciona desenvolvimento
emocional, auxiliando na mudança de comportamento. Admite ao indivíduo
fazer parte da história, possibilitando-o compreender o lido e se compreender
através dela.
Segundo Alves (1982, p. 54), “A Biblioterapia é um meio eficaz na
recuperação

de

pessoas

psiquicamente

doentes

ou

portadoras

de

problemas.”. As histórias podem trazer mudanças, pois auxiliam a enxergar
outras perspectivas e distinguir seus sentimentos e comportamentos,
fazendo-o visualizar outros caminhos para enfrentar as dificuldades.

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Pode ser entendida, ainda como “Prescrição de livros de acordo com
as necessidades dos pacientes, condução de terapia baseada em
comentários de leitura, e avaliação de resultados. Sua utilização é
considerada na profilaxia, educação, reabilitação e na terapia.”. (RATTON,
1975, p. 199).
A leitura tem o poder de mexer com as emoções, durante uma leitura o
indivíduo passa a esquecer de seus próprios problemas e adentrar no
universo da história, causando bem-estar e diminuindo sua dor, seus conflitos,
seus medos.
Diante das definições acima, a princípio nos reduzimos a entender que
a Biblioterapia utiliza apenas livros como instrumento, no entanto, Alves
(1982) afirma que também podem ser utilizados outros tipos de recursos e
suportes no processo biblioterapêutico, como músicas, filmes, livros e outros,
necessitando ser dirigida por profissionais que tenham habilidades específicas
para utilizar as técnicas e trabalhar cada problema de forma particular. Assim,
a contação de histórias, em especial quando voltada ao público infantil, é uma
excelente possibilidade de se trabalhar a Biblioterapia, pois ela utiliza todos os
recursos citados e pode levar as crianças a desenvolverem seu imaginário e
suas habilidades, possibilitando-as a ter uma leitura de mundo mais ampliada
e significativa.
Atualmente, a Biblioterapia é um campo de produção científica e de
atuação profissional estudado por várias áreas, a exemplo de Medicina,
Psicologia, Enfermagem, Pedagogia, Serviço Social e Biblioteconomia. Cabe
aqui destacar que, mesmo a Biblioterapia tendo geralmente sido trabalhada
em ambiente hospitalar, pode ser aplicada, também em instituições de ensino,
prisões, asilos, e no tratamento de problemas psicológicos com crianças,
jovens, adultos, deficientes físicos, doentes crônicos e dependentes químicos,
abrangendo assim várias outras áreas do conhecimento.
O método biblioterapêutico consiste na dinamização e ativação da
linguagem, onde as palavras não são neutras nem imparciais, destacamos

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aqui a contação de histórias como forma de ativar a linguagem e desencadear
o diálogo, principalmente por quem ainda não domina a técnica de ler.
Para Caldin (2001, p. 37), “O método biblioterapêutico consiste em uma
dinamização e ativação existencial por meio da dinamização e ativação da
linguagem.”. Assim, A linguagem em movimento, o diálogo, é o fundamento
da Biblioterapia, ainda para o autor “Entre os parceiros do diálogo há o texto,
que funciona como objeto intermediário. No diálogo biblioterapêutico é o texto
que abre espaço para os comentários e interpretações que propõem uma
escolha de pensamento e de comportamento.”.
A leitura permite ao indivíduo ir para além de si, inicialmente é um
acontecimento interno, um encontro consigo mesmo, mas logo passa a ser
público, quando o sujeito se propõe a dividir com o grupo seus sentimentos,
anseios e receios, nesse sentido passa a ser diálogo, abrindo espaço para
comentários, interpretações e sugestões de diferentes indivíduos, com
diferentes visões de mundo. O método é constituído por seis componentes
biblioterapêuticos destacados por Caldin (2001) aqui sintetizados: catarse;
humor; identificação; introjeção; projeção e intronspecção.
As primeiras experiências com uso da Biblioterapia foram feitas por
médicos em bibliotecas hospitalares. Por esse motivo, talvez, suas definições
sejam em sua maioria voltadas para seu emprego em hospitais e em clínicas
de saúde mental, como uma forma de cura de pessoas com algum distúrbio.
No entanto, entendemos que a leitura traz possiblidades variadas, que vão
desde a cura de doenças físicas até à utilização como apoio educativo e
psicológico às crianças em situação de vulnerabilidade social.
3 A VULNERABILIDADE SOCIAL INFANTIL
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um documento que
reúne as leis específicas que asseguram os direitos e deveres de crianças e
adolescentes no Brasil. Foi instituído pela Lei n° 8.069, de 13 de julho de

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1990, inaugurando a Doutrina da Proteção Integral, assegurando direitos da
criança e do adolescente e respeitando a sua condição de pessoa em
desenvolvimento. O referido estatuto surgiu do esforço de diversos
movimentos sociais que defendem os direitos de crianças e adolescentes, já
que antes existia apenas o Código de Menores que tratava de punir as
crianças e adolescentes consideradas infratoras.
De Acordo com o artigo 2º do ECA (1990), considera-se criança, para
os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, sendo
considerado sujeito de direito, onde a família, o Estado e a sociedade em
geral são responsáveis por sua proteção, já que estão vivendo um período de
intenso desenvolvimento físico, psicológico, moral e social. Nesse sentido,
devido a sua posição de pessoa em desenvolvimento, a criança traz em si
uma condição intrínseca de vulnerabilidade, necessitando, desta forma, de
atenção física, psicológica, moral e social, com cuidado integral.
Para Abramovay et al (2002), a vulnerabilidade social é definida como
situação em que os recursos e habilidades de um determinado grupo social
são tidos como insuficientes e inadequados para lidar com as oportunidades
oferecidas pela sociedade. O entendimento de vulnerabilidade social na
América Latina é recente, sendo desenvolvido com o objetivo de ampliar a
análise dos problemas sociais. Entende-se que um indivíduo socialmente
vulnerável é aquele que possui condições sociais, culturais, políticas, étnicas,
econômicas, educacionais e de saúde inferior as de outras pessoas, o que
resulta em uma situação de desigualdade social. Percebe-se que o termo é
geralmente atribuído a mulheres, idosos e crianças.
No entendimento de Gomes da Costa (1993), a situação de risco na
infância vincula-se a fatores que ameaçam ou causam dano efetivo à
integridade física, psicológica ou moral da criança, em consequência da ação
ou omissão da família ou do próprio Estado.
Os principais fatores de risco infantil são descritos por Sierra e
Mesquita (2006, p. 152) como: riscos inerentes à dinâmica familiar; riscos

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relacionados ao lugar de moradia; riscos relacionados à forma de repressão
policial às atividades do tráfico de drogas e a violência urbana; risco do
trabalho realizado pelas instituições que os recebem; riscos à saúde; riscos
do trabalho infantil; risco da exploração da prostituição infantil; riscos
inerentes à própria criança ou adolescente.
Kaloustian e Ferrari (1994) afirmam que a família é responsável pelos
subsídios afetivos e materiais necessários para o desenvolvimento das
crianças, garantindo sua sobrevivência e proteção. No entanto a situação de
miséria e pobreza extremas que submete milhares de famílias brasileiras a
serem inseridas na zona de vulnerabilidade enfraquece e desestrutura as
famílias, impedindo a garantia de proteção integral a estas crianças.
Para Sopelsa (2002, p. 34), “Desde o nascimento até a morte, o
homem sofre influências de acordo com as raízes que lhe foram impressas,
ao longo de sua existência, pelas suas vivências e sentimentos.”. Desta
forma, entendemos que crianças advindas de famílias que vivem em situação
de vulnerabilidade, podem vir a apresentar comportamentos semelhantes aos
que presenciam no dia a dia de suas casas.
Tratando-se de aprendizagem, crianças que vivem em situação de
vulnerabilidade social tendem a ter maior dificuldade escolar, já que muitas
vezes a escola é posta em segundo plano, tendo em vista a grande
necessidade de busca por renda para sobrevivência de suas famílias.
Infelizmente, em comunidades vulneráveis, poucas são as crianças que tem
acesso à boa educação, a bons livros, a jogos educativos e principalmente ao
apoio familiar, tão importantes e decisivos nesta fase da vida. Desta forma,
não se pode negar que crianças inseridas nessa zona são pedagogicamente
afetadas.
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

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Tivemos como universo da pesquisa 400 crianças caracterizadas pela
condição de extrema pobreza, oriundos dos bairros de Jacintinho e Cruz das
Almas – mais especificamente das grotas do Cigano, do Rafael, do Arroz, da
Aldeia do Índio e do Morro do Ari, localizados na cidade de Maceió, Estado de
Alagoas/Brasil, atendidas pelo Lar São Domingos, instituição sem fins
lucrativos, considerada de utilidade pública através da Lei nº 2512, de
28/12/1962, registrada no Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas)
sob o nº 5574/38, e certificada como Entidade de Fins Filantrópicos desde o
dia 30 de abril de 1997.
O Lar São Domingos funciona de segunda a sexta, das 7h às 17h, com
ações promocionais de apoio sociofamiliar, amparando crianças, jovens e
adultos de cinco áreas de vulnerabilidade social, no seu entorno, nos
aspectos material, moral, social e espiritual. Os menores, de 3 a 5 anos, são
atendidos em horário integral e com atividades pré-escolares, e os maiores,
de 6 a 17 anos, no contra turno da escola formal, com complementação
escolar e atividades artísticas e esportivas.
Como amostra de pesquisa, 31 crianças, sendo 17 do gênero
masculino e 14 do gênero feminino, da turma de 6 a 10 anos
(complementação escolar), atendidas pelo Lar São Domingos no período
vespertino. Cabe aqui ressaltar que na instituição, as crianças são agrupadas
por idade e não por ano escolar e que estão em diferentes estágios de
aprendizagem de leitura e escrita. Essas crianças foram escolhidas, pois
sobrevivem em comunidades periféricas com altos índices de violência, em
famílias com escassez de recursos básicos para possibilitar a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, estabelecidos pelo artigo 4º do ECA,
enquadrando-se no contexto de vulnerabilidade social.
Para a coleta de dados foram utilizados dois tipos de instrumentos,
sendo eles: entrevista semiestruturada e a observação direta.

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As entrevistas foram realizadas com a Coordenadora Pedagógica do
Lar São Domingos e com a Educadora responsável pela turma observada, em
dois momentos: entrevistas iniciais, que nos proporcionaram conhecer o perfil
educacional e comportamental das crianças, as expectativas das profissionais
e seus conhecimentos prévios sobre Biblioterapia e entrevistas finais, que
objetivaram investigar se as profissionais puderam observar os benefícios da
Biblioterapia no trabalho desenvolvido com as crianças sujeitos da pesquisa.
A observação direta nos permitiu conhecer melhor as crianças
investigadas, imergindo em seus mundos, interagindo com elas, tentando
conhecer melhor o comportamento de cada uma e assim registrando as
mudanças delas, de acordo com o passar das semanas, com o intuito de
obter as considerações necessárias para esta pesquisa.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Aqui apresentamos os procedimentos utilizados durante os seis
encontros realizados com as crianças da turma de 6 a 10 anos, vespertino, do
Lar São Domingos. Iniciamos expondo as entrevistas semiestruturadas
realizadas com a Coordenadora Pedagógica e a Educadora responsável pela
turma, essa profissional é assim nomeada, uma vez que a instituição não se
caracteriza por uma escola formal, portanto não comporta em seu quadro,
professores. A Educadora é a responsável por acompanhar diariamente as
crianças em atividades de reforço escolar e atividades complementares de
ensino, uma vez que as crianças frequentam a escola formal no período
contrário de sua permanência na instituição. Na sequência, apresentamos o
grupo Biblioencanta responsável pelo desenvolvimento da Biblioterapia por
meio da contação de histórias. Relatermos as observações possíveis dos
encontros

biblioterapêuticos

institucionais.

e

a

percepção

final

das

responsáveis

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4.1 ENTREVISTAS INICIAIS COM RESPONSÁVEIS PELAS CRIANÇAS NA
INSTITUIÇÃO
Para a utilização da Biblioterapia é primordial que se conheça o perfil
do público a ser atendido, para tanto, foram realizadas entrevistas iniciais com
a Coordenadora Pedagógica do Lar São Domingos e a Educadora da turma
observada. As entrevistas foram realizadas individualmente. A escolha das
profissionais deu-se pelo fato de acompanharem as crianças diariamente,
sendo

perfeitamente

capazes

de

responder

aos

questionamentos

indispensáveis para realização deste trabalho.
4.1.1 Visão da coordenadora pedagógica
A Coordenadora Pedagógica tem um conhecimento ampliado de toda a
instituição e das crianças por ela assistida, estando apta a responder sobre o
perfil socioeconômico e psicológico das crianças sujeitos dessa pesquisa. Por
meio de sua visão pudemos levantar que as crianças que acompanhamos são
advindas de famílias desestruturadas, alguns tiveram pais assassinados,
outros têm pais e/ou mães usuários/as de drogas, alguns presos/as no
sistema prisional, com renda inferior a 1 salário mínimo, ou apenas atendidos
pelo Programa Bolsa Família e que algumas possuem histórico de violência
física e/ou psicológica em suas casas.
Neste contexto, podemos entender que é um desafio trabalhar com
essas

crianças,

pois

a

vivência

diária

em

famílias

completamente

desestruturadas pode afetar significativamente o desenvolvimento desses
menores vulneráveis, já que a família é responsável pelos subsídios afetivos e
materiais necessários para o desenvolvimento das crianças, garantindo sua
sobrevivência e proteção (KALOUSTIAN ; FERRARI, 1994).
Segundo a Coordenadora a instituição não é uma escola formal, mas
trabalha com atividades complementares como o reforço escolar, a inclusão

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digital

e

atividades

esportivas,

buscando

minimizar

as

dificuldades

apresentadas pelas crianças. Quando questionada se as atividades de leitura
desenvolvidas com as crianças poderiam alterar o aproveitamento escolar
delas, a Coordenadora respondeu afirmativamente. Assim, como respondeu
positivamente ao questionamento sobre a contribuição das atividades de
leitura em mudanças comportamentais.
Quando perguntada se conhecia a Biblioterapia, a Coordenadora
respondeu que não, mas que gostaria de conhecer.
4.1.2 Visão da educadora da turma
A fim de conhecer o perfil escolar das crianças, iniciamos questionando
a Educadora se as crianças têm o hábito de ler, a resposta foi positiva, ao
mesmo tempo que relatou a dificuldade apresentada por algumas. Quanto ao
uso da biblioteca, foi informado que as crianças faziam uso. No entanto,
durante o período de desenvolvimento da pesquisa foi possível observar que
a biblioteca possuia uma sala equipada com aparelho de televisão e de DVD,
o que faz com que diferentes turmas frequentem a biblioteca sem, no entanto,
se utilizarem de seus serviços bibliográficos, limitando-se apenas à Sala de
Vídeos, como é chamada.
Quanto ao perfil comportamental das crianças sujeitos da pesquisa,
fomos informados que as crianças apresentam alguma dificuldade de
convivência em grupo, com as características de introspecção, agressividade
e o relato de que não conseguem se tratar como amigos. Quando
questionada sobre que tipo de alteração no aproveitamento pedagógico das
crianças, acreditava que pudesse ocorrer, respondeu que poderiam se tornar
mais participativas, assim como ler e escrever melhor.
Indagada se já ouviu falar em Biblioterapia, respondeu negativamente,
nunca ouviu falar, mas gostaria de conhecer.

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4.2 A BIBLIOTERAPIA POR MEIO DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS COM O
BIBLIOENCANTA
Sabe-se que a Biblioterapia é um processo terapêutico no qual se
utiliza a leitura de diversos materiais, selecionados de acordo com o público
que se pretende atingir. Das diversas ferramentas que podem ser utilizadas
para trabalhar a Biblioterapia com o público infantil, a contação de histórias
mostra-se como uma vantajosa possibilidade, pois tende à ampliação da
visão do mundo das crianças, assim como à aquisição de conhecimentos
culturais e ao estímulo à imaginação e à fantasia. Por esse motivo, foi
escolhida como meio de se utilizar a Biblioterapia.
O trabalho de contação de histórias foi desenvolvido pelo grupo
Biblioencanta, pessoas credenciadas para o trabalho biblioterapêutico, já que
não se trata apenas de contar uma história ou cantar uma música, mas sim de
como se faz isso e com que finalidade, necessitando haver uma preparação
para que os objetivos sejam alcançados. Biblioencanta é um Programa de
Extensão acadêmica que tem por finalidade o incentivo à leitura de crianças
em situação de risco social e vem desenvolvendo atividades de contação de
histórias desde 2013. É formado por acadêmicos de diferentes cursos da
Universidade Federal de Alagoas, técnicos administrativos e docentes. O
grupo utiliza diferentes técnicas para contar histórias, como a história lida
diretamente do livro, a história contada em forma de narrativa, a história
encenada, história cantada e usam diferentes elementos para representar
personagens e/ou ilustrar as histórias.
Quanto ao conteúdo a ser apresentado às crianças, primeiramente o
grupo definiu quais os gêneros que seriam desenvolvidos naqueles encontros,
resultando em: obras de Monteiro Lobato, Fábulas, Poemas, Adivinhas,
Trava-línguas e Histórias em quadrinhos, Contos do mundo e Cordel. Com
essa escolha inicial, partiu-se para as escolhas individuais dos contadores
membros do grupo que participariam das atividades e que histórias estes

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contariam, destacando que as diretrizes do grupo nortearam-se pela escolha
de histórias que envolvessem temáticas transversais necessárias para
àquelas crianças, a partir do perfil traçado pela entrevista com a
Coordenadora

e

a

Educadora,

que

estimulassem

a

amizade,

o

companheirismo, a aceitação da diversidade, assim como que não
estimulassem a violência.
4.3 A OBSERVAÇÃO DOS ENCONTROS
Ao final dos seis encontros, pudemos fazer as seguintes constatações:
1º Encontro - O primeiro contato entre as crianças e a equipe que
desenvolveu as atividades biblioterapêuticas por meio da contação de
histórias com o grupo Biblioencanta foi bastante tímido e estas estavam
bastante dispersas e pouco participativas, o que entendemos ser normal, já
que ainda não havia um vínculo entre as partes;
2º Encontro - Apesar do contexto de vulnerabilidade social extrema em
que as crianças convivem, como explicitado pela Coordenadora Pedagógica
na entrevista inicial, vulnerabilidade essa que, de acordo com Gomes da
Costa (1993), é fator que ameaça e causa dano efetivo à integridade física,
psicológica ou moral da criança, elas demonstraram mais interesse e se
apresentaram mais amáveis com a equipe, esboçaram alguns comentários
mais pessoais, que expressavam seus entendimentos, a partir das fábulas
que haviam escutado;
3º Encontro – Demonstraram mais concentração no momento de ouvir
as histórias. Grande parte das crianças demonstrou ampla carência afetiva,
procurando carinho e aproximação física com os contadores, que entendemos
ser devido ao enfraquecido laço afetivo entre elas e seus familiares. Iniciaram
uma conversação sobre as histórias apresentadas;
4º Encontro - Foi realizada a construção de uma história em quadrinhos
de forma coletiva onde todos/as pudessem opinar. Em um momento a

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sugestão de uma criança era refutada, em outro era acatada e em outro,
complementada por outra criança, houve um envolvimento mútuo na
atividade. Algumas expressaram a importância de se ouvir a opinião de todos.
As crianças demonstravam maior participação nas atividades, mais interação
entre elas e mais desenvoltura para emitir suas percepções. Pudemos
perceber que o trabalho começava a surtir efeito;
5º Encontro - A partir da exposição de diferentes histórias vindas de
diferentes cantos do mundo, as crianças puderam perceber e refletir sobre a
diversidade cultural, linguística e racial. Comentaram as histórias e algumas
traçaram analogia com seu cotidiano. É inegável o laço de afeto estabelecido
entre crianças, equipe de contação e equipe pedagógica do Lar, o que
favoreceu o desenvolvimento das crianças;
6º Encontro - Pudemos verificar satisfatória evolução, as crianças, mais
uma vez, interagiram com o conteúdo apresentado e ainda executaram com
interesse a atividade proposta de construção de um cordel, apesar da
dificuldade de escrita de alguns. Nesse dia as crianças entregaram uma
cartinha ou um desenho para cada integrante da equipe de contadores do
Biblioencanta.
Seis encontros não são suficientes para observar grandes mudanças,
mas podemos dizer que foi um grande começo e que a leitura terapêutica,
trabalhada em seu dia a dia pela instituição, poderia trazer mudanças
significativas na vida dessas crianças, que vivem em situação de
vulnerabilidade social, pois ouvir histórias é muito importante na formação de
qualquer criança, além de contribuir para a formação de leitores.
4.4 PERCEPÇÃO FINAL DA COORDENADORA PEDAGÓGICA
A coordenadora relatou ter percebido algumas mudanças em relação à
turma. A mudança pelo interesse em ler os livros que passaram a ser
disponibilizados para elas, mesmo pelos que tinham dificuldades em ler.

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Quanto a Educadora percebeu que se mostrou mais disposta a realizar
leituras para as crianças uma vez que as mesmas começaram a solicitar essa
ação. Outras Educadoras a procuraram solicitando tal ação em suas turmas.
Quanto às atitudes comportamentais das crianças, pôde perceber que
as desavenças entre elas diminuíram. Entendeu a importância da ação
desenvolvida, percebeu seus resultados e pretende se informar mais sobre o
assunto.
4.5 PERCEPÇÃO FINAL DA EDUCADORA DA TURMA
A partir do segundo encontro a Educadora relatou ter percebido que as
crianças conversavam entre si na sala de aula sobre as histórias
apresentadas. Em outros momentos foi possível perceber que elas
reproduziam as histórias contando para outras crianças. Quanto às atitudes
comportamentais, relatou que se surpreendeu que em tão pouco tempo foi
possível percebe-las menos agressivas uma com as outras.
Percebeu mudança no interesse das mesmas em buscar livros para ler
e em pedir que ela realizasse a leitura em voz alta para todos/as. Algumas
crianças relacionavam atitudes vistas em sala de aula com atitudes de
personagens das histórias contadas, demonstrando assim, que ouve uma
reflexão sobre a história escutada, mesmo que expressa posteriormente.
Relatou que sua atitude, enquanto Educadora, frente à atividade de contar
histórias mudou, uma vez que se sentiu mais estimulada. Solicitou que a ação
tivesse continuidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que a Biblioterapia, pode ser utilizada com crianças em
situação de vulnerabilidade social, pois possibilita que elas adentrem num
universo lúdico para além daquele conflituoso no qual convivem diariamente

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em suas casas. E que uma forma eficaz de aplica-la é a contação de
histórias, uma vez que as crianças podem apresentar dificuldade em ler
sozinhas por não estarem ainda devidamente alfabetizadas.
Em alguns momentos foi observável que as crianças esboçaram uma
comparação da história ouvida com alguma realidade vivida e isso é a
proposta da Biblioterapia, propiciar a reflexão a partir de uma história literária.
Ou ainda, a partir da percepção da Educadora dos momentos em que as
crianças repetiam as histórias ouvidas relacionando-as com um fato cotidiano.
As histórias passaram a acompanhar essas crianças de forma positiva.
A Biblioterapia por meio da contação de histórias também se mostrou
eficaz para despertar o interesse pela leitura nas crianças, pois, de maneira
lúdica, a cultura literária foi apresentada.
Após todas as observações, encontro a encontro, e entrevistas com
profissionais que acompanham as crianças dia a dia, foi possível perceber
que o trabalho biblioterapêutico realizado atingiu o objetivo geral desse
trabalho, que foi estudar a Biblioterapia como uma técnica efetiva com
crianças em situação de vulnerabilidade social, pois as atividades
biblioterapêuticas desenvolvidas com as crianças socialmente vulneráveis
atendidas pelo Lar São Domingos, por meio da contação de histórias pelo
grupo Biblioencanta, possibilitaram as crianças passar por experiências
extraordinárias de desenvolvimento da imaginação, aumento da habilidade de
se concentrar para escutar uma historinha; evolução do sentido crítico,
quando elas apresentavam sua opinião a respeito de algum desfecho;
desenvolvimento emocional, nos momentos em que davam risada e ficavam
tristes ou felizes por algum acontecido com os personagens das historinhas;
aprendizagem de valores comuns como se tratar um amigo, respeitar a
diversidade, etc., assim, é possível admitir a importância da Biblioterapia para
as crianças que vivem num contexto de vulnerabilidade social.

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REFERÊNCIAS
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América Latina: Desafios para políticas públicas. Brasília, DF: UNESCO,
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 13 abr 2015.
CALDIN, C. F. A leitura como função terapêutica: biblioterapia. Encontros de
Bibliotecários. Revista de Biblioteconomia e Ciência da Informação,
Florianópolis, n. 12, dez. 2001.
CARVALHO, Geyse Maria Almeida Costa de. A leitura como tratamento:
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p. 222
ISSN 1981-3031
Vol. 01

AVALIAÇÃO NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO: perspectivas
de alfabetização e letramento
Viviane Caline de Souza Pinheiro
vilibroy@gmail.com
Adriana Cavalcanti dos Santos
adricavalcanty@hotmail.com
RESUMO: O artigo tem como proposta analisar de que forma a Avaliação
Nacional da Alfabetização (ANA) compreende a articulação entre os
processos de alfabetização e de letramento. Desse modo, o interesse pela
pesquisa surge mediante curiosidade em entender como esses processos são
avaliados pela ANA, tendo em vista a importância de se compreender ambos
como complementares, porém indissociáveis. A metodologia da investigação
consiste no desenvolvimento de um estudo documental, através da análise do
Documento Básico da Avaliação Nacional da Alfabetização (INEP, 2013), com
o propósito de analisar este documento e como define os processos de
alfabetização e letramento que implicam na elaboração dos itens avaliados
pela ANA. Tendo como referentes teóricos autores como: Soares (2003);
Colomer e Camps (2002); Cavalcanti (2005), entre outros. A investigação
mostra o quanto o olhar sobre a alfabetização e o letramento se fazem
necessários no âmbito da ANA, não só para definir e classificar os níveis de
compreensões dos alunos sobre a leitura e a escrita enquanto práticas de
letramento, mas para abordar a relevância que tais processos possuem para
a construção de uma alfabetização significativa, de modo que o aluno seja
capaz de participar ativamente das práticas sociais de leitura e escrita,
construindo e internalizando seus próprios conceitos.
PALAVRAS-CHAVE: Avaliação Nacional da Alfabetização – Alfabetização Letramento.

1 INTRODUÇÃO
Muito tem se discutido acerca das temáticas de alfabetização e
letramento de maneira que é pertinente realizarmos estudos relacionados ao
modo como as avaliações nacionais dos anos iniciais as entendem. Diante
disto, este artigo tem por objetivo analisar de que forma a Avaliação Nacional

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da Alfabetização (ANA) compreende a articulação entre processos de
alfabetização e de letramento em seus pressupostos epistemológicos.
O interesse de tal pesquisa surge mediante os estudos e pesquisas
realizadas ao longo da atividade de monitoria, durante 2 (dois) semestres, da
disciplina Alfabetização e Letramento (2016-2017), no curso de Pedagogia
Licenciatura da Universidade Federal de Alagoas, que
curiosidade em analisar como os referidos

nos despertou a

processos são avaliados pela

ANA, tendo em vista a importância de se compreender ambos como
complementares, porém indissociáveis, e nem sempre mensurados em sua
totalidade em exames nacionais.
Para isso, a metodologia consiste em um estudo documental,
especificamente a da análise do documento básico da Avaliação Nacional da
Alfabetização (INEP, 2013), verificando sobre o que se trata este documento,
como define e concebe os processos de alfabetização e letramento. Tendo
como referentes teóricos autores como: Soares (2003), refletindo sobre os
processos de alfabetização e letramento; Colomer e Camps (2002) para
contribuir na construção de uma avaliação que venha ser significativa para os
alunos; Cavalcanti (2005) para abordar aspectos relevantes à participação
ativa do aluno em sua aprendizagem.
Para a criança, no processo de alfabetização, a aquisição da leitura e
da escrita amplia sua relação com a sociedade a qual ela pertence e, deste
modo, é imprescindível o papel da escola. Pois, ao se apropriar dos saberes
que perpassam a alfabetização e o letramento, presenciando os usos sociais
da língua materna no convívio com a sociedade, a criança se torna
pertencente a um lugar, espaço/tempo produtor de uma cultura letrada.
O artigo foi construído em uma sessão, sendo esta dividida em duas
subsessões. De forma geral a primeira parte representa uma análise
Avaliação Nacional da Alfabetização, fazendo uma reflexão sobre o que
informa o documento básico; para em seguida, ser possível analisar de
maneira mais específica como o documento entende e considera os

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processos de alfabetização e letramento e com um caráter mais específico
poder perceber como a matriz de referência da leitura se organiza.
2 ANA: PRESSUPOSTOS GERAIS
A Avaliação Nacional da Alfabetização tem como objetivo avaliar o
nível de alfabetização e letramento dos alunos do 3ª ano do Ensino
Fundamental I, partindo do pressuposto que este é o último ano do ciclo da
alfabetização, tendo em vista as propostas do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
No terceiro ano, as crianças estão se apropriando e consolidando
saberes essenciais com relação às temáticas de alfabetização e letramento,
envolvendo-se nas aprendizagens sobre a leitura, a escrita e nos usos sociais
que darão a esses conhecimentos. Tendo em vista os conhecimentos prévios
das crianças sobre o mundo da escrita, como definem Colomer e Camps
(2002, p. 62) “essa aprendizagem deve ser realizada mediante a reconstrução
progressiva dos conceitos que eles já possuem em maior ou menor grau
quando chegam à escola” e, por isso, se faz necessário que a ANA amplie
seu alcance avaliativo permeando também elementos constituintes de toda a
escola, como a gestão escolar, a infraestrutura, a formação docente e a
organização do trabalho pedagógico, definidos como aspectos relevantes na
intervenção do processo de aprendizagem dos alunos, não só em nível de
constatação, mas para o fomento de políticas de melhoria dos processos de
alfabetização e letramento na escola.
Para coletar essas informações de cunho indireto ao ensinoaprendizagem do aluno a ANA é responsável por aplicar questionários para
os professores e gestores, com o intuito de verificar os itens supracitados e
ser capaz de identificar com mais propriedade os possíveis resultados que
serão encontrados nas provas dos alunos de determinada escola.

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Com relação à quantidade de itens na prova de Língua Portuguesa e
como se dará sua avaliação o documento básico da ANA compreende que:
Os testes destinados a aferir os níveis de alfabetização e o
desempenho em alfabetização e letramento em Língua Portuguesa
e alfabetização em Matemática serão compostos por 20 itens. No
caso de Língua Portuguesa, o teste será composto de 17 itens
objetivos de múltipla escolha e 3 itens de produção escrita.
(...) Os itens abertos aplicados no teste de Língua Portuguesa têm
como intuito aferir o desenvolvimento das habilidades de escrita das
crianças matriculadas no 3º ano do ensino fundamental. Mais
especificamente, o objetivo desses itens será verificar o
desenvolvimento da habilidade de escrever palavras de forma
convencional e de produzir textos. Ao se aplicar itens de produção
escrita, pretende-se avaliar, entre outros aspectos, a estrutura do
texto, a capacidade de gerar o conteúdo textual de acordo com o
gênero solicitado e de organizar esse conteúdo, estruturando os
períodos e utilizando adequadamente os recursos coesivos
(progressão do tempo, marcação do espaço e relações de
causalidade). Assim, com a produção textual dos estudantes,
espera-se avaliar os contextos de uso da escrita, a organização
textual, a coerência e coesão da produção, o uso de pontuação e
aspectos ortográficos e gramaticais de acordo com o que se espera
das crianças matriculadas no final do Ciclo de Alfabetização.
(BRASIL. INEP, 2013, p. 8)

Os resultados encontrados por meio desses testes são divulgados nas
três instâncias: Instituição de Ensino, Município e Unidade Federativa. E não
sendo, desta maneira, divulgado os resultados individuais dos alunos. Tais
resultados têm implicado, entre outros aspectos, na indução de um currículo
que “habilite” as crianças para realizarem a referida avaliação.
2.1 ANA: OLHARES SOBRE OS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
Antes de falar sobre os processos de alfabetização e letramento é
necessário posicionar-nos acerca do que o documento base da ANA entende
sobre os referidos processos.
De forma impositiva o objetivo da ANA tem por pressuposto a
verificação do nível de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa que
o aluno se encontra, que são avaliados por meio de um teste de desempenho

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composto por vinte itens, dos quais dezessete serão itens objetivos de
múltipla escolha e os três que restaram de produção escrita, questões
abertas, a fim de verificar como os alunos organizam seu texto, se escrevem
com coerência e coesão, além das questões ortográficas e gramaticais.
Deste modo o documento básico da ANA, entende a relação da
alfabetização e do letramento como:
O emprego dos termos “alfabetização” e “letramento” no referido
documento coaduna-se com as discussões acadêmicas conduzidas
nos últimos anos, as quais consolidaram a ideia de articulação entre
essas noções, considerando que, embora sejam dois processos
distintos, são complementares e importantes no processo de
aquisição da língua escrita. Desse modo, entende-se que o
processo de apreensão do código alfabético deva ser associado à
compreensão dos significados e seus usos sociais em diferentes
contextos. (BRASIL, INEP, 2013, p. 9)

É evidente a percepção de que a alfabetização e o letramento
possuem

suas

especificidades,

mas

que

devem

ser

considerados

indissociáveis como afirma Soares (2003). Entendemos esta relação por meio
de um equilíbrio, pois, a alfabetização diz respeito como menciona Soares
(2003) a uma “técnica”:
Chamo a escrita de técnica, pois aprender a ler e a escrever
envolve relacionar sons com letras, fonemas com grafemas, para
codificar ou para decodificar. Envolve, também, aprender a segurar
um lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da
esquerda para a direita; enfim, envolve uma série de aspectos que
chamo de técnicos. (2003, p. 1).

Todas estas etapas refletem em um mecanismo de preparação para a
leitura ou escrita e que não deve ser ensinada à criança apenas no momento
em que está no processo de alfabetização, mas deve ocorrer e ocorrem
desde o momento que ela é inserida no ambiente escolar e na cultura escrita.
Durante os primeiros anos de escolarização das crianças deve ser
enfatizado o trabalho com as formas geométricas, as pinturas, os desenhos, o
grafismo, desta maneira a criança vai percebendo a sua volta como o mundo
se organiza, como a leitura e a escrita estão presentes no seu cotidiano,
tendo em tais vivências sempre a mediação do adulto (ou com o outro).

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Através desta perspectiva de continuidade, evita-se que a Educação Infantil
se classifique como preparação para o Ensino Fundamental, pois, como
defende Haddad (2015):
Estabelecer pontes entre a educação infantil e ensino fundamental
pode contribuir para um maior conhecimento das práticas
desenvolvidas na educação infantil e uma tomada de consciência de
que as crianças não deixam de ser crianças quando ingressam no
ensino fundamental, que seu corpo e movimento continuam a ser
instrumentos para o desenvolvimento do pensamento e inteligência
e que a brincadeira continua sendo um grande veículo de
aprendizagem e, sobretudo, um direito inalienável da criança que
precisa ser respeitado e garantido (HADDAD, 2015 p. 207).

A criança vai se desenvolvendo e, consequentemente, aprendendo
sobre a linguagem por meio da relação criança-adulto, resultando em uma
analogia mais complexa (criança-adulto-sociedade), ou seja, as mediações
feitas pelos adultos fazem com que a criança internalize os conhecimentos
aprendidos e os utilize na sociedade em que vive, fazendo parte dela como
ser social que é.
As condições históricas concretas, o lugar que a criança ocupa no
sistema de relações sociais, suas condições de vida e educação,
são determinantes para que possamos compreender o
desenvolvimento psíquico como fenômeno historicamente situado
(PASQUALINI, 2013, p. 76).

Através da analogia supracitada (criança-adulto-sociedade) que
desenvolvemos e discutimos o conceito de letramento, podendo ser entendido
minimamente por meio dos usos sociais da leitura e da escrita, sendo estes
os mais diversos possíveis.
Após ter exposto nossas considerações acerca de ambos os conceitos
(alfabetização e letramento), é interessante voltar para o documento básico
da ANA, para compreender seus posicionamentos e considerações, tendo em
vista que o letramento por se tratar dos usos sociais, irá variar seu contexto
de acordo com as regiões e até mesmo os estados, é preciso desta forma,
analisar como o documento busca elucidar essas limitações, causadas pelo

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fato da ANA ser um documento de larga escala, isto é, realizado em todo o
território nacional.
Portanto, o documento básico da Avaliação Nacional da Alfabetização
compreende que:
A alfabetização pode ser definida como a apropriação
do sistema de escrita, que pressupõe a compreensão
do princípio alfabético, indispensável ao domínio da
leitura e da escrita. O letramento, por sua vez, é
definido como as práticas e os usos sociais da leitura
e da escrita em diferentes contextos (Brasil. Inep,
2012a). Pode-se, então, assumir que:
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou
de aprender a ler e escrever, bem como o resultado
da ação de usar essas habilidades em práticas
sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se
apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num
mundo organizado diferentemente: a cultura escrita.
Como são muito variados os usos sociais da escrita e
as competências a eles associadas (de ler um bilhete
simples a escrever um romance), é frequente levar
em consideração níveis de letramento (dos mais
elementares aos mais complexos). Tendo em vista as
diferentes funções (para se distrair, para se informar e
se posicionar, por exemplo) e as formas pelas quais
as pessoas têm acesso à língua escrita – com ampla
autonomia, com ajuda do professor ou da professora,
ou mesmo por meio de alguém que escreve, por
exemplo, cartas ditadas por analfabetos –, a literatura
a respeito assume ainda a existência de tipos de
letramento ou de letramentos, no plural. (Brasil.
MEC/SEB apud BRASIL. INEP, 2013, p. 09).

Contextualizando acerca do entendimento que o documento básico da
ANA tem sobre a alfabetização e letramento, é possível perceber a amplitude
desses processos e, por isso, a Avaliação se limita a avaliar somente aquilo
no qual entende como essencial para alunos do último ciclo de alfabetização
(3º ano do Ensino Fundamental I), no que tange à apropriação da leitura e da
escrita.
Tratar os aspectos da alfabetização e do letramento em uma avaliação
tão ampla como a ANA, exige cuidado e atenção, pois, cada aluno que
responde as questões desta Avaliação vivem e frequentam as mais diferentes

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realidades. Abordar e enfatizar essa característica de subjetividade que de
certo modo ainda se apresenta de forma latente, auxilia na compreensão da
aquisição da leitura e da escrita por parte desse aluno, colocando-o como
centro do processo de aprendizagem. Como afirma Cavalcanti (2005, p. 198)
“o aluno é o sujeito ativo de seu processo de formação e de desenvolvimento
intelectual, afetivo e social; o professor tem o papel de mediador do processo
de formação do aluno”.
Com relação ao marco teórico da ANA no que diz respeito aos termos
alfabetização e letramento compreende-se que estes dois processos mesmo
que sejam distintos, são complementares e importantes para o processo de
aquisição da língua escrita. E ainda entende a alfabetização como a
apropriação do sistema de escrita, enquanto o letramento é explicado como
as práticas e os usos sociais da leitura e da escrita.
Ainda no que concerne a alfabetização e o letramento, a ANA restringiu
sua avaliação, tendo em vista as várias nuances dos termos, sendo
impossível avaliar tais processos em larga escala. Colomer e Camps (2002)
trazem reflexões acerca das limitações de uma avaliação coletiva, podendo
aproximar tal compreensão da avaliação em larga escala como a ANA se
apresenta. Tais autoras discutem que:
Hoje utilizam-se normalmente avaliações coletivas, inclusive, se
possível, padronizadas, o que situa os alunos em relação a uma
média determinada. O sentido desse tipo de avaliação no campo
educativo é limitado, já que reside apenas no fato de dar
consciência aos alunos do que se espera deles, tanto de todo o
grupo com relação à programação de suas aprendizagens como de
uma criança concreta com relação a seu grupo (2002, p. 175).

Por causa da polissemia dos termos a ANA busca avaliar os contextos
sociais mais presentes nas instituições escolares de modo a restringir as
definições desses processos. Por conta dessas limitações é imprescindível
que a escola vivencie outros contextos de avaliação que não seja apenas a
ANA, para que dessa forma os alunos possam presenciar aprendizagens
mais amplas que essa avaliação considera.

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Apenas dizer o que espera do aluno não traz e nem desenvolve uma
aprendizagem significativa. Na verdade, o que ele aprendeu durante os
processos educativos pelo qual passou durante todo o ano letivo podem não
ser considerados e plausíveis de uma avaliação em larga escala.
2.2 MATRIZ DE REFÊRENCIA DA LEITURA

De acordo com a matriz de referência, avaliar a alfabetização e o
letramento de uma maneira tão ampla e abrangente permite produzir dados
em

níveis

também

muito

gerais,

ou

seja,

níveis

de

cunho

nacional/regional/local de modo que seja possível verificar se a aprendizagem
dos alunos está de acordo com o que a ANA considera importante
ensinar/aprender ou por sua opção política.
Por isso, a matriz de referência de leitura reúne características que,
analisadas grupalmente, ou seja, em conjunto, possam gerar informações
sobre os processos de alfabetização e letramento. Portanto, a matriz se trata
de um recorte da realidade, tendo em vista que por meio dessas limitações
próprias de instrumentos de avaliação que são aplicados dentro de um
contexto nacional, não é possível avaliar um contexto mais específico de uso
da linguagem.
Com o intuito de ter maior clareza sobre o que venha ser esse recorte,
observem a matriz de referência da leitura (Fig. 1).
Portanto, a partir dessa matriz de referência a ANA assume um
processo de avaliação que considera três aspectos, sendo eles: a avaliação
daquilo que os alunos aprenderam, ou seja, o que eles aprendem dos
conteúdos e conhecimentos que foram abordados, nesse cenário, o professor
para a ANA adquire e passa a ter um protagonismo central. Um segundo
aspecto, a avaliação da instituição, pontuando os aspectos que se relacionam
de forma indireta com a aprendizagem do aluno.

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Figura 1 – Matriz de Referência de Leitura

Fonte: INEP, 2013.

E por fim, a avaliação do sistema escolar, implicando em uma visão
geral desses processos de avaliação já mencionados, de maneira que seja
eleita uma didática e metodologia que amplie e qualifique os processos de
alfabetização e letramento dessa etapa de ensino, abrangendo o contexto
global, e não apenas parte dele, mas focando na principal questão de
classificar a ANA como um instrumento que deverá possibilitar a verificação
das condições de aprendizagem de leitura e escrita.
Entretanto, o documento básico da ANA através da matriz de
referência da Língua Portuguesa reconhece as especificidades dos processos
de alfabetização e letramento como também sua interdependência. Como
afirma o documento básico da ANA:
Nesse contexto, a alfabetização, em uma perspectiva de letramento,
implica o domínio do sistema alfabético de escrita, o começo do
aprendizado da norma ortográfica, o domínio progressivo da escrita
e a leitura de textos de diferentes gêneros, bem como a
compreensão das funções que a escrita cumpre na sociedade.
(INEP, 2013, p. 15).

Por meio do que foi abordado é necessário considerar a dificuldade em
se avaliar crianças, principalmente nessa faixa etária em que a ANA avalia,

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demandando determinada cautela na elaboração dos itens e principalmente
em sua aplicação, como mencionam Colomer e Camps (2002):
O fato de constituir uma situação extraordinária de controle fora do
âmbito de atividades habituais afeta as atitudes dos alunos em
relação à atividade proposta. A inquietação causada pode variar
muito de um aluno para outro e afeta os resultados comparativos
que se estabelecem depois (2002, p. 175).

Fazendo com que seja imprescindível a presença do professor da
turma durante a aplicação desse teste, para ser possível promover um
ambiente que não cause estranhamento para os alunos, os deixando mais
confortáveis.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos de alfabetização e de letramento são considerados como
específicos e complementares no documento analisado. Assim, podemos concluir o
quanto a concepção de alfabetização e de letramento se fazem necessários no
âmbito da ANA, não para definir e classificar os níveis de compreensão dos alunos
apenas, mas para abordar a relevância que tais processos possuem para a
construção de uma aprendizagem significativa, de modo que o aluno seja capaz de
participar ativamente, construindo e internalizando seus próprios conceitos.
Percebemos a importância da Avaliação Nacional da Alfabetização, contudo,
é fundamental pensar na educação escolar em um ambiente no qual o aluno tenha
papel central, tendo em vista que quando ele aprende é capaz de ensinar também os
outros, resultando em um conhecimento que se amplia para além da esfera escolar,
que tramite também na vida social do estudante.
Por ser organizada dentro de um contexto amplo, nacional, a especificidade
de cada região acaba sendo perdida, violada, fazendo com que não se considere os
contextos singulares e as aprendizagens específicas de algumas realidades. Assim,
esta Avaliação pode passar a não ter significado para aqueles que a fazem,
refletindo em um dispositivo incapaz de alcançar a característica subjetiva dos
participantes.

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Dessa forma, analisando e criticando a ANA podem ser percebidas
limitações, mas não deve ser deixada de lado a sua importância no que se refere às
referências obtidas nacionalmente, regional e localmente. Assim as escolas podem
perceber suas principais qualidades e dificuldades voltadas ao ensino da leitura e da
escrita e fazer planejamentos que tenham como foco a melhoria dos processos de
alfabetização e de letramento das crianças no ciclo de alfabetização.
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LINGUAGENS DOS TEXTOS NO LIVRO DIDÁTICO: letrando
nos anos iniciais?
Hebelyanne Pimentel da Silva
hebelyanne.silva@cedu.ufal.br
Viviane Caline de Souza Pinheiro
vilibroy@gmail.com
Adriana Cavalcanti dos Santos
adricavalcanty@hotmail.com
RESUMO: O respectivo artigo tem como finalidade apresentar uma reflexão
acerca da maneira como o Livro Didático do segundo ano (Português:
linguagens, de Cereja e Magalhães, 2014), propõe o estudo do significado de
algumas palavras ao trabalhar a linguagem dos textos e suas relações com o
processo de letramento. Metodologicamente, realizamos um estudo
documental (do LD e do Guia do LD). Para a fundamentação dos argumentos
expostos apoiamo-nos em: Antunes (2012); Morais (2014); Moura e Martins
(2012); Koch e Elias (2006); Silva (1995). A investigação mostra que o estudo
das palavras dos textos está diretamente relacionado à produção de sentidos
destas, no contexto, ultrapassando a perspectiva de aprendizagem de uma
lista de vocabulários e de seus significados. Desse modo, reconhecendo os
limites de um LD, consideramos que a proposta de estudo da linguagem dos
textos no referido instrumento, por meio da mediação do professor, contribui
com a ampliação do letramento dos alunos nos anos iniciais.
PALAVRAS-CHAVE: Livro Didático - Léxico - Letramento.
1. INTRODUÇÃO

O termo letramento no Brasil surge nos anos 80 com o intuito de definir
uma concepção mais ampla ao conceito de alfabetização. Contudo, a
concepção de letramento, enquanto prática social de uso da leitura e da
escrita, em contextos diversos, acaba sendo abordada nas escolas de uma
forma que sua especificidade, em muitas das vezes, não é levada em
consideração, unindo-se à alfabetização como parte dela ou como
sobreposição.

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Compreendemos que para ampliar o letramento do aluno em sala de
aula, o trabalho com os gêneros textuais deve ser uma estratégia didática
presente. Tendo em vista que o trabalho com o texto apresenta aos alunos as
diversidades do mundo da escrita e, principalmente, da leitura. E ainda lhes
apresenta uma variedade de possibilidades de uso da linguagem, de maneira
que o aluno passe a se expressar e a interagir com o mundo mediante novos
e amplos saberes linguísticos.
É por esse fato que temos como objetivo analisar o Livro Didático (LD)
do segundo ano, do ensino fundamental I, “Português: linguagens”, de Cereja
e Magalhães, 2014, a fim de perceber de que maneira o LD propõe o estudo
do significado de algumas palavras ao trabalhar a linguagem dos textos e
suas relações com o processo de letramento. Vale salientar que o interesse
pelo diálogo proposto, neste artigo, surgiu das provocações da disciplina
Alfabetização e Letramento, no curso de Pedagogia (Licenciatura).
Como fundamentação teórica, temos: Morais (2014) que vem traçar um
conceito mais abrangente do que venha a ser letramento; Moura e Martins
(2012) a fim de conceituar o professor mediador e a sua relevância para o
trabalho pedagógico e o desenvolvimento do aluno; Koch e Elias (2006) para
tratar dos apontamentos acerca da produção de sentidos no texto; e Antunes
(2012), que faz uma reflexão sobre o estudo do léxico em sala de aula.
Portanto, metodologicamente realizamos uma análise documental do
livro didático (Português: linguagens, de Cereja e Magalhães, 2014), com foco
no tópico referente às “Linguagens do texto”, no qual se reflete sobre o
conhecimento acerca das palavras constituintes dos conteúdos escritos,
inseridas no tópico de “Leitura” e “Interpretação de textos”.
Partindo desse pressuposto, o artigo está estruturado em quatro
partes. Na primeira discutimos o trabalho com as linguagens dos textos,
destacando o que tem mudado no cenário de ensino dos novos vocábulos; na
segunda, fazemos uma reflexão e sucinta análise com o que seriam as

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linguagens dos textos e escrevemos sobre o conteúdo do guia do livro
didático.
Na terceira, propomos a discussão do texto e da produção de sentidos,
tendo em vista os três participantes ativos do processo de leitura (autor, texto
e leitor); e por fim, demos continuidade ao artigo com a análise do tópico
supracitado do livro didático, percebendo a possível relação deste com o
letramento.
2. TRABALHANDO AS “LINGUAGENS DOS TEXTOS”: ponderando inquietações

Não é raro o trabalho com “novas” palavras, no que concerne ao
cenário escolar, embora “a escola tenha reforçado a busca de sentido
apenas, quando prioriza as atividades de identificação do que foi dito e ignora
os motivos pelos quais as palavras foram ditas” (ANTUNES, 2012, p. 54). É
perceptível que houve mudanças significativas ao longo dos anos,
principalmente, na forma de abordar tal conteúdo, pois já não encontramos
nos Livros didáticos a proposta de estudo do vocabulário, mas uma tentativa
de ampliação do conhecimento sobre as palavras a partir da identificação dos
efeitos de sentidos por elas produzidos.
Consideramos relevante trazer para essa discussão as concepções de
abordagem sobre as linguagens dos textos26, tendo em vista que quando nos
referimos ao “velho” modo de se trabalhar o vocabulário dos textos, a
perspectiva de letramento não era entendida como um processo vinculado à
alfabetização, por isso faz necessário trazer essa discussão. Pois, o que
mudava no estudo do vocabulário quando o conceito de letramento ainda não
existia? Como eram trabalhadas as palavras que os alunos desconheciam no
momento de leitura do texto? E como o letramento contribui para os avanços
diante da descoberta de novas palavras?

26

Termo utilizado no livro que está sendo analisado nesse artigo.

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Para tratar de tal assunto, é preciso antes de qualquer exposição
acerca da temática, discorrermos sobre como entendemos o termo
letramento, mencionado anteriormente. De maneira simplificada, este
conceito aborda os usos sociais que são dados à leitura e à escrita, porém,
Morais (2014, p.13) vem definir de forma mais abrangente:
Letramento, em seu sentido mais geral, pode ser entendido como a
influência que a cultura escrita tem no desenvolvimento da criança,
por meio da sua exposição frequente a letras e a textos, (...) e por
meio das ações intencionais dos pais e professores (...) (2014,
p.13).

A partir disso, percebemos também a importância do meio em que o
aluno está inserido, tendo em vista que em todas as circunstâncias de sua
vivência no mundo letrado, ela se encontra imersa seja em práticas de leitura
ou de escrita, podemos citar alguns exemplos: nos rótulos de alimentos, na
televisão, em revistas, nos outdoors. Os contextos de práticas de leitura e
escrita, portanto, irão depender do local de pertencimento do aluno. Tais
práticas refletem, sobretudo, nos usos sociais da leitura e da escrita, isto é,
refletem em dimensões do letramento.
Diante desta discussão é possível fazermos uma relação entre o
letramento e as linguagens dos textos, tendo em vista que estas apresentam
aos alunos novas palavras, novos termos e expressões que ampliam as suas
competências discursivas.
A linguagem que se é analisada nos textos varia através do gênero
textual que está sendo apresentado e, portanto, quanto mais o aluno
conhecer sobre a diversidade de gêneros, mais fácil será para ele identificar e
compreender os textos lidos, tais práticas ampliam o nível de letramento, pois,
quanto mais o aluno souber sobre o mundo no qual se insere a leitura e a
escrita, maior será sua compreensão acerca dessas linguagens.
3. LINGUAGENS DOS TEXTOS E O GUIA DO LIVRO DIDÁTICO

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A análise da linguagem dos textos do livro didático pode, em certos
contextos, tratar com distanciamento os usos sociais em determinados
territórios e as variedades que se exige que seja aprendido na escola. Por
este motivo, em muitos momentos, o entendimento sobre as práticas de
letramento se afastam, tornando o que o sujeito conhece sobre a linguagem
escrita inutilizável e fazendo com que os usos sociais da linguagem na escola
apresentem-se de forma abstrata.
Antunes (2012, p. 27), ao refletir sobre o léxico de uma língua, afirma
que:
A linguagem intermedeia nossa relação com o mundo. No entanto,
essa relação não se dá, diretamente; quer dizer, não se dá entre as
palavras e as coisas. Essa relação se dá entre as categorias
cognitivas que constituímos das coisas ao longo de nossa
experiência e as palavras de qual a língua vai dispondo para
expressar tais categorias. Quer dizer, as palavras “são a
representação linguística” dessas categorias cognitivas que
construímos e armazenamos. (2012, p. 27)

Nesse contexto, em um gênero textual, a construção dos
sentidos pretendidos por meio da análise da linguagem dos textos, como
propõe o livro em análise deve-se à consideração, à relação entre o léxico e a
gramática de uma língua. Assim, por ser compreendido na educação básica
como um objeto de referência, o livro didático acaba sendo apresentado tanto
para o professor quanto para o aluno como recurso único de pesquisa e, por
isso, não existem questionamentos a respeito do seu conteúdo, tornando o
mesmo como algo imposto a escola.
Contudo, o trabalho com as linguagens dos textos proporciona a
ampliação do seu conhecimento sobre as formas de interação por meio da
linguagem, de modo que o aluno perceba a diversidade da língua, aumente o
seu vocabulário e pense na escolha dos seus usos, permitindo maiores e
melhores relações com o meio e os outros.

Para Antunes (2012, p. 43)

“pensar nos efeitos decorrentes da escolha das palavras é reconhecer que,

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Vol. 01

em um texto, uma palavra expressa mais que um sentido; ela serve também à
expressão de uma intenção, de um propósito (às vezes, mais de um!)”.
Diante disso, é importante refletir se o livro didático analisado
apresenta estratégias que proporcionem ao público alvo a ampliação do
conhecimento sobre a especificidade da linguagem dos textos, de modo que o
processo de letramento assuma uma posição de reconhecimento daquilo que
representa a realidade dos sujeitos presentes, fazendo com que o conteúdo
apresentado no livro didático venha simbolizar avanços reais para a sua
aprendizagem como ser de direitos.
Um dos fragmentos apresentados no manual analisado é o tópico:
“Dicionário”, e nele Cereja e Cochar (2014) retratam tal conceitualização:
O dicionário constitui uma importante ferramenta para todos os
profissionais que trabalham direta ou indiretamente com a língua
(professores, jornalistas, escritores, advogados, etc.) e para todos
os estudantes de Língua Portuguesa, pois, é um poderoso auxiliar
na descoberta de significados de palavras utilizadas no cotidiano e
em textos, da ortografia correta das palavras, dos diferentes
significados de uma mesma palavra e na escolha do significado
mais adequado de uma palavra num determinado contexto. (2014,
p. 353).

Exposto tal conceito, é perceptível o valor do dicionário durante a
aprendizagem das linguagens dos textos, pois, este lhe mostra as
possibilidades de significados de acordo com o contexto, enriquecendo o
vocabulário daquele que pesquisa. Sendo utilizado quando é percebida a
existência

de

possíveis

dificuldades

na

compreensão

das

palavras

apresentadas no texto, de forma que a sua presença seja pouco frequente na
sala de aula, no que se refere à aprendizagem do significado de determinados
fragmentos. Assim, ele serve como ponte para o estudo da norma padrão,
entretanto, durante seu uso percebe-se a dificuldade dos alunos em
relacionar e diferenciar aquilo que eles já conhecem (linguagem informal)
daquilo que é preciso conhecer.
A linguagem, na compreensão de Marcuschi, é consumida como
atividade interativa eminentemente humana, cuja ocorrência se dá
em contextos sociais sempre reais e de forma colaborativa: o

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Vol. 01

indivíduo atua e se constrói na relação com o outro. Nessa
compreensão, o sujeito ativo realiza um trabalho de exploração dos
recursos formais e expressivos postos à sua disposição enquanto
falante (MOURA e MARTINS, 2012, p. 90).

Para que o aluno conheça a linguagem de maneira profunda, ele não
deve se limitar aquilo que vê somente na escola ou em determinados textos, é
preciso que ele tenha interações dentro de outros contextos (com o mundo,
com as coisas) para que esse aprendizado seja favorecido.
Expondo mais especificamente acerca das “Linguagens dos textos” o
manual do professor ou o guia do livro didático não apresenta um tópico
retratando especificamente a que se refere este termo, e muito menos
fazendo menção sobre como o professor deve trabalhar com tal temática.
Portanto, quando analisamos este fragmento no contexto em que está
inserido no livro didático percebemos que o trabalho do professor acaba
sendo muito dinâmico, mesmo sem uma prévia orientação, pois, este tópico
se encontra diretamente vinculado à leitura e interpretação do texto.
Desta forma, com a apresentação deste item no livro didático é
possível, através da articulação feita pelo professor, o trabalho com outras
palavras além daquelas que já estão contempladas na atividade, fazendo com
que a proposta tenha a função de abrir novas possibilidades para o
desenvolvimento da aula e do planejamento posterior do educador.
4. TEXTO E PRODUÇÃO DE SENTIDO NOS ANOS INICIAIS

Compreende-se que ao ler um texto há interlocução entre o autor, o
texto e o leitor (autor-texto-leitor). O autor do texto escreve de acordo com
uma determinada realidade, baseado em suas próprias experiências e
interações sociais com o mundo ou com os outros e, por isso, o texto tem
finalidade e propósito comunicativo. Entretanto, quando outras pessoas o
leem, o sentido pode mudar, tendo em vista que as pessoas vivem e estão
presentes em comunidades distintas, possuindo diferentes compreensões
sobre o mundo que as cerca.

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O texto lido pelo leitor passa a ter um sentido para ele. As suas
inferências se dão a partir daquilo que lhe foi apresentado durante sua vida,
ou seja, a partir do seu nível de letramento27, por isso, a produção de sentido
será diferente de uma pessoa para outra. Como afirmam Paulino et al (apud
Koch e Elias, 2006, p. 19): “É por essa razão que falamos de um sentido para
o texto, não do sentido, e justificamos essa posição, visto que, na atividade
de leitura, ativamos: lugar social, vivências, relações com o outro, valores da
comunidade, conhecimentos textuais”. Assim, a relação supracitada destaca
como a produção de sentido interfere na relação e no significado que o leitor
terá dado aquilo que lê.
Como pode ser observado o autor escreve de acordo com a sua
compreensão de mundo. “Por isso, é de fundamental importância que o leitor
considere na e para a produção de sentido as “sinalizações” do texto, além
dos conhecimentos que possui” (KOCH e ELIAS, 2006, p. 21). Para isso, as
práticas de leitura na escola, mais especificamente, a análise da linguagem
dos textos, precisam perpassar a aprendizagem de atribuir sentido ao lido.
Diante disto, a produção de sentido dialoga diretamente com o
processo de letramento, de modo que é fundamental, através da mediação do
professor, que o aluno perceba aquilo que o autor está querendo dizer com o
que o texto diz para ele, a partir de tais análises e discussões, o aluno passa
a interpretar e compreender o texto, seja de acordo com o que está explícito
ou o que demanda fazer uso das estratégias de leitura para inferir seus
sentidos. De modo que
O trabalho pedagógico com a leitura visa possibilitar ao aluno o
contato com diversos contextos de uso da linguagem, orais ou
escritos para aprender a adequá-la às diversas situações vividas no
cotidiano. Nesse contexto de interação entre professor, aluno e
texto, o papel do professor é o de mediador, colaborando com seus
interlocutores na construção de sujeitos: questionando, sugerindo,
provocando reações, exigindo explicações sobre as informações
27

Entende-se nível de letramento, pelo fato de que os sujeitos são heterogêneos e, portanto,
possuem diferentes formas de compreender um mesmo assunto, por isso, se alguém estiver
em um contexto de pouca vivência com a leitura e a escrita seu nível de letramento será
menor do que uma pessoa que vive cercada por tais aspectos.

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ausentes do texto; refutando, polemizando, concordando, e
negociando sentidos mediante as pistas deixadas no texto (MOURA
e MARTINS, 2012, p. 90).

É possível perceber, que está na prática docente a responsabilidade
pelo estímulo a novas descobertas e é por meio dela, que os sujeitos se
capacitam como descobridores e formuladores de significados para o mundo
e as coisas que os rodeiam. E dentro do universo contemporâneo, um dos
documentos mais utilizados para a apresentação de “verdades” é o livro
didático, que por sua vez, precisa conter uma linguística compreensível e
esclarecedora, a ponto de tornar-se interpretável por todo e qualquer público.
5. ANÁLISE DAS LINGUAGENS DOS TEXTOS NO LIVRO DIDÁTICO
Analisando a estrutura do livro didático com relação às “Linguagens
dos textos” percebemos que este tópico está apresentado somente no
segundo e terceiro capítulo de cada unidade (são quatro unidades ao todo),
sendo trabalhadas em todo o livro em oito propostas de estudo do vocábulo
dos textos na perspectiva de produção de sentido.

Os gêneros textuais

utilizados para o trabalho com este item são respectivamente: duas cantigas,
uma história em quadrinhos, dois textos sendo um descritivo e o outro
informativo, um conto, uma fábula e por fim, uma parlenda.
É perceptível a variedade de gêneros encontrados, fazendo com que a
articulação com o letramento esteja evidente. A partir disso, observando em
um contexto geral, notamos que o tópico apresenta palavras específicas de
cada texto e, em seguida articula, com o seu significado.
A

proposta

de

compreensão

do

significado

das

palavras

é

contextualizada e os textos geralmente relacionam-se muito com as vivências
e cultura popular brasileira. Como é o caso do texto apresentado:

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Figura 1 – Texto de referência

Fonte: Cereja e Magalhães (2014, p. 25)

Demonstrando agora o fragmento que representa o tópico “Linguagem
dos textos” referente ao texto supracitado, no qual os alunos são convidados
a atribuir sentido as palavras selecionadas:
Figura 2- Linguagem dos Textos

Fonte: Cereja e Magalhães (2014, p. 28)

Como se pode ver, o significado das palavras é trabalhado após a
apresentação do texto, ficando claro que os seus diversos sentidos estarão

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extremamente relacionados ao contexto de uso. Pois, a experiência de
falantes nos vai introduzindo no mundo complexo de sentidos que as palavras
guardam entre si (ANTUNES, 2012).
Independente de qual seja o sentido de determinado fragmento,
trabalhar com palavras em uso é lidar com a análise do significado do
contexto de uso, considerando que “a escolha das palavras também é devida,
pois, à finalidade de nossas ações de linguagem” (ANTUNES, 2012, p. 54).
Através dos fragmentos supracitados é possível perceber uma relação
direta com o processo de letramento, pois, no momento em que o livro
didático promove atividades que ampliem a capacidade de leitura, não só do
texto e de seu significado, mas do mundo que cerca o aluno, ele acaba
promovendo uma contextualização dos usos sociais da língua e da escrita, e
dessa forma o leitor aprende, tendo em vista, a conexão do que vê na sala de
aula com o que pode ser encontrado fora dela.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, o LD analisado é muito interessante, porém, por possuir
um caráter de monitoramento do trabalho pedagógico, em alguns momentos,
acaba por direcionar a prática docente. Mas a sua eficiência dependerá da
maneira como o professor compreende e faz a mediação das atividades.
Analisar tais fragmentos no livro didático permite, portanto, perceber a
importância não só das linguagens dos textos, mas de como as novas
palavras se entrelaçam e podem enriquecer o repertório vocabular dos
alunos, em função dos efeitos de sentidos produzidos em contextos de uso.
Portanto, como todo e qualquer livro didático, a obra Português:
Linguagens, de Cereja e Magalhães (2014), apresenta um conjunto de pontos
positivos, mas também negativos, pelo fato de, nem sempre, dispor de
propostas coerentes com a realidade de alguns territórios, e por monitorar o
trabalho que pode ser desenvolvido, deixando o professor pouco livre para

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pensar em possibilidades inovadoras em função da reinvenção de sua forma
de ser e agir, mecanizando assim, a capacidade criativa do docente. Além
disso, é um objeto de cunho ideológico, formulado por um estado no qual a
hegemonia é exercida por camadas de maior poder aquisitivo, tornando
assim, as demais populações dificilmente adaptáveis a algumas propostas.
Cabe,

portanto,

ao

professor

assumir

certos

posicionamentos

relacionados ao livro didático, tendo em vista as percepções que este tem da
sua turma, verificando outras palavras desconhecidas que são apresentadas
aos alunos mediante a leitura do texto. De forma que seja possível ir além do
LD, construindo assim, um conhecimento que dialoga com a realidade as
quais estes sujeitos vivenciam.
Por isso, compreendemos que promover o estudo do letramento, não
deve bastar apenas ao trabalho com os gêneros textuais, mas a ênfase de um
novo vocabulário proporciona experiências enriquecedoras de uso da
linguagem e, ainda, como sugere o LD, o trabalho com o dicionário, enriquece
o universo de vocábulos dos alunos para que possam se tornar leitores
críticos e manifestantes de suas próprias opiniões.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São
Paulo: Parábola, 2012.

CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
linguagens, 2. 4. ed. São Paulo: Atual, 2014.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os
sentidos do texto. Cap. 1. São Paulo: Contexto, 2006.
MOURA, Ana Aparecida Vieira de; MARTINS, Luzineth Rodrigues. A Mediação da
Leitura: do projeto à sala de aula. In_____. Leitura e Mediação Pedagógica. São
Paulo: Parábola, 2012.

MORAIS, José. Alfabetizar na Democracia. Porto Alegre: Penso, 2014.

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INTERTEXTUALIDADE NO PROCESSO DE LEITURA E
ESCRITA
Jucicleide de Matos Silva
juci.cleide27@outlook.com
Luana Limeira dos Santos
luana2016limeira@outlook.com
RESUMO: O presente trabalho trás o processo de intertextualidade presente
nos textos, pois é necessário que se conheça e identifique este processo para
uma boa compreensão textual, já que a intertextualidade é um recurso onde o
escritor utiliza um texto dentro do outro facilitando desta forma a compreensão
do leitor. A intertextualidade está presente nos textos em geral, seja implícita
ou explicita, esta faz parte do processo de leitura e escrita, cabendo ao leitor
fazer o uso correto deste processo. A pesquisa em pauta trata-se de uma
pesquisa bibliográfica de cunho qualitativa. Nossos objetivos é mostrar a
importância em conhecer a intertextualidade presente nos diversos textos, já
que é comum o escritor utilizar recursos intertextuais para fundamentar os
mesmos. Através da literatura abordada observamos que é relevante para o
processo de leitura e escrita, assim como para uma boa interpretação textual
que o sujeito conheça e utilize a intertextualidade para tornar seus textos
coerentes.
Palavras-chave: Intertextualidade. Leitura e escrita. Compreensão textual.
INTRODUÇÃO
Falar em intertextualidade é trazer um mundo de ideias onde um texto
complementa outro, uma vez que intertextualidade nada mas é que um texto
dentro do outro. E esse fato torna-se interessante a partir do momento em
que estamos lendo um determinado texto e percebemos traços de outro texto.
A intertextualidade é bastante utilizada em textos literários desde os tempos
remotos e isso ocorre pelo fato de existir a questão do diálogo nesses textos,
e isso não deixa de ser um intertexto, uma vez que existe um discurso dentro
desses textos.

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No entanto na atualidade é possível ver a intertextualidade em textos
de diversos gêneros não apenas no literário, mas também nos textos
jornalísticos, nas propagandas enfim, e a utilização desse recurso permite em
muitos momentos uma melhor compreensão, pois muitas vezes não é
possível compreender determinadas escritas ou colocações, mas por meio da
intertextualidade presente é possível obter essa compreensão, uma vez que
em muitos momentos a mesma dá-se de uma forma mais atual e dinâmica
facilitando assim nossa compreensão.
1- A INTERTEXTUALIDADE NO PROCESSO LEITURA E ESCRITA
A intertextualidade aqui já vista como um texto complemento de outro
não poderia ficar de fora do processo leitura e escrita, uma vez que a mesma
pode contribuir para o avanço de ambos processos, o intertexto esta presente
no nosso dia-a-dia e isso pode facilitar na aprendizagem das crianças, pois
muitas vezes é possível ver a presença de intertexto em propaganda que em
muitos casos as mesmas estão associadas ao convívio social da criança ou
com seu conhecimento prévio como vem trazendo Ferreira (2017, p.4) com
relação a rede de quitandas “Hortifruti” que sempre traz em suas propagandas
o intertexto:
Como exemplo de slogans lançados pela empresa citaremos alguns
que, por fazerem remissões a filmes famosos são facilmente
reconhecidos pelos leitores, numa estratégia bastante criativa e
jocosa de se chamar a atenção do público-alvo da empresa. Utilizase “A incrível rúcula” (por “Incrível Hulk”), [...] “E o coentro levou”
(por “E o vento levou”), “Berinjela indiscreta” (por “Janela
Indiscreta”) “O quiabo veste prada” (por “O diabo veste Prada”) e o
“Limão impossível” (por “Missão impossível”).

Dessa maneira é possível perceber a presença do intertexto nessas
passagens e consequentemente para quem tem o conhecimento desses
filmes automaticamente já faz a associação de imediato e é justamente esse
o objetivo de quem faz essas propagandas super dinâmicas, e a “Hortifruti” é
especialista nesse assunto.

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O intertexto é fundamental para que a partir do mesmo seja possível
complementar um texto permitindo dessa maneira a melhor compreensão do
mesmo. E no processo de leitura e escrita a utilização da intertextualidade
pode contribuir para o aprimoramento das mesmas. Segundo Ferreira (2017,
p.5):
Essa concepção da intertextualidade mostra o fenômeno não
apenas em suas características estruturais ou estilísticas, mas,
sobretudo, a revela como um elemento essencial para o
processamento da leitura. Nessa perspectiva, deve-se ressaltar que
os sentidos expostos na superfície de um determinado texto só
serão de fato, aprendidos, se os interlocutores tiverem previamente
armazenados em sua memória discursiva o conhecimento dos
textos originais.

Então não é difícil entender que a intertextualidade é um elemento
importante no processo de leitura e consequentemente na escrita também, ao
passo que um esta interligado ao outro, dessa maneira é importante que o
professor possa ver qual a forma de seus alunos receberem o conteúdo, até
porque ao ler produzimos algum sentido e provavelmente partimos do meio
no qual estamos inseridos. França, Matos e Cardoso (2017, p.3) salientam:
[...] Esperamos que os professores tenham a oportunidade de
selecionar textos e elaborar atividades que dialoguem com as
vivencias dos alunos, de modo a permitir que esses atores sociais
identifiquem a presença de outros textos e o modo de constituí-los
na atividade de leitura.

Facilitar essa questão deve partir do professor, pois se faz necessário
que o mesmo possa ver as reais necessidades de seus alunos com relação à
leitura e a escrita, sabemos perfeitamente que realizar tais coisas em
determinados ambientes escolares muitas vezes não é tão simples assim, o
professor necessita usar suas melhores estratégias para alcançar bons
resultados. Nesse sentido procurar atividades que possam dialogar com o
meio no qual o aluno esta inserido torna-se fundamental, uma vez que isso
torna-se viável para que haja uma aprendizagem voltada para a criação de

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um novo texto, uma nova produção por parte dos receptores, e essa interação
com novos textos permite não só os alunos como também ao professor um
universo mais pleno com a relação à leitura.
A intertextualidade permite alcançar esses passos trilhando com mais
segurança, a leitura e a interação existente entre o que esta sendo exposto
em sala de aula e a vivência do aluno com seu contexto social. Levando em
consideração a diversidade de textos que os alunos podem vir a produzir,
França, Matos e Cardozo (2017, p.3) salientam:
A leitura tem como finalidade desenvolver as competências
linguístico-cognitiva, crítica e reflexiva dos aprendizes e,
consequentemente, a formação de escritores. Portanto, para que
essa competência em produzir e interpretar textos se desenvolva é
necessário que a educação utilize um método de ensino que tenha
como prioridade levar os alunos a desenvolverem atividades de
linguagem a partir da diversidade de textos.

Diante do exposto fica claro a importância do diálogo, da troca de
informações e do aprimoramento de um texto para com outro, sempre
levando em consideração o papel da intertextualidade nesse processo de
aprendizagem e aperfeiçoamento tanto da leitura quanto da escrita.
2- INTERTEXTUALIDADE IMPLÍCITA
A intertextualidade abrande muitas informações, com isso até o
presente momento podemos ver sua importância e como lidar com essa
questão voltada pra leitura e escrita. A mesma abrange tanto a questão
explicita quanto a implícita. Aqui trataremos a intertextualidade implícita, a
qual já temos uma ideia apenas pelo enunciado.
A intertextualidade implícita não se encontra na superfície textual,
assim como a intertextualidade explícita que se mostra de forma clara no
texto. A intertextualidade implícita exige de nós leitores uma maior atenção
para que possamos fazer a relação necessária com texto, requer uma maior

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atenção, uma vez que a mesma não mostra-se de forma tão clara assim
como a explícita.
Como exemplos de intertextualidade implícita podemos citar o plágio,
que configura-se em copiar a ideia de outra pessoa como se fosse sua,
também temos a alusão a qual também se encaixa como intertextualidade
implícita.
Segundo cf. Cavalcante (2006, p.5 apud KOCH, 2007, p.127):
Reputamos a alusão como uma espécie de referenciação indireta,
como uma retomada implícita, uma sinalização para o coenunciador de que, pelas orientações deixadas no texto, ele deve
apelar à memória para encontrar o referente não-dito.

Com isso podemos ver a questão da intertextualidade implícita de
forma mais clara, pois a mesma esta muito mais presente nos textos do que
possamos imaginar, por esse motivo se faz necessário um olhar criterioso
nesse sentido, para que assim possamos identificar a mesma.
Dessa forma a intertextualidade é fundamental para que possamos
complementar o sentido do texto, independente de ser explícita ou implícita
ambas tem suas contribuições, no entanto é preciso saber onde como usar,
para que por exemplo não viemos a cometer o plágio, uma vez que citar a
fonte é fundamental e enriquece nosso trabalho.
3 – INTERTEXTUALIDADE EXPLICITA
O ato de ler e escrever exige do leitor/escritor o conhecimento
necessário para compreender o que o autor quer transmitir com suas
palavras. Sendo assim, toda ideia presente no texto escrito parte de uma
literatura vista anteriormente, uma vez que a leitura oferece fundamento para
a escrita. Quando o texto escrito apresenta a fonte de uma citação podemos
dizer que se trata de intertextualidade explicita.
Sobre a intertextualidade explicita Koch e Elias (2013, p.87) se
expressam:

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A intertextualidade explicita ocorre quando há citação da fonte do
intertexto, como acontece nos discursos relatados, nas citações e
referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas de
textos parceiro para encadear sobre ele ou questiona-lo na
conversação.

É comum encontramos em textos científicos várias citações, porém é
necessário apresentar a fonte de origem, caso contrario constitui-se plágio.
Logo, encontramos a intertextualidade explícita em citações, referências,
resumos, resenhas, traduções entre outros. Estes textos são caracterizados
por intertextualidade explicita por apresentar a fonte que deu fundamento para
a escrita do novo texto.
Outro exemplo de intertextualidade explicita está em textos que dão
origem a outros textos, por exemplo: o “poema de sete faces” de Carlos
Drummond de Andrade que serviu como texto fonte para a música “até o fim”
de Chico Buarque de Olanda. Para identificar a intertextualidade presente na
música é necessário que o leitor tenha conhecimento prévio do poema.
Poema de sete faces
“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”.
Disponível em: https://pensador.uol.com.br › Autores › Carlos Drummond de
Andrade. Acesso em: 11/02/2017
Até o fim
“Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim”.
Disponível em: literaturaeoutrasartesonline.blogspot.com/.../ate-o-fim-de-chico-buarque-deholanda.h... Acesso em: 11/02/2017

É possível perceber que a música faz referência explicita ao poema. A
primeira estrofe mostra claramente que a música faz referência ao anjo,
Drummond o chama de anjo torto enquanto Chico Buarque o trata por anjo
safado fazendo referência ao mesmo anjo. Nesses casos, os leitores devem

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ficar atentos à intertextualidade, pois é necessário ter conhecimento do
poema de Drummond para compreender a música de Buarque.
4 – TEXTO E INTERTEXTUALIDADE
Sabemos que a escrita de todo e qualquer texto, exige conhecimento
prévio, tratando-se de textos acadêmicos, além dos conhecimentos prévios, o
escritor devem fundamentar sua escrita. O ato de fundamentar a escrita é o
que chamamos de intertextualidade, ou seja, o texto dentro do texto. Sobre o
texto, iremos considerar a concepção interacional dialógica da língua, onde há
uma interação entre os sujeitos construtores de sentido. A esse respeito Koch
(2014, p.173) salienta:
Já na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os
sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a
ser considerado o próprio lugar de interação e os interlocutores,
como sujeitos ativos que dialogicamente – nele se constroem e são
construídos. Dessa forma há lugar, no texto, para toda uma gama
de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando
se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos
participantes da interação.

A intertextualidade dá-se na relação de um texto com outros textos
base, pois como já mencionamos, um determinado texto fundamenta outro,
pois não existe escrita isolada, desse modo faz-se necessário a interação
desses textos em comum. O autor pode apoderar-se de diversos gêneros
textuais para conseguir fundamentos necessários para sua escrita. Sobre a
intertextualidade Marcuschi (2008, p.132) afirma:
O que podemos dizer é que a intertextualidade, mais do que um
simples critério de textualidade, é também um princípio constitutivo
que trata o texto como uma comunhão de discursos e não como
algo isolado. E esse fato é relevante porque dá margem a que se
façam interconexões dos mais variados tipos para a própria
interpretação [...]

Então a intertextualidade se constitui em um contexto escrito, é a união
das ideias presente nos textos, onde o autor pode fazer um contraponto entre
o seu pensamento com a forma de pensar de outros pesquisadores mais

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experientes, são fragmentos de obras usados para fundamentar um texto que
pode ser de forma implícita ou explicita.
Koch, Bentes e Cavalcante (2007) ainda menciona outros aspectos da
intertextualidade: metatextualidade, paratextualidade e arquitextualidade, as
duas primeiras características presente principalmente em textos científicos, e
a arquitextualidade presente em textos literários principalmente poemas e
sonetos.
A metatextualidade está relacionada aos comentários presente no texto
sobre este mesmo texto, podemos considerar como metatextualidade o
posfácio e o prefácio presente em livros, uma vez que estes trazem uma
crítica sobre a literatura presente neste mesmo livro. Marcuschi (2008, p.130)
afirma que a metatextualidade, “se refere à relação de comentário de um texto
por outro”. Basicamente ocorre em críticas de obras.
A paratextualidade tem relação direta com os títulos das obras, pois o
título apresenta o assunto de que trata a obra, ou seja, qualquer parte que
apresente de alguma forma aquilo que trata o texto. Koch, Bentes e
Cavalcante (2007, p.131) salienta que “o paratexto engloba título, subtítulo,
posfácio, notas marginais, finais ou de rodapé, epígrafes, ilustrações e outros
sinais que circundam o texto”. A paratextualidade é a relação do texto com
seus seguimentos.
A arquitextualidade está relacionada as diversas classes as quais o
texto pertence. Encontramos a arquitextualidade em poemas e sonetos, é
interessante que o leitor tenha e mobilize seus conhecimentos prévios para
compreender o processo de arquitextualidade por ela esta inserida no texto
de forma implícita. Para entendermos o processo de arquitextualidade vamos
tratar sobre “Soneto de fidelidade de Vínicius de Morais.
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

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Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Disponível em: www.releituras.com/viniciusm_fidelidade.asp. Acesso em: 12/02/2017

Então a arquitextualidade está presente no soneto porque quando
lemos já identificamos que se trata de um soneto que é um poema composto
de catorze versos, divididos em dois quartetos (duas estrofes com quatro
versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos), também identificamos
que é um poema de Vinícius de Morais, portanto faz parte do modernismo e
trata-se de um poema lírico.
Nesse sentido, a relação do texto com todas estas características é o
que defina a arquitextualidade, porém para que o leitor identifique este
processo ele precisa ter conhecimento prévio sobre o que é o soneto, como
ele se constitui, a época que foi escrito, se o leitor não dominar estas
peculiaridades o reconhecimento da arquitextualidade fica comprometida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da literatura escolhida, compreendemos a importância do uso
da intertextualidade na escrita e na compreensão dos textos que lemos, que
entramos em contato como alunos e leitores. É importante reconhecer ao
traços, e também utilizar de maneira adequada no momento da escrita dos
textos científicos que são postos no ensino superior.

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A intertextualidade está presente nos textos sejam estes impressos ou
no meio eletrônico. Como para fundamentar nossos textos precisamos de
outras literaturas, é correto afirmar que todo texto surge de outro. Então ao
cruzamento destes textos damos o nome de intertextualidade que pode se
configurar como plágio ou não desde que apresentada a fonte.
Diante dos pressupostos aqui mencionados consideramos este
trabalho importante para compreendermos melhor o processo de aplicação e
compreensão da intertextualidade na escrita de textos acadêmicos, pois para
que um texto seja bem escrito é necessário que o autor tenha conhecimento
sobre o tema abordado, propiciando melhor escrita e melhor compreensão
para os leitores.
REFERÊNCIAS
CARDOSO, T. G. FRANÇA, E. S. MATOS, S. S. LEITURA: espaço de
construção da intertextualidade. Disponível em:
http://educonse.com.br/2012/eixo_12/PDF/21.pdf. Acesso em: 15/02/2017.
FERREIRA, H.R.M. A Intertextualidade e seus desdobramentos em
alguns gêneros textuais. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/A%20intertextua
lidade%20e%20seus%20desdobramentos%20em%20alguns%20g%C3%
AAneros%20textuais%20-%20HILMA.pdf. Acesso em: 15/02/2017.
KOCH, I. V. As tramas do texto. São Paulo: Contexto, 2014.
KOCH, I. V. ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2013.
KOCH, I. V. BENTES, A. C. CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade:
diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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RASURA E EFEITOS DE SENTIDO NA REESCRITA DO CONTO
“O LOBO E OS SETE CABRITOS”, POR ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Laudicéa Maria de Souza
laudiceanascimento@hotmail.com
Adna de Almeida Lopes
adnalopes@globo.com
RESUMO: Este trabalho traz uma reflexão sobre a construção do sentido no
conto “O lobo e os sete cabritos” escrito por crianças em situação escolar.
Detém-se nas rasuras semânticas deixadas na superfície do texto durante o
processo de escritura. Através dessas marcas de rasuramento, busca-se
compreender de que modo os sujeitos constroem sentidos para o seu dizer. O
texto foi escrito por uma díade de alunos do 2º ano do ensino fundamental de
uma escola particular do município de União dos Palmares/AL e faz parte do
banco de dados do grupo de pesquisa Escritura, Texto & Criação – ET&C.
Para fundamentar a discussão, recorre-se aos estudos sobre a Genética de
Textos (GRÉSILLON, 2007; SALLES, 2008; WILLEMART, 2009); às
pesquisas de Biasi (2010), Calil (1997, 1998, 2008, 2016) e Felipeto (2008,
2012) acerca das rasuras em manuscritos escolares; à Semântica
(CANÇADO, 2005) e à Linguística da Enunciação (CERVONI 1989;
BENVENISTE, 2005, 2006; FLORES, 2013; BAKHTIN, 2014), dentre outros.
Os dados mostram que durante o processo de escritura há um movimento de
retorno ao escrito, através do qual, palavras e/ou expressões são apagadas,
acrescentadas, substituídas ou deslocadas produzindo diferentes efeitos de
sentido nos textos.
PALAVRAS-CHAVE: Sentido – Escrita – Manuscrito Escolar – Rasura.
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho discutimos sobre a rasura em manuscrito escolar28 com
a intenção de encontrar indícios que possam revelar sobre a construção do
sentido. A rasura será a porta de entrada, através da qual buscaremos
compreender como os escreventes iniciantes, inscritos no funcionamento
28

O termo “manuscrito escolar” foi proposto por Calil (2008) para se referir às diferentes
versões de textos escritos por alunos/as. É tudo o que se produz na condição de aluno, não
importando a qual componente curricular se propõe a atender.

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linguístico-discursivo e submetidos a uma determinada prática escolar de
escrita, buscam sentido para o seu dizer e reformulam segmentos do texto
que escrevem, em função da ideia que se deseja transmitir.
O texto aqui analisado faz parte do acervo do grupo de pesquisa
“Escritura, Texto & Criação” e foi produzido por uma díade composta por um
aluno e uma aluna do 2º ano do ensino fundamental de uma escola particular
de União dos Palmares/AL.
Antes da escrita texto, a dupla foi orientada a conversar sobre o que
deveria registrar no papel e, durante a escrita, o aluno assumiu o papel de
ditante e a aluna de escrevente. O texto faz parte do corpus da pesquisa de
mestrado de Mendonça (2015).
Na segunda seção deste trabalho apresentaremos as contribuições da
Genética Textual a partir dos estudos de Grésillon (2007), Salles (2008) e
Willemart (2009). Em seguida, conceituaremos a rasura, tomando como base
autores como Grésillon (2007), Calil (2008), Felipeto (2008) e Biasi (2010).
Dando prosseguimento, faremos uma explanação acerca do conceito de
sentido, com base em Benveniste (2006), Cervoni (1989), Cançado (2005),
Flores (2013), dentre outros autores que fundamentam suas pesquisas em
Benveniste. Na terceira seção apresentaremos a análise dos dados e, na
quarta, nossas considerações sobre o resultado desse estudo.
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 CRÍTICA GENÉTICA: UM PONTO DE PARTIDA
A Crítica Genética ou Genética Textual surgiu na França, na década de
1970, com a intenção de desvendar o percurso trilhado pelo escritor na
construção de uma obra, a partir do estudo de seus manuscritos. Instaura-se,
a partir daí, um novo olhar para a literatura, visto que a interpretação da obra,
à luz dos seus rascunhos, permite a construção de hipóteses sobre as

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operações realizadas durante o processo de escritura, podendo revelar
bastante sobre o movimento que envolve o ato de escrever. Sobre o objeto de
estudo da Genética Textual, Grésillon (2007) esclarece que “o objeto dos
estudos genéticos é o manuscrito de trabalho, aquele que porta os traços de
um ato, de uma enunciação em marcha, de uma criação que está sendo feita,
com seus avanços e seus bloqueios, seus acréscimos e seus riscos [...]”
(GRÉSILLON, 2007, p. 51).
Na Genética Textual, o olhar do pesquisador é deslocado do produto
para o processo, porque a sua intencionalidade é compreender a gênese do
texto, através da análise das operações materializadas em seus rascunhos
(GRÉSILLON, 2007).
É importantes ressaltar que, mesmo tendo acesso a diferentes
recursos que nos possibilitem uma maior aproximação do processo, “ainda há
obscuridades, já que o manuscrito também é efeito de um trabalho mental
desconhecido” (WILLEMART, 2009, p. 59).
Considerando as obscuridades constitutivas do processo, afirmamos
que as conclusões resultantes das análises desse tipo de material serão
sempre possibilidades de interpretação com uma forte influência do
referencial teórico adotado pelo pesquisador. Como defende Salles (2008, p.
56), “o crítico genético manuseia um objeto que se apresenta limitado em seu
caráter material e, ao mesmo tempo, ilimitado em sua potencialidade
interpretativa”.
2. 2 RASURAS: INDÍCIOS DE UM PERCURSO
Para Biasi (2010, p. 71) “A rasura é um componente muito complexo da
escritura. Sua definição implica o exame de numerosas características”.
Segundo o autor, a rasura serve para “corrigir” aquilo que foi escrito e
consiste em “um traçado operatório que marca a decisão de anular um
segmento previamente escrito para substituí-lo por outro ou para eliminá-lo
sem substituir”.

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Segundo Calil (2008), as marcas de rasuramento se apresentam como
um ‘diálogo silencioso’ que ocorre entre o que está escrito e aquilo que falta
no texto. “Um ‘diálogo’ que coloca em cena possibilidades de outros dizeres,
de outros escritos, através de um movimento retroativo do scriptor sobre a
própria linguagem, sobre o próprio texto” (CALIL, 2008, p.50). Nesse
movimento de retorno ao escrito, o sujeito “é afetado pelo seu dizer ou pela
sua escrita, escutando-o como ‘errado’, mesmo que não o esteja, de fato”
(FELIPETO, 2008, p. 3) e, assim, reformula o seu enunciado. Felipeto
também vincula o ato de rasurar a um “sentimento de estranheza” do sujeito
que escreve, esclarecendo que “É no estranhamento que vemos o ponto de
partida para que se produza um efeito de retorno, sem o qual não há rasura,
naquilo que o equívoco já se fez presente ou poderá, a partir da rasura,
instalar-se” (Op. cit., p.13).
2.3 SIGNIFICAÇÃO E SENTIDO
O ato de enunciar, seja oralmente ou por escrito, coloca o locutor em
um movimento de busca de sentido para o seu dizer, uma vez que, uma das
principais funções da língua é comunicar, se fazer compreender pelo outro,
através de seus enunciados. Benveniste (2006, p. 222) esclarece que “Se nós
colocamos que à falta de linguagem não haveria nem possibilidade de
sociedade, nem possibilidade de humanidade, é precisamente porque o
próprio da linguagem é, antes de tudo, significar”.
Para esse estudioso “[...] o sentido é a noção implicada pelo termo
mesmo da língua como conjunto de procedimentos da comunicação
identicamente

compreendidos

por

um

conjunto

de

locutores;

[...]”

(BENVENISTE, 2006, p. 222). Aqui ele coloca em destaque a compreensão
advinda da interlocução, através da qual as pessoas se comunicam. Nessa
busca por compreender e ser compreendido, selecionamos palavras e as
organizamos sintaticamente, de modo que a ação que uma exerce sobre as

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outras constitua sentido e referência na enunciação. Para Benveniste (2006, p
230) “Tudo é dominado pela condição do sintagma, pela ligação entre os
elementos do enunciado destinado a transmitir um sentido dado, numa
circunstância dada”.
Benveniste (2006) preconiza que há dois modos distintos de
significância na língua: o modo semiótico e o modo semântico. “O semiótico
designa o modo de significação que é próprio do SIGNO linguístico e que o
constitui como unidade.” (BENVENISTE, 2006, p. 64, grifo do autor). O modo
semântico o autor define da seguinte forma:
Com o semântico entramos no modo específico de significância que
é engendrado pelo DISCURSO. Os problemas que aqui se colocam
são função da língua como produtora de mensagens. Ora, a
mensagem não se reduz a uma sucessão de unidades que devem
ser identificadas separadamente; não é uma adição de signos que
produz o sentido, é, ao contrário, o sentido (o ‘intencionado’),
concebido globalmente, que se realiza e se divide em ‘signos’
particulares, que são as PALAVRAS. Em segundo lugar, o
semântico toma necessariamente a seu encargo o conjunto dos
referentes, enquanto que o semiótico é, por princípio, separado e
independente de toda referência. A ordem semântica se identifica
ao mundo da enunciação e ao universo do discurso. (BENVENISTE,
2006, p. 65, grifos do autor).

Assim como Benveniste, Bakhtin (2014, p. 116, grifo do autor) também
ressalta a importância da referência na construção do sentido. Para ele o
sentido da palavra encontra-se totalmente vinculado ao seu contexto, pois
“qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será
determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes
de tudo pela situação social mais imediata”.
Bakhtin (2014, p.133) defende que os elementos não verbais da
situação são tão importantes na atribuição de sentido quanto as formas
linguísticas, ressaltando que “se perdermos de vista os elementos da
situação, estaremos tampouco aptos a compreender a enunciação como se
perdêssemos suas palavras mais importantes”.

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Com base em Benveniste, Flores et al. (2013, p. 72) esclarecem que “a
palavra por si não comporta sentido”, e defende que o “sentido de uma
palavra é dado por inter-relações que se estabelecem no enunciado”. Este
jamais poderá ser entendido como a soma de significados, visto que, sua
configuração é sempre única, já que é relativa à expressão de uma ideia que
tem a instância do discurso como referência (FLORES et al., 2013, p. 72). Por
isso, esses estudiosos afirmam que o sentido encontra-se relacionado à
enunciação, ao uso da língua numa situação singular.
A interpretação é construída a partir do linguístico, através de um
movimento no qual o sujeito aciona o seu conhecimento semântico e outros
conhecimentos linguísticos, estabelecendo relação com os elementos
extralinguísticos ou contextuais. Como afirma Cançado (2005, p. 17), “nem
sempre o sistema semântico é o único responsável pelo significado; ao
contrário, em várias situações, o sistema semântico tem o seu significado
alterado por outros sistemas cognitivos, para uma compreensão final do
significado”. Cervoni (1989) defende que um estudo, cuja intenção é
compreender o sentido, de forma mais aprofundada, deve considerar também
as condições de produção.
Essa formulação, acerca da importância da situação comunicativa, na
qual o enunciado é proferido, para a atribuição de sentido, encontra-se em
conformidade com o pensamento de Benveniste (2006, p. 230), quando este
afirma que “uma frase participa sempre do ‘aqui e agora’; algumas unidades
de discurso são aí unidas para traduzir uma certa ideia interessante, um certo
presente de um certo locutor”. Portanto, o conjunto de circunstâncias que a
provoca, é cada vez único.

3 RASURA E SENTIDO NAS PRODUÇÕES DOS ALUNOS
Considerando que o nosso objeto de investigação são as rasuras
semânticas, antes de partirmos para a análise dos fragmentos, com esse tipo

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de rasura, apresentaremos o manuscrito escolar produzido pela díade para
que possamos ter acesso ao texto na íntegra, apreendendo o seu sentido
global e observando a relação de sentido entre os fragmentos analisados e o
texto como um todo.
A figura um corresponde ao texto completo produzido pela díade.
Figura 1 – Reescrita do conto “O lobo e os sete cabritos”

Fonte: (MENDONÇA, 2015)

Nos fragmentos selecionados para análise, destacamos as rasuras
sobre as quais a análise incidiu, identificando-as pelas operações linguísticas
envolvidas em cada reformulação/eliminação, de acordo com as seguintes
cores:
ü vermelha, indicando supressão de um segmento do texto;
ü verde, indicando acréscimo, substituição e/ou deslocamento.
Na figura dois, encontra-se o primeiro fragmento no qual analisaremos
uma operação de substituição.
Figura 2 – 1º Fragmento do conto “O lobo e os sete cabritos”

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Nesse fragmento a palavra “cabelos” foi substituída por “pelos”, termos
com significados muito próximos, mas com referências distintas, o que implica
em sentidos, também distintos. Provavelmente, o apagamento de “cabelos”
tenha ocorrido pelo fato de o termo ter sido escutado como um erro, em
virtude da não coincidência entre o significante e o objeto real ao qual se
atribui o significado, já que o texto faz referência aos pelos de um animal e
não aos pelos da cabeça de seres humanos. Como afirma Benveniste (2006,
p. 84), “[...] na enunciação, a língua se acha empregada de uma certa relação
com o mundo”, sendo a referência, um elemento fundamental na constituição
do sentido. Flores (2013, p. 98), seguindo a mesma linha de pensamento,
afirma que “[...] os instrumentos linguísticos adquirem sentido único e singular
em função da instância de comunicação em que são proferidos”.
Passemos ao segundo fragmento que se encontra na figura três.
Figura 3 – 2º Fragmento do conto “O lobo e os sete cabritos”

Nesse fragmento, o nosso destaque é o segmento “então os” (linha 6)
que é eliminado e escrito mais adiante, após as crianças escreverem “esta
aqui” (linha 6). Temos aqui um caso de antecipação, em que as crianças
percebem que não haviam registrado “esta aqui”, por isso rasuram “então os”.
A ausência do segmento “esta aqui” instauraria uma lacuna no sentido do
enunciado e, este, não expressaria a ideia pretendida, por isso, foi necessário
deslocar um segmento e acrescentar outro. Com relação a essa questão,
Flores et al. (2013) explicam que a disposição das palavras no enunciado se
dá em função da mensagem que se quer transmitir, isto é, o “agenciamento
de signos na língua é comandado pela ‘ideia’ e a seleção de um signo implica

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a seleção de outro, de modo que um certo ‘arranjo’ se faça” (FLORES et al.
2013, p. 72).
Nesse mesmo segmento, o locutor faz uso do advérbio “aqui” (linha 6),
como indicativo do lugar onde acontece a cena da história, marcando sua
presença no enunciado.
A seguir, o terceiro fragmento produzido pela dupla.
Figura 4 – 3º Fragmento do conto “O lobo e os sete cabritos”

A rasura selecionada nesse fragmento corresponde a mais uma
ocorrência de antecipação. Vejamos que o segmento “no relógio” (linhas 21 e
22) foi eliminado e inserido novamente no enunciado, após o acréscimo de “O
mas sábio se encondeu” (linha 22). Em que implicaria a ausência desse
segmento no enunciado? Certamente essa ausência comprometeria a sintaxe
e, consequentemente, o sentido do texto, pois faltariam elementos linguísticos
essenciais para a apreensão da mensagem. Como esclarece Teixeira (2012,
p. 72), “o sentido requer, então, uma sintaxe, uma certa organização de
palavras encadeadas pelo sujeito para a expressão de uma ideia”.
No fragmento seguinte temos mais um caso de substituição, no qual o
artigo “os” é substituído pela expressão “todos menos o cabrito negro”.
Figura 5 – 4º Fragmento da Reescrita do conto “O lobo e os sete cabritos”

O fragmento selecionado integra um enunciado de maior extensão, que
narra o momento da história em que os cabritinhos se esconderam do lobo,
mas este entrou na casa e os comeu. No momento em que esse fato vai ser
contado, surge a rasura do artigo “os” (linha 22) e sua substituição pelo
pronome indefinido “todos” (linha 23) ou por “todos menos o cabrito negro”, de

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modo que, o enunciado após a reformulação ficou da seguinte forma: “O mas
sábio se escondeu no relógio o lobo comeu todos menos o cabrito negro”
(linhas 22 e 23).
É importante considerar que os indefinidos, quando inseridos num
enunciado, ganham estatuto de palavras, pela relação que se estabelece
entre eles e as demais palavras que compõem o enunciado (FLORES et al.,
2013).
Nesse fragmento, o enunciador apresenta duas informações: na
primeira, ele comunica que o cabritinho mais sábio escondeu-se no relógio e,
na segunda, afirma que o lobo comeu todos os cabritinhos, menos o cabrito
negro. Refletiremos sobre a rasura que eliminou o artigo “os”, substituindo-o
pelo pronome “todos”, procurando estabelecer relação com o termo substituto.
Caberia então perguntar: que outros termos poderiam estar presentes na
cadeia paradigmática, concorrendo com o pronome “todos”, caso não tivesse
ocorrido a rasura? Nessa situação, poderiam ter sido escritas palavras e
expressões como: cabritinhos, filhotes da cabrita, irmãos, dentre outras
possibilidades. Qual seria, então, a relação entre o pronome “todos” e os
substantivos que se encontram latentes no enunciado? Qual o papel que o
termo “todos” desempenha no enunciado? Qual o sentido atribuído a esta
palavra?
O termo “todos”, nessa situação, expressa totalidade, pois se refere a
todos os elementos de um conjunto, nesse caso específico, aos cabritos. É
um termo abrangente que poderia abarcar diversos substantivos; entretanto,
apesar do termo ser amplo, a relação que ele mantém com as outras palavras
que são escritas na sequência “menos o cabrito negro” (linha 23), restringe
essa abrangência, passando a significar uma parte do conjunto de cabritos,
excluindo da lista, o cabrito negro. Esse sentido é decorrente das relações
sintáticas e semânticas que são estabelecidas no enunciado, pois, “o
enunciado não é um somatório de palavras, é um todo de inter-relações de
palavras” (FLORES et. al., 2013, 128, grifo dos autores).

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Flores et al. (2013) afirmam que “no enunciado, os indefinidos guardam
parte da significação que têm na língua e expressam sentido único, relativo ao
uso da língua, a eu-tu-aqui-agora” (Op. cit., p. 105, grifo dos autores). Os
indefinidos são signos que se atualizam no uso da língua e constituem
referência. Nesse enunciado, o termo “todos” expressa eles, o conjunto dos
cabritinhos que foram comidos pelo lobo, no aqui e agora da cena
enunciativa.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que vimos no texto analisado foi uma multiplicidade de sentidos.
Testemunhamos que o “esquecimento” de um termo pode provocar
estranhamento e ser escutado como “erro”; constatamos que os pronomes
indefinidos nem sempre têm o sentido de indefinição, podendo se referir a
sujeitos específicos numa determinada situação de enunciação; vimos
também que o termo “todos”, tal como aparece na história, embora
normalmente expresse totalidade, pode também ter seu sentido reduzido, em
função da referência e dos elementos inseridos na cadeia sintagmática.
A análise aqui empreendida jamais poderá ser tomada como
conclusões incontestáveis e definitivas, pois, sendo a expressão de sentido
relativa a eu-tu-aqui-agora, será sempre imprevisível. A noção de referência,
tão importante na obra de Benveniste, leva-nos a compreender que na Teoria
da Enunciação não há um sentido fixo, visto que, a situação enunciativa é
sempre única. Portanto, cada vez que um signo é atualizado em palavra há
um sentido e, por ser sempre um, o sentido é sempre outro, ou seja, o que
há são sentidos, em virtude da singularidade da enunciação.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem.
Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 16. ed. – São Paulo: Hucitec,
2014.

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Vol. 01

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Tradução Eduardo
Guimarães et. al.; revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. 2ª edição.
Campinas, SP: Pontes, 2006.
BIASI, Pierre Marc de. A genética dos textos. Tradução Marie-Hélène Paret
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CALIL, Eduardo. A escuta e o funcionamento da rasura. Revista Leitura.
Maceió: Editora da Universidade Federal de Alagoas, 1997.
CALIL, Eduardo. Autoria: a criança e a escrita de histórias inventadas.
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CALIL, Eduardo. Escutar o Invisível: escritura & poema na sala de aula. São
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CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo
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CERVONI, Jean. A Enunciação. São Paulo: Ática, 1989.
FELIPETO, Cristina. Rasura e equívoco: no processo de produção em sala
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FLORES, Valdir. Semântica da Enunciação. In: FERRAREZI JUNIOR, Celso;
BASSO, Renato. Semântica, semânticas: uma introdução. São Paulo:
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FLORES, Valdir et. al. Enunciação e gramática. 2ª ed. – São Paulo:
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GRÉSILLON, Almuth. Elementos de Crítica Genética: ler os manuscritos
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Grande do Sul, 2007.
MENDONÇA, Jimmy Carter Araújo de. A tipologia das rasuras em práticas
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ISSN 1981-3031
Vol. 01

LEITURA DO GÊNERO CHARGE, IDENTIFICAÇÃO DE
ELEMENTOS PRESSUPOSTOS E A CONSTRUÇÃO DOS
SENTIDOS
Marcos Antônio da Silva
marco_sil2@hotmail.com
RESUMO: Tendo em vista a importância que há no processo de leitura de um
texto e a possibilidade que a leitura efetiva de um texto tem na construção da
formação dos sujeitos, uma vez que tal atividade possibilita a ampliação das
competências relacionadas aos conhecimentos linguísticos, textuais, de
mundo e a interação com os fatos que existem na sociedade na qual os
indivíduos estão inseridos, este artigo tem por objetivo apresentar algumas
reflexões sobre a atividade da produção de sentidos na leitura do gênero
discursivo/textual charge. Para tanto, lançaremos mão de alguns postulados
teóricos apresentados pela Teoria da Argumentação na Língua,
especificamente na segunda etapa dessa teoria, com o Descritivismo
Pressuposicional. Com o intuito de discutir a importância da identificação de
elementos ativadores de pressupostos no gênero em questão, analisaremos
as estruturas linguísticas e não linguísticas de seis textos (charges). O gênero
charge será compreendido aqui como um texto que tem, como objetivo maior,
o de apresentar, de forma humorística, uma espécie de crítica diante de um
fato presente na sociedade. A coleta das charges aqui analisadas ocorreu
durante o ano de 2016 e, a partir das análises, é possível dizer que a
presença de tais elementos, quando identificadas suas verdadeiras funções,
possibilita a produção efetiva de sentidos para aquilo que está sendo lido. De
outra forma, tal presença revela o posicionamento do produtor do texto diante
do fato que está sendo veiculado. Assim sendo, entendemos que o trabalho
com leitura vai além da simples identificação de respostas diretas presentes
na estrutura do texto, mas que é preciso que o leitor esteja atento para
descortinar os sentidos escondidos nas entrelinhas dos textos, sentidos esses
que podem ser percebidos a partir da identificação dos pressupostos e dos
subentendidos.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura – Charge – Pressuposto.
1. INTRODUÇÃO
O ato de ler pode ser considerado como uma das práticas sociais mais
importantes para a formação dos sujeitos, uma vez que pode lhes possibilitar
a construção dos processos de compreensão acerca dos mais diversos
universos, a ampliação das competências relacionadas aos conhecimentos

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linguísticos, textuais e de mundo, a capacidade de interação com
acontecimentos distantes e a compreensão do signo lingüístico, enquanto um
fenômeno de natureza social.
Dessa forma, considerando a complexidade existente no processo de
leitura, tendo em vista os elementos/recursos que devem ser ativados pelos
leitores quando do procedimento de construção de sentidos de um texto,
objetivamos, com este artigo, refletir acerca da pertinência do trabalho de
identificação de informações explícitas e implícitas presentes no texto,
buscando possibilitar ao aluno-leitor mais recursos para a realização de uma
leitura efetiva do texto à disposição. De forma mais explícita, objetivamos
abordar a importância da identificação de elementos pressupostos e
subentendidos no gênero discursivo “charge”, a partir da análise de seis
textos, com a intenção de mostrar como tal identificação possibilita a
produção efetiva de sentidos para o texto que está sendo lido.
Como suporte teórico, baseamo-nos na Teoria da Pressuposição
desenvolvida por Ducrot e colaboradores (1994), para quem o pressuposto é
apresentado como pertencendo às pessoas envolvidas na comunicação, ou
seja, ao “nós”, o que nos faz pensar, inicialmente, como o ouvinte/leitor está
envolvido na relação de compartilhamento das informações apresentadas
pelo texto e pelo falante/produtor.
Quando percebemos a consideração que existe em dar importância ao
“nós” da interação, ou seja, ao “eu” e ao “outro”, compreendemos, também, a
importância do leitor/ouvinte em identificar, nos textos, os pressupostos e os
subentendidos, com a intenção, é claro, de construir sentidos.
Este trabalho será norteado ainda pelos estudos apresentados por
Moura (2006), quando expõe uma série de elementos linguísticos tais como:
verbos factivos, sentenças clivadas, dentre outros, que são responsáveis por
ativação de pressupostos.
2. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA E A PRAGMÁTICA

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A Teoria da Pressuposição é apresentada por Anscombre e Ducrot
(1994), no interior da Teoria da Argumentação na Língua, na segunda29 etapa
desta teoria, com o Descritivismo Pressuposicional, quando, para esses
autores, os encadeamentos argumentativos estão fundamentados apenas nos
fatos. Mas, conforme esses mesmos autores, nem todos os fatos conseguem
produzir tal encadeamento. Nesse caso, o valor semântico das frases estaria
contido nas informações que essas comportariam, quer dizer, nas
informações afirmadas ou postas.
Assim, através dos exemplos com peu (pouco) e un peu (um pouco),
Anscombre e Ducrot (1994, p. 200) explicam o que ocorre quando utilizamos
esses elementos em frases com a seguinte estrutura:
Exemplo 01:
(1) Pedro trabalhou pouco.
Posto: A quantidade de trabalho efetivada por Pedro é fraca.
Pressuposto: Pedro trabalhou.
(2) Pedro trabalhou um pouco.
Posto: Pedro efetivou uma certa quantidade de trabalho.
Pressuposto: Se houve trabalho realizado, sua quantidade foi
fraca.
Conforme esses dois autores, o encadeamento argumentativo, nessa
segunda etapa, afeta apenas o enunciado. Assim, como podemos observar
em (1), o posto é que “A quantidade de trabalho efetivada por Pedro é fraca” e
o pressuposto é que “Pedro trabalhou”. O enunciado (2) apresenta o posto
“Pedro efetivou uma certa quantidade de trabalho” e o pressuposto é o de que
“Se houve trabalho realizado por Pedro, sua quantidade foi fraca”.
Vemos, portanto, que a questão entre pouco e um pouco, nesta etapa
da teoria, não reside em termos de quantidade, mas nas orientações
argumentativas opostas, como bem explicitam Anscombre e Ducrot (1994), ao
29

A Teoria da Argumentação na Língua é constituída por várias etapas. Por motivo de
espaço, e considerando nosso objetivo maior neste texto, tais etapas não serão expostas ou
discutidas.

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ressaltarem que é necessário evitar postular algum tipo de diferença
quantitativa entre pouco e um pouco, pois cabe a esses operadores dar
conta de suas potencialidades argumentativas.
A noção de pressuposto é, portanto, apresentada por Ducrot, (1987, p.
20), como “[...] o que apresento como pertencendo ao domínio comum das
duas personagens do diálogo, como o objeto de uma cumplicidade
fundamental que liga entre si os participantes do ato comunicativo”. O
pressuposto, pertence, assim, ao “nós” da relação comunicativa.
Dessa maneira, analisando o enunciado “Pedro deixou de fumar”,
teremos como posto (Pedro não fuma mais) e pressuposto (Pedro fumava
antigamente),

pressuposto

este

ativado

pelo

verbo

deixar/deixou,

apresentado, consoante classificação de Moura (2006, p. 20), como “[...]
verbos que indicam mudança de estado”. Assim, ao “nós” da relação
comunicativa pertence a informação de que “Pedro fumava antigamente”.
Destarte, ainda conforme Ducrot (1987, p. 77), “[...] pressupor não é
dizer o que o ouvinte sabe ou se pensa que ele sabe ou deveria saber, mas
situar o diálogo na hipótese de que ele já soubesse”. Dessa forma, a
pressuposição ou o ato de pressupor apresenta-se como uma estratégia
argumentativa para levar o interlocutor a admitir um determinado ponto de
vista.
Com o intuito de explanar a lista de elementos e expressões que são
responsáveis pela ativação dos pressupostos, Moura (2006, p. 17-22) lista as
seguintes estruturas:
1)
Expressões definidas: expressões que descrevem um ser
determinado, específico. “[...] servem para fazer referência, assim
como os nomes próprios”.
Exemplo: O rei da França é calvo.
Pressuposto: Existe um rei da França.
2)
Verbos factivos: os verbos factivos se fazem presentes em
orações subordinadas que representam o próprio pressuposto.
Exemplo: Pedro soube que ganhou o prêmio.
Pressuposto: Pedro ganhou o prêmio.

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3)
Verbos implicativos: são verbos que, por sua própria
natureza, implicam uma ação apresentada pelo verbo presente no
enunciado.
Exemplo: João esqueceu de fechar a porta.
Pressuposto: João deveria ou desejava fechar a porta.
4)
Verbos que indicam mudança de estado
Exemplo: João deixou de fumar
Pressuposto: João fumava.
5)
Iterativos: indicam que a ação apresentada pelo verbo ou
expressão já aconteceu em um momento anterior.
Exemplo: O disco voador apareceu de novo.
Pressuposto: O disco voador já tinha aparecido antes.
6)
Expressões temporais: são expressões que, presentes no
enunciado,
indicam
pressupostos
relativos
ao
tempo
(temporalidade).
Exemplo: Maria desmaiou depois de encontrar João.
Pressuposto: Maria encontrou João.
7)
Sentenças clivadas: são sentenças que têm a forma “Não
foi X que Y (Y=oração).
Exemplo: Não foi o João que beijou a Maria.
Pressuposto: Alguém beijou a Maria.

Além dos elementos apresentados por Moura (2006), Espíndola (2010,
p. 55), à lista, acrescenta outros três elementos. São eles:
8)
Prefixo re-: presentes em alguns verbos como “reavaliar,
reafirmar, renovar” etc.
Exemplo: João reafirmou sua inocência.
Pressuposto: João já afirmou sua inocência anteriormente.
9)
Alguns conectores circunstanciais: conectores do tipo
“desde que, antes que” etc.
Exemplo: João passará no vestibular desde que estude.
Pressuposto: João não estuda.
10) Alguns advérbios: são advérbios que deixam registrado um
pressuposto, como: mais, também dentre outros, em alguns
contextos.
Exemplo: Pedro também passou na prova.
Pressuposto: Alguém além de Pedro passou na prova.

É importante salientar que as informações explícitas dizem respeito a
elementos linguísticos que se fazem presentes na própria estrutura da língua.
Nesse caso, as informações pressupostas são ativadas por algum elemento
linguístico-discursivo, como os elementos já citados anteriormente por Moura

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(2006) e Espíndola (2010).

Já as informações implícitas, ou inferências,

dizem respeitos aos subentendidos, que estão no nível pragmático da língua.
3. BREVES PALAVRAS SOBRE A NOÇÃO DE LEITURA
A atividade de leitura, enquanto um processo de interação, é uma prática
defendida por muitos autores/estudiosos. Dentre os nomes que defendem
uma percepção da leitura como atividade interacional, processo que envolve a
relação entre leitor-texto-autor e contextos de leitura e de produção, está
Orlandi (1983, p. 173), quando afirma que a leitura “[...] é o momento da
constituição do texto, é o momento privilegiado da interação, aquele em que
os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao se constituírem
como tais, desencadeiam o processo de significação do texto”.
A partir do posicionamento do autor (1983), apresentado acima,
observa-se que esse “momento privilegiado da interação” é responsável pela
construção dos sentidos do texto, sentidos estes que só serão possíveis se o
leitor acessar os conhecimentos exteriores ao texto, suas experiências, suas
leituras de mundo. Esse processo interacional na construção dos sentidos do
texto é realizado pelos leitores através das inferências e, como sustenta
Soares (2001), o lugar do leitor e sua relação com a sociedade são
extremamente relevantes para a produção da significação do texto.
Portanto, as concepções de leitura e de língua que permearão a sala de
aula são de extrema relevância para a realização de um ensino eficaz de
leitura, pois serão elas que guiarão o caminho apropriado a ser seguido e,
como propõe Batista (1991, 38), “[...] é de suma importância que o professor
tenha em mente os processos e as tensões que marcam e marcaram o ato de
ler”. Por conseguinte, entende-se que, ainda segundo esse autor, as relações
entre autor, texto, leitor devem ser consideradas relevantes, quando da leitura
de um texto bem como o contexto sociocultural dos momentos de produção
do texto e da leitura.

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No entanto, ao analisar a situação do ensino de língua, Sousa (2002, p.
138) detectou que tal ensino ainda é realizado de forma tradicional. Assim, a
autora assevera que:
Na aula de leitura, em geral, predomina, como objeto de ensino, um
modelo de leitura que se caracteriza como um processo de
“objetificação” do próprio texto o qual, por vezes, passa a ter um
tratamento semelhante ao que se dá à frase isolada. Ou seja, a
atividade de leitura passa a ter como objetivo não necessariamente
a fixação de conteúdos gramaticais, mas, sobretudo, a fixação de
uma técnica de leitura incansavelmente repetida. (Aspas da autora).

Assim sendo, de acordo com Silveira (1998, p. 136), o ensino de língua
“[...] é designado geral, pois é direcionado para um aluno ideal, abstrato, com
o perfil de um indivíduo douto e elegante ao falar”.

Essa prática, ainda

conforme a autora, pode ser “justificada” pela “[...] questão da clientela antes
elitista e agora popular [...]” que passou a frequentar o espaço escolar, a partir
da democratização do ensino.
Destarte, conforme também essa autora, parece que estamos longe de
proporcionar aos alunos aquilo que propõem os documentos oficiais que
regem a educação, seja no tocante às condições físicas para a prática de
leitura, seja no que se refere à prática dessa atividade por alguns docentes,
quando buscam apenas a pronúncia das palavras e correta entonação.
Quando há um debate sobre o texto, este é visto como possuidor de um
sentido ou, talvez, dois: o do livro e o do professor.
Do mesmo modo, informações importantes que podem ser acionadas
por meio da identificação de alguns elementos, como os apresentados por
Moura (2006) e Espíndola (2010), por exemplo, passam despercebidos, pois
o objetivo maior é, muitas vezes, identificar questões explícitas e responder
aos exercícios propostos pelo livro.
É com o intuito de discutir a importância de identificarmos no gênero
charge os elementos que ativam informações pressupostas e subentendidas,
que buscamos apresentar, aqui, alguns elos entre as análises de tais

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elementos e algumas reflexões sobre o processo de leitura e a construção
dos sentidos de um texto, nesse caso, a charge.
4. SOBRE O GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL CHARGE
De acordo com os postulados de Bakhtin (2000), os gêneros são
construídos nas diversas esferas sociais da comunicação/atividade humana.
Pensando dessa forma, é possível dizer que a charge, enquanto produto
social que tem por objetivo uma determinada ação, é um produto que atende
a diversas necessidades presentes em nosso cotidiano.
Ademais, é pertinente pontuar que perante os diversos acontecimentos
que permeiam o nosso espaço no que tange à ordem social, política e
histórica, a charge revela-se como uma forma utilizada para anunciar, por
meio de uma atitude crítica e, ao mesmo tempo, sarcástica e, ainda, com uma
certa dose de humor, as questões polêmicas que surgem, todos os dias, em
toda e qualquer sociedade.
Consoante o posicionamento de Mouco (2007, p. 05), é pertinente dizer
que a charge pode ser observada como uma:
[...] crítica humorística de um fato ou acontecimento
específico. É a reprodução gráfica de uma notícia já
conhecida do público, segundo a percepção do desenhista.
Apresenta-se tanto através de imagens quanto combinando
imagem e texto. A charge absorve a caricatura em seu
ambiente ilustrativo.

Mais precisamente nesse caso, é preciso destacar que, dificilmente,
uma charge será construída apenas com elementos linguísticos, tendo em
vista que a possibilidade de construção dos sentidos possíveis para a leitura
de uma charge é dada graças à junção dos elementos linguísticos e a relação
com as imagens presentes no texto.
Além desse fato, também não seria demasiado pontuar que as charges
podem ser tomadas como pequenos textos, geralmente com tons
humorísticos e críticos que, face aos acontecimentos vividos por uma

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região/sociedade, podem abordar os mais variados assuntos, mas, talvez, o
destaque maior seja dado às situações políticas.
Assim, é possível depreendermos que, nesse caso, uma das premissas
da charge seria a de causar o riso. Conforme salienta Minois (2003, p. 19), é
possível conceituar o riso e o escárnio como “[...] o irônico, a individualidade
genial, que consiste no auto-aniquilamento de tudo que é soberano, grande e
nobre”. Ainda nas palavras desse autor (2003, p. 20), “[...] o riso esconde o
seu mistério, às vezes, agressivo, sarcástico, angélico, tomando as formas da
ironia, do humor, do burlesco e do grotesco”. Assim sendo, o riso pode ser
compreendido como sendo multiforme e ambíguo, pois expressa tanto a
alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia.
No tocante à possível origem do termo ‘charge’, Silva (2004, p. 13)
explica que:
[...] o termo charge é francês, vem de charger, carregar, exagerar e
até mesmo atacar violentamente (uma carga de cavalaria). Este tipo
de texto tem caráter temporal, pois trata do fato do dia. Dentro da
terminologia do desenho de humor, pode-se destacar, além da
charge, o cartum (que satiriza um fato específico de conhecimento
público de caráter atemporal), a tira, os quadrinhos e a caricatura
pessoal. A charge será alvo do estudo por trazer, em uma análise
superficial, implícita a história e a presença do interdiscurso. Ela é o
local escolhido pela ironia, metáfora (transferência), pelo contexto,
pelo sujeito, para atuar. Por ser combativa, tem lugar de destaque
em jornais, revistas e na internet. Portanto, ampla poderá ser a
leitura interpretativa por nela se constatar a presença da linguagem,
da história e da ideologia.

Portanto, a produção de uma charge está diretamente relacionada à
necessidade que o produtor do texto, nesse caso, o chargista, tem em
suscitar apreciações sobre um determinado tema, sobretudo, em relação ao
sistema sociopolítico no qual produtor e leitor estão inseridos.
Sobre essa questão, o posicionamento de Oliveira (2001, p. 265) é o
de que os textos como a charge “[...] ganham mais quando a sociedade
enfrenta momentos de crise, pois é a partir de fatos e acontecimentos reais
que o artista tece sua crítica num texto aparentemente despretensioso”.
Refletindo sobre os meios de veiculação, as charges podem ser
publicadas nos mais variados suportes, desde os impressos, como revistas,

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livros didáticos e, comumente, nos jornais, como em sites da internet e,
independente do suporte no qual a charge é publicada, diferente de alguns
outros textos, a charge tem ‘validade’, isto é, sua leitura será melhor
apreendida se for realizada no período em que o fato nela apresentado esteja
acontecendo. Do contrário, corre-se o risco de o texto não ser compreendido.
Daí sua característica de ser “temporal”.
No entanto, tal característica não é fator negativo que desestimule o
trabalho com a leitura da charge na sala de aula, pelo professor, pois como
bem assevera Mouco (2007, p. 06):
De acordo com os conceitos atuais para o ensino de Língua
Portuguesa, que é propiciar aos educandos o maior número de
gêneros textuais possíveis, a inclusão do texto chargístico
possibilitará aos mesmos ler além das aparências evidentes nos
textos e perceber os sentidos implícitos, através da análise
minuciosa deste tipo de discurso.

Para que tal possibilidade de interação com a realidade seja dada ao
aluno-leitor, é preciso, portanto, que o docente trabalhe com textos que sejam
atuais, que retratem o momento em que o alunado vive e que, dessa forma, a
leitura da charge possa fazer sentido para o aluno, sensibilizá-lo e fazê-lo
refletir, de alguma forma, para as questões políticas e sociais que estão
sendo apresentadas.
Além dessas questões aqui pontuadas, é necessário que o docente
tenha ciência de que para que a atividade de leitura seja realizada, de fato, é
preciso que conhecimentos outros sejam ativados pelo aluno. Além disso, o
acesso a tais conhecimentos dependerá, sem dúvida, da bagagem de leitura
e experiências de vida que o aluno já tem. É nesse sentido que Oliveira
(2001, p. 265), afirma que:
[...] os textos chargísticos constituem, por isso, uma vasta memória
social, sem a qual não poderia haver História, que só se constitui
pelo discurso. E ainda: o que merece destaque, porém, é a
imprescindível relação do fato histórico com o texto chargístico,
este, por recuperar aquele, torna-o memorável.

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Portanto, considerando os pressupostos suscitados até o presente
momento, acreditamos que é impossível pensar o gênero “charge” e sua
leitura dissociados dos fatos históricos que envolvem a produção e a leitura
de um texto bem como da memória que deve ser ativada, pelos leitores, de
todo e qualquer texto, com o objetivo de construir e constituir sentidos para o
texto que se tem em mãos.
5. METODOLOGIA, ANÁLISES E DISCUSSÕES
Os textos aqui analisados foram coletados durante o ano de 2016, em
diversos sites da internet, conforme constam nos endereços publicados
abaixo

de

cada

charge.

A

análise

tem

caráter

analítico-descritivo,

considerando que nosso objetivo maior é o de propiciar uma reflexão acerca
da identificação dos elementos ativadores de pressupostos no gênero em
questão e o processo de leitura efetiva do texto. Assim, não nos limitamos à
questão da quantidade de textos ou elementos identificados, mas à função
que tais elementos têm na construção dos sentidos para o texto.
É preciso destacar ainda que, devido à limitação de espaço,
apresentaremos,

aqui,

apenas

seis

charges

e

suas

respectivas

análises/discussões. Partimos, assim, da leitura verbal e não-verbal dos
textos,

identificamos

as

palavras

que

ativam

pressupostos

e/ou

subentendidos e realizamos, por fim, a análise propriamente dita. Ao final de
nossas análises, no item considerações parciais, exporemos algumas
reflexões no que diz respeito às análises e à leitura do gênero em questão,
com o intuito de alinhar teoria à prática.
Uma leitura atenta dos elementos linguísticos e extralinguísticos da
charge, texto 01, permite-nos identificar o elemento “de novo”, no enunciado:
“Se fizer isso de novo eu chamo seu pai”. Todo o texto, a partir de uma
perspectiva visual, leva-nos a inferir que o objetivo maior do chargista é
discutir a questão da redução da maioridade penal. Essa conclusão é possível
graças a todo o conjunto imagético do texto aliado à parte textual.

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Vol. 01

Texto 01:

Disponível em: http://www.juniao.com.br/crimes-castigos-e-o-olhar-diferenciado-para-definir-a-reducao-da-maioridadepenal/. Acesso em 15/08/2016

A partir da leitura do enunciado que contém o elemento ativador de
pressuposição, é possível dizer que o elemento “de novo” ativa o pressuposto
de que “o garoto do primeiro quadro já havia feito algo errado anteriormente”.
Além disso, na expressão “Calma!! É criança!!”, é possível depreender o
subentendido de que “crianças fazem coisas erradas e que não devem ser
tratadas como adultas”. Logo, é pertinente dizer que o chargista, por meio de
uma crítica que pode provocar o riso no leitor, pretende mostrar o seu
posicionamento contrário à redução da maioridade penal.
Texto 02:

Disponível em: http://historiativa-jailson.blogspot.com.br/p/violencia-no-brasil-atraves-das-charges.html: Acesso em
15/08/2016

Na leitura do texto 02, unindo a parte visual à parte textual, é pertinente
pontuar que o produtor do texto pretende registrar uma crítica à questão da

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lavagem de dinheiro que ocorre em alguns ambientes da sociedade brasileira.
Diante de tal objetivo, o chargista usa a expressão “Hoje em dia eu só lavo o
meu dinheiro com água reaproveitada da chuva!!”. É preciso destacar aqui os
elementos que ativam pressuposto, a saber: “hoje em dia” e “reaproveitada”.
No caso do primeiro elemento, o “hoje em dia”, a fala do homem que carrega
o saco de dinheiro deixa entrever que “antes ele lavava o dinheiro com
qualquer tipo de água”, de forma metafórica, para explicar o processo de
lavagem de dinheiro público. No caso do segundo elemento, a estrutura
“reaproveitada” deixa transparecer que a água já foi aproveitada antes e
passa por um novo processo de aproveitamento, por isso o uso do “re”.
Dessa forma, o que se pode concluir é que houve uma mudança na
forma como o dinheiro é lavado, atualmente, pelos empreiteiros. Mas essa
mudança só pode ser compreendida se houver a efetiva identificação e o
entendimento das expressões “hoje em dia” e “reaproveitada”.
Texto 03:

Disponível em: http://aescritanasentrelinhas.com.br/tag/charges-e-propagandas/page/2/. Acesso em
15/08/2016.

