Julia Mayra Duarte Alves

Título da dissertação: “OXE, EU SOU MACHO, PROFESSOR!”: a escola e os processos de subjetivação dos meninos em um bairro de Maceió/AL

Arquivo
JULIA MAYRA DUARTE ALVES.pdf
Documento PDF (1010.9KB)
                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JULIA MAYRA DUARTE ALVES

“OXE, EU SOU MACHO, PROFESSOR!”: a escola e os processos de subjetivação dos
meninos em um bairro de Maceió/AL

Maceió
2013

JULIA MAYRA DUARTE ALVES

“OXE, EU SOU MACHO, PROFESSOR!”: a escola e os processos de subjetivação dos
meninos em um bairro de Maceió/AL

Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em
Educação
da
Universidade Federal de Alagoas, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestra em Educação.
Orientadora Profª. Dra. Laura Cristina
Vieira Pizzi

Maceió
2013

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Laura, pelos nossos valiosos momentos de conversa, pela
confiança e pelo incentivo durante os dois anos do mestrado.
À Simone e à Fabiany por aceitar compor a banca e pelas importantes contribuições ao
trabalho no momento da qualificação e da defesa.
Às colegas do grupo de pesquisa Currículo, Atividade Docente e Subjetividades,
pessoas com as quais compartilhei boa parte de meu tempo durante o mestrado e
conversei bastante sobre a dissertação.
Às pessoas que viabilizaram a realização da pesquisa, profissionais da escola, alunos e
seus/suas responsáveis.
À minha mãe, Maria Celeste, por tudo.
Ao meu companheiro, Pedro, por tornar minha vida mais prazerosa.
Ao meu sobrinho Caio e à minha sobrinha Maria por tornar minha vida mais feliz.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
bolsa durante o período do mestrado.

O problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o que elas têm
na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção
de verdades (FOUCAULT, 1979, p. 14).

RESUMO

O estudo problematiza a demarcação de gênero presente em uma escola pública de ensino
fundamental localizada em um bairro de Maceió que caracteriza a pesca como sendo uma
atividade masculina e a produção do filé (renda artesanal) como feminina. A partir dos
enunciados que circulam na escola do bairro sobre o filé, veiculados pelos/as alunos/as,
pelos/as professores e pelos/as funcionários/as e com base em ferramentas teóricas fornecidas
por Foucault, esta dissertação analisa quais modos de subjetivação em termos de gênero estão
operando no currículo da escola. A pesquisa baseou-se em autores/as pós-estruturalistas tanto
no campo do currículo, como no de gênero. Nesta perspectiva, o currículo é entendido como
um campo cultural, como uma instância de produção e circulação de discursos, na qual se
estabelecem lutas em torno da significação sobre os sujeitos e o mundo, impregnado de
valores e práticas. Gênero é entendido como um conjunto de normas, como um efeito de
subjetivação, que adquire estabilidade em função da repetição e reiteração destas normas. A
abordagem metodológica adotada foi a Análise do Discurso, caracterizada por ser uma
perspectiva qualitativa e baseada nas contribuições de Michel Foucault. As estratégias de
coleta de dados utilizadas como meio de acesso aos enunciados foram observações,
entrevistas e grupo de discussão com os sujeitos participantes da pesquisa. Observamos que
os enunciados sobre o filé são mais problemáticos quando se trata da relação dos meninos
com essa atividade. Isso porque a pesca vem se tornando cada vez mais escassa, ao contrário
do filé que vem se consolidando como uma fonte de renda mais significativa. Nesse sentido, é
a produção do filé que vem se apresentando como um lugar de confusão de fronteiras de
gênero. Esta configuração nos convidou a centrar nos modos de subjetivação dos meninos e
nos enunciados sobre o filé. As análises sugerem que há uma multiplicidade de discursos,
técnicas e estratégias envolvidas em relações de poder que objetivam governar a conduta dos
meninos na escola. Sugerem, ainda, que as subjetividades produzidas são marcadas tanto pela
aceitação de modos de ser que se baseiam na tradição como também pela contestação e
subversão das fronteiras de gênero. Discutimos, então, alguns tipos de subjetividade
anunciadas e divulgadas na escola investigada que se relacionam com a produção de meninos
heterossexuais, pouco escolarizados, públicos e trabalhadores.
Palavras-chave: Escola. Currículo. Gênero. Subjetivação.

ABSTRACT

The present study brings the delimitation of genre in an elementary public school in Maceió,
Brazil, which considers fishing as a male activity and filé-making (handmade lace) as a
female activity. From the enunciations that surround the school regarding these activities by
male and female students, teachers, and workers, and based on theoretical tools provided by
Foucault, this thesis analyzes which subjectification forms in terms of genre are operating in
the school curriculum. The research was based on post-structuralist authors in the field of
curriculum, as well as in the field of genre. In this perspective, curriculum is understood as a
cultural field, a production instance and discourse circulation, in which battles are established
on the signification regarding subjects and the world, impregnated in values and practices.
Genre is understood as a set of rules, as an expressive effect of subjectification that gain
stability from the repetition and reiteration of these rules. The methodological approach
adopted in this study was the Discourse Analysis in the qualitative perspective, with the
contribution of Foucault. Data collection strategies used to access these enunciations were
observations, interviews, and discussion groups involving the participants of the research. We
observed that enunciations about filé seemed more problematic when involved boys. While
fishing has become scarce, filé has been consolidated as a more significant family income.
Therefore, filé-making is presented as a confusion place of genre borders. These
configurations led us to centralize in the subjectification forms of boys and in the enunciations
regarding the filé. The analyses suggest that there is a multiplicity of discourses, techniques,
technologies, and strategies involved by power relations that aim to govern the behavior of
boys in school. They also suggest that the subjectification produced are marked either by the
acceptation of traditional ways of being as well as by the contestation and subversion of
gender borders in the curriculum. Thus, we discuss some types of subjectifications announced
and revealed in the investigated school related with the production of heterosexual boys, little
educated, public, and worker boys. We also discourse on their resistance, battles, and the
other ways of being and behaving in school.
Keywords: School. Curriculum. Gender. Subjectification.

SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................................9
1 CURRÍCULO E SEUS EFEITOS NOS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO.............16
1.1 Verdade .............................................................................................................................19
1.2 Poder .................................................................................................................................23
1.3 Subjetivação ......................................................................................................................27
1.4 Governo ............................................................................................................................31
2 AMARRANDO GÊNERO, CURRÍCULO SUBJETIVAÇÃO.......................................34
2.1 Para além das diferenças sexuais: pensando a tecnologia e as normas de gênero......35
2.2 Tecnologia e normas de gênero na escola e no currículo...............................................46
2.3 As pesquisas sobre gênero, currículo e subjetivação e os seus ditos sobre os meninos
...................................................................................................................................................50
3 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS..............................................................................56
3.1 Objetivos e problema da pesquisa...................................................................................56
3.2 Caminhos da pesquisa .....................................................................................................56
3.2.1 Sobre a escola investigada...............................................................................................56
3.2.2 Momentos da pesquisa na escola.....................................................................................58
3.3 Os efeitos de Foucault na metodologia da pesquisa ......................................................62
3.4 Os enunciados ...................................................................................................................64
4 O CURRÍCULO ESCOLAR E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DOS
MENINOS................................................................................................................................72
4.1 “A escola nem tem essa preocupação”: sobre o lugar das relações de gênero no
currículo....................................................................................................................................73
4.1.1 Como o filé e as questões de gênero surgem no currículo da escola ..............................75
4.1.2 “A gente, como professor, é que leva para a sala de aula essas questões” currículo e
trabalho docente .......................................................................................................................77
4.2 “Oxe, eu sou macho, professor! Eu sou espada! E eu sou mulher pra fazer filé?”: sobre
os processos de subjetivação dos meninos ...............................................................................78
4.2.1 “Ele faz filé, ele faz sim”: o governo dos outros ...........................................................82
4.2.2 “Eu aprendi, mas esqueci”: governo de si .......................................................................84
4.3 Subjetividades produzidas na escola ..............................................................................86
4.3.1 “Ele é mulherzinha, ele faz filé”: a desvalorização do feminino e a produção do menino
que não faz filé..........................................................................................................................86
4.3.2 “Quando vê um homem fazendo filé é munheca quebrada, um cabra macho mesmo, um
cabra macho mesmo, não faz isso não”: a produção do menino
heterossexual.............................................................................................................................89
4.3.3 “Eu surfo, jogo bola, vou para a rua [...] quando fico em casa não faço nada”: a
produção do menino público e pouco estudioso.......................................................................93
4.3.4 “Eu vendo Alagoas dá sorte, ajudo meu pai, ajudo meu irmão”: a produção do menino
trabalhador braçal e com baixos níveis de escolaridade...........................................................94
4.4 Onde há poder, há resistência: os enunciados desviantes da norma............................96
4.4.1 “Ficam chamando eles de gay só porque eles fazem filé, isso não tem nada a ver só
porque eles fazem filé não quer dizer que ele é gay”................................................................99
4.4.2 “Eu fico em casa, estudo e jogo bola com os amigos”.................................................100

4.4.3 “A maioria dos homens pesca e a maioria das mulheres faz filé, só que tem homem que
faz filé e mulher que pesca.”...................................................................................................101
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................103
REFERÊNCIAS....................................................................................................................107
APÊNDICE............................................................................................................................116

9

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Menino não faz filé1, menino pesca, menino trabalha, menino surfa, joga bola, fica
na rua, não estuda em casa. Caso faça ou se envolva com o filé, é tido como mulherzinha,
como munheca quebrada, como bichinha.
Estes discursos sobre os modos de ser dos meninos foram observados na escola onde
a pesquisa foi realizada e apresentam bem a problemática do estudo aqui apresentado que
buscou entender como determinados modos de ser, determinadas subjetividades são
produzidas a partir dos enunciados relacionados ao filé que circulam em uma escola de
Maceió. Dito de outra forma, como os discursos sobre esta atividade artesanal restringem,
ampliam, afetam os modos de ser dos meninos que lá estudam.
O interesse em estudar gênero e produção de subjetividades na escola surgiu em uma
experiência como bolsista de iniciação científica no Curso de Psicologia da Universidade
Federal de Alagoas, participando de uma pesquisa que teve como principal objetivo analisar
as relações de gênero a partir do envolvimento de homens na confecção do filé em um bairro
de Maceió.
Durante essa experiência vislumbrei a possibilidade dar prosseguimento a esta
problemática de pesquisa no mestrado. As falas dos sujeitos indicaram que a passagem pela
escola era um fato marcante na história de vida das pessoas que moram no bairro. Tal
indicação, aliada às leituras relacionadas ao currículo e subjetividade, me fez desenvolver o
projeto da pesquisa aqui relatada.
Além disso, durante minha trajetória de vida, as questões de gênero sempre
estiveram presentes, principalmente, na família e na escola, me colocando, por diversas vezes,
em uma zona de desconforto, despertando meu interesse pela investigação, pela busca de
pistas que ajudassem a responder: como as relações de gênero se estabeleciam? Elas sempre
tiveram os mesmos contornos? Como elas poderiam se modificar? Como nos tornamos
sujeitos de gênero, como passamos a viver de determinados modos, como homens ou como
mulheres?

Que

efeitos

essa

diferenciação

produz

em

nossas

vidas?

Como

estudante/pesquisadora foi impossível não me envolver com estas questões que já me
inquietavam.
Apesar de ser mulher e do campo dos estudos sobre gênero ter sido relacionado,
inicialmente, apenas às questões femininas, a condição masculina passou a chamar minha
1

Artesanato feito tradicionalmente por mulheres que será apresentado e caracterizado ainda nesta introdução.

10

atenção a partir das configurações de gênero observadas no bairro estudado durante a
iniciação científica e, também, a partir das leituras feministas relacionadas aos homens e as
masculinidades. Nesse contexto, percebi que para tentar entender as relações de gênero não só
a condição feminina deveria ser questionada. Notei que em determinados contextos, inclusive
no que estava investigando, a condição masculina era um elemento chave nesse entendimento.
O estudo aqui apresentado lança uma problematização a respeito de duas atividades
econômicas e culturais presentes em um bairro de Maceió. Problematiza, mais
especificamente, a demarcação de gênero constituída a partir delas que institui a pesca como
sendo uma atividade masculina e a produção do filé como feminina.
A escola onde a pesquisa foi realizada está localizada em um bairro litorâneo de
Maceió, situado entre uma lagoa e o mar. E como é comum na cidade de Maceió e suas belas
e famosas praias, o lugar é caracterizado por uma forte atividade turística, à comercialização
do filé e à gastronomia.
Apesar de fazer parte da capital alagoana, o lugar parece ser uma pequena vila onde
todos se conhecem e muitos possuem relação de parentesco. Segundo Sant’Ana (1989), o
bairro esteve durante muito tempo isolado pela dificuldade de acesso ocasionada pela
ausência de vias que o ligasse ao resto da cidade, o que pode explicar estas características.
O bairro é visivelmente marcado por poucos investimentos públicos. Apenas em
1929 foi inaugurada a estrada que possibilitou o acesso ao resto da cidade e apenas em 1954
passou a ter energia elétrica. Não há saneamento básico no local e os dejetos das casas
localizadas na beira da lagoa são nela diretamente despejados, sem nenhum tratamento.
A atividade da pesca desenvolvida no bairro possui um aspecto artesanal e envolve
uma série de conhecimentos e técnicas como a produção da tarrafa2 e a condução da canoa3.
De acordo com Sant’Ana (1989) a população masculina do bairro sempre trabalhou com a
pesca, no entanto, esta atividade tem perdido a predominância no local em decorrência da
degradação ambiental da lagoa e, por isso, os homens passaram a se engajar em outras
atividades como o operariado da construção civil e a polícia militar.
Mesquita et al (2011) observam, no entanto, a presença de homens na produção do
filé, acrescentando que esta vem se tornando uma possibilidade de renda para estas pessoas e
que, apesar de parecer recente, relatos indicam que já existiam homens envolvidos com o filé

2 A tarrafa é uma rede de pesca, circular, com chumbo nas bordas, e ao centro uma corda, que permite retirá-la

fechada da água e com isso capturar os peixes.
3
A canoa é uma embarcação caracterizada por ser estreita e comprida que conduz, frequentemente, duas pessoas
na atividade da pesca.

11

desde a década de 1960. Nesse sentido, o que parece ocorrer atualmente é uma maior
visibilidade desses homens, que desafiam a tradição e ultrapassam as fronteiras de gênero.
Heilborn (1992) destaca que a atividade de tecer é sempre atribuída a um sexo.
Assim, em algumas sociedades, a atividade é considerada feminina, em outras, masculina e,
em terceiras inexiste esta divisão. Com isso, a autora conclui que, fora de uma dada cultura, o
tecer é neutro. No bairro aqui analisado, tecer, costurar, bordar, fazer filé é considerado coisa
de mulher e os homens que se envolvem nesta atividade tendem a ser fortemente
discriminados (MESQUITA et al, 2011).
Por outro lado, a pesca no bairro é uma atividade tradicionalmente considerada
masculina e foi durante muito tempo a principal fonte de renda, mas desde o final da década
de 1980 vem se tornando pouco lucrativa e viável. Ao mesmo tempo, a produção e
comercialização do filé realizada, tradicionalmente, pelas mulheres chamadas rendeiras, vêm
se consolidando como uma interessante possibilidade de renda. Estas reconfigurações me
chamaram atenção e me convidaram a estudar as relações de gênero na escola do bairro a
partir dessas atividades que, ao mesmo tempo em que demarcam, se constituem por uma forte
divisão de gênero.
De acordo com Dantas (2002), o filé é uma renda de origem desconhecida cujo
processo de confecção4 não deixa dúvida de que surgiu a partir da rede de pesca, a tarrafa,
tendo também múltiplas influências européias.
De maneira semelhante, Sant’Ana (1989) diz que o filé é uma renda relacionada à
população feminina e que apareceu em decorrência da atividade pesqueira uma vez que em
sua confecção é imprescindível o uso de uma rede semelhante à tarrafa.
Nesse bairro, a demarcação de gênero nas atividades do filé e da pesca se apresenta
como um antigo, mas ainda instigante estranhamento em relação à distância que se
estabeleceu entre estas duas atividades que, interessantemente, possui uma estreita amarração
em suas técnicas de confecção.
É possível observar que o filé e a pesca fazem parte do cotidiano dos/as5
moradores/as do lugar, são as duas atividades econômicas mais antigas e é a partir delas que
4

A confecção do filé passa, inicialmente, pela preparação de uma rede, também chamada de malha que é
esticada em um tear, este processo é extremamente semelhante à confecção da tarrafa. Posteriormente, esta rede
é preenchida com diversos pontos e formas, na maioria das vezes, bastante coloridas. Vários pontos são
conhecidos e utilizados, como o bom-gosto, jasmim, matame, olho-de-pombo, três-marias e besouro. Depois
desse processo, passa-se ferro pelo avesso nas peças (marcadores de páginas, toalhas de mesa, blusas, vestidos,
saias, dentre outras), que ficam prontas para ser utilizadas ou comercializadas.
5

Consideramos importante utilizarmos uma linguagem que dê visibilidade as mulheres e que enfrente o sexismo
linguístico presente na maioria dos textos acadêmicos.

12

boa parte das famílias sobrevive até hoje. A paisagem do bairro revela isso. As casas,
construídas próximas à lagoa são transformadas em lojas durante o dia, que exibem peças de
diversos tipos de artesanato, sendo o filé o mais numeroso, mais produzido e comercializado
no local. Em uma quantidade menor, diversos restaurantes compõem também a paisagem do
local estando localizados na beira da lagoa que ainda os abastece, mesmo que de forma
precária devido aos problemas ambientais, principalmente, o assoreamento e poluição na
lagoa.
Nesse contexto, o filé, como principal fonte de renda do local, se apresenta como um
elemento estratégico para se pensar a subjetivação em termos de gênero das crianças que
estudam na escola pesquisada e que moram no bairro.
Desde o nascimento, as crianças da comunidade acompanham a confecção do filé
que acontece no ambiente doméstico. Por volta dos cinco ou seis anos de idade, as crianças
começam a participar da confecção da renda, seja dentro de suas casas ou nas calçadas do
bairro. No cotidiano, elas começam a se interessar pela renda como atividade, observando e
fazendo os primeiros pontos (MESQUITA et al, 2011).
A aprendizagem do filé na infância indica que essa atividade é parte crucial do
processo de socialização das crianças na família e na escola. As crianças aprendem a técnica
observando, em geral, as mulheres adultas (mães, tias, avós e vizinhas), que se organizam
para tecer em pequenos grupos ou sozinhas em casa.
Mesquita et al (2011) apontam que durante o início da infância, devido ao fato de o
filé estar associado ao ambiente doméstico, todas as crianças aprendem e fazem a renda, no
entanto, as meninas são mais incentivadas e cobradas pelo trabalho. Estas prosseguem na
atividade por toda a sua vida, ou, pelo menos, por um período maior que os meninos, que na
maioria das vezes abandonam a atividade em função da discriminação associada à feitura da
renda por homens.
Este momento em que os meninos se afastam do filé coincide com a passagem das
crianças no ensino fundamental, em especial, nas séries finais, o que tornou esse período
interessante para pesquisar os modos de subjetivação de gênero na escola do bairro.
Nesse sentido, o que esta pesquisa busca destacar é que além do aspecto econômico,
esta atividade é fundamental na produção de subjetividades das crianças que lá moram, mais
especificamente, nos modos como elas vivenciam as demarcações de gênero.
Nas análises sobre currículo, esta pesquisa baseia-se em autores pós-estruturalistas
como Silva (2006) que compreende o currículo como um campo cultural, como uma instância

13

de produção e circulação de discursos, na qual se estabelecem lutas em torno da significação
sobre os sujeitos e o mundo, impregnado de valores e práticas.
O currículo, nesta perspectiva, é entendido como um lugar de produção discursiva
que forja subjetividades. É possível, portanto, pensar o currículo para além do conjunto dos
conteúdos escolares, como composto também pelas formas de organização do espaço e do
tempo e pelos discursos que circulam na escola.
Nas análises aqui empreendidas, gênero é entendido como um “mecanismo através
do qual se produzem e se naturalizam as noções de masculino e feminino” (BUTLER, 2006,
p. 70). Para além das diferenças sexuais, compreendemos gênero como um conjunto de
normas, como um efeito de subjetivação, que adquire estabilidade em função da repetição e
reiteração de normas.
Desse modo, com o objetivo de analisar os processos de subjetivação dos meninos na
escola, optamos por utilizar referenciais teóricos da perspectiva pós-estruturalista. As
contribuições mais importantes que essa perspectiva trouxe para esta pesquisa foi a noção da
linguagem e do discurso como produtores de subjetividades (SILVA, 2005) e a compreensão
de gênero como um conjunto de normas que regulam a produção dos corpos sexuados
(BUTLER, 2007).
A noção de subjetividade aqui utilizada é a de Foucault (2006b) que a entende como
um efeito de modos de subjetivação como “a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de
si mesmo em um jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo” (FOUCAULT,
2006b, p. 236).
Durante a pesquisa, observamos que os enunciados sobre a pesca e o filé pareciam
mais problemáticos quando se tratava da relação dos meninos com estas atividades. Isso
porque, conforme já foi apontando, a atividade da pesca, tida como masculina vem se
tornando cada vez mais escassa, devido à degradação ambiental, ao contrário do filé que vem
se consolidando como uma fonte de renda mais significativa.
Nesse sentido, é a produção do filé que vem se apresentando como um lugar da
confusão de fronteiras (Haraway, 2000). Esta configuração nos convidou a observar os modos
de subjetivação dos meninos, as formas como o masculino se apresenta nos enunciados que
circulam na escola.
A partir dos enunciados sobre estas atividades que estão presentes no currículo e na
escola veiculados pelas crianças, pelos/as professores/as, pela direção e pelos/as
funcionários/as e com base nas ferramentas teóricas fornecidas por Foucault, este trabalho
buscou responde o seguinte problema: como os meninos são interpelados e subjetivados

14

pelos enunciados relacionados ao filé presentes no currículo de uma escola pública de
ensino fundamental?
O objetivo geral da pesquisa foi analisar como estes enunciados participam no
processo de subjetivação dos meninos. A pesquisa objetivou, especificamente,
problematizar a demarcação de gênero constituída a partir do filé e da pesca; investigar como
os/as profissionais da escola tratam as questões de gênero; observar as formas como o
masculino se apresenta nos enunciados; analisar como os meninos são interpelados e
governados pelos enunciados; investigar os processos de subjetivação dos meninos na escola;
identificar tipos de subjetividades produzidas na escola; observar os processos de resistência
dos meninos.
Conversamos com alunos/as das séries finais do ensino fundamental, professores/as e
funcionários/as com o objetivo de captarmos os enunciados que se referiam ao filé. Assim, foi
possível listar alguns tipos de subjetividades produzidas por esses discursos ao tentarmos ver
quais modos de ser menino são solicitados, legitimados e produzidos pelos enunciados que
circulam na escola.
Pensamos a dissertação em quatro capítulos nos quais buscamos apresentar o
percurso teórico-metodológico que nos ajudou a construir pistas sobre as questões da pesquisa
acima colocadas.
Nesse sentido, no primeiro capítulo – Currículo e seus efeitos nos processos de
subjetivação apresentamos as questões relacionadas ao currículo que norteiam este trabalho:
verdade, poder, subjetivação e governo. Resgatamos, brevemente, as diferentes perspectivas
dos estudos sobre currículo e exploramos, especialmente, a pós-estruturalista por nos
basearmos nesta vertente nas análises aqui empreendidas.
No segundo - Amarrando gênero, currículo e subjetivação discorremos sobre a
noção de gênero que é utilizada nesta pesquisa e que torna possível pensá-lo como um
conjunto de normas, de discursos e de práticas, como uma tecnologia social que envolve
relações de poder e que participa no processo de subjetivação de gênero. Abordamos os
trabalhos de Judith Butler, Teresa de Lauretis, Linda Nicholson e Joan Scott e os esforços
dessas autoras em aproximar o pensamento de Foucault das análises de gênero,
principalmente do que diz respeito aos processos de naturalização, à normalização, aos modos
de subjetivação e as relações de poder.
No terceiro capítulo - Estratégias metodológicas relatamos como a pesquisa foi
desenvolvida, os seus caminhos, os instrumentos utilizados e a escolha dos/as participantes.
Nesta parte do trabalho mostramos também os efeitos de Foucault na pesquisa ao elencarmos

15

suas contribuições teórico-metodológicas nesta dissertação, principalmente no que diz
respeito à noção de linguagem, de discurso e a análise dos enunciados.
No quarto capítulo – O currículo escolar e os processos de subjetivação dos
meninos analisamos como os profissionais da escola vêm tratando as questões de gênero,
discorremos sobre as formas de governo que buscam moldar estas condutas consideradas
apropriadas aos meninos e sobre as políticas de verdade que servem de base para este
processo. Apresentamos as análises empreendidas a partir dos enunciados sobre o filé,
buscando oferecer pistas sobre as questões propostas nesta pesquisa. Analisamos como os
meninos se tornam sujeitos de gênero a partir de tecnologias de subjetivação que atuam na
escola e em suas vidas convocando-os a serem meninos de um determinado tipo.
Neste último capítulo discutimos, também, as contribuições da noção de resistência
em Foucault mostrando alguns enunciados que sugerem lutas dos sujeitos contra os modos de
subjetivação, expostos anteriormente. Apresentamos alguns enunciados que falam das
possibilidades do sujeito de subverter as subjetividades impostas. Analisamos as tensões, os
conflitos, as resistências, outros modos de ser menino que também estão presentes na escola,
evidenciando que as subjetividades não são fixas, coerentes, permanentes e estáveis. Por
último, nas Considerações finais, apresentamos uma breve síntese dos principais resultados da
pesquisa.

16

1 CURRÍCULO E SEUS EFEITOS NOS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO

Este capítulo apresenta as questões relacionadas ao currículo que norteiam este
trabalho: verdade, poder, subjetivação e governo. Questões que podem ser consideradas ou
não nas discussões curriculares, isto vai depender da noção de currículo a partir da qual serão
analisadas.
Resgatando brevemente a história dos estudos, das formas de pensar, dos discursos
sobre currículo nota-se que este campo apareceu especificamente como objeto de estudo no
início do Século XX nos Estados Unidos, estando relacionado ao processo de industrialização
que contribuiu para intensificar a massificação da escolarização. Este contexto despertou o
interesse das pessoas envolvidas na administração da educação que começaram a pensar o
processo de construção, o desenvolvimento e a testagem de currículos (SILVA, 2005).
No livro The Curriculum (1918) de Bobbitt estas preocupações iniciais estão
colocadas a partir da noção de que o currículo está relacionado com a medição dos resultados
educacionais e a busca de respostas para a questão da finalidade da escolarização de massas.
O modelo fabril, proposto por Bobbitt e o pensamento de Taylor são as bases dessa
noção, onde o currículo é entendido como a “especificação precisa de objetivos,
procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente
mensurados” (SILVA, 2005, p. 12). Para essa corrente de pensamento, as questões óbvias do
currículo são: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização,
planejamento, eficiência.
Na década de sessenta surgem críticas a esta estrutura educacional tradicional.
Dentre os movimentos responsáveis pela reviravolta nos estudos sobre currículo pode-se
localizar, nos Estados Unidos, o movimento da reconceptualização, a nova sociologia da
educação na Inglaterra, a produção de autores como Althusser e Bourdieu na França e, no
Brasil, a obra de Paulo Freire.
Estes autores colocaram em cheque os pressupostos que fundamentavam a educação
e o currículo tradicional, desconfiando dos efeitos da educação na reprodução das
desigualdades sociais. Para essas teorias críticas as questões predominantes são: ideologia,
reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção,
conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência (SILVA, 2005).
Silva (2005) coloca que estas questões da teoria educacional crítica, apesar de terem
sido intensamente criticadas e questionadas na década de setenta e oitenta, fundamentalmente,

17

pelo suposto determinismo econômico, foram importantes no campo dos estudos sobre
currículo uma vez que foi este movimento crítico que mudou radicalmente a teoria curricular
oferecendo os elementos iniciais para as análises neomarxistas e pós-estruturalistas.
Apesar de remontar à década de sessenta, o pensamento pós-estruturalista sobre o
currículo torna-se mais visível nos anos oitenta (SILVA, 2002) com as mudanças no processo
produtivo a partir da implantação do toyotismo e do contexto das sociedades pós-industriais.
Outra abordagem é desenvolvida para essas questões e o campo do currículo passa a
congregar enfoques da virada linguística e das teorias pós-estruturalistas.
Ao invés de priorizar as questões relacionadas à ideologia, passou-se e pensar no
caráter produtivo do discurso. Ao invés do marxismo, cresce a influência do pósestruturalismo. As análises dos currículos passam a contemplar diferentes questões como as
de raça, gênero, etnia, sexualidade a partir da influência de pensadores franceses como Michel
Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida.
As teorias pós-estruturalistas ampliam e modificam as teorias críticas. Apesar de em
ambos os pensamentos o currículo estar ligado às relações de poder, a concepção de poder no
pós-estruturalismo não é aquela que o centraliza, por exemplo, no Estado ou no capital. Para
as teorias pós-estruturalistas do currículo, a noção de poder é fortemente influenciada por
Foucault. O poder é difuso, capilar, está espalhado em toda a rede social (SILVA, 2005).
Na perspectiva pós-estruturalista, o currículo constitui regulações sociais em, pelo
menos, mais dois níveis: o do conhecimento e o da subjetividade (POPKEWITZ, 1994). O
primeiro está relacionado ao que deve ser conhecido, a qual conhecimento é válido, às
informações selecionadas para serem contempladas na escola. O segundo é um efeito desse
primeiro, mas é também o que reforça tais conhecimentos. Essa seleção de conhecimentos não
apenas informa como também guia as pessoas a pensarem de determinadas formas o seu eu no
mundo, as suas experiências, ou seja, molda as subjetividades.
É também nestes dois níveis que a teoria pós-estruturalista difere da crítica. Para a
última, há um conhecimento verdadeiro que, em oposição à ideologia dominante, seria o
responsável pela emancipação e libertação. Para o pensamento pós-estruturalista, se há ou não
um conhecimento verdadeiro não é o ponto central, pois a ênfase está na linguagem e nos
processos de significação. Ou seja, o que realmente importa não é tanto a verdade, mas os
conhecimentos que são considerados verdadeiros (SILVA, 2005).
A perspectiva pós-estruturalista também rejeita a hipótese de uma consciência
centrada, unitária, coerente. Não há um núcleo subjetivo pré-social no pensamento pós-

18

estruturalista (SILVA, 2005). Existem sim modos de subjetivação que são processos sociais e
que produzem determinados tipos de subjetividades.
Apesar de ser considerada nada politizada por alguns de seus críticos, a concepção
pós-estruturalista do currículo contribui para que este campo esteja ainda mais relacionado às
questões políticas uma vez que a partir destas teorias:
[...] torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de
conceitos técnicos, como os de ensino e eficiência ou de categoria
psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de
imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos. Num
cenário pós-crítico, o currículo pode ser todas essas coisas, pois ele é
também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre
para pensá-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de outras
formas, para vê-lo de perspectivas que não se restringem aquelas que nos
foram legadas pelas estreitas categorias da tradição (SILVA, 2005, p.
147).