Com base na leitura dos elementos linguísticos e extralinguísticos do
texto 03, pode-se afirmar que o produtor do texto tece uma crítica aos
políticos que, no período de eleição, realizam suas promessas de campanhas
eleitorais, mas que nunca as cumprem. Essa leitura é possível por intermédio
da identificação de expressões como “quatro anos sem nenhuma infraestrutura”, que é justamente o período em que duram os mandados de alguns
eleitos no Brasil e, além disso, por meio da identificação de elementos

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ativadores de pressupostos como “nunca mais”, no enunciado “nunca mais
voto em você, Wilson!”. A identificação precisa de elementos como “nunca
mais” nos levam a pressupor que em outro momento a personagem, que
agora reclama das condições em que se encontra, já havia votado no
candidato Wilson.
Texto 04:

Disponível em: http://chargesbira.blogspot.com.br/. Acesso em: 15/08/2016

A partir da leitura de todo o texto verbal que configura a estrutura da
charge 04, e com base nos acontecimentos que foram veiculados durante o
ano de 2016 sobre o ex-presidente Lula e o caso de ele possuir ou não um
triplex dado de presente por uma empresa, o que nos chama mais atenção no
conteúdo da charge como um todo é a expressão “nova bomba sobre Lula”.
Mais precisamente a expressão “nova bomba” que ativa o pressuposto de que
“outras bombas já existiram”.
O

subentendido

que

pode

ser

construído,

com

base

nesse

pressuposto, é o de que novidades são sempre apresentadas sobre o expresidente. Por outro lado, dando continuidade à leitura do segundo balão do
texto, fala do apresentador, é possível perceber o tom humorístico dado à
nova informação “o fato de que o apartamento tem chuveiro elétrico”, como se
tal informação tivesse relevância. Percebemos, de certa forma, que o
chargista se releva contra as notícias apresentadas cotidianamente pela Rede

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Globo justamente a partir do momento em que faz piada com o nível de
informação apresentada pelo Jornal Nacional.
Observando o texto de número 05, identificamos os elementos “agora”
e “já” no enunciado “Pronto, filhinha! Agora você já pode ir para a escola...”.
Dois elementos ativadores de pressupostos nos chamam a atenção no
enunciado, além de toda a parte imagética que é utilizada para representar a
situação de violência que circula as áreas próximas às escolas e no Brasil
como um todo, no período em que a charge foi produzida e publicada. É
possível observar que a menina está equipada com todo o aparato de
segurança necessário para quem sai para a batalha, ou para a guerra: maleta
de primeiros-socorros e colete à prova de bala. Quando a mãe diz: “agora
você já pode ir...”, é possível pressupor que, considerando a violência na qual
estamos inseridos cotidianamente, “anteriormente, a filha não poderia ir à
escola”, apenas agora, com todo o equipamento necessário, é possível
estudar.
Texto 05:

Disponível em: http://historiativa-jailson.blogspot.com.br/p/violencia-no-brasil-atraves-das-charges.html. Acesso em
15/08/2016.

O subentendido que circunda todo o texto da charge é o de que a
violência atinge índices alarmantes e que até frequentar a escola está difícil
no Brasil. Essa inferência é algo que pode ser construído, ou não, pelo leitor
do texto. Pertence, portanto, ao nível pragmático da leitura e pode ser ativada

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ou não, a depender do conhecimento de mundo e das experiências de vida do
leitor.
A leitura da charge, no exemplo 06, permite identificar o elemento
“também” como ativador de pressuposto. Com base na leitura de todos os
elementos (verbas e não verbais) que são utilizados para construir o texto, é
possível dizer que os pressupostos ativados pela partícula “também”,
presente no enunciado “Você acha mesmo que eu também tenho que caçar
mosquito, João?”, imputado à Dilma, podem ser: “Outra pessoa, além de
Dilma, tem que caçar mosquito”, “Dilma faz outra coisa além de caçar
mosquito” e “Dilma e outra pessoa têm que caçar mosquito”. O subentendido
que permeia o pressuposto apresentado pelo chargista é o de que Dilma não
tinha opinião própria, mas, pelo contrário, fazia tudo que lhe era
recomendado. Vemos, portanto, o posicionamento do chargista diante da
situação política na qual o país estava vivendo em 2016.
Texto 06:

Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/a-charge-do-sponholz-7/. Acesso em:
15/08/2016

6. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Considerando a discussão aqui empreendida, é importante destacar que
a utilização de elementos ativadores de pressupostos (que se encontram
inscritos na própria estrutura da língua), pelo falante/produtor do texto,
apresenta-se como uma estratégia argumentativa, que traz evidências das
intenções do locutor na produção dos seus textos.

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

Vimos, com base nas breves análises, que a identificação de
elementos que ativam pressuposição, na leitura do gênero charge, representa
um recurso de extrema importância para a apreensão do/s sentido/s do texto,
bem como para as possíveis intenções do locutor diante do seu interlocutor,
visto que usamos a linguagem sempre de forma intencional.
Dessa forma, entendemos que um trabalho efetivo com a leitura deve
propiciar ao aluno uma maior interação com o texto que está sendo lido,
possibilitando-lhe não apenas uma mera decodificação de signos e a
identificação de informações explícitas no corpo do texto, como uma espécie
de “copiar-colar”, mas a percepção de toda a intencionalidade que está
implicitamente/explicitamente marcada no texto, por meio da identificação de
elementos ativadores de pressuposição e, ainda, as relações entre o texto lido
e as suas outras experiências de leitura e de mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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lengua. Versión española de Julia Sevilha e Marta Tordesillas. Madrid:
Editora Gredos, 1994.
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SOUSA, Maria Ester Vieira de. As surpresas do previsível no discurso de
sala de aula. João Pessoa: Editora Universitária, 2002.

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Vol. 01

LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ENSINO: UMA
EXPERIÊNCIA DOCENTE
Adriana Nunes de Souza
drikalagoas@hotmail.com
Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante
maria_auxiliadora8@hotmail.com

RESUMO: O mundo passa, atualmente, por uma evolução tecnológica que
impõe a todo o momento, desafios que exigem uma visão mais crítica e
ampliada sobre os recursos que estão a nossa volta, isto traz a necessidade
de discutir a questão do letramento e ensino. A pesquisa analisou, em oficinas
realizadas no Campus Arapiraca do Instituto Federal de Alagoas com
professores da rede pública estadual, as práticas pedagógicas do ensino de
leitura dos docentes participantes e, a partir de uma intervenção, buscou
inserir a prática social da leitura e sua importância para o letramento, a
relação entre o prazer de ler e a formação do gosto leitor, e a importância da
oralidade para o letramento. Tratou-se, portanto, a formação leitores como
algo que requer condições favoráveis para o desenvolvimento da prática e do
gosto pela leitura. Durante a pesquisa, pensou-se a leitura como um recurso
que possibilita uma inserção social maior, pois ela permite uma melhor
aprendizagem, sendo esta um mecanismo de inclusão.
PALAVRAS-CHAVE: letramento, ensino, formação do leitor.

INTRODUÇÃO
Uma preocupação constante dos professores (não apenas os das
séries iniciais, mas também os do Ensino Médio integrado ou não) é a
formação de um leitor, de um aluno que leia e interprete os textos que o
envolvem na sala de aula e na vida fora da escola.
Essa preocupação motivou o estudo que analisou a prática pedagógica
propondo soluções que façam da leitura algo mais prazeroso, atraente para
seu público – que é o alunado – e próximo da realidade do aluno,
proporcionando assim a construção do conhecimento.

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Nesse sentido, acredita-se que é necessário inserir na escola novas
perspectivas e formas de trabalhar a leitura e a produção textual, fazendo do
professor um orientador, o qual pergunte: “que atividades meus alunos devem
fazer para aprender”, e não pergunte: “o que devo ensinar a meus alunos”.
Esse profissional insere-se no mundo contemporâneo que passa
atualmente por uma evolução tecnológica a qual impõe, a todo momento,
desafios que exigem uma visão mais crítica e ampliada sobre os recursos que
estão a nossa volta.
Nesse contexto, vêm-se alterando as práticas culturais de leitura e
modos de ler, sinalizando para uma análise das práticas de “LETRAMENTO”,
pouco enfrentadas nos processos de alfabetização. Segundo Magda Soares
(1998, p.47) letramento “é estado ou condição de quem não apenas sabe ler
e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a leitura e a
escrita”. Partindo desse pressuposto, a ressignificação das práticas de
formação de leitores é necessária e urgente, exigindo um compromisso
político e sistemático da Universidade na formação do professor.
Surge, dessa forma, um novo paradigma no que diz respeito às
intenções dos atos de ensinar a ler e a escrever: é mobilizar os elementos de
criação a partir da vivência: “o sentido do que se lê é produzido exatamente
na relação entre ler o texto e ler o contexto, em que a compreensão não é
algo imóvel, estático, pronto, à espera do leitor...”(FREIRE, 2000, p.22). A
construção parte do que é produzido e construído nas relações entre texto,
leitor e contexto. Portanto, formar leitores é algo que requer condições
favoráveis para o desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura.
Para isso, torna-se necessário lembrar as teorias relacionadas ao
letramento, e a pesquisa fez este estudo associando os multiletramentos à
necessidade da formação de um leitor competente para que haja o êxito
escolar.
MATERIAS E MÉTODOS

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Foram reunidos professores do ensino fundamental e médio que atuam
em escolas públicas e particulares do município de Arapiraca. Inicialmente,
tivemos uma grande dificuldade para iniciar a execução da pesquisa, pois a
recepção dos professores foi bastante problemática, muitos não se
interessaram por não haver maior remuneração por terem participado, ou por
alegarem falta de tempo, já que a maioria trabalha os três horários.
A pesquisa foi iniciada com a participação de 10 professoras da
educação básica, estas bastante interessadas no tema e declarando-se
ávidas por redescobrir o ensino de língua, já que encontravam muitas
dificuldades na formação do leitor.
Foram discutidas as práticas dessas docentes e as que são
disseminadas nas escolas em que trabalham (das redes públicas estadual e
municipal, ou da rede privada) e verificou-se que o letramento, a leitura, é
vista em um segundo plano nas aulas; em geral, a gramática é o foco das
aulas de Língua Portuguesa. A discussão feita com as docentes revelou que
leitura e a escrita ocupa espaço pouco privilegiado no cotidiano e na vida
escolar da população da cidade.
Após essa verificação, para a intervenção, foram elaboradas e
executadas oficinas de leitura, nelas eram sugeridas atividades para que as
professoras participantes do projeto pudessem aplicar nas salas de aula, do
ensino médio e fundamental, e depois pudéssemos avaliar os resultados.
Foi feita a discussão de temas ligados à análise do discurso e às
variantes linguísticas (estas na perspectiva de Marcos Bagno), verificamos
que o preconceito linguístico ainda existe entre as docentes participantes.
O trabalho com as variantes proporcionou uma ampla discussão
quanto ao uso da linguagem de internet como suporte para a aula de Língua
Portuguesa, já que não podemos nos afastar do uso cotidiano do idioma e
considerá-lo é fundamental para a aprendizagem da norma culta.

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Também foram discutidas nos encontros questões relativas aos
gêneros textuais (a teoria, em especial de Bakhtin, Pêcheux e Fiorin e a
prática, apresentando contos, crônicas, canções, charges, quadrinhos, artigos
de opinião e as possibilidades de trabalho com eles).
Para as discussões e oficinas foram utilizadas cópias de textos dos
teóricos trabalhados e textos literários de diversos gêneros, além de canções
e textos jornalísticos.
RESULTADO E DISCUSSÃO
O conceito de letramento teve seu uso iniciado nos meios acadêmicos
para diferenciar os estudos sobre “o impacto social da escrita” dos estudos
sobre a alfabetização escolar os quais destacam as competências individuais
no uso da escrita.
Sua definição, entretanto, é bastante difícil, por isso o termo não está
ainda dicionarizado, pois os estudos sobre letramento envolvem não apenas a
escrita mas também a oralidade: uma criança pode estar em contato com
práticas de letramento antes mesmo de saber ler e escrever, como veremos
adiante, a exemplo, compreender uma frase como a fada madrinha vai trazer,
está reconhecendo um enunciado próprio da escrita. Na oralidade, muitas
vezes usamos expressões como “deixe-me fazer um parênteses”, para ser
compreendida essa expressão nos leva a uma associação com a escrita. Até
mesmo gestos podem nos conduzir a eventos de letramento com as mãos
alçadas que repetem a forma das aspas e que associam oralidade e escrita.
Podemos hoje definir letramento “como um conjunto de práticas sociais
que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia em
contextos específicos e para fins específicos” (KLEIMAN, 1995).
Os estudos sobre letramento examinam o desenvolvimento social que
acompanhou o uso da escrita desde o século XVI, opõem oralidade e escrita,
estudam as várias agências de letramento como a família, a igreja e a escola,

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esta divulgadora do modelo predominante de letramento: a alfabetização e o
modelo autônomo, e responsável pela dicotomia alfabetizado e nãoalfabetizado.
No modelo autônomo de letramento a escrita é um produto completo
que não se vincula ao contexto, portanto para interpretá-la não há a
necessidade de conhecê-la. A interpretação estaria assim determinada pelo
funcionamento interno do texto escrito sendo independente das reformulações
estratégicas que são características da oralidade, tais como a improvisação e
a função do interlocutor, as quais alteram a forma da mensagem. Dessa
forma, no modelo autônomo, escrita e oralidade são categorias distintas, para
nosso projeto não pensamos esse modelo, mas no modelo ideológico de
letramento.
Street denomina modelo ideológico de letramento aquele em que as
práticas de letramento são consideradas não apenas aspectos de uma
cultura, mas as estruturas de poder de uma sociedade. Segundo ele, qualquer
estudo etnográfico do letramento atestará, por implicação, sua significância
para diferenciações que são feitas com base no poder, na autoridade, na
classe social, a partir da interpretação desses conceitos pelo pesquisador.
Assim, já que todos os enfoques sobre letramento terão um viés desse tipo,
faz mais sentido, do ponto de vista da pesquisa acadêmica, admitir e revelar,
de início, o sistema ideológico utilizado, pois assim ele pode ser abertamente
estudado, contestado e refinado. (KLEIMAN, 1995)
Logo, o modelo ideológico não pode ser considerado uma negação dos
estudos realizados pelo autônomo, mas deve relacionar os correlatos
cognitivos da aquisição de escrita na escola às estruturas culturais e de poder
que o contexto da aquisição escolar representa. Ele torna-se assim
importante para a questão da leitura e da formação da cidadania, pois neles
as práticas discursivas são relacionadas aos eventos de letramento, sendo
objetivo do projeto a formação de um leitor completo é necessário pensarmos
nesse letramento.

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Vemos, pois, que no modelo ideológico há o pressuposto de que as
práticas de letramento se alteram de acordo com o contexto, assim as
diferenças nas práticas discursivas de classes socioeconômicas distintas
ocorrem devido à forma como elas integram a escrita em seu cotidiano.
Pressupomos, pois, que a leitura seja constante nas práticas escolares
e não se restrinja às aulas de língua portuguesa, como afirmam OLIVEIRA e
ANTUNES (2013):
É sabido que a escola é um espaço onde a leitura deve acontecer a
todo momento e não somente em aulas de língua portuguesa, mas
também nas demais disciplinas. E essa leitura não pode ser
realizada de qualquer forma, O ambiente escolar precisa propiciar
aos alunos, antes de tudo, uma leitura orientada pelo professor,
objetivando que eles alcancem o maior grau de compreensão
possível.Infelizmente não é isso que temos visto na grande maioria
das escolas brasileiras. A negligência dos professores na mediação
durante as atividades de leitura é uma atitude corrente nas escolas
de nosso país, mesmo tendo os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) assumido como foco principal do trabalho do professor
atividades que pressupõem um conjunto de habilidades e
estratégias direcionadas a compreender textos e a aprender a partir
30
deles.

À questão da leitura, associa-se a produção textual, MARCUSCHI
(2001) afirma que:
Os exercícios de compreensão raramente levam a reflexões críticas
sobre o texto e não permitem expansão ou construção de sentido, o
que sugere a noção de que compreender é apenas identificar
conteúdos. Esquece-se a ironia, a análise de intenções, a metáfora
e outros aspectos relevantes nos processos de compreensão.

Estudou-se, assim, em que medida isso é relevante em nossa
realidade e como isso influencia a produção textual discente.
Assim, o problema da leitura na escola, para ser sanado, precisa
superar a visão de que a leitura é a mera decodificação de grafemas e de
regras gramaticais. Precisa pensar a leitura como um processo de construção

30

In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris e MACHADO, Veruska Ribeiro (org). Os doze
trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013. P. 64.

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do significado, que envolve interação com a memória e a ativação de diversos
esquemas que possibilitam a compreensão de cada novo texto apresentado.
Essa formação da uma memória discursiva, no Brasil, é bastante
díspar, pois nas classes abastadas, com alta escolarização, o livro e as
personagens infantis fazem parte do universo da criança desde muito
pequena; o livro é encarado como diversão, e a leitura é feita de modo
interativo, a criança é estimulada a falar sobre o livro, a analisar aquilo que leu
ou que ouviu. As famílias com alto nível de escolarização, portanto, antecipam
o que a escola deveria fazer, nessas famílias ouve-se a criança e estimula-se
o contar histórias, a imaginação.
Nas classes com baixa escolarização, nas comunidades carentes tão
comuns no Brasil, o conteúdo dos eventos de letramento é diferente,
praticamente não há livros, e quando eles existem não se estendem as
perguntas ao mundo externo ao livro, não há analogias, a criança é
desencorajada a falar, ela deve ser ouvinte. Nesse contexto, não se deixa a
imaginação interromper o relato factual ou moral do adulto.
Essa diferença reflete-se no sucesso escolar da criança, as de classes
com alto nível de escolarização terão facilidade para lidar com o letramento
escolar, já as provenientes de classes com baixo nível de escolarização terão
dificuldade de lidar com os problemas e com o mundo da leitura. Cabe à
escola mudar essa realidade através da formação do leitor, não se pode, pois,
ter como predominante nas práticas escolares o modelo de letramento
autônomo, o qual considera como vimos, aquisição da escrita como um
processo neutro que independente do contexto social deve desenvolver no
aluno a capacidade de interpretar e escrever textos; isso apenas se prestaria
à manutenção de um sistema reproduz a desigualdade agravando a pobreza
e o analfabetismo generalizado. A escola precisa superar isso e trazer a
leitura para a prática escolar de modo efetivo contribuindo para o letramento,
ou melhor, para os multiletramentos (como o digital, o literário...) que
possibilitam a superação do problema e a formação de um leitor competente.

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A prática escolar que visa ao domínio da escrita e da compreensão de
um texto abstrato pressupõe a polarização oralidade e escrita, por isso, para
ser coerente, dever-se-ia analisar ambas, o que em geral não ocorre.
O ensino, nessa concepção tem como objetivo iniciar e avançar num
processo que culmina na produção de um texto formal em oposição ao texto
oral. Esse texto (o escrito) revelaria assim, um planejamento prévio que
geraria um texto ordenado de estrutura reconhecível (dentro de algum
gênero). No plano referencial dos conteúdos, teríamos, como fim da
escolarização, um texto mais abstrato que o texto oral.
Entretanto sabe-se que este fim nem sempre é alcançado, vêem-se
textos de pessoas com oito, dez anos de escolarização que têm problemas
estruturais e de compreensão, mesmo a leitura tem problemas de
interpretação.
As deficiências no sistema educacional ou o fato de o professor muitas
vezes não ser representante de uma cultura letrada ou ainda as falhas no
currículo, segundo Kleiman, não justificam esse fenômeno. As falhas para ela
estão ligadas ao próprio modelo de letramento escolar.
A concepção de ensino como o desenvolvimento das habilidades
necessárias para produzir uma linguagem cada vez mais abstrata está em
contradição com outros modelos que consideram a aquisição da escrita como
uma prática discursiva que na medida em que “possibilita a leitura crítica da
realidade, se constitui como um importante instrumento de resgate da
cidadania e que reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais
que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social”.
(FREIRE, 1991, apud KLEIMAN, 2008)
Na concepção freiriana, a escola brasileira precisa, portanto, tornar-se
um lugar de transformação e não de eternização de práticas sociais
excludentes, assim é fundamental a academia unir-se à comunidade para que
esse quadro se altere, que a leitura seja de fato uma realidade e um prazer
para o público atingido pelo projeto.

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Há ainda a preocupação com a formação do gosto, a qual, associada à
transformação do prazeroso não se dá num passe de mágica, é preciso trazer
a leitura para "despertar" o sabor de ler, propiciar condições para o prazer
como satisfação de necessidades, para a consciência social da leitura, para a
argumentação fundamentada e para o julgamento estético, com vistas à
tomada de consciência das opções em função dos propósitos do sujeito leitor.
A leitura deve estar articulada às práticas de produção e análise de
textos, para que se caracterize como conhecimento de opções, que, à medida
que se tornam conscientes, podem ir sendo utilizadas pelos alunos para seus
propósitos de leitores e autores. Nessa perspectiva, a dramatização e a
discussão acerca dos textos é fundamental para que os participantes
construam o conhecimento e formem-se como leitores críticos e conscientes.
A formação do gosto envolve também a diversidade como princípio
norteador da seleção e utilização dos textos literários e da reflexão sobre o
desenvolvimento dos destinatários, para um aqui e agora e para um futuro
que se constroem.
As leituras de que os alunos gostam podem e devem servir como ponto
de partida para a reflexão, análise e comparação com outros textos (inclusive
os produzidos pelos alunos), articuladas aos objetivos didático-pedagógicos
da escola na qual está inserido.
A formação do gosto não se baseia em exercícios escolares de
interpretação. Diz respeito à vida, à formação de uma visão de mundo. Por
isso a inserção da criança e do adolescente no mundo da literatura (canônica
ou não) torna-se fundamental; eles precisam fazer da leitura um hábito
prazeroso, e não uma obrigação.
Não podemos abandonar o papel histórico que nos cabe, como
cidadãos e professores, de nos formarmos como leitores para interferirmos
criticamente na formação de outros leitores.
Esta proposta de formação do gosto nem se assenta em produtos, nem
é controlável: é um movimento vivo de contradições que instigam caminhos

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mais adequados de superação, a partir dos princípios que iluminam o perfil de
sociedade que queremos. Por isso aproximar o público da literatura e da
leitura é de fundamental importância, pois isso contribuirá para a formação do
cidadão e para o desempenho escolar dos participantes.
Assim foram programadas as oficinas e as discussões com os
professores, pois analisar e discutir as práticas escolares foi fundamental para
que se compreendesse a importância da leitura para o sucesso escolar e a
implicação que sua ausência traz para o fracasso dos discentes; a discussão
possibilitou a formulação de atividades que intervieram na prática docente dos
professores participantes da pesquisa.
Com a intervenção, pudemos verificar que a mudança na prática
docente possibilitou um desenvolvimento significativo nas práticas de leitura e
contribuiu para um efetivo letramento dos discentes. Sabe-se que se o leitor
for

competente,

capaz

de

reconhecer

a

importância

de

técnicas

argumentativas e recursos retóricos em textos argumentativos, entenderá
melhor as técnicas de produção de textos deste tipo e consequentemente terá
um melhor desempenho escolar; o que possibilita a inclusão social, portanto o
trabalho com a leitura é essencial para a escola.
CONCLUSÃO
A leitura é o veículo para o sucesso escolar e a inclusão social, pois
possibilita a análise crítica e a compreensão real dos diversos componentes
curriculares e do mundo em que o discente se insere.
O letramento é condição para a inclusão social, pois a vivência das
situações de comunicação e o contato com os diferentes gêneros que surgem
na vida cotidiana exercitam a competência linguística do falante/ouvinte
produtor de enunciados. A saber: competência linguística é um conceito
aprofundado, que possui certa complexidade, mas que aqui está recortado no
sentido de que todos nós somos aptos, temos uma estrutura interna que,

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aliada ao social, faz com que consigamos perante determinada estrutura e
contexto, definir a que categoria um dado enunciado pertence. Essa
competência é inerente ao ser humano social, que interage, comunica, cria e
recria. Na medida em que um indivíduo avança em grau de escolaridade, na
medida em que ele tem um maior contato com a leitura, ele tende a tornar-se
cada vez mais proficiente na operacionalização de variadas categorias
textuais. Da mesma maneira experiência de vida e cultura geral fazem evoluir
linguisticamente os falantes, e isso torna a leitura fundamental para a
formação discente e para a formação do cidadão.
Se a educação há muito se preocupa com a construção do
conhecimento a partir da realidade do aluno, e a comunicação e a leitura do
mundo são parte dessa realidade, o professor, nesta realidade, precisa saber
orientar os educandos sobre onde colher informação, como tratá-la e como
utilizá-la. Esse educador será o encaminhador da autopromoção e o
conselheiro da aprendizagem dos alunos, ora estimulando o trabalho
individual, ora apoiando o trabalho de grupos e sempre inserindo a leitura
como recurso para o processo ensino-aprendizagem.

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Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.
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p. 298
ISSN 1981-3031
Vol. 01

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O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna,
2001.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, Análise de Gêneros e
Compreensão. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

p. 299
ISSN 1981-3031
Vol. 01

LIVRO DIDÁTICO: diálogos sobre as propostas de leitura
como aprendizagem cultural polimorfa
Larissa Gabriela Gouveia dos Santos
santoslarissag@gmail.com
Adriana Cavalcanti dos Santos
adricavalcanty@hotmail.com
RESUMO: Este trabalho é fruto da análise do livro didático de Língua
Portuguesa no Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
especificamente, das propostas de leitura. Tivemos por escopo desvelar, ou
não, se as propostas de leitura possibilitam uma aprendizagem da leitura
enquanto prática cultural polimorfa. Mediante essa curiosidade,
desenvolveremos uma investigação qualitativa (LUDKE E ANDRE, 2007;
CHIZZOTI, 2006), do tipo documental, por meio da técnica de análise de
conteúdo (BARDIN, 2006). Apoiamos-nos em estudos sobre os pressupostos
da investigação: o livro didático no Brasil e em Alagoas (CHOPPIN, 2004;
OLIVEIRA, 2011; MOURA, 2007); o Programa Nacional do Livro Didático para
a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2014), com foco no Ensino Médio;
a leitura como prática cultural polimorfa (BOURDIEU e CHARTEIR, 2009;
BUTLEN, 2015; PASSERON, 1986, 1991); e, sobre as concepções e práticas
de leitura na escola e/ou nas práticas socioculturais dos sujeitos da EJA
(KOCH e ELIAS, 2003; MARCUSCHI, 2008). Nos resultados apresentamos o
distanciamento das práticas de leitura como aprendizagem cultural polimorfa
e a ênfase em uma diversidade de textos do domínio discursivo literário.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura - Livro didático - Educação de jovens e adultos.

1 INTRODUÇÃO
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica
a percepção das relações entre texto e contexto.
(Paulo Freire, 1997, p. 11)

p. 300
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Este artigo tem por escopo apresentar resultados parciais31 da
pesquisa ‘’ Livro Didático de Língua Portuguesa no Ensino Médio da
Educação de Jovens e Adultos: O Lugar da Leitura como Prática Cultural
Polimorfa’’, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, que
tem por objetivo analisar as práticas de leitura do livro didático de língua
portuguesa do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
desvelando a perspectiva, ou não, da leitura como prática cultural polimorfa.
A escolha do referido manual didático deu-se pelo fato de consistir na
única coleção de Língua Portuguesa, do Ensino Médio da (EJA), demarcando,
assim, à relevância da nossa investigação. É um livro multidisciplinar que
aborda temáticas específicas como a língua e a linguagem. O livro
compreende a língua como uma construção social e histórica mediante as
modificações perpassadas pelo tempo; e a linguagem como produto das
relações sociais, que possibilita interação entre os interlocutores (BRASIL,
2014).
Ao nos propormos a analisar as práticas de litura do LD da EJA,
consideramos que as referidas propostas devem considerar a pluralidade de
jovens que saíram do ensino médio “regular” diurno para o ensino médio
noturno caracterizando o processo de juvenilização na/da EJA (CARRANO,
2007). Nesse contexto, indagar-se sobre o jovem leitor ou não leitor implica,
antes de qualquer coisa, saber quem é este jovem, o que ele lê, onde, quando
e por quê lê, bem como descobrir os motivos do distanciamento ente as
leituras escolarizadas e as leituras das práticas sociais realizadas por os
jovens (SOUZA; CORTI; MENDONÇA, 2012).
No manual do livro objeto de análise define-se que o principal objetivo
da leitura é contribuir para a formação do leitor, considera que o material
didático vai além do contato com os textos, mas no estudo dos diferentes
tipos textuais e gêneros literários e não-literários e que o ensino da língua não
é o fim, é uma condição que possibilita o sujeito a intervir de forma concreta
31

Os resultados parciais referem-se à descrição do andamento da pesquisa até a metade de
seu tempo transcorrido.

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socialmente (ALMEIDA, 2013). Tal objetivo reforça a nossa curiosidade
epistemológica aponto de questionarmos: como a leitura é entendida no
referido manual?
Como aporte teórico apoiamo-nos nos postulados teóricos de Almeida
(2013), Butlen; Abreu (2015), Freire (1989); Freitas et al (2007); Marcuschi
(2008), Souza; Mendonça; Corti (2012), Santos et al (2004); e, Santos (2014).
Considerando que ambos dialogando sobre a especificidade das práticas de
leitura, e alguns fazem uma aproximação com a EJA.
O artigo está organizado em três partes: na primeira, fazemos uma
abordagem teórico-conceitual sobre as práticas de leitura na Educação de
Jovens e Adultos; na segunda, apresentamos da metodologia aplicada; e por
fim, analisamos o livro didático corpus da investigação.
2 PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: PONDERAÇÕES CONCEITUAIS
De acordo com Butlen (2015), em A leitura: uma prática cultural
polimorfa, o cânone escolar “é frequentemente visto como demasiado
acadêmico, muito distante, do ponto de vista cognitivo, mas também muito
afastado dos valores, das experiências, da cultura, da subjetividade e das
fontes de prazer dos jovens do século XXI” (BUTLEN, 2015, p. 16). Assim, os
conteúdos do Ensino Médio trabalhados no âmbito escolar, muitas vezes, não
vivenciam as práticas de letramento nas quais os jovens se engajam
diariamente como, por exemplo, a leitura de textos religiosos, e-mails, sites de
relacionamento, dentre outras, deixando de aproximar seus interesses
significativos no planejamento de atividades de leitura e escrita em sala de
aula.
A leitura como prática cultural polimorfa é entendida, por nós, como
composta por múltiplas formas heterogêneas de práticas de leituras,
presentes na vida cotidiana e para além dela. O polimorfismo da leitura, em

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um mundo letrado, se revela necessário e até mesmo determinante para se
adentrar nas outras práticas culturais.
Ao ir ao encontro de todas as outras, ela (leitura) se afirma como “a
mais naturalmente polimorfa das práticas culturais”. Ela dá suas
chaves, ela contribui para seu exercício e o facilita. Ela esclarece,
serve de base para as criações artísticas, muitas das quais, desde
as primeiras escritas, se enraízam na cultura escrita, ampliam-na ou
a ela se reconectam. Em suma, as práticas de leitura alimentam as
outras práticas culturais, com elas dialogam, se combinam
permanentemente: com a literatura, a poesia, o teatro, a música, a
pintura, as artes visuais, a fotografia, o cinema. O sistema educativo
que
se
apoia
nas
compartimentalizações
disciplinares
frequentemente
esquece
e
raramente
introduz
a
transdisciplinaridade. (BUTLEN, 2015, p. 22)

Analisando as concepções de leitura na EJA no Livro Didático, corpus
da investigação, e pautando-nos nas definições dadas nos estudos de
Bezerra (2009), Linhares (2012) e Silva; Moreira e Barbosa (2006),
deparamo-nos com percepções de que a leitura voltada para educandos
dessa modalidade de ensino necessita considerar que seus sujeitos possuem
especificidades e, por vezes, uma vasta vivência de mundo, construída nas
relações que constroem socialmente com o outro no meio em que estão
inseridos, e que devem ser levadas para as aulas de forma crítica e ativa,
afim de compreender o contexto social e histórico em que vivem.
De acordo com o manual do educador do livro didático analisado,
‘’quando se trata de um material destinado à EJA, faz-se necessário
considerar com especial atenção as peculiaridades do público em questão:
histórico de vida e de escolaridade; experiência profissional; lugar ocupado
pelo processo de escolarização. ’’ (ALMEIDA, 2013, p. 8).
Linhares (2012) afirma que as concepções de leitura que permeiam o
contexto escolar decorrem das concepções de língua, texto e de sujeito. A
leitura permite expandir o conhecimento a ser adquirido, assim, enriquecendo
o letramento dos educandos. ‘’o professor precisa revestir o trabalho com a
Língua Portuguesa, sobretudo a atividade de leitura, na EJA, de seu caráter
político e social, mantendo-o vivo e conexo com o mundo real, como, aliás,

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requer

qualquer

trabalho

numa

perspectiva

de

educação

popular’’.

(LINHARES, 2012, p. 47)
Ademais, Silva; Moreira e Barbosa (2006) ponderam que consideram a
leitura como uma concepção interativa, passando a ser vista como um
processo de compreensão que não se limita a uma mera decodificação de
símbolos. Justamente por entender a função social da leitura como
instrumento político e ideológico.
Sendo assim, as experiências dos sujeitos da EJA precisam ser
acolhidas pela escola, levando em conta as experiências desses educandos
como agentes sociais. Para Bezerra (2009),
O processo de leitura na escola vai ampliar competências e
habilidades envolvidas no uso da palavra, isto é, dominar o discurso
nas diversas situações comunicativas, para entender a lógica de
organização que rege a sociedade, bem como interpretar as
sutilezas de seu funcionamento. (BEZERRA, 2009, p. 114)

A prática da leitura estimulada com um rico letramento obtido em
recursos didáticos como o livro se mostra fundamental no processo de
aprendizagem do sujeito da EJA, que já possui uma carga histórico social de
vida e de saberes sobre as práticas sociais de leitura.
3 CAMINHO PARA OS ACHADOS: METODOLOGIA E ANÁLISE DO LIVRO
DIDÁTICO
Esta

pesquisa

qualitativa,

de

natureza

documental,

vem

se

desenvolvendo, com base na análise de documentos (livro didático, Guia do
livro didático, resoluções oficiais), os referidos documentos estão sendo
analisados a partir da técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2006)
Porém, o nosso principal objeto de análise consiste no conteúdo
encontrado nas unidades analisadas no livro didático de Linguagens e
Códigos do Ensino Médio da EJA, da coleção Viver e Aprender,
especificamente, as propostas de leitura.

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De acordo com o Guia de Livros Didáticos do PNLDEJA (2014)
No que se refere especificamente ao ensino da Língua Portuguesa,
enfatizam-se, a partir da análise e compreensão dos textos, os
recursos linguísticos adotados nos diversos capítulos, destacando
as implicações de sentido que tais recursos comportam. Os mais
variados gêneros textuais são abordados, com a exploração das
variantes linguísticas e com o reconhecimento das linguagens e
códigos de várias regiões do país e culturas distintas. (BRASIL,
2014, p. 226)

No presente artigo, apresentamos a análise de 2 (duas) unidades do
livro didático, são estas: ‘’Linguagens para comunicação’’ e ‘’Visões’’. Para
analisar a diversidade ou a homogeneidade de gêneros textuais sugeridos
nas propostas de leitura do Livro Didático, buscamos dialogar teoricamente
sobre as propostas de leituras encontradas no LD, considerando a circulação
de gêneros da herança cultural clássica e as criações contemporâneas;
identificar os pressupostos das propostas de leitura do livro didático
considerando a leitura, ou não, como prática cultural polimorfa e refletir sobre
as práticas de leitura propostas pelo livro didático e o universo leitor do sujeito
aluno da EJA na contemporaneidade.
4 “ACHADOS” NO LIVRO DIDÁTICO: DAS ESCOLHAS AS PROPOSTAS
DE LEITURA DOS GÊNEROS
O livro didático de Língua Portuguesa que estamos analisando
constitui-se de três etapas, destinadas ao diálogo sobre Linguagem e Códigos
e suas Tecnologias. Essa obra propõe trabalhar com a leitura, a escrita, a
oralidade e os fenômenos linguísticos nos textos, a partir de propostas de
leitura dos gêneros literários e não literários.
Possibilita, ao considerarmos os contextos específicos, a análise do
texto literário como instrumento de crítica da realidade social e histórica, que
fazem parte da realidade cotidiana dessas pessoas e podem ser trabalhadas

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em sala de aula para enriquecer o letramento dos educandos da Educação de
Jovens e Adultos.
Numa primeira aproximação do objeto investigado, sistematizamos no
quadro 1 o nosso olhar sobre as práticas de leitura, analisadas, como já
afirmamos, nas duas primeiras unidades do referido do LD:
QUADRO 1 – GÊNEROS TEXTUAIS E PRÁTICAS DE LEITURA
Unida
de

Título

Gênero/Text
os

Propósitos da leitura
(leitura, produção do texto ou compreensão textual)

1

Linguage
ns para
comunic
ação

Texto do livro
didático
(fragmentos
de
textos
científicos)
Fotos
(de obras de
arte clássica,
pinturas
rupestres,
grafites de
arte urbana.)
Música

Leitura, Compreensão textual

Glossário
Poemas
Fragmento
do livro
“Método
moderno de
tupi antigo”.
Notícia
Contos
Romance
Biografia
Charge

Os alunos são convidados a realizarem a leitura do
gênero para que possam compreender o conceito de
Arte, Artista e Obra de Arte, com ênfase na distinção
entre os gêneros verbais e não-verbais.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura e a
compreensão de um samba-enredo para que possam
compreender a formação histórica da Língua
Portuguesa no Brasil (expressa na letra da música).
Aos alunos orientava-se a leitura de palavras e/ou de
expressões pouco conhecidas.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura e a
compreensão de um poema complexo de Olavo Bilac.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
trechos extraídos do livro “Método moderno de tupi
antigo”, escrito pelo professor Eduardo de Almeida
Navarro.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
fragmentos de textos de divulgação científica.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de um
fragmento do gênero conto para que possam
compreender aspectos da cultura indígena.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura do
gênero literário romance do livro Cartas, de Graciliano
Ramos.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
narrações da história de vida de personalidades
brasileiras, em sua maioria, poetas.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura e
compreensão textual de charges, retiradas do Exame

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Depoimento
Discurso
Peça teatral

3

VISÕES

Documento
histórico
Poemas
Textos
informativos
do LD
Texto
literário –
Sermão
Anedota

Nacional do Ensino Médio (2015).
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
depoimentos de autores e intérpretes da música
brasileira do século XXI.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura do
discurso de posse do ex- presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura por
meio do gênero literário com as peças teatrais ‘’Auto da
barca do inferno’’ e ‘’Na festa de São Lourenço’’
Os alunos são convidados a ler a carta de Pero Vaz de
Caminha.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
cinco poemas do poeta Gregório de Matos.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
informativos sobre o Barroco e o estado da Bahia.
Os alunos são convidados a realizarem a leitura de
‘’Sermão vigésimo sétimo, com o Santíssimo
Sacramento exposto’’, o sermão, na figura do padre,
tenta mostrar como o cristianismo é incompatível com a
escravidão.
Os alunos são convidados a ler e interpretar um texto de
uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio de
2015.

Fonte: Almeida, 2013

Como podemos observar no quadro, o livro sugere a leitura de
diferentes gêneros textuais, verbais e não verbais, tais como: documento
histórico, biografia, discurso, música, poema, romance, sermão, conto,
depoimento, tira, charge, glossário, anedota, peças de teatro, imagens de
obras de artes clássica (Constantin Brancusti, José Maria de Medeiros,
Johann Moritz Rugendas, Pablo Picasso, Tarsilia do Amaral, Edvard Munch,
Iolanda Huzak, Vicent Van Gagh, Jan van Eyck, Marcel Duchamp, Nicolina
Vaz, Jacques-Luis David), pintura rupestre, grafites de arte urbana.
O LD apresenta uma tentativa considerar a leitura como prática
polimorfa, pois sugere a leitura de gêneros literários e não-literários, tendo
maior predominância em poemas e textos informativos do LD, pois nas duas
unidades analisadas, o gênero literário apareceu 36 vezes entre poemas,
romances, contos, carta e peças teatrais; e os textos informativos,
aparecendo 23 vezes.

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Entretanto, fazemos a ressalva de que há a ausência, nas unidades
analisadas, de gêneros que circulam na cultura digital, desconsiderando até
certo ponto o fato de que os jovens também são usuários mais frequentes dos
computadores, uma atividade que, ao contrário do que é comum se afirmar
implica leitura e, eventualmente, escrita (SOUZA; CORTI; MENDONÇA,
2012).
Os gêneros textuais trabalhados no Ensino Médio no âmbito escolar,
muitas vezes, não vivenciam as práticas de letramento nas quais os jovens se
engajam diariamente como, por exemplo, a leitura de textos religiosos, emails, sites de relacionamento, dentre outras, deixando de aproximar seus
interesses significativos ao planejamento de atividades de leitura e escrita em
sala de aula.
Na análise é possível perceber que o LD traz várias propostas de
leitura de gêneros textuais diversos em todas as unidades analisadas, dando
ênfase aos que circulam nas práticas sociais, e explora também as variantes
linguísticas e seus usos nas diferentes regiões do país.
Ressaltamos, como observado no quadro 1, a heterogeneidade de
gêneros textuais identificados no LD analisado com propostas de leitura,
entretanto, sentimos falta da presença de gêneros que circulam no universo
da cibercultura e fazem parte das práticas sociais de jovens e adultos no
universo contemporâneo.
Dado o exposto, a necessidade de se estabelecer um programa
nacional de distribuição de livro didático adequado para atender a este público
específico e, ao mesmo tempo plural, deve atentar para a realidade vivida
pelos sujeitos, de modo a considerar a diversidade e a importância das
práticas de leitura enquanto prática cultural polimorfa, que desperta a
curiosidade e capacidade de se posicionar criticamente mediante a leitura de
um texto. Segundo Freire (1981), em seu livro “A importância do ato de ler”,
Em qualquer caso, o estudo exige sempre esta atitude séria e
curiosa na procura de compreender as coisas e os fatos que

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observamos. Um texto para ser lido é um texto para ser estudado.
Um texto para ser estudado é um texto para ser interpretado. Não
podemos interpretar um texto se o lemos sem atenção, sem
curiosidade; se desistimos da leitura quando encontramos a
primeira dificuldade. (p. 33)

Com isso, debruçamo-nos sobre a análise das práticas de leitura
propostas pelo LD, com o olhar direcionado para o tratamento dos gêneros
textuais, observando se os gêneros presentes no LD para a leitura são
diversificados, e se as práticas propostas se aproximam das práticas sociais
de leitura dos educandos da EJA e se estão relacionadas também a uma
herança cultural, sendo assim polimorfa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa investigação teve por escopo analisar as práticas de leitura do
livro didático (LD) de língua portuguesa do Ensino Médio da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), sendo assim, tentamos desvelar a perspectiva, ou
não, da leitura como prática cultural polimorfa. Ao debruçamo-nos sobre a
análise das práticas de leitura propostas pelo LD, com o olhar direcionado
para o tratamento dos gêneros textuais, observando se os gêneros
disponíveis para a leitura são diversificados, e se as práticas propostas se
aproximam das práticas sociais de leitura dos educandos da EJA e se estão
relacionadas também a uma herança cultural, polimorfa.
Com a análise, ponderamos que a obra propõe trabalhar com a leitura,
a escrita, a oralidade e os fenômenos linguísticos nos textos, a partir de
propostas de leitura dos gêneros literários e não literários; possibilita, ao
consideramos os contextos específicos, a análise do texto literário como
instrumento de crítica da realidade social e histórica. Pudemos também
observar que as práticas sugeridas nas unidades analisadas em sua maioria,
aproximam-se das práticas sociais dos educandos da EJA.

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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, N. A. [et al.] Linguagens e culturas: linguagem e códigos Ensino Médio: Educação de jovens e adultos. 1 Ed. São Paulo: Global,
2013.
BARDIN, L. Análise de conteúdo (L. de A. Rego & A. Pinheiro, Trads.).
Lisboa: Edições 70, 2006.
BEZERRA, J. E. E. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER DOS ALUNOS DA
EJA. Cadernos do CNLF, Vol. XIII, Nº 04. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro:
CiFEFiL, 2009, p. 109-115.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Guia dos Livros Didáticos do PNLD
EJA 2014. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. – Natal: EDUFRN, 2014.
BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 51 DE 16 DE SETEMBRO DE 2009. Ministério da
Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2009.
BUTLEN, M. A leitura: “uma prática cultural polimorfa”. Leitura: Teoria &
Prática, Campinas, São Paulo, v.33, n.2 (65), p.13-34, 2015.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. 23 Ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
LINHARES, A. A. CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma
experiência com professores de 4º ciclo. Dissertação de mestrado
apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Letras, da
Universidade Federal do Piauí – UFPI, 2012.
SANTOS, A. C. Formação continuada e ensino de língua materna na
educação de jovens e adultos: aproximações e distanciamentos.
CEDU/UFAL: Maceió, 2006. (Dissertação de Mestrado)
SANTOS, A. C. O ensino da leitura na educação de jovens e adultos: o
movimentum de significar e ressignificar a prática docente em contexto
de pesquisa colaborativa. Maceió, 2014. (Tese de doutorado)
SILVA, G. M. F.; MOREIRA, S. G.; BARBOSA, M. L. F. F. O Ensino da
leitura em turmas de Educação de Jovens e Adultos: uma questão para
se (re)pensar. UFPE, 2006.

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O LETRAMENTO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA DE ENSINO
FUNDAMENTAL
Janeclécia Oliveira Nunes
janekehl@hotmail.com
Aline Barbosa Oliveira
abarbosa.073@gmail.com
Bruna Marques da Silva
brunamarques16@gmail.com
RESUMO: Este trabalho resulta de uma reflexão acerca da temática
letramento e o processo de formação do professor de língua materna na
escola de ensino fundamental, suas origens e aplicação resgatando não
necessariamente de forma cronológica e histórica a educação no Brasil, mas
partindo de fatores que nos trouxeram até os dias atuais. Tem como objetivo
analisar a relação entre o letramento e o processo de formação do professor
de língua materna como mediador diante da sala de aula. Tendo em vista que
é relevante abordar algumas temáticas como, a formação contínua, formação
com base linguística e sociolinguística, assim como, os fatores importantes
para um bom desempenho do professor dentro e fora da sala de aula. É de
fundamental importância que o termo letramento e o processo de formação do
professor de língua materna seja compreendido de forma clara e concisa
pelos sujeitos responsáveis pelos processos educacionais. Com isso,
entende-se que é necessário que gestores educacionais, assim como, os
educadores compreendam a importância da formação continuada durante
toda a vida profissional do educador, tendo em vista, a preparação para o
entendimento de processos indispensáveis como o letramento e a atuação
satisfatória dos professores em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Educação- Letramento- Língua materna

1 INTRODUÇÃO
No Brasil, o tema letramento e processo de formação do professor de
língua materna não é muito discutido no ambiente escolar, uma vez que este,
nem sempre é compreendido com clareza por aqueles que compõem o corpo
escolar da educação básica, e assim os professores dos anos iniciais do

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ensino fundamental, que são os principais encarregados por encaminhar as
crianças ao longo de sua trajetória de aprendizagem de leitura e escrita.
Partindo do pressuposto que para se pensar em uma proposta de
educação de qualidade, é de fundamental importância que se tenha
conhecimento a respeito do conceito de letramento e processo de formação
do professor de língua materna, e embora não se fale muito a respeito nos
meios de comunicação, ou até mesmo no ambiente escolar, e a população
permaneça desentendida a falta de habilidade com a língua portuguesa em
todos os seus aspectos, manifestados em alunos pertencentes aos diversos
níveis de educação, está atualmente provocando preocupações e discussões
entre professores e estudiosos da língua materna.
O que se sabe é que essa falta de entendimento sobre o termo
letramento e o processo de formação do professor de língua materna na
educação do país pode estar ligada diretamente ao aumento de um ano no
ensino fundamental, gerando assim, modificações na grade curricular e
criando uma série de incertezas entre os professores não só da primeira
etapa do ensino fundamental, mas também com os docentes que trabalham
com a segunda etapa da educação básica.
Ao olhar, em um primeiro momento, para o ensino fundamental é
preciso que os educadores de todo Brasil estejam cientes de que a
experiência inicial da criança com a leitura e escrita, em instituições coletivas
de ensino, pode ser determinante para o seu desenvolvimento, uma vez que a
educação é a principal responsável por proporcionar as crianças, dependendo
de como vivem essa etapa educativa, os mais variados tipos de
aprendizagem e interações que realizam.
Desse modo, é prioritário considerar que o professor como agente
mediador e formador precisa em caráter de urgência conseguir que as
crianças leiam e escrevam da maneira correta, tendo em vista que a
alfabetização é um fenômeno de cunho histórico e social, e assim, o educador

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precisa estar ciente do que está fazendo, tendo uma clara compreensão
acerca do assunto.
Nesse sentido, o que se busca nesse estudo é refletir sobre o
letramento e o processo de formação do professor de língua materna na
escola de ensino fundamental e o papel do professor como mediador dentro
da sala de aula.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O TERMO LETRAMENTO E A
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNA
Para se ter uma sociedade bem desenvolvida, é necessária também
uma educação de qualidade, pois esta é fundamental para o crescimento
intelectual e social do ser. Vale ressaltar que ser alfabetizado, isto é saber ler
e escrever, não é suficiente para atender as demandas de uma sociedade
contemporânea.
Quando

se

fala

em

educação

adequada

a

todos,

deve-se

compreender que quanto mais próximo da realidade vivenciada pelos alunos
os professores estiverem, mais fácil será para os alunos a absorção dos
conteúdos propostos em sala de aula, uma vez que estes são dotados de
entendimentos próprios que devem ser levados e consideração pelo docente,
não somente dentro da sala de aula, mas no ambiente escolar como um todo.
Para garantir a construção do conhecimento é necessário que o professor
tenha o mínimo de conhecimento da realidade do aluno, do ambiente em que
ele está inserido. Segundo Barros (2004, p.192)
Quando se estuda um individuo, estuda-se a comunidade, a sua
localidade ou, conceitualmente falando, a sua configuração social –
mesmo que se tenha escolhido o caminho metodológico de
acompanhar a trajetória individual, neste caso, necessariamente
imbricada e relacionada com outras trajetórias.

No Brasil o termo letramento é facilmente confundido com a
alfabetização e isso ocorre pelo fato de o letramento está, quase sempre,

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sobreposto a alfabetização, junto a falta de conhecimento sobre esses dois
termos fica fácil para os educadores confundi-los, pois se deve levar em
consideração o fato de que estes estão sempre muito próximos, no entanto, é
necessário que os professores entendam os dois processos, não só para
distingui-los, mas também por serem necessários e indispensáveis para o
processo educacional.
Vale salientar que a educação brasileira infelizmente deixa a desejar
no quesito da formação continuada, e tendo em vista que para ensinar algo a
alguém é preciso que se tenha o mínimo de domínio dos conteúdos
propostos, é necessário um olhar mais atento para com a formação dos
professores.
O termo letramento, ao contrário do que se pode ser entendido como o
conceito tradicional de alfabetização, pode ser compreendido como um
processo em que o ensino da leitura e escrita faz parte efetivamente da vida
dos alunos, uma vez que o ensino da leitura e da escrita deve fazer parte do
contexto social do mesmo, diferenciando-se da alfabetização tradicional onde
os indivíduos deveriam somente aprender e a dominar a leitura e escrita sem
nenhuma preocupação aparente com a capacidade de o aluno aprender a
compreender e interpretar textos, ou seja; o letramento diferentemente da
alfabetização consiste em várias práticas de leitura e escrita .
O letramento, por outro lado, é constituído pelas experiências
vivenciadas pelos alunos no dia a dia, pois caracteriza-se por um processo
contínuo em que a criança ou o adulto adapta-se a interpretar diversas
situações de seu cotidiano e a compreender seus significados.
O processo de letramento vai além do que se propõe no ensinoaprendizagem nas escolas de ensino fundamental, pois este não pode nem
deve ser considerado um sistema a parte, uma vez que precisa garantir ao
aluno a possibilidade de entender o mundo preparando-o para a realidade em
que se insere, pois, letramento ao contrário do que muitos educadores
pensam não é um método.

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Já não basta aprender a ler e escrever, é necessário mais que isso
para ir além de uma alfabetização funcional, uma vez que para se entrar no
mundo do letramento, o ser precisa antes de tudo envolver-se nas atividades
de leitura e escrita, para que assim possa consequentemente ter uma boa
leitura de mundo, o que nos dias de hoje é de fundamental importância.
Segundo Kleiman (1995, p.20),
O fenômeno do letramento, então extrapola o mundo da escrita tal
qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de
produzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita pode-se
afirmar que a escola é a mais importante da agencia de letramento,
preocupa-se não com o letramento, prática social, mas com apenas
um tipo de prática de letramento, qual seja, a alfabetização, o
processo de aquisição de códigos (alfabético numérico) processo
geralmente concebido em termos de competência individual
necessária para o sucesso e promoção na escola.

É

imprescindível

lembrar

que

o

letramento

não

deve

ser

responsabilidade somente do professor de língua portuguesa, mas sim de
todas as áreas do conhecimento uma vez que, para responder a uma
atividade qualquer seja ela de língua portuguesa ou não o aluno precisará
saber interpretar, tornando os demais professores responsáveis por suas
disciplinas para o caso da segunda etapa do ensino fundamental.
No que diz respeito ao ensino de língua materna a língua portuguesa é
o instrumento imprescindível de trabalho de todo professor no Brasil, pois é a
partir dela que o aluno vai ser instruído a lidar com a linguagem e suas
diversas situações de uso, é através da linguagem em uso que o aluno vai ter
uma maior compreensão de mundo.
Sabe-se que ao se falar de língua materna é necessário que se possa
avançar muito na educação do Brasil e em termos de abordagem, hoje dentro
da sala de aula o professor deve procurar estratégias que estejam dentro da
realidade do aluno, que os desafiem e animem a pesquisar ler e escrever com
significado, não só no que se diz respeito ao ambiente escolar, mas para a
vida. Desta forma, é possível compreender que a língua materna vai além de

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uma ferramenta, é uma parte da essência do ser humano, necessária para
que sejam estabelecidas as interações sociais.
A língua materna trata-se do primeiro idioma que uma pessoa aprende.
É também a língua adquirida de forma natural, através da interação com o
meio, sem ou com pedagogia, e em geral o idioma materno é aprendido
somente no ambiente familiar, é observando os membros da família que a
criança aprende a falar as primeiras palavras. Ao falarmos do ensino de
língua materna é preciso pensar em uma educação que atenda todas as
necessidades básicas dos alunos e que esteja ligada diretamente a realidade
do mesmo, como também com o mundo. E para que isso de fato aconteça é
importante pensar em uma educação em que este aprenda a decodificar
símbolos, é preciso entender a funcionalidade da escrita, pois assim o aluno
vai tornar-se um cidadão mais reflexivo, crítico e atuante dentro da sociedade
na qual está inserido.
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a
ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas
habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire
um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se
apropriado da língua escrita e de ter se inserido num mundo
organizado diferentemente: a cultura escrita. Como são muito
variados os usos sociais da escrita e as competências a eles
associadas (de ler um bilhete simples a escrever um romance), é
frequente levar em consideração níveis de letramento (dos mais
elementares aos mais complexos). Tendo em vista as diferentes
funções (para se distrair, para se informar e se posicionar, por
exemplo) e as formas pelas quais as pessoas têm acesso à língua
escrita – com ampla autonomia, com ajuda do professor ou da
professora, ou mesmo por meio de alguém que escreve, por
exemplo, cartas ditadas por analfabetos (BRASIL, 2007, p. 11).

Desta maneira, torna-se de fundamental importância para a melhoria
da educação no Brasil, que os profissionais de educação responsáveis pelo
ensino de língua materna, tanto da primeira, quanto da segunda etapa do
ensino fundamental, procurem uma formação além da graduação uma vez
que é a partir da formação continuada que o mesmo vai tornando-se apto a
trabalhar de maneira adequada dentro da sala de aula.

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Hoje é imprescindível se ter na escola um professor que esteja sempre
em busca de atualização e assim conseguirão alfabetizar e letrar de forma
satisfatória para que os alunos consigam usar a língua materna de forma
efetiva no meio social em que se encontram inseridos. Cabe ao professor o
papel de se assumir mediador de aprendizagem, pois um mediador não abre
mão de estar em constante aprendizado deixando de lado os métodos já
ultrapassados e aproveitando sempre o que há de novo para facilitar a
comunicação e o aprendizado dos alunos.
2.1 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
Quanto a formação do professor de língua materna, é relevante
abordar algumas temáticas, quais sejam: a formação continuada, formação
com base linguística e sociolinguística, e também os fatores importantes para
um bom desempenho do professor. A construção dos saberes profissionais e
a profissionalização docente são fruto da formação inicial, em cursos de nível
superior–licenciaturas, dessa forma envolve também a formação continuada.
A formação é algo totalmente relevante e que requer uma continuidade,
tendo como ponto de partida a formação inicial, proporcionando ao docente
durante e após todo esse processo uma grande reflexão. Dessa forma,
Mizukami (1996) defende a formação docente como um continuum, que
articula situações práticas e efetivamente, problemáticas que exigem dos
docentes uma ação reflexiva competente.
É preciso considerar que, na contemporaneidade, a prática pedagógica
traz maiores desafios, principalmente por existirem novas demandas de
letramento, novas linguagens e

tecnologias, diferentes interações, novos

conceitos e formas de ver o mundo, que exigem da docente continuidade de
formação, sempre buscando estar atento aos avanços e mudanças da
sociedade como um todo. Nessa perspectiva Soares (2003, p.24) conclui que

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a formação do alfabetizador que ainda não se tem feito
sistematicamente no Brasil tem uma grande especificidade, e exige
uma preparação do professor que o leve a compreender todas
as
facetas (psicológica, psicolinguística, sociolinguístico e
linguística) e todos os condicionantes(sociais, culturais, políticos)
do processo de alfabetização.

No que se refere ao aspecto linguístico e sociolinguístico da
alfabetização, Bagno (2003) defende que o problema da educação em língua
materna seria resolvido com o que ele chama de Educação Linguística. Para
ele essa educação pode ser entendida através de três pilares, que são: ter o
que dizer, saber o que dizer, poder dizer. Para ele os novos professores não
sabem como aplicar os ensinamentos da Linguística, mas fica claro a falta de
preparo para a transposição didática dos conhecimentos acadêmicos, ao
qual, tal transposição geralmente não ocorre da maneira que deveria por
inúmeros fatores.
Ao analisar a pedagogia tradicional percebe-se que houve mudanças
significativas, haja vista, a pedagogia tradicional que entende a língua como
norma e tem o objetivo de reformar, consertar a linguagem do aluno. O aluno,
de acordo com essa pedagogia, é visto como “um deficiente linguístico”, como
um ser que domina a língua sendo o mesmo uma tábula rasa, havendo o
desprezo dos seus conhecimentos prévios e de tudo que ele já sabe, assim
sendo, a gramática pura e aplicada é tida como essencial.
Na atualidade, o ensino de língua materna é visto de uma maneira
diferente da pedagogia tradicional, pois a função do professor de Língua
Portuguesa é ensinar a ler e a escrever os diferentes gêneros textuais que
circulam socialmente. Dessa forma, é extremante importante entender que o
aluno não é uma “tábula rasa”, entendendo que cada aluno possui suas
vivências, experiências, saberes próprios, esses profissionais precisam
investir no letramento crítico de seus alunos a fim de contribuir para a
formação de sujeitos críticos, capazes de compreender o mundo e nele atuar
de forma satisfatória.

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Para isso, o professor precisa assumir uma postura reflexivo-crítica
frente aos fenômenos linguísticos, assim como buscar, em sua vida
profissional, novas competências para exercício da docência.O letramento, do
qual trata Soares (2003), refere-se á leitura e escrita nas práticas da interação
oral.
Em uma visão de língua como fator de comunicação, interação e
compreensão do mundo, ao qual os alunos são vistos como um ser repleto de
conhecimento de mundo e em constante processo de letramento, o foco de
análise do professor deverá ser o texto, porque é a unidade linguística que
assegura a transmissão de uma mensagem. Letramento seria, portanto,
causa e consequência do desenvolvimento.
O letramento [...] focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição
da escrita. [...] tem por objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse
sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social
mais amplo (Mortatti, 2004, p. 89).

O letramento também é compreendido como um fenômeno mais amplo
e que ultrapassa os domínios da escola. Segundo Kleiman (2008, p. 18). “[...]
podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que
usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos”.
2.1.1 A importância do letramento na formação do cidadão

A construção das habilidades de leitura, escrita e oralidade talvez
sejam os principais objetivos a ser alcançados pelo trabalho com o ensino da
língua materna, tornando esse também um grande desafio para os docentes
de língua materna é encontrar estratégias

diversificadas para atender as

necessidades dos alunos e possibilitar à todos uma boa aprendizagem, ao

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mesmo tempo em que conquistam o envolvimento dos alunos com a
leitura e escrita, garantir que esse aprendizado dê bons resultados.
Partindo desse entendimento, a escola nesse cenário passa

a

assumir uma função imprescindível como espaço social que permite ao
aluno a possibilidade de desenvolver plenamente a educação linguística,
através dessa prática, torna-se possível expandir esse conhecimento
internalizado do aluno ao longo da vida, dessa maneira ao passo que o
aluno vai tendo um domínio da língua vai aprendendo as normas, se
apropriando da gramática, em que a pessoa vai ser chamada a se
inserir.
Como afirma Soares (1999), o letramento não é somente saber ler e
escrever, mas também exercer as práticas sociais de leitura, escrita e
interação oral que circulam na sociedade em que se vive. O domínio de uma
língua é resultado de práticas significativas e contextualizadas, por isso a
escola deve imitar atividades linguísticas do cotidiano.
Dessa forma, o aluno passa a ter uma maior autonomia crítica, sendo
visto como um protagonista social, que está inserido em uma sociedade e faz
parte de comunidades linguísticas. É o que propõe Freire (1996), em sua
Pedagogia da Autonomia, quando reforça que é preciso que se pratique uma
pedagogia fundada na ética, no respeito à dignidade e na própria autonomia
do educando, pois só assim os alunos poderão assumir-se como sujeitos
sócio-histórico-culturais do ato de conhecer.
Nesse contexto, é que o letramento passa a atuar como ferramenta
imprescindível para que o aluno possa ser visto e atuar enquanto cidadão,
que é capaz de se expressar, de argumentar e fazer associações com
diversos tipos de saberes, contraindo, portanto, uma sociedade melhor na
qual ele mesmo tem vez e voz.
Algo recente, que vem sendo discutido no Brasil com maior intensidade
nas duas últimas décadas, é o que chamamos de “letramento”,essas
discussão vêm apontando as restrições quanto ao uso do termo

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alfabetização, deixando claro que letramento e alfabetização são termos
totalmente distintos, mas que de certa forma atuam juntos, ao qual o
letramento ou “letramentos” se dá na escola e também fora da ela, de
forma constante, nessa perspectiva preocupa-se com o impacto da escrita
sobre um grupo social, isto é, com os reflexos sentidos na sociedade.
Street (apud Kleiman, 1995) contrapõe dois modelos de concepção de
letramento: o autônomo e o ideológico. O modelo autônomo, bem
representativo da escola de viés tradicional, além de ver oralidade e escrita
como práticas dicotômicas, considera apenas uma forma de o letramento ser
desenvolvido, estando essa forma relacionada a progresso, civilização e
mobilidade social.
Para Marcuschi (2001) letramento “é um processo da aprendizagem
social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos
utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, ‘letramentos’[...]
Distribui-se em graus de domínios que vão de um patamar mínimo a um
máximo” (p. 21).
No que se refere à escolarização, define-a este autor como “uma
prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação integral do
indivíduo, sendo que a alfabetização é apenas uma das atribuições/atividades
da escola.

A escola tem projetos educacionais amplos, ao passo que a

alfabetização é uma habilidade restrita” (p. 22).
Há autores que consideram que letramento são as práticas de leitura e
escrita: segundo Kleiman (1995, p. 19), “podemos definir hoje o letramento
como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema
simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
específicos”. As práticas sociais de leitura e escrita estão totalmente
relacionadas com a sociedade. Dessa forma, a autora deixa clara a diferença
entre alfabetização e letramento, pois há equívocos referentes aos dois
termos, insistindo no caráter individual daquela e social deste:

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O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e
descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema
de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda
saber quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas”
em sociedades ágrafas. (Idem, 1988, p. 9, e 1995, p.9-10).

De acordo com Soares (1998, p. 107), o letramento consiste de um
grande número de diferentes habilidades, competências cognitivas e
metacognitivas, aplicadas a um vasto conjunto de materiais de leitura e
gêneros de escrita, e refere-se a uma variedade de usos da leitura e da
escrita, praticadas em contextos sociais diferentes. A referida autora assegura
ainda que
Letramento é muito mais que simplesmente decifrar códigos, ele é
um estado, uma condição: o estado ou condição de quem
interagecom diferentes portadores de leitura e escrita, com
diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com a diferentes
funções que a leitura e escrita desempenham na nossa vida. Enfim:
letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas
numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita.

Nesse contexto, é que o letramento passa a atuar como ferramenta
para enfatizar o processo de ensino e aprendizagem, dessa maneira, é
imprescindível que a escola assuma a função de trabalhar lado a lado com as
necessidades enfrentadas pelo aluno enquanto cidadão, enxergando o
mesmo não como uma tábula rasa, mas como um ser pensante dotado de
conhecimento e experiências, o tornando mais autônomo, crítico e reflexivo,
capaz de entender a sociedade ao qual está inseri
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo realizar uma análise e
compreender a importância do letramento e da formação do professor de
língua materna, entendendo que é preciso pensar em uma educação que
venha a atender as necessidades básicas do aluno, deixando que o mesmo

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possa se expressar e ser parte integrante o processo de ensino e
aprendizagem.
Nesse sentido, é preciso compreender a funcionalidade da língua
escrita, pois é assim que o cidadão se torna mais atuante, participativo e
autônomo, de forma significativa na sociedade na qual está inserido.
Trabalhar com o ensino da língua materna nessa perspectiva, só se
torna possível quando se passa a ver a língua dentro de uma realidade
histórica, cultural e social, ou seja, a língua torna-se concreta, uma atividade
social, que está presente na vida dos docentes e dos alunos, ao qual todos
estão inseridos na sociedade e podem ser sujeitos autônomos.
Com isso, o professor estará contribuindo para que os alunos tenham
autonomia e então possam desenvolver suas habilidades e competências,
fazendo uso dos conhecimentos de mundo que eles possuem e tornando-se
cidadãos críticos, diante da sociedade em busca de novos saberes. Nesse
sentido, o professor estará enriquecendo suas aulas, deixando-as mais
próximas da realidade dos alunos, tornando-as um momento importantíssimo
para a formação dos mesmos e para o ensino da língua portuguesa de forma
mais significativa.
REFERÊNCIAS
BARROS, José D´ Assunção. O campo da historia: especialidade e
abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes.
BRASIL, Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de
Professores
dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental:
alfabetização e linguagem – ed. ver. e ampl.Incluindo SAEB/ Prova Brasil
matriz de referência/Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Básica, 2007.
KLEIMAN, Angela Barros (org). Os significados do letramento: Uma nova
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KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização
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uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas:
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In:
KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva
sobre
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MARCUSCHI, L. A. A concepção de língua falada nos manuais de
português de 1º e 2º graus: uma visão crítica. Trabalhos em Linguística
Aplicada, Campinas, SP: UNICAMP/IEL, n.30, 2001.
MIZUKAMI,Maria das Graças Nicoletti. Docência,trajetórias pessoais e
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G. N. (orgs). Formaçãode professores: tendências atuais. São Carlos SP:
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SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
SOARES, Magda,Letramento :um
tema em
três
Horizonte: Autêntica, 1998.: EDUC/Mercado das Letras.

gêneros.

Belo

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OS GÊNEROS DISCURSIVOS COMO SUPORTE PARA O
LETRAMENTO EM SALA DE AULA NOS ANOS FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Bruna Marques da Silva
brunamarques16@gmail.com
Aline Barbosa
abarbosa.073@gmail.com
RESUMO: É importante se trabalhar o letramento em sala de aula, ou seja,
desenvolver a leitura e escrita de forma significativa e contextualizada. Assim,
este artigo tem como objetivo apresentar uma breve discussão sobre a
importância do trabalho com os gêneros discursivos em sala de aula, tendo
em vista o desenvolvimento do letramento nesse ambiente. Traz inicialmente
uma breve discussão sobre a noção de letramento. Em seguida, discorre
sobre gêneros textuais/discursivos e, no terceiro tópico, é apresentado como
os gêneros discursivos podem funcionar como ferramentas essenciais para o
desenvolvimento do letramento em sala de aula. A discussão é realizada a luz
dos estudos de Antunes (2003), Bakhtin (1997), Gomes (2013), Goulart
(2001), Mollica (2011), Soares (2002), Marcuschi (2008) e Street (2006), que
dão suporte necessário para o desenvolvimento do trabalho. A necessidade
de associar os conteúdos de sala de aula ao dia a dia dos alunos é um dos
pontos cruciais para que a sala de aula não se torne um ambiente de deposito
de conhecimentos, como já citado em outras instancias por Paulo Freire, no
entanto, o que se percebe é o ensino ainda voltado para o conteúdo, no caso
da língua portuguesa o estudo da língua pela língua. No entanto, com os
avanços das pesquisas sobre a função social da língua muitos pesquisadores
e estudiosos têm se debruçado sobre o assunto e mostrado a necessidade da
escola e do professor rever as práticas de ensino referente ao letramento,
mais especificamente em relação ao ensino da leitura e escrita.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros Discursivos – Letramento – Ensino.
1 INTRODUÇÃO
O letramento em sala de aula, mais especificamente no que se refere
ao ensino de língua portuguesa nos anos finais do ensino fundamental, dá-se
através do desenvolvimento da leitura e escrita de forma significativa e
contextualizada, ou seja, de modo que os alunos consigam refletir e
compreender

de

fato

as

suas

funções

sociocomunicativas,

assim,

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relacionando-as com seu meio social. Em outras palavras, de modo que os
alunos

consigam

atribuir

sentido

àquilo

que

está

sendo

ensinado,

relacionando-o com a sua realidade (cotidiano) e com outras esferas sociais.
Nesse contexto, este artigo tem como objetivo apresentar uma
discussão acerca da importância do trabalho com os gêneros discursivos em
sala de aula tendo em vista o desenvolvimento do letramento nesse ambiente,
considerando que os mesmos têm diferentes funções sociais e interacionais
que estão relacionadas ao contexto (esfera) social em que esses gêneros se
fazem presentes.
Como metodologia utilizou-se, neste trabalho, um estudo bibliográfico,
com leitura e discussão de textos relacionados às temáticas: gêneros
discursivos e, letramento. E, os autores que contribuíram para a sua
fundamentação foram: Antunes (2003), Bakhtin (1997), Gomes (2013),
Goulart (2001), Mollica (2011), Soares (2002), Marcuschi (2008) e Street
(2006), que dão o suporte necessário para o desenvolvimento do trabalho.
O presente trabalho está organizado em três tópicos: no primeiro, é
abordada uma breve discussão sobre a noção de letramento, suas
características, funções e importância no processo de desenvolvimento da
leitura e escrita de forma significativa e contextualizada.
No segundo, se discorre sobre os gêneros textuais/discursivos no que
se refere a definição do que vem a ser, suas características, categorização,
funções e importância para o ensino de língua portuguesa.
Já no terceiro e último tópico, é apresentado como os gêneros
discursivos

podem

funcionar

como

ferramentas

essenciais

para

o

desenvolvimento do letramento em sala de aula, ou seja, para o
desenvolvimento da leitura e escrita de forma significativa e contextualizada.
Por fim, nas considerações finais, pode-se analisar que devido a sala
de aula ser um espaço de interação de diferentes sujeitos, de formações
sociais diversas e, consequentemente, com níveis de letramentos diversos, os
gêneros discursivos são ótimos instrumentos (suporte) para se trabalhar o

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letramento em sala de aula. Isto porque, estão relacionados com as funções
sociocomunicativas envolvendo a leitura e escrita nas diversas esferas da
vida social.
2 NOÇÕES DE LETRAMENTO
O letramento em sala de aula tem sido um tema bastante discutido nos
últimos anos e, embora não haja uma única definição (concepção) acerca do
tema é importante conhecer e refletir um pouco sobre o mesmo e sua
importância no âmbito escolar, mais precisamente no ensino de língua
portuguesa nos anos finais do ensino fundamental de modo a desenvolver
nos alunos a leitura e escrita de forma significativa e contextualizada, ou seja,
relacionando-a com seu meio social e, assim, despertando o senso crítico dos
alunos.
Nesse contexto, ao falar sobre a concepção de letramento de Kleiman,
Soares (2002, p.144) diz que para a autora “[...] letramento são as práticas
sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas práticas são postas em
ação, bem como as consequências delas sobre a sociedade”.
Em outras palavras, letramento envolve os usos da leitura e escrita que
fazemos no meio social em que estamos inseridos, ou seja, está relacionado
às funções sociocomunicativas da leitura e escrita nas diversas esferas da
vida social como escola, lazer, trabalho etc. Por exemplo, na escola é mais
comum a leitura e escrita de textos do gênero textual conto, redação etc., no
lazer algumas pessoas podem ter o hábito de ler jornais/revistas, histórias em
quadrinhos etc., e no trabalho se o sujeito for, por exemplo, o redator de um
jornal ou revista, tem dentre as suas funções produzir textos e materiais
publicitários, realizar entrevistas etc. E, os reflexos (resultados) dessas
práticas sobre a sociedade.
Entende-se, assim, que as práticas de letramento que envolvem a
leitura e escrita são muito amplas e ultrapassam o âmbito da sala de aula, ou

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seja, o ensino formal da leitura e escrita. Desse modo, o docente não deve
limitar o processo de ensino e aprendizagem que envolve a leitura e escrita a
apenas alguns gêneros discursivos/textuais que estão mais presentes na sala
de aula como textos do tipo narrativo como o conto, mas também a diversos
outros gêneros que estão presentes no meio social em que os alunos estão
inseridos e que exercem diversas funções sociocomunicativas como, por
exemplo, textos do tipo informativo como a notícia jornalística.
Nessa perspectiva, Street (2006, p. 484) discorre que:
Antes de tudo, precisamos primeiramente clarificar e refinar
conceitos de letramento, abandonar o grande divisor entre
“letramento’” e “iletramento” e, em vez disso, estudar as práticas de
letramento em contextos culturais e ideológicos diversos. Em
segundo lugar, temos de começar onde as pessoas estão,
compreender os significados e usos culturais das práticas de
letramento e traçar programas e campanhas com base nelas em
vez de com base em nossas próprias suposições culturais acerca
do letramento.

Para que o docente consiga trabalhar o letramento em sala de aula de
modo a atingir os objetivos a que se propõe que é, como já foi dito,
desenvolver nos alunos a leitura e escrita de forma significativa e
contextualizada despertando assim o senso crítico dos mesmos, é necessário
que antes de mais nada o professor tenha o conhecimento do que de fato é o
letramento. Que desmistifique a ideia que a muito rodeia a sociedade de que
letramento está associado ao conceito de erudição, ou seja, a aquelas
pessoas que possuem um vasto conhecimento e/ou cultura, normalmente,
conseguidos através da leitura e estudos e que possuem o gosto pelo saber.
O

docente

não

pode

empregar

juízo

de

valor

quanto

aos

conhecimentos que os alunos já trazem consigo, ou seja, ao letramento
(conhecimento prévio) que todos já possuem, pois, o letramento está
relacionado às práticas sociais de leitura e escrita, oralidade, conhecimentos
etc., que sujeitos oriundos de diferentes contextos culturais e ideológicos
possuem.

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Nesse pressuposto, ao trabalhar o letramento em sala de aula é
aconselhável primeiro partir dos tipos e níveis de letramento que os alunos já
possuem para que se possa então ampliá-los, ou seja, como já é sabido por
nós é necessário que se considere a realidade (meio social) em que os alunos
estão

inseridos

pois

as

eventuais

dificuldades

e/ou

facilidades

na

aprendizagem dos mesmos estarão relacionadas, ao menos em parte, às
experiências (conhecimentos) as quais os alunos tiveram contato no meio
social e familiar.
Assim, um sujeito que vive em um ambiente familiar letrado digamos
assim, ou seja, cercado de livros de diferentes gêneros, músicas de diversos
estilos etc., e que tenha o estímulo dos pais e/ou demais membros da família
no sentido lê-los por exemplo, no início e durante toda a trajetória escolar terá
mais condições de conseguir êxito durante o processo de ensino e
aprendizagem, ao passo que aquele que antes de ingressar e durante todo o
processo de ensino nunca ou raramente teve esse acesso e estímulo da
família terá mais chances de apresentar dificuldades de aprendizagem.
Desse modo, é imprescindível que o professor ao realizar o
planejamento de suas aulas de língua portuguesa leve em consideração essa
diversidade que se apresenta na sala de aula. Não só no que diz respeito ao
estímulo e acesso que os alunos têm a esses instrumentos de letramento já
mencionados como livros etc., mas também as diversas práticas e eventos de
letramento a que os alunos estão sujeitos, ou seja, aos seus diferentes
letramentos. Pois disso dependerá o (in) sucesso do processo de ensino e
aprendizagem da leitura e escrita.
Assim, ainda nesse contexto, Soares (2003, apud GOMES, 2013, s/p)
esclarece que “letrar assume um papel mais amplo que o de alfabetizar, ou
seja, letrar é ensinar a ler e a escrever a partir de um contexto em que a
escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno em suas
práticas sociais”.

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Em outras palavras, letrar está ligado à condição de ensinar a partir
das práticas sociais de leitura e escrita dos alunos, ou seja, ensinar a partir,
por exemplo, de gêneros discursivos/textuais dos quais os alunos estão mais
familiarizados e que tratam de temas de interesse dos mesmos, assim,
fazendo com que os alunos consigam atribuir significado àquilo que está
sendo ensinado e sejam motivados; já a alfabetização está relacionada com o
ensino do código da língua escrita, com as habilidades de codificar e
decodificar.
Vale ressaltar, contudo, que ambos são processos interdependentes e
indissociáveis, pois, se não houvesse a ligação (conexão) entre o letramento
e a alfabetização (relação entre fonema e grafema) não conseguiríamos
formar leitores e escritores competentes.
Ainda sobre a concepção de letramento, Soares (2002, p.156) relata
que

“[...]

letramento

é

fenômeno

plural,

historicamente

e

contemporaneamente: diferentes letramentos ao longo do tempo, diferentes
letramentos no nosso tempo”. Ou seja, como já foi mencionado não há uma
única definição daquilo que venha a ser letramento, mas sim diversas práticas
sociais de leitura e escrita, oralidade, etc. e os eventos em que essas práticas
são postas em ação, o que é reflexo de sujeitos oriundos de diferentes
contextos culturais e ideológicos.
Desse modo, o letramento tem dentre os seus objetivos, também como
já foi citado, formar cidadãos críticos visando a articulação do sujeito com a
sociedade, atribuindo sentidos e significados à leitura e a escrita, ou seja,
relacionando-as com seu meio social e, assim, despertando o senso crítico
dos alunos. O letramento focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição
de um sistema escrito por uma sociedade.
Nesse contexto, os gêneros discursivos podem ser ótimos suportes
para o letramento em sala de aula, pois, conforme Goulart (2001, p. 11) “os
gêneros do discurso são um repertório aberto e heterogêneo de formas de

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enunciados que foram se organizando, ao longo do tempo histórico,
relacionadas a determinados conteúdos e situações sociais”.
Portanto, devido ao fato de que os próprios gêneros discursivos
refletem essa diversidade de práticas sociais que envolvem a leitura e escrita
e que, por conseguinte, são um resultado do contexto sócio histórico, tornamse instrumentos favoráveis ao desenvolvimento da leitura e escrita de forma
significativa e contextualizada, ou seja, ao letramento em sala de aula.
2.1 GÊNEROS DISCURSIVOS
A primeira noção que se tinha de gênero textual estava relacionada aos
textos literários. Segundo Marcuschi (2008, p.147), a expressão “gênero”
esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos gêneros literários,
cuja análise se inicia em Platão para se afirmar em Aristóteles, passando por
Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade,
até os primórdios do século XX. Com o avanço dos estudos nas áreas da
sociologia, etnografia, retórica, linguística, entre outras, o estudo dos gêneros
textuais vinculou-se, com maior ênfase a ideia de discurso, seja ele oral ou
escrito.
Já não se utiliza a noção de gênero só para a literatura, hoje é
perceptível um grande número de gêneros que surgem com as evoluções
sociais. Assim, os gêneros textuais são instrumentos utilizados pelo homem
para comunicação, e essa comunicação ocorre de acordo com o contexto em
que está inserida.
Se antes utilizava-se de um pequeno número de textos para
comunicação hoje tem-se um grande acervo que se divide em tipos textuais e
gêneros textuais. Os tipos textuais se dividem basicamente em seis, são eles:
narrativo, argumentativo, expositivo, descritivo e injuntivo. Enquanto os
gêneros textuais são inúmeros, listam-se como exemplos: cartas, e-mails,
piada, telefonema, receita, cartaz, homilia, carta comercial, romance, bilhete,

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bula de remédio, aulas virtuais, e-mail, recado, aviso, musica, poema, entre
outros.
Os gêneros textuais são recorrentes no dia-a-dia dos falantes.
Segundo Marcuschi (2008) é impossível não se comunicar verbalmente por
algum gênero. Assim, durante conversas são utilizados tipos e gêneros
textuais para estabelecer a comunicação. Os gêneros surgem da necessidade
humana de organização para que se tenha comunicação eficiente. Quando se
tinha apenas a oralidade existia um número limitado de gêneros, com o
desenvolvimento da escrita e avanços tecnológicos o número de gêneros
textuais existentes aumentou se tornando hoje um número muito extenso.
Marcuschi (2002), ressalta que os gêneros se caracterizam muito mais
por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas
peculiaridades linguísticas e estruturais. Por isso, nota-se que por mais que
se defina o número de tipos textuais não se consegue definir um número
exato de gêneros.
Os gêneros são utilizados para ordenar a comunicação no dia a dia,
por isso eles podem surgir e desaparecer conforme a necessidade de
comunicação humana. Segundo Marcuschi (2002), caracterizam-se como
eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Os gêneros
também podem se modificar conforme a evolução ocorrida na sociedade,
temos como exemplo o gênero carta que com a evolução tecnológica perde
espaço para o gênero e-mail. As mudanças sofridas na sociedade refletem na
existência e formação de novos gêneros.
Vários gêneros textuais passam despercebidos pelos falantes durante
todos os dias, isso acontece porque já estamos acostumados a utilizá-los e
compreende-los.

Segundo

Elias

ouvintes/falantes,

escritores/leitores

e

Koch

(2012,

construímos,

ao

p.54),

todos

nós

longo

de

nossa

existência, uma competência metagenérica, que seria um saber a respeito
dos gêneros que nos permite que haja comunicação. Assim, quando nos
deparamos com textos identificamos a intenção deles através dessa

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competência. Os gêneros fazem parte não só dos nossos textos escritos, mas
relacionam-se também com os aspectos sócio históricos dos falantes.
Os gêneros textuais vão acompanhando a evolução humana e ao
mesmo tempo caracterizam essa evolução. Tornam-se assim objeto não
apenas linguístico, mas cultural necessários para que as relações sociais
sejam estabelecidas, assim como os papeis sociais em diferentes contextos.
Bakhtin (1997) já identificava os gêneros, não apenas por suas
características linguísticas, mas por suas funções sociais e interacionais, por
isso é a partir de sua perspectiva que os gêneros textuais passam a ser
chamados de gêneros discursivos.

Segundo o autor essas construções

linguísticas surgem a partir de situações específicas das esferas sociais.
O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada
uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo
verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua
construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e
construção

composicional)

fundem-se

indissoluvelmente

no

todo

do

enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de
comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros
do discurso. (BAKHTIN, 1997, p. 279).
Com os estudos Bakhtinianos há uma maior compreensão da função
dos gêneros. Ao tratar de gêneros discursivos Bakhtin amplia a ideia da
língua para objeto de construção social, e de como o discurso representa as
esferas sociais. Em seus estudos fica claro que os enunciados refletem as
intenções e finalidades de cada esfera social. As esferas sociais podem ser
entendidas como o espaço social ocupado por determinados grupos de
sujeitos que apresentam aspectos em comum, pode-se considerar, assim,

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que o status ocupado por cada sujeito na sociedade define a que esfera social
esse indivíduo pertence.
Bakhtin (1997, p.281) apresenta os gêneros distinguindo-os em duas
categorias, os primários e os secundários. Os primários, considerados pelo
autor como simples, seriam todos os que constituem uma circunstância de
comunicação verbal espontânea. Os secundários, no entanto, seriam mais
complexos e são construções culturais, como por exemplo a escrita artística e
científica.
Ainda segundo Bakhtin (1997, p.281):
Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários
absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as
espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma
comunicação verbal espontânea. Os gêneros primários, ao se
tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se
dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua
relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos
enunciados alheios - por exemplo, inseridas no romance, a réplica
do diálogo cotidiano ou a carta, conservando sua forma e seu
significado cotidiano apenas no plano do conteúdo do romance, só
se integram à realidade existente através do romance considerado
como um todo, ou seja, do romance concebido como fenômeno da
vida literário-artística e não da vida cotidiana. O romance em seu
todo é um enunciado, da mesma forma que a réplica do diálogo
cotidiano ou a carta pessoal (são fenômenos da mesma natureza); o
que diferencia o romance é ser um enunciado secundário
(complexo).

Com isso, pode-se entender que a formação inicial dos gêneros
discursivos é, contextual, social e linguística. O meio em que o indivíduo está
inserido e as situações que o cercam caracterizam, e ao mesmo tempo, são
caracterizadas pelos gêneros discursivos simples, que em seguida, a partir
desses mesmos aspectos, ganham nova roupagem tornando-se gêneros
secundários.
Sendo formação direta do meio social esses gêneros representam não
só um texto com características linguísticas específicas, mas também esferas
sociais, por isso não há como analisar um gênero discursivo apenas a partir
de aspectos linguísticos. A partir dessa percepção se faz necessário rever as

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formas como os gêneros discursivos vem sendo trabalhado no ambiente de
sala de aula.
2.1.1 Os Gêneros Discursivos como Suporte para o Letramento em Sala de
Aula
A percepção da sala de aula tradicional está ligada a teoria
saussuriana, tendo como base o conteúdo metodológico fixo e imutável, com
isso o que se nota, mesmo com os avanços dos estudos linguísticos, são
formações de sala de aula que prezam pelo conteúdo sem fazer nenhum tipo
de relação entre as teorias e o cotidiano do aluno. Nas aulas de língua
portuguesa é possível notar uma certa aversão dos alunos ao conteúdo, isso
se dá pelo histórico de ensino focado em regras gramaticais dissociadas do
uso da língua. Com isso, o trabalho com gêneros discursivos em sala de aula
tornou-se um grande desafio para o professor.
Um dos principais pontos que podem ser discutidos para um maior
interesse dos alunos e do próprio professor em utilizar essa ferramenta é
trabalhar o gênero discursivo a partir de sua função social, para isso o
professor deve conhecer as especificidades linguísticas e comunicativas de
cada gênero.
Conhecendo os gêneros discursivos, não só seus aspectos linguísticos,
mas sua função social e seu meio de circulação, o professor tem maior
domínio para mostrar aos alunos como o texto está presente no dia a dia, e
que é algo que os alunos já conhecem, no entanto, não haviam percebido
como os textos fazem parte não só do conteúdo escolar, mas do cotidiano
deles. Essa percepção aproxima os alunos do texto estudado quebrando a
visão de que o aprendizado da disciplina de língua portuguesa é algo difícil de
ser alcançado.
Segundo Antunes (2003, p. 15-16):

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Não podemos, não devemos, pois, adiar a compreensão de que a
participação efetiva da pessoa na sociedade acontece, também e
muito especialmente, pela “voz”, pela “comunicação”, pela “atuação
e interação verbal”, pela linguagem em fim. Tivemos, durante muito
tempo, uma escola que favoreceu o mutismo, que obscureceu a
função interativa da língua, que disseminou a ideia de uma quase
irreversível incompetência linguística, o que nos deixou, a todos,
calados e, quase sempre, apáticos.

Todos os falantes nativos de determinada língua já têm domínio sobre
ela, e basta observar como conseguimos transmitir ideias e compreendê-las
através do uso da língua. O ensino da gramática é necessário e é preciso,
todo indivíduo tem o direito de conhecer a fundo a língua que utiliza para
comunicação, para participação na sociedade, no entanto, se para esse
indivíduo a língua culta é apresentava fora de um contexto ele não conseguirá
compreender que se trata da mesma língua que ela utiliza todos os dias,
percebendo como algo distante da sua realidade.
É necessário que o texto seja passado para o aluno em sala de aula de
uma forma que o aluno consiga interpretá-lo através dos conhecimentos
empíricos (contexto), e a partir dessa interpretação entenda os aspectos
linguísticos que já tem contato, mas não sabe conceituar. O professor vai
auxiliar os alunos a realizar a definição dos aspectos dos gêneros discursivos
a partir da interpretação que o aluno já realizou, assim é possível para o aluno
perceber essa relação de uso, facilitando a compreensão.
Após entender que o texto não é apenas um emaranhado de palavras,
o aluno conseguirá ampliar sua compreensão e principalmente interpretação e
compreensão dos gêneros estudados em sala de aula, seus conhecimentos
vão além dos aspectos gramaticais e ganham maior dimensão. É nesse
momento que a sala de aula ganha sentido para o aluno e o professor
consegue, não apenas passar conteúdos, mas aumentar o nível de
letramento de seus alunos.
Como já citado no tópico anterior os gêneros nascem da necessidade
do indivíduo de comunicar algo. Para que o aluno entenda essa necessidade
o professor pode elaborar estratégias para trabalhar os gêneros discursivos

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em sala de aula. Poderia, por exemplo, iniciar as atividades a partir dos
gêneros que surgem em comunicações espontâneas (gêneros primários),
para em seguida partir para os gêneros mais complexos (gêneros
secundários), assim, o aluno pode perceber como as situações sociaishistóricas-contextuais influenciam na formação desses textos. A partir dessa
percepção o aluno torna-se capaz de entender não só a estrutura linguística
dos gêneros, mas sua constituição social, aumentando seu nível de
letramento, sua capacidade de identificar estruturas sociais.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há tempo é sabido que o ensino em sala de aula vai além de
conteúdos independente da disciplina trabalhada nesse ambiente, no entanto,
o que ainda é muito perceptível é uma estruturação tradicional com foco no
conteúdo, descontextualizado da realidade do aluno. Por ser um espaço de
interação de diferentes sujeitos, de formações sociais diversas, e com isso de
níveis de letramentos diversos, a sala de aula sempre será um ambiente
desafiador.
No entanto, quando se tem escolas e professores preparados para
ensinar além dos conteúdos dos livros didáticos é possível realizar a
formação de sujeitos sociais capazes de identificar estruturas sociais, esferas
sociais, entendo como a sociedade se organiza.
Os gêneros discursivos apresentam essa possibilidade de formação
em sua estrutura, pois são textos que surgem na sociedade a partir da
necessidade de comunicação de determinados sujeitos, com determinadas
intenções. Eles apresentam além de estrutura linguística para se trabalhar a
língua portuguesa, estruturas sociais. Quando o professor conhece o gênero
discursivo, sua função e seu meio de circulação, o estudo em sala de aula vai
além do ambiente escolar, ultrapassando os muros das escolas que durante

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muito tempo insistiram em fechar os olhos para as reais necessidades do
ensino.
A partir das discussões apresentadas é possível perceber a
necessidade de se estudar novas estratégias de ensino dos gêneros
discursivos para sala de aula, além de preparar os professores para esse
trabalho. Caminhar com o aluno por essa ponte, entre escola e sociedade, faz
com que o aluno realize novas reflexões sobre os conteúdos estudados,
sobre a necessidade de conhecimento, sobre a formação da sociedade e de
suas estruturas, passando para o mesmo não só conteúdos, mas
aumentando seu letramento.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo,
Parábola editorial, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo. Martins Fontes,
2003.
GOMES, Alexandro Teixeira. Educação, letramento e práticas sociais.
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e
Literatura. Ano 09, n.16, 2013, s/p - ISSN 1807-5193. Disponível em: <
http://www.letramagna.com/art_16_1.pdf>. Acesso em: 9 de abril de 2017.
GOULART, Cecília M. A. Letramento e polifonia: um estudo de aspectos
discursivos do processo de alfabetização. Revista Brasileira de Educação. n.
18,
2001,
p.
5-21.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n18/n18a02>. Acesso em: 2 de abril de 2017.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. Recife: Parábola, 2008.
MOLLICA, Maria Cecília. Fala, Letramento e Inclusão Social. 1.ed, são
Paulo: contexto, 2011.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na
cibercultura. Educ. Soc., vol. 23, n. 81, Campinas, 2002, p. 143-160.
Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 6 de abril de
2017.

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STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre o letramento. Revista de
Filologia e Lingüistica Portuguesa, n. 8, 2006, p. 465-488. ISSN 2176-9419.
Disponível em: <http://revistas.usp.br/flp/article/view/59767/62876>. Acesso
em: 5 de abril de 2017.

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A CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES: o PIBID e os
Cursos de Licenciatura
Stephanie Silva Weigel Gomes
Regina Maria de Oliveira Brasileiro
RESUMO: A presente pesquisa teve como objetivo discutir os saberes
docentes construídos na formação inicial do licenciando a partir das ações
desenvolvidas no PIBID. Trata-se de pesquisa qualitativa, tendo o estudo de
caso como abordagem metodológica. Como instrumento para coleta dados,
foi aplicado um questionário online, utilizando a ferramenta Google Docs. Os
sujeitos escolhidos para essa investigação foram os bolsistas dos cursos de
Licenciatura em Ciências Biológicas, Matemática e Química do Instituto
Federal de Alagoas/ Campus Maceió e da Universidade Federal De Alagoas/
Campus Maceió. A pesquisa está fundamentada nos estudos de Tardif
(2012), Pimenta (1997), Gatti e Barreto (2009), entre outros. Os resultados
mostram a influência do PIBID na formação inicial dos estudantes de ambas
as instituições, o qual contribui diretamente na construção dos saberes
docentes desses bolsistas a partir de suas atuações no programa.
Percebemos também que o PIBID contribui na formação da identidade dos
bolsistas enquanto futuros docentes, auxiliando na criação de novas
metodologias e práticas didáticas.
PALAVRAS-CHAVE: Formação inicial- PIBID- Saberes docentes.
1 INTRODUÇÃO
Discussões a respeito da formação docente começaram a se tornar
mais frequentes no país desde a década de 1990, mobilizando os
profissionais da educação na criação de “ideias” voltadas para um novo tipo
de formação inicial dos sujeitos que atuarão como docentes na educação
básica. Partindo desse princípio, muitas foram as tentativas do governo para o
incentivo da profissão docente, com criações de programas como REUNE,
PARFOR, FIES, PROUNE entre outros.
Atualmente, muitas pessoas deixam de se inserir nos cursos de
licenciatura em função da desvalorização da carreira docente, principalmente
no que se refere as questões salariais da profissão. Gatti e Barreto (2009)
afirmam que salários e planos de carreira pouco atraentes interferem nas

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escolhas profissionais dos jovens e na representação e valorização social da
profissão de professor. As autoras destacam também que vários problemas
que enfrentamos durante a formação inicial, dentre eles, a falta de
conhecimento dos contextos escolares; a pouca formação pedagógica dos
professores formadores; bem como, o não acompanhamento da prática
pedagógica dos licenciandos, entre outras inúmeras dificuldades.
A iniciativa por uma formação acadêmica voltada para a docência é
baseada na criação de conhecimentos pedagógicos, construindo ideologias
especializadas e associadas nos saberes necessários ao exercício da
profissão docente, os quais são discutidos constantemente pelas políticas
educacionais. Segundo Tardif (2012, p. 23):
A formação para o magistério esteve dominada sobretudo pelos
conhecimentos disciplinares, conhecimentos esses produzidos
geralmente numa redoma de vidro, sem nenhuma conexão com a
ação profissional, devendo em seguida, serem aplicados na prática
por meio de estágios ou de outras atividades do gênero. Essa visão
disciplinar e aplicacionista não tem mais sentido hoje em dia.

Nessa perspectiva, os estudantes dos cursos de licenciatura passam
alguns anos assistindo aulas teóricas baseadas em saberes disciplinares; em
seguida vão estagiar sendo arremessados no mercado de trabalho para então
construírem seus saberes experienciais da prática docente.
Percebemos que, de um modo geral, os conhecimentos adquiridos ao
longo do curso não se associam com a realidade escolar de maneira
emergencial, o que se assemelha a momentos de dificuldades encontradas a
partir da experiência inicial do docente, principalmente no momento em que o
sujeito tenta relacionar a teoria com a prática, acarretando traumas aos
licenciados quando se deparam com a realidade. Quando falamos em
formação

docente,

outro

constante

problema

encontrado

é

a

não

consideração das crenças, representações e experiências anteriores daquele
que virá a se tornar professor. Há uma dificuldade em relacionar o ensino com
os demais saberes necessários a prática docente. Esse modelo de formação
de professores tem traçado uma visão linear e distanciada da realidade

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educacional para o licenciando em formação, por esse motivo, Imbernón
(2010, p.63) afirma que:
A formação inicial deve dotar o futuro professor ou professora de
uma bagagem sólida nos âmbitos científicos, cultural, contextual,
psicopedagógico e pessoal, deve capacitá-lo a assumir a tarefa
educativa e toda a complexidade, atuando reflexivamente com a
flexibilidade e o rigor necessário, isto é, apoiando suas ações em
fundamentação válida para evitar cair no paradoxo de ensinar a não
ensinar, ou em uma falta de responsabilidade social e política que
implica todo ato educativo e em uma visão funcionalista, mecânica,
rotineira, técnica, burocrática e não reflexiva da profissão, que
ocasiona um baixo nível de abstração, de atitude reflexiva e um
escasso potencial de aplicação inovadora.

E os cursos de licenciatura, com poucas exceções, continuam
mantendo uma estrutura preconizada, fazendo com que os licenciandos
tornem-se meros transmissores de conhecimentos acadêmicos em um
amontoado de disciplinas, não atendendo para as necessidades dos alunos
da educação básica os quais devem ser formados cidadãos responsáveis por
uma sociedade democrática.
Diante disso, acreditamos que a maior contradição em relação a
criação dos programas até então instituídos pelo governo ocorre quando
temos

ao mesmo tempo um incentivo a profissão docente e por outro lado

há um desestímulo ao insistir em manter a precariedade das escolas públicas,
baixos salários seguidos de excessivas e exaustivas cargas horárias.
Por esses motivos, em 2007, foi lançado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) o Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), entre os objetivos de
tal programa podemos citar, o incentivo a formação de professores para a
educação básica, elevar a qualidade da formação inicial de professores nos
cursos de licenciatura das Instituições de Ensino Superior (IES) e
proporcionar

aos

futuros

professores

participação

em

experiências

metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e
interdisciplinar e que busquem a superação de problemas identificados no
processo de ensino-aprendizagem. (BRASIL,2010)

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Com base nesses objetivos, percebemos que é a partir do surgimento
do PIBID que começa a existir uma direta e significativa presença da atuação
dos licenciandos no contexto escolar com o propósito de elevar a qualidade
da formação inicial. Tardif (2012) defende a valorização dos saberes e
práticas docentes, destacando o fazer na formação inicial do docente, sendo
assim, este considera a escola como um espaço privilegiado de produção de
conhecimento. Diante disso, é considerável que, nos últimos tempos, os
saberes docentes mudaram, em que a escola e os professores passaram a
desenvolver conhecimentos a partir da prática e das condições da profissão.
Os licenciados passam alguns semestres assistindo a aulas teóricas
baseadas em disciplinas e em seguida vão estagiar, com pouca experiência
no mercado de trabalho para então construírem seus saberes experienciais
da prática docente.
Ao entrar em sala de aula, percebemos que na maioria das vezes os
conhecimentos adquiridos ao longo do curso se distanciam da realidade
escolar e não se aplicam bem na ação cotidiana, causando, muitas vezes,
traumas e choques aos licenciados quando se deparam com esta realidade
distante do que foi estudado na universidade.
A partir dessa reflexão, podemos fazer uma breve discussão sobre os
saberes que norteiam a atividade docente. Podemos afirmar, que o saber
docente é diferenciado, ou seja, cada pessoa possui o seu e é determinado
de acordo com a sua área de formação. Porém, Tardif (2012) afirma que esse
saber docente não deve ser somente científico, pois as relações sociais
ligam-se também a ele e daí surgem as experiências vivenciadas por cada
sujeito do ato educativo.
Desta forma, podemos destacar outros tipos de saberes, tais como:
saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares
e saberes experienciais.
Os saberes profissionais são caracterizados por habilidades que
permitem o professor aprender a ser um profissional e que está relacionado

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ao saber docente. Educar, ensinar e se direcionar perante as diferenças
existentes no ambiente de trabalho são situações que caminham com a
formação profissional.
Os saberes curriculares correspondem à metodologia, objetivos e
conteúdos. Por isso esses saberes já possuem formas de serem
determinados e são postos em prática em meio às disciplinas. Já os saberes
disciplinares são mais específicos de acordo com o campo de conhecimento a
ser constituído.
Quanto aos saberes experienciais, estes se adquirem com as
experiências vivenciadas. Segundo Pimenta (2005), alguns elementos
influenciam na aquisição destes saberes, como a análise da reflexão das
teorias e práticas, avaliação própria e de outros, de modo que vão moldando
o jeito próprio de ser professor.
Vale ressaltar que o professor é o criador das possibilidades de
construção do conhecimento. E ainda, que ensinar de uma forma
desvinculada do contexto social em que se insere o aluno, de nada faz
sentido para ele, é preciso uni-lo a tal realidade pois, “o professor ideal é
alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além
de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à
pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência
cotidiana com os alunos” (TARDIF, 2012, p.39).
Considerando o investimento realizado pelo governo federal na oferta
do PIBID e a importância que esse programa tem obtido no cenário da
formação de professores nos cursos de licenciaturas. Em termos gerais, essa
pesquisa tem como objetivo discutir os saberes docentes construídos na
formação inicial do licenciando a partir das ações desenvolvidas no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID.
Para essa investigação optamos por adotar a pesquisa qualitativa, a
qual ressalta mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a
perspectiva dos participantes. Segundo Lüdke e André (2004), nesse tipo de

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investigação supõe-se o contato direto do pesquisador com a realidade a ser
investigada, através do trabalho intensivo de campo.
Dessa forma, “analisar os dados qualitativos significa trabalhar ‟todo o
material obtido durante a pesquisa, ou seja, os relatos de observação, as
transcrições de entrevistas, as análises de documentos e as demais
informações disponíveis” (LÜDKE; ANDRÉ; 2004, p.45).
Além disso, Godoy (1995, p.62-63) enumera quatro características
fundamentais para o procedimento qualitativo em detrimento de outros modos
de abordagem, a saber:
1) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de
dados e o pesquisador como instrumento fundamental;
(2) a pesquisa qualitativa é descritiva;
(3) o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são
preocupação essencial do investigador;
(4) pesquisadores utilizam o enfoque indutivo na análise de seus
dados.

Nesse sentido, a abordagem metodológica utilizada foi o Estudo de
Caso, o qual constitui-se em conhecer o “como” e os “porquês” do objeto
investigado, evidenciando a unidade e a identidade própria desse objeto. É o
olhar do pesquisador sobre a realidade, a fim de descobrir o que há de mais
essencial e característico da situação investigada.
O estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os
pesquisadores procuram responder às questões "como" e "por quê"
certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de
controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesse é
sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de
algum contexto de vida real. (GODOY, 1995, p. 25)

Como

procedimentos

metodológicos

foi

utilizada

a

pesquisa

bibliográfica para fazer o levantamento de todo referencial teórico a ser
utilizado durante a investigação. Além disso, foi feita uma análise dos
documentos referentes a formação inicial de professores em cursos de
licenciatura e ao PIBID (legislação, referenciais, instruções normativas, entre
outros). Mediante as consultas realizadas, foi elaborado um questionário

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como instrumento de coleta de dados, composto de questões abertas e
fechadas, a fim de possibilitar que os sujeitos pesquisados tivessem a
oportunidade de se posicionar de forma crítica sobre as questões.
2 A construção de saberes e o PIBID na formação inicial dos

licenciandos
O PIBID chega no Instituto Federal de Alagoas no ano de 2011,
inicialmente foi inserido nos cursos de Licenciatura em Matemática e Química
do campus Maceió, os quais eram os únicos cursos de licenciatura ofertados
naquele momento dentro do Instituto Federal. Posteriormente, no segundo
semestre do mesmo ano foram inseridos na IES os cursos de Licenciatura em
Letras e Ciências Biológicas, os quais também foram contemplados com
bolsas do programa. Atualmente o programa atende aos alunos do cursos de
licenciatura da modalidade presencial e à distância do campus Maceió, além
disso também são contemplados os cursos de licenciatura

modalidade a

distância ofertados nos polos do IFAL em cidades do interior de Alagoas.
Na Universidade Federal de Alagoas, o PIBID chega no ano de 2008,
sendo inserido nos cursos de Licenciatura em Química, Ciências Biológicas ,
Física e Matemática. O programa foi crescendo de acordo com a abertura de
novos editais, e atualmente contempla todos os cursos de licenciatura da
UFAL, modalidade presencial e quatro cursos a distância sendo estes todos
Pedagogia UAB. O PIBID UFAL está distribuído entre os cursos de
licenciatura do campus Maceió, e os demais campi e polos existentes da
Universidade Federal pelos interiores do estado.
As palavras de Tardif (2012) definem os saberes docentes como
temporais em três sentidos. O primeiro, surge a partir do ensino que foi
absorvido sobre o ensino que provém de sua história de vida e de
experiências escolares. A temporalidade também está presente nos primeiros
anos de prática profissional, relacionada com a sobrevivência na carreira, pois

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é durante esse período que os professores estabelecem suas rotinas de
trabalho e estruturam sua prática. E por fim, os saberes docentes também são
temporais no sentido em que se desenvolvem no âmbito de toda uma
carreira, um processo de vida profissional de longa duração.
Sendo assim, buscamos através do questionário investigar os saberes
docentes que foram adquiridos pelos licenciandos após a entrada deles no
PIBID. Para isso, inicialmente, caracterizamos o perfil desses discentes para
compreender quem são eles e os cursos de licenciatura que os mesmos
pertencem, até então 39 bolsistas haviam respondido o questionário.
Inicialmente foram levantados os dados dos alunos do IFAL e mediante as
perguntas determinadas tivemos como dados obtidos que cerca de 35,9% dos
bolsistas que pertencem ao curso de licenciatura em química, 35,9% ao curso
de licenciatura em matemática e os outros 28,2% ao curso de Ciências
Biológicas. Cerca de 69,2% é do sexo feminino e 48,7% dos bolsistas estão
classificados na faixa etária entre 21 e 25 anos. Foi possível constatar que
46,2% dos bolsistas participam do programa no período entre 12-24 meses.
Por fim, 76,9% dos bolsistas até então não tinha experiência em sala de aula
até o momento de ingressar na iniciação à docência, nem se quer experiência
com estágio.
Como dados obtidos com os bolsistas da UFAL para a caracterização,
temos como resultados que dos 11 alunos que participaram da pesquisa
81,8% dos alunos está compreendida na faixa etária de 21 a 25 anos, 54,4%
é do sexo masculino, 54,5% está cursando Ciências Biológicas, 18,2 %
licenciatura matemática e os demais pertencem ao curso de licenciatura em
química. Também foi observado que 63,3% dos bolsistas faz parte do
programa entre 12 e 24 meses e que 54,5% não havia entrado em sala de
aula antes de ingressar no programa.
Quanto aos motivos que levaram os bolsistas a participar do PIBID, foi
observado que os motivos são quase todos em comum, sendo assim foram
gerados os seguintes gráficos: Gráfico 1

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

IFAL
8%

2%

8%

41%

8%
Experiência como futuro docente
Visão docente na escola pública
10%

A bolsa como incen;vador da formação docente e da permanência no curso
Aprender a profissão docente
Incen;vo de amigos e familiares/ Experiência de amigos
13%
Desenvolver
habilidades e realizar pesquisas
10%
Ser colaborador do processo ensino-aprendizagem/ Formação diferenciada
Preparação para o estágio supervisionado

Fonte: Dados coletados durante a pesquisa
Gráfico 2

UFAL
27%
37%

9%

Adquirir experiência

27%
Obter novas metodologias

A bolsa

Fonte: Dados coletados durante a pesquisa

Por um melhor processo de formação

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

Podemos observar que em ambas as IES os bolsistas buscam
ingressar no PIBID para obter experiência profissional, isso fica mais evidente
ao analisarmos algumas das respostas dadas pelos bolsistas32:
“A vontade de conhecer sobre o dia a dia do professor, ganhar
experiência para ser uma boa profissional.” ( Bolsista 19, IFAL)
“A experiência docente proporcionada pelo projeto”( Bolsista 36,
IFAL)
“Necessidade de experiência com a prática docente.” ( Bolsista 5,
UFAL)
“Aproximação com a experiencia da docência” (Bolsista 8, UFAL)
“Ter uma formação diferenciada, o PIBD pode ser que proporcione
este objetivo, entender na prática o que é ser professor mesmo
antes de minha formação, sair do contexto apenas teórico e me
inserir no prático, sentir a educação pública por dentro e daí ter a
minha própria base para discutir com segurança quando for
necessário para expor o meu ponto de vista sobre a mesma, e
encontrar soluções para possível problemas que possa surgir”.
(Bolsista 14, IFAL)

Sendo assim, percebemos que há uma preocupação dos alunos em ter
uma socialização com a escola a qual será o ambiente em que estarão
inseridos durante toda vida profissional, dessa forma, concordamos com
Freitas (2002, p.156) sobre a socialização profissional como o contato do
licenciando com o contexto escolar “constitui-se na aprendizagem dos
valores, crenças e formas de concepção do mundo, próprios de uma
determinada cultura ocupacional”. A socialização profissional é caracterizada
pela inserção do futuro docente ao seu campo de atuação, envolvendo assim
um processo de aculturação profissional.
Em Schon (1987) percebemos que, a partir do momento em que a
prática é tomada como objeto de reflexão, acontece a reflexão sobre a ação,
que se refere a uma ação mais sistemática permitindo análise e a
reformulação da prática. É o olhar introspectivo e proativo sobre a ação de

32

Utilizamos recuo, itálico e fonte 12 para dar ênfase às respostas dos bolsistas investigados.

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

forma que seja possível analisar o que aconteceu e qual foi o significado que
foi atribuído aos acontecimentos,
Dessa forma, os bolsistas também foram questionados a respeito da
contribuição do PIBID

em suas práticas enquanto futuros

docentes, na

perspectiva de que o programa deve contribuir na construção de saberes a
respeito da prática docente:
“Minha identidade quanto professora ainda está em formação e o
PIBID ajuda com certeza a nos encontra quanto sujeito profissional.
Ele fortalece atitudes que já obtivemos em nossa trajetória
profissional e nos dá novos caminhos a serem descobertos e com
isso temos uma formação inicial de qualidade visando sempre a
qualidade no ensino”. (Bolsista 14, IFAL)
“Sim, pois a forma diferenciada a qual é abordada as práticas
pedagógicas no PIBID os remete inovar cada vez” (Bolsista 15)
“Melhorou bastante, com o PIBID pude estimular a pesquisa de
diversos assuntos da química profundamente, muito além do que
vimos na sala de aula.” (Bolsista 11, UFAL)
‘’Sim. Vivo procurando novas soluções, jogos ou dinâmicas, que
favoreçam cada vez mais no processo de ensino-aprendizagem dos
alunos da rede pública de ensino. O local mais fértil no Ifal para tal
fim é no laboratório de ensino superior, lá existem n possibilidades
com a criação de novos materiais didáticos manipuláveis. Para
otimizarmos a compreensão nas atividades de ensino, precisamos
contextualizar mais e teorizar menos” (bolsista 33, IFAL)

Consideramos que essa produção de saberes pode ser ampliada, não
se sendo restrita apenas à sua prática, mas a todo o seu campo de atuação e
às relações pessoais e profissionais que o permeia (PIMENTA; LIMA, 2011).
Uma produção de saberes, pois os professores se relacionam com os
conhecimentos sempre visando a uma ação prática (TARDIF, 2012).Por essa
razão, os bolsistas foram questionados a respeito da relação dos mesmos
com a comunidade escolar, pois a partir de uma boa convivência e de uma
compreensão do meio em que estão situados, esta contribuirá numa maior
efetividade em suas respectivas práticas docentes. A partir das respostas
obtidas foi possível concluir que:

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Vol. 01

Gráfico 3

Relação dos bolsistas com a comunidade
escolar
8%

2%

44%

46%

Ó;ma

Boa / agradável / legal

Saudável/Prazeroso

Horrível

Fonte: Dados coletados durante a pesquisa
Gráfico 4

Relação dos bolsistas com a comunidade
escolar
9%

18%

9%
9%

Ó;ma

18%
Saudável/Prazeroso

37%

Relação de proximidade

Boa
Sem bloqueio e com respeito ao próximo
Ainda não concreta

Fonte: Dados coletados durante a pesquisa
Com o auxílio de Pimenta (1997), sabemos que o professor vive em
constante aprendizado e que os saberes docentes provenientes da prática

p. 351
ISSN 1981-3031
Vol. 01

profissional são adquiridos no decorrer de toda a carreira docente. Pensando
na prática docente que os licenciandos vêm adquirindo durante a realização
de suas atividades no Programa, eles foram questionados se o PIBID
contribui na formação dos saberes docentes em sua formação:
“Sim. Ele traz a proposta da prática, traz meios de trabalhar de
forma mais dinâmica, traz a intenção de conhecer melhor esse
meio, em como planejar, em como escolher uma melhor
metodologia, para mim o PIBID foi um estágio mais prolongado,
onde eu pude provar mais do que é ser professor.” (Bolsista 7,IFAL)
“Sem sombra de dúvidas; no desenvolvimento de atividades
passamos a nós perceber dentro da escola, vivenciamos momentos
importantíssimos e até participamos da tomada de algumas
decisões. Esses momentos nos permitem construção de saberes e
também nos fazem perceber o que realmente é ensinar. Os saberes
adquiridos em sala de aula são confrontados com a prática e nos
fazem ter um novo olhar sobre o que realmente se entende por
educação” (bolsista 34, IFAL)
“Sim, afirmo. O programa tem sido a oportunidade perfeita de
aplicar de verdade tudo que vemos na universidade, de vivenciar de
verdade e entender com mil vezes mais clareza o que a literatura
pedagógica diz. Além disso é vida real, a prática docente vista de
perto. Isso com certeza me deixou mais preparado e ajudou a
acumular experiencias que levarei para sempre” ( Bolsista 1, UFAL)
“Sim...pois prepara o discente a futura carreira docente ..mostrando
os impasses e soluções que tem preparando assim para a vida na
sala de aula.” (Bolsista 33,IFAL)
“Afirmo com toda certeza. O PIBID é um dos instrumentos, senão o
mais importante, para o nosso crescimento enquanto licenciandos.
Ele nos proporciona uma preparação do que iremos encontrar após
o término do curso. O PIBID é a bússola dos licenciandos.” (Bolsista
28,IFAL)
“Sim, pois a construção dos saberes é contínua” (Bolsista 35,IFAL)
“Sim, porque com ele fomos para a prática do ensino mais cedo e
estimulamos para uma formação diferente do futuro docente ( nós),
formação está com uma visão lúdica, interdisciplinar, que presa a
qualidade e não a quantidade, etc.( Bolsista 11, UFAL)
Sim, uma vez que o aluno está envolvido nas atividades do PIBID,
ele fica mais próximo das ações que ele deverá tomar como futuro
docente.”( Bolsista 7, UFAL)

Entendemos que a formação inicial, sozinha, não consegue formar um
profissional preparado para exercer a profissão docente, que é vista por

p. 352
ISSN 1981-3031
Vol. 01

Alarcão (2011) como uma profissão cheia de dilemas capazes de gerar
incertezas às reais funções do professor no cotidiano escolar.
Entretanto, tal formação é de fundamental importância na inserção do
futuro licenciado no campo de trabalho. Sendo assim, a experiência adquirida
pelos licenciandos bolsistas participantes do PIBID, certamente, contribuem
para amenizar o choque com a realidade do professor no início de sua
profissão docente e para que os mesmos compreendam não só como
funciona o ambiente escolar, mas que tenham noção de como é associar a
teoria com a prática no próprio ambiente escolar. Veiga (2008), afirma que a
docência é uma atividade profissional completa pois requer saberes
diversificados. Isso significa reconhecer que os saberes que dão sustentação
à docência, exigem uma formação profissional numa perspectiva teórica e
prática, formação essa que os bolsistas vêm experimentando com resultados
positivos.
Na perspectiva de Tardif (2012), sobre os saberes docentes ele explica
que os saberes profissionais dos professores são temporais, plurais e
heterogêneos, personalizados e situados, e carregam as marcas do ser
humano. Visto que esses saberes se compreendem por analisar as tarefas
direcionadas, conforme sua aplicabilidade, ação em função dos recursos
vistos em sua prática.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das entrevistas realizadas e levando em consideração o tempo
de vigência do PIBID dentro das instituições e dos próprios bolsistas, fica
evidente a contribuição do programa na formação inicial desses licenciandos.
Foi possível observar que a maioria dos bolsistas quando ingressaram
no curso de licenciatura nunca tinham entrado em contato com uma sala de
aula atuando como docentes, e que ao ingressar no programa, os

p. 353
ISSN 1981-3031
Vol. 01

licenciandos conseguiram entender como tudo o que aprendem em seu curso
pode ser aplicado e vem sendo utilizado dentro de uma escola como um todo.
Entendemos que a formação do futuro profissional da educação passa
a ser muito mais significativa, quando ele compreende o que é de fato sua
profissão e começa a socializar com os profissionais ou futuros profissionais
da mesma área, agregando mais valores e, auxiliando na formação da
identidade docente do indivíduo e fazendo com que mesmo lance um novo
olhar para o ensino.
Dessa forma, concluímos que não basta apenas ter o conhecimento
específico de sua área, é necessário refletir sobre as necessidades
metodológicas do ensino e compreender a complexidade do processo de
ensino-aprendizagem, para que os saberes docentes passem a ser
construídos numa perspectiva de ação-reflexão da prática educativa do
licenciando.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Portaria nº 72, de 9 de abril de 2010. Dispõe sobre o Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à docência. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 abr. 2010. Disponível em: <
https://www.capes.gov.br/images/stories/download/diversos/Portaria72_Pibid.
pdf >. Acesso em: 04 de jul. 2016.
BRASIL. Resolução CNE/CP n° 01, de 18 de fevereiro de 2002. Institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, cursos de licenciatura, de
graduação plena. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivi/htm>.
Acesso em 05 jun. 2015.
FREITAS, M. N. V. Organização Escolar e Socialização Profissional de
Professores Iniciantes. Cadernos de Pesquisa, n. 115, março/ 2002.
Disponível em:. Acessado em: 04 Jul. 2016
GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S. Professores do Brasil: impasses e
desafios. Brasília: UNESCO. 2009.

p. 354
ISSN 1981-3031
Vol. 01

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades.
Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63,
mar./abr. 1995.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a
mudança e a incerteza. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2010.
LÜDKE, M; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
8.ed. São Paulo: EPU, 2004.
PIMENTA, S. G. Formação de professores – Saberes da docência e
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PIMENTA, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 4.ed.
São Paulo: Cortez, 2005.
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 6ª
edição, 2011.
SCHON, D. A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1987
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 14ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2012.
VEIGA, I, P, A., Docência como atividade profissional. In: VEIGA I, P, A.,
D´ÁVILA, C. Profissão Docente: novos sentidos, novas perspectivas.
Campinas – SP: Editora Papirus, 2008. 176p.

p. 355
ISSN 1981-3031
Vol. 01

A CRIANÇA E O LÚDICO: relatório de observação de
crianças em atividade livre
Nivan Ferreira de Lima
nil.f-@hotmail.com
Sandra da Silva Soares
sansoaresgata@hotmail.com
Resumo: A criança e o lúdico Relatório de observação de uma criança em
atividade Livre. Foi um trabalho desenvolvido como requisito avaliativo da
disciplina de jogos recreação e brincadeiras, cujo principal objetivo foi o
desenvolvimento de um trabalho de observação e a elaboração de um
relatório, sobre a orientação do professor Paulo Nin Ferreira. Buscando
entender como o lúdico está diretamente ligado ao desenvolvimento infantil. E
ainda analisamos a forma como a criança elabora as brincadeiras livres, as
estratégias e como conseguem separar o lúdico da realidade. E a parti desta
observação e analise de crianças em plena atividade lúdica sem a
interferência, podermos entender como a atividade lúdica pode ser utilizada
por educadores na ministração do ensino de forma a promover o
desenvolvimento da aprendizagem. Em nossa pesquisa buscamos respaldo
teórico nos autores: Corsaro, Wallon, Haddad, Winnicott, Vigotsky. Estes
analisados durante o desenvolvimento do trabalho bem como durante o
semestre.
Palavras chaves:
Aprendizagem.

Criança-

Desenvolvimento-

Brincadeira-

Ensino-

1- Introdução
As crianças têm a brincadeira como algo sério e de muita
importância em sua vida, para ela brincar é algo tão importante como o é para
o adulto o trabalho. Ela considera o brincar como fundamental. Não é
necessário se aprofundar muito para perceber isso. Em uma rápida
investigação podemos perceber que a criança brinca em todo momento, sem
se incomodar com o mundo a sua volta. Correr, jogar bola, pular corda, jogar
amarelinha são exemplos de atividade que faz parte do universo infantil. E

p. 356
ISSN 1981-3031
Vol. 01

assim em atividade lúdica ela vai usando a sua criatividade e raciocínio. E por
sua imaginação, cria personagens dar a esses a interpretação que melhor lhe
agrada. Quando observamos uma atividade livre desenvolvida por uma
criança percebemos que cada aspecto de sua brincadeira é criado com um
realismo impressionante, mesmo se tratando do improviso, da brincadeira
sem regras pré-estabelecida. Mais que mostra muito do seu imaginário, como
também do seu universo social, suas práticas e costumes, bem como as
influências do meio em que vivem.
E por meio dessas influências elas desenvolvem suas ações,
tornam objetos do mundo real e os inserem em suas brincadeiras, mas
percebe-se que elas sabem discernir o que é real daquilo que só existe no
seu imaginário. Isso ocorre quando a criança se encontra em um estagio de
desenvolvimento avançado e a parti do domínio das brincadeiras e do
discernimento que ela consegue fazer, entendendo que aquilo que estar
fazendo não é real mais que naquele momento serve para incrementar a sua
imaginação lúdica. E assim elas estruturam as suas brincadeiras de forma
que vão sendo introduzidos novos elementos, brincadeiras nascem e logo são
abandonadas, para serem mais bem estruturadas ou dar lugar a uma nova
forma de brincar, com os mesmos brinquedos, mas com uma nova
abordagem, dando a eles novos nomes e criando outros personagens. E
desta forma essas brincadeiras vão contribuído para o seu desenvolvimento e
permitindo que novas descobertas ocorram por meio de sua criação lúdica.
Assim com objetivo de vê qual a importância da atividade lúdica
para a criança e como esta contribui com seu desenvolvimento intelectual.
Como também percebermos a forma que as crianças desenvolvem as
brincadeiras livres, as suas estratégias e como conseguem separar o lúdico
da realidade.
Não nos limitamos a observar só o grupo de três crianças, mas
sempre que possível estivemos a analisar outras crianças, de diferentes
idades em brincadeiras livres. No entanto a base do nosso trabalho veio da

p. 357
ISSN 1981-3031
Vol. 01

observação desse grupo de crianças que inicialmente nos propomos a
observar.
A metodologia seguida nesse trabalho foi à pesquisa qualitativa por
meio de um trabalho de campo durante a nossa formação no curso de
Pedagogia pela a universidade federal de Alagoas- UFAL, como parte do
desenvolvimento da aprendizagem na matéria jogos recreação e brincadeiras.
Onde desenvolvemos um relatório a parti da observação de crianças em
plena atividade lúdica, sem a interferência de ninguém, com o objetivo de
podermos desenvolver um relatório.
Durante esse trabalho vamos apresentar trechos da fala das
crianças presenciadas durantes as observações e vamos trazer ideias dos
autores, Corsaro, Wallon, Haddad, Winnicott, Vigotsky, com o objetivo de
entender melhor a importância das atividades lúdicas para crianças e
entender como elas podem ser utilizadas na educação infantil.