Com as teorias pós-estruturalistas, é possível pensar o currículo para além do
conjunto dos conteúdos escolares. As relações sociais, as formas de organização do espaço e
do tempo, os discursos que circulam na escola também compõem o currículo nessa
perspectiva.
Percebe-se, portanto, que o conhecimento corporificado como currículo educacional
“não pode ser mais analisado fora de sua constituição social e histórica. Não é mais possível
alegar qualquer inocência a respeito do papel constitutivo do conhecimento organizado em
forma curricular e transmitido nas instituições educacionais” (MOREIRA; SILVA, 2006, p.
20-21). O currículo não é um elemento transcendente e atemporal. Ele é histórico, tem uma
história vinculada às formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da
educação.
É nesse sentido que Vieira (2009), coloca que o currículo nada tem de místico ou de
científico. Ele é uma coisa, um artefato, um documento que nós ajudamos a produzir em
nossas relações sociais e, por ele somos também produzidos, é por isso que o currículo é
contingente e discutível.
Longe de ser o “primo pobre” (SILVA, 1995) das análises pedagógicas, o currículo,
analisado a partir dos elementos teórico-metodológicos fornecidos por Foucault, está no
centro do processo educativo, é o lugar para onde convergem às análises sobre subjetivação,
poder, verdade e governo, algumas de suas questões que abordaremos a seguir.

19

1.1 Verdade

Para Silva (2002) a relação entre verdade e currículo seria óbvia, uma vez que a
questão central da teorização curricular é o que deve ser ensinado nas escolas e
consequentemente qual conhecimento é válido e verdadeiro para ser ensinado.
Foucault (1996) coloca que o discurso é um importante elemento de análise para
entender como a verdade é produzida, como determinados conhecimentos são qualificados em
detrimento de outros e como é possível problematizar, ou seja, colocar em dúvida, tornar
problemáticas supostas verdades. Assim, é possível localizar na história os interesses pelos
quais certos discursos foram interditados, separados, rejeitados e desqualificados, tidos como
falsos a partir de critérios arbitrários, contingentes e violentos.
Em suas pesquisas, principalmente naquelas realizadas antes da década de 1970,
Foucault analisou a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as atravessam,
tornando visível a existência de diversos procedimentos que controlam e regulam a produção
dos discursos em nossa sociedade.
Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade (FOUCAULT, 1996, p. 9).

Nesse sentido, Foucault aponta que há procedimentos de exclusão que buscam
organizar e redistribuir a produção de discursos. São eles: a interdição, a separação e a
rejeição, e a oposição entre verdadeiro e falso.
O da interdição é o mais evidente e o mais familiar em nossa sociedade “Sabe-se
bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer
circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (FOUCAULT,
1996, p. 9).
No trecho acima, Foucault resume os três tipos de interdição nomeados por ele
como: o tabu do objeto, o ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusividade do
sujeito que fala. Estes tipos de interdição se reforçam, se compensam e são contingentes. Ou
seja, determinados assuntos muitas vezes só podem ser abordados em determinadas
circunstâncias e por determinadas pessoas. Estas configurações podem sofrer modificações.
Em um momento histórico os mesmos assuntos outrora interditados podem ser permitidos em

20

lugares onde já foram proibidos e por pessoas as quais, em outros momentos, não estavam
autorizadas para tal.
Foucault aponta que o campo da sexualidade e o da política são os que mais sofrem
interdições que acabam por denunciar a relação do discurso com o desejo e o poder. Nesse
sentido, o discurso é objeto do desejo e motivo das lutas pelo poder nos sistemas de
dominação e não simplesmente o que manifesta e traduz estes elementos.
Outra forma de exclusão, apontada por Foucault, é a separação e a rejeição. Para
ilustrar esse procedimento ele usa a oposição entre razão e loucura existente na Idade Média.
A voz do louco, por um processo de exclusão ou de investimento de razão, não tinha a
conotação que tem hoje. “É curioso constatar que durante séculos na Europa a palavra do
louco não era ouvida [...] Ou caía no nada – rejeitada tão logo proferida; ou então nela se
decifrava uma razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis (FOUCAULT, 1996, p.
11)”.
Antes do século XVIII, observa Foucault, ninguém tinha se interessado pelo o que
era dito pelo louco. Há, nesse sentido, uma falsa impressão de que esta condição mudou e que
a palavra do louco não é mais nula ou não aceita. No entanto, para Foucault o tipo de atenção
que vem sendo dada à palavra do louco evidencia que esta separação ainda permanece.
[...] basta pensar em todo o aparato de saber mediante o qual deciframos
essa palavra, basta pensar em toda rede de instituições que permite
alguém – médico, psicanalista – escutar essa palavra e que permite ao
mesmo tempo ao paciente vir trazer, ou desesperadamente reter, suas
pobres palavras (FOUCAULT, 1996, p.12-13).

Todas essas condições, para Foucault, mostram que a separação não está apagada.
Ele supõe que esta vem se apresentando de outro modo, por meios de novas instituições e
produzindo efeitos distintos “a separação, antes de estar apagada, se exerce de outro modo
(FOUCAULT, 1996, p. 13)”.
É, contudo, na separação entre verdadeiro e falso, que Foucault vai deter maior parte
de seu discurso “Como se poderia razoavelmente comparar a força da verdade com
separações como aquelas, separações que, de saída, são arbitrárias, ou que, ao menos, se
organizam em torno de contingências históricas” (FOUCAULT, 1996, p. 13-14).
Foucault vai mostrar as condições de possibilidades para enxergarmos a separação
entre o verdadeiro e o falso como algo arbitrário, contingente e violento para, então, introduzir
a noção de vontade de verdade.

21

Certamente, se nos situamos no nível de uma proposição, no interior de
um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem
arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos
situarmos em outra escala, se levantarmos a questão de saber qual foi,
qual é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de
verdade que atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua
forma muito geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de saber,
então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico,
institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se (FOUCAULT,
1996, p. 14).

Nessa perspectiva, a separação entre o verdadeiro e o falso é entendida como um
sistema de exclusão. Apesar de ter sido considerada, pelo próprio Foucault, uma colocação
arriscada, este terceiro sistema, apontado na aula inaugural de 1970 foi bastante explorado
naquela ocasião, em suas aulas e obras posteriores.
Foucault utiliza-se da genealogia para mostrar que essa separação foi sendo
historicamente constituída. Ele expõe que no século VI, o discurso verdadeiro nos poetas
gregos, a exemplo de Hesíodo, era o que pronunciava a justiça, conforme o ritual requerido e
por quem de direito. Observando uma primeira mudança histórica, ele coloca:
Ora, eis que um século mais tarde, a verdade a mais elevada já não residia
mais no que era o discurso, ou no que ele fazia, mas residia no que ele
dizia: chegou o dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado,
eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido,
sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência. Entre Hesíodo e
Platão uma certa divisão se estabeleceu, separando o discurso verdadeiro
e o discurso falso[...]O sofista é enxotado (FOUCAULT, 1996, p. 15).

É nesse ponto histórico, nesta divisão histórica que Foucault acredita está localizada
a primeira forma da nossa vontade de saber. No entanto, esta vem se modificando, por
exemplo, com as grandes descobertas científicas, o que evidencia aquilo que Foucault já havia
apontado: a contingência, a violência e a arbitrariedade da separação entre verdadeiro e falso.
Para ele, a partir de Platão, a vontade de verdade segue sua própria história “a dos
planos de objetos a conhecer, história das funções e posições do sujeito cognoscente, história
dos investimentos materiais, técnicos, instrumentos do conhecimento” (FOUCAULT, 1996,
p.17).
Nesse sentido, Foucault analisa que no século XIX há uma vontade de verdade
bastante distinta daquela observada outrora, uma vontade de saber que prescrevia de maneira
precisa o nível técnico do qual deveriam investir-se os conhecimentos para serem verificáveis
e úteis.

22

Essa vontade de verdade, assim como os outros sistemas de exclusão, apóia-se, de
acordo com Foucault, em um suporte institucional sendo ao mesmo tempo reforçada e
reconduzida por um conjunto de práticas, a exemplo da pedagogia e dos laboratórios
(FOUCAULT, 1996).
Uma característica precisa dessa vontade de verdade é a tendência a desqualificar os
outros discursos. Além disso, Foucault aponta que é da vontade de verdade que menos se fala
uma vez que ela camufla-se no próprio discurso considerado verdadeiro. É a partir dessa
genealogia que Foucault problematiza a verdade, localizando-a neste mundo, denunciando seu
caráter artificial e produzido.
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade
tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os
tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro (FOUCAULT, 1979, p. 12).

Foucault observa que em nossa sociedade a “economia política” da verdade, ou seja,
o seu movimento possui cinco características importantes que precisam ser levadas em conta
para entender a produção de verdades e os seus efeitos, as quais foram sintetizadas na
seguinte fala:
[...] a “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas
instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação
econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção
econômica quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de
uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de
educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente
grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e
transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns
grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército,
escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de
confronto social (as lutas “ideológicas)” (FOUCAULT, 1979, p. 13).

Esta segunda característica da “economia política” da verdade é a que mais interessa
neste trabalho. É o consumo da verdade a partir da educação, via currículo que engrena as
análises que serão aqui apresentadas. Quais discursos sobre o filé e a pesca estão presentes na
escola? Quais as verdades que circulam sobre estas atividades? Quais são os efeitos?
A verdade circula, é produzida, reforçada, difundida, consumida e oficializada no
currículo. A verdade reside no currículo, o currículo é considerado a verdade. Mas, a partir da

23

perspectiva aqui considerada, assim como a verdade, o currículo é problematizável. Isto
implica para uma análise curricular que o currículo e o conhecimento nele corporificado é
apenas uma perspectiva. Essa é mais uma evidência de que o currículo é questionável e
contingente.
É fundamental para a análise que se tenta desenhar aqui a relação entre saber/verdade
e poder e suas implicações mútuas. “Não há possibilidade de exercício do poder sem uma
certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência”
(FOUCAULT, 1979, p. 179-180). Para que haja uma relação de poder, então, é necessário um
campo de saber que a sustente como também a formação de um campo de saber está ligada as
relações de poder.

1.2 Poder

Conforme já foi apontado, separar as questões aqui propostas é tarefa difícil já que
estas estão interligadas e são interdependentes, ou seja, não é possível falar em conhecimento
e verdade sem abordar relações de poder. Neste sentido é interessante ressaltar com as
palavras de Foucault que “A ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a
produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem” (FOUCAULT,
1979, p. 14).
São as relações de poder que vão tornar inteligíveis as inclusões e exclusões de
determinados conhecimentos no currículo. Abordamos acima que as verdades são
contingentes e arbitrárias e os mecanismos pelos quais um conhecimento adquire o lugar de
verdade. No entanto, é necessário entender os motivos pelos quais determinados discursos são
desqualificados em determinados momentos históricos e outros não e, principalmente, a
mecânica destas exclusões. É neste ponto que entram em jogo as relações de poder.
O currículo é um território de luta entre diferentes grupos sociais, entre diferentes
interesses, entre diferentes regimes de verdade é, portanto, um território privilegiado de
análise das relações de poder. É necessário, entretanto, apresentar a noção de poder que dá
sentido a estas proposições.
Depois de Foucault as possibilidades de pensar o poder foram bastante ampliadas
isso porque a ideia que se tinha antes era a de um poder central, localizado no outro, quase
sempre, no Estado. Não havia uma atenção para as formas como o poder se exercia de

24

maneira concreta, detalhada e específica, nem muito menos para as técnicas e as táticas do
poder.
Dizer que o poder não está localizado no Estado não implica, para Foucault, que
esteja fixo em outro lugar. Ou seja, o poder não está localizado em nenhum ponto específico e
não é algo que se pode ter como uma propriedade. É algo que se pode exercer a partir das
práticas e relações de poder.
Foucault coloca que só foi possível começar a ampliar a noção de poder após 1968,
“a partir das lutas cotidianas e realizadas na base com aqueles que tinham que se debater nas
malhas mais finas da rede do poder” (FOUCAULT, 1979, p. 6).
As análises do poder daí para frente buscaram contemplar o que até então tinha
ficado de fora como, por exemplo, o internato psiquiátrico, a normalização mental dos
indivíduos, a sexualidade e as instituições penais. Só com esta inclusão, para Foucault, é
possível pensar o funcionamento das engrenagens do poder. O que se tinha antes era uma
análise macro, centrada na instância econômica, o que se tem depois é uma microfísica do
poder.
Outro aspecto ao qual estava relacionado o poder, antes de Foucault, era a repressão.
Para ele, esta é uma relação inadequada que tornava difícil a visualização da noção produtiva
de poder. A ideia de repressão dirige ao poder uma concepção apenas de proibição, de
negação. Com isso, questiona Foucault: “Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse
outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido?” (FOUCAULT, 1979, p. 8).
É a partir deste questionamento que ele irá apresentar a sua noção de poder como uma rede
produtiva:
O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente
que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.
Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o
corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por
função reprimir (FOUCAULT, 1979, p. 8).

Nesse sentido, o poder assume formas mais regionais e concretas, a partir de
instituições como a escola, atinge aquilo que há de mais concreto no sujeito, o seu corpo, os
seus gestos, as suas atitudes, seus comportamentos, hábitos e discursos, enfim, os mínimos
detalhes da vida cotidiana.
No primeiro volume da História da sexualidade, Foucault elenca cinco proposições
sobre as relações de poder que vão mostrar de maneira mais completa como funciona sua
mecânica: o poder não é algo que se adquira, arrebate e compartilhe; as relações de poder não

25

se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relação como os
processos econômicos, relações de conhecimento, relações sexuais; o poder vem de baixo; as
relações de poder são ao mesmo tempo intencionais e não subjetivas; e onde há poder há
resistência.
Com a primeira proposição ele quer dizer que o poder não é uma coisa. Ele só faz
sentido se falarmos em relações e em exercício do poder. Com a segunda ele mostra que as
relações de poder não estão na superestrutura, que elas são imanentes às relações sociais.
Quando ele fala que o poder vem de baixo implica a dissolução do binarismo
dominadores/dominados, ou seja, “as correlações de forças múltiplas que se formam e atuam
nos aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e institucionais servem de
suporte a amplos efeitos de clivagem que atravessam o conjunto do corpo social”
(FOUCAULT, 1988, p. 90). Nesse sentido, as grandes dominações não passam de efeitos
sustentados a partir dos incontáveis pontos capilares de exercício do poder.
Com a quarta proposição ele aponta que as relações de poder têm sempre objetivos
apesar de se caracterizarem como estratégias anônimas. Na quinta ele traz um elemento até
então pouco contemplado em suas análises: a resistência. Ao apontar que onde há poder há
resistência ele estabelece que a resistência nunca se localiza no exterior do poder. Isso implica
que as próprias lutas contra o seu funcionamento não são possíveis quando pensadas na
exterioridade.
Nesse sentido, não existe nos termos dessa noção de poder, apenas um lugar da
grande revolução, existem resistências no campo estratégico das relações de poder “que são
casos únicos: possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias,
planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou
fadadas ao sacrifício” (FOUCAULT, 1988, p. 91).
É preciso situar as análises de Foucault sobre o poder para entendermos como ele
chega a essa noção que serve como ferramenta de análise deste trabalho. A questão que
norteou os trabalhos de Foucault durante o período de 1970 à 1976 foi a seguinte: “Em uma
sociedade como a nossa, que tipo de poder é capaz de produzir discursos de verdade dotados
de efeitos tão poderosos?”(FOUCAULT, 1979, p. 179).
Foucault localiza nos séculos XVII e XVIII uma nova mecânica de poder, com
procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos bastante diferentes e,
portanto, incompatível com as relações de soberania. Um tipo de poder que se exerce
continuamente através da vigilância, um sistema minucioso de coerções materiais que visa ao
mesmo tempo o crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de

26

quem as domina. Uma mecânica que se opõe ao mecanismo da soberania que se valia de uma
vigilância descontinua por meio de sistemas de taxas, obrigações e repressões (FOUCAULT,
1979).
Este poder não é o soberano, é o disciplinar e veicula um discurso que não é o da
soberania, mas o da regra considerada natural, da norma. Baseia-se no código da
normatização e sua base teórica, sua grande sustentação é as ciências humanas.
Uma das ilustrações mais interessantes que Foucault utiliza para explicar o poder
disciplinar é a do Panóptico de Benthan: uma estrutura arquitetônica, criada principalmente
para as prisões. Nesta estrutura as células individuais localizadas na periferia do edifício
circundam uma torre central. A forma como a iluminação está disposta possibilita a
observação de cada cela a partir da torre central, no entanto, os prisioneiros não percebem que
estão sendo observados “Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um
estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do
poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua
em sua ação” (FOUCAULT, 1987, p. 177).
O poder disciplinar é um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como
função maior moldar para retirar e se apropriar ainda mais e de maneira mais efetiva. Ele não
amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo.
A grande importância estratégica que as relações de poder disciplinares
desempenham nas sociedades modernas depois do século XIX vem
justamente do fato de elas não serem negativas, mas positivas, quando
tiramos desses termos qualquer juízo de valor moral ou político e
pensamos unicamente na tecnologia empregada. É então que surge uma
das teses fundamentais da genealogia: o poder é produtor de
individualidade. O individuo é uma produção do poder e do saber
(MACHADO, 1979, p. XIX).

O poder disciplinar, nesse sentido, não destrói o sujeito; ao contrário, ele o fabrica. O
sujeito não é o outro do poder, é umas dos pontos por onde o poder circula e se materializa é,
portanto, um de seus mais interessantes efeitos.
Mais uma vez é necessário retomar a dificuldade de separar as três questões aqui
propostas: a verdade, o poder e a subjetivação. É por esta impossibilidade que introduzo o
próximo tópico mostrando que o que ainda não foi dito irá ajudar na compreensão do que já
foi posto. Ocorre que “O poder passa através do individuo que ele constitui” (FOUCAULT,
1979, p. 184) e então para melhor compreender as relações de poder faz-se necessário
investigar os pontos pelos quais este passa e um destes, talvez o mais produtivo, é o sujeito.

27

1.3 Subjetivação

A palavra subjetividade é facilmente remetida a sua versão individualizada que
marcou o projeto da Psicologia enquanto ciência e que sustenta vertentes teóricas que se
baseiam em uma concepção de subjetividade correspondente a um sujeito psicológico
universalizado, particularizado e finalizado.
No entanto, este trabalho pretende analisar outra versão sobre a subjetividade, não
obediente a uma lei universal, cujo surgimento se deu a partir de revisões epistemológicas no
campo da Psicologia e das Ciências Humanas com contribuições importantes de Michel
Foucault que, ao repensá-la, destacou seu caráter processual e produtivo.
Ao falar “não é o poder, mas o sujeito, que constitui o tema geral de minha pesquisa”
(1995, p. 232), Foucault procurou refutar a ideia de um sujeito transcendental, sem história,
estável, centrado e individualizado. Para ele, não existe sujeito fora dos processos sociais, fora
de um discurso que o produz como tal. Foucault desloca o sujeito antes relacionado a uma
posição de origem para uma posição de efeito.
Nesse sentido, a subjetividade pode ser entendida como efeito de modos de
subjetivação, ou seja, como efeito de um “processo pelo qual se obtém a constituição de um
sujeito, mais precisamente de uma subjetividade, que evidentemente não passa de uma das
possibilidades dadas de organização de uma consciência de si” (FOUCAULT, 2006a, p. 262).
Rose (2001) traz elementos que ajudam a entender porque uma subjetividade é
apenas uma possibilidade e não a única. Ele aponta que as formas pelas quais os seres
humanos atribuem sentido as suas experiências tem um sistema próprio, ou seja, “os
dispositivos de produção de sentidos – grades de visualização, vocabulários, normas e
sistemas de julgamento, não são produzidos pela experiência; eles produzem a experiência”
(ROSE, 2001, p. 36).
Dessa forma existem práticas que localizam e limitam nossas experiências e sentidos.
Estas práticas, segundo Rose, são disseminadas sob diferentes formas e em diferentes locais
como, por exemplo: escolas, famílias, ruas, locais de trabalho, tribunais.
Nesta direção, Rose utiliza o termo tecnologias humanas para referir-se a
“montagens híbridas de saberes, instrumentos, pessoas, sistemas de julgamento, edifícios e
espaços, orientados no nível programático, por certos pressupostos e objetivos sobre os seres
humanos” (ROSE, 2001, p.38). Para ele, a escola, assim como a prisão e o hospício, faz parte
dessas tecnologias que buscam moldar os sujeitos a partir do controle de suas condutas.

28

Rose (2001) sugere uma abordagem chamada de genealogia da subjetivação que
problematiza a compreensão individualizada, interiorizada, totalizadora e psicologizada do ser
humano. O autor coloca que essa genealogia tenta descrever:
As formas pelas quais esse moderno regime do eu emerge não como
resultado de um processo gradual de esclarecimento, no qual os humanos,
ajudados pelos esforços da ciência, acabam, finalmente, por reconhecer
sua verdadeira natureza, mas a partir de uma série de práticas e processos
contingentes e definitivamente menos refinados e menos dignos (p. 35).

Situada na modernidade, a categoria indivíduo é o modo de organização da
subjetividade que caracteriza esse momento histórico. Mancebo (2002) destaca que o
indivíduo é apenas um dos modos de subjetivação possível. Neste mesmo sentido, aponta
Rose (2001):
É apenas neste momento histórico, e em um espaço geográfico limitado e
localizado que o ser humano é compreendido em termos de indivíduos
que são vistos como eus, cada qual equipado com um domínio interior
(uma “psicologia”) e estruturado pela interação entre uma experiência
biográfica particular e certas leis ou processos gerais do desenvolvimento
animal humano” (p. 34).

Da mesma forma, Soler (2008, p. 573) argumenta que a subjetividade deve ser
compreendida como “parte integrante desta grande maquinaria moderna correlativa as mais
variadas práticas sociais, sejam as de ordem discursiva, sejam aquelas presentes no campo dos
dispositivos, sejam as que se dão pelos modos de subjetivação”. O projeto da modernidade
colocou o indivíduo no centro da subjetividade, criando a ideia de interioridade.
Os estudos foucaultianos possibilitaram pensar a subjetividade como efeito de forças,
como uma produção atravessada por esferas políticas das relações do sujeito com os regimes
de verdade e com poder.
Nessa direção, Larrosa (1994) afirma que podemos utilizar a obra de Foucault para
questionar as concepções inertes de subjetividade antes exclusivas e válidas sem que isto
implique que o sujeito não seja capaz de refletir sobre si, mas sim “porque mostra como a
pessoa humana se fabrica no interior de certos aparatos (pedagógicos, terapêuticos,...) de
subjetivação” (p. 37).
Portanto, aquilo que antes era caracterizado apenas com a palavra indivíduo ou
sujeito ou ainda subjetividade passa a ser problematizado e rodeado de outros termos e
sentidos como produção de subjetividades e modos de subjetivação.

29

Isto implica que a subjetividade, facilmente remetida a uma interioridade ou
identidade, passa a ser entendida como produto provisório das formas de experiência de si,
atravessadas pelas relações de poder e de saber.
A divisão pensada outrora entre o corpo e a subjetividade é desfeita uma vez que o
corpo longe de ser o outro da subjetividade é o lugar onde ela se inscreve.
De acordo com Candiotto, Foucault articula subjetividade e verdade pelo viés
histórico, a partir das seguintes perguntas:
Que relação o sujeito estabelece consigo a partir de verdades que
culturalmente lhe são atribuídas? Tal interrogante parte do fato de que em
qualquer cultura há enunciações sobre o sujeito que, independentemente
de seus valores de verdade, funcionam, são admitidas e circulam como se
fossem verdadeiras. Daí outra questão: considerando o que são tais
discursos em seu conteúdo e em sua forma, levando em conta os laços
entre obrigações de verdade e a constituição de subjetividades, que
experiência os seres humanos fazem de si próprios? (CANDIOTTO,
2008, p. 88).

Foucault procura saber quais são os efeitos de subjetivação a partir da existência de
discursos que pretendem dizer uma verdade para o sujeito sobre ele mesmo, nesse sentido ele
questiona:
Através de quais jogos de verdade o homem se dá seu ser próprio a
pensar quando se percebe como louco, quando se olha como doente,
quando reflete sobre si como ser vivo, ser falante e ser trabalhador,
quando ele se julga e se pune enquanto criminoso? Através de quais jogos
de verdade o ser humano se reconheceu como homem de desejo?
(FOUCAULT, 1984, p.12).

A subjetividade, na perspectiva aqui colocada também está estreitamente relacionada
às relações de poder. Para Foucault, o poder não atua apenas oprimindo ou dominando as
subjetividades, conforme já foi apontado. Ele atua, principalmente, participando do seu
processo de construção. Eis aí o ponto onde subjetividade e poder se cruzam “Subjetividade e
relações de poder não se opõem: a subjetividade é um artefato, é uma criatura, das relações de
poder; ela não pode, pois, fundar uma ação contra o poder” (SILVA, 1998, p. 10).
É preciso ressaltar que a noção de subjetividade aqui tomada não existe fora de um
discurso que a produz como tal o que sugere a existência de mais uma parceria, desta vez
entre os discursos e os processos de subjetivação.
Uma vez que o interesse deste trabalho é analisar como os enunciados relacionados
ao filé e à pesca, regulam, governam e produzem determinados tipos de subjetividade através

30

do currículo escolar, faz-se necessário tecermos algumas palavras sobre esta parceria que, ao
que parece, é bastante produtiva.
É no rastro do projeto analítico de Foucault o qual mostra, por exemplo, que o
discurso sobre a loucura precede o louco, que este trabalho caminha. Foucault observou que a
ideia do louco se inscreveu em um discurso, foi por ele captado, criado, nomeado, governado.
Mas não foi apenas essa captura que garantiu a intencionalidade da ordem do discurso sobre a
loucura. Foi preciso que o louco materializasse este discurso a partir de suas ações, de seus
modos de viver, ou seja, de sua subjetividade para que o discurso sobre a loucura fosse, de
fato, tido como verdadeiro.
É entendendo desta forma, que os discursos precedem os sujeitos e as subjetividades,
e que estas últimas garantem o primeiro, que faz sentido pesquisar produção de
subjetividades. Para Foucault, o discurso nos coloca frente a frente com “Uma verdade do
homem, bastante arcaica e bem próxima, silenciosa e ameaçadora: uma verdade abaixo de
toda verdade, a mais próxima do nascimento da subjetividade e a mais difundida entre as
coisas” (FOUCAULT, 1972, p. 561).
O discurso, nesses termos, fornece as condições de possibilidade para a produção de
determinados tipos de subjetividade. Nele, podemos encontrar mecanismos de subjetivação
junto às táticas das relações de poder que excluem outras possibilidades discursivas seja
interditando, rejeitando ou separando o verdadeiro do falso, ou fazendo tudo isso de uma só
vez, conforme aponta Foucault, ao mostrar como a subjetividade vinha sendo abordada em
suas pesquisas.
A história da subjetividade havia sido empreendida ao se estudar as
separações operadas na sociedade em nome da loucura, da doença, da
delinqüência e seus efeitos sobre a constituição de um sujeito racional e
normal; havia sido empreendida também ao tentar determinar os modos
de objetivação dos sujeitos em saberes, como os que dizem respeito à
linguagem, ao trabalho e à vida (FOUCAULT, 1997, p. 110).

O pensamento de Foucault é o território no qual podemos pensar a subjetivação não
mergulhando e se afogando em uma suposta interioridade do sujeito. Com ele, é possível
captarmos esse processo, pelo discurso, pela história, pelo que, de fato, é possível acessar: a
exterioridade. O currículo faz parte desta exterioridade, mais que isso, ele está localizado em
uma posição estratégica. É ele quem dá o contorno de nossas experiências, ele produz as
nossas experiências quando cerca o nosso terreno de sentidos, ele é a condição de
possibilidade de sermos o que somos, ou melhor, de estarmos como estamos.

31

1.4 Governo

Foucault é famoso por romper com sistemas antes estabelecidos para explicar as
coisas. Ele fez isso, por exemplo, com o poder, que antes era percebido como centralizado,
unificado, localizado e foi por ele descentralizado, multiplicado e impossibilitado de ser
encontrado em uma residência fixa; a verdade, antes caracterizada por ser única foi por ele
entendida como um efeito o que lhe deu um sentido de uma coisa fabricada; e com o sujeito,
que deixou de ser a origem, o responsável por tudo para também ser um efeito, um produto
dos processos de subjetivação.
Mais uma vez ele quebra com uma noção estabelecida, desta vez a de governo que
estava relaciona apenas com as instâncias distantes e supremas ao sujeito. De maneira bem
diferente, o governo passa a ser entendido em sua relação com a verdade, com a produção de
subjetividade e com o poder. Nessa direção, Bampi (2002) coloca que o termo governo foi
utilizado por Foucault para “designar a maneira de moldar, guiar, dirigir a conduta dos
indivíduos ou dos grupos” (BAMPI, 2002, p. 133).
Esta noção de Foucault se relaciona com a ideia de governo, presente em textos do
século XVI os quais se opunham ao de Maquiavel e nos quais o governo era tido como aquele
que deveria se encarregar de coisas. Para Foucault, não se trata de opor coisas a homens,
Mas de mostrar que aquilo a que o governo se refere é não um território e
sim um conjunto de homens e coisas. Estas coisas, de que o governo deve
se encarregar são os homens, mas em sua relação com as coisas, que são
as riquezas, os recursos, os meios de subsistência, o território em suas
fronteiras, com suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens
em suas relações com outras coisas que são os costumes, os hábitos, as
formas de agir ou de pensar, etc. (FOUCAULT, 1979, p. 282).

É a partir da metáfora do governo do navio, segundo Foucault, presente nesses
tratados, contrária ao pensamento de Maquiavel, que se pode visualizar a imbricação de
homens e coisas que pressupõe esta forma de entender o governo.
Governar um navio, nesses termos “É certamente se ocupar dos marinheiros, da nau
e da carga; governar um navio é também prestar atenção aos ventos, aos recifes, às
tempestades, às intempéries, etc.; são estes relacionamentos que caracterizam o governo de
um navio” (FOUCAULT, 1979, p. 283).
Em outras palavras, a noção de governo utilizada por Foucault, aponta para a
existência de infinitas forças envolvidas na regulação da vida, das subjetividades que podem
produzir efeitos diversos. A questão do governo antes, diretamente e exclusivamente,

32

relacionada ao Estado se modifica e este sai de um lugar de centralidade, deixa de ser o único
para ser apenas um dos elementos do governo.
O governo passa a ser entendido não no sentido de instância suprema de decisões
executivas e administrativas em um sistema estatal, mas no sentido de mecanismos e
procedimentos destinados a conduzir as pessoas e a dirigir as suas condutas.
É interessante pontuar que governo é entendido por Foucault em dois sentidos, no
amplo e no restrito, ou seja, o governo “Tanto diz respeito à relação da pessoa consigo mesma
ou com outras pessoas – quando envolve alguma forma de controle ou direcionamento –,
dentro de instituições ou nas comunidades, bem como nas relações referentes ao exercício da
soberania política” (GORDON apud BAMPI, 2002, p. 134).
É interessante também ressaltar que o entendimento de governo aqui levado em
conta implica que este não opera com imposições. Digamos que este funciona sugerindo
formas de ser e de viver. Portanto, “não se trata de impor leis aos homens, mas de dispor as
coisas, isto é, utilizar mais táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas”
(FOUCAULT, 1979, p. 284).
A partir da noção de governo de Foucault podemos tomar o currículo como uma
estratégia de governo muito peculiar uma vez que este pretende moldar, guiar, sugerir modos
de viver. O currículo se ocupa da regulação da circulação de discursos, ideias, de saberes, de
verdades, de padrões. Governar é regular as formas de circulação de discurso e das condutas
por ele materializadas. Governar é dirigir condutas (as próprias e as de outros). Foucault
sugere que a constituição da experiência de si, ou seja, a subjetivação ocorre justamente no
cruzamento entre as técnicas de governo dos outros e as técnicas de governo de si. Por isso o
governo e o currículo se relacionam.
Como foi possível notar, a perspectiva pós-estruturalista baseada no pensamento de
Foucault problematizaram o currículo, retirando este de seu lugar de verdade, estabilidade e
inocência, colocando-o numa condição de contingência e tornando visíveis suas
intencionalidades, suas ações e seus efeitos. Foi dado um adeus as metanarrativas e a noção de
um sujeito centrado, estável, autônomo, racional, unitário que estava presente na educação e
no currículo (SILVA, 1994).
Uma vez estando no centro do empreendimento educativo, para a teoria pósestruturalista, o currículo corporifica os nexos entre saber, poder, subjetividade e governo.
Estas são as quatro questões que se tornam visíveis quando utilizamos as lentes pósestruturalistas para observar o currículo e que são utilizadas neste trabalho como ferramentas
de análise.

33

Nessa perspectiva, o currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de
transmissão de conhecimentos, nem apenas como o conjunto de conteúdos escolares, os
discursos que circulam na escola também compõem o currículo. O currículo está centralmente
envolvido com as relações de poder, com a produção de verdades, com o governo das
condutas, com a produção de subjetividades.

34

2 AMARRANDO GÊNERO, CURRÍCULO E SUBJETIVAÇÃO
Argumento em favor do prazer da confusão de fronteiras [...] de se
imaginar um mundo sem gênero, que será talvez um mundo sem gênese,
mas, talvez, um mundo sem fim (HARAWAY, 2000, p. 42).

O objetivo deste capítulo é apresentar a noção de gênero que é utilizada nesta
pesquisa a partir da qual é possível pensá-lo não apenas em termos das diferenças sexuais,
mas como um conjunto de normas, de discursos e de práticas. Como uma tecnologia6 social
que envolve relações de poder e que participa no processo de subjetivação.
Esta noção de gênero tem contribuições de Judith Butler, Teresa de Lauretis, Linda
Nicholson e Joan Scott, dos esforços dessas autoras em aproximar o pensamento de Foucault
que vem oferecendo elementos importantes para as análises de gênero principalmente no que
diz respeito aos processos de naturalização, à normalização, aos modos de subjetivação e às
relações de poder.
É interessante observar, assim como Maia (2007), que gênero é um conceito em
movimento, que vem sendo interpretado de diversas formas, em diferentes contextos teóricos
e, portanto, com implicações analíticas diferentes.
Se, inicialmente, as feministas das décadas de sessenta e setenta usavam gênero em
oposição a sexo e aceitavam o pressuposto do sexo biológico como o aspecto diferenciador
dos homens e das mulheres, depois das críticas que buscaram apontar as limitações de tal uso
como as de Lauretis (1994), Nicholson (2000) e Butler (2007), diversas possibilidades
surgiram e gênero passou a ser pensado de outras formas.
Outro aspecto importante levantado por Maia (2007) é o de que gênero além de ser
uma categoria que vem sendo utilizada nas análises teóricas é também um instrumento
político que buscou tornar visível, inicialmente, as relações de poder, principalmente aquelas
que colocavam as mulheres em posição de subordinação.
Meyer (2007) acrescenta que gênero pode ser uma ferramenta pedagógica. Desse
modo, ela aponta que quando tratamos gênero como uma ferramenta conceitual, política e
pedagógica é possível pesarmos projetos educativos que questionem formas de organização
social vigentes, principalmente aquelas que propagam hierarquias e desigualdades tidas como
naturais.

6

O termo tecnologia é aqui utilizado como a articulação de certas técnicas e de certos tipos de discursos acerca
de gênero, de maneira semelhante à sugerida por Foucault (1993), quando ele trata da genealogia do sujeito.

35

Nessa perspectiva, é necessário pensar gênero para além das diferenças sexuais, para
além do que é tido como natural. A seguir, serão abordadas as diversas formas pelas quais
gênero vem sendo pensado, desde noções que o vinculam às diferenças sexuais até aquelas
que refutam qualquer relação com a natureza.

2.1 Para além das diferenças sexuais: pensando a tecnologia e as normas de gênero
Os limites ao gênero, a gama de possibilidades para uma interpretação
vivida de uma anatomia sexualmente diferenciada, parecem menos
restringidos pela anatomia do que pelo peso das instituições culturais que
têm interpretado a anatomia de modo convencional (BUTLER, 1987, p.
145).

Para falar em gênero é preciso, inicialmente, recorrer à trajetória do campo dos
estudos feministas uma vez que o uso deste termo começa a ser feito neste contexto. Louro
(2007) coloca que o movimento feminista pode ser pensando a partir de dois momentos.
O primeiro ocorreu no final do século XIX, inspirado nos ideais da revolução
francesa e americana, e foi bastante influenciado pelos valores difundidos por estes eventos
históricos como, por exemplo, pela noção de direitos individuais, sociais e políticos, liberdade
e igualdade de oportunidades.
Neste momento, as discussões e lutas centravam-se no movimento sufragista que
buscava legitimar o direito ao voto das mulheres. No entanto, estava na pauta também a luta
pela cidadania, reivindicações do direito à instrução, ao trabalho e a proteção da lei às
mulheres (GONÇALVES, 2006). No Brasil, a Proclamação da República em 1889 foi o
marco desta primeira onda que se estendeu até 1934 quando as mulheres obtiveram o direito
ao voto a partir da constituição daquele ano.
No segundo momento, de acordo com Louro (2007a), “o feminismo além das
preocupações sociais e políticas, irá se voltar para as construções propriamente teóricas”
(p.15). O que não significa dizer que as questões políticas não estiveram também presentes
neste momento. Muito pelo contrário, é justamente em meio a intensos debates e
questionamentos políticos que culminaram nas manifestações de maio de 1968 na França que
o movimento feminista se fortaleceu com estas e outras pautas.
De acordo com Alves e Pitanguy (1985), este segundo momento, a chamada segunda
onda do feminismo, surge em um contexto histórico no qual os movimentos sociais
mostravam que as formas de opressão não se limitavam ao aspecto econômico. Movimentos
como os dos negros, das minorias étnicas, ecologistas, homossexuais, inseriam novas

36

problematizações que deveriam também estar presentes na busca da superação das
desigualdades sociais.
O movimento feminista da segunda onda vai se preocupar, então, tanto com as
questões políticas como com as questões teóricas. Foi neste contexto que houve o
reconhecimento da necessidade de estudos e da produção de conhecimento que objetivassem
denunciar e explicar as condições das mulheres, em outras palavras, procurou-se fundamentar,
qualificar e legitimar as reivindicações feministas.
Segundo Maia (2007) foi o feminismo da segunda onda que consagrou o uso de
gênero em oposição ao de sexo. Scott (1990) coloca que este uso apareceu entre as feministas
americanas que objetivavam mostrar que havia um caráter social nas distinções fundadas
sobre o sexo.
Outra razão para o uso deste termo foi apontada por Natalie Davis, buscando mostrar
que gênero poderia introduzir uma noção relacional nas análises feministas, sendo as
mulheres e os homens definidos em termos recíprocos. Para a autora, somente dessa forma
seria possível compreender os problemas colocados pelo movimento feminista (SCOTT,
1990).
Há ainda outro aspecto relacionado à adesão do uso do termo apontado por Scott, que
se refere a gênero como sinônimo de mulheres e que objetivou fortalecer o campo de pesquisa
feminista. Como decorrência, a palavra gênero visou atribuir maior erudição e seriedade dos
trabalhos sobre as mulheres, uma vez que teria uma conotação mais objetiva e neutra.
Nesse sentido, o uso de gênero parecia se adequar mais do que o de mulheres na
terminologia científica das ciências sociais e ajudava a camuflar o aspecto político do
feminismo em um momento no qual a ciência era sustentada pela ilusão da neutralidade
(SCOTT, 1990). Pode-se, então, entender este uso como uma tentativa de legitimar
institucionalmente os estudos feministas na década de oitenta.
É preciso ressaltar, no entanto, que o feminismo não foi um movimento homogêneo
sendo atravessado por confrontos e resistências inclusive no que se refere à introdução deste
termo. Várias críticas foram feitas a esse respeito no sentido de mostrar que gênero iria
invisibilizar o sujeito da luta feminista (MEYER, 2007).
Dessa forma, este termo acabou sendo incorporado de diferentes maneiras nos
estudos feministas o que resultou em diferentes definições, impossibilitando um conceito
único e estável de gênero. No entanto, Meyer (2007) coloca que há, ao menos, um ponto de
convergência nestas diferentes definições.

37

Com o conceito de gênero pretendia-se romper a equação na qual a
colagem de um determinado gênero a um sexo anatômico que lhe seria
“naturalmente” correspondente resultava em diferenças inatas e
essenciais, para argumentar que diferenças e desigualdades entre
mulheres e homens eram social e culturalmente construídas e não
biologicamente determinadas. Como construção social do sexo, gênero
foi (e continua sendo) usado, então, por algumas estudiosas, como um
conceito que se opunha a – ou complementava a – noção de sexo e
pretendia referir-se aos comportamentos, atitudes ou traços de
personalidade que a cultura inscrevia sobre o corpo sexuado (MEYER,
2007, p. 15).

Estas perspectivas, apesar de enfatizarem a construção social de gênero, não
problematizaram a suposta natureza biológica do corpo e do sexo. Nesse sentido, o social e a
cultura agem sobre uma base biológica universal que é considerada dada e inquestionável.
Esses usos, então, convergiam e ainda convergem no pressuposto de que gênero é um
aspecto social e cultural das diferenças sexuais. Esta noção vem sendo questionada e apontada
como uma limitação para as análises neste campo (SCOTT, 1992, LAURETIS, 1994;
NICHOLSON, 2000; BUTLER, 2007).
Tais limitações surgem da problematização da ideia de que o sexo é um elemento
pré-discursivo, é algo dado pela natureza e que precede o gênero. As autoras acima citadas
apontam que o sexo é também um produto discursivo e por isso não pode ser a base para as
construções de gênero.
Scott (1992), ao tratar das contribuições pós-estruturalistas no campo do feminismo,
destaca que um efeito dessa concepção de gênero baseada no sexo é o estabelecimento do
dualismo, de uma oposição justificada com explicações biológicas “Se assume que tudo em
cada categoria (mulher/homem) é o mesmo (é igual); portanto, suprimem as diferenças dentro
de cada categoria” (p. 101).
Para a autora, as análises pós-estruturalistas buscam ir além desta oposição entre os
sexos e objetivam ver como as diferenças no interior de cada grupo são ocultadas causando
esta falsa impressão de que existem dois grupos homogêneos: o dos homens e o das mulheres.
Nesse sentido, Butler (1987) argumenta que mulheres e consequentemente homens são falsos
substantivos e significantes unívocos que disfarçam e prejudicam experiências de gênero
internamente variadas e contraditórias.
De maneira semelhante, Lauretis (1994) apresenta duas críticas ao uso do termo
gênero que se centraliza na diferença sexual. Ela aponta, primeiramente, que este uso limita a
crítica feminista uma vez que apresenta a mulher como diferente do homem e não abarca as
diferenças existentes dentro destes grupos. Nesse sentido, as diferenças de raça, de

38

sexualidade e de classe, por exemplo, não são contempladas pelas análises que entendem
gênero a partir das diferenças sexuais.
Uma segunda limitação apontada pela autora e que interessa particularmente neste
trabalho é a de que este primeiro uso só leva em consideração a diferença sexual e um sujeito
constituído no gênero. De acordo com Lauretis (1994), deve ser pensado também “por meios
de códigos lingüísticos e representações culturais; um sujeito ‘engendrado’ não só na
experiência de relações de sexo, mas também nas de raça e classe: um sujeito, portanto,
múltiplo em vez de único, e contraditório em vez de simplesmente dividido” (p. 208).
A autora utiliza a ideia de Foucault de tecnologia sexual para propor que o gênero
também é um produto de diferentes tecnologias sociais, de discursos, epistemologias, práticas
institucionalizadas e cotidianas.
Com essas críticas de Lauretis, as relações de gênero passam a ser entendidas não
apenas em sua ligação com as diferenças sexuais, elas constituem um campo estratégico onde
estão envolvidos discursos, táticas, práticas, relações de poder e modos de subjetivação.
A autora supracitada emprega o termo experiência para falar do processo pelo qual a
subjetividade é construída. Para Lauretis, experiência seria um conjunto complexo de efeitos,
hábitos, disposições, associações e percepções significantes que estariam presentes na relação
do eu com o mundo, este conjunto incluiria as relações sociais de gênero.
Embora esta ideia não tenha sido suficientemente desenvolvida, o objetivo de
Lauretis era mostrar os meios pelos quais nós “nos ‘engendramos’, os efeitos de significação e
as auto-representações produzidas no sujeito pelas práticas, discursos, instituições
socioculturais dedicados à produção de homens e mulheres” (LAURETIS, 1994, p. 229).
Dessa forma, Lauretis propõe a análise de diversas tecnologias sociais como o
cinema, discursos, campos de saber, práticas da vida cotidiana que produzem diferenças de
gênero a partir de diversas formas de subjetivação.
Butler também questiona a noção de gênero como sendo algo inscrito no sexo
biológico. Dando ênfase a função constitutiva da linguagem e do discurso, ela coloca que “o
sexo é uma premissa fabricada, uma ficção” e que gênero “não supõe o sexo sobre o qual ele
age, mas, em vez disso, o conceito de gênero implica que um ‘sexo’ pré-discursivo é uma
falsidade” (BUTLER, 2007, p. 159).
Ela traz a noção de gênero como norma que tanto pode naturalizar como também
subverter as noções estabelecidas de masculino e feminino, nesse sentido, Butler afirma que
gênero pode ser entendido como um

39

Mecanismo através do qual se produzem e se naturalizam as noções de
masculino e feminino, mas gênero pode muito bem ser um mecanismo
através do qual tais termos são desconstruídos e desnaturalizados. De
fato, pode ser que o mesmo dispositivo que está a trabalhar para
estabelecer que o padrão funcione também está para minar esta mesma
instauração (BUTLER, 2006, p. 70).

Butler vai mostrar que é justamente pela confirmação das normas de gênero, que os
corpos sexuados vão passar a ser pensados como naturais. Ou seja, antes de ser apenas aquela
categoria que dá sentido social às formas pretensamente naturais dos sexos, gênero é também
responsável por reiterar este caráter natural dos sexos.
Para a autora, a ideia de gênero como norma precisa ser pensada levando em conta
que uma norma não é o mesmo que uma regra, nem uma lei. Uma norma opera dentro das
práticas sociais como um padrão implícito da normalização e é difícil de ser lida. Para Butler
(2006), os efeitos produzidos pelas normas são os indícios mais evidentes de sua ação.
Nesse sentido, Louro (2007b) observa que um destes efeitos é o de que quem está na
norma não precisa ser nomeado, uma vez que,
Em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete
ao homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão e essa
passa a ser a referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os
“outros” sujeitos sociais que se tornarão “marcados”, que se definirão e
serão denominados a partir dessa referência. Desta forma, a mulher é
representada como “o segundo sexo” e gays e lésbicas são descritos como
desviantes da norma heterossexual (LOURO, 2007b, p. 15-16).

Butler redefine gênero que passa a ser pensado como uma forma de regulação que
tem efeitos constitutivos sobre a subjetividade. Para a autora, dizer que o sujeito é produzido
significa perguntar quais as condições de sua emergência e operação.
Nesse sentido, a generificação não pode ser entendida como uma expressão humana
ou como uma apropriação intencional. Butler destaca que até mesmo as nossas intenções só se
tornam possíveis a partir de determinadas condições culturais. Para ela, a generificação é
construída, dentre outras coisas, pelas relações que buscam diferenciar os sujeitos, com isso,
“Submetido ao gênero, mas subjetivado pelo gênero, o ‘eu’ não precede nem segue o processo
dessa generificação, mas emerge apenas no interior das próprias relações de gênero e como
matriz dessas relações” (BUTLER, 2007, p. 160).
Ela traz o exemplo da medicina quando esta transforma uma criança de um ser
neutro para um ser diferenciado, afirmando que ela será um menino ou uma menina. Com
essa nomeação, a criança torna-se um menino ou uma menina e é introduzida no domínio da

40

linguagem através da interpelação do gênero. Butler sugere que este processo não vai terminar
neste momento em que se fundou, ele continuará sendo reiterado durante muito tempo, de
vários modos em diversas situações com o objetivo de naturalizar esta diferenciação.
Essa interpelação fundante é reiterada por várias autoridades, e ao longo
de vários intervalos de tempo, para reforçar ou contestar esse efeito
naturalizado. A nomeação é, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma
fronteira e também a inculcação repetida de uma norma. Estas atribuições
ou interpelações alimentam aquele campo de discursos e poder que
orquestra, delimita e sustenta aquilo que pode legitimamente ser descrito
como “humano” (BUTLER, 2007, p. 161).

Podemos observar os efeitos destas interpelações e nomeações quando, por exemplo,
algo é percebido como não apropriadamente generificado e é fortemente questionado. Uma
norma de gênero faz com que certos tipos de práticas e ações sejam reconhecidas como
possíveis e outras como humanamente impossíveis. Com isso, até mesmo quem está fora da
norma é definido/a por ela. Não ser o bastante masculino ou o bastante feminino é ser
entendido exclusivamente em termos da relação com o que é considerado feminino e
masculino.
Para a autora, o masculino e o feminino são efeitos de normas de gênero que atuam
de maneira discursiva produzindo a ideia de subjetividades naturais, que estariam
relacionadas a dois tipos de corpos considerados dados pela natureza e por isso
inquestionáveis: o corpo masculino e o feminino.
Por isso, ela coloca que a performatividade de gênero “deve ser compreendida não
como um ‘ato’ singular ou deliberado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e
citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia” (BUTLER, 2007, p. 154).
Nesse sentido, longe de serem aceitos em suas relações com uma suposta natureza, o
masculino e o feminino são entendidos por Butler (2010) como produções normativas que
constituem corpos sexuados diferenciados, que passam a ser tidos e propagados como
naturais.
Laqueur (2001) também questiona a caráter natural dos sexos chamando atenção para
uma mudança no pensamento ocidental observada a partir do século XVII. As características
físicas, antes entendidas como apenas uma marca, passaram a ser a causa, a origem, a base
para as explicações sobre o masculino e o feminino. Houve, então, uma mudança de
perspectiva: o corpo antes tido como unissexuado passou a ser bissexuado.
A partir da história da medicina, Laqueur localizou a invenção das diferenças entre
os sexos. Ele observou que, no modelo do sexo único, o corpo masculino era perfeito e

41

completo e o feminino imperfeito e invertido. Nesse sentido, as diferenças entre homens e
mulheres eram tidas como de grau e não de tipo (LAQUEUR, 2001).
Após o século XVII, a anatomia passou a descrever e a definir as diferenças entre os
corpos contribuindo para a ideia de sujeitos masculinos e femininos. É por isso que Laqueur
(2001) vai dizer que foram as relações de gênero que instituíram o sexo.
Quase tudo que se queira dizer sobre sexo – de qualquer forma que o
sexo seja compreendido – já contém em si uma reivindicação sobre o
gênero. O sexo, tanto no mundo do sexo único como no de dois sexos, é
situacional: é explicável apenas dentro do contexto de luta sobre gênero e
poder (LAQUEUR, 2001, p. 23).

Nicholson (2000), seguindo as discussões de Foucault, Laqueur e Butler, coloca que
separar sexo de gênero é considerar o primeiro como essencial para elaboração do segundo.
Mesmo que a intenção das feministas, que inicialmente usaram gênero com esse sentido,
tenha sido a de escapar do determinismo biológico, elas acabaram por reiterar o natural e se
amarrar à biologia. Nesse sentido, “no momento mesmo em que a influência do biológico está
sendo minada, está sendo também invocada” (NICHOLSON, 2000, p. 11).
Joan Scott (1990) articula gênero com a noção de poder, contribuindo para uma
ampliação significativa das análises neste campo. A sua ideia de que “o gênero é um primeiro
modo de dar significado às relações de poder” (p. 14) só faz sentido quando a análise do
poder não se restringe a dominação de um sujeito sobre outro ou de um grupo sobre os outros.
Baseada na noção de Foucault, ela aponta que é preciso analisar como o poder funciona nas
relações de gênero de maneira capilar e descentralizada.
A autora discute o caráter social das distinções supostamente sexuais de forma
abrangente, propondo uma análise ampla do funcionamento de gênero ao relacioná-lo com as
relações de poder. Para Scott,
O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político
tem sido concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição
masculino-feminino e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. Para
proteger o poder político, a referência deve parecer certa e fixa, fora de
toda construção humana, tomando parte da ordem natural ou divina.
Dessa maneira, a oposição binária e o processo social tornam-se ambos
partes do sentido do poder ele mesmo; por em questão ou mudar um
aspecto ameaça o sistema inteiro (SCOTT, 1990, p. 18).

A autora apresenta alguns exemplos de como as relações de poder estiveram
envolvidas na história com as relações de gênero buscando principalmente mostrar a

42

“incompatibilidade das mulheres com relação a toda a noção de política ou vida pública
(SCOTT, 1990, p. 17).
As relações de gênero também foram permeadas pelos jogos de poder para legitimar
a relação entre masculino e feminino quando, por exemplo, nas guerras, os homens jovens
foram convocados a sacrificar suas vidas o que, de acordo com Scott, foi um forte apelo à
virilidade e a necessidade de proteção das mulheres e das crianças, tomadas, então, como
vulneráveis.
Ao vincular gênero às relações de poder, Scott vai além da centralidade das
diferenças sexuais, da determinação biológica dos sexos e do caráter naturalizante e universal
que justifica as desigualdades. Ela apresenta os laços entre gênero e poder e mostra como as
hierarquias foram construídas a partir de “percepções generalizadas da relação pretensamente
natural entre masculino e feminino” (SCOTT, 1990, p.18).
Apesar das diferentes abordagens, parece haver pontos de convergências entre
Butler, Nicholson, Lauretis e Scott. Um deles é o da noção de gênero para além das diferenças
sexuais, ou seja, elas refutam as estruturas dicotômicas de pensamento que ocultam as
diferenças presentes no que é considerado masculino e feminino o que as aproximam de uma
abordagem pós-estruturalista.
Scott (1992) relaciona o pensamento feminista ao pós-estruturalismo e aponta
algumas contribuições desta perspectiva nas análises no campo de gênero. Atentando que
tanto o pós-estruturalismo como o feminismo são movimentos emergentes no final do século
XX, a autora apresenta pontos de convergência entre os dois pensamentos, principalmente, em
relação às críticas tecidas as tradições políticas e filosóficas estabelecidas.
De acordo com Hall (2002) o feminismo teve uma relação direta, por exemplo, com
o descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico uma vez que a teoria e o
movimento feminista questionou o pensamento dualista ao afirmar que o pessoal é político. O
feminismo também contestou politicamente diversas arenas até então negligenciadas nas
discussões políticas e acadêmicas como a família, a sexualidade, a divisão doméstica do
trabalho, politizando a subjetividade, mostrando que somos produzidos/as como sujeitos
generificados, e que é político.
Louro (2007a) também aborda a ligação entre o feminismo e o pós-estruturalismo
nas discussões contemporâneas, destacando os efeitos recíprocos entre os dois pensamentos.
Nesse sentido, ela coloca:

43

Ainda que gênero, enquanto categoria analítica, passe a ser utilizado, com
maior ou menor propriedade e ajustamento, no contexto de vários
paradigmas teóricos, uma parte significativa das formulações produzidas
pelas/os feministas atuais estabelece articulações entre essa
conceptualização e algumas teorizações pós-estruturalistas. Na verdade,
seria difícil supor que movimentos contemporâneos (no caso, o
feminismo e o pós-estruturalismo, ambos se constituindo em meio à
efervescência intelectual do final dos anos 60) deixassem de produzir
efeitos mútuos e fossem capazes de se manter isolados (LOURO, 2007a,
p. 29).

Entre as contribuições do pós-estruturalismo, Scott (1992) destaca a apropriação das
noções de linguagem e discurso nas análises feministas. Haraway (2000) também ressalta a
importância da linguagem nas análises de gênero a partir de situações frequentes, presente em
nosso cotidiano como, por exemplo, quando usamos o termo homem para nos referirmos à
humanidade e também quando usamos “todos” para falar de um grupo onde há mulheres, ou
seja, quando usamos o masculino como neutro e universal.
Para estas autoras, esses são modos através dos quais a linguagem torna invisível e
desqualifica determinados grupos, no caso, o das mulheres. Nesse mesmo sentido, Louro
(2007a) afirma que:
Dentre os múltiplos espaços e as muitas instâncias onde se pode observar
a instituição das distinções e das desigualdades, a linguagem é,
seguramente, o campo mais eficaz e persistente – tanto porque ela
atravessa e constitui a maioria de nossas práticas, como porque ela nos
parece, quase sempre, muito “natural”. Seguindo regras definidas por
gramáticas e dicionários, sem questionar o uso que fazemos de
expressões consagradas, supomos que ela é, apenas, um eficiente veículo
de comunicação. No entanto, a linguagem não apenas expressa relações,
poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e
pretende fixar diferenças (p. 65).

A partir da virada linguística7 foi possível pensar a linguagem nesses termos e
chamar a atenção para o fato de que enunciar algo sobre as coisas não é apenas representá-las,
mas também construí-las. A linguagem deixa de ser vista como representação, como neutra,
passando a ser entendida como produtiva, como um fenômeno discursivo.

7

Este termo foi utilizado por Richard Rorty na década de sessenta para introduzir um debate na filosofia,
questionando o uso da linguagem formal e a desconsideração da linguagem cotidiana. A linguagem foi colocada
no centro das discussões. Os trabalhos de Ferdinand de Saussure, estruturalista, foram importantes para este giro
linguístico assim como os dos/as pós-estruturalistas como Judith Butler, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Michel
Foucault e Jacques Derrida. Spink e Frezza (1999, p. 23) colocam que este movimento foi também uma “reação
ao representacionismo, na Sociologia do Conhecimento Científico, com a desconstrução da retórica da verdade
e, na Política, com a busca de empowerment de grupos socialmente marginalizados”.

44

Uma das implicações da virada lingüística é conceber o nosso
conhecimento e compreensão do mundo social como necessariamente
vinculado à própria forma como nomeamos esse mundo. Esse processo
de nomeação não é mero reflexo de uma realidade que existe lá fora; esse
processo produz, constitui, forma a realidade. As categorias que usamos
para definir e dividir o mundo social constituem verdadeiros sistemas que
nos permitem ou impedem de pensar, ver e dizer certas coisas (SILVA,
1996, p.245-246).

Uma segunda contribuição do pós-estruturalismo ao feminismo e que está
diretamente relacionada à noção de linguagem acima colocada é a noção de discurso como
uma “estrutura histórica, social e institucionalmente específica de enunciados, termos,
categorias, e crenças” (SCOTT, 1992, p. 87).
A autora coloca que as análises feministas passam a levar em conta a sugestão de
Foucault de que os discursos são perpassados por conflitos e relações de poder e estão
envolvidos em diversas instituições, dentre elas, a escola, produzindo supostas verdades, em
busca de autoridade e legitimação e que estas verdades são, portanto, invenções humanas.
Para Almeida (2010) é bastante interessante para quem trabalha com as categorias
corpo, gênero e sexualidade pensar a partir das análises discursivas, levando em conta as
relações de saber-poder, as contribuições da perspectiva teórico-metodológica pósestruturalista nas suas aproximações com o pensamento feminista e com as contribuições de
Michel Foucault uma vez que estas perspectivas possibilitam o questionamento das
explicações baseadas na natureza que são tão caras quando se fala nestas três categorias.
Louro (2007a) ao discorrer sobre as convergências entre o feminismo e o pósestruturalismo, mostra como o diálogo entre esses dois campos de pensamento pode ser uma
interessante forma de refletir sobre relações de gênero. Ela coloca que entre as produções pósestruturalistas e feministas se estabeleceram, então, pontos de contato onde são
compartilhadas as críticas aos sistemas explicativos globais da sociedade, problematizados os
modos tradicionais científicos e questionado a noção de um poder central e unificado.
Nesse sentido, as abordagens feministas pós-estruturalistas se afastam daquelas
vertentes que tratam o corpo como uma entidade biológica dada, como a origem das
diferenças entre homens e mulheres e como lugar de inscrição do cultural (MEYER, 2007).
As análises de gênero passam, portanto, a contemplar processos sociais, culturais e
linguísticos de produção inclusive dos corpos, passam a considerar também “que as próprias
instituições, os símbolos, as normas, os conhecimentos, as leis e as políticas de uma sociedade
são constituídas e atravessadas por representações e pressupostos de feminino e de masculino

45

e, ao mesmo tempo, produzem e/ou ressignificam essas representações” (MEYER, 2007, p.
16).
Nesse sentido, pensar gênero a partir do feminismo pós-estruturalista e, portanto,
como uma ferramenta teórica e política, implica levar em conta, segundo Mayer (2007, p. 20):


Que nos constituímos como homens e mulheres através de diversas instituições

e práticas sociais durante a vida, passando por um processo não linear, não
harmônico e que nunca está finalizado;


Que existe diversas formas muitas vezes conflitantes de viver a feminilidade e

a masculinidade a depender do tempo, do lugar e das circunstâncias em que se esteja;


Que as análises e intervenções devem considerar as relações de poder também

entre os homens e a diversidade de formas sociais e culturais que os constituem
como sujeitos de gênero;


Que as análises devem ser baseadas em abordagens amplas, considerando

instituições sociais, símbolos, normas, conhecimentos, as leis e as doutrinas de uma
sociedade.
Estas implicações sugerem que gênero e educação se articulam em processos
educativos envolvidos por estratégias de naturalização, que estão para além da escola e da
família, se estendendo a instâncias como os meios de comunicação de massa, o cinema, a
música e outros artefatos culturais pelos quais os sujeitos aprendem a se reconhecerem como
homens e mulheres a partir das normas legitimadas pelos grupos sociais aos quais pertence.
A noção de homem e de mulher no singular passa a ser considerada simplista, a
partir dos pressupostos colocados acima, uma vez que, quando incluímos outras categorias
como classe, raça/etnia e sexualidade, as feminilidades e as masculinidades podem ser vividas
de diversas formas dentro de um mesmo grupo e até mesmo pelo mesmo sujeito em diferentes
momentos históricos.
Pensar gênero a partir da perspectiva pós-estruturalista possibilitou problematizações
também sobre os homens, o que trouxe polêmica ao campo de estudos feministas. No entanto,
como o pensamento pós-estruturalista vai além das diferenças sociais e busca analisar as
estratégias e as práticas sociais que produzem os sujeitos, não há como sustentar que a
condição feminina deve ser o único alvo nas análises de gênero. Nessa perspectiva, a ênfase é
colocada nos processos pelos quais as normas de gênero operam produzindo subjetividades,
modos de ser mulher e também de ser homem.