2- A criança e o lúdico

Ao Percebermos a forma como a criança leva a sério a brincadeira
nos impressiona. Durante todo o tempo em que estivemos a observar as
crianças brincando com bonecas de casinha de panelinhas e etc. percebemos
que em suas imaginações os brinquedos ganham vidas, como se existissem
de verdade. Como uma das meninas, fingi ser a mãe da criança, isso é da
boneca. A comida é servida e os sabores e tipos são variados. Como por
exemplo: sorvete, suco de acerola, macarrão e etc. a pesar de que na
verdade naqueles pequenos pratos não haver nada, a ideias era fingir que
estavam cheios de algum tipo de alimento. Estes sempre relacionados com o
que faz parte do dia a dia das crianças. Nesse meio tempo somos incluídos
nas brincadeiras e acabamos participando do faz de conta. Como

p. 358
ISSN 1981-3031
Vol. 01

degustadores das comidas feitas por elas. E provando os vários sabores
proposto nas brincadeiras de faz de conta desenvolvidas por elas.
Essa nossa conduta de participar da brincadeira, fingindo dar
credibilidade a livre imaginação da criança no faz de conta é o
que wallon (2007), chama de cumplicidade do adulto quando finge acreditar
no que a criança propõe na sua criatividade, desenvolvendo uma peça de
ficção proposta pelo autor da brincadeira. Neste caso à criança.
Outro ponto que podemos perceber é o fato de nesta idade, seis e
três anos, a criança já consegue discerni o que é real e o que é
ficção. Wallon (2007) afirma que as crianças não se iludem com a sua criação,
uma vez que elas sabem discerni com clareza o que é real e o que existe
apenas na sua imaginação. Podemos observa isso durante as brincadeiras
propostas pelas crianças, que embora pudesse falar em comida de verdade
em momento algum elas confundem a comida de brincadeira com comida de
verdade.
Esta atividade de faz de conta é o que Haddad (2012), chama de
atividade de segundo grau onde o sujeito finge que um objeto qualquer é
outro, tendo consciência de suas ações. E, portanto se o correr uma situação
aonde ela venha a brincar com um alimento real, por exemplo: um biscoito,
estará utilizando uma atividade de primeiro grau no desenvolvimento de uma
ação do segundo grau. O que não anula a sua consciência do primeiro grau.
Que faz parte do mundo real, com suas regras e realismo. Ela apenas se
utilizou de um elemento para envolvê-lo em sua atividade de brincar. Essa
consciência ficou claro quando elas encerram as brincadeiras e deixam de ser
mãe e filha e passam a serem quem são de fatos, coleguinhas, cada uma
com os seus brinquedos e suas famílias.
De um modo geral segundo Haddad (2012), a criança desde cedo
sabe discerni o que faz parte do mundo real ou que existe apenas no seu
imaginário. Isso é a atividade de primeiro grau embora seja utilizada na sua

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Vol. 01

imaginação

ela,

por

volta

de

três

anos

de

idade

consegue

diferenciar. Vigostski (1999). E esse reconhecimento é fundamental para ela
no seu desenvolvimento intelectual, uma vez que as regras reais se
sobrepõem ao lúdico. Haddad (2012), explica que uma criança brinca de
super-herói sem, contudo voar, uma vez que o primeiro grau lhe impõe que
este não tem condição de desenvolver tal atividade. E dessa forma por mais
criativa que seja a sua imaginação o sujeito vive dentro de limitações imposta
pelo primeiro grau.
Dessa forma podemos encontrar na criatividade imaginativa da
criança

uma

associação

com

a

realidade

isso

por

quer

segundo Wallon (2007), as atividades que a criança desenvolve nas suas
brincadeiras muitas vezes ela já presenciou no ambiente em que vive. E
então traz essa rotina para as suas brincadeiras por meio da imitação, ou da
recriação da rotina diária.
Na brincadeira de fazer comidinha elas imitam o seu dia a dia,
quando presenciam as atividades de cozinhar de suas mães. O cuidado com
o boneco fingindo ser a sua mãe, por a fralda como se ele fosse um bebê,
real. É uma atividade muito vivenciada por ela, uma vez que a sua irmã
cuidou, anteriormente de um bebe e até os cinco anos de idade ela mesma
usara fraldas e uma de suas coleguinhas ainda usa e necessita de cuidado e
proteção por ser menor. Outro ponto visível foi perceber que outras crianças
sempre estavam por perto, filhos de vizinhos de diferentes idades, e que de
alguma forma faz parte da rotina diária, das observadas.
Então nas atividades de brincar a criança geralmente começa pela
situação imaginaria, sendo que essa situação sempre estará ligada a algo
vivido por ela em algum momento da vida Vigotsky (1999). De forma que a
situação imaginaria não se desenvolve do nada, uma vez que assim que ela
começa a entender o mundo ao seu redor, presencia atividades nas suas
vivencias diárias. E então irá reviver na forma lúdica. As lembranças de
situações vividas por ela mesma e que vão sendo aprimoradas nas

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brincadeiras. Tendo no brinquedo um suporte para a sua atividade de
brincadeira que na mão dos pequeninos ganham novos significados.
Outro autor que trata da questão do ambiente como meio
determinante nas escolhas das brincadeiras é Corsaro (2011). Que vai
descrever além do ambiente familiar o papel que tem a mídia, através dos
desenhos, filmes e etc. a literatura infantil e os personagens mitológicos,
como papai Noel e as bruxas. Entre outro que segundo esse autor são as
primeiras fontes na cultura simbólica da criança. Que de modo maravilhoso
vai transformar e aperfeiçoa os personagens dando diferentes formas aos
seus criativos personagens. E pode-se acrescenta a esses o espaço social
que proporciona uma infinidade de materiais para a imaginação da criança. E
ainda outros personagens como, reis e rainhas e mais personagens de
desenhos infantis, ou de super-herói, de onde elas tiram os personagens e
reinventam, dando-lhe nova vida. Corsaro (2007).
Já Winnicott (1971), destaca a relação familiar como a relação
cultural no espaço em que esta vive. Todas essas influências são geralmente
vivenciadas na sua infância nas relações sociais e familiares. E segundo esse
autor tudo o que a criança desenvolve nas brincadeiras são práticas que ela
vivenciou anteriormente, no entanto é preciso que haja da parte dos que deles
cuidam a disponibilidade do espaço, cumplicidade e oportunidade para
executar aquilo que ela imaginou nas brincadeiras.
Durante cada etapa das atividades desenvolvida pelas crianças
observadas foi percebido que essas são carregadas de um realismo e de uma
seriedade, onde não se admite que nada nem ninguém as atrapalhem. Isto é,
parece ser algo muito sério e verdadeiro, que elas desenvolvem com
maestria. Demonstram irritação quando alguém interfere em sua atividade de
brincar. Então podemos perceber o quanto essa atividade é para ela
significativa, como se estivesse desenvolvendo uma atividade necessária
para a vida. Tudo feito de forma impressionante.

p. 361
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Em um momento ela trocar a fralda da boneca, com um realismo
de quem sabe o que estar fazendo. Finge se irritar com a boneca e promete
dá-lhe umas palmadas. Toda essa atividade foi muito interessante e rica em
detalhes. E parecia estarmos diante de verdadeiras artistas que interpretam
uma peça teatral. Ou de uma mãe trocando a fralde de seu bebe. E nem se
incomodaram com a nossa presença.
Durante a brincadeira chegou outra coleguinha e trouxe consigo
vários bonecos e panelinhas e a brincadeira foi incrementada com papéis de
mãe e filha além de brincar de cozinha. E em um momento desenvolveram
um diálogo com as bonecas e uma com a outra, muito rico para nossa
observação: “vamos fazer as compras no mercado”. “oxe bebê não me faça
lhe dar umas tapinhas” (falando com a boneca). “A comida estar pronta,
venha filha comer!”. “Mãe vou botar sua comida tá?” (falando com a outra
coleguinha). “vou botar com o garfo, tá?” “tá bom” (respondeu). Nesse trecho
podemos

vê

uma

interação

e

uma

cumplicidade

entre

elas

que

para wallon (2007), corresponde a um estágio mais desenvolvido de que o
primeiro estágio, onde as brincadeiras não tem uma consciência critica isso é;
o movimento pelo movimento, em alguns casos sem controle desses
movimentos, no caso dos bebês. E por isso não exige uma elaboração. Ao
passo que podemos ver no diálogo acima uma constante criatividade típico de
uma interpretação mais complexa na brincadeira.
Outro importante aspecto aqui apresentado é o relacionamento
entre elas, como se desprendem dos seus brinquedos e os compartilham uma
com a outra. Como se fossem um só. Os brinquedos se misturam, mas elas
reconhecem o que é de cada um. Sabendo exatamente que aquele não lhe
pertence. E então todos brincam sem que isso gere conflito. E quando a
brincadeira acaba cada uma das meninas levam o que é seu para casa, sem
que ninguém queira brigar pelo que pertence ao outro, o que mostra um
amadurecimento nas relações, nesta idade, pois geralmente com as crianças

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menores, pode eventualmente ocorrer disputa pelo brinquedo do outro e gerar
conflito.
Esse pensamento é também defendido por Vigotsky (1999), onde a
criança menor de três anos de idade é apontada como não sendo capaz de
desenvolver o lúdico na forma apresentada por uma criança de uma idade
maior, como as nossas pesquisadas. E então pode levar mais a sério cada
aspecto da brincadeira, sem o entendimento do que é lúdico, ou real. Essa
afirmação ele faz baseado nas observações de Lewin, onde a reação de um
bebe é apontado como ocorrendo seguindo orientações ou de acordo com as
interações e situações que lhes são apresentadas. Ao passo que a criança
que desenvolve a criatividade, o improviso faz muito e mais em virtude
daquilo que ela tem em sua mente.
Em alguns momentos foi possível presenciarmos pequenos
conflitos do tipo; “não quero mais brincar com você”. Só para logo depois
voltarem atrás e continuar na brincadeira. Na verdade a ameaça serve mais
para fazer valer a sua vontade e fazer com que a outra siga uma regra que
ela mesma criou em meio às brincadeiras. Essa ação das crianças
observadas está de acordo com o que diz Wallon, (2007). Quando afirma que
a negatividade em relação às brincadeiras ocorre sempre que alguém quebra
as regras do jogo. E assim abanar o jogo promovendo o que ele chama de
ruptura devido o descontentamento de ambos os envolvidos na brincadeira ou
jogo.
Outro ponto importante que percebermos é que as crianças
constantemente

estão

mudando

brincadeiras.

Isso

ocorre

porque

segundo Wallon (2007), essa é uma fase ainda negativa em que acriança se
cansa rapidamente. E por isso constantemente ela vai alterando as
brincadeiras e o ambiente, adicionando novos elementos nas suas ações e
buscando novos espaços. E embora vá alterando a forma de brincar nunca
abandona

completamente

a

que

começou

anteriormente

mais

vai

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reinventando

e

dando

novos

sentidos

ao

que

propôs

fazer

no

inicio. Wallon (2007).
Essa forma de brincar foi presenciada em vários momentos pelos
observadores onde em um dado momento elas concordam em brincar de
panelinhas e logo depois insere na brincadeira um passeio de boneca pela
rua, fingindo ser o shopping. E assim a brincadeira que inicialmente foi
proposta toma rumos completamente diferentes. De forma que em cada
momento novas formas de brincar vão surgindo. E assim vão passando mais
e

mais

tempo

em

atividade

livre.

E

ai

vale

destacar

o

que

para Vigotsky (1999) a criança dar sentido diferente a os objetos e coisas na
sua ludicidade. Isso é ela vai dar vida e significado, criar personagens que
existem de coisas aparentemente sem sentido. Sem sentido para o mundo
real. Mas importante no seu imaginário. Tornando a brincadeira cada vez
mais intensa e interessante. E nesse momento, para as duas garotas, um
simples pedaço de pano se transforma em uma linda coberta para proteger o
bebe do frio. (a boneca). Ou quando uma caneta se torna em um bebê
protegido e falante.
É importante notar como para elas brincar com um boneco criado
por si mesmo, a parti de objetos que foram descartados pelos seus pais ou
com um brinquedo que fora comprado, é tratado de forma diferente. Com os
objetos

que

eles

transformam

em

brinquedos

desenvolvem

muitos

personagens e uma variedade de brincadeiras, ao que parece, pelo fato
destes objetos não terem uma identificação, como por exemplo, um boneco
do zorro, que já tem uma fama e uma identidade definida e influencia
diretamente sua imaginação. Eles acabam tentando repetir ações que já
presenciaram. Já os objetos transformados em brinquedos ora pode ser
um lindo bebê ora será um avião, um homem trabalhador ou uma linda mulher
que educa e dar bronca nos seus filhos.
Dessa forma o imaginário da criança vai se desenvolvendo e as
brincadeiras vão surgindo e desaparecendo. Para Vigotisky (1999) a atividade

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ISSN 1981-3031
Vol. 01

lúdica tem sua importância para o desenvolvimento infantil. Para a criança
brincar é algo prazeroso e que lhe produz uma grande satisfação. Chegando
a ser esse prazer generalizado. O que segundo ele a criança não entende
mais isso ocorre de forma espontânea e não há um intelectualismo da criança
no desenvolvimento das mesmas. Ela simplesmente brinca com naturalidade.
E assim vão se desenvolvendo intelectualmente. Uma vez que as
brincadeiras vão sendo cada vez mais criativas e elaboradas, demonstrando o
domínio da situação. Vigotisky (1999).
Para Haddad (2012), essa ludicidade pode ser utilizada como
instrumento pedagógico. Isso é possível quando na educação, o educador faz
uma intervenção direta. Por meio da sugestão de brincadeiras para as
crianças desenvolvendo atividades, ou providenciando materiais que vão
sugerir brincadeiras, ou incrementar a que a criança já começou. Ou ainda
por meio da intervenção complementar, que ao invés de fazer uma
intervenção de forma clara, promove situações que enriquecerá as
brincadeiras dos sujeitos. De forma que desenvolvam aprendizagens
significativas para cada criança.
Com o pensamento de usar a ludicidade como ferramenta
educacional Haddad (2012), propõe que para o desenvolvimento infantil a
brincadeira deve ser usada como um fim em si mesmo. Onde são
providenciados materiais e espaços adequados deixando a criança escolher
os brinquedos e o tipo que irá usar em sua atividade. Essa brincadeira é
utilizada como lazer que ocorre como uma forma de extravasa as energia, só
recrear.
Já nas atividades de brincadeiras com um fim pedagógico, os
educadores procuram conduzir essas atividades com um fim definido. No
entanto a brincadeira com um fim em si mesma é considerada como aquela
que contribui de forma especial para o desenvolvimento da criança. Uma vez
que nesta se promove a possibilidade da criatividade lúdica da criança sem a

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interferência do adulto. E assim pôde exercitar as suas habilidades e se
enriquecer intelectualmente.

3- Considerações finais

Com base em tudo que presenciamos e nos textos consultados,
podemos concluir que a brincadeira lúdica no universo infantil contribui para o
desenvolvimento intelectual da criança. Mais também desenvolve aspectos
sociais importantes, como o compartilhamento de brinquedos e a criatividade.
As aprendizagens que ela realiza por meio das brincadeiras contribuem com o
desenvolvimento intelectual e proporciona melhor relacionamento com outras
crianças.
Essas atividades livres são importantes e o professor pode se
utilizar de brincadeiras como forma de desenvolver aprendizagens para a
criança por meio de atividades dirigidas que irão contribuir com aspectos
específicos do ensino e do desenvolvimento infantil.
Para isso podemos pensar nas rotinas e atividades comuns, dos
pais e do meio onde a criança está inserida, uma vez que estas dão subsídio
para as brincadeiras, podem nos levar a pensar em atividades que contribua
com a aprendizagem escolar dos pequenos. As crianças tende a imitar as
suas realidades. Atividades sempre ligadas ao universo familiar; Mãe, filha,
pai, carro, passeios e etc. podem dar subsídio a varias abordagem
educacional.
Mais também é importante entendermos aspectos únicos da
criança, como por exemplo; o não ficarem por muito tempo desenvolvendo a
mesma atividade e estarem sempre mudando de brincadeiras. Por isso será
sempre necessário fazermos a rotatividade de ações criativas, para manter a
atenção da criança e alcançar os objetivos que se pretende, no campo

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ISSN 1981-3031
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educacional. Essa é uma ação que reque do educador criatividade e
planejamento, como também ações bem planejadas para que se possam
guiar os indivíduos aos objetivos que se deseja chegar.
Assim para educadores da educação infantil utilizar a brincadeira
como ferramenta de educação, facilita a aprendizagem e dinamiza o ensino.
Para

isso deve-se organizar

espaços

adequados

para

a

criação

de

brincadeiras livres, além de se pensar em fazer intervenções pedagógicas
para facilitar a aprendizagem, alcançando o objetivo pretendido.
Dentre as muitas brincadeiras podemos utilizar os jogos e a
brincadeira de pular amarelinha e ensinar matemática. Podemos pensar em
uma atividade de interação com o meio ambiente como plantar uma árvore,
uma horta e ensinar ciências. Atividades que despertem atenção da criança e
que podem proporcionar uma aprendizagem significativa.

Referencias:
CORSARO, Willian A. Sociologia da Infância. Porto alegre: Artmed,
2011.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
HADDAD,
Lenira. Jogos
infantil. Mimeo. UFAL, 2012.

e

brincadeiras

na

educação

WINNICOTT, Donald Woods. A localização da experiência Cultural. O
brincar e a realidade. Rio de janeiro; Imago, 1975. P. 133-143.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. A brincadeira e o seu papel no
desenvolvimento psíquico da criança. In: Revista Virtual de Gestão de
Iniciativas Sociais, Abr, 2007 (publicada em jun, 2008). Disponível em
<http://www.ltds.ufrj.br/gis/anteriores/rvgis11.pdf> acesso em: 14 de set,
2013.

p. 367
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A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A
RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO
Ely Quintela Lisboa Carvalho
elyqlcarvalho@hotmail.com
Ermans Quintela Carvalho
ermans_carvalho@hotmail.com
RESUMO: Este artigo aborda a relevância da psicologia da educação para a
manutenção da qualidade do ensino e aprendizagem do discente e na relação
professor e aluno, assim como demonstra a contribuição da psicologia, em
interação com a educação, na resolução de alguns dilemas e desafios
existentes no ambiente escolar. Busca compreender e encontrar soluções
para os percalços existentes na educação contemporânea relativos às novas
formas de intervenções negativas, externas à atividade escolar, e que são
prejudiciais à aprendizagem do alunado. Há necessidade de fazer da
educação uma intervenção psicológica, de forma a tratar todos de maneira
isonômica, uma vez que no desenvolvimento psicológico do educando, os
conhecimentos cognitivos, emocionais, afetivos, corporais e psíquicos são
essenciais para seu crescimento social. O papel da educação atual é criar
condições para que a escola possa atuar junto aos gestores, educadores, e
todos que compõem o corpo docente da escola de maneira a contribuir para a
formação da sociedade. A dinâmica deste estudo contribui para que os
educadores no âmbito escolar possam compreender melhor a importância da
psicologia como um instrumento de transformação humana necessária para a
construção da aprendizagem e solução de problemas existentes na
educação.
PALAVRAS-CHAVE:
Aprendizagem.

Psicologia

Educacional

-

Professor/Aluno

-

1 INTRODUÇÃO
Inicialmente podemos dizer que a relação psicologia e educação vêm
destacando pontos fundamentais na relação entre ensino e aprendizagem no
âmbito educacional, isto apontando o vinculo existente entre conhecimento e
comportamento humano.

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Na educação moderna, podemos dizer que é fundamental observar os
pontos em que a psicologia pode contribuir com seu papel e conhecimento ao
longo da história. E em consequência disto, analisar se o comportamento
interfere no desenvolvimento psicológico no âmbito escolar.
Neste aspecto, analisando a história da educação na intencionalidade
do comportamento humano, objetivando esclarecer a aplicabilidade desse
comportamento, encontramos que a psicologia educacional se mostra como
fator importante nessa correlação. Neste sentido, Albuquerque (2014, p. 17)
apresenta importantes pontos no seu livro A Agulha e A Linha e na relação
psicologia e educação aponta que “a escola é o instrumento criado para
otimizar o sistema produtivo e a sociedade a que ele serve”.
Vale aqui apontar que, o presente estudo tem como objeto indicar a
concepção de educação atual em sua vertente do conhecimento da psicologia
que tem por importância a concepção de que a psicologia acarreta mudança
na visão do ensino e aprendizagem.
Desta maneira, a psicologia entra na escola, e embora apresente
algumas alterações não reconhecidas na relação psicologia e educação ao
longo da história (ALMEIDA & GUZZO, 1992) a influência da psicologia
educacional

tem

muito

a

contribuir

nesta

relação

professor/aluno,

ensino/aprendizagem.
Desse modo, nos pontos que direcionam o presente estudo
encontramos as seguintes indagações: como o professor pode lidar com este
processo em seu fazer pedagógico? O conhecimento do entendimento entre
professor e aluno contribui para o ensino e aprendizagem? A psicologia pode
contribuir para a transformação do conhecimento no entendimento do
comportamento do aluno? A psicologia do educador interfere na psicologia do
educando?
Em análise das questões anteriormente expostas, levamos em
consideração a visão de alguns autores que contribuem para o entendimento

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Vol. 01

da psicologia da educação, considerando tanto a relação professor e aluno,
quanto a relação ensino e aprendizagem.
Contudo, vale dizer que o presente estudo objetiva apontar a
necessidade de fazer da educação uma intervenção psicológica, onde a
compreensão transite de maneira a tratar todos de forma isonômica e
igualitária, buscando discorrer sobre o conceito psicológico da educação,
identificando o problema psicológico no âmbito educacional na correlação
professor/aluno, apontando a psicologia na relação ensino/aprendizagem.
Ademais, com relação à metodologia aplicada neste estudo, vale aqui
mencionar que foi realizada mediante revisão de literatura de caráter
descritivo, por meio de um levantamento bibliográfico em livros, artigos,
dissertações e teses disponíveis no meio físico e eletrônico.
Foram utilizados como critérios de inclusão: material bibliográfico sobre
a psicologia da educação, o ensino e aprendizagem, relação professor/aluno,
conceitos psicológicos no âmbito educacional, e a viabilidade da satisfação de
uma sociedade cuja cultura dinamize o ensino em seu conhecimento
intelectual.
Vale, por fim, mencionar que o desenvolvimento do presente trabalho
está direcionado para a temática maior em que corresponde à problemática
na relação professor e aluno, em que enfatizamos esta relação no ato da
aprendizagem do educando, em que se contextualiza a educação como base
da teoria do conhecimento humano, no qual são discutidos todos os pontos
relevantes das questões na relação professor/aluno.
2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A interdisciplinaridade entre a psicologia e a educação se torna
evidente ao perceber a importância da relação entre elas. No ambiente
educacional, muitas vezes a psicologia pode não ser percebida, mas está
sempre interligada à aprendizagem e à relação professor-aluno.

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É possível denominar a psicologia da educação como uma sub-área da
psicologia, pressupondo esta última como área de conhecimento, e tem como
vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico
constituinte do processo educativo. (ANTUNES, 2008).
Para que a psicologia seja inserida na escola, é preciso compreender
as necessidades existentes no processo educativo que advém tanto do meio
interno, isto é, com o funcionamento da parte pedagógica e psicossocial da
instituição, quanto da realidade social externa, geralmente influenciadora na
conduta dos estudantes.
Antunes (2008) traz uma compreensão acerca de como a psicologia se
insere na educação, vejamos:
Que seja uma psicologia capaz de compreender o processo ensinoaprendizagem e sua articulação com o desenvolvimento,
fundamentada na concreticidade humana (determinações sóciohistóricas), compreendida a partir das categorias totalidade,
contradição, mediação e superação. Deve fornecer categorias
teóricas e conceitos que permitam a compreensão dos processos
psicológicos que constituem o sujeito do processo educativo e são
necessários para a efetivação da ação pedagógica. (ANTUNES,
2008).

O aluno é a figura central no ambiente escolar e de principal
direcionamento nas práticas psico-educacionais, de maneira que o seu
desenvolvimento

psicológico,

através

dos

conhecimentos

cognitivos,

emocionais, corporais, afetivos e psíquicos, é essencial para o seu
crescimento social e intelectual.
Visto que a psicologia possui subsídio para sanar alguns problemas de
relacionamento entre o professor e o aluno, sua inserção na escola é de suma
importância para dar suporte ao corpo docente, uma vez que a formação
pedagógica dos profissionais inseridos no ambiente escolar, em alguns casos,
não se mostra suficiente para sanar os problemas de ordem psicossocial.
Dentre as situações problemas que surgem no ambiente escolar
atualmente e que necessitam de um acompanhamento psicológico na

p. 371
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educação temos, por exemplo, o uso de drogas por parte dos alunos e
também alguns casos de mutilações.
Sendo assim, a escola precisa buscar alternativas que possam
solucionar as situações problemas, em outras palavras, a psicologia deve
assumir seu lugar como um dos fundamentos da educação e da prática
pedagógica, contribuindo para a compreensão dos fatores presentes no
processo educativo a partir de mediações teóricas "fortes", com garantia de
estabelecimento de relação indissolúvel entre teoria e prática pedagógica
cotidiana (ANTUNES, 2008).
3 A PROBLEMÁTICA NA RELAÇÃO PROFESSOR – ALUNO
3.1 INTRODUÇÃO À RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
A postura do professor em torno de quem ensina e de quem se
aprende é um fator importante no processo aprendizagem. Quanto à relação
professor/aluno, acredita-se ser ela o eixo principal para a construção do
conhecimento seja no plano individual, seja no coletivo.
Além de sua repercussão, recai tanto no fracasso escolar como no
sucesso, como também por entender a necessidade de um estudo eficaz
sobre o assunto. Acredita-se que o educador precisa estar consciente da
necessidade de propiciar ao aluno uma aprendizagem significativa.
Nessa relação, é preciso compreender as mudanças no modo de
aprender e de como o professor deve passar essa experiência.
O professor fala da realidade como se esta fosse sem movimento,
estática, separada em compartimentos e previsível; ou então, fala
de um tema estranho à experiência existencial dos estudantes:
neste caso sua tarefa é “encher” os alunos do conteúdo da
narração, conteúdo alheio à realidade, separado da totalidade que a
gerou e poderia dar-lhe sentido. (FREIRE, 1979, p.40).

p. 372
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Desta maneira, não há como centrar o ensino apenas no professor ou
apenas no aluno, como se fossem únicos e separáveis, uma vez que essa
ligação faz parte da relação pedagógica, porque o aluno não aprende de
modo singular, nem o professor ensina para um vão vazio.
A

aprendizagem

ocorre

quando

os

aspectos

pedagógicos

e

psicológicos se encontram em sintonia, em uma relação de interdependência,
para que haja uma aprendizagem significativa.
Nesse entendimento, o aluno constrói sua própria cidadania ao
conectar os aprendizados conteudistas ao seu conhecimento empírico. Assim
ele se sente protagonista do processo ensino-aprendizagem, notando a
importância de interagir ativamente no processo, tornando o espaço da sala
de aula mais prazeroso.
O professor possui o papel de orientar a construção do conhecimento
do aprendiz, de maneira a interagir com o aprendente e o objeto do
conhecimento por meio de uma ação pedagógica participativa, ao permitir e
oferecer condições para que ele se auto-realize e avance em sua
aprendizagem. Sendo assim, o conteúdo só humaniza se produzir uma efetiva
alteração de comportamento.
Há quem acredite não ser possível determinar o que acontecerá na
estrutura cognitivo-emocional, em razão da clausura operacional constitutiva
do ser, mas compreende a influência múltipla e recíproca entre educadores e
educandos. (MATURANA, 1999). Em sala de aula a autoridade deve consistir
numa prática orientadora e amiga na vivência educativa. Existe diferença
entre a autoridade, aquela exercida pelo professor e por meio de acordos
entre os alunos e o autoritarismo, que seria uma imposição. (MORAIS, 1933).
Vale salientar a importância da conexão afetuosa entre professor e aluno,
sem deixar de considerar, na relação pedagógica, a hierarquia em que o
professor é autoridade de forma participativa e democrática.

p. 373
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3.2

PROFISSÃO

DOCENTE:

INTRODUÇÃO

À

PROBLEMÁTICA

CONTEMPORÂNEA
O professor atualmente encontra grandes desafios ao buscar o
aprimoramento de suas habilidades, isto, quando objetivam atuar dentro e
fora da escola. Neste sentido, aponta Amaral (2010 p.28), “o professor deve
ser capaz de ensinar, o que implicaria na transformação das informações em
conhecimento”.
Assim podemos dizer que o professor tem como objetivo ensinar, ou
seja, necessita encontrar caminhos que melhor possibilitem este processo. No
entanto, os diferentes núcleos de pesquisa em educação e ensino, trazem a
tona diferentes temáticas, porem em seu núcleo, existe um desejo comum de
se formular melhores meios para a educação nacional, isto para os indivíduos
que participam nos diferentes espaços educativos.
Neste contexto encontramos Tardif (2002, p.54), ao analisar em sua
pesquisa o pensar do professor com o intuito de compreender seus saberes,
mostra que, conhecimento docente é um “saber plural, formado de diversos
saberes provenientes das instituições de formação profissional, dos currículos
e da prática cotidiana”.
3.2 INTERAÇÃO PROFESSOR E ALUNO NA VISÃO DE ARROYO
Aqui, encontramos nos ensinamentos de Arroyo (2000), a questão da
interação de professor e aluno, isto ao elucidar o oficio de mestre quando ele
remonta memórias de que transmitir conhecimento é o mesmo que ensinar,
usufruir do pensamento do homem acerca da ideia de que a educação
transforma o homem em cidadão crítico e portador da verdade.
Vale dizer que, apesar de sua dinâmica em indicar sua perspectiva
relacionada à educação sob o ensino aprendizagem, Arroyo (2000) também
ressalta os problemas encontrados pelo professor ao desenvolver o

p. 374
ISSN 1981-3031
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conhecimento proposto para este ensino, ou seja, enfatiza em seu falar, que
“o trabalho e a relação educativa que se dá na sala de aula e no convívio
entre educadores/educandos traz ainda as marcas da especificidade da ação
educativa” (ARROYO, 2000, p. 19).
Neste diapasão, Arroyo (2000) discuti que os professores, devem
exercer junto ao aluno um papel muito maior do que simplesmente o de
transmissores de conteúdos. Vejamos:
A categoria tem colocado todos os seus esforços em melhorar as
condições materiais e de trabalho nas escolas [...] para que
cheguem a ser espaços mais humanos. O grave das condições
materiais e de trabalho das escolas não é apenas que é difícil
ensinar sem condições, sem materiais, sem salários, o grave é que
nessas condições nos desumanizamos todos. Não apenas torna-se
difícil ensinar e aprender os conteúdos torna-se impossível ensinaraprender a ser gente. (ARROYO, 2000, p.64)

No sentido de possibilitar uma reflexão mais acurada sobre as
condições de formação e trabalho do professor, o autor destaca que “a
infância pode ser a grande educadora dos seus mestres e pedagogos”
(ARROYO, 2000, p. 251). Complementa ainda que, para haver uma
compreensão mais clara sobre as imagens e autoimagens referentes à
condição docente, é necessário também que os professores, nessa busca e
afirmação de identidade, voltem não apenas para as experiências adquiridas
em suas próprias infâncias e adolescências, mas que acompanhem e
compartilhem genuinamente as vivências e experiências de seus alunos, tão
importantes quanto às do professor no velho binômio ensino e aprendizagem.
Para tanto, o desafio que se coloca é a busca da identidade como
escola, de acordo com seu contexto, suas características, clientela, sem
perder de vista ao mesmo tempo o objetivo mais amplo: formar cidadãos que
atuem e participem na construção de uma nova ordem social. Para eliminar o
risco de trocar o contemporâneo pelo cotidiano, a reflexão sobre o currículo
tem o papel crucial de buscar o significado dos conteúdos de ensino e das
práticas desenvolvidas.

p. 375
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Nesta perspectiva, não se busca um modelo único de escola, mas
analisar que fatores contribuem e como eles se combinam para tornar
possível a existência de uma escola democrática, que garanta para todos os
seus alunos a aprendizagem do saber socialmente considerado relevante
(LUCKESI, 2011).
3 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Inicialmente podemos dizer que a relação professor-aluno está
interligada com a psicologia ao notar os laços educacionais existentes entre
educador e educando no ensino-aprendizagem.
Neste sentido, podemos dizer que a psicologia deve ser considerada e
respeitada no processo de ensino-aprendizagem. Em seu âmbito educacional
é compreendida como agrupamento de saberes que buscam esclarecer e
subsidiar a prática pedagógica, se apresentando necessária para os
educadores. Dessa concepção decorre uma assimilação de que a prática
pedagógica tem como cerne esse processo de aprendizagem, cuja finalidade
é proporcionar o efetivo desenvolvimento do aluno, em todos os aspectos que
o forma como sujeito singular e também como integrante do gênero humano,
sem desvencilhar a compreensão de que o educador, como sujeito
transformador do processo educativo, é necessário para que haja mudanças
efetivas das políticas de formação inicial e continuada (ANTUNES, 2008).
Há ainda os que não veem de forma totalmente positiva o papel da
psicologia na educação (ANTUNES, 2008). Esses acreditam que a inserção
no âmbito escolar pode direcionar o pensamento do alunado para práticas
“estranhas”

às

vivenciadas

em

casa,

quando

na

verdade

esse

acompanhamento busca compreender os fatores que abalam a aprendizagem
e saná-los, para um maior aproveitamento na vida escolar.
3.1. OS DESAFIOS NA APRENDIZAGEM DO ALUNO

p. 376
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Adentrar na necessidade de investigar os fatores propiciadores de
bem-estar físico e psicológico dos alunos é uma abordagem feita pela
literatura psicológica sobre os aspectos interventivos na relação professoraluno (GUNTHER, 1993). Noutro ponto, ao considerar os aspectos
psicológicos atinentes ao âmbito escolar encontramos também a problemática
das interferências negativas na prática educativa, de modo a compreender os
fatores de risco e prejudiciais à aprendizagem. Os critérios negativos são
abordados mais enfaticamente no presente trabalho.
Nesse contexto encontramos a situação de fracasso do aluno, a qual
se apresenta como sendo uma das consequências concebidas por esse
problema. A noção de fracasso escolar direciona para fenômenos originados
de uma ausência, uma negação, uma interferência. Em outras palavras, o
fracasso escolar pode ser concebido como o não ter, não ser, como um
desvio, ou também uma experiência que o aluno vive e interpreta da sua
forma (CHARLOT, 2000, p.17).
Em outra perspectiva, ainda no tocante às intervenções negativas
existentes no âmbito escolar, a psicologia educacional se apresenta como
ferramenta para a compreensão de como elas ocorrem e de que modo é
possível buscar soluções para os dilemas apresentados.
Assim, para a melhor compreensão, temos que, conforme ensina
Albuquerque (2014, p.128), os problemas no âmbito escolar, como apontam
as pesquisas, originam-se de prejuízos causados pela violência, existente
muitas vezes nos lares, e que prejudica nesta fase primordial do
desenvolvimento humano. Assim, encontramos que a violência familiar
aumenta o desenvolvimento de problemas de comportamento, os quais se
encontram cada vez mais presentes na vida dos educandos. Neste sentido,
adentramos nos fenômenos empíricos presentes na concepção trazida pelos
fatores externos, ou seja, fatores estes vivenciados no dia-a-dia e
influenciadores na relação professor-aluno.

p. 377
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Nesse sentido, Dantas (1997) traz a concepção de Wallon acerca de
um erro comum cometido pela escola:
A escola comete erros porque desconhece as características do
funcionamento da mente humana em suas fases de
desenvolvimento, erra por não conhecer conteúdos culturais que
possam contextualizar concretamente os alunos, e erra, ainda, por
desconhecer as histórias de vida de cada um (DANTAS, 1997).

Destarte, chegamos aos problemas escolares relacionados ao uso de
drogas, álcool e demais substâncias entorpecentes que causam dependência,
os quais, cada vez mais são percebidos no convívio escolar. Vale dizer que o
consumo destas substâncias se tornou um problema relevante a partir da
década de 80, isso quando levantamentos nacionais foram realizados acerca
do uso de materiais psicoativos nas escolas, isto das redes estaduais de
ensino (BASSOLS, 2003). Podemos assim destacar que a escola deve
capacitar-se para enfrentar as drogas, isto porque, de uma forma ou de outra
seus alunos acabam entrando em contato com elas. Nesta perspectiva
relacionam-se também os professores e os pais, que por sua vez devem
buscar aperfeiçoamento junto à escola para prevenir que seus filhos venham
a ser mal influenciados pelo uso dessas substâncias.
Outro

fator

que

interfere

na

relação

professor-aluno

e

consequentemente na aprendizagem são as manifestações de violência.
Severnini (2007) expressa de maneira bastante elucidativa tal questão:
[...] as manifestações de violência dentro e nas proximidades das
escolas estão induzindo comportamentos nos agentes da educação
que se contrapõem às metas de melhoria da qualidade do ensino.
Mais ainda, eles indicam um aprofundamento da desigualdade de
desempenho dos alunos, já que os mais prejudicados com a
violência são os que têm as piores proficiências. Como sabemos
que a educação é um elemento fundamental para a geração de
renda, isso tenderia e tornar a sociedade ainda mais desigual.
Assim, aliar investimentos em educação com investimentos em
programas de combate à violência pode ser uma maneira eficaz de
promover a inclusão social e a redução da desigualdade.
(SEVERNINI, 2007, p.26).

p. 378
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Portanto,

devemos

dar

uma

maior

ênfase

na

questão

do

relacionamento entre a escola e a família no trato com os educandos, em
outras palavras, escola e sociedade devem estar conectadas para que
possam gerar resultados no combate às drogas e a qualquer outra
interferência externa negativa no ambiente escolar, possibilitando assim que
os alunos possam apresentar um melhor desenvolvimento intrapessoal,
interpessoal e na aprendizagem do educando.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se a enorme importância da temática abordada no presente
artigo, por uma série de fatores anteriormente apontados, e dentre estes
fatores encontramos a psicologia da educação, que é fundamental não
apenas para manter a qualidade do ensino e aprendizagem do educando, isto
na relação professor/aluno, mas também se mostra essencial quando temos
como objetivo mostrar a relevância da interação na busca pela efetivação da
aprendizagem na educação.
Além disso, levou-se em consideração um conjunto de variáveis que
perpassam os conteúdos emocionais e racionais que são objetos da
psicologia, bem como a relação entre professor e aluno no processo de
ensino e aprendizagem.
Assim, podemos apontar que no terceiro capítulo do presente trabalho,
exploramos a problemática do estudo e algumas consequências como
produto da relação entre professor e aluno.
Ademais,

vale

ressaltar

que

conforme

apontam

os

autores

mencionados no presente artigo, ficou demonstrado que o educador precisa
estar apto a lidar com determinadas situações que são refletidas pelo papel
que cada um ocupa. É importante mencionar ainda que não é fácil o
desenvolvimento destas temáticas, isso sem que a práxis pedagógica venha a
interferir em sua estrutura, porém, foi possível se entender a relação existente

p. 379
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entre mestre e aprendiz quando se observou o respeito que se deve ter na
troca de conhecimentos.
Desta forma, podemos notar o papel da escola, em destaque, o do
professor, que é fundamental para auxiliar na análise que temos da relação
para o ensino e aprendizagem do aluno, isto porque, como foi observado no
presente estudo, a construção oriunda da mútua relação entre professor e
aluno, em que ficam vinculados o conhecimento transmitido e a assimilação
deste ensinamento, se tornam bastante claros.
Fica demonstrado assim, que a escola deve sempre estar preparada e
também capacitar seus profissionais para que esses possam se aperfeiçoar
cada vez mais em sua atuação pedagógica, isto direcionando à relação
professor e aluno.
Ainda neste sentido, podemos mencionar que para educar é preciso
que

o

professor

aprendizagem,

formule

objetivando

determinadas

situações

conquistar

efetivo

o

significativas

de

desenvolvimento

de

habilidades cognitivas, psicomotoras e socioafetivas. É de fundamental
importância que a formação do educando seja visualizada como um ato
incompleto, o qual sempre pode sofrer alterações.
Portanto, percebemos que é a partir da aprendizagem que se
transforma a maneira do aluno agir no mundo, tendo em mente que a relação
educador/educando não é apenas para a transmissão de conteúdo disciplinar,
mas também de conhecimentos ligados à conduta da vida, por isso é
importante salientar a construção de uma relação psicológica e afetiva entre
professor e aluno objetivando o real desenvolvimento humano e a solução de
seus desafios.
Ademais, no tocante à psicologia humana, podemos destacar sua
importância e contribuição para o entendimento de todos aqueles que
trabalham na área da educação, pois o estudo desta temática esclarece que a
psicologia pode ser considerada como o conhecimento que possibilita a
transformação humana, visto que normalmente aqueles que fazem parte da

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educação trabalham com diferentes vivências, bem como intervenções
externas que influenciam no comportamento do discente, como por exemplo o
uso de drogas e mutilações.
Neste

contexto,

entender

a

perspectiva

psicológica

de

cada

comportamento humano irá colaborar com a relação professor/aluno, seja no
relacionamento educacional interno ou externo, tendo como exemplo o
combate às interferências no processo de aprendizagem decorrentes de
problemas emocionais oriundos da relação familiar e social de forma geral.
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AFETIVIDADE E PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:
análise das narrativas de alunos de uma sala do EJA
Elenice Monteiro Soares Araújo
elenicemonteirosoares@hotmail.com
RESUMO: O artigo aqui apresentado tem como objetivo abordar a
“afetividade” na relação professora-alunos/as da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) em Maceió/AL, observando como as ações de afetividade se
desencadeiam no processo de ensino-aprendizagem. Para os fins de
pesquisa lançou-se mão da aplicação do método da análise de narrativas,
visando também analisar os perfis dos sujeitos alunos da EJA da pesquisa
deste trabalho, estudando como são marcadas e demarcadas suas histórias
de vida e reconstruindo-as para, com os suportes da Psicologia da Educação,
identificar elementos que possam abranger os conhecimentos sobre o campo
de pesquisa da afetividade na educação. Assim, nos deparamos com as
estruturas narrativas, a partir das dinâmicas sócio-históricas e da linguagem,
trazidas pelos alunos da EJA e, a partir delas, apontamos como a afetividade
é construída e quais propriedades ela pode ensejar. A delimitação espacial do
campo da pesquisa, isto é, o locus que serve como espaço de execução
metodológica para a geração dos dados a respeito da afetividade, com suas
marcas e demarcações nas narrativas dos sujeitos alunos, é a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Lindolfo Collor, localizada à Avenida
Governador Theobaldo Barbosa, no conjunto Dique Estrada, no bairro do
Vergel do Lago, em Maceió, capital de Alagoas. A turma que embasou nossa
pesquisa foi a da 1ª fase, que apresenta 18 alunos, sendo que 14 frequentam
mais assiduamente as aulas e 04 alunos de forma mais esporádica. Esta
turma mostrou-se aberta a participar da pesquisa, bem como a professora.
Nas demais turmas tanto as professoras quanto os alunos esquivaram-se de
participar, alegando um número grande de alunos faltosos, o que dificultaria o
bom andamento do trabalho. Dessa forma, a investigação foi desenvolvida
com a turma supramecionada da qual foi realizada a coleta de dados para a
elaboração dos resultados, conclusões e propostas do presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Afetividade. Psicologia
da Educação.

1 INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado tem como proposta investigativa a
categoria “afetividade” na relação professora-alunos/as da Educação de

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Jovens e Adultos em Maceió/AL, observando que ações a afetividade
desencadeia no processo de ensino-aprendizagem, mediante a aplicação do
método da análise de narrativas.
Buscamos também analisar os perfis dos sujeitos alunos da EJA da
pesquisa desta dissertação, estudando como são marcadas e demarcadas
suas histórias de vida e reconstruindo-as para, com os suportes da Psicologia
da Educação, identificar elementos que possam abranger os conhecimentos
sobre o campo de pesquisa da afetividade na educação.
Assim, nos deparamos com as estruturas narrativas, a partir das
dinâmicas sócio-históricas e da linguagem, trazidas pelos alunos da EJA e, a
partir delas, apontamos como a afetividade é construída e quais propriedades
ela pode ensejar.
Primeiramente, apresentamos as delimitações de campo e a base
conceitual que sustentou a pesquisa. São entendimentos necessários a
respeito do trabalho que foi feito e a respeito do que tratamos: a afetividade
na educação. Também explanamos a sala de aula da EJA onde se encontram
estudando, até o momento de finalização desta dissertação, os sujeitos da
pesquisa.
Em seguida, fizemos as explicações a respeito do tema afetividade,
realizando um levantamento teórico sobre o tema. Também abordamos sobre
o método empregado: a análise de narrativas, quais foram nossas propostas
metodológicas e como se deu a estruturação das entrevistas narrativas.
Por conseguinte, as considerações finais são destinadas aos
resultados das aplicações em campo. Nesta parte constam as explanações
sobre os sujeitos alunos da EJA pesquisada com as análises das narrativas
apresentadas nas entrevistas. Também se mostrou necessário realizar uma
aproximação das narrativas dos alunos com as narrativas da professora para,
assim, concluir uma tessitura sobre a afetividade no processo de ensinoaprendizagem.

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2 A AFETIVIDADE NA EJA
Neste artigo, pensamos não só a Educação de Jovens e Adultos –
EJA, como também a afetividade como categoria que pode ser apresentada
com estruturas narrativas pelos alunos da EJA. O objeto de pesquisa
estudado foram as estruturas narrativas da afetividade no processo de
ensino-aprendizagem a partir de sujeitos alunos da EJA, numa escola da
periferia de Maceió/AL.
A EJA é uma modalidade de ensino33 que se liga diretamente à
Educação Básica, portanto se encontra enraizadamente pesquisada nas
linhas de História e Política da Educação. No sistema de ensino brasileiro, a
EJA se põe legalmente por seu caráter de reparação34 de falhas que se
configuraram, ao longo do tempo, em decorrência das desigualdades
(FURTADO, 1964, 1966).
Pensar a afetividade em EJA, então, é algo inovador no cenário da
pesquisa em Educação Brasileira, já que o que se conhece por afetividade na
educação provém massivamente dos campos de investigação na Educação
Infantil (CACHEFFO, 2010, 2012). Mas é na e pela Educação Básica35 que a
EJA se desenvolve, seja do Ensino Fundamental, seja do Ensino Médio.
33

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/96 legitima a Educação de
Jovens e Adultos – EJA como modalidade de ensino do sistema educacional brasileiro. Cf.
BRASIL. Senado Federal. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.
34
Essa função foi oficialmente reconhecida mediante o Parecer CNE/CEB nº 6/2010, que,
depois de homologado, apreciado e aprovado, fundamentou a Resolução CNE/CEB nº
3/2010, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos
aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA;
idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio da Educação a Distância. Cf. BRASIL. Ministério da Educação.
Resolução nº 3/2010, de 15 de junho de 2010. Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Básica. Brasília: Diário Oficial da União, 16 de junho de 2010, Seção 1, p. 66.
35
A nivelação do ensino brasileiro é instituída em Educação Básica e Educação Superior. A
Educação Básica normal comporta a Educação Infantil (creches e pré-escolas); o Ensino
Fundamental (que atende crianças de seis a 14 anos de idade, desde a alfabetização – 1º
Ano, até o ensino multidisciplinar – como Ensino Fundamental I, que vai até o 5º Ano, e
Ensino Fundamental II, que vai do 6º ao 9º Ano); e o Ensino Médio, como etapa pré-requisito
ao acesso à Educação Superior, se ocupando dos ensinos no 1º, 2º e 3º Anos. A Educação
Superior é alicerçada pela Graduação e pela Pós-Graduação, lecionadas segmentadamente

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O Ensino Médio normal, por exemplo, para nos situarmos das faixas
etárias, atende jovens adolescentes dos 10 aos 19 anos de idade. Já a EJA
se dispõe a abarcar adolescentes dos 15 aos 17 anos para o Ensino
Fundamental e, somente, a partir dos 18 anos de idade para o Ensino Médio.
Paiva (2009), elencando os sentidos do direito à educação para jovens
e adultos afirma que, na EJA, se manifesta uma vergonha pela inadequação
da execução dos estudos pelos alunos ao tempo considerável certo. Esta
consideração do que seria adequadamente certo vigora de acordo com a
legislação educacional brasileira, com a expectativa social que fomenta e
dialoga com a lei e com a expectativa econômica, a qual parece figurar como
determinante de condições à inserção no sistema de ensino.
Fávero e Freitas (2011) reforçam esse enfoque econômico e apontam
que havia amplo apoio no passado, tanto à Alfabetização de Jovens e
Adultos, quanto ao financiamento e liberação de verbas para o pleno
funcionamento da EJA, o que foi diminuindo com o passar dos anos.
Andrade (2009, p. 39) chega a mencionar “condições de oferta e
acesso precárias, má qualidade de uma oferta educacional desvalorizada
socialmente”. A autora (IBIDEM, p. 40) ainda diz que os alunos “têm em
comum o fato de carregarem a marca da pobreza e de, exatamente por esse
motivo, não terem a possibilidade de realizar uma trajetória educativa
tradicionalmente considerada como satisfatória (grifo da autora)”. Balanços
do Governo Federal e pesquisas acadêmicas foram realizados mostrando
números em evasão escolar no ensino “normal” e na EJA – o que pode estar
por trás de um desinteresse de manutenção tão ativa quanto foi inicialmente.
Novamente me reporto a Andrade (op. cit.). A autora foi criteriosa ao
definir a situação de pobreza dos alunos de EJA. Essa situação econômica se
liga a outro apontamento criterioso de seus escritos: o da trajetória educativa
satisfatória.
por áreas do conhecimento nas Instituições de Ensino Superior – IES. É a etapa final na
hierarquia estudantil, que tem como pré-requisito para seu acesso a conclusão da Educação
Básica.

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Baseado em Andrade (op. cit.), pode-se afirmar que a trajetória
educativa satisfatória não se define somente por um estudo considerado
“normal”, no quesito do percurso e da faixa etária (adequações), mas se
define, sobremaneira, por um estudo com qualidade em infra-estrutura,
oportunidades de acesso e desenvolvimento de ensino que auxiliem os
alunos num posicionamento socioeconômico elevado.
Arroyo (2005, p. 229) explica que os alunos da EJA são sujeitos de
“camadas marginalizadas, excluídas dos espaços dos bens das cidades”. O
mesmo autor (2006, p. 35) mostra-os como sujeitos entre si muito diferentes e
com “tensas vivências”, mas, e por isso, capazes de “pensar sua educação
como diálogo” (IBIDEM, loc. cit.).
O que não é tarefa fácil é determinar um tipo específico, fora dos
padrões econômicos, para caracterizar o perfil do aluno da EJA, da mesma
maneira como há certa dificuldade em definir, histórica e socialmente, a
própria EJA, tendo em vista que, para Soares e Galvão (2004), ela sempre
existiu como educação colonial de adultos paralela à catequização de índios
adultos e ainda crianças.
Somente no ano de 1930 é que surgiu um ensino supletivo36, isto é, a
sistematização de um ensino que daria conta de recuperar o tempo
considerado perdido de estudos, por jovens e adultos, de maneira acelerada e
encurtada, com o propósito de melhor preparar os estudantes para encararem
suas realidades socioeconômicas. Mesmo tendo surgido na década de 1930,
o supletivo só veio a se estabelecer legalmente por meio da Lei de Diretrizes
e Bases de 1971 e, em 1972, já se caracterizava em parecer emitido pelo
Conselho Federal de Educação (HADDAD & PIERRO, 2000).
Mas entender como ocorreu a implantação da EJA no Brasil nos leva a
olhar e repensar os mais de 50 anos de toda a sua trajetória (FÁVERO,
36

Pela Resolução nº 3/2010, de 15 de junho de 2010, do Conselho Nacional de Educação, por
intermédio da Câmara de Educação Básica, o termo “supletivo”, como era conhecida a
aceleração da conclusão das etapas de ensino da Educação Básica em tempo encurtado, é
substituído pela terminologia “EJA”, de Educação de Jovens e Adultos, passando a não mais
existir ensinos supletivos.

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2004), sistematizada com o surgimento do Movimento Brasileiro de
Alfabetização – MOBRAL, no início da década da 1960 e organizado como
programa alfabetizador somente em 1970, em decorrência de uma política
militar que operava com o golpe de 1964 (início da Ditadura Militar no Brasil).
Nessa época, se desenvolvia, em meio a alguns programas religiosos
cristãos-católicos de alfabetização, o Método Paulo Freire de Alfabetização de
Adultos, pautado numa visão pedagógica crítica e libertadora, o que
desagradava à execução dos ideais militares de adestramento populacional.
Após uma série de processos históricos, a Ditadura Militar, devido à
pedagogia politizada de Paulo Freire, leva o educador popular, responsável
com seu grupo pela alfabetização de centenas de jovens e adultos, ao exílio
na Bolívia e no Chile, em 1964, de onde, na cidade de Santiago, escreve o
livro Pedagogia do oprimido.
O

MOBRAL

seguia

as

orientações

da

UNESCO

para

uma

alfabetização funcional, diferente da politizada de Freire, que mobilizasse,
formasse e educasse “a mão de obra ainda subutilizada, a fim de torná-la
mais produtiva, mais útil a si própria e à sociedade” (UNESCO, 1975, p. 12)
que, se cria, estava em desenvolvimento. O MOBRAL viria auxiliar esse
desenvolvimento dotando cidadãos de capacidades produtivas capitalistas.
A utilidade a que se referem as orientações para o MOBRAL dizem
respeito à produtividade no sistema econômico capitalista. Tais políticas
educacionais ainda existem voltadas à empregabilidade (PINO, 2001) da
população de jovens e adultos em situação de exclusão social devido à baixa
escolaridade. Gentilli e Frigotto (2001) organizam um material que aponta
para a função da educação na inclusão da cidadania, ligada ao mundo do
trabalho, portanto do sustento e da ascensão socioeconômica.
O movimento, que era direcionado num modelo nacional com material
padronizado, passou por algumas segmentações em seu transcurso, mas
manteve seu caráter ideológico de controle da população e com visão
pragmática para a utilidade da mão-de-obra. Os movimentos sociais,

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intelectuais, de educadores e estudantis estavam na linha de frente de
combate à opressão militar e exigiam novos paradigmas de execução da
educação nacional, exigiam a institucionalização de uma educação
libertadora.
Mais atualmente, em 2003, o Ministério da Educação e Cultura,
anunciou que a EJA seria tratada com prioridade por parte do Governo
Federal. A Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo foi
criada com o objetivo de, nos quatro anos de gestão do Presidente Luís Inácio
Lula da Silva, erradicar o analfabetismo. É aí que nasce o Programa Brasil
Alfabetizado, junto às esferas estadual e municipal do poder público, não
logrando o sucesso objetivado em decorrência de seu caráter pouco
valorizador da atividade docente (FÁVERO, 2004).
Não só da atividade docente, as campanhas de governo que visam
erradicar o analfabetismo e propiciar políticas públicas de melhoria da EJA se
esquematizam como numéricas e deixam de lado a efetivação qualitativa das
ações propostas. Nesse âmbito, a preocupação com os sujeitos alunos da
EJA não se solidifica e a modalidade de ensino continua a enfrentar os
estigmas sociais que lhes são construídos historicamente.
A principal característica atribuída aos alunos da EJA, por não
completarem a formação escolar na idade estabelecida na lei e esperada
socialmente, é a da marginalidade acompanhada do desinteresse e da
escória empurrada àqueles que não foram oportunizados com o saber
escolar. Logo, planejar o processo educativo da EJA leva, em sua formulação,
a responsabilidade social de romper com os estigmas mais pejorativos do
desprezo que é dado à modalidade, para o exercício da cidadania de seus
sujeitos alunos.
Todo esse cenário, que busca reconstruir uma história da EJA no
Brasil, se passa no âmbito da resistência dos movimentos sociais (GALVÃO &
SOARES, IBIDEM), que pautaram, em suas reivindicações, o direito à
alfabetização como base promissora de cidadania. A cidadania e os direitos

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são, então, tomados a partir do que os indivíduos consideram como
fundamentais em suas vidas (HADDAD & PIERRO, IBIDEM), devendo ser
levado em consideração pelo poder público.
Isso nos remete ao fato de que ler, isto é, ser alfabetizado se relaciona
a um senso de dignidade que só encontra sentido no direito à educação
(PAIVA, 2009) – e leia-se que essa educação abordada é a educação formal,
a educação escolar, portanto institucionalizada e de responsabilidade pública
(ARROYO, 2006), diferente, mas dialógica com a educação informal, que se
institucionaliza na família e nos diversos espaços de formação e vivência
onde os sujeitos têm suas experiências de sociabilidade (GUSMÃO, 2003). E,
apesar disso, o que se sabe categoricamente sobre afetividade na
sociabilidade que se dá entre os/as alunos/as de EJA na escola e entre eles e
seus professores/as?
Portanto, se fica impossível conceber uma EJA desvinculada de
tensões (SAMPAIO, 2009) dos seus sujeitos e dos movimentos sociais que
lutam a favor do direito à alfabetização, à educação e à formação continuada
(HADDAD & PIERRO, 2000), desvinculada da educação popular (PAIVA,
1986; FREIRE, 1991), da pedagogia crítica (FREIRE, 1999, 1987; GIROUX,
1986) e de uma história que se configura cambiante em meio a diversidades
nas realidades econômicas do país, podemos dizer que fica ainda inóspita a
concepção de uma EJA sem aprofundamentos a conceitos de sentimentos e
emoções inerentes ao desenvolvimento humano, como a afetividade
(WALLON, 1989, 1975).
2.1 A AFETIVIDADE DA QUAL TRATAMOS
Nosso objeto de estudo são as estruturas narrativas da afetividade no
processo de ensino-aprendizagem a partir de sujeitos alunos da EJA. A
necessidade de destrinchar e aprofundar a categoria da afetividade pelas
estruturas narrativas trazidas por alunos de EJA no processo de ensino-

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aprendizagem é eminente por entendermos a EJA como uma EJA humana,
constituída por seres humanos, dos quais sentimentos e emoções inerentes
ao seu desenvolvimento, como a afetividade, dentro dos conceitos
wallonianos, mais propriamente a afetividade na educação, pouco se mostram
quando a temática engloba a EJA em seus estudos. Neste sentido, a maior
parte das abordagens sobre a afetividade nos processos educacionais foram
desenvolvidas no contexto de Educação Infantil. Só a partir de 2011 é que
surgem registros de pesquisas que se puseram a tratar da EJA discorrendo
sobre a afetividade.
Portanto, o que o conhecimento científico sabe a respeito da
afetividade no processo de ensino-aprendizagem em Educação de Jovens e
Adultos? Quais elementos são fundamentais e essenciais para a análise das
narrativas dos sujeitos da EJA? Acima de tudo, quais estruturas narrativas
são essas e que pontes teórico-metodológicas poderemos construir
epistemologicamente para dar conta de nosso objeto de estudo?
O dicionário Aurélio (2002) define afetividade por “afeição, amizade,
amor”. O termo afetividade se liga a sentimentos, emoções, temperamentos,
motivações e paixões inerentes à personalidade humana e aos vínculos das
relações humanas (NERY, 2003). Basicamente, se a afetividade é um
sentimento, sendo manifesta/expressa, ela tem o potencial de condicionar
ações, atitudes, posturas, percepções e até outros sentimentos.
Da mesma forma, a afetividade pode ser desenvolvida no âmbito da
educação (ARANTES, 2002). No âmbito pedagógico, Freire (1997) interliga a
prática educativa à afetividade, por também, no entendimento do autor, a
prática educativa ser um ato de afeto, de amor.
Cunha (2008, p. 51), por sua vez, diz que o afeto é “um meio
facilitador para a educação. Irrompe em lugares que muitas vezes, estão
fechados às possibilidades acadêmicas”. Esse fechamento diz respeito a
condições, ocasiões e situações de dificuldade que os alunos encontram por
entre e devido às suas experiências históricas no mundo social. Deste modo,

p. 391
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a afetividade proporciona uma abertura emocional para integrar os
participantes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem em relações de
reciprocidade.
Se as relações afetuosas acontecem de maneira positiva entre alunos
e entre alunos e professores, a ação afetiva dos alunos para com a escola,
como espaço local e como ambiente de vivência, não pode ser outra: ela
figurará como elemento sine qua non da aprendizagem em contextos até
diversificados (NUNES & SILVEIRA, 2009), evidenciada por meio de palavras
de agrado, que expressam as emoções, na linguagem dos alunos
(MATURANA, 1999).
A linguagem, que figura como elemento importante ao entendimento a
respeito das emoções na educação para Maturana (IBIDEM), não é
desmerecida por Freire (1997), tanto que ele põe a linguagem como uma
invenção histórica necessária à ação sobre o mundo e à comunicabilidade
das expressões do intelecto. No entanto, o que mais pesa na pedagogia
freireana não é o entendimento sobre a linguagem, mas sim a historicização e
os contextos históricos dos sujeitos, que levam em consideração o
entendimento dos processos históricos de suas situações e vidas para ler o
mundo.
Mesmo que, para Freire (1988, p. 48), “o processo de aprendizagem na
alfabetização de adultos está envolvido na prática de ler, de interpretar o que
lêem, de escrever, de contar, de aumentar os conhecimentos que já têm e de
conhecer o que ainda não conhecem, para melhor interpretar o que acontece
na nossa realidade”, a leitura do mundo apresentada pelo autor se refere à
compreensão.
Equivale dizer que a leitura contextual (compreensão contextual,
compreensão de mundo, leitura de mundo) precede a leitura textual por ser a
“palavra escrita” um caminho reflexivo e crítico sobre o mundo e seus
contextos que são compreendidos nas histórias de vidas dos sujeitos da
educação. Toda essa manta teórica da pedagogia freireana pode servir como

p. 392
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apoio analítico dos elementos gerados pela aplicação do método da análise
de narrativas.
Se a categoria temática, da qual almejamos elementos narrativos para
entender o que marcou e como isso foi demarcado em relação a ela nas
biografias dos sujeitos, é a afetividade, Wallon (1989, 1875) confere um
arsenal teórico sustentado na história, nos contextos e nas perspectivas do
aluno – o que é compativelmente combinado à perspectiva pedagógica
freireana.
Para Wallon (1989, 1975), a afetividade e a inteligência caminham
juntas no processo constitutivo do indivíduo a partir de seus contextos, até
mesmo de maneira conflituosa. Mas, apesar de tomarmos a afetividade nos
conceitos wallonianos, não foi somente esse teórico quem discorreu sobre
ela.
Piaget (1977) e Vygotsky (1991) também se debruçaram sobre a
inteligência

humana,

a

partir

da

criança,

numa

perspectiva

de

desenvolvimento e aprendizagem situada na Psicologia, e acenaram a
afetividade como elemento importantemente significativo na cognição.
O que aproxima os três teóricos acima é o olhar para a infância como
etapa inicial da vida na qual são gerados ativamente os processos cognitivos,
isto é, tomam a criança como sujeito ativo e co-autor de seu desenvolvimento
e aprendizagem. No entanto, se para Wallon (IBIDEM) a afetividade é o ponto
chave para a aprendizagem, para Piaget (IBIDEM) e Vygotsky (IBIDEM) elas
aparecem sem tão grande importância constitutiva da aprendizagem.
Para Piaget (IBIDEM), a construção do conhecimento é referencial,
mas leva em conta estágios de desenvolvimento que são, acima de tudo,
etários e com propriedades bem delimitadas para a aprendizagem. Para ele,
sempre há espaço para a ação docente desequilibrar os esquemas mentais
pré-concebidos do aluno, na tentativa de desenvolver seu intelecto a assimilar
noções que se conflituam (novas versus pré-concebidas). A afetividade em

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Piaget (IBIDEM) se situa no estabelecimento de relações que culminam na
constituição de valores pessoais que estimulam a aprendizagem.
Em Vygostky (IBIDEM), encontramos a linguagem como figura principal
no processo de aprendizagem, propiciadora das relações de interação social
que são constituintes do sujeito. O sujeito passa a ser quem é por um
processo de mediação simbólica instrumentalizada com a intervenção do
professor. Assim, se essa relação se situa num intercâmbio potencialmente
positivo, em que a afetividade é instrumento ideal do ensino, o professor
deverá utilizá-la de modo a intervir individualmente no desenvolvimento de
cada aluno, posto que a significação que possam fazer do ato afetivo varie
abstratamente.
Portanto, se na perspectiva piagetiana temos uma afetividade
constitutiva de estímulos a valores que desenvolvem a aprendizagem, na
perspectiva vygotskyana encontramos uma abstração significativa da
afetividade no desenvolvimento cognitivo. Em Wallon (1989, 1975), a
sociabilidade é criativa à medida que a afetividade consegue situar a relação
de incorporação/oposição ao outro na constituição do sujeito, de maneira
marcante e demarcada.
2.2 A SALA DE AULA DA EJA DESTA PESQUISA
A delimitação espacial do campo da pesquisa, isto é, o locus que serve
como espaço de execução metodológica para a geração dos dados a respeito
da afetividade, com suas marcas e demarcações nas narrativas dos sujeitos
alunos, é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Lindolfo Collor,
localizada à Avenida Governador Theobaldo Barbosa, no conjunto Dique
Estrada, no bairro do Vergel do Lago, em Maceió, capital de Alagoas.
A escola trabalha com seis turmas do Ensino Fundamental normal pela
manhã e com seis turmas também do Ensino Fundamental no horário da
tarde. À noite, a Escola Lindolfo Collor dá espaço a somente três turmas da

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Educação de Jovens e Adultos no 1º Segmento completo, isto é, com as três
fases (1ª Fase – 1ª e 2ª séries/2º e 3º anos conjugados em uma só turma; 2ª
Fase – 3ª Série/4º Ano; e 3ª Fase – 4ª Série/5º Ano). Essa escola atende a 75
alunos do entorno do bairro regularmente matriculados na EJA.
Destes 75 alunos regularmente matriculados, segundo SISLAME,
apenas 45 frequentam a escola e mesmo assim de forma não regular,
condição comum de ser encontrada nas turmas noturnas do EJA, onde o
índice de faltas é alto devido aos mais diversos motivos como: cansaço após
árdua rotina de trabalho, incompatibilidade de horários: trabalho x escola,
distância entre escola e casa e/ou escola e trabalho, entre outros.
A turma que embasou nossa pesquisa foi a da 1ª fase que apresenta
18 alunos sendo que 14 frequentam mais assiduamente as aulas e 04 alunos
de forma mais esporádica. Esta turma mostrou-se aberta a participar da
pesquisa, bem como a professora. Nas demais turmas tanto as professoras
quanto os alunos esquivaram-se de participar, alegando um número grande
de alunos faltosos, o que dificultaria o bom andamento do trabalho.
A professora da 1ª fase que resolveu participar junto com seus alunos
não permitiu que eu participasse (assistisse) as aulas por ela ministradas
justificando que a presença de alguém estranho na turma deixaria os alunos
desconfortáveis em interagir na aula, porém incentivou bastante para que os
alunos aceitassem fazer suas narrativas.
Dos 18 alunos da 1ª fase, 14 sempre estiveram presentes nos dias do
encontro, e 04, segundo a professora, não são muito assíduos e não
conseguimos contato com eles durante o período que passamos na escola.
Apenas 12 aceitaram narrar suas experiências, 06 do sexo masculino e 06 do
sexo feminino. Apenas 02 alunos do sexo masculino se recusaram a
participar; mesmo a professora e os colegas de classe tendo incentivado-os,
estes se mostraram desinteressados e não concordaram. A professora, assim
como alguns alunos, relatou (durante as narrativas) que um deles no geral é
muito “arredio”, “esquivo” e não interage muito em sala de aula.

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Uma aluna, a única menor de idade na sala de aula, concordou em
participar, mas até o final do encontro a mesma não entregou o TCLE
assinado por sua responsável (mãe), então não fizemos uso de suas
narrativas. Além de que a professora e alguns alunos avisaram que a menor
sofre de “transtornos psicológicos” apresentando uma capacidade mental
diminuída para sua idade cronológica. Durante a entrevista a mesma mostrouse por diversas vezes alheia ao que estava sendo perguntado, outras vezes
repetia consecutivamente a mesma resposta ou desdizia o que acabara de
afirmar. Na turma trabalhada, ninguém se declarou gay, lésbica, transexual ou
travesti.
No grupo participante 06 são casados, 04 tem união estável, 01 é
separada, 01 é solteiro e 02 já estão no segundo casamento. Com relação à
moradia, 10 residem em casa própria e 02 em casa alugada. Todas as
residências localizam-se no mesmo bairro da escola ou em bairros próximos a
ela, o que permite que a maioria dos alunos vá a pé para a escola, 01 vai de
moto, e 01 de bicicleta. Quanto ao número de filhos: 01 tem 05 filhos e 01
enteado, 02 tem 03 filhos, 06 tem 02 filhos, 01 tem 04 filhos, 01 teve 11 filhos,
e 01 não tem filhos. Deste grupo: 09 estão trabalhando, 02 estão
desempregados e 01 é aposentado. Alguns trabalham como autônomos,
vendedores de frutas, vendedores de doces, vendedores de roupas, e
iluminação de festas. Algumas alunas trabalham como doméstica e outros
trabalham com serviços gerais em empresas.
Poucos estudaram quando eram crianças e os que o fizeram foi por um
curto período de tempo. Todos de família carentes, então tinham que
trabalhar, a maioria na roça para ajudar no sustento da família. 11 referem
que gostam de estudar e 01 diz que não gosta, pois se acha “velho para
aprender o que deveria ter aprendido quando criança”.
A idade da turma é variada, indo de 16 anos a 68 anos. Sendo que a
aluna de 16 anos não participou. O grupo participante tem idade entre 21 e 68
anos.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em todos os relatos a afetividade aparece como um ponto essencial
para que a aprendizagem ocorra de forma eficaz e prazerosa. Aparece como
capaz de sanar dificuldades, suplantar traumas e ausências enraizadas desde
a infância, na sua totalidade difícil e carente. Pela falta de oportunidades
sociais, econômicas, afetivas e pela marca constante da exclusão.
Serem atingidos com toda atenção, carinho, preocupação e tantos
outros sentimentos que foram por eles citados, leva-os a se sentir especiais,
desarmam-se e entregam-se a vivenciar suas habilidades, aptidões e
constroem seu processo de aprendizado.
Esses alunos têm histórias de infância marcadas pela exclusão
socioeconômica, fato este que não é diferente da sua realidade atual, agora já
como adultos. Quando crianças já tinham a responsabilidade de trabalhar
para ajudar na sobrevivência de sua família. Hoje eles formaram uma família
e se veem com a mesma responsabilidade.
Isso é levado para a sala de aula. Então o professor que quer
conseguir um resultado satisfatório de aprendizado tem que saber resgatar
esse aluno imerso na exclusão e mostrá-lo que ele é capaz de ser coautor em
sua aprendizagem, melhorar sua autoestima, seu poder de persistência e isso
essa professora tem conseguido com a afetividade que ela distribui a seus
alunos.
Eles se deixam conduzir por sua professora porque ela deixa claro a
cada um o quanto ele é importante e capaz, resgata seus potenciais de
aprendizagem, pois eles se sentem valorizados e isso os leva a sentirem que
podem dominar a aprendizagem. O afeto com que a professora os trata tornaos fortes para abrirem-se ao aprendizado.
Relatam que são unidos e a sala é tranquila. Não ocorre indisciplina,
bagunças ou conversas paralelas que atrapalhem o bom andamento do

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aprendizado. Apresentam entre si respeito e desejo de ajuda mútua. Os mais
velhos dão conselhos aos mais novos para não desistirem.
Existe um clima de harmonia entre eles. O objetivo é o mesmo:
aprender a ler. O esforço é geral para que todos consigam.
Esses alunos em geral demonstram que a professora com sua atenção
e interesse para que cada um aprenda a ler os faz sentirem-se especiais,
importantes, valorizados por ela e os leva a querer continuar.
Outro fato que os estimula a aprender é a professora não faltar ou o
fazer raramente. Isso para eles se traduz na boa vontade dela para com eles
e eles retribuem emprenhando-se em não faltar e tentando aprender.
Afetividade para este grupo está explícita na atenção, paciência, boa
vontade, valorização, importância, carinho, respeito, assiduidade, que a
professora lhes dispensa e que os leva a aprender e a não querer evadir-se
da escola.
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COMPETÊNCIAS E HABILIDADES NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE LETRAS: contextos macro e micro
Humberto Soares da Silva Lima
letrasbeto@gmail.com
Eduardo Lima dos Santos
du.venancioifal@gmail.com
RESUMO: O atual trabalho tem por objetivo identificar no PPC – Projeto
Político de Curso de Letras/UFAL as habilidades e competências quanto à
formação de professores. A pesquisa é de abordagem quantitativa, de caráter
exploratório, partindo de análises documentais, especificamente, as Diretrizes
Curriculares Nacionais – Formação Inicial de Professores, as Diretrizes
Curriculares Nacionais – Formação Inicial de Professores de Língua
Portuguesa e PPC – Letras/UFAL, de acordo com as orientações
metodológicas de (PRODANOV & FREITAS, 2013). As discussões acerca do
universo, o qual envolve o processo da formação inicial de professores, serão
pautadas a partir das ideias de Gatti et al. (2011); Gatti (2014); Lüdke (1995).
Quanto à análise da compreensão sobre o distanciamento ou aproximação
entre os documentos oficiais DCN’s e o PPC do curso de Letras/UFAL, será
relacionada de acordo com as contribuições de (BITTENCOURT et al. 2016);
(DIAS; LOPES, 2003); (CAMERINI; SCHIESSL, 2016) e, por fim, (TARDIF,
2007). A formação dos profissionais do curso de Letras/UFAL demanda um
domínio da Língua Portuguesa e suas Literaturas, assim como senso de
críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas,
secretários, assessores culturais e dentre várias atividades.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores – DCN’s – PPC/LETRAS –
Competências e Habilidades.

1 INTRODUÇÃO
Falar sobre formação de professores é, de certo modo, exercitar uma
retomada de consciência acerca do nosso processo de formação, entendendo
que a formação também é um conjunto de associações marcadas por
entendimentos individuais e coletivos. Afinal, o professor, em processo de
formação, não faz parte do processo sozinho, mas sim determina um
constructo de saberes e possibilidades.

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O atual trabalho traz à tona a discussão sobre a relação existente entre
os documentos oficiais, a saber: DCN – Formação de Professores (BRASIL,
2002), DCN – Formação de Professores de Língua Portuguesa (BRASIL,
2001) com o Projeto Político do curso de Letras, da Universidade Federal de
Alagoas (UFAL, 2007), realizando uma identificação acerca das competências
e habilidades do curso à luz do processo de formação inicial de professores.
Desenvolvemos

algumas

considerações

sobre

a

formação

de

professores de Língua Portuguesa, mais precisamente no que compreendem
as Diretrizes Curriculares Nacionais acerca da Formação Inicial de
Professores dos cursos de Licenciatura, deixando claro aqui, que nosso foco
é exclusivamente a análise no curso de Letras.
E, por fim, realizaremos uma leitura, ainda que superficial, do Projeto
Político de curso de Letras/UFAL, no que dizem respeito às competências e
habilidades do curso voltadas para formação de professores.
2 DESENVOLVIMENTO
Tanto a formação inicial do professor quanto a formação continuada
tem sido um campo fértil para diversas e diferentes pesquisas, as quais
contribuem significativamente para a constituição de um campo teórico como
também subsidiam a prática da formação de professores. Temos observado a
predominância de políticas de formação de professores localizadas nas
diferentes esferas do poder público em detrimento de uma formação pautada
num projeto político nacional. Para Gatti (2013), necessitamos construir um
sistema de formação que norteie os esforços das agências formadoras
(Universidades e Centros de Formação) e, ao mesmo tempo, assegure aos
formandos as condições adequadas ao seu desenvolvimento pessoal e
profissional.
Entendemos junto com a autora que necessitamos de uma política
nacional de formação de professores que identifique os objetivos da

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formação, como também disponibilize os meios necessários à sua realização.
Esta política nacional precisa propiciar, nas universidades, uma organização
interna para cuidar de maneira orgânica dos processos de formação para o
magistério desenvolvido em seus diferentes departamentos. Isto implica,
portanto, na urgência de um processo unitário de formação de professores à
educação básica, sem espaço para disputas de poder entre áreas de
conhecimentos.
Acreditamos que um processo unitário de formação dentro da
universidade formará bons professores para atuar em cada sala de aula, em
cada escola por meio de processos formativos pertinentes a um mundo
contemporâneo em mudança. Tais processos formativos terão sustentação,
segundo Mizukami (2013), em três eixos essenciais à constituição de uma
base sólida de conhecimento ao professorado: a) os alunos, seus processos
de desenvolvimento e seus contextos socioculturais; b) a matéria que os
professores ensinam e o currículo em face de objetivos educacionais mais
amplos; c) o ensino de diferentes matérias, de diferentes alunos, de formas de
avaliação e manejo de classe.
Em um trabalho recente, Gatti (2014, p. 35) apresenta, em relação à
questão da formação inicial de professores à educação básica nos cursos de
licenciaturas, dados quantitativos sobre as características desses cursos no
Brasil. Inicialmente, ela coloca que a formação de professores tem sido um
grande desafio às políticas educacionais, diversos países vêm desenvolvendo
políticas e ações agressivas na área educacional cuidando, sobretudo, dos
professores, os quais são os personagens centrais e mais importantes na
disseminação do conhecimento e de elementos substanciais da propagação
da cultura.
As licenciaturas, em um panorama geral, apresentam um cenário não
muito animador, há acúmulos de impasses e problemas historicamente
construídos e aglomerados que precisam ser enfrentados, mas esse
enfretamento não poderá ser apenas, em nível de decretos e normas, muito

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embora eles sejam muito importantes, todavia é processo que deve ser feito
também no cotidiano da vida universitária, encerra Gatti. A autora, porém,
desafia a criatividade das instituições, dos gestores e professores do ensino
superior, tal desafio atinge uma cultura acadêmica acomodada e os jogos de
pequenos poderes como interesses de mercado e corporações.
Os dados demográficos das licenciaturas dizem que a grande maioria
dos cursos e das matrículas em licenciatura está nas instituições privadas de
ensino superior e que a procura pelos cursos de licenciatura é menor do que
àquela por outras modalidades de graduação. Assim, os cursos de
licenciatura presencial têm perdido espaço para os de licenciatura à distância
(EAD), principalmente aqueles oferecidos por instituições privadas. Esse
aumento das licenciaturas a distância tem ocorrido desde 2005, quando o
governo lança políticas que favorecem a expansão da EAD, que, por um lado,
aumenta as possibilidades de oferta de cursos de licenciatura; por outro,
fragiliza ainda mais a formação docente porque não há eficácia no
monitoramento das condições de oferta dos cursos a distância, muito embora,
esse monitoramento esteja bem definido nos instrumentos normativos
federais (GATTI, 2014, p. 37).
A autora ainda elenca outros problemas que circulam na EAD, tais
como: a falta de projeto político pedagógico de formação docente; a falta de
estruturas operacionais básicas e, por fim, a falta de materiais específicos
requeridos por essa modalidade de ensino, dentre esse apontamento, ela vai
nos lembrar da necessidade, tanto da EAD quanto dos cursos presenciais, no
que diz respeito à explicitação da fundamentação pedagógica proposta.
Gatti (2014) lembra que, no Brasil, não há, nas instituições de ensino
superior, uma faculdade, centro ou instituto que centralize a formação desses
profissionais, de modo integrado, com perfil próprio. Seria, pois, interessante
segundo a autora, existir unidades ou centros de formação de professores
que englobe todas as especialidades, com estudos, pesquisas e extensão

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relativos à educação, à atividade didática e às reflexões e teorias à formação
associada, nos diversos ramos do conhecimento.
Isso afeta, sobretudo, o currículo de formação inicial de professores,
segregando a formação entre os conhecimentos da área específica dos
conhecimentos pedagógicos, por exemplo, nas emendas dos currículos das
licenciaturas encontram-se, nos fundamentos educacionais, proposições
genéricas que passam longe de oferecer uma formação sólida.
Ademais, segundo Pimenta (2012, p. 33)
[...] os currículos de formação têm-se constituído em um
aglomerado de disciplinas isoladas entre si, sem qualquer
explicitação de seus nexos com a realidade, assim não se pode
dominar as teorias, pois são apenas saberes disciplinares em curso
de formação, que em geral estão completamente desvinculados do
campo de atuação profissional dos futuros formandos [...].

O projeto político pedagógico desses cursos não consegue dialogar
com a estrutura curricular e nem tampouco com as disciplinas oferecidas aos
alunos na prática o que resulta na ausência de integração formativa na
direção de um perfil profissional de professor para atuar na educação básica.
Complementando essa ideia, Gatti (2014) cita Silva Jr. (2010) quando
assinala que:
As formações clássicas voltadas à preparação individual para o
trabalho têm se revelado ineficazes, ou seja, a concepção
tradicional de formação inicial de profissionais apenas como
propedêutica, em forma teórica dissociada de experiência de
trabalho, não responde às necessidades de reconversão
profissional que a contemporaneidade coloca (SILVA JR, 2010, p. 7;
apud Gatti, 2014, p. 39).

O que se observa nestas linhas é a necessidade de se associar a
formação acadêmica aos saberes adquiridos no cotidiano do professor, ou
seja, aos conhecimentos que esse profissional traz de sua vida pessoal à
inserção na profissional, atrelando-os.
Em termos de políticas educacionais, no intuito de minimizar a
discrepância da formação híbrida, o Conselho Nacional de Educação,
amparado na LDB, elabora as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) para

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os diferentes níveis e modalidades de ensino. Essas Diretrizes são
elaboradas com a intenção de romper com os vínculos existentes, até então,
entre bacharelado e licenciatura, aumentar a flexibilização da gestão
democrática e a reafirmação da autonomia escolar, bem como da diversidade
curricular (SANTOS, 2008).
As duas últimas intenções, na prática, davam às Universidades o poder
de elaborar seus projetos políticos pedagógicos e a organização curricular,
desde

que

fossem

elaborados

em

uma

perspectiva

centrada

nas

competências profissionais dos professores e na inserção de eixos
articuladores como disciplinaridade e interdisciplinaridades, sem, contudo,
definir o que era essa perspectiva (SANTOS, 2008).
Apesar das tentativas de reformulação dos cursos o que se percebe na
formação dos professores é um confuso entendimento acerca do que se
privilegiar nestes cursos. Segundo Saviani (2009, p. 151), “tudo indica que na
raiz desse dilema está a dissociação entre os dois aspectos indissociáveis da
função docente: a forma e o conteúdo”. Gatti (2014, p. 36) enfatiza, em suma,
que não tivemos até aqui iniciativa nacional forte o suficiente para adequar o
currículo às demandas do ensino, iniciativa que levasse a rever a estrutura
dessa formação nas licenciaturas e a sua dinâmica.
Atualmente as perspectivas de formação docente apontam à
necessidade de se romper com a indissociabilidade cristalizada nos currículos
e nas práticas de formação, a esse respeito Saviani (2011, p. 14) sugere
alguns desafios que precisamos superar, dentre os principais, aponta:
a)
“Fragmentação e dispersão das iniciativas, justificadas pela
chamada ‘diversificação de modelos de organização da educação
superior’;
b)
Descontinuidade das políticas educacionais;
c)
Burocratismo da organização e funcionamento dos cursos no
qual o formalismo do cumprimento das normas legais se impõe
sobre o domínio dos conhecimentos necessários ao exercício da
profissão docente;
d)
Separação entre as instituições formativas e o funcionamento
das escolas no âmbito dos sistemas de ensino;
e)
O paradoxo pedagógico expresso na contraposição entre
teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre conhecimento
disciplinar e saber pedagógico-didático;

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f)

Jornada de trabalho precária e baixos salários.

Percebe-se diante do exposto que não é tarefa simples superar os
desafios no atual quadro no qual se configura a formação docente, porém é
possível na medida em que outras perspectivas forem assumidas,
contrapondo-se às descritas. Como meio de superar a fragmentação e a
dispersão das iniciativas é vital que estas ocorram nas instituições de ensino
superior, visto que as faculdades são lócus de fundamental importância no
processo de formação inicial. Por outro lado, como destaca Gatti (2006, p. 4)
que
“nenhuma formação garante nada, nenhum profissional sai da
universidade com preparação suficiente, nenhuma formação
universitária forma um profissional completo, principalmente com o
avanço dos conhecimentos que não é possível absorver tudo”.

Todo profissional precisa de uma formação suplementar – que é uma
formação permanente com cursos de extensão, de especialização e no
próprio ambiente de trabalho, os cursos de formação de professores estão
abaixo do necessário para o seu desempenho.
A cada mudança de governo surgem novas políticas educacionais em
substituição das que estão em vigor e que na maioria dos casos isso ocorre
sem que seus resultados, sejam quantitativos, sejam qualitativos tenham sido
analisados. É preciso se criar uma cultura de continuidade, em longo prazo,
das políticas educacionais, além da continuidade essas políticas precisam
trazer em seu bojo a atratividade intelectual, estimulando o dinamismo por
meio de pesquisas não tendo a burocracia como fator principal.
2.1 O CONTEXTO MACRO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: O
DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
Em 2002, foram editadas, de acordo com as sugestões apresentadas
pelo Ministério da Educação (MEC), as Resoluções CNE/CP 01/2002 que
instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais à formação de professores

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para a Educação Básica e a CNE/CP 02/2002, que institui a duração e a
carga horária dos cursos de licenciatura.
As orientações à formação docente e orientação curricular mostram a
preocupação em se formar licenciados conscientizadores e especialistas,
capazes de desenvolverem suas práticas docentes em prol de um melhor
processo de ensino-aprendizagem, assim como de trazerem uma nova
perspectiva na construção de uma proposta curricular por constituir um
conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na
organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino.
Os documentos oficiais têm dado relevância considerável ao termo
competências, porém é uma relevância que tem levado ao uso
indiscriminado do termo. Na Resolução CNE 01/2002, princípios norteadores
para o preparo do professor profissional, são os seguintes listados:
I.

A competência como concepção nuclear na orientação do
curso;

II.

A coerência entre formação oferecida e a prática esperada
do futuro professor;
III.
A pesquisa, com foco no processo de ensino e de
aprendizagem, uma vez que ensinar requer tanto dispor de
conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o
processo de construção do conhecimento.

Pelo primeiro princípio, o conceito de “competência e habilidades” deve
ser nuclear na orientação dos cursos de formação. A concepção de
“competência”, presente nas Diretrizes, está em consonância com aquela
concepção defendida por Phillipe Perronoud, apesar de não citá-lo,
fundamenta-se no ideário neoliberalista, justificada pelas novas necessidades
da sociedade. Os novos projetos de curso reformulados a partir das novas
Diretrizes atribuem significado às competências e as habilidades que
avançam em relação à lógica neoliberal.
Pimenta e Lima (2012) têm posição crítica discordante ao destaque
atribuído as competências e habilidades, nas Diretrizes e consequentemente
nos projetos de cursos, como núcleo de formação docente porque reduz a
atividade docente a um desempenho técnico. O discurso das competências

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traz um hibridismo entre políticas de concepção tecnicista e as políticas
neoliberais, deste modo o professor é tratado como reprodutor de
conhecimentos; sua formação é focada no domínio de conhecimentos das
áreas para ensinar e das habilidades pedagógicas para conduzir o ensino,
pautado em didática instrumental.
O Parecer CNE 09/2001, que apreciou e aprovou as Diretrizes,
defende que o conjunto das competências como núcleo estruturante dos
currículos não se pauta somente pelo conhecimento técnico do profissional,
mas procura também, refletir e propor como tais conhecimentos serão
mobilizados de modo a transformá-los em ação. Acredita a relatora que a
dicotomia entre teoria e prática possa ser superada pela aprendizagem por
competência, uma vez que mobiliza múltiplos recursos numa mesma
situação, “entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão pedagógica
e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder as
diferentes demandas das situações de trabalho” (BRASIL. Parecer CNE
09/2001, p. 30). Esse conceito sobre competência é durante criticado por Dias
e Lopes (2003, p. 1156) porque traz uma estreita relação de currículo de
competência

e

a

qualidade

do

trabalho

docente;

é

um

conceito

recontextualizado nas políticas de formação de professores no Brasil.
O currículo centrado nas competências e habilidades reforça a
pensamento determinista entre o desempenho do professor e de seus alunos,
além de anunciar um modelo de profissionalização que possibilite um controle
diferenciado da aprendizagem e do trabalho dos professores. Quanto ao
ensino, Dias e Lopes (2011, p. 1157) alegam que a perspectiva do
desenvolvimento de competências “secundarizam o conhecimento teórico e
sua mediação pedagógica, de modo que o conhecimento sobre a prática
acaba assumindo o papel de maior relevância, em detrimento a uma
formação intelectual e política dos professores”.
Portanto, a percepção do destaque atribuído ao desenvolvimento de
competências na formação de professores para autores como Pimenta e Lima

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(2012) e Dias e Lopes (2011) vai em rota de colisão com a percepção
destacada pelas Diretrizes e pelo Parecer. Em outras palavras, enquanto as
autoras veem o discurso das competências como meio da propagação de
conhecimento técnico e reprodutor, as Diretrizes, negam que esse discurso
seja tão limitador, já que requer a compreensão das questões envolvidas no
trabalho do professor.
O segundo princípio considera a formação do professor, considerandoa como de “simetria invertida”, uma vez ocorre no mesmo local em que o
profissional vai trabalhar, o que implica haver coerência entre o que se faz na
formação e o que se espera como profissional. Essa implicação, por sua vez,
exige que os cursos de licenciaturas tenham todos os seus professores coresponsáveis pela formação, que todos conheçam a realidade e as
necessidades da escola e da educação básica e não apenas os professores
que ministram as disciplinas pedagógicas.
A formação, então, precisa priorizar a investigação baseada na análise,
na reflexão, na criticidade e em novas maneiras de educar. Não é admissível
que continuemos focando na transmissão de conteúdos, informações, etapas
rígidas de ensino e aprendizagem. Contudo, ainda encontramos uma barreira
enorme nos cursos de formação devido, principalmente, a pouca formação
pedagógica dos professores que atuam na formação de outros professores,
assim também, a falta de conhecimento dos contextos da sala de aula na
educação básica.
No que se refere à carga horária dos cursos de formação, a Resolução
CNE/CP 02/2002 define que:
[...] será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2.800
(duas mil e oitocentas horas), nas quais a articulação teoria-prática
garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes
dimensões dos componentes comuns:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso.
II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a
partir do início da segunda metade do curso.
III - 1.800 (mil e oitocentas) horas de aula para os conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural;

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IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividade
acadêmico-científico-culturais.

Pimenta (2012, p. 144) tece uma série de críticas a respeito da divisão,
em blocos de horas, presente na Resolução nº2/2002, quando afirma que
houve um retrocesso e um equívoco nessa resolução, as 2.800 (duas mil e
oitocentas) horas dos cursos de formação asseguram a continuidade da
fragmentação da proposta curricular, que perpetua a separação entre teoria e
prática e o desprestígio da área de formação de professores como uma área
de conhecimento.
O modelo de estágio escrito nas resoluções não favorece a pesquisa
enquanto fator essencial no processo de formação dos professores, ele é
apenas uma atividade docente, com a pesquisa ausente na formação, fica
impossível formar um professor-pesquisador. Não há ligação entre as
atividades práticas e as atividades científico-culturais, o que existe é um
treinamento de competências e aprendizagens de práticas modelares, tem
denunciado a autora (GATTI, 2012, p. 87).
Em um trabalho anterior Gatti e Libâneo (1999, p. 260) já tinham,
enquanto pesquisadores da área de educação, explicitado a necessidade de
se democratizar o ensino começando pela formação dos professores, e nesse
sentido, os autores se perguntavam que tipo de professor queremos formar.
Para responder a essa pergunta eles citam, entre outros aspectos:
A importância do desenvolvimento de políticas públicas que
valorizem a formação de professores não mais pela óptica da
racionalidade técnica que os considera como meros executores de
decisões alheias. Uma formação desejável é aquela que “assume a
perspectiva de considerar os professores em sua capacidade de
decidir e de rever suas práticas e as teorias que as formam, pelo
confronto de suas ações cotidianas com as produções teóricas pela
pesquisa da prática e a produção de novos conhecimentos para a
teoria e a prática de ensinar”.

Aproximar cada vez mais as instituições formadoras com as práticas
desenvolvidas no campo de trabalho real, ou seja, na escola, tem sido

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apontada com um excelente espaço e forma que contribuiria muito na
formação docente. O que se passa nas escolas deveria ser o ponto de partida
para a formação dos futuros professores, pois assim deveria se concretizar
por meio dos estágios. Como destaca Pimenta (2006, p. 6) “enquanto campo
de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação
com o campo no qual se desenvolvem as práticas educativas. Nesse sentido,
o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa”.
Contudo, é preciso superar a dicotomia entre teoria e prática
propiciando tempos e espaços para que o estágio possa ser compreendido e
vivenciado como a transposição didática da teoria, envolvendo ao mesmo
tempo ação-reflexão-ação a partir das intervenções realizadas nas escolas,
campo onde o estágio se realiza envolvendo professores, alunos e sociedade.
A contraposição entre teoria e prática é um dilema que precisa ser
superado, sendo por meio da compreensão e do compromisso didáticopedagógico e político de mudar na prática a superação da articulação:
conteúdo e forma, assim como da relação professor-aluno que se pode ser
redimensionada nos cursos de formação docente a dinamização todo o
processo de ensino e aprendizagem.
2.2 O CONTEXTO MICRO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O
DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES NO CURSO
DE LETRAS DA UFAL
O curso de Letras da UFAL tem 20 anos de reconhecimento e atuação
no estado de Alagoas; com carga horária de 3.220 horas, tem formado
profissionais para atuar como licenciados em Letras com habilitação em
Língua Portuguesa, o qual está apto para atuar no magistério da Educação
Básica, seja na docência da sua área de competência ou na gestão do
trabalho educativo – atingindo níveis de compreensão e adaptação
imprescindíveis em relação ao entendimento da capacidade de administrar
situações diversas.

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Um dos núcleos que constitui o curso de Letras, e que nos interessa
neste trabalho, é o núcleo que engloba mais especificamente a atuação do
professor em seu processo de formação, articulando a correlação entre teoria
e prática, ou seja, movimento contínuo entre saber e fazer na busca de
significados na gestão e solução de situações relacionadas à prática docentes
e o estágio curricular supervisionado de ensino.
A formação dos profissionais que frequentam este curso discute
questões relativas ao trabalho docente e à atualização profissional, ao
desenvolvimento e à avaliação da aprendizagem, ao currículo, à pesquisa
educacional, à organização e gestão do trabalho escolar e à política e
organização da educação básica.
O curso é dividido em dois núcleos: o núcleo de formação para a
docência com carga horária de 520 horas de aulas (400 horas de atividades
de integração teoria/prática e 120 horas de aulas/atividades). As horas aulas
de estágio somam 400, totalizando, portanto, 1.320 horas. Além disso, o
curso prevê 200 horas de atividades complementares e 80 horas para o TCC
– Trabalho de Conclusão de Curso e o núcleo de formação do conhecimento
sobre a Língua Portuguesa e suas Literaturas com 900 horas de aulas (600
horas de disciplinas obrigatórias e 300 horas de eletivas).
Entendemos que ambos os núcleos detêm de concepções diferentes
quanto ao processo de formação de professor, haja vista a necessidade de
formar bons profissionais atuantes em sala de aula, principalmente, no que
compreendem as capacidades da diversidade de atuação do professor à luz
da modernidade e atualização de metodologias. São núcleos dos quais
trazem em sua base – ‘formação de professores críticos e atuantes, agindo na
sua integridade e valorização quanto ao entendimento de formador de
opinião’, conforme PPC Letras/UFAL.
Levando em consideração que o curso de Letras está voltado para a
formação de profissionais do ensino de língua(s), mais precisamente no caso
da habilitação em Língua Portuguesa e suas Literaturas, podemos entender

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que o curso, em sua estrutura, está preocupado no processo de formação dos
seus futuros professores. Além do mais, vemos uma carga horária específica
voltada tanto para o domínio do ensino de Língua Portuguesa, quanto no
exercício da ação docente – desenvolvendo, por conseguinte, em habilidades
e competências marcantes à ação do profissional de Letras.
Vejamos a grade curricular o curso de Letras, da Faculdade de Letras –
FALE, da UFAL – Universidade Federal de Alagoas, dividida por semestre.
1º PERÍODO
Leitura e produção de texto em
Língua Portuguesa
Introdução à Língua Estrangeira 1
Teoria da Literatura 1
Teoria Linguística 1
Profissão Docente
Projetos Integradores 1

80
80
80
80
60
40

2º PERÍODO
Organização do Trabalho
Acadêmico
Introdução à Língua Estrangeira 2
Teoria da Literatura 2
Teoria Linguística 2
Política e Organização da
Educação Básica no Brasil
Projetos Integradores 2

80
80
80
80
80
40

3º PERÍODO
Fundamentos de Libras
Literatura em Língua Portuguesa 1
Língua Latina
Linguística Aplicada

60
80
80
80

Desenvolvimento e Aprendizagem
Projetos Integradores 3

80
40

4º PERÍODO
Fonologia do Português
Literatura em Língua Portuguesa 2
História da Língua Portuguesa
Planejamento, Currículo e
Avaliação da Aprendizagem
Disciplina eletiva
Projetos Integradores 4

80
80
80

6º PERÍODO
Sintaxe do Português
Literatura de Língua Portuguesa 4
Pesquisa Educacional

80
60
60

80
60
40

Estágio Supervisionado 2
Disciplina eletiva
Projetos Integradores 6

80
60
40

8º PERÍODO
Estágio Supervisionado 4
Disciplina eletiva
TCC

160
60
80

5º PERÍODO
Morfologia do Português
Literatura de Língua Portuguesa 3
Projeto Pedagógico, Organização e
Gestão do Trabalho Escolar
Estágio Supervisionado 1
Disciplina eletiva
Projetos Integradores 5
7º PERÍODO
Semântica do Português
Estágio Supervisionado 3
Disciplina eletiva
Projetos Integradores 7

60
80
60
40

80
80
60
80
60
40

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Por mais que o PPC – Letras/UFAL esteja defendendo um
posicionamento firme acerca da formação do profissional tanto sobre o ensino
de língua(s), quanto sobre a ação reflexiva do professor, podemos perceber
que a grade curricular, em sua totalidade, está centrada mais na apropriação
do conhecimento específico, deixando de lado a formação defendida por
pesquisadores da área de educação como Gatti (2003; 2014), Pimenta e Lima
(2012) e Dias e Lopes (2003), conforme explícitos acima.
Um exemplo deste distanciamento pode ser confirmado nas análises
das competências e habilidades exigidas no Projeto Pedagógico do Curso de
Letras/UFAL, podemos notar que se trata de um espelho dos documentos
oficiais nacionais citados neste trabalho, diferenciando-se dos mesmos,
apenas detalhando as informações previstas nos documentos oficiais.
Na medida em que uma política se expressa em textos oficiais, como o
projeto de política do curso, limita-se a reproduzir uma política macro (as
Diretrizes, por exemplo) fortalece a nossa defesa sobre o controle do trabalho
do professor e não como ponto de partida para acionar conhecimentos e de
buscar outros, necessários à atuação profissional.
Por outro lado, não podemos ser levianos em acreditar que poderia ser
diferente; estamos cientes que no Brasil, as políticas públicas como a
educação sempre sofrem mais influência na direção macro-micro do que na
direção inversa, embora, o micro possa influenciar o contexto macro. No
curso em análise, é possível ainda ver uma nítida separação entre os
professores da área de conhecimento específica e os da área de
conhecimento pedagógico, assim como também a persistente dicotomia entre
a pesquisa acadêmica e a pesquisa em sala de aula o que desfavorece a
relação teoria-prática.
A noção de competência e habilidades ajuda a fragmentar a formação,
prevalecendo a distorção do entendimento de que a associação entre
desempenho do aluno é diretamente dependente do desempenho do

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professor, ou seja, alunos com bom desempenho escolar possuem bons
professores ou professores eficientes.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação de professores, como bem ressalta Gatti (2014) e Lüdke
(1995), é um processo de conhecimento compartilhado, gerando conflitos e
desenvolvendo novos entendimentos acerca da ação docente, pois o
exercício da profissão – a prática docente – exige desafios de diferentes
ordens: cultura organizacional, prática da sala de aula, práticas pedagógicas,
seleção dos conhecimentos mais significativos.
Levando em consideração que essa formação é um conjunto de ações
pedagógicas, intrinsecamente ligadas ao entendimento do professor quanto
ao seu processo de formação e (re)conhecimento pedagógico, podemos
entender que ainda há algumas lacunas a serem preenchidas quanto à
formação do profissional, mais precisamente do profissional do curso de
Letras/UFAL.
Por ser um estudo ainda incipiente e focado em análise documental,
precisamos entender como a noção de competência e habilidades tem sido
expressa na atuação dos professores do curso, como esses professores têm
(re)significado seu modo de atuação e, acima de tudo, precisamos fazer essa
análise porque acreditamos que um texto político traduz apenas parte de uma
política, escolhendo determinadas vozes e perspectivas, silenciando outras.
Tais entendimentos serão abordados em trabalhos futuros.
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BRASIL, Ministério da Educação. Lei Federal nº. 9394, de 20 de dezembro de
1996. LDB -Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
BRASIL, Ministério de Educação e do Desporto. Conselho Nacional de
Educação / Conselho Pleno. Resolução CNE/CP 1/2002. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Brasília.
BRASIL. Parecer CNE/CP 9, 08 de maio de 2001. Estabelece as Diretrizes
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PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 7 ed. São Paulo:
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métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2ª ed. Novo
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DA LEITURA PRAZEROSA PARA A LEITURA CRÍTICA DO
MUNDO
Maria das Dores de Lima Palmeira
m.dorespalmeira@hotmail.com
José Domingos Silva Ferreira
domingosferreira@hotmail.it
RESUMO: O presente trabalho tem como alvo refletir sobre contribuições
da leitura pedagógica prazerosa para uma leitura crítica do mundo com o
objetivo de ressaltar a grande importância da literatura infantil para o leitor
em formação. Enfatiza-se seu grande valor para a criança no processo de
construção de seu amadurecimento emocional. Dessa forma, apontam-se
maneiras de como esse tipo de leitura pode despertar o interesse do/a
pequeno leitor de modo prazeroso. Mostra-se também que além do prazer e
das emoções, a literatura infantil atua pouco a pouco nas mentes das
crianças, e assim ajuda a resolver conflitos nessa fase de desenvolvimento.
A leitura crítica implica em um diálogo que busca atingir o discurso que
veicula pelo texto.
Palavras- chave: Leitura, Prazerosa, Crítica e Literatura.

1 INTRODUÇÃO
No presente artigo apresentam-se aspectos relevantes sobre a
literatura infantil, pertinentes à formação intelectual moral e social do leitor
(a) em formação, pois ela é de suma importância para a referida formação,
permitindo que a criança construa conhecimentos e amplie sua visão de
mundo, através de uma atividade prazerosa.
A

leitura,

enquanto

fenômeno

que

passou

por

grandes

transformações, continua transformando a sociedade a partir das
considerações sociais presentes na sociedade brasileira. Ademais,
apresenta a literatura como forma prazerosa de comunicação para o
despertar de um mundo mágico no qual as crianças poderão se tornar

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leitores assíduos, libertos e críticos com capacidade de expressão e
comunicação.
Uma das funções primordiais da literatura é a formação de leitores
que sintam prazer e compreendam o que leem e se humanizem com a
leitura. Nesse sentido, a prática da leitura crítica e contextualizada
oportuniza uma conquista de autonomia e permite uma transposição do
senso comum, pertinente para uma vida cidadã.
Dessa forma, a escola deve favorecer, através do ato de ler, a
dinamização da leitura crítica, para com isso, desenvolver nos alunos e
alunas a capacidade de questionar, diante das obras escritas por autores,
que além da emoção a criança possa ler o que estar nas entrelinhas do
texto. Pois, o leitor crítico é capaz de compreender para além das linhas.

2 LER E ESCREVER COM PRAZER
A capacidade criadora do homem e da mulher, fabular e sonhar vem
realizando sua leitura de mundo seja em paredes de cavernas, através de
rabiscos e desenhos ou em modernos computadores, marcando dessa
forma, sua passagem e reproduzindo-se como um ser capaz de reproduzir
e tornar-se agente e narrador de sua própria história.
Convém citar Cavalcanti (2004, p.20).

Assim, imerso no mundo simbólico preenchido pelas imagens
universais foi traçando o seu caminho e se fortalecendo como
sujeito da linguagem e de si, portanto criador de cultura. [...] como
ponto máximo do processo de humanização, que vai provocar a
descoberta de uma realidade capaz de ser narrada e
transformada.

À medida que as práticas humanas foram se modificando surgiram
novas tecnologias de leitura, a exemplo das tábuas de barro, de metal, em
couro, em papiro, em pergaminhos, até o surgimento do papel. O homem

p. 421
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primitivo lia os sinais deixados nas cavernas, os desenhos rupestres, as
mensagens deixadas em cascas de árvores, desenhadas em pedras, etc.
Dessa forma, pode-se associar o nascimento da leitura como um
fenômeno linguístico que passou por grandes mudanças, desde seus
primórdios até a atualidade, transformou-se, transformou e continua
transformando a sociedade. A história da Leitura e da escrita se inicia com
muita discriminação, estavam restritas a poucos privilegiados. Esse direito
era garantido a filósofos e aristocratas, entre outros de classes abastardas.
Uma minoria era alfabetizada, as igrejas, os mosteiros converteram-se nos
únicos centros da cultura letrada.
O mundo da leitura e da escrita, fundamental para o ingresso e a
participação do indivíduo na sociedade, é um importante instrumento para
a construção da cidadania. É por isso, uma atividade de interação entre
sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação de sinais gráficos.
Segundo Freire (2011), o ato de ler não se esgota na decodificação da
palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência de mundo.
Dessa forma, é pertinente para descobrir e expandir horizontes.
Como também ferramenta de relevante importância de comunicação,
deverá ser vista como um ato de prazer que poderá ser instigado desde a
mais tenra idade por pais, professores e meios de comunicação. E dessa
forma, manifestar opiniões e o favorecimento do diálogo e diferentes
possibilidades de sentido.
Silva (2002, p. 75), entende a leitura a partir das considerações
sociais presentes na realidade brasileira. "Ler é um direito de todos e, ao
mesmo tempo, um instrumento de combate à alienação e à ignorância". É
pertinente que a leitura como função social esteja relacionada com uma
liberdade na leitura por prazer, compreender e criticar o que foi lido. Nesse
sentido, a literatura constitui modalidade privilegiada de leitura, em que a
liberdade e o prazer são visivelmente ilimitados.

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Conforme Silva (2009, p.131).
Ler traz inegáveis benefícios. Qualquer tipo de leitura pode
contribuir para a formação e o enriquecimento da bagagem
cultural dos alunos, mas é a leitura literária que tem o maior
poder de alargar seus horizontes.

Nesse sentido, é perceptível que a literatura, se apoia na palavra
para que a criança se torne capaz de abarcar melhor a pluralidade cultural,
a diversidade que preside as relações sociais. Produtos artísticos, a leitura
de os textos literários, voltados para o emocional e o intuitivo, estar
atrelada a um proposito instrucional, ideal a formação do ser humano,
pertinente para o exercício da cidadania. Segundo Silva (2009), a literatura
“favorece o aguçamento da percepção, o ativamente da memória, o cortejo
entre realidade e ficção, a análise avaliativa, o julgamento crítico”.
Assim, a literatura poderá propiciar ao leitor a reflexão e a análise
critica da realidade e do mundo advinda das diferentes mensagens e
indagações que a literatura oferece. Com isso mobiliza o leitor para um
processo de leitura eminentemente ativo capaz de criticar, julgar e definirse como verdadeiro cidadão. Pois o ensinar a ler, para aprender a ler
deverá ser para produzir sentidos e com isso ler o mundo, como uma
dinâmica interativa e assim possibilitar melhor percepção do indivíduo no
universo das palavras e do contexto a que se refere.
Segundo Candido (1972), a literatura como força humanizadora
exerce três funções na expressão e formação do ser humano: A
psicológica, ligada à necessidade de ficção e fantasia do ser humano e à
capacidade de se reelaborar o real por meio da ficção. A formativa se dá
através de manifestações, como faz a própria vida. E a função de
conhecimento do mundo e do ser, visto que a literatura é uma forma de
representação de uma realidade social e humana.
Conforme Abramovich (1997, p.17):

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É através de uma história que se pode descobrir outros lugares,
outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra
ética, outra ótica... É ficar sabendo história, filosofia, direito,
política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome
disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula.

Dessa forma, quanto mais cedo se iniciar a criança no mundo da
leitura, mais cedo ela gostará de ler e terá maior probabilidade de tornar-se
um adulto leitor. Assim, se estará formando bons leitores, que significa
encantar as crianças e enfeitiçá-las com o poder que vem dos livros.
Assim, a literatura poderá contribuir para o desenvolvimento social,
emocional e cognitivo da criança, favorecer, dessa forma, a formação de
um indivíduo crítico, responsável e atuante na sociedade.

2.1 LEITURAS: PORTAS QUE SE ABREM PARA O MUNDO
A leitura é uma aquisição necessária para a participação social e
efetiva a todos os indivíduos, pois por meio dela, o ser humano pode se
comunicar ter acesso à informação, expressar e defender o seu ponto de
vista, partilhar ou construir visões de mundo, como também conhecer o
mundo sem sair do lugar e além do que foi mencionado, é uma forma de
inclusão, necessária aos seres humanos e assim possam tornar-se
verdadeiros cidadãos e cidadãs. Segundo Infante (1998, p.46) “a leitura é o
meio de que dispomos para adquirir informações e desenvolver reflexões
críticas sobre a realidade”.
Segundo Gregorin Filho (2002, p.51).
Aprender a ler e utilizar-se da literatura como veículo de
informação e lazer promove a formação de um indivíduo mais
capaz de argumentar, de interagir com o mundo que o rodeia e
tornar-se agente de modificações na sociedade em que vive.

Nesse sentido, a leitura abre portas para o humor, para a aventura,
para mobilizar diferentes tipos de sentimentos, para conhecer o mundo,

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culturas diferentes e a própria cultura. Aprender a ler é acima de tudo
aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto numa dinâmica que
vincula linguagem e aprendizagem de leitura, é um ato de educação
profundamente política.
Portanto, a leitura é um instrumento de acesso à cultura e à
realidade social de grande importância no desenvolvimento do ser
humano. Como fonte de informação, possibilita a percepção da realidade
do indivíduo, de seus problemas e conflitos, facilitando a aquisição
de diferentes pontos de vista sobre esta realidade, pois a pessoa bem
informada tem noção dos seus direitos e deveres, podendo exercer sua
cidadania com maior facilidade. Mas, faz- se necessário que a prática de
leitores seja crítica e contextualizada e não uma simples decodificação
mecânica de fonemas e grafemas, sem buscar o entendimento e reflexão
das diferentes estruturas textuais.
A leitura acompanha o indivíduo por toda a vida, que poderá ser
desdobrada como fonte de prazer, conhecimento, descoberta. A leitura
ultrapassa os muros escolares, possibilita uma conquista de autonomia e
permite uma transposição do senso comum, sendo possível receber
informações culturais, sociais e econômicas.
Conforme Badejo (2005, p.5).
A leitura não é somente a apropriação do ato de ler e escrever;
ela envolve o domínio de um conjunto de práticas culturais que
envolvem uma compreensão do mundo diferente daquela dos
que não têm acesso à leitura. A leitura tem um papel tão
significativo na sociedade que podemos dizer que ela cria novas
identidades, novas formas de inserção social, novas maneiras
de pensar e agir.

Conforme Lerner (2002, p.75), “o essencial é [...] fazer da escola um
âmbito propício para a leitura é abrir para todas as portas dos mundos

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possíveis, é inaugurar um caminho que todos possam percorrer para
chegar a serem cidadãos da cultura escrita”.
Freire (1993) ressalta que a leitura literária abre as portas para o
leitor que tem o direito de construir sua visão de mundo, com todo o
arsenal de significações que se possa embutir a partir dessa leitura, como
também, poderá haver uma revisão de conceitos e do papel que esse leitor
exerce em sua realidade.

2.2 LEITURAS: ESCOLA E PROFESSOR
Facilitar a aprendizagem da criança no mundo da leitura é uma das
prioridades da escola, visto que ela assume um papel fundamental na
aprendizagem de todos os conteúdos escolares. O sucesso escolar
depende do domínio dessas habilidades e competência, obviamente,
outros fatores interferem na aprendizagem. Mas, sem dúvida, o domínio
eficaz da leitura assume uma importância decisiva. Para Barbosa (1994, p.
142) “o que realmente importa é que a criança progrida na leitura e
encontre prazer e sentido nos múltiplos contatos com a língua escrita”.
O desenvolvimento e o aprendizado infantil têm início muito antes
de as crianças adentrarem no ambiente escolar. Elas trazem consigo
experiências anteriores e essas vão se
relacionar com as oferecidas pela escola. Desde as fases escolares iniciais
se constrói a curiosidade pelo livro e pelas histórias que ajudarão o aluno a
ter uma boa leitura.
A importância da leitura para a formação da personalidade do
indivíduo é uma necessidade de se proporcionar às crianças o convívio
com textos literários, para que eles cresçam estimulados a ler, descobrindo
o mundo e a si mesmas.

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Conforme apontado por Lazier (2010, p.46),
A fantasia oferece o suporte que auxiliará a criança na sua
forma de entender, conviver, interagir e agir no mundo. Para
uma história ser interessante, prender a atenção, conseguir
entreter e despertar curiosidade da criança, não é necessário
que seja nova para ela, mas que desperte emoções, que sugira
soluções, que nem sempre serão aparentes, e que fale na
linguagem que a criança se encontra. As crianças querem e
precisam reviver a fantasia, pois esta propicia imaginar um
mundo com outras possibilidades.

Assim, é pertinente destacar que o prazer pela leitura literária passa
pela interação entre leitor e texto e pela imprescindível mediação do (a)
professor (a). O papel do (a) professor (a) como mediador (a) para o
incentivo a leitura que não deverá ser voltada apenas para a transmissão
de conhecimento padrão da língua e demais conteúdos curriculares,
desarticulados da realidade do (a) aluno (a), perpassam pela simples
decodificação de códigos. Logo, é no ambiente escolar que as crianças
afloram a prática de leitura, nesse sentido, o (a) professor (a) torna-se
parte fundamental nesse processo.
Nessa perspectiva, a literatura infantil, é um recurso pedagógico de
sentido amplo e deve ter um espaço significativo nas práticas escolares,
assim cabe ao professor (a) trazer boas referências para a sala de aula,
trazendo as histórias já conhecidas e apresentar novas para que os alunos
e alunas ampliem seus conhecimentos de mundo.
Silva (2002, p. 96), esclarece: “A leitura não pode ser confundida
com decodificação de sinais, com reprodução mecânica de informações ou
com respostas convergentes a estímulos escritos pré-elaborados”. Ler é
um ato de interação comunicativa, pois, possibilita aos sujeitos, a
apropriação de um dos maiores avanços tecnológicos da humanidade, que
é a escrita, fundamental para a alfabetização.
Convém citar Todorov (2010 p.23-24)

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(...) a literatura abre o infinito essa possibilidade de interação
com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos
proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real
se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe ser um
simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas
educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua
vocação de ser humano.

Assim, o trabalho com o texto literário de forma interativa é um
desafio para os professores que lidam com o ensino da língua materna. A
importância do repertório de textos interessantes deverá estar de acordo
com as preferências e os interesses dos alunos e alunas para o trabalho
cotidiano na escola. As escolhas compartilhadas entre o leitor- professor e
o leitor-aluno vão determinar a relação com as práticas de letramento
literário, uma vivência com outro mundo cheio de possibilidades, mesmo
que seja de fantasias como os contos infantis. A escolarização da criança
em convívio com a leitura de textos literários poderá promover o seu
crescimento e aprendizado na oralidade e na potencialização do ouvido
como ser pensante.
Inserir uma criança no mundo da leitura é trazer esse universo para
a escola e dinamizá-lo junto às novas gerações que precisam ser
educadas para se tornarem cidadãs de deveres e de direitos, incluindo o
de ler. Silva (1998) argumenta que sem professores e professoras que
leiam que gostem de livros, que sintam prazer na leitura, muito dificilmente
modificaremos a paisagem atual da leitura escolar. No entanto, pensar a
literatura como arte e manifestação cultural possibilita o aprendizado da
leitura e abre caminhos para a formação de leitores, uma vez que
aproxima o leitor das personagens e, ao mesmo tempo, transforma sua
maneira de ver o mundo e as coisas que o rodeia.
Nessa linha de pensamento, Aguiar e Bordini (1988) afirmam que a
formação do leitor envolve sua participação ativa na construção dos
sentidos. Dessa maneira, a leitura literária permite ao indivíduo descobrirse em seu papel de interação com o texto. Para isso, a escola deve

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promover o “encontro” entre leitor e texto, permitindo que esse leitor se
reconheça na obra, sinta que sua cultura pode estar vinculada com o texto
lido.
É essencial que o (a) professor (a) saiba fazer uma leitura
contextualizada, abrangente e crítica dos livros que lê com seus alunos e
alunas. O aluno precisa receber estímulo para a leitura, até mesmo no
momento de escolher um livro que lhe agrade, de forma que a leitura se
torne algo prazeroso e não apenas obrigatório.
Segundo Silva (2002, p. 14):
Quem se dispõe a entrar numa sala de aula para ensinar tem
que saber satisfatoriamente aquilo que ensina, tem que dominar
os conteúdos e suas disciplinas, para orientar a leitura, o
professor tem que ser leitor, com paixão por determinados
textos ou autores e ódio por outros.

2.3 LEITURAS: LITERATURA E ESCOLA.
A Literatura Infantil deve ser apreciada e corresponder às
expectativas da criança. Dessa forma ela pode saciar seu apetite pelo belo
e pelos anseios da imaginação infantil. É por meio da literatura que a
criança poderá despertar uma nova relação com diferentes sentimentos e
visões de mundo, condições para o desenvolvimento intelectual e a
formação de princípios individuais para seus próprios sentimentos e ações.
Pois, A literatura é necessária na escola para que a criança compreenda o
que acontece ao seu redor e assim, seja capaz de compreender diferentes
situações e com isso, escolher caminhos com os quais se identifica.
Almeida (2009, p.26) relata que:
Ler, segundo Freire, não é caminhar sobre as letras, mas
interpretar o mundo e poder lançar sua palavra sobre ele,
interferir no mundo pela ação. Ler é tomar consciência. A leitura
é antes de tudo uma interpretação do mundo em que se vive.
Mas não só ler. É também representá-lo pela linguagem escrita.
Falar sobre ele interpretá-lo, escrevê-lo. Ler e escrever, dentro

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desta perspectiva, é também libertar-se. Leitura e escrita como
prática de liberdade.

Portanto, quando a escola tem uma visão libertadora e humanizada
conduz o indivíduo a uma força transformadora e com isso, amplia
horizontes. Para isso, se faz necessário que os (as) professores (as)
conheçam a importância da leitura literária na sua prática pedagógica, para
que as crianças possam refletir sobre si e sobre o mundo. É no convívio
escolar que as crianças podem mostrar sua capacidade de compreensão e
interpretação, adquiridos com a leitura. É um lugar onde a troca de
experiência entre aluno
(a) e professor (a) produz o desenvolvimento individual através recursos
pedagógicos de maneira satisfatória.
Para Freire (2011), primeiro há a leitura de mundo, depois a leitura
da palavra, para assim constituir a palavra mundo que pode ser entendida
como a relação estabelecida entre o texto lido, com o contexto do (a) aluno
(a), que de forma ativa interage, construindo seu significado. “A
aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação e
educação é um ato fundamentalmente político”. (id, p. 14)
O sentido da linguagem literária passa pela interação significativa
entre leitor e texto que transcende o sentido único da comunicação e surge
na visão de Coelho (1980), como “aquela que busca expressar
estilisticamente a beleza, a emoção ou a verdade essencial de uma
realidade ou experiência.” Coelho (1980, p. 15).
Ainda conforme Coelho (1980, p. 29):
Literatura é um sistema de signos. Como todo o ser vivo é
organizado em células, vísceras e funções, também ela possui
um corpo que é a matéria verbal: os signos que se organizam
em frases, discursos, ritmos, melodias estrofes, capítulos,
períodos, etc. A espessura verbal corresponde a esse
amálgama de signos e funções. O espírito que lhe dá existência
real e significação é o do escritor.

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O ensino da leitura e da escrita desencadeia, para o (a) aluno (a),
prazer da descoberta do texto, como elemento capaz de afetá-lo emocional
e cognitivamente. Ao oferecer ao aluno-leitor um novo olhar sobre a
realidade que o cerca, estimula-se nele o movimento, o despertar da visão
crítica e reflexiva do real através da recepção da leitura literária. A
Literatura agrupa vários significados e apresenta-se como portal de acesso
a

todas

as

outras

ciências,

propiciando

o

voo

filosófico.

Esse

posicionamento crítico diante do texto literário conduz a criança a repensar
o mundo, e pode ser trabalhado na escola de várias maneiras.
A partir da leitura o indivíduo poderá ser capaz de compreender
melhor sua realidade e seu papel como sujeito nela inserido. Os textos,
principalmente os literários, são capazes de recriar as informações sobre a
humanidade, vinculando o leitor aos indivíduos de outros tempos. Nas
palavras de Larrosa (2000), ler consiste em ver as coisas diferentes, coisas
dantes nunca vistas, entregar-se ao texto abandonar-se nele. A obra
literária abre as portas para um leitor que tem o direito de construir sua
visão de mundo, com todo o arsenal de significações que se possa embutir
a partir dessa leitura e a partir disso, pode haver uma revisão de conceitos
e do papel que esse leitor exerce em sua realidade.
Dessa forma, evidencia-se a necessidade de instrumentação da
literatura ligada, não só a forma com que deixamos o (a) aluno (a) receber
e perceber a leitura literária, contribuindo para a auto reflexividade, como
também demarcar o lugar e a finalidade do ensino da leitura e da literatura
em nossas escolas.
Nesse sentido, Candido (1972), destaca a importância da
comunicação entre as esferas da produção literária. Assim, a literatura
deverá ser conhecida, expandida e valorizada, pois ela além de facilitar a
aprendizagem de leitura, pertinente para inclusão social, favorece a

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humanização dos sujeitos, amplia a visão de mundo necessário para uma
vida cidadã.
Nogueira (2003) discorre que a literatura se estrutura em um espaço
de relações dos mundos exterior e interior e, logo se refere a um autêntico
exercício existencial em que há necessidade de ser vivenciado na escola
de forma a relacionar as diferentes disciplinas. Além disso, a autora
mencionada defende a formação integral do (a) aluno (a) a partir das
leituras que possibilitam a ampliação do universo de conhecimento e a
descoberta acerca do mundo. Martins (1994) propõe pensar a leitura em
três níveis básicos: sensorial, emocional e racional.
A sensorial, ligada a audição, ao tato, a audição, ao olfato, ao jogo
de cores, imagens e sons, incita o prazer, a busca que pode agradar ou
trazer rejeições aos sentidos. Tem início muito cedo e acompanha o leitor
durante toda a vida, é a primeira leitura que é feita do mundo. Acompanha
essa leitura o aspecto lúdico da descoberta do mundo que nos cerca, o
prazer, o gosto e o desgosto do que agrada ou desagrado os nossos
sentidos.
Segundo Silva (2009 p. 29):
A trajetória de leitura deve ser iniciada o mais cedo possível,
antes da alfabetização escolar, pela audição de histórias e
poemas, com a criança acompanhando no livro a versão visual
dada pela ilustração.

Esse nível de leitura que iniciará a criança no universo da leitura dos
livros, fazendo- a gostar mais ou menos deles, através da beleza das
ilustrações e o encantamento dos enredos, daí poderão surgirá motivação
de alfabetizar-se, de ser capaz de chegar até o livro e desvendá-lo sem
ajuda. O modo como lemos uma situação depende muito do nosso
sensorial.

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Já a leitura emocional, situada no campo das emoções, envolve o
leitor pelo seu inconsciente o leva a fazer parte da história, sentindo todas
as emoções que esta provoca, despertará no leitor sentimentos de alegria,
tristeza, angústia, estimula a fantasia e a curiosidade e evoca lembranças.
Possivelmente é fruto de nossa primeira leitura, da primeira
impressão que nos causa o livro, um enredo, uma história. A leitura
emocional está ligada ao lazer, ao prazer, ao entretenimento que poderá
ser uma possibilidade de distanciamento da realidade para organizar e
reorganizar

conflitos

e

sentimentos.

E

uma

possibilidade

de

extravasamento das emoções, conflitos, fantasias e tensões. Martins
(1992) nos revela que no momento em que a leitura desperta no leitor
sentimentos como a alegria, tristezas, emoções, lembranças, fantasias,
deixamos de fazer uma leitura intelectual e passamos para o nível de
leitura emocional, ou seja, quando o texto consegue mexer com o
inconsciente do leitor, assim também acontece nos outros níveis de leitura.
Quanto à leitura racional, supostamente condicionada por valores
determinados por grupos de intelectuais que julgam poder impor regras à
maneira de ler e compreender os textos canonizados por uma elite letrada.
Esse nível envolve também a busca do significado
de um texto e se processa na medida em que o leitor consiga interagir com
ele e assim estabelecer uma ponte com o conhecimento.
MARTINS (1992, p.66).
Importa, pois, na leitura racional, salientar seu caráter
eminentemente reflexivo e dinâmico. Ao mesmo tempo que o
leitor sai de si, em busca da realidade do texto lido, sua
percepção implica uma volta a sua experiência pessoal e uma
visão da própria história do texto, estabelecendo-se, então, um
diálogo entre este e o leitor com o contexto no qual a leitura
realiza. Isso significa que o processo de leitura racional é
permanentemente atualizado e referenciado.

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É pertinente frisar que esses três níveis de leitura, sensorial,
emocional e racional acontecem respectivamente em ordem cronológica,
pois quando pequenas, às crianças ficam atentas cores, as formas e aos
sons. Posteriormente adquire-se a emocional em que há o envolvimento
com a leitura e por último a racional, que é quando há uma compreensão
mais aprofundada do texto lido, lê-se com o intelecto, com a razão, esse
hábito torna o leitor, um leitor crítico. Não se deve supor a existência
isolada de cada um desses níveis. Assim, a experiência literária pode
tornar o mundo compreensível por transformar a sua materialidade em
palavras de cores, odores, sabores e formas, emoção e razão. Dessa
forma, a literatura cumpre o seu papel humanizador na prática educativa.
Partindo-se do princípio que a leitura não é um processo linear e,
portanto, possibilita diálogos, inferências, construções, reconstruções e
confrontos, percebe-se a importância de enxergarem-se as palavras
globalmente e adivinharem-se outras, associadas a experiências anteriores
e hipóteses de leitura, o que poderá vir a ser vivenciado em espaços em
que as ações realizadas possam favorecer o exercício do ato de ler como
processo de interação entre o autor e o leitor, mediada pelo texto, através
de textos ficcionais ou não, e possibilite o desenvolvimento de uma postura
crítica perante o mundo que esse traduz. Observa-se que todo esse
processo deve existir para que o leitor possa compreender o explícito e o
implícito do texto e assim evolua socialmente, pois se necessita dessa
evolução intelectual para uma leitura mais complexa.

2.4 A PERTINÊNCIA EM LER COM OLHAR CRÍTICO
A formação de leitores é uma das temáticas que vem sendo
bastante discutida na área da Educação. Formar leitores é um papel que é
atribuído principalmente à escola e mais precisamente, ao professor (a). É
pertinente que a prática pedagógica do (a) professor (a) tenha uma

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intencionalidade, não apenas a de permitir acesso à leitura, como também
à de
possibilitar a reflexão a partir dela. Despertar nas crianças o gosto pela
leitura e com isso contribuir para a formação de leitores, possibilitando-lhes
o aguçamento da percepção, levando-os ao aguçamento do espírito crítico.
Pois, um leitor crítico, se coloca como co- enunciador, e com isso trava um
diálogo com o escritor, e assim poderá ser sujeito capaz de compreender o
mundo e nele atuar como cidadão.
Lisboa (1977, p. 82).
[...] o importante nos livros está nas entrelinhas ou atrás das
palavras impressas, o que se quer dizer é aquilo que os livros
contêm, não é diferente da vida. Escritos por homens eles
refletem o que é humano.

A literatura desperta na criança o contato com diferentes emoções e
visões de mundo, proporciona assim, condições para o crescimento interior
e a formação de parâmetros fundamentais para medir e codificar os
próprios

sentimentos

e

ações.

Abramovich

(1997)

discute

como

desenvolver por meio da literatura, o potencial crítico da criança.
Argumenta que por meio do contato com um texto literário de qualidade a
criança é capaz de pensar, perguntar, questionar, ouvir outras opiniões,
debater e reformular seu pensamento. Diante do exposto, provocar a
reflexão sobre a prática desenvolvida nas escolas, tendo objetivos
definidos a respeito do que se almeja alcançar em relação à leitura
literária, é o ponto de partida para a formação do leitor crítico
Essa forma de conceber a literatura pressupõe-se que através dela
a criança poderá ser provocada a fazer esforços mentais e assim, assumir
uma atitude crítica em relação ao mundo, advinda das diferentes
mensagens e indagações que a literatura oferece. Com isso, percebe-se
que a literatura é algo bom, natural fácil e prazerosa. O ensino da literatura

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é uma atividade que se justifica por um fazer transformador, formando
novos significados, causando mudanças socioculturais e crítica diante da
realidade.
É no convívio escolar que as crianças podem mostrar sua
capacidade de compreensão e interpretação, adquiridos com a leitura. É
um lugar em que a troca de experiência entre aluno e professore produz o
desenvolvimento individual e coletivo. O ambiente escolar é um espaço
privilegiado, no que diz respeito ao contato de leitores e livros, e pertinente
para a formação dos leitores e leitoras. Nesse sentido, a criança precisa
ser estimulada para dessa forma, conseguir por em prática sua criticidade.
Segundo Kuenzer (2002, p. 101):
Ler significa em primeiro lugar, ler criticamente, o que quer dizer
perder a ingenuidade diante do texto dos outros, percebendo
que atrás de cada texto há um sujeito, com uma prática
histórica, uma visão de mundo (um universo de valores), uma
intenção.

Freire (2005), ao destacar a conscientização como princípio básico
de toda educação: “É preciso, portanto, fazer desta conscientização o
primeiro objetivo de toda educação: antes de tudo provocar uma atitude
crítica, de reflexão, que comprometa a ação.” Freire, (2005, p.
46) A leitura crítica, o leitor concorda ou discorda da ideia principal. Esse
fator faz com que seja diferenciada da decodificação de sinais, reprodução
mecânica de informações que por muito tempo foi considerada como
interpretação textual.
Portanto, faz-se necessário que o professor e a escola favoreçam a
leitura, trabalhando-a para o desenvolvimento do senso crítico, o raciocínio
e enfatize que a mesma propicia momentos prazerosos que possibilita
novas descobertas e assim mais conhecimentos, além de enriquecer o
vocabulário, o aprimoramento da grafia e consequentemente a dicção,

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evidenciando ainda que a leitura proporcione resultados benéficos
principalmente em sua vida social.
Assim, a literatura tem finalidades muito mais amplas, já que a
leitura tanto de mundo como da própria palavra que leva o indivíduo a ter
uma visão ampla do que acontece ao seu redor, fazendo com que ele/ela
seja um cidadão/cidadã ativo e participativo na sociedade na qual está
inserido/a. dessa forma, verifica-se que somente através da leitura e da
escrita, é que formaremos cidadãos conscientemente críticos na
sociedade, em busca de um mundo melhor e não passivos a qualquer
influência e ideologia.
Conforme Cosson (2012, p.47)
A literatura é uma prática e um discurso, cujo funcionamento
deve ser compreendido criticamente pelo aluno. Cabe ao
professor fortalecer essa disposição crítica, levando seus alunos
a ultrapassar o simples consumo de textos literários.

Nesse sentido, Candido (1999), destaca a importância da
comunicação entre as esferas da produção literária. Assim, a literatura
deverá ser conhecida, expandida e valorizada. Segundo Freire (1989, p.
13), “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo,
mas por certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de
transformá-lo através da nossa prática consciente.” Verifica-se assim, que
a leitura crítica desestabiliza o mundo interior do indivíduo; gera-lhe
dúvidas e anseios por mudanças. Em um primeiro momento, ocorre a
inquietação; depois, alguns ajustes são feitos no mundo interior do leitor
por meio da reflexão para, finalmente, ocorrer a prática consciente, que
consiste no resultado do novo sujeito transformado, porém não concluído.
O ensino da leitura e da escrita desencadeia, para o (a) aluno (a),
prazer da descoberta do texto, como elemento capaz de afetá-lo emocional
e cognitivamente. Ao oferecer ao aluno-leitor um novo olhar sobre a

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realidade que o cerca, estimula-se nele o movimento, o despertar da visão
crítica e reflexiva do real através da recepção da leitura literária.
Conforme Silva (1996, p.27):
Lê-se para ficar informado. Lê-se para aprimorar a sensibilidade
estética. Lê-se para fantasiar e imaginar. Lê-se para resolver
problemas. E lê-se também para criticar e, dessa forma,
desenvolver posicionamentos diante dos fatos e das ideias que
circulam através de textos.

Conforme o modo como o professor trabalha com o texto literário na
escola, será possibilitado ao aluno e aluna realizar a construção e
reconstrução crítica da percepção da realidade social na qual está inserido
(a).“Para formar um leitor crítico, é importante que, desde o processo de
aquisição da linguagem escrita e no ato de ler, haja a compreensão por
parte daqueles que ensinam que o processo de alfabetização se dará na
medida em que a leitura da palavra esteja inserida na leitura do mundo e
estimule a continuidade da leitura dele” Freire (1989).
O (a) professor (a) necessita desempenhar o papel de um mediador
entre o aluno e o hábito da leitura, e para isso os (as) alunos (as) precisam
perceber que existem, assim, observa-se que o trabalho de leitura a ser
desenvolvido será bastante satisfatório. Portanto, o professor e a escola
devem favorecer a leitura, trabalhando-a para o desenvolvimento do senso
crítico, o raciocínio, enfatizando que a mesma propicia momentos
prazerosos e possibilita novas descobertas e assim mais conhecimentos,
além de enriquecer o vocabulário, o aprimoramento da grafia e
consequentemente a dicção, evidenciando ainda que a leitura proporcione
resultados

benéficos

não

apenas

nas

pesquisas

escolares,

mas

principalmente em sua vida social.
É pertinente lembrar que as crianças que são incentivadas a ler
desde pequenas, poderão desenvolver uma visão critica e um rendimento
escolar satisfatório. E é através da leitura que é estimulado na criança o

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prazer de ler os livros que lhe são apresentados e que certamente este
momento será o primeiro contato com a leitura. É por meio do hábito da
leitura que o leitor desenvolve a capacidade critica como também
desenvolve melhor capacidade de expressão oral e escrita.
Assim, o ato de ler proporciona ao leitor elementos que poderão
auxiliar no desenvolvimento de uma postura crítica diante do texto. Dentre
todos os benefícios proporcionados pela leitura ainda existe a relação
dialógica, pois permite que o leitor
converse com o texto, e faça uma reflexão acerca do que está sendo lido,
ressaltando que não faz a leitura apenas do que está escrito, pois se lê
também o que não está dito no texto. É um processo que se cumpre aos
poucos. Segundo Silva (1985, p. 58) “um dos objetivos básicos da escola é
o de formar o leitor crítico da cultura – cultura esta encarnada em qualquer
tipo de linguagem, verbal e/ou não verbal”.

3 CONCLUSÃO
Esse trabalho de pesquisa buscou mostrar que a leitura prazerosa
poderá contribuir para a formação de leitores, com uma reflexão sobre o
papel da literatura no espaço da formação de leitores. O gosto pela leitura
deve ser iniciado desde cedo, quanto mais cedo se iniciar a criança no
mundo da leitura, mais cedo ela gostará de ler. O incentivo da leitura se
dá principalmente quando iniciada desde a infância. A criança ao iniciar no
mundo da escrita, já apresenta o conhecimento de mundo. Quando se
abre, para o leitor, a possibilidade de ele se familiarizar com as visões
plurais reservadas pela linguagem literária, a sua consciência se expande
no convívio com o novo e responde de maneira criativa e própria.
Nesse sentido a didática utilizada pelos docentes deverá cooperar
para que o momento destinado à leitura seja aguardado pelas crianças,

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gere curiosidade, aguce o imaginário e desenvolva a criatividade. A leitura
na escola além do entreter e do emocionar, deve ser trabalhada pelos
professores e ser visto pelo aluno, como fonte de saber e como porta de
entrada para o conhecimento. Pois, a leitura e a escrita deverão ser
ensinada e aprendida na escola com intuito de uso e função social. Apesar
de não existir receitas prontas para se formar leitores, vê-se na literatura
uma contribuição efetiva no despertar do futuro leitor. É cabível ao
professor competente e criativo, a tarefa de articular atividades de leituras
significativas que induzam o (a) aluno (a) a utilizar e desenvolver sua
capacidade cognitiva, ampliar sua visão de mundo, pertinentes para uma
vida cidadã.
Portanto, espera-se que esse trabalho propicie uma reflexão
constante sobre as práticas de leituras realizadas nas escolas, como
também repensar as ações de inserção culturais dos (as) alunos (a.) para
com isso, possibilitar-lhes uma visão mais ampla do mundo e
consequentemente uma leitura crítica do mundo.

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DA PAIDEIA NA GRÉCIA CLÁSSICA À RELAÇÃO COM O
CORPO UTÓPICO FOUCAULTIANO: ILAÇÕES SOBRE O
DIÁLOGO DO DRAMATURGO ARISTÓFANES NO BANQUETE,
DE PLATÃO
Yvisson Gomes dos Santos
yvissongomes@hotmail.com
RESUMO: o presente artigo faz uma concatenação entre a Paideia grega,
utilizando o diálogo do dramaturgo cômico Aristófanes D’o Banquete, de
Platão (1995), buscando construir uma relação entre os corpos utópicos
foucaultianos com o mito dos seres circulares do referido dramaturgo.
Encontrar nas narrativas míticas um lugar/não lugar, um texto/tecido que trate
sobre a relação da díade professor e aluno, também se comporta como um
não lugar na esfera das contingências, das escansões propostas por Foucault
(2013; 2014). Conclui-se que a relação dialogal entre o mito aristofânico que
faz parte da educação grega (Paideia) poderá ser vista com as ilações do
filósofo francês na (des) construção entre os corpos utópicos com os corpos
que, por exemplo, compõem uma escola: sujeitos, teorias, dentre outros
(SANTOS, 2016).
PALAVRAS-CHAVE: Paideia – Platão – Foucault – Corpos – Utopias.

1- INTRODUÇÃO
A

Paideia

grega

clássica

e

a

filosofia

trouxeram

elementos

epistemológicos ao homem e as suas relações com o meio social,
pedagógico, metafísico e político, nos quais ele se formou em sua
humanidade graças a essa cultura educativa. Essas relações são cifradas em
códigos universais ou contingenciais. A ideia de Bem, de um Belo metafísico
campeou a construção da formação do πολιτικός (politikos)37 grego, do
homem da pólis, por exemplo.
O que apreendemos de relevante dos helenos foi à perspicácia da
“amizade à sabedoria” e de colocar as questões metafísicas no orbe público.
As privadas no espaço mínimo do oikós (lar, casa) ainda não possuíam essa
construção universalizante, pelo menos até meados do século XX D.C.
37

MUOLTON, H. K. Léxico grego analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

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A Educação como formadora do povo grego deu-se em diversas
escanções: das aristocracias, ao educador Homero e sua ascendência
cultural, vindo a Platão e Sócrates. A Paideia ou Educação nos fora tomado
de empréstimo para fazer relação com um diálogo platônico, d’O Banquete
(1995), sendo mais específico, com o discurso do dramaturgo cômico
Aristófanes, localizando em sua alocução a possibilidade de Foucault e seus
corpos utópicos fazerem urdidura com os seres cíclicos e gigantes narrados
pelo dramaturgo grego.
A ideia é de se pensar uma Paideia erótica que se define pelo corpo,
mesmo sendo-o utópico, através dos arquétipos míticos ou da fabulação. O
francês Foucault aferiu como sendo “meu corpo, topia implacável”
(FOUCAULT, 2013, p.07) – descrição audaciosa.
Pergunta-se: Como será visto na visão foucaultiana os corpos
aristofânicos no Banquete platônico? E qual a relação entre esse corpo
utópico com a Educação hodierna?
2 - A FORMAÇÃO DO POVO GREGO ATRAVÉS DA PAIDEIA: OU O
CRÍVEL DA EDUCAÇÃO
Necessitamos definir, a priori, o que vem a ser a Paideia grega.
Precipuamente, “[...] não se pode utilizar a história da palavra Paideia como
fio condutor para estudar a origem da educação grega, porque esta palavra
só aparece no sec. V." (JAEGER, 2010, p. 23). Nesse momento, a partir do
século V, na qual a formação do povo grego está em construção, junto com a
Aretê (virtude) aristocrática e homérica, e para construir pedagogicamente o
homem grego dotado de qualidades morais e éticas, a Paideia veio a "colocar
os conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por
meio deles verdadeiros homens, como o oleiro modela a sua argila e o
escultor as suas pedras" (JAEGER, 2010, p. 13).
Desta sorte, temos uma Educação que se firmou no V século a. C e
que fez com que os gregos, tantos os aristocráticos, quanto os do tempo de

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Péricles, pudessem organizar-se em uma pedagogia fértil que culminaria com
a maiêutica socrática. Para Jaeger:
A educação é uma função plena tão natural e universal da
comunidade humana, que, pela sua própria evidência , leva muito
tempo a atingir a plena consciência daqueles que a recebem e
praticam, sendo, por isso, relativamente tardio o seu primeiro
vestígio na tradição literária. O seu conteúdo, aproximadamente o
mesmo em todos os povos, é ao mesmo tempo moral e prático
(2010, p. 23).

Temos de observar que o termo Educação grega tem ainda outros
endereços. Ainda de acordo com Jaeger, “[...] a educação não é uma
propriedade individual, mas pertence por essência a comunidade. O caráter
da comunidade imprime-se em cada um dos seus membros e é no homem
[...], muito mais que nos animais, fonte de toda ação e do comportamento”
(2010, p. 04). Dando prosseguimento ao raciocínio do autor, “a Educação
participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino exterior
como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez
que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem
a vida humana” (Ibid, 2010, p. 04).
Como enunciado, os valores humanos e a Educação são respaldados
pelos princípios espirituais, em sentido forte do termo, e pela aretê (virtude).
Os desdobramentos desses valores fizeram dos gregos seres por excelência,
com uma estrutura estética e educativa amadurecida, que os educou e guiou
os seus descendentes com uma “tendência patente em todas as esferas da
vida – pensamento, linguagem, ação e todas as formas de arte [...] do ser
como estrutura natural, amadurecida, originária e orgânica” (JAEGER, 2010,
p. 11). E para corroborar, “a essência de toda a verdadeira educação ou
Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão
perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento"
(Ibid, 2010, p. 147).
Devemos lembrar que a Paideia parte da formação educacional do
povo grego, civilizando-o. Desde os textos que eram recitados pelos helenos,

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os textos homéricos, – estes sim, – um construto mitológico dos anseios,
desejos, limitações e antropomorfismo dos deuses, que teve a finalidade de
amoldar os seres em sua humanidade manifesta. Fala-se de Homero, a
saber:
[...] põe em cena dois heróis, que formam uma espécie de antítese,
mas a completam profundamente: Aquiles e Ulisses. Aquiles é o
guerreiro sublime, amante da glória, mas que não hesita em
sacrificar a vida para não perder a honra. A nobreza militar das altas
épocas, a cidade guerreira de Esparta, ou o comum dos cidadãos
nele encontrarão o exemplo do super-homem por imitar, ou
simplesmente por admirar. (...) Para aqueles a quem a virtude de
Aquiles pudesse desencorajar um pouco, existia outro modelo,
aparentemente mais acessível, e mais utilizável: o fino, o
engenhoso Ulisses, o homem dos mil truques, o ‘vivo’, sempre
capaz de safar-se de uma dificuldade, perfeito exemplo do saber
viver e, em todo caso, de esperteza; a virtude heróica é completada
pela sabedoria prática. (ASSA apud DEBESSE & MIALAERT,1974,
p. 09).

A saga dos heróis era contada pelos gregos aos seus filhos e
educandos para se manter viva a ascendência do povo que lutou e enfrentou
as fúrias dos deuses, tornando-os mais que genus, – outrossim uma
verdadeira civilização.
O que nos vem à mente é que estamos lidando com narrativas míticas,
cofundadoras da Educação helênica. Destarte, surge a pergunta: o que é o
mito? Segundo Marilena Chauí:
A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do
verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do
verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para
os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para
ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam
naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada,
portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. E
essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou
diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem
testemunhou os acontecimentos narrados (2013, Online, p. 01).

Nota-se que o mito pode ser visto como uma narrativa que escamoteia
a verdade ou dela se fala em fabulações. Ele conta a história humana por
lendas através do diálogo e dando ao narrador um ato de confiabilidade pelos

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textos/tecidos narrados pela oralidade. Colocamos a terminologia “texto” no
referente ao discurso falado que em si é “pré-textual”, entretanto é texto.
Os gregos se valeram desse artifício para instruir e civilizar o ser da
pólis. Deve-se lembrar de que estamos no âmbito da genealogia, da origem
dos deuses e dos humanos, pois, segundo Chauí: “um mito é uma narrativa
sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens,
das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da
saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das
guerras, do poder, etc.) (Ibid, 2013, p.01).
Já esclarecido o que vem a ser a Paideia grega e a importância do mito
na building helênica, passemos para o Banquete (1995) de Platão e, mas
especificamente, ao mito narrativo de Aristófanes, articulando-o com uma
teoria foucaultiana do Corpo Utópico (2013)
3- O DIÁLOGO DE ARISTÓFANES E SUA RELAÇÃO COM O CORPO
UTÓPICO DE FOUCAULT
Seria importante frisar que os diálogos platônicos eram um modo de
expressão conceitual para se falar sobre um tema específico. No Eutífron
temos o tema da piedade, na República, a organização de uma sociedade, no
Teeteto o conhecimento, no Crátiro, a linguagem, dentre outros.
A ossatura da fala de Sócrates, pai da maiêutica, foi transmitida por
Platão (seu maior discípulo) em formas de diálogos. De acordo com Maschio:
Todas as [...] obras do filósofo [exceto as Leis e das Cartas]
consistem numa espécie de peças teatrais, nas quais vão se
esmiuçando as doutrinas filosóficas por meio do diálogo entre as
personagens, com Sócrates como protagonista habitual e
indiscutível o que realmente sabemos é que as obras que chegaram
até nossos dias foram as que Platão escreveu pensando no ‘grande
público’, isto é, aquelas que tinham uma afinidade divulgadora e
expositiva do seu pensamento (2015, p.39).

Com frases emblemáticas como “o saber que nada sabe”, de Sócrates,
e outra do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo e verás a Deus”, o
sábio grego de corpo curvado e semblante não muito simpático, conquistou

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uma plêiade de discípulos e amigos (philia) que o fizeram ser o chanceler da
antropologia filosófica grega. Mas, mesmo assim, havia o dramaturgo cômico
Aristófanes – nosso objetivo de investigação.
É com Aristófanes no diálogo, O Banquete, que vamos tecer nossas
considerações.
Não é novidade, aos iniciados, que tal livro é extemporâneo ao
encontro de convivas de casa de Agatão. Isso já demonstra que a cultura oral
e a memória eram vivas e afinadas no modus operante grego. Podemos
refletir que:
O Banquete é ao mesmo tempo um dos mais belos e mais simples
diálogos platônicos [...] num jantar em casa de um poeta, que
comemora sua vitória no concurso de tragédias, resolvem seus
convivas instruir outro concurso, oratório desta fez, e em
consequência cada um deles um discurso de elogio ao Amor, a
divindade que presidia àquela jovial e ilustre heteria” (SOUZA, 1995,
p.12).

Estamos em um diálogo que se precognomina “d’O Amor”. Falava-se
sobre o Eros como aquele que unifica o universo e que faz amadurecer os
sentimentos nobres dos cidadãos gregos – “o de elogiar ao amor, servo de
Afrodite” (Ibid, p.13).
Muitos momentos sobre o Eros serão ditos na casa do anfitrião Agatão.
O Eros como estando desde os primórdios na cosmogonia helênica (Fedro),
os amores pandêmicos e urânicos (Pausânias), o amor que cura (Erixímaco),
o Eros que é falta e filho da pobreza e da astúcia (Sócrates), para agora nos
determos nos seres circulares e gigantes de Aristófanes, o dramaturgo
cômico.
No período da fala de Aristófanes, pela escrita de Platão, ele assim
retrata o tema do Amor:
[...] nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas
diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade,
não como agora, masculino e o feminino, mas também havia a mais
um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome,
desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto
na forma como no nome posto em desonra. Depois, inteiriça era a

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forma de cada homem, com dorso redondo, os flancos em círculo;
quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois
rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo [...]
(PLATÃO, 1995, p. 126-127).

Platão nos fala desses seres híbridos, considerados ameaçadores por
Zeus, pelo desejo de dominar o Cosmos. Eles eram os gigantes da era dos
Titãs, e como forma de punição Zeus os cortou em partes, em uma “téssera
complementar” (PLATÃO, 1995, p. 128), e os deu o umbigo como costura
final. Eles eram Gigantes: homem e homem, mulher e mulher e homem e
mulher – agora cindidos e em busca da sua metade mitológica.
Segundo Jaeger, “Aristófanes focaliza o problema em toda a sua
extensão, não só como amor entre os dois seres do mesmo sexo, mas sob
todas as formas em que se apresenta. A saudade dos amantes leva-os a não
quererem separar-se um do outro, nem sequer por breve tempo” (JAEGER,
2010, p. 732). O Eros entre esses seres, já repartidos, busca uma harmonia
espiritual, inefável. Ainda nas palavras de Jaeger: “o mito de Aristófanes
apresenta o eros como que se perdeu e que portanto se pretende voltar a
encontrar” (Ibid, p 733, grifo nosso).
Com essa afirmação do Eros que anseia sua parte, dos corpos que são
fissurados até se separarem, pensamos em Foucault através de seu ensaio O
corpo utópico (2013).
Para o filósofo francês o corpo é “uma topia implacável”, ou seja, com
ele há “uma familiaridade gasta, como com uma sombra, ou com as coisas de
todos os dias que no fim das contas não enxergo mais o que a vida
embaraçou” (p.07).
O corpo é um lugar que se transita, se camufla e se embaraça, – não
sendo lugar algum –, tão como os seres de Aristófanes, pontuamos. Eles
eram míticos e sua “utopia é um lugar fora de todos os lugares, mas um lugar
onde eu teria um corpo sem corpo, um corpo belo, límpido, transparente,
luminoso, veloz, colossal na sua potência” (FOUCAULT, 2013, p.08).

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Não seriam os corpos aristofânicos, míticos e gigantes uma utopia do
corpo incorporal foucaultiano?
Ora, se as narrativas míticas traduzem a existência de seres alados,
entidades que detêm poderes sobre seus corpos “impenetrável e opaco,
corpo aberto e fechado” (FOUCAULT, 2013, p.10), não seriam eles utópicos?
A demarcação que vislumbramos sobre o lugar/corpo/sem/lugar é
mítica, e tal fato se corrobora nas palavras do francês: “[...] na velha utopia
dos gigantes, que encontramos no coração de tantas lendas” (Ibid,, p.12, grifo
nosso).
Os seres circulares de Aristófanes eram seres gigantes e ameaçadores
aos deuses. Seus corpos foram cindidos para ratificar, mitologicamente, de
que não se pode viver em plenitude, em completude. As linhas gerais desse
Eros que sente falta requer a compreensão de que jamais encontraremos a
parte outra do corpo, mas a busca continuará intermitentemente.
A Paideia grega clássica nos ensina que o Eros separado é tal e qual a
um mestre e seu discípulo (JAEGER, 2010). Em termos gregos, do erômenos
e de seu erastes, uma pedagogia afiançada pelo conhecimento do mais sábio
e a juventude do amado/aprendiz.
Na ideia de dietética foucaultiana encontramos o cuidado de si, o
cuidado com o corpo (FOUCAULT, 2014). A premissa básica desse corpo que
deve ser cuidado remonta ao corpo que sofreu uma cisão e agora busca
unidade para tentar se tornar “um corpo”. Aristófanes buscou em seu diálogo
experienciar a falta absoluta dos seres híbridos, antes unos. O corpo/pele já
se mostra em uma utopia, em um lugar nenhum, evanescido. Nos
apontamentos de Paulo Ghiraldelli:
Assim, Foucault mostra que ‘para que eu seja utopia, basta que seja
um corpo’. Isso o faz transitar para os poderes utópicos do corpo.
Surge o corpo como um “grande ator utópico”. A máscara ou a
tatuagem ou os adornos e a vestimenta jogam o corpo, por ele
mesmo, para outros lugares, inclusive para o lugar-nenhum. ‘O
enfeite coloca o corpo num outro espaço’. ‘Alguém será possuído
pelos deuses ou pela pessoa que acaba de seduzir’(2017, p. 01,
online).

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Ainda com o filósofo Guiraldelli:
O texto poderia então acabar em 17 parágrafos, mas Foucault não
fica na dualidade da tese e da antítese. Ele busca uma síntese que,
hegelianamente falando, não encerra os momentos de tese e
antítese. Essa síntese é espantosa e bela. Trata-se do amor. Ele
mostra que pelos dedos do outro, lábios do outro e olhar do outro, o
corpo vai sendo constituído, vai se fazendo presente, e ao mesmo
tempo abrigando nele próprio o lugar-nenhum (Ibid, p.01, online)

E finalizando com o comentador do texto foucaultiano, lê-se:
O olho se fecha e não é o espelho que está mostrando a pálpebra
que não podemos ver, mas é um outro olho, que funciona como um
eu ou em um eu, que dá garantias de como que a pálpebra é
quando se fecha. Também uma boca que serve para abrir e falar,
repentinamente tem, então, um reconhecimento dos lábios na
medida do toque do lábio do outro. O morrer do amor, que é gozo,
faz a experiência do cadáver, que parecia não se poder ter, surgir
sem que se morra. O lugar-nenhum do cadáver se faz presente no
corpo, que é um lugar. Foucault termina dizendo que o amor é tão
bom, que gostamos tanto dele, porque ele faz a utopia do que vai à
cabeça, no espelho e no cadáver poderem se fazer, exatamente
no aqui do corpo. O amor faz o corpo, enquanto não utopia, trazer
para si a utopia. Eis a síntese, exatamente no último parágrafo
(Ibidem, p. 01, online).

Esse lugar-nenhum de outros espaços físicos, também se coloca na
relação fronteiriça que temos com nossos corpos. Se formos levá-los a
Educação hodierna, teremos corpos teóricos, corpos de professes e alunos
em construto, pois:
Esquece-se que dentro de uma escola há diversos sujeitos
demarcados [...]. Os alunos que se agrupam em tribos. Os
professores com suas teorias e práxis pedagógicas. Ou seja, o
corpo também é ação, também é heterotipia. O grupo dos nerds,
outro dos tatuados, outro dos roqueiros, dos religiosos, outros dos
clubbers etc. Tudo isso é um corpo, mas que se encontra facetado
em múltiplos corpos. O corpo-escola encontra-se minado e povoado
por corpos-alunos, corpos-professores, corpos-diretores, corposauxiliares, corpos-múltiplos (SANTOS, Y. G., 2016, p. 07).

E dando prosseguimento a interlocução do autor:
Toda uma teoria que se valha de ser pedagógica também é um
corpus teóricos. Piaget, Wallon, Vygotsky, Paulo Freire, Pestalozzi,
dentre outros, foram teóricos da educação ou pensaram a educação

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em formas particulares. Eles criaram perspectivas teóricas para se
pensar, por exemplo, o ensino-aprendizagem, ou a psicogenética
infantil. Eles descreveram os sentidos da educação guiados por
uma ordenação teórica que para Freud poderia ser uma experiência
de sublimação11. A concepção de que há um corpus teóricos
nesses autores que pensam a Educação, já se inscreve em algo, a
saber, o discurso do biopoder (Ibid, 2016, p. 07).

E sabendo disso, podemos dizer que esses corpos povoam os espaços
escolares e seus membros fazem parte visceralmente desses espaços
privilegiados (topias). Fala-se que o corpo se encontrará “sempre em outro
lugar, ligado a todos os outros lugares do mundo” (FOUCAULT, 2013, p.14),
tal como na relação dialética entre professor e aluno que está em construção
nas articulações entre teorias e práticas através dos processos educativos. E,
também no espaço escola como móbil de existência física, mas deslocada a
utopias, ou como bem falou Foucault (2013), em heterotopias – esse tema
ficará para outro momento.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
No percurso que fizemos, observamos que a Paideia é a formadora da
cultura grega clássica, e que o mito se mostra presente nessa cultura como
building. Se houve narrativa mítica entre os helenos, houve a educação
ágrafa, oralizada e declamada.
As relações dos corpos com o mito de Aristófanes, no Banquete,
traduziu a necessidade de sermos corpos que se vivem em locais, mas esses
locais são contingenciais e até adversos.
Na Educação os corpos são muitos, tanto físicos, quanto teóricos, e a
marca de uma locus que poderá ser a própria Escola (um locus utópico). Um
espaço físico que retoma lugares diferentes (talvez uma heterotopia).
O que nos atentou observar é que somos cindidos, não completos, não
harmônicos por inteiro (mitologicante), e isso poderá refletir nas nossas
relações de forma geral, bem com de aluno e professor. O Eros que nos

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circundam, segundo o diálogo platônico, é comum a cada ser, mas específico
quando se fala do anacronismo: erômenos e erastes.
A ideia não foi de uma retomada ipsis litteris nessa união erótica da
educação grega, mas uma ilação na posição de que há um mestre/corpo e há
um aluno/corpo na sala de aula. Essa dialogicidade cumpre uma função
primordial chamada de Paideia, ou de Educação.
5- REFERÊNCIAS
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Mito

e

filosofia.

(2013).

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Tannus Machai. São Paulo: Edições, 2013.
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MUOLTON, H. K. Léxico grego analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
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2016. Disponível em <http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista/revista-v14-n-01> Acesso em Junho de 2017
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EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
representações das aulas enquanto objeto de reconstrução
social
Nara Elisa Gonçalves Martins
martins_neg@yahoo.com.br
Leonéa Vitoria Santiago
leoneabrenha@gmail.com
RESUMO: Estudar a Educação Física (EF) enquanto disciplina inserida na
modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda se constitui como um
desafio por ser uma temática pouco explorado. Assim a pesquisa em tela se
enquadrou na abordagem qualitativa do tipo exploratória e descritiva. Diante
disso, surgiu a seguinte indagação: - como os estudantes da modalidade
Educação de Jovens e Adultos representam socialmente a disciplina
Educação Física? Através da reflexão sobre os dilemas do trabalho do
professor de Educação Física na Educação de Jovens e Adultos buscou-se
identificar e compreender os sentidos elaborados socialmente em relação a
disciplina Educação Física mediante as representações sociais dos
estudantes da Educação de Jovens e Adultos. O grupo estudado contou com
a colaboração de catorze (14) sujeitos na faixa etária compreendida entre (17)
dezessete e (59) cinquenta e nove anos de idade, sendo (7) sete homens e
(7) sete mulheres. A análise de conteúdo foi a técnica utilizada para o
tratamento daquilo que foi anunciado na entrevista. Posteriormente, foram
levantadas (3) categorias de análise sendo elas: - aulas teóricoprática; conteúdos; - saúde e esporte, que ancoraram as representações socialmente.
Portanto, os estudantes da EJA representam socialmente essa disciplina
através do sentido da promoção da saúde, enquanto receita para incentivar a
prática de esportes e melhorar a qualidade de vida.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Física - Educação de Jovens e Adultos Sentidos.
1INTRODUÇÃO
A atuação do professor de Educação Física (EF) inserida na
modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda é pouco discutida.
Na prática, são dois campos que ainda perpassam por dificuldades, uma
delas é a contexto de marginalidade que ambas se encontram no sistema
educacional brasileiro. A realidade local ainda desponta para o tratamento

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desigual que ambas EF e EJA, recebem enquanto subcampos da educação
básica nas escolas de Maceió.
A pesquisa tomou como referência a Teoria das Representações
Sociais (TRS) que procura identificar as representações que circulam no meio
social, nas interações dos sujeitos, por intermédio das conversações. Através
do conhecimento do senso comum, partilhado por entre as pessoas ou
grupos, torna-se possível compreender o que os indivíduos pensam, ou
sabem, a respeito de um dado fenômeno, e nesse caso sobre a disciplina EF.
A T RS tem seus fundamentos na área da psicologia social. O termo
representação social surgiu com o psicólogo francês Serge Moscovici a partir
de estudos desenvolvidos nessa área.
De acordo com Veronese e Guareschi (2007) a teoria do conhecimento
social, define o campo de conhecimento socialmente compartilhado e está
interessado no estudo e na explicação de diversos fenômenos sociais que se
apresentam no discurso público. A representação se origina numa rede de
significados já construídos pelos sujeitos nas suas relações com o meio social
que ele descobre e constrói através das práticas discursivas. Sendo assim,
Spink (2004) aponta que através das relações e da linguagem enquanto
práticas discursivas as pessoas produzem sentidos e posicionam-se em suas
relações sociais cotidianas.
Em relação à Educação Física inserida na EJA, esta poderia propiciar
condições que são indispensáveis para a essência do ato educativo. Por esta
razão acreditamos que esta modalidade, representa a possibilidade dos
alunos entrarem em contato com a cultura corporal de movimento. Contudo,
mergulhar nesta modalidade de ensino e interagir com os alunos a partir do
entendimento do indivíduo e do grupo dentro do seu contexto social e cultural
permite nos uma abertura ao diálogo entre a Educação Física e a Educação
de Jovens e Adultos, buscando dessa forma colaborar com uma maior
visibilidade destes campos.

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2 A RESPEITO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
A disciplina Educação Física passou a ser reconhecida oficialmente no
Brasil em 1851 (DARIDO, 2003), sendo a ginástica a forma que a Educação
Física

adquiria

como

matéria

obrigatória

a

ser

oferecida

pelos

estabelecimentos de ensino formal. Oficialmente falando, as ações de
Educação, Educação de Adultos (EDA) marca sua história nos anos de 1930
demonstrando preocupações com a educação e escolarização dos indivíduos
adultos. Com a constituição de 1988, prevê-se que todas as pessoas tenham
acesso à educação, sendo esta instituída a partir do direito de cada cidadão.
Com isso, a década de 1990 foi importante paras ambas as áreas: EJA
e EF, pois com a referida LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) promulgou-se a
primeira referência a modalidade EJA, deixando para trás a concepção de
oferta para assumir a perspectiva do direito à educação. Em relação à
Educação Física, somente nessa década também com a LDB 9394/96
(BRASIL 1996) que deixou de ser considerada uma “prática” para ser
entendida como componente curricular, porém, a oferta desta disciplina no
curso noturno e também na modalidade EJA era facultativa as escolas,
cabendo a estas a decisão de oferecer aos alunos esse conhecimento, pelo
fato de não ser uma disciplina obrigatória.
Contudo, com base na LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), foi constituída a Educação de Jovens e Adultos “[...] como
modalidade de ensino através da resolução CNB/CEB nº 1, de 5 de julho de
2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA”
(BRASIL, 2000), institucionalizando a modalidade em tela.
No ano de 2000, na oferta da disciplina Educação Física também surge
uma nova preocupação, pois apesar de ser referida em Lei sua inserção na
escola não era obrigatória. Em 2001 a LDB 10.328, de 2001 houve alteração
do parágrafo 3º do artigo 26 da LDB (BRASIL, 2001) na qual houve acréscimo
do termo “obrigatório” para a prática, passando a ser considerada como

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componente curricular obrigatório no ensino diurno, porém continuou sendo
uma disciplina facultativa aos alunos do ensino noturno.
No ano de 2003 a Lei vigente 10.793 de 1º de dezembro (BRASIL,
2003) ainda a respeito da referida LDB, considerou a EF como componente
curricular obrigatório no ensino noturno, porém, transferiu aos alunos a
escolha da participação na disciplina Educação Física, ou seja, o caráter
facultativo não era mais da escola, esta deveria oferecer a disciplina,
entretanto, caberia aos alunos decidirem se participariam ou não das aulas de
EF no horário noturno de acordo com o Decreto-Lei 1.044 de 21 de outubro
de 1969, caso cumpram jornada de trabalha igual ou superior a seis horas;
forem maior de trinta anos de idade; se estiverem prestando serviço militar ou
em situação similar, estiverem obrigados à prática de Educação Física; ou
que tenham prole (BRASIL, 1969). Assim, a lei vigente torna obrigatória as
aulas de Educação Física nas escolas inclusive na modalidade EJA,
entretanto, facultativa para alguns casos.
Sobre a modalidade EJA, de acordo com Fávero e Freitas (2011), no
ano de 2010, após discussões sobre a faixa etária do público da EJA, o
parecer CNE/CEB nº 03/2010, homologado pelo ministro da Educação,
estabeleceu a idade mínima de 15 anos para o ingresso no ensino
fundamental, e de 18 anos, para o ensino médio, assegurando o acesso ao
público a qual ela se destina.
Atualmente em 2017 a Educação Física ainda é considerada
componente

curricular

obrigatório

inclusive

na

EJA,

essa

mudança

permanece colocando desafios para ambas as áreas de conhecimento, qual
seja a de construir a sua legitimação a partir de referenciais próprios e não
mais externos. Nesse contexto ganha relevância a construção teórica e a
apropriação desse referencial como caminho necessário para sustentar tanto
o lugar de conhecimento de cada uma dessas áreas isoladamente, quanto o
lugar da Educação Física inserida na Educação de Jovens e adultos.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa se firmou no método qualitativo, que apresentou como
relevância social a subjetividade do indivíduo que trouxe à tona sua
representação sobre a disciplina Educação Física na modalidade EJA. A
pesquisa qualitativa, no entanto, de acordo com Minayo (2003) trata-se de
uma atividade da ciência, que visa à construção da realidade através do
trabalho com o universo de crenças, valores, significados e outros constructos
profundos das relações.
A pesquisa também se definiu como exploratória e descritiva. Como
afirma (GIL, 2009, p.28) são “pesquisas que têm por objetivo levantar as
opiniões, atitudes e crenças de uma população” pretendendo conhecer as
características de um determinado grupo sobre determinado assunto. Diante
disso, surgiu a seguinte indagação: - como os estudantes da modalidade
Educação de Jovens e Adultos representam socialmente a disciplina
Educação Física? Através da reflexão sobre os dilemas do trabalho do
professor de Educação Física na Educação de Jovens e Adultos buscou-se
enquanto objetivo identificar e compreender os sentidos elaborados
socialmente em relação a disciplina Educação Física mediante as
representações sociais dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos.
Os alunos de Educação de Jovens e Adultos têm um traço de vida,
origens, idade, vivências profissionais, históricos escolares, ritmos de
aprendizagem e estrutura de pensamento muito diferentes. São sujeitos que
vivem no mundo do trabalho, com responsabilidades sociais e familiares, com
valores éticos e morais formados a partir da experiência de mundo, da
iniciação ainda muito jovem no trabalho. A pesquisa foi realiza numa escola
pública na cidade de Maceió na modalidade EJA, com alunos que
correspondia à época a 6ª Fase do II segmento. Desse modo o grupo do
estudo contou com a colaboração de catorze (14) sujeitos com faixa etária
compreendida entre (17) dezessete e (59) cinquenta e nove anos de idade,
sendo (7) sete homens e (7) sete mulheres.

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O instrumento utilizado para a recolha de dados foi a entrevista
semiestruturada, que de acordo com Minayo (2003) pressupõem perguntas
previamente formuladas, cujo informante abordou livremente o tema proposto.
A análise de conteúdo foi a técnica de análise utilizada para o tratamento
daquilo que foi anunciado na entrevista. Diante das formas que essa técnica
pode tomar, adotou-se a perspectiva de Guerra (2006, p.69) pois: “pretende
descrever as situações, mas também interpretar o sentido do que foi dito”,
decifrando as informações recolhidas. Dessa forma, às categorias foram
elaboradas à posteriori mediante análise do material obtido necessitando uma
percepção minuciosa ao avalia-los. Assim, foram elaboradas (3) três
categorias, dispostas na seção seguinte.
4 A RECONSTRUÇÃO SOCIAL: o que dizem os dados
4.1 Aulas teórico-prática
Refletir sobre os procedimentos das aulas de Educação Física na
escola e na modalidade EJA em nossa pesquisa é pensar e repensar como
ocorrerem as intervenções pedagógicas, assim como compreender a
sequência didática utilizada pelo professor, para que a Educação Física possa
se consolidar ainda mais como componente curricular escolar.
Os sujeitos mencionaram que as aulas em sala são fundamentadas
nas discussões e debates, e os questionamentos levantados giram em torno
da temática do corpo e da saúde dos alunos que trouxeram suas vivências e
pontos de vista como elementos relevantes e enriquecedores das aulas, já
que partem do senso comum e da realidade partilhada por esses jovens e
adultos. Nesses termos, seguem abaixo trecho das falas dos participantes38
da pesquisa:

38

A nomenclatura atribuída aos participantes da pesquisa é fictícia, para que assim,
possamos preservar a identidade dos estudantes.

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Na sala de aula a gente faz debate, ele faz algumas perguntas a
gente responde, outra pessoa acha que é outra pergunta, fica
aquela coisa, aquela discussão, muito boa! (ANNE, 22 anos).
São bem legais, o professor manda, dá a bola pra gente e nós que
desenrolamos, nós próprios que fazemos o time, que era pra ele
fazer, somos nós mesmos que fazemos, muitas vezes fica bagunça,
mas dá pra desenrolar (JEMERSON, 17 anos).

Nesse sentido, a aula “teórica” (sala) aparece como um espaço ou
momento de relaxamento e divertimento, mesmo sendo uma aula teórica.
Pois, para os sujeitos pesquisados, essa ação didática permitiu o encontro e o
confronto de conhecimentos entre professores e alunos que favorecem a
troca de saberes entre tais, e a compreensão da complexidade inserida nos
fatos da vida torna-se um momento rico de aprendizagem. Conforme citou
Carrano e Costa (2011, p. 75), “[...] a presença na escola e as aprendizagens
farão mais sentido se dialogarem com os saberes discentes que pré-existem
e coexistem com os conteúdos escolares que se quer ensinar”. Assim, a
validação do que se aprendeu "fora" dos bancos escolares é um dos
procedimentos que os professores poderiam adotar em relação aos
conhecimentos partilhados já que esses saberes nascem dos fazeres desse
público que é repleto de experiências de vida.
Os sujeitos evidenciaram também procedimentos do professor em
relação às aulas “práticas” (ginásio). O procedimento adotado por ele nas
aulas práticas nos remete a um termo bastante conhecido no meio acadêmico
e profissional do Professor de Educação Física, conhecido como “rola bola”.
Essas aulas são praticadas sob a ótica do Laissez-faire39, sem objetivos
específicos, em que as atividades ocorrem livremente, com regras suficientes,
mas poucas interferências do professor.
Compreendemos que a concepção de uma EF voltada apenas para o
esporte ainda é muito forte, sobretudo, quando o futebol predomina sobre a
cultura corporal do movimento. É preciso ter respeito pelo aprendizado dos
39

Expressão francesa que significa, literalmente, "deixar fazer", "deixar ir"; na educação,
costuma ser utilizada para denominar práticas educativas espontaneístas, que deixam os
alunos fazerem o que bem quiserem, sem orientação e intervenção.

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alunos, não é justo que estes paguem pela irresponsabilidade e pela falta de
compromisso que os professores têm com a Educação Física e, sobretudo,
com a Educação, onde cada vez mais o futebol e o queimado se estabelecem
nas aulas práticas dessa disciplina.
Na contramão dessa situação, a Educação Física dentro da escola tem
como função introduzir e integrar a cultura corporal do movimento, sendo os
jogos, brincadeiras, as lutas, os esportes a base dessa proposta, e não
apenas um elemento em detrimento dos outros. Nessa direção, de acordo
com (Brasil, 2000), evidenciamos a EJA como um momento significativo de
reconstruir essas experiências da vida ativa e dar novo significado aos
conhecimentos de etapas anteriores da escolarização, articulando-os com os
saberes escolares
Desse modo, há a necessidade de se pensar essa modalidade de
ensino de modo integrado à matriz curricular da disciplina. Não é demais
afirmar que essa integração é imprescindível para a reflexão das
possibilidades da Educação Física na escola e também para a própria
qualidade do ensino, de acordo com as especificidades dos alunos.
4.2 Conteúdos
A Educação Física é uma área de conhecimento que difere das demais
pelo trato com seu objeto de estudo: o corpo em movimento. Desse modo, os
caminhos para saber o que a Educação Física deve ensinar na escola são
diversos, mas têm-se investido na cultura de movimento como critério
organizador desses caminhos. Para isso, dispomos de um acervo de
manifestações culturais já incorporadas pela Educação Física, como é o caso
dos esportes, das lutas, dos jogos, das danças e de outros que fazem parte
do mundo vivido pelos alunos.
Diante disso, apresentamos, nessa segunda categoria, as mensagens
dos participantes em relação aos conteúdos ministrados:

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Ele fala sobre o coração, fala da importância da Educação Física na
vida da gente, o sedentarismo e fala mais sobre a nossa vida,
assim, como é melhor praticando esporte (MADSON, 22 anos).
[...] a prática é exercício né! É vôlei, futebol [...] geralmente é futebol,
queimado, geralmente é assim as aulas dele (ANA, 34 anos).

Entendemos componente curricular como “a forma de organização do
conteúdo de ensino em cada grau, nível e série, compreendendo aquilo sobre
o qual versa o ensino, ou em torno do qual se organiza o processo de ensinoaprendizagem” (SAVIANI, 1994, p. 142). Nessa pesquisa, ficou evidente que
os conteúdos compartilhados na aula “teórica” (sala de aula) versaram sobre
a estrutura biológica corporal e seu funcionamento, ou seja, sobre pressão
arterial, sistema cardiovascular, frequência cardíaca, o sedentarismo, e como
a Educação Física poderia auxiliar na aquisição de uma melhoria da
qualidade de vida.
Para Libâneo (1994, p. 39) “não basta que os conteúdos sejam apenas
ensinados, ainda que bem ensinados é preciso que se liguem de forma
indissociável a sua significação humana e social”. Assim, a seleção dos
conteúdos remete à necessidade de organizá-los e sistematizá-los,
fundamentados em algum princípio metodológico, bem como à lógica com
que serão apresentados aos alunos, principalmente, quando a EF está
voltada ao jovens e adultos, pois é também necessário levar em consideração
as especificidades biológicas deles, para motivá-los a apresentarem suas
experiências para influenciá-los positivamente ao longo de suas vidas.
Assim, os jovens e adultos buscam na escola, sem dúvida, mais do que
conteúdos prontos para serem reproduzidos. Como cidadãos e trabalhadores
que são, esses alunos querem se sentir sujeitos ativos, participativos, para
então crescerem cultural, social e economicamente.
Tratando-se da organização dos conteúdos, a disciplina Educação
física apresenta flexibilidade ao relacionar os conteúdos. Em relação ao
exposto, Lima et al (2011, p. 49) afirmam que “os conteúdos podem ser
trabalhados em diversas ordens, ou seja, não precisam seguir uma ordem

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linear, fechada em uma sequência linear”. A Educação Física carece de
referências de quando e onde tratar os conteúdos, pois, da mesma forma que
outras disciplinas precisam de uma matriz, a Educação Física também
necessita.
Consideramos a relevância da matriz pelo fato de servir de
direcionamento das atividades escolares de qualquer disciplina, inclusive da
Educação Física. Por essa razão, salientamos que cada escola e cada
professor possa construir a sua matriz curricular, e que essa construção seja
específica de cada realidade escolar.
Em relação as aulas “práticas” (ginásio de esportes), percebemos nas
falas dos sujeitos que o esporte é o conteúdo predominante nas aulas
práticas desse componente curricular, embora não exista a preocupação com
o desenvolvimento e aprendizagem das habilidades técnicas das modalidades
ou brincadeiras populares trabalhadas.
Com aulas que se resumem a “pelada” de futsal para os meninos, não
há interação com a turma. O conteúdo futebol que poderia ser desenvolvido
entre homens e mulheres, articulando os saberes práticos da disciplina, por
exemplo, os fundamentos básicos da modalidade em questão, como os
saberes trazidos pelos alunos, não são aproveitados; assim, as aulas acabam
sendo esvaziadas de sentido, sendo regidas apenas pela questão prática e
sem intervenção do professor.
Se aceitarmos o esporte como um fenômeno social e tema da cultura
corporal, precisamos questionar suas normas, suas condições de adaptação
à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria
(SOARES et al, 1992). Contudo, não é apenas o futebol ou queimado que faz
com que esses sujeitos estejam inseridos na cultura corporal de movimento, é
necessário ir além do jogo, problematizando e questionando sua história,
regras e objetivos.
É necessário mais que isso para inserir os alunos dentro da cultura
corporal de movimento, sobretudo, é essencial oferecer um conhecimento

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sistematizado das modalidades esportivas, pois não é simplesmente o fato de
jogar futebol que irá fazer com que esses alunos adquiram os conhecimentos
da cultura corporal de movimento.
Pensando na parte prática da EF, muitas são as possibilidades de
conteúdos a serem explorados nas aulas, por isso, a Educação Física como
disciplina curricular não está desvinculada de objetivos pedagógicos, ou seja,
a especificidade dela não retira o caráter de constituir-se num processo
didático. Na EJA, os conteúdos práticos não são valorizados pela técnica de
execução dos movimentos, ou conhecimentos exclusivamente voltados ao
esporte, mas como o aluno se apropria de um novo saber, fazendo que este
se conecte com os saberes que já traz consigo.
4.3 Saúde e esporte
Apresentamos nesta categoria os sentidos atribuídos pelos alunos da
EJA sobre as aulas de Educação Física. Há algum tempo, a saúde, a
qualidade de vida, o bem-estar vêm sendo vistos como finalidades a serem
atingidas. Sob esse enfoque, Buss e Carvalho (2009, p. 147) enfatizam que
proporcionar saúde significa “[...] ir além de evitar doenças e prolongar a vida,
assegurar meios e situações que ampliem a qualidade de vida ‘vivida’, ou
seja, ampliem a capacidade de autonomia e o padrão de bem-estar”. Isso
exposto, cada vez mais coexiste esse cuidado com a saúde de si e do outro,
através de uma adesão de comportamentos, e uma gama de outros aspectos,
inclusive a felicidade, bem-estar, relações sociais, satisfação na vida, na
escola ou no trabalho, ausência de doença, dentro outros, que influenciam
nos níveis de saúde e qualidade de vida dos indivíduos.
Nessa perspectiva percebemos nas falas dos participantes que houve
uma compreensão predominante da disciplina Educação Física através do
viés da saúde. Os sentidos atribuídos à disciplina perpassaram pela qualidade
de vida, manutenção da saúde, ser saudável, alimentar-se bem, não ser
sedentário, dentre outros, conforme vemos abaixo:

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Olhe, ela representa [pausa breve] representa à saúde, a Educação
Física é a saúde, aprender a cuidar do nosso corpo. É, até o
professor passa um pouco dos nutrientes que serão ótimos para o
nosso corpo e o que ele pode causar, ela significa pra mim, como
que uma receita para a saúde (JOSUÉ, 17 anos).
Tudo né! Porque a Educação Física é fundamental pra gente, tem
coisas que a gente não vê na aula de ciências e a gente vê na aula
dele, eu acho bem importante (ELAINE, 18 anos).
Ela incentiva a pessoa a praticar esporte, pra pelo menos ter uma
melhora na vida, não ser uma pessoa sedentária (DELSON, 21
anos).

Percebemos na fala do Josué (17 anos), que ele acredita que a
Educação Física é uma receita para a aquisição de uma boa saúde, pois a
utilidade das aulas para este sujeito teve ligação com o sentido de viver
melhor para adquirir uma melhor qualidade de vida. No dizer de Pedra (1997,
p. 23), “o sujeito expressa em sua representação o sentido que dá à sua
experiência no mundo social”; dessa forma, a disciplina foi esse mundo que
forneceu acesso aos sujeitos e lhes deu a possibilidade de ser ter uma vida
saudável. As aulas permitiram que os alunos soubessem ainda mais sobre o
funcionamento do corpo humano, quais os benefícios de uma alimentação
balanceada, dentre outros aspectos.
Isso significa que os alunos atribuem um sentido próprio às atividades
que o professor lhes propôs; isso caracteriza a coerência apontada pelos
sujeitos e pelo professor de Educação Física, já que as representações dos
sujeitos correspondem à realidade cotidiana do grupo estudado, o que
significa dizer que, de acordo com Pedra (1997), o objeto só tem sentido para
alguém que o observa a partir de sua consciência histórica. É com essa
compreensão

que

os

jovens

e

adultos

constroem

parte

de

seus

conhecimentos cotidianamente, enraizados pelo saber popular, o que também
é determinado e determinante para seu aprendizado.
Como parte do processo educativo, a EF desenvolveu possibilidades
de movimento e educou para o entendimento do porquê essa disciplina é
relevante dentro do processo de ensino-aprendizagem; ela deve ser

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considerada como experiência única por tratar de um dos mais preciosos
recursos humanos: o corpo. A Educação Física, integrada à área da saúde e
presente na área educacional na forma de disciplina curricular, tem um papel
importante na promoção e manutenção da saúde dos jovens e adultos.
Dessa forma, a EF pode ser tratada como um ideal pedagógico, que
interage com outros saberes, como citou a participante Elaine, quando expõe
que foi nas aulas de Educação Física que tiveram a oportunidade de entrar
em contato com conteúdos que eram para serem vistos na aula de
biologia/ciências o que faz com que a EF adquira um status de relevância
para os participantes da pesquisa. Nessa direção, a disciplina foi tratada
como um fator que pode promover um estilo de vida saudável dentro dessa
escola, no intuito de mediar uma prática pedagógica vinculada à saúde dos
alunos da EJA.
No conjunto das mensagens analisadas, o sentido atribuído à disciplina
Educação Física tem relação com a realidade da vida de cada sujeito, com a
maneira de os sujeitos conviverem com a própria saúde e qualidade de vida a
partir dos seus interesses, por essa razão os estudantes perceberam que a
disciplina incentiva a prática de esporte como citou o participante Delson, no
sentido de evitar o sedentarismo, nesse sentido, ficou constatado que houve
uma preocupação em comunicar e compartilhar com os sujeitos a importância
e a utilidade da atividade física para a saúde, e das aulas práticas para o
relaxamento e o descanso, com a realização de alongamentos, caminhada
dentre outras possibilidades, para que, como bem diz Santiago (2005), sejam
levados para seus projetos de vida, mesmo que minimamente.
Portanto, de acordo com Lovisolo (1995), os sujeitos possuem seus
pontos de vista e opiniões formuladas, a partir da experiência escolar, e de
representações elaboradas, mediante várias incidências, como o senso
comum, especialistas que tratam do assunto, mídias, entre outras, dessa
forma, podemos considerar que é de extrema importância analisar a
percepção dos alunos da EJA sobre as aulas de Educação Física, pois as

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afirmações que fazem permite que os professores reflitam sobre seu papel na
construção do conhecimento dos alunos, tendo como princípio norteador
aulas estruturadas e comprometidas com a realidade específica da
modalidade EJA e a qualidade da aprendizagem dos estudantes.
5 CONSIDEREÇÕES FINAIS
Compreendemos que a representação da disciplina Educação Física
como fenômeno social circulou de maneira hegemônica para o grupo social
pesquisado, apresentando consensualidade em relação à saúde no cotidiano
dessa escola. No dizer de Lovisolo (1995), se os sujeitos não partilham de um
mesmo horizonte de crenças e representações, é impossível a eficácia
simbólica da escola, lugar que lhes ensina a lidar com símbolos articulados ou
não a um conjunto de valores, sendo assim, as análises das representações
sociais, nesse tempo e contexto específicos, permitiram a compreensão de
como os participantes perceberam as aulas de Educação Física.
Constatamos que as representações das aulas de EF para os
estudantes da EJA estiveram ancoradas na promoção da saúde. Para essa
viabilização, os sentidos atribuídos se fundamentaram a partir de três
categorias que se compartimentam, assumindo assim a representação social
da disciplina.
A

primeira

categoria

abordou

os

procedimentos

das

aulas

teóricopráticas realizadas pelo professor da disciplina que fundamentou as
aulas “teóricas” (sala de aula) através da discussão e debates envolvendo
temáticas voltadas à saúde, hábitos saudáveis e a qualidade de vida que os
sujeitos têm. Em relação as aulas “práticas” (no ginásio de esportes) os
procedimentos dessas aulas ficavam por conta dos estudantes que
organizavam e desenvolviam o jogo de futebol, constatando assim, apenas a
prática do lazer ao invés do aprendizado da modalidade esportiva com o
auxílio do professor dessa disciplina.

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A segunda categoria destacou os conteúdos elencados pelo professor,
ou seja, os conteúdos voltados à saúde nas aulas “teóricas”, que enfatizaram
o conhecimento sobre o corpo, constatando como a disciplina pode ser um
dos meios para a aquisição desse tipo de conhecimento, o que fez com que
os estudantes atribuíssem o sentido da saúde como representação social
sobre essa disciplina. Já nas aulas “práticas” (no ginásio de esporte) o futebol
continuou sendo o conteúdo predominante, o que colabora para que esse
esporte seja a modalidade hegemônica das aulas. Contudo, atentamos para o
fato da necessidade e importância de se abordar nas aulas de EF a cultura
corporal de movimento como outras possibilidades de conteúdo a serem
sistematizados e explorados.
A terceira categoria esteve pautada diretamente aos sentidos
atribuídos a EF ocasionados pela prática da Educação Física, já que ela
representa saúde para esses estudantes incentivando a prática de esportes,
buscando meios para que adquiram hábitos corporais saudáveis.
Ficou claro que as aulas “teóricas” (sala de aula) foram primordiais
para a constituição dessa representação, entretanto, não estamos com isso,
querendo dicotomizar as aulas teóricas e práticas, pelo contrário, acreditamos
que as aulas devem ser teóricopráticas, onde o conteúdo teórico dá suporte a
prática e vice-versa, independente da aula ser na “sala de aula” ou no ginásio
de esporte, assim, a teoria deve sempre dialogar com a prática independente
do lugar da aprendizagem.
Essas representações sociais sobre as aulas de Educação Física na
EJA revelaram grande relevância sobre a inserção da Educação Física escola
na modalidade Educação de Jovens e Adultos, pois através dela os alunos
podem vir a adquirir hábitos mais saudáveis e leva-los para sua vida extra
escolar, tendo em vista que as representações dos estudantes são uma teoria
construída no senso comum, edificadas coletivamente pelos jovens e adultos
dessa modalidade que ofereceu um panorama de como essa disciplina está
se desenvolvendo dentro da escola e como os alunos percebem a EF.

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Dessa forma, acreditamos ser bastante pertinente a identificação das
representações que os alunos elaboraram em seu contexto, sobretudo da
EJA, para entender como estes estudantes compreendem e se relacionam
com a realidade, como eles elaboram sentido ao mundo em que vivem.
Sendo assim, a análise da representação social da Educação Física como
componente curricular permitiu definir as especificidades de um grupo, e
estas puderam contribuir para a formação desses sujeitos, a partir da
compreensão que o grupo elaborou e partilhou sobre o objeto de interesse. O
campo representacional da disciplina em questão abriu, consequentemente,
um leque de possibilidades metodológicas, pois forneceu elementos que
permitiram um embasamento metodológico mais concreto para um possível
planejamento de aulas nessa modalidade.
Dentro deste quadro representativo, algumas reflexões sobre os
dilemas do trabalho do professor de EF na EJA permeiam essa discussão
ainda pouco empreendida, embora bastante pertinente, o que requer uma
atuação sistemática nas duas áreas, dispondo de métodos de trabalho
específicos, para o público a que se destina tendo disponibilidade para pelejar
para que a EF e EJA saiam da marginalidade.
Portanto, entendemos como Santiago (2005) que, a partir do
mapeamento das representações dos atores sociais, de cada instituição, é
possível veicular conteúdos com sentidos para a vida cotidiana. Por essa
razão é preciso contar com a competência profissional para poder vir a
legitimar cada vez mais a Educação Física dentro do sistema educacional na
modalidade EJA.
6 REFERÊNCIAS
BUSS, P. M.; CARVALHO de A. I. Desenvolvimento da promoção da saúde
no Brasil nos últimos vinte anos (1988-2008). Revista Ciência & Saúde
Coletiva. v. 14, n. 6, p. 2.305-2.316, 2009.

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BRASIL. Lei nº 9.394/ 96: Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de
dezembro de 1996. São Paulo: Editora Brasil, 1996. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.> acessado em: 12/10/13.
______. Decreto-lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1044.htm> acessado em
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CRIAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO DE MANGÁS NAS AULAS DE
SOCIOLOGIA: uma experiência de diálogo com os saberes no
ensino médio a partir do PIBID
Donizete Medeiros de Melo
donizete_medeiros@outlook.com
Keitt Stefan Rodrigues
keittstefanrodrigues@hotmail.com
Rosemeire Reis
reisroseufal@gmail.com
RESUMO: Trata-se da análise de uma experiência educativa de um grupo de
estudantes de Pedagogia do PIBID Ensino Médio UFAL com uma turma do 1º
ano de uma escola pública do ensino médio em Maceió. Tal experiência
propôs o diálogo entre os modos de expressão dos/das jovens do ensino
médio e os saberes da disciplina de sociologia, a partir da atividade de
produção do mangá como recurso didático-pedagógico. Parte-se do
pressuposto de que a escola necessita compreender suas juventudes
conforme Dayrell (2007a), Reis (2012b); de que as aprendizagens da escola
devem ser experiências significativas no sentido apresentado por Larrosa in
Veiga-Neto (2007b) e que podem ser mediatizadas por atividades que
propiciam as expressividades dos jovens e de seus saberes. A produção do
Mangá pode ser uma possibilidade de articular esses diferentes saberes. A
preparação dessa atividade se fundamentou ainda nos estudos acerca do
mangá, em Braga Jr. (2011), Carvalho (2007c) e Santo (2017). As análises
dos registros produzidos na experiência, numa perspectiva qualitativa,
conforme Lüdke e André (1986) propiciaram, a descrição do trabalho
desenvolvido e reflexões acerca da importância da experiência vivida.
Identifica-se indícios de que esses espaços de criação e produção dos
mangás nessa disciplina permitiu experiências significativas para os jovens
em relação à apropriação dos assuntos da disciplina, como também como
produtora de diálogo e de valorização dos modos de expressão dos sujeitos
envolvidos no trabalho desenvolvido.
PALAVRAS-CHAVE: Juventude-Ensino Médio-Experiência-Mangá-PIBID.

1 INTRODUÇÃO
Conforme Dayrell identifica-se uma tensão entre os alunos jovens e a
escola. Pode-se identificar indícios dessa tensão no que se refere à relação

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com o conhecimento e os processos de ensino e aprendizagem, pelas críticas
“dos alunos a um currículo distante da sua realidade, demandando que os
professores os “situem na matéria”, ou seja, os ajudem a perceber o que
determinado conteúdo tem a ver com eles e sua vida cotidiana”. (DAYRELL,
2007, p. 1122).
A partir de nossas reflexões sobre os motivos para as críticas dos
estudantes buscamos compreender que a escola de ensino médio é uma
instituição que precisa levar em consideração ao fato de que atende as
“várias juventudes”. Esses e essas jovens trazem consigo suas bagagens
culturais e intelectuais construídas em vários espaços de suas vidas e nem
sempre tais referências culturais e saberes são considerados como
importantes e estimuladores nas práticas pedagógicas propiciadas pela
escola.
A escola necessita reconhecer a riqueza dos saberes apreendidos
pelos jovens em diferentes espaços sociais, sua relação com o saber
(CHARLOT, 2000); e aproximar o processo de ensino e aprendizagem dos
estudantes a partir da valorização de suas referências culturais, de seus
interesses e de propostas educativas que instiguem sua curiosidade para
articular tais referências com os desafios de aprender apresentado no
currículo escolar.
Partindo desses pressupostos este estudo tem como objetivo
apresentar uma análise de uma prática pedagógica em uma escola de ensino
médio, a partir do trabalho com o mangá para potencializar o ensino e as
aprendizagens de jovens estudantes desta etapa da educação básica. A
experiência trazida aconteceu por meio de uma parceria existente entre nós
integrantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID)40 Ensino Médio/Pedagogia/UFAL e um professor de sociologia de
40

Trata-se do PIBID/Pedagogia/Ensino Médio/UFAL inserido no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) vinculado a Diretoria de Educação Básica Presencial
(DEB) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O PIBID
Ensino Médio contava com a participação de 15 bolsistas da Pedagogia do CEDU-UFAL,
vinculados as duas escolas do Ensino Médio de Maceió, cada escola era supervisionada por

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uma escola de ensino médio da rede pública estadual de ensino de Maceió
com uma turma do 1º ano, composta por jovens entre 14 e 17 anos.
De modo geral o objetivo do PIBID Pedagogia/Ensino Médio/UFAL era
contribuir para a construção de espaços de aprendizagens com os
jovens/estudantes em parceria com professores da escola tendo em vista
potencializar a apropriação da leitura e da escrita. Compreendida numa
perspectiva ampla, como leitura do mundo complexo no qual estamos
inseridos, de nossa relação com esse mundo e com os outros com os quais
interagimos e da possibilidade de construção de autoria pelos jovens em
relação aos assuntos apreendidos na escola.
O trabalho realizado nas escolas era pensado a partir da nossa
vivência semanal (dois dias por semana) nas instituições parceiras do PIBID.
As propostas trabalhadas, eram trazidas das escolas por nós bolsistas, sendo
apresentadas e discutidas nas reuniões gerais com a coordenadora do PIBID
Ensino Médio e com as professoras supervisoras das escolas. Além disso,
eram

propostas

e

realizadas

leituras

para

fundamentar

o

trabalho

desenvolvido nas escolas. Nós bolsistas registrávamos as experiências
realizadas e trazíamos semanalmente para o grupo a socialização e reflexão
acerca dessas experiências.
Inseridos nesse processo apresentamos nesse trabalho os registros e
reflexões de uma das experiências vivenciadas em uma das escolas de
ensino médio. As análises dos registros produzidos na experiência, numa
perspectiva qualitativa, conforme Lüdke e André (1986) propiciaram, a
descrição do trabalho desenvolvido e reflexões acerca da importância da
experiência vivida.

uma professora supervisora. Além disso, o programa era coordenado por uma docente do
CEDU-UFAL que acompanhava as atividades por meio de reuniões na universidade com as
supervisoras e nós bolsistas das instituições parceiras do programa. O trabalho era
desenvolvido em conjunto com os professores e os jovens estudantes nas respectivas
escolas. No período em que se desenvolveu o trabalho aqui relatado estava na coordenação
a Profa. Dra. Rosemeire Reis (CEDU-UFAL).

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No diálogo com o professor de sociologia identificamos o fio propulsor
do trabalho que apresentamos neste artigo e que consideramos ter o
potencial de contribuir para essa leitura do mundo e autoria de escrita dos
estudantes. Os jovens estudantes apresentavam grande interesse pelos
mangás, e assim, então decidimos trabalhar com produções de mangás, pois
entendemos o mesmo no sentido apresentado por Neves, como “uma
alternativa capaz de atender às diferenças do aluno criando um ambiente de
trabalho amistoso e atraente” (NEVES, 2012a, p. 08).
Para a análise dessa experiência partimos do pressuposto de que a
escola deve compreender as potencialidades de jovens e estudantes que nela
estudam conforme Dayrell (2007), Reis (2012b); a questão da leitura,
experiência

e

formação

em

Larrosa

in

Veiga-Neto

(2007)41

e

da

ressignificação das práticas pedagógicas nas escolas, conforme Neves,
2012b. Em um primeiro momento apresentamos alguns aspectos do mangá,
posteriormente a descrição e análise da proposta pedagógica desenvolvida e
no final algumas considerações sobre o trabalho realizado.
2 AS ETAPAS GERAIS DO TRABALHO E O MANGÁ COMO RECURSO
PEDAGÓGICO NO ENSINO MÉDIO
Realizamos um trabalho com estudantes do 1º ano do Ensino Médio,
em parceria com o professor de sociologia tendo como recurso pedagógico a
produção do “mangá” em sala de aula para contribuir na expressão dos
conhecimentos alcançados e debatidos na disciplina de sociologia. Nas
nossas reuniões com a coordenadora do PIBID estudávamos, debatíamos e
organizávamos propostas de trabalho que eram realizadas por nosso grupo
do PIBID Ensino Médio a partir das demandas dos professores da instituição.
Trouxemos para a reunião geral semanal do PIBID Ensino Médio no
Centro de Educação/UFAL, a proposta do professor de sociologia de
41

As citações utilizadas neste trabalho de Larrosa in Veiga-Neto (2007) é uma entrevista
concebida a Alfredo Veiga Neto, presente em Costa (2007) (Org.).

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desenvolvermos com seus estudantes do 1º ano do Ensino Médio um projeto
de intervenção de produção de “mangás” a partir das temáticas que ele
trabalhou nas aulas de sociologia. Ele havia identificado que alguns dos
jovens da sala de aula gostavam de produzir e se identificam muito com a
cultura pop do gênero mangás.
A coordenadora do PIBID nos orientou primeiramente a nos aprofundar
em relação ao mangá, sobre sua história, os modos como é apreendido no
Brasil etc. A seguir apresentamos alguns aspectos identificados acerca do
mangá a partir de estudos dos/as autores/as Braga Jr. (2011), Carvalho
(2007c) e Santo (2017).
Os mangás surgem no Brasil com os imigrantes japoneses, que
querendo manter contato com a língua falada no Japão e difundi-la entre os
descendentes nascidos nas colônias aqui no Brasil, utilizavam histórias em
quadrinhos japonesas, pois estes, além de serem mais atrativos às crianças e
jovens, são escritas em linguagem coloquial, “atualizando” o que era
aprendido nas escolas de japonês. Outra coisa que facilitava o aprendizado
da língua japonesa eram os furigana, espécie de legenda colocada em cima
de alguns kanji menos conhecidos, para facilitar a leitura (LUYTEN, 1991
apud SANTO, 2017).
Santo apresenta que o uso dos quadrinhos (mangá) como sugestão de
ferramenta pedagógica a ser utilizada pelos/as professores/as na sala de
aula, aparecem através de dois marcos, relacionados ao ensino escolar
institucionalizado:

por um lado, a inserção da linguagem dos quadrinhos, via
parâmetros curriculares nacionais, em 1997 quando associa o
exercício da cidadania, [...] à compreensão e domínio de diferentes
gêneros, permitindo autonomia no trabalho com a linguagem oral e
a linguagem escrita. Nos PCNs, os quadrinhos são apontados como
um exemplo de trabalho com diferentes linguagens, no volume
dedicado a língua portuguesa. Outro ponto que merece ser citado é
a inserção, no ano de 2006, durante o governo Lula, de publicações
em quadrinhos na lista do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da
Escola) que distribui livros nas escolas de todo o país. (SANTO,
2017, p. 02)

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Como afirma Santo (2017, p. 06) “no caso do Brasil, esses jovens
utilizam o termo como sinônimo de fã da cultura pop japonesa em geral, título
digno de orgulho para alguns desses jovens”. Neste sentido, para o ensino
médio, o mangá se torna uma ferramenta pedagógica que aproxima o
currículo escolar das realidades vividas pelos jovens e a escola. O trabalho
desenvolvido utiliza o mangá como ferramenta que aproxima e estimula os
estudantes à prática da leitura e da escrita, a partir dos conhecimentos
trabalhados pelo professor nas aulas de sociologia. O mangá torna-se uma
forma de cultura juvenil brasileira, mesmo sendo parte da cultura japonesa,
pois tem uma grande adesão dos jovens no Brasil.
Sendo o mangá um gênero literário de origem japonesa que tem como
característica forma de leitura que são feitas de trás para frente e da direita
para esquerda. Esse tipo de literatura traz um diferencial importante, pois é
repleto de expressões e emoções transmitidas pelos personagens nos
desenhos. Com base em Goto (2010, apud BRAGA & SPADETTI, 2017, p.
02) existem cincos estilos de mangás: Shounen; Shoujo; Gekigá; Hentai;
Edumangás, e cada um deles atende uma determinada faixa etária específica
de público que vai desde as crianças até os idosos. Braga aponta que

o Mangá é muito diferente das histórias em quadrinhos produzidas
até então no Brasil e em todo ocidente. [...] A principal diferença,
para os quadrinhos ocidentais, leia-se: americanos, é que os
quadrinhos japoneses têm uma tendência a finais definitivos. Ou
seja, quando uma série termina, é costume seus personagens
nunca mais aparecerem em nenhuma outra história. Isto é, cada
história distingue das histórias em quadrinhos americanas, famosas
pela eterna continuidade atemporal. (BRAGA JR, 2011, p. 71)

Após nos apropriarmos dessa linguagem específica nos organizamos
para apresentar uma proposta de trabalho ao professor de sociologia. Tal
proposta foi desenvolvida na escola de ensino médio. A experiência foi
registrada no nosso diário que serviram como referência para nossas

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reflexões posteriores. A seguir apresentamos a descrição e análise do
trabalho realizado.
2.1 APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E PRODUÇÃO DO GÊNERO MANGÁ
COM OS/AS JOVENS ESTUDANTES
2.1.1 Descrição das etapas do trabalho
Trata-se de uma das experiências vivenciadas no espaço de formação
do PIBID, no qual realizamos estudos, parceria com docentes, pesquisas,
projetos de intervenção com os estudantes, etc. Tendo em vista nosso
aprendizado para a docência, como também contribuir para o aprendizado
dos estudantes nas suas áreas do conhecimento, tendo como objetivo
potencializar o aprendizado da “leitura e da escrita”.
Trazer práticas que envolvam os estudantes é um dos desafios que
muitos professores vêm encontrando para ministrar suas aulas e garantir a
aprendizagem dos jovens no ensino médio, principalmente na sua formação
para escrita e leitura. Como aponta Neves (2012b)

A escola tem a responsabilidade de passar o conteúdo atraente para
que leve o educando ao aprendizado. Para isso, incentiva o uso de
recursos didáticos que favoreçam o intercâmbio entre o cotidiano do
aluno e a aplicação destas experiências no conhecimento em sala de
aula. Objetiva-se, assim, derrubar o paradigma de conteúdos sem
atratividade. (NEVES, 2012b, p. 08)

Os jovens da turma em que o trabalho foi desenvolvido, apresentavam
habilidades e práticas de produções de mangás, o que chamou nossa
atenção e do professor para o desenvolvimento do trabalho apresentado
neste artigo. A projeto de intervenção foi organizado nas seguintes etapas:
- conversa informal dos/das estagiários bolsistas PIBID com os/as
estudantes do 1º ano de uma classe do ensino médio sobre o mangá;
- aplicação de um questionário para identificar o que os/as estudantes
conheciam e quais deles tinham mais afinidades com o mangá;

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- apresentação pelos/as quatro bolsistas PIBID UFAL sobre o gênero
mangá, sua história, principais características, modos de apropriação no
Brasil;
- aulas sob orientação do professor de Sociologia e com participação
dos/das bolsistas para produção dos mangás em pequenos grupos a partir
das temáticas indicados pelo professor de sociologia, relacionadas aos
assuntos trabalhos em sala de aula;
- roda de conversa dos/das jovens participantes com os/as bolsista do
PIBID para socialização dos significados da experiência;
- organização e exposição dos Mangás produzidos.
O trabalho foi iniciado por meio de uma conversa informal com os
alunos e a aplicação de um questionário para que houvesse a primeira
aproximação com estes. Sentimos de imediato a identificação dos estudantes.
A partir disso, foi apresentado aos/as alunos/as slides com uma breve síntese
sobre o que é o gênero mangá, sua história e suas principais características.
O primeiro contato dos jovens com as características do mangá foi de
proporção bem aceitável, muitos deles/as sabiam o que era o gênero, mas
desconhecia sua origem, outros conheciam toda a trajetória do mangá,
inclusive os grandes clássicos. Os/as jovens se mostraram em sua maioria
conhecer os animes42, não conhecendo o mangá. Santo nos atenta que a
partir da

década de 1960, os animes, ou desenhos animados japoneses
começam a serem exibidos no Brasil e o resto da população
finalmente conhece e fica fascinada com a estética do mangá (ou
seja, impressionados com os olhos grandes dos personagens e
suas expressões exageradas), sem conhecer ou, muitas vezes, sem
ao menos saber o que era um mangá. (GUSMAN, 2005, p. 79, apud
SANTO, 2017, p. 05)

42

Segundo Carvalho (2007c) anime é uma expressão usada a partir da década de 50, e
assim como no mangá os japoneses chamam de animê todo e qualquer desenho animado.
No exterior, os animês são os desenhos especificamente japoneses.

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Junto com o professor os/as estudantes iniciaram a subdivisão da
turma para produção e escolha da temática trabalhada na produção do
mangá. Como citado anteriormente, este trabalho buscou trazer aos
estudantes recursos pedagógicos diferentes daqueles trabalhados pela escola
e aproximando os jovens do conhecimento na disciplina de sociologia. Dayrell
afirma que
no âmbito das relações sociais que ocorrem no cotidiano escolar, é
necessário ressaltar aquelas existentes entre alunos e professores.
[...] Se antes a autoridade do professor era legitimada pelo papel
que ocupava, constituindo-se no principal ator das visões clássicas
de sociabilização, atualmente é o professor que precisa de construir
sua própria legitimidade entre os jovens. (DAYRELL, 2007a, p.
1121)

Dayrell (2007a) reafirma a responsabilidade do/a docente na atualidade
de trazer aos estudantes as experiências destes enquanto jovens dotados de
uma diversidade heterogênea. Se antes a escola lidava com uma juventude
vista como ‘homenageiazada’, com o professor no centro das relações
sociais, atualmente os muros das escolas quebram estas barreiras, a escola
precisa trazer o protagonismo dos/as alunos/as para assim incentivar e
melhorar o processo de ensino e aprendizagem.
Essa

importante

relação

resultou

na

organização

dos

jovens

estudantes em grupos organizados pelo professor para a construção dos
mangás, partindo do seu aprendizado na disciplina. A temática gerada a partir
do que os alunos estavam estudando dentro do currículo proposto pela escola
referente à disciplina de sociologia foi Desigualdade Social que se configura
como parte dos temas transversais. Neves (2012a) destaca a importância de
trabalhar os temas transversais em quadrinhos alegando que
dado à interdisciplinaridade e á transversalidade pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN e pelo interesse particular em
trabalhar com [essa] ferramenta metodológica, [...] torna o trabalho
em sala de aula mais prazeroso, tanto para o aluno como para o
professor [buscando] aproximar do cotidiano dos alunos e explorar
diferentes formas de linguagem. (NEVES, 2012a, p. 08)

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Desta forma, os estudantes foram divididos em quatro grupos e lhes
foram propostos subtemas. Os subtemas escolhidos por eles/as foram:
machismo, bullying, desigualdade de classes e desigualdade de gênero.
A partir deste momento, as etapas seguintes foram dedicadas
exclusivamente para a criação de histórias em mangás acerca dos temas
escolhidos. Aos grupos foram distribuídos folha de papel de ofício, lápis
grafite, borracha, lápis de cor e canetas hidrográficas para realização das
produções das histórias.
As orientações seguiram sendo realizada pelo professor durante cinco
sessões realizadas com os alunos para a produção da história, criação da
arte, orientações sobre o conteúdo abordado nos mangás, entre outras.
Nossa participação acompanhou as inquietações dos jovens estudantes e os
conflitos que o professor tinha que resolver durante a realização da atividade.
Além disso, acompanhamos os jovens em seu momento de sociabilidade na
turma, permitindo-os como afirma Dayrell (2007a, p. 1111) “responder às suas
necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de
autonomia, de trocas efetivas e, principalmente, de identidade”.
Percebíamos que o trabalho com o mangá, estava ampliando a
sociabilidade dos jovens que se levavam envolvidos nas suas produções. Os
estudantes se sentiam tocados a trazer suas realidades para as histórias que
criavam, o trabalho em equipe, por vezes, geravam conflitos, mas logo eram
apaziguados e mediados pelo professor e os alunos buscavam enfrentar os
desafios encontrados. Outras turmas, até se dispuseram a participar, o
trabalho movimentou à escola, os outros alunos também se faziam querer
participar, todavia, o trabalho se limitou a turma do 1º ano.
2.1.2 Os Mangás tomam vida: culminância das atividades
Como afirma Larrosa “o saber da experiência não está, como está o
conhecimento científico, fora de nós, senão que só tem sentido no modo pelo

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qual configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, enfim,
uma forma humana singular” (LARROSA in VEIGA-NETO, 2007b, p. 138).
Desse modo, a etapa final das atividades, a partir da “roda de
conversa”, buscou ouvir os estudantes envolvidos neste processo e nossa
perspectiva foi compreender como tal experiência tocou sua forma de ver o
conhecimento, traduzido a partir do mundo dos estudantes.
Nossa preocupação não foi avaliar os alunos para lhes atribuir notas,
como faz os professores no cotidiano escolar, por outro lado, o docente fez
atribuições no tocante das exigências avaliativa da disciplina. Nossa intenção
foi conhecer como cada estudante se sentiu tocado pela atividade proposta. A
preocupação não só era com a leitura e a escrita como apropriações de
códigos, mas como traz Larrosa in Veiga-Neto (2007b, p. 143) trazer “o texto
adequado, o momento adequado, a sensibilidade adequada” para que a
leitura fosse experiência para os estudantes.
A proposta para escuta dos estudantes foi a confecção de cartazes
para que os grupos relatassem sobre as dificuldades encontradas e o que de
significante ficou na realização das produções dos mangás construídos. A
partir disso, foi realizada uma roda de conversa no qual cada grupo expos
suas ideias, havendo interações entre nós bolsistas, alunos e o professor. Os
alunos trouxeram em seus relatos as experiências mais marcantes sobre a
construção dos mangás, percebemos a ênfase maior nos conflitos que
aconteceu no trabalho em grupo, mas também da superação destes, na
heterogeneidade dos jovens em seu tempo e espaço.
Os mangás produzidos foi nossa maior surpresa, os grupos trouxeram
suas experiências do cotidiano nas produções dos desenhos, a necessidade
da superação do machismo à exemplo de casos nas famílias dos estudantes,
a dificuldade encontrada na superação das desigualdades de gênero e
classe. Além do bullying trazido pelos jovens como um problema vivido que
acaba passando despercebido por ser visto como brincadeiras que escondem
grandes ofensas, mas que geram desconfortos na socialização dos jovens.

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Santo (2017) nos ajuda a refletir que esta experiência é possível, pois
Ao se optar pelo mangá, [...] A especialização de mercado própria
da produção dos quadrinhos japoneses, constrói um escopo de
heróis cuja uma das características centrais é justamente o grau de
identificação com os leitores. Desta maneira, o personagem adquire
nuances mais complexas no que se refere a bem e mal, por
exemplo, sendo poucos os casos em que se identificam vilões – da
maneira linear e maniqueísta comuns a muitos quadrinhos – na
trama. Existem personagens antagonistas que oscilam entre as
boas e más escolhas durante toda a construção narrativa. (SANTO,
2017, p. 07, grifo nosso)

As produções dos mangás permitiram aos jovens trazerem estas
especificidades marcantes as suas histórias por meio dos personagens, do
contexto narrado, das colocações nas situações cotidianas, colocando vilões
as suas tramas no enfretamento das desigualdades sociais, trazendo
oscilações entre as boas e más escolhas dos personagens durante toda a
construção das narrativas. Além disso, trabalhar com mangás possibilitou aos
jovens uma contribuição “nas constituições de uma diversa “cidadania
cultural”, [...] o que contribui inclusive para a formação dos valores que vão
definir sua relação com a vida prática [...] Ao ver o mundo como um grande
espaço de leitura(s), [e] o desafio é decodificá-lo” (SANTO, 2017, p. 08).
O professor como mediador neste contexto norteou todo trabalho com
o propósito de trazer o contato com a leitura e a escrita dos estudantes,
trazendo o mangá como uma abertura para o incentivo da leitura e da escrita
e de apropriação dos conceitos trabalhados em sua disciplina. Larrosa afirma
que
ensinar a ler não é opor um saber contra outro saber (o saber do
professor contra o saber do aluno ainda insuficiente), mas é colocar
uma experiência junto a outra experiência. O que o professor deve
transmitir é uma relação com o texto: uma forma de atenção, uma
atitude escuta, uma inquietude, uma abertura. (LARROSA, in
VEIGA-NETO, 2007b, p. 147)

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No entanto, não só nos preocupamos em trazer estas experiências
para os jovens estudantes, mas expor ela para toda a escola e a comunidade
escolar.
Foi realizada no pátio uma exposição dos cartazes produzidos e dos
mangás criados pelos alunos, possibilitando aos estudantes das outras
turmas ter contato com o material e conhecer o que havia sido produzido.
Essa experiência permitiu ampliar o contexto vivido, trazendo o conhecimento
produzido em cada história dos mangás, além de atribuir a biblioteca da
escola novos exemplares produzidos pelos próprios alunos da instituição, pois
como afirma Larrosa in Veiga-Neto (2007b, p. 147) “a função do professor é
manter viva a biblioteca como espaço de formação”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se nosso objetivo buscava trabalhar a leitura e escrita com os
estudantes por meio do mangá como recurso didático, tivemos como
preocupação envolver os jovens e nos envolvermos fortemente na atividade
proposta. Como afirma Larrosa in Veiga-Neto (2007b), “pensar a leitura como
formação implica pensá-la como uma atividade que tem a ver com a
subjetividade do leitor: não só com que o leitor sabe, mas também com aquilo
que ele é.” Isso implica ao professor ao desenvolver sua prática pedagógica,
levar em consideração as demandas dos jovens estudantes para que dessa
forma se encontre aberturas para garantir a formação da escrita e leitura dos
jovens leitores. Como explica Dayrell (2007a) é necessário “compreender
suas práticas e símbolos como a manifestação de um novo modo de ser
jovem, expressão das mutações ocorridas nos processos de socialização, que
coloca em questão o sistema educativo, suas ofertas e as posturas
pedagógicas que lhes informam”.
A escrita e a leitura se tornaram bem mais proveitosa, na medida em
que todos os jovens estudantes na realização da atividade, puderam pensar,

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discutir

e

colocar

em

prática

tudo

aquilo

que

haviam

aprendido

(conhecimento) nas suas produções e na construção das histórias dos
mangás. Grande parte trouxe para o mangá, aquilo que vivência no cotidiano
e que faz parte da sua vida. Nesse sentido, identificamos que o processo
vivenciado se aproxima do conceito de experiência de Larrosa in Veiga-Neto
(2007b), pois não foram apenas atividades realizadas por obrigação.
Os estudantes tiveram a possibilidade de se expressar, se envolverem
com a proposta de trabalho. Larrosa in Veiga-Neto (2007b, p. 132) explica
que “a experiência seria aquilo que nos passa [...] não o que passa, senão o
que nos passa”.
Tanto o professor de sociologia, como nós, estagiários bolsistas do
PIBID pudemos criar um espaço de diálogo na formação dos jovens
estudantes e vivenciar uma “experiência” que nos passou, que atravessou no
sentido empregado por Larrosa. Concluímos este trabalho reafirmando que
precisamos buscar envolver os alunos no universo do conhecimento partindo
do princípio daquilo que mais pode ser significativos para eles, pois só assim
o conhecimento de fato servirá e terá sentido para suas vidas.
REFERÊNCIAS
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hibridização nas histórias em quadrinhos. Maceió. EDUFAL, 2011.
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p. 486
ISSN 1981-3031
Vol. 01

CONTANDO OUTRAS HISTÓRIAS: re/construindo o currículo
de uma escola quilombola em Penedo/AL
João Pedro dos Santos Viana
joaopedrojufra@gmail.com
Valéria Campos Cavalcante
vccavalcante1@hotmail.com
Janayna Paula Lima de Souza Santos
janaynasantos06@gmail.com
RESUMO: Este trabalho é um recorte da pesquisa Contos, Causos e
Histórias do Quilombo do Oitero ainda em desenvolvimento. A referida
pesquisa, busca auxiliar a comunidade quilombola Oitero/Penedo no resgate
da Identidade Negra. Como metodologia, recorremos à Pesquisa Qualitativa
interventiva. Neste texto, buscamos refletir sobre experiências vivenciadas no
âmbito de uma das escolas quilombolas, envolvidas na pesquisa, em que
foram contadas histórias com temáticas negras originárias da própria
comunidade para as crianças/estudantes. Entendemos que o contato com a
literatura tradicional da comunidade possibilitará as crianças negras
compreender os elementos culturais dos seus antepassados, que
acreditamos ser indispensáveis para o resgate da identidade negra, que já
fora esquecida por grande parte dos indivíduos da comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade negra – literatura tradicional – elementos
culturais – currículo – escola quilombola.

1 PALAVRAS INICIAIS
A escola Irmã Jolenta está situada na comunidade quilombola do Oitero
em Penedo. Essa escola atende, prioritariamente, a uma demanda de
crianças e jovens negros pobres da periferia do município. Ao adentrarmos no
cotidiano da escola, percebemos uma grande dificuldade em se trabalhar no
currículo escolar com temas que abordassem a temática negra. Dentro deste
contexto, percebemos que no currículo da instituição não havia atividades que
auxiliassem os educandos, na sua grande maioria, remanescentes do
Quilombo do Oitero, na re/construção do senso de pertencimento social,

p. 487
ISSN 1981-3031
Vol. 01

pessoal e coletivo dos educandos, através de metodologias específicas que
os auxiliem na re/construção de sua identidade afro-descendente.
Acreditamos que isso ocorre porque na comunidade há uma ausência
de discussões referentes à identidade quilombola, e, dentre os jovens, há
certo desconhecimento sobre a história e a cultura do quilombo, e até de certa
maneira, um constrangimento em admitir essa ancestralidade.
Essa problemática foi constatada a partir do diálogo com os estudantes
do curso de licenciatura em Ciências Biológicas, na Universidade Federal de
Alagoas/UE Penedo, que são moradores da referida comunidade que não se
reconheciam como sendo remanescentes quilombolas, ou não sabiam o que
isso significava, mesmo sendo “bolsistas quilombolas”. Após algumas
discussões em sala, e posteriormente em visitas a comunidade, pudemos
ratificar que há entre os moradores da comunidade a negação, e até certo
ponto, rejeição por parte de muitos moradores de se reconhecerem como
quilombolas.
Conhecendo essa realidade, construímos uma pesquisa qualitativa de
base interventiva intitulada “Contos, Causos e Histórias do Quilombo do
Oitero”, que busca o resgate e o fortalecimento da identidade de comunidade
quilombola, seus costumes, crenças e culturas. Dentre as várias ações da
pesquisa, explicitaremos aqui a ação em que foram apresentados os contos43
quilombolas tradicionais do Oitero para crianças do Ensino Fundamental da
escola Irmã Jolenta.
Estrategicamente, traremos neste artigo três pontos que julgamos
fundamentais para essa discussão, sendo eles: Comunidade do Oitero:
cultura e resistências; Identidades negras garantidas no currículo da escola
quilombola; e, As histórias contadas resgatando identidades negras.
2 COMUNIDADE DO OITERO: CULTURA E RESISTÊNCIAS

43

Esses contos foram contados pelos idosos da comunidade, coletados durante os círculos
de cultura da Pesquisa Contos, Causos e histórias do Oitero.

p. 488
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Vol. 01

A comunidade do Oitero44, atualmente é composta, em sua grande
maioria, por famílias nucleares (morando juntos pais e filhos), porém existem
outras famílias em que vivem juntos os avós, os genros, noras, netos. Como
comunidade remanescente de quilombo, a comunidade do Oiteiro, onde se
insere a escola Irmã Jolenta que participa da pesquisa, tem em seu nome a
história de um morro com mata fechada se entendendo pelas terras dos
Fagundes e Tabocas, onde negros escravos que viajavam clandestinamente
desembarcavam em navios vindos pelo Rio São Francisco, refugiavam-se
neste local dando início ao seu povoamento.
No aspecto cultural, a comunidade do Oitero tem como referência
religiosa o catolicismo, mesmo com a força da doutrina católica ainda na
comunidade alguns terreiros de candomblé. A culinária de origem africana
ainda é muito usada nas cozinhas com muito sabor, há ainda as plantas
medicinais que são cultivadas nos quintais das casas como a erva-cidreira,
capim-santo, aroeira, erva-doce, manjericão, arruda e outras. As benzedeiras
utilizam essas plantas para rezar e fazer os seus chás cicatrizantes.
Mesmo que os moradores não reconheçam na cultura do bairro, está
enraizada no legado afrodescendente e, também ao longo do tempo, foi
incorporada novas manifestações culturais, como a dança e a música afrobrasileira que são: candomblé, capoeira, pastoril, reisado e samba de roda,
festa do padroeiro do bairro, manifestações de blocos de carnaval, procissões
católicas, que são as manifestações populares deixadas pelos ancestrais que
ali viviam.
Como podemos perceber, a comunidade do Oitero, onde a escola Irmã
Jolenta está inserida traz em si o conhecimento informal baseado na
educação adquirida pelos avós, pais e seus descendentes, cabendo à escola
o compromisso do acolhimento afetivo e educacional visando o ingresso da
criança em um ambiente propício ao seu desenvolvimento cognitivo e social.
44

A comunidade quilombola do Oitero, atualmente, possui um nome “oficial” de bairro Senhor
do Bonfim, mas os moradores resistem e assumem o nome de comunidade Oitero. Como
fazemos parte da comunidade, iremos denominá-la neste trabalho como Oitero.

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Vol. 01

Assim, compreendemos que a escola Irmã Jolenta tem um papel
relevante dentro da comunidade, sobretudo como espaço de resgate e
valorização da cultura quilombola, não deixando, portanto, que as novas
gerações esqueçam suas tradições. Nesta vertente, podemos idealizar uma
outra escola que tenha uma estruturação curricular que contribua a
desconstrução de muitas ideologias que fazem com que o negro não se sinta
como alguém importante dentro da sociedade brasileira.
Em contraponto ao currículo prescrito propomos um trabalho curricular
mais democrático na escola quilombola,

no qual os educandos trocam

conhecimentos com o educador, assim acreditamos

que

estamos

colaborando para a construção de um currículo em que sejam reconhecidos
os costumes e tradições dos povos negros e quilombolas de Penedo,
conforme preconiza vários documentos que serão apresentados no item a
seguir.
3 IDENTIDADES NEGRAS GARANTIDAS NO CURRÍCULO DA ESCOLA
QUILOMBOLA
A escola Irmã Jolenta, atualmente, está dividida em duas escolas:
matriz e extensão, que atendem ao Ensino Fundamental anos iniciais (do 1º
ao 5º ano) e anos finais (do 6º ao 9º ano). De maneira geral, a instituição
atende a um público de seis a 15 anos, de baixa renda, e, em sua grande
maioria, negra, descendente de quilombolas.
Dentro desse contexto, compreendemos que uma escola quilombola
deve assumir o compromisso de resgatar a história da comunidade e a sua
realidade para sala de aula. Sendo assim, a escola deve agir de maneira que
haja a valorização da identidade quilombola, respeitando seus costumes,
suas crenças e sua cultura, pois compreendemos que o processo educativo,
sobretudo, para o estudante quilombola deve-se ressaltar a história e a

p. 490
ISSN 1981-3031
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cultura da comunidade, em que se localiza a escola. Neste sentido, Gomes
apud Munanga (2005), enfatiza que:
para que a escola consiga avançar na relação entre saberes
escolares/realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que
os educadores (as) compreendam que o processo educacional
também é formado por dimensões como a ética, as diferentes
identidades, a diversidade, a cultura, as relações raciais, entre
outras (GOMES apud MUNANGA, 2005, p. 147).

Ainda sobre esse aspecto, há que se ressaltar a legislação que
respalda um trabalho específico de valorização das questões étnicos-raciais
no cotidiano escolar. Dentre os principais documentos estão a Lei 10.639/03 o
Plano Nacional para ERER45 que visam à formação dos sujeitos no ambiente
escolar, buscando trabalhar a questão da diversidade e do multiculturalismo.
Diante desses documentos, compreendemos o quanto é importante
que se contemple nos currículos escolares, sobretudo nas escolas
quilombolas, discussões sobre as identidades dos sujeitos como nos mostra
Quirino (2014): “toda identidade exige reconhecimento, caso contrário ela
poderá sofrer prejuízo se for vista de modo limitado ou depreciativo.”
(QUIRINO, 2014, p. 38).
Entretanto, ressaltamos que mesmo com todo um arcabouço legal
ainda há uma ausência de discussões no cotidiano escolar quilombola,
principalmente

em

Alagoas,

que

debata

racismo,

preconceitos

e

invisibilidades nos currículos escolares. Diante da ausência de discussões e
invisibilidade, nas instituições escolares quilombolas seguem com um
processo de negação da contribuição dos negros na construção do Brasil.
Essa negação é facilmente constatada ao analisarmos os currículos
praticados nas escolas quilombolas de Alagoas, percebe-se que as atividades
e os trabalhos desenvolvidos nas escolas não estabelecem uma relação com
a Identidade das crianças e jovens negros/as. Tudo isso nos remete aquilo
que nos diz Munanga (2005):
45

Estudo das Relações Étnico-Raciais.

p. 491
ISSN 1981-3031
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Com efeito, sem assumir nenhum complexo de culpa, não podemos
esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que
podemos, em função desta, reproduzir consciente ou
inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade
(MUNANGA, 2005, p. 15).

Neste

sentido,

as

escolas

não

conseguem

realizar

uma

(des)construção daquilo que foi durante séculos construído como verdade
absoluta, assim permanece em Alagoas um currículo baseado no
branqueamento que foi construído ideologicamente pelo branco colonizador.
Assim, escolas que priorizam um currículo tradicional, que acentua
práticas pedagógicas a partir de conteúdos descontextualizados, a aquisição
do conteúdo está relacionada a aplicação de exercícios de memorização
mecânica, que na maioria das vezes estão artificialmente relacionadas a
situações de uma realidade considerada “próxima”, que serve de ilustração
para o mundo criado e apresentado como “ideal” pelos livros didáticos e
propostas de ensino.
Essa perspectiva curricular a que nos referimos, sempre esteve
presente no Brasil, através do pensamento abissal legitimado pelos currículos
para esse público da escola pública, que se materializa através das teorias
pedagógicas que se estruturam como percurso do polo negativo da incultura
para cultura, da ignorância para o saber, tudo isso utilizado como estratégia
para conformar jovens e adultos negros como seres inferiores.
Essa é a perspectiva do silenciamento e da invisibilidade dos sujeitos
no currículo escolar, dito de uma maneira parcialmente diferente, a exclusão
torna, ao mesmo tempo, radical e inexistente o Outro, a voz do Outro, uma
vez que “seres sub-humanos não são considerados sequer candidatos à
inclusão social” (SANTOS, 2008, p. 9).
Essa é a concepção do pensamento abissal que impõe uma postura
predatória de invisibilidade que respalda o discurso da marginalidade,
exclusão e desigualdade e inconsciência. Nesse sentido, Santos (2000),
afirma que:

p. 492
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[...] pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, que
consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que
as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são
estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade
social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e
o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado
da linha” desaparece enquanto realidade torna-se inexistente, e é
mesmo produzido como inexistente (SANTOS, 2000, p. 23).

Diante disso, esse pensamento escolar tradicional que hierarquiza
conhecimentos e conteúdos, foi aos poucos se cristalizando deixando suas
marcas ideológicas, forjando currículos impregnados de significados.

No campo do conhecimento, o pensamento abissal consiste na
concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal
entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de dois conhecimentos
alternativos: a filosofia e a teologia. O carácter exclusivo deste
monopólio está no cerne da disputa epistemológica moderna entre
as formas cientificas e não-científicas de verdade (SANTOS, 2000,
p. 20).

Assim, a grande maioria das ações pedagógicas, pensadas para o
público pobre e negro no Brasil, quase sem exceção foram elaboradas com a
ausência de diálogo e respeito para com os indivíduos, configurando-se,
portanto, como um campo educacional com

características fundantes na

impossibilidade da co-presença dos dois lados da fenda abissal.
Toda essa construção ideológica atende aos interesses de classes
socialmente mais reconhecida, neste sentido causa prejuízos irreparáveis
para formação da identidade da criança, pois ela pode passar a ver sua cor,
sua cultura, sua ancestralidade como algo ruim, feio, e que aquilo que o
pertence é algo errado que irá impossibilitá-la de ser aceito na sociedade.
Diante disto, Silva nos afirma (2005):
A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um
povo, bem como a inferiorizarão dos seus atributos adscritos,
através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a
desenvolver comportamentos de auto rejeição, resultando em

p. 493
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rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela
estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas
representações. (SILVA, 2005, p. 22).

Diante do que afirma a autora, podemos perceber o quão é importante
trabalharmos nas escolas quilombolas num processo de contra hegemonia na
qual as identidades dos estudantes

sejam trabalhadas e priorizadas,

conforme nos auxilia Quirino (2014): “o currículo é constituído de múltiplas
narrativas, podendo utilizar o discurso do grupo dominante, neste contexto, as
histórias podem ser invertidas, subvertidas e parodiadas, criando novas
identidades e subjetividades contra-hegemônicas (QUIRINO, 2014, p. 52).
Neste contexto, o currículo escolar reafirma seu poder como um
documento que pode permitir aos estudantes negros e pobres que possam
enxergar o mito da democracia racial, que nega e rouba sua identidade e
história. Acreditando nisto, no próximo item mostraremos um trabalho
pedagógico realizado na escola quilombola Irmã Jolenta que tenta resgatar a
identidade dos estudantes pobres e negros. Acreditando nisto, no próximo
item mostraremos um trabalho pedagógico realizado na escola quilombola
Irmã Jolenta que tenta resgatar a identidade dos estudantes pobres e negros.
4 AS HISTÓRIAS CONTADAS: RESGATANDO IDENTIDADES NEGRAS
Nessa seção, faremos um recorte da pesquisa “Contos, Causos e
Histórias do Oitero”, destacando, especificamente, uma ação, a saber: a
contação de histórias da comunidade do Oitero para os estudantes da escola
Irmão Jolente, do Ensino Fundamental (anos iniciais). Nesta atividade, foram
apresentados os contos tradicionais da comunidade do Oitero para as
crianças. Em seguida, cada estudante elaborou uma representação em forma
do desenho da forma como interpretou as histórias.
É necessário resslatar que essa ação se constitui como um processo
transformador das práticas, pelo qual a escola se envolve num processo de
mudança individual e coletiva, em que atua, reflete e aprende com o outro.

p. 494
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Emergem daí possibilidades para ressignificar o processo de ensino e as
práticas pedagógicas desenvolvidas por essa escola quilombola. Nessa
perspectiva, buscamos o fortalecimento da “metáfora da rede”, referendada
por Alves (2002), a qual aponta que os praticantes desenvolvem:
[...] conhecimentos em extensas e poderosas redes de contatos,
comunicação e informações, não agindo somente enquanto
consumidores, mas no uso que fazem do que é criado pela ciência e
pela técnica, e imposto pelo capital, assumem sempre o lugar de
criador , para muito além da passividade e da disciplina (ALVES,
2002, p. 24, grifos da autora).

Essas novas possibilidades educativas, desenham outra possibilidade
de currículo na escola quilombola, estabelecendo relações mais ecológicas
entre saberes e culturas diferentes que dialogam em sala de aula, por meio
de experiências de horizontalização/ecologização (OLIVEIRA, 2012). Partindo
dos saberes e práticas de seus agentes, as experiências de mundo dos
estudantes são vistas integrantes do processo pedagógico que não pode
esgotar-se nessas totalidades ou partes.
A escola é um ambiente privilegiado no que diz respeito ao trabalho
com a leitura, pois pode possibilitar o contato dos estudantes com os livros e
os diversos gêneros textuais existentes. E é nesse ambiente que muitas
vezes, para crianças das classes menos privilegiadas, ocorrem o primeiro
contato e o encantamento pela leitura, daí a importância de que ela seja
trabalhada com as crianças quilombolas na tentativa de resgate, ou até
mesmo na construção da identidade negra.
Nesse sentido, entendemos que a leitura literária com temática negra
pode auxiliar aos estudantes negros a compreender as histórias dos seus
antepassados, da mesma maneira que fortalece o processo identitário dos
estudantes. Com isso, a leitura baseada em textos de temáticas negras pode
enriquecer a formação da criança. No trabalho desenvolvido, optamos por
trabalhar com histórias/contos tradicionais da própria comunidade do Oitero.

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Na “História da botija”, por exemplo, podemos apontar alguns aspectos que
respaldam essa afirmação, vejamos:
A HISTÓRIA DA BOTIJA
Essa é uma história de uma botija escondida aqui no Oitero, como todo mundo sabe
Botija é um tesouro enterrado por alguém, que depois de morto resolve dar um presente de
valor para alguém. Esses estranhos presentes, conhecidos como botija, ficavam ocultos a
todos os vivos e só devem ser desenterrado quando o tal doador morresse ou indicasse um
sinal.
Conta a lenda que a pessoa recebe a botija através de um sonho, durante a noite.
Geralmente alguém diz:
- Eu tenho uma coisa para você, vá lá buscar. Depois, apontando para um local,
explica exatamente onde está a botija. Nesse momento se escuta: Cave aqui e fique rico.
Depois desaparece. Seriam almas penadas, condenadas a sofrer nas chamas do
Inferno enquanto o ouro escondido em vida não for encontrado. Por isso, parte do tesouro
encontrado seria destinado às missas pelo defunto. Quando não desenterrado o tesouro,
então aparecem coisas estranhas durante as noites, como um fogo que não queima,
gemidos, sons de passos. Quando em algum lugar começavam a aparecer essas coisas, o
povo logo diz: Ali tem uma botija. Enquanto ela estiver enterrada, a alma do defunto não
encontra paz, fica vagando até encontrar alguém que queira receber o tesouro.
Quem recebe uma botija deve arrancá-la sozinho e não demonstrar medo enquanto
estiver cavando, pois aparece um monte de coisa quando se está cavando. Também não
pode demonstrar ambição, caso contrário, o tesouro se desfaz e a alma do avarento que
enterrou a botija pode ser condenada ao suplício do Inferno. É preciso ir à noite, sozinho, sem
falar com ninguém.
Bem, voltando para o Oitero, os antigos contavam que tinha um cidadão que era
muito preguiçoso e a turma mexia com ele: rapaz você não trabalha, aí barbudo, cabeludo,
num quer nada com a vida, vá trabalhar. Aí ele dizia: Olhe quando Deus quiser me dar vai me
dar eu aqui deitado nessa rede.
Quando foi um dia ele sonhou com uma botija. A alma penada disse:
- Olhe vou lhe dar uma botija.
-Você vai cavar essa botija, é uma jarra cheia de ouro, tá cheia de ouro e você pode
cavar que é sua. Logicamente ele aceitou.
O rapaz disse: quando você começar a cavar vai aparecer muita coisa para lhe
assombrar, vai aparecer sapo, muita cobra, muita gia, muito grito, muita assombração. Mas
você não se incomode, cave que é seu.

p. 496
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Vol. 01

Mas esse homem como era muito preguiçoso aí ficou, ficou, ficou protelando,
protelando, quando foi um dia um rapaz apareceu e ele teve uma ideia, aí disse:
- Rapaz, você quer tirar uma botija pra você?
O rapaz perguntou:
- Onde é?
- É ali. Vou lhe mostrar é ali debaixo daquela arvore, o cara que me deu disse que é
uma jarra cheia de ouro você cava e vai encontrar.
O outro quando começou a cavar aí topou a jarra – hum..., vai dar tudo certo...aí
tampou, quando destampou ele abriu e tava cheia de besouro, aí ele tampou, tampou e
arrancou tampada e disse:
- Eu vou pegar essa peste dessa jarra e vou jogar dentro da casa daquele cabra
safado que isso não é ouro coisa nenhuma é coisa ruim, é besourão é pra comer ele, pra
matar ele, aquele preguiçoso.
Pegou a jarra e jogou na casa dele e foi besouro pra todo lado e fechou a janela e
correu – ele esperando o resultado no outro dia – morreu, o besouro comeu ele. Depois de
três dias nenhuma notícia ele foi na casa dele e quando chegou lá que abriu a janela, a sala
cheia de ouro, cada moeda enorme. Uma jarra enorme cheia de ouro.
Aí então ele viu o rapaz e disse:
- Oi rapaz! Você não quis não, né?
O outro falou:
-Rapaz, já que eu arranquei, me dê pelo menos a metade.
Ele disse:
- Não vou dar não. Você tirou e jogou aqui num foi? Eu num disse a você que quando
Deus quisesse me dar, me daria aqui mesmo nessa rede?
Fonte: Material coletado na pesquisa Contos, Causos e Histórias do Oitero.

A “História da Botija” foi contada para uma turma do 5º ano. Durante o
processo de contação dessa história, observamos a empolgação e a
expectativa das crianças em relação ao enredo e o desfecho da história, já
que conheciam o conto.
Com isso, acreditamos que este trabalho promoveu a construção de
uma proposta educativa, em que todos os envolvidos construíram várias
redes de saberes a partir da temática negra estudada. Dentro desse contexto,
as crianças trouxeram suas experiências, afirmando:

p. 497
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“Minha mãe disse que minha avó conheceu um homem que tirou
uma botija, ela disse que ele ficou muito rico tia, ele comprou uma
casa bem grande lá no centro, ela disse que até hoje ainda tem
botija enterrada aqui no Oitero”. (PAULO, 2º ANO)
“Eu sei tia, foi lá em cima não foi? Minha mãe até hoje tem medo de
passar por ali, ela disse que até hoje tem mal assombração, por
causa das botijas que tinham lá, foi até os negros que escondiam o
ouro nos cabelos, depois enterravam pra ninguém saber onde
estava, aí quando morria tinha que vim dar para os outros as
botijas” (MARIA, 2ºANO)

Como podemos observar, uma vez que a história contada traz traços
culturais de regionalidade e marcas da oralidade da comunidade, isso
permitiu recuperar as tradições da cultura popular. Nesse sentido, as
contadoras da história estabeleceram uma relação entre os conhecimentos
escolares/formais com as diversas redes de conhecimentos trazidas pelos
estudantes.
Como podemos observar, nessa aula de leitura, as histórias e
conhecimentos dos educandos foram incluídos como parte do currículo.
Observamos assim, que a escola colaborou com essa experiência social da
comunidade, procurando entender seus significados.
Nessa concepção de educação rompeu-se, portanto, com os
conhecimentos tidos como fechados confrontando-os com outras opções de
conhecimentos, buscou-se portanto um criar desenho curricular mais justo e
igualitário, mais humano.
Chamamos ainda a atenção para a relação ética estabelecida em sala,
presenciamos assim um processo problematizador, com buscas da superação
da monocultura do saber científico46 de uma educação tradicional. Nesse
aspecto, a atividade dos/as contadores/as das histórias, seguiam uma
proposta de educação emancipatória, na qual os conhecimentos da
comunidade dos estudantes foram valorizados, num processo dialógico,
entendendo diálogo a partir de Freire (1987) quando afirma que:
46

Segundo Santos (2002), esta lógica da monocultura do saber equivale ao status atribuído à
ciência moderna e à “alta cultura”. Nesse contexto, a escola é vista como espaço de produção
de saberes científicos, portanto, não se considera os saberes populares no currículo escolar.

p. 498
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O diálogo é o encontro que se solidariza o refletir e o agir de seus
sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado,
não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no
outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem
consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1987, p. 45).

Nesse aspecto, compreendemos que através da leitura dessa história,
tradicionalmente contada na comunidade, conseguiu-se extrapolar o currículo
tradicional e construir um currículo contra-hegemônico. Isso significa dizer que
as contadoras e os estudantes teceram suas práticas, a partir de redes de
conhecimentos já existente, ampliando saberes sobre a cultura da
comunidade do Oitero.
Nesse aspecto, compreendemos que o currículo se construiu de
maneira diversa, sem controle. Currículo esse, que não foi centrado em
verdades absolutas e sim na horizontalidade, em que todos os conhecimentos
são reconhecidos e valorizados, não havendo, portanto, hierarquização de
saberes. Dessa forma, configurou-se uma possibilidade de construção de um
currículo mais criativo, em que:
[...] cada forma de conhecimento reconhece-se num certo tipo de
saber a que contrapõe um certo tipo de ignorância, a qual, por sua
vez, é reconhecida como tal quando em confronto com esse tipo de
saber. Todo saber é saber sobre uma certa ignorância e, vice-versa,
toda a ignorância é ignorância de um certo saber (SANTOS, 2000, p.
78).

Isso nos permitiu no dizer de Oliveira (2012): “[...] promover uma
experiência social aos alunos [...] que equaliza conhecimentos, horizontaliza a
relação entre eles e leva a perceber que são redes complexas de
conhecimentos diferentes que estão nas bases sociais coletivas” (OLIVEIRA,
2012, p. 109). Essa prática pedagógica utilizada na escola Irmã Jolenta
diferenciou-se daquelas que vêm predominando historicamente nas escolas
quilombolas.
Diferenciada nesse contexto, pode ser considerada uma subversão
pedagógica dentro da escola da modalidade em questão, sem que uma voz

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se sobrepusesse a outra de forma autoritária e vertical e propôs a construção
de um novo currículo inédito em que a identidade negra prevaleceu.
Isso só ocorreu à medida que a escola permitiu que as vozes dos
antepassados quilombolas dos estudantes ecoassem na sala de aula, num
processo dialógico que estava pautado acima de tudo pelo respeito. A
desinvibilização dos saberes dos estudantes, que em algumas escolas são
tratados como inferiores, portanto invisíveis, na sala de aula da escola Irmã
Jolenta, ao contrário, fez parte da construção do currículo, nesse contexto as
memórias e culturas dos quilombolas, seus saberes e valores, tudo isso fora
reconhecido nos currículos contra-hegemônicos forjados cotidianamente na
escola observada.
Compreendemos, assim como Oliveira (2003), que para se entender o
que de fato acontece nos processos educacionais e que escapa aos modelos
pedagógicos e propostas curriculares oficiais, é preciso considerar, como
formas de saber/fazer/pensar/sentir/estar no mundo válidas, tudo aquilo que a
escola tem sido levada a negligenciar em nome da primazia do saber
científico e da cultura ocidental branca e burguesa sobre os/as demais.
Ao problematizar a vida real nos currículos realizados nas salas de aula
buscou caminhos que lhes possibilitaram compreender a existência cotidiana
sem exigir a renúncia diante do que ela oferecia, mas, ao contrário,
reconsiderou-se a necessidade de retorno à existência e à linguagem de todo
o dia, ao buscar reavivar o contato com aquilo que, na vida comum, é irrigado
pelo fluxo de narrativas, que muitas vezes passa despercebido pela/na
escola.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste texto, trazemos o recorte da pesquisa Contos, Causos e
Histórias do Quilombo do Oitero ainda em desenvolvimento. Buscamos refletir
sobre experiências vivenciadas no âmbito da escola quilombola Irmã Jolenta

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em que foram contadas histórias com temáticas negras originárias da própria
comunidade para as crianças/estudantes.
Entendemos na relevância deste trabalho por acreditarmos que

o

contato com a literatura tradicional da comunidade possibilitará as crianças
compreender melhor elementos culturais indispensáveis para o resgate da
identidade negra, que já fora esquecida por grande parte dos indivíduos da
comunidade.
Compreendemos, portanto, que durante a contação da história em
questão conseguiu-se a superação da lógica hegemônica. Nessa concepção
a sala de aula configurou-se como lugar de emancipação. Isso só ocorreu à
medida que a escola permitiu que as vozes dos antepassados quilombolas
dos estudantes ecoassem na sala de aula, num processo dialógico que
estava pautado acima de tudo pelo respeito.
Neste contexto, o currículo escolar reafirmou seu poder como um
documento que pode permitir ao estudante negro ver sua história sob uma
ótica verdadeira, enxergando o mito da democracia racial, que nega e rouba
sua identidade e história.
6 REFERÊNCIAS
ALVES, Nilda. Sobre redes de conhecimento e currículo em rede. Revista de
Educação da AEC. Brasília, v. 31, n. 122, p. 94-107, jan./mar.2002.
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Salvador: EDUFBA, 2008.
FREIRE, Paulo. Sobre educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio
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IBIAPINA, I. Mª L. de M. Pesquisa Colaborativa: investigação, formação e
produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livro editora, 2008.
MUNANGA, K. Apresentação. In: MUNANGA, K. (Org.) Superando o
racismo na escola. 2.ed. Brasília: Ministério da Educação, SECAD, 2005.
QUIRINO, D.R. Cotidiano e violência simbólica: a desconstrução do
preconceito étnicorracial nas escolas / Daisy Rodrigues Quirino – Recife:
Ed. Universitária UFPE, 2014. 175p.: il. – (Coleção Étno-racial).

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NEVES, I.S. Uma breve reflexão sobre as relações raciais na educação. In:
FERREIRA, G.G; SILVA, E.H.; BARBALHO, J.I.S.(Orgs.). Educação e
Diversidades um diálogo necessário na Educação Básica.1.ed. Maceió:
EDUFAL, 2015.
OLIVEIRA, Inês B. Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação.
Rio de Janeiro: DP & Alii, 2003.
OLIVEIRA, Inês B. O currículo como criação cotidiana. Rio de Janeiro: DP
& Alii, 2012.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociologia das ausências e uma
sociologia das emergências. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 2002.
SILVA, A.C. A desconstrução da discriminação no livro didático. In:
MUNANGA, K. (Org.) Superando o racismo na escola. 2.ed. Brasília:
Ministério da Educação, SECAD, 2005.

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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: pensando a filosofia, seus desafios
e possíveis perspectivas
José Aparecido de Oliveira Lima
aparecido.filosofia@gmail.com
Williams Nunes da Cunha Junior
williamsjr_cmf@hotmail.com
Cindia Maria Braga Albuquerque
cindiabraga@gmail.com
Resumo: O referido texto é fonte de estudos decorrentes da disciplina sobre
“Educação Brasileira”, no curso de pós-graduação em Educação, pelo Centro
de Educação/CEDU da Universidade Federal de Alagoas/UFAL. O artigo
buscará fazer um pequeno recorte acerca da discussão sobre a filosofia no
contexto da educação brasileira. Com isso, é preciso destacar que as
indagações sobre o que é filosofia e qual a sua importância na produção do
conhecimento são a mais variada, que em meio à práxis na sala de aula, ela
pode se realizar por meio dos questionamentos, das indagações e dos
debates com alunos do ensino. Por fim, faremos uma reflexão acerca da
descentralização da filosofia e do seu ensino, ficando evidente como
disciplina, puramente, conteudista e, estritamente, Europeia.
PALAVRAS-CHAVES: Filosofia - Ensino de Filosofia - Educação.
1 INTRODUÇÃO
Poderemos afirmar que a filosofia não é uma ciência, mas faz “uma
reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos” (CHAUÍ, 1999,
p. 17). Bem como o faz com relação à religião, arte, psicologia, sociologia,
política e história. Sendo assim, como ela desenvolve essa atividade de
problematização e crítica?
As possíveis respostas para tais questionamentos podem partir do
pressuposto da não aceitação das respostas prontas e tidas como
verdadeiras. A filosofia pode encarar os fatos com um olhar crítico, pode
procurar por meio de suas próprias investigações compreender a sociedade e
as formas como ela se manifesta. Segundo Lima (2010, p. 66), “o trabalho da

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filosofia não consiste em trazer, necessariamente, soluções e respostas, mas
em pensar o existente, a experiência individual e coletiva, a prática”. No
entanto, como esse conhecimento filosófico acontece na sala de aula? Como
é realizado esse processo crítico no mundo? Por que a filosofia mantém em
seu ensino atual uma compreensão conteudista e europeia?
É preciso entender que vivemos num tempo onde está cada vez mais
difícil a prática do docente em filosofia, mediante tanta globalização,
tecnologia e inversão de valores. Nesse contexto, a leitura vem se tornando
cada vez mais escassa e o aprendizado cada vez mais árduo, tanto para o
docente, quanto para os alunos que vivem uma vida precarizada e hostil.
Assim, buscaremos desenvolver um pequeno recorte acerca da
importância desse conhecimento filosófico na história e suas transformações;
após isso, buscaremos evidenciar esse conhecimento filosófico na práxis do
ensino da filosofia em meio a sala de aula com os alunos do Ensino Médio e,
por fim, faremos uma crítica a atual descaracterização da filosofia no seu
ensino e por deixar de lado o cotidiano de alunos e professores inseridos num
ensino e aprendizagem que tem como base, apenas, uma reflexão filosófica
que não busca problematizar o contexto real de nossa vida cotidiana.
2. A história da filosofia no processo de construção e produção do
conhecimento.
De acordo com Evandro Ghedin (2008, p. 55) “A Filosofia é a atividade
teórica de reflexão e de crítica de problemas apresentados pela realidade, e
esses problemas refletem necessidades e exigências de uma época e de uma
realidade”. Por meio desse pensamento questionador buscam-se respostas
que possam sanar necessidades e com isso possivelmente mudar o cenário
de uma dada realidade.
Marilena Chauí fala sobre atitudes filosóficas, reflexões filosóficas e
pensamento sistemático como formas de atuação da filosofia. A reflexão

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filosófica questiona “Por quê? O quê? Para quê?” (CHAUÍ, 1999, p. 15), esse
processo se dar pelas constantes inquietações acerca de algo posto no
mundo. Já o pensamento sistemático busca por meio de enunciados racionais
e bem elaborados, apresentar encadeamentos lógicos que demonstrem e
provem as ideias que se acredita, não ficando apenas no senso comum.
Desse modo, “a consciência filosófica procura explicar e compreender o que
parece ser irracional e inquestionável” (CHAUÍ, 1999, p. 16).
É preciso entender que essas formas de como a filosofia se apresenta,
pode nos levar a compreender de que forma chegamos a um esclarecimento
diferente do habitual, saber o que é?, Como é? Por que é? Seria um processo
constante de questionar. Ou seja, pode ser diferente?
Esse processo de entendimento levou a filosofia no percurso histórico a
buscar esclarecer aquilo que estava subjacentemente, oculto. Com relação a
esse processo, poderemos observar que diante dos quatros períodos da
filosofia (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea) houve uma busca
constante acerca desse desvelamento, com base no contexto histórico, social
e político, de cada época.
Sobre isso faremos dois recortes na história da filosofia em diferentes
contextos, que a partir de uma reflexão filosófica, concepções e ideias foram
instigadas no pensamento, na formação e na transformação de um povo.
Segundo Chauí (1999, p. 44), a Patrística, inserida na Idade Média
(Período que envolve os séc. I ao séc. XV), esteve ligada a tarefa de
evangelização, estando, portanto, em defesa da religião cristã. “para impor as
ideias cristãs, os padres das igrejas as transformavam em verdades reveladas
por Deus”. A patrística trazia como grande tema de discussão a “possibilidade
ou impossibilidade de conciliar razão e fé” (CHAUÍ, 1999, p. 44). Alguns
pensadores a julgavam irreconciliáveis, de modo que a fé seria soberana,
outros, acreditavam ser possível, contudo, a razão permanecia subordinada a
fé. E ainda havia os que acreditavam ser impossível a conciliação, pois cada
uma teria seu papel e seu conhecimento específico e não deveriam ser

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misturados. Ainda neste contexto, a Filosofia Medieval tinha Platão e
Aristóteles como influenciam principais, sendo também de grande relevância
a participação de Santo Agostinho e Tomás de Aquino, dentre outros
pensadores. Centravam-se na relação da filosofia com a teologia. Sobre isso
Lima, Melo e Menezes (2015, p.163) destacam que “a vida e o mundo eram
vistos apenas com base nos princípios religiosos, onde Deus é o centro do
mundo”.
Outro período importante foi a Filosofia Moderna (Período que envolve
os séc. XVII ao séc. XIX). As problematizações e debates da era medieval
levaram os pensadores a uma nova concepção filosófica acerca das coisas.
Essa nova concepção causou três mudanças significativas: o surgimento do
sujeito do conhecimento, onde “a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela
volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de
conhecer” (CHAUÍ, 1999, p. 46); o objeto do conhecimento, reconhecendo
que “as coisas exteriores [...] podem ser conhecidas desde que sejam
consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos formulados pelo
sujeito do conhecimento” (CHAUÍ, 1999, p. 47); e a realidade apresentada por
Galileu: “um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda
e invisível é matemática” (CHAUÍ, 1999, p. 47). Essa racionalidade foi aos
poucos modificando os conceitos outrora defendidos pela filosofia de modo
que hoje ela passa a ser questionadora, crítica e reflexiva. Ou seja, nesse
novo pensamento, Deus não seria mais o centro do conhecimento, que agora,
passaria a ser o homem.
Ora, mesmo diante desses dois pequenos recortes, podemos perceber
que o conhecimento filosófico foi/é importantíssimo na evolução do indivíduo.
Com isso tem-se atualmente o entendimento de filosofia como expressão do
pensamento humano, das confusões existenciais e do inconformismo para
com os problemas sociais. Esse pensar/refletir/questionar é condição de
liberdade. É por meio dessa atitude que se pretende compreender a função
de cada sujeito no mundo e sua significação. Por esta razão a filosofia se

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apresenta como um processo de análise, reflexão e crítica. De modo que,
segundo Ghedin (2008, p. 74) reflexão e crítica devem ser indissociáveis uma
vez que a reflexão sem a crítica torna-se mera descrição.
Com isso pensar é condição indispensável para que o ser humano
possa compreender o mundo e a si mesmo, estando constantemente em
busca da verdade. Assim, a capacidade de se questionar, avaliar sua prática
e repensar o seus atos são indispensáveis, de modo que “se não for possível
perguntar, não será possível a reflexão e não há como construir
conhecimento” (GHEDIN, 2008, p. 77).
Com relação às mudanças de concepção entre a filosofia tradicional e
a moderna Ghedin (2008) destaca que houve uma transferência de foco,
saindo do objeto para o sujeito ou da relação entre eles:
Na Filosofia tradicional, o processo de construção de conhecimento
estava condicionado ao objeto e concentrava-se nele, de acordo
com o entendimento de que o objeto possuía uma essência e dela o
conhecimento resultava. Na modernidade, essa ideia foi revestida e
centrada no sujeito. Até muito recentemente, o processo de
conhecimento vinha sendo compreendido como resultado quase
exclusivo da relação estabelecida entre sujeito e objeto (p. 84).