46

A partir desses desdobramentos da noção de gênero sugerida pelo feminismo pósestruturalista, podemos considerar a escola como uma das instituições que ao mesmo tempo
em que reflete, produz as demarcações de gênero, envolvendo o feminino e o masculino. A
escola é, então, um lugar estratégico para os estudos neste campo, principalmente, no que se
refere ao seu currículo.

2.2 Tecnologia e normas de gênero na escola e no currículo

Segundo Louro (2000), a escola se tornou ao longo da história um espaço social
privilegiado para a formação de meninos e meninas, homens e mulheres por ser ela própria
um espaço generificado, atravessado pelas representações de gênero.
Nesse sentido, a escola sempre esteve empenhada em garantir que seus meninos e as
suas meninas se tornassem homens e mulheres de verdade, “o que significa dizer homens e
mulheres que correspondam às formas hegemônicas de masculinidades e feminilidade”
(LOURO, 2000, p. 49), principalmente no que diz respeito ao exercício da sexualidade.
Neste esforço, ao mesmo tempo em que precisa divulgar a ideia de que a
heterossexualidade é a única maneira normal e natural de viver a sexualidade, a escola precisa
também conter qualquer manifestação desta sexualidade, para tal, ela realizar um complexo
investimento para produzir mulheres e homens “de verdade” e nesse processo “[...] têm de
manter um delicado equilíbrio entre a promoção do desejo heterossexual e, ao mesmo tempo,
a sua contenção” (LOURO, 2000, p. 54-55).
É interessante observar que o próprio investimento para tornar evidente e natural a
divisão entre masculino e feminino e a relação heterossexual é ele mesmo um indício de que
este natural precisa ser produzido, ou seja, que este natural não existe em si, de que ele é
forjado por processos de naturalização.
Nesse sentido, é possível notar que “A escola lida com ‘verdades’ que são discutíveis
e contraditórias: em primeiro lugar, a ideia de que a heterossexualidade é a única forma
normal e natural de sexualidade; a seguir, a preocupação em controlar os indivíduos para que
dela não desviem (LOURO, 2000, p. 50). Desse modo, a escola vem ajudando no
desenvolvimento de interesses diferenciados nos meninos e nas meninas que produzem efeitos
no sentido de diferenciar seus modos de ser e viver.
Segundo Alambert (2008), a escola é uma instituição que “ocupa um lugar
preponderante quanto à educação diferenciada, reforçando de modo formal a postura
assumida pela família no processo discriminatório; filas de meninos e meninas, brincadeiras e

47

esportes diferenciados, orientação profissional distinta para ambos os sexos” (ALAMBERT,
2008, p. 317). Sendo uma instituição moderna, a escola vem se caracterizando ainda hoje
como uma instituição disciplinadora (ALVES, 2010) e diferenciadora (LOURO, 2007a).
Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela
se incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam
distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também,
internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de
classificação, ordenamento e hierarquização. A escola que nos foi legada
pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de
crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para ricos
e para os pobres e ela imediatamente separou os meninos das meninas
(LOURO, 2007a, p. 57)

Negando esse interesse pelas questões de gênero, de maneira silenciosa, a escola
normaliza e disciplina os sujeitos com padrões estabelecidos, regulamentos e legislações que
separam, ordenam e normalizam os/as alunos/as.
Britzman (2007) acrescenta que tradicionalmente a escola faz com que respostas
estáveis sejam esperadas uma vez que este lugar é povoado por modos autoritários de
interação social, o que impede o desenvolvimento de uma curiosidade que poderia levar
professores/as e estudantes a multiplicar as possibilidades dos modos de viver as relações de
gênero e as sexualidades. Para a autora, o lugar do conhecimento mantém as problematizações
de gênero e sexualidade no campo da ignorância.
Nesse sentido, a escola busca normalizar as condutas, reduzindo as possibilidades
das formas de ser e viver. Podemos fazer essa afirmação porque, conforme observaram Meyer
e Soares (2004) “os espaços e os processos pedagógicos estão atravessados de mecanismos e
estratégias de vigilância, controle, correção e moldagem dos corpos dos indivíduos –
estudantes e docentes – que povoam as instituições escolares” (p. 7 - 8).
Diante das indicações das autoras supracitadas, assim como as de Carvalho (2007)
ressaltamos a importância de pesquisas sobre gênero no campo da educação que objetivem
questionar as normas e as tecnologias de gênero que buscam naturalizar as diferenças e limitar
as formas de ser dos/as alunos/as no cotidiano escolar.
Foi após os questionamentos do movimento feminista na década de 1960, que as
questões de gênero começaram a fazer parte das problematizações no campo da educação e do
currículo. Antes, apenas as questões de classe eram levadas em consideração nas análises do
processo educativo. O feminismo mostrou que além do capitalismo, as análises das
instituições escolares deveriam levar em conta as questões de gênero (SILVA, 2005).
Louro (2000) coloca que, historicamente, a escola se caracterizou por ser um espaço

48

marcadamente masculino “De um lado e de outro das carteiras circulavam meninos e homens:
a escola foi, inicialmente, conduzida pelos mestres jesuítas e dirigida à formação de meninos
brancos da elite” (p.26). Aos poucos, outros grupos sociais como os meninos de outras
origens e etnias e as meninas começaram a ser atendidos pelas escolas.
Quando se viu obrigada a incorporar grupos sociais antes excluídos, a
escola fê-lo de modo a garantir as diferenças. Para tanto, precisou tornase diversa – na sua organização, nos seus prédios, nos seus currículos e
regulamentos, nas suas formas de avaliação e também, é claro, nos seus
professores e professoras (LOURO, 2000, p. 26-27).

Conforme aponta Louro, apesar do acesso ter sido estendido às meninas e às
mulheres, não houve nenhuma mudança na característica principal desta instituição, a escola
continuou a ser um espaço diferenciador.
De maneira semelhante, Auad (2006) coloca que a possibilidade das escolas mistas
não foi suficiente para garantir a educação de maneira indistinta a meninos e meninas. As
análises da autora, que buscaram ver como se deu a implantação das escolas mistas no Brasil,
sugerem que os conteúdos de ensino, as normas, os usos do espaço físico são mecanismos que
continuam a reforçar as diferenças entre meninos e meninas nas escolas contemporâneas.
Nesse sentido, se as questões de gênero na escola estavam relacionadas, inicialmente,
ao acesso das mulheres à educação, depois elas se encaminharam para a contestação das
diferenças entre os currículos das meninas e dos meninos uma vez que algumas disciplinas
eram consideradas masculinas, enquanto outras eram consideradas naturalmente femininas, o
que resultava e ainda resulta em uma demarcação de profissões (SILVA, 2005).
Mesmo que o pensamento feminista tenha iniciado uma grande reviravolta nas
instituições sociais, inclusive na escola, ainda é possível notar diversos elementos que
denunciam como as diferenças de gênero ainda estão presentes na escola e, mais que isso, são
produzidas pelo currículo.
É via currículo que ocorre a produção das diferenças e que meninos e meninas são
interpelados, através de regimes de verdade que ditam modos de vidas diferenciados. Nas
filas, nos desenhos, nas danças, nas vestimentas, nas cores, nos gestos, no modo de falar, nos
planos que projetam as futuras profissões, em todos esses elementos e em outros incontáveis,
meninos e meninas são diferenciados e colocados em determinadas posições.
São nestas práticas cotidianas que os processos de subjetivação que incluem as
tecnologias e as normas de gênero operam e tentam captar, padronizar, governar e produzir
determinados tipos de subjetividades na escola.

49

Para Louro (2000) mesmo que estas ações estejam mais sutis, mais refinadas, ainda
há uma vigilância constante quando se trata de gênero nas escolas e no currículo uma vez que
“Expectativas distintas são projetadas para o desempenho intelectual e físico; critérios
implícitos de avaliação insinuam-se na apreciação de comportamentos e resultados escolares;
aptidões ou tendências são ‘identificadas’ e sugerem orientações profissionais diferentes (p.
49-50).
Nesse sentido, o currículo direciona o processo educativo, produzindo efeitos,
enquadrando as pessoas a um determinado modelo de gênero. Isso ocorre mesmo quando
estas discussões parecem não estar presente na escola, mesmo quando as normas de gênero
não são abordadas sistematicamente nas disciplinas, nos programas e nos projetos.
Desse modo, até mesmo quando institucionalmente a escola aparenta não falar sobre
o assunto, as regras, as normas de conduta, os padrões e os silenciamentos estão operando no
sentido de permanência das demarcações de gênero.
O currículo está centralmente envolvido na produção de subjetividades, na produção
de modos de existência (SILVA, 2005). Ele sugere como cada um/a deve ser, o que precisa
ser descartado ou modificado no seu modo de viver para que possa se adequar aquilo
considerado normal (CORAZZA, 1995). Assim, “o processo de escolarização regula o
conhecimento do mundo e do ‘eu’ através de seus padrões de seleção, organização e avaliação
curricular” (POPKEWITZ, 1994, p. 184).
A noção de gênero utilizada por Butler (2006) ajuda na compreensão e na
visualização das tecnologias e normas de gênero presentes no currículo. A autora entende
gênero como um conjunto de normas que busca regular e produzir corpos sexuados a partir da
ideia de que eles são naturais.
Segundo Novelino (2008), ser homem ou ser mulher é um traço que compõe a
subjetividade, delimitando padrões apropriados de conduta. Assim como Butler, ela entende a
subjetividade não como algo particular ao sujeito relacionada apenas ao aspecto psicológico,
mas sim como produto de tecnologias que operam a partir de diversos artefatos culturais.
Nesse sentido, “A entrada nos códigos da masculinidade e feminilidade começa nos
primeiros momentos de vida com roupas, cores, brinquedos, gestos adequados” (NOVELINO,
2008, p. 311), depois, como coloca Butler (2007), são reiterados durante toda a vida a partir
das relações de poder exercidas pela família, escola, televisão, cinema, especialmente, pela
própria pessoa que, devidamente subjetivada, vai atuar no governo de si.
Nessa perspectiva, as subjetividades generificadas são efeitos dessas normas e não
condições naturais. Os sujeitos estão cercados de processos de naturalização, de subjetivação

50

que tentam demarcar diferenças de gênero e que ocorrem de maneira privilegiada na escola e
no currículo.
A escola e o currículo estão longe de ser meros reflexos das condições
sociais. A partir de múltiplas práticas cotidianas banais, a partir de gestos
e expressões pouco perceptíveis, pelo silêncio, pelo ocultamento ou pela
fala, constroem-se, no espaço propriamente escolar, lugares e destinos
sociais. Talvez essa dinâmica nos escape, tal a “naturalização” de que
esses processos estão revestidos. Talvez sejam muito sutis os jogos de
poder que tecem os currículos, os programas, as normas ou as avaliações
escolares (LOURO, 2005, p. 91-92).

Dessa forma, podemos falar na produção de masculinidades e de feminilidades, de
formas de ser menina e de ser menino. Esta produção ocorre em diversas instituições, no
entanto, conforme já colocado, é na escola, via currículo que as tecnologias e normas de
gênero operam de maneira especial, produzindo subjetividades.
De acordo com Louro (2007b), esta produção é um processo plural e permanente em
que os sujeitos não são apenas receptores passivos, manipulados por técnicas alheias. Os
sujeitos também participam ativamente de suas construções.
A escola exercita uma pedagogia de gênero e coloca em ação as tecnologias de
governo, mas esses processos se completam com o autogoverno, isso abre a possibilidade
para as resistências, nesse sentido, o currículo é uma “prática subjetivadora” (CORAZZA,
2001, p. 57) que proporciona reações múltiplas, incluindo as de resistências aos padrões
arbitrários estabelecidos.
É por isso que o currículo não capta tudo. O currículo é um campo onde diferentes
discursos circulam entram em conflito produzindo novas possibilidades. Ao mesmo tempo em
que os discursos que circulam no currículo produzem subjetividades conformadas,
padronizadas e normalizadas, os enunciados podem ser invertidos e subvertidos, produzindo
subjetividades menos conformadas, menos formatadas, mais críticas e questionadoras.

2.3 As pesquisas sobre gênero, currículo e subjetivação e os seus ditos sobre os meninos

Realizamos uma pesquisa no Banco de Teses do Portal da CAPES, utilizando as
palavras: gênero, currículo, subjetivação, com o objetivo de termos acesso às dissertações e
teses dos últimos dez anos e analisarmos o que vem sendo dito sobre os processos de
subjetivação na escola e no currículo em termos de gênero e mais especificamente sobre os
meninos.

51

Foram encontradas doze pesquisas sendo dez dissertações: Rodrigues (2003), Gama
(2004), Santos (2007), Cabiceira (2008), Pereira (2009), Duarte (2009), Barros (2010), Reis
(2011), Araújo (2011), França (2011) e duas teses Assis-Rister (2008) e Sales (2010).
Todos estes trabalhos contemplam questões relacionadas ao currículo apesar de
utilizarem diferentes perspectivas teóricas deste campo. Os trabalhos de Pereira (2009),
Santos (2007), Gama (2004) são baseados nas teorias críticas, as pesquisas de Reis (2011),
Araújo (2011), França (2011), Barros (2010), Sales (2010), Rodrigues (2003) nas pósestruturalistas. Duarte (2009) coloca que utiliza tanto os conceitos das teorias críticas como
das pós-estruturalistas.
Os outros trabalhos Assis-Rister (2008) e Cabiceira (2008) não abordam as questões
teóricas sobre currículo em seus trabalhos, no entanto, usam os termos currículo social e
acadêmico (ASSIS-RISTER, 2008) e currículo formal (CABICIEIRA, 2008) o que indica,
pelo menos, que não se trata de trabalhos relacionados à perspectiva pós-estruturalista.
Araújo (2011) coloca que há no currículo da escola por ele estudada uma produção
de saberes veiculada a discursos que buscam padronizar, moldar, fabricar corpos legíveis e
legítimos, isto é, que atendam aos padrões da heteronormatividade, desse modo, os/as
alunos/as homossexuais são excluídos do processo educacional ou são obrigados a manter
uma discrição para que estas formas de viver a sexualidade não se tornem visíveis no
ambiente escolar.
França (2011) observa que há um silenciamento das questões de gênero e
sexualidade no currículo estudado e que isso se relaciona com a ausência destes temas no
processo de formação das professoras e professores, tanto na inicial quanto na continuada.
De maneira semelhante, a pesquisa de Duarte (2009) mostra que as questões de
gênero no currículo pesquisado são tratadas de maneira incipiente e são invisibilizadas. A
pesquisadora observa ainda que as/os professoras/es não possuem habilidade para tratar o
tema e que constrangimentos são experimentados pelas/os alunos/as nas aulas em função da
rigidez dos estereótipos de gênero.
Os processos de subjetivação são abordados nas pesquisas de Sales (2010) e de Reis
(2011). A primeira mostra que os discursos que circulam na escola e no Orkut se articulam na
produção de determinados modos de ser. A segunda observa que variadas práticas discursivas
na escola concorrem para a produção de corpos e posições de sujeito.
Inspirada nos estudos de Michel Foucault, a pesquisa de Sales (2010) analisa o
processo de produção das subjetividades juvenis com base no entendimento de subjetividade

52

como uma construção discursiva, produzida por meio de diferentes técnicas, procedimentos,
exercícios e práticas.
Sales (2010) analisou o processo de produção da subjetividade juvenil a partir dos
discursos do currículo de uma escola pública de ensino médio profissionalizante e do Orkut.
A autora coloca que nos discursos analisados são sugeridos vários exercícios para que as/os
jovens realizem uma auto-reflexão, falem e escrevam sobre si mesmas/os, produzam uma
verdade sobre si, avaliem suas próprias condutas e corrijam aquelas que não se adequam as
subjetividades demandadas.
O estudo enfocou as subjetividades marcadas prioritariamente pela ciborguização e
pelas relações de gênero. Sales (2010) coloca que gênero se mostrou, ao longo da pesquisa,
uma importante marca da subjetividade juvenil por perpassar todo o estudo e se articular com
outros marcadores culturais como profissionalização e sexualidade. Nesse sentido, a
pesquisadora mostra que as normas de gênero atuam diretamente nas formas de ser e viver
dos/as jovens.
A tese discute o processo de produção de subjetividades, analisando como os
currículos têm ensinado modos generificados de ser e de conduzir a própria conduta a
muitas/os jovens que, conforme foi observado na pesquisa, transgridem e reafirmam as
fronteiras de gênero, confundindo-as e também demarcando-as.
Segundo a pesquisadora, os modos de subjetivação juvenis ativados nos currículos da
escola engendram diversas subjetividades que ora são assumidas, ora são rejeitadas pelas/os
jovens de maneira parcial, provisória e momentânea.
A pesquisa de Reis (2011) utiliza os estudos queer em suas análises e problematiza,
especificamente, as posições dos meninos nas relações de gênero na escola. Sua pesquisa
mostra que o currículo separa e hierarquiza corpos a partir das normas de gênero que buscam
produzir meninos considerados adequadamente masculinos. A pesquisadora observa ainda
que aqueles que escapam a estas normas são chamados de bichinhas e de mulherzinhas.
Na escola estudada por Reis (2011), os meninos considerados adequadamente
masculinos são convocados a serem fortes, corajosos, agressivos, indisciplinados, brincalhões,
insubmissos, desinteressados, desorganizados, agitados, ousados e ativos sexualmente.
Aqueles que são considerados bichinhas são tidos como sexualmente passivos e os
mulherzinhas são considerados tranquilos por não possuírem as características consideradas
próprias aos meninos. As características destes últimos se aproximam daquelas consideradas
de meninas: são responsáveis, disciplinados, dóceis e organizados.

53

Reis (2011) coloca que os jeitos de ser dos meninos considerados adequadamente
masculinos entram em conflito com a produção de sujeitos dóceis e eficientes pretendidos
pelos mecanismos disciplinares presentes no currículo o que faz deles sujeitos considerados
difíceis de educar. Mesmo assim, eles são considerados os normais e os bichinhas e os
mulherzinhas são criticados, desrespeitados, isolados e agredidos constantemente por não
apresentarem os atributos considerados adequadamente masculinos.
Sales (2010) observou em sua pesquisa que os meninos precisam não sentir dor, não
se emocionar, dominar a tecnologia, ser competitivo, ser fanático por futebol e por jogos
eletrônicos para serem considerados meninos de verdade, ou seja, para estarem de acordo com
as normas de gênero.
Assis-Rister (2008) analisa o desempenho e o comportamento dos meninos e coloca
que estes fracassam mais nas atividades escolares, são considerados ativos, agitados e têm
comportamentos tidos como indesejados pelos funcionários/as da escola.
Barros (2010), com base nas vertentes pós-estruturalistas dos estudos culturais,
analisa as narrativas de profissionais da educação (psicólogos/as, assistentes sociais,
coordenadoras escolares, diretoras, orientadoras educacionais) e percebe a presença de uma
lógica binária nas escolas uma vez que as narrativas destes/as profissionais mostram que
eles/as esperam modos de ser diferentes entre os meninos e as meninas, não levando em
consideração que existem múltiplas formas de ser menino e menina.
A pesquisadora destaca que, embora estes/as profissionais afirmem entender a
importância das problematizações das relações de gênero na escola, seus relatos mostram que,
nas práticas escolares, estas discussões são realizadas esporadicamente e que nem mesmo a
proposta da transversalidade é realizada nas escolas.
Nesse sentido, a partir das narrativas sobre as experiências dos/as profissionais nas
escolas, Barros (2010) aponta que são reforçados discursos que diferenciam e hierarquizam
meninos e meninas como, por exemplo, o de que a responsabilidade de cuidar de bebê é das
meninas, enquanto os meninos devem se preocupar com os cuidados para não se
contaminarem com doenças sexualmente transmissíveis.
Nestas narrativas, atividades como brincar de casinha, de boneca e cozinhar são
relacionadas às meninas, enquanto que aos meninos são relacionadas brincadeiras como jogar
futebol e brincar de carrinhos.
Barros (2010) observou ainda que nas narrativas dos/as profissionais, os meninos são
tidos como corajosos, fortes, viris, ágeis e agressivos e que aqueles que não possuem estes
comportamentos e estas características são vistos como gays, bichinhas e afeminados.

54

Pereira (2009) analisou as diferenças de gênero nas aulas de educação física em uma
escola estadual da zona leste de São Paulo a partir da dança e do futebol. Sua pesquisa aponta
que meninos que não gostam de jogar futebol são chamados de bichinhas e veadinhos, pois
este esporte é considerado de menino. O pesquisador observou que os meninos buscam
mostrar nas aulas que são vencedores, viris, corajosos, competitivos, racionais, agressivos e
fortes para estarem sempre próximo ao que é tido como natural para eles.
Cabiceira (2008) observa que as práticas escolares repercutem na vida dos meninos e
produzem efeitos nos modos como eles vivem. Um exemplo é a prática do futebol que é tida e
divulgada na escola como uma atividade apropriada e obrigatória aos meninos o que, segundo
a pesquisadora, vem reforçando as demarcações de gênero.
As pesquisas de Santos (2007) e Gama (2004) não trazem resultados relacionados
diretamente aos alunos talvez porque seus trabalhos tenham sido direcionados aos/às
docentes.
Santos (2007) observou a ausência das discussões sobre as questões de gênero na
escola e Gama (2004) aponta que há, na escola estudada, uma nítida demarcação de espaços
masculinos e femininos; expectativas diferenciadas em relação a comportamentos de meninos
e meninas; dificuldade das/os professoras/es em perceber e intervir nas questões de gênero
gêneros que reproduzem, na escola, as relações vigentes na sociedade. Nesse sentido, a autora
destaca a necessidade da ampliação de discussões nesse contexto, assim como na formação
continuada.
Os principais achados da pesquisa de Rodrigues (2003) foram a normalização das
condutas heterossexuais na escola através de estratégias como a hierarquização dos gêneros e
de uma vigilância constante sobre os corpos e suas posturas. Além disso, o pesquisador
também observou um silêncio no currículo escolar a respeito das sexualidades que não estão
na norma.
Com este levantamento, observamos que as pesquisas realizadas nas escolas nos
últimos dez anos vêm mostrando que os discursos sobre meninos neste espaço caminham no
sentido de naturalizar as características tradicionalmente consideradas masculinas.
Foi possível notar também que, nesses estudos, os meninos que não possuem estas
características são tidos como homossexuais e chamados de bichinhas, veadinhos, gays e
mulherzinhas.
Percebemos que poucas pesquisas, no entanto, centram nos processos de
subjetivação que sustentam esta naturalização da diferenciação dos modos de ser dos meninos

55

e das meninas. Apenas Sales (2010) e Reis (2011) buscam analisar as técnicas de subjetivação
que são colocadas em operação nos currículos e que visam generificar os corpos.
Estas pesquisas se tornam ainda mais escassas quando se trata de estudos específicos
sobre meninos como na pesquisa de Reis (2011). Observamos também que são raras
pesquisas que direcionadas a analisar alunos/as das séries finais, apenas Rodrigues (2003)
contempla esta etapa do ensino fundamental.
Nesse contexto, a proposta desta pesquisa de investigar os processos de subjetivação
dos meninos nas séries finais do ensino fundamental se torna uma interessante forma de
contribuir para as discussões neste campo de estudo atentando para estes espaços ainda pouco
explorados.

56

3 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

3.1 Objetivos e problema da pesquisa
Objetivo Geral: Analisar como os enunciados relacionados ao filé presentes no
currículo de uma escola localizada em um bairro de Maceió participam no processo de
subjetivação dos meninos.
Específicos:


Identificar tipos de subjetividades produzidas pelos enunciados dominantes no

currículo escolar;


Problematizar a demarcação de gênero constituída a partir do filé e da pesca;



Observar como os/as profissionais tratam as questões de gênero na escola;



Investigar as formas como o masculino se apresenta no currículo escolar;



Analisar como os meninos são interpelados pelos enunciados;



Investigar os processos de subjetivação dos meninos na escola;



Observar os modos de resistência dos meninos aos processos de subjetivação.

A pesquisa buscou responder a seguinte pergunta: como os meninos são interpelados
e subjetivados pelos enunciados relacionados ao filé presentes no currículo de uma escola
pública de ensino fundamental?
A seguir, apresentamos a escola e as estratégias utilizadas para atingir os objetivos e
respondermos ao problema da pesquisa.

3.2 Caminhos da pesquisa
3.2.1 Sobre a escola investigada
A escola está localizada em um bairro de Maceió, com forte atividade turística e é a
única instituição de ensino do lugar. Foi inaugurada em 1949 para atender 120 crianças das
famílias que sobreviviam da atividade pesqueira que, naquele momento, era a atividade
predominante no bairro, por se localizar nas margens de uma lagoa e próximo ao mar.
A instituição faz parte da rede municipal de ensino de Maceió e atende, atualmente,
410 alunos/as, distribuídos nas séries iniciais do ensino fundamental (primeiro, segundo,
terceiro, quarto e quinto ano), que são ofertadas, exclusivamente, pela manhã; nas séries finais
(sexto, sétimo, oitavo e nono ano) oferecidas nos turnos vespertino e noturno e em EJA
(Educação de jovens e adultos) ofertada, apenas, no turno noturno.

57

O índice de evasão na escola é alto, principalmente, no 8º ano do turno vespertino.
As turmas do 6º, 7º e 8º anos possuem, em média, 30 alunos/as, já a do 9º possui, apenas, 12.
Observamos que uma parte menor desses/as alunos/as migra para o turno da noite e a outra
deixa de frequentar a escola, principalmente, porque começam a trabalhar.
No ano de 2012 foi firmada uma parceria com a Secretária Estadual de Educação
para que a escola passasse a ofertar o ensino médio no turno noturno uma vez que muitos
alunos do bairro estavam interrompendo os estudos no nono ano motivados, em grande
medida, pelo deslocamento que teria que ser feito para escolas localizadas em outros bairros.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico, o público da escola é composto,
predominantemente, por crianças que moram no bairro e em ilhas situadas nos arredores da
lagoa que margeia o lugar. De maneira geral, as famílias desses/as alunos/as vivem com a
renda média mensal de dois salários mínimos obtida, em grande parte, através do filé e da
pesca.
O prédio da escola é bastante antigo e é o mesmo desde sua inauguração. Apesar de
ter passado por reformas e ampliações, a estrutura física da instituição apresenta condições
precárias. A escola possui nove salas de aula pequenas, pouco ventiladas e com iluminação
não apropriada. Não há cortinas nas janelas o que ocasiona a entrada de raios solares nas
salas, atrapalhando as aulas, tornando difícil enxergar o que está escrito no quadro.
A instituição possui um laboratório de informática, uma sala de leitura, um pátio
coberto e uma cozinha onde é preparada a merenda. Possui, também, logo em sua entrada,
uma sala que é subdivida em quatro: a da direção, a da coordenação, a da secretaria, a do
arquivo e a dos professores. Essa é a única sala que possui condicionador de ar. A instituição
não conta com uma quadra de esportes. As aulas de educação física são realizadas em um
campo da comunidade que foi construído por uma indústria petroquímica sediada no bairro.
A escola é cercada por muros altos e está localizada na rua principal do bairro. Esse
fato aliado à ausência de uma placa com o nome da instituição em sua fachada tornava o lugar
invisível aos olhos de quem não morava no lugar. Apenas a circulação dos alunos indicava
que ali era uma escola.
Indaguei uma profissional da administração sobre o fato e ela explicou que há muitos
anos, após a pintura dos muros pela antiga gestão, a escola ficou sem identificação. No final
do primeiro semestre de 2012 foi colocada uma placa padrão da Secretaria Municipal de
Educação com o nome da escola pela atual gestão.

58

Durante a pesquisa, os/as alunos/as, principalmente, do nono ano chamaram atenção
para a precariedade da estrutura da escola e da limpeza afirmando que a instituição precisa de
melhorias para oferecer um ambiente melhor de estudo.

3.2.2 Momentos da pesquisa na escola
Durante o primeiro semestre de 2012 realizei observações nos diversos ambientes da
escola, entrevistas e um grupo de discussão como meio de acesso aos enunciados sobre o filé
que permitiram pensar os processos de subjetivação e de resistência dos meninos no currículo
escolar. Tanto as entrevistas, como as discussões do grupo foram registradas por meio de
gravador de voz após o prévio acordo com os/as participantes e seus/suas responsáveis 8.
A pesquisa envolveu os alunos dos anos finais do ensino fundamental (sexto, sétimo,
oitavo e nono ano), com idades entre onze e dezesseis anos; um funcionário e uma
funcionária, o professor de ensino religioso, a professora de Arte, a diretora, a vice e a
coordenadora responsável pelas turmas que são ofertadas no turno vespertino.
A opção pelas séries finais do ensino fundamental baseou-se nas indicações da
pesquisa de MESQUITA et al. (2011). Os autores observaram que, no bairro onde a escola
está localizada, os meninos são afastados da confecção do filé logo que vão crescendo, com
aproximadamente onze, doze anos, em um momento que coincide com a passagem deles para
os anos finais do ensino básico.
A pesquisa na escola foi realizada em três momentos. No primeiro, foquei nas
observações nos diversos ambientes da escola com o objetivo de estabelecer um contato
inicial com os sujeitos da pesquisa e conhecer o cotidiano do lugar. As observações foram
registradas em diário de campo e, quase sempre, foram atravessadas por conversas informais
também registradas neste instrumento de pesquisa. Os registros foram realizados tanto na
escola, durante as observações, como posteriormente uma vez que em alguns momentos optei
por não desviar a atenção das situações observadas e em outros percebi que as anotações
poderiam inibir os alunos e os/as profissionais da escola.
No segundo momento, realizei um grupo de discussão com alunos/as do 9º ano.
Utilizei um roteiro9 semi-estruturado com o objetivo de fornecer as questões iniciais para as
discussões. A opção em centrar nesta turma justifica-se pelo fato dela ser composta por uma

8

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Centro de estudos superiores de
Maceió (CESMAC), com o nº de protocolo 1274/2012.
9
Roteiros em anexo.