Essas mudanças são determinantes no processo histórico, marcam
períodos e vão sendo pensadas de modos diferentes, cada mudança ocorre
através de um logo processo que envolve o pensar, o repensar, a dúvida e o
questionamento, esse processo é comum para aqueles que não aceitam a
posições estabelecidas, o que gera a reflexão crítica sobre o mundo, os
sujeitos e o próprio pensamento. Diante disso, poderemos considerar
verdadeira a afirmação de Ghedin (2008, p. 86), quando destaca que o
conhecimento não está apenas no sujeito ou no objeto, como também não
está apenas no método ou no conceito, mas na relação desses elementos,
que juntos geram a produção do saber. Assim, “a filosofia é constante
processo de criação. É fundamentalmente a criação de novas interpretações
e de novos significados” (idem, p.88). A filosofia precisa reelaborar suas
problematizações de acordo com seus contextos históricos, sócias e políticos.

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A filosofia acontece no lugar e em cada tempo determinado, tendo como base
investigativa, o seu redor.
3. O filosofar como práxis no ensino da filosofia
Sendo a filosofia um constante processo de criação e tendo em vista
que criar é agir de alguma forma no mundo, torna-se necessário pensar o
filosofar como uma verdadeira práxis do ensino de Filosofia.
A palavra práxis é utilizada em sentidos diversos em variadas áreas do
conhecimento, como a própria filosofia e a psicologia. A palavra tem origem
no grego e significa conduta ou ação. Portanto, o filosofar visto como práxis é
aquele que possibilita um agir no mundo, a partir de uma reflexão sobre esse
mesmo mundo.
Para que essa práxis seja vista como crítica, Lipman (1995) aponta
quatro condutas para se atingir esse fim. A primeira conduta diz respeito à
crítica da prática dos colegas, a segunda diz respeito à autocrítica, a terceira
à correção da prática dos outros, e por fim, a autocorreção. Para que esta
práxis se concretize é necessário atentar-se para a prática do questionamento
efetivo, que é aquele que gera intervenções e produz mudanças (GHEDIN,
2008).
Ora, segundo Lima (2010), a tarefa da filosofia (do filosofar) é iluminar
o sentido teórico e prático daquilo que fazemos. Sendo assim, mais uma vez
se reafirma aqui o filosofar como práxis, onde o questionamento encontra
lugar especial. “Se não for possível perguntar, não será possível a reflexão e
não há como construir o conhecimento” (GHEDIN, 2008, p. 77).
É interessante notar como teoria e prática aqui parecem constituir dois
lados de um mesmo objeto, e assim deve ser, a fim de evitar toda alienação,
isto é, a separação ou mesmo hierarquização entre essas duas dimensões
constituintes daquilo que chamamos aqui de práxis.

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Perguntar, portanto, assume uma dimensão ontológica, uma vez que
nos caracteriza como humanos. Negar a possibilidade do questionamento é
uma negação ontológica, uma vez que nos desumaniza e nos tira algo tão
singular de nossa existência. É preciso, portanto, que o perguntar torne-se
elemento central no processo do ensino de Filosofia.
O professor de Filosofia deve entender seu lugar-docente como o
espaço propício em que se gera e se produz conhecimento, isto é, aqueles
conhecimentos que nascem de sua prática, os quais Tardiff (2011), chama de
saberes experienciais.
Os saberes experienciais são:
[...] conjuntos de saberes atualizados, adquiridos e necessários no
âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das
instituições de formação nem dos currículos. Estes saberes não se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes
práticos [...] e formam um conjunto de representações a partir das
quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua
profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões (p.
48-49).

Estes saberes, por sua vez, auxiliam naquilo que chamamos aqui de
práxis, fazendo com que esta seja vista como uma ação política, isto é, de
transformação da realidade. É do professor de filosofia a tarefa de buscar
reestruturar seu saber e seu ensino.
Uma vez que o questionamento ocupa um lugar de destaque na práxis
do ensino de Filosofia, duas questões se tornam de fundamental importância.
A pergunta primordial é a de saber o que é filosofia (FAVORETTO, 2008),
uma vez que é a partir desta que serão os autores, os referenciais teóricos,
tornando-se, pois, uma postura filosófica (DANELON, 2010).
Por outro lado, a questão de saber se o professor de filosofia é também
filósofo parece ser colocada aquele que deseja tornar o ensino de filosofia
uma prática sua. Assim como afirmam alguns especialistas neste ensino,
concordamos que sim, o professor de filosofia deve ser também filósofo, não

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sendo possível pensá-lo como outra coisa (CERLETTI, 2008). Ora, como
poderia levar seus alunos a filosofar se ele mesmo não o faz?
A partir destas duas questões postas anteriormente, podemos pensar
no professor de filosofia como alguém que ilumina os sentidos da prática
filosófica e que, ademais, deve repensar constantemente sua prática, de
forma permanente.
Portanto, é repensando sua prática, ou seja, filosofando sobre ela, que
o professor de filosofia, como filósofo, pode assumir uma postura filosófica de
melhoramento de seu agir docente, respondendo para si mesmo a questão do
que é filosofia e escolhendo os melhores caminhos para se traçar o ensino de
Filosofia. É nisso que consiste o que aqui chamamos de práxis, a qual possui
o próprio filosofar como fundamento.
4. Um problema filosófico chamado ensino de filosofia no Ensino Médio
Entretanto, levando em consideração os tópicos anteriores, tais como,
a importância do conhecimento filosófico na formação e transformação do
indivíduo e sua práxis no contexto do ensino da filosofia no ensino médio,
buscaremos problematizar a realidade da filosofia e do seu ensino em meio
aos tempos atuais, seus desafios e suas perspectivas.
Falar da importância do conhecimento filosófico na formação do aluno
de ensino médio e enquanto um instrumento para o professor de filosofia, em
nossa opinião, é lutar pela autonomia de pensamento, é lutar por uma
mudança cultural de vida e, principalmente, lutar contra paradigmas que
escravizam crianças, adolescentes e jovens.
Aos poucos, ao longo de nossa infância, adolescência, juventude,
vamos adquirindo entendimentos das coisas que compõem o
mundo que nos cerca, das relações com as pessoas, das normas
morais e sociais que regem as relações entre os seres humanos.
Nós, por isso, nos acostumamos a esses entendimentos, a partir do
momento em que fomos adquirindo-os espontaneamente
(LUCKESI; PASSOS, 2004).

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Diante disso, é preciso que o professor se utilize do conhecimento
filosófico e impulsione os alunos para o debate, os embates da vida e para as
confrontações de ideias.
Segundo o professor Dr. Walter Matias de Lima (LIMA, 2010), para
fugir da apatia que envolvem professores, alunos e a educação atual, é
preciso uma ruptura com o senso comum e com o dogmatismo, “[...]
propiciando a abertura para o debate, a crítica, a manifestação da contradição
no âmbito da relação entre o público e o privado, naquilo que é urgente para a
construção da cidadania em Alagoas” (p. 66).
Diante disso e pensando nessa ruptura, buscaremos fazer uma crítica
ao ensino da filosofia nos moldes atuais. Noutras palavras, o ensino da
filosofia vem abrindo mão de sua criticidade por um processo tecnicista e
conteudista, tendo em vista, provas, provinhas e provões que evidenciam
objetivos de preparar o aluno a reproduzir conhecimentos, sem as
características

primordiais

da

filosofia,

ou

seja,

sua

argumentação,

estranhamento, debate e olhar crítico do mundo. “O conhecimento é a
compreensão inteligível da realidade, que o sujeito humano adquire através
de sua confrontação com essa mesma realidade” (LUCKESI, 2011, p. 154).
Diante disso, o aluno de ensino médio precisa ter a sua experiência
particular com o conhecimento filosófico, buscando de forma crítica, sair do
senso comum e adentrar num novo posicionamento perante a realidade
social. É preciso que o aluno possa, ele mesmo, experienciar e não mais só
reproduzir.
A importância de um olhar crítico do contexto que nos cerca conduz o
indivíduo a busca pelo conhecimento, ao mesmo tempo em que esse mesmo
indivíduo adentra no processo de estranhamento e passa a problematiza o
meio em que vive e questionar a realidade que é imposta a ele.
5. Possibilidade de uma nova perspectiva para o ensino da filosofia com
vista nos sujeitos e nos seus contextos

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O ensino da filosofia no Brasil acontece na/pela concepção
Eurocentrista, ou seja, segue uma característica dogmática num contexto
grego, alemão, italiano, enfim, continuamos a fazer filosofia olhando para a
Europa (a chamada “filosofia ocidental”). Assim, mediante os estigmas de
uma filosofia fora do nosso contexto, filosófico, social e político, ficamos de
costas para o nosso continente e para nossas “outras” filosofias, tais como, a
filosofia africana, oriental e, principalmente, a filosofia latino-americana.
É necessário desenvolver uma filosofia que busque problematizar o
contexto real de seu povo, de suas precariedades e de suas lutas. Como foi
definida anteriormente, a filosofia foi fundamental na evolução, construção e
transformação do homem durante a história, levando em contas, a realidade
dos indivíduos.
O filósofo nigeriano K.C. Anyanwu, no portal Global Voices (2014),
busca definir a filosofia africana como “aquela que se interessa na maneira
que o povo africano, do passado e do presente, entende o seu destino e o
mundo no qual vive”. É preciso saber quem fala e de quem se fala.
Um problema real e instigante é perceber que mesmo fazendo
fronteiras com os países da América do Sul e Central, não conhecemos
quase nada ou, absolutamente, nada dos pensamentos filosóficos que
envolvem o contexto latino-americano. Para o professor de filosofia latinoamericana, Antônio Vidal Nunes, no Portal Ciência&Vida (2016), “Não há
como fazer Filosofia sem recorrer à tradição, mas isso não justifica o
esquecimento daquilo que é nosso, da realidade que nos envolve”.
É necessário superar uma ideia Europeia de fazer filosofia. A filosofia
precisa estar englobada no contexto histórico de um povo, de uma região e de
seus contextos precarizados. Esse contexto pode envolver indivíduos que
precisam vivenciar um processo de emancipação de realidades segregadoras
e alienantes. Noutras palavras, o ponto chave das problematizações
filosóficas podem ser instigadas nos/pelos próprios indivíduos da realidade do

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lugar em que estão inseridos. “O conhecimento direto da realidade decorre do
esforço que o sujeito do conhecimento faz para obter um entendimento
adequado da mesma” (LUCKESI, 2011, p. 158).
O conhecimento do contexto em que o indivíduo está inserido
produzido de maneira crítica faz com que esse indivíduo possa perceber e
conceber uma nova realidade a partir daquilo que foi imposto previamente.
Assim como afirma Lima (2010):
Pensar é criar, não unicamente refletir. É colocar a questão do
sentido (da produção do sentido e o sentido da produção), não da
verdade. É exercer o pensamento como atividade inventiva na
ordem dos problemas, das regras e dos conceitos: o pensamento
como criação. Essa é uma das possibilidades do ensino da filosofia:
experimentar novas relações entre os seres, construir novas
composições; o pensamento como plano de composição onde as
relações e os acontecimentos se constroem e se desconstroem (p.
70).

Diante destes tempos modernos em que estamos inseridos, uma
filosofia que busque problematizar os nossos contextos, a recuperação de
nossos valores éticos, a compreensão acerca de uma autonomia crítica em
relação à sociedade, tornam-se questões urgentes.
Considerações finais
Acreditamos que, quanto mais cedo os alunos da educação básica
tiverem contato com o conhecimento filosófico, mais cedo adquirirão valores,
criticidade e autonomia de pensamento, para um melhor desvelamento da
vida, do contexto social e político em que estão inseridos.
Tanto os professores como os alunos precisam experienciar as vidas
precarizadas em que vivem e estão imersos, principalmente, o professor,
pois, um professor de filosofia que é pobre em experiências sociais,
empobrece o conhecimento filosófico que pode buscar lidar com esses
sujeitos sociais e seus contextos. Poder adentrar na realidade do outro

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(Aluno, professor, escola, bairro, sociedade...) é poder vivenciar a experiência
biográfica do “outro”, que é indispensável para a emancipação do meu “eu”.
É preciso perceber a importância desse conhecimento na escola, tendo
em vista sua volta aos currículos. Se foi possível essa volta, é porque
pensadores da educação perceberam que a filosofia pode quebrar as
correntes que envolvem jovens acorrentados em meio ao senso comum das,
‘normas existenciais’ da vida; da ideia de que “é assim que tem que ser” ou
que “foi Deus que quis assim”.
É imprescindível fugir do circulo vicioso de uma filosofia conteudista e
tecnicista que tem como objetivo apenas reproduzir e reproduzir. É preciso
que a filosofia gaste menos tempos com as ideias e conteúdos dos filósofos e
passe a demorar-se, entrelaçar-se nas necessidades e precariedades do
outro que, muitas vezes, é a mesma que a minha
Pensamos que em meio às crises de identidade que envolve a filosofia,
o seu ensino e a formação de professores de filosofia, “É necessário e
urgente repensar a formação inicial de professores (as) em curso de
licenciatura neste país” (MATOS, 2013, p. 40).
Abrir a discussão do conhecimento para nosso contexto político, social,
econômico, étnico racial, epistemológico e identitário, enfim, para nosso
contexto brasileiro é de suma importância para o contínuo desenvolvimento
de nossa sociedade.
Noutras palavras, é necessário perceber que a filosofia pode ser um
meio para buscar/adquirir o conhecimento dando continuidade a formação e
transformação do ser humano através da história. Noutras palavras, o
conhecimento filosófico não pode ficar preso ao filósofo, a uma concepção, à
época, a uma visão de um determinado tempo, ou a uma ideologia do
professor.

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metodológica”. In: KOHAN, Walter O. (org.). Filosofia: caminhos para seu
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FAVORETTO, Celso. “Filosofia, ensino e cultura”. In: KOHAN, Walter O.
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FILOSOFIA E INFÂNCIA: considerações sobre o ensino de
Filosofia para crianças
Williams Nunes da Cunha Junior
williamsjr_cmf@hotmail.com
Dariely Lays Monteiro de Lima
darielymonteiro@hotmail.com
Resumo: Como ensinar Filosofia para crianças? Responder a esta pergunta
é o que motiva o nosso trabalho. Para tanto, por meio de uma pesquisa
bibliográfica, abordamos o conceito de infância do ponto de vista históricocultural, buscando entender qual a compreensão de infância ao longo da
história até nossos dias. Refletimos ainda sobre a relação filosofia e infância,
pensando nos aspectos semelhantes entre esses dois conceitos, tendo na
Filosofia e na Infância um mundo de possibilidades. Por fim, pensamos o
ensino de Filosofia para crianças, a partir da proposta do filósofo americano
Mathew Lipman. Em sua proposta o ensino de Filosofia estimula
questionamentos, não sendo, portanto, um ensino de História da Filosofia.
Para isso é preciso que o educador faça de sua sala de aula um lugar que
ofereça liberdade às crianças, a fim de que elas sejam convencidas a
questionar. Aqui, a sua concepção de infância é importante, pois para
desenvolver esse trabalho, o educador precisa acreditar na capacidade da
criança de dar significado ao mundo. A Filosofia tem a capacidade de criar
crianças livres e autônomas e é isso que se pretende com o ensino de
Filosofia para crianças.
Palavras-chave: Ensino – Filosofia – Infância – Lipman.
1 INTRODUÇÃO
Num momento em que o ensino de Filosofia se torna cada vez mais
tenso, com propostas que visam torná-lo um ensino de seus conteúdos,
ministrado por sabe-se lá quem e sabe-se lá o que, pensar num ensino de
Filosofia em outro nível de ensino que não os já supostamente consagrados,
é um grande desafio.
Pensamos que não é possível refletir sobre o ensino de Filosofia para
crianças sem pensar o que é infância, quais as concepções sobre esta fase
da vida humana ao longo do tempo, sem levar em consideração suas
especificidades. Por isso, nosso trabalho, a partir de uma pesquisa

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bibliográfica de obras sobre a temática abordada, começa trazendo algumas
luzes para pensar a infância. A partir de um viés histórico-cultural, nos tempos
históricos e na produção cultural desses tempos, buscamos compreender o
que se entende por infância.
Logo de início nos deparamos com a questão de saber se a infância
sempre existiu ou é apenas uma invenção moderna. É realmente somente a
partir do século XVI que nossa história experimenta o sentimento do que
seria a infância, com seus tempos próprios e suas particularidades?
Mostramos aqui que para alguns historiadores e estudiosos da temática, sim,
a infância é uma invenção tardia. Para outros, porém, o que ocorre na
realidade não é uma ausência do sentimento de infância, mas sim, que cada
sociedade, ao seu modo, possui o seu próprio sentido de infância, sendo
possível falar de “infâncias”, e não, “infância”. É com este entendimento de
“infâncias” que concordamos.
No Brasil, as políticas públicas da infância aparecem bem tardiamente.
Pelo menos enquanto entendimento da infância como uma fase específica,
com características peculiares, somente no século XX é que aparecem as
primeiras ações efetivas de cuidados com a criança. De modo mais
significativo, na década de 1990, com o Estatuto da Criança de do
Adolescente – ECA. Ademais, nos documentos oficiais do governo que tratam
sobre a educação da infância, nesse mesmo período, é possível encontrar a
infância como um tempo específico no qual as crianças pensam e sentem um
mundo de um jeito muito particular.
No segundo tópico, nos propomos estabelecer uma relação entre a
Filosofia e a infância, compreendendo o que esses dois conceitos possuem
de semelhanças, sendo uma destas a capacidade de indagar sobre o mundo,
criando significados e ressignificando aquilo que nos cerca. Ademais, a
capacidade de ambas de estarem repletas de possibilidades, de ser um
silêncio do pensamento perene de novidades, de abertura ao estrangeiro, ao
diferente, de não ser o acabado, fechado em si.

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Essas características da infância, permitem as crianças adentrarem no
ensino de filosofia, principalmente pela capacidade de interrogação e
questionamento. Ao perceber este campo de possibilidades, o filósofo
americano Mathew Lipman, desenvolve um método próprio para as crianças,
pautado no senso inquisitivo que as crianças possuem, um ensino voltado
para o estabelecimento de comunidades de investigação na escola. As salas
de aula tornam-se comunidades de investigação, a partir de temas da ética, o
belo, o bem, a verdade, a justiça. Portanto, não se trata de um ensino voltado
diretamente para a história da filosofia, mas para a capacidade de filosofar.
Não é de nossa intenção esgotar este tema ou as reflexões sobre ele.
Apenas pretendemos fazer considerações sobre as quais acreditamos
importantes dentro da temática do ensino de Filosofia. Acreditamos ainda que
é refletindo sobre essa temática que contribuiremos para o andamento das
pesquisas no tema, contribuindo assim para a prática deste ensino com as
crianças.
2 PARA PENSAR A INFÂNCIA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICOCULTURAL
2. 1 ESCLARECENDO CONCEITOS
Uma vez que nos propomos pensar a relação entre filosofia e infância,
trazendo algumas considerações sobre o ensino da filosofia para crianças,
acreditamos que se faz necessário, a partir de uma reconstrução histórica e
cultural, pensar o conceito de infância. Como, ao longo da história humana,
de suas representações culturais, a infância foi pensada, imaginada?
Antes de mais nada, é preciso considerar que o próprio conceito de
infância é algo relativamente recente. É entre os séculos XVII e XVIII que ele
aparece como uma categoria social (BERNARTT, 2009), embora a
conscientização da infância como uma fase da vida com características
próprias já comece a aparecer um pouco antes, por volta do século XVI.

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Alguns teóricos da infância, como Ariès (1981) chegam a negar a
existência da infância, nos períodos que entendemos como Antiguidade e
Idade Média. Já outros entendem que, na verdade, todas as sociedades
tinham uma concepção de infância, como Stearns (2006) e Heywood (2004),
os quais corroboram com a ideia de diferentes concepções de infância em
tempos e lugares distintos, o que nos leva a pensar em “infâncias” e não
“infância” (LUSTIG et al., 2017, p. 10).
Ademais, seria preciso admitir a diferença entre o conceito de criança e
de infância, sendo à primeira vista como um sujeito histórico, social e cultural,
se referindo, portanto, a um grupo de pessoas; enquanto a segunda se refere
a uma das etapas da vida de uma pessoa (LUSTIG et al., 2017).
Diante do exposto, esclarecemos nossa postura nesse artigo que é o
de pensar que a infância sempre existiu, embora tratada de maneiras
diferentes de acordo com o tempo, o lugar e a condição social em que a
criança estivesse inserida.
2.2 INFÂNCIA: HISTÓRIA E SENTIDOS
Na Antiguidade, encontramos em Platão um referencial para nos
aproximar da ideia de infância presente naquela sociedade de seu tempo. A
infância é vista como o momento de inferioridade, é apenas aquilo que
antecede à fase adulta, mas como um momento de preparação para esta, e
não com características peculiares.
[...] entre todas as criaturas selvagens, a criança é a mais intratável;
pelo próprio fato dessa fonte de razão que nela existe ainda ser
indisciplinada, a criança é uma criatura traiçoeira, astuciosa e
sumamente insolente, diante do que tem que ser atada, por assim
dizer, por múltiplas rédeas [...] (PLATÃO, 2010, p. 302 apud LUSTIG
et al., 2017, p. 04).

A infância é vista como possibilidade, como um perene vir-a-ser,
portanto, não é nada ainda, apenas em potência. Aqui encontramos a ideia da

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infância como o tempo do imperfeito, da ignorância, do não saber (KOHAN,
2015). Ora, numa sociedade em que a palavra desempenhava tamanha
importância, numa sociedade em que o cidadão se destacava pela
representação discursiva na ágora, não falar ou não ter direito a fala, o
tornava um invisível, quase um não-ser.
Essa compreensão da infância como algo menor, pode também ser
encontrada no diálogo Górgias. Ali, num diálogo entre Sócrates e Cálicles,
este deixa transparecer esse entendimento ao acusar o filósofo de assumir
uma postura infante porquanto filosofar não caberia bem aos adultos, os quais
deveriam se ocupar de coisa mais séria, como a política, isto é, os assuntos
da pólis (KOHAN, 2015).
Na Idade Média, a infância quase desaparece. Não há crianças neste
período. Nas representações artísticas da época, por exemplo, as crianças
simplesmente não são representadas. Os anjos, retratados mais tarde como
crianças, são nesta época representados como adultos (LE GOFF, 1983). A
infância é o tempo do invisível.
As crianças são, então, vistas como adultos em miniatura. Nas
vestimentas, isso se torna evidente. Não há diferenciação nas roupas de
adultos e crianças. Ao dominar as palavras, aproximadamente aos sete anos,
a criança já é considerada adulta. Já pode trabalhar ou aprender a lutar.
Esta Idade Média utilitária, que não tinha tempo de se apiedar nem
se maravilhar diante da criança, mal as via. Já disse que não havia
crianças na Idade Média, mas apenas pequenos adultos (...)
Apenas saídas de perto das mulheres, onde seu pueril não era
levado a sério, eram lançadas na fadiga do trabalho rural ou na
aprendizagem militar (LE GOFF, 1983, p. 287).

É a partir do século XVII que a infância começa, de fato, a ser
entendida como uma etapa de vida diferente. A partir daí o modo de vestir das
crianças começa a se diferenciar. Além disso, já é possível perceber suas
representações nas obras de arte. A infância começa a exigir mais cuidados.

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A criança ganha novos espaços, novos cuidados. E a escola será uma prova
maior disso.
A obra do filósofo Jean-Jacques Rousseau, Emílio ou Da Educação
(1762), representa uma nova concepção da infância como um período
diferente. Nela, o filósofo ressalta que a criança deve ser vista em seu próprio
mundo e não como uma mera projeção do adulto. É necessário que a criança
seja respeitada em sua capacidade criativa e imaginativa (LUSTIG et al.,
2017).
É a partir do estabelecimento de valores morais e condutas com
relação à criança que a construção social da infância se concretiza
(NASCIMENTO;

BRANCHER;

OLIVEIRA,

2017,

p.

07).

São

essas

concepções morais que irão orientar as escolas durante muito tempo,
inclusive no Brasil, como veremos adiante.
Como podemos perceber, em todos os momentos abordados, seja por
um viés histórico ou por um viés cultural, a infância não deixa de existir. Seja
vista como um tempo inferior, seja vista como quase não existente, reduzida
apenas ao período da não-fala (infans), seja como um período em que a
criança possui suas características próprias, não a partir do mundo adulto,
mas a partir de seu próprio mundo. Portanto, devemos falar em uma
abordagem das infâncias.
2.3 INFÂNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
No Brasil colonial, a diferença de tratamento à infância estava
diretamente relacionada com a condição social da criança (BERNARTT,
2009). Com relação à educação, por exemplo, esta era garantida aos filhos
dos mais abastados da sociedade, enquanto para os demais, quando se
oferecia, era o mais simples e básico, muitas vezes voltado à educação para
o trabalho.

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O que se segue daí, passando pelo regime imperial, depois
republicano, é uma série de reformas educacionais, as quais muito pouco ou
nada alteraram significativamente enquanto políticas públicas para a infância.
No período que chamamos de primeira república, começam as primeiras
políticas voltadas para o cuidado com as crianças, são elas alvo das ações
higienistas.
Em 1919, cria-se o Departamento da Criança no Brasil, o qual deveria
ser responsabilidade do Estado, contudo, acabou sendo mantido por doações
(BACH; PERANZONI, 2014). Já na década de 1940, surge o Departamento
Nacional da Criança, o Serviço de Assistência a Menores, além da criação do
Fundo das Nações Unidas para a Educação da Criança – UNICEF, em 1946
(BERNARTT, 2009).
A Constituição Federal de 1988 estabelece o atendimento escolar das
crianças como direito social. E, finalmente, um marco na legislação sobre
criança é a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
8.069, em 1990. A criança aparece, então, como cidadã de direitos, dotada de
necessidades próprias e capacidades, as quais, por meio da educação,
deveriam ser desenvolvidas.
Com relação à educação das crianças, os documentos oficiais afirmam
a capacidade das crianças de sentir e pensar o mundo de um jeito próprio.
Por meio das diversas linguagem, as crianças demonstram o quanto podem
ter ideias originais sobre mundo que as cerca (CALDEIRA, 2017). Isso se
encontra bem explícito no Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI).
Destacaremos, então, algumas das características apontadas por estes
documentos oficiais sobre a educação infantil, características estas essenciais
para um salutar filosofar: a criança deseja, aprende, narra, questiona, produz
cultura, manifesta seus interesses. Em suma, alguém que tem seu jeito
próprio e bem característica de ver o mundo.

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Nosso objetivo, nesse primeiro momento, foi pensar sobre o conceito
de infância, sobre como este conceito se desenvolveu, a partir de um viés
histórico e cultural, como se pensou a infância ao longo de nossa história
brasileira, incluindo o que nos dizem os documentos nos dias atuais. Ainda
que de modo não tão profundo e abrangente, foi possível perceber como há
diferentes concepções de infância, desde a infância como incompletude e
etapa inferior até a infância como período de criação, significação e
ressignificação do mundo.
Ao que nos parece, a infância parece ser um momento muito propício
para a criança desenvolver a atitude filosófica, por meio da capacidade de
investigação, questionamento, curiosidade, elementos tão próprios dessa
fase. “(...) a infância é quase uma condição da filosofia” (KOHAN, 2015, p.
217). Portanto, passemos agora a pensar sobre a filosofia para crianças.
3 FILOSOFIA E INFÂNCIA: POSSÍVEIS RELAÇÕES
Neste tópico de nosso trabalho, queremos pensar nas possíveis relações
entre esta fase da vida, repleta de características próprias, algumas delas já
mencionadas neste artigo, e a Filosofia, como essa potência do pensamento,
assim como a arte e a ciência. Para tanto, vamos tomar como referência
umas das produções de Kohan (2015), na qual tão brilhantemente faz uma
analogia entre esses dois conceitos.
A origem da palavra infância se encontra no latim infantia. O infante é o
não-falante, mas, não apenas o não falante, ele é aquele que ainda não pode
elaborar logicamente o enunciado capaz de expressar o pensamento. Ainda
mais, é o silêncio que precede ao discurso, na organização do raciocínio.
Entre os muitos sentidos que se têm dado à infância, apresento um:
a infantia como a diferença entre o que pode e o que não pode ser
dito, o indizível, algo perdido que habita imperceptivelmente o
dizível como sua sombra, seu lembrete, um não dito que obra como
uma condição para que se possa dizer algo com sentido (KOHAN,
2015, p. 223).

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Antes de ser dito, o discurso é pensado. Esse silêncio que o antecede
é a infância. Contudo esse silêncio não é ausência de pensamento. Pelo
contrário, é um não dito perene de significação e ressignificação do mundo.
Eis a infância. Mais ainda: é um silêncio abundante de possibilidades. A
infância é possibilidade. É condição para o surgimento do novo. E é essa
condição que deve permear o trabalho pedagógico do professor de filosofia,
como outrora dito.
A Filosofia, o que significa então? O que tem a ver com infância? Tem
muito a ver, pois é ela também a infância do pensamento. É ela esse não
acabado, não conclusão de nada. Por isso mesmo, condição para outros
possíveis, para descoberta de outros novos. É infância. Talvez por isso mal
vista, não muito bem quista, inútil, sem muito de importante para oferecer.
Mais que isso: desestabilizadora, inquietante, incomoda.
Por suas características tão aproximativas, não poderia mesmo a
Filosofia contribuir significativamente com a valorização da infância? É preciso
levar a sério os questionamentos inquietantes que vêm das infâncias reais, é
preciso ajuda-las a descobrir os significados de seu viver dando-lhes voz,
espaços, linguagens, trazendo à luz seu universo simbólico, suas emoções,
sua imaginação (ARROYO, 2013). E como pode a Filosofia contribuir para
isso!
A Filosofia possui seu jeito próprio de pensar o mundo, as coisas, os
fenômenos. A infância também o tem. A Filosofia carrega um universo de
possibilidades, de significações. A infância também é este universo de
mundos possíveis, é oportunidade de infinitas criações. Se a Filosofia
incômoda, é porque questiona, é inquisitiva. A criança infância também o é,
deseja saber e sempre saber o porquê. A Filosofia e a infância nos molestam
porque nos levam a reconhecer nossa ignorância e podem colocar em
questão nossa maturidade profissional, teórica e pedagógica.
Portanto, se faz primordial – por ser realmente a primeira fase da vida e
a primeira fase escolar – reconhecer na infância todas as suas

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potencialidades, não podemos ignorar a riqueza que esta fase da vida carrega
em si. “Quando não se reconhece a infância, a educação e a docência não
conseguem se reconhecer” (ARROYO, 2013, p. 183). E a filosofia, por certo,
pode contribuir nesse reconhecimento!
4 POR UMA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
Em circunstâncias atuais percebemos uma desvalorização da filosofia
enquanto matéria educativa em nosso país, porém a mesma é de grande
importância para os nossos educandos ainda em formação social e política. O
ensino de tal matéria deveria estar presente desde o início da vida escolar,
pois é ainda quando criança que começamos a questionar.
A filosofia na grade curricular da escola primária viria estimular estes
questionamentos, os quais constituem-se como prática de filosofar ainda não
aperfeiçoada, e na maioria das vezes interrompidos. “Trata-se, na proposta de
filosofar com crianças, de trabalhar para que essas interrogações ou questões
não sejam amortecidas” (LORIERI, 2014, p.99).
O dever do educador, enquanto professor de filosofia para crianças,
seria dar-lhes liberdade de expressão, convida-las a pensar, a questionar e se
questionar, e nesse ambiente de liberdade de pensamento desenvolver o
pensamento crítico e reflexivo. Ele deve estar ciente de que a criança tem a
capacidade de formar suas próprias opiniões a partir de uma reflexão própria.
Se pudermos, de algum modo, preservar o seu seno natural de
deslumbramento, sua prontidão em buscar o significado e sua
vontade de compreender o porquê de as coisas serem como são,
haverá uma esperança de que ao menos essa geração não sirva
aos seus próprios filhos como modelo de aceitação passiva.
(LIPMAN, OSKANIAN e SHARP apud LORIERI, 2014, p. 101).

Lorieri (2014) denomina essa filosofia para crianças de iniciação
filosófica ou de sensibilização destas para o trabalho de filosofar. O que seria
tomar a criança que já tem suas próprias interrogações e fazer com que ela

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se sinta à vontade para levar esses porquês à sala de aula. O autor afirma
ainda que nessa sala de aula devem ser criados momentos para essa
educação filosófica. Nesses momentos podem ser usados recursos como
teatro, literatura, filmes pequenos, objetivando a melhora do pensar. Este
seria o papel do educador no ensino de filosofia para crianças.
Um dos filósofos que acreditam na necessidade da filosofia na infância
é Matthew Lipman. Ele foi o criador de um recurso para essas aulas, as
denominadas assim por ele, novelas filosóficas. É interessante, pois os
personagens dessas novelas são crianças que tem questões filosóficas, e
estas investigam as respostas dadas a elas e também as questões. “Esperase que crianças, ao lerem em conjunto as novelas filosóficas se sintam
provocadas a explicitar suas próprias questões” (LORIERI, 2014, p.102).
Estas novelas seriam usadas pelas crianças naquele momento de liberdade
de pensamento que falamos acima, são um recurso do currículo criado por
Lipman. Os diálogos criados pelo filósofo trazem temas com a ética, o belo, o
bem, a verdade, a justiça. Ele acredita que a filosofia infantil é capaz de
formar crianças críticas e de autônomas.
A filosofia oferece um espaço no qual os valores podem ser
submetidos à critica. Esta é, talvez, a principal razão para sua
exclusão, até agora, da sala de aula da escola primaria, e uma
razão fundamental para que seja, agora, finalmente incluída.
(LIPMAN, 1995, apud LORIERI, 2014, p.105).

Ele também traz pra os seus leitores a necessidade da transformação
da sala de aula em comunidade de investigação, ou seja, a uma aula de
filosofia não seria uma sala de aula comum, mas sim, comunidade (de
maneira que as crianças se sintam em comunidade), para que todos se
sintam bem em expressar seus questionamentos que serão provocados
através das novelas, e assim ao expressá-las, sejam respondidas de acordo
com o pensamento das pessoas da comunidade (as crianças), sendo
analisadas por todos, tanto as perguntas quantas as respostas, para que

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assim cada um tenha sua resposta a partir de um pensamento crítico
reflexivo.
Observamos que Lipman tem todo um currículo de como ministrar e o
que usar nessas aulas de filosofia para crianças, que é muito bem elaborado,
e até plausível, porém criado para a realidade de seu país. Nós temos um
país de cultura diversa e de realidade diferente do país de Lipman. Para
nossas crianças talvez esse currículo não desse tão certo. Contudo, sabemos
que é de grande importância e necessidade que desde já a filosofia esteja
presente na educação infantil de nosso país, como obrigação curricular, então
é relevante que criemos o nosso próprio currículo, o nosso próprio material,
de acordo com a nossa cultura, a nossa realidade, de acordo com as
peculiaridades de nosso país. E que o mais breve possível seja implantada
nas salas de aulas das escolas primária.
Sobre a formação dos professores que irão ministrar estas aulas,
Lipman afirma que o docente para o ensino de Filosofia com crianças deveria
ter uma formação em quatro estágios: 1º preparo de monitores; 2º estágios de
explosão do currículo; 3º o estágio modelador; 4º estagio de observação.
Ademais, deveria ter um conhecimento amplo na área de filosofia.
... ás vezes os professores tem cursos de filosofia da educação. [...].
Mas tais cursos são inúteis no que se refere a prepara o professor
para incentiva as crianças a pensarem filosoficamente. Um curso
universitário de filosofia não prepara o professor para traduzir
conceitos e terminologias da filosofia de uma maneira que as
crianças possam entende. (LIPMAN, 2001, p.74 apud CIRINO,
2014, p. 151).

A partir dessas colocações percebemos que para Lipman o docente de
pedagogia ou de filosofia não poderia ministrar essas aulas, mas que apenas
profissionais formados na educação de filosofia para crianças seriam
capacitados para exercer tal função. Enquanto pesquisadores da filosofia para
crianças, discordamos que seja necessário tal formação especifica, pois
acreditamos que docentes de pedagogia, os quais tem enquanto professores

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de crianças a função de ministrar aulas sobre diversas áreas do ensino,
também tem a capacidade de ensinar filosofia desde que a matéria esteja em
sua grade curricular enquanto ainda acadêmicos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos na infância como esse tempo peculiar, de características
próprias, as quais devem ser valorizadas e respeitadas. A criança, nessa fase
de sua vida, pode aventurar-se nos questionamentos que a Filosofia tende a
potencializar. Isso não seria retirar da infância sua especificidade? Não seria
corroborar para uma “adultização” da criança? Cremos que não. Uma vez que
não se trata de levar informações para as crianças, antes sim, estimular algo
tão próprio delas na descoberta do mundo: sua capacidade inquisitiva.
Para tanto, se faz necessário que o educador veja a infância não como
uma fase de carência, de ausência, na qual ela nada tem a dizer, ou nada
pode fazer. É preciso que o educador tenha ciência das capacidades da
criança, e como um mediador, promova na sala de aula um ambiente de
liberdade para que as crianças se sintam à vontade para questionar.
As novelas filosóficas podem ser um meio para esse ensino, como
propõe Lipman. Contudo, é preciso que o professor de Filosofia para crianças
tenha a capacidade para criar seu próprio material, ainda que tomando por
base o material já elaborado pelo filósofo americano. Consideramos essencial
a adaptação da proposta de Lipman para o contexto no qual a proposta será
aplicada.
Por fim, consideramos, com relação a proposta do filósofo americano
sobre os professores passarem por uma formação específica para Filosofia
com crianças algo não tão essencial assim, desde que o docente tenha tido
um contato com a Filosofia da Educação na sua formação acadêmica. É
preciso sim, que o professor tenha familiaridade com a Filosofia e com o
filosofar.

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A Filosofia tem essa capacidade de criar crianças livres e autônomas, e
é por isso que defendemos um ensino de Filosofia voltado para as crianças,
respeitando aquilo que lhes é próprio. Ora, se a educação tem por tarefa o
destino do pensamento humano, ela deve ensinar às crianças como pensar. E
porque não fazer isso com a Filosofia?
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Vol. 01

Disponível em: <http://www.grupeci.fe.ufg.br/up/693/o/TR18.1.pdf>. Acesso
em: 28 jun. 2017.
NASCIMENTO, Cláudia Terra do; BRANCHER, Vantoir Roberto; OLIVEIRA,
Valesca Fortes. A construção social do conceito de infância. Disponível em:
<http://coral.ufsm.br/gepeis/wp-content/uploads/2011/08/infancias.pdf>.
Acesso em: 28 jun. 2017.
PAGNI, Pedro Angelo. “Infância, arte de governo pedagógica e cuidado de si”.
Educação e Realidade, vol. 35, nº 03, p. 99 – 123, set-dez, 2010.

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PROFESSOR DE FILOSOFIA: considerações acerca da
transição da universidade a sala de aula da educação básica
José Anderson de Oliveira Lima
ander.philos@gmail.com
RESUMO: O texto visa fazer considerações reflexivas sobre o professor de
filosofia na sua transição da universidade à escola. Nisto, aproveitaremos
para problematizar o ensino de filosofia como uma filosofia a ser discutida,
utilizando-se do Ser professor de filosofia, como aquele que pode criar uma
cultura de reflexão sobre seu próprio ensino. Ainda, procuraremos analisar os
desafios que emergem neste ensino a partir de um relato de experiência
provocado por duas interrogativas: Como ensino filosofia? Por que ensino
filosofia? Além disso, através do conceito grego scholé, buscaremos pensar a
ação comunicativa - do filósofo alemão Jürgen Habermas – como uma
possibilidade para reler a sala de aula como um espaço real da fala, do agir e
do refletir entre sujeitos que se olham, que se sentem e que buscam se
entender entendendo o saber. Por conseguinte, diante de uma atualidade tão
objetiva, pensar o ensino de filosofia na educação básica se torna um grande
desafio
que
exige
sensibilização,
investigação,
problematização,
principalmente, por parte daqueles que com ele se desdobram.
PALAVRAS CHAVES: Filosofia – Formação – Ensino – Universidade Escola.

INTRODUÇÃO
O sentimento de ter em mãos um diploma de graduação é indescritível.
Esse sentimento, reservados aos recém-graduados, é o documento formal
que atesta que o sujeito que o possui está habilitado ao exercício da profissão
referente. Ademais, o diploma de conclusão - que no Brasil deve ser
reconhecido pelo Ministério de Educação (MEC) - é como um comunicado
que constata um tempo estimável de preparação, formação e conclusão sobre
determinada especialidade. No entanto, talvez para a maioria dos recémgraduados, concluir determinada graduação é o momento exato de pensar o
horizonte preocupante do futuro que apressa mentalmente a entrada deste no
mercado profissional.

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Não é difícil encontrar tal sentimento descrito acima, basta apenas ter a
oportunidade de conversar com alguém que acabou de receber o título de
graduação, para então percebermos que é comum nas diferentes áreas. Por
certo, é neste momento, para muitos tardiamente, que há uma associação da
fase teórica à prática dos dias. Da vida de “Estudante” ao “Profissional” ativo.
Nas licenciaturas, especificamente na Filosofia, a saída da universidade
é o momento para organizar os turbilhoes de ideias pessimistas e otimistas
sobre a docência. Pessimista, por tentar digerir as condições deploráveis da
educação, tanto no âmbito das escolas particulares (desvalorização do
profissional docente) quanto das escolas públicas (Além da desvalorização do
profissional, também as condições físicas das escolas), otimista, pela posição
que o professor de filosofia exerce na vida dos estudantes do ensino médio,
quando direta ou indiretamente, pode-se contribuir no desenvolvimento de
seus sonhos e possíveis conquistas futuras, como também, a oportunidade de
ajudá-los, principalmente, no “processo contínuo de formação da pessoa
humana em sua concretude, diversidade e singularidade” (Matos, 2015, p.
373).
Decerto, é neste chão otimista e também pessimista da sala de aula que
o professor de filosofia adentra como mediador de uma disciplina obrigatória
no currículo do ensino médio. Ora, mesmo após quase 10 anos dessa
aprovação, ainda é relevante recordar que o ensino de filosofia chegou à
escola, ou seja, a filosofia é reconhecida como disciplina obrigatória na escola
através da aprovação da Lei Nº 11.684 de 2008. Apesar disso, nestas
circunstancias, Matos (2015, p. 368) enfatiza um detalhe oportuno sobre essa
chegada,
A filosofia chegou à escola! Após alguns anos de idas e vindas, de
grande mobilização nacional, a filosofia tornou-se compulsória no
currículo do Ensino médio. Isso Mesmo! Integra a matriz curricular
como mais uma componente a ser “ofertada” ao estudante. Resta
saber se a escola chegou à filosofia.

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Resta saber, a escola chegou à filosofia? Ou melhor, a escola chegou
ao curso de licenciatura em filosofia da universidade? Porquanto, desde a
aprovação, muita coisa foi pensada sobre a prática do ensino de filosofia ao
logo deste tempo, como por exemplo, o “Lecionando Filosofia para
Adolescentes: Práticas pedagógicas para o Ensino Médio” (2012) de Renato
Velloso. Todavia, o que precisamos ainda atentar com mais efetividade,
atualmente, é sobre a questão do ensino de filosofia nas duas realidades que
permanecem separadas: o mundo universitário e mundo da escola. Contudo,
essa dicotomia de realidades tem causado seríssimos problemas de caráter
formativo, tanto do aluno universitário quanto do aluno do ensino médio.
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FILOSOFIA: DA SALA DE AULA À
UNIVERSIDADE
“É importante chamar atenção o poder limitado que a formação
inicial tem sobre a prática do professor no contexto da escola, em
seu exercício diário de buscar ensinar filosofia” (TOMAZETTI, E. M.
p. 34).

De acordo com Ministério da Educação (MEC), através da Resolução
CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que Define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial dos cursos de licenciatura em nível superior,
das 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo trabalho acadêmico
obrigatório, somente 400 (quatrocentas) horas são dedicadas ao estágio
supervisionado na área de formação e atuação na educação básica, ou seja,
na prática do trabalho docente.
Se levarmos em consideração atualmente os cursos de licenciatura em
Filosofia e sua doença dicotômica, percebemos que em muitos casos, o
estágio supervisionado tem se tornado a primeira experiência de pensar o
ensino de filosofia pela própria filosofia. Observamos que a maioria das
disciplinas do curso de licenciatura em Filosofia tem se caracterizado num
enfadonho arcabouço teórico reprodutivo da tradição filosófica. Por certo, é
indispensável que o professor de filosofia saiba filosofia, porém, a questão

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não é somente aquisição do conteúdo filosófico na formação do professor,
mas a importância deste ser entrelaçado com o seu ensino na escola da
educação básica, aquilo que se deveria esperar de um curso de licenciatura.
Neste sentido, Cerletti (2009, p.60) afirma que,
A formação de um professor não é a consequência de assistir a
algumas disciplinas pedagógicas ou didáticas que se juntariam em
algum momento com outras mais especificamente filosóficas, mas
corresponde a toda a formação em seu conjunto. Pese a que pareça
uma obviedade, não é demais enfatizar que todos os docentes
“formam” aos futuros professores e professoras, e não apenas
aqueles das disciplinas “pedagógicas” (além de fato que muitos
professores especialistas consideram que apenas ensinam a sua
especificidade filosófica). No ato de ensinar algum tema filosófico
ensina-se também, ainda que não se evidencie, à ensina-lo.

É nestas circunstâncias que sentimos relevante pensar a formação do
professor de filosofia a partir da realidade da disciplina na escola. Partindo da
compreensão de que o caminho para fortalecer a formação do professor de
filosofia é vertical, vai da escola a universidade (Curso de Filosofia), e não o
contrário. Não é a dedução da universidade do que seja ensino de filosofia na
escola, mas a construção da formação a partir dessa disciplina na escola,
desse ensino que se dá nos “arredores” do muro universitário. Deste modo, é
necessário situarmos o ensino de filosofia dentro de um caráter filosófico.
Sim, de fazer do Ensino de Filosofia uma Filosofia a ser discutida nos cursos
de graduação em Filosofia.
Ter compreendido a metafisica de Aristóteles, ou a república de Platão,
ou até mesmo a linguagem em Wittgenstein, não dará ao recém-formado em
filosofia a certeza que será um bom professor de filosofia. No entanto, para
que este desempenhe bem sua prática docente, é ter conseguido associar
essa prática com a teoria da universidade, ou seja, fazer com que todo o
arcabouço teórico do Curso de Filosofia se torne em um saber ensinável e
experiencial aos alunos de ensino médio, pois “os professores em ação
reclamam da ineficiência desta formação e firmam: “a teoria não se aplica a
prática” (TOMAZETTI, E. M. p. 34)”.

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É a partir desse contexto que reiteramos o que já foi registrado num
trabalho de conclusão do curso de filosofia na Universidade Federal de
Alagoas em 2014
“O que temos visto são cursos de licenciatura em filosofia com uma
suposta “divisão de tarefas”, no qual, observamos de um lado
professores de disciplinas especificas e suas preocupações com o
desenvolvimento de competências e habilidades de aptidão
filosófica dos estudantes de graduação, o conhecer (Não é nem o
que ensinar). Enquanto, do outro lado, professores das áreas
pedagógicas, que tentam com sacrifício driblar os problemas, muitas
vezes do não conhecimento específico de seus estudantes de
graduação, trabalhar as condições relevantes para a docência - o
como ensinar. No entanto, o que se percebe é a falta da junção
dessas duas áreas [...] no processo de formação do licenciado em
filosofia.”. (LIMA, 2014, p.32)

Essa dicotomia é um mal que vai corroendo aos poucos a formação dos futuros
professores, e que, é mais sentida por eles no momento que estes desempenham
sua atividade docente. Ora, se não há uma leitura de ensino dos conteúdos
filosóficos pelos professores universitários, dificilmente professores de filosofia na
educação básica conseguirão fazer.

Entretanto, há uma grande barreira em conceber o ensino de filosofia
como um problema filosófico. Primeiramente, pelo preconceito de que a tarefa
do pensar o ensino de filosofia é uma questão apenas caráter pedagógico, e
não filosófico. Quando partimos da premissa de que o professor de filosofia
não tem um objeto de conhecimento propriamente definido (como, por
exemplo, um professor de Biologia que se envereda em seus conteúdos
propriamente definido), constatamos que o ensino de filosofia deve ser
caracterizado por sua particularidade de ser experiência filosófica e não tão
somente transmissão de conteúdos exatos efetivados no ato pedagógico. Há
no ensino de filosofia uma dimensão filosófica, onde a sala de aula se torna o
espaço

da

ignorância,

do

problematização das certezas.

estranhamento,

da

investigação

e

da

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SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA: UM RELATO DE COMO ENSINO? POR
QUE ENSINO?
Ao sair da universidade, saímos um técnico em filosofia ou um professor
de filosofia? Assumindo a importância da escola no pensar do ensino de
filosofia, buscaremos refletir estes questionamento a parti de um relato de
experiência de um recém-graduado em filosofia que exerce atividade docente
em uma escola pública do estado de Alagoas, no entanto, por questões éticas
e preservação da identidade do docente, denominaremos este professor
como “PROFESSOR X”.
Partindo das interrogativas “Como?” e “Por que?”, o interesse é abordar
questões pertinentes na formação do professor de Filosofia, de certo, através
destas expressões bastante provocativas e angustiantes, a intenção é sermos
direcionados ao professor de filosofia em sua angustiante missão de reflexão
sobre seu inicio docente, missão que o levou a buscar um olhar sobre o
interior da questão, uma visão externa que se volta ao intimo da sua atividade
docente.
COMO ENSINO?
Referindo-nos a essa primeira interrogativa: “como ensino filosofia?”,
temos a seguinte resposta do “PROFESSOR X”,
Como Professor de Filosofia no ensino médio há três (3) anos,
recordo muito bem como foi viver a transição da universidade para a
escola, do estudante de licenciatura em filosofia para o professor de
filosofia na escola. Tal como todos os recém-graduados com suas
preocupações futuras, a saída da universidade é o momento para
organizar os turbilhoes de pensamentos. Na chegada a escola como
profissional efetivo, desenvolvi muitas preocupações que geraram
medo. É importante ensinar filosofia como aprendi na universidade?
Falo daquela tradição histórica da filosofia, será um minicurso? Se
sim, como então trazer essa tradição para o cotidiano do aluno? É
essa mesmo a função do professor de filosofia na escola?
Transmitir uma tradição teórica de pensadores importantes da
história da filosofia? Confesso que atualmente, passados três (3)
anos de experiência como professor em filosofia, ainda vivo as
inquietações destes questionamentos: “(Como) ensinar filosofia no
ensino médio?”.

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Diante

do

relato,

identificamos,

primeiramente,

inúmeros

questionamentos do professor sobre o ensino de filosofia. Isso nos leva a
deduzir o choque de realidade, quando este, mesmo passado quatro anos em
sua graduação, continua sem direcionamento da sua atividade docente, ou
seja, vive uma perturbadora condição de adentrar a escola.
Ainda, continuando seu relato,
Além dos questionamentos, o “como” pode ser descrito como uma
ação pedagógica cotidiana que sempre se baseia num
planejamento semanal, onde busco a cada “conteúdo” filosófico
proposto pelo “referencial da educação do Estadual de Alagoas”,
transmitir aos alunos as problemáticas da tradição filosófica
correspondente à divisão histórica da filosofia, assim como propõe o
referencial. Sendo mais preciso, os primeiros anos são reservados o
primeiro contato com a filosofia, sua origem e inquietações
cosmológicas e antropológicas iniciais. Os segundos anos são
reservados as problemáticas da filosofia na idade média com suas
contextualizações lógicas, morais e metafísicas, além da
modernidade e suas inquietações antropocêntricas na sociedade,
na politica e na transição econômica da época. Já o terceiro ano, é
reservado o que temos como filosofia contemporânea, além de
algumas temáticas de diversidades étnica e religiosa. O tempo de
aula na escola que leciono é de 50 minutos, onde tenho uma aula
por semana em cada turma.

A partir deste breve relato, temos algumas questões que emergem como
possíveis desafios no ensino de filosofia: um deles, a filosofia como disciplina
que requer um trabalho modelado por um referencial e que se baseia na
própria história da Filosofia, fortalecendo uma finalidade pré-estabelecida, a
dos vestibulares. Porém, Filosofia como disciplina na escola, numa dimensão
institucional, será mesmo este o lugar da filosofia na escola? Matos (2015)
problematiza essa questão, no entanto, sua reflexão é “fazer uma filosofia
da/na escola. Pensar a filosofia como scholé” (p. 370). A filosofia na escola
deve ser encarada como uma scholé, ou seja, um tempo livre para pensar?
Talvez fosse uma boa oportunidade para efetivar a relação, a junção, à ação
de comunicar-se entre os sujeitos sem que haja hierarquia ou finalidade préestabelecida, no qual o professor de filosofia será justamente aquele que
assumirá a responsabilidade de mediar essa história de antigos pensadores
com a realidade dos “novos pensadores” – seus alunos. Isso nos leva a

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pensar o ensino de filosofia pelo agir comunicativo do filósofo alemão
Jürgen Habermas,
O agir comunicativo, por fim, refere-se à interação de pelo menos
dois sujeitos capazes de falar e agir que estabeleçam uma relação
interpessoal (seja com meios verbais ou extraverbais). Os atores
buscam um entendimento sobre a situação da ação para, de
maneira concordante, coordenar seus planos de ação e, com isso,
suas ações. (HABERMAS, 2012, p. 166).

Foi através de um processo dialógico - o método maiêutico socrático que observamos uma significativa aprendizagem na interação do discípulo
(aluno/sujeito) com o conhecimento, de forma que, o “parir ideias” proposto
pelo filósofo grego Sócrates (470/469 – 399 a. C.), se evidenciou através de
um dialogo e de uma argumentação, consequentemente, favorecendo o
esclarecimento e apropriação do conceito. Além disso, é cabível salientar a
continuidade do processo maiêutico através do filósofo Platão (428/427 – 347
a. C.), onde também se utilizando do diálogo, propõe-nos a dialética como
fonte de esclarecimento e superação da opinião (doxa).
Outro problema levantado no relato do “PROFESSOR X” refere-se à
questão do tempo, cinquenta (50) minutos de aula talvez seja um dos maiores
controles disciplinar sobre a filosofia na escola. A brevidade de tempo, se
levar em conta as transições como chegadas dos alunos, ida ao intervalo e
volta do intervalo, muitos minutos são perdidos, que na aula de filosofia,
obriga o professor a se contentar e planejar bem uma continuidade com uma
aula de possíveis trinta (30) minutos por semana. Além desses desafios
expostos no relato, o “PROFESSOR X” continua,
Lembrando que, senti falta de uma formação crítica e reflexiva em
minha graduação, pois os professores do curso de filosofia apenas
se desdobraram na tradição filosófica, na leitura de textos clássicos
como reprodução e não como a possibilidade de uma possível
problematização. Penso que ainda não consegui associar a escola
com suas obrigações institucionais junto à filosofia e sua
especificidade de ser atividade filosófica. Podem ser sérias
limitações que não foram desenvolvidas na academia, vivo esse
embate.

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Este, talvez, seja o principal desafio que emerge no ensino de filosofia
que é as consequências ruins advindas dos cursos de graduação, quando
que, essas dificuldades são expostas no dia-dia do profissional recémformado, que em decorrência de anomalias existentes nas licenciaturas em
Filosofia, fazem com que professores de graduação desenvolvam seríssimas
limitações na abordagem e na exploração da ensinabilidade crítica da
disciplina.
POR QUE ENSINO?
No que concerne o “Por que ensino?”, somos levados a pensar a
finalidade da nossa ação docente, os que nos move para que efetivemos
nossa ação docente? Segundo o relato do “PROFESSOR X”,
o “por que” de ensinar filosofia justifica-se mais como uma militância
social e política do que disciplinar. Encontrar maneiras com que a
filosofia aconteça em sala de aula é fazer minha parte no
enfrentamento ao tecnicismo e subserviência ao dogmatismo e
senso comum presente na sociedade. Portanto, ser professor de
filosofia é ter consigo possibilidade, de junto a filosofia, proporcionar
o desenvolvimento de uma visão panorâmica sobre a realidade que
o circunda, favorecendo possíveis atitudes importantes como
curiosidade, investigação, problematização e organização.

A partir deste relato, reconhecemos o “por que” de ensinar filosofia como
um fator estruturante na formação do educando na escola. São características
especificas da filosofia que podem contribuir no desenvolvimento individual e
coletivo de nossos estudantes. A filosofia na escola é uma forma de garantir
um espaço para a reflexão crítica, sem ter, propriamente, uma finalidade e
uma obrigação de responder, mas em pensar o existente ao seu redor. O
ensino significativo que se revela a partir da “militância”, na defesa de uma
causa que é a busca de uma transformação da sociedade através da ação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não podemos pensar o ensino de filosofia somente a partir de teorias da
universidade, é necessário também se aproximar da realidade escolar onde
ela se realiza. A filosofia não é um campo de saber secreto e encerrado, mas
um lugar sociável e em construção que precisa de atenção. Deste modo,
precisamos explorar dela o máximo possível na perspectiva de alcançar um
ensino significativo. No entanto, ensinar filosofia desde os gregos tornou-se
uma oportuna procura de uma amizade com saber, amizade que se revela na
busca de uma proximidade com a ação perturbadora do pensar. Atualmente,
percebemos uma investida cada vez mais em um saber prático, por isso, a
necessidade de pensarmos e reconhecermos o ensino de filosofia como um
ensino importante na formação perene do educando.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Ministério da Educação. Formação Superior para a Docência na
Educação Básica (Parecer CNE/CP nº 2/2015, aprovado em 9 de junho de
2015). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/pnaes/323-secretarias112877938/orgaos-vinculados-82187207/12861-formacao-superior-paraa-docencia-na-educacao-basica> Acesso em: 03 de junho de 2017.
CERLETTI, Alejandro. O Ensino de filosofia como problema filosófico.
Trad. Ingrid Müller Xavier. Belo horizonte: Autêntica Editora, 2009.
CORNÉLIO MATOS, Junot. Filosofando sobre o ensino de filosofia. O que
nos faz pensar, [S.l.], v. 24, n. 36, p. 367-382, mar. 2015. ISSN 0104-6675.
Disponível
em:
<http://www.oquenosfazpensar.fil.pucrio.br/index.php/oqnfp/article/view/453>. Acesso em: 03 de junho de 2017.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e
racionalização social. Trad. Paulo AstorSoethe. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2012.
LIMA, José Anderson de Oliveira. Ensino de Filosofia: Pensando e
Debatendo a Formação dos Professores de Filosofia do Ensino Médio. 2014.
53 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de
Alagoas, Maceió, 2014.

p. 541
ISSN 1981-3031
Vol. 01

TOMAZETTI, Elisete M. Formação do professor de filosofia para o ensino
médio: entre políticas e práticas, entre universidade e escola. In: MATOS,
Junot C; COSTA, Marcos R. N. (Org.). Ensino de filosofia: questões
fundamentais. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2014. p. 31-42.

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O NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS NO CONTEXTO DAS
CRECHES UNIVERSITÁRIAS: discussões preliminares
Meiriane Ferreira Bezerra Santos
me-i-rianeferreira1@hotmail.com
RESUMO: O trabalho dialoga com o tema das Unidades Federais de
Educação Infantil, cujas nomenclaturas são diversas, adentrando no contexto
específico do Núcleo de Educação Infantil-NDI, situado no Campus A. C.
Simões da Universidade Federal de Alagoas, com vistas a desmistificar,
preliminarmente, a sua trajetória histórica, sua atuação e perspectivas no
cenário das creches situadas no lócus universitário. Trata-se de uma pesquisa
de cunho predominantemente qualitativo, com efeito de análise documental e
pesquisa bibliográfica. No limite, buscou-se evidenciar o contexto em que as
creches universitárias surgem e as pesquisas que recentemente têm
contribuído para o alargamento das discussões, tecendo possíveis pontos e
contrapontos entre as funções desenvolvidas historicamente por tais
instituições no cenário brasileiro e o papel institucional do NDI,
hodiernamente. Constatou-se a caracterização de uma instituição com forte
potencial de desenvolvimento na área do ensino, da pesquisa e da extensão,
com possibilidades de fortalecimento de uma tríade que traduz o cerne da
universidade.
PALAVRAS-CHAVE: Creches Universitárias – Núcleo de Desenvolvimento
Infantil – Universidade Federal de Alagoas

1 INTRODUÇÃO
A Educação Infantil apresenta-se historicamente como um processo
que não segue uma linearidade, nesse processo, diversas nuances estão
imersas em um movimento complexo e dinâmico, que se relaciona
intrinsicamente com o contexto histórico, econômico e social. Sua história
recente remete-nos ao lugar específico da creche, objeto de estudo neste
trabalho e que teve sua história tecida pelos fios dos movimentos sociais e
perpassada por diversas concepções de criança e educação ao longo do
tempo, apresentando finalidades distintas. As inúmeras transformações

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políticas, econômicas e sociais ocorridas nas últimas décadas, especialmente
nas décadas de 70 e 80, somadas a promulgação da Constituição Federal da
República de 1988, na qual resguarda o direito da criança à educação, às
alterações identificadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (
Lei 9.394/1996) têm provocado mudanças no tocante à educação na primeira
infância e consequentemente instigado à discussão sobre o papel que
desempenham as creches, inclusive as creches vinculadas às universidades
federais.
No intuito de situar a creche enquanto instituição de relevância social
histórica, é necessário adentrar no contexto dos movimentos sociais que
remontam a década de 70, onde é imprescindível citar o movimento feminista
e o Movimento de Luta por Creche, que, respectivamente, defende a ideia de
creche como um direito das mães trabalhadoras e da creche como instituição
mantida pelo Estado, resguardando o seu caráter público. Como afirma
Haddad (1991), a década de 70 caracterizou-se pela eclosão de vários
movimentos sociais, e, em alguns lugares, a creche ganhou enfoque
diferente, passando a ser reivindicada como um direito das mulheres
trabalhadoras. Tal cenário impulsionou a expansão da rede de creches
voltadas ao atendimento da criança pequena com o objetivo de suprir as
necessidades dessas mulheres quanto à conquista por melhores condições
de trabalho, decorrente da viabilização de um lugar onde seus filhos
pudessem ser cuidados. Nesse contexto, são criadas as Creches nas
Universidades, fruto das reivindicações de seus profissionais. É necessário
considerar ainda, no que tange a expansão destas unidades, que na década
de 80 até 1992 foram criadas 15 novas unidades nas universidades. (Raupp,
2004). A luz dessas considerações, o presente trabalho tem como objetivo
fomentar discussões sobre o papel que vem se atribuindo às creches
universitárias e, ainda, estabelecer correlações com uma dessas creches, a
saber, com o Núcleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de
Alagoas.

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Após levantamento bibliográfico, em bibliotecas e sites acadêmicos, foi
possível constatar que o tema Creche na Universidade, ainda é pouco
explorado; e que este trabalho representa mais uma contribuição para se
pensar a creche no âmbito universitário, especialmente na Universidade
Federal de Alagoas. As pesquisas recentemente desenvolvidas nesta área,
possuem um caráter amplo, as quais tem contribuído para uma compreensão
do panorama geral das unidades de educação infantil no país. Entretanto,
este trabalho foi pensado de um diferente modo, com intuito de analisar a
creche na universidade, partindo das experiências intrínsecas da instituição e
do modo como os que lá estão a percebem, considerando as possibilidades
que conseguem visualizar quanto à atuação da creche em um

lócus de

produção do conhecimento. Para tal, lançou-se mão da análise de alguns
documentos oficias da instituição em foco, acreditando-se na possibilidade de
ver reverberada em tais documentos, a visão dos que nela atuam, bem como
suas perspectivas.

2 A creche na universidade: algumas considerações

Sabe-se

que

a

creche

na

Universidade

é

uma

experiência

relativamente recente, fruto da luta dos movimentos sociais iniciados na
década de 70, onde se efetivou a expansão destas instituições no país,
decorrente do direito de creche no local de trabalho. Tais instituições vêm
paulatinamente sendo reconfiguradas quanto à organização do trabalho
pedagógico e institucional que desenvolvem, à composição do seu quadro
profissional atrelado à carreira do Magistério Federal e a heterogeneidade de
atuação no interior da Universidade.

Nesse contexto, ainda perdura um

profícuo debate sobre o papel destas instituições, como se observa na
reflexão a seguir:

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Tanto a legislação vigente quanto as pesquisas na área têm
mostrado importantes avanços para a discussão do tema no Brasil.
Mas pouco se sabe ainda sobre as instituições propriamente ditas e
principalmente sobre a creche no local de trabalho. Portanto, esta é
uma investigação bastante nova, pois contempla uma tendência de
atendimento à infância ainda pouco explorada embora haja uma
produção significativa acerca do tema creche, praticamente
inexistem pesquisas que tratem especificamente da creche no local
de trabalho e, em particular, nas universidades públicas.
(FAGUNDES, 1997, p.4)

Dentre os escassos estudos sobre a creche no âmbito universitário,
nos quais tem sido mais comumente abordado o papel institucional destas
unidades em uma dimensão nacional, bem como a análise de sua trajetória e
organização; entende-se neste trabalho, a necessidade de comtemplar uma
incipiente correlação entre a literatura produzida até o momento e a realidade
institucional do Núcleo de Desenvolvimento Infantil da UFAL.
Partindo

do

cenário

macro,

em

nível

de

Brasil,

têm-se

aproximadamente vinte e oito Instituições de Educação Infantil em diversas
universidades, cujo trabalho vem sendo desenvolvido, na maior parte delas,
para além das atividades de ensino; mas contemplando a pesquisa e a
extensão como atividades inerentes à atuação das Unidades Federais de
Educação Infantil. É importante considerar que tais unidades foram criadas
sob a lógica da creche no local de trabalho como uma política de atendimento
às mulheres trabalhadoras e aos estudantes universitários, na perspectiva de
que estes tivessem um lugar para que seus filhos fossem cuidados. Contudo,
observa-se que as creches também têm atuado em outras dimensões além
do atendimento à criança, como enfatizado nas palavras de RAUPP:
... o universo destas unidades, oscilam entre apenas desenvolver o
trabalho educativo com a criança, caracterizar-se como campo de
experimentação e ou observação para cursos da IFE, ser espaço de
visitação para profissionais da área, produzir conhecimentos em
atividades de pesquisa e atuar na extensão, socializando o
conhecimento produzido na formação continuada de profissionais
da área ou atuando na formação regular em cursos de
especialização da IFE. (RAUPP, 2001, p. 6)

p. 546
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Na Universidade Federal de Alagoas, o Núcleo de Desenvolvimento
Infantil vem sendo campo de estágios, lócus para o desenvolvimento de
projetos de iniciação científica e de produção de conhecimento; tais atividades
são desconhecidas por grande parte da comunidade acadêmica. Diante
dessa multiplicidade de atuação e mesmo não sendo uma realidade de todas
as instituições, pois muitas não atuam na pesquisa e na extensão, mas
exclusivamente no que tange a educação das crianças; é possível constatar
uma persistente indefinição quanto ao papel que desempenham ou devam
desempenhar dentro da universidade. Observam-se variações, de ordem
diversas, de uma creche universitária para outra; tanto quanto à atuação e
organização e ainda sobre o consenso das contribuições que essa nova
configuração da creche possa proporcionar à universidade, à sociedade e à
criança.
Dentre as inúmeras mudanças recentemente observadas no NDI,
pode-se citar: a alteração do quadro docente, com a inseção através de
concurso público de seis professores do Ensino Básico Técnico e Tecnológico
(EBTT) com formação em Pedagogia, cuja carreira exige a atuação em
atividades de ensino, pesquisa e extensão. Trata-se de uma nova
configuração do fazer docente na Educação Infantil em Alagoas, a exemplo
das experiências já consolidadas em outras creches universitárias do país e
que diferem da atuação docente em Instituições Públicas Municipais ou
Estaduais, visto que estas últimas não contemplam a pesquisa e a extensão
como atividades institucionalizadas. A partir desse contexto específico e do
contexto mais amplo do Núcleo de Desenvolvimento Infantil-NDI, torna-se
relevante um olhar sensível e atento sobre as possíveis funções e
contribuições da creche no interior da Universidade Federal de Alagoas; com
vistas a desmistificar e compreender hodiernamente o seu papel institucional.

3 O Núcleo de Desenvolvimento Infantil da UFAL: breve histórico

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O Núcleo de Desenvolvimento Infantil-NDI da Universidade Federal de
Alagoas-UFAL tem suas atividades iniciadas na década de 80, ainda sob a
denominação de Pousada-Escolar Sementes do Amanhã, compondo
atualmente uma trajetória de mais de trinta anos e tornando-se neste trabalho
o foco do estudo que se pretende realizar.
Na Universidade Federal de Alagoas, o Núcleo de Desenvolvimento
Infantil atua no atendimento à criança desde 1984, e institucionalmente, vêm
passando ao longo dos anos por transformações significativas, enfrentando
desafios, construindo história no interior da universidade e sobretudo fazendo
parte da vivência de muitas crianças em suas trajetórias educacionais.
Entretanto, verifica-se que pouco se conhece a respeito do Núcleo, da sua
história e de sua atuação na UFAL. Entende-se neste trabalho que conhecer
o

NDI

enquanto

instituição

na

Universidade,

significa

favorecer

a

compreensão da função que a creche assume no lócus universitário e
desvelar importantes elementos que constituem a sua própria identidade.
No sentido de resgatar a história do NDI, lança-se mão do seu Projeto
Político Pedagógico, que enfatiza:
A inauguração da Pousada-Escolar Sementes do Amanhã deuse em 12 de outubro de 1984, dia da criança, numa casa
residencial, alugada pela ASSUFAL, no centro da cidade situada à
Rua do Imperador, 35, próximo a antiga Reitoria da UFAL na
Praça Sinimbú, de outubro de 1984 a outubro de 1988, passando,
posteriormente, a ocupar parte da Reitoria (Espaço Cultural da
UFAL), no período de 1988 a 1990. Sendo transferida para o
Campus A. C. Simões, a partir de setembro de 1990. Seu objetivo
era atender 60 (sessenta) crianças de 01 a 04 anos de idade,
filhas de servidores e professores da UFAL. (PPP, 2009, p.10)

Atualmente, no tocante à composição dos recursos humanos da
instituição, esta possui corpo docente com vínculos trabalhistas distintos. Há
docentes que estão vinculados à Universidade como professores da carreira

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EBTT (Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), também há docentes
vinculados à Secretaria Municipal de Educação de Maceió por meio de
convênio entre SEMED-MACEIÓ e UFAL. Compõem o Núcleo: diretor,
coordenador pedagógico, técnicas em assuntos educacionais, psicólogas,
cozinheira, auxiliares de cozinha, nutricionista, técnico em enfermagem,
auxiliares de sala e recreacionistas.
Quanto aos objetivos do Núcleo é possível constatar em documento
oficial, a seguinte redação:

O Núcleo foi estruturado tendo como objetivo geral: prestar
assistência biopsicossocial e pedagógico às crianças de 0 a 06 anos
de idade, da comunidade universitária, contribuindo para o seu
desenvolvimento integral. No que tange aos seus objetivos
específicos, propõe-se a criação de um espaço de pesquisa,
estudos e aplicações de teorias psicopedagógicas, capazes de
contribuir na formação de novos conhecimentos e criação de
alternativas para a prática e promover integração entre a
comunidade universitária e o Núcleo. (PPP, 2009, p. 11)

Dado o exposto, nota-se que a instituição em análise, há muito,
compreende que o seu papel está vinculado ao ensino e a pesquisa,
corroborando a ideia e o anseio de várias outras instituições de caráter
semelhante.
O NDI consta no organograma da universidade como núcleo de apoio e
recentemente foi vinculado ao Centro de Educação- CEDU. Dentre algumas
mudanças institucionais, observou-se a composição do seu quadro docente
com professores do Magistério Federal sob a carreira do Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico, cuja atuação profissional deve comtemplar o ensino, a
pesquisa e a extensão, uma tríade pouco explorada no Núcleo, embora
constitua o cerne do trabalho desenvolvido na universidade. Nessa trama
complexa, onde perpassa a pesquisa e a extensão, além das atividades de
ensino em salas de atividades junto às crianças e que difere da lógica

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organizacional e de atuação docente dos Centros Municipais de Educação
Infantil, torna-se importante refletir sobre o papel que desempenha a creche
universitária uma vez que, mesmo enquanto instituição voltada à educação e
ao cuidado da criança, o NDI ainda é desconhecido por grande parte da
comunidade acadêmica, bem como são desconhecidas, as experiências que
tem se efetivado junto às crianças ao longo dos anos e as recentes e
incipientes atuações no campo da pesquisa, da extensão e da produção do
conhecimento no tocante à Educação Infantil. Há mais de duas décadas é
possível observar uma história de luta, dilemas profundos, retrocessos e
avanços do Núcleo de Desenvolvimento Infantil -NDI no interior da
Universidade Federal de Alagoas; cabendo a indagação, a qual se ocupará
futuras investigações, sobre qual é o papel da creche no contexto específico
da universidade a partir do que dizem os seus profissionais, do que se
encontra estabelecido na legislação que circunda o tema, nas políticas
públicas pertinentes e nas reais possibilidades institucionais em um contexto
de crise política e econômica na qual o país atravessa atualmente.

4 PONTOS E CONTRAPONTOS

A questão fundamental que norteia esse estudo refere-se à
persistência na indefinição do papel da creche na universidade, inclusive e
sobremaneira na Universidade Federal de Alagoas no que tange a atuação do
Núcleo de Desenvolvimento Infantil-NDI. As hipóteses que se constituem
nesse cenário leva a crer que os profissionais que atuam no Núcleo,
sobretudo os docentes, podem ter visões divergentes quanto a função da
instituição, de modo que alguns possam entende-la como uma função voltada
especificamente à educação e cuidado da criança, e outros possam percebêla enquanto uma instituição que deva aproximar-se das atividades-fim da
Universidade, e, portanto, deve promover para além do ensino, atividades de

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pesquisa e extensão; ampliando a sua atuação institucional e enveredando
pelo caminho da produção do conhecimento. Quanto ao aspecto da produção
cientifica sobre o tema e o entendimento que ele representa, traduzido por
meio de alguns dispositivos legais e da produção de artigos científicos,
dissertações e teses, percebe-se um consenso reverberado nas palavras de
RAUPP (2004):
... a constituição das unidades de educação infantil nas
universidades federais, de alguma forma, acompanha a trajetória
histórica da educação infantil no Brasil no que se refere aos
objetivos iniciais, cumprindo a função de atendimento às crianças
pequenas enquanto suas mães trabalhavam e estudavam. Evoluiu,
gradativamente, no decorrer dos anos, para a incorporação de
novas funções, caracterizadas como campo de estágio, de pesquisa
e de observação. No entanto, essas funções necessitam de
ampliação para a prática de pesquisa e da extensão, condição
imprescindível para a consolidação da identidade universitária
dessas unidades. (RAUPP, 2004, p.209-210)

Deste modo, é importante em futuras pesquisas confrontar dados
obtidos de modo a substanciar ou não, o ainda escasso conhecimento
produzido sobre as unidades de educação infantil no âmbito universitário, e,
ainda,

colaborar

para

a

definição

da

identidade

do

Núcleo

de

Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de Alagoas. Nessa
perspectiva, outras hipóteses poderão surgir, indicando novos caminhos.
A partir dessa análise, tão necessária para uma compreensão mais
ampla do papel da creche na Universidade Federal de Alagoas, é importante
abordar em pesquisas que circundam o tema proposto, o trabalho de
pesquisadores em Educação Infantil, com valiosas contribuições no tocante
ao estudo da creche, como Haddad (1991; 2002), Rosemberg (1989; 1989) e
Campos (1993; 2002). Analisar a produção de autores como Raupp (2001;
2004) Bondioli (1998); Fagundes (1997), os quais abordam a Educação
Infantil relacionados a atuação das creches universitárias, também constitui
uma relevância imprescindível. Considera-se ainda como uma necessária
contribuição ao trabalho, à análise de documentos oficiais, como leis,
resoluções e pareceres que interferem na atuação da creche na universidade.

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Considera-se, portanto, a creche enquanto objeto de estudo, um tema
complexo e desafiador; pois tal instituição vêm passando por transformações
enfatizados por Haddad desde a década de 90:
Nos últimos anos, a questão da creche teve um avanço
considerável no País. A reivindicação por creches e pré-escolas
como direito à educação da criança de todas as camadas sociais
passou a ser defendida por vários setores da sociedade, tais como:
grupos ligados aos movimentos populares, representantes de
conselhos de condição feminina, a comunidade acadêmica, bem
como profissionais que atuam nos programas pré-escolares.
(Haddad, 1991, p.32)

Os avanços na área da Educação Infantil tiveram influência de
disposições postas na Constituição da República Federal do Brasil de 1988 e
ainda da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, esta última
enfatizando a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica e
representando um importante avanço nas responsabilidades públicas sobre a
educação. Outros dispositivos legais deverão ser considerados, ainda que
estejam relacionados de forma indireta com a creche; indicando alterações na
carreira docente do profissional que atua nas creches universitárias,
apontando novos direcionamentos quanto à organização institucional desta
por meio de transformações em colégios de aplicação e outras que venham a
ocorrer. A creche na universidade passa por variadas transformações
atualmente e acompanha a evolução da Educação Infantil no País, contudo,
deve ser entendida nas suas especificidades. O embasamento teórico sobre a
trajetória da creche, especialmente sobre a creche na universidade, deverá
articular-se de forma crítica com a legislação pertinente e ainda com o estudo
da realidade desta instituição nas mais variadas práticas e experiências
verificadas em seu cotidiano e nas vozes dos sujeitos que dele fazem parte.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As pesquisas que tem se ocupado sobre o tema das Unidades
Federais de Educação Infantil, apontam que tais instituições, possuem
relevante trabalho prestado a diversas comunidades acadêmicas e a
sociedade. Não obstante aos diferentes perfis institucionais, nos quais a
atuação se dá de forma muito plural e divergente, apresentam características
contundentes de forte potencial na área do ensino, da pesquisa e da
extensão. Contudo, as creches universitárias, também assim denominadas,
enfrentam graves problemas para o seu desenvolvimento, em grande medida,
oriundos da inexistência de políticas públicas que alcancem a especificidade
de tais instituições. O Núcleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade
Federal de Alagoas, está inserido neste contexto desafiador, depreendendose que, sobretudo na conjuntura política e econômica atual, precisa fortalecerse institucionalmente e construir alternativas que sustentem suas perspectivas
de desenvolvimento. Desse modo, o cenário do Núcleo de Desenvolvimento
Infantil na Universidade Federal de Alagoas é um ambiente instigador, com
perfil institucional que pressupõe a necessidade de uma análise críticoreflexiva e correlacionada, considerando a complexidade das experiências
verificadas no interior de uma creche no contexto da universidade. Percebese urgente o lançar de um olhar para uma trajetória histórica, constituída por
uma rica relação: Educação Infantil – Criança – Comunidade – Universidade;
como parte de um projeto de universidade, cada vez mais, socialmente
referenciada.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.9.394, de
20 de dezembro de 1996.
CAMPOS, M. M. A legislação, as políticas nacionais de educação infantil e a
realidade: encontros e desafios. In: MACHADO, M. L. A. (Org.). Encontros e
desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez, 2002.
________. M.M.; ROSEMBERG, F.; FERREIRA, I. M. Creches e pré-escolas
no Brasil. São Paulo: Cortez, 1993.

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FAGUNDES, M. R. A creche no trabalho... o trabalho na creche: um
estudo sobre o Centro de Convivência Infantil da Unicamp: trajetória e
perspectivas. 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
HADDAD, L. A creche em busca de identidade. São Paulo: Loyola, 1991.
________. Políticas integradas de educação e cuidado infantil: desafios,
armadilhas e possibilidades. Cadernos de Pesquisa (São Paulo), 2002.
Núcleo de Desenvolvimento Infantil/ Núcleo de Estudos da Educação de 0 a 6
anos/ Centro de Ciências da Educação/ Universidade Federal de Santa
Catarina. RAUPP, M.D. ( Org.) II Encontro Nacional das Unidades
Universitárias Federais de Educação Infantil. Florianópolis. Anais...,
167p.2003.
RAUPP, M. D. A Educação Infantil nas Universidades Federais: questões,
dilemas e perspectivas. 2001.Dissertação (Mestrado em Educação) –
Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina,
SC.
________. Creches Universitárias em foco: análise de suas funções.
Disponível em
<www.ced.ufsc.br/nee0a6/pmariraupp.PDF>, acesso em 3/02/2015.
SILVA, V. M. A. da. A trajetória da Educação Infantil na UFSM: 23 anos de
história do Ipê Amarelo. Universidade Federal de Santa Maria. Biblioteca
Depositária Central.

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O ANIQUILAR DA RAZÃO NO DESBRAVAMENTO DE UM
NOVO MUNDO E SUAS IMPLICAÇÕES NA ATUALIDADE
Adriana Tavares de Almeida
adrifil122@gmail.com
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o aniquilamento da razão das
civilizações encontradas pelos desbravadores europeus do final do século XV
e começo do século XVI no que hoje conhecemos como América Latina e os
impactos deixados no âmbito educacional, mais precisamente a trajetória do
ensino de filosofia no Brasil, como a disciplina foi tratada no período colonial e
como ela chega neste momento às salas de aula. Apesar dos conquistadores
terem identificado aqueles povos como inferiores, selvagens desprovidos de
inteligência, eles possuíam racionalidade; porém, de uma forma diferente
daquela que os homens europeus reconheciam. Uma razão própria dentro da
realidade de suas civilizações, de suas terras e domínios. O que os recémchegados estavam chamando de novo mundo, não era tão novo assim, já
existia há milênios com uma organização diferente é claro do que os
europeus conheciam e aceitavam.
Palavras chave: Aniquilamento- América Latina- Ensino de Filosofia- Razão.
Introdução
Da mesma forma que os gregos antigos se espantaram com os
fenômenos naturais e deram inicio ao processo filosófico a partir da physis
buscando o princípio de todas as coisas os povos nativos do novo mundo
como os astecas, maias e incas também observavam e estudavam a
natureza, o cosmos, é o caso dos olmecas que criaram um calendário com o
conceito do zero enquanto que os maias desenvolvem um avançado sistema
de drenagem na agricultura que era à base da economia maia. Os maias
observavam o cosmos crendo que existia o plano físico que é a terra, o plano
celeste como a morada dos deuses e o plano etéreo denominado por eles de
submundo. Portanto também existia uma mitologia como na Grécia antiga e
um complexo sistema de escrita no qual um único hieróglifo podia significar
sons, palavras ou objetos.

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Segundo (GONZALEZ,2008, p.7) os povos pré-colombianos se
encontravam em um momento de transição, o nascimento do pensamento
filosófico, ou seja, uma espécie de pré-pensamento filosófico quando foram
bruscamente interrompidos pelos europeus que invadiram suas terras.
Contudo me pergunto se não houvesse ocorrido esta invasão européia neste
exato momento de transição qual legado filosófico tais civilizações teriam
deixado para posteridade? Quais impactos causariam na humanidade?
Infelizmente nunca saberemos aqueles povos se depararam
forçadamente com outros que diferiam deles não só nos traços físicos e
raciais, mas éticos e culturais e mesmo assim os receberam de uma forma
amistosa e porque não dizer ingênua, uma vez que os assemelharam a
deuses conforme descreve (DUSSEL1993, p.44) “Cortês recebe saudação de
Deus e Senhor “Deus nosso e Senhor nosso, sejais muito bem-vindos que
grandes tempos há que vos esperávamos nós vossos servos e vassalos.” Ao
ouvir tal saudação os conquistadores ao invés de agradecer e retribuir o
tratamento que recebiam, entende-o como um sinal de inferioridade,
ignorância e fraqueza então decidem que as limitações de conhecimento
destas civilizações que estão no limiar do pensamento filosófico nada mais
são do que selvageria e neste exato momento começa o processo de
subjugação do outro, do que é diferente e que por isso não deve ser
entendido ou aceito pela racionalidade européia.
Antes da conquista
Como mencionei anteriormente as terras recém-descobertas pelos
europeus já existiam a milênios de acordo com os achados arqueológicos
datados há mais de 14 mil anos grupos nômades percorriam as terras que
hoje conhecemos como territórios do Peru, Chile, Bolívia e até mesmo do
México. Segundo historiadores no século VIII o mundo andino composto por
várias tribos começa a ser unificado as margens do lago Titicaca a partir da

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expansão da cidade de Tiahuanaco que de acordo com (FAVRE, 2004, p.10)
“A cidade parece ter influído em todo planalto boliviano, na parte meridional
do Peru, até o vale do Majes, no norte do Chile, até o vale do Loa.” Esta
cidade torna-se percussora do grande império inca que se estabelece na
bacia do Cuzco no final do século XIII numa posição de subordinação aos
outros povos ali encontrados, mas que no decorrer do século seguinte os
subjuga com a pretensão de tirá-los do caos, da barbárie. Os incas se
organizaram politicamente como os gregos constituíram cidades-estado cujos
habitantes eram distribuídos em classes, o imperador possuía um conselho
composto por quatro membros os quais ele consultava antes de tomar
qualquer decisão. Os governadores de província cuidavam da administração
e representavam o imperador nas cidades onde residiam fazendo com que
suas leis fossem cumpridas garantindo a estabilidade da ordem inca e
manutenção dos templos e edifícios urbanos. Porém esta civilização não
possuía escrita todos os ensinamentos eram transmitidos pela oralidade por
pessoas escolhidas para tal função conhecidos como amawta e estes eram
faustosamente mantidos pelos governantes. A poesia era praticada e
admirada pela alta sociedade inca o próprio imperador muitas vezes
compunha versos que exprimiam a melancolia do homem, como também a
nostalgia do tempo.
Por sua vez os maias no século VIII também se organizaram em
cidades- estados possuindo uma organização política semelhante a dos
incas, porém seu chefe militar era eleito apenas por um período de três anos.
A base da economia maia era a agricultura mesmo tendo sérios problemas
pela escassez da água. Ao contrário dos incas registraram através de
hieróglifos suas manifestações culturais como o cômputo do tempo e cálculos
astronômicos, também se dedicaram as artes da pintura chegando a produzir
afrescos que foram comparados pelos conquistadores aos da renascença
italiana.

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Conforme (LEHMANN,1990, p. 34) “foi durante o reinado de
Montezuma II que os espanhóis chegaram ao México”. Segundo historiadores
os astecas se organizavam politicamente de forma democrática possuía
escrita e uma jurisdição estabelecida sobre bases sólidas na qual a pena
tendia ser a reparação da ofensa. A sociedade era dividida em classes onde
os nobres estavam no topo da escala social e os mercadores eram
considerados uma classe a parte, uma vez que estes percorriam todo o país
levando e trazendo mercadorias, prestavam-se ao serviço de espionagem
fazendo seus relatos ao imperador sobre as forças militares das civilizações
vizinhas. Tal organização social era mantida através de um sistema
educacional que visava à formação cívica do indivíduo como descreve
Lehmann, (1990, p. 37)
“Por volta dos 15 ou 16 anos, antes de serem considerados
maiores, os rapazes deviam fazer um estágio numa escola. Havia
duas espécies de escolas: o calmecac, espécie de seminário onde
eram educados os jovens nobres e rapazes que deviam abraçar a
carreira religiosa, e o telpochcalli, onde se iniciavam as crianças do
povo no manejo das armas, na história, na religião e onde eram
preparadas para preencher exatamente o papel que lhes era
destinado no seu clã.”

Deste modo como dizer que tais civilizações não possuíam
racionalidade?
O conflito da Razão e o Encobrimento do Outro
A princípio os incas apostavam no diálogo como forma de
persuadir os habitantes das regiões por eles cobiçadas, isto prova que de
certo modo possuíam uma racionalidade que considerava a alteridade, a
comunicação e a escuta do outro segundo Lehmann, (1990, p. 94):
“As expedições guerreiras eram preparadas cuidadosamente.
Começava-se por uma campanha de propaganda nos territórios
cobiçados. Demonstrava às populações os benefícios da
administração incaica e esforçava-se por convertê-los ao culto do
sol. Se a persuasão não fosse bem sucedida invadia-se
militarmente o país.”

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A razão já se fazia presente no homem latino americano desde os
seus primórdios, porém uma racionalidade ainda em afloramento e que logo
foi sufocada pelo conquistador europeu que por não está preparado para
conviver com as diferenças do outro trata de tolher ainda em sua raiz no
processo de encobrimento do outro como coloca Dussel ao analisar a origem
do mito da modernidade. Em nenhum momento o conquistador europeu
considerou a possibilidade de um diálogo, porque ao se deparar com os
habitantes das terras recém-descobertas logo começa o processo de
inferiorizar e encobrir o outro seja ele índio, negro ou asiático.
O índio e o negro não eram considerados humanos pelo europeu,
fato este que compromete de forma significativa o desenvolvimento das
nações latino-americas que passaram pelo processo de colonização. Nesta
relação

estabelecida

através

da

força

invasora

européia

nasce

à

modernização capitalista na qual perece a identidade do índio, do negro e do
mestiço latino americano explorado e desprovido de direitos, também vítima
de uma conquista espiritual não menos violenta e justificada quanto uma
práxis de dominação dos povos vencidos, isso porque o conquistador europeu
se coloca em uma posição de ser absoluto cuja vontade é lei e suas ordens
não devem ser questionadas, impondo uma obediência e servidão através de
uma brutalidade jamais vista neste continente dando inicio a uma relação de
opressores e oprimidos que se perpetua através dos séculos deixando
sequelas até os dias atuais.
Segundo Dussel por trás da palavra modernidade se esconde a
intolerância para com o outro, seus costumes, sua cultura. Deste modo o
conquistador entende que o que difere do modelo europeu não merece existir
deve ser substituído pelo modelo eurocêntrico e para tal fazem uso do que na
antiguidade era conhecido como leito de Procusto, isso acontece quando
alguém acreditando ser justo, supondo está fazendo um bem ao outro, tenta
acabar com as diferenças existentes no outro e passa a impor de forma
brusca e violenta uma nova cultura e costume neste caso específico a do

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conquistador subjugara as demais onde será medido milimetricamente cada
indivíduo nativo para que sejam aparadas o que o europeu chama de arestas.
A relação que se estabelece entre os povos colonizadores com os
habitantes do que eles chamavam de novo mundo é marcado por um ego
fálico, machista europeu capaz de subjugar a mulher e a criança índia através
da violência erótica. O ego do conquistador foi forjado não só pela cobiça e
desejo de riquezas, mas também pela vontade de subjugar o outro, o que lhe
parece estranho, inferior de menor valia, diferente de si e que por isso
segundo o olhar eurocêntrico deve ser rejeitado, negado, encoberto a
qualquer custo. Os conquistadores não se davam conta de que os
estrangeiros e, portanto estranhos eram eles e não os habitantes que sempre
viveram naquelas terras as quais eles atracaram e chamaram de novo
mundo.
As Sequelas da Colonização
A fé católica neste momento possui um novo objetivo não é apenas
o muçulmano árabe que necessita de evangelização, o foco agora são os
índios e negros levados como cativos para o novo mundo, que segundo os
critérios eurocêntricos de Sepúlveda não são humanos, ele denomina os
índios de sub-homens ou meio homens. De acordo com (DUSSEL1993, p.63)
os europeus designam os povos ameríndios como uma segunda classe de
bárbaros por não possuírem uma escrita e pela falta de conhecimento
filosófico, portanto a maiorias dos religiosos defendiam que a doutrina cristã
deveria ser imposta a estes bárbaros mesmo contra a vontade deles, mas sob
o argumento da modernidade, de tirá-los da barbárie a qual estavam
mergulhados há milênios. Contudo para tal era válido usar de brutalidade e
violência, assim começa outra forma de conquista a espiritual que é tão
devastadora quanto à primeira.

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A escolástica começa a entrar em processo de decadência no final
do século XVI e inicio do século XVII justo no momento em que a Europa
volta seus olhos para as terras recentemente descobertas, em uma tentativa
de renovação desta escolástica os padres tanto portugueses como espanhóis
chegam a América Latina trazendo consigo não apenas a doutrina cristã, mas
também a filosofia. Tal renovação visava que os jovens das colônias oriundos
das famílias europeias permanecessem a pensar de forma conservadora com
base solidificada na teocracia e no absolutismo que regia boa parte da
Europa. Então conforme (STRIEDER,1992, p.85) surgem na América Latina
às primeiras escolas de artes nas quais a filosofia era uma das disciplinas
mais importantes, no México frei Alonso de La Veracruz foi o primeiro a
lecionar tal disciplina por volta de 1570, enquanto que no Brasil Gonçalo Leite
no ano de 1572 se firma como primeiro professor de filosofia na primeira
escola de Artes. Deste modo a filosofia desenvolvida nestas escolas era
escolástica com referenciais acadêmicos nas universidades 560uropeias em
especial Coimbra e Évora.
A forma de pensar na América Latina sofre uma reviravolta no
século XVII quando os jesuítas trazem as ideias de Descartes que já era
dominante nas universidades da Europa. Começa uma mudança de
mentalidade, um despertar na consciência política deste povo que começa a
se questionar quanto a sua identidade, buscando definir sua nacionalidade.
Descobrem que para tal é necessário se emancipar politicamente das
matrizes europeias que até o momento ditavam todas as regras. Porém este
movimento de emancipação é algo complexo em todas as instâncias e
principalmente no que tange a identidade cultural dos latinos americanos, não
basta se tornar independente politicamente se ainda tem a Europa como
berço de sua cultura e da filosofia aqui desenvolvida. Como fazer uma
filosofia original, com as características da América latina? Se até então foi
ensinado a copiar as formas europeias de pensamento, simplesmente
concordar e seguir os passos de determinado filósofo ou criticá-lo imitando as

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ideias de outro. Desta forma esses jovens latino-americanos entram em um
círculo hermenêutico no qual repetem de modo servil os passos daqueles que
ainda os oprime no campo da razão, do pensamento, é como se a
independência proclamada a tão duras penas não seja capaz de libertá-los
por completo. Permanecem sequelas profundas, alguns ainda hoje acreditam
que a América latina é carente de razão que não há possibilidade de
desenvolver um pensamento filosófico original, então nos resta responder que
originalidade implica em reconhecimento.
O ensino de filosofia no Brasil
O pensamento crítico no Brasil foi inibido desde o período da sua
colonização, os jesuítas ainda no século XVI, chegaram ao país com a missão
de catequizar o povo da colônia tendo como principal objetivo fortalecer a fé
no catolicismo. Portanto não havia nenhum interesse na formação critica do
individuo que só tinha acesso à educação se pertencesse às classes mais
abastadas da sociedade, que era servida de gramática, conteúdo livrescos
formais que eram cuidadosamente repetidos e reproduzidos sem nenhum
estímulo para a criação de novos conceitos. Desta forma a filosofia
introduzida aqui pelos jesuítas era doutrinária seguindo a norma escolástica
dos textos aristotélicos interpretados por Tomaz de Aquino.
Com a saída dos jesuítas este cenário educacional começa a
mudar, mas ainda muito timidamente algumas ideias de pensadores
franceses foram trazidas pelos franciscanos quando fundaram a cátedra de
filosofia na cidade do Rio de Janeiro. Porém uma filosofia que ainda não
permitia a originalidade permanecendo com um caráter enciclopédico e
retórico não sendo permitida nenhuma autonomia na forma de pensar.
Dando um salto na linha temporal o Brasil é declarado
independente em 1822 se torna um Estado perante o direito internacional,
porém ainda não é recebe um status de nação porque seus habitantes não

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querem ser considerados como povo, como brasileiro, palavra esta que tem
na época uma conotação pejorativa para os portugueses. Estamos falando de
um povo que se constitui sem a menor vontade de ser povo deste modo
também não aspira ao governo o que também de certa forma esta vetado
para este povo por conceitos éticos e morais vigentes na época.
Ideias positivistas são introduzidas na educação isso fomentará um
ensino profissional no país, surgem os cursos de ensino superior onde ás
ciências aplicadas é privilegiada, o que por sua vez promove uma mudança
na cultura nesse momento no qual as ideias eclesiásticas vão aos poucos
perdendo sua força. O ensino secundário se torna um preparatório para a
academia que ainda possui um caráter enciclopédico. Devido a tal modelo
pedagógico fica difícil desenvolver um pensamento crítico atuante e tende a
gerar uma esterilidade no campo filosófico nacional.
O ensino vai perdendo ainda mais seu caráter eclesiástico quando
a laicidade e a liberdade são instauradas por Benjamin Constant numa
reforma que busca fazer do ensino secundário um ensino de formação e não
apenas uma preparação para o ensino superior, tal proposta também garantia
a gratuidade do ensino primário. Porém as coisas não se concretizam como o
previsto e ao ensino secundário são acrescentadas novas disciplinas o que
propicia um caráter enciclopédico ainda maior.
As influências da escola do Recife
As ideias positivistas continuam a influenciar o pensamento
filosófico brasileiro na república, porém começa a receber fortes criticas da
Escola do Recife fundada por Tobias Barreto e Silvio Romero. Tobias foi
pioneiro em defender em 1862 na cidade de Escada, Zona da Mata de
Pernambuco não só a abolição da escravatura como também o voto feminino
ao discursar no meio de uma feira contra os latifundiários da região, um de
seus discursos mais importantes foi Discurso em Mangas de Camisa. Tobias

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no seu discurso retrata o Brasil no qual vivia onde as relações de trabalho
eram complexas e estavam atreladas a um centro de exploração e dominação
originário do poder senhorial e da escravidão, com todas as mazelas sociais
que esse tipo de relação fomenta. Barreto (2013p.6)47:
“Disse uma vez o padre Lacordaire que a posição mais desfavorável
ao orador é quando tem de falar a homens que comem – porém a
outra, a meu ver, ainda mais desfavorável: - é quando se fala a
homens que têm fome, se não se trata dos meios de satisfazê-la, ao
menos de moderá-la”.

Este discurso de Tobias é acompanhado de uma forte crítica à
hipocrisia da sociedade de Escada e porque não dizer de Pernambuco ou até
mesmo do Brasil, que era formada pelos poderosos senhores de engenho
que ainda teimava em decidir qual seria a refeição a ser servida na grande
senzala que se tornava na época o município de Escada, onde os poderosos
da época dispunham da cidade como queriam desprezando o próprio
município e o povo mais humilde desprovido de poder e de dinheiro que serve
apenas de mão de obra.
O movimento conhecido como escola do Recife teve outros nomes
ilustres, entre os quais também se destaca Sylvio Romero que foi catedrático
do Colégio Pedro II localizado na cidade do Rio de Janeiro no qual o mesmo
desenvolve um curso de filosofia baseado exclusivamente na lógica e em
compêndios desenvolvidos entre 1900 e 1907, fazendo forte oposição ao
ensino de filosofia da época com pretensão de fazer uma reforma no modelo
vigente. Nesta reforma ele propõe a lógica como uma disciplina no lugar da
filosofia no ensino secundário, enquanto que a filosofia venha a se tornar um
curso do ensino superior. Uma de suas obras mais importantes foi o
manifesto A Philosophia e o Ensino Secundário, que trata das implicações e
da forma como o autor entende a filosofia e o ensino.

47

Barreto,Tobias, 1839-1889 Um Discurso em Mangas de Camisa/Tobias Barreto – 1ed. –
Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013.76 p.; 21 cm – (Coleção biblioteca básica
brasileira;25).

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O ensino de filosofia questionamentos atuais
Quando paramos para refletir sobre o ensino de filosofia é
inevitável nos depararmos com outros questionamentos: O que é filosofia? O
que é escola? A escola precisa de filosofia? Que filosofia? Como ocupar o
espaço disciplina sala de aula? Qual é o papel da filosofia? Qual é o papel da
filosofia na infância? Vários pesquisadores se debruçam sobre estas questões
na tentativa de respondê-las da maneira mais clara e precisa, porém advirtoos que neste artigo não será possível responder todas elas, fazemos aqui
apenas uma tentativa de explanar sobre algumas. De acordo com
(CERLETTI,

p.14)

Quando

nos

dedicamos

ao

ensino

de

filosofia

inevitavelmente somos levados a pensar em uma resposta para a indagação
o que é filosofia? Na Grécia antiga a resposta para essa pergunta era a
admiração o desejo de vir a conhecer, o amor pela sabedoria. Várias foram às
respostas através dos séculos até a contemporaneidade, como responde
(PERRINE,p.101) “O movimento que conduz ao advento da filosofia é o
mesmo que leva à afirmação da interioridade, libertando o ser humano do
dogmatismo da natureza e inaugurando a aventura da liberdade.” Então
podemos afirmar que a filosofia se coloca na direção do sentido e não da
utilidade.
O professor de filosofia se depara na escola e também fora dela
com a política, a poesia e a técnica a princípio estes três potenciais rivais, que
também são possibilidades de trajeto deste mesmo professor como afirma
(KOHAN48, p.23-24)
“A política é a possibilidade de ver no ensino de filosofia uma
projeção social concreta e acabada, uma produtividade
comprometida com a transformação do estado e das coisas; é a
extensão de um sentido, utilidade ou produto tangível em
sociedades feridas de injustiças como as nossas; a política é o
duplo da filosofia na polis, e tornar-se um político é a primeira
48

Walter Omar Kohan é professor titular de Filosofia da Educação na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador do CNPq e do Programa Prociência (UERJ/FAPERJ).
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPEd) Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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tentação de um professor de filosofia; a poesia é a própria dimensão
estética da filosofia, a que mais especificamente a aproxima da arte
do desinteresse e do sublime; é a consumação da palavra na
própria palavra; a poesia é o duplo da filosofia na linguagem; tornarse um poeta é a tentação última de um professor de filosofia.
Finalmente, a técnica é a sedução de um método que torne a
filosofia produtiva, eficaz,desde a própria didática até uma finalidade
ditada pelo mercado, pela ciência ou desde qualquer outro marco
externo; é o predomínio de uma ordem que pretende regular-se a si
mesma e, em particular, ao próprio pensamento; a técnica é o duplo
instrumental da filosofia, e converter-se em um técnico é a tentação
persistente de um professor de filosofia."

Então ensinar filosofia é uma atividade de militância política na qual
o professor filósofo possui uma relação intensa com o saber e com sua
negatividade o não saber, com o ato de reconhecer o que ainda não sabe.
Quando o indivíduo tem contato com a filosofia ainda na infância,
ele desenvolve a consciência crítica de uma forma natural aos poucos o
infante começa a buscar significados e o faz na medida em que se envolve no
diálogo e na investigação proposta pelo professor de filosofia na sala de aula.
Porém segundo (MATOS, 2013) a compreensão das relações humanas é o
ponto de partida para se conceber o filosofar na infância.
“O esforço de pensar o exercício do filosofar com as infâncias
parece considerar as condições de possibilidade de um exercício do
pensar com um ser humano que em sua integralidade desponta
num universo onde constituir-se algo, ou alguém, faz-se
concomitante ao significar seu mundo.” (MATOS49, 2013, p. 366)

A filosofia na infância incentiva as crianças a pesquisar e a
chegarem por si mesmas as respostas para seus próprios questionamentos
de uma forma onde haja sentido para seus argumentos dentro de uma visão
crítica e reflexiva aprendendo sempre a ouvir e a respeitar as demais opiniões
que surgirão durante o diálogo ao mesmo tempo em que enriquece seu poder
de argumentação e persuasão.

49

Junot Cornélio Matos Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco e
Coordenador do Mestrado Profissional de Filosofia. UFPE/CFCH/DF.

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Conclusão
Quando se trata de filosofia é necessário saber em que lugar está,
pois todo aquele que se propõe a fazer uso da razão deve prestar atenção em
sua volta, observar quem está nas proximidades, às características do lugar
que habita para que deste modo tenha condições de responder a interrogação
que deriva de tal consciência quem sou? Durante séculos as elites européias
aqui fixadas definiram e importaram o tipo ou modelos de educação, de
política e economia para implantar na América Latina que estivesse em
concordância com os interesses dela, onde os beneficiados fossem sempre
este pequeno círculo abastado e opressor da grande massa com o objetivo de
que o povo permaneça no lugar que lhe foi definido, o lugar da servidão, da
mão de obra barata quase escrava que anda espremida nos coletivos a
espera que tudo um dia irá melhorar. Assim passa a existir o mito de que o
que vem de fora, do estrangeiro, da Europa é melhor do que o que
produzimos aqui, o nosso produto seja ele qual for não tem valor ou é inferior
isso também acontece quando se trata de filosofia.
Infelizmente na maioria dos países que compõe a América Latina
existe uma resistência em assumir a própria identidade de aceitar suas raízes,
as miscigenações aqui encontradas isso se reflete no comportamento que é
adotado quando estamos diante de uma produção nossa seja ela uma obra
filosófica ou literária, aguardamos sempre o crivo da leitura oficial. Conforme
afirma (GOMES1984, p.73) “Desejamos ser reconhecidos pela Mãe-Europa, em nossa
edipiana e mórbida dependência afetiva e intelectual. Com isso perdemos a oportunidade de
ser alguma coisa qualquer, não necessariamente melhor ou pior do que a Europa, mas
apenas isto: nossa.

De acordo com Dussel quando falamos de identidade dos povos
latinos americanos implica em se deparar com o encobrimento que este povo
sofreu e ainda sofre, porém dentro da argumentação de Dussel é deste ponto
que se deve partir para uma filosofia se apropriando de forma criativa de sua
latinidade, sem negar sua história e atento a sua vida cotidiana mantendo

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sempre o foco no seu lugar no ambiente no qual vive. A filosofia feita nos
países europeus sempre se debruçou sobre as urgências de seu lugar, de
sua época, os problemas que espreitavam o homem. Portanto a filosofia latina
americana deve partir dos problemas específicos da América Latina e de suas
circunstancias. Devemos nos debruçar e tentar responder as indagações que
persistem sobre a filosofia e seu ensino as problemáticas que acompanham o
professor de filosofia na escola.
Referências
BARRETO,Tobias, 1839-1889 Um discurso em mangas de camisa/Tobias
Barreto – 1ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013.76 p.; 21 cm –
Coleção biblioteca básica brasileira; 25.
BOERLEGUI, Carlos. História del pensamiento filosófico latinoamericano:
Uma búsqueda incessante de identidad. 3. Universidad de Duesto: Ed.
Bilbao, 2010.
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico.
Tradução de Ingrid Muller Xavier. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009.
DUSSEL, Enrique. 1492 O encobrimento do outro; a origem do mito da
modernidade: Conferencia de Frankfurt/ Enrique Dussel. Tradução de
Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro: Ed.Vozes, 1993.
FAVRE, Henri. A Civilização inca. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. Rio
de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2004.
GOMES, Roberto. Crítica da razão tupiniquim. 7. Rio Grande do Sul: Ed.
Mercado Aberto, 1984.
GONZÁLEZ, Pablo Guadarrama. Filosofía latinoamericana: momentos de
su desarrollo. Eikasia. Revista de Filosofía. año III, 17 (marzo 2008).
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http://www.revistadefilosofia.org.pdf.
LEHMANN, Henri. As civilizações pré-colombianas. Tradução de Mary A.
Leite de Barros. Rio de Janeiro: Ed. Betrand Brasil, 1990.
KOHAN, Walter Omar. Filosofia: O paradoxo de aprender e ensinar.
Tradução de Ingrid Muller Xavier. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009.
Coleção Ensino de Filosofia.
MATOS, Junot Cornélio. O Perguntar Filosófico das Infâncias. Childhood &
Philosophy. Rio de Janeiro, v.9, n.18, p. 363-379, jul/dez. 2013. Semestral.
ISSN 1984-5987.

p. 568
ISSN 1981-3031
Vol. 01

PERINE, Marcelo. Ensaio de iniciação ao filosofar. São Paulo: Ed. Loyola,
2007. Coleção Filosofar é Preciso.
STRIEDER, Inácio. O pensamento filosófico na América Latina no
passado – Caminhos atuais para a filosofia. Conferência pronunciada
durante a II Semana de Filosofia da UFPE, realizada em Recife/PE de 09-13
de novembro de 1992.

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O CONFRONTO DISCURSIVO ENTRE O CONSERVADORISMO
EMPRESARIAL E A MEMÓRIA AMBIENTALISTA E SINDICAL
NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ALAGOANA
Clay Ewerthon Alves do Nascimento
nascimentoalagoas@gmail.com
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar sentidos de vida no discurso
do Programa de Educação Ambiental Lagoa Viva ligado a empresa cloroquímica Braskem, situada em Alagoas. Para tanto, foi necessário fazer um
regate histórico dos problemas ambientais causados pela referida empresa no
ambiente em que a mesma está situada: entre as lagoas Mundaú e
Manguaba. Confrontamos o discurso de Educação Ambiental (EA) em defesa
da vida com o ambientalismo histórico e as atuais ações sindicais. A partir do
referencial teórico-metodológico da Análise do Discurso foi possível apontar
sentidos antagônicos a EA defendida pela referida empresa.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental, Alagoas, Análise do Discurso.

1 INTRODUÇÃO
Partirmos do pressuposto de que a dissociação da Educação
Ambiental (EA) das lutas históricas ambientalistas constitui um recurso
ideológico das classes dominantes. Tendo em vista que em Alagoas houve a
formação de um movimento ambientalista contrário à indústria cloro-química
Salgema (atual Braskem); construímos a hipótese de que a criação do
Programa de Educação Ambiental Lagoa Viva (PLV) e do Instituto Lagoa Viva
(ILV) responsável por sua implementação, é uma resposta histórico-ideológica
a partir da perspectiva do capital aos problemas causados por esta empresa,
a fim de minimizar conflitos em relação ao tema da degradação ambiental e
da Educação Ambiental, em torno das lagoas Mundaú e Manguaba. Pela
relação que o programa tem com a empresa, pode-se afirmar que a práxis
discursiva de EA em questão se enquadra dentro da linha conservadora.
Relação essa que impede a autonomia do projeto de EA em seu sentido
transformador, o que leva a necessidade de rompimento crítico.

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No intuito de contribuir para o desenvolvimento de uma Educação
Ambiental Crítica em Alagoas, que sirva para as práticas ambientalistas de
lutas para recuperação sócio-ambiental e equilíbrio ecológico do ComplexoEstuarino

Lagunar

Mundaú-Manguaba

(CELMM),

favorecedora

da

diversidade e da liberdade, tratamos de analisar o discurso de EA do
ILV/Braskem, visando desvelar sentidos ideológicos de vida, caros a
Educação Ambiental. Para tanto, confrontamos o discurso histórico do
ambientalismo em Alagoas e o discurso do sindicato ligado a empresa em
questão relativo a substância cancerígena amianto.
O referencial teórico-metodológico utilizado foi a Análise do Discurso
originada em Pêcheux ancorada na ontologia marxiana de Lúkács. Assim,
trabalhamos as contribuições de Volochínov e Orlandi. Quanto a Educação
Ambiental nos referenciamos nas contribuições históricas de Vieira e
travamos um diálogo teórico com Layrargues.
Devido as limitações deste artigo abordamos apenas o tema da vida
em seu sentido histórico, o que leva a necessidade de aprofundamento da
análise sobre outros temas e aspectos teóricos ligados ao referido programa
de Educação Ambiental. Mesmo assim, foi possível apontar a EA em questão
como mantenedora da degradação ambiental e adversa a vida.

2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM
ALAGOAS
O nascimento dos problemas ambientais no CELMM, bem como o
aparecimento

de

ações

em

Educação

Ambiental

(EA)

voltadas

especificamente para esse meio ambiente, nos remete a um processo sóciohistórico que começa desde a criação das primeiras usinas, quando os

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dejetos são lançados sem tratamento, já alertado por Octávio Brandão50 no
início do século XX. Na década de 1980, existiam cerca de dez usinas
sucroalcooleiras na região de influência sobre o CELMM (ALAGOAS, 1980).
Esse fato deve deixar os ambientalistas e educadores ambientais em alerta,
pois, apesar da modernização atual em algumas dessas indústrias com a
utilização do vinhoto (dejeto industrial) na fertirrigação, ainda existem sérios
casos de degradação dos rios e lagoas por esse nocivo poluente (FLORES,
1999; CPT/AL, 2009).
As usinas de cana-de-açúcar estão entre os principais agentes
responsáveis pela destruição ambiental do CELMM, além de problemas
relacionados ao poder público com a falta de saneamento ambiental.
Somados aos problemas ambientais causados pela indústria canavieira,
temos ainda, na história das lagoas, grandes impactos, desencadeados com a
implantação das indústrias Químicas Salgema (hoje Braskem), em Maceió e o
Pólo Cloroquímico de Marechal Deodoro, que possui diversas indústrias
químicas, entre elas uma filial da Braskem. Há ainda outras indústrias, como
por exemplo, a Profertil em Santa Luzia do Norte, produtora de fertilizantes,
que contribuem com a degradação ambiental do referido complexo de
ecossistemas.
A implantação de Indústrias Químicas em ambientes frágeis se deu
como estratégia desenvolvimentista (ideologia do crescimento a qualquer
custo) dos governos militares brasileiros. A presença de extensas jazidas de
sal-gema com reservas estimadas em três bilhões de toneladas de minérios
com grande pureza, que teriam um potencial de serem extraídas por 300
anos, atraiu logo a atenção de grandes empresários nacionais e
internacionais para a área dos canais e lagoas. Em 1966 é concedida pelo
Estado ao grupo industrial EU LUZ a exploração das jazidas, sendo criada
para tanto a Salgema Indústrias Químicas Ltda (VIEIRA, 1997; 2003).

50

Para esse autor era preciso tratar das águas evitando que “usineiros argentários vertam as
tibornas nos rios” (BRANDÃO 2001, p.104).

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Apesar de terem sido feitos estudos promovidos por uma equipe
técnica, ligada institucionalmente ao governo do Estado que tinha, conforme
os mesmos, o objetivo de minimizar prejuízos culturais e ecológicos devido à
grande modificação sócio-ambiental que causaria a implantação da Salgema
(ALAGOAS, 1980), nada de concreto foi feito pelo governo e empresa para
preservar de fato aquele ambiente, sobrepondo-se à preservação ambiental e
social os interesses econômicos privados (LIMA, 1984).
Implantado em 1976, no bairro do Mutange e na restinga do Pontal da
Barra entre o mar e a lagoa Mundaú, o Complexo Químico de Alagoas (CQA)
iniciado pela Salgema, produzindo soda cáustica e cloro, aumentou a
degradação ambiental já promovida pelas usinas de cana. Para sua
instalação, ocorreu a destruição de dunas, resquícios de mata de restinga,
desmatamento de área verde de coqueirais e destruição de pequenas áreas
agricultáveis. O Início de seu funcionamento foi marcado por um clima de
insegurança entre os moradores do Pontal da Barra e Trapiche, bairros
próximos ao empreendimento, por conta dos vazamentos que poluíam o ar,
solo e água da lagoa Mundaú. A comunidade sofria com problemas de saúde
causados pelo escapamento de cloro (VIEIRA, 1997, FLORES, 1999).
Mesmo com todos os problemas causados, foi posto diante da
população um projeto de duplicação da indústria que colocava em risco a
saúde e a vida na região, bem como a expulsão de moradores dos seus
bairros (LIMA, 1984). Diante desse projeto, ocorre a omissão do poder público
e o silêncio com pouca divulgação dos fatos, nos meios de comunicação da
época (PINTO, 2004).
Esses fatos que traziam para muitos jornalistas e sindicalistas
lembranças de tristes períodos da ditadura militar, com suas práticas de
censura em pleno vigor, instigaram a mobilização de forças políticas
insatisfeitas que daria origem ao Movimento Pela Vida (MOVIDA) em 1986.
Entre as demandas e reivindicação desse movimento, estavam: 1) impedir os
planos de duplicação da capacidade produtiva da Salgema; 2) monitoramento

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imediato dos acidentes ambientais e emissões de resíduos poluentes; 3)
promover estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental
(EIA/RIMA) para fundamentar a reivindicação da transferência da Salgema
para ambiente mais adequado, longe de ecossistemas de importância vital
como o CELMM (PINTO, 2004).
As ações do movimento ambientalista provocaram impasses nos
projetos dos empresários e governo e conflitos entre os diversos setores
envolvidos. Por parte do governo, vinham contradições de querer dialogar
com o movimento, implementando grupos de trabalho e estudo, debates
públicos, chegando até a uma ideia de plebiscito sobre a questão (declarada
inconstitucional pela justiça eleitoral), ao mesmo tempo em que se mantinha
claramente a favor da Salgema e do Pólo cloroquímico na cidade de Marechal
Deodoro, sendo suas ações artifícios para forjar uma legitimação social,
amortecendo o impacto da crítica ambientalista (PINTO, 2004).
Apesar de não conseguirem todas as reivindicações, houve vitórias
parciais muito importantes como a garantia das terras aos moradores pelo
tombamento do bairro do Pontal da Barra, a inserção da temática ecológica e
o significativo aumento da “consciência ambiental” em diversos setores da
sociedade alagoana. Depois disso, surgiram em Alagoas, diversas ONGs
ambientalistas com caráter mais institucionalizado, de estudo e trabalho
principalmente (as chamadas ONGs de Serviço), incluídas no que veio se
chamar terceiro setor, o que se distanciou do tipo de ambientalismo mais
crítico e militante da década de 1980.
Após esse breve recorte histórico, podemos situar melhor e nos
remetermos ao surgimento do Programa de Educação Ambiental Lagoa
Viva/Braskem (PLV), o problema em questão no nosso trabalho, de maneira a
nos aproximarmos para a análise do discurso desse projeto – sua base,
referências, o que está por trás, os sentidos e silenciamentos.
Segundo Souza (2010), o projeto foi criado em 1997 pela empresa
Trikem (hoje Braskem) com o nome Programa Lagoas, em parceria com a

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Secretaria Municipal de Educação de Maceió (SEMED), envolvendo 9 escolas
municipais situadas às margens da lagoa Mundaú. Na proposta de formação
do projeto, foram feitos cursos de formação para professores, discutindo
diversos aspectos de problemas ambientais na lagoa, incluindo o tema da
poluição química. Ainda segundo a autora “Uma das conquistas mais
expressivas do Programa Lagoas foi a construção da Agenda 21 de 18
escolas municipais” (SOUZA, 2010).
O Programa Lagoas é finalizado no ano de 2000, rediscutido e relançado
pela empresa Braskem em 2001 como Programa de Educação Ambiental
Lagoa Viva. No ano seguinte, este programa se empenha na formação
continuada de professores, tendo como referencial teórico Kits do PAMA
(Parâmetros em Ação – Meio Ambiente na Escola) fornecidos pelo MEC
(SOUZA, 2010). Em 2007 o Programa coloca que sua meta principal é
institucionalizar a política de Educação Ambiental em Alagoas, de acordo com
a base legal da EA (ILV, 2010).
As ações do PLV giram em torno do conceito de sustentabilidade com as
seguintes iniciativas.
Pescadores de Mel – Capacita pescadores no entorno do CELMM na
criação de abelhas; Etenoduto – Promove palestras e atividades de
conscientização e mobilização para as comunidades do entorno das
tubulações da Braskem; Hortas Hidropônicas e Medicinais – Difunde técnicas
de cultivo em comunidades e escolas; Arte com Plástico – Capacitação
através de oficinas de reciclagem com garrafas PET para escolas e
comunidades; Cinturão Verde – Espaço de área verde situado ao lado da
empresa destinado a excursões escolares, com palestras e incentivo ao
plantio de mudas. Além dessas iniciativas, existem atividades sócioeducativas e culturais promovidas ou apoiadas pelo programa: Ecovela,
Curso de Inglês, Projeto Baianas do Pontal, Oficinas de música e Jogos
Estudantis. Há ainda os já mencionados projetos de formação continuada em
diversas escolas em 25 municípios do entorno do CELMM, abrangendo a

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área das lagoas e seus rios formadores e expandindo para outros ambientes
do Estado de Alagoas como o Agreste e a Caatinga (ILV, 2010).
Situada a problemática, podemos fazer alguns questionamentos
relevantes sobre o porquê da preocupação da empresa com a temática da
Educação Ambiental, já que a mesma continua poluindo as lagoas, com a
liberação de tóxicos no ar e nas águas e o aparecimento de explosões na
planta industrial, além da falta de cuidados internos denunciados pelo
Sindicato dos trabalhadores dessa empresa. Não é citado em nenhum
documento ou notícias das ações do PLV sobre o agente cancerígeno
Amianto. Este é um dos principais fatores danosos à saúde e ao meio
ambiente enfrentado pelos trabalhadores (SINDPETRO, 2009).
Quais efeitos de sentidos podemos compreender quando confrontamos
o discurso ambientalista do Sindicato com o discurso de EA da empresa e
PLV? Como funciona o discurso do PLV em relação às atividades sóciohistóricas da empresa? Quais efeitos de sentidos são possíveis no confronto
da EA empresarial e a memória histórica ambientalista?
Essas são algumas questões que serviram de estímulo à pesquisa.
Segundo Krawczyk (2011) “a busca de uma pergunta adequada, da questão
que não tem resposta evidente é que constitui o ponto de origem de uma
pesquisa científica”. Acrescentamos a esse raciocínio que algumas questões
que são evidentes não são evidentes para todos, por isso, torna-se
necessário desvelar, não só o inevidente mas mostrar o evidente para quem
não o conhece e divulgá-lo didaticamente. É preciso, como se faz através da
metodologia da Análise do Discurso, também uma articulação entre a História,
como tentamos mostrar brevemente neste trabalho, a linguagem, o discurso
do PLV e a ideologia que está por trás, ou melhor, que atravessa o discurso
pelos efeitos de sentidos.
3 A VIDA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ALAGOANA

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Iniciaremos o exercício de análise a partir do que consideramos como
elementos constituintes das bases formadoras do corpus discursivo, a fim de
discutir efeitos de sentidos relacionados à Educação Ambiental no Estado de
Alagoas. Desse modo, daremos ênfase a uma história do ambientalismo
acontecida no território alagoano, ainda pouco discutida academicamente,
que possui características locais bem peculiares, de sentidos conflitantes em
torno da Educação Ambiental, da defesa ecológica do ambiente lagunar e da
vida como símbolo de luta.
Primeiramente, lançaremos olhares à expressão Lagoa Viva presente
em diversas materialidades de divulgação da Educação Ambiental em
questão, a exemplos: Informe Lagoa Viva (2005), informativo do Programa de
Educação Ambiental Lagoa Viva; Programa Lagoa Viva (s/ano), título de
fôlder de divulgação da Braskem/Programa de Educação Ambiental Lagoa
Viva, no qual o programa é citado como uma iniciativa da Braskem;
INSTITUTO LAGOA VIVA (2010), título de revista do referido programa e
também do instituto executor.
Destacamos a designação das duas siglas, Programa de Educação
Ambiental Lagoa Viva (PLV) e Instituto Lagoa Viva (ILV), a fim de
especificar a análise, tendo em vista que a designação Lagoa Viva, pode ser
encontrada de diversas maneiras nas materialidades, ora sendo dita junto ao
conceito de Programa, de Educação Ambiental, a estes dois conceitos
simultaneamente, ora como Projeto, ou simplesmente de forma abreviada
como Lagoa Viva. Mas antes de discutirmos sentidos de vida subjacentes a
expressão conceitual em questão, debateremos o conceito de Educação
Ambiental.
Sobre o conceito de Educação Ambiental (EA), que encontramos na
primeira sigla citada (PLV – Programa de Educação Ambiental Lagoa Viva),
Layrargues (2004) entende que:
Educação Ambiental é um vocábulo composto por um substantivo e
um adjetivo, que envolvem, respectivamente, o campo da Educação
e o campo Ambiental. Enquanto o substantivo Educação confere a

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essência do vocábulo “Educação Ambiental”, definindo os próprios
fazeres pedagógicos necessários a esta prática educativa, o
adjetivo Ambiental anuncia o contexto desta prática educativa, ou
seja, o enquadramento motivador da ação pedagógica. […] Assim,
“Educação Ambiental” designa uma qualidade especial que define
uma classe de características que, juntas, permitem o
reconhecimento de sua identidade, diante de uma Educação que
antes não era ambiental.

Embora a análise linguística feita por Layrargues sobre o conceito de EA
na citação acima esteja correta, ao tomarmos como base, os pressupostos
teórico-metodológicos da Análise do Discurso (AD) de origem pêcheutiana,
que considera a ideologia e a história como elementos centrais na análise,
teremos de ir além dessa base linguística citada e nos aprofundarmos ainda
mais para compreender o discurso que se materializa na linguagem.
Partimos então do mesmo autor citado, quando este faz a distinção da
Educação Ambiental em dois grandes campos: um crítico e outro
conservador, ou mesmo quando empreende na obra A Cortina de Fumaça
uma análise discursiva do empresariado, lançando olhares que nos ajudam a
compreender melhor as Condições de Produção (CP) do discurso objeto de
nossa pesquisa. Nesta obra, o autor destaca o conceito de “ideologia da
racionalidade econômica”, apontando o empresariado que “abandona sua
imagem de vilão da ecologia e adota a imagem de amigo do verde”
(LAYRARGUES,1998, p.16).
Neste trabalho pioneiro no campo, o autor, que hoje é um dos principais
teóricos da vertente crítica em EA no Brasil, entende que “a questão
ambiental é, antes de tudo, uma questão ideológica” (idem, p.17). Ao discutir
os objetivos de sua dissertação, Layrargues (idem, p.15) coloca que:
Não está em questão discutir a riqueza ou escassez do discurso
empresarial verde no tocante à questão ambiental e, tampouco, (...)
realizar um estudo de caso específico para verificar se há ou não
um descompasso entre a teoria e a prática empresarial dirigida para
o meio ambiente, ou seja, se a ação empresarial corresponde
verdadeiramente ao enunciado de seu discurso não se restringindo
apenas a retórica (…). Em vez de investigar a retórica do
ambientalismo empresarial a fim de avaliar a distância para com a
ação implementada em prol do meio ambiente, pretendemos
identificar o grau de coerência do discurso com relação ao

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ambientalismo tradicional e verificar a sintonia com os princípios que
norteiam o pensamento ecológico original, a partir de conceitos de
racionalidade ecológica e de ética ecológica.

Layrargues descarta a sugestão de estudo de caso por considerar que,
por trás dessa tendência analítica, estaria a compreensão de que o setor
empresarial já estaria internalizando valores ecológicos e implementando uma
produção “ecologicamente correta”, abdicando assim da “ideologia da
racionalidade econômica”. Apesar de corroborarmos essa crítica, entendemos
como interessante a noção de estudo de caso51, mesmo que não façamos
aqui, nessa dissertação, um trabalho com essa metodologia.
Ao estudar a problemática discursiva em questão, percebemos a
possibilidade de ser feito um “estudo de caso”, pelas características locais
peculiares já discutidas, mas também pela necessidade de desenvolvimento
do próprio objeto de pesquisa em discutir aspectos do meio ambiente local
alagoano com mais ênfase e por outro olhar possível. E, ainda que o discurso
não nos levasse necessariamente a respostas para a pergunta sobre o grau
de coerência do empreendimento empresarial em relação aos problemas
ambientais, o que não é o caso direto desse trabalho, apesar de ser levada
em conta, como veremos adiante, pensamos que, mesmo a análise imanente
de qualquer objeto, na qual a psicologia do indivíduo-autor interfere o mínimo,
pode ser levada a certas direções e não outras, com ênfase em alguns
aspectos e não outros, a partir de escolhas de quem escreve. Essa
compreensão discursiva que abraçamos leva em conta a forma ontológica de
estudo do real derivada da filosofia de Lukács.
Conforme podemos apreender de Lukács, entendemos que há uma
imanência do objeto de pesquisa que determina caminhos possíveis a
análise. O objeto da ontologia, estudo do ser, conceito em que se dedicou
esse autor, trata de captar o que existe no real, as determinações que
51

Indicamos para os interessados em ampliar os estudos iniciados neste trabalho, a
possibilidade de “estudo de caso” para a Educação Ambiental na escola de ensino
fundamental Silvestre Péricles, localizada no bairro do Pontal da Barra, âncora do Programa
Lagoas e do Programa de Educação Ambiental Lagoa Viva.

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orientam a compreensão do ser e as diversas mediações sociais que
acontecem na realidade. Conforme Vaismam (1989, p. 409), a opção de
Lukács pela ontologia não se deve por “uma mera preferência pessoal ou por
uma simples opção intelectual, mas porque se trata de um desafio histórico
concreto”. Sendo assim, a recuperação da ontologia, como pressuposta,
numa perspectiva discursiva para esta análise, deve-se:
a afirmação [lukácsiana] de que o real tem uma natureza e esta
existência e esta natureza são capturáveis intelectualmente. E, na
medida em que é capturável, pode ser modificada pela ação
cientificamente instruída. Ideológica e conscientemente conduzida
pelo homem. Postular desse modo a ontologia é resgatar a
possibilidade de entendimento e transformação da realidade
humana. Em suma, é colocar o fato de que o real não é, afinal de
contas, uma ilusão dos sentidos e que nossa subjetividade pode se
objetivar na conquista da realidade (idem, ibidem).

Mesmo sabendo que uma empresa no sistema capitalista, se quiser
manter os objetivos de lucro como qualquer empresa, não pode ser ecológica
ou educadora ambiental no sentido radical, entendemos a importância
didática de demonstrar esse pressuposto nessa pesquisa. Portanto,
chegamos à necessidade de entender o funcionamento do discurso da
empresa Braskem e de seu programa de EA em relação à práxis histórica e
ambiental.
Aliado a este objetivo mais amplo, também levamos em conta na
análise, conforme sugestão de Layrargues (idem, p. 15), em seu objetivo de
trabalho, o “grau de coerência do discurso com relação ao ambientalismo
tradicional”. Esse, que é um dos objetivos de nosso trabalho não foi formulado
a priori, surgiu de acordo com a leitura e aprofundamento sobre o
conhecimento do corpus que nos permitiu observar que o discurso
empresarial de EA que decidimos analisar tem relações diretas com o
surgimento do “ambientalismo tradicional” em terras alagoanas. Assim o
próprio estudo em questão, nos leva a “verificar a sintonia com os princípios
que norteiam a elaboração do pensamento ecológico original” (idem, ibidem),
pois surge um movimento ecológico, na cidade de Maceió, conforme vimos

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anteriormente, neste trabalho, justamente em contraponto às ações
degradantes da mesma empresa que implementa o programa de EA que
também está sob análise. Aqui cabe retomarmos uma pergunta que fizemos
anteriormente: como se dá a relação do discurso de Educação Ambiental da
Braskem/PLV/ILV com as reivindicações históricas do movimento ecológico?
Ou melhor, poderia haver alguma referência em relação à história do
ambientalismo militante em Alagoas, já que de antemão, sabemos que a
posição-sujeito em questão faz parte da formação ideológica dominante? Ou
se trata de um discurso que visa encobrir a história com “uma cortina de
fumaça” (pegando emprestado a expressão metafórica utilizada por
Layrargues), uma fumaça educativa verde, visando impedir a formação de
uma consciência histórica crítica em torno de temas educativos ligados à
defesa das Lagoas ou relativos à EA globalmente?
A AD, que utilizamos neste trabalho, é uma vertente analítica que
considera a materialidade linguística, deslocando a dicotomia lingua-fala
Saussuriana ao questionar os sentidos que circulam nas/pelas palavras.
Dessa forma, além da Linguística a AD possui relações com outras duas
grandes áreas fundadoras de sua teoria e método de Análise: o materialismo
dialético marxista, na busca da relação do histórico com a linguagem, bem
como com a Psicanálise Lacaniana a partir de uma releitura marxista
Althusseriana, que descentra a autonomia dos sujeitos discursivos ao
considerar o inconsciente em suas marcas históricas.
Fundada por M. Pêcheux, na França, com a obra Análise Automática do
Discurso (AAD69), projeto de teoria das ideologias e do discurso, ao qual se
juntaram outros autores, a AD considera, sobretudo, o processo de efeitos de
sentido do discurso veiculados pela linguagem, estudado através da
materialidade como o escrito ou o falado, por exemplo, que deixa marcas
simbólicas e, portanto, pistas que podem ser analisadas a partir da teoria do
discurso que leva em conta o sujeito, a História e a ideologia como
fundamentais para compreender qualquer processo de produção de sentido.

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Segundo Orlandi (2005, p.16): “os estudos discursivos visam pensar o sentido
dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem, descentrando a
noção de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da linguística”.
Retomando a discussão metodológica lançada acima, ainda segundo essa
mesma autora:
Face ao dispositivo teórico da interpretação, há uma parte que é da
responsabilidade do analista e uma parte que deriva da sua
sustentação no rigor do método e no alcance teórico da Análise de
Discurso. O que é de sua responsabilidade é a formulação da
questão que desencadeia a análise.
Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a
questão que formula, mobilize conceitos que outro analista não
mobilizaria, face a suas (outras questões). Uma análise não é igual
a outra porque mobiliza conceitos diferentes […]. O que define a
forma do dispositivo analítico é a questão posta pelo analista, a
natureza do material que analisa e a finalidade da análise.
(ORLANDI, 2005, p.27).

Além dos aspectos problematizados nas formulações de pesquisa,
Orlandi (2005), entende que o analista de discurso deve referir o dispositivo
teórico com o seu domínio disciplinar específico, que em nosso caso, trata-se
da Educação Ambiental. Ou seja, a análise depende não somente do domínio
da teoria do discurso, mas da “disciplina a que se filia o analista” (idem, p.28).
Retomando o caso da primeira sigla em questão, o PLV, temos o termo
Educação Ambiental que está ligado ao conceito de Programa, neste caso,
específico de Educação, com uma especificidade ainda maior, a Ambiental,
cujo título ou tema é Lagoa Viva. Esse título, também presente na sigla do
Instituto Lagoa Viva se torna chave para se compreender as especificidades
desse programa em relação à EA, já que é relativo a um ecossistema
específico: a Lagoa. Estando relacionado a um lagoa específica, a Mundaú,
formadora

do

Complexo

Estuarino-Lagunar

Mundaú-Manguaba,

é

interessante notarmos que se trata do mesmo ambiente no qual a empresa
promotora do programa de Educação Ambiental em questão está situada.
Assim, adiante, questionaremos os sentidos de vida ao conhecermos a
historicidade relativa a emergência da EA Lagoa Viva.

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4 A MEMÓRIA HISTÓRICA DA LUTA PELA VIDA E O AMIANTO
Uma materialidade discursiva que trabalhamos de maneira mais extensa
nesta análise52 é referente ao sindicato dos trabalhadores da indústria
petroleira, petroquímica, química e de plásticos, nos estados de Alagoas e
Sergipe, o SINDPETRO AL/SE. Esse sindicato iniciou, no ano de 2009, uma
campanha contra a utilização de uma substância cancerígena na produção da
Braskem. A temática da vida e da morte

está presente no debate:

“TRABALHAR SIM. MORRER NÃO”, “AMIANTO MATA!”, “LUTAR PELA
SAÚDE NO NOSSO TRABALHO É LUTAR PELA VIDA”, “O banimento é uma
questão da vida e do meio ambiente”, “O capitalismo mata e o amianto é uma
de suas armas”, “A NOSSA LUTA É PELA VIDA”. A partir destas
materialidades, podemos apontar sentidos antagônicos aos de Lagoa Viva.
Como observamos, todos os dizeres selecionados fazem parte de uma
campanha lançada pelo sindicato para o banimento/abolição de substância
cancerígena. Essa, o amianto, é utilizada no processo de produção química
da referida empresa, afetando diretamente os trabalhadores e trabalhadoras.
O amianto possui uma longa história que contaremos brevemente nas linhas
que se seguem, como forma de promover uma Educação Ambiental que lute
verdadeiramente por uma lagoa viva.
O amianto é a denominação comercial dada à substância química
constituída por um conjunto de minerais extraídos de rochas, de constituição
básica de silicato de magnésio, que possuem partes fibrosas – o asbesto –
que causa doenças como a asbestose (fibrose pulmonar crônica e
irreversível) e cânceres, de acordo com o Seminário Internacional pelo
Banimento do Amianto (SINDPETRO, 2009), “além de placas pleurais,
doenças digestivas, doenças de pele, entre outros”, como pode ser

52

Outras materialidades foram trabalhadas no texto integral no qual o presente artigo é parte.
Cf. NASCIMENTO - O discurso da Educação Ambiental em Alagoas: do ambientalismo
radical ao cinismo empresarial. Dissertação de Mestrado (2016).

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consultado na cartilha CAMPANHA PELO BANIMENTO DO AMIANTO.
TRABALHAR SIM. MORRER NÃO (SINDPETRO, 2009, p.3).
A Braskem utiliza diafragmas à base de amianto para cada célula de
eletrólise na transformação do cloreto de sódio (retirado do salgema) e água,
em cloro, soda e hidrogênio. O mais perigoso nisso tudo é que foi
comprovado que não existe nível seguro para exposição ao amianto e,
mesmo assim, a empresa continua utilizando, ainda que haja alternativas de
substituição (SINDPETRO, 2009).
As propriedades de incombustibilidade, resistência e durabilidade do
amianto são conhecidas pela humanidade desde os povos primitivos que
utilizavam essa substância na confecção de vasos de cerâmica. Há relatos de
sua composição em artefatos na Grécia e Roma antiga, no entanto, é
somente a partir da revolução industrial que começa a ser utilizado em larga
escala nas indústrias. Por suas características e por ser um material
abundante na natureza e de baixo custo, o amianto foi largamente utilizado na
produção industrial do sec. XX em cerca de 3000 produtos, principalmente os
da construção civil (telhas, caixas d’águas, forros, etc.). A partir de 1935,
estudos médicos começaram a apontar o amianto como causa de doenças
ocupacionais, até que em 1955 ele é tido, definitivamente, por médicos
britânicos, como causador de câncer de pulmão. Em 1960, são confirmados
33 casos de mesoteliomas pleurais em trabalhadores de minas de amianto na
África do Sul (SINDPETRO, 2009).
Grupos de vítimas vem-se organizando, desde a década de 1980, com o
objetivo de banir o uso do amianto. Dos 6653 países que baniram o amianto,
até hoje, inclui-se toda a União Europeia e países da América Latina como o
Chile, Argentina e Uruguai, dentre outros. No entanto, ainda há uma grande
dificuldade de se conseguir isso em países como o Brasil, um dos principais
produtores e exportadores da fibra mineral no Mundo. O Brasil é o quarto
produtor mundial de Amianto (SINDPETRO, idem).
53

Informação disponível em jornais online até o ano de 2016.

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O movimento dos atingidos vem crescendo desde a década de 90 e
reuniões mundiais são organizados para debater a questão: em 2000, o
Congresso Mundial do Amianto em São Paulo; em 2004, o segundo
Congresso Mundial do Amianto em Tóquio; em 2006 a Conferência Asiática
sobre o Amianto em Bangkok e, em 2009, delegados de 24 países reuniramse numa nova conferência asiática pelo banimento do amianto (KAZANALLEN, 2009)
Brasileiros também tem participação nessas reuniões e estão entre os
principais articuladores mundiais, desde 1995, quando foi criada na cidade
Osasco, em São Paulo, a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto
(ABREA). A ABREA foi formada por ex-trabalhadores de fábricas que
sofreram doenças relacionadas à substância, inicialmente lutando por
indenizações e constituindo uma rede de solidariedade. Essa entidade é
pioneira na luta pelo banimento do amianto, construindo atividades na
divulgação do perigo de seu uso, para trabalhadores e a população em geral,
estes que utilizam sem saber, produtos contendo a substância cancerígena
(KAZAN-ALLEN, 2009).
Acompanhando a luta mundial contra o amianto, em 2009, momento em
que havia acontecido o banimento em 45 países, é organizado pelo Sindpetro
AL/SE o 1º Seminário Internacional pelo Banimento do Amianto, voltado para
o diálogo com os trabalhadores da Braskem, que teve também participação
de estudantes da UFAL e IFAL (Instituto Federal de Alagoas) e moradores da
região do Pontal, bairro próximo ao empreendimento empresarial, que é
vítima dos danos ambientais e sociais causados por esta fábrica desde a sua
implantação, como já frisado.
O seminário, organizado em um ambiente educativo institucional, o
auditório do referido IFAL, fez ressoar a luta contra o amianto para setores
mais amplos da sociedade alagoana.
Os efeitos do amianto costumam se manifestar distante do local de
trabalho e muito tempo depois da exposição, geralmente quando os

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trabalhadores não estão mais na empresa, ou quando já aposentados, o que
dificulta a identificação dos sintomas relacionados à doença ocupacional,
quadro presente na maioria dos casos de saúde do trabalho. Em relação ao
amianto o diagnóstico torna-se ainda mais difícil, pelo longo tempo em que ele
pode se manifestar (até 40 anos após a primeira exposição) (SINDPETRO,
idem).
Como já existem tecnologias de substituição do amianto nas células
eletrolíticas, como a tecnologia de membranas não permeáveis de troca
iônica, por exemplo, a resistência na sua substituição, pelos interesses
econômicos existentes, tanto nas indústrias de mineração quanto nas próprias
indústrias que o utilizam nas suas instalações como é o caso da Braskem,
leva-nos a um último questionamento fundamental: como defender a vida
(Lagoa Viva) se a empresa não respeita a saúde do trabalhador, sendo
responsável por sofrimentos posteriores a uma vida de trabalho, momento em
que esse deveria descansar da exploração capitalista? O amianto, que ficou
conhecido como “a catástrofe sanitária do século XX” é hoje, um dos
principais fatores danosos à saúde e ao meio ambiente, enfrentados pelos
trabalhadores dessa indústria.
A problemática do amianto nos remete a sentidos ideológicos anteriores,
como a história do ambientalismo alagoano, permitindo o contraponto
ideológico ao dito Lagoa Viva. O adjetivo “viva”, presente nas siglas que
estamos abordando, possibilita um conjunto de paráfrases que se inicia ainda
durante o acontecimento histórico de acidentes ambientais. Estes acidentes
impulsionam a formação de um movimento social ambientalista que trouxe os
sentidos do viver, em sua luta e sua sigla (Movimento Pela Vida – MOVIDA),
reapropriados e distorcidos pela empresa e seu programa de EA, com o
slogan Lagoa Viva. No entanto, mesmo a empresa se apropriando de um
discurso em defesa da vida, típico do movimento ambientalista e da Educação
Ambiental históricos, este discurso não impede a irrupção de significações
que desmentem/desmascaram a defesa de uma lagoa viva, caso do confronto

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com o discurso do Sindpetro. Desmentir, teria o sentido de que o Programa
Lagoa Viva defende a lagoa viva diferentemente de sua origem ambientalista,
portanto, este não poderia defender a lagoa viva verdadeiramente. Dessa
forma, podemos perceber que é possível retomar a memória em defesa da
vida, por fora da formação discursiva ambiental empresarial, correspondente
à formação ideológica neoliberal (posição discursiva que se encontra e
Empresa e o ILV), e assim resgatar nos dizeres, o acontecimento histórico do
ambientalismo radical alagoano, a partir de paráfrases que nos trazem
sentidos atuais em defesa das lagoas.
FIGURA 1 – A luta sindical pela vida.

Fonte: cartilha do SINDPETRO AL/SE: CAMPANHA PELO
BANIMENTO DO AMIANTO. TRABALHAR SIM MORRER NÃO.
A atualidade dos sentidos de vida são reavivados pela luta de classes,
organizada pelos trabalhadores, quando estes dizem não à morte no trabalho
e clamam em sua campanha pelo banimento do amianto. A frase “A NOSSA
LUTA É PELA VIDA!”, bem como outras que já citamos, marca uma

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atualidade histórica que remete ao passado. Para Pêcheux (2006) o discurso
é estrutura e acontecimento, sendo esse último o ponto de encontro entre
uma atualidade e uma memória.
A frase que destacamos da cartilha do sindicato, “a nossa luta é pela
vida”, permite um movimento parafrástico de sentidos de retorno a um dito
(Movimento Pela Vida), esquecido pela Educação Ambiental Lagoa Viva, e
retomado pelo movimento dos trabalhadores na luta contra o amianto. A
Paráfrase, como salienta Moreira (2010, p.56) “se coloca como um processo
de efeitos de sentidos, produzidos no movimento interdiscursivo do dito, com
o já dito em algum lugar, e recuperado, reformulado e ressignificado pela
memória”.
Figura 2 – Foto de manifestação do histórico Movimento Pela Vida.

Fonte: Tribuna de Alagoas, 1986. Reproduzido de Vieira (2003, p.
175).
Retomando Bakhtin/Volochínov (2010, p.67) e a compreensão de que
“todo corpo físico pode ser percebido como símbolo”, pode-se dizer que o que
é um ambiente natural, a lagoa, torna-se signo ideológico de um projeto
empresarial, mas não só, esse signo ideológico é carregado de sentidos por

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outro signo ideológico – viva, que reflete e refrata sentidos específicos.
Recorremos mais uma vez a Bakhtin/Volochínov (idem, ibidem): “a palavra
revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva
das forças sociais”. Nesse sentido, podemos inferir que o título Lagoa Viva
remete a uma relação de forças sociais envolvidas com a problemática
ambiental das lagoas, que se iniciaram na década de 80, com conflitos de
classes que se diluíram e retornam de maneira distorcida em sentidos
ideológicos lançados através de um projeto de EA da mesma empresa
causadora dos danos ambientais.
O signo “viva” remete, portanto, às ações da empresa que,
supostamente, contribuiria para manter a lagoa viva e não deixá-la morrer.
Estamos diante, então, de uma Educação Ambiental puramente retórica, ou,
melhor dizendo: cínica. Essa Educação Ambiental não poderá tratar da
história tal como tratamos, pois negaria a si mesma enquanto projeto
ideológico

conservador.

Discutir

a

trajetória

poluidora

da

empresa

Salgema/Braskem, pela própria empresa, seria um “tiro no pé”, ou melhor, um
suicídio para o projeto PLV/ILV. A acusação que fazemos ao grupo
empresarial pela morte das lagoas, retomando sentidos lançados pelo
movimento ambientalista nascente, não pode fazer parte da formação
ideológica, nem de qualquer formação discursiva formulada a partir deste
projeto. A história do ambientalismo em Alagoas, é apagada dos
pressupostos político-pedagógicos da Educação Ambiental analisada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destacamos para este artigo sentidos de vida trazidos pelo signo Lagoa
Viva da Educação Ambiental empresarial em Alagoas. O confronto histórico
com a problemática ambiental em sua forma crítica, radical, nos permitiu
lançar olhares contrários a uma Educação Ambiental que defende a vida.
Assim foi possível negar a tendência de enxergar o discurso de EA em

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questão como positivo. Apenas o confronto do discurso com a história pôde
trazer elementos que permitiram problematizar esta positividade.
Entendemos

que

uma

Educação

Ambiental

que

se

pretenda

transformadora e defenda a vida dos ecossistemas ligados as lagoas
alagoanas deve negar a neutralidade na luta pelo “verde” e romper com as
ações educativas que não questionam a destrutividade do capital. E isto só
pode ser feito por fora e contrário ao Programa de Educação Ambiental Lagoa
Viva (PLV/BRASKEM).
REFERÊNCIAS
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DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO. Projeto de
levantamento
ecológico
e
cultural
da
região
das
lagoas
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Paulo: Hucitec, 2010.
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Disponível
em:
http://cptalagoas.blogspot.com.br/2009/09/agrocombustiveis-energialimpa.html. Acesso em : 10 de Fev. 2013.
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p. 591
ISSN 1981-3031
Vol. 01

O MAPA E A BÚSSOLA: instrumentalidades metafóricas na
pedagogia do problema em Michel Fabre
Ibrahim Camilo Ede Campos
icec.campos@gmail.com
RESUMO: O artigo apresenta a pedagogia do problema em Michel Fabre,
modelo de normatividade educacional centrado na experiência. A
problematização dessa experiência articula dois instrumentos de orientação,
metaforicamente representados na bússola e no mapa, como tentativa de a
educação responder aos desafios de um mundo problemático. O mapa
representa o construto histórico-cultural, os saberes construídos pela
humanidade. A bússola representa a abertura e polarização do espaço
cognitivo na organização da experiência. A educação assume o papel de
fornecer ao aluno esses dois instrumentos, auxiliando-o na busca e
construção de seu próprio caminho a partir de uma razão educativa
prudencial e não injuntiva.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da educação – Pedagogia e educação –
Sistemas pedagógicos.

1 INTRODUÇÃO
Filosofar sobre um objeto determinado e delimitado como a educação
implica buscar comprender o fundamento maior às práticas que dela resultam.
Aspiração à globalidade ou à unidade do saber, questionamento de
respostas (e do próprio questionamento), descomprometimento com o
imediatismo e imersão nas obras do passado para reconstituir problemas e
apontar possíveis caminhos são notas distiintivas dessa prática reflexiva
(COMTE-SPONVILLE, 2002, p. 14).
A filosofia, ademais, não visa a acumular ou a produzir saberes (tal o
objetivo das ciências) (MEYER, 2010, p. 10), mas a refletir sobre esses
saberes (COMTE-SPONVILLE, 2012, p. 21), buscando explicações de maior
abrangência, com sentido global face às particulares de cada fenômeno, pena
de estas ficarem sem referências, desbussoladas.

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Nessa medida, a filosofia da educação, define-a Reboul (2016, p. 3), é
“antes de tudo uma interrogação; não um corpo de saberes, mas um
questionamento de tudo o que nós sabemos ou cremos saber sobre a
educação”, um questionamento radical (essencial) e vital, já que distanciado
da estrita especulação teórica, ou seja, também afetado à prática, conforme
se evidencia na literatura (OZMON; CRAVER, 2004, p. 20; LUCKESI, 2011, p.
45). Afinal, filosofar é pensar a vida e viver o pensamento (COMTESPONVILLE, 2006, p. 17).
Sem um ethos único, sem transcendências nem referências morais
unívocas e absolutas, em um ambiente de intensas e rápidas mudanças em
diferentes sistemas que permeiam a vida social (tecnológico, político,
educacional, jurídico, econômico, familiar, cultural...), as certezas que regiam
as sociedades tradicionais cedem para a problematicidade. Mesmo as as
respostas emergidas das ciências logo se transformam em questões
(MEYER, 2010, p. 3).
Deflui dessa contemporaneidade uma ausência de obviedades, de
certezas, somando-se a isso, nessa perspectiva, o fato de não haver, em um
primeiro momento, nem mesmo uma ordem ou critério seguro capaz de
legitimar determinada orientação em detrimento de outra (FABRE, 2011, p. 8).
Um mundo problemático (ou pós-moderno) pressupõe falta de
estabilidade, obstando respostas monolíticas, a sugerir, sim, referências,
orientações (FABRE, 2011, p. 8). “Viver e educar sem absoluto”, tal a
metomínia que o título de artigo de Michel Fabre expressa em sua obra de
conjunto (FABRE, 2016, p.41).
Como teorizar essa problematicidade no campo da educação?
Objetiva-se apresentar algumas linhas do pensamento de Michel Fabre,
articuladas no âmbito de uma pedagogia do problema que dialoga
fecundamente com epistemologias de autores como John Dewey (18591952), Gaston Bachelard (1884-1962), Giles Deleuze (1925-1995) e Michel
Meyer (1950 -).

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Fabre adstringe-se a uma concepção de normatividade educativa
centrada na experiência, em que dois instrumentos geográficos, a bússola e o
mapa, são metaforicamente explorados como tentativas de a educação
responder aos desafios de um mundo probemático.
2

PROBLEMATIZAÇÃO

DA

EXPERIÊNCIA

E

NORMATIVIDADE

EDUCACIONAL
2.1 ENQUADRAMENTO EPISTEMOLÓGICO
Pode-se apontar três esquemas de legitimação na educação: imitar,
seguir a natureza e avaliar a experiência. O primeiro reflete um ethos
estatizante dos valores, daí o tempo conservá-los, daí o ensino promovê-los
mimetizando o passado (FABRE, 2011a, p. 57). “É assim porque sempre foi”,
apela a tradição.
O segundo esquema de legitimação, ganhando frente no tempo em
relação ao primeiro, é o de seguir a natureza, exemplificado por Rousseau em
Emílio (1762), ideia reguladora sabiamente expressa nas fases da infância
(FABRE, 2011a, p. 59-60).
O terceiro centra-se na história, como alternativa concreta à
contemporaneidade.

Não

em

perspectivas

totalizantes

da

educação,

deslizando sobre o fio da história, como em sistemas filosóficos modernos,
mas em uma perspectiva centrada na filosofia da experiência (FABRE, 2011a,
p. 61), distanciada das correntes pedagógicas clássica e tecnicista,
guardando proximidade com a corrente inovadora.54
54

A corrente pedagógica clássica privilegia o conteúdo em detrimento do modo de transmitir
esse conteúdo (REBOUL, 2016, p. 54), submetendo o desejo de aprender à necessidade de
aprender, mediante transmissão, os saberes acumulados (REBOUL, 2016, p. 55). A segunda
corrente, funcional ou tecnicista (instrumental), privilegia a exatidão, o controle rigoroso e a
eficácia dos resultados (REBOUL, 2016, p. 54). Centra-se sobre os objetivos-meios, sobre os
objetivos-fins e sobre o controle dos resultados na educação. Sobrepõe a mensurabilidade, o
controle, a previsibilidade - articulada em forte encadeamento operacional - ao qualitativo, à
liberdade, à indeterminabilidade exata dos resultados (REBOUL, 2016, p. 62). Em uma

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Para Fabre, as funções ínsitas à educação, quais sejam, de proteção,
estruturação, transmissão e emancipação (2011b, p. 117) não podem ser
desenvolvidas,

em

um

mundo

problemático,

em

normatividades

educacionais baseadas na mimese ou na natureza.
É a partir da regulação ou organização da experiência, topos
privilegiado no pensamento de Fabre, que se vai encaminhar uma
normatividade educacional não injuntiva, prudencial, em que a retórica
prevalece sobre a submissão do aluno ao professor, conferindo-se maior
importância ao primeiro no sentido de se promoverem

relações menos

assimétricas (FABRE, 2011b, p. 117).
2.2 NORMATIVIDADE EDUCACIONAL E ORGANIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Se não há direções seguras, tampouco únicas, a serem apontadas,
seja pelo pano de fundo já apresentado, seja pela individualização e
subjetivação do aprendizado, manifestado na experiência “como processo de
transformação autoregulado” (FABRE, 2011a p. 62-63), cabe à educação,
diante desse mundo problemático, não direcionar o aluno, mas fornecer
instrumentos de referência (FABRE, 2011a p. 63), metaforizados na bússola e
no mapa, para que ele, por si próprio, escolha e siga seu caminho (FABRE,
2011b, p. 117).
Como se organiza essa experiência? Fabre remonta ao pensamento de
Dewey, para quem essa experiência não deve ser organizada unicamente de
modo exógeno; deve ser valorizada a subjetividade, os projetos e problemas
do sujeito (FABRE, 2011a, p. 66) e, a esse reepeito, não há transponibilidade
intersubjetiva.

palavra: sobrepõe a tecnicidade à eticidade.
A terceira corrente, inovadora, parte das
experiências e vontades da criança, busca adaptar o conteúdo a ser ensinado aos educandos
(REBOUL, 2016, p. 54). Eleva o desejo de aprender, enaltece a espontaneidade, o potencial
da criatividade e descresce o valor da impositividade no ensino desses saberes (REBOUL,
2016, p p. 55), do enfoque sobre respostas a questões que não foram geradas pelos
educandos.

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Tampouco unicamente de modo endógeno (FABRE, 2011a, p. 66), já
que comprender o sentido ético (ethos) da vida não é dispensável ao
autoconhecimento. A rigor, poder-se-ia mesmo perguntar se seria possível
uma separação do sujeito da morada da qual faz parte, não significando,
todavia, uma redução da parte ao todo, do indivdual ao coletivo.
Dewey propõe que essa experiência deva ser modulada, por meio
programas escolares que sejam concebidos não em si, mas como elemento
referencial, objetivo, à semelhança de um mapa, na construção da
subjetividade (DEWEY, 2004, p. 72 apud FABRE, 2011a, 67-68).
E o que vale a pena ser problematizado na educação? Nesse âmbito,
Reboul (2016, p. 108), guarda fortes semelhanças com o pensamento de
Dewey. O que vale a pena ser ensinado no âmbito dos saberes escolares experenciado, poder-se-ia dizer - é, no aspecto social, aquilo que une, que
integra, a longo termo, a pessoa a uma comunidade que seja tanto maior
quanto possível.
O que vale também ser ensinado é, no aspecto individual, o que libera,
ou seja, é o que: a) aprendido, pode ser transferido para outras situações de
vida, balizando futuras experiências; b) faz agir a partir desse ensino,
desprendendo-se daquilo que o tolhe (REBOUL, 2016, p. 110-111).
O terceiro critério é a alegria de se aprender, o que une o valor do rigor
(a exigir um juízo de adequação, proporção e autocrítica) ao valor da graça
(descentramento do cálculo, o sentimento de satisfação espiritual de se ter
aprendido um saber, de acrescer a si mesmo) (REBOUL, 2016, p. 113), como
enaltecimento da plasticidade de ser e de agir .

3 O LOSANGO DA PROBLEMATIZAÇÃO: AS FUNÇÕES DE BÚSSOLA E
DE MAPA
A organização da experiência em um mundo problemático é
representada metaforicamente pelo losango da problematização, onde se

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articulam a função de bússola e a função de mapa, instrumentos que
possibilitam a orientação do aluno nesse mundo problemático.
Afinal, o que é problematizar, quais suas características e obstáculos?
E como se articulam as duas funções no referido losango? Há entre elas uma
relação de dispensabilidade recíproca ou de precedência? Ou trata-se de uma
relação de complementaridade inafastável e fulcral para prover o aluno da
instrumentação necesária?
3.1

PROBLEMATIZAÇÃO:

CONCEITO,

CARACTERÍSTICAS

E

OBSTÁCULOS
A organização da experiência em um mundo problemático é
representada por um “losango da problematização” (FABRE, 2011a, p.68),
com a função de bússola e a função de mapa.
Problematizar é “desenvolver um questionamento buscando identificar
os dados e as condições do problema e os colocar em tensões” (FABRE;
MUSQUET, 2009, p. 113).
Os dados e as condições concernem ao posicionamento e à
construção do problema (FABRE; MUSQUET, 2009, p.113). Os primeiros,
apresentados pelo aluno ou professor, no início ou ao longo do processo,
constituem escolhas, devido à pertinência ou adequação às condições. São
proposições de fato objetivas, que constrigem, como a área, cor ou volume de
um objeto (FABRE; MUSQUET, 2009, p. 113).
Por sua vez, as condições, aduzem os referidos autores, “concernem
aos critérios, aos princípios, aos conceitos que comandam o processo de
problematização. São necessidades que se deve absolutamente ter em conta
na construção e na resolução do problema” (FABRE; MUSQUET, 2009, p.
113), conforme será desenvolvido no item 3.2 deste trabalho.

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Da articulação dos dados e das condições surgem hipóteses de
soluções, a serem validadas ou infirmadas posteriormente (FABRE;
MUSQUET, 2009, p. 113).
Quatro características do processo de problematização podem ser
elencadas. Trata-se, com efeito: a) de um processo multidimensional, como
seja, de posição, construção e resolução de problemas, sem haver entre eles
uma única ordem sequencial, nada impedindo, por exemplo, a reformulação
de problemas revisitando-se dados e condições, tudo isso em uma dialética
de fatos e ideias, experiências e teorias; (b) de uma dialética entre o
conhecido e o desconhecido (sem pontos de referência - provisórios - não há
como problematizar); (c) de um pensamento informado por critérios
normativos (morais, técnicos, jurídicos...), já construídos ou por serem
construídos, que delineiam ou enquadram a problematização; e (d) de uma
“esquematização funcional do real” (FABRE; MUSQUET, 2009, p. 113), sem
pretensão de reproduzi-lo em inteireza, buscando-se, antes, construir
ferramentas para pensar e agir nesse processo (FABRE, 2009, p. 28-29).
Sobre os obstáculos à problematização, pode-se compreendê-la
negativamente, por meio do escamoteamento: a) da dimensão positiva na
qual pode se inserir, de investigação, de reflexão, de abertura àquilo que as
respostas fecham; b) do problema, recorrendo-se apressadamente a soluções
fáceis.
Pode-se,

ainda,

obstaculizar

a

problematização

por

meio

da

assimilação do espaço-problema (o losango) e sua polarização a uma
totalidade do real que se não pretende cobrir, sem discernir os dados e as
condições do problema (FABRE, 2011a, p. 72).
Estes obstáculos guardam estrita relação com a reificação dos
saberes. Desde o início da história da filosofia, a resposta oculta a questão,
que, no entanto, é sua razão de ser (MEYER, 2010, p. 9), parecendo a
primeira ter valor em si mesma (FABRE, 2007, p. 72).

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O esquecimento do problema que engendrou a resposta traz a ilusão
de que essa revela-se sem mediação do problema, como se fosse evidente,
exemplifica Fabre, “de toda a eternidade, que a Terra gira em torno do sol,
que as trajetórias dos planetas sejam elípticas, ou ainda que as estações
sejam devidas à inclinação da Terra sobre o eixo do eclíptico” (FABRE, 2007,
p. 72).
Os saberes como respostas, sem que sua gênese, as perguntas, se
revele na sua inteireza, ensejam uma sorte de reificação dessas respostas,
dos resultados, vale dizer, uma descontextualização do questionamento que a
engendrou (FABRE, 2011b, p. 114), ou ainda uma separação dessas
respostas do tronco vital do qual elas se serviram, ensinando-se os saberes
sem problemas, como se fossem evidentes, impondo-se neutralmente diante
do alunado.
Entre a gênese do saber e a sua aplicação prática - contextos de
problematicidade -, a escola, por não estar em nenhum desses dois locus,
captura esse saber no estágio intermediário, entre dois processos de catálise,
parecendo

esse

saber

subsitir

em

si,

neutro,

manutenido

porém

descontextualizado por meio de um enrijecimento conceitual a ponto de se
coisificar em fatos inquestionáveis, desvinculando-o da empiria da qual
ganhou vida (FABRE, 2007, p. 72).
Aponta-se, assim, a necessidade de se contemplarem três dimensões
pedagógicas do problema: a) gênese histórica, b) corporificação teórica e c)
abertura a novos problemas (FABRE, 2007, p. 73).
3.2 A BÚSSOLA COMO METÁFORA DA POLARIZAÇÃO DO ESPAÇO
COGNITIVO DA PROBLEMATIZAÇÃO
A bússola representa a abertura e a polarização do espaço cognitivo
em condição, dados, problema e solução (FABRE, 2011a, p. 69). É o
“processo de problematização que abre seus próprios pontos cardinais”
(FABRE, 2011b, p. 108).

p. 599
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Nas palavras do citado autor, ela “não dita a direção, ela apenas
polariza o espaço para que o viajante possa determinar sua rota. O uso da
bússola se impõe em um espaço fluido para o qual todas as direções se
equivalem (FABRE, 2011a, p. 63).
Vale dizer, a bússola não aponta qual caminho seguir, apenas
possibilita orientações.
No losango da problematização, cada uma das extremidades dos
quatro pontos cardinais tocam, internamente, as extremidades desse
quadrilátero: o oeste (problema), o leste (a solução), o norte (as condições) e
o sul (os dados), conforme figura abaixo.
Figura 1 – Losango da problematização
NORTE
Condições

OESTE
Problema

LESTE
Solução

SUL
Dados

Fonte: adaptado de FABRE, 2011a, p. 69.
Fabre exemplifica tal representação a partir da obra “A volta do mundo
em 80 dias”, de Júlio Verne (1828-1905): o problema de dar a volta ao mundo
em 80 dias, a solução dos itinerários possíveis, a condição da continuidade
espaço-temporal, os dados das redes e horários (FABRE, 2011a, p. 69).
3.3

O MAPA COMO REPRESENTAÇÃO DO CONSTRUTO HISTÓRICO-

CULTURAL NO PROCESSO DE PROBLEMATIZAÇÃO

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Uma bússola sem mapa, sem representação do território por onde se
vai percorrer, não tem interesse (FABRE, 2011a, p. 74).
O mapa metaforiza a descrição das experiências passadas, as trilhas
já percorridas pela humanidade (individualmente, pelo educador) ao longo de
sua história, os percalços, as sinuosidades, a claridade ou obsucirdade dos
caminhos, servindo como pontos de referência (FABRE, 2011a, p. 74).
Representa o que já se construiu no passado, os saberes desvelados
na senda histórica, os itinerários já percorridos, explorados em maior ou
menor medida, os saberes construídos nos costumes, na família, no direito,
nas ciências, na arte, nas culturas em sentido amplo.
Oferece o mapa, portanto, ainda que parcialmente, os dados e as
condições do problema, este, insiste-se, como algo individual (FABRE, 2011a,
p. 74-75). A problematização pressupõe esse legado cultural para não
“funcionar no vazio” (FABRE, 2011a p. 83).
Articulando referências, cabe, ainda, citar Fabre:
se se extrapola a questão da orientação e da condução da
experiência, a problematização exige uma diferenciação subjetiva (é
o meu projeto, meu problema), uma função de ancoragem
(localização), uma função referencial (esquematização do real). O
mapa é a ferramenta que articula todos esses balizamentos”
(FABRE, 2011b, p ).

A experiência singular não é ditada pelo mapa; este apenas representa
o complexo cultural, os percursos já trilhados pela humanidade, permitindo ao
aluno “inscrever sua problemática subjetiva sobre o horizonte de uma
problemática cultural que enuncia o que vale, o que importa, o que é
significativo em uma cultura determinada” (FABRE, 2011a, p. 78).
À escola cabe atualizar o mapa, modificá-lo de acordo com as
transformações da paisagem, das trilhas e das ações que o tempo e a história
humana lançarem sobre esse mapa.

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3.4 ARTICULAÇÕES ENTRE O MAPA E A BÚSSOLA
As duas metáforas significam uma orientação que não se dá no plano
da imperatividade. Trata-se de entregar ao aluno uma bússola e um mapa
para que ele trilhe seu próprio caminho, na busca e na construção de si
próprio (FABRE, 2011a p. 48).
Em ambas, há liberdade para o sujeito escolher qual direção seguir e
qual caminho trilhar, apoiando-se na autoridade não para se sujeitar à
normatividade que dela emana, mas para se aconselhar, receber sugestões,
com base na experiência, na prudência do professor, entendida a última como
sabedoria prática, ou seja, como “o conhecimento daquilo que se deve
procurar ou evitar” (CÍCERO, 1996, p. 73-74), em determinada situação; o
bom senso a serviço de uma boa vontade (COMTE-SPONVILLE, 1995, p. 3839).
Aconselhar, quanto ao educador, requer não autoridade, mas
respeitabilidade. Quanto ao aluno, trata-se não de obrigação, mas de
faculdade. Tocante às consequências do descumprimento, em sede de
conselho, elas recaem sobre aluno, diferentemente do que ocorre quando se
trata de ordem imperativa (BOBBIO, 2006, p. 183-185).
Além das funções de localização e de direcionamento, a referência
associa-se à função de demarcação, ou seja, ao estabelecimento de limites,
de modo a evitar uma ruptura da linha demarcatória conducente à
imprudência e à desmesura, no sentido individual e interindividual (FABRE,
2011a, p. 44-45).
Para Fabre, é a autoridade educativa a quem cabe fazer a dosagem, o
quantum de dúvidas a serem estimuladas no processo de aprendizagem pelo
aluno, de modo a delinear o que é favorável ou prejuducial ao aprendizado
(FABRE, 2011b, p. 116), buscando induzir a problematização junto ao aluno e
estruturar o espaço cognitivo em problemas, condições, dados e soluções
consequentes (FABRE; MUSQUER, 2009, p. 112-113).

p. 602
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As articulações entre a bússola e o mapa refletem uma condição de
transmissão em que o a ação do educador, a rigor, não modela a experiência,
mas constitui um “ponto de dilatação” dessa experiência (DEWEY, 1968, p.
123 apud FABRE, 2011a, p. 66).
Ao educador cabe, pela experiência, “ensinar no condicional”, imbuído
de prudência: se se optar por tal caminho, pode se deparar com tal situação,
pode haver bifurcações, aclives, declives, retas ou sinuosidades. Ao aluno
cabe escolher o caminho a seguir.
Aprender a escolher, não definir aprioristicamente o que é melhor
(REBOUL, 2016, p. 122). Para Reboul, apesar de haver vários critérios para
aferir se uma educação é bem-sucedida, “o principal é que ela seja
inacabada, que ela forneça ao sujeito os meios e o desejo de buscá-la, de
fazer disso uma autoeducação” (REBOUL, 2016, p. 122).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de um mundo problemático, em que há uma pluralidade de
valores - alguns inconciliáveis - a impedir o estabelecimento de um sistema
de referências seguro que prevaleça sobre outros sistemas, não se há de
seguir um modelo de normatividade educacional injuntivo.
Fabre adota um esquema de legitimação na educação voltado para
uma pedagogia do problema, para uma uma problemática que estrutura a
experiência (FABRE, 2011a, p. 65), topos nuclear no processo de
aprendizagem do aluno.
O processo de problematização dessa experiência é articulado,
metaforicamente, em dois instrumentos geográficos: a bússola, que abre e
polariza o espaço cognitivo em dados, condições, problema e solução; e o
mapa, como representação do iter histórico-cultural já percorrido pela
humanidade, oferecendo os dados e as condições do problema.

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Na articulação de ambos os instrumentos, não há qualquer
imperatividade nesse processo de aprendizagem. Ao aluno cabe trilhar o seu
próprio caminho, provido de uma bússola e um mapa, auxiliado pelo
professor.
Um dos desafios nesse processo está em identificar os instrumentos ou
os indutores da problematização que o professor pode utilizar na experiência
do aluno, em outras palavras, como pôr em prática essa pedagogia do
probema.
Nesse ponto, não há direções únicas nem critérios rígidos a serem
construídos pelo professor ou a ele sugeridos. A organização da experiência
em um mundo problemático não deve ser realizada exclusivamente de modo
endógeno ou exógeno, mas em um ambiente de colaboração, enriquecido de
dialogias em detrimento de injuntividades.
5 REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São
Paulo: Ícone, 2006.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres. São Paulo: Martins Fontes: 1996.
COMTE-SPONVILLE, André. La philosophie. Paris: PUF, 2012.
_____. O amor a solidão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_____. Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
_____. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
DEWEY, John. L’école et l’enfant. Paris: Fabert, 2004.
_____. Expérience et éducation. Paris: Armand Colin, 1968.
FABRE, Michel. Vivre et éduquer sans absolu. Le Télémaque, nº 50, p. 41-46,
2016.
_____. Éduquer pour un monde problématique. Paris: PUF, 2011a.

p. 604
ISSN 1981-3031
Vol. 01

_____. Est-il possible d'éduquer dans un monde problématique? Revue
internationale de philosophie, nº 257, p- 97-118, 2011b.
_____. Qu’est-ce que problématiser ? Genèses d’un paradigme. Recherches
en Education, nº 6, p. 22-32, 2009.
_____. Des savoirs scolaires sans problèmes et sans enjeux. La faute à qui ?
Revue française de pédagogie, nº 161, p. 69-78, 2007.
FABRE, Michel; MUSQUER, Agnès. Les inducteurs de la problématisation.
Les Sciences de l'éducation - Pour l'Ère nouvelle, v. 42, p. 111-129, 2009.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. 3 ed. São Paulo: Cortez,
2011.
MEYER, Michel. La problématologie. Paris: PUF, 2010.
OSMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da
educação. 6 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
REBOUL, Olivier. Philosophie de l’éducation. Paris: PUF, 2016.

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SER CRIANÇA, SER BRINCANTE: reflexões sobre o brincar na
educação infantil
Michaelly Calixto dos Santos
michaellycalixto@outlook.com
Priscila Gomes dos Santos
priscilagomes142@gmail.com
Sayarah Carol Mesquita dos Santos
sayarahcarol@hotmail.com
RESUMO: O brincar é considerado como vital no processo do
desenvolvimento cognitivo, físico, afetivo e social das crianças na infância e
que as práticas brincantes devem não ser apenas legitimadas e
compreendidas como fundamentais na formação das crianças, mas
principalmente efetivadas nas ações pedagógicas dos professores e das
instituições de Educação Infantil. Para isso, a discussão é construída por
autores como Pilleti (2013), Filipe (2001), além dos pressupostos
vygotyskianos e walonianos. É preciso desmistificar a ideia de que a
brincadeira é algo sem funcionalidade em relação às atividades
escolarizantes na educação infantil, que infelizmente ainda ganham um
destaque maior e que são praticadas e valorizadas por professores e pais em
detrimento das brincadeiras. As brincadeiras, portanto, são um lócus de
socialização de cultura e de identidade de um povo, pois são nelas que as
crianças interagem, socializam seus conhecimentos culturais, sociais e
políticos de seu grupo pertencente e, além disso, elas se expressam. Neste
sentido, não se pode descontextualizar as brincadeiras da cultura de um
povo, pois elas estão imbricadas. Destaca-se, portanto, a legitimidade e
importância da brincadeira às crianças, sobretudo na Educação Infantil, sendo
uma temática séria, complexa, que requer olhares sensíveis ao debate, seja
do professor da Educação Infantil, seja dos pais e/ou responsáveis, seja das
instituições de Educação infantil, a garantir o direito do brincar às crianças. A
criança é ser brincante e a Educação Infantil é o lócus dessas manifestações
humanas, culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Criança – brincadeira – Educação Infantil.

1 INTRODUÇÃO
Este artigo é um recorte acerca das reflexões sobre a brincadeira na
Educação

Infantil

e

sua

importância

essencial

no

processo

de

desenvolvimento integral das crianças. Tais reflexões são decorrentes da

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disciplina de Estágio Supervisionado II na área de Educação Infantil, cursada
no sexto período do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL). Estas reflexões, por sua vez, são mediadas pelos momentos
concretizados na pesquisa, observação e ações realizadas no campo de
estágio.
O brincar é considerado como vital no processo do desenvolvimento
cognitivo, físico, afetivo e social das crianças na infância e que as práticas
brincantes devem não ser apenas legitimadas e compreendidas como
fundamentais na formação das crianças, mas principalmente efetivadas nas
ações pedagógicas dos professores e das instituições de Educação Infantil.
Para isso, a discussão é construída por autores como Pilleti (2013), Filipe
(2001), além dos pressupostos vygotyskianos e walonianos.
Diante disso, o artigo está estruturado em dois momentos essenciais
de reflexão: a discussão sobre a criança e o seu processo de
desenvolvimento; e a importância do brincar na Educação Infantil.
2 SER CRIANÇA: considerações sobre seu desenvolvimento
No artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(9394/96) constitui que a Educação Infantil como a primeira etapa da
educação básica, “tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança
de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996).
Podendo ser ofertada em creches e pré-escolas, conforme posto também nas
DCNEI (BRASIL, 2009). Diante destes marcos normativos, podemos perceber
que a educação infantil é uma etapa da educação básica que se diferencia
das demais pelo fato de abranger o processo de formação e desenvolvimento
das crianças mediante práticas e concepções globais na totalidade que a
criança é, e não em uma parte fragmentada, desvinculada, resguardadas as
especificidades etárias do grupo de crianças que atende.

p. 607
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Tomando como perspectiva teórica a psicologia histórico-cultural podese perceber que o desenvolvimento do sujeito é mediado pela ação humana
na

interação,

ou

seja,

o

social

tem

um

peso

imprescindível

no

desenvolvimento humano, e é a partir dessa relação que o sujeito se
humaniza, subjetiva-se (PILETTI, 2013).
Tal prisma teórico baseia-se nos pressupostos defendidos por
Vygotsky (apud FILIPE, 2001), o qual considera a significativa importância do
social à humanidade, ou melhor, ao processo de desenvolvimento. É deste
modo que o teórico considera esse processo, portanto, não atribuem fases de
desenvolvimento, pois percebe que essa relação é fortemente mediada pelo
cunho cultural e social, e assim, não uniforme, progressivo etc.
As conceituações trazidas pelo autor acerca do desenvolvimento
humano se situam na zona de desenvolvimento proximal, onde o sujeito
“transforma” os saberes existentes e consolidados em saberes que poderão
ser potencializados no concreto.
Tomando como princípios a ontogênese e a filogênese, o primeiro
dizendo respeito ao estágio de desenvolvimento do sujeito rumo ao homem
adulto cultural, isto é, a história individual influenciada pela social; e o
segundo dizendo respeito à transformação gradativa do homem primitivo ao
homem cultural moderno (Ibidem).
É nesse sentido que aqui se concorda com a perspectiva ratificada por
Vygotsky (Ibid.), sobretudo por considerar a importância da dimensão
sociocultural no desenvolvimento do ser humano.
Porém, dentre as correntes teóricas que versa a temática, concepções
walonianas, vygotskyanas, etc., apesar de não compreender que o
desenvolvimento do ser humano ocorra progressivamente em fases,
padronizadas, a grosso modo, é necessário destacar a importância da
concepção que assim se atribui (em fases) que é a concepção pautada nos
pressupostos de Piaget (apud PILLETI, 2013) acerca do desenvolvimento
humano; desse modo, os contributos piagetianos instrumentalizam e auxiliam

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na compreensão dos fenômenos próprios dessa relação. É nesse sentido que
emerge a psicogênese, que compreende o desenvolvimento a partir do viés
evolutivo, das questões genéticas e externas.
Os principais conceitos trazidos pelo teórico são equilibração,
acomodação e assimilação. Equilibração ou adaptação refere-se à busca de
equilíbrio de vertente orgânica e psicológica do ser humano, ou seja, o
desenvolvimento ocorre a partir da equilibração, num contínuo esforço de
transformar as informações e conhecimentos em suas estruturas, ajustadas
se necessárias ou criadas novas estruturas devido às mudanças mentais.
Assimilação: processo alimentado pelo meio exterior, as pessoas, os objetos,
por exemplo. As situações, objetos “são assimilados a um esquema quando
se pode responder a ele usando uma aprendizagem, um conhecimento
prévio” (PILETTI, 2013, p. 69). A criança, assim, defronta-se com novas
experiências e tenta ajustar e assimilar essas novas informações às quais
possui. Acomodação: consiste em reajustar as estruturas já existentes,
transformá-las ou criar novas, de acordo com a necessidade do mundo
externo, de modo a adquirir novos conhecimentos (Ibidem).
Diante disso, os contributos devem ser reconhecidos, e nesse sentido,
discorre-se acerca das fases de desenvolvimento cognitivo, importante auxílio
a

compreender

melhor

o

desenvolvimento

das

crianças

pequenas,

principalmente.
É doravante a essas considerações que se questiona: quem é a
criança de três anos? O que lhe é específico? Segundo a perspectiva da
psicogênese a criança de três anos encontra-se no estágio pré-operacional (2
aos 7 anos de idade).
De acordo com Pilleti (2013), a criança nessa faixa etária desenvolve o
jogo simbólico, das representações, por conseguinte, apresentam-se o
desenvolvimento da linguagem, da imitação, do desenho, da dramatização,
da fantasia, dentre outros. A criança também apresenta nesse período as
indagações corriqueiras: os famosos por quês. Além disso, a criança começa

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a construir sua relação consigo mesma, ou seja, em suas condutas sociais ela
permanece em seus pontos de vista, sua ideia frente a dos outros, numa
espécie de “egocentrismo” em relação ao grupo social, pois não abstrai o
lugar no outro. Nesse estágio também a criança mesmo com a percepção
ampliada sobre a representação de objetos/situações ela é governada mais
fortemente pela percepção do que a lógica.
Diante disso, ressaltamos a importância de Vygostky (1879-1962,apud
FILIPE, 2001, p. 27), da perspectiva histórico-cultural que se compreende os
fenômenos da criança, em consonância com as contribuições trazidas por
Wallon (Ibid.), ao compreender a criança global, ou seja, a criança não
apenas desenvolvendo-se cognitivamente, mas como um todo, Wallon,
portanto, compreende a criança em sua totalidade, “contemplando os
aspectos da afetividade, da motricidade e da inteligência” (FILIPE, 2001, p.
27). De acordo com a mesma autora, partindo da premissa walloniana a
criança se desenvolve
[...] de forma descontínua, sendo marcado por rupturas e
retrocessos. A cada estágio de desenvolvimento infantil [são quatro:
impulsivo-emocional; sensório-motor; personalismo; e categorial] há
uma reformulação e não simplesmente uma adição ou
reorganização dos estágios anteriores, ocorrendo também um tipo
particular de interação entre o sujeito e o ambiente (Ibid. p. 28).

É nesse sentido que compreendemos a criança, como ser potente, rico
e holístico, em que as teorias vygotskianas e wallonianas nos ajudam a
compreender a criança em uma dimensão mais ampla. Como já citado, o
desenvolvimento infantil não pode ser “determinado”, em fases sucessivas,
constantes de desenvolvimento, se não na teoria piagetiana.
Dentro desse entendimento de criança, é necessário conhecê-la de
acordo com os pressupostos teóricos, que nos auxiliam a perceber o
desenvolvimento delas e as suas características, de modo a reconhecê-las e
respeitá-las. Desta forma, de acordo com os princípios wallonianos, pode-se
perceber certas características no desenvolvimento da criança de três anos

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(MUNDO ABC, 2017), assim, a criança está entre a fase de desenvolvimento
sensório-motor e projetivo e a fase do personalismo, cujas características são:
Características da criança de três anos
1. Investigação e exploração do espaço e da realidade exterior;
2. Andar e falar, dará subsídio ao mundo dos signos;
3. A linguagem como estruturação do pensamento;
4. Importância de aguçar a o olhar ao movimento;
5. Enriquecimento do eu e construção da personalidade;
6. Afirmação de si;
7. A necessidade de ser admirada;
8. Imitação de quem a criança admira;
9. Inteligência apoiada na atividade motora;
Fonte: Piletti.

É, portanto, de acordo com essa reflexão teórica sobre a especificidade
e

desenvolvimento

da

criança

de

3

anos

que

nos

debruçamos

especificamente sobre essa etapa da educação infantil.
2.1 O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,
2009) trazem a concepção do que é Educação Infantil e a criança, aborda as
práticas pedagógicas que devem ser realizadas, os princípios, saberes e
experiências e os eixos norteadores dessa etapa da educação básica.
Segundo as DCNEI (ibid.), a criança, como o centro do planejamento
curricular, é concebida como um sujeito histórico e de direitos, em que nas
interações, relações e práticas continuadas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, fantasia, imagina, experimenta, narra,
aprende e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura. A partir desta concepção de criança, as diretrizes apontam a
concepção de Educação Infantil, esta é concebida como a primeira etapa da

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educação básica, oferecida em creches e pré-escolas que educam e cuidam
de crianças de 0 a 5 anos de idade, no período diurno, em jornada integral ou
parcial, reguladas e supervisionadas por órgão competente do sistema de
ensino e submetidos a controle social.
Necessita-se compreender que é preciso garantir e efetivar as
brincadeiras como proposta propulsora para o processo de interação entre os
sujeitos, sendo as brincadeiras e interações os eixos norteadores da proposta
pedagógica vigente no documento que legitima a consolidação de
experiências que:
I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da
ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que
possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e
respeito pelos ritmos e desejos da criança;
II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o
progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de
expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical;
III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de
apreciação e interação coma linguagem oral e escrita, e convívio
com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos;
IV - recriem, em contextos significativos para as crianças, relações
quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais;
V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas
atividades individuais e coletivas;
VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a
elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado
pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;
VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e
grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de
identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade;
VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o
questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em
relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza;
IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com
diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas,
cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura;
X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o
conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na
Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais;
XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das
manifestações e tradições culturais brasileiras;
XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores,
computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos
tecnológicos e midiáticos (BRASIL, 2009, Art. 9°).

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É perceptível que todas essas experiências que devem ser
proporcionadas para as crianças necessitam ser mediadas pelo processo de
desenvolvimento das interações e brincadeiras. Diante disso, estas devem ser
valorizadas e garantidas nas instituições de Educação Infantil, não sendo uma
atividade corriqueira, secundária ou para “preencher o tempo livre” das
crianças, enquanto em outro tempo e espaço elas estão sendo precocemente
escolarizadas e desrespeitadas em relação ao seu direito de brincar, de viver
e se fazer nas brincadeiras. Nesse sentido, as Orientações Curriculares para
a Educação Infantil da Rede Municipal de Maceió frisam que
[...] apesar de, teoricamente, a brincadeira ser considerada como
uma atividade válida por si mesma e importante para a
aprendizagem e o desenvolvimento da criança, isso não é evidente
nas práticas educativas das instituições de educação infantil. O
valor atribuído ao ensino direto do professor e aos conteúdos
disciplinares específicos ainda é muito maior do que o valor
atribuído à brincadeira. A ideia de que as tarefas e lições são mais
importantes que as brincadeiras da criança e de que os jogos
devem ser acompanhados de um conjunto de objetivos de
conteúdos específicos é altamente compartilhada por professores e
pais. Consequentemente, a brincadeira acaba ocupando um lugar
marginal ou inferior em relação ao conjunto de atividades oferecidas
às crianças (MACEIÓ, 2015, p. 118-119).

É preciso desmistificar a ideia de que a brincadeira é algo sem
funcionalidade em relação às atividades escolarizantes na educação infantil,
que infelizmente ainda ganham um destaque maior e que são praticadas e
valorizadas por professores e pais em detrimento das brincadeiras. Para
muitos, o brincar é algo secundário, sem valor, e que as instituições
educativas devem priorizar os processos alfabetizatórios para inserir desde
cedo a criança no mundo da aquisição da leitura e escrita. Esses tipos de
práticas ainda são muitos recorrentes nestas instituições e contribuem para a
descaracterização de toda uma concepção ampla e holística do que vem a
ser a criança, a infância e seu processo de desenvolvimento.
Perante essa questão da brincadeira é preciso destacar que ela pode
ser desenvolvida em três tipos: a brincadeira como lazer, a brincadeira como
meio ou recurso pedagógico e a brincadeira como um fim em si mesmo

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(MACEIÓ, 2015). Além disso, “o brincar envolve a criança por inteiro, pois
independente do lugar em que a brincadeira aconteça, a criança não brinca
por metade, por dimensões separadas, não brinca só com o corpo, ou só com
a mente” (AGUIAR; FERREIRA, 2005, p. 87), ela brinca em sua totalidade, de
forma completa e não separada ou fragmentada. Significa afirmar que a
criança no processo da brincadeira não se constitui em partes fragmentadas,
em um momento ela brincaria a fim de desenvolver os aspectos cognitivos e
em outros momentos brincaria com a finalidade de potencializar as
habilidades físicas meramente, todavia, na atividade brincante a criança é
capaz de desenvolver diversas habilidades constitutivas do ser humano, de
forma integral.
De acordo com Borges (2001, p. 49 apud SILVA, 2011, p. 03) as
brincadeiras são “representações culturais que refletem a realidade histórica
de um momento, de um lugar, em que as significações do mostrado nos
desvendará o mapa de uma época com seus sinais opacos”. Neste sentido, a
brincadeira constitui como uma manifestação cultural de um povo em que
possui seus elementos identitários, passados e ressignificados de geração em
geração.
Silva (2011) afirma que as brincadeiras tradicionais infantis se
caracterizam por ser uma manifestação cultural de um povo, em que tais
revelam marcas, registros de experiências e de interação de diferentes grupos
sociais. São as brincadeiras que permitem identificarmos os traços históricos,
sociais e culturais de um povo, pois são nelas que a cultura de um grupo
social se manifesta.
As brincadeiras, portanto, são um lócus de socialização de cultura e de
identidade de um povo, pois são nelas que as crianças interagem, socializam
seus conhecimentos culturais, sociais e políticos de seu grupo pertencente e,
além disso, elas se expressam. Neste sentido, não se pode descontextualizar
as brincadeiras da cultura de um povo, pois elas estão imbricadas.

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Neste sentido, não é possível conceber uma experiência
pedagógica ‘desculturizada’, isto é, desvinculada totalmente, das
questões culturais da sociedade. Existe uma relação intrínseca
entre educação e cultura (s). Estes universos estão profundamente
entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a partir de sua
íntima articulação (CANDAU, 2008, p. 13).

Frente a isto, pais, educadores e instituições precisam compreender a
importância das brincadeiras na promoção do desenvolvimento e autonomia
das crianças, sendo o brincar uma atividade que contribui expressivamente
nas habilidades psicomotoras, sociais, físicas, afetivas, cognitivas e
emocionais, e elas ao brincarem expõem “seus sentimentos, aprendem,
constroem, exploram, pensam, sentem, reinventam e se movimentam”
(TEIXEIRA; VOLPINI, 2014, p. 82).
É necessário considerar que a brincadeira para as crianças não é uma
atividade qualquer, mas algo que elas levam a sério (HYPOLITTO, 2001),
com atenção e bastante interesse no ato da brincadeira, à medida que as
mesmas ao brincar, podem pensar e analisar sobre seu contexto, isto é, “a
cultura e o meio em que está inserida, discutindo sobre regras e papeis
sociais. [...] aprendendo a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, favorecendo o
desenvolvimento da autoconfiança, curiosidade, autonomia, linguagem e
pensamento” (Ibid.).
Garantir à criança o direito à brincadeira e proporcionar espaços e
condições onde se possam de fato efetivar o brincar com e para elas, devem
ser um desafio e luta cotidiana de pais, educadores, gestores, Estado e
sociedade para proporcionar esse direito, muitas vezes negligenciado ou
esquecido (MAIA; SILVA, 2013).
Diante disso, percebe-se a importância das brincadeiras em que, a
partir da apropriação lúdica das múltiplas brincadeiras existentes, promovem
a construção de diversas habilidades cognitivas, sociais, afetivas, físicas etc.,
proporcionando o desenvolvimento dos campos de experiências: 1. o eu, o
outro e os nós; 2. corpo, gestos e movimentos; 3. escuta, fala, pensamento e

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imaginação; 4. traços, sons, cores e imagens; 5. quantidades, tempos,
espaços, relações e transformações (MACEIÓ, 2015).
Assim, compreendemos também a necessidade do resgate das
brincadeiras

no

campo

que

permeia

a

nossa

identidade

cultural.

Apresentando o brincar numa perspectiva de elucidar as brincadeiras típicas
de nossa região alagoana, de nossa cultura nordestina, que pode trazer a
memória o acervo cultural de brincadeiras que muitas crianças atualmente
desconhecem em suas vivências.
Com facilidade, encontramos na contemporaneidade toda uma lógica
mercadológica embutida nas brincadeiras, nos jogos e nos brinquedos de
forma hegemônica, na qual as crianças estão perdendo pouco a pouco as
possibilidades de vivenciarem as antigas brincadeiras que favoreciam
processos de socialização, convivência, vivência, contato com o meio e a
natureza, em detrimento às brincadeiras com um cunho essencialmente
tecnológico, individual e competitivo, como aponta Ujiie (2008, p. 58) ao
entender que:
[...] estamos vivendo uma cultura de muitos brinquedos e menos
brincadeiras; muita tecnologia e pouco artesanato; muita
impessoalidade e pouco respeito à individualidade; mais solidão da
criança do que troca; uma cultura mais competitiva do que
cooperativa; uma cultura lúdica violenta, impassível, indiferente,
com medo.

É necessário libertarmos desta cultura artificial que oprime o
espontaneísmo das brincadeiras e do ser criança, ao valorizar uma cultura
individualista e competitiva que prioriza o ter do que o ser, isto é, ter os
brinquedos melhores, mais caros, mais tecnológicos. Com isso, perde-se a
essência do ser criança, a que brinca, a que cria, fantasia, imagina,
experimenta, aprende, constrói sentidos e que constrói sua identidade
pessoal e coletiva.
Neste sentido, consideramos imprescindível o resgate das brincadeiras
tradicionais, pois estas promovem a essência do ser criança, da cultura da

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espontaneidade, da coletividade, da simplicidade, da cooperação, da
ludicidade e com isso, contribui para o desenvolvimento integral da criança.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estágio é um momento importante e decisivo na graduação,
sobretudo na formação dos docentes que reflete neste trabalho. Nota-se a
importância, também por lançar olhares sensíveis para o ser criança, para o
ser brincante, consequentemente, as brincadeiras que emergem por essa
atividade constitutiva do ser humano, culturalmente construída.
E, nessa experiência, o estágio foi imprescindível e rico, possibilitando
lançar novos olhares sobre a relação teórico-prática na Educação Infantil,
assim como, emergir na cultura infantil, principalmente sobre a atividade
brincante, que pode contribuir para o desenvolvimento holístico das crianças
pequenas.
A brincadeira, portanto, é atividade fundamental ao ser humano, e que
a criança tem direito a viver as diversas atividades brincantes, desmistificando
alguns estigmas sobre o brincar, muitas vezes tolhido pelo sistema
“escolarizado” da Educação Infantil, pela perspectiva “adultocêntrica”, até
mesmo pela compreensão equivocada acerca da atividade brincante. O
brincar possibilita à criança pequena a comunicação entre ela mesma, entre
os outros, entre o lúdico, entre a fantasia e o real, dentre outros elementos.
Destaca-se, portanto, a legitimidade e importância da brincadeira às
crianças, sobretudo na Educação Infantil, sendo uma temática séria,
complexa, que requer olhares sensíveis ao debate, seja do professor da
Educação Infantil, seja dos pais e/ou responsáveis, seja das instituições de
Educação infantil, a garantir o direito do brincar às crianças.
A criança é ser brincante e a Educação Infantil é o lócus dessas
manifestações humanas, culturais.

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Nacional, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, de 20 dez. 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/
L9394.htm>.
BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, 18dez. 2009.
BUITONI, D. S. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te-Arte.
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CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática
pedagógica. In: MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. Multiculturalismo:
diferenças culturais e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
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Não-Interferência Governamental. In: História, História do Pensamento
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<https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2013/11/13/fundamentos-elimites-do-principio-do-laisser-faire-ou-da-nao-interferencia-governamental/>.
Acesso em 30 de marc. 2017.
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Piaget, Vygotsky e Wallon. In: CRAIDY, C. M.; GLÁDIS, E. K. Educação
Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
HYPOLITTO, D. Brinquedoteca. Integração: ensino, pesquisa e extensão,
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MAIA, N. S.; SILVA, M. I. Brinquedoteca: um espaço lúdico e pedagógico.
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Mundo ABC. Fases do desenvolvimento infantil (0 a 6 anos). Disponível
em <http://mundodoabc.com.br/index.php/blog/69-fases-do-desenvolvimentoinfantil-0-a-6-anos>. Acesso em 07 de mar. 2017.
PILETTI, N. Psicologia da aprendizagem: da teoria do condicionamento
ao construtivismo. São Paulo: Contexto, 2013.
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Patrimônio Imaterial. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São
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educação infantil: creche e pré-escola. Cadernos de Educação: Ensino e
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A IMAGEM DOS NEGROS NO LIVRO DE HISTÓRIA DO
TERCEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: contextos e
reflexões
Cintia Gomes da Silva
cintiagomes22@hotmail.com
Roseane Maria de Amorim
roseanemamorim@gmail.com
RESUMO: Este artigo é fruto de pesquisas que vem sendo realizadas no
Programa de Pós-Graduação em Educação. Tem como objetivo analisar as
imagens do negro no livro didático de História do 3.º ano do ensino
fundamental. Levando em consideração os aspectos referentes às matrizes
africanas, se é que vêm expostas e discutidas nesse material didático
criticamente; sabendo que a questão da diversidade cultural é algo muito
intricado no currículo escolar, principalmente quando se refere ao ensino de
História, ou melhor, quais as representações que estão sendo estudadas
pelas crianças do 3.º ano do ensino fundamental, se são contempladas ou
apenas estão vinculadas a imagens pejorativas sem nenhuma
contextualização na formação da consciência histórica desses sujeitos que
estão em construção. Analisamos e discutimos essas imagens à luz da Lei n.º
10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e da cultura africana
e afro-brasileira, comparando com os aspectos iconográficos que vêm
explícitos nesse material, ou se é apenas mais uma ilustração subalterna. Por
meio da análise realizada, vimos que os conteúdos e as imagens ainda estão
presos aos negros que só sabem tocar instrumentos, fazer comidas típicas na
perspectiva folclórica e foram escravizados, o que, infelizmente, continua
sendo difundido no livro didático.
Palavras-chave: Imagem – Negros - Lei n.º 10.639/2003 - Livro didático.
Nenhum povo que passasse por isso com sua rotina de vida,
através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente.
Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e
índios suplicados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão
possessa que os suplicou. (RIBEIRO, 2006, p. 108).

1 INTRODUÇÃO
A Lei n.º 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003, foi um avanço no
ensino de História Afro-Brasileira e Africana, no currículo de História, e
também uma das formas de tentar quebrar os paradigmas e os preconceitos
presentes nas escolas. Em si, foi uma conquista, porém é necessário ir além

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do que está posto na presente lei, isto é, não somente deter-se aos
conteúdos, mas sim trazer os elementos significativos que estão inseridos nas
representações culturais e imagéticas, que ora são contemplados nos livros
didáticos,

ora

estão

representados

sem

o

aprofundamento

e

os

questionamentos devidos. Na maioria das vezes, os livros didáticos são
utilizados e considerados como o “único” instrumento de aprendizagem pelos
docentes nas salas de aula.
Salienta-se que o livro didático é um componente curricular em que
vêm contidas histórias, vivências e realidade de diversos sujeitos da
sociedade.

Ele

traz

imagens

que

merecem

cuidados

e

atenção,

principalmente quando se referem aos negros, estes que foram banalizados,
excluídos e sofreram diversas violências desde física à psicológica.
O parâmetro inicial do presente artigo é fazer uma análise crítica sobre
as imagens dos negros que vêm circulando no livro didático de História do 3.º
ano do ensino fundamental. Surgiu o seguinte questionamento: atualmente,
será que as imagens dos negros no livro didático ainda vêm com valores
excludentes, menosprezadores, descaracterizantes que reforçam conceitos e
discriminações; ou seja, as imagens desses negros estão associadas ao
início do século XX ou à época do Brasil Colonial, ou esses conceitos foram
desfeitos? Ou ainda, caso o livro tenha rompido com esse paradigma, como
essas imagens aparecem?
Nesse contexto, há necessidade de investigar essas questões que
ainda continuam tão complexas e “escondidas” nos espaços escolares.
Assim, o livro didático, objeto de pesquisa e análise, é organizado pela
Editora Moderna,55 e faz parte do Projeto Buriti – História, 3.º ano, Ensino
Fundamental, anos iniciais. O livro Projeto Buriti-História é uma obra coletiva,

55

Editora brasileira, que edita, publica e distribui livros didáticos, material de apoio e livros de
literatura desde 1968, tendo-se tornado uma das líderes do mercado brasileiro.

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que tem como editora responsável Lucimara Regina de Souza Vasconcelos.56
Foi publicado em 2014 e constou no catálogo do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). É um livro utilizado no estado de Alagoas por diversas
escolas e professoras e professores.
Trata-se do Livro do Professor. Compõe-se de um sumário de nove
unidades (capítulos), sugestões de leitura, glossário, com 123 páginas. Assim,
explanaremos as imagens dos negros que estão contidas no material
apresentado, ou melhor, como a diversidade, história e imagem vêm sendo
apresentadas para as crianças que estão em contato com esse documento
curricular. Metodologicamente, nosso estudo é uma pesquisa qualitativa,
bibliográfica, com análise das imagens dos negros no livro didático de História
do 3º ano do Ensino Fundamental.
Dessa forma, nosso estudo analisa alguns aspectos que retratam a
invisibilidade dos negros nos livros didáticos. Após essa discussão, faz uma
análise breve do livro pesquisado. Esperamos que o estudo ajude
pesquisadoras e pesquisadores a repensar a temática em questão.
2 A (IN)VISIBILIDADE DO NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO: O QUE
PODEMOS DIZER?
Discutir sobre a etnicidade ainda é algo muito intricado no Brasil,
principalmente em um país que se diz laico e democrático, que “respeita” os
direitos coletivos e individuais, de preferência os negros, que ainda sofrem as
mais cruéis formas de discriminação e preconceito. Mesmo com o avanço que
tivemos, como a Constituição Federal, os Direitos Humanos, o Movimento
Negro (com suas histórias, conquistas e polêmicas) e a Lei n.º 10.639/2003,
ainda perduram na sociedade e especificamente nas escolas a concepção e o
conceito como o negro era visto e tratado como escravizados, servindo como
mão de obra, ou seja, para servir às vontades da classe dominante (elite).
56

Bacharel e Licenciada em História pela Universidade Federal do Paraná. Mestra em Letras
– Área de concentração em Teoria Literária pelo Centro Universitário Campos de Andrade
do Paraná.

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sempre existiu a ilusória tentativa de demonstrar que o negro, assim
como o índio, teria sido predestinado, originária e fisiologicamente,
ao trabalho e apenas ao trabalho. Seria, biológica e congenitamente
inferior, não tendo condições, portanto, para conquistar
conhecimentos nem ganhar a representação política. (SILVA, 2009,
p. 99).

Infelizmente, os negros ainda sofrem os mais diversos tipos de
violência; além da violência física, por está excluído das condições de uma
vida digna (direito a moradia, educação, saúde adequada) que nossa
Constituição garante, temos a violência psicológica e cultural. Bourdieu (2003)
chamou de violência simbólica.
A violência simbólica é essa coerção que se institui por intermédio
da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao
dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para
pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com
ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em
comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação
de dominação, fazem esta relação ser vista como natural; ou outros
termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se
avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo,
masculino/feminino, branco/negro, etc.) resultam da incorporação de
classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto.
(BOURDIEU, 2003, p. 47).

Compreenda-se que essa violência está inserida em um contexto sutil
de exclusão social e cultural, isto é, mesmo não sendo visível quando
comparada com a violência física, impõe o processo de dominação. Isso se
inicia desde cedo na formação histórica e crítica dos sujeitos que estão
inseridos na escola; trazemos como exemplo um fator que reforça essa
reprodução, o livro didático, tratado e utilizado pela maioria dos professores
como a única metodologia de ensino, e quando não, eles reproduzem
fielmente o que está nele, sem nenhuma reflexão e indagação.
Diante disso, mesmo após a Lei n.º 10.639/2003, que constituiu a
obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira, a
invisibilidade continua a permear esse material; ainda que apresentem
diversas imagens dos negros, eles vêm sendo retratados como eram no

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passado (escravidão negra no Brasil), pessoas sem nenhum valor em todos
os aspectos, seja social, seja cultural. Desmistificar para as crianças essas
concepções errôneas as levará ao conhecimento e à quebra de paradigmas,
ou seja, o contexto histórico acerca da representação social do negro no livro
didático, desfazendo, assim, essa ideologia superficializada e mascarada que
está enraizada na sociedade e se reflete nos bancos escolares.
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS IMAGENS NO MATERIAL DIDÁTICO
A leitura das imagens presentes no livro didático revela um caráter
relevante. Analisar documentos não é uma tarefa fácil, requer cuidado e
cautela, primordialmente quando são imagens, pois está sujeita a diversas
interpretações e significados.
Um elemento visual importante para as práticas pedagógicas e
contribui para o trabalho com o imaginário, a memória e a
identificação de elementos culturais. Elas portam conteúdos,
códigos, signos e significados e ao mesmo tempo, constroem
estereótipos, e preconceitos de determinadas visões de mundo.
(SOUZA; TRINCHÃO, 2013, p. 3).

Nesse contexto, o livro de análise – História, 3.º ano, Ensino
Fundamental – em seu aspecto geral, apresenta uma boa qualidade visual e
estrutural, repleto de ilustrações coloridas que auxiliam na apreensão dos
conteúdos abordados, Os textos são legíveis de acordo com cada contexto
apresentado pelo material (Figura 1 e 2).

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Figura 1 – Capa do livro

Fonte: Vasconcelos (2014).

Figura 2 – Ficha catalográfica

Fonte: Vasconcelos (2014).

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Das nove unidades do livro didático, a imagem do negro veio aparecer
na unidade 4 – Tempo de se alimentar. Especificamente na página 52, tem
um enunciado sobre a comida baiana. Podemos ver na Figura 3
Figura 3 – Baiana vendendo acarajé, município de Salvador, estado da Bahia, 2010

Fonte: Vasconcelos (2014, p. 52).

Nessa imagem a autora faz uma breve apresentação sobre a comida
baiana, mostrando como é feito o acarajé. À esquerda do enunciado, vê-se a
imagem de uma mulher negra vendendo acarajé; o texto informa que essa
prática tem mais de duzentos anos no Brasil, mas é limitado, não traz a
história de vida, a relevância do trabalho da mulher negra como patrimônio e
por que deve ser preservado; ou melhor, a importância cultural na
contribuição para a formação da consciência histórica dos sujeitos. Em
seguida, na página 54 do livro, tem uma imagem referente à atividade que foi
estudada sobre o acarajé na Bahia (página anterior).
A imagem explícita é um elemento rico para sua exploração, como
desvendar acontecimentos e realidades que os negros enfrentaram,
contribuindo para que, aos poucos, eles ganhassem espaço na sociedade, o
que antes não tinham. Segundo Godoy (2014, p. 7-8):

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Para esse trabalho o professor precisa ter bem claro o período a ser
tratado, conhecendo-o e instigando os alunos a participar. No
entanto, o caráter histórico da atividade não pode ser esquecido,
atentando-se para a observação da imagem e acrescentando o
embasamento teórico necessário e estimulando a pesquisa, para
que o resultado não seja apenas um conjunto de meras opiniões a
respeito do que está sendo visto.

Ainda referente ao tratamento dado à alimentação, podemos dizer que,
ao trabalhar com a imagem da vendedora de acarajé, não se discute sobre o
papel social e cultural da alimentação nas diversas culturas e muito menos na
cultura africana. A alimentação é um espaço não somente para nutrir as
pessoas, mas também é um lócus de socialização, de troca e de
aprendizagem. Nesse sentido, o docente precisa ficar atento a essas
discussões para poder ir além do que diz o livro didático. Vejamos o que se
afirma na Figura 4:
Figura 4 – Vendedoras de akará em Kajuru, estado de Kaduna, Nigéria, 2012

Fonte: Vasconcelos (2014, p. 54).

Na

Figura

4,

visualizam-se

diversos

elementos

que

passam

despercebidos, e não são discutidos. As mulheres negras são vendedoras de
akará (na Nigéria, continente africano); a imagem tem elementos significativos

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para serem explorados, mas as perguntas referentes

a ela apenas

reproduzem a atividade anterior, isto é, fica presa aos elementos da comida
baiana. Novamente não há reflexão acerca do que pode ser trabalhado sobre
o continente africano, seus países e as condições de vida desses povos.
Atentando para o glossário à direita da imagem, apenas descreve-se
que os africanos foram escravizados e trazidos para o Brasil nos séculos XVI
a XIX. A autora do livro não teve a preocupação em mudar esse conceito de
“escravo”. Percebe-se aí que o negro é mais uma vez lembrado como no
passado, ou seja, para referir-se aos negros, é preciso lembrá-los que foram
escravos?
E ainda o livro didático, responsável por disseminar informações,
quando nas raras vezes que apresenta o negro, o faz de maneira
que o mesmo aparece às margens da sociedade, este tipo de
aparição remete a política de branqueamento, já que representa
uma educação voltada apenas para brancos, não incluindo os
negros, visto que estes não conseguem se perceberem
representados nos livros didáticos. (SEVERO, 2009, p. 12).

Dessa forma, o livro didático nega e limita as vitórias e conquistas dos
negros, referindo-se a eles como pobres coitados e incapazes; isto é, insiste
em reproduzir e menosprezar suas histórias e culturas; é certo que a
realidade dura dos negros no Brasil e no mundo não foi totalmente
reconhecida e contada pelo viés dos próprios negros, mas apenas uma faceta
imposta. A imagem é forte passando um ideário de primitivismo, espaço e
tempo de venda sem estrutura. Não há no livro o interesse em mostrar os
diversos tipos de comércio no continente e o papel das feiras nas sociedades
africanas tradicionais. Vejamos a próxima imagem e os dizeres.
Na unidade 5 do livro didático – Música também tem história –, na
página 69, vemos os diferentes tipos de instrumentos musicais, dentre eles,
os da África (Figura 5).

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Figura 5 – Tipos de instrumentos musicais

Fonte: Vasconcelos (2014, p. 69).

A Figura 5 mostra uma atividade com quatro tipos de instrumentos
musicais: instrumentos indígenas e africanos. Percebe-se que, anteriormente,
não houve a explanação sobre a história desses instrumentos, patrimonial e
sua relevância; o que ocorreu foi apenas a preocupação em memorizar o
nome de alguns instrumentos, sem falar na delimitação da imagem do negro,
que aparece apenas para ilustrar os objetos; isto é, a autora do livro didático
preocupou-se mais em “mostrar” os instrumentos do que falar sobre a
relevância na cultura diversificada dos povos da África e do Brasil (cantos,
danças, ritos e folguedos), isto é, as manifestações culturais não aparecem,
permanecem superficializadas, de fato, criam e reforçam estereótipos
negativos, e a formação das crianças quanto à consciência histórica fica à
beira do caminho.
No que tange ao livro didático, denunciaram-se a sedimentação de
papéis sociais subalternos e a reificação de estereótipos racistas,
protagonizados pelas personagens negras. Apontou-se em que
medida essas práticas afetavam crianças e adolescentes negros/as
e brancos/as em sua formação destruindo a auto-estima do primeiro
grupo e cristalizando, no segundo, imagens negativas e
inferiorizadas da pessoa negra, empobrecendo em ambos o

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relacionamento humano e limitando as possibilidades exploratórias
da diversidade étnico-racial e cultural. (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 6566).

Em

suma,

é

fundamental

que

esses

estereótipos

sejam

desconstruídos, sobretudo no que concerne às imagens que circulam nos
livros didáticos de História; é imprescindível uma educação e reeducação
plural que oportunize vivências, experiências e reflexões com as nossas
crianças, desvendando a rica história da pluralidade étnico-racial no Brasil e
no mundo.
4 REFLEXÕES FINAIS
O trabalho desenvolvido, por meio da análise das imagens dos negros
contidas no livro didático do 3.º ano do ensino fundamental, buscou mostrar
como vêm explícitas de forma muito fragmentada, limitada e distante da
realidade do povo negro, que tem histórias, memórias e lutas, que ficam
submersas e anuladas, configurando-se como um reducionismo histórico e
cultural.
Na análise realizada, vimos que os conteúdos e as imagens ainda
estão presos ao negro que só sabe tocar instrumentos, às comidas típicas,
que foram escravizados, e, infelizmente, continuam sendo difundidos no livro
didático. Constatamos que as imagens dos negros pouco aparecem nos
conteúdos do ensino de História, e quando vêm, não há uma discussão
aprofundada e muito menos uma reflexão que questione a própria imagem;
são imagens com elementos culturais e inquietantes para serem desvelados e
explorados com os educando e educandas.
Desvendar conceitos cristalizados desde cedo na formação dos nossos
educandos e educandas é fundamental para que sejam cidadãos que
conheçam e façam a diferença na sociedade, que não se adaptem às cruéis
formas de preconceitos e discriminação que a escola, os livros didáticos e os
paradidáticos trazem; mas, sim, devem-se reparar as injustiças cometidas

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com o negro, promovendo a propagação das diversas culturas existentes no
Brasil e no mundo.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003.
BRASIL. Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília, DF, 10 jan. 2003.
GODOY, Adriana Cristina de. O uso das imagens no ensino da História.
São
Paulo,
2014.
Disponível
em:
<https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/FEH/article/viewFile/6298/5195>.
Acesso em: 4 jun. 2017.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SEVERO, Lara de Freitas. O negro no livro didático: um enfoque nos papéis
sociais. 2009. 36 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Pedagogia)–Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2009.
SILVA, Martiniano J. Racismo à brasileira: raízes históricas: um novo nível
de reflexão sobre a história social do Brasil (1936). Prefácio de Alex Ratts. 4.
ed. rev., ampl. e atualizada. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.
SILVA JÚNIOR, Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as
práticas sociais. Brasília: Unesco, 2002.
SOUZA, Suely dos Santos; TRINCHÃO, Gláucia Maria Costa. Relações
étnico-eaciais na relação educação e desenho: a importância da análise das
imagens do negro no livro didático. In: ENCONTRO DE PESQUISA
EDUCACIONAL DO NORTE E NORDESTE (EPENN), 21., 2013, Recife.
Anais... Recife: UFPE, 2013. p 1-19.
VASCONCELOS, Lucimara Regina de Souza. História: ensino fundamental,
3º ano. 3. ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2014.

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UMA LEITURA BENJAMINIANA DO PAPEL PEDAGÓGICO DA
EXPERIÊNCIA NA NARRATIVA MODERNA
Carlos Henrique Ferreira Nunes
henriqueprocampo@gmaim.com
Anderson de Alencar Menezes
anderufal@gmail.com
RESUMO: Este texto, elaborado no propósito de nossa exposição, busca
através da interlocução com pensadores da Escola de Frankfurt, sobretudo,
Walter Benjamin, fazer uma reflexão a respeito do lugar da experiência nas
narrativas contemporâneas, principalmente no que tange as produções
literárias, que papel pedagógico, ou seja, formativo, teria sobre o sujeito. Para
buscar compreender as produções literárias contemporâneas, Benjamin nos
oferece através de suas obras reflexões e conceitos importantes para que
possamos discernir no corpus o texto narrativo a experiência, ou a nãoexperiência humana transposta nas narrativas, na vivência do texto literário.
Este será encarado como um índice dos desdobramentos oriundos da marcha
da história e da perca da experiência autêntica, que ora é suplantada pelo
poder hegemônico de uma razão instrumental e de uma ciência
essencialmente positivista, que molda os indivíduos e os encarcera, fazendo
como que, não raro, a memória seja apagada ou deturpada, que a
experiência e o próprio sujeito seja esvaziado e reificado. Trata-se de uma
abordagem bibliográfica-qualitativa, na qual transitamos por áreas que vão da
história á filosofia, da educação á literatura, tendo na linguagem o elemento
confluente entre tais ciências, que hoje se fazem ainda mais importantes para
a compreensão e formação crítica do sujeito.
PALAVRAS-CHAVE:
Experiência.

Narrativa

moderna

–

Formação

do

sujeito

–

1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo principal discutir e analisar algumas
categorias utilizadas por Walter Benjamin ao tratar da narrativa, sobretudo, da
narrativa enquanto experiência e relato da realidade vivida, como reveladora
da condição do sujeito enquanto ser histórico, que se por um lado encontra-se
condicionado por forças externas (materiais e ideologias), podem encontrar

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entre os escombros do monumento artístico, dos objetos culturais, a evidência
da luta, da possibilidade de realização da utopia, da emancipação humana.
A narrativa literária contemporânea que se insurge no bojo das
transformações oriundas das mudanças técnicas e das condições de trabalho
na sociedade, e refletirá de modo verossímil, como espelho das contradições
e das crises do capital sob os personagens e o desenvolvimento das técnicas
narrativas. É como tentar achar alguma beleza, algum fio de esperança em
meio a extrema pobreza e a Guerra, como nos relata, Benjamin, em seu texto
(ensaio) Experiência e pobreza, no qual versa exatamente sobre a
incapacidade

de

pronunciar-se,

de

falar

de

si,

de

perceber

os

condicionamentos que tornam “águias em galinhas”, ou seja, que rebaixa a
experiência humana, e ao invés de voarmos, ficamos sempre a ciscar e
rastejar, como aponta metaforicamente, Leonardo Boff (2017).
Aqui partirmos de uma discussão temática, de cunho bibliográfico, porém,
crítico, e, portanto de natureza qualitativa, na qual esta pesquisa leva a
reflexão acerca das categorias e subtemas interligados a temática central que
é exatamente o papel formador da narrativa, enquanto transmitir da
experiência do sujeito.
2. A ATUALIDADE DA OBRA DE BENJAMIN
Walter Benjamin como todos os seus contemporâneos da Escola de
Frankfurt viveu um momento conturbado de nossa história. Ele nasceu na
Alemanha, de família judia e de formação marxista, sofreu muito com a
ascensão do nazismo em sua terra, tendo que estar o tempo inteiro buscando
refúgio em outros países da Europa que lhe permitisse trabalhar e continuar
seus estudos e pesquisas. Membro já de uma segunda geração do Instituto
de pesquisa Social fundado por Horkheimer e Adorno, ao mesmo tempo em
que se aproximava destes e outros pensadores de sua época pela abertura
ao materialismo histórico-dialético e a psicanálise, resguardava no corpus de

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seu manancial teórico singularidades que geraram polêmicas e discussões
acaloradas em muitos círculos intelectuais. Mas não nos atentemos a isso.
Segundo Bárbara Freitag (1994), os pensadores da escola de Frankfurt,
entre eles Walter Benjamin versaram sobre muitas temáticas diferentes, mas
algumas estão inscritas em praticamente todas as obras dos autores da
época, a saber, o Iluminismo, o debate sobre Teoria Tradicional e teoria
crítica, a discussão sobre a natureza do estado, e por fim, o tema que mais
nos interessa neste texto, a criação de uma Teoria estética, no bojo de tais
transformações e da indústria cultural e da cultura de massa, fenômenos
tipicamente contemporâneos.
Para Freitag (1994) o fio vermelho que trespassa a obra de todos os
autores é o tema do Iluminismo ou esclarecimento (aufklaerung). O
Iluminismo forjou uma crença na razão como instrumento capaz de emancipar
o homem da infantilidade da infantilidade da idade das trevas. Entre outras
coisas, este pensamento, seja sobre a denominação de racionalismo ou
empirismo, ou mais recentemente o positivismo e o evolucionismo, são
correntes de pensamento que se aproximam em alguns aspectos, como o
otimismo exacerbado em torno da ideia de dominação da natureza e
progresso tecnológico.
No entanto, a história veio nos provar exatamente o contrário, que estes
aspectos, tais como a razão tecnocrata que se insurge na modernidade, em
certa medida, tem apontado para o inverso da emancipação, ou seja, para a
barbárie. As Primeiras e Segundas Guerras mundiais são a materialização de
um projeto de sociedade em crise, de uma razão desumanizadora. A
dimensão de seu caráter destrutivo se dar no empoderamento de mentes e
corpos, sua reificação e dilaceração, e o que mais nos preocupa, isso
acontece até mesmo sob a tutela do estado como legitimadora da violência
calculado e planejada.
A dialética do esclarecimento de Horkheimer partirá das concepções
de Kant e Hegel, que tinham a razão como o sujeito abstrato da história

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individual e coletiva do homem, mas que agora se converte em razão
alienada, que se desviou de seu objetivo ou tarefa emancipatória. Antes,
tornou-se o seu oposto, uma razão instrumental, controladora e totalitária,
subjugadora de homens e da natureza, todos devem se curvar a sua lógica
(FREITAG, 1994).
Retomando Benjamim, ele produziu algumas obras (ensaios) que são
referências obrigatórias no estudo de algumas particularidades da arte
contemporânea, devido exatamente a qualidade e minúcia no trato de tais
questões. Benjamim pode se debruçar sobre objetos artísticos diferentes tais
como fotografia, cinema, pintura, mas foi na Literatura que se acredita que
esteja a maior contribuição deste autor. É fantástica a sua reflexão sobre a
“morte da narrativa tradicional” ao tempo que interver as nuances do texto
narrativo moderno, que passa pelo modelo do romance romântico e avança
aos textos contemporâneos de um Franz Kafka57 e um Charles Baudelaire58.
Independente da temática que Benjamin abordasse estava posto como
pano de fundo a crise do modo de produção capitalista, ascensão da cultura
de massa que foi, aliás, muito bem utilizada pelos nazistas e fascistas em
seus sistemas educacionais alienantes. O objeto artístico estava submerso e
condicionado a tais aspectos, que serão retratados em ensaios como A obra
de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Via de mão única entre outras.
Vale ressaltar que a sociedade burguesa, desde seus primórdios, lá no
século XVII já se configurava como um projeto societário no qual valores
como o individualismo e o egocentrismo eram suas marcas, e exaltavam-se
tais valores como fundamentais para o desenvolvimento da arte e das
57

Franz Kafka (1883-1924) foi escritor tcheco, de língua alemã, considerado um dos
principais escritores da Literatura Moderna. Suas obras retratam a ansiedade e a alienação
do homem do século XX.
58
Charles-Pierre Baudelaire foi um dos maiores poetas do século XIX, tendo influenciado
decisivamente toda a poesia moderna. Rebelde, combateu a censura e a intolerância, sendo
ao mesmo tempo controvertido e célebre no seu tempo. Nasceu em Paris em 1821. Aos seis
anos perdeu o pai, e logo depois a mãe casou-se novamente. Em 1833 mudou-se com a
nova família para Lyon, onde freqüentou uma escola militar – mas acabou expulso. Após o
episódio voltou a Paris e passou a viver no Quartier Latin, onde começou a escrever. Em
1838 escreveu o poema Incompatibilité.

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atividades produtivas. A grande sacada ou virada do capitalismo era
exatamente transformar praticamente tudo em mercadoria, inclusive as
pessoas, denominadas força de trabalho, mão-de-obra, capital humano, seja
quais forem os termos nos quais usam para designar, o que mais nos deixa
perplexos é a coisificação do homem e da cultura – tema que será
amplamente discutido por Benjamin e pelos frankfurtianos.
3. O NARRADOR: ENTRE A HISTÓRIA E A LITERATURA
A escritura ou tessitura textual de cada autor pertence a seu devido
contexto, com suas crises, contradições, e perspectivas de saídas. E é assim
que se apresentam para Benjamin as metamorfoses do texto narrativo e do
texto poético na contemporaneidade. Não é tão somente uma mudança de
estilo ou forma, mas uma mudança nos sentidos, na percepção e a linguagem
na qual inscrevem tais narrativas. Em um aspecto, pensadores como
Benjamin, Adorno e Horkheimer irão concordar: o texto literário ou poético
contemporâneo não consegue ocultar totalmente as contradições pertinentes
a

uma

sociedade

desigual,

e

só

aparentemente

racionalizada,

só

aparentemente civilizada, mas, que traz no seu bojo a barbárie como
condição a ser superada.
Marcos Nobre59 (2004) aponta que um dos princípios da teoria crítica
enquanto chave explicativa da realidade, embasada no materialismo dialético,
é considera que nada está pronto, é não se ater a teses definitivas. Ainda
afirma que é “preciso dizer o que a sociedade é, como funciona”, para assim,
projetarmos uma sociedade tal qual a desejamos que fosse, ou seja, uma
sociedade melhor, mais humana e solidária. Neste sentido, pensamos que
Benjamin não encerra suas perspectivas numa visão pessimista como foi
acometida por Horkheimer e Adorno. Ele vê na arte e na literatura a
possibilidade de dar-se voz a partir de sua massificação as classes
59

NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. São Paulo, Jorge Zarah, 2004.

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subalternas, aos “vencidos da história” como aponta Gagnebin (1989). Ele
vislumbrar a possibilidade de acesso e democratização dos meios de
comunicação como um espaço de formação de uma consciência coletiva mais
ampla e menos manipulada. Se determinadas obras eram restritas as classes
dominantes, agora elas são amplamente divulgadas e comercializadas,
permitindo a reflexão de valores e normas sociais da sociedade capitalista.
Os contemporâneos de Benjamin não tinham tal otimismo, como se a
alternativa fosse simplesmente viver ou conviver num mundo paralelo, o
mundo da cultura erudita, e isolar-se com sua criticidade meramente
acadêmica. É, sobretudo, em seu ensaio “A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade Técnica” que se inscreve tal perspectiva de aproveitamento
do desenvolvimento técnico a favor os artistas e de uma perspectiva de
formação emancipatória. Outra obra interessante, na qual dialogando com os
temas referentes ao Iluminismo ou esclarecimento, bem como da teoria crítica
e estética, na qual Benjamim contrapôs uma visão diferente de George
Lukács (realismo literário) se inscreve em “O Surrealismo”, na qual vê com
bons olhos e a luz da psicanálise, que a obra de arte, mas do que mostrar
(descrever) como as coisas são, devem explorar as possibilidades de
transformação para além da lógica racionalista-positivista, da qual, até mesmo
adeptos de um materialismo vulgar ou cientificismo eram adeptos (consciente
ou incidentemente).
Segundo Gagnebin (2013), que analisa várias obras de Benjamin como
O Narrador, Teses sobre a História, entre outras, em Benjamin percebe-se
esta dupla articulação entre o literário e o histórico. Ambas as ciências se
valem de um instrumento em comum, que é exatamente a narrativa. No
entanto, assim como Benjamin, Paul Ricouer aponta que o que as difere
enquanto discursos e propostas metodológicas é a função social de ambos os
gêneros. A narrativa literária mesmo quando carregada de verdades históricas
não tem a intenção de se impor enquanto saber cientificamente válido.
Diferentemente da narrativa histórica, que mesmo tomando a narrativa como

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metodologia, sempre tenciona a objetividade. O entendimento de Benjamin é
que em ambas existem brechas interpretativas ou arrestas (Gagnebin) nas
quais o artista ou historiador devem explorar como o lugar próprio da dialética,
e este discurso é feito não de um lugar velado, ao contrário, da assunção da
perspectiva de classe em prol dos trabalhadores.
Benjamin (2012), aliás, propõe uma reescritura da história a contrapelo,
a história não oficial, dos “perdedores”, dando voz aqueles que sempre foram
subjugados e condenados ao silêncio. A narrativa é para Benjamin (2013) e
Paul Thompson60(1992), um instrumento privilegiado de escuta destas vozes
silenciadas pela história oficial. Ratificamos com isso que não existe um
discurso científico neutro como pressupunha Comte, Max Weber, entre outros
pensadores modernos e entusiastas da sociedade capitalista, e que a
linguagem como afirma Bakhtin61 é carregado de ideologias e discursos
(Polifonia). Ou seja, todo discurso é um múltiplo construído historicamente e
culturalmente.
No que concerne especificamente a Literatura, quando se refere às
narrativas literárias e seus enredos, Benjamin se utiliza da expressão
“história” com “h”, pois compreende a arte como uma categoria histórica ou
objeto da história. No dizer de Paul Thompson (1992), a narrativa se constitui
uma fonte histórica por excelência. É possível reconstruir a memória de um
povo a partir de sua arte, de sua literatura. Se pegarmos, por exemplo, a
literatura brasileira, segundo Alfredo Bosi, esta tem um caráter ou natureza
essencialmente histórica. Talvez o fato de sermos uma nação jovem, ainda
em busca de uma identidade, seja um dos motivos de termos tantos autores
“retratistas dos fatos históricos”.
A experiência de narrar depende de vários fatores condicionantes,
entre eles, a própria experiência de vida dos narradores, aliado, a formação
60

THOMPSON, PAUL. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, editora Paz e Terra:
1992. IN História e comunidade; historiadores e historia oral.

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cultural e sensibilidade dos mesmos para a observação e descrição da
realidade. Benjamin define, segundo Gagnebin (1989), dois tipos exemplares
de narrador, e que pode nos lançar uma luz para compreendermos o papel da
experiência na tessitura narrativa e formação do sujeito moderno.
Primeiramente, há aquele narrador que nunca sai do lugar onde nasceu, ou
pelo menos viveu e vivenciou a maioria dos acontecimentos narrados do lugar
do qual fala. Ele é um porta-voz e expectador, mas, é também sujeito e
produtor

daquela

história;

trabalhou,

viveu

e

contribuiu

para

o

desenvolvimento e reprodução social e dos valores naquela comunidade.
Poderíamos aqui denominá-lo de narrador local.
Outro tipo de narrador, poderíamos chamá-lo aqui de viajante. Sua
narrativa se pauta não pela fixação e saber de uma única realidade, mas, ao
contrário, sua condição de trabalhador lhe permitiu vivenciar vários contextos,
e assim compará-los em suas narrativas isto será transposto e compartilhado
através do texto. Poderíamos então considerar que este segundo tipo seria
em tese mais rico, uma vez que já circulou por outros lugares e vivenciou
outras experiências as quais o primeiro teve que se privar? Não
necessariamente, não são somente os espaços que contam, mas o modo
como o sujeito experimentou e apreendeu tais contextos e vivências, se
conseguiu transformar tais experiências em sabedoria, em tolerância, naquilo
que Gagnebin (1982) define como características do “homem justo”.
A narrativa enquanto experiência, segundo Benjamin e Larossa (1982,
2002):
[...] é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se
passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos
acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para
que nada nos aconteça (LAROSSA, 2002, p.21)

Na narrativa contemporânea tal busca é entregue a ideia de que o ser
humano caminha no rumo da decadência total, coincidindo com a morte da
verdadeira experiência, da experiência que transforma positivamente o

p. 639
ISSN 1981-3031
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sujeito, assim, eis que emerge a figura do anti-herói, um herói às avessas,
sem virtudes ou preocupações com o outro, que não tem ética e que tem em
si mesmo a medida da “justeza”. Impera um egocentrismo que nada tem
haver com o sentimento de coletividade almejado por Benjamin.
A derrocada do herói romântico parece ser algo “bem inocente”, mas
na verdade ele representa o que Adorno viu como fim da potencialidade
revolucionária

da

arte

pós-revolução

francesa

(que

mesmo

sendo

representante da burguesia, trazia consigo a esperança de um mundo melhor
no futuro). Benjamim vislumbrava da arte inspirada nos ideias surrealistas a
possibilidade de propor uma arte voltada ao espírito, que não se subjugasse
ao mecanicismo das relações capitalistas de produção. A experiência
profunda com o texto seria mais importante do que o grau de informação
inserido no texto, desta forma, Larossa (2002) observa que
Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é
experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a
experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma
antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação,
em estar informados, e toda a retórica destinada a constituirmos
como sujeitos informantes e informados (LAROSSA, 2002, p.21)

Há na nossa sociedade atual uma enxurrada de informações e opiniões
que buscam moldar ou disputam nossa consciência, mas nada poderá
substituir a experiência enquanto formadora.

E o texto literário, em certo

grau, pode nos expor a tal experiência. Ele pode ser o relato deste mundo que
embora cindido pode ainda ser recuperado, e Benjamin e Larossa não tratam
da questão como uma volta ao passado saudosista, mas uma consciência
dos avanços da ciência e da possibilidade da sua expropriação em prol da
classe trabalhadora.
3.1 O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA EM BENJAMIN

p. 640
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As primeiras e segundas guerras mundiais trouxeram o ser humano
para o abismo da barbárie. O nazismo expôs o quanto irracional o sistema
capitalista e a ciência positivista eram. A sociedade capitalista busca
automatizar

as

relações

sociais,

individualizando-as

e

mecanizando

(reificando) os sujeitos, que buscam alternativas a tal processo. Tais
narrativas

ou

discursos

serão

a

representação

das

vivências

dos

trabalhadores, que a partir do que resta de senso de solidariedade e
coletividade, resistir a este processo de barbárie.
Ao nos referirmos a sujeitos coletivos estaremos falando dos
movimentos sociais, das populações étnicas e populações
tradicionais. Tais sujeitos ganham especial expressão na reflexão
sobre a destruição ou empobrecimento da experiência, posto que
suas histórias têm se mostrado como um contraponto a mesmidade,
entendida aqui como um instalar-se em um tempo em que só
acontece o mesmo, de acordo com Skliar (SCHUBERT/
NASCIMENTO/OLIVEIRA, 2009, p. 86).

Por mais conversadoras que sejam determinadas obras literárias, estas
não poderão apagar as memórias e as vivência, tão pouco esconder as
contradições geradas pelo modo de produção capitalista, que se utiliza da
alienação midiática, da militarização do estado e das superestruturas para
continuar se reinventando ou se autoproduzindo, assim, mantem-se e
institucionaliza a desigualdade e a violência como parte de sua estrutura
funcional, de sua natureza62 (SANTOS NETO, 2005). É neste contexto que
ainda mais reivindicamos a atualidade da obra de Benjamim. A respeito então
da tentativa de destruir a experiência, e consequentemente o sujeito:
{...} estamos tratando do esgarçamento e da precariedade das
redes redistributivas, do colapso da vida em sociedade tal qual
idealizada pela razão-instrumental, e do debate sobre as demandas
coletivas por redistribuição e justiça social. Trata-se, portanto, de
uma questão que diz respeito a crise generalizada que se instalou
no campo da educação, pensada dentro de um modelo
monocultural
e
universalizável
(SCHUBERT/
NASCIMENTO/OLIVEIRA, 2009, p. 86).

62

SANTOS NETO, Artur Bispo. A Filosofia do romantismo. Maceió, EDUFAL, 2005.

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O empobrecimento da experiência, segundo Benjamin, já estava
inscrito de modo mais ou menos explícito em Dialética do Esclarecimento,
quando Adorno se refere ao advento da indústria cultural como um fator de
rebaixamento da arte, a triste experiência dos campos de concentração
nazista e outras experiências negativas oriundas do bojo de transformações
operadas nas crises estruturais do capital. Vivenciamos uma nova barbárie
das guerras, ora velada, ora aberta, e somos, na visão de Benjamin, novos
bárbaros impelidos a buscar novas possibilidades, uma saída que nos garanta
a sobrevivência.
Nesse sentido, ele nomeia sujeitos individuais que considerou
portadores de sentimentos coletivos, citando dentre eles Einstein,
Brecht e P.Klee. A Nova barbárie, no sentido benjaminiano, impele
esses novos bárbaros, por assim dizer, a partir, a recomeçar, a
construir com pouco, operar a partir do nada. Embora Benjamin
tenha se referido a indivíduos ao falar de sentimentos coletivos,
queremos tomar de empréstimo a expressão novos bárbaros, para
referir-nos aos sujeitos sociais-coletivos, rexistentes a determinadas
formas
de
modelização
do
capitalismo
contemporâneo
(SCHUBERT/ NASCIMENTO/OLIVEIRA, 2009. p. 87).

Resistir é em si uma experiência. Num sistema que transforma tudo em
mercadoria, que coisifica o homem e as relações sociais, buscar formas
alternativas de refúgio é uma necessidade de sobrevivência, e a arte, de certo
modo serve como forma privilegiada de experimentar o amor, as frustrações,
a dor e o prazer que desejamos. Desde que esta experiência não seja
meramente uma experiência individual, mas um sentimento coletivo.
Mas não serão todas as obras literárias da contemporaneidade, todas
as narrativas, que nos permitiram ter uma experiência de reencontro conosco,
de reflexão crítica de nossos valores e vivências. Estas estarão relegadas a
algumas obras particulares, que conseguiram captar o sentimento coletivo e
traduzi-lo na linguagem artística. Gostaria de citar algumas, poucas, pois o
objetivo deste texto não permite um debruçar mais aprofundado sobre cada
uma delas. Queremos, como se delimitou desde a introdução, fazer uma
reflexão acerca poder da narrativa moderna sobre a formação do sujeito, e,

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portanto, sobre da experiência com e a partir do texto literário, indicando
assim, seu caráter dialético e pedagógico.
3.2 A EXPERIÊNCIA NARRATIVA NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
A narrativa exemplar para Benjamin, segundo, Gagnebin, não teria
exatamente um padrão ou modelo, mas abarcaria algumas peculiaridades nas
quais a faria se inscrever dentro de uma perspectiva formativa que interessa a
classe trabalhadora, ou seja, com potencialidades capazes de mexer com o
sujeito, de “sacudi-lo”, arrancá-lo do lugar comum.
No entanto, as características parecem pertencer a um grupo mais ou
menos seleto de textos (narrativas) e seus respectivos autores, que foram
capazes de ir além da descrição da realidade cruel produzida pelo
desenvolvimento irracional da sociedade capitalista. Desde sua gênese, o
capital

produziu

autores

que

como

profetas

encetaram

quais

as

transformações pelas quais não somente o mundo material (o trabalho)
estava atravessando, mas concomitantemente que mudanças estava, sendo
gestadas e operadas no espirito humano em cada momento.
De William Shakespeare a Baudelaire, de Miguel Cervantes a Proust
ou Franz Kafka, o que estes autores da poesia e da prosa tinham em comum?
Exatamente o que citamos acima: o poder de capitar as mudanças; e de
senti-las e as narrarem de um modo que talvez um tratado científico ou
filosófico não conseguisse expressar tão bem (WATT, 1997).
Goethe, outro autor consagrado, por exemplo, chega a afirmar que
Shakespeare “reinventou o ser humano, tamanha a profundidade na qual
mergulha na alma humana, e sobretudo, revela suas antíteses, seu lado mais
obscuro e vai além das aparências. Não por acaso, Benjamin também fora
estudioso da obra deste autor63. É fantástica sua análise da obra Hamlet

63

Johann Wolfgang von Goethe é considerado como a maior personalidade da literatura
alemã, seu maior poeta, grande também como dramaturgo, romancista e ensaísta; e são

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(tragédia) em As origens do drama barroco alemão64. Esta é de fato, uma
daquelas obras nas quais ao lermos saímos transformados de tal experiência,
não conseguimos ficar indiferentes aos fatos que se sucedem ali, que vão
desde questões existenciais, teológicas, politicas, ética, estética, entre outros
temas postos numa atmosfera tensa e obscura como o período barroco.
Em O narrador, Benjamin prescreve a morte na narrativa tradicional, da
epopeia, que não pode ser restaurada, exatamente porque o tecido da
realidade encontrar-se permeado de fissuras, de remendos, os quais somente
uma leitura alegórica da mesma pode buscar atribuir algum sentido e alguma
esperança a mundo em ruínas. Narrativas como a de Miguel Cervantes (Dom
Quixote), de Daniel Defoe (Robinson Crusoé) seriam, segundo Ian Watt
(1997), percursoras do romance e da narrativa moderna, profetizadoras de
um mundo em decadência (Feudal) que dar lugar a outro modelo de
sociedade (Capitalista) com potencial revolucionário.
Lembremo-nos que o próprio Karl Marx, em diversos textos, entre eles
o Manifesto do Partido Comunista Enaltece o caráter revolucionário da
burguesia no século XVII. As obras acima mencionadas são das mais altas
expressões do espirito moderno. Valores como o empreendedorismo, o
egocentrismo e o idealismo se encontram presentes e bem marcados nestas.
Não é ato que nos identificamos com personagens como Crusoé, Dom
Quixote, Dom Juan.
3.2.1 O Romance e a Expressão da “Bela Alma Romântica”

notáveis suas obras autobiográficas, seus estudos de ciências naturais e suas conversações,
fielmente notadas, com amigos.
64
A Origem do drama trágico alemão é a obra mais célebre de Walter Benjamin e uma das
mais importantes do século XX. Talvez o leitor brasileiro, acostumado a referir-se a ela como
Origem do drama barroco alemão, possa estranhar o título aqui proposto. No entanto, se a
renomeação pode causar certo espanto a alguns, bastante surpresa vai provocar nos que
voltarem ao título em alemão, Ursprung des deutschen Trauerspiels, publicado pela primeira
vez em Berlim em 1928.

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Entre as diversas fases nas quais o ser humano ora mergulha no
idealismo, ora mergulha no realismo, talvez o romantismo seja um destes
momentos mais significantes. Hegel65 (2011) e seus contemporâneos
vislumbraram nesta fase da nossa história, da arte e da filosofia um momento
singular de formação do sujeito, com um duplo sentido, pois ao tempo que se
concretizava o projeto burguês de chegada ao poder através de Napoleão
Bonaparte e Robespierre, e depois através da revolução industrial inglesa, a
burguesia atravessava uma crise de valores, uma crise ética, que gera um
sentimento de melancolia, sobretudo, entre os jovens filhos da burguesia.
A narrativa romântica era a expressão do egocentrismo e da
instabilidade sentimental e ética na qual se instaurava a sociedade capitalista.
Lembrando que se trata de um movimento muito forte em todo mundo
ocidental, sobretudo, em Alemanha, França e Inglaterra, e que no primeiro,
criou-se um movimento filosófico que difundia e sistematizava as mudanças
promovidas em confluência com as transformações econômicas tardias do
capital em terras alemãs. Para se ter ideia, a “dor na consciência” de uma
burguesia ascendente e endinheirada em oposição a uma população cada
vez mais empobrecida e doente fez com que houvesse uma alta taxa de
suicídio entre os jovens burgueses. (SANTOS NETO, 2005). A publicação da
obra Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, provocou o suicídio de
centenas de jovens na Europa, que ao ler a história de um amor proibido, se
comovia a ponto de tirar a própria vida.
Na Alemanha criou-se um movimento denominado Sturm unt drang
(Tempestade e ímpeto), no qual se exaltava a paixão como um sentimento
mais elevado do que a razão. E de que no duelo entre ambos, sempre o
primeiro sairia vencedor. A narrativa de juventude de Goethe espelha tal
movimento de insurgência ao materialismo no seio do próprio capitalismo em
ascensão, e neste sentido, que chamei tal movimento de represente de uma
crise. Ao entendermos o pensamento dialético de Hegel à Marx, e na
65

HEGEL, Wolfgang. Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Menezes. Rio de janeiro,
Vozes, 2011.

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atualidade, percebe-se que a narrativa moderna tal como se configura e se
apresenta é reflexo da eterna insatisfação humana, e, nota-se que quanto
mais nos “empurram” as coisas materiais, sentimos a necessidade de fugir
delas, pois não nos completam, são sempre a expressão do fugidio, daquilo
que só nos pertence momentaneamente.
A interpretação dialética e a alegoria são categorias as quais se deve
compreender para melhor mergulharmos no universo que perpassa a
narrativa moderna na percepção benjaminiana. Autores como Proust, Kafka, e
Guimaraes Rosa66, nos apresentam a visão de um mundo entre pedaços,
ruinas e escombros de um mundo no qual o individuo é impelido pelo meio a
buscar intersecções que lhe garanta a sobrevivência (SANTOS NETO, 2005),
um mundo que opera por exclusão, que faz do ter algo mais importante que o
ser. Ao retomarmos os clássicos, tão valorizados por Saviani em sua
Pedagogia Histórico Crítica67, voltamos a buscar os pontos de interseção ou
confluência deixados para trás por uma sociedade que por vezes age
mecanicamente, condicionado por uma razão instrumental. Revelar as
contradições, os interditos, é o primeiro passo no qual a narrativa literária
moderna, dentro desta perspectiva benjaminiana, pode nos ofertar como
condição para uma transformação mais profunda do sujeito, e, portanto, que

66

Guimarães Rosa foi um dos principais representantes do regionalismo brasileiro,
característica da terceira fase do modernismo. Com uma linguagem fiel à popular, o escritor
conseguiu inovar a literatura. Como atuou como médico e diplomata, Rosa começou a
publicar seus textos mais tarde, apenas com 38 anos.
Ocupou a cadeira nº 2 na Academia Brasileira de Letras por apenas três dias, já que atrasou
a cerimônia de posse por quatro anos, tinha medo de se emocionar demais. Pela importante
obra literária, chegou a ser indicado para o prêmio Nobel de Literatura, mas morreu no
mesmo ano e a sua indicação foi impedida.

67

Considerada um marco na educação brasileira, porém pouco praticada no cotidiano
escolar, a Pedagogia Histórico-Crítica, teoria criada pelo pedagogo brasileiro Dermeval
Saviani, tem como foco a transmissão de conteúdos científicos por parte da escola, porém
sem ser conteudista. O ensino conteudista é aquele em que se passa uma quantidade
enorme de conteúdo, sem se preocupar com o desenvolvimento intelectual, cultural e de
raciocínio do aluno. A teoria de Saviani, no entanto, preza pelo acesso aos conhecimentos e
sua compreensão por parte do estudante para que este seja inclusive capaz de transformar a
sociedade.

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aponta para sua emancipação. Pois, como afirma o próprio Saviani, o sujeito
da modernidade não precisa ser educado, precisa ser emancipado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da discussão que fizemos, podemos tecer algumas considerações
e levar a reflexão a cerca do papel da narrativa enquanto expressão da
experiência do sujeito na modernidade. A primeira delas, de que vivemos
numa sociedade dominada pelo tecnicismo e por um informações (nem
sempre relevantes) que se sucedem instantaneamente criando uma sensação
de que estamos sempre a reboque o tempo, estamos não sendo sujeitos,
mas meros atores conduzidos como marionetes de uma infraestrutura e
superestrutura erguida pela capital, e que esmaga a criatividade e as
possibilidades de uma alternativa a alienação e reificação do homem.
A narrativa dos heróis épicos transforma-se, na modernidade, na narrativa
dos heróis cambaleantes, que tropeçam em suas próprias incertezas, pois é
assim que a realidade, no mundo concreto se apresenta à nós. Uma realidade
cambiante, difícil de ver narrada, ou seja, de ser materializada verbalmente. A
vulgaridade expressa na cultura de massa, ou melhor, da arte que se destina
a classe trabalhadora, que geralmente a consome como alívio imediato a seu
cansaço, revela justamente este traço. Por melhor que possa ser o narrador,
este não passará indiferente aos escombros deixados pelo desenvolvimento
dos meios de produção capitalista.
Captar o fluxo narrativo, a matéria vertente, como afirma Katherine
Rosenfield (2002), é o objetivo deste narrador moderno tal qual Guimaraes
Rosa, que se preocupa não com a quantidade de fatos ou mesmo com a
explicação lógico-racional dos mesmos, mas contrário, busca quebrar nossas
expectativas, apontar as contradições naquilo que parece linear e cíclico na
narrativa e fluxo de vida que ela representa.

Gagnebin (1982), enquanto

grande estudiosa da obra de Benjamin nos aponta que na análise Deste autor

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aponta o fato de que se por um lado a obra de arte pode ser a expressão de
uma sociedade decadente, em crise, adoecida, por outro, ela pode ser a
possibilidade de reconstruir a memória enquanto experiência singular e de um
sujeito interligado a experiência coletiva.
Isso garante um caráter iminentemente pedagógico ao texto literário
moderno, que desde o fim das novelas de cavalaria, passando pelo romance
romântico e chegando a nossos dias, no qual se fala até mesmo de literatura
e arte pós-moderna. Enfim, a narrativa é a materialização verbal da condição
humana, expressa em linguagem artística, e, portanto, em consonância com a
realidade na qual se condiciona o homem moderno.
5. REFERÊNCIAS:
BENJAMIN, Walter. O Narrador. Trad. José Lino Grünnewald (et. al). São
Paulo, Abril Cultural, 1983.
_______________. A obra de arte na época de suas técnicas de
reprodução. São Paulo, Abril Cultural, 1983.
________________. Experiência e Pobreza. São Paulo, Brasiliense, 1989.
________________. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7º ed, São
Paulo: Brasiliense, 1994.
BOFF, Leonardo. Tempo de Transcendência. Rio de Janeiro: Sextante,
2017.
FREDERICO, Celso. Lukács: um clássico do século XX. São Paulo:
Moderna, 1997.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São
Paulo, Perspectiva, 1994.
______________.Walter Benjamin: os cacos da história. São Paulo :
Brasiliense, 1982.
HEGEL, Wolfgang. Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Menezes. Rio
de janeiro, Vozes, 2011.
LAROSSA, JORGE BONDÍA. Notas sobre a experiência o saber de
experiência. Acessado em junho de 2017 > disponível em
www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf.

p. 648
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NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. São Paulo, Jorge Zarah, 2004.
RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa II. Campinas, Papirus, 1994.
______________. Tempo e Narrativa III. Campinas, Papirus, 1995.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.
ROSENFIELD, Kathrin H. Grande sertão: veredas. (Roteiro de leitura). São
Paulo: Ática, 1992.
SANTOS NETO, Artur Bispo. A Filosofia do romantismo. Maceió, EDUFAL,
2005.
THOMPSON, PAUL. A voz do passado: história oral. In História e
comunidade; historiadores e historia oral. Rio de Janeiro, editora Paz e
Terra: 1992.

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A APLICABILIDADE DO DESIGN THINKING NA ESCOLA
ESTADUAL TEOTÔNIO VILELA
José Oseas de Oliveira Filho
joseoseas.educ@gmail.com
RESUMO: O artigo apresenta a interface entre Design Thinking e Educação,
que se trata de uma técnica que usa de conhecimentos variados para
solucionar desafios propostos em diferentes áreas. A Educação, ao usufruir
dessa metodologia para buscar mudanças nas relações e ações escolares,
abre a possibilidade de repensar suas características e também seus
problemas. Desse modo, foi realizada uma pesquisa em uma sala de aula do
segundo ano ensino médio da Escola Estadual Teotônio Vilela, localizada na
Avenida Fernandes Lima s/n na cidade de Maceió/AL, a fim de levantar seus
problemas e apresentar possíveis soluções para eles com base nas
ferramentas do Design Thinking. Para isso, apurar, junto aos alunos, aos
professores e ao coordenador, quais são os obstáculos que percebem no
processo de ensino-aprendizagem da escola em questão, e indaga os alunos,
por meio de um questionário impresso e distribuído à turma, a respeito dos
pontos positivos e negativos desse processo e do que gostariam que fosse
melhorado.
PALAVRAS-CHAVE: Design Thiking – Educação - Ensino-aprendizagem.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma das viabilidades de se utilizar as
ferramentas do Design Thinking na Educação do ensino médio à medida que,
por conta do seu potencial metodológico para propor mudanças de
comportamentos,

propiciando

uma

observação

para,

elaborar

novos

processos e pesquisar outros problemas pertinentes ao objeto de estudo.
Trata-se, portanto, de uma abordagem que poderá gerar novas possibilidades
metodológicas de atuação na escola.
Ao percorrer a História para analisar o modo como o Design surge e
desenvolve sua atuação, percebe-se que, com a ampliação de sua inserção,
ele consegue expandir sua área de aplicação. Inicialmente, percorre um
campo entre a Arte e a técnica, depois altera sua rota e, a partir da Revolução

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Industrial (segunda metade do século XVIII), passa a projetar produtos para
as necessidades mercadológicas. Posteriormente, o Design começa a se
relacionar mais diretamente com a economia e com a política nos locais em
que já se encontrava estabelecido, e a participar de reconstruções e reformas
como, por exemplo, a Bauhaus (1919-1933), após a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), que utiliza o Design como um meio emancipador, buscando, na
produção de objetos, a melhor forma para atender as necessidades das
pessoas. A partir de então, o Design passa a se envolver com o levantamento
de problemas que deveria resolver, os quais, ao longo do tempo, foram se
tornando cada vez mais complexos.
O artigo pretende analisar, pela utilização de mecanismos do Design
Thinking, os problemas de uma escola por meio de entrevistas que contêm
informações fornecidas por professores, alunos e coordenadores. A partir da
análise das respostas, foram levantados os pontos de conflito de ideias,
sintetizados em uma situação-problema a ser resolvida. Com base nessas
situações-problema, foram feitas propostas para serem desenvolvidas com as
ferramentas do Design Thinking para solucioná-las. O desafio dessa pesquisa
é verificar as possibilidades da aplicabilidade do Design Thinking no espaço
escolar, diante da complexidade das relações entre aqueles que fazem parte
desse ambiente e dos múltiplos resultados almejados.
Como suporte conceitual, foram usadas as visões dos autores Tom
Kelley, Roger Martin, Tim Brown e David Kelley. Na área educacional, por
possuírem uma aproximação quanto aos princípios norteadores, estão
presentes Terezinha Rios, Isabel Alarcão e Jussara Hoffmann que nortearam
as reflexões e encaminharam o andamento da pesquisa.
Entretanto, em cada instituição existirão problemas específicos,
seguirão linhas pedagógicas específicas e comportamento diferente quanto a
novos métodos ou tentativas de mudanças internas, seja por parte dos seus
funcionários ou seus alunos. Faz-se necessário um aprofundamento na
realidade de cada escola e analisar o que cada escola precisa; perceber

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como a coordenação da escola e os alunos receberiam possíveis quebras de
paradigmas; observar com atenção as áreas internas e externas da escola e
como os funcionários se relacionam com os alunos e etc. Somente depois de
pesquisar quais são os problemas da escola e elencá-los é que o Design
Thinking poderá buscar as ferramentas adequadas e por sua vez, criar outras
para atender aos casos específicos.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONCEITOS BÁSICOS
Diversos autores iniciam suas publicações sobre Design definindo o
termo. Embora haja muito em comum entre essas definições, elas se
apresentam de forma independente. Para Alexandre Wollner, um dos
primeiros profissionais identificados como designers no Brasil, a definição é
sucinta: design é projeto (MOURA, 2005). Uma definição tão breve assim
pode dar margem à interpretações muito diversas ou representar quase tudo
e quase nada ao mesmo tempo. Devido a esse fato, serão apresentadas
outras definições com maior explicação acerca do termo, de modo que o
Design possa ser bem mais compreendido e utilizado corretamente como
possível ferramenta de auxílio pedagógico.
Para Helena Katz (DERDYK, 2007, p.198), a definição do vocábulo,
embora ainda apoiada na ideia de um projeto ou um plano de ação, é quase
toda de caráter metodológico:
Design é a organização das partes de um todo, de um modo que os
componentes produzam o que foi planejado. Só que esse arranjo é
sempre improvável, seja o design de algo extraordinário ou não. E isso
ocorre porque o número de modos pelos quais as partes podem ser
combinadas é excessivo. Cada arranjo não passa de uma quantidade
enorme de possibilidades. Ou seja, cada arranjo realizado é tão
improvável quantos todos os outros, não realizados.