59

quantidade menor de alunos/as e com idade mais avançada o que viabilizou a realização das
discussões.
O grupo contou com a participação de 7 alunos e 5 alunas. De maneira geral, tanto os
meninos como as meninas participaram da conversa. Entretanto, os meninos falaram mais em
público e em voz alta, já as meninas conversavam mais entre si e só falavam para o grupo
inteiro quando solicitadas. Observei que, quando as discussões se aproximavam da temática
da demarcação de gênero associada ao filé, os meninos silenciavam. Desse modo, foi
necessário, por diversas vezes, forjar um distanciamento do tema central da pesquisa para
tentar desinibir os participantes quanto ao tema que gerava comentários e conversas paralelas
entre alguns participantes. Pela reação de risos de um lado e de silenciamento do outro,
percebi que tais comentários se relacionavam com o tema da homossexualidade.
No terceiro momento, realizei entrevistas com profissionais da escola e com alunos.
As tabelas a seguir identificam os sujeitos que participaram, de maneira direta, da pesquisa.
Tabela 1. Identificação dos alunos cujos enunciados foram analisados
Identificação
A1
A2
A3
A4
A5
A6
A7
A8
A9
A10
A11
A12
A13
A14

Idade
15

Participação
Grupo de discussão

15
Grupo de discussão
14
Entrevista
13
Entrevista
*
Observação
14
Entrevista
16
Entrevista
13
Entrevista
*
Observação
14
Grupo de discussão
12
Entrevista
13
Entrevista
15
Entrevista
14
Entrevista
Fonte: Autora, 2012.

Tabela 2. Identificação dos/as profissionais entrevistados
Identificação
P1
P2

Função
Docente
Docente

P3
P4
P5
P6

Gestora
Gestora
Gestora
Apoio administrativo
(auxiliar de disciplina)
Apoio administrativo
Ensino médio
(Auxiliar da sala de leitura)
Fonte: Autora, 2012.

P7

Formação
Graduado em Pedagogia
Graduada em Educação
Artística
Graduada em Pedagogia
Graduada em Pedagogia
Graduada em Pedagogia
Ensino fundamental

Sexo
M
F
F
F
F
M
F

60

A opção por entrevistar a professora de Arte e o professor de Religião foi feita a
partir das observações iniciais e dos grupos de discussão nos quais os/as alunos/as apontaram
estas disciplinas como as que mais abordavam questões relacionadas ao bairro nas atividades
curriculares, em sala de aula.
Entrevistamos a diretora, a vice e a coordenadora do turno estudado com o objetivo
de observarmos quais os enunciados sobre o filé e as relações de gênero circulam no âmbito
administrativo da escola.
A escolha do P6 e da P7, que trabalham no apoio administrativo, foi realizada
durante as observações iniciais na escola. P6 exerce a função de inspetor. Ele permanece no
pátio durante toda a tarde. Sua atividade na escola consiste em conduzir os/as alunos/as que
estão no pátio para as salas de aula e, em caso de aula vaga e no intervalo, observá-los/as. O
fato de ele manter esse contato direto com os/as alunos/as fora das aulas nos convidou a
entrevistá-lo. P7 trabalha na sala de leitura, orientando os/as alunos/as nas pesquisas
escolares, é moradora do bairro e já fez filé. Por isso resolvemos entrevistá-la já que os
demais profissionais entrevistados/as não residem no bairro.
Neste terceiro momento, realizei também entrevistas com 11 alunos com o objetivo
de conversar sobre algumas questões mais específicas de suas vidas fora da escola e sobre o
filé, e que não foram exploradas de maneira satisfatória no grupo.
Convidei aqueles que, durante as observações se envolveram em situações mais
próximas do problema da pesquisa, por exemplo, um menino que, como veremos no próximo
capítulo, foi apontado publicamente no pátio e ridicularizado por fazer filé. No entanto, nem
todos se mostraram disponíveis, talvez pelo desconforto causado nos momentos anteriores.
Com isso, entrevistei apenas aqueles/as que se mostraram disponíveis.
A realização das entrevistas foi bastante tranquila. Utilizamos a sala da coordenação
que possui condicionar do ar e por isso não tivemos problemas com ruídos e interrupções
numerosas. Além disso, os alunos pareciam mais confortáveis em conversar apenas comigo
na sala.
Os roteiros10 das entrevistas não objetivaram delimitar as questões a serem tratadas,
buscaram apenas oferecer as condições mínimas, as palavras iniciais para o desenvolvimento
das entrevistas.

10

Roteiros em anexo.

61

É necessário pontuar que estas são entendidas nesta pesquisa como campos de
circulação de determinados discursos, como dispositivos enunciativos de produção e de
acesso a determinados regimes de verdade.
Rocha et al (2004) apontam que a entrevista vem sendo frequentemente tratada como
uma técnica que ajuda o informante a expressar uma informação a ser recolhida pelo
entrevistador. Nesse sentido, esta técnica atua como uma facilitadora da revelação daquilo que
o entrevistador precisa saber, ou seja, a entrevista revelaria uma verdade, o que pressupõe
uma concepção de linguagem homogênea, transparente de sentido segundo a qual o dito de
um sujeito uno corresponde à representação de uma verdade.
Esta noção está presente em diversos trabalhos que partem das perspectivas
metodológicas de autores/as como, por exemplo, (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), (CHIZZOTTI,
1995), (LAKATOS; MARCONI, 1994).
Percebe-se que esta compreensão é bastante difundida nas pesquisas que buscam
revelar algo que está oculto nas falas dos sujeitos a partir da inferência ou por meio do
processo de dedução. Nestas pesquisas, cabe ao pesquisador/a traduzir o dito e revelar a
verdade que estava oculta (ROCHA et al, 2004).
Esta noção, entretanto, não se mostrou interessante nesta pesquisa uma vez que,
como mostraremos adiante, procuramos nos basear no pensamento de Foucault que entende a
linguagem não como representação, mas sim como produtora, não como lugar de uma única
verdade, mas como algo que produz efeitos de verdade. Ou seja, para Foucault, o importante
não foi estabelecer o que era verdadeiro ou falso, mas sim “perceber historicamente como os
efeitos de verdade eram produzidos através de discursos que, em si mesmos, não eram nem
falsos e nem verdadeiros” (PIZZI et al, 2009, p. 21).
É, então, a partir de Pinheiro (2000) e da sua noção de entrevista como uma prática
discursiva, como uma “ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se
produzem sentidos e se constroem versões da realidade” (p. 186) que pensamos a entrevista
como uma estratégia para esta pesquisa, onde a linguagem não é entendida como
representativa, mas sim como produtiva.
Nessa perspectiva, a autora coloca que a entrevista não é uma ferramenta que está a
serviço da captação de verdades. De maneira semelhante, Rocha et al (2004) sugere que a
entrevista não deve ser entendida como um instrumento de acesso a verdade mas sim como
um dispositivo de condensação de diferentes situações de enunciação, possibilitando assim o
acesso a diversos enunciados ocorridos em inúmeras situações.

62

É importante ressaltar que isso não faz da entrevista uma mera repetição de coisas
anteriormente ditas (ROCHA et al, 2004). A entrevista é uma nova situação de enunciação,
que se dá em outras condições, que está situada num certo tempo, num espaço determinado,
com objetivos e expectativas particulares.
Tudo isto que caracteriza a entrevista como situação de enunciação é
suficiente para justificar que algo de novo – e de irrepetível, como
pressupõe o próprio conceito de enunciação – se produza aí, por ocasião
de sua realização. Diremos, deste modo, que a entrevista não é mera
ferramenta de apropriação de saberes, representando, antes, um
dispositivo de produção / captação de textos, isto é, um dispositivo que
permite retomar/condensar várias situações de enunciação ocorridas em
momentos anteriores (ROCHA et al, p. 174).

Seguimos, então, as sugestões de Rocha et al (2004) e consideramos os três
momentos do uso da entrevista na pesquisa: o da preparação onde foi produzido um roteiro
mínimo contemplando questões relacionadas ao tema da pesquisa; o da realização da
entrevista e o que se segue à entrevista, onde foram selecionados os enunciados a serem
analisados.
Optei por explorar, predominantemente, os enunciados dos meninos, pois o ponto
central da pesquisa é a masculinidade e também pela necessidade de delimitar um material
possível de ser analisado em uma pesquisa de mestrado justifica esta escolha. Isso não
significa que os outros enunciados não sejam importantes nesse processo. A opção em não
explorá-los deve-se mais ao fato de que eles trariam, possivelmente, outros problemas que
demandariam outros projetos de pesquisa.

3.3 Os efeitos de Foucault na metodologia da pesquisa
Nesta pesquisa foram utilizadas algumas atitudes metodológicas sugeridas por
Fischer (2003) a partir das contribuições de Foucault. Partimos então dos seguintes
pressupostos: a linguagem e o discurso são lugares de lutas permanentes; os enunciados são
raros e nem sempre são óbvios e exclusivos; é preciso atentar às práticas discursivas e não
discursivas; e o de que é preciso manter uma atitude de dúvida diante dos aspectos
investigados.
Partir da noção de que o discurso é um lugar de luta permanente é considerar, assim
como Foucault, que o discurso não pode ser visto apenas como um conteúdo representado por
um sistema de signos, mas sim como “práticas que formam sistematicamente os objetos de
que fala” (FOUCAULT, 2012, p. 60).

63

Para Foucault, as palavras e as coisas se relacionam de maneira complexa porque
esta relação é histórica e está repleta de construções e interpretações, sendo perpassada por
relações de poder. É preciso, então, descrever a dispersão dos acontecimentos discursivos
“através dos quais, graças aos quais e contra os quais” (GREGOLIN, 2007) se estabelecem os
regimes de verdade.
Considerar que os enunciados são raridades é, conforme exploraremos mais adiante,
pensá-los a partir de suas condições de existência, é problematizá-lo e localizar seus efeitos de
verdade, é questionar sua aparição mostrando, por exemplo, como eles surgem em detrimento
de outros que são excluídos, rejeitados e tidos como falsos em determinados momentos e
lugares.
Nesse sentido, descrever enunciados é entender como as coisas ditas são
acontecimentos que ocorrem em contornos muito específicos “no interior de uma certa
formação discursiva – esse feixe complexo de relações que ‘faz’ com que certas coisas
possam ser ditas (e serem recebidas como verdadeiras), num certo momento e lugar”
(FISCHER, 2003, p. 373).
A análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universidade de
um sentido; ela mostra à luz do dia o jogo de rarefação imposta, com um
poder fundamental de afirmação. Rarefação e afirmação, rarefação,
enfim, da afirmação e não generosidade contínua do sentido, e não
monarquia do significante (FOUCAULT, 1996, p. 70).

Atentar para as práticas discursivas e não discursivas é investigar e tornar visíveis os
efeitos destas práticas que podem tanto se exercer a partir daquilo que é “propriamente
discursivo (linguagem, discurso, enunciado) como também podem ser observadas em práticas
institucionais (exercícios, rituais, definição de lugares e posições, distribuição espacial dos
sujeitos, etc.) – práticas que jamais “vivem” isoladamente” (FISCHER, 2003, p. 387).
É interessante, nessa perspectiva, observar estas práticas produzidas nas relações de
saber/poder de determinada época e descrever os enunciados considerados verdadeiros, que
estão presentes no cotidiano, interpelando os sujeitos e produzindo determinadas formas de
viver.
Trabalhar com a dúvida é, então, uma consequência, um efeito de considerar estas
primeiras atitudes metodológicas que não buscam guiar uma comprovação do que já se sabe,
mas sim conduzir a pesquisa por caminho fértil em que há diversas possibilidades de
interpretações, retirando-a do terreno das certezas.

64

Essas atitudes propõem algumas mudanças nas indagações de pesquisa quando
mostram que é mais interessante perguntarmos “os ‘modos’, as ‘formas pelas quais’, ou os
‘comos’, mais do que propriamente indagações sobre ‘quais são’, ‘o que é’, por quê’, ‘para
quê’” (FISCHER, 2007, p. 56).
Foucault (2012) destacou a função produtiva do discurso e dos efeitos de verdade na
produção de subjetividades. Para ele, o sujeito não é uma essência que preexiste à sua
constituição na e pela linguagem. Nesse sentido, seguindo os rastros de Foucault, Veiga-Neto
(2003, p. 120) argumenta que “mais do que subjetivo, o discurso subjetiva”.
Para Fischer (2003), pesquisar a partir da perspectiva foucaultiana de discurso:
É fugir das explicações de ordem ideológica, das teorias conspiratórias da
história, de explicações mecanicistas de todo tipo: é dar conta de como
nos tornamos sujeitos de certos discursos, de como certas verdades se
tornam naturais, hegemônicas, especialmente de como certas verdades se
transformam em verdades para cada sujeito, a partir de práticas mínimas,
de ínfimos enunciados, de cotidianas e institucionalizadas regras, normas
e exercícios. Pesquisar a partir desses pressupostos históricos e
filosóficos significa também, e finalmente, dar conta de possíveis linhas
de fuga, daquilo que escapa aos saberes e aos poderes, por mais bem
montados e estruturados que eles se façam aos indivíduos e aos grupos
sociais (p. 385-386).

A noção de discurso de Foucault se mostrou bastante interessante para as análises
desta pesquisa uma vez que o objetivo desta investigação foi analisar como ocorrem os
processos de subjetivação na escola a partir dos enunciados sobre o filé. Consideramos
importantes tanto as regularidades discursivas como suas descontinuidades.

Buscamos

observar tanto os sujeitos que são captados pelos discursos mais fortes que criam e reforçam
as demarcações de gênero como para aqueles que escapam dando espaço a outras
possibilidades, menos alinhadas à norma estabelecida.

3.4 Os enunciados
Em A Arqueologia do saber, Foucault (2012) trata o enunciado como um tema
central na análise do discurso entendendo este não como uma manifestação psicológica de um
pensamento interno da pessoa que fala. Para ele, o enunciado pode ter outras formas além de
uma verbalização.
Assim, podemos observar enunciados com outras formas “um horário de trens, uma
fotografia ou um mapa podem ser um enunciado, desde que funcionem como tal, ou seja,

65

desde que sejam tomados como manifestações de um saber e que, por isso, sejam aceitos,
repetidos e transmitidos” (VEIGA-NETO, 2003, p. 113).
Para Foucault os enunciados são “coisas que se transmitem e se conservam, que têm
um valor, e das quais procuramos nos apropriar; que repetimos, reproduzimos e
transformamos, para as quais preparamos circuitos preestabelecidos” (FOUCAULT, 2012, p.
147). São os enunciados, nessa perspectiva, que marcam o que é considerado verdade num
determinado tempo e espaço.
Segundo Veiga-Neto (2003), o enunciado é um tipo especial de ato discursivo uma
vez que ele se separa dos contextos locais e dos significados cotidianos para construir um
campo de sentidos que devem ser aceitos seja pelos seus efeitos de verdade, pela função
daquele que o enunciou ou pela instituição que o acolhe.
Nesse sentido, as análises aqui empreendidas buscaram entender como os enunciados
que circulam no currículo escolar sobre o filé produzem determinadas formas de ser menino,
determinados tipos de masculinidade, ou seja, buscaram analisar os processos de subjetivação
na escola a partir dos discursos sobre a divisão sexual do trabalho característica do bairro
onde a escola está localizada.
Considerando que o sujeito é produzido discursivamente em um determinado lugar e
tempo, é preciso empreender “A descrição dos enunciados que nesse tempo e lugar se tornam
verdade, fazem-se práticas cotidianas, interpelam sujeitos, produzem felicidades e dores,
rejeições e acolhimentos, solidariedades e injustiças” (FISCHER, 2003, p. 378).
Nesses termos, ao analisarmos as subjetividades não buscamos descrevê-las como
um aspecto psicológico individual. Não buscamos sua interioridade e nem suas essências
naturais ou culturais. Baseada na perspectiva de Foucault, a noção de subjetividade levada em
conta neste trabalho não existe fora dos processos sociais, fora das práticas discursivas.
As análises desta pesquisa são tentativas de descrever, a partir dos quatros elementos
sugeridos por Foucault (2012) e sistematizados por Fischer (2001), os enunciados que
circulam em uma instituição privilegiada de produção de subjetividades, a escola, a partir de
seu currículo. O que importa na análise dos enunciados proposta por Foucault é que sua
função se caracteriza por um referencial, um sujeito, um campo associado e uma
materialidade específica.
Foucault (2012) argumenta que “É preciso saber a que se refere o enunciado, qual é
seu espaço de correlações, para poder dizer se uma proposição tem ou não um referente” (p.
108). Nesse sentido, um enunciado sempre se relaciona a alguma coisa que Foucault chama
de correlato do enunciado e define como “um conjunto de domínios em que tais objetos

66

podem aparecer e em que tais relações podem ser assinaladas” (p. 110). O enunciado está
ligado, segundo Foucault (2012), a um referencial que é constituído:
De leis de possibilidade, de regras de existência para os objetos que aí se
encontram nomeados, designados ou descritos, para as relações que aí se
encontram afirmadas ou negadas. O referencial do enunciado forma o
lugar, a condição, o campo de emergência, a instância de diferenciação
dos indivíduos ou dos objetos, dos estados das coisas e das relações que
são postas em jogo pelo próprio enunciado: define as possibilidades de
aparecimento e de delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição
seu valor de verdade (p. 110-111).

Em resumo, o referencial diz respeito às condições de possibilidades que definem as
regras da existência no enunciado. As análises desse referencial permitem, então, a
visibilidade das questões que são colocadas em jogo pelo próprio enunciado.
Outro elemento ressaltado por Foucault é o de que o enunciado mantém com um
sujeito uma relação determinada e que precisa ser especificada para não ser confundida com
outros tipos de relações. Segundo o autor, não é preciso o enunciado comportar a primeira
pessoa para ele ter um sujeito, nem este sujeito precisa ser idêntico ao autor do enunciado. O
sujeito do enunciado seria uma função vazia “podendo ser exercida por indivíduos, até certo
ponto, indiferentes, quando chegam a formular o enunciado; e na medida em que um único e
mesmo indivíduo pode ocupar, alternadamente, em uma série de enunciados, diferente
posições e assumir o papel de diferentes sujeitos (FOUCAULT, 2012, p. 113).
Portanto, para descrever um enunciado é preciso determinar qual é a posição que
pode e deve ser ocupada pelos indivíduos para ser seu sujeito, é preciso ter alguém que
efetivamente possa afirmar aquilo que é dito no enunciado.
O terceiro elemento sugerido por Foucault (2012) e que deve ser levando em conta
nas análises dos enunciados é o fato da existência de um domínio associado a eles uma vez
que “um enunciado tem sempre margens povoadas de outros enunciados” (p. 118). Este
domínio é constituído:
“Pela série de outras formulações, no interior das quais o enunciado se
inscreve e forma um elemento [...] pelo conjunto das formulações a que o
enunciado se refere (implicitamente ou não), seja para repeti-las, seja
para modificá-las ou adaptá-las, seja para se opor a elas, seja para falar de
cada uma delas, não há enunciado que, de uma forma ou de outra, não
reatualize outros enunciados [...] pelo conjunto das formulações cuja
possibilidade ulterior é propiciada pelo enunciado e que podem vir depois
dele como sua conseqüência, sua conseqüência natural, ou sua replica [...]
pelo conjunto de formulações cujo status é compartilhado pelo enunciado
em questão, com as quais se apagará, ou com as quais, ao contrário, será

67

valorizado, conservado, sacralizado e oferecido como objeto possível, a
um discurso futuro” (p. 119-120).

Qualquer enunciado se localiza, portanto, em um lugar especificado, não há, segundo
Foucault, enunciado livre, neutro e independente. Eles estão sempre fazendo parte de uma
série ou de um conjunto, desempenhando uma função no meio dos outros, se apoiando ou se
distinguindo destes, uma vez que “Não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum
que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências, efeitos de série e de sucessão, uma
distribuição de funções e de papéis” (FOUCAULT, 2012, p.121).
Por último, é preciso que seja reconhecida uma existência material no enunciado.
Nesse sentido, questiona Foucault (2012) “Poderíamos falar de enunciado se uma voz não o
tivesse enunciado, se uma superfície não registrasse seus signos, se ele não tivesse tomado
corpo em um elemento sensível e se não tivesse deixado marca, apenas por alguns instantes –
em uma memória ou em um espaço?” (p.121). O enunciado necessita dessa materialidade,
pois ela é constitutiva do próprio enunciado que precisa ter uma substância, um suporte, um
lugar e uma data.
Foucault ressalta que sua arqueologia é uma análise da emergência dos enunciados
como acontecimentos na superfície discursiva e é também uma tentativa de descrever relações
entre enunciados que contemplem a descontinuidade imanente à própria noção de
acontecimento (ALVARO, 2010). Ele vai sugerir que devemos:
Descrever um conjunto de enunciados, não como a totalidade fechada e
pletórica de uma significação, mas como figura lacunar e retalhada;
descrever um conjunto de enunciados, não em referência à interioridade
de uma intenção, de um pensamento ou de um sujeito, mas segundo a
dispersão de uma exterioridade; descrever um conjunto de enunciados
para aí reencontrar não o momento ou a marca de origem, mas sim as
formas específicas de um acúmulo (FOUCAULT, 2012, p. 153).

O autor destaca que devemos levar em conta três efeitos ou traços nas análises dos
enunciados: o da raridade, o da exterioridade e o do acúmulo.
O que Foucault chama de efeito de raridade na análise enunciativa é o fato de que
este empreendimento analítico vai querer mostrar não as convergências e as significações que
parecem ser comum em uma dada época como, segundo ele, as outras perspectivas da análise
do discurso fazem, mas sim “determinar o princípio segundo o qual puderam aparecer os
únicos conjuntos significantes que foram enunciados” (FOUCAULT, 2012, p. 146).
Nesse sentido, a análise enunciativa proposta por Foucault (2012) busca estabelecer
uma lei de raridade a partir dos seguintes aspectos:

68

O primeiro é o de que os enunciados por mais numerosos que sejam não dão conta de
dizer tudo o que é possível, ou seja, eles estão sempre em deficit com o campo das
formulações possíveis. Os enunciados que surgem, então, não são únicos, são apenas
possibilidades, por isso são raridades.
O segundo diz respeito à definição de um sistema limitado de presenças o que
implica analisar os enunciados no limite do que não está dito, nos processos pelos quais há a
exclusão de outros possíveis enunciados. Nesse sentido, os enunciados são dependentes destes
sistemas e destas exclusões. Não são, portanto, nem exclusivos, nem óbvios, são raros.
O terceiro é que essa exclusão não implica que um enunciado tome o lugar de outro,
isso porque cada enunciado tem o seu lugar próprio. A descrição dos enunciados deve, então,
buscar analisar a posição singular que ele ocupa que é, portanto, única, rara.
O último aspecto levantado por Foucault é o de que, apesar de os enunciados
parecem tão evidentes por serem transmitidos e conservados, eles não são transparentes, não
possuem um único sentido, uma vez que são desdobrados pelo comentário e pela proliferação
interna de sentidos.
A análise das formações discursivas, para Foucault, deve pretender estabelecer uma
lei de raridade, cujo objetivo é determinar, a partir do enunciado, o sistema singular que
permitiu seu aparecimento. Nesse sentido, as análises discursivas ao invés de buscarem uma
riqueza inesgotável, devem procurar a lei da pobreza de um discurso, entendê-lo como:
Um bem finito, limitado, desejável, útil – que tem suas regras de
aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização;
um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não
simplesmente em suas “aplicações práticas”) a questão do poder, um bem
que é, por natureza, o objeto de uma luta, e de uma luta política
(FOUCAULT, 2012, p. 147-148).

Decorre daí que, para realizar a análise enunciativa, é necessário partir da
exterioridade, uma vez que são as suas condições de possibilidade, as relações de poder e as
lutas políticas que caracterizam a existência e os efeitos dos enunciados.
Para Foucault, a análise dos enunciados deve tratá-los na forma sistemática da
exterioridade, em suas descontinuidades, mesmo que de forma paradoxal uma vez que isso
não implicaria a existência de uma interioridade. Dessa forma, “se encontra libertado o núcleo
central da subjetividade fundadora, que permanece sempre por trás da história manifesta”
(FOUCAULT, 2012, p. 148).
A primeira implicação deste tipo de análise é a de que o campo dos enunciados não
deve ser pensado como uma tradução de algo que ocorre no pensamento das pessoas, este

69

campo deve ser reconhecido como um local de relacionamentos e de transformações
sistemáticas.
A segunda é a de que o domínio enunciativo não deve tomar como referência um
sujeito individual, nem uma subjetividade transcendental, mas sim que seja analisado como
“um campo autônomo cuja configuração defina o lugar possível dos sujeitos falantes. Não é
mais preciso situar os enunciados em relação a uma subjetividade soberana, mas reconhecer,
nas diferentes formas da subjetividade que fala, efeitos próprios do campo enunciativo”
(FOUCAULT, 2012, p. 149).
A terceira implicação é a de que ao analisarmos a história das coisas ditas, não
devemos buscar sua natureza, ou seja, a história de uma consciência individual e um sistema
de intenções. Nesse sentido, “‘Não importa quem fala’, mas o que ele diz não é dito de
qualquer lugar. É considerado, necessariamente, no jogo de uma exterioridade”
(FOUCAULT, 2012, p. 150), no conjunto das coisas ditas e das suas múltiplas relações.
Dessa forma, é interessante tomar os enunciados “pelos contatos de superfície que
eles mantém com aquilo que os cerca, de modo a conseguirmos mapear o regime de verdade
que o acolhe e que, ao mesmo tempo, ele sustenta, reforça, justifica e dá vida” (Veiga-Neto,
2003, p. 127). A leitura dos enunciados deve ser realizada pela exterioridade e o que mais
importa é estabelecer relações entre estes e o que eles descrevem na tentativa de compreender
os exercícios de poder ativados nestas relações.
Para Foucault, a análise enunciativa precisa, ainda, se dirigir a formas específicas de
acúmulo. Nesse sentido, é importante observar que as análises dos enunciados implicam levar
em conta a existência de uma memória, de um conjunto de já-ditos. Com isso, qualquer
sequência discursiva da qual nos ocupemos poderá conter informações já enunciadas; haveria
um processo de reatualização do passado nos acontecimentos discursivos do presente. É
preciso levantar os temas relacionados aos esquecimentos e mostrar qual o modo de existência
que caracteriza os enunciados, os quais estão, sempre, diretamente investidos em técnicas e
práticas, isto é, em relações sociais (FISCHER, 2001).
Nesse contexto, Foucault sugere que a constituição do sujeito se dá por uma rede de
discursos de saber e de relações de poder. O sujeito é considerado uma construção que ocorre
no e pelo discurso e que envolve as relações de poder que normaliza e tem por objetivo
conduzir condutas (ALVARO, 2010).
Veiga-Neto (2003) destaca que os discursos “se distribuem difusamente pelo tecido
social, de modo a marcar o pensamento de cada época, em cada lugar, e, a partir daí, construir
subjetividades” (p.120). No contexto aqui estudado, os enunciados sobre o filé demandam

70

tipos de subjetividades, buscam definir as formas de ser e viver dos meninos a partir da
demarcação estabelecida entre o filé e a pesca. Estes enunciados foram aqui tratados nos
limites de seus efeitos. Desse modo buscamos captar aquilo que eles sugerem aos meninos “a
sonhar, a pensar, a fazer, a ser” (PARAÍSO, 2007, p. 23).
As falas dos/as participantes foram transcritas, lidas e problematizadas na tentativa
de destacar os efeitos desses enunciados. A pesquisa buscou descrever as técnicas e
tecnologias que, operando a partir dos enunciados, produzem modos socialmente aceitos de
viver a masculinidade.
Operar com esse tipo de análise implicou atentar para como determinados discursos
vão se configurando em meio a relações de poder; significou questionar sobre as condições de
possibilidade a partir das quais determinados discursos concorrem para o exercício do poder e
a produção de subjetividades.
A respeito dessa produção que se dá discursivamente e em meio a relações de poder,
procuramos apreender o enunciado em seu poder de afirmação, seu poder de constituir
“domínios de objetos, a propósito dos quais se poderia afirmar ou negar proposições
verdadeiras ou falsas” (FOUCAULT, 1996, p. 70).
Escutamos os sujeitos da pesquisa buscando captar os enunciados que se referiam ao
filé e as suas associações com as normas de gênero. Estivemos atentas também aos
enunciados que se referiam a outros temas, mas que também falavam das relações entre o
masculino e feminino.
Nesse sentido, levando em conta que os processos de subjetivação em termos de
gênero se dão a partir de diferentes temáticas, buscamos captar outras técnicas de subjetivação
para além daquelas relacionadas diretamente ao filé.
Construímos alguns agrupamentos dos enunciados dos alunos e dos/as profissionais
da escola, buscando identificar possíveis tipos de sujeitos demandados nestes enunciados.
Para isso, com base em Foucault (2012) observamos quais as normas de gênero que operam
nestes enunciados, ou seja, o que é tido como verdadeiramente masculino no currículo da
escola.
Notamos que os enunciados operam como códigos de normalização que buscam
demarcar como se deve ser menino no contexto da confecção do filé. Foi possível elencar
alguns tipos de subjetividades produzidas por esses discursos ao tentarmos ver quais modos
de ser menino são solicitados, legitimados e produzidos pelos enunciados que circulam na
escola.

71

Procuramos entender como os vários enunciados se fazem presentes, como se
relacionam e produzem subjetividades no cotidiano da escola, em seu currículo. Tratamos
estes enunciados como componentes do currículo, ou seja, eles ensinam, eles passam lição de
casa, eles avaliam, aprovam ou reprovam os alunos na medida em que:
A escola tem funções sócio-culturais e econômicas que extrapolam seu
caráter oficial de instituição que existe para transmitir “saberes
acumulados historicamente”. Sair desta visão tradicional e iluminista da
escola para captar a sua complexidade social e política, através do que
ocorre no seu dia-a-dia, é uma das tarefas mais instigantes e ricas para
qualquer pesquisador, não apenas de currículo (PIZZI, 2006, p. 27).

Os enunciados relacionados ao filé e, portanto, às normas de gênero que circulam na
escola impelem os meninos a se comportarem de determinadas formas. Estes enunciados são
tanto dos próprios alunos como dos/as profissionais da escola e demandam, ao menos, um
tipo de menino, de masculinidade desejável no contexto.
Aceitamos a proposta de Foucault (2012) de fazer uma análise ascendente, de
descrever os discursos a partir de seus enunciados, tentando captar as diferentes práticas
associadas a eles e os seus efeitos.
Nesse sentido, perguntamos: Como os/as profissionais tratam as questões de gênero
na escola? De quais formas o masculino se apresenta no currículo escolar; Como os meninos
são interpelados por estes enunciados; Como ocorrem os processos de subjetivação dos
meninos na escola; Quais tipos de subjetividades são produzidas? Como ocorrem os processos
de resistência na escola? O próximo capítulo busca oferecer algumas pistas sobre estas
questões.