Pode-se observar que alguns autores define design, enquanto verbo,
como uma atividade relacionada a método, projeto, processo e intenção.
Enquanto substantivo está ligado a forma e a um plano. Ainda sobre os

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significados citados, o viés estético do Design é pouco presente e pouco
explorado, dando espaço à sua característica metodológica. Para Rafael
Cardoso, o Design é consequência de três processos globais históricos
interligados, que ocorreram entre os séculos XIX e XX:
➢ A industrialização, que precisava reorganizar como os produtos
seriam comercializados a fim de atender mais consumidores e
ganhar variedade de escolhas;
➢ A urbanização moderna, responsável por adequar as grandes
metrópoles às grandes concentrações populacionais;
➢ A globalização, que integra a comunicação com redes de
transporte e com o comércio e possui sistema financeiro e
jurídico para regular todo o seu funcionamento.
Cada um dos três processos precisou organizar diversos fatores
díspares, como fábricas, pessoas, veículos, leis, tratados etc. O termo design
ganhou, de maneira ampla, possibilidades de preencher os espaços entre
cada um desses fatores (CARDOSO, 2008, p. 22-23).
São muitas as formas de manifestação do Design: cartazes, livros,
cadeiras, espremedores de laranja, veículos, computadores pessoais, caixas
de sabão em pó e tantos outros produtos. Todos esses aspectos fazem parte
da evolução do Design.
A sequência dessa evolução não tem a intenção de contemplar nem
analisar toda a história do Design, e sim de abordar pontos nos quais ele é
utilizado como ferramenta para melhorar, resolver, reformar ou ao menos
questionar problemas e dificuldades da sociedade, como se pretende
evidenciar aqui, no contexto educacional.
Dessa forma, foram analisadas as definições de Design, sua posição
em diversos períodos históricos, como influenciou a sociedade e a ajudou
política e economicamente, além do modo como se tornou cada vez mais

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eficiente, por conta das ligações que criou com outras disciplinas e de
explorar diferentes métodos, e trabalhar diversos níveis de dificuldade dos
problemas, os quais ficavam igualmente mais complexos.
2.2 APLICABILIDADE DO ESTUDO DO DESIGN NO MÉTODO ENSINOAPRENDIZADO
Com base na pesquisa empírica, destaca-se a coordenadora Sonia
Maria¹, que aventou a possibilidade dessa escola se interessar pela proposta.
Segundo ela, os coordenadores e o diretor são abertos a novas e diferentes
abordagens de pesquisas e estudos. A Escola Estadual Teotônio Vilela foi
fundada em 09 de fevereiro de 1984 e fica na cidade de Maceió, mais
precisamente na Avenida Fernandes Lima, SN, no bairro do Farol – Centro
Educacional de Pesquisa Aplicada - CEPA. A escola oferta o ensino
fundamental e o ensino médio.
O primeiro contato com a escola foi de boa receptividade em que foi
apresentada a coordenadora, Sonia Maria. Nesse momento, foram passadas
várias informações sobre as intenções quanto a produção do artigo, atuação
profissional e sobre o curso em que seria desenvolvida a pesquisa. Foi
solicitado que a escola permitisse o acesso aos professores, aos estudantes
e demais integrantes da unidade de ensino e, em troca, a possibilidade de um
estudo aprofundado e o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado e de
outras ações pedagógicas em parceria com instituição educacional.

A

proposta foi aceita prontamente e deu-se início a questionamentos e
alinhamentos das perspectivas de cada um.
De começo, a coordenadora, que, além de ter estudado nessa escola,
trabalha nela há mais de 15 (quinze) anos exercendo a função de professora
e há 10 (dez) anos na função de coordenadora, questionou com qual dos
anos do ensino médio a pesquisa seria realizada. Foram discutidas várias
questões sobre as especificidades de cada série do ensino médio para
visualizar qual série melhor se adequava ao artigo.

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Segundo ela, os alunos da 1ª (primeira) série estão eufóricos com a
nova fase da vida, com o início da sexualidade aflorada, tanto pelas meninas
quanto pelos meninos, além de muitos questionamentos pessoais. Já com os
alunos da 2ª (segunda) série existia certo equilíbrio e estabilidade, pois já
tinham passado pelo grande período de descobertas e novidades do primeiro
ano, mas não havia chegado, ainda, ao momento de decidir a profissão e
entrar na fase de seleção para entrar no curso superior, e exemplo da 3ª
(terceira) série. Ainda de acordo com a coordenadora, os alunos dessa série
tinham muitas vezes comportamentos iguais aos que tinham na préadolescência, uma vez que o medo da vida adulta e a insegurança da vida
fora da escola os faziam ter atitudes infantis que eram tratadas e bem
conduzidas pela coordenação. Logo após a explanação, o coordenador
mostrou a estrutura física da escola e, nesse momento, surgiu à oportunidade
de observar o perfil dos estudantes descrito pela coordenação.
Ficou decidido trabalhar com a turma do segundo ano, pois, além de
poder aproveitar a estabilidade dos alunos do período, entre as novidades do
início do ensino médio e a insegurança do final, o coordenador propôs iniciar
o trabalho de imediato com os alunos e professores. Poder conversar com os
alunos contribuiu para dar uma noção de alguns aspectos do processo de
ensino e aprendizagem desenvolvidos pela escola. No entanto, foi percebida
a necessidade de algo mais, visto que a opinião dos alunos representa o
ponto de vista deles, e a não realização da pesquisa com os demais
envolvidos traria a informação gerada por estudantes, professores e
orientadores, público alvo da pesquisa.
Os professores atuam diretamente com os alunos desse período, mas
não podem ser tratados como os únicos envolvidos com a turma, pois, assim
que cada aluno adentra fisicamente o território escolar, outro profissional pode
dar informações importantes do ponto de vista da pesquisa, inclusive em
momentos e lugares em que o professor não estaria perto para acompanhar

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os alunos, como os corredores, o percurso da troca de salas, o intervalo, a fila
da cantina. Esse profissional é a coordenadora.
Por isso, compreender como a coordenadora e alguns professores
trabalham, ouvir os próprios alunos do segundo ano do ensino médio faz com
que se tenha acesso a praticamente todos os momentos que ocorrem no
ambiente escolar e a todo o serviço prestado na escola para os alunos.
Essa variação de pontos de vista pode trazer informações importantes
para a pesquisa, avaliando a Educação do mesmo modo que o Design faz
com seus objetos, ou seja, como um projeto, pois:
Já contamos com exemplos no campo do ensino chamado “aprendizado
baseado em projetos” ou “ensinamento orientado por problemas”. E isso,
inclusive, se aplica a disciplinas como história e economia, que não se
consideram como disciplinas projetuais. Os promissores resultados
experimentais alcançados sugerem uma reinterpretação do papel do
professor e do aluno. (BONSIEPE, 2012, p. 20)

Logo após o curto passeio pelo corredor e conversa com a
coordenadora, foi feita uma parada na sala dos professores para tomar água
e café, momento em que foram apresentados cinco professores que, desde já
fariam parte da pesquisa: Adelmo Machado – Matemática; Daniel Rodrigues –
Geografia; João Carlos – Química; Maria Aparecida – Português e Maria
Zuleide - Inglês. São palavras da coordenadora: “um estudante de
Especialização em Design de Interface para Dispositivos Móveis (D2INT) no
Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife, em parceria com a
Faculdade Guararapes - FG (C.E.S.A.R/FG - RECIFE/PE), quer fazer um
trabalho de pesquisa na escola”. A ótima receptividade com sorrisos e
desejos de “bem-vindo” soaram muito bem, pois, ainda naquele momento,
estava-se em território desconhecido. Ficou combinado o prosseguimento da
pesquisa e o retorno à escola.
2.3 CENÁRIO DA PESQUISA

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A Escola Estadual Teotônio Vilela está localizada no município de
Maceió - AL, na Avenida Fernandes Lima s/n, bairro do Farol, pertence à
Rede Estadual de Ensino, sob a jurisdição da 13ª Gerência Regional de
Ensino – GERE. Está situada no CEPA – Centro de Ensino e Pesquisas
Aplicadas, o maior Complexo da América Latina, que foi criado e instituído por
decreto em 1968, no Governo Lamenha Filho, que em 1976 passou a se
chamar Centro Educacional Antônio Gomes de Barros (CEAGB). A escola foi
idealizada e construída para atender às necessidades educacionais das
comunidades adjacentes. Com o decorrer dos anos, a clientela da escola foi
modificando e passou também a ser advinda dos mais diversos bairros deste
município e municípios vizinhos.
A escola teve sua construção iniciada em 1983 e recebeu o nome de
Escola de 1º a 2º graus Teotônio Vilela. Sua fundação foi em 09 de fevereiro
de 1984, sob decreto nº 5.709 de 09 de março de 1984. Seu nome foi uma
homenagem ao grande político viçosense Teotônio Brandão Vilela, pois nos
anos oitenta, o País passava por um processo de abertura política e Teotônio
Vilela foi um dos políticos que mais lutaram por essa redemocratização. Nos
anos seguintes, o País voltaria a ser governado por um presidente civil e
também iria escolher seu presidente através do voto depois de 25 anos.
Com o passar dos anos, a Escola passou por algumas reformas e
também por mudanças de nome, como ocorreu em 1998, quando deixou de
ser Escola de 1º e 2º Graus Teotônio Vilela e recebeu sua nomenclatura
atual: Escola Estadual Teotônio Vilela, através da portaria 224/98 e também
publicado no diário oficial de 20/01/1998, e recebeu assim o nº 27035832 de
registro no Censo Escolar.
Quanto ao seu espaço físico, a escola comporta: 10 salas: sendo 09
salas de aula e uma utilizada para laboratório de aprendizagem de Língua
Portuguesa: sala de leitura. Uma sala para docentes; 02 banheiros para
funcionários; 01 sala para coordenação pedagógica; 01 secretaria; 01
diretoria com banheiro; 01 sala de vídeo e TV; 01 sala para laboratório de

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informática, desativada e improvisada também como laboratório de
matemática e onde também funciona, paralelamente, um laboratório de
ciências; 01 depósito para livros; 01 cozinha com banheiro; área de serviço e
despensa para merendas; 01 pátio coberto; 02 vestiários com chuveiros; 01
banheiro masculino e 01 banheiro feminino para discentes, tendo dois
sanitários para pessoa com deficiência física; 02 bebedouros; 01 jardim; uma
sala de recurso multifuncional.
Quanto às condições de funcionamento ainda há carência de
recursos humanos, em relação a funcionários de apoio administrativo, pois o
quantitativo é pequeno para atender à demanda da escola. Além disso, 66%
do quadro de professores são monitores, gerando grande dificuldade quanto à
participação desses profissionais nos encontros pedagógicos, visto que
trabalham com uma carga horária apenas para ministrar aulas.
A escola é administrada de forma democrática, com participação da
instância colegiada, o Conselho Escolar, buscando desta forma, garantir o
envolvimento da comunidade escolar nas decisões que se referem às
questões pedagógicas, administrativas e financeiras da escola. Atualmente,
funciona em 02 (dois) turnos: matutino e vespertino, com um total de 543
alunos matriculados, oferta o ensino fundamental e médio; possui 9 salas de
aulas, 16 turmas; 03 (três) turmas do 6º ano, 02 (duas) turmas do 7º ano, 02
(duas) turmas do 8º ano, 02 (duas) turmas do 9º ano e no ensino médio; 03
(três) turmas da 1ª série, 02 (duas) turmas da 2ª série e 02 (duas) turmas da
3ª série.
Conforme determina a tipificação da escola, possui apenas 01 (um)
diretor, 01 (uma) secretária escolar, 02 (dois) coordenadores, 02 (dois)
agentes administrativos, 01 (um) vigia, 02 (duas) merendeiras e 02 (dois)
agentes de serviços diversos. Os recursos recebidos (PNAE, PDDE, Escola
da Hora e Escola Web) são utilizados conforme deliberação do Conselho
Escolar. O colegiado realiza reuniões mensais para discutir e deliberar sobre
as questões pedagógicas, administrativas e financeiras.

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Embora as perguntas tenham sido feitas com base no que o Design
Thinking utilizaria, na intenção de investigar problemas de divergências entre
as partes envolvidas na prestação do serviço que, nesse caso, é a Educação,
as respostas dadas pelos alunos sobre o que atrapalha o aprendizado
(pergunta 1), os melhores métodos didáticos utilizados pelos professores
(pergunta 4) e os locais onde acontecem as explanações da disciplinas
(pergunta 5) convergiram em dois pontos: o pouco dinamismo das aulas, que
as deixariam monótonas, e o desejo de ter aulas fora da sala de aula,
aproveitando mais os espaços externos da escola. Os professores apostam
nos trabalhos em grupo e instigam a interação entre os alunos, assim como
consideram importante dar mais autonomia para estimular a pensar,
entretanto, tais trabalhos ou atividades não são percebidos dessa maneira
pela turma, pois, como avaliado, a maioria dos alunos acha que tarefas em
que interajam uns com os outros e com os professores para construir o
conteúdo ajuda mais na hora de aprender (pergunta 3). Nenhum deles citou o
fato de tais atividades existirem na escola.
Há, ainda, divergências entre os pontos de vista dos alunos e dos
professores sobre as disciplinas serem interligadas ou não (pergunta 2). A
opinião da coordenadora foi mais próxima da visão dos alunos do que da
visão dos professores, como quando relatam sobre sua aproximação dos
alunos, sobre entender como pensam e analisar como se comunicam entre si,
e, principalmente, como a aula se assemelha com uma conversa ou batepapo com alguém não tão interessante pode ser irritante ou chato e, no caso
da aula, fatal para dispersão. Basicamente, a coordenadora aposta na
empatia com os alunos, em tentar entendê-los e procurar seguir seu ritmo.
Quando todos da escola se envolvem por inteiro, há uma profunda
percepção do que é entregue, no caso da escola, é possível entender o
ensino da mesma forma que o Design entende aquilo que estuda, ou seja,
como um projeto e, assim, as ferramentas do Design Thinking podem fazer
intervenções no ambiente, pois dessa forma consegue-se ter:

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[...] uma variedade de métodos e ferramentas que podem ser utilizados
para obter insights genuínos, a partir de diferentes perspectivas de
usuário, na criação de um novo serviço e para o desenvolvimento,
prototipagem e testes desses conceitos de serviço. Isso se chama
cocriação, e facilitar esse processo em grupos que sejam representativos
de seus stakeholders é um aspecto essencial do design thinking e uma
parte fundamental do design de serviços (STICKDORN; SCHNEIDER,
2014, p. 41).

Mesmo em um ambiente que parece discordante, podem surgir boas
oportunidades para melhorar a maneira que todos os envolvidos se
relacionam e se comunicam, utilizando ferramentas do Design Thinking, além
da possibilidade de dinâmicas criadas, testadas e desenvolvidas pelos
próprios funcionários da escola, seja pelos professores, pelos coordenadores
etc., pois, de acordo com Tim Brown (2010, p. 80):
As habilidades que constituem um excelente design thinker – a
capacidade de identificar padrões na desordem de informações
complexas; de sintetizar novas ideias a partir de fragmentos; de sentir
empatia em relação a pessoas diferentes de nós mesmos – podem ser
aprendidas.

É possível, então, envolver, contextualizar, treinar e dar autonomia a
todos os funcionários da escola para que trabalhem o potencial de mudanças
positivas que o Design Thinking pode proporcionar, procurando soluções para
os problemas que a pesquisa encontrou.
2.4 SOLUÇÃO DE PROBLEMAS VIA DESIGN THIKING
Tim Brown, presidente da IDEO, uma grande empresa de inovação,
acredita que o Design Thinking pode e deve ser usado para ajudar a modificar
e melhorar a Educação, e indaga como isso poderia ser feito:
Talvez a oportunidade mais importante para impacto de longo prazo seja
por meio da educação. Os designers aprenderam alguns poderosos
métodos para chegar a soluções inovadoras. Como podemos utilizar
esses métodos, não apenas para educar a próxima geração de designers,
mas também para pensar em como a educação pode ser reinventada
visando libertar o amplo reservatório de potencial criativo humano? (2010,
p. 209)

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Este artigo procura responder a essa pergunta e, para tanto, é
importante definir quais serão a estratégia e o método utilizado.
De acordo com a pesquisa realizada na escola em questão, com o
coordenador, os professores e uma sala com vinte e quatro alunos da
segunda série do ensino médio, os principais problemas encontrados, frutos
das diferenças de percepção entre o que é proposto pela escola e como isso
chega para os adolescentes, foram:
1. falta de empatia: os envolvidos no processo de ensinoaprendizagem não compreendem o que a outra parte pensa ou
sente;
2. falta de foco: desvios da atenção dos alunos nas aulas e facilidade
de dispersão por meio de conversas;
3. disciplinas vistas separadamente, sem relação umas com as
outras como individuais: dificuldade dos alunos de relacionar as
disciplinas entre si;
4. falha na organização e desenvolvimento do trabalho em equipe
na noção de construção em grupo: falhas na estratégia dos
trabalhos de construção do conhecimento em equipe;
5. falta de autonomia dos alunos: o que foi apontado pelos
professores;
6. monotonia: aulas menos dinâmicas do que os alunos gostariam;
7. preferência por aulas convencionais: os alunos gostariam de
mais aulas ao ar livre ou que se distanciassem do formato da aula
convencional.
Analisando o panorama da escola e levando em consideração que esta
pesquisa não pretende apenas demonstrar os problemas dessa instituição,
mas propor mudanças por meio de ferramentas do Design Thinking, é
possível chegar a uma solução personalizada, uma vez que essa ação deve

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estar alinhada com o que a coordenação assume no que diz respeito às
bases teóricas da Educação. Como a autora Jussara Hoffmann, juntamente
com Terezinha Rios e Isabel Alarcão, que norteiam os ideais pedagógicos da
escola, aderi uma avaliação mediadora, diferente de uma pesquisa que
serviria apenas para coletar informações e analisar os dados obtidos, está a
serviço de atitudes de melhoria a partir da investigação do resultado obtido,
pois, quando se avalia uma escola, não se quer saber sobre seu estado atual,
e sim como esses dados serão insumos para melhorá-la (2014, p. 19-20).
Ainda de acordo com a linha pedagógica da escola, promover ajustes
na dinâmica das aulas e dar aos alunos mais coragem para tomar decisões,
tornam-se ações essenciais, pois, de acordo Isabel Alarcão, estudos feitos em
Portugal cujo objetivo era empoderar os alunos e dar-lhes autonomia para se
tornarem “aprendentes” ativos, aproximando a escola e a vida, tiveram como
resultado alunos que se tornaram mais independentes dos professores e
também mais críticos. O trabalho de pesquisa individual e colaborativa fez da
sala de aula um local para a produção de conhecimento e troca, no lugar de
apenas um ponto de avaliação pela transmissão. Também ficou claro para os
alunos quais eram seus objetivos e como fazer para alcançá-los. Foram
realizadas atividades que tornaram os alunos conscientes do que sabiam ou
precisavam saber, pesquisa pessoal, trabalhos em grupo e utilização de
métodos de aprendizagem com orientação do professor.
Nesse sentido, este artigo pretende, por meio do Design Thinking,
apresentar soluções para os problemas levantados na escola em questão, ou
seja, pretende analisá-los profundamente, entender o que ocorre de errado
ali, usando a visão holística e compreendendo toda a situação como projeto –
que tem um objetivo e, principalmente, será tratado com o uso de um método,
que acarreta em um resultado personalizado, específico e de acordo com as
necessidades envolvidas.
O Design deve resolver problemas dentro das possibilidades, das
dificuldades e do contexto geral de cada caso, com testes necessários, erros

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e aprendizado, do qual surgem fases, que também são testadas, validadas e
modificadas para que funcionem sempre melhor. Cada designer (e cada
design thinker) ou organização de Design tem suas fases de aplicação, existe
o funil do conhecimento de Roger Martin, as três marchas da inovação de
Heather Fraser; imersão, ideação e prototipação de Maurício Vianna; ou
descobrir, definir, desenvolver e entregar, do escritório British Design Council.
Em outras palavras, embora os problemas encontrados na escola analisada
também possam ser encontrados em outras escolas de características
parecidas e público semelhante, há a chance de as soluções propostas serem
completamente diferentes, uma vez que os professores, provavelmente, não
serão os mesmos, o coordenador, provavelmente, será outro; os alunos serão
outros e as bases pedagógicas podem ser outras. As propostas de solução
para os problemas da escola em questão serão apresentadas, via Design
Thinking, apenas para ela, e as quatro fases para sua implementação serão:
reconhecimento dos envolvidos e compreensão dos problemas; criação
das ferramentas; aplicação das ferramentas; e acompanhamento dos
resultados, sendo que as duas últimas fases não fazem parte da proposta do
presente trabalho.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática de se relacionar com outras disciplinas para coletar delas o
que seria adequado para tais soluções fez com que essa busca gerasse uma
visão holística do contexto tratado, sinergicamente atuando na criação de
métodos para buscar soluções. O Design thinking passa, então, a tratar
problemas por meio de metodologias criadas ou adaptadas para cada
situação.
Buscou-se,

com

a

presente

pesquisa,

validar

os

processos

comportamentais do Design Thinking como uma possibilidade de serem
utilizadas como ferramentas pedagógicas. Para realizar a pesquisa na escola

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escolhida, não bastaria apenas analisar os envolvidos que recebem o serviço,
os alunos do segundo ano do ensino médio, mas também levantar, junto aos
demais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, o coordenador, e os
professores, e fatores que dificultavam o desenvolvimento do processo.
Não bastaria, como a própria pesquisa demonstra, ter analisado
apenas o ponto de vista de uma das partes envolvidas, afinal, como já dito, o
Design usa a visão holística para tratar de um problema. Dessa forma,
olhando para todo o contexto através da pesquisa, podem-se perceber
diferenças

entre

as

percepções

e

intenções

dos

envolvidos,

mais

evidenciadas na relação entre alunos e professores: os problemas, as
dificuldades e as vontades dos alunos, de acordo com as opiniões emitidas
por eles, são bastante diferentes do que compreendem e desejam os
professores. Do mesmo modo, os conteúdos pedagógicos tratados não são
aprendidos , segundo a ótica sócio e cultural por eles vivenciados nas suas
realidades.
Portanto, após realizar a pesquisa, é possível afirmar que as
ferramentas desencadeadas pelo Design Thinking são uma possibilidade na
busca por soluções nas escolas, à medida que ressaltam os vários aspectos
do

ensino-aprendizagem,

procurando

ouvir

todos

os

envolvidos

e

proporcionando a busca por soluções partilhadas, sendo que, para isso, a
hierarquia é rompida, abrindo de maneira efetiva uma ação coletiva.
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AMBIENTE ESCOLAR E AS NOVAS DEMANDAS DA
GERAÇÃO Z
Carlos Alexsandro de Carvalho Souza
Ana Lívia Clemente Santos
RESUMO: O trabalho em tela teve como objetivo compreender como os
jovens estudantes da “Geração Z” representavam o ambiente escolar diante
das novas demandas juvenis relacionadas à incorporação de tecnologias
digitais na escola. Foram aplicados questionários em duas turmas de escolas
públicas, totalizando a participação de 72 alunos do ensino médio. Os
resultados evidenciaram que eles se identificavam como uma geração
marcada pelo uso crescente de tecnologias digitais e presença nos ambientes
virtuais de interação social e que compreendem que a escola deve incorporar
essas tecnologias e associá-las às práticas pedagógicas, com vistas a
melhorar a aprendizagem e torna-la mais contextualizada e significativa.
Palavras-chave: ambiente escolar – Geração Z – tecnologias digitais –
aprendizagem.
INTRODUÇÃO
Um dos traços mais característicos das sociedades contemporâneas,
de acordo com as ciências sociais, é o acelerado ritmo de mudanças que tem
impactado nas diversas instituições sociais (BAUMAN, 2013). Embora se
saiba que existem diversas matrizes teóricas que têm dado tratamento aos
mais variados fenômenos sociais nos diversos contextos, não se pode negar
que elas apontam para o fato que de vivemos e experimentamos
remodelações nas instituições e no modo como as relações entre indivíduo e
sociedade se estabelecem.
Diante disso, instituições como a família, a religião e a escola, por
exemplo, são pressionadas a remodelar alguns dos preceitos sobre os quais
repousam, a fim de adequarem-se às novas contingências e às novas
valorações que estão na ordem do dia (CUNHA, 2010; HAECHT, 2008). O
presente trabalho toma esse cenário de mudanças como pano de fundo

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decisivo para compreender os novos desafios, provocações e demandas com
as quais uma das instituições sociais mais tradicionais, a escola, passa a
lidar, considerando, sobretudo, como a contemporaneidade é marcada por,
pelo menos, enfatizadas nos limites deste trabalho, dois fenômenos que
ganham relevo: os novos processos de formação da identidade juvenil nos
ambientes virtuais de interação e a percepção que os jovens estudantes têm
do ambiente escolar.
É possível verificar mudanças comportamentais consideráveis em
relação ao uso dos recursos tecnológicos pelos jovens que, cada vez mais,
revelam que seus estilos de vida, expectativas e formas de socialização
passam por novos condicionamentos estruturais que são consequência do
ampliado poder de penetração das mídias digitais (BARBOSA, 2012). Essas
mudanças comportamentais se reverberam nos ambientes escolares,
notadamente porque indicam que aspectos como a concentração, a
memorização, a paciência e a motivação para o formato tradicional da escola,
por exemplo, parecem se esvair. É preciso diagnosticar e categorizar essas
mudanças estruturais para compreender como afetam as relações entre
ensino e aprendizagem.
A “geração Z” e uma nova agenda de demandas
A chamada “Geração Z” (TAPSCOTT, 1999), jovens nascidos na
década de noventa e substancialmente marcada pelo uso das tecnologias
digitais e tendo parte cada vez mais expressiva de seus contatos sociais
nessas plataformas identificam, representa e se envolve com o ambiente
escolar no qual estão inseridos de maneira diferenciada. Para atingir este
objetivo, foi necessário acessar a literatura especializada que dá tratamento
às mudanças nos perfis geracionais, notadamente à “Geração Z” e sua
relação com as plataformas digitais e ferramentas tecnológicas, analisar os
impactos causados pela expansão do uso das tecnologias digitais nas

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relações de ensino e aprendizagem através da representação que os alunos
constroem das escolas e compreender algumas das demandas apresentadas
pelos jovens estudantes em relação ao ambiente escolar e suas implicações
na construção de novos projetos pedagógicos.
Trata-se de uma geração marcada pela experiência de uma miríade de
recursos, aparatos, dispositivos, recursos e ferramentas digitais; por códigos,
linguagens, símbolos, expressões e narrativas dos ambientes virtuais de
interação social; por novas tendências comportamentais, emocionais,
cognitivas e por um notável senso de urgência; por novas formas de relação
com a informação e com o conhecimento; por uma nova percepção de tempo
e espaço, por uma nova maneira de se relacionar entre si e, principalmente,
por novas tensões que estabelecem com as gerações anteriores.
A dimensão de percepção temporal é assaz importante, notadamente
porque para a geração dos também chamados “nativos digitais”, dedicar
muita energia, por um extenso tempo, às mesmas atividades, é cada vez mais
difícil. Nesse sentido, parece que alguns dos pilares sobre os quais as
práticas mais tradicionais dos sistemas de ensino repousam sentem a aurora
de novos tempos, tempos onde a palavra de ordem é a instabilidade, seja no
que concerne à fluidez de perspectivas, seja no que concerne à urgência com
que as coisas parecem se impor. Essa geração é a porta-voz de um senso de
urgência jamais sentido pela escola, especialmente.
O trabalho teve como objetivo acessar a literatura especializada que dá
tratamento às mudanças nos perfis geracionais, notadamente à “Geração Z”,
compreendendo

algumas

das

demandas

apresentadas

pelos

jovens

estudantes em relação ao ambiente escolar e diagnosticar a maneira através
da qual os jovens percebem a adequação das escolas aos novos “tempos
tecnológicos”. A compreensão da “Geração Z”, depende da consideração da
expansão e generalização do uso das novas ferramentas tecnológicas e os
ambientes virtuais de interação social e suas reverberações no ambiente

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escolar, revelando novas demandas no que concerne à relação ensino e
aprendizagem.
Alguns dados para reflexão
O trabalho se amparou em duas dimensões constitutivas: levantamento
de bibliografia especializada, com vistas a acessar as mais recentes
produções acerca das mudanças geracionais e emergência da Geração Z, da
expansão dos ambientes virtuais de interação social e das novas demandas
com as quais as escolas passavam a lidar na recomposição e reformulação
de seus projetos pedagógicos e a elaboração e aplicação de questionários em
duas turmas de escolas estaduais, uma no município de Branquinha- AL e
outra no município de União dos Palmares-AL, totalizando 72 alunos. O
referido questionário era composto de perguntas estruturadas a partir dos
seguintes critérios: perfil socioeconômico, percepção e uso das ferramentais e
plataformas digitais, percepção geracional e envolvimento com o ambiente
escolar, além das expectativas em relação ao uso das novas tecnologias em
fins pedagógicos.
Além do já destacado acesso à literatura especializada e a alguns dos
autores que vem dando tratamento teórico e empírico às mudanças
relacionadas à educação e aos sistemas de ensino, indicando como a
geração Z reúne e revela um conjunto de novas disposições comportamentais
que se traduzem em novos desafios aos ambientes escolares e aos projetos
político-pedagógicos, o exercício de coleta de dados primários através dos
questionários

aplicados

se

revelou

bastante

enriquecedor

para

a

compreensão do fenômeno que se buscou compreender.
Uma das questões que empreendia compreender como os jovens
estudantes definiam o perfil do jovem brasileiro atual registrou um percentual
de 72% apontando a alternativa “um indivíduo em constante processo de
mudança, acompanhando tendências (principalmente tecnológicas) que

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ocorrem cotidianamente. Esse percentual, apesar do pequeno universo, pode
indicar a maneira pela qual os jovens sentem o acentuado ritmo de mudanças
que têm condicionado suas relações, notadamente como consequência da
popularização das plataformas digitais e, notadamente, da expansão das
redes sociais de interação social e internet que, no que concerne ao seu uso,
registrou um percentual de 54% de respostas que indicavam seu uso para
“estudos, pesquisas diversas e para socializar com amigos e parentes. Este
último quesito, por exemplo, revela pelo menos duas dimensões que
merecem tratamento mais qualitativo em pesquisas futuras, que consistem na
análise dos efeitos nos processos de socialização e interação social, cada vez
mais marcados pela mediação tecnológica e, por outro lado, as implicações
deste uso na relação com os componentes curriculares e com os projetos
pedagógicos escolares.
Consideremos algumas das perguntas que compuseram o questionário
aplicado. No questionário aplicado, a questão “Qual das alternativas abaixo
melhor define o jovem brasileiro atual?” apresentava as seguintes
alternativas:
a) um indivíduo que está em constante processo de mudança, acompanhando
tendências (principalmente tecnológicas) que ocorrem o tempo todo.
b) um indivíduo pouco atraído pelas mudanças e, geralmente, contrário às
novas ferramentas tecnológicas.
c) um indivíduo que ainda não se adaptou aos recursos tecnológicos e ao uso
de redes sociais como forma de interação com os amigos e parentes.

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Qual alternativa reúne os principais usos que você faz da internet e das redes
sociais?
a) para estudos, pesquisas relacionadas aos temas da escola e acessar
notícias.
b) para se entreter, como forma de diversão e de informação sobre o que está
acontecendo.
c) para estudos, pesquisas e para socializar com amigos e parentes.

-Qual das alternativas abaixo melhor define o ambiente escolar?
a) agradável, estimulante e capaz de entender as necessidades dos jovens
estudantes.
b) pouca agradável, pouco estimulante a incapaz de entender as
necessidades dos jovens estudantes.
c) cansativo e desestimulante por causa dos problemas estruturais (sala de
aula, banheiros, etc.)
d) um ambiente com professores capacitados, comprometidos e esforçados,
mas com limitações para o desempenho de suas atividades

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A percepção de que a necessidade e dependência das tecnologias
digitais (TAPSCOTT, 1999; BARBOSA, 2012), plataformas digitais de
interação e ferramentas tecnológicas registrou um considerável percentual de
respostas que indicavam a “expectativa de aumento do uso, já que
dependemos cada vez mais deles” (59%). No que concerne à relação das
tecnologias com as atividades escolares e as estratégias pedagógicas, 55%
dos alunos acredita que o uso das tecnologias nas escolas deve ter como
objetivo “tornar as aulas mais dinâmicas, como forma de transmitir os
conteúdos das matérias escolares”, ao lado do expressivo percentual que
destacava a necessidade de “servir como meio para uma aprendizagem
capaz de estimular a criatividade e a autonomia” (42%). Essas duas últimas
perguntas sugerem uma percepção de necessidade do uso das tecnologias
como ferramentas tecnológicas, capazes de auxiliar as práticas pedagógicas,
estabelecendo importante mediação, mesmo numa racionalidade mais
instrumental de “transmitir os conteúdos das matérias”, além de tornar as
aulas aparentemente mais atrativas, envolventes e dinâmicas. A criatividade e
a autonomia (COLL, 2010) também ganham destaque e se coadunam com
algumas das tendências comportamentais da geração Z, como a atratividade
às atividades criativas, o pensamento rápido, a performance em múltiplas
tarefas e, ao mesmo tempo, com a dualidade entre o profundo interesse e a
rápida saturação em relação à alguma atividade. Em síntese, a geração Z
parece ser marcada pela fluidez nos interesses e envolvimento com
atividades que não lhe pareçam atraentes ou envolventes.
-Com o passar do tempo, acredita que sua relação com a tecnologia
(equipamentos, redes sociais, etc.) tende a:
a) aumentar, pois dependemos cada vez mais dela.
b) diminuir, pois ela está prejudicando as relações humanas.
c) não sei.

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-Na sua opinião, o uso de tecnologias nas escolas deve ter como objetivo:
a) tornar as aulas mais dinâmicas, como forma de passar os conteúdos das
matérias.
b) servir como meio para uma aprendizagem capaz de estimular a criatividade
e a autonomia.
c) ser usada apenas como ferramenta de entretenimento e diversão.

CONCLUSÕES
A pesquisa tal como foi proposta, dentro de suas limitações formais e
de escopo, propôs uma reflexão sobre uma tendência apontada pela literatura
especializada no âmbito das ciências sociais e da educação, que são as
profundas mudanças geracionais registradas nas últimas décadas, marcadas
pelas implicações do uso das novas tecnologias digitais e plataformas de
interação social no ambiente escolar. Concluiu-se, considerando a reflexão
bibliográfica e a análise dos dados coletados que os jovens se identificam
com uma representação geracional pautada no uso intensivo de tecnologias,
com a interação nos ambientes virtuais e na representação do ambiente

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escolar como espaço marcado pelas limitações estruturais que comprometem
a qualidade de ensino, embora os esforços para superá-las sejam percebidos
por eles. Os jovens salientam sua perspectiva de uso crescente das
tecnologias e da necessidade das escolas se adaptarem a esta nova
realidade, com vistas a dinamizar, atualizar e redimensionar as relações entre
ensino e aprendizagem através de novas mediações pedagógicas.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude. Rio de Janeiro: Zahar,
2013
BARBOSA, Luciana. Juventudes e gerações no Brasil contemporâneo.
Porto Alegre: Sulina, 2012
CUNHA, Maria. Sociologia da educação. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010
COLL, Cezar. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as
tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010
HAECHT, Ana. Sociologia da educação: a escola posta à prova. Porto
Alegre: Artmed, 2008
TAPSCOTT, Dan. Geração digital: a crescente e irreversível ascensão da
geração net. São Paulo: Makron Books, 1999

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DESENVOLVIMENTO DE APLICATIVO PARA ABORDAGEM DE
GEOMETRIA MOLECULAR TRIDIMENSIONAL BASEADO EM
REALIDADE AUMENTADA
Valdeir Antonio do Nascimento Santos
valdeir.ans@gmail.com
Maria de Fátima Correia da Silva Neta
mfc.quimica@gmail.com
Simone Pimentel Sobral
simone.p.sobral@gmail.com
RESUMO: O uso de novas tecnologias de ensino tem sido utilizado com o
intuito de atrair cada vez mais a nova geração de estudantes, cada vez mais
conectados, bem como, auxiliar o processo de ensino-aprendizagem. A
Realidade Aumentada (RA) é um dos mecanismos da TIC (Tecnologias de
Informação e Comunicação) para promover uma maior atratividade no ensino,
ademais, possibilita a visualização de objetos que estão fora do alcance da
percepção visual. Com o intuito de produzir uma ferramenta alternativa que
facilite a compreensão de tópicos com altos níveis de abstração, o presente
trabalho apresenta um aplicativo educacional que faz uso da RA. O projeto
teve como objetivo geral desenvolver um programa para smartphones que
auxilie a visualização de modelos e objetos abstratos da Química e como
objeto específico propor uma ferramenta alternativa para o ensino de
geometria molecular. O aplicativo oferece e/ou proporciona uma visão
tridimensional e interativa das moléculas, diferente da visão que lhes é
oferecida pelas figuras dos materiais didáticos, que restringem a
representação dos modelos de três dimensões a imagens bidimensionais.
Outrossim é possível obter algumas informações a respeito da ocorrência
dessas moléculas, ângulo de ligação e exemplos.
PALAVRAS-CHAVE: Aplicativo – Ensino – Realidade Aumentada
1 INTRODUÇÃO
Com a evolução da tecnologia e sua empregabilidade cada vez maior
em nosso dia a dia, principalmente na convivência de crianças e
adolescentes, faz-se necessário o uso de inovações no ambiente escolar.
Empregando novas tecnologias para facilitar e tornar o aprendizado mais

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coeso com a vivência dessa nova geração, altamente conectada com o
mundo virtual (TAVARES, 2003).
O uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC), está sendo
empregada na educação de diversas formas para atrair a atenção dessa nova
geração de estudantes. Um dos recursos utilizados é a Realidade Aumentada
que, segundo Araújo (2010, p.1):
A Realidade Aumentada é a mistura de mundos reais e
virtuais em algum ponto da realidade/virtualidade contínua,
que conecta ambientes completamente reais a ambientes
completamente virtuais, portanto, a Realidade Aumentada é a
melhoria do mundo real com textos, imagens e objetos
virtuais, gerados por computador.

A Realidade Aumentada (RA) é um dos mecanismos da TIC para
promover uma maior atratividade e facilitar o ensino, tanto nos anos iniciais
como no ensino médio escolar. O uso da RA permite a manipulação de
objetos virtuais com as mãos ou com alguns dispositivos simples, sem a
necessidade de treinamento ou adaptação dos usuários. Sua aplicabilidade
se estende praticamente a todas as áreas do conhecimento humano, além de,
possibilitar a visualização de objetos que estão fora do alcance da percepção
visual. (ARAÚJO, 2010).
Silva et al (2008, p. 58) afirmam que: “os sistemas virtuais possibilitam
experiências com a sensação de presença, por meio da integração dinâmica,
de diferentes modalidades perceptivas, que envolvem imagens, sons, tato,
etc.”. Assim, a possibilidade de interação entre objetos reais e virtuais, que
ocorre por meio da RA, pode oferecer ao usuário maiores informações
sensitivas, facilitando a associação e a reflexão sobre o objeto de estudo.
O ensino de química, encaixa-se perfeitamente com esse novo
seguimento da tecnologia, voltado para o ensino, uma vez que, uma das
maiores problemáticas de se trabalhar os conteúdos de química em sala de
aula é o conteúdo abstrato. Segundo Kaufmann et al, (2005) a principal
vantagem do uso da Realidade Aumentada é que os alunos realmente veem

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objetos tridimensionais. Desse modo assuntos como ligações químicas e
geometria molecular podem ser abordados de maneira mais dinâmica,
tornando o conteúdo mais atrativo.
2 OBJETIVO
Pozo e Crespo (2009) afirmam que uma das dificuldades enfrentadas
pelos estudantes do final do ensino fundamental e do ensino médio com
relação ao aprendizado de química é o alto nível de abstração requerido para
compreensão dos assuntos. Tradicionalmente, utilizasse imagens impressas,
em materiais didáticos, ou mídias como o vídeo para auxiliar a abstração
desses conteúdos. Com o intuito de produzir uma ferramenta alternativa para
a compreensão de tópicos com alto grau de abstração, o presente trabalho
apresenta um aplicativo educacional que utiliza RA. O projeto teve como
objetivo geral desenvolver um programa para smartphones que auxilie a
visualização de modelos e objetos abstratos da Química e como objeto
específico propor uma ferramenta alternativa para o ensino de geometria
molecular.
3 DENVOLVIMENTO
O desenvolvimento do aplicativo, denominado QuímicaReal, foi
realizado em duas etapas. Primeiramente realizou-se um levantamento
bibliográfico com as seguintes finalidades: estudar o estado da arte da RA na
educação e verificar quais ferramentas de desenvolvimento poderiam ser
utilizadas. A partir do levantamento bibliográfico foi definido que o aplicativo
deveria possuir as seguintes caracterizas: ser produzido com ferramentas
gratuitas para que após seu desenvolvimento possa ser utilizado de forma
gratuita, possuir interatividade com o usuário para proporcionar uma
experiência significativa de aprendizagem e ser atrativo e de fácil manuseio.
A segunda etapa de desenvolvimento constou da construção do
aplicativo. O protótipo foi desenvolvido a partir do software Unity 3D que tem

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como finalidade o desenvolvimento de jogos, aplicativos e experiências em
2D e 3D. A Unity 3D possui duas versões, Unity 3D Pro, custando 1.380, 00
euros por ano e uma versão gratuita para fins educacionais conhecida apenas
como Unity 3D. Esse software utiliza as linguagens Java script, C# e Boo para
a

programação

de

suas

aplicações,

ele

foi

selecionado

para

o

desenvolvimento do protótipo devido a fácil portabilidade das aplicações
desenvolvidas por ele entre plataformas diferentes.
Também foram utilizados a API, Application Programming Interface,
implementação desenvolvida para utilização de terceiros, EasyAR, uma
complementação gratuita utilizada para o processamento de RA.
A API EasyAR é uma aplicação que atua em duas partes:
•

Processamento de imagem: a plataforma a qual o EasyAR foi

configurado reconhece as imagens, através de periféricos ópticos,
previamente cadastradas no aplicativo e processa os objetos virtuais
vinculados aquela imagem no periférico de saída de imagens.
•

Marcadores: são referenciais pelos quais são computadas a

posição e orientação do observador no mundo real (Oliveira et al,
2017) que determinam a posição onde esses objetos serão
processados e simulados conforme indicado na figura 1-a.

Figura 1 – Utilização dos marcadores

Fonte: Os Autores

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Marcadores

podem

ser

imagens

impressas,

objetos

reais

ou

coordenadas geográficas. Aos marcadores são associados os objetos virtuais
que serão processados e gerados no periférico de saída de imagens como
visto na figura 1-b.
Ao todo foram criados 7 marcadores, como pôde-se observar na Figura
2, para a visualização de 7 tipos de geometrias diferentes, que são elas:
Linear, angular, trigonal, tetraédrica, piramidal, bipiramidal e octaédrica.
Também foram desenvolvidos objetos virtuais para representar as
geometrias moléculas, esses objetos foram modelados utilizando uma
ferramenta gratuita denominada Blender, tipicamente desenvolvida para
produção de modelos tridimensionais voltados para jogos e animações
computacionais.

4 RESULTADOS
Os marcadores foram projetados para se enquadrar as imagens
utilizadas nos materiais didáticos de química, pois a perspectiva para futuros
aplicações da RA é a utilização associada a esses materiais didáticos, a
utilização do aplicativo dar-se por focar a câmera de um smartphone em
algum dos marcadores das moléculas, como demostrado na figura 2-a, assim,
a imagem em 3D da respectiva molécula é exibida na tela do smartphone
como exibido na figura 2-b.
Figura 2 – Funcionamento da aplicação

Fonte: Os Autores

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De acordo com a Figura 3 é possível observar todos os marcadores
criados para a projeção da imagem em 3D das moléculas em suas
respectivas geometrias, como explicado anteriormente.

Figura 3 – Marcadores das moléculas.

Fonte: Os Autores
A interface foi projetada para interagir com os objetos virtuais, figura 4a, e se ocultarem quando não forem utilizadas, figura 4-b. Modelou-se os
pontos de interação da interface em forma de post-it, pequenas folhas de
papel adesivo de várias dimensões, formas e cores utilizados como lembretes
e marcadores de páginas, onde temos os post-its verde (Mudar Visualização),
vermelho (Informações) e azul (Voltar) (Figura 4-a).
Figura 4 – Interface do aplicativo

Fonte: Os Autores

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O projeto foi idealizado para ser utilizado em diversos dispositivos
moveis utilizando a língua C#, linguagem orientada a objetos, simples e
segura que permitem o desenvolvimento rápido de aplicativos e sua
manutenção (Microsoft), porém, devido a impossibilidades técnicas, pois a
tecnologia

implementada

nas

plataformas

Iphone

é

coberta

por patente ou copyright possuindo pouco suporte técnico e um grau de
dificuldade maior para o desenvolvimento de aplicativos, logo, o protótipo só
foi portado para a plataforma Android.
O aplicativo possibilita a rotação dos objetos virtuais com o toque na
tela, para que o estudante possa visualizar as moléculas de ângulos
diferentes, ao acessar a opção Mudar Visualização (post-it verde), é possível
visualizar a molécula de um único marcador (figura 5-a) de diferentes formas,
mudando o tipo de ligação da molécula (ligação simples, dupla ou tripla),
mostrando que moléculas de geometria e ângulos iguais podem ter diferentes
tipos de ligações, como pode ser observado na Figura 5-a, onde a molécula
possui ligações simples e na Figura 5-b, uma ligação dupla.
Figura 5 – Opção Mudar Visualização (mudança do tipo de ligação).

Fonte: Os autores

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Além disso é possível obter algumas informações a respeito da
ocorrência dessas moléculas, ângulo de ligação e exemplos, ao clicar na
opção Informações (post-it vermelho), como expresso na Figura 6.

Figura 6 – Opção Informações (informações gerais sobre as
moléculas).

Fonte: Os autores
De acordo com a Figura 7 pode-se observar todas as geometrias
moleculares (linear, angular, trigonal, tetraédrica, piramidal, bipiramidal e
octaédrica) projetadas em seus respectivos marcadores.

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Figura 7 – Projeção das diferentes

geometrias moleculares.
Fonte: Os autores
O aplicativo QuimicaReal foi criado no intuito de oferecer e/ou
proporcionar ao estudante uma visão tridimensional e interativa das moléculas
(figura 8-b), diferente da visão que lhes é oferecida pelas figuras dos materiais
didáticos (figura 8-a), o que restringe a representação dos modelos de três
dimensões a imagens bidimensionais.
Figura 8 – Comparação de representações

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Fonte: Os autores
Esse tipo de limitação, por sua vez, influencia diretamente no
aprendizado dos alunos, que além de terem que lidar com as abstrações do
assunto abordado, ainda necessitam ter noções espaciais, para que haja o
entendimento de fenômenos macro e microscópicos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de objetos de aprendizagem como o aplicativo
QuímicaReal podem incentivar o aluno a se engajar no processo de ensinoaprendizagem, o uso de TIC’s, abre um espaço para uma nova forma de
aprendizagem, que vai além do ensino tradicional, onde o professor se detém
ao uso do quadro, e do livro impresso. O aplicativo QuímicaReal foi criado
como uma ferramenta alternativa e inovadora, de cunho tecnológico, que
possa auxiliar os alunos no processo de aprendizagem, de um assunto
abstrato e de difícil compreensão, devido ao déficit de noções espaciais e
entendimento de fenômenos macro e microscópicos, que não são
devidamente sanados apenas com o uso de material impresso.
Por se tratar de uma abordagem inovadora, compatível com as
tecnologias da vivencia da maioria dos estudantes, de forma contextualizada,
acessível, atrativa e de fácil aplicação, o aplicativo elaborado é bastante
promissor.

Dessa

forma,

as

etapas

que

darão

seguimento

ao

desenvolvimento científico-tecnológico iniciado no âmbito deste estudo,
contemplarão a aplicação em diferentes escolares do ensino médio de Maceió
e a adequação das figuras dos livros como marcadores.

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REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Dionata Martins & VIEIRA, Nayara Silva. Uso de Realidade
Aumentada como Ferramenta Complementar ao Ensino das Principais
Ligações

entre

Átomos.

Disponível

em:

<http://www.lbd.dcc.ufmg.br/colecoes/wrva/2010/0035.pdf> Acesso em: 18
mar. 2017.
KAUFMANN, Hannes; STEINBÜEGL, Karin; Dünser, Andreas; Glück, Judith.
General Training of Spatial Abilities by Geometry Education in
Augmented Reality. In: Annual Review of CyberTherapy and Telemedi cine:
A Decade of VR, vol. 3, páginas 65-76, 2005. Disponível em:
<http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.71.1879&rep=rep1
&type=pdf> Acesso em: 18 mar. 2017.
MICROSOFT,

C#,

Disponível

em:

<https://docs.microsoft.com/pt-

br/dotnet/csharp/csharp>. Acesso em: 15 jul. 2017.
OLIVEIRA, Douglas. C. B.; Pereira, Lidiane T.; Silva, Rodrigo L. S. Uma
Arquitetura de Software para Bibliotecas de Realidade Aumentada
Baseada em Marcadores Naturais, R. Inform. Teór. Apl. (Online), Porto
Alegre, v. 24, n. 1, p. 41-58, 2017.
POZO, Juan Ignácio & CRESPO, Miguel Ángel. G. A aprendizagem e o
ensino de ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento
científico. Porto Alegre, RS: Artmed, 5. ed. 2009.
SANTOS, José Nazareno, SILVA, Romero Tavares. Animação interativa
como organizador prévio. In: IV International Meeting On Meanningful
Learning

Maragogi/AL.

Brasil,

2003.

Disponível

em:

<http://www.fisica.ufpb.br/~romero/pdf/SNEF-15.pdf> Acesso em: 15 jul. 2017.
SILVA, Wender Antônio; RIBEIRO, Marcos Wagner Souza; LAMOUNIER
JÚNIOR,

Edgard;

CARDOSO,

Alexandre.

Uma

Arquitetura

para

p. 687
ISSN 1981-3031
Vol. 01

Distribuição de Ambientes Virtuais de Realidade Aumentada aplicada à
Educação. Revista Brasileira de Infomática na Educação, v. 16, n. 3, p.5869, 2008.

p. 688
ISSN 1981-3031
Vol. 01

ESTRATÉGIAS DE GAMIFICAÇÃO APLICADAS AO ENSINO
SUPERIOR: uma análise comparativa no curso de
Comunicação Social
Daniel Augusto Monteiro de Barros
daniel.amb@gmail.com
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
prof.fernandoscp@gmail.com
RESUMO: O estudo apresenta os dados iniciais de uma investigação sobre
as estratégias de gamificação aplicadas ao ensino superior. Os dados
coletados a partir do mapeamento sistemático, conforme Petersen et al.
(2008), foi desenvolvido junto a periódicos da área, como também junto aos
principais eventos científicos da área. Tratando-se de um estudo de educação
comparada, com abordagem qualitativa, inicialmente deve ser efetuado um
novo mapeamento sistemático, mais amplo, para que seja possível identificar
mais estudos relacionados às estratégias de gamificação implementadas no
ensino superior. A identificação e seleção das estratégias serão a base para
se planejar e ministrar uma disciplina no curso de Comunicação Social de
uma IES de Maceió-AL, em duas turmas distintas. Desse modo, a pesquisa
em curso pretende avaliar a aplicação de estratégias de gamificação,
mediadas pelas TICs, no ensino superior presencial, em comparação a uma
abordagem não gamificada, para identificar se a abordagem gamificada tem o
potencial de atrair a atenção dos discentes, promovendo o engajamento, a
participação colaborativa e a construção do conhecimento. Nesse sentido, a
análise comparativa entre turmas gamificadas e não gamificadas, de uma
mesma disciplina, construirá um recorte com respostas, ou novas indagações,
sobre vantagens e desvantagens no uso da gamificação, mediadas pelas
TICs, no ensino superior, contribuindo junto a comunidade acadêmica, como
fonte de pesquisa para o campo da educação, no sentido de ampliar os
conhecimentos sobre a temática da gamificação, já presente em tantas outras
áreas de estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Superior – Métodos de Pesquisa – Tecnologia da
Informação

1 INTRODUÇÃO
A educação, integrante dos direitos sociais estabelecidos no artigo 6º
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), é
reconhecida pela Unesco (UNESCO, 1987) como um dos pilares para o

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desenvolvimento social e econômico de uma nação. No contexto brasileiro, e
mais especificamente no ensino superior, a melhoria dos indicadores em
educação apresenta-se como um desafio a ser superado.
Neste sentido, a expectativa dos diversos atores que trabalham na
área da educação é de que o crescimento do acesso às Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) e suas aplicações no ambiente
educacional tornem-se catalisadores para um impacto significativo nos
processos de ensino e aprendizagem, reverberando positivamente na
construção do conhecimento.
De acordo com Kluver (2000), no que diz respeito ao uso das TICs na
educação, sabe-se que o desenvolvimento socioeconômico de uma nação, no
âmbito sustentável, está diretamente relacionado a uma educação que
acompanha as mudanças e, ao mesmo tempo, se apropria das tecnologias
disponíveis para contribuir com a inclusão social e para a construção de um
saber que imprima a inserção do país, de forma equitativa, no mercado
mundial.
Sendo assim, torna-se necessária a utilização de estratégias
educacionais criativas e flexíveis o suficiente a fim de incorporar as TICs,
colocando-as a serviço da formação de uma sociedade crítica e produtiva
(SAMPAIO et al., 2005).
Nos processos de ensino e aprendizagem, a depender da metodologia,
há grandes dificuldades na manutenção do envolvimento e motivação dos
discentes para a realização de suas atividades (BORUCHOVITCH et al.,
2013). Vale ressaltar que a motivação é um aspecto importante nos
processos de ensino e aprendizagem, pois segundo Cavenaghi e Bzuneck
(2009), a intensidade e a qualidade do envolvimento exigido para aprender
dependem dela. Destaca-se ainda, o que alertam Lens, Matos e Vanteenkiste
(2008), ao considerar a motivação um processo psicológico, não sendo
apenas um elemento estável da personalidade. Desse modo, ainda segundo
os autores, a motivação do discente pode ser alterada, tanto através de

p. 690
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mudanças endógenas, quanto por mudanças exógenas, como no caso do
ambiente de aprendizagem.
O não comprometimento e a desmotivação que alguns ambientes
educacionais apresentam, em contraposição aos preceitos da sociedade
atual, revelam a possibilidade de uma remodelação na forma como os
conteúdos são transmitidos, visando uma melhoria no desempenho dos
processos de ensino e aprendizagem.
Procurando atender tal expectativa, uma proposta que vem ganhando
corpo entre educadores que buscam estratégias inovadoras para promover
um ambiente educacional atrativo e contemporâneo para seus alunos, é a da
aprendizagem implementada em ambientes gamificados. Tal acontecimento
se origina da ideia de que os games, e os ambientes gamificados, têm o
potencial de atrair a atenção de pessoas e seus esforços, envolvendo-os em
um contexto lúdico (DETERDING et al., 2011).
Por definição, gamificação pode ser entendida como o uso de
elementos e mecânicas de jogos, aplicados em contextos não relacionados
com jogos, envolvendo desafios, competição saudável, recompensas, entre
outros, sendo todos eles controlados por limites e regras bem definidas, e
com metas bem delineadas (DETERDING et al., 2011).
Embora o termo gamificação tenha ganhado relevância acadêmica a
partir de 2010, conforme Fadel e Ulbricht (2014), a gamificação já vem sendo
aplicada há muito tempo, pois na educação um aluno podia ter seu esforço
reconhecido e este seria recompensado por emblemas; outra possibilidade
seria em relação ao nível de dificuldade de determinadas atividades, onde
estas eram crescentes, adaptando-se aos níveis de habilidade do aluno.
Dessa forma, aqui se apresentam algumas das características inerentes aos
modelos de ambientes de aprendizagem gamificados que já foram e ainda
são utilizados no sentido de engajar e motivar os sujeitos na identificação e
resolução de problemas, contribuindo positivamente para os processos de
ensino e aprendizagem na educação formal.

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No âmbito da educação superior, em especial na modalidade EAD
(educação a distância), o processo de gamificar tem sido aplicado em
diferentes contextos, como por exemplo, o uso de jogos digitais (OLIVEIRA et
al. 2012), entretanto, no ensino superior presencial essa prática ainda
apresenta poucos registros científicos e publicações de experiências
vivenciais.
Nesse sentido, no presente estudo apresenta-se os dados de um
mapeamento sistemático sobre as estratégias de gamificação no ensino
superior presencial, compreendendo que os dados coletados são essenciais
para compreender o significado e a relevância do estudo que está sendo
desenvolvido, numa perspectiva da educação comparada.
2 ESTRATÉGIAS DE GAMIFICAÇÃO
O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (NASCENTES, A.
1955, p. 200), traz a acepção do termo estratégia, do grego stratēgía, como
sendo "comando do exército". A ideia comumente apresentada hoje é a de
que o termo estratégia denota a forma planificada de utilização dos recursos
disponíveis para que se alcance um objetivo. Neste sentido, para se
determinar estratégias de gamificação é preciso entender a gamificação,
sendo essencial compreender sua conexão aos jogos, mas sem que esteja
inserida num ambiente de jogo propriamente dito. Ou seja, a gamificação
enseja a utilização de elementos dos jogos sem que para isso seja necessário
o usuário estar dentro de um jogo ou utilizando consoles próprios dos jogos.
Segundo Werbach e Hunter (2012, apud FARDO, L., 2013), os
elementos da gamificação são subdivididos em dinâmicas, mecânicas e
componentes, onde existem conexões entre as subdivisões, podendo haver
um componente ligado a um ou mais mecânicas e uma mecânica ligada a
uma ou mais dinâmicas.

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No Quadro 1 apresenta-se as descrições sobre os elementos
denominados dinâmicas, que podem ser considerados como os meios que
desenvolvem a gamificação, colocando os integrantes em movimento.
Quadro 1 - Dinâmicas da Gamificação
DINÂMICAS

DESCRIÇÃO
As limitações impostas pelo sistema do jogo, ou seja,
Restrições
as regras.
Curiosidade, competitividade, frustração, felicidade,
Emoções
otimismo, diversão, prazer, entre outras que o jogo
pode evocar.
A história que acompanha o jogo e fundamenta as
Narrativa
ações dos jogadores.
Progressão
O desenvolvimento e crescimento do jogador.
As interações sociais que geram sentimentos de
Relacionamentos
cooperação, status, altruísmo, entre outros.
Fonte: Fardo, L. (2013)
As mecânicas (Quadro 2) de uma gamificação são os elementos
adicionais que permeiam as dinâmicas. Numa proposta gamificada pode
ocorrer que nem todas as mecânicas sejam implementadas, mas todas elas
são significativas para que a gamificação promova o engajamento dos
participantes.
Quadro 2 - Mecânicas da Gamificação
MECÂNICAS
Desafios
Sorte

DESCRIÇÃO
Quebra-cabeças ou outras tarefas que requerem esforço
intelectual para serem resolvidas.
Elemento aleatório que influencia alguns resultados.

Competição

Um jogador ou time ganha e o outro perde.

Cooperação

Um objetivo é compartilhado por todos os jogadores.

Feedback

Resposta que realimenta o sistema do jogo.

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Aquisição de
Recursos

Obtenção de artefatos ou itens que auxiliam na
progressão do jogo.

Recompensas

Benefícios conseguidos através de um determinado
resultado alcançado

Transações

Trocas de recursos entre os jogadores.

Turnos

Participação sequencial dos jogadores.

Estados de

Condições que caracterizam a vitória ou

Vitória

derrota.
Fonte: Fardo, L. (2013)

Os componentes (Quadro 3) são os elementos necessários para que
uma proposta pode ser compreendida como gamificada, pois eles fazem um
paralelo com os jogos (analógicos ou digitais), permitindo que os integrantes
possam identificar a gamificação num mundo ou realidade que pode ser
identificada como um jogo, apesar de não ser um. Assim como as mecânicas,
também nem todos os componentes podem estar inseridos numa
gamificação.
Quadro 3 - Componentes da Gamificação
COMPONENTES
Conquistas
Avatares
Insígnias
Desafios de Nível

DESCRIÇÃO
Objetivos definidos que foram realizados.
Personagens que representam os jogadores em um
mundo virtual.
Representações visuais das conquistas.
Desafio mais difícil geralmente enfrentado no final de
cada nível.

Coleções

Conjuntos de itens ou insígnias para acumular.

Combate

Um embate no qual ocorre uma competição.

Desbloqueio de

Aspectos disponíveis apenas quando os jogadores

Conteúdo

atingiram certos pontos ou completaram certos objetivos.

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Doação
Tabelas de
Líderes
Níveis
Pontos
Missões
Grafos Sociais
Times
Bens Virtuais

Oportunidades de compartilhar recursos com outros
jogadores.
Representações visuais da progressão dos jogadores e
suas conquistas.
Etapas da progressão dos jogadores, ou do jogo, ou da
dificuldade do jogo.
Representação numérica da progressão do jogo.
Objetivos predefinidos que devem ser completados
pelos jogadores.
Representação da rede social dos jogadores dentro do
jogo.
Grupos de jogadores com objetivos em comum.
Objetos do jogo que possuem algum valor, tanto
financeiro como psicológico.
Fonte: Fardo, L. (2013)

A gamificação não configura uma imersão em ambiente digital próprio
dos jogos atuais. Ela pode ser completamente analógica, porém, ao se utilizar
de recursos tecnológicos comuns e acessíveis a boa parte da população
mundial, como smartphones e tablets, permite-se um melhor aproveitamento
de alguns elementos dos jogos e ainda se alinham à linguagem da sociedade
da informação em que vivemos. Além disso, vale ressaltar que a gamificação
acontece quando são utilizados os elementos dos jogos em aplicações, que
não se constituem em jogo, nem que seu propósito principal seja o
entretenimento.
Para Werbach e Hunter (2012, apud FARDO, L. 2013) os elementos de
jogos que são incorporados numa proposta gamificada podem ser
demonstrados numa pirâmide dos elementos da Gamificação (Figura 1),
denotando a hierarquia que deve ser analisada pelos professores e
desenvolvedores de propostas metodológicas gamificadas.

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Pensar em estratégias de gamificação é pensar de forma planejada a
aplicação de elementos de jogos em ambientes de não jogo, seguindo
parâmetros que possam refletir aos usuários regras e objetivos claros para
que a proposta gamificada proporcione o engajamento, a motivação e a
cooperação dos participantes necessária ao sucesso da atividade planejada.

Figura 1 - Pirâmide dos elementos da Gamificação.

Fonte: (WERBACH e HUNTER, 2012, apud FARDO, L., 2013)
Nesse sentido, as estratégicas de gamificação devem permitir ao
usuário (jogador) possibilidades como a customização das atividades
baseadas em características pessoais e habilidades, o que intensifica a
identificação deste com a atividade proposta (engajamento). Além disso,
conforme Mattar e Nesteriuk (2016), não se trata somente de conhecer cada
um dos elementos de jogo e suas características, mas, sim, desenvolver
estratégias norteadas por narrativas envolventes, conforme os game
designers pensam um jogo, é preciso trabalhar o balanceamento de jogo, ou
seja, "examinar atentamente o jogo e ajustar seus elementos, de modo a

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fornecer uma experiência singular para o jogador, mantendo-o em
permanente

estado

de

fluxo

(flow),

em

completa

imersão"

(CSÍKSZENTMIHÁLYI, 2008, apud MATTAR e NESTERIUK 2016, p. 97-98).
O estado de fluxo é uma área de desafio que mantém o usuário entre o tédio
e a ansiedade, e que permite o crescimento do aprendizado alinhado ao
desenvolvimento de suas habilidades, já que as atividades tendem a ser
adaptadas as habilidades do usuário e com isso crescem em dificuldade a
medida que esse usuário adquire mais experiência, mantendo este em
contínuo estado de desafio, motivando-o para avançar nas atividades
propostas.
Outras possíveis estratégias que podem ser utilizadas são as baseadas
nas mecânicas de cooperação e competição, as quais podem coexistir numa
mesma atividade.
As estratégias de gamificação definem os regramentos das atividades,
que devem ser flexíveis o suficiente para manter seus usuários em estado de
fluxo, buscando sempre avançar nos desafios propostos, garantindo assim a
aquisição de habilidades e conhecimento.
Pensar em estratégias de gamificação é pensar de forma planejada a
aplicação de elementos de jogos em ambientes de não jogo, seguindo
parâmetros que possam refletir aos usuários regras e objetivos claros para
que a proposta gamificada proporcione o engajamento, a motivação e a
cooperação dos participantes necessária ao sucesso da atividade planejada.
3 PROPOSTA METODOLÓGICA
O potencial motivador dos jogos é apresentado como elemento central
em muitos estudos exploratórios sobre abordagens inovadoras para
potencializar a construção do conhecimento e contribuir nos processos de
ensino e aprendizagem. Conforme Coll e Monereo (2010), dentre alguns dos
aspectos elencados como vantajosos em relação à utilização de jogos, e que

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explicam tal potencialidade, tem-se: o caráter lúdico; a incorporação de níveis
de dificuldade progressivos; objetivos claramente colocados; a existência de
incentivos intrínsecos à tarefa; e os impactos positivos sobre a autoestima dos
envolvidos, ao alcançarem os objetivos propostos.
Entendendo que a gamificação é a aplicação dos aspectos vantajosos
da utilização de jogos levantados por Coll e Monereo (2010), em ambientes
não relacionados a jogos, e que, segundo Schlemmer (2014, p. 74), o
conceito da gamificação "tem sido apropriado pela área da educação,
possibilitando a construção de situações de ensino e de aprendizagem
capazes de engajar os sujeitos, de forma prazerosa, na definição e resolução
de problemas, contribuindo para repensar o contexto educacional formal", a
pesquisa em curso pretende avaliar a aplicação de estratégias de gamificação
no ensino superior presencial, em uma disciplina do curso de Comunicação
Social de uma IES de Maceió-AL, em comparação a uma abordagem não
gamificada, para identificar se a abordagem gamificada tem o potencial de
atrair a atenção dos discentes, promovendo o engajamento, a participação
colaborativa e a construção do conhecimento.
A pesquisa proposta neste projeto é caracterizada como sendo de
educação comparada, com abordagem qualitativa, visto que conforme
Arantes e Queluz (2014, p. 2), "a comparação fornece informações mais
interessantes que as resultantes de uma leitura num só contexto, aspectos
comuns e aspectos diferentes de uma situação problema são melhores
estudados se temos duas ou mais visões". Nesse sentido, a análise
comparativa entre turmas gamificadas e não gamificadas, de uma mesma
disciplina, construirá um recorte com respostas, ou novas indagações, sobre
vantagens e desvantagens no uso da gamificação, mediadas pelas TICs, no
ensino superior. Além disso, a pesquisa qualitativa não se atenta a
representatividade numérica, mas, visa o aprofundamento da compreensão
de uma atividade, de um grupo social, da aplicação de uma técnica etc.
(GERHARDT, T. e SILVEIRA, D., 2009).

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Para a efetivação da análise comparativa, os sujeitos envolvidos na
pesquisa serão os discentes de duas turmas da disciplina Composição Visual,
do curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e
Propaganda de uma IES localizada na cidade de Maceió/AL. Esses discentes
terão suas aulas ministradas da seguinte forma: uma turma gamificada e
outra não gamificada, durante um semestre letivo na citada IES. A ideia é que
as vivências desses discentes em sala de aula, possam subsidiar dados para
que seja possível avaliar comparativamente o engajamento, a colaboração e
a construção do conhecimento entre os discentes, quando aplicadas, ou não,
estratégias de gamificação.
Vale destacar que as estratégias gamificadas terão o apoio da TICs
como forma de aproximação junto aos discentes devido a mobilidade e a
ubiquidade inerentes aos dispositivos tecnológicos largamente utilizados pela
sociedade da informação, como smartphones e tablets. Para Coll e Monereo
(2010), a sociedade da informação é definida como
um novo estágio de desenvolvimento das sociedades
humanas, caracterizado, do ponto de vista das TIC, pela
capacidade de seus membros para obter e compartilhar
qualquer informação de maneira instantânea, a partir de
qualquer lugar e na forma preferida, e com custo muito baixo.

A escolha das estratégias gamificadas a serem utilizadas na prática
didática, levará em consideração: (1) um estudo bibliográfico em periódicos
especializados da área, para identificar a aplicação da gamificação no ensino
superior e que estratégias são utilizadas; (2) uma pesquisa documental,
através de mapeamento sistemático da literatura, executado em bases de
dados indexados e disponíveis eletronicamente, buscando trabalhos, artigos
publicados em revistas ou anais de eventos diretamente ligados à educação,
nos moldes do processo em cinco etapas descrito por Petersen et al. (2008),
a saber: (i) definição de questões de pesquisa, (ii) realização da pesquisa de
estudos primários relevantes, (iii) triagem dos documentos, (iv) keywording

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dos resumos e (v) extração de dados e mapeamento; (3) análise dos dados
quantitativa e qualitativa, sendo esta última utilizando os softwares Wordle
(utilizado na confecção de nuvens para identificação das palavras mais
frequentes em um texto) e Sobek (ferramenta de mineração de texto
desenvolvida para apoiar aplicações educacionais gerando diagramas com a
representação visual de um texto).
4 A GAMIFICAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
Norteado pela definição de Deterding et al. (2011), entende-se que a
gamificação está presente quando se utiliza esses artefatos de jogos em
atividades, processos ou cenários, que não se constituem em jogo, tampouco
estejam relacionadas a jogos e o entretenimento não seja o propósito
principal.
Buscando conhecer a relação entre o uso de gamificação na educação,
em especial no ensino superior presencial, fez-se necessário um estudo
prévio com objetivo exploratório, realizado através do desenvolvimento de um
mapeamento sistemático da literatura, para conhecer a ocorrência e registro
científico de estudos primários sobre o uso de gamificação no ensino superior
presencial.
Os dados coletados no mapeamento sistemático da literatura referente
a estratégias de gamificação na educação no ensino superior foram
realizados em dois estudos separados, um em periódicos especializados e
outro em eventos da área das TICs. Estes dados apresentam elementos
preliminares relevantes no que tange a temática.
No primeiro estudo, foram realizadas buscas em doze periódicos
disponíveis on-line, sendo eles: EDaPECI, TICs & EAD em foco, eCurriculum, Revista Tecnologias na Educação, REVEDUC, Revista Brasileira
de Educação (Scielo), RENOTE, Revista Brasileira de Informática na
Educação, Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, Diálogo Educacional,

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Educação Unisinos, Interfaces Científicas - Educação. A pesquisa restringiu
sua busca entre os anos de 2012 a 2016, e forneceu o quantitativo de artigos
apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 – Artigos que tratam de gamificação em periódicos
Periódico

Ano da
publicação
2013
2014
2015
2016

Artigos sobre
gamificação
2
1
1
1

EDaPECI
EDaPECI
EDaPECI
EDaPECI
Tecnologias na
2016
Educação
Fonte: Dados da pesquisa (2017)

1

Mesmo abrangendo um universo de doze periódicos para subsidiar o
mapeamento sistêmico da literatura, percebe-se que há escassez de estudos
primários investigando o uso de gamificação no ensino superior presencial,
destacando-se que no ano de 2012, nenhum artigo foi identificado no
mapeamento.
Corroborando a afirmativa da escassez de estudos primários sobre a
temática em questão, no segundo estudo, são elencados artigos e trabalhos
publicados em anais de eventos e disponíveis on-line: CIAED, SBGames,
Reunião ANPed, ESUD e ENDIPE. Como critérios de inclusão, a pesquisa
também restringiu sua busca entre os anos de 2012 a 2016, onde os
selecionados deveriam conter o conceito gamificação em seu vocábulo, e
ainda ser especificamente voltado ao ensino superior; Já os critérios de
exclusão, determinavam que não poderia haver duplicação de trabalhos, não
ter relação com a educação e não poderiam tratar a gamificação através de
termos variantes, como por exemplo, "uso de jogos", "aprendizagem virtual"
ou "elementos virtuais para ensino e aprendizagem. Seguindo tais

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regramentos, o mapeamento sistêmico retornou o quantitativo de artigos
apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 – Artigos que tratam de gamificação apresentados eventos
Ano do
Quantitativo
Evento
CIAED
2013
2
CIAED
2014
1
SBGames
2014
1
SBGames
2015
1
Fonte: Dados da pesquisa (2017)
Evento

Os mapeamentos apresentados aqui demonstram que há escassez de
estudos primários investigando o uso de gamificação no ensino superior
presencial, visto que mesmo não fazendo parte de seus critérios de inclusão e
exclusão, a modalidade presencial ou a distância, o quantitativo apresentado
em ambos é pequeno dado o crescente interesse pela temática da
gamificação entre pesquisadores, sendo aplicada em variadas áreas do
conhecimento.
Dessa forma, a proposta do presente estudo, de avaliar a aplicação de
estratégias de gamificação no ensino superior presencial, em uma disciplina
do curso de Comunicação Social de uma IES de Maceió-AL, em comparação
a uma abordagem não gamificada, apresenta-se relevante no que tange a
necessidade de mais estudos relacionados ao tema, buscando identificar as
potencialidades,

limites,

dificuldades

e

que

estratégias

promovem

aprendizagem.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embasado

nos

dados

aqui

apresentados

nos

mapeamentos

sistemáticos, pôde-se perceber que há escassez de estudos primários
investigando o uso de gamificação no ensino superior, o que pode ser

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atribuído a dificuldade na definição do termo gamificação na educação que
por vezes é confundido como o uso de games na educação, por exemplo, o
que é um equívoco, visto que a gamificação acontece quando são utilizados
os elementos dos jogos em aplicações, que não se constituem em jogo, nem
que seu propósito principal seja o entretenimento. Deve-se considerar
também que o termo gamificação ganhou relevância a menos de uma
década, apesar de suas estratégias serem utilizadas a bem mais tempo.
Desse modo, faz-se necessário aprofundar tal busca, no sentido de
ampliar a base de dados da pesquisa, tendo em vista a necessidade de
restringi-la ao ensino superior presencial, identificando as estratégias de
gamificação mediadas pelas TICs que já foram e são aplicadas em sala de
aula e que produziram publicações em periódicos ou anais de eventos
nacionalmente referenciados. Assim, espera-se definir quais estratégias de
gamificação se adéquam à disciplina de Composição Visual, do curso de
Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, de uma
IES de Maceió/AL.
Após a definição das estratégias e de sua aplicação nas aulas
ministradas junto a uma das turmas de forma gamificada, pretende-se obter
dados que subsidiem uma avaliação comparativamente do engajamento, da
colaboração e da construção do conhecimento entre os discentes, trazendo
apontamentos sobre vantagens e desvantagens no uso da gamificação,
mediadas pelas TICs, no ensino superior presencial.
Espera-se que o trabalho ora proposto venha contribuir, junto à
comunidade acadêmica, como fonte de pesquisa para o campo da educação,
no sentido de ampliar os conhecimentos sobre a temática da gamificação, já
presente em tantas outras áreas de estudo.
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p. 705
ISSN 1981-3031
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NOVOS PARADIGMAS NA UTILIZAÇÃO DO VÍDEO PARA A
EDUCAÇÃO ONLINE
Fernanda Josirene de Melo Ferreira
fynanda@gmail.com
Cleide Jane de Sá Araújo Costa
cleidejanesa@gmail.com
RESUMO: Este artigo aborda um problema referente ao discurso verticalizado
e longo predominante em vídeoaulas, que acarreta em um clima de
aprendizagem mais estéril, dificuldade de concentração e não traz a visão
global de uma resposta, precisando assistir sua totalidade. Por outro lado,
imigrantes digitais sejam eles professores ou alunos, sentem desconforto em
se expor. Assim, objetiva-se explanar recentes novidades quanto aos
aplicativos que viabilizam a interação por meio de vídeo curto e efêmero, e
que acompanham efeitos especiais que podem camuflar e melhorar a
aparência do usuário e do ambiente gravado; e ainda explanar formas de
utilização desse tipo de aplicativo na educação online. Para isso, construiu-se
uma tabela comparativa dos aplicativos que promovem a produção de vídeo
curto e efêmero por meio de uma pesquisa descritiva e de testes desses
aplicativos. Como resultado, o artigo traz uma proposta inédita de utilização
que viabilize a interação na educação online, na qual percebe-se que, a
adoção de aplicativo de vídeo sem um planejamento pedagógico que
intencione a interação não o faz uma ferramenta interativa e nem construtora
de conhecimento.
PALAVRAS-CHAVE: videoaula - vídeo curto - vídeo efêmero - aplicativo de
vídeo.
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que o “vídeo didático muita das vezes refere-se a situações
tradicionais de comunicação em sala de aula, adota um discurso professoral,
autoritário e verticalizado, reproduzindo, em muitos casos, a comunicação
tradicional entre professor e alunos” (LOYOLA; PIMENTEL; GLÓRIA, 2013, p.
987). As situações abordadas são características de um vídeo longo.
O autor Muirhead (2007) argumenta que vídeo longo deve ser evitado
por criar um clima de aprendizagem mais estéril e segundo Schmidt (2011) e
Bloomberg (2015, p.4) provocar dificuldades de concentração, pois após

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pausá-lo e voltar a assisti-lo, tende-se reduzir a atenção, e custar a recordar o
que foi ouvido (ARAGON; WICKRAMASINGHE, 2016). Alunos também não
aprovam vídeo longo, pois não traz de forma rápida e simples a visão global
de uma resposta, precisando assistir sua totalidade (FERNANDEZ et al,
2014).
Para Nova e Alves (2006), no vídeo há uma sobrecarga de informações
cruzadas com tendência a não compor uma estrutura organizada. Isso é mais
percebível em vídeo longo, o que pode aumentar a sensação de acúmulo de
informações de quem assiste, pois, sua alta demanda pode tornar-se
cansativa e gerar dificuldades no entendimento do conteúdo.
Quando se cogita a produção de vídeos mais espontâneos, nem todos
se sentem confortáveis em publicar seu próprio vídeo e ser assistido,
sobretudo se não são nativos68 digitais. Conforme Hack e Pires (2006), isso
inviabiliza uma relação mais próxima e afeta a motivação dos alunos da
educação online, pois nesse contexto a comunicação se torna melhor quando
o vídeo é considerado para se conhecerem visualmente.
Nesse sentido, novos aplicativos têm surgido para viabilizar a produção
de vídeo curto. Isso pode eliminar a preocupação de memorizar longos
discursos e favorecer a objetividade do conteúdo gravado. Uma característica
em comum dos aplicativos de vídeo curto é a disponibilidade limitada, pois os
vídeos são efêmeros por desaparecerem após um curto período, o que pode
ser um alívio para os mais tímidos.

Além do mais, esses aplicativos

acompanham efeitos especiais que podem ‘esconder’ o rosto do usuário
melhorando sua aparência.
Diante do contexto apresentado, o artigo busca responder ao seguinte
questionamento: De que forma utilizar aplicativos de vídeo curto e
efêmero para que seja oportunizado a interação na educação online?
Assume a hipótese de que utilizar vídeo curto e efêmero pode favorecer a
68

Nativos digitais são aqueles que foram educados e aprenderam em um ambiente digital,
enquanto que imigrantes digitais são os usuários que precisaram se adaptar aos meios
digitais, pois nasceram depois do seu surgimento (Aparici, 2012).

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Vol. 01

interação durante o andamento do processo de ensino aprendizagem, bem
como a interação não está no vídeo em si, mas na intenção de uso.
Dessa forma o objetivo deste artigo é explanar as possibilidades atuais
de uso de vídeo curto e efêmero e ainda formas de utilização que viabilize a
interação na educação online. Para isso, construiu-se uma tabela comparativa
dos aplicativos que promovem a produção de vídeo curto e efêmero por meio
de uma pesquisa descritiva e de testes desses aplicativos. O artigo encontrase organizado da seguinte forma: na próxima seção é apresentada um breve
histórico do uso de vídeos na educação até a promoção de vídeos curtos; na
seção três aplicativos de vídeo, na qual é concluída com sugestões de uso já
existentes e uma breve proposta inédita; e por fim, na última seção as
considerações finais.
2 Um breve histórico do uso de vídeos na Educação
O vídeo é um dos recursos mais poderosos para tentar substituir o
contato face-a-face (ARAGON; WICKRAMASINGHE, 2016). Isso porque o
contato audiovisual promove uma aproximação fundamental na educação
online, pois atenua a sensação de isolamento e faz o aluno sentir-se mais
integrado, estimulando a afetividade (DUTRA; ARRUDA, 2013).
As videoaulas surgiram em 1960 por meio de “iniciativas públicas e
privadas, materializadas em programas de educação de jovens e adultos a
distância, bem como em programas de formação continuada de professores”
(SILVEIRA et al, 2010, p.54). Neste percurso destacou-se o desenvolvimento
do Telecurso em 3 versões: Telecurso 2º grau e Telecurso 1º Grau, Telecurso
2000, Novo Telecurso. Segundo Moreira (2006) as características que
marcaram o Telecurso foram: a presença de uma emissora de televisão, na
qual transmitia as aulas; a edição de fascículos semanais, vendidos de forma
acessível em todo o Brasil; divulgação de datas da inscrição em exames
supletivos e da chegada dos fascículos às bancas, e ainda dos horários da

p. 708
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transmissão das aulas na TV. A recepção dessas videoaulas analógicas já se
destacavam como ferramenta da EaD, pois podiam ser assistidas em casa,
telepostos e Centros Controladores orientados por monitor (SILVEIRA et al,
2010).
Mas foi com a chegada da Internet no Brasil, na década de 90, que
surgiram “algumas operações quase experimentais, como TV UOL e TV
Terra” (POSSEBON, 2009, p.239). Essa oferta de vídeos na internet foi “aos
poucos adquirindo magnitude, impulsionados pelo avanço da banda larga,
sobretudo a partir de 2005, e pelo crescente hábito dos usuários de Internet
de consumir vídeo” (POSSEBON, 2009, p.239). Isso viabilizou a transmissão
síncrona por webconferência e a geração de conteúdo educacional
audiovisual aberto, por assinatura, profissional ou gerado pelo usuário.
O conteúdo gerado pelo usuário ganhou grande impulso com a
facilidade de gravar com o celular em mãos, especialmente os smartphones.
Isso por que, para Ciriaco (2016), nos últimos 16 anos o avanço tecnológico
transformou a câmera do celular de mero acessório extra a item obrigatório e
avançado, superando a câmera compacta básica. Assim, o usuário deixou de
ser mero expectador para se tornar produtor de conteúdo, caracterizando uma
comunicação bidirecional, onde todos são emissores e receptores.
2.1 VÍDEO CURTO
A maioria dos usuários sem tempo e condicionados à gratificação
imediata

tendem

naturalmente

para

o

vídeo,

preferindo

os

curtos

(BLOOMBERG, 2015). Os curtos são defendidos nos estudos de: Norvig
(2012) e Khan (2012), pois assim o aluno tem capacidade de controlar o
ritmo, pausar, explorar e retornar ao conteúdo, mas é incapaz de fazer isso
com palestra de vídeo longo; Glance et al. (2013) por aumentar a atenção do
aluno e ajudar a focar nos conceitos; Dutra e Arruda (2013, p. 847) “para que
alunos e professores tenham os seus tempos de discussão e aprendizagens
garantidos”; e ainda os estudos de Aragon e Wickramasinghe (2016), na qual

p. 709
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Vol. 01

enfatizam que se comparados aos vídeos longos, os vídeos curtos são mais
eficientes não só do ponto de vista técnico, mas também aumentam a
atenção. Nesse sentido, Fernandez et al (2014) defende que a possibilidade
de dividir o conteúdo de vídeo em seções menores permiti que o aprendiz
tenha controle e acesso mais rápido.
Para Schneider e Ribeiro (2013, p.212) a “produção de vídeos digitais
de curta duração é cada vez mais popular”. No Brasil, 69% das atividades
relacionadas a vídeos online correspondeu ao streaming69 de vídeo curto,
revelando-se tendência desde 2010 (WEYRAUCH, 2011). Aplicativos que
promovem a produção de vídeo curto com crescimento constante mundial no
número de usuários ativos é explanado na próxima seção.
3 Aplicativos para Produzir Vídeo Curto e Efêmero
O advento do dispositivo móvel, sobretudo a expansão de aplicativo
para smartphone conectado à internet, gerou mudanças e apoio a educação
online. O SnapChat, por exemplo, foi pioneiro em desafiar conceitos já
firmados no âmbito das Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC,
pois sua publicação é excluída após 24 horas ou determinado nº de
visualização e reproduz uma vez para cada usuário (PRESSE, 2016).
Fazendo uma analogia, é como conversar pessoalmente, vive-se o momento
presente. Para Borges e Pacheco (2016) isso propicia que o aprendiz se
apresse para assistir e se sinta mais à vontade na hora de postar, ao saber
que o conteúdo desaparece, pois é efêmero. Com o sucesso dessa novidade
preconizada pelo SnapChat, lançou-se em 2016 o Instagram Stories e o Meu
Dia do Facebook e em 2017 o Status do WhatsApp e o Highlights do Skype,
cujos conteúdos não são permanentes. Isso representa uma corrida frenética,
em menos de um ano, entre os aplicativos para agregar a ideia inédita do
SnapChat, copiando-o. Aborda-se a seguir esses aplicativos.
69

A tecnologia streaming é uma forma de transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo
através de redes, sem a necessidade de fazer download.

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3.2 Comparando Aplicativos de Vídeo Curto e Efêmero
O Quadro 1 apresenta os aplicativos mais usados, o que justifica
estarem em evidência no mercado de tecnologias; e os recursos referentes a
publicação efêmera e curta de vídeos.
Quadro 1 – Comparativo dos Aplicativos de Vídeo Curto e Efêmero.
Principais
Aplicativos
Lançamento
Proprietário
Função
Tempo de
gravação
Visualizaçã
o

WhatsAp
Facebook
p
2011: fotos;
Fev.
Ago. 2016
M: Mar.2017
2013: vídeo
2017
Snap Inc.
Facebook (Mark Zuckerberg)
Messenger (Meu
Stories
Status
Dia) / Sua história /
Direct
SnapChat

Instagram

Recursos

Foto e
vídeo
Chat
(grupo)
Envio
individual
ou grupo

Jun. 2017
Microsoft
Highlights
(Preview)

10s

15s

30s

M, D: 15s; S: 20s

20s

1x

ilimitado
(chat
apenas
uma vez)

ilimitado

M, S: 2x: D: 2x ou
enquanto existir
interação

ilimitado

Duração
Interação
(resposta)

Skype

1 dia
Chat privado
(Snapback)

7 dias
Texto e
adesivo
(emojis e
stickers)
públicos

Chat privado
(mensagem direta)

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

Salvar

Na galeria do
aplicativo

-

No celular;
S: (publicar)

-

Captura

Exclusivamen
te pelo
aplicativo

No celular
ou publicar
Aplicativo
e das
últimas
24h fora
do
aplicativo
x
Apenas
Windows
10
Android e
iOS
(iPhone,
iPad, iPod
touch)

Aplicativ
o
e salvo
no
celular

Aplicativo;
S: salvo no celular

Aplicativo

Quem viu
Visualizar a
função em
PC’s
Sistema
Operacional
(SO)

x
Não
Android e iOS
(iPhone, iPad,
iPod touch)

x
Não
Android,
iPhone e
Windows
Phone

x
S, D: Sim
(apenas a
publicação)
Android,
iOS (iPhone)

x
pretende
Android e
iOS
(Windows
e Mac em
breve)

p. 711
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Vol. 01

Tempo real
-ao vivo

-

Vídeo chat
(chamada
de vídeo)

x

Efêmero
(transmiss
ão de 1
para
muitos)

Efêmero
(vídeo
chamada
)

Permanece
(transmissão de
1 para muitos)

Efêmero
(vídeo
chamada)

x

x

x

Fonte: as autoras
Vale salientar que, os aplicativos possuem um histórico constante de
atualizações, e por isso o quadro é passível de erros quanto maior a distância
entre a data de acesso do artigo face a publicação. No momento de produção
deste artigo, o Skype lançou o Highlights com a promessa de gradativamente
disponibilizar para todos os usuários sua função efêmera.
No SnapChat é possível enviar postagens efêmeras de três formas:
pela “Minha História”, direcionada aos amigos; “Nossa História”, direcionada a
todos os usuários do SnapChat (público); chat individual ou grupo de
contatos. Da mesma forma que o Facebook também disponibiliza 3 formas:
“Meu Dia” dentro do Messenger; “Sua história” no aplicativo do Facebook;
“Direct” para envio privado para amigos específicos, sendo possível
responder e visualizar por quantas vezes quiser dentro de 24 horas.
O SnapChat é um aliado para os eventos ao vivo, pois por meio do
recurso Our Story reúne-se fotos e vídeos colaborados por usuários que
estejam no mesmo evento específico. O conteúdo permitirá que os
interessados no evento se sintam mais próximos e presentes. Embora seja
considerado “ao vivo”, o conteúdo é previamente selecionado pela equipe do
SnapChat, desde que os colaboradores ativem o geolocalizador do celular.
Dessa forma não foi considerada no Quadro 1 uma transmissão de fato ao
vivo.
Quadro 2 – Comparativo dos Enfeites dos Aplicativos de Vídeo Curto e
Efêmero.
Aplicativos
Enfeites

SnapChat

Instagram

WhatsApp

Facebook

Skype

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Texto (legenda)
Desenho à mão livre
Recortar e Rotacionar
Bitmoji para criar Avatar
personalizado e recorte
de Emoji
Filtros de geolocalização
Figurinha fixa / adesivos
coloridos no ambiente
Filtros em 3D, com
realidade aumentada,
máscaras e molduras
animadas e efeitos
temáticos / disfarces em
selfies e distorções faciais
e de voz

x
x

x
x

x
x
x

x
x

x
x

x
x

x

x

x

x

x

x
x

x

x

x

Fonte: as autoras
Percebe-se que o SnapChat trava menos durante exibição, em relação
ao Instagram Stories. Além do mais, o SnapChat torna-se mais atrativo, não
só por ter sido pioneira, mas por disponibilizar mais possibilidade de efeitos e
personalização e por ser mais fácil enviar um snap privado do que em outros
aplicativos. Por outro lado, como observável no Quadro 2, o WhatsApp Status
não possui adereços atrativos na produção de vídeo, mas é uma ferramenta
leve e o usuário consegue economizar dados em relação ao SnapChat,
Instagram Stories e as funções efêmeras do Facebook.
Outras ferramentas menos populares também viabilizam a produção de
vídeos curtos:
a. Medium: ferramenta para blogs e publicação de vídeos, imagens
e textos a serem acessadas de forma contínua, simulando um
slide, ou seja, parecido com as histórias do SnapChat. Contudo
a postagem não desaparece.
b. Snow: aplicativo de sucesso na Coreia do Sul e está disponível
no Brasil. Possui interface e funções bem parecidas com as do
SnapChat. As mensagens e imagens se autodestroem depois de
lidas, as histórias possuem duração de 24 horas e filtros
divertidos para fotos.

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c. Bolt: criado pelo Instagram. O aplicativo usa os contatos da
agenda para conectar usuários, como o WhatsApp. Contudo, o
compartilhamento de fotos é apenas em mensagem direta, não
sendo possível publicar publicamente e nem compartilhar com
grupos.
d. MSQRD (Masquerade): aplicativo comprado pelo Facebook para
fazer experimentos usando sua tecnologia. Propicia a produção
de vídeos e fotos divertidas, aplicando máscaras e filtros em
tempo real.
e. Flash:

aplicativo

do

Facebook

criou

o

aplicativo

para

desempenhar as mesmas funções do SnapChat e funcionar com
redes fracas de internet móvel. Viabiliza a publicação de vídeos
e fotos que se autodestroem com o tempo. É possível incluir
máscaras, filtros e emojis em posts temporários — que somem
em cinco segundos.
f. Viber: mensageiro rival do WhatsApp e do Telegram, lançou
também sua versão do SnapChat, pois propicia que mensagens
temporárias se autodestruam após um tempo definido pelo
próprio usuário.
g. QQ Internacional: mensageiro chinês, que atualizou sua
interface e ficou com a interface parecida com a do Snapchat,
incluindo recursos com mensagens que se autodestroem e
visualização continua em formato de slide.
3.3 SUGESTÃO DE USO NA EDUCAÇÃO ONLINE
Dentre os aplicativos abordados, o SnapChat se destaca por focar
sobretudo no envio de vídeos de duração limitada e ter sido a primeira a
lançar esse seguimento. Quanto aos demais aplicativos, cada uma delas
foram lançadas com seguimentos diversos, a exemplo do Instagram focado
em fotos, Whatssap em mensagens instantâneas textuais, Skype em
comunicação audiovisual síncrona, o Facebook com múltiplas opções.

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Contudo, com o passar do tempo esses aplicativos sofreram atualizações
para aprimorar e ampliar seus recursos. O recurso em comum que todos elas
investiram, desde o segundo sementre de 2016, foi agregar a ideia principal
trazida pelo SnapChat em 2013. Logo, como a maioria dos aplicativos tem
poucos meses de vida e o SnapChat está há alguns anos viabilizando o
conteúdo curto e efêmero, este se destaca com os seguintes perfis no
contexto educacional:
a. @SOSTenhoProva: tem cerca de 35 mil visualizações semanais, a
autora do perfil é pedagoga. O perfil oferece dicas de estudo e sana
dúvidas dos usuários;
b. @Uoleducacao: o perfil oferece dicas para que os seguidores
encontrem maneiras novas e motivacionais de estudar para o Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio));
c. @stoodibr: apresenta os bastidores das gravações, o dia a dia dos
professores e da equipe na produção de aulas online no YouTube
para vestibular, reforço escolar e Enem;
d. @descomplica: oferece dicas de estudo ou de “macetes” dos
conteúdos de provas O objetivo do perfil é fazer os seguidores a
gostarem de estudar para o vestibular;
e. @dansjs.prof: professor de um colégio de Salvador posta conteúdo de
espanhol;
f. @horadoenem: perfil do programa da TV Escola, ligado ao Ministério
da Educação;
g. @profjubilut: o perfil posta curiosidades sobre biologia;
h. @rotcivb: o perfil é professor de Química no ensino médio e superior.
Seus vídeos são gravados no laboratório para transmitir dicas por
meio dos experimentos, pois é mostrado na prática as reações
químicas que os alunos não conseguiriam ver na sala de aula. O
professor também grava desafios para que seus alunos respondam

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somente enquanto o vídeo permaneça por 24h e repassa o conteúdo
visto em sala de aula em vídeo de 10 em 10 segundos. O perfil
também oferece “conselho, uma palavra de conforto, de superação,
quase um coach” (Borges e Pacheco, 2016, p.1), tudo relativo à
Química. A conta foi criada por indicação dos alunos, que enfatizam
que ao responder questões, os snaps são lembrados. Dos perfis
citados, este é o único que também é direcionado para alunos do
ensino superior.
Além das sugestões a cima, propõe-se usar vídeo curto de acesso
temporário (efêmero) para gravar uma breve apresentação de cada aluno de
um curso online. Os vídeos também podem servir de base para outros
recursos, como o uso de fóruns de discussão e na construção de mapas
conceituais.
Para a primeira opção, o conteúdo pode ser apronfundado no fórum
mediante uma prévia70 discussão por vídeos. Para isso, o professor divide o
assunto por temas chaves; grava um vídeo com a definição do tema a ser
tratado na discussão ou um desafio a ser desvendado; organiza a turma em
grupos de modo que cada grupo tenha o seu dia e tema associado para
discutir por vídeo e fórum; aguarda os vídeos curtos dos alunos dentro do
prazo de espiração de sua mensagem, conforme o aplicativo escolhido. Os
aprendizes gravarão uma sequência de vídeos curtos para formar sua
resposta, na qual alguns aplicativos explanados têm chamado de “história”.
Após a discussão por vídeos do grupo (que deve ser pequeno), o restante da
turma continua a discussão no fórum de discussão baseado no que
assistiram.
Para a segunda opção, os aprendizes precisarão transcrever os
discursos do vídeo para a construir seu mapa conceitual. O fato do vídeo ser
curto, pressupõe que os aprendizes argumentem de forma objetiva e assim
torne mais fácil e rápido a construção dos conceitos do mapa conceitual.
70

Antes da prévia discussão em vídeo o aluno deverá ler/estudar material a ser definido pelo
professor/tutor, que pode variar entre: slide, hipertexto, texto de apoio e link de artigo na web.

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Assim os vídeos podem funcionar como base de reflexão dos aprendizes,
pois durante a construção das proposições do mapa farão eles pensarem no
sentido lógico de seus próprios discursos e de seus colegas.
As duas opções abordadas mostram que é preciso saber como utilizar
o aplicativo escolhido para que o aprendiz aluno tenha oportunidade de
interagir e construir conhecimento entre eles. Nesse sentido, Rocha, Bandeira
e Oliveira (2011, p.2) argumentam que a intenção do vídeo não é só informar,
mas gerar discussão, e, portanto, interação, embora a interação não está no
vídeo em si, mas na intenção de uso.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo propõe a linguagem audiovisual para que o contato verbal e
visual aumente a socialização e atenue a sensação de isolamento no contexto
da educação online, pois faz o aluno sentir-se mais integrado com a turma e o
professor. Traz ainda formas de uso já existentes para aplicativos que
viabilize o vídeo curto e efêmero, preconizado pelo SnapChat, e ainda uma
breve sugestão inédita de seu uso. Percebe-se que, a adoção de aplicativo de
vídeo sem um planejamento pedagógico não o faz uma ferramenta interativa
e construtora de conhecimento.
Contudo, as condições ideais para apresentar ao professor uma forma
de utilização é dispor de uma representação de um modelo pedagógico, a ser
desenvolvido no futuro. Um modelo que guie o professor nos pré-requisitos
para utilizar tecnologias de forma pedagógica. Aspira-se também aplicar o
modelo numa disciplina a definir, ajustando-o as necessidades do contexto
aplicado.
REFERÊNCIAS
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ARAGON, R; WICKRAMASINGHE, I. P. What has an Impact on Grades?
Instructor-Made Videos, Communication, and Timing in An Online Statistics

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do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

p. 720
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PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TUTOR NO PROCESSO DE
ENSINO APRENDIZAGEM A PARTIR DO USO DOS PLANOS
DE TUTORIA NA EAD DA UAB
Emmanuele Maria Correia Costa
Cleide Jane de Sá Araújo Costa
RESUMO: O estudo investiga contribuições do plano de tutora na prática do
tutor na UAB/EaD de um curso da Universidade Federal de Alagoas. Com
objetivo analisar a efetividade dos planos de tutoria na ação do tutor e se são
instrumentos de suporte que auxiliam no processo de aprendizagem. É um
estudo de caso de natureza qualitativa com finalidade de perceber a prática
do tutor a partir do uso dos planos de tutoria que auxiliam no processo de
aprendizagem dos alunos. Para a coleta de dados realizou-se pesquisa
bibliográfica com base no Guia do Tutor da Coordenadoria Institucional de
Educação a Distância da Ufal, a análise dos planos de tutoria e a aplicação de
questionário com tutores. O problema referiu-se: Quais as contribuições do
plano de tutoria para a prática pedagógica do tutor no processo de
aprendizagem na sala de aula virtual? Os resultados apontam que os planos
de tutoria são efetivos na ação docente do tutor e são instrumentos de
suporte que contribuem para o processo de ensino e aprendizagem desde
que respeitem os elementos mínimos considerados essenciais pela Cied e
estejam descritos de forma clara e objetiva, ser socializados entre os tutores,
com vistas a favorecer uma efetiva ação docente.
PALAVRAS-CHAVE:
Aprendizagem.

Plano

de

tutoria

–Tutoria

–

Planejamento

–

1 INTRODUÇÃO
A Educação a distância (EaD) é definida pelo Mistério da Educação
(BRASIL, 2005) como uma modalidade de ensino, na qual a mediação
didático-pedagógica no processo de ensino e aprendizagem é apoiada pelas
tecnologias de informação e comunicação (TIC), com alunos e professores,
desenvolvendo atividades educativas em diferentes lugares e em tempos
diversos.
Atualmente muitos são os brasileiros que estudam EaD, seja a procura
de formação inicial ou continuada. Tal procura foi motivada pela implantação

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da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Na perspectiva da EaD o tutor possui um papel fundamental ao atuar
junto com coordenador, monitor, alunos e professores no desenvolvimento e
acompanhamento de atividades durante um período letivo. A tutoria é um
trabalho docente que exige compreensão e envolvimento dos conteúdos, das
temáticas durante os módulos das áreas. O tutor é o vínculo de ligação entre
professores e alunos na prática pedagógica.Esse profissional apoia os
professores, debate, aprofunda temas, contribui com as turmas, organizar o
processo de acompanhamento e avaliação desses alunos por meio da
mediação e interatividade no AVA. (DOMENIQUELLI, 2008)
Nesse contexto, este artigo visa compreender visão dos tutores online
vinculados um curso de graduação na modalidade EaD/UAB,sobre a
relevância do uso dos planos de tutoria, como instrumento de suporte ao tutor
para auxiliar no processo de ensino aprendizagem dos alunos tendo em vista
a possibilidade de um acompanhamento mais formativo realizado pelos
tutores dentro da sua atuação no AVA.
A pesquisa foi realizada com base numa abordagem qualitativa de
cunho exploratório,
na qual a coleta de dados aconteceu a partir da aplicação de um questionário
realizado com vinte quatro tutores online vinculados a UAB.
Como pressuposto entendeu-se que é preciso compreender a
importância e a função que o plano de tutoria exerce para o bom andamento
do trabalho do tutor, pois minimiza as dificuldades, além de organizar a ação
pedagógica do mesmo na condução do seu trabalho.
2 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E DOCÊNCIA NA EAD/UAB
A docência na EaD acontece sob múltiplas perspectivas, que envolve
as formas de ensinar e aprender. Deste modo há uma preocupação em
desenvolver propostas para que o aprendizado aconteça de forma
significativa. Para que isto ocorra o docente na EaD precisa compreender-se

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como o mediador da aprendizagem. É nessa perspectiva que a mediação
pedagógica entra em evidência.
De acordo com Ferreira (2013) a mediação deve se fazer presente em
todo o processo visando oferecer ao estudante condições e meios
necessários para a apropriação do conhecimento. Nesta ótica o professor na
EaD assume diversas funções e se integra a uma equipe multidisciplinar.
As atividades docentes na EaD demanda um novo perfil de educador.
Segundo Mill (2014), foram compostas equipes de profissionais que,
complementem os saberes. Ele indica que o trabalho docente na EaD se
constitui como coletivo, colaborativo, polidocente. Para atuar na EaD, o
professor precisa além de conhecimentos pedagógicos e conhecimento do
conteúdo, ele precisa dominar as TIC; ter capacidade para lidar com
informações; saber gerenciar o tempo; e possuir capacidade para trabalhar
em equipe.
Neste sentido, a mediação pedagógica é imprescindível para que a
aprendizagem ocorra.

Por mediação pedagógica Masetto (2008) define a

atitude do professor que se coloca como facilitador, incentivador ou motivador
da aprendizagem, que se apresenta com disposição de ser uma ponte entre o
aprendiz e sua aprendizagem. Masetto(2088) complementa que a medicação
pedagógica coloca em evidência o papel do aprendiz como sujeito
fortalecendo-o como ator que lhe permitirão aprender e conseguir atingir seus
objetivos.
3 O TUTOR NO MODELO UAB, ATRIBUIÇÕES/FUNÇÕES
O tutor faz parte do sistema EaD, analisar suas concepções e práticas
é fundamental. Para Bezerra e Carvalho (2008), o tutor é o profissional que
atua diretamente com os alunos. Cabe ao tutor orientar, esclarecer dúvidas e
acompanhar o estudo do aluno, ou seja, é um professor que deve mediar todo
o processo de ensino e aprendizagem.
Gonzalez (2005) defende que o trabalho da tutoria guarda em si à

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essência da ação educativa desenvolvida pelo professor, é alguém essencial
que no estabelecimento de suas mediações entre o estudante e as
informações, fornece as direções, ou seja, possibilita a construção do
conhecimento.
Desse modo, de acordo com Costa, Paraguaçu e Pinto (2009) a
interação com a tutoria é uma forma de se propiciar ao estudante da EaD uma
relação que apenas outro sujeito pode fornecer, contribuindo com sua
formação, com suas experiências, com sua subjetividade. São essas ações
educativas que contribuem para desenvolver e potencializar as capacidades
básicas dos estudantes, orientando-os no processo interativo a obterem
crescimento intelectual e autonomia.
Sathler (2008) enfatiza que a tutoria possui papel fundamental no
acompanhamento dos alunos, pois é um elo entre os discentes com os
docentes e a equipe técnica.
Na visão de Spressola (2008) o tutor deve ter uma série de qualidades
que garanta a eficiência do acompanhamento, atendimento e das informações
prestadas aos alunos, tais como: proatividade, cultura social, empatia,
estabilidade emocional, cordialidade, liderança, capacidade de audição e de
aceitação, entre outras.
Belloni (2001), por sua vez, define professor tutor como um profissional
que orienta o aluno em seus estudos de acordo com as disciplinas de sua
responsabilidade, em geral participa das atividades de avaliação.
Nas palavras de Silva e Figueiredo (2011) o tutor transmite as
atividades propostas pelos professores aos alunos, ensina os discentes a
utilizar as tecnologias, distribui o material didático. Cumpre a função de
motivar, gerenciar os encontros presenciais, identificar as dificuldades
acadêmicas e administrativas. Malvestiti (2005) complementa que tutor é o
educador que ministra cursos à distância utilizando a internet, que se
relaciona com os alunos realizando a mediação pedagógica, sendo
responsável tanto pelo conteúdo quanto pelas questões motivacionais e de

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acompanhamento aos alunos.
Silveira (2005) enfoca que o tutor atua enquanto educador, ao interagir
nas atividades, na medida em que explora a capacidade dos alunos. Torna-se
um profissional com condições de aprender a aprender com competências
para fazer da EaD um espaço criativo, formativo e comprometidos com a
formação de alunos críticos e sujeitos pensantes.
Berti e Vermaas (2012) complementam que o tutor necessita buscar
artifícios para diminuir a distância nos relacionamentos com seus alunos. Para
que o estudante perceba que existe alguém do outro lado da tecnologia que
passa a ser seu interlocutor no processo de construção do conhecimento.
Mill (2008) ainda afirma que o tutor é o elemento central do processo
educacional e, portanto, a qualidade do seu trabalho é primordial para a
aprendizagem dos estudantes.
De acordo com a Resolução /CD/FNDE n. 8 de 30 de abril de 2010,
tutor é o profissional selecionado pelas Instituições Públicas de Ensino
Superior (IPES) vinculadas ao Sistema UAB para o exercício das atividades
típicas de tutoria, sendo exigida formação de nível superior e experiência
mínima de 1 (um) ano no magistério do ensino básico ou superior, ou ter
formação pós-graduada, ou estar vinculado a um programa de pósgraduação. O tutor configura-se como um mediador no processo de ensinoaprendizagem, sendo o responsável pela motivação dos alunos e pela criação
de oportunidades de aprendizagem. Ele acompanha os alunos durante o
desenvolvimento das atividades de cada disciplina, orientando-os na sua
realização. É o responsável pela avaliação da aprendizagem, fornecendo nota
ao final de cada módulo. Um profissional que domina o conteúdo da disciplina
de forma a auxiliar os alunos a sanar suas dúvidas.
No que tange ao padrão da UAB o tutor é um bolsista com formação na
área do conhecimento do curso ou disciplina que vai atuar. É ele que
acompanha o processo de ensino aprendizagem. Seu trabalho é desenvolvido
em parceria com o professor, envolvendo-se nas atividades de docência, pois

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atua nas atividades do aluno ao interagir e orientá-los.
O Guia do tutor UAB da Ufal (2014) amplia as atribuições do tutor traz
como enfoque que ele tem um papel fundamental no processo ensino
aprendizagem a distância, ao atuar como mediador das interações e
problematização dos conteúdos curriculares de acordo com o planejamento
dos recursos educacionais e atividades de estudo propostas pelo professor.
Sendo um profissional responsável pelo monitoramento investigativo das
ações e operações realizadas pelos estudantes no processo de estudo de
acordo com o plano de ensino de cada disciplina. Demonstra a necessidade
haver um plano de tutoria como forma de estabelecer estratégias de
acompanhamento sistemático do processo de aprendizagem dos alunos.
Cabe ao professor disponibilizar com antecedência ao tutor o plano de ensino,
material didático e o plano de tutoria.
4 O PLANO DE TUTORIA COMO INSTRUMENTO DA AÇÃO TUTORIAL
Os tutores acompanham os alunos durante o período da atividade,
sendo assim é importante pontuar as funções da tutoria definida pela
instituição. Como parte integrante do material didático, existe o manual e o
guia de estudo. O manual é um material que pode ser dirigido ao tutor, como
recurso de orientação do ensino ou ao aluno apresentando e explicitando o
conteúdo a ser estudado de forma clara e objetiva, de modo a oferecer
informações suficientes para sua compreensão. O guia de estudo é um
recurso suplementar e de orientação sobre como participar de um curso em
EaD. (FERNANDEZ, 2009). Os guias de estudo apresentam a organização e
a estrutura do curso que podem ser direcionados: um guia para o aluno e um
para o tutor.
Os profissionais que criam os cursos dedicam muita atenção aos guias,
pois constituem um apoio para as demais tecnologias. Nele devem conter
orientações sobre a estrutura da disciplina e a forma de interação. Deve
comunicar as metas e os objetivos a respeito da disciplina. (MOORE;

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KEARSLEY, 2008)
Segundo Guarezi e Grudtner (2007), existe a necessidade de
professores e tutores discutirem o plano de trabalho e o material a ser
trabalhado em parceria antes do início do curso. Nas palavras das mesmas
autoras, planejamento é o ato de refletir sobre as possibilidades de escolhas
e, consequentemente, de ações a serem tomadas. Envolve uma ação
dialética com possibilidade de diálogo constante entre reflexão e ação. Para
elas, o plano de tutoria compreende o produto final do planejamento, que se
materializa com o registro escrito, sistematizado e com justificativa sobre: O
que será feito? Para quem será feito? Por que será feito? Como será feito?
Quando será feito? Para as autoras, na EaD o plano de tutoria é uma
ferramenta indispensável à prática do tutor. Por meio dele, os tutores podem
se orientar para o apoio mais interativo e efetivo dos alunos. Sendo assim,
plano de tutoria é um instrumento que orienta as atividades dos tutores.
Servindo para nortear as ações dele, pontuando suas atividades e guiando os
procedimentos para o acompanhamento do processo de ensino e
aprendizagem dos alunos em EaD.
No contexto local desse artigo de acordo com a proposta da
Coordenadoria Institucional de EAD (CIED) estabelecido no guia do tutor
(2014), o plano de tutoria configura-se como uma parte integrante do material
didático na EaD. Ele tem uma significativa importância, pois a partir dele o
tutor poderá desenvolver seu trabalho de forma clara e concisa, em harmonia
com o que estiver estabelecido no plano no que se refere aos objetivos da
disciplina, bem como os critérios a serem solicitados pelo professor.
A incorporação do plano de tutoria no processo formativo deve incluir
uma série de elementos de uso, de forma explícita e formalizada das
ferramentas incorporadas. Tais procedimentos de uso são essenciais e
constitui um referencial inicial a partir do qual o tutor norteará a organização
das atividades em torno dos conteúdos, nas tarefas de ensino e
aprendizagem, ou seja, as estruturas de participação ou os sistemas de

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regras que estabelecem quem pode dizer ou fazer o que durante a realização
das atividades previstas na disciplina.
Para o planejamento do plano de tutoria se faz necessário resgatar o
plano da disciplina, o plano de ensino e o plano de aula para haver o
encadeamento dos documentos. O plano de tutoria deve conter os seguintes
elementos descritos pelo guia do tutor da Ufal (2014): Objetivos que descreve
o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e competências que será
mobilizado pelos alunos no processo de aprendizagem; Conteúdos refere-se
aos conhecimentos sistematizados e organizados que serão utilizados pelo
tutor; Estratégias de ensino são os métodos, técnicas e processos que serão
utilizados pelo tutor para mediar o processo de ensino e aprendizagem. Deve
conter também os procedimentos para o tutor conduzir o acompanhamento. O
professor descreve como a atividade deve ser conduzida, as intervenções,
para que o acompanhamento do tutor possa atender aos objetivos da
atividade; Recursos didáticos são ferramentas e recursos para ampliar as
possibilidades de aprendizagem; Avaliação é o processo pelo qual se pode
verificar se ocorreu a aprendizagem. Deve pontuar os aspectos que serão
observados no acompanhamento dos alunos; Cronograma, consiste no
período de realização de cada atividade e atribuições do tutor.
O plano de tutoria configura-se como uma parte integrante do material
didático na EaD. Ele tem uma significativa importância, pois a partir dele o
tutor poderá desenvolver seu trabalho de forma clara e concisa, de acordo
com o que estiver estabelecido no plano tendo como referência os objetivos
disciplina, bem como os critérios de avaliação e correção das atividades a
serem solicitados pelo professor. (UFAL,2014)
Para que o tutor possa exercer sua função de mediador da
aprendizagem ele necessita de informação, apoio, recursos, oportunidades de
desenvolvimento e competências. Além disso, antes de iniciar os trabalhos, o
tutor necessita conhecer: a filosofia específica da EAD e da instituição de
ensino; ter uma definição clara da sua função; os objetivos; o material didático

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a ser utilizado entre outros.
De acordo com Ramos (2014) o tutor participa da avaliação do
desempenho do aluno e o fornecimento do feedback que contribui para a
aprendizagem na EaD. Para isso, o tutor deve ter: informação sobre as
expectativas dos alunos no que diz respeito à avaliação; conhecimento do
regulamento e requisitos referente à avaliação na instituição.
Polak (2009) afirma que o tutor necessita de parâmetros avaliativos,
que devem ser compartilhados com o professor que coordena a disciplina
para que possa auxiliar o processo de aprendizagem. Uma vez que, o tutor ao
avaliar o aluno lhe atribui uma nota, precisa ter critérios para que tanto o tutor
como o aluno saibam o que e como está sendo avaliado. Segundo ele o
estabelecimento de critérios avaliativos minimiza o poder avaliador,
desmistifica a avaliação e torna o processo mais natural. Quando a aluno
conhece como e por quem será avaliado, torna-o mais seguro e dá a
instituição mais credibilidade.
Para que isto aconteça o plano de tutoria precisa conter todas as
informações necessárias ao bom andamento da disciplina com vistas a
melhorar a qualidade do trabalho do tutor. É um instrumento que norteia as
atividades da tutoria e os procedimentos para o acompanhamento do
processo de ensino aprendizagem.
O importante é que antes do início das atividades o professor e tutor
disponibilizem um momento para socializar o plano de tutoria. Deve ser um
momento de diálogo para a troca de experiência e deve ser mantido
periodicamente no decorrer da disciplina, pois sempre será necessário
reajuste dos conteúdos a depender do andamento do processo. Pois, o
trabalho na EaD consiste numa parceria entre professor e tutor.
Ao professor responsável pela disciplina, sua função compreende em
elaborar o material didático, como base nisto o professor irá elaborar o plano
de tutoria, que envolvem os processos de ensino aprendizagem dos alunos e
as atribuições do tutor para determinada disciplina.O plano de tutoria é um

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instrumento que norteia todas as ações da disciplina, é nele que são
expressos os objetivos que deverão ser alcançados e os conteúdos que serão
aprendidos pelos alunos.

Nele são expressos os instrumentos de ação

pedagógica de ensino e aprendizagem para que o tutor possa acompanhar o
processo de avaliação das atividades, o que deve estar em harmonia com a
proposta de avaliação do plano da disciplina.
De acordo com Lima (2013) a incorporação do plano de tutoria no
processo formativo deve incluir uma série de normas e procedimentos de uso
como: identificação da disciplina, identificação do professor, ementa do curso,
objetivos da disciplina, metodologia de trabalho, avaliações e detalhamento
da pontuação, tipo de atividade, prazos limites para a entrega de atividades
dentre outros. Tais normas e procedimentos de uso são elementos essenciais
e constitui um referencial inicial de como o processo de ensino aprendizagem
dever ser conduzido. A partir do plano de tutoria o tutor norteará a
organização das atividades em torno dos conteúdos, das tarefas de ensino e
de aprendizagem respeitando os elementos mínimos do que foi proposto pelo
professor, permitindo assim ao tutor uma visão detalhada de sua atribuição na
disciplina a qual acompanha.
5 PERCURSO METODOLÓGICO
Este artigo se configura na abordagem qualitativa, que segundo
Creswell (2010), trabalhará com representações e opiniões subjetivas dos
sujeitos envolvidos, neste caso, o tutor online, com o intuito de investigar os
planos de tutoria e a forma de intervenção utilizada pelos tutores de um curso
de graduação da UAB/ Ufal, no que se refere a um processo de ensino
aprendizagem a partir da ação docente realizada pelo tutor dentro do AVA
Moodle. Tendo como metodologia um estudo de caso (FLICK, 2009) sendo
esta a mais adequada, na medida em que se procura compreender, explorar
ou descrever acontecimentos com vistas a observar a realidade da sociedade.
A análise teve como base as respostas do questionário realizado com os

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tutores online. Através disto pode-se compreender se os planos de tutoria são
efetivos na ação docente do tutor, e se são instrumentos de suporte que
contribui para o processo de ensino aprendizagem.

6 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
Os dados coletados e analisados foram extraídos das respostas do
questionário realizado com os tutores online em meados de fevereiro de 2015.
A partir disto realizou-se um questionário com vinte quatro tutores online
vinculados a UAB/Ufal. A identificação dos tutores decorreu-se pela letra (T)
seguida do número ordinal. O questionário foi realizado a partir de perguntas
abertas e fechadas e as respostas foram enviadas pelo google drive.
As respostas dos tutores, referente à relação professor autor e tutor
para socializar as ações do plano de tutoria refere-se à disponibilidade do
plano de tutoria antes do início da disciplina, os momentos de interação entre
eles e de que forma a interação acontece.

Vinte tutores informaram que

recebem o plano de tutoria, às vezes, antes do início da disciplina. Dois dos
tutores afirmaram que nunca recebem o plano de tutoria e os outros dois
disseram que sempre recebem com antecedência. Os tutores foram unanimes
ao enfocar que quando o plano de tutoria é disponibilizado antes do início da
disciplina o tutor já se organiza e otimiza todo o processo, possibilitando a
organização das atividades antecipadamente.
Quanto aos momentos de interação professor e tutor dezessete tutores
informaram que às vezes existem momentos de interação, três tutores
disseram que sempre ocorre e quatro tutores informaram que nunca ocorre.
Um dos pontos relevantes na fala dos tutores demonstra que sem a
interação como o professor algumas atitudes poderão ficar prejudicadas e os
tutores se sentem limitados na condução da sua função. E para eles é
possível a interação através de mensagens via AVA, e-mails e ligações
telefônicas.
Quanto as dificuldades encontradas pelo tutor para colocar em prática

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o plano de tutoria pelos tutores . Eles apontam quais os elementos contidos
no plano que apresentam mais dificuldades na interpretação das informações.
O quadro 1 mostra o quantitativo de respostas:
Quadro 1 – Elementos do plano de tutoria X Dificuldades na
interpretação
Elementos do plano de tutoria

Respostas dos tutores

Objetivos
Conteúdos
Estratégias de Ensino
Recursos
Avaliação
Cronograma

7
5
3
5
12
8

Fonte: Autora,2015
Quanto a característica e utilidade do plano de tutoria foram analisadas
na questão que trata da relevância do uso do plano de tutoria para a ação
docente. Sobre a necessidade do plano de tutoria para a realização dos
trabalhos Vinte dois tutores responderam que é muito útil e apenas dois
tutores responderam que é pouco necessário. Vale enfatizar que nenhum
tutor considerou o plano de tutoria desnecessário.

As justificativas de

algumas respostas foram às seguintes:
T19 - É através dele e do tutor que o professor se faz
presente nas salas de aulas virtuais da EAD. É ele que vai
respaldar o tutor para realizar o feedback aos alunos e
realizar a atribuição das notas. Sem o plano de o tutor não
terá parâmetros para a realização da mediação pedagógica.

A partir disto confirma-se que o plano de tutoria faz parte da prática
pedagógica na EAD, pois é a partir dele que se baseiam todo o
direcionamento do trabalho. É no plano de tutoria que observam os objetivos
de cada atividade e como as mesmas devem ocorrer.
Quanto a relevância do plano de tutoria para a mediação pedagógica
vinte e três tutores responderam que sim, o plano de tutoria é relevante para a

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melhoria do processo ensino aprendizagem. Somente um tutor considera que
o plano de tutoria não é relevante. E as justificativas são as seguintes de
acordo com o recorte da fala dos tutores:
T18 – [...] é de fundamental importância na construção dos
processos de ensino e aprendizagem, pois, norteia as
práticas do tutor. [...]contribui para que o tutor tenha maior
confiança no acompanhamento dos estudantes.

Sobre o uso efetivo do plano de tutoria e se possibilita a mediação
pedagógica durante a as interações no AVA como forma de potencializar a
aprendizagem dos alunos vinte e um tutores afirmaram que sim, o uso do
plano de tutoria potencializa a ação pedagógica, que por sua vez, contribui
para a aprendizagem dos alunos. E três tutores afirmaram que não há relação
com o uso do plano de tutoria e a mediação pedagógica. Os tutores
justificaram suas respostas a partir das seguintes falas:
T2- A mediação depende de quem a faz, mas o plano
define os passos que precisam ser trilhados.
T3- O plano de tutoria vai dar o suporte o tutor e assim
facilitar o acompanhando da disciplina.
T14- Porque podemos manter uma maior interação com os
alunos, uma vez que estamos seguros quanto aos critérios
de avaliação.
T19 - [...] se nossa função é mediar o trabalho pedagógico,
quanto mais informações tivermos, mais poderemos
contribuir.

Os planos de tutoria dão o direcionamento ao tutor tendo em vista a um
melhor acompanhamento dos alunos. É por meio da mediação pedagógica
que o estudante consegue condições necessárias para a assimilação do
conhecimento. Desta forma, o plano de tutoria deve favorecer a mediação
pedagógica.
No quesito utilização ou dispensa do plano de tutoria pelo tutor
experiente foram analisadas a partir das respostas dos questionários. Ao
perguntar se a experiência como tutor poderia dispensar o uso do plano da
tutoria sem prejudicar a ação pedagógica, a resposta foi unânime os vinte

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quatro tutores disseram que não. Todos os tutores enfocam que mesmo com
a experiência o plano de tutoria é de suma importância para potencializar a
prática docente tendo em vista um melhor aproveitamento da aprendizagem
dos alunos. Os tutores justificaram as respostas nas seguintes falas:
T 8- O tutor com experiência pode realizar o seu trabalho,
mesmo sem o plano de tutoria, para não deixar o aluno
prejudicado nem comprometer a imagem do curso, no qual
está realizando a mediação pedagógica. Mas a ação
pedagógica será prejudicada, pois o tutor não construiu o
material didático da disciplina, nem sabe com certeza qual a
expectativa do professor sobre as respostas que o tutor para
o aluno, principalmente sobre a atribuição das notas nas
atividades.

Nesse item de análise, a partir da fala dos tutores, confirma-se que o
uso do plano de tutoria é indispensável para o bom acompanhamento da
disciplina, pois cada uma possui suas especificidades e objetivos de
aprendizagem diferenciados.
No que se refere a questão dos critérios de correção constituintes do
plano de tutoria se atendem as expectativas dos tutores. Oito tutores
responderam que os planos de tutoria atendem suas expectativas, dezesseis
deles disseram que as vezes e zero disseram que nunca atendem. As
justificativas

do

tutores

relacionada

aos

critérios

de

avaliação

da

aprendizagem dos alunos apresentadas pelo professor da disciplina são os
seguintes:
T1- Nem sempre os critérios são bem detalhados.
T 4- Poderia ser discutido e planejado com os tutores.
T10 - Falta detalhamento. Sem critérios para a geração das
médias dos alunos.
T11- Fica muito vago, mecânico e com muitas dificuldades de
assimilar o que o professor quer. Falta reunião entre o tutor e
professor para explicar o plano de tutoria.
T16- [...] É através dele que identificamos o que o professor
pretende que o aluno aprenda.

Este item constata que a falta de detalhamento nos critérios de
avaliação apresentados pelo professor da disciplina compromete o processo

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de avaliação dos alunos. Sendo assim, os critérios de avaliação poderiam ser
discutidos em conjunto entre professor e tutor, a partir do processo de
interação, pois os tutores reforçam que a falta de contato com o professor
impede que as ações possam ser mais detalhadas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo discutiu acerca da prática docente do tutor a partir do uso
dos planos de tutoria que auxilia no processo de ensino aprendizagem dos
alunos. Tendo em vista que os planos de tutoria se configuram como um
documento de suporte ao tutor que auxilia a prática pedagógica deste
profissional no que se refere ao processo aprendizagem dos alunos.
Na discussão compreendeu-se que o plano de tutoria é um instrumento
que norteia as ações de acompanhamento dos alunos na disciplina, é nele
que são expressos os objetivos que deverão ser alcançados e os conteúdos a
serem assimilados. O plano de tutoria deve contemplar os elementos de ação
pedagógica de ensino e aprendizagem para o tutor mediar o processo de
aprendizagem dos alunos.
Pode-se detectar segundo os tutores que com o uso dos planos de
tutoria aumenta a qualidade da mediação pedagógica que contribui para a
melhoria do processo aprendizagem dos alunos. No entanto, ainda existem
fragilidades, no que se refere à estrutura e clareza nas informações contidas
nos planos de tutoria. Percebeu-se que os professores conteudistas
apresentam dificuldades em elaborar o plano de tutoria seguindo os critérios
estabelecidos pela CIED.
Os pontos de constatação afirmam que é preciso compreender a
importância e a função que o plano de tutoria exerce para o bom andamento
do trabalho do tutor, pois minimiza suas dificuldades, além de organizar a

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ação pedagógica do mesmo na condução do seu trabalho.
A análise da prática docente do tutor online sugere uma promoção de
melhorias na estruturação bem como o maior envolvimento com a equipe de
produção do material didático e o acompanhamento de um especialista em
planejamento das ações em EAD. Além de um processo contínuo de
interação professor e tutor que são fundamentais para o bom andamento do
processo de ensino aprendizagem.
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A INCLUSÃO DE UMA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL
NUMA PRÉ-ESCOLA: sobre competências de crianças
Elton André Silva de Castro
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo promover algumas reflexões
sobre as interações entre uma criança com paralisia cerebral (chamada
Laura, também denominada de sujeito focal) com parceiros de idade e suas
professoras no contexto de uma sala de aula, numa escola de educação
infantil pertencente à rede pública de ensino da cidade de Maceió. Busca-se
compreender os processos de significação configurados nas interações ente
crianças e entre estas e seus parceiros adultos, buscando reconhecer as
competências de crianças em atuar nas atividades pedagógicas e nas
diversas situações do cotidiano da pré-escola potencializando situações de
aprendizagem e cuidado quando implicava-se a presença de Laura.
Estabelecemos especial atenção para comportamentos e/ou habilidades
manifestas pelas crianças e a natureza do foco pedagógico expresso pelas
professoras quando no manejo do sujeito focal. Os dados que embasaram
estas reflexões resultaram de recortes, por episódio, do material empírico
produzido em estudo longitudinal desenvolvido num período de 6 meses
utilizando observação videogravada das atividades desenvolvidas com o
sujeito focal na sala de aula, bem como da realização de entrevistas com as
três professoras que atuaram com Laura e sua família, sessões de autoscopia
de episódios videogravados das atividades em sala de aula com a professora
auxiliar e registros adicionais do pesquisador em diário de campo. Para esta
comunicação optou-se por utilizar apenas os dados decorrentes de dois
episódios de interação recortados dos registros videográficos que foram
analisados numa perspectiva microgenética. As análises permitem considerar
que as interações no cotidiano da inclusão estão repletas de significações que
indicam a prontidão de crianças de acompanhar demandas do sujeito focal,
através de manifestações de cuidado e prontidão para atuar em coparticipação com o adulto. Adultos apresentam dificuldades para aceitar a coparticipação de crianças nas interações partilhadas com o sujeito focal.
Defende-se o uso reflexivo em processos formativos das análises de
episódios de interação para fomentar a formação de professores na educação
infantil com o intuito de aprimorar práticas pedagógicas no campo da
educação inclusiva.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Pré-Escolar, Interação Social, Inclusão
Educacional, Paralisia Cerebral.
1 INTRODUÇÃO

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A nossa contemporaneidade trouxe uma série de demandas de
atenção, atendimento e acompanhamento de estudantes com necessidades
específicas71 que impactam no cotidiano das práticas pedagógicas. Entre
elas, as crianças com paralisia cerebral na pré-escola exigem de cada
profissional um redimensionamento de suas potencialidades, instaurando a
dúvida sobre as capacidades dos adultos cuidarem e educarem e dos sujeitos
de seguirem processos de escolarização que, frequentemente, homogenizam
sujeitos em categorias universalizantes, mesmo quando tratamentos de
crianças com deficiência.
Diante deste cenário, adultos e crianças mergulham em processos
culturais que os constituem como sujeitos que manejam significações e
objetos do mundo para situar-se na realidade, para criar sobre e a partir do
cotidiano,

para

desenhar

suas

trajetórias

de

desenvolvimento

e

aprendizagem.
Quem tem competência para cuidar de crianças? Crianças aprendem
com crianças? Crianças oferecem possibilidades de construir lugares públicos
de significação para apoiar ou ancorar seus parceiros nos caminhos da
significação da realidade, ou apenas os adultos são capazes destas tarefas?
Nossa intenção, com esta comunicação é propor reflexões a partir de
recortes de um material empírico que resultou de pesquisa, delineada
enquanto estudo de caso longitudinal realizado no período de agosto de 2015
a janeiro de 2016, através da observação videogravada das atividades
pedagógicas desenvolvidas numa pré-escola da rede pública de ensino na
cidade de Maceió (Alagoas).
Esta comunicação intenciona contribuir com profissionais ocupados
com processos de inclusão de crianças com necessidades específicas,
especialmente, no contexto da educação regular e infantil. Neste sentido, ele
71

A partir de Glat e Pletsch (2011) concebemos estudantes com necessidades educacionais
especiais ou específicas como aquele com demandas específicas que determinam o emprego
de “diferentes formas de interação pedagógico e/ou suportes adicionais”.