72

4 O CURRÍCULO ESCOLAR E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DOS
MENINOS

Neste capítulo discutimos, inicialmente, como os/as profissionais da escola tratam as
questões de gênero relacionadas ao filé, mostrando como este elemento cultural presente no
bairro onde a escola está localizada contribui para o surgimento das questões de gênero no
currículo da escola.
Apresentamos e discutimos, também, um conjunto de enunciados dos/as
profissionais e dos alunos que compõem um discurso tradicional que circula de maneira
predominante no currículo da escola investigada, buscando explorar os efeitos discursivos
produzidos neste contexto.
Por último, discutimos outro conjunto de enunciados que faz parte de um discurso
que se desvia do anteriormente citado, que resiste à tradicional demarcação de gênero,
destacando seus efeitos sobre os meninos.
4.1 “A escola nem tem essa preocupação” 11: sobre o lugar das relações de gênero no
currículo

Apesar da visibilidade do filé no bairro, nas ruas, casas, lojas, os discursos que
circulam na escola indicam que as relações de gênero relacionadas ao filé não são tratadas na
instituição de maneira específica, sistemática, ou seja, pelos conteúdos, nas disciplinas e nos
projetos temáticos que ocorrem na escola. “A escola ensina a parte dela na base da escrita,
agora, esse negócio, a escola nem se envolve, com esse negócio de filé [refere-se às relações
de gênero, a demarcação entre o filé e a pesca], não, a escola não discute isso não” 12.
Louro (2000) aponta que o silenciamento em torno das questões de gênero é uma
forma de “representá-la, na medida em que as marginaliza e as deslegitima. O silêncio e o
segredo significam uma tomada de posição” (p. 57).
De acordo com a autora, as instituições escolares estão sim preocupadas em
disciplinar e normalizar os indivíduos. Apesar de negar, de silenciar, a escola é um ambiente
onde os padrões, as normas e os regulamentos “buscam ordenar e normalizar cada um/uma e
todos/as” (LOURO, 2000, p. 47).

11
12

P1.
P6.

73

A fala do profissional acima ilustra bem o que vem ocorrendo nas escolas em geral e,
em particular, na aqui investigada. Segundo Arroyo (2011), a história da secundarização da
função educadora da docência e dos currículos é bastante antiga. No entanto, mais
recentemente, as políticas neoliberais vêm enfatizando o treinamento e o domínio de
competências, as avaliações e classificações. Nesse movimento, o currículo vem sendo
reduzido a um domínio mínimo e a docência a um treinamento nesses domínios.
Nesse contexto, até mesmo disciplinas e temas que estão dentro da proposta
curricular legitimada pelos documentos governamentais, os PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais), são marginalizadas dentro do processo educativo. Esse movimento é realizado,
em grande medida, porque o foco de todo o processo educativo vem sendo as políticas de
avaliação que, por sua vez, não contemplam os saberes dessas disciplinas.
Ensino Religioso e Arte, disciplinas onde há uma maior proximidade com o
cotidiano do lugar onde a escola investigada está localizada, fazem parte desse conjunto de
disciplinas que são tidas como menos importantes e, até mesmo, dispensáveis pela proposta
oficial da educação.
Nessa direção, ainda mais distantes do foco da prática docente, estão os temas
transversais. Os PCN sugeriram uma abordagem transversal que pudesse possibilitar que estes
temas fossem trabalhados por todas as áreas de conhecimento.
No entanto, um problema inviabilizou/inviabiliza a concretização do projeto dos
temas

transversais

no

currículo

escolar.

A

formação

dos/as

docentes

não

contemplava/contempla os temas. Este problema foi identificado e, inclusive, consta no texto
dos PCN. Entretanto, as entrevistas que realizamos com as/as profissionais da escola
denunciam que esse está longe de ser resolvido. Os/as professores/as relataram não terem
obtido em suas formações conhecimentos teóricos/metodológicos que pudessem ajudar na
abordagem das relações de gênero em suas disciplinas.
Diante de tudo isso, observamos ainda, que a discussão sobre Relações de Gênero se
encontra no texto dos PCN que trata do tema transversal da Orientação Sexual, aparecendo
como um bloco de conteúdos ao lado de: Corpo: matriz da sexualidade e Prevenção das
Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids.
Sabemos que estas temáticas estão intimamente vinculadas e que não faz sentido
trabalhar uma distante das outras. No entanto, há um estrangulamento das relações de gênero
no documento. Há um entendimento de gênero, diferente do que consideramos neste trabalho,
que simplifica as implicações desta categoria de análise. Nos PCN,

74

Gênero diz respeito ao conjunto das representações sociais e culturais
construídas a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto o sexo diz
respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se o
desenvolvimento das noções de “masculino” e “feminino” como
construção social (BRASIL, 1998, p. 321).

Este conceito não dá conta, por exemplo, de tornar inteligível que são as relações de
gênero que sustentam as formas como nos relacionamos com o nosso corpo, como vivemos
nossa sexualidade e o modo como nos prevenimos ou não das doenças sexualmente
transmissíveis. Também ignora outras possibilidades de viver o gênero, além do masculino e
do feminino.
Apesar disso, reconhecemos que a presença da temática das Relações de Gênero nos
PCN é um aspecto positivo. Mesmo que a discussão tenha sido feita de maneira insuficiente,
alguns passos foram dados em direção à construção de práticas educativas menos hierárquicas
no que toca as questões de gênero.
Dinis (2008) argumenta que a educação foi marcada por uma concepção de sujeito
fundada em proposições oriundas da Psicologia da Aprendizagem e da Psicologia do
Desenvolvimento que enfatizam descrições normativas e naturalizadas legitimadas pela
Biologia, e, particularmente, por uma determinada leitura darwinista da evolução o que
contribuiu, por exemplo, para esse distanciamento, para a ideia de que as problematizações de
gênero não fazem parte do currículo e não devem ser discutidas amplamente nas escolas.
Por isso, mesmo que de maneira limitada, os PCN colocaram em circulação, pelo
menos entre aqueles/as que leram o documento13, temas que ainda hoje são silenciados nos
currículos, possibilitando intervenções menos discriminatórias nas escolas.
Nessa direção, Louro (2005) chama atenção para mecanismos que passam
despercebidos por estarem naturalizados nos currículos e que, a partir da linguagem, instituem
e demarcam lugares “pelo ocultamento do gênero feminino ou da homossexualidade [...],
pelas diferenciadas adjetivações que são atribuídas aos sujeitos, pelo uso ou rejeição do
diminutivo, pela escolha dos verbos, pelas associações e pelas analogias feitas em relação a
determinadas qualidades, atributos ou comportamentos” (p. 88).
Diferentemente do que pode sugerir inicialmente o discurso do silêncio, a escola
busca garantir que “as suas meninas e os seus meninos se tornem homens e mulheres
‘verdadeiros’” (LOURO, 2000, p. 49). Ao silenciar, o currículo já está se posicionando a
favor da permanência das demarcações de gênero. Não há neutralidade e mesmo que estas
13

SILVA (2007) coloca que“As dificuldades de leitura dos PCNs (muitos professores não chegaram a fazê-lo,
limitando-se o seu manuseio, muitas vezes, aos coordenadores pedagógicos das escolas) leva a concluir que de
fato, esta é uma política a ser ‘descoberta’ ainda” (p. 12).

75

questões sejam ignoradas e estejam à margem das aulas e das lições consideradas escolares,
elas estão na escola investigada e ensinam como ser menino e menina de verdade.

4.1.1 Como o filé e as questões de gênero surgem no currículo da escola

Quando o filé é abordado pelos profissionais da escola é com o objetivo do resgate
da tradição14 o que acaba por reafirmar o silêncio das questões de gênero uma vez que a
demarcação entre o filé e a pesca não é problematizada e sim tratada como uma tradição que
deve ser respeitada e preservada.
Podemos ver isso a partir do seguinte enunciado “não tem preconceito, é uma coisa
que é deles mesmo: pai vai pescar, mãe faz o filé, já tá intrínseco neles” 15. A demarcação de
gênero parece, então, não ser considerada problemática e nem geradora de conflitos. Um dos
efeitos produzidos por este modo de tratar as tradições do bairro é o de não promover o
questionamento das tradicionais demarcações de gênero o que contribui para a sua
permanência, fossilizada numa divisão sexual do trabalho.
Observamos que na escola, quando se fala no filé há uma associação exclusiva às
rendeiras. Não há comentários espontâneos sobre os homens que fazem filé, estes não são
citados inicialmente. Os meninos silenciam, tentam mostrar que não sabem nada do tema.
Entres os/as profissionais não é diferente. Para ouvir algo sobre homens e filé, foi preciso
perguntar diretamente.
Há um movimento discursivo que objetiva ocultar e negar a presença de homens
nesta atividade artesanal. Ocorre que o assunto coloca em pauta o tema da homossexualidade.
De modo geral, os/as profissionais mostram inabilidade para tratar de assuntos que estão
relacionados às questões de gênero e sexualidade. Dessa forma, a atuação dos profissionais da
escola vem sendo marcada pelo silenciamento e pela ignorância dessas questões, produzindo a
permanência dos padrões, a marginalização e exclusão das ultrapassagens das fronteiras de
gênero.
Observamos que as questões de gênero surgem no cotidiano das aulas junto às
discussões relacionadas ao bairro, principalmente, ao filé. Permeadas pela curiosidade, pelo
silêncio, pela ignorância e por comentários relacionados à homossexualidade, o tema não é
14

Observamos isso nas entrevistas com as P1, P3, P4 e P5, que relataram a existência de projetos que buscam
resgatar as tradições do bairro.
15
P5.

76

considerado tranquilo de se trabalhar “é uma coisa que se não souber trabalhar com
tranquilidade aí pode até gerar um certo preconceito, um certo tabu”16.
Na disciplina de Ensino Religioso, durante uma pesquisa sobre os aspectos culturais
do bairro, o professor e os/as alunos/as dos anos finais do ensino fundamental realizaram uma
caminhada pelo bairro. Foi solicitado aos/às alunos/as que eles/as realizassem entrevistas com
pescadores e rendeiras17. No entanto, na ocasião, foram encontrados dois rendeiros.
Tal fato é relatado pelo professor como uma curiosidade. Há, imediatamente, um
questionamento sobre a sexualidade desses homens “me parece que também tem essa questão
do gênero um pouco indefinido, no sentido assim, são homossexuais. É o que dá a
entender”18.
O professor ressaltou que a questão poderia ser problematizada “eu acho que deve
ter, pode ter alguns homens que fazem, faz porque gosta e tudo mais, porque é uma arte,
então, poderia ser mais desmistificado”19. Nota-se que ele justifica esta necessidade de
problematização pelo fato de acreditar haver homens heterossexuais que fazem filé. Tal fato
parece legitimar a desmistificação e, portanto, o questionamento das relações de gênero que
dizem respeito ao campo do trabalho, mas não as que estão ligadas ao modo os homens
vivenciam a sexualidade.
Mesmo com todo o esforço que notamos no trabalho do professor em aproximar
os/as alunos/as das questões do bairro, percebemos que há uma distância entre o que se é
abordado e as experiências sociais locais, pelo menos, no que diz respeito às relações de
gênero.
Indagado sobre se e como abordava estas questões em suas aulas, logo depois de
relatar a situação acima colocada, o professor disse “A gente, às vezes, vê um pouco a questão
do trabalho, das diferenças, dos valores, algo, mas não é prioritariamente o que a gente
aborda e trabalha isso especificamente, mas sempre é tocado de maneira mais transversal”20.
Quando se fala em questões de trabalho, o artesanato, que é a principal fonte de renda do
local, não é utilizado nas discussões na sala de aula, o que evidencia esse distanciamento.
Mesmo que o docente não aborde gênero em seus conteúdos, em seu planejamento,
em seus projetos, de maneira direta, isso não significa que este tema não esteja circulando no

16

P1.
É interessante observar que o modo como o professor fala sobre as atividades demarca e tenta fixar as posições
de gênero entre as atividades do filé e da pesca.
18
P1
19
P1.
20
P1.
17

77

currículo da escola, como colocamos acima, ele surge, sinalizando a importância e a
necessidade de ser trabalhado.

4.1.2 “A gente, como professor, é que leva para a sala de aula essas questões” 21: currículo e
trabalho docente

Mesmo diante do cenário das políticas educacionais e curriculares neoliberais dos
últimos anos que vem produzindo a intensificação do trabalho docente e reduzindo as
possibilidades de decisão pessoal dos/as professores/as (HYPOLITO et al, 2009) a fala em
destaque da professora entrevistada dá indícios de que há pontos de fuga na relação entre
os/as docentes e as políticas curriculares.
Ao invés de silenciar, negar e fugir, a professora de Arte relatou que em uma de suas
aulas, fala sobre o bairro, o artesanato e costuma comentar sobre os rendeiros, ressaltando que
acha muito interessante o fato de ter homens em uma atividade feminina e que conhece dois,
mas acredita ter bem mais homens no bairro que trabalham nesta atividade.
Segundo a professora, a reação é imediata nas turmas dos anos finais do ensino
fundamental “os meninos começam a rir porque acham que o trabalho de renda não é para
homem e sim pra mulheres” 22.
Perguntei como ela trabalhou essa reação e ele colocou “Eu reforcei, mostrei que
não tinha nada a ver, que não é porque é homem que não pode trabalhar com renda, não tem
isso”23.
Com essa abordagem, a professora abre o currículo, possibilitando uma aproximação
entre as experiências sociais dos/as alunos/as, deixando passar para o território do currículo
um assunto que, como mostramos, é carente de discussão na escola, mas que, muitas vezes, é
ignorado e silenciado. A professora contesta as tradicionais demarcações de gênero, ajudando
os/as alunos/as a repensarem seus modos de vidas.
Assim como Pereira e Ferraro (2011), ressaltamos que o currículo pode ser
considerado para além dos conteúdos escolares “Nossa concepção de currículo se alinha com
a que inclui todas as formas de organização do espaço, do tempo, dos conhecimentos, das
verdades e das práticas no interior do universo da escola e suas adjacências” (p. 139).

21

P2
P2
23
P2
22

78

Foi considerando que os enunciados dos sujeitos da pesquisa trazem indícios das
verdades que circulam no currículo da escola e entendendo o currículo como produtor de
subjetividades, que buscamos discutir os modos de subjetivação dos meninos na escola nos
próximos tópicos.
4.2 “Oxe, eu sou macho, professor! Eu sou espada! E eu sou mulher pra fazer filé?” 24:
sobre os processos de subjetivação dos meninos

Foucault (1995) apresenta os três modos de produção histórica das subjetividades,
ligadas às relações de poder e a produção de saber, os quais foram observados nos diferentes
momentos de suas pesquisas.
Primeiro, em seu momento arqueológico, ele pesquisou como os saberes sobre os
sujeitos foram se formando em um campo científico que buscava produzir verdades sobre
estes. Foi a partir de suas pesquisas, por exemplo, sobre a história da loucura e da medicina,
que ele buscou escrever a história da produção de saberes sobre os sujeitos no ocidente. Em
suma, ele buscou ver como ocorreu a objetivação do sujeito pela ciência.
Depois, ele estudou a objetivação do sujeito a partir das práticas por ele nomeadas de
divisórias “O sujeito é dividido em seu interior e em relação aos outros. Este processo o
objetiva. Exemplo: o louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os ‘bons meninos’”
(FOUCAULT, 1995, p.231). Com isso, Foucault passou a investigar as interações entre os
saberes e os poderes a partir da genealogia do poder.
Por último, ele estudou como o ser humano torna-se sujeito a partir da sexualidade
“como os homens aprenderam a se reconhecer como sujeitos de ‘sexualidade’” (FOUCAULT,
1995, p. 232). Neste terceiro momento ele parece direcionar suas investigações para os modos
de subjetivação relacionados às técnicas de si e a governamentalidade, ou seja, ao governo de
si e dos outros.
As pesquisas e o pensamento de Foucault vêm servindo de ferramentas para diversos
estudos que buscam entender como nos tornamos sujeitos, como se dão os processos de
subjetivação em diferentes contextos.
Determinados modos de agir, de viver, de se vestir, de se divertir, de falar, de se
comportar, de se conduzir são amplamente divulgados, por exemplo, por meio do cinema

24

A9 ao responder a pergunta: “E aí, já fez um filezinho hoje?” feita pelo P6 no pátio da escola.

79

(LAURETIS, 1994), (GIROUX, 1996), dos programas televisivos (FISCHER, 2007), da
mídia (PARAISO, 2007), dos periódicos científicos, jornais e internet (HÜNING, 2008).
Neste trabalho, especificamente, buscamos analisar como nos tornamos sujeitos de
gênero. Ou melhor, buscamos analisar as tecnologias de subjetivação que atuam na vida dos
meninos a partir dos enunciados que circulam na escola em que estudam sobre uma
determinada norma de gênero que amarra o filé ao feminino.
Esta norma pode ser entendida como um elemento a partir do qual “certo exercício
do poder se acha fundado e legitimado” (FOUCAULT, 2002, p. 62). Nesse sentido, ela atua
qualificando e corrigindo as condutas. Com isso, o processo de normalização identificado na
escola estudada opera qualificando as condutas e, principalmente, corrigindo as consideradas
inadequadas, ou seja, as desviantes.
A frequência diária na escola, a convivência com os professores, com os demais
colegas, com a direção, com os que ali trabalham em outras diversas funções, aliada às
experiências vividas para além do espaço escolar, configura-se como um campo de
possibilidades de subjetivação composto por manifestações e propagação de supostas
verdades.
Nesse sentido, pensando a escola como um local de disseminação de práticas
reguladoras, como um ambiente privilegiado de circulação de discursos que buscam produzir
determinados efeitos (LOURO, 2000) e pensando o currículo como composto também por
estes discursos (SILVA, 2005), podemos dizer que os alunos que lá estudam são alvo de um
processo de subjetivação o qual buscaremos contemplar nas análises desta pesquisa.
Segundo Rose (2001), as formas pelas quais atribuímos sentido as nossas
experiências tem um funcionamento específico composto por dispositivos de produção de
sentidos, grades de visualização, vocabulários, normas e sistemas de julgamento tidos como
verdadeiros e que moldam as nossas vivências através de práticas que ditam as condições de
nossas experiências e que operam em diferentes locais: escolas, famílias, ruas, ambiente de
trabalho, por exemplo.
Uma destas verdades, dessas grades de visualização, dessas normas, ou seja, um
destes dispositivos de produção de sentidos e que está presente nas vidas dos/as alunos/as que
participaram da pesquisa aqui apresentada é o de que só mulheres devem fazem filé. O
propósito da pesquisa foi utilizar este elemento estratégico, presente no cotidiano dos alunos
para pensar as relações de gênero e tentar captar tecnologias de subjetivação atuantes em suas
vidas.

80

Partimos do pressuposto de que o que falamos não está descolado das nossas
experiências, do que ouvimos, de que as nossas palavras propagam discursos produzidos e
envolvidos numa rede de supostas verdades e de relações de poder e de que estamos sempre
obedecendo a um conjunto de regras dadas historicamente e tidas como verdadeiras
(FISCHER, 2001), ou seja, partimos do pressuposto de que os enunciados dos alunos e dos/as
profissionais trazem indícios dos discursos que circulam na escola, como norma.
Desse modo, quando um aluno diz “Oxe, eu sou macho, professor! Eu sou espada! E
eu sou mulher pra fazer filé?”, seu enunciado põe em jogo um conjunto de elementos
referente às possibilidades de aparecimento, às normas de gênero do lugar em que vive, faz
parte de uma formação discursiva relacionada, principalmente, à divisão sexual do trabalho 25.
Dizer que não faz filé é mais do que dizer que não tem vontade, que não tem interesse, que
não gosta da atividade artesanal.
Mais uma vez é preciso recorrer a Foucault para caracterizar o que estamos
analisando nesta pesquisa uma vez que a noção de tecnologia aqui usada foi introduzida por
ele. Em especial, é preciso recorrer a seus ditos em Verdade e subjectividade publicados em
1993 onde ele situa o objetivo de suas pesquisas e deixa claro qual é o domínio de suas
análises. Nesses termos, ele destaca que:
A finalidade do meu projecto é construir uma genealogia do sujeito. O
método é uma arqueologia do conhecimento e o domínio exacto da
análise é aquilo a que eu daria o nome de tecnologias. Significando isto a
articulação de certas técnicas e de certos tipos de discurso acerca do
sujeito. (FOUCAULT, 1993, p.206).

É neste campo de análise sugerido por Foucault e com esta noção de tecnologia
como uma rede de técnicas e de discursos acerca do sujeito, que os enunciados sobre o filé
presentes na escola investigada são aqui analisados.
A partir destes enunciados podemos analisar algumas tecnologias de subjetivação de
gênero que funcionam regulando, organizando, moldando, enfim, demarcando os modos de
ser dos meninos que lá estudam.

25 De acordo com Hirata e Kergoat (2007) a divisão sexual do trabalho é uma “divisão do trabalho social

decorrente das relações sociais entre os sexos; mais que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da
relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a
designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a
apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares, etc.)”
(p. 599).

81

O principal propósito dessas tecnologias é naturalizar crenças que passam a operar
como verdades para os sujeitos, produzindo, maneiras de ser e viver. Estes discursos, estas
tecnologias estão no currículo e visam o governo das condutas, buscam subjetivar.
Em uma rede de saber-poder, análoga à do filé, que possuem vários pontos, vários nós,
várias ligações e onde são produzidas determinadas formas, são tecidas maneiras consideradas
adequadas e, por isso, naturalizadas, de ser menino. São estabelecidos modos considerados
corretos de brincar, de estudar, de falar, de se relacionar com o filé, modos de viver que
acabam se tornando conhecidos e tidos como naturais pelas crianças. Um conjunto de
condutas que se faz parecer o mais correto, o mais viável, o mais conveniente, em última
análise, o único possível para os meninos.
Nesse sentido, os enunciados prescrevem comportamentos aceitáveis aos meninos.
Determinadas características são, então, atribuídas a um menino de verdade. Há uma
amarração que acaba por delimitar a conduta dos meninos investigados.
As análises aqui empreendidas buscam localizar os acasos do discurso predominante
que camufla os processos de naturalização e que se apresenta como verdade inquestionável.
Buscam analisar as relações de poder que fazem com que determinadas formas de ser e viver
sejam contempladas neste discurso ao mesmo tempo em que outras são desqualificadas,
colocadas no campo da impossibilidade.
Este discurso pode ser caracterizado por enfatizar um determinado tipo de
subjetividade através de técnicas bem visíveis, fortes e duras. O objetivo é a constituição de
meninos machos de verdade. A palavra “espada”, presente no enunciado em destaque,
caracteriza esse macho: penetra, corta, violenta, fura.
O masculino e o feminino são divulgados no enunciado como características inatas e
universais e, portanto, são as bases para a padronização das formas de viver a feminilidade e a
masculinidade.
Louro (2005) aponta que “há uma obrigatoriedade de ‘preferir’ determinados
interesses, de desenvolver habilidades ou saberes compatíveis com as referências socialmente
admitidas para masculinidade e para feminilidade” (p. 91). Isso resulta no desconforto dos
meninos, quando estão diante de atividades ou práticas não tidas como naturais para seu sexo
e também quando não possuem habilidades em atividades tidas como próprias ao masculino.
Para fabricar determinados tipos de subjetividade, os enunciados sugerem modos de
ser, recorrem à tradição, proíbem certas atitudes, expõem, desqualificam o diferente,
fortalecendo as demarcações de gênero a partir das técnicas de governo, como veremos a
seguir.

82

4.2.1 “Ele faz filé, ele faz sim! ”26: o governo dos outros
Este enunciado surgiu durante uma observação no pátio da escola, quando um aluno
percebeu minha presença e perguntou o que eu estava fazendo na escola. Respondi que estava
realizando uma pesquisa sobre o filé e a pesca. Imediatamente, ele apontou um colega e em
voz alta começou a falar que este fazia filé.
Essa situação se prolongou durante, aproximadamente, cinco minutos e teve uma
grande repercussão, porque outros/as alunos/as se envolveram na conversa e também
começaram a falar em voz alta que o garoto fazia filé. Em meio a estas vozes, muitas
gargalhadas podiam também ser ouvidas, além de comentários como: “ele é mulherzinha”,
“ele é gayzinho” feitos por outros meninos.
Neste momento, o menino alvo dos comentários tentava se esconder atrás de uma
colega ao mesmo tempo em que falava que isso era mentira, que ele apenas vendia peças de
filé que eram confeccionadas pelas mulheres de sua família.
Sales (2010) observa que as técnicas de zuação, ou seja, aquelas que funcionam
apontando publicamente os sujeitos de forma a ironizar ou ridicularizar seus comportamentos
tidos como desviantes das normas atuam com fins de governo e de maneira bastante eficiente.
A pesquisadora mostra em sua pesquisa que, além dos alunos, os profissionais também
acionam estas técnicas na escola com objetivos considerados pedagógicos.
Na pesquisa realizada por Sales, a professora observada usa esta técnica quando diz
publicamente na sala de aula que irá obrigar alguns alunos a usar a cor rosa em uma atividade
com o objetivo de fazer com que eles parassem de atrapalhar a aula, ou seja, como castigo.
Na escola aqui analisada, o profissional responsável por observar os/as alunos/as no
pátio também utiliza esta técnica para chamar a atenção dos meninos. Com a pergunta “E aí,
já fez um filezinho hoje?”27 feita estrategicamente quando os meninos estão muito agitados,
ele objetiva colocar os alunos em uma situação constrangedora e assim deixá-los mais calmos
e pensativos.
Nesse sentido, a técnica da zuaçao, apontada por Sales (2010) e observada também
nesta pesquisa visa governar o comportamento dos meninos, moldando uma conduta
considerada adequada a um verdadeiro menino.
As técnicas de governo agem sobre as ações dos meninos, sobre seus modos de ser,
sobre as suas rotinas. Para Foucault (1993), o governo “não é uma maneira de forçar as

26
27

A5.
P6.

83

pessoas a fazer algo. O governo é sempre um difícil e versátil equilíbrio de
complementaridade e conflito entre técnicas que asseguram a coerção e processos por meio
dos quais o eu é construído e modificado por si próprio” (FOUCAULT, 1993, p. 207). Nesse
sentido, o governo deve ser entendido como uma tentativa de equilibrar técnicas de coerção
com processos de produção de subjetividades que possibilitem o autogoverno.
Na escola investigada, os meninos têm as suas vidas vigiadas e governadas,
principalmente, quando se trata de fazer filé. Como mostra o enunciado em destaque, eles são
apontados caso haja indícios de que participam de alguma forma do processo de confecção do
filé.
O enunciado aqui analisado atua como uma forma de governo que produz e transmite
discursos sobre os modos de ser a partir de uma política de verdade que divulga o
conhecimento sobre certas noções de gênero, no caso, de que fazer filé é coisa de mulher, que
são tomadas como verdadeiras e atuam visando o governo da conduta dos meninos.
Há, nos enunciados que circulam na escola, um interessante processo de
naturalização, uma recorrente tentativa de mostrar que é natural a mulher gostar de fazer filé,
por ter mais jeito, mais habilidades motoras finas, mais paciência, senso estético e que os
homens são naturalmente bons pescadores porque são mais fortes fisicamente, mais corajosos:
“Filé é mais pra feminino e pesca é mais pra masculino”28; “Filé é mais para mulher mesmo,
pesca é pro homem, todo mundo diz isso aqui, o pessoal do bairro, as mulheres também”29.
Para Walkerdine (1995), estes processos de naturalização das desigualdades
compõem uma tecnologia de governo que apresenta uma dada possibilidade como normal e,
portanto, natural.
Outra tecnologia de governo que vem operando na escola consiste em apontar que
alguém do sexo masculino e da família de um aluno faz filé “O tio do José é gay, ele vende
filé, faz filé” 30. Nesse sentido, não basta aos meninos não fazer ou não ser visto fazendo filé.
É preciso também não ter nenhum rendeiro em sua família para que sua masculinidade não
seja colocada em questão.
Posicionar-se contra o pensamento de que homem que faz filé é gay é também um
risco “Me chamaram de gay também quando disse que os outros não eram” 31. Podemos,
então, observar outra técnica de governo que busca corrigir as ações, as opiniões e os
posicionamentos dos meninos.
28

A6.
A7.
30
A8.
31
A8.
29

84

Desse

modo,

notamos

que

“Nossas

personalidades,

subjetividades

e

‘relacionamentos’ não são questões privadas, se isso significa dizer que elas não são objeto de
poder. Ao contrário, elas são intensivamente governadas” (ROSE, 1998, p. 30). O fato de
grande parte dos meninos não se interessarem pelo filé é resultado do investimento de um
processo de governo das relações de gênero que objetiva determinar as possibilidades de ser e
viver como um menino, estabelecendo fronteiras entre o que é feminino e o que é masculino.
Ao investigar a história da sexualidade, Foucault ficou convencido de que existiam
outros tipos de técnicas, além das de dominação. Ele começou a investigar também as
técnicas do eu e observou que estas que faziam com que os indivíduos efetuassem “operações
sobre os seus corpos, sobre as suas almas, sobre o seu próprio pensamento, sobre a sua
própria conduta, e isso de tal maneira a transformarem-se a eles próprios, a modificarem-se”
(FOUCAULT, 1993, p. 201).
Para Foucault, tornou-se interessante levar em conta as técnicas do eu além das de
dominação quando se busca analisar a genealogia do sujeito nas sociedades ocidentais, ou
seja, quando se busca investigar as formas de constituição das subjetividades.
Digamos que se tem de levarem conta a interacção entre estes dois tipos
de técnicas, os pontos em que as tecnologias de dominação dos
indivíduos uns sobre os outros recorrem a processos pelos quais o
indivíduo age sobre si próprio e, em contrapartida, os pontos em que as
técnicas do eu são integradas em estruturas de coerção (FOUCAULT,
1993, p. 207).

Nesse sentido, “o modo como os indivíduos são manipulados e conhecidos por
outros se encontra ligado ao modo como se conduzem e se conhecem a si próprios”
(FOUCAULT, 1993, p. 207). A produção das subjetividades ocorre, então, por meio das
articulações entre as técnicas de dominação e as técnicas de si.
4.2.2 “Eu aprendi, mas esqueci” 32: o governo de si
“De filé, eu não sei nada não” 33, “eu não quis aprender”34, “não gosto”35, estas
são algumas das formas pelas quais os meninos buscam mostrar na escola que não fazem filé.
Rose (1998) coloca “Pode parecer que pensamentos, sentimentos e ações constituem o próprio
tecido e constituição do mais íntimo eu, mas eles são socialmente organizados e
administrados nos mínimos detalhes” (p. 31).
32

A1.
A2.
34
A3.
35
A4.
33

85

Nesse sentido, estes enunciados longe de expressarem as mais íntimas vontades dos
meninos, atuam na relação do sujeito consigo, como técnicas de si, definidas como aquelas
que:
Permitem aos indivíduos efetuarem um certo número de operações sobre
seus corpos, sobre suas almas, sobre seu próprio pensamento, sobre sua
própria conduta, e isso de tal maneira a transformarem-se a eles próprios,
a modificarem-se (FOUCAULT, 1993, p. 207).

Nesses enunciados, os meninos avaliam-se e posicionam-se como aqueles que não
fazem filé. Eles produzem um saber sobre si mesmo, amparados na normatividade da
demarcação de gênero entre o filé e a pesca. Nesse mesmo movimento eles produzem também
um saber sobre outros, que são posicionados de diferentes formas caso estejam ou não
envolvidos com o filé, eles pensam e avaliam uns aos outros, conforme o enunciado a seguir
“Eu acho bom, mas não sei, os meus colegas, eles acham meio esquisito homem que faz
filé”36.
Nesses termos, assim como pensou Foucault, as técnicas de si e as técnicas de
dominação atuam conjuntamente na escola analisada e buscam desqualificar aqueles meninos
que fazem filé. Com essas estratégias, os enunciados sobre o filé fazem um nó cego entre ser
mulher e fazer filé, levando as crianças a desacreditarem na possibilidade de ser menino e ser
rendeiro.
Estes enunciados fazem muitos meninos desistirem de qualquer aproximação com o
filé mesmo que essa seja uma possibilidade de se ganhar dinheiro, mesmo que eles gostem de
fazer e achem bonito o artesanato. Faz com que eles deixem o ambiente doméstico e busquem
outras atividades fora de suas casas. Estes enunciados governam, demarcam a conduta dos
meninos que passam a se autogovernar além de governar os outros.
São precisamente essas estratégias de governo que dão sentido ao caráter
performático de gênero, ao produzir subjetividades generificadas, uma vez que a
performatividade “é sempre uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas”
(BUTLER, 2007, p. 167).
As normas de gênero “expressam-se por meio de recomendações repetidas e
observadas cotidianamente, que servem de referência a todos” (LOURO, 2008b, p. 22). Quem
aceita as sugestões é considerado “normal”, quem se posiciona fora delas é tido como
“anormal”.

36

A4.

86

Por meio dos enunciados e dos seus efeitos de verdade, de maneira exaustiva e
contínua, os meninos produzem verdade sobre eles mesmos. Para isso, utilizam as técnicas de
si que não são inventadas por eles. De acordo com Corazza (2001) estas técnicas são
“esquemas que eles encontram em sua cultura e que lhes são propostos, sugeridos, impostos
pela sociedade e grupos sociais” (p. 61). Nessa perspectiva, Foucault (2005) destaca que a
relação consigo “não constitui um exercício na solidão, mas sim uma verdadeira prática
social” ( p. 57).
Portanto, o enunciado em destaque “Eu aprendi, mas esqueci” só existe e permanece
sendo dito porque os meninos são interpelados pelas tecnologias de governo que buscam
moldar as suas condutas, as suas almas. As técnicas de governo, quando necessário, atuam
corrigindo os modos de ser dos meninos como mostra o enunciado. Mesmo que já se tenha
aprendido, é preciso esquecer como se faz filé.
As técnicas de governos produzem, desse modo, determinados modos de viver,
determinados tipos de subjetividades. A seguir, apresentamos alguns modos de ser menino
que são divulgados pelos enunciados que circulam, predominantemente, na escola.

4.3 Subjetividades produzidas na escola
4.3.1 “Ele é mulherzinha, ele faz filé!” 37: a desvalorização do feminino e a produção do
menino que não faz filé

Ao pensarmos a desvalorização do feminino e a produção do menino que não faz
filé, a partir do enunciado acima colocado, percebemos que as definições culturais sobre a
conformidade e desvio de gênero são tão fortes que os meninos ficam marcados quando
ouvem que exercem sua masculinidade inadequadamente.
Butler sugere que isso ocorre porque “a existência humana é sempre dotada de
gênero, extraviar-se do gênero estabelecido é em certo sentido questionar a própria
existência” (BUTLER, 1987, p. 143).
Para Scharagrodsky (2007), a masculinidade se constitui a partir da demarcação com
tudo aquilo que é considerado feminino, ou seja, para um sujeito ser considerado masculino
ele precisa afastar-se de tudo o que está ligado ao universo feminino. Nesse sentido, para ser

37

A10 apontando que um colega que, segundo ele, faz filé.

87

um menino de verdade é necessário refutar os valores que estão relacionados ao feminino e
valorizar aquele que estão ligados ao masculino.
Na escola estudada, observamos que os meninos além de se afastarem das coisas
consideradas femininas, desqualificam, rebaixam, ridicularizam e desvalorizam o que remete
ao feminino.
Segundo Alves e Pitanguy (1985), a desvalorização do feminino pode ser observada
desde a antiguidade clássica na Grécia quando as mulheres eram tão desprovidas de liberdade
quanto os escravos, trabalhando apenas em atividades desvalorizadas pelos homens livres
como, por exemplo, nas domésticas e nas artesanais.
Macêdo e Macedo (2004) apontam que foi o pensamento grego que impulsionou a
cultura ocidental a significar o homem como superior, como criador da ordem e da lei e a
mulher como um ser inferior, associado ao desejo e à desordem.
Podemos notar os vestígios deste pensamento nos discursos médico e religioso que
continuaram a desqualificar as mulheres durante toda a história (ALVES e PITANGUY.
1985).
No período Renascentista algumas atividades se tornaram exclusivamente masculina
e os trabalhos considerados femininos foram desvalorizados e “é justamente durante este
período, quando o trabalho se valoriza como instrumento de transformação do mundo pelo
homem, que o trabalho da mulher passa a ser depreciado” (ALVES e PITANGUY, 1985, p.
26).
Nem mesmo com a Revolução Francesa, que contou com a participação ativa das
mulheres, esse cenário de desvalorização foi alterado, uma vez que as conquistas foram
direcionadas apenas aos homens.
Foi o movimento feminista que, no final do século XIX, institucionalizou as
reivindicações das mulheres, buscando tornar visíveis as desigualdades entre homens e
mulheres e protestando contra a desvalorização do feminino.
No entanto, ainda hoje observamos várias situações nas quais as mulheres e as
atividades a elas relacionadas são desqualificadas. Nesse sentido, podemos dizer que há, nas
sociedades ocidentais contemporâneas, uma desvalorização simbólica das características
femininas (FONSECA, 2000).
Para Scott (1990) isso está diretamente ligado aos jogos de poder envolvidos nas
relações de gênero os quais buscaram/buscam estabelecer que as mulheres eram/são
incompatíveis com a vida pública e política.

88

Walkerdine (1995) coloca que a desvalorização do feminino também pode ser
observada nas salas de aula quando, por exemplo, as meninas que conseguem as melhores
avaliações são consideradas apenas esforçadas e dedicadas e não inteligentes. Já os meninos
que são avaliados negativamente são tidos como inteligentes, sendo as suas notas justificadas
pela falta de interesse nos estudos.
Nesse campo de sentidos, onde há a desvalorização do feminino, ser apontado
publicamente como um menino que faz filé e por isso ser chamado de mulherzinha é uma
situação nada agradável e que deixa marcas na subjetividade dos meninos. Podemos
caracterizar esta técnica como um constrangimento, pelo qual, muitos meninos passam e daí
tiram a lição de que não devem fazer filé.
As pesquisas de Reis (2011) e Sales (2010) também apontam que os meninos são
chamados de mulherzinha quando arriscam romper com as demarcações de gênero
estabelecidas. Dessa forma, ter letra bonita, ser organizado nas atividades, não fazer bagunça,
não saber jogar futebol e ter um bom desempenho na escola implica ser chamado de
mulherzinha e por mais que as características sejam valorizadas em geral, elas são
desqualificadas quando relacionadas aos meninos por serem consideradas de mulherzinha.
Observamos, assim como Reis (2011) que ser chamado de mulherzinha causa muito
sofrimento na escola uma vez que isso ocorre em situações públicas de gozação, humilhação e
agressão, justamente pelo fato destes meninos apresentarem características culturalmente
consideradas femininas e, portanto, desvalorizadas.
De acordo com Louro (2007), são as piadas, as gozações e os apelidos que
caracterizam situações constrangedoras para aqueles e aquelas que são considerados/as como
desviantes das normas de gênero. A autora destaca ainda que estas situações ocorrem com
bastante frequência e produzem efeitos nos modos de ser dos/as meninos/as.
Na escola aqui analisada, notamos que o fazer filé, mesmo sendo a principal fonte de
renda no bairro, mesmo sendo a atividade que vem possibilitando uma condição financeira
mais confortável às pessoas, é desqualificado por ser uma atividade considerada feminina e
que se relaciona com o ambiente doméstico.
O fazer filé aparece em alguns enunciados não como uma profissão, de maneira
semelhante, ou melhor, relacionado ao trabalho doméstico “Minha mãe não faz nada, ela é
rendeira” 38. Nesse sentido, dizer que ser rendeira não é uma profissão desqualifica o fazer

38

A11.

89

filé ao mesmo tempo em que deslegitima o poder financeiro das mulheres e sua crescente
importância no orçamento familiar.
Sobre o trabalho doméstico, Faria e Rocha (2011) argumentam que essa
desvalorização ocorre devido a ideia difundida nas sociedades capitalistas de que este é um
tipo de atividade que não requer investimento, por ser considerado uma atividade que
necessita de habilidades consideradas inatas, naturais as mulheres.
É interessante observar que o filé se tornou um trabalho feminizado mesmo quando
executado por meninos ou homens. Gordon apud Haraway (2000) chama isso de economia do
trabalho caseiro que consiste em uma
Reestruturação do trabalho que de forma geral, tem as características
anteriormente atribuídas a trabalhos femininos, trabalhos que são feitos,
estritamente, por mulheres. O trabalho está sendo redefinido ao mesmo
tempo como estritamente feminino e como feminizado, seja ele
executado, neste último caso, por homens, ou por mulheres. Ser
feminizado significa: tornar-se extremamente vulnerável; capaz de ser
desmontado, remontado, explorado como uma força de trabalho reserva;
que as pessoas envolvidas são vistas menos como trabalhadores/as e mais
como servos/as (p. 75-76).

Nesse sentido, o enunciado “Ele é mulherzinha, ele faz filé!” opera legitimando as
demarcações de gênero, reafirmando a desvalorização do trabalho feminino, do trabalho
doméstico, do trabalho artesanal e convidando os meninos a se afastarem do filé.

4.3.2 “Quando vê um homem fazendo filé é munheca quebrada, um cabra macho mesmo, um
cabra macho mesmo, não faz isso não” 39: a produção do menino heterossexual
A afirmação de que os meninos que fazem filé são “munheca quebrada” funciona
regulando as práticas e as relações de gênero. Com isso, os meninos são administrados,
governados e subjetivados (PARAISO, 2007) na medida em que a conduta de fazer filé é
julgada como homossexual e também desvalorizada. Butler observa que esse processo tem
início bem cedo quando
Nós imediatamente indagamos sobre certos traços sexualmente
diferenciados porque presumimos que aqueles traços irão num certo
sentido determinar o destino social da criança, e que o destino, seja o que
mais houver, é estruturado por um sistema de gênero predicado segundo a
pretensa naturalidade das oposições binárias e, por conseguinte,
heterossexualidade. Daí, ao diferenciar bebês do modo que fazemos,
39

P6.

90

recapitulamos a heterossexualidade como uma condição prévia para a
identidade humana, e apresentamos essa norma constringente à guisa de
fato natural (BUTLER, 1987, p. 147).

As normas de gênero e da sexualidade (heteronormatividade) precisam ser repetidas
para que as subjetividades produzidas continuem dentro de uma normalidade (BUTLER,
2007). A escola é uma instância privilegiada também neste processo (LOURO, 2000).
Na escola, determinadas formas de ser menino são apresentadas como possíveis e
outras como impensáveis. Dessa forma, observamos que na instituição escolar estudada, para
ser entendido como um menino de verdade, os garotos devem comportar-se de maneira
masculina e isso significa, primeiramente, se relacionar sexualmente e afetivamente com
meninas.
Hollway apud Lauretis (1994) aponta as relações sexuais como lócus primário onde
a diferença de gênero é reproduzida. Essa relação também pode ser encontrada em outros
estudos que investigaram homens em atividades tidas como femininas a exemplo de Ferreira e
Carvalho (2006) onde os homens que trabalham nas séries iniciais como professores são
chamados de homossexuais, bichas, gays se fugirem aos padrões masculinos.
Sales (2010) observa no currículo por ela analisado, que a masculinidade emotiva é
associada à homossexualidade e aciona uma serie de preconceitos que leva a rejeição desse
tipo de masculinidade, colocando-a sob ameaça. A técnica de expressar-se de maneira
emotiva, revelando os sentimentos de carinho, afeto e saudades dos pares é categorizada como
imprópria aos meninos.
Para Britzman (2007), a escola atua em uma lógica de correção afirmando que,
primeiro a pessoa deve obter um gênero correto e depois deve obter a sexualidade considerada
normal, ou seja, a heterossexual. Deste modo, a escola atua em uma lógica que relaciona
gênero com a sexualidade.
Para Louro (2007), a produção da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição
da homossexualidade, assim, os padrões de normalidade só fazem sentido quando a
anormalidade é produzida. Nesse caso, é o homossexual que é considerado anormal. Esta
produção do homossexual como anormal começou a ser pensada a partir da modernidade,
quando o sexo passou a ser considerado de maneira central na produção discursiva dos corpos
(LOURO, 2008a).
Segundo Foucault (1988), foi a partir do século XIX que o sexo começou a ser
regulado com uma ajuda inquestionável da medicina de forma a impor uma normalidade, ou
seja, formas corretas e saudáveis de se viver a sexualidade. Houve, nesse sentido, tanto a

91

produção como a divulgação das perversões sexuais pelos discursos da medicina. As
consideradas sexualidades periféricas (FOUCAULT, 1988, p.41) e as sexualidades sem
propósito (FOUCAULT, 1988, p.42), foram nomeadas, categorizadas e desqualificadas como
patologias.
A ideia da homossexualidade como patologia e inclusive a nomeação com o termo
homossexualismo, frequente ainda hoje, esteve presente nos documentos oficiais até o século
passado. Apenas em 1990, este termo foi retirado da CID-10 (Classificação estatística
internacional de doenças e problemas relacionados à saúde).
Para se ter uma noção de como a homossexualidade foi durante muito tempo
associada à patologia, aqui no Brasil, foi preciso o Conselho Federal de Psicologia divulgar
uma resolução em 1999 afirmando que a homossexualidade não era uma patologia. Esta
resolução buscou mostrar que o conhecimento psicológico não deveria servir para disseminar
preconceitos e discriminação relacionados à sexualidade.
Para Louro (2007b, p. 29), a homofobia40 se faz presente e é, muitas vezes, ensinada
na escola. As pessoas homossexuais são desprezadas, afastadas, ridicularizadas, como se
homossexualidade fosse uma doença e das contagiosas. Há uma grande resistência nas
aproximações com os sujeitos homossexuais uma vez que esta pode ser interpretada como
uma adesão à homossexualidade.
As pessoas homossexuais precisam adotar estratégias de sobrevivência e muitas
vezes ocultar as suas formas de viver a sexualidade. Johnson (apud Louro, 2007b) fala do
closet, como sendo uma forma escondida de viver a sexualidade entendendo-o como uma
epistemologia, isto é, como um modo de organizar o conhecimento/ignorância.
Esta epistemologia é marcada por concepções de sexualidade através de um conjunto
de oposições binárias, com as quais operamos: homossexualidade/heterossexualidade,
feminino/masculino,

privado/público,

segredo/revelação,

ignorância/conhecimento,

inocência/iniciação.
O que Johnson vai sugerir é mais uma dicotomia, a do closeting/educação, através da
qual a escola, que deveria ser o local que divulgasse conhecimento é, ao contrário, um lugar
marcado pelo ocultamento das questões relacionadas à sexualidade.

40

Homofobia é um conjunto de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio, desconfiança,
desconforto ou medo) que costumam produzir ou vincular-se a preceitos e mecanismos de discriminação e
violência contra pessoas homossexuais, bissexuais e transgênico (em especial travestis e transexuais) e, mais
genericamente, contra pessoas cuja expressão de gênero não se enquadram nos modelos hegemônicos de
masculinidade e feminilidade (JUNQUEIRA, 2007, p.60).

92

A escola é, então, um dos locais mais difíceis para que alguém assuma sua condição
de homossexual ou bissexual por ser uma instituição que vem desqualificando, negando e
ignorando a homossexualidade, ao divulgar que só há uma possibilidade de desejo, o
heterossexual.
Britzman (1996) apresenta em seu trabalho a concepção de heteronormatividade
como uma obsessão pela sexualidade normalizante através de discursos que divulgam a
homossexualidade como um desvio.
O enunciado aqui analisado funciona como uma técnica de subjetivação que busca
produzir um sujeito masculino heterossexual. Dentro de todo este contexto de desqualificação
da homossexualidade, o enunciado não funciona sozinho, ele se liga a todo este aparato de
saber-poder.
Louro (1998) argumenta que ao longo da história, a representação do gênero
masculino articula-se de um modo mais central do que a do gênero feminino, ou seja, a
heteronormatividade se impõe de maneira mais efetiva aos meninos.
De maneira semelhante, Sales (2010) observa que os meninos são mais vigiados em
suas sexualidades na escola a partir de situações homofóbicas onde são utilizadas técnicas
como o sarcasmo, que insinua maliciosamente a homossexualidade, o repúdio e o banimento
que exige a renúncia a determinados comportamentos considerados homossexuais. Desse
modo, estas técnicas produzem uma rejeição à homossexualidade.
Na escola, os meninos precisam mostrar determinados modos que sejam compatíveis
com a heteronormatividade. Isso porque estão em um ambiente no qual as relações de poder
tendem a desqualificar a homossexualidade e tudo o que a ela esteja relacionado.
Estas relações de poder categorizam o indivíduo “marca-o com sua própria
individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõem-lhe uma lei de verdade, que devemos
reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos
indivíduos sujeitos” (FOUCAULT, 1995, p. 235).
Uma vez estando relacionado à homossexualidade, conforme também observado por
Mesquita et al (2011), o fazer filé é desqualificado no contexto estudado. Desse modo, o
currículo analisado ensina como os meninos devem se comportar em relação à sexualidade e
ao filé, estabelecendo a oposição entre o normal (heterossexualidade) e o anormal
(homossexualidade). Os meninos que são captados por este enunciado se distanciam do filé e
buscam se posicionar na heterossexualidade.

93

Nesse sentido, o nó que une o fazer filé à homossexualidade é atado nos enunciados
que circulam na escola e um de seus possíveis efeitos é a produção da subjetividade
heterossexual.
4.3.3 “Eu surfo, jogo bola, vou para a rua [...] quando fico em casa não faço nada” 41: a
produção do menino público e pouco estudioso

Vianna e Finco (2009) destacam que as preferências dos meninos e das meninas não
são meras características oriundas do corpo biológico, são construções sociais e históricas.
Nessa perspectiva, o determinismo biológico não dá conta de explicar, por exemplo, no
contexto do bairro aqui estudado, porque os meninos estão jogando bola, surfando,
participando de atividades no ambiente público, na rua, porque eles não estão fazendo as
tarefas escolares, nem domésticas e nem filé.
Mas, se os meninos não são naturalmente públicos, não são surfistas por natureza e
não nasceram para jogar bola, como explicar a grande quantidade de meninos na praia e na
rua e a habilidade que eles demonstram nestas atividades?
A partir na noção de gênero aqui utilizada, pode-se dizer que estas características
tidas como naturais são produto de esforços, de discursos, de enunciados que buscam
diferenciar comportamentos, hábitos, modos de ser menino.
Nessa perspectiva em que gênero vai além dos corpos e dos sexos, podemos dizer
que estes jeitos de ser menino são fabricados. Assim, os meninos, longe de serem dotados de
um gosto natural pelo futebol, por exemplo, são quase que obrigados a jogá-lo (VIANA;
FINCO, 2009), longe de não possuírem habilidade e interesse para realizar as atividades
domésticas, são proibidos pelos discursos predominantes que amarram estas atividades ao
feminino.
Louro (2007b) aponta que futebol se constituiu como um esporte diretamente
relacionado à masculinidade. Por isso é considerado natural que um menino goste de futebol e
se envolva com esta modalidade.
Sales (2010) chama atenção para o fato de que o futebol no Brasil é uma atividade
obrigatória aos meninos que são reiteradamente treinados neste esporte, o que resulta na
construção de certa habilidade com o manejo da bola. Isso não ocorre, por exemplo, nos
Estados Unidos onde esta modalidade esportiva é predominantemente feminina.

41

A12.

94

No contexto aqui estudado, o mesmo ocorre com o surf. Por se tratar de um bairro
localizado no litoral, o surf é um esporte bastante praticado pelos meninos. É interessante
observar que as duas atividades estão relacionadas ao ambiente público.
Os enunciados dos meninos sobre o que eles fazem quando não estão na escola estão
sempre os relacionado ao ambiente público. As falas mostram que os meninos não estudam
quando não estão na escola e que ocupam o seu tempo com atividades fora do ambiente
doméstico.
Dal’Igna (2007) observa em sua pesquisa sobre desempenho escolar que os meninos
apresentam desinteresse nos estudos e nas aulas, têm maior dificuldade em leitura e escrita,
possuem desempenho escolar prejudicado pelo comportamento, manifestam desinteresse nos
estudos, são menos organizados e caprichosos com os cadernos escolares que meninas.
As análises da autora mostram que não há nada de natural nesses jeitos de ser dos
meninos. A pesquisadora frisa que são as práticas pedagógicas e os discursos que circulam na
escola que administram e normalizam estas crianças, regulam suas aprendizagens e também
ensinam formas particulares de ser e viver.
No enunciado aqui analisado, os meninos são impelidos a se envolverem em
atividades realizadas em lugares públicos, fora de casa. A subjetividade solicitada é, então, a
de um menino público. Este modo de ser dos meninos se relaciona com a ausência de
momentos de estudos fora da escola. Assim, é solicitado também um modo de ser pouco
estudioso que pode ter efeitos significativos no futuro profissional destes meninos.
4.3.4 “Eu vendo Alagoas dá sorte42, ajudo meu pai, ajudo meu irmão” 43: a produção do
menino trabalhador braçal e com baixos níveis de escolaridade.

Segundo Perticarrari (2007), foi a partir das relações de trabalho que foram
construídas e reforçadas estas diferentes representações sobre os lugares do masculino e do
feminino na sociedade, legitimadas por um discurso essencialista dos gêneros, que delimita o
espaço privado e a função do cuidado a mulher e o espaço público e a função de provedor aos
homens. Foi com o advento da Revolução Industrial que se consolidou a separação entre
política e trabalho, associado ao plano masculino, e o lar, o doméstico, associado ao feminino
(GROSSI, 2004).

42
43

Loteria do estado que é comercializada amplamente nas ruas da capital alagoana, inclusive, por crianças.
A13.

95

Na escola estudada, observamos que os/as alunos/as já a partir do sexto ano, aos
doze, treze anos, se preocupam com as questões financeiras da família. Ouvimos
frequentemente alunos/as das séries finais do ensino fundamental falando sobre a necessidade
deles trabalhar para ajudar a família.
Afastados do filé, muitos meninos se envolvem em outras atividades consideradas
masculinas: ajudam na construção civil, na pesca, em oficinas mecânicas, vendem “Alagoas
dá sorte”, enfim, buscam conseguir dinheiro longe do filé.
Assim, o fazer filé não se apresenta como uma alternativa de renda para grande parte
dos meninos, isso parece ocorrer porque, como observou Willis (1991), os meninos, ao
escolherem algum tipo de atividade para se ocuparem, observam se esta é tida como
masculina para que suas masculinidades não sejam colocadas em risco.
Carvalho (1998) destaca que o trabalho faz parte do processo de afirmação da
masculinidade em nossa sociedade. Para a autora, as relações de trabalho tem sido um dos
pontos-chave na afirmação das masculinidades “pelo fato delas estarem intensamente
associadas à habilidade técnica, à capacidade de estabelecer vínculos com outros homens”
(CARVALHO, 1998, p. 410).
Desse modo, os meninos ficam afastados do filé, em contato com outras práticas,
desenvolvendo determinadas habilidades, reafirmando as normas de gênero consagradas pela
divisão sexual do trabalho.
Em seu livro Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução, Willis
(1991) rompe com as tradicionais teorias da reprodução onde os alunos eram considerados
passivos, sendo manipulados pelos saberes e valores que eram transmitidos pela escola. O
autor passa a falar de uma teoria da resistência onde os alunos se posicionam no processo
educativo não apenas reproduzindo aquilo que a escola deseja.
Para ele, o fracasso escolar e a indisciplina são formas de resistência dos alunos
frente a imposição do conhecimento escolarizado. Apesar de sua pesquisa ter sido realizada
em uma escola inglesa e na década de 1970, podemos observar convergências com o contexto
estudado nesta pesquisa.
Willis mostra como um grupo de adolescentes rejeita os valores escolares e o
trabalho intelectual, valorizando o trabalho manual e a remuneração proporcionada por ele.
Para esses meninos, o conhecimento só é válido quando possui uma aplicação prática. Há,
então, um processo de diferenciação onde os meninos percebem e produzem distanciamentos
entre o modelo de ensino da escola e a cultura operária. Há também uma divisão de gênero

96

uma vez que essa cultura se relaciona com pressupostos machistas, o que contribui para a
reafirmação das demarcações de gênero.
Na escola aqui analisada, também notamos que os meninos se envolvem como
ajudantes em atividades manuais, distantes daquelas que necessitam dos conhecimentos
obtidos na escola. Estas atividades, consideradas masculinas, como a construção civil, a pesca
e o comércio compõem as possibilidades de trabalho na vida desses meninos. Dessa forma,
eles se constituem como meninos trabalhadores em funções braçais, que tendem a ser
desqualificadas.
Os enunciados dos próprios alunos e dos/as profissionais convidam os meninos a
viverem de determinadas formas, a tornarem-se meninos de verdade, a se tornarem “cabra
macho mesmo” 44, a não fazer filé, a pescar ou trabalhar em outras atividades, a surfar, jogar
bola, ficar na rua, a não estudar em casa. Os discursos que circulam na escola convidam, ou
melhor, convocam os meninos a terem um modo de vida heterossexual, trabalhador,
frequentador de espaços públicos e pouco estudioso.
Os modos de ser aqui apresentados são divulgados amplamente na escola como
normais, como verdadeiramente viáveis aos meninos. No entanto, há resistências a estas
formas de ser menino e as verdades que as sustentam. Alguns enunciados parecem recusar as
subjetividades impostas pela tradição, sugerindo e promovendo novos modos de ser menino.
A seguir, tentamos mostrar como se dão estas resistências.

4.4 Onde há poder, há resistência: os enunciados desviantes da norma
Talvez, o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas
recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que poderíamos
ser para nos livrarmos deste “duplo constrangimento” político, que é a
simultânea individualização e totalização própria às estruturas do poder
moderno [...] Temos que promover novas formas de subjetividade através
da recusa deste tipo de individualidade que nos foi imposta há vários
séculos (FOUCAULT, 1995, p. 239).

Foucault (2006c) afirma que “não há relações de poder sem resistências; que estas
são tão mais reais e eficazes quanto mais se formem ali mesmo onde se exercem as relações
de poder” (p. 249).
Este tópico objetiva discutir as contribuições da noção de resistência em Foucault
mostrando alguns enunciados que sugerem lutas dos sujeitos contra os modos de subjetivação,

44

P6.

97

expostos anteriormente, que buscam produzir os meninos, seus estilos de existência, suas
maneiras de avaliar uns aos outros, de pensar, agir e sentir.
Com base no pensamento de Foucault sobre a constituição do sujeito, identificamos
alguns enunciados que falam das possibilidades de subversão das as subjetividades impostas,
da invenção de novas posições subjetivas.
A discussão sobre as formas de resistência começou a ser explorada de maneira mais
evidente no fim da década de 70 nos trabalhos de Foucault. Alvim (2010) acredita que esta
preocupação com a relação entre poder e resistência está ligada à experiência do Maio de
1968 e às questões lançadas sobre os novos desenhos da resistência contra os poderes
instituídos.
No primeiro volume da história da sexualidade, Foucault além de mostrar que o
funcionamento do poder não pode ser entendido apenas no sentido de proibir, censurar, mas
sim no de produzir discursos e verdades. No caso específico do livro sobre o sexo, produzindo
supostas verdades e administrando as formas de se viver a sexualidade, apresenta também as
possibilidades de resistência.
A análise dos mecanismos de poder não tende a mostrar que o poder é ao
mesmo tempo anônimo e sempre vencedor. Trata-se ao contrário de
demarcar as posições e os modos de ação de cada um, as possibilidades
de resistência e de contra-ataque de uns e de outros (FOUCAULT, 1979,
p. 226).

Como já apontamos, no início deste capítulo, o objetivo principal de Foucault não foi
entender as relações de poder, mas sim o modo como nos tornamos sujeitos. Interessado em
compreender os modos de subjetivação Foucault (1995) coloca que há três tipos de lutas em
nossa sociedade “contra as formas de dominação (étnica, social e religiosa); contra as formas
de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem; ou contra aquilo que
liga o indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros (lutas contra a sujeição,
contra as formas de subjetivação e submissão)” (FOUCAULT, 1995, p. 235).
Desde o final do século XX, este terceiro tipo de luta, que evidencia os modos de
subjetivação e as possibilidades de resistência, vem se tornando cada vez mais importante.
Segundo Foucault (1995) “Isso se deve ao fato de que o Estado moderno ocidental integrou,
numa nova forma política, uma antiga tecnologia de poder, originada nas instituições cristãs.
Podemos chamar esta tecnologia de poder pastoral” (p. 236).
Esta forma de poder é individualizante e está ligada a produção de verdade, a
verdade do próprio individuo sobre ele mesmo, uma vez que “não pode ser exercida sem o

98

conhecimento da mente das pessoas, sem explorar suas almas, sem fazer-lhes revelar seus
segredos mais íntimos” (FOUCAULT, 1995, p. 237).
Objetivando dirigir a vida das pessoas neste mundo e não no outro, o poder pastoral
passa a ser exercido com objetivos mundanos. Antes ligado apenas a uma instituição religiosa,
ele passa a ser amplamente difundido em outras instituições como a família, a medicina, a
psiquiatria e, em especial, a escola.
Foucault enfatiza a luta contra as formas de subjetivação e de submissão, observando
que o poder não é meramente repressivo, que ele não só proíbe e interdita, mais do que isso, o
poder produz e incita. Nesse contexto, as relações de poder não podem ser marcadas pelo
constrangimento físico absoluto (FOUCAULT, 1979).
Podemos, a partir de estratégias, fugir das condições de dominação e submissão, pois
“não há relações de poder que sejam completamente triunfantes e cuja dominação seja
incontornável” (FOUCAULT, 1979, p. 232).
Scott (1990, p. 14) destaca que a noção de poder em Foucault “põe limites e contém
a possibilidade de negação, de resistência, de reinterpretação, de jogo de invenção metafórica
e de imaginação”. Nesse contexto, as relações de poder só fazem sentido quando há liberdade,
ou seja, quando há possibilidade de reação daqueles que são alvos do poder.
O poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, enquanto “livres” –
entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de
si um campo de possibilidade onde diversas condutas, diversas reações e
diversos modos de comportamento podem acontecer. Não há relações de
poder onde as determinações estão saturadas – a escravidão não é uma
relação de poder, pois o homem está acorrentado (trata-se então de uma
relação física de coação) – mas apenas quando ele pode se deslocar e, no
limite, escapar. Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade,
numa relação de exclusão (onde o poder se exerce, a liberdade
desaparece); mas um jogo muito mais complexo (FOUCAULT, 1995, p.
244).