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pretende dialogar com professoras e professores de escolas regulares,
oferecendo possibilidades de reflexão sobre o papel das interações entre
parceiros de idade e adultos a partir do estudo de caso longitudinal de uma
criança de 5 anos em seu primeiro ano de escolarização que vive com
paralisia cerebral.
A paralisia cerebral é compreendida como uma encefalopatia
crônica, não progressiva, originada por lesão pré, peri ou pós natal, afetando
sujeitos no início da vida. Caracteriza-se por disfunção motora, podendo
associar-se

com

comprometimentos

cognitivos

e

sensoriais

(ASSIS-

MADEIRA; CARVALHO, 2009).
2 DESENVOLVIMENTO
Através da interação com o outro social, a criança assume um lugar
na dinâmica das produções culturais: tem acesso aos diversos saberes
produzidos por seu grupo comunitário, produzindo novos sentidos sobre a sua
condição de membro da espécie humana, afetando e sendo afetado
simbolicamente no encontro intersubjetivo (LEONTIEV, 2006; LURIA, 2006;
VYGOTSKY, L. S., 1996; VIGOTSKI, 2012).
Vigotski sugere que há uma estreita vinculação entre a criança que se
constitui e o meio como lugar e vetor do desenvolvimento. A aparente fixidez
ou imobilidade do meio esconde que a presença do sujeito é poderosamente
interventiva: a presença e a ação do sujeito convertem-se em poderosa
intervenção sobre o meio na medida em que se produzem mudanças nos
significados encontrados em determinado momento da vivência do sujeito.
Importante frisar que no desenvolvimento do sujeito a vivência das situações
vividas no meio determina qual a importância que esta situação ou meio terá.
Em suas palavras: “Dessa forma, não é esse ou aquele elemento
tomado independentemente da criança, mas, sim, o elemento interpretado
pela vivência da criança que pode determinar sua influência no decorrer de

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seu desenvolvimento futuro” (2012, p. 284). Vigotski vai delineando uma
perspectiva em que o processo de desenvolvimento humano está imbricado a
uma concepção de meio enquanto elemento que recebe significações.
Então o processo de constituição do sujeito é marcado tanto pela
vivência da experiência (em sua significação) quanto ao manejo destas
significações primárias em um plano de reinterpretação constante do que
experimenta. Vigotski (2012, p. 382-384) defende que o meio não deve ser
investigado tomando o que ele apresenta em seus componentes ou eventos,
mas sempre em relação com a criança que nele está inserida.
Um dos pontos altos das reflexões de Vigotski (2012, p. 333) é
quando ele comenta algumas pesquisas de Piaget ao referir-se ao
desenvolvimento sensório-motor, pontuando que os movimentos que o bebê
executa no seu “entorno imediato e todos os movimentos que coincidem com
seus esforços são percebidos por ele, tendo uma resistência dos objetos e
das pessoas que o obrigam a distinguir em seu entorno, alguns cetros de
referência, a singularizar seu ‘eu’ e outros objetos”.
O desenvolvimento cultural da criança requisita o desenvolvimento de
funções psicológicas e suas aplicações em situações contextuais organizadas
culturalmente. O desenvolvimento da atenção, a aquisição de linguagem e a
utilização de ferramentas promovem a passagem dos limites do orgânico,
rumo às grandes transformações que se organizam para sustentar seu
desenvolvimento cultural (Vygotski, 2012b, p. 332).
O processo de ensino é o que promove toda uma série de situações
planejadas pelo professor e promovida nas interações que, por vezes, lhe
escapam ao controle que alteram o momento cognitivo da criança.
Este caráter transformacional e dinâmico da zona de desenvolvimento
iminente ou proximal, revela o que Valsiner e Vander Veer (2016, p. 365)
apontam como sendo dois momentos no tempo do desenvolvimento cognitivo
da criança: aquilo que ela domina e executa sem a orientação de um parceiro

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refere-se às funções psicológicas já amadurecidas, um ontem como
temporalidade e, o que ela desempenha em cooperação com seus parceiros
mais capazes, prenuncia e revela as conquistas de amanhã.
Em certa medida, a deficiência é uma “insuficiência e atua como tal”,
estabelecendo fatores que dificultam a adaptação da criança ao contexto
cultural em que se situa. De outra perspectiva:
(...) é devido precisamente que a deficiência origina dificuldades,
obstaculiza o desenvolvimento e altera o equilíbrio normal e a
adaptação da criança, que se torna um estímulo para a criação de
vias colaterais de adaptação que substituem ou sobrepõem as
funções em seu desejo de compensar a deficiência e levar todo o
equilíbrio alterado do sistema a uma nova ordenação” (VIGOTSKI,
2012a, p. 312).

E complementa que é necessário analisar o que existem de
possibilidades de criação de vias colaterais de desenvolvimento. Vigotski
recusa a ênfase que se estabelece numa compensação estritamente orgânica
e apresenta-nos a seguinte hipótese: “(...) o desenvolvimento cultural é a
esfera mais importante onde é possível compensar a insuficiência. Ali onde o
desenvolvimento orgânico resulta impossível, existem infinitas possibilidades
para o desenvolvimento cultural” (VIGOTSKI, 2012a, p. 313).
Em continuidade à elaboração do conceito de compensação, Vigotski
(2012b, p. 224) propõe que é necessário também investigar o papel da
coletividade para o desenvolvimento cultural da criança com deficiência (que
em alguns instantes ele faz referência direta à criança com atraso mental).
Recomendava que, nas escolas, os grupos de crianças deveriam ser
formados contendo, por exemplo, crianças com diferentes níveis de retardo
mental. Embora ele estivesse compondo um grupo predominantemente ou
totalmente composto por crianças com deficiência, sua intenção era permitir
que uma “criança mais dotada intelectualmente” atuasse frente a outra com
menor capacidade.
Há um plano de interação, quando do encontro intersubjetivo, em que
se encontram a criança e seu parceiro. Neste encontro, considerando os

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processos descritos anteriormente, a criança é mobilizada pelas ações do seu
parceiro, enquanto outro social, pode agora ver em seu entorno a ampliação
das possibilidades de leitura do mundo cultural, a partir da apresentação,
nomeação/identificação e modos de utilização por seu parceiro dos signos e
instrumentos culturais. Quando imersa nestas experiências, a criança produz
significações e organiza suas vivências. Aquele que opera inaugurando novos
processos semióticos de leitura do mundo e de si, transforma-se constituindose sujeito.

2.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Os dados que embasaram estas reflexões resultaram de recortes,
por episódio, do material empírico produzido em estudo longitudinal
desenvolvido num período de 6 meses (de agosto de 2015 a janeiro de 2016)
utilizando observação videogravada das atividades desenvolvidas com o
sujeito focal na sala de aula, bem como da realização de entrevistas com as
três professoras que atuaram com Laura e sua família, sessões de autoscopia
de episódios videogravados das atividades em sala de aula com a professora
auxiliar e registros adicionais do pesquisador em diário de campo. Para esta
comunicação optou-se por utilizar apenas os dados decorrentes de três
episódios de interação recortados dos registros videográficos que foram
analisados numa perspectiva microgenética.
Portanto, ao articular as perspectivas de estudo de caso e
planejamento longitudinal, tem-se em mente que foi possível observar, com
registros em videografia, a constituição dos significados pessoais atribuídos
às diferentes experiências de vida dos sujeitos, com ênfase em episódios de
interação, diálogos estabelecidos, negociação de significados e produção de
sentidos subjetivos mobilizando comportamentos no contexto da sala de aula.
Elegeu-se uma criança com paralisia cerebral, menina com
idade de 5 anos, que não falava e com pequena capacidade de vocalização,

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com movimentos limitados dos braços e mãos e basicamente sem movimento
nas pernas, características que impactavam na interação social com seus
parceiros de idade e adultos que lhes cercavam. A criança, denominada de
sujeito focal, que chamamos de Laura, vive desde 1 ano e 4 meses com uma
família substituta que lhe cuida tendo obtido judicialmente sua tutela. É aluna
matriculada numa escola de educação infantil da rede pública municipal de
Maceió (Alagoas), experimentando desde o final de maio de 2015 o início do
seu processo de escolarização.
Com esta seleção buscou-se entender as singularidades de um
processo de inclusão a partir da trajetória de desenvolvimento e
aprendizagem significada no cotidiano compartilhado de uma sala de aula.
Foram observados todos os procedimentos concernentes à produção de
pesquisas com seres humanos que determina à legislação brasileira e, após
análise de parecerista, obteve-se aprovação de sua execução do Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Com o uso de filmadora digital, foram coletados dados através da
videogravação de cenas do cotidiano de atividade em sala de aula. Nestas
coletas, focalizou-se sempre o sujeito focal e os seus parceiros de idade e
adultos com que interagiu.
A partir dos registros videográficos, foram recortados, descritos e
analisados episódios interacionais, baseando-se nas propostas de Gil (2009),
Pedrosa e Carvalho (2005) e Carvalho, Branco, Pedrosa e Gil (2002).
Tomamos como referência a análise microgenética em sua potencialidade
para estudar detalhadamente as evoluções/transformações entre “agente e
situações” (MEIRA, 1994), buscando inferir as significações que são
produzidas nas interações entre parceiros, no contexto empírico.
Apoiamo-nos nas propostas de Gil (2009) e Pedrosa e Carvalho
(2005) para afirmar que não partiremos de hipóteses ou categorias a priori
que pretendam explicar os comportamentos ou as interações. No dizer de
Pedrosa e Carvalho (2005, p. 92 e 93), buscamos “alçar as regulações

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recíprocas inerentes ao processo interacional”. Nossas unidades de análise
foram elaboradas/circunscritas na observação dos “eventos interindividuais”,
observando tanto trocas entre díades, eventos triádicos e de pequenos
grupos de sujeitos como propõem Carvalho, Branco, Pedrosa e Gil (2002).
2.2 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS EMPÍRICOS
Adiante o leitor terá acesso a apresentação dos dados empíricos, dois
episódios de interação serão descritos e analisados segundo nossa proposta
de compreensão a partir dos referenciais descritos anteriormente.
Episódio 1: A permanência de um objetivo pedagógico e as interpretações
sobre Laura.
Data: 10 de agosto de 2015
Duração: 3min06s
Participantes: Adulto – Mônica. Crianças – Laura (4;10), Bárbara (4;9), Rita
(4;5), Vitória (4;6), Vitória (4;6)
No sentido horário, estão à mesa, Vitória, Laura, Mônica, Rita e Bárbara.
Bárbara está com vários lápis de cor na mão. Vitória permanece abaixada à
direita de Laura. Mônica continua sua tentativa de fazer Laura segurar o lápis,
dizendo: “Dá a mão, Laura!” Vitória acompanha atentamente a ação de
Mônica. Esta larga o lápis na mesa e passa a repetir “Dá a mão, Laura! Dá a
mão!”. Vitória dirige-se para alcançar o lápis e Laura, acompanhando o
movimento de Vitória, vira seu rosto para ela abrindo a boca; parece querer
mordê-la. Vitória coloca o lápis em pé na mesa olhando fixamente para Laura,
Mônica solta mão da Laura e toma o lápis de Vitória recolocando-o em cima
da mesa. Antes Vitória esboçava um sorriso para Laura, agora fica séria.
Mônica chama a atenção de Laura: “Laura! Abre a mão!” Vitória beija por três
vezes o braço de Laura, que vocaliza e sorri: “Argh! Aaai! Ai”. Vitória olha para
Laura e sorri para ela e para Mônica, que permanece concentrada na tarefa
de abrir a mão da Laura. Vitória continua beijando (agora o ombro) Laura, e

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esta continua abrindo a boca, como se fosse morder. Vitória vira seu rosto e
deita sua cabeça na mesa, que é observada por Laura. Quando Vitória não
mais olha para Laura, esta volta-se para suas mãos que permanecem sendo
manipuladas por Mônica. Esta desiste de recolocar o lápis na mão de Laura e
pega a fralda para limpar sua boca que está babando. Vitória passa a
acompanhar o que fala Tânia numa mesa distante. Mônica corrige a postura
de Laura e recoloca o lápis em sua mão. Vitória retoma sua atenção para
Laura, beija seu braço e passa a sorrir para ela. Laura retribui o sorriso e
passa a olhar para o papel que está à sua frente, Vitória faz o mesmo. Não
era perceptível até então, mas Mônica rabiscara algo na folha de papel.
Vitória sorri quando se dá conta disso e Laura mantém sua atenção para a
folha. Evelyn, que estava um pouco afastada da mesa, aproxima-se e deita
sua cabeça no próprio braço acompanhando o que faz Mônica ao segurar a
mão de Laura. Nesse momento, Laura abra a boca várias vezes, olhando
para Vitória, agita-se, sorri e vocaliza: “Agh!” Vitória percebe a atitude de
Laura e beija seu braço mais uma vez. Mônica diz: “Não! Naão, vai me
morder, Laura?” Neste momento, Laura sorri e dá uns gritinhos: “Ããã! Aaah!”
Mônica continua: “Vai me morder, Maria Laura!” num tom de brincadeira.
Laura, sorrindo longamente, repete o que vocalizou anteriormente. Laura
aproxima a boca do antebraço de Mônica e parece lambê-lo. Mônica pega a
fralda e limpa sua boca. Rita, que tinha saído, retorna à mesa falando com
Mônica. Laura permanece “tentando morder Mônica”, mas desta vez sem
nenhuma reação de Mônica. Vitória, com o olhar fixo à altura da mesa,
observa Mônica, apoiando a mão direita de Laura que segura o lápis e rabisca
na folha de papel. Laura com o olhar que alterna o foco entre os rabiscos
sendo produzidos e Vitória, começa a babar mais acentuadamente. É
possível reconhecer uma atitude relaxada de Laura, ela não resiste ao toque
de Mônica e esboça um sorriso quase permanente. Ela sorri longamente e
vocaliza: “Éééé´!” E continua por gargalhar: “Aiaiaiai!” Vitória observa Laura,
mesmo com o dedo na boca, sorri para ela. Rita e Bárbara iniciam uma

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disputa por lápis de cor. Mônica retira o lápis da mão de Laura, ergue sua
cabeça e gira o papel no ar, analisando o que produzira. Laura fica séria, com
o olhar sem foco definido. Mônica conversa com as outras crianças da mesa.
Paulo vem até à mesa e observa o que as crianças fazem. Ninguém fala com
ele que sai imediatamente; Tânia o chama de volta à sua mesa de origem. Ele
obedece, mas olha interessado para a mesa que visitou. Mônica, Rita,
Bárbara conversam sobre Maria Laura, enquanto Vitória observa o que diz
Mônica sobre o que será a próxima tarefa de Laura. Mônica diz: “Não é
Laura?” e, neste momento Laura oscila na cadeira. Mônica a segura; observase Laura sorrindo. Mônica diz que Laura não estaria gostando de algo que
Bárbara teria dito; a expressão de Laura passa a ficar séria. E diz para ela:
“Não é, Laura?” Mônica repete e continua tocando em seu rosto, acariciando
seu queixo. Laura vocaliza com irritação: “Aaan!” Mônica, após conversar com
Bárbara, repete: “Não é, Laura?”
Mônica mantém um objetivo a ser perseguido: ensinar Laura a
segurar no lápis. Assistimos a uma disputa sobre quem pode conduzir esta
tarefa: Vitória, sem ser convidada, se insere na mesa e permanece atuando
junto a Mônica. O lápis torna-se um recurso para atuar com Laura; a disputa
acentua o caráter de elemento de mediação do objeto. Até que, dominando a
execução da tarefa, Mônica o coloca sobre a mesa. Inicialmente, as reações
de Laura não recebem atenção por parte de Mônica. As trocas de sorriso e
manutenção do olhar entre Vitória e Laura são significativas. Mônica, na maior
parte da duração deste episódio, dedica-se a manipular as mãos de Laura e
testar sua capacidade de segurar o lápis. Cria-se um espaço entre Laura e
Vitória; esta se aproxima e provoca reações em Laura que parece estabelecer
um limite de proximidade. Beijar, sorrir e morder são recursos que Vitória e
Laura se utilizam em suas interações. Todas estas interações são ignoradas
por Mônica que se dedica totalmente a manipular a mão de Laura, solicitando
verbalmente que ela abra a mão. Há uma diferença de estratégias na

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abordagem a Laura: Vitória utiliza-se de recursos não verbais, enquanto
Mônica combina o manejo físico às instruções e comentários verbais ao
comportamento de Laura.
Mônica lança interpretações sobre como Laura significa falas das
crianças, sobre sua aparente ação de abrir a boca e aproximá-la do braço de
Mônica. As reações de Laura se modificam à medida que Mônica insiste que
Laura não teria gostado de algo dito por Bárbara. Laura acrescenta à sua
expressão séria e silenciosa uma vocalização de aparente irritação. Vitória
não mais atua com Laura, a entrada de Mônica numa interação com Rita e
Bárbara segue-se a uma postura de expectadora de Vitória. A aproximação
de Paulo não recebe qualquer reação deste grupo; que aproxima-se da mesa
por duas vezes e não permanece nela por solicitação de Tânia. A execução
da tarefa é o objetivo perseguido a todo instante por Mônica. Não ser
abordada por uma parceira faz Laura ficar quieta e séria, sem expressão. As
questões feitas por Mônica a Laura promovem reações nela. Mônica torna-se
até os instantes finais do episódio a parceira que parece monopolizar o
acesso a Laura e um modo de interpretar seu comportamento.
Carvalho, Império-Hamburger e Pedrosa (1996, p. 14) já apontavam
que o surgimento de um determinado gesto ou comportamento numa
sequência interacional pode operar como um novo código, constituindo-se
num significado particular. Beijar e morder são recursos entre Vitória e Laura
que regulam limites de proximidade entre elas. Nos momentos em que elas
interagem, Mônica permanece no treino do lápis com Laura. É como se dois
planos de realidade operassem, sem comunicação entre eles. Mesmo Mônica
tocando Laura, é com Vitória que uma vinculação intensa se estabelece. O
ensinar a pegar no lápis não parece ganhar qualquer conteúdo significativo
para Laura. O morder e o olhar entre Vitória e Laura mobilizam-nas e, sem a
presença ativa de Vitória, Laura fica quieta e silenciosa.
Episódio 2: A coparticipação de Vitória no auxílio de Laura.
Data: 10 de agosto de 2015

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Duração: 6min40s
Participantes: Adultos – Tânia e Mônica. Crianças – Laura (4;10), Bárbara
(4;9), Rita (4;5), Vitória (4;6).
Na mesa encontram-se Laura, Mônica e Rita. Tânia, em outra mesa, pede
para Vitória levar a ficha de identificação contendo o nome de Laura para que
ela o reproduza, com a ajuda de Mônica, numa folha de papel. Vitória coloca
a ficha em cima da mesa, Laura sorri, Mônica posiciona o papel onde deverá
ser escrito o nome “Maria Laura”. Desta vez, observa-se que Mônica permite
a participação de Vitória, que seguirá escrevendo o nome de Laura no papel.
Mônica irá falar as letras do nome dela. Rita mexe num depósito contendo
vários lápis de cor. Laura, bem tranquila, sorri. Rapidamente ela abre a boca e
começa a babar. Ouvimos as risadas de Bárbara, que sorri para mim
enquanto vejo que Rita sai da mesa e é seguida por Bárbara. Mônica segue
segurando Laura e ela vocaliza: “Argh!” Vitória permanece dedicada a
escrever o nome de Laura na folha de papel. Laura continua vocalizando;
Bárbara retorna à mesa juntamente com Rita. Laura aparenta irritação
crescente, ergue seu braço direito, mas mantém sua postura ereta. O campo
visual de Laura torna-se restrito, pois Vitória posiciona-se à frente dela que
não vê mais nem a ficha e, aparentemente, muito pouco o papel. Sua mão
desce ao ombro esquerdo de Vitória, Mônica corrige a postura de Laura que
parece cair levemente para frente. Laura continua vocalizando: “Cóóó”. Sua
mão não está mais no ombro de Vitória. Mônica mantém-se segurando o
braço esquerdo de Laura, estende sua mão direita de encontro ao tórax de
Laura que permanece irritada. A mão de Laura desce pelo ombro de Vitória,
escorrega e Laura faz pressão sobre o ombro dela. Vocaliza irritada. Vitória
tem dificuldade de levantar e seguir para entregar a ficha a Tânia. Mônica
retira a mão de Laura, que a esta altura, caiu e fixou-se no braço esquerdo de
Vitória. Mônica permanece segurando a mão direita de Laura. Observa-se
que Vitória entregara a folha e a ficha a Tânia e retorna à mesa. Evelyn,
sorrindo, mexe no braço, no local que foi tocado por Laura, retorna à mesa,

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abaixa-se e beija o braço de Laura que está abrindo a boca, vocalizando:
“Aaargh!” Como Vitória está bem abaixada, Laura, próxima dela, aparenta
querer morder a cabeça de Vitória, que não percebe e sorri para Mônica,
afastando-se de Laura. Vemos que Laura projeta seu corpo para Vitória, sai
do eixo que a mantinha apoiada no encosto de sua cadeira. Vai até Vitória
como que querendo mordê-la. Vitória retorna ao alcance de Laura, esta recua
e permanece olhando para ela com boca aberta. Nitidamente, Vitória e Laura
olham-se nos olhos. Laura permanece com boca aberta, fixando seu olhar em
Vitória que se desvia e observa rapidamente Rita. Vitória volta-se para o colo
de Laura, permanece abaixada e beijando seu braço. Laura está séria, mas
tranquila, com a boca já fechada. Bárbara bate na mesa e é repreendida por
Tânia: “Bárbara, não bata que ela se a-ssus-ta!” Vitória séria enquanto fala;
Tânia passa a olhar para Bárbara. Mônica acaricia a cabeça de Laura. Vitória
e Mônica, ao mesmo tempo, mexem com Laura: Vitória beija-a seguidamente,
e Mônica tenta abrir a mão esquerda de Laura; esta abre a boca e olha para
Vitória. Bárbara e Rita conversam longamente. Mônica pede para Bárbara
levantar-se a fim de afastar a mesa; Rita também se levanta. Mônica acaricia
a cabeça de Vitória que, agora, deitou sua cabeça no colo de Laura. Vitória
beija a barriga de Laura, que ergue os braços e vocaliza com alguma irritação
“Aaaargh!”. Vitória continua beijando Laura, desta vez, toca seu nariz no dela,
abaixa-se e conserta o apoio dos pés que Laura utiliza. Mônica pede que
Vitória sente-se na cadeira ao lado de Laura. As duas fazem carinho nela.
Rita pega o celular de Mônica; esta o destrava e passa a utilizar com Vitória e
Rita. Mônica vai fazendo selfies, enquanto Laura, ao centro, aparenta buscar
um foco para seu olhar. Percebe-se como ela fica posicionada entre Vitória e
Mônica, que a cercam fechando seu espaço de ação. Mônica toma o celular e
manipula sua câmera. Rita pega-o e, desta vez, tira uma foto das três, o que
inclui Laura abrindo sua boca como que tentando morder a cabeça de Vitória.
Mônica diz: “Olha, ela dando um beijo na Vitória!” Vitória aproxima-se de
Laura e Mônica diz: “Vai! De novo, Vitória!” Laura abre bem sua boca e quase

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mordendo a cabeça de Vitória olha para Mônica, que não faz nenhum
comentário e nem olha para ela. Laura repete este comportamento, enquanto
Vitória e Mônica nada percebem. Quase ao fim do episódio Vitória retoma
contato visual com Laura que vocaliza: “Ah! Ah!” ao tempo que Vitória
devolve: “Ah! Ah!” Ao ver a foto mostrada por Mônica, Vitória comenta: “A
Maria Laura me mordendo, tia!” Laura fica séria e Mônica diz: “É um beijo!”
Vitória volta a sua cabeça para Laura, que agora não abre tanto a boca,
regulando sua abertura em um abre e fecha repetido. Mônica tira outra selfies
com Laura e Vitória. Laura se agita e Mônica solta o celular para segurar
Laura. O episódio termina com Vitória e Rita disputando o celular.
Diferentemente de outros instantes, Vitória é autorizada por Tânia e
Mônica a auxiliar Laura. De Tânia recebe a tarefa de entregar a ficha a
Mônica e desta, a concessão para sentar na cadeira ao lado de Laura. Ao
terminar de escrever o nome de Laura no papel, Vitória segue para entregá-lo
a Tânia. Segue-se uma sequência de ações entre Vitória, Laura e Mônica. A
saída de Vitória e seu retorno à mesa, sua aproximação e distanciamento do
corpo de Laura provocam reações nela e a intervenção de Mônica. Laura
aparenta projetar seu corpo para frente, sem deixá-lo cair ou perder o
equilíbrio, para ficar próxima a Vitória. O corpo e sua capacidade de atuar
com ele, em movimento do tórax ou em seus elementos (boca, dentes, olhos)
confere a Laura um limiar comunicativo significativo, mas nem sempre
percebido assim por suas parceiras interacionais. Vitória mantém contato não
verbal com Laura: olha-a nos olhos em diversos momentos, alternando seu
contato com ela com beijos sucessivos e longos em seu corpo. As reações de
irritação e incômodo de Laura não são percebidas por Vitória e Mônica
quando elas estão envolvidas em alguma tarefa (escrever o nome da Laura
no papel, no caso de Vitória; abrir a mão de Laura, no caso de Mônica). O uso
do celular, para fotografar umas às outras surge como recurso potencial para
produzir significações sobre o comportamento de Laura (ela estaria beijando

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quando aparentava morder). Vitória é alguém que tensiona o comportamento
de Laura e Mônica estabelece um sentido para a boca aberta de Laura na
cabeça de Vitória. Mônica é frequentemente prescritiva e estabelece
rigidamente os limites de sua ação e controla a ação das crianças.
Tomasello (2003, p. 225) salienta que as crianças, numa disposição
universal, entendem as intenções comunicativas de outras pessoas quando
se expressam através de gestos, símbolos e construções linguísticas. Tais
habilidades as capacitam a seguir seus pares, em sua comunidade de origem,
um percurso de aprendizagem cultural, atuando na capacitação para interagir
e significar os diversos contextos culturais. Em Laura, o corpo e suas
vocalizações são recursos que utiliza para atuar com seus parceiros. As
constantes intervenções de Mônica diminuem o campo de leitura perceptiva
das outras crianças para com Laura. Nos momentos em que Vitória tenta
beijar Laura e parece que ela tenta lhe morder, Mônica ajusta o significado da
ação de Laura. Interessante notar que neste momento Mônica promove outra
significação para o comportamento de Laura.
Tomasello (2003) diz que se uma criança tem sua opinião confrontada
com uma opinião diferente ela poderá compreender intenções comunicativas
do adulto, por exemplo. Assim Vitória é conduzida por Mônica a reexaminar
seu próprio pensamento em uma nova perspectiva.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como nos diz Vygotski (2012), cada momento do desenvolvimento do
sujeito humano está pleno de possibilidades que ainda não foram realizadas
então a investigação realizada aponta que a trajetória de Laura segue uma
imersão nos campos de significação que a conduzem ao desenvolvimento de
funções psicológicas que antes não seriam identificadas pelos pesquisadores
e por seus parceiros interacionais. Estamos diante não de um produto do
desenvolvimento, como nos diz Vigotski, mas acompanhamos um processo

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de desenvolvimento. É disto que devemos tratar: do início de um processo de
inclusão no cenário de uma pré-escola, não estamos diante dos destinos dos
sujeitos, mas de suas possibilidades e das contradições do processo da
educação inclusiva.
Neste estudo de caso, acompanhamos durante seis meses o
processo de inclusão de uma menina chamada Laura, através da observação
videogravada das interações criança-crianças e adulto-crianças no contexto
da pré-escola, de entrevistas com adultos que lidavam com ela e da
observação do cotidiano. Uma variedade de situações e eventos com
significação para seu desenvolvimento através das práticas coletivas foram
configuradas e vivenciadas no cotidiano.
O sujeito com paralisia cerebral se constituiu como resistência a sua
própria condição. A paralisia cerebral impondo limites, contraditoriamente, se
insere numa confluência que envolve as disponibilidades biológicas da própria
criança e as significações que esta encontra e a atingem. E justamente por
ela ter sido a referente das falas e das ações dos seus parceiros que foi
capaz de atuar em seu meio. A partir deste movimento dialético, assistimos a
reconfiguração do seu processo de desenvolvimento quando o sujeito que
passou a adotar estratégias alternativas para interagir com seus outrossociais.
As singularidades do processo de desenvolvimento de Laura vão se
configurando através das ações e falas dos seus parceiros. O que eles
ofereciam a Laura é o aparato cultural que dispõe a humanidade: um campo
de significação repleto de possibilidades de subjetivação. Instrumentos e
signos

foram

apresentados

a

Laura

para

que

ela

os

manejasse

conjuntamente aos seus parceiros; é importante reconhecer que em diversos
momentos quando Laura tenta dar outros sentidos às atividades realizadas ou
voltar sua atenção para outros objetos ou eventos do entorno ela nem sempre
foi considerada. Crianças pareciam mais propensas a respeitar sua aparente

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intencionalidade, os adultos eram movidos pela intervenção planejada numa
perspectiva pedagógica fundamental.
Neste percurso, a trajetória de desenvolvimento do sujeito se
constituiu, repetimos, resistindo para expressar sua intencionalidade. Há uma
evidente apropriação pela criança da ação do outro, da palavra-instrução do
outro como recurso para interagir nas situações propostas coletivamente.
Neste sentido, a análise da situação em que se insere a criança dirá de sua
condição atual de desenvolvimento.
O estudo de caso também demonstra que as possibilidades do
sucesso ou do fracasso do processo de inclusão requisitam o constante
esforço

reflexivo

para

pensar

práticas

pedagógicas.

Neste

sentido,

defendemos que os processos de formação de professores possam
incorporar o recurso da videografia para a estudo e compreensão das
habilidades que sujeitos (adultos e crianças) acionam quando vivenciando
situações grupais pedagogicamente orientadas ou de interações livres.

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ARTE, VISÃO DE UM MUNDO COM DEFICIÊNCIA
José Ricardo Lopes da Silva
Lopsi.lopes@gmail.com
Lais Helena Gouveia Rodrigues
lais_hgr@hotmail.com
Lucas Moreno Cavalcanti Araújo
lucascavalcanti@gmail.com
RESUMO: A prática de atividades plásticas apresenta-se como uma fonte
potencial para a superação de dificuldades encontradas por pessoas com
limitações visuais na percepção do universo em que vivem. Nesse contexto,
esta pesquisa busca a superação de algumas visões simplistas e de senso
comum, mais precisamente no que se refere ao entendimento da prática de
técnicas artísticas direcionada aos deficientes visuais. Esse trabalho enfatiza
concepções pouco abordadas, quando nos aproximamos das expressões
artísticas espontâneas como construção e como expressão, ao serem
trabalhadas por estes indivíduos. Diante dessa perspectiva, embasado na
bibliografia existente, e na experiência de quase quatro anos em atividade
junto ao segmento específico de pessoas cegas e de baixa visão, foi
adquirida uma expressiva compreensão sobre a elaboração de trabalhos
artísticos, quando executada por essas pessoas com limitações visuais.
Dentro de uma nova visão do mundo, representada pelo crescente processo
de inclusão social, esta pesquisa aborda a aplicabilidade formal a respeito da
prática de atividades plásticas, sem, no entanto, focar no pragmatismo
existente em torno da definição conceitual da mesma, mas sim direcionando-a
as expressões artísticas espontâneas, desenvolvidas pelos participantes
desse processo.
PALAVRAS-CHAVE: educação das pessoas com deficiência - educação
como arte - expressão livre.
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi desenvolvida durante a disciplina de Educação
Inclusiva, lecionada no processo de graduação em artes visuais pela
Universidade Federal de Sergipe, onde se identificou a necessidade de
estudos e pesquisas que objetivassem as possíveis relações entre a prática
de técnicas artísticas e a inclusão de pessoas com deficiência visual,

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entendendo que estas práticas poderiam exercer um papel de grande
relevância no que tange a maior participação desses indivíduos na sociedade,
dando-lhes uma nova direção quanto ao melhoramento da qualidade de vida.
No que se refere ao mundo dos videntes, este artigo aborda a
elaboração de trabalhos enquanto expressões artísticas espontâneas a serem
exteriorizada por pessoas com visão limitada, ou sem visão alguma, onde as
mesmas podem ou não possuir qualquer espécie de memória visual. A partir
deste recorte, a prática de atividades plásticas será direcionada como área de
conhecimento possuidora de características únicas e imprescindíveis ao
desenvolvimento de todos aqueles que não tiveram a oportunidade de
conhecer o universo material através da percepção visual, criando, por meio
do toque, uma memória tátil, que na maioria dos casos, será um dos
principais parâmetros de reconhecimento deste universo.
Durante a experiência desenvolvida nesta pesquisa junto aos
deficientes visuais, percebeu-se que através da prática de técnicas artística é
possível desenvolver a percepção e a imaginação utilizando-se de técnicas
específicas apuradas durante o experimento, tais como o exercício tátil,
associações entre cores e sensações térmicas e/ou sabores. Dessa forma,
pretende-se relatar o experimento desenvolvido com deficientes visuais a
respeito do potencial das práticas artísticas no universo da pintura. Por meio
das técnicas como: modelagem em argila, gravuras, desenhos com lápis
grafite e até mesmo o desenvolvimento de técnicas próprias, desenvolvidas
pelos participantes, foi desenvolvida a capacidade crítica no que tange a
apreensão da realidade e do ambiente que as cerca, permitindo ao indivíduo,
cego ou baixa visão, analisar os elementos percebidos paralelamente ao
desenvolvimento de suas capacidades criativas dentro de um universo
extremamente particular.
2 EMBASAMENTO TEÓRICO

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2.1. CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA VISUAL E LEGISLAÇÕES.
Do ponto de vista legal, de acordo como decreto Nº 3.298, de 20 de
dezembro de 1999 são portadoras de deficiência visual as pessoas que
possuem as seguintes condições: Cegueira, na qual a acuidade visual é igual
ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; Baixa
visão, onde se constata acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com
a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do
campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; ou a ocorrência
simultânea de quaisquer das condições anteriores (Redação dada pelo
Decreto nº 5.296, de 2004).
Com base nas definições médicas, de acordo com a Classificação
Internacional de Doenças CID-10 (1996), há quatro níveis de função visual:
Visão normal, deficiência visual moderada e grave, e a cegueira. Deficiência
visual moderada combinada com deficiência visual grave é denominada baixa
visão. Baixa visão associada à cegueira representa a deficiência visual. Assim
temos, em consonância com a percepção legal, dois grandes grupos
relacionados à deficiência visual: Cegueira e Baixa visão.
A cegueira caracteriza-se pela perda total ou pouquíssima capacidade
de enxergar (números de acuidade visual acima referido), levando a pessoa à
utilização de sistemas que auxiliem no processo de leitura e escrita de
informações, como por exemplo, o sistema Braille. A cegueira pode ser
congênita ou adquirida em detrimento a fatores fisiológicos e/ou neurológicos.
A baixa visão se caracteriza pelo comprometimento do funcionamento do
órgão visual, mesmo depois de tratamentos e correções, devido à
degeneração muscular, glaucoma, retinopatia diabética ou catarata. A pessoa
com baixa visão consegue ler textos impressos ampliada ou com uso de
recursos ópticos especiais.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que há 285 milhões de
pessoas com deficiência visual em todo mundo, sendo que 39 milhões são
cegos e 246 milhões têm baixa visão. Segundo dados do IBGE de 2010 do

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total da população brasileira, 23,9% (45,6 milhões de pessoas) declararam ter
algum tipo de deficiência. Entre as deficiências declaradas, a mais comum foi
a visual, atingindo 3,5% da população. Em seguida, ficaram problemas
motores (2,3%), intelectuais (1,4%) e auditivos (1,1%).
De acordo com Cambiaghi (2007), um grande avanço para o início da
inclusão da pessoa com deficiência aconteceu em 1975, com a promulgação
da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, na ONU. No ano
seguinte, em maio de 1976, a OMS, por ocasião da 29º Assembleia Mundial
da Saúde, adotou a resolução WA29.35, que tirou da deficiência o caráter de
doença. Objetivando diminuir o estigma da patologia, refletindo também na
esfera social. Após anos de revisão e atualização de conceitos foi
desenvolvida a WHA 54.21, aprovada em maio de 2001. Além das mudanças
de caráter social, essa versão apresenta conceitos voltados ao ambiente em
que a pessoa com deficiência se situa.
Essas mudanças na maneira de olhar da Pessoa Com Deficiência
(PCD) possibilitou durante o século XXI a criação de leis que aos poucos
foram refletindo a mudança na sociedade, principalmente em relação à
atenção da PCD no Brasil. Umas das primeiras conquistas, foi regulamentada
em 2 de dezembro de 2004, por meio do Decreto n° 5.296, onde foi
estabelecido a prioridade no atendimento, normas gerais e critérios básicos
para promoção da acessibilidade no país.
Posteriormente, foi promulgada a convenção com equivalência de
Emenda Constitucional pelo Decreto nº 6.949, da Presidência da República,
em 2009. Entre outros pontos, ressalta que uma sociedade inclusiva é
definida pelo respeito e valorização das diferenças; reconhece a igualdade
entre as pessoas; considera a diferença um princípio básico, o que torna
inaceitável qualquer tipo de discriminação.
Em relação aos direitos à educação das pessoas com deficiência, o
Brasil vem mudando sua perspectiva bem recentemente, com uma evolução
considerável nos últimos dez anos em relação ao entendimento das

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necessidades e limitações das pessoas que possuem algum tipo de
deficiência e real integração dessas pessoas no âmbito escolar. A resolução
nº. 02 do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 11 de setembro de 2001,
estabelece as Diretrizes para Educação Especial na Educação Básica
Brasileira, assegurando alguns direitos fundamentais de acessibilidade para
os alunos em todos os níveis de escolaridade.
Posteriormente, a Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, traçou
diretrizes de acessibilidade ao ensino superior para portadores de
deficiências. Esta portaria instituiu requisitos de acessibilidade como vagas
em estacionamentos, rampas, adaptações em estabelecimentos, mudanças
estruturais permitindo melhorias de acessos aos deficientes.
2.1.1 O processo de apreensão de mundo pelo deficiente visual: da infância a
idade adulta.
As fases iniciais de desenvolvimento são as mais difíceis para as
pessoas que nascem com deficiência visual, a cegueira total ou parcial pode
ter efeitos graves sobre a criança, caso seu processo de aprendizagem e de
interação com o meio não for observado com a devida atenção pelos pais ou
responsáveis. Segundo Fraiberg (1977), o processo de crescimento e
desenvolvimento da criança cega é semelhante ao das videntes em virtude de
o crescimento ser sequencial, com as mesmas etapas, entretanto, assim
como as demais, a criança com deficiência visual além de se desenvolver de
acordo com seu ritmo e potencialidades, é acrescentado a esse processo a
limitação visual inerente ao grau de deficiência que ela possui.
Lowenfield (1975) defende que as diferentes texturas e partes móveis
dos objetos também deverão ser reconhecidas com o uso da palma da mão e
das pontas dos dedos. E, se necessário, deve-se explorar gosto ou cheiro. É
importante também falar, descrever o objeto, incentivando-as a reconhecer os
objetos e enriquecer seu repertório. Percebe-se, assim, que apesar de não

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existir muitos artefatos desenvolvidos especificamente para as pessoas com
deficiência visual, objetos que fazem parte do mundo dos videntes, se bem
selecionados, podem proporcionar experiências de grande valia para seu
desenvolvimento e enriquecimento do repertório tátil.
Faz-se importante ainda destacar como se dá o processo de
desenvolvimento da modalidade tátil e posterior leitura do Braille para a
pessoa com deficiência visual, sendo essa congênita ou adquirida em
qualquer fase da vida. De acordo com Fraiberg (1977), esse processo é
composto por quatro fases: reconhecem-se inicialmente formas e texturas
básicas, para então partir para o reconhecimento e relação destas formas em
um objeto como um todo; conhecendo isto, parte-se para representação
gráfica, ou seja, a representação bidimensional dos objetos e formas
presentes em seu cotidiano. Só com este repertório completo é que a pessoa
com deficiência pode então conhecer a representação destes objetos através
de símbolos, nesse caso, a leitura em Braille. No processo de aprendizagem
da leitura em Braille tem-se uma de suas maiores dificuldades: adultos e
crianças videntes aprendem palavras impressas num processo gradual, esse
domínio é, geralmente, ajudado por figuras e várias informações do contexto.
Para as pessoas com deficiência visual essas informações não existem para
aprender Braille estas precisam memorizar as várias configurações de pontos
das celas.
É com base no processo de apreensão e leitura de mundo até o
momento da aprendizagem do Braille que se desenvolveu as fases de
aplicação do presente experimento e consequente interação dos adultos com
deficiência visual no campo das artes. A representação bidimensional dos
objetos e das formas é base fundamental para o processo de construção de
expressões artísticas espontâneas desenvolvidas neste relato, como será
apresentado no decorrer do trabalho. Através de observações feitas no
campo educacional das crianças e dos adultos com deficiência visual,
percebe-se que há enorme necessidade de desenvolvimento de meios que

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integrem e facilitem a inserção dessas pessoas a atividades que parecem
comuns aos videntes, principalmente no ambiente escolar. Entende-se ainda
o quanto essa carência é explícita no âmbito das atividades plásticas, devido
à falta de subsídios e equipamentos para realização dessas atividades, além
da falta de entendimento por parte da maioria das pessoas em relação às
necessidades e limitações desses indivíduos.
2.2 EMBASAMENTO METODÓLOGICO
Inicialmente esta pesquisa carecia de conhecimentos práticos que
levassem o observador a relatar seu objetivo, porém a obtenção dos mesmos
foi adquirida através do processo de vivência em quatro instituições: Centro
de Apoio as Pessoas com Deficiência Visual (CAP), Escola Estadual Senador
Leite Neto, Associação Sergipana para Deficientes Visuais ASSEDEV (não
mais em funcionamento) e Associação dos Deficientes Visuais de Sergipe
ADEVISE, todas localizadas na cidade de Aracaju no estado de Sergipe.
Além das vivências que forneceram o conhecimento prático, esta pesquisa
apoia-se na literatura específica, direcionada ao aprendizado e treinamento,
que fornecesse suporte para melhor entender e trabalhar a prática de técnicas
artísticas em benefício do público abordado, no que concerne ao
melhoramento na qualidade de vida.
Durante as oportunidades fornecidas pelas vivências nas instituições
citadas acima, foram aplicadas oficinas, onde se observou na prática a
capacidade e o interesse das pessoas com deficiência visual no aprendizado
e utilização das técnicas que lhes foram disponibilizadas através dessas
intervenções.
Com a utilização de recursos didáticos construídos a partir de
diferentes materiais, procurou-se aprimorar a prática destas oficinas,
tornando-as mais significativas para a aprendizagem, despertando o interesse
dos educandos, comprovando as ideias de Diehl (2006, p.2), que afirma que

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os deficientes visuais “constroem o seu mundo físico basicamente através de
sensações táteis, olfativas e auditivas”. Nos tópicos a seguir tem-se a divisão
proposta no experimento, com maiores descrições acerca dos materiais e
processos utilizados em cada uma das fases da pesquisa. Para um melhor
entendimento do processo este foi divido em duas fases principais (1ª e 2ª
fase do experimento), sendo a primeira subdivida em mais duas etapas (etapa
1 e 2), como será observado a seguir:
2.3.1 Primeira fase do experimento
2.3.1.1 Primeira etapa
Figura 1 – Deficientes visuais modelando argila.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Essa experiência foi aplicada em duas fases, sendo a primeira aplicada
em três etapas. Na 1ª etapa realizada no CAP, em parceria com a ASSEDEV,
executou-se os primeiros contatos com os deficientes visuais, procurando
conhecer suas vidas, pensamentos, e as mais diversas reações diante
daqueles que seriam os seus assistidos, utilizando-se para isso de reuniões
formais, festivas e aulas de outras modalidades de ensino disponíveis.
Quanto às técnicas abordadas, o foco foi direcionado a modelagem em argila,
técnica que melhor se adequou a cumprir o objetivo de revelar a criatividade,
destreza e desenvoltura com que os participantes faziam suas peças (Figura

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1). Nessa etapa não foram selecionados deficientes específicos, sendo a
pesquisa feita durante três dias, com duas horas por dia.

2.3.1.1 Segunda etapa
Na 2ª etapa, foram selecionados cinco cegos congênitos, sem qualquer
memória visual, associados da ASSEDEV, e assistidos pelo CAP, em
Aracaju, SE. A esse grupo, constituído por três homens e duas mulheres na
faixa etária entre 30 e 40 anos, foi iniciado um trabalho de reconhecimento da
capacidade de percepção tátil, através de duas atividades distintas.
Figura 2 – Percepção de objetos tridimensionais.

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Figura 3 – Percepção e desenho de figuras geométricas planas.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Durante a primeira atividade ocorreu o reconhecimento de figuras
geométricas básicas, sendo apresentadas aos participantes figuras em
formas tridimensionais e figuras planas. No que diz respeito aos materiais, as
figuras em três dimensões foram feitas em madeira (cinco delas)
representando as formas de cubo, esfera, cilindro, cone e pirâmide. As figuras
planas foram obtidas através da colagem de barbante em papel paraná, com
cola branca (Figuras 2 e 3). O objetivo desta etapa foi direcionado a
criação/desenvolvimento de uma memória tátil das peças apresentadas,
tendo

como

parâmetro

comparativo

objetos

do

cotidiano

que

se

assemelhassem às figuras analisadas, proporcionando-lhes uma nova visão e
percepção daqueles elementos, memória essa que seria trabalhada
posteriormente.
Durante a segunda atividade buscou-se desenvolver as concepções
individuais e suas respectivas visões de mundo. Nesta etapa foram utilizados
como material: Suporte de isopor para gravuras e noções de volume, papelão,
papel A4, lixa para ferro, e prancheta de madeira prensada, com o objetivo de
explorar a capacidade individual de cada participante. (Figuras 4 e 5).

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Figura 4 – Iniciando gravura em isopor. Material utilizado: bandejas de isopor.

Figura 5 – Desenvolvendo as gravuras em lixa. Material utilizado: papel e lixa de ferro
P-100.

Fonte: Acervo Pessoal do autor.

2.3.2 Conclusão da primeira fase do experimento
Durante a primeira fase observou-se, entre outras percepções, que
dentre os materiais alternativos utilizados nas técnicas para a obtenção dos
resultados planejados, a lixa de ferro P 100, coberta em sua parte porosa por
papel A4, tornou-se o principal suporte para que fosse atingido o objetivo de
expressar o desenho e a pintura, incluindo óleo sobre tela.
A partir da execução da segunda etapa os trabalhos foram concebidos
através de concepções individualizadas e visões do mundo específicas,

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surgindo como interpretações daqueles que não enxergam, ou enxergam
precariamente.
2.3.3 Segunda fase do experimento
Há uma mudança de ambiente na segunda fase, que será descrita
como momento preliminar da segunda fase, onde o local de observação
passa a ser a Escola Estadual Senador Leite Neto. Esta é uma escola regular
inclusiva, onde tomou-se conhecimento de todo o processo de aprendizado
dos alunos com deficiência visual, na condição de estudantes de uma sala de
aula regular, onde destacou-se o trabalho de coordenação que aconteceu
predominantemente na Sala de Recursos, elo fundamental nessa instituição
de ensino.
Durante a permanência na escola foi encontrado um grupo composto
por cinco alunos na faixa etária entre 9 e 13 anos, onde, no presente
momento em que foi concretizada a pesquisa estavam realizando a
construção de uma maquete, experiência coordenada pela da Profa. Maria
Cláudia de Jesus Silva Santana.
Esse grupo abrigava 2 cegos, 2 baixa visão, e 1 vidente. O que foi
relatado posteriormente pela Professora coordenadora, Maria Cláudia de
Jesus Silva Santana, é que essa era uma composição estratégica, pois o
vidente coordenava a equipe, era ele que conduzia e orientava os deficientes
visuais nas realizações das tarefas individuais, e juntos atingiam o objetivo
comum de forma integrada. (Figura 6).
Iniciando a segunda fase de fato, o graduando procurou a ADEVISE,
por sua condição física mais favorável, e constituiu, em maio de 2015, um
grupo com cinco participantes, quantidade naquela oportunidade considerada
adequada para um trabalho com mais segurança e qualidade, traçando uma
diretriz que se mostrasse compatível com o desenvolvimento do projeto, que

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teria duração de 60 horas/aula, e duas horas de aula/dia, semanalmente, às
segundas e quintas-feiras.
Figura 6 – Trabalho realizado por alunos do Colégio Estadual Senador Leite Neto, sob a
coordenação da Profa. Cláudia.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Compunham esse grupo, um cego total, um baixa-visão com elevado
grau de deficiência, e três baixa visão com médio grau de deficiência visual.
Dos cinco inscritos, e que começaram o projeto, dois desistiram durante o
transcurso, o cego total, que também é aluno da UFS, onde cursa
Licenciatura em Geografia, e uma média baixa visão.
O aluno responsável pelo relato desta pesquisa, manteve a mesma
linha de trabalho, conforme anteriormente explicitado, sendo que, no presente
caso, a técnica onde se utilizava a lixa de ferro e papel sulfite A4, se mostrou
fundamental e imprescindível para os trabalhos que seriam desenvolvidos
pelo aluno baixa visão com elevado grau de deficiência, acuidade 20/600.
Durante todo o período do curso, compreendido entre maio de 2015 e
outubro de 2015, foram exploradas todas as técnicas então aprendidas no
curso de artes visuais, desde os primeiros desenhos com lápis grafite em
papel sulfite, o aprendizado de figuras geométricas, luz e sombra,
composição,

etc.,

sempre

objetivando

dotar

aqueles

assistidos

dos

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conhecimentos mínimos necessários para a execução de trabalhos mais
elaborados, inclusive com tinta guache e tinta a óleo.
Nessa etapa do projeto, foram adaptadas e aplicadas técnicas que
propiciassem um maior desempenho artístico dos deficientes assistidos,
sendo necessárias abordagens diferentes para os diversos graus de
comprometimento visual dos componentes do grupo.
2.3.4 Resultados da segunda fase do experimento
Ao termino da experiência relatada, desenvolvida na ADEVISE,
principalmente devido ao empenho e capacidade dos participantes, observouse a elaboração de trabalhos expressos com uma visão prática artística
extremamente particular de cada aluno, e uma representação artística do
mundo sem muitos detalhes e sem todas as cores, porém bem delineada e
definida.
Figura 7 – Niceu Dantas. Aluno com acuidade visual 20/600.

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Figura 8 – Niceu Dantas. Trabalho concluído. OST. 30cm x 40cm.

Fonte: Acervo pessoal do autor.
Figura 9 – Ízis Pozener. Aluna com acuidade visual 20/400.

Figura 10 – Ízis Pozener. Trabalho concluído. OST, 30cm x 40cm.

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Fonte: Acervo pessoal do autor.

Em outubro de 2015, dando continuidade ao experimento, uma nova
turma foi constituída, também na ADEVISE, onde, entre os demais, se
inscreveu um cego total, o que nos possibilitou a implementação de técnicas
mais específicas, como a utilização sistemática de relevos, ora representados
por colagens, ora oriundos de perfurações nos contornos das figuras a serem
trabalhadas, sempre de baixo para cima, na posição positiva, conforme se
utiliza no sistema Braille.
Observamos que esse aluno, no decorrer do aprendizado, desenvolveu
seus próprios recursos para atingir os objetivos previstos. Na figura 14, vê-se
claramente o deficiente utilizando uma das mãos como um balizador.
Enquanto faz os seus traços com a mão direita, com a mão esquerda bem
espalmada, o orientando utiliza o dedo indicador como régua, e os dedos
polegar e mindinho, colocados nas bordas do suporte, direcionam a posição
da linha a ser desenhada.
Figura 13 – Roque Hudson. Aluno cego esboçando o trabalho.

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Figura 14 – Roque Hudson. Trabalho concluído.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Essa utilização, pelo cego, de uma das mãos como baliza para a
construção de linhas, já havia sido observada quando da experiência
realizada no CAP, em março de 2014. Nesse experimento, conforme trabalho
mostrado na figura 16 utilizou-se papel sulfite A4 e a gravura de um cavalo.
Colamos a gravura no papel e pontilhamos o seu contorno no sentido de
baixo para cima, gerando assim pontos em relevo definindo a forma da
imagem.
Com esse material adaptado, foi solicitado ao deficiente que fizesse
reconhecimento tátil do pontilhado em torno da gravura, e posteriormente
construísse um cercado que simbolicamente protegesse o animal ali
representado, complementando a composição. Sem muita dificuldade, talvez
por morar na zona rural, e por ter uma memória visual construída no período
anterior à perda da visão, o aluno logo reconheceu que era a figura de um
cavalo, e com a ajuda dos dedos, utilizando-os como balizadores, desenhou a
cerca conforme podemos observar.

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Fig. 15 – Trabalho com aluno que perdeu a visão aos 32 anos de idade. Março.2014, no CAP.
Idade do aprendiz à época dessa oficina: 35 anos. (Suporte, papel A4, e imagem com
contorno pontilhado).

Fonte: Acervo pessoal do autor.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho junto aos deficientes visuais, não nos preocupamos
com as vertentes da produção artística, se a arte é acadêmica, erudita,
popular, ou qualquer outra, e sim de uma arte anônima, expressa a partir de
concepções únicas, nascidas de uma memória construída com as mãos,
através da percepção tátil, por aqueles artistas que não conseguem enxergar
através da visão, mas o fazem através da sensibilidade, da percepção, da
capacidade de sonhar, mesmo estando eternamente com os olhos fechados
ou semicerrados, expondo seus sentimentos e anseios individuais, em busca
de equilíbrio e harmonia.
Afinal, segundo ALBERTI (1992, p.107), “A maior obra do pintor não é
um colosso, mas uma história. A história proporciona maior glória ao engenho
do que o colosso”. Diante dessa realidade, não se pode ignorar a arte e seu
potencial, como enriquecedora do conhecimento individual, no sentido do
pensar e fazer, resgatando assim as várias dimensões do ser humano
portador de alguma deficiência, quer seja cognitiva, afetiva ou social.

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Podemos afirmar, ainda, que os objetivos de pesquisa foram
alcançados de forma satisfatória, já que foi possível perceber a crescente
interação dos alunos pesquisados com os princípios apresentados por meio
da metodologia descrita anteriormente. Percebe-se, portanto, que a interação
com as artes plásticas pode funcionar como uma importante ferramenta de
equilibração da pessoa com deficiência visual no ambiente em que está
inserido, apresentando conceitos relevantes à sua vivência e, principalmente,
motivando-os a desenvolver novas habilidades.
Ao termino do trabalho, notou-se algumas limitações relevantes na
elaboração dos resultados finais da pesquisa devido à complexidade e
extensão dos temas trabalhados, entretanto, esta mesma complexidade e
extensão podem apontar importantes caminhos a serem percorridos para a
expansão do trabalho, sugerindo novas perspectivas de aplicação e expansão
da metodologia apresentada.
Se faz importante afirmar que a metodologia apresentada continua
sendo utilizada e aperfeiçoada em outras instituições e com outros alunos,
mesmo depois da aplicação deste experimento. Essa contínua execução das
fases e etapas apresentadas e a interação destas com outros deficientes que,
por sua vez, trazem consigo suas próprias vivências, fazem com que a
observação para lapidação e aprimoramento destas se tornem constantes a
cada aplicação, contribuindo assim para ampliação da tão necessária
observação da relação do deficiente visual com o mundo das artes.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Decreto Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil].
BRASIL. Decreto n° 5.296, 2 de dezembro de 2004. Regulamenta normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das

p. 776
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Vol. 01

pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil].
BRASIL. Ministério da Educação Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de
2003. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras
de deficiências, para instruir os processos de autorização e de
reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições. Brasília:
MEC/SEF, 2003.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica.
Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Brasília: CNE/CEB,
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SOUZA, Rita de Cácia Santos. Educação Especial em Sergipe do Século
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Ed. UFS, 2012.

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CONCEPÇÕES E PERCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A
INCLUSÃO NO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS
Márcia Rafaella Graciliano dos Santos Viana
Géssika Cecília Carvalho
Flávia Regina Gomes de Lucena Sarmento
RESUMO: A inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares é um
grande desafio no nosso país, principalmente para os professores. Todas as
vezes que são feitas referências à Educação Inclusiva são suscitados os
mais variados sentimentos: desde incertezas e angústias até entusiasmos e
paixões. Esses sentimentos antagônicos, segundo Souza (2005), são
perfeitamente compreensíveis, tanto por estarmos inseridos em uma
sociedade que mantém cristalizadas concepções tradicionais e
preconceituosas, quanto pela “novidade desafiadora” proposta pela
Educação Inclusiva. Considerando que a função do professor é essencial
para o sucesso da educação inclusiva, conhecer as suas percepções e
inquietações demonstra a pertinência desse estudo. Assim, esse estudo
objetivou conhecer as concepções dos professores do Instituto Federal de
Alagoas – Campus Murici, a respeito dos conceitos e impressões sobre
inclusão e escola inclusiva; acreditando que esse dessa forma poderia
contribuir com o desenvolvimento de estratégias que possam fomentar o
processo de inclusão nesse campus. O caminho a percorrer certamente é
muito longo, pois a inclusão implica pensar numa escola onde todos fazem
parte de tudo, onde os alunos devem receber as mesmas oportunidades de
aprendizagem e que essas sejam adequadas às necessidades de cada
aluno, respeitando suas habilidades e principalmente o ritmo de cada um,
incluindo-se a remoção de barreiras físicas e principalmente atitudinais.
PALAVRAS-CHAVE: Inclusão - Professores - Educação inclusiva.
1 INTRODUÇÃO
Todas as vezes que são feitas referências à Educação Inclusiva são
suscitados os mais variados sentimentos: desde incertezas e angústias até
entusiasmos e paixões. Esses sentimentos antagônicos, segundo Souza
(2005), são perfeitamente compreensíveis, tanto por estarmos inseridos em
uma sociedade que mantém cristalizadas concepções tradicionais e
preconceituosas, quanto pela “novidade desafiadora” proposta pela
Educação Inclusiva. Complementando, Silva e Aranha (2005) afirmam que:

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[...] a mudança de um sistema educacional, que se caracterizou
tradicionalmente por ser excludente e segregatório, para um
sistema educacional que se comprometa efetivamente a
responder, com qualidade e eficiência, às necessidades
educacionais de todos, inclusive às dos alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais, exige um processo
complexo de transformação tanto do pensar educacional, como
da prática cotidiana do ensino (SILVA; ARANHA, 2005, p. 374).

Segundo Ferreira (2007), a história das tentativas de mudanças
Pedagógicas:
[...] tem centrado a inovação educacional na reforma de métodos,
técnicas e programas, deixando intocadas as práticas, a estrutura
da instituição, as relações escolares, as posturas profissionais, os
tempos e espaços onde se processa a educação do aluno e,
ainda, os rituais que dão concretude aos conteúdos intelectuais e
formativos da escola (FERREIRA, 2007, p.545).

Ainda que inicialmente as pessoas mudem seu discurso na direção
do politicamente esperado e considerado correto, Silva e Aranha (2005)
observam que, não raro, as mesmas continuam mantendo um padrão de
comportamento tradicional e conservador, que destoa da proposta
inovadora da educação inclusiva.
Inúmeras críticas são feitas à proposta de Educação Inclusiva no
Brasil. São comuns os questionamentos referentes à escola regular, sua
infraestrutura física e o despreparo de recursos humanos (TESSARO et al.,
2005). A política educacional, não respondendo às demandas históricas
(condições de trabalho dos professores, questão salarial, carga horária de
trabalho, reconhecimento social desse profissional, além do número
excessivo de alunos por sala de aula, da desmotivação docente e do pouco
apoio dos gestores educacionais), faz crer “que basta a ‘boa vontade’ dos
professores para que os problemas educacionais se resolvam” (MICHELS,
2006, p.414).
O grande desafio proposto pela inclusão de alunos com deficiência
nas escolas regulares em nosso país, segundo Beyer (2006), dependerá de
um esforço coletivo que envolva os próprios alunos, os professores, as

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equipes diretivas e pedagógicas, os funcionários e os gestores do projeto
político-pedagógico. As mudanças operacionais necessárias para que as
escolas se tornem inclusivas de fato só acontecerão:

[...] quando as
instituições
reconhecerem
suas
responsabilidades com cada aluno, abolindo as discriminações e
as preferências, oferecendo ao professor melhores condições de
atuarem na inclusão do aluno com necessidades educacionais
especiais. Isto envolve capacitação, conscientização da
comunidade escolar sobre deficiências e deficientes, material
pedagógico, adaptação curricular, apoio técnico, entre outros
(SOUZA, 2005, p. 98).

Observa-se, a partir dessas ponderações, que é longa a distância
que separa a educação praticada hoje daquela proposta pelos defensores
da inclusão. Silva e Aranha (2005) entendem que, embora seja evidente o
aumento no número de matrículas de alunos com deficiência em classes
regulares do ensino comum, a mera inserção desses alunos não configura,
por si só, uma prática inclusiva de ensino. Na mesma linha, Santos
(2001 apud Tessaro et al., 2005) aponta que ainda hoje, erroneamente,
muitos entendem a inclusão como a simples prática de colocar pessoas
com deficiência estudando com outras que não possuem qualquer
deficiência.
Entretanto, embora não se possa ainda afirmar que todas as
iniciativas de inclusão no país sejam exatamente processos de inclusão
vitoriosos, também não se pode negar que, “[...] a educação inclusiva é algo
que vem se efetivando, mesmo que a duras penas, buscando superar toda
uma história de isolamento, discriminação e preconceito” (TESSARO et al.,
2005, p. 107).
A Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU, 1 948, Artigo
XXVI) e a Constituição Federal (BRASIL, 1988, Artigo 205) reconhecem a
educação como direito de todos indistintamente. Da mesma forma, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a Declaração de Salamanca e a Lei

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de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, asseguram atendimento
educacional a todas as pessoas, inclusive àquelas com necessidades
educacionais especiais.
A Educação Inclusiva, segundo Glat (2007):
[...] é hoje política educacional garantida pela legislação em nível
federal, estadual e municipal. Cabe aos órgãos governamentais e
às instituições públicas e privadas implementá-la de forma
satisfatória, considerando o contexto e as peculiaridades locais
(p.188).

É fundamental, portanto, que se promova efetivamente a construção
de um sistema educacional brasileiro em consonância com as propostas da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Silva e
Aranha (2005) acreditam que, ao se favorecer a formação de cidadãos
críticos e responsáveis, possibilitando o acesso ao saber científico e à sua
utilização crítica e funcional rotineira, estaremos construindo uma sociedade
mais igualitária e humana.
Após a Declaração de Salamanca começaram as discussões
referentes à educação das pessoas com necessidades educacionais
especiais. A partir daí a inclusão dessas pessoas no sistema de ensino
regular tem sido objeto de pesquisas e de eventos científicos que abordam
desde os pressupostos teóricos, políticos e filosóficos até as formas de
implementação das diretrizes estabelecidas pelo referido documento
(SANT’ANA, 2005). Isso porque, apesar de assegurada legalmente, a
inclusão de alunos com deficiência na escola regular, embora venha
ocorrendo de forma gradual e contínua, ainda provoca constantemente
questionamentos, incertezas e frustrações das pessoas envolvidas com
esse alunado hoje presente em nossas escolas (GLAT, 2007).
A sociedade brasileira, segundo SOUZA (2005), ainda se encontra
presa a concepções tradicionais e preconceituosas que sobreviveram e se

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fortaleceram com o passar dos anos. Por ser a Educação Inclusiva uma
proposta recente, um processo em construção, exige planejamento e
execução além de avaliações constantes. Sabe-se que a implementação de
um sistema de Educação Inclusiva não é tarefa simples e que para se
oferecer um ensino de qualidade a todos os educandos, inclusive aos que
têm alguma deficiência ou problema de aprendizagem, “[...] a escola precisa
reorganizar sua estrutura de funcionamento, metodologia e recursos
pedagógicos,

e

principalmente,

conscientizar

e

garantir

que

seus

profissionais estejam preparados para essa nova realidade” (GLAT;
BLANCO, 2007, p. 30).
A inclusão não significa apenas transferir o aluno da escola ou da
classe especial para a classe comum. Por isso, antes de se planejar e
implementar qualquer processo de inclusão de alunos com deficiência em
escolas regulares é importante saber quais as concepções que a
comunidade escolar tem a respeito da inclusão desses alunos, os recursos
e os déficits que apresentam para a proposição de uma educação inclusiva
de qualidade para todos. Conhecer as concepções que os vários
segmentos que compõem a comunidade escolar têm sobre a Educação
Inclusiva configura-se, portanto, como prioridade. Esse é o ponto de partida
para se saber quais os caminhos a serem trilhados e planejados para uma
futura intervenção responsável no contexto escolar.
É imprescindível aprofundar o conhecimento sobre os vários
aspectos da inclusão. Não basta apenas pesquisar o que a comunidade
escolar sabe sobre a acessibilidade (Lei 10.098), mas, principalmente,
conhecer suas expectativas em relação ao processo de inclusão, o que
pensa acerca das dificuldades envolvidas nesse processo. É preciso saber
as angústias e as necessidades apontadas pela comunidade escolar
assim como o potencial por ela

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apresentado. A avaliação criteriosa permitirá ao pesquisador ter acesso ao
repertório de alunos, professores e funcionários possibilitando, então, a
construção de bases sólidas que poderão garantir que a inclusão de
pessoas com deficiência no ensino regular aconteça efetivamente,
eliminando-se barreiras para a aprendizagem propiciando assim a
participação de todos.
Considerando que é de extrema importância que a comunidade
escolar conheça sua realidade, o presente estudo teve como objetivo
conhecer as concepções dos professores do Instituto Federal de Alagoas –
Campus Murici, a respeito dos conceitos e impressões sobre inclusão e
escola inclusiva; acreditando que esse dessa forma poderia contribuir com o
desenvolvimento de estratégias que possam fomentar o processo de
inclusão nesse campus.

2 METODOLOGIA
Tratou-se de um estudo de enfoque qualitativo. A pesquisa foi
realizada no Instituto Federal de Alagoas – Campus Murici, que oferece os
cursos básico e tecnológico de Agroindústria e Agroecologia.
Participaram do estudo 21 professores. Os quais, após o
esclarecimento dos objetivos do estudo, se dispuseram a fazer parte do
mesmo.
Primeiramente o projeto foi apresentado à direção do campus com
vistas a conseguir autorização para realização do mesmo. Em seguida, foi
realizado o levantamento dos nomes de todos os professores lotados no
campus. É importante salientar que esse estudo faz parte de um estudo
maior que está sendo desenvolvido com o apoio do NAPNE - Núcleo de
Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas, e que tem a participação
de quatro (4) alunas bolsistas do Programa de Iniciação Científica - PIBIC.

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Foi utilizado um questionário na coleta de dados, que teve como
finalidade o levantamento das concepções, conhecimentos, dúvidas e
opiniões dos professores sobre a inclusão de pessoas com deficiência no
IFAL. Inicialmente, o questionário passou por um processo de validação por
juízes (as), realizado por professores mestres e doutores da área de
Educação, Educação Inclusiva e Educação Especial.
Foram

respeitados

os

preceitos

éticos

de

acordo

com

as

prerrogativas da Resolução 466/12, da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP). Portanto, todos os participantes da pesquisa receberam
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, informando-os das
questões éticas pertinentes e dos objetivos da pesquisa.
Para a análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo.
Segundo Bardin (2011, p. 135), esse tipo de análise “[...] consiste em
descobrir os núcleos de sentidos que compõem uma comunicação cuja
presença ou frequência de aparição, pode significar alguma coisa para o
objetivo analítico escolhido”. Para sua aplicação, foi realizada a leitura dos
materiais recolhidos, a fim de identificar as temáticas essenciais e
relacionadas ao estudo. Além disso, foi realizada uma exploração dos
conteúdos obtidos, levando em consideração critérios temáticos, que
favoreceram a elaboração das categorias temáticas.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente apresentamos aqui os sujeitos da pesquisa:
Identificação

Área de formação

PROFESSOR 01

Engenharia
Matemática
Engenharia
Biologia

PROFESSOR 02
PROFESSOR 03
PROFESSOR 04

Tempo de atuação no
Instituto
5 anos
4 anos
7 anos
7 anos

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PROFESSOR 05
PROFESSOR 06
PROFESSOR 07
PROFESSOR 08
PROFESSOR 09
PROFESSOR 10
PROFESSOR 11
PROFESSOR 12
PROFESSOR 13
PROFESSOR 14
PROFESSOR 15
PROFESSOR 16
PROFESSOR 17
PROFESSOR 18
PROFESSOR 19
PROFESSOR 20
PROFESSOR 21

Letras
Biologia
Geografia
Química
Sociologia
Nutrição
Filosofia
Letras
Química
Artes
História
Geografia
Matemática
Engenharia
Engenharia
Letras
História

6 anos
5 anos
7 anos
6 anos
6 anos
7 anos
7 anos
7 anos
6 anos
7 anos
6 anos
7 anos
5 anos
5 anos
4 anos
6 anos
7 anos

Encontramos, exercendo a docência no Instituto Federal - Campus
Murici, professores com formações distintas: há aqueles com formação
obtida em cursos de licenciatura; outros, que trazem sua experiência
profissional para a sala de aula; e outros, ainda, sem experiência
profissional ou didática, oriundos de curso de especialização e/ou stricto
sensu (MOROSINI, 2001).
Durante sua formação, os professores deveriam receber informações
básicas que os permitissem compreender melhor a diversidade humana.
Isso

propiciaria

a

quebra

de

barreiras

atitudinais

e

facilitaria

o

desenvolvimento de estratégias metodológicas que valorizassem as
diferenças. No entanto, o que presenciamos é a falta de preparo e
informação dos docentes (ANDRADE et al., 2006). Sobre isso, Pimenta e
Anastasiou (2002, p. 37) discorrem: “a profissão professor enfrenta cada
vez mais exigências. O professor possui uma formação específica para
exercer a docência e, há um certo consenso de que a docência não requer
formação no campo de ensinar”. Há uma cultura de que para exercer a

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docência é suficiente o domínio de conhecimentos específicos, em geral
vindos da pesquisa ou da experiência profissional dos sujeitos. Entretanto,
as autoras alertam para o fato de que o professor é aquele que ensina, isto
é, dispõe os conhecimentos aos alunos, entretanto complementam que para
a maioria dos docentes, se estes aprendem ou não, não é problema do
professor. É preciso superar o modelo que considera o professor apenas
como transmissor de conhecimento, que se preocupa só com a formação
de atitudes de obediência, de passividade e de subornação nos alunos, que
trate os alunos como meros assimiladores de conteúdos.
Essa realidade faz com que o professor justifique a resistência a
mudanças, diante das necessidades educacionais específicas de seus
alunos, que a cada dia chegam às salas de aula com novas exigências e
precisando da compreensão e auxílio para que possam concluir seus
cursos da melhor maneira possível.

3.1 Conceito de Educação Inclusiva
Considerando que a função do professor é essencial para o sucesso
de uma educação inclusiva, conhecer as suas visões e inquietações sobre a
temática torna-se relevante. Acreditamos que registrar o ponto de vista dos
professores é necessário para a compreensão das problemáticas que
envolvem a escola. Nesse sentido, foi feito um questionamento aos
professores pesquisados, para conhecer seus olhares em relação à
inclusão escolar. De maneira surpreendente e unânime, todas as falam
apontaram para um conceito real do que prega a educação inclusiva.
Vejamos recortes de suas falas:

“É uma educação de qualidade para todos, sem distinção de
qualquer natureza” (PROFESSOR 1).

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“Educação que inclui todos os indivíduos, em um mesmo
ambiente, com uma linguagem única independente de limitações”
(PROFESSOR 6).
É uma educação onde todos possam ser atendidos de forma
igualitária (PROFESSOR 13).

Sobre isso, Romanowski (2012) nos diz que as políticas de educação
inclusiva têm a necessidade de ofertar educação para todos. Dessa forma,
pensar em inclusão é pensar em ensino diferenciado, capacitação de
professores e novas concepções de mundo. Pois estimular a reflexão do
professor e sua formação é essencial para o desenvolvimento da escola da
diversidade. A construção de uma nova visão deve partir da análise das
percepções que os professores apresentam da educação especial,
consequentemente da inclusão, de suas posturas e atitudes.

3.2 Conceito de deficiência
Quando perguntados sobre o conceito de deficiência, foram
fornecidas as respostas demonstradas abaixo:

“Deficiências físicas e mentais. Penso que é alguém que foge do
padrão normal, mas que tem os mesmos direitos; tem habilidade
diferente das demais” (PROFESSOR 3).
”Alguma limitação de um indivíduo, que impossibilite o mesmo de
desenvolver alguma atividade” (PROFESSOR 8).
“Deficiência é um fator limitante na capacidade de produção do
ser humano” (PROFESSOR 17).
“É quando a pessoa tem algum problema físico ou mental”
(PROFESSOR 20).
“Toda aquela limitação de caráter físico e psicológico”
(PROFESSOR 21).

Pensar a deficiência como um problema, uma limitação, ou como
algo anormal está relacionado com a época, a cultura e a vivência de cada
indivíduo. O que não é comum a cada um de nós pode, a princípio, causar
rejeição. O limite entre o normal e o anormal é construído com base nas
crenças, valores e tradições vigentes em uma determinada época e espaço.

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Aquilo que no presente se apresenta como normal poderia ser considerado
patológico em outra época (ELÓI, 2016).
Há dois modelos que podem ser identificados como forma de basear
as práticas e os tratamentos dados a pessoas com deficiência ao longo do
tempo. Essas duas tendências distintas podem ser classificadas como:
abordagem centrada na pessoa com deficiência e abordagem centrada no
meio. Na primeira, considera-se que os fatores orgânicos, como lesões e
más formações, congênitas ou adquiridas, constituem-se em causas
primárias da deficiência. Na segunda, os fatores ambientais, os tratamentos
inadequados e outras condições desfavoráveis para o desenvolvimento
normal, são tratados como sendo causas primárias das deficiências. Sobre
isso, Carvalho (2008, p. 27) diz que: quando se tratam de modelos para
classificar sujeitos, tornando-os referência à normalidade, temos convivido
com a dialética entre o modelo médico e o modelo social. Ambos tentam
explicar e categorizar a incapacidade e deficiência: aquele conferindo maior
ênfase à patologia, aos agentes mórbidos que atingiram os sujeitos e
deixaram suas marcas; este, o modelo social, explicitando que a deficiência
não é um atributo do indivíduo e sim o resultado da interação entre suas
características pessoais e as condições da sociedade em que vive, o que
produz intensas experiências.

3.3 Perspectivas sobre a inclusão no Campus Murici
Quando questionados se acham importante a inclusão dos alunos
com deficiência no Campus Murici, todos os professores afirmaram que sim.
Porém, a grande maioria (80%) disse que a problemática era referente à
estrutura urbanística do campus. Considerando apenas a deficiência física
como uma realidade a ser observada.
Sobre o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, percebe-se
uma inquietação entre os professores:

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Caso entre algum aluno com deficiência grave, seja ela física ou
de outra natureza, serão necessárias algumas adaptações
(PROFESSOR 1).
Penso que hoje não temos grandes problemas com isso, mas
pode ser no futuro, com a chegada de novos alunos
(PROFESSOR 3).
Falta tudo, principalmente capacitação profissional (PROFESSOR
19).

A falta de conhecimento quanto à deficiência gera esse sentimento,
que na medida em que o trabalho for acontecendo vai diminuindo com
certeza. No entanto, não podemos atribuir apenas aos professores a
responsabilidade do fazer a inclusão acontecer, isso deve ser uma postura
geral de todos, pois os benefícios serão para todos.
Quando se procuram em relatos de professores os processos de
produção de sentidos sobre a expectativa da inclusão, deve-se levar em
conta que tal contexto inclui o fazer/pensar concreto dos professores em
seus vários ambientes de atuação. Isso leva a uma análise bastante
significativa do processo inclusivo e não simplesmente comparar o que
deveria ser a inclusão, com o que está sendo desenvolvido nas escolas.
Considerando que a função do professor é essencial para o sucesso
da educação inclusiva, conhecer as suas percepções e inquietações
demonstra a pertinência desse estudo. Bernardo (2010) acredita que a
percepção é um tipo de aprender o mundo. Lupinacci (2015) relata que o
olhar está enraizado em algo prévio e inconsciente. Nós olhamos com base
em uma posição anteriormente construída ao longo da vida, de onde algo
se destaca, constituindo um processo de dentro para fora e vice-versa. A
construção da nossa visão de mundo, da forma como o percebemos e nos
relacionamos com seus conflitos e desafios, reflete a influência daqueles
que observamos em nossa trajetória de vida. Há uma fusão entre
observador e observado.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente educacional precisa de maneira urgente colocar-se frente
à nova realidade. Entendemos que o processo de inclusão acontecerá de
forma gradativa e lentamente, porém o mais importante é ir sentindo aos
poucos essa mudança. Atualmente, percebe-se nos Institutos Federais uma
movimentação a favor da inclusão das pessoas com necessidades
específicas. Com o surgimento dos NAPNEs, legalizados pela Resolução 45
CS - 2104, tem sido feito um trabalho diferenciado nos Campus dos
Institutos

Federais

de

ensino.

Os

alunos

têm

sido

recebidos

e

acompanhados em sua permanência na escola e tentativas que atendam e
garantam o processo de aprendizagem do aluno têm sido pensadas
constantemente.
O caminho a percorrer certamente é muito longo, pois a inclusão
implica pensar numa escola onde todos fazem parte de tudo, onde os
alunos devem receber as mesmas oportunidades de aprendizagem e que
essas sejam adequadas às necessidades de cada aluno, respeitando suas
habilidades e principalmente o ritmo de cada um, incluindo-se a remoção de
barreiras físicas e principalmente atitudinais. Os professores devem
entender seu papel nesse processo e aceitar capacitar-se para tal. Pois é
certo que muitos que atuam hoje no Instituto, na sua grande maioria, não
receberam das universidades quando em curso de graduação os
conhecimentos necessários para esse atendimento, uma vez que não fazia
parte das disciplinas ministradas, assim como os professores da área
técnica que na grande maioria não possuem licenciatura.
Por esse motivo, é comum observar que, em muitos casos, o aluno
ao ingressar nas salas de aula, no primeiro momento apenas é integrado ao
ambiente. Não fazendo parte do mesmo, pois não interage com os
professores e nem com seus colegas de turma. Nesse caso, ele está na

p. 791
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escola, mas o processo de inclusão ainda não ocorreu. Esse deve ser o
desafio e compromisso de toda a comunidade escolar.

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JUVENTUDES: educação e cultura no contexto da educação
popular pela promoção dos direitos humanos
Maria José Guerra
mariaguerra.pedagoga@hotmailcom
Maria Dolores Fortes Alves

RESUMO: O estudo aborda a experiência da formação de Agentes Culturais
Jovens Rurais na Região do Semiárido Alagoano, no município de Delmiro
Gouveia-AL. A ênfase da investigação realizada deteve na condição juvenil,
específica de participantes das ações formativas das práticas de educação
popular e dos intercâmbios nos âmbitos locais, e regional pela promoção dos
Direitos Humanos. Para a realização da pesquisa-ação foram organizadas
três etapas de formação, envolvendo 40 cursistas, 20 adolescentes e 20
Jovens, de 05 Comunidades Rurais. A sistematização da pesquisa ação
sustenta-se nos referenciais teóricos que tematizam a relação dos jovens com
os saberes e as juventudes no mundo contemporâneo. Contribuíram de modo
significativo para o estudo autores como Paulo Freire, Corti e Souza,
Gonçalves. Concluímos que a educação é a base para ascensão social e
cultural das juventudes. Diante desta afirmação precisa urgentemente discutir
o papel da educação em Direitos Humanos na formação de jovens e
imediatamente consolidar políticas públicas educacionais que realmente
venham a contribuir na prática social e no mundo do trabalho.
Palavras-chave: Formação. Educação Popular. Agentes Culturais. Jovens
Rurais. Direitos Humanos.
1 INTRODUÇÃO
A relevante escolha da temática privilegia a dimensão simbólica e cultural da
participação social, este objeto de estudo, Juventudes: Educação e cultura no
contexto da Educação Popular pela promoção dos Direitos Humanos. Visa
unificar a teoria e prática, para produzir uma práxis que possibilite o
reconhecimento do funcionamento e da estrutura das políticas públicas de
juventudes, como processo educativo no espaço de educação não formal,
objetivando perceber o cenário, compreender o mundo e interagir com os
sujeitos, para melhorar o modelo de sociedade que temos atualmente.
Após atuar muitos anos, com adolescentes e jovens, resolvi pesquisar,
investigar e intervir e estudar especificamente questões relativas aos jovens

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identificando e fortalecendo suas potencialidades através de práticas
culturais, tratar da temática em questão significa considerá-la um assunto de
grande relevância científica.
O estudo foi realizado com os jovens participantes do curso de
formação de Agentes Culturais Jovens Rurais unindo cinco comunidades da
zona Rural de Delmiro Gouveia-AL. Neste contexto foram realizadas três
etapas, com temática especifica interligada uma na outra, o principal destaque
foi para a necessidade de elaborar ações culturais a partir de diagnósticos.
Outro destaque foi a partir da necessidade de processos educativos que
reúnam teoria e prática, ou seja, a ação educativa como uma aprendizagem
significativa e experiencial visto que toda ação cultural deve ser motivadora
para a transformação das injustiças da realidade social.
Já a ultima foi realizada em ritmo de intercambio interligando jovens
dos estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas. Finalmente, podemos afirmar
que a animação dos participantes com os resultados do curso é muito
significativa na promoção da cidadania ativa. As discussões sobre a
autonomia dos movimentos juvenis, a importância de articular-se nas redes,
os avanços de ator e autoria da própria ação. Vale salientar que além da
formação utilizou-se dos intercâmbios nos âmbitos locais, regionais, Nacional
e Latino Americano, para complementação do estudo.
A partir de 1998, KOINONIA3- Presença Ecumênica e Serviço vêm
desenvolvendo atividades educativas, entendidas como espaços de garantia
de direitos, na Região do Submédio São Francisco (SMSF nos estados de
Bahia e Pernambuco), junto ao Polo Sindical, que articula as ações e lutas
neste território.

Em 2003, institui as primeiras experiências de educação

popular e cidadã, voltadas para jovens multiplicadores, denominado Curso de
Agentes Culturais Jovens Rurais.
As estratégias metodológicas do curso articulam os conteúdos e
instrumentos pedagógicos para realização de diagnósticos, planejamento,

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monitoramento e avaliação das ações culturais. Constitui-se de três etapas,
envolvendo dois dias cada uma e, entre uma etapa e outra, os participantes
executam atividades nos seus territórios.

O processo educativo das

experiências de ações culturais obteve êxitos extraordinários no qual permitiu
uma consolidação de parceria entre o polo sindical para organizar novas
turmas de cursistas nos anos seguintes e também propiciou ampliar a área de
atuação de KOINONIA e organizar turmas de cursistas na região do Alto
Sertão de Alagoas desde 2004. O curso em Alagoas foi realizado em parceria
com duas entidades de assessoria: EQUIP (Escola Quilombo dos Palmares) e
IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada) e parceria de
uma organização local que apoiou a articulação e parte da infraestrutura
COPPABACS (Cooperativa de Pequenos Produtores Agrícolas e Bancos
Comunitários de Sementes de Alagoas).
No inicio das experiências os educadores eram os assessores das
Instituições supracitadas, a partir de 2007, houve um processo de
reformulação na modalidade pedagógica no qual os jovens cursistas
participaram do curso de formação de monitores envolvendo jovens
educadores das duas regiões, e escolhem entre eles quatro para serem os
educadores dos cursos de agentes culturais nas duas áreas. KOINONIA
passaria a assumir a função de monitoria e acompanhamento pedagógico e
os próprios jovens assumem a coordenação do processo educativo. A
Experiência da formação se expandiu chegando até a Paróquia Nossa
Senhora do Rosário de Delmiro Gouveia-AL em 2009.
2 DISCUSSÃO TEÓRICA
2.1 A importância do curso de agentes culturais na formação de
adolescentes e jovens no contexto da educação popular.

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Alegremente discorro a relevância dos processos educativos do Curso
de formação de Agentes Culturais, referenciado ao primeiro artigo da Lei e
Diretrizes e bases da Educação Nacional:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência Humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, em movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais
(LDBEN 9.394/96).

Neste primeiro artigo da LDBEN surge a educação num sentido
abrangente, que engloba, além do processo de escolarização, a formação
que ocorre nas instituições de ensino e pesquisa, em movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Em
consonância a este processo, consolidou-se em ações formativas, como
prática social, no desenvolvimento destas atividades educacionais.
Aproximar do outro e conhecer o outro através do reconhecimento da
diferença num certo espaço de tempo, um minuto dedicado para este
exercício de forma contínua faz a
diferença. Nas oficinas de leituras os jovens socializaram a importância do ato
de ler, como forma de provocação e motivação para a promoção do hábito da
leitura, sabe-se a maioria dos brasileiros não tem este hábito. Nas fotografias
explicitas os adolescentes e jovens estão em grupos divididos por
proximidade geográfica ou características do lugar em que vivem, no primeiro
representa o Assentamento Lameirão e no segundo o Povoado Salgado
ambos do Município de Delmiro Gouveia-AL.

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Figura 01– Oficinas de Leituras, Delmiro Gouveia-AL, setembro de 2009.

Fonte: Maria Guerra

Estão nas oficinas de leituras, por intermédio da leitura coletiva do texto
sobre ação cultural, na roda de conversa refletiram sobre a vida e o lugar de
cada um e construíram um cartaz com desenhos que retrate a realidade da
agricultura e da juventude rural sertaneja.
Figura 02- Desenho expressando a realidade local e apresentação em
plenária setembro de 2009.

FONTE: Maria Guerra.

Como também refletir um pouco da realidade dos Movimentos Sociais
Rurais e organizações camponesas que existem na região. Esta atividade é
intitulada de fotografia da realidade local. Nas fotografias abaixo, os jovens do
Povoado Malhada do município de Delmiro Gouveia-AL, executam os
desafios propostos e em plenária socializam o que produziram.

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Figura 03- Grupo de trabalho e apresentação em plenária

FONTE: Educador Rômulo.

Estas atividades foram desenvolvidas na primeira etapa do Curso de
Formação de Agentes Culturais Jovens Rurais entre os dias 12 e 13 de
setembro de 2009, no espaço da Escola Municipal Padre Anchieta, Povoado
Alagoinha Município de Delmiro Gouveia-AL. No qual se aproximou de
adolescentes e jovens das comunidades, Rabeca, Alagoinha, Salgado,
Malhada e Lameirão. Nas fotografias abaixo os adolescentes e jovens
mostraram expressões entusiásticas das vivências na construção da
experiência coletiva da segunda etapa do curso realizado entre os dias 10 e
11 de outubro de 2009, na Escola Municipal Juveliano no Povoado Alagoinha.
Figura 04 - Círculo dos aprendizados

FONTE: Maria Guerra

Contribui no processo de construção de autoafirmação identidades
bem como dos saberes de socialização dos jovens e, considerando que a
juventude constitui-se num dos momentos da vida em que o indivíduo
questiona de modo particular, a constituição de si mesmo.
Analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado à
obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha como outros:

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a relação com o saber é relação com o mundo, relação consigo
mesmo, relação com os outros. Analisar a relação com o saber é
analisar uma relação simbólica, ativa e temporal. Esta análise
concerne à relação com o saber que um sujeito singular inscreve
num espaço social (CHARLOT, 2000, p. 79).

Nesse sentido os cursistas planejaram as ações Culturais na primeira
etapa do curso para intervir nas suas localidades, depois realizaram o
diagnostico na comunidade, na segunda etapa, aprofundou melhor as ações
planejadas de acordo com o diagnostico realizado. Vale salientar que as
ações planejadas foram executadas no intervalo da segunda etapa. Nestas
tabelas apresenta as ações culturais planejadas pelos cursistas e executadas
pelos referidos, proporcionando um relacionamento humano, afetivo e efetivo
entre os seguimentos envolvidos firmando um momento oportuno para agir e
tomar decisões.
Figura 05- Realização da Ação Cultural visita ao Angiquinho/Delmiro
Gouveia novembro de 2009.

Fonte: Cursista Carmelita

Diante destas ações desenvolvidas, tende a despertar no seio das
juventudes um elo que inspira a organização da ação criativa e
transformadora, como principio norteador da construção sistemática entre as
bases que encontravam dispersas. Os jovens Ribeirinhos do Assentamento
Lameirão planejaram o Reflorestamento de árvores frutíferas nas margens do
Rio São Francisco. Momento da realização da ação cultural, as relevantes

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atividades desenvolvidas contemplam os quatro pilares da educação:
aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser.
Figura 06-Percurso para as margens do Rio São Francisco, novembro de
2009.

FONTE: Aline

Quantos aprendizados na experiência executada, Entre eles a
necessidade de mobilizar novos públicos jovens, que não estão nos espaços
de organização das entidades de classe e dos movimentos sociais. As ações
culturais sensibilizam novos públicos a se organizarem na luta pelos direitos,
tendo um impacto concreto na vida das comunidades.
Figura 07- Ciranda de contemplação da natureza, Assentamento
Lameirão Delmiro Gouveia-AL, novembro de 2009.

Fonte: Aline

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Paulo Freire (1996 p. 90) traduz que: “A prática educativa é tudo isso:
afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da
mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje”. Entender os
motivos, os porquês que estão por trás de cada fala, do que as pessoas
dizem é a chave na resolução dos conflitos. O respeito, a responsabilidade e
a cooperação são fundamentais.

Neste exercício educativo apresenta ao

mesmo tempo uma aprendizagem pedagógica e transformadora, fruto das
Ações Culturais, que promoveram experiências como Instrumento de
Transformação nos grupos de bases, enfocando atividades que compõem o
processo de formação na ação, com intenção política, visando à formação
juvenil, como meio de ascensão sociocultural entrelaçado a um elo de
transformação do cenário existente.
A terceira etapa denominada de Encontrão ou Etapão do Curso de
Agentes Culturais foi realizada em Glória-BA, no Centro Diocesano de 11 a 13
de dezembro de 2009, envolvendo jovens de AL, BA e PE.
Figura 08- Participantes do Etapão, Glória/BA, dezembro de 2009.

Fonte: Maria Guerra.

Este Encontrão reuniu cursistas e ex – cursistas, dos três Estados. A
mística de abertura foi iniciada na Capela mediante apresentação do Grupo
de jovens de Senador Rui Palmeira- AL, com a Banda Pau e Lata. A partir dos
cursos de agentes culturais tem desmistificado o contexto de desigualdade

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social no Nordeste, promovendo reflexões e incentivando as produções
lúdicas, os intercâmbios, as ações mobilizadoras, organizativas e formativas,
desenvolvidas pelos jovens contribuindo para fomentar pensamentos,
intenções e práticas de liberdade, de indignação, de justiça social de luta pela
garantia de direitos. Neste contexto Paulo Freire dialoga no Livro “Educação
como Prática da Liberdade”.
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de
estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e
decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a
realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que
ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos.
Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o
mundo e do homem com os homens, desafiado e respondendo ao
desafio (1967, p.50).

Nesta experiência contemplou a leitura do mundo como: conhecer, ser,
pensar e fazer integrando os quatro pilares da educação. Vale notar a
importância da educação popular no processo pedagógico, do curso de
Agentes Culturais, trazendo-nos uma reflexão intensamente do que é ser
Educador Popular atuante mesmo com as dificuldades enfrentadas do dia-adia.
Neste encontrão faz um resgate da segunda etapa e avalia todo
processo educativo que foi realizado, aprofundando os resultados obtidos e
desafios que a experiência relevou.
Paulo Freire (1987, p. 27) coloca ainda no seu livro Pedagogia do
Oprimido que: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção; ensinar
exige a convicção de que a mudança e possível”. Na mediação destas
provocações contemplou o conhecimento como processo de autonomia
humana. Isto engloba foco de ligação dos saberes, para que outros sujeitos
possam apropriassem deste tesouro precioso. Nesta ênfase Paulo Freire
sintetiza:
A possibilidade que têm os seres humanos de atuar sobre a
realidade objetiva e de saber que atuam, de que resulta que a

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tornam como objeto de sua curiosidade, a sua comunicação
mediatizada pela realidade, por meio de sua linguagem criadora, a
pluralidade de respostas a um desafio singular, testemunham a
criticidade que há nas relações entre eles e o mundo. (1981, p. 54).

Caracterizar o processo formativo implica uma reflexão profunda da
práxis social concretizada no pleno desenvolvimento do ser humano.
Atualmente a educação popular é uma política pública, utiliza-se dela para
promover ações transformadoras, percebendo o cenário, compreendendo o
mundo e interagindo com os sujeitos, para melhorar o modelo de sociedade
que temos hoje, no contexto atual a juventude semeia a rebeldia para
construir um mundo humanitário. A autonomia é um fator muito importante no
processo de formação do jovem como sujeito político. Segundo Gonh
Autonomia se obtém quando se adquire a capacidade de ser um
sujeito histórico, que sabe ler e re-interpretar o mundo, quando se
adquire uma linguagem que possibilidade ao sujeito participar de
fato, compreender e se expressar por conta própria (2005, p.33).

Utilizando-se da Educação Popular para promoção de ações
transformadoras, onde as juventudes se encontram para refletir e transformar
a realidade, percebendo o cenário, compreendendo o mundo e interagindo
com os sujeitos para melhorar o modelo de sociedade que temos atualmente.
Descobrir- se a si mesmo é um dos pontos chaves para desenvolvimento da
pessoa humana, compreender o outro ou colocar no lugar do outro implica na
maturidade de desenvolvimento humano.
A busca pela Educação em Direitos Humanos é universal e somos
convidados a construí-la na valorização do ser humano, respeitando as
diferenças e as diversidades culturais, rumo à civilização da transformação
cultural através da atitude tomada como principio fundamental na defesa pela
vida digna Integral das juventudes. Este momento tem uma importância
fundamental para o processo de consolidação da Educação em Direitos
Humanos, que une culturas entre semelhanças e diferenças em busca de

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cultivar o diálogo numa relação horizontal que tece fios condutores de
convivência humanizada.
A ênfase gira em torno da práxis pedagógica mostrando alguns
caminhos práticos da Educação em Direitos Humanos, entrelaçada nos
círculos intertransculturais de convivência num mesmo espaço de diferentes
culturas, num processo dinâmico.
2.2 As políticas públicas de/para/com as juventudes
No campo das políticas públicas defini-se como conjunto de decisões e
ações orientadas a algum objetivo dentro deste campo juventude, tido como
transversal entre as políticas. Estas ações são desencadeadas por atores que
pretendem lidar com algum problema que é público. Portanto políticas
públicas não refletem somente intenções, mas ações que visem transformar
uma realidade. Neste percurso referem-se à categoria juventudes, os sujeitos
com idades entre 15 e 29, padrão utilizado para efeito de políticas públicas no
Brasil.
Quão gratificante, fazer parte deste marco histórico, na construção de
políticas públicas para a juventude brasileira, momento muito importante para
reivindicação dos direitos juvenis, na luta pela aprovação (PEC) da juventude
- uma proposta de Emenda à Constituição que muda o capítulo da Ordem
Social,na garantia de direitos constitucionais aos jovens, pela aprovação do
Estatuto das juventudes.

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Figura 09 – Juventude Brasileira no Senado Federal, março de 2010.

Fonte: REJU

Seguindo nesta construção histórica de políticas públicas para as
juventudes a fim de aproximá-las do contexto contemporâneo em que as
juventudes se encontram e a partir momento percorrido contribuir na
construção de projetos consistentes entre o ideal e o real.
A 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude realizada
dezembro de 2011 contextualiza a temática “Juventude, Desenvolvimento e
Efetivação de Direitos” em conexão com o Lema “Conquistar direitos,
desenvolver o Brasil”. Nessa linha, surgem as conferências de juventudes nos
âmbitos municipais estaduais.

Alagoas realizou em consonância com a

Nacional “Conquistar Direitos Desenvolver Alagoas”.
Figura 10- II Conferência Estadual de Juventude – AL, Setembro de 2011
em Maceió.

Fonte: Mário Ramires, 2011.

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Nesta plenária foram apresentadas as propostas construídas da 2ª
Conferencia Estadual de Juventude em Alagoas no qual as juventudes
clamaram pelo direito à educação de qualidade, exigindo os 10% do PIB e os
50% do Pré-Sal ambos no âmbito nacional, com os seus efeitos
multiplicativos, que permite o acesso a outros direitos e, do ponto de vista
econômico, provê retornos por meio do trabalho, saúde, renda, cidadania e
outros frutos, à altura das circunstâncias que o Brasil vive e viverá.
As políticas de juventude têm que somar estas duas coisas: os direitos
universais (o acesso à educação, ao trabalho, saúde, esporte, lazer, cultura e
assistência social) e os específicos (emancipação e autonomia juvenil, bemestar juvenil, participação e organização juvenil, políticas afirmativas e
equidade de oportunidades). As políticas de juventude têm que pensar então
numa nova interface entre escolaridade e preparação para o mundo do
trabalho.

3 DISCUSSÃO METODOLÓGICA

A opção principal, para esse estudo, foi pelo método qualitativo porque
representa uma maneira de compreender melhor aquilo que os jovens
pensam, sentem, enfim, necessitam, conforme apontam os objetivos da
pesquisa. Nesse sentido, converte-se em “um grande desafio metodológico
consiste em fundamentar a inserção da pesquisa-ação dentro de uma
perspectiva de investigação científica, concebida de modo aberto e na qual
ciência não seja sinônimo de positivismo, funcionalismo e de outros rótulos”
(THIOLLANT, 2009, p. 22).
Do ponto de vista metodológico o curso, trabalha com conteúdos e
instrumentos pedagógicos para realização de diagnósticos, planejamento,
monitoramento e avaliação das ações culturais. É um curso em três (03)
etapas, com 2 (dois) dias cada uma e, entre uma etapa e outra, os
participantes realizam algumas tarefas.
Para a realização da pesquisa-ação foram organizadas três etapas de
formação, envolvendo 40 cursistas, 20 adolescentes e 20 Jovens, de 05
Comunidades Rurais. Duas etapas realizaram-se no Povoado Lagoinha,
município de Delmiro Gouveia-AL. A primeira no espaço da Escola Municipal
Padre Anchieta nos dias 12 e 13 de setembro de 2009; a segunda na Escola
Municipal Juveliano, nos dias 10 e 11 de outubro de 2009 e, a última, foi

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realizada em Nova Glória- BA, no Centro Diocesano de 11 a 13 de dezembro
de 2009, envolvendo jovens de Alagoas, Bahia e Pernambuco em ritmo
intercâmbio.
As etapas de formação designaram estratégias metodológicas
privilegiadas para o levantamento dos dados da investigação, como processo
da Pesquisa-ação. Utilizou-se de vários intercâmbios de juventudes nos
âmbitos locais, regionais, Nacional e Latino Americano a partir de 2009 até
2011. A sistematização da pesquisa-ação sustenta-se nos referenciais
teóricos que tematizam a relação dos jovens com os saberes e as juventudes
no mundo contemporâneo.
Nessa perspectiva é que se buscam as bases teóricas da metodologia
escolhida e poder promover uma maior fundamentação da mesma, nesta
sintonia Borda (1974, p.41) afirma Não pode haver separação entre o
pesquisador e a metodologia. Faz-se necessária a militância do pesquisador
já que sem a prática não será possível deduções de cunho teórico ou mesmo
a validade ou não do conhecimento.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo foi de grande relevância para obtenção de dados
empíricos sobre a militância em movimentos sociais, principalmente por
serem atores altamente engajados na organização juvenil. Como também a
relevante escolha do referencial teórico que privilegia a dimensão simbólica e
cultural da participação social. Contudo sem esquecer a influencia objetiva
deste trabalho científico. Ainda há muito que estudar sobre as juventudes, por
esta razão este trabalho monográfico fica inconcluso visto que, terá melhor
aprofundamento no Mestrado em Educação na linha de Pesquisa, processos
Educativos, dentro do Grupo de pesquisa sobre juventude, Culturas e
Formação.
O Estado tem que ter o compromisso de fazer as suas políticas macro,
mas, tem que fazer isto com a sociedade civil para que cada um participe,
transformando a política de juventude. A educação é a base para ascensão

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social e cultural das juventudes. Diante desta afirmação precisa urgentemente
discutir o papel da educação em Direitos Humanos na formação de jovens e
imediatamente consolidar políticas públicas educacionais que realmente
venham a contribuir na prática social e no mundo do trabalho.
O

amadurecimento

da

minha

trajetória

profissional,

como

pesquisadora, acontece nesse movimento entre o real e a sua representação.
Ao ingressar nesse universo de produção do conhecimento, fui influenciada a
crescer constantemente em busca de aprendizagens, construindo uma
trajetória como pesquisadora dos processos que compõem a praxe social
pela promoção dos Direitos Humanos.
5 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
CHARLOT, Bernard (Org.)Da relação com o saber: Elementos para uma
teoria. Tradução de Bruno Magne. Porto Alegre: Artmed, 2000
CORTI, Ana Paula; SOUZA, Raquel. Diálogos com o mundo juvenil:
subsídio para educadores. São Paulo: Ação educativa, 2005.
COSTA, Antônio Carlos Gomes da . Protagonismo juvenil: adolescência,
educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.
CF, Constituição da Republica Federativa do Brasil, Ed. Câmara dos
Deputados, 38º edição, Brasília, 2013.
FREIRE, Paulo.Pedagogia do
Petrópolis/Paz e Terra, 1987.

oprimido.

17.

ed.

Rio

de

Janeiro:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, coleção leitura 1996.
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro,
Editora Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz
e Terra. 1981.
GOHN, M. G. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais,
ONGs,

p. 810
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e redes solidarias, Cortez, São Paulo, 2005. (coleção Questões de nossa
época).
GONÇALVES, Antônio Custódio. Questões de antropologia social e
cultural. 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1997.
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Edições Câmara, 5ª
ed. Brasília/ 2010.

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PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA L2 PARA PESSOA
SURDA: desmistificando os mitos desvendando a verdade
Aparecida Célia R. Bezerra
celiatutoraufal@hotmail.com
Reudson Douglas Bezerra
reudson_crm@hotmail.com
RESUMO: O presente estudo objetiva mostrar aos leitores e/ou pessoas
interessadas na área de atuação do ensino da L2 (Língua Portuguesa para
pessoa surda) como acontece a aprendizagem e a aquisição de uma segunda
língua na vida do ser surdo que domina a L1 (Libras-Língua Brasileira de
Sinais). Mas também faremos um comparativo com as pessoas surdas que
não conhecem a L1, tampouco a L2. Este trabalho visa mostrar aos
professores em geral as possibilidades e o potencial das pessoas surdas,
quando estas têm a oportunidade de aprender a L1 e L2 em espaços
apropriados e com profissionais qualificados, desmistificando o mito de que o
surdo não consegue aprender a L2 (Língua Portuguesa). Com os resultados
obtidos, conclui-se que o que falta aos surdos é acessibilidade, oportunidade
e que os “Direitos” garantidos saiam do papel sejam postos em prática.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem. Língua Portuguesa. Libras.

1 INTRODUÇÃO
O grande impasse e problemática em relação ao processo de
aprendizagem de leitura e escrita da pessoa surda em relação a Língua
Portuguesa, é que para se aprender qualquer que seja a língua, se faz
necessário o contato com esta, para que se desenvolva naturalmente.
Os alunos surdos na sala de aula regular estão tendo contato com a
Língua Portuguesa, mas não caracteriza-se um ambiente natural da língua,
pois os demais alunos ouvintes sim, estão em um ambiente de interação da
fala e da escrita e os surdos imersos em um ambiente que os desfavorecem
em sua aprendizagem.

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Segundo Quadros (1996), existem questões interna e externas que são
de suma importância no processo da aquisição da L2 para os surdos, e o
ambiente escolar brasileiro, a prática pedagógica e interação não favorece a
aquisição de leitura e escrita da Língua Portuguesa para os surdos, vejamos o
que diz a autora:
Quanto ao tipo de interação, oferecer ao aluno surdo um input
qualitativamente compreensível, autêntico e diversificado é um
desafio para os professores. Um input compreensível, sem deixar
de ser complexo o suficiente para desafiar o aluno a desenvolver
seu processo de aquisição, exige que sejam promovidas discussões
prévias sobre o assunto abordado em Língua de Sinais. Além de ser
compreensível, o input deve ser autêntico e diversificado, ou seja,
os alunos precisam estar diante de verdadeiros textos (muitos
profissionais simplificam textos tornando-os não autênticos) e com
topologia diferenciadas. Outro aspecto abordado sobre o input é a
quantidade em que ele é oferecido ao aluno. (Quadros, 1996 p.2)

Atualmente ainda reflete a mesma prática de ensino relatada por
Quadros em 1996, mesmo diante do paradoxo da inclusão, os surdos estão
sendo tratados como deficientes, quando na verdade são pessoas que se
comunicam de forma diferente, que têm direitos e deveres iguais a qualquer
cidadão brasileiro. Sendo inseridos em salas de aula regular às vezes com
intérpretes, mas sem a preparação do professor para atuar com eles. É
notório e visível que a postura da pessoa surda junto a sociedade atual
melhorou bastante, mas contudo não fora o suficiente.
A escolha do tema, está relacionado a minha atuação de trabalho, pois
enquanto coordenadora de Educação Especial municipal, vendo e analisando
as dificuldades enfrentadas por alunos surdos, que passam mais de 10 anos
em sala de aula regular junto aos demais ouvintes e não conseguem ler,
tampouco produzir um bilhete, ou uma carta, até mesmo enviar uma
mensagem através do facebook, sendo que todos são apenas surdos sem
outras patologias, sinto-me preocupada e com a responsabilidade de saber
como acontece o processo de aprendizagem da L2 para pessoa surda,
situando mitos e verdades sobre a temática, para melhor orientar os
professores que atuam em sala de aula regular ou até mesmo em salas de

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recursos com o AEE (Atendimento Educacional Especializado) para que o
espaço da sala de aula possa se aproximar de um modelo de fato inclusivo.
A Constituição Federal de 1988, artigo 206, trata da “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola;” parece-me que este
trecho da Lei não condiz com a realidade estudantil dos alunos surdos; eles
estão sendo inseridos nas escolas sem o mínimo de condições para que os
mesmos permaneçam nelas. E iniciam na Educação Infantil, mas na trajetória
escolar se dispersam por falta de condições e motivações para seguir. E o
cenário que nos deparamos é: professores que não sabem a Libras, faltam
intérpretes e formação continuada para os que estão atuando, alunos surdos
não fluentes em sua língua materna72, surdos em sala de aula regular se
comportando como ouvinte, entre outras irregularidades... Portanto é um
cenário que não atende as expectativas da comunidade surda brasileira.
“A Língua de sinais é concebida como língua materna de pessoas
surdas, e a educação bilíngue propõe a exposição a ela o mais cedo possível
de modo a oportunizar o desenvolvimento dos processos cognitivos e de
linguagem, através de programas de atenção linguística precoce, como
enfatiza Ramirez.” Quadros apud Ramirez (1999, p.92).
Pensar em inclusão não é jogar o aluno surdo no ambiente escolar e
achar que este foi incluído sem o mínimo de condições adequadas a sua
permanência, não é estar por estar, mas fazer com que o aluno se
desenvolva em todos os aspectos: social, afetivo, emocional e intelectual,
fazendo jus aos seus direitos legais.
Para entendermos melhor como acontece a aprendizagem da leitura e
escrita da L2 para surdos iniciaremos falando um pouco da história deles e do
processo de aprendizagem, para podermos adentrarmos de fato nas práticas
e metodologias docentes as quais os alunos surdos obtiveram êxitos.
72

Língua natural da pessoa surda.

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O presente trabalho, de caráter qualitativo, descritivo, exploratório,
basea-se na leitura da literatura que trata registros de Quadros e Paula
Botelho, além de minha experiência com alunos surdos na sala de recursos
do CAS73 Arapiraca.
De acordo com Quadros (2009) os estudos linguísticos realizados por
Stokoe (1960) defendem a ideia de que a língua de sinais é mais que simples
gestos, e que tem estruturas gramaticais próprias iguais a qualquer outra
língua, entretanto só foi reconhecida no Brasil como

língua oficial da

comunidade surda, através da Lei 10.436/2002 que foi regulamentada no ano
de 2005 pelo Decreto 5.626.
Por esta ser a língua de uma minoria ainda está um pouco difundida
entre a sociedade brasileira, embora possamos observar que nestes últimos
dez anos ela passou a ser melhor vista por profissionais da educação, por
professores, pesquisadores e até mesmo por profissionais da escola por estar
em contato direto com o alunos, despertando o interesse em aprender e
aperfeiçoar a Libras, também os profissionais que atuam diretamente com
esta língua como os intérpretes, instrutores e professores de Libras. Mesmo
assim, ainda não é suficiente para mantermos melhor interação e
comunicação com os usuários da Libras. Os surdos ainda se sentem
estrangeiros em seu próprio país, é preciso criar políticas públicas que
favoreçam o bilinguismo (Português/Libras) entre a população brasileira, não
há para que insistir que os alunos aprendam o Inglês e o Espanhol como uma
segunda língua, quando eles irão ter contato em qualquer momento de suas
vidas com uma pessoa surda; ninguém está livre de em qualquer ocasião ter
que se comunicar com uma pessoa surda, seja em escolas, faculdades, lojas,
eventos etc. E se não tem intérprete... O que fazer?

73

CAS – Centro de Atendimento as Pessoas com Surdez.

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O contato com seus familiares ainda acontece através de mímicas,
gestos pois os pais dizem que “não têm tempo para aprender Libras e que as
mímicas já são o bastante” esta é a opinião daqueles que pensam apenas no
BPC/LOAS74. E em alguns momentos, até mesmo os professores ficam
desacreditados do potencial dos alunos surdos que sabem a língua de sinais,
mas o professor nada compreende, como pode haver aprendizagem sem
interação com todos da sala? O aluno surdo interagem apenas com o
profissional intérprete que sinaliza todo o conteúdo explanado pelo docente.
“(...) Para atender com dignidade aos que nela já estão, novas
iniciativas pedagógicas se fazem necessárias. Iniciativas que
demandariam a construção de um novo entendimento político e
ideológico do que seja escola, uma abordagem que pudesse
enfrentar o fracasso de forma efetiva”.( SOUZA ; GÓESE, 1999,
p.168 Apud QUADROS, 2003 p.84).

A Língua de sinais é a língua natural dos surdos, logo, se o surdo for
usuário da Libras isso facilitará a aprendizagem de uma segunda língua, para
ele aprender a ler e escrever a língua portuguesa será mais fácil por conta da
aquisição da língua materna, diferentemente daquele surdo que não é fluente
na Libras e enfrentará dificuldades e talvez não consiga ser alfabetizado.
Portanto a língua de sinais para o surdo é imprescindível para a evolução de
sua aprendizagem.
A surdez é uma realidade heterogênea, portanto cada sujeito surdo é
único, sua identidade se constitui a partir de experiências socioculturais
compartilhas durante sua vida. Outro fator que contribui para a evolução ou
não da aprendizagem do aluno surdo está relacionado ao grau da surdez
(profunda, severa, moderada, leve); a origem da surdez se congênita ou
adquirida; se os pais são ou não surdos e a necessidades de comunicação e
interação do surdo.

74

BPC/LOAS - Benefício de Prestação Continuada – benefício assistencial ao idoso e a

pessoa com deficiência.

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“A língua é concebida como um meio para a realização de relações
interpessoais e para o desempenho de transações sociais entre indivíduos.
Ela é vista com um instrumento para a criação e manutenção das relações
sociais.” (Quadros apud Richards & Rodgers, 1986: 17)
A aquisição da Língua Portuguesa escrita por surdos (L2) requer ações
específicas e especializadas, ou seja, por um lado, têm-se os fenômenos
típicos da aquisição de uma segunda língua, o que é difícil para qualquer
pessoa sendo surda ou não, por outro lado torna-se imprescindível a oferta de
condições adequadas ao desenvolvimento acadêmico e intelectual do
alunado.
Um dos procedimentos essenciais e porque não dizer fundamental que
as escolas que têm surdos em seu quadro discente têm que adotar, é fazer
primeiramente o diagnóstico das necessidades educacionais do aluno, para
melhor orientar as ações pedagógicas. Além de desenvolver intercâmbio de
informações e experiências entre profissionais e interessados na área,
incluindo primordialmente uma boa interação com a comunidade surda e seus
familiares, para ampliar o conhecimento da realidade do surdo, e buscar o
entendimento da situação linguística e cultural dos alunos surdos.
Podemos dizer que a produção textual dos surdos em língua
portuguesa é desconcertante e fascinante, mas aponta possibilidades de êxito
na aquisição, mesmo diante das dificuldades encontradas. Pois nesse
processo cada indivíduo percebe-se e agrega elementos linguísticos próprio e
em seu tempo, o que nos remete à observação de que a motivar e a aceitar
da língua-alvo são fatores primordiais, que podem concretizar rapidamente o
processo de aquisição da leitura e escrita.

2. EDUCAÇÃO BILÍNGÜE NO CONTEXTO DO ALUNO SURDO

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O decreto 5626/ 2005 dita que a educação de surdos no Brasil deve
ser bilíngue, e garante o acesso à educação por meio da língua de sinais
(Libras) e o ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua.
A Educação bilíngue envolve duas línguas no contexto educacional. Ao
optar oferecer uma educação bilíngue, a escola assume uma política
linguística em que duas línguas passarão a co-existir no espaço escolar,
definido assim qual será a primeira língua e qual será a segunda língua, além
das funções que cada língua irá representar no espaço escolar. Logo, as
línguas passarão a permear as atividades escolares e serão objetos de
estudo em horários específicos de acordo com a proposta de cada escola.
Visualizando alguns estados brasileiros (SP, RJ, RS e DF) observamos
que há escolas bilíngues para surdos em que a língua de instrução é a língua
de sinais e a língua portuguesa é ensinada como 2ª língua. Também têm
estados em que a Libras é língua de instrução e o português é ensinado como
segunda língua nas salas de aula das turmas das séries iniciais do ensino
fundamental I, mas nos demais anos do fundamental II, a língua portuguesa é
a língua de instrução, mas há a presença de intérpretes de língua de sinais
nas salas de aula e o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para
os surdos, realiza-se na sala de recursos com o AEE (Atendimento
Educacional Especializado). Ainda há estados em que os serviços de
intérprete de língua de sinais estão presentes desde o início da escolarização,
outros ainda como exemplo da capital de Pernambuco que dispõe apenas de
salas bilíngues; ainda falta muito para organizar e melhorar a educação para
as pessoas surdas. Percebemos que não há diretrizes e bases para a
educação de surdos, pois se houvesse teria salas bilíngues em todos os
estados brasileiros.
Ainda nesse contexto, nas séries iniciais, os intérpretes acabam
assumindo a função de professores, utilizando a língua de sinais como língua
de instrução. Há, ainda, estados em que professores desconhecem Libras e a

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escola não tem estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos
surdos o direito à educação, à comunicação e à informação. Destarte,
independente do contexto de cada estado, sabemos que a educação bilíngue
depende da presença de professores bilíngues. E pensar em ensinar uma
segunda língua, pressupõe a existência de uma primeira língua. Logo, o
professor que assumir esta difícil e gratificante tarefa estará imbuído da
necessidade de aprender a Libras.
A língua de sinais é adquirida por crianças surdas que interagem com
usuários de língua de sinais por volta dos dois anos de idade, quando as
crianças produzem um número restrito de configurações de mão, além do uso
de sentenças negativas como o balançar da cabeça e sentenças
interrogativas como: Onde? Quem? O que? Também se observa na tenra
idade que as crianças começam a introduzir classificadores75 em seus
vocabulários.
A língua de sinais é uma língua espacial-visual e existem muitas
formas criativas de explora-lá. Configurações de mão, movimentos,
expressões faciais gramaticais, localizações, movimentos do corpo,
espaço de sinalização, classificadores são alguns dos recursos
discursivos que tal língua oferece para serem explorados durante o
desenvolvimento da criança surda e que devem ser explorados para
um processo de alfabetização com êxito. (Quadros,2006, p.26).

Todas as formas criativas de explorar a Libras são ainda nos dias
atuais desconhecidas na área de educação, pois apenas uma pequena
parcela de profissionais como intérpretes, instrutores e professores de Libras,
conhecem estes termos que precisam se difundir nos espaços escolares.
Pesquisa realizada por Quadros em escolas bilíngues americanas,
mostra-nos a importância de explorar tais aspectos, observando o nível de
desenvolvimento da criança. Vejamos parte de sua pesquisa: “Os relatos de
75

Classificadores é um recurso bastante produtivo que mostra o desenho realizado no

espaço que nos remete ao objeto, também faz parte das línguas de sinais.

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estórias e a produção literária, bem como a interação espontânea da criança
com outras crianças e adultos por meio da língua de sinais devem incluir os
aspectos que fazem parte desse sistema linguístico.”
A seguir, estão listados alguns dos aspectos que precisam ser
explorados no processo educacional:
* estabelecimento do olhar;
* exploração das configurações de mãos;
* exploração dos movimentos dos sinais (movimentos internos e externos, ou
seja, movimentos do próprio sinal e movimentos de relações gramaticais no
espaço);
* utilização de sinais com uma mão, duas mãos com movimentos simétricos,
duas mãos com movimentos não simétricos, duas mãos com diferentes
configurações de mãos;
*

uso

de

expressões

não

manuais

gramaticalizadas

(interrogativas,

topicalização, focus e negação) z exploração das diferentes funções do
apontar;
* utilização de classificadores com configurações de mãos apropriadas
(incluem todas as relações descritivas e preposicionais estabelecidas através
de classificadores, bem como, as formas de objetos, pessoas e ações e
Idéias para ensinar português para alunos surdos 27 relações entre eles, tais
como, ao lado de, em cima de, contra, em baixo de, em, dentro de, fora de,
atrás de, em frente de, etc.);
* exploração das mudanças de perspectivas na produção de sinais z
exploração do alfabeto manual;

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* estabelecimento de relações temporais através de marcação de tempo e de
advérbios temporais (futuro, passado, no presente, ontem, semana passada,
mês passado, ano passado, antes, hoje, agora, depois, amanhã, na semana
que vem, no próximo mês, etc.);
* exploração da orientação da mão z especificação do tipo de ação, duração,
intensidade e repetição (adjetivação, aspecto e marcação de plural);
* jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens lexicais e
expressões não manuais correspondentes z utilização de “feedback” (sinais
manuais e não-manuais específicos de confirmação e negação, tais como, o
sinal CERTO-CERTO, o sinal NÃO, os movimentos de cabeça afirmando ou
negando);
* exploração de relações gramaticais mais complexas (relações de
comparação, tais como, isto e aquilo, isto ou aquilo, este melhor do que este,
aquele melhor do que este, este igual àquele, este com aquele; relações de
condição, tais como, se isto então aquilo; relações de simultaneidade, por
exemplo, enquanto isto acontece, aquilo está acontecendo; relações de
subordinação, como por exemplo, o fulano pensa que está fazendo tal coisa;
aquele que tem isso, está fazendo aquilo);
* estabelecimento de referentes presentes e não presentes no discurso, bem
como, o uso de pronominais para retomada de tais referentes de forma
consistente;
* exploração da produção artística em sinais usando todos os recursos
sintáticos, morfológicos, fonológicos e semânticos próprios da LSB (tais
recursos incluem, por exemplo os aspectos mencionados até então).
O aluno surdo que está passando por um processo de alfabetização
imerso nas relações cognitivas estabelecidos por meio da língua de sinais
para organização do pensamento, terá mais elementos para passar a registrar

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as relações de significação que estabelece com o mundo, ou seja, o aluno
que domina a Libras e é capaz de dialogar e debater sobre temas de seu
cotidiano terá mais facilidade para aprender o sistema de escrita que se
relaciona com a língua em uso, devido ao seu contato e experiência com sua
língua natural (Libras), sendo assim, a criança passa a criar hipóteses e a se
alfabetizar.
“Experiência com o sistema de escrita significa ler esta escrita.
Leitura é uma das chaves do processo de alfabetização. Ler sinais é
fundamental para que o processo se constitua. Obviamente que
este processo de leitura deve estar imerso em objetivos
pedagógicos claros no desenvolvimento das atividades.” (Quadros,
2006, p.29)

Estes são alguns dos objetivos a serem trabalhados pelo professor (em
sinais):
* desenvolver o uso de estratégias específicas para resolução de problemas;
* exercitar o uso de jogos de inferência;
* trabalhar com associações;
* desenvolver as habilidades de discriminação visual;
* explorar a comunicação espontânea;
* ampliar constantemente vocabulário;
Alguns questionamentos que os professores devem fazer antes de
preparar atividades de leitura:
* Qual o conhecimento que os alunos têm da temática abordada no texto?
* Como esse conhecimento pode ser explorado em sala de aula antes de ser
apresentado o texto em si?
* Quais as motivações dos alunos para lerem o texto X?

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* Quais as palavras fundamentais para a compreensão do texto? Palavraschave;
* Quais os elementos linguísticos que podem favorecer a compreensão do
texto?
“[...] os textos apresentados aos alunos surdos devem ser textos
verdadeiros, ou seja, não se simplificam os textos que existem, mas
se apresentam textos adequados à faixa etária da criança, por isso
os contos e histórias infantis são muito apropriados nas séries
iniciais do ensino fundamental.” (QUADROS, 1997 p.42).

Também podemos citar ainda as histórias em quadrinhos, os textos
jornalísticos, trechos de livros didáticos que sejam do interesse dos alunos
surdos e assim por diante. O que mais importa é o texto fazer sentido para
eles no contexto da sala de aula e na vida de cada um. Lembrando que,
estimular a criança surda o gosto e interesse pela leitura fará com que ela se
desenvolva melhor na escrita da Língua Portuguesa.
Pesquisa realizada por Botelho (2005), apontam que “pais de classes
populares, não há muito empenho; não é comum a prática de acompanhar
tarefas escolares ou de estimular os filhos a estudarem em casa”.
Percebemos que o estímulo, a orientação familiar e a participação dos pais é
de suma importância no desenvolvimento da aprendizagem da pessoa surda,
mas isso só não basta, é preciso que haja parceria entre professor de sala de
aula regular, coordenador da escola, professor do AEE e família, enquanto
aguardamos as escolas bilíngues.
Em minha experiência como professora de AEE de alunos surdos,
onde ensino a L1 (Libras) e a L2 (Língua Portuguesa), percebo que os alunos
aprendem com facilidade a L1 e não esquecem os sinais, diferente da L2, que
se não houver um estudo diversificado de vocabulário com atividades
diversas dificulta o aprendizado. Percebo o quanto a escola bilíngue é
necessário na vida desses alunos surdos.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das leituras realizadas e da experiência vivida chegamos à
conclusão que as escolas bilíngues não são segregadoras tampouco
segregacionistas como tem alardeado algumas pessoas que trabalham no
Ministério da Educação. Mas ao contrário, são espaços de interação e
construção do conhecimento pelos surdos e ouvintes. E é neste mesmo
espaço que acontece a aprendizagem e a pessoa surda torna-se autônoma,
podendo ter uma vida digna, usufruir dos mesmos direitos. A escola bilíngue é
um local que garante o cumprimento do papel social de tornar os alunos
cidadãos críticos, conhecedores e cumpridores dos seus deveres e
defensores dos seus direitos; podendo assim dizer que esta é a verdadeira
inclusão que tanto almeja os surdos do Brasil.
Esperamos também que este trabalho sirva para nortear a prática
docente, enquanto aguardamos a concretização do sonho de todos os que
fazem parte da comunidade surda e militantes desta grandiosa causa: escolas
bilíngues para surdos.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a
Leino 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
BRASIL, Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos Ideologias e práticas pedagógicas. 1ª edição, 2ª reimpressão.160 p. Ed.
Autêntica. Belo Horizonte. Ano 2005.
QUADROS, Ronice Müller de; SCHIMIEDT, Magali L. P. Ideias para ensinar
português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.

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Vol. 01

QUADROS, Ronice Müller de; PIZZIO, Aline Lemos; REZENDE, Patrícia
Luiza Ferreira. Língua Brasileira de Sinais I. Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em:
<http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/lingua
BrasileiraDeSinaisI/assets/459/Texto_base.pdf>, Acesso em 22/10/16 às
15:00.
QUADROS, Ronice Müller de. Situando as diferenças implicadas na
educação de surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista , Florianópolis,
n.05, p. 81-111, 2003. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/viewFile/1246/3850>,
acesso em 22/10/2016 às 15:00.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima [et. al.]. Ensino de Língua portuguesa
para surdos: caminhos para pratica pedagógica. Brasília: MEC, SEESP,
2005.