Para Foucault (1995), a investigação das resistências é tão fundamental quanto a dos
mecanismos de poder.

Seguindo seus rastros, podemos dizer que os movimentos de

resistência buscam questionar os regimes de saber, as supostas verdades, principalmente
aquelas que objetivam mostrar quem somos e como devemos viver. Nesse sentido, quando
falamos em resistências falamos na multiplicação das possibilidades de construção subjetiva.
As subjetividades são construídas em um processo de constante movimento onde são
reinventados e criados novos os modos de ser. Dessa forma, os sujeitos a partir de suas
experiências são capazes de resistir, de pensar sobre si mesmo e reposicionar-se, mudando
suas formas de pensar e agir.

99

As resistências ficam evidentes quando entendemos o poder em termos de governo,
como ações que podem estruturar o eventual campo de ação dos outro e, portanto, produzir
subjetividades. Nesse sentido, o poder é entendido como:
Um conjunto de ações sobre ações possíveis; ele opera sobre o campo de
possibilidade onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele
incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna
mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente,
mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o
quanto eles agem ou são suscetíveis a agir. Uma ação sobre ações
(FOUCAULT, 1995, p. 243).

Como foi colocado no primeiro capítulo, o poder não se exerce sobre os sujeitos
prontos porque nos constituímos também nas relações de poder. Resistir ao poder é, portanto,
uma forma de resistir às subjetividades que nos são impostas nestas relações e entrar naquilo
que Alvim (2010) chama de “guerrilha subjetiva”. Na pesquisa realizada, os processos de
resistência possibilitam aos meninos pensarem em outras formas de ser que estão para além
daquelas estabelecidas e qualificadas como normais e naturais. Iremos a seguir explorar
algumas destas possibilidades.
4.4.1 “Ficam chamando eles de gay só porque eles fazem filé, isso não tem nada a ver só
porque eles fazem filé não quer dizer que ele é gay” 45

Observamos que, por meio da negociação dos sentidos divulgados nos enunciados,
produzem-se na escola estudada diferentes modos de ser menino. Nesse sentido, o currículo
pode ser entendido como uma prática social discursiva que está envolvida tanto na
normalização dos gêneros, como nas transgressões dessas normas, nos atravessamentos destas
fronteiras.
No contexto estudado, os meninos resistem aos modos de viver prescritos e tidos
como naturais. Eles estranham as subjetividades, observam o aspecto contingente de suas
verdades, buscam suas indicações históricas e desconfiam das relações de saber-poder
envolvidas nos processos de subjetivação.
Mesmo que a maioria dos enunciados acione diversas técnicas e produza
determinadas subjetividades impregnadas de valores que buscam reforçar, dentre outras

45

A8.

100

coisas, que não é adequado aos meninos fazer filé, há também enunciados que indicam formas
resistência aos modos de ser menino apresentados neste capítulo.
Observamos, então, que os processos de subjetivação em termos de gênero não estão
livres de conflitos. Ou seja, seus resultados nem sempre são os esperados, estando abertos a
múltiplas possibilidades por meio das resistências. De acordo com Foucault,
O poder não é substancialmente identificado com um indivíduo que o
possuiria ou que o exerceria devido ao seu nascimento; ele torna-se uma
maquinaria de que ninguém é titular. Logicamente, nesta máquina
ninguém ocupa o mesmo lugar; alguns lugares são preponderantes e
permitem produzir efeitos de supremacia (FOUCAULT, 1979, p. 219).

As palavras de Foucault sugerem que as relações de poder produzem efeitos de
supremacia, marginalizam e desqualificam algumas formas de viver, mas não anulam as
possibilidades de resistência e de criação de novos modos de ser menino. Dessa forma, a
resistência efetiva as pessoas, torna possível um processo de criação de novos modos de vida
pelo próprio sujeito (FOUCAULT, 1979, p. 225).
O enunciado em destaque questiona a ligação estabelecida entre o filé e a
homossexualidade, desfaz o nó entre a atividade de tecer e o exercício da sexualidade, cria e
divulga uma nova possibilidade, mostra que é possível ser menino, heterossexual e fazer filé.
4.4.2 “Eu fico em casa, estudo e jogo bola com os amigos”46

Este enunciado coloca em circulação outra possibilidade de ser menino, mostrando
que o modo de ser público e pouco estudioso não é o único, que é possível ser menino e
estudar em casa. O espaço privado, doméstico, tido como feminino, também é pensado como
um lugar para os meninos.
O enunciado traz também outro aspecto interessante relacionado aos modos de ser e
viver dos meninos: o de que eles são complexos, conflituosos e não coerentes. O mesmo
menino que estuda em casa, ou seja, que resiste ao discurso do menino pouco estudioso
também joga bola com os amigos, o que o aproxima do menino público.
Observamos, então, que os processos de resistência não precisam contestar uma
totalidade. Ele ocorrem de maneira micro, de acordo com o modo de viver dos meninos,
fazendo adequações que são interessantes e necessárias para os seus modos de vida.

46

A13.

101

Foucault, como já colocamos, não acreditou em uma forma universal de sujeito, mas
sim em um sujeito que se constitui a partir de práticas de sujeição e de resistência, em suas
experiências diárias que envolvem certo número de regras, convenções e estilos de ser
encontrados na cultura. Este conjunto de regras serve para delimitar nossas possibilidades e
oferecer os parâmetros de avaliação dos nossos modos de existência.
Desse modo, os cruzamentos das fronteiras de gênero se constituem como
mecanismos de resistência, como modos de questionamento das regras postas, como
multiplicação das possibilidades de ser viver para além do que é tradicionalmente
estabelecido.
Com isso, mesmo que as normas de gênero estejam envolvidas, sejam reiteradas em
diversas situações no currículo estudado e busquem fabricar meninos heterossexuais, poucos
estudiosos, públicos e trabalhadores, este processo não tem seus efeitos de poder garantidos.
O enunciado analisado evidencia o caráter artificial e produzido das características
rotuladas como sendo do gênero masculino ou feminino, mostrando que as diferenças, antes
de serem inatas, são constantemente produzidas.
4.4.3 “A maioria dos homens pesca e a maioria das mulheres faz filé, só que tem homem que
faz filé e mulher que pesca” 47
O distanciamento dos meninos do filé faz parte de um regime de verdade
(FOUCAULT, 1979) da cultura do bairro que amarra o masculino à pesca e o feminino ao
filé. Nesse regime, é divulgado que meninos não fazem filé.
No entanto, observamos que esta verdade vem sendo contestada por alguns meninos
conforme o enunciado em destaque. Nesse processo, outras verdades são fabricadas e
inventadas. Acima de tudo, há o reconhecimento de outras possibilidades, ainda que não de
maneira dominante.
Podemos observar, então, que embora existam inúmeras técnicas empenhadas em
produzir determinadas formas de subjetividade, nem todos os meninos são capturados por
elas. As subjetividades heterossexual, trabalhadora, pública e pouco escolarizada são, nesse
sentido, apenas uma possibilidade, uma forma de ser menino no contexto estudado.
A construção das subjetividades dos meninos ocorre em meio a tensões e conflitos.
As normas de gênero que operam no sentido de naturalizar seus modos de ser não são
impostas de maneira definitiva e sem resistências (SCHARAGRODSKY, 2007). Há disputas

47

A14.

102

com outras formas de ser e viver, com outras propostas e com outros discursos. Tanto as
subjetividades tidas aqui como predominantes como as resistentes não são fixas, coerentes,
permanentes e estáveis, mas sim permeadas por conflitos e passíveis de mudanças.
Os enunciados apresentados aqui mostram como os meninos se reinventam a partir
da resistência aos modelos de comportamento tradicionais impostos a eles. Desse modo, a
resistência também faz parte das práticas de si e oferece ao sujeito a possibilidade de exercer
diferentes relações consigo mesmo a partir de inúmeros jogos de verdade e de revoluções
cotidianas.
No entanto, estes enunciados que compõem um discurso de resistência apareceram,
apenas, durante as entrevistas individuais e não no grupo de discussão. Esse fato reforça a
predominância do discurso da tradicional divisão sexual do trabalho na escola indicando que
este vem sendo legitimado no currículo e contribuindo de maneira significativa na produção
de subjetividades na escola.

103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como os meninos são interpelados e subjetivados pelos enunciados relacionados ao
filé presentes no currículo da escola estudada? Em outras palavras, como estes enunciados
constroem a relação dos meninos com eles mesmos? Esta foi a pergunta que a pesquisa aqui
apresentada buscou responder analisando como os enunciados sobre o filé participam nos
processos de subjetivação dos meninos no contexto investigado, observando como os
profissionais da escola tratam as questões de gênero, identificando como o masculino se
apresenta nestes enunciados e atentando aos processos de resistência dos meninos.
A pesquisa evidenciou que o currículo é constituído não apenas pelos discursos
dos/as profissionais da educação e os das ciências. As análises deste trabalho mostram que o
currículo está para além das grades curriculares, não se tratando, apenas, de um conjunto de
conhecimentos, indiscutivelmente necessário à vida das pessoas, que deve ser transmitido
para os alunos.
O currículo está ligado à produção de verdades, às relações de poder, aos processos
de subjetivação e ao governo das condutas e é uma arena na qual diversos discursos estão
circulando com o objetivo de ensinar determinados modos de vida.
Nesse sentido, é importante ressaltarmos que o lugar das relações de gênero no
currículo investigado traz indícios da dinâmica das relações de poder que atuam nesse
contexto. Observamos que as discussões sobre gênero não são planejadas, elas surgem nas
salas de aula e o filé é um dos temas que faz com que isso ocorra em meio a um movimento
discursivo que tende a negar e ocultar a presença de homens na atividade artesanal, ou seja,
um movimento de permanência das tradicionais demarcações de gênero.
A atuação dos/as profissionais da escola é marcada pela inabilidade no trato das
questões de gênero, devido, em grande medida, a ausência dessa discussão durante a
formação. No entanto, há alguns pontos de fuga, principalmente, entre os/as docentes que
mesmo diante de uma política neoliberal que vem estrangulando um modelo de educação
mais amplo no que diz respeito ao que deve ser ensinado nas escolas, realizam intervenções
mais questionadoras em suas aulas.
Na escola investigada, foi possível identificarmos a existências de dois conjuntos de
enunciados sobre o filé que afetam os meninos: um predominante que age restringindo os
modos de ser a partir dos processos de subjetivação que se apóiam tradicionais divisões de

104

gênero, e outro que atua ampliando as possibilidades dos meninos através dos processos de
resistência.
Nesse cenário, o currículo da escola vem produzindo subjetividades padronizadas,
compostas por comportamentos considerados normais. De outro lado, há também na escola
um discurso de resistência que apesar de ter sido observado apenas nas entrevistas, vem
produzindo efeitos na vida dos meninos.
Os processos de subjetivação na escola são compostos por uma rede de técnicas e
discursos sobre os sujeitos que busca produzir verdades sobre os modos de vidas dos
meninos. Dessa forma, as ideias foucaultianas das técnicas de si e das técnicas de dominação
(FOUCAULT, 1993) foram fundamentais para analisarmos a subjetivação dos meninos. O
discurso predominante na escola, já citado acima, atua aliado a estas técnicas de governo.
Uma dessas técnicas observadas na pesquisa é a de zuação que funciona apontando
publicamente os sujeitos, ironizando e ridicularizando os modos de ser considerados
desviantes. Esta técnica foi observada tanto entre os alunos como entre profissionais e alunos,
o que chamou a atenção para a necessidade e importância de uma formação com abordagem
de gênero para os/as profissionais da escola.
Observamos, também, a técnica de naturalização que atua tornando natural a crença
de que os meninos não gostam de fazer filé e nem possuem as habilidades ditas necessárias
para esta atividade. Esta técnica ancora-se em características tidas como biológicas, ou seja,
meninos não são pacientes e não possuem coordenação motora, o que seria essencial para
fazer o filé.
Outra técnica de governo identificada é a da vigilância da família. Mesmo que os
meninos não façam filé, eles são vigiados caso tenha algum homem em sua família que esteja
envolvido com o artesanato.
Observamos, por último, uma técnica que busca capturar a alma, a opinião dos
meninos sobre a presença de homens no filé. Esta técnica busca convencer os meninos que
além de não fazer filé eles devem se posicionar contra a ideia de que homens podem fazer
filé.
Governados por estas técnicas, grande parte dos meninos são subjetivados e se
distanciam do filé. Mesmo que eles saibam fazer, eles passam a negar qualquer envolvimento
com o artesanato, ou seja, eles passam a produzir um saber sobre eles mesmo, a avaliar-se e a
posicionar-se como meninos que não fazem filé.

105

A condição masculina no currículo da escola é definida e apresentada a partir de um
conjunto de comportamentos que se distancia dos considerados femininos. Não fazer filé
parece ser o primeiro e mais importante desses comportamentos.
Trabalhar em outras atividades, surfar, jogar bola, ficar na rua, não estudar em casa
também são modos através dos quais os meninos tentam provar que são “cabras macho
mesmo”. Dessa forma, fazer filé, ter letra bonita, ser organizado nas atividades, não fazer
bagunça, não saber jogar futebol e ter um bom desempenho na escola implica ser chamado de
mulherzinha.
O discurso predominante e as técnicas de governo apresentadas recorrem à tradição,
proíbem certas atitudes, constrangem, ridicularizam, expõem, desqualificam os meninos que
fazem filé, fortalecendo as demarcações de gênero. Nesse contexto, mesmo sendo a principal
fonte de renda no bairro, o fazer filé é desqualificado por ser uma atividade considerada
feminina e que se relaciona com o ambiente doméstico.
Modos de ser considerados adequados à masculinidade são reiterados no cotidiano
escolar, especialmente, pelos enunciados dos meninos. A pesquisa identificou alguns tipos de
meninos que são produzidos pela tecnologia de subjetivação sintetizada acima, são eles:
heterossexual, trabalhador, frequentador de espaços públicos, pouco estudioso e que não faz
filé.
Estas indicações da pesquisa trazem para o debate alguns questionamentos sobre a
função da escola e do currículo uma vez que estes tipos de sujeito que vem sendo produzidos
tendem a continuar desvalorizando a condição feminina, contribuindo para a permanência das
hierarquias de gênero; a promover a heteronormatividade o que favorece a homofobia; a
continuar prejudicando profissionalmente uma grande quantidade de meninos devido à ideia
de que meninos não devem ser estudiosos e a diminuir as possibilidades de inserção dos
meninos no mercado de trabalho já que esta passa pela adequação ou não aos padrões
considerados masculinos.
Por outro lado, estes sujeitos não são totalmente passivos nos processos de
subjetivação. Isso abre espaço para questionamentos e a negação de supostas verdades
divulgadas pelo discurso predominante. Essa possibilidade pode desencadear movimentos de
resistências que também podem ser considerados técnicas de si, através das quais os sujeitos
podem se reinventar e viver menos aprisionados às normas impostas socialmente.
Estes movimentos de resistência na escola questionam a verdade de que o filé é uma
atividade exclusivamente feminina. Tornam problemático o discurso predominante que
distancia os meninos do filé.

106

Alguns enunciados põem em circulação outras verdades que incitam os meninos a
pensarem sobre si de maneira diferente, a assumirem outras formas de ser menino. Desse
modo, as resistências observadas na escola caminham no sentido de mostrar que é possível,
por exemplo, ser menino, heterossexual e também ser estudioso, caseiro e rendeiro.
A pesquisa mostrou que as subjetividades dos meninos, seus modos de agir e de
pensar não estão atreladas apenas, às questões privadas. Longe disso, elas tomam formas a
partir das relações sociais.
O currículo, analisado a partir dos elementos teórico-metodológicos fornecidos por
Foucault, está no centro do processo educativo. Os resultados desta pesquisa mostram que as
questões de gênero na escola e no currículo ainda precisam ser bastante discutidas. Os PCN
podem até ter tocado no assunto, no entanto, gênero ainda é um termo incompreendido e,
muitas vezes, tido como intocável nas instituições de ensino.
A pesquisa ressalta que a presença do debate sobre as relações de gênero no campo
da educação e, em especial, do currículo pode contribuir para a ampliação de oportunidades
de estudo e de trabalho para as pessoas independentemente de seu sexo.
Os processos de subjetivação e resistência não são fixos, estáveis, por isso, os
resultados de pesquisas como esta são considerados provisórios, sugerindo outras
investigações que busquem pistas, por exemplo, sobre como podemos discutir as demarcações
de gênero no campo do trabalho em uma instituição ainda tão fortemente marcada pela
heteronormatividade, como é a escola.
Foucault (1995) nos diz que viver em sociedade é viver em meio a uma rede de
relações de poder, onde sempre é possível alguns agirem sobre a ação dos outros. Não
podemos fugir dessa condição. No entanto, podemos como inclusive sugere Foucault, resistir
e promover novas formas de subjetividade e a escola é uma instituição privilegiada neste
processo.

107

REFERÊNCIAS

ALAMBERT, Zuleika. Educação diferenciada: uma realidade. Educação igualitária: uma
necessidade. In: COSTA, Ana A. A.; SARDENBERG, Cecília M. B. (Orgs.). Feminismo no
Brasil: reflexões teóricas e perspectivas. Salvador: UFBA / Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre a Mulher, 2008, p.315-322.
ALMEIDA, Marcos A. Problematizando a escola a partir da relação Corpo, Gênero e
Sexualidade. In: FERRARI, Anderson (Org.). Sujeitos, Subjetividades e Educação. Juiz de
Fora: Editora UFJF, 2010, p. 37-51.
ALVARO, Gilberto. A constituição discursiva do sujeito num texto multimodal. In:
SEMINÁRIO NACIONAL EM ESTUDOS DA LINGUAGEM, II, 2010. Cascavel.
Diversidade, Ensino e Linguagem. Cascavel, EDUNIOESTE, 2010, p. 1-13.
ALVES, Branca. M; PITANGUY, Jaqueline. O que é Feminismo. São Paulo: Brasiliense,
1985.
ALVES, Juliana Carla da Paz. Currículo, cultura escolar e disciplinamento. 2010. 93 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2010.
ALVIM, Davis M. Pensamento indomado: História, poder e resistência em Michel Foucault e
Gilles Deleuze. Revista de História (UFES), v. 24, p. 203-217, 2010.
ANDRADE, Andreza. O. Educação, Currículo e Conhecimento Histórico Escolarizado.
Saeculum (UFPB), v. 1, p. 97-107, 2006.
AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São
Paulo: Contexto, 2006.
ARAUJO, Rubenilson P. de. Gênero, diversidade sexual e currículo: um estudo de caso de
práticas discursivas e de (não) subjetivação no ambiente escolar. 2011. 151f. Dissertação
(Mestrado em Ensino de Língua e Literatura) – Universidade Federal do Tocantins,
Araguaína, 2011.
ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2011.
ASSIS - RISTER, Maria Cleusa Peixoto. A Inclusão escolar e gênero: o ambiente escolar
como fator de influência no currículo social e acadêmico dos alunos das séries iniciais do
ensino fundamental. 2008. 124 f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília.
BAMPI, Lisete. Governo, subjetivação e resistência em Foucault. Educação & Realidade, v.
27, n. 1, 2002.
BARROS, Suzana da C. de. Corpos, Gêneros e Sexualidades: um estudo com as equipes
pedagógica e diretiva das escolas da região sul do RS. 2010. 130 f. Dissertação (Mestrado em
ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2010.

108

BRASIL. 1998. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MECSEF, 1998.
BRITZMAN, Deborah P. O que e essa coisa chamada amor – identidade homossexual,
educação e currículo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p.71-96, jan./jun.
1996.
______. Curiosidade, sexualidade e currículo. In: LOURO, Guacira L. O corpo educado.
Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 83-112
BUTLER, Judith. Variações sobre sexo e gênero: Beauvoir, Wittig e Foucault. In:
BENHABIB, Seyla; CORNELL, Drucilla (Org.) Feminismo como crítica da modernidade.
Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1987, p.139-154.
______. Deshacer el gênero. Buenos Aires: Paidos, 2006.
______. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira. L.
(Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p.
151-172.
_____. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.
CABICIEIRA, Geisa Orlandini. Olhares de “crianças” sobre gênero, sexualidade e
infância. 200 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, Presidente Prudente, 2008.
CANDIOTTO, Cesar. Subjetividade e verdade no último Foucault. Trans/Form/Ação.
Marília, v. 31, p. 87-103, 2008.
CARVALHO, Marília. P. Gênero e trabalho docente: em busca de um referencial teórico. In:
BRUSCHINI, Cristina, HOLLANDA, Heloísa. B. Horizontes plurais: novos estudos de
gênero no Brasil. São Paulo: FCC, Ed. 34, 1998, p. 379-410.
CARVALHO, Maria. E. P. de. Uma agenda de pesquisa, formação humana e docente em
gênero e educação. In: PIZZI, Laura C. V.; FUMES, Neiza de L. F. (Org). Formação do
pesquisador em educação: identidade, diversidade, inclusão e juventude. Maceió: Edufal,
2007, p. 21-43.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez. 1995.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Estabelece normas de atuação para os
psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Resolução n. 1, de 22 de março de
1999. Brasília, 1999. Disponível em:
<http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/resoluca
o1999_1.pdf>Acesso em 05 de julho de 2012.
CORAZZA, Sandra M. O currículo e política cultural da avaliação. Educação & Realidade,
Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 47-59, jul./dez. 1995.

109

CORAZZA, Sandra M.. O que quer um currículo? pesquisas pós-criticas em educação.
Petrópolis: Vozes, 2001.
DAL’IGNA, Maria C. Gênero, sexualidade e desempenho escolar: modos de significar os
comportamentos de meninos e meninas. In: REUNIÃO DA ANPED, 30, 2007, Caxambu.
Anped: 30 Anos de Pesquisa e Compromisso Social. Caxambu, 2007. Disponível em: <
http://www.anped.org.br/reunioes/ 30ra/trabalhos /GT23-3467--Int.pdf >. Acesso em 08 maio
de 2012.
DANTAS, Carmem L. Rendeiras de Riacho Doce - pesquisa e texto. Rio de Janeiro:
Funarte, CNFCP, 2002.
DINIS, Nilson F. Educação, relações de gênero e diversidade sexual. Educ. Soc., Campinas,
v. 29, n. 103, p. 477-492, maio/ago, 2008.
DUARTE, Geovanna Passos. As relações de gênero no currículo de uma escola
profissionalizante: estudo de caso dos cursos técnicos de mecânica e química. 2009, 126f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2009.
FARIA, Guelmer J. A. de.; ROCHA, Délcio C. C. As novas (re)configurações do trabalho
doméstico remunerado no sistema capitalista vigente. Revista Desenvolvimento Social,
Montes Claros, v., n.1, p. 57-68, 2011.
FERREIRA, José L.; CARVALHO, Maria E. P. de. Gênero, masculinidade e magistério:
horizontes de pesquisa. Olhar de Professor, Ponta Grossa, v.9, n.1, p. 143-157, 2006.
FISCHER, Rosa M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa.
Rio de Janeiro, n. 114, p. 197-223, 2001.
______. A paixão de trabalhar com Foucault. In: COSTA, Marisa V. (Org.). Caminhos
investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002,
p. 39-60.
______. Foucault revoluciona a pesquisa em educação? Perspectiva. Florianópolis, v. 21, n.
2, 2003, p. 371-389.
______. Verdades em suspenso: Foucault e os perigos a enfrentar. In: COSTA, Marisa V.
(Org.) Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação.
Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2007, p. 48-70.
FONSECA, Tania. M. G. Gênero subjetividade e trabalho. Petrópolis: Vozes, 2000.
FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1972.
______. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.
FOUCAULT, Michel. Verdade e poder. In: MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do
poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.1-14.

110

______. Soberania e Disciplina. In: MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do poder. Rio
de Janeiro: Graal, 1979, p.179-192.
______. O olho do poder. In: MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do poder. Rio de
Janeiro: Graal, 1979, p. 209-228.
______. A governamentalidade. In: MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do poder. Rio
de Janeiro: Graal, 1979, p. 277-293.
______. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
______. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
______. Verdade e subjectividade (Howison Lectures). Revista de Comunicação e
linguagem. nº 19. Lisboa: Edições Cosmos, 1993. p. 203-223.
______. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert. L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault
– uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária, 1995. p. 231-249.
______. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. Campinas: Loyola, 1996.
______. Subjetividade e verdade. In: _____. Resumo dos cursos do Collège de France
(1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 107-115.
______. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
______. História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2005.
______. O Retorno da Moral. In: MOTTA, Manoel. B. (Org). Ditos e escritos V. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006a.
______. Foucault. In: MOTTA, Manoel. B. (Org). Ditos e escritos V. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006b.
______. Poderes e estratégias. In: MOTTA, Manoel B. da (Org). Ditos e escritos IV. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006c.
______. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
FRANÇA, Elisete Santana da Cruz. “Saindo do armário”, portas se abrem/fecham? As
sexualidades na escola e na formação docente. 2011. 119f. Dissertação (Mestrado em Crítica
Cultural). Universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2011.
GAMA, Ywanoska Maria Santos da. Gênero no currículo dos anos iniciais do ensino
fundamental: concepções e vivências de professoras. 147f. Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.

111

GIROUX, Henry A. O filme Kids e a política de demonização da juventude. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1,. p.123-36, jan./jun. 1996.
GONÇALVES, Andrea L. História e gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
GONZÁLEZ-TORRE, Ángel P.; ABADÍA, Oscar M. Michel Foucault y El problema del
gênero. Doxa, n. 26, p. 847-867, 2003.
GORE, Jennifer M. Foucault e educação: fascinantes desafios. In: SILVA, Tomaz T. (Org.).
O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 9-20.
GREGOLIN, Maria do R. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos e duelos.
São Carlos: Claraluz, 2007.
GROSSI, Miriam P. Masculinidades: uma revisão teórica. Antropologia em Primeira Mão.
Florianópolis, p. 4-37, 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 2002.
HARAWAY, Donna J. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo- socialista no
final do século XX. In: SILVA, Tomaz T. da (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens
do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 37-129.
HIRATA, Helena; KERGOAT, Daniele. Novas configurações da divisão sexual do trabalho.
Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 32, p 595-609, set./dez. 2007.
HÜNING, Simone Maria. O sujeito biotecnológico na viagem pelo reino das batatas
transgênicas, porquinhos fosforescentes e almas codificadas. 143 f. Tese (Doutorado em
Psicologia). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
HYPOLITO, Álvaro M; VIEIRA, Jarbas S; PIZZI, Laura C. V. Reestruturação Curricular e
Auto-intensificação do Trabalho Docente. In.: Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.100112, Jul/Dez 2009.
JUNQUEIRA, Rogério D. O reconhecimento da diversidade sexual e a problematização da
homofobia no contexto escolar. In: RIBEIRO, Paula R. C. et al. (Orgs). Corpo, gênero e
sexualidade: discutindo práticas educativas. Rio Grande: Editora da FURG, 2007, p. 59-69.
LAKATOS, Eva M; MARCONI, Marina de A. Fundamentos de Metodologia Científica.
São Paulo: Atlas, 1994.
LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 2001.
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz T. (Org.). O sujeito da
educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 35-86.
LAURETIS, Tereza. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa B. de. (Org.).
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994,
p. 206-242.

112

LOURO, Guacira. L. Segredos e Mentiras do Currículo, Sexualidade e Gênero nas Praticas
nas Praticas Escolas. In: SILVA. L. H da (Org.). A Escola Cidadã no Contexto da
Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 33-47.
______. Currículo, Género e Sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000.
______. O currículo e as diferenças sexuais e de gênero. In: COSTA, Marisa V. (Org.). O
currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 85-92.
______. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis:
Vozes, 2007a.
______. Pedagogias da sexualidade. In: ____ (Org.). O corpo educado: pedagogias da
sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007b, p. 9-34.
______. Um corpo estranho: ensaios sobre a sexualidade e a teoria queer. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008a.
______. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pró-Posições. Campinas, v. 19,
n. 02, p. 17-23, 2008b.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 1986.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10: Classificação estatística internacional de
doenças e problemas relacionados à saúde. São Paulo, Edusp, 1996.
MACÊDO, Goiacira N. S.;MACEDO, Kátia B. As relações de gênero no contexto
organizacional: o discurso de homens e mulheres. Psicologia: Organizações e trabalho, v.4,
n.1, p. 61-90, jan/jun, 2004.
MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: MACHADO, Roberto (Org).
Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.VII-XXIII.
MAIA, Mônica B. Gênero: um conceito em movimento. In: MAYORGA, Cláudia; PRADO,
Marco A. M. (Orgs.). Psicologia Social: articulando saberes e fazeres. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007, p. 133-141.
MANCEBO, Deise. Modernidade e produção de subjetividades: breve percurso histórico.
Psicologia: ciência e profissão, v. 22, n. 1, p. 100-111, 2002.
MESQUITA, Marcos R.; ALVES, Julia M. D.; MARTINS, Mário H. da M. Gênero, arte e
cultura: discutindo o caso dos rendeiros do Pontal da Barra. In: LEITÃO, Heliane de A. L.
(Org.) Coisas do gênero: diversidade e desigualdade. Maceió: EDUFAL, 2011, p. 147-165.
MEYER, Dagmar E. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira L., FELIPE,
Jane, GOELLNER, Silvana. V. (Orgs.). Corpo, Gênero e Sexualidade. Um debate
contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 9-27.

113

MOREIRA, Antonio F. B.; SILVA, Tomaz T. da. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma
introdução. In: _______ (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2006, p.
7-38.
NICHOLSON, Linda. Interpretando gênero. Estudos feministas, v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000.
NOVELINO, Aída M. Masculino/Feminino: Uma análise micro-política In: COSTA, Ana A.
A.; SARDENBERG, Cecília M. B. (Orgs.) Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e
perspectivas. Salvador: UFBA / Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 2008,
p.309-314.
PARAÍSO, Marlucy A. Currículo e mídia educativa brasileira: poder, saber e subjetivação.
Chapecó: Argos, 2007.
PEREIRA, Marcos V.; FERRARO, José L. S. Currículo e práticas de controle: o caso da
gripe H1N1. Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, p.134-146, 2011.
PEREIRA, Fabio Alves dos Santos. Currículo, educação física e diversidade de gênero.
2009. 198 p. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2009.
PERTICARRARI, Daniel. Foi com o trabalho que me tornei homem: trabalho, gênero e
geração. 165f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2007.
PINHEIRO, Odette. G. Entrevista: uma prática discursiva. In: SPINK, M. J. (org.) Práticas
discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas.
São Paulo: Cortez, 2000, p.183-214.
PIZZI, Laura C. V. Pesquisando as diferenças no currículo: contribuições da análise do
discurso. In: CAVALCANTE, Maria A. S. e FUMES, Neiza L. F. (Orgs.) Educação e
Linguagem: saberes, discursos e práticas. Maceió: EDUFAL, 2006, p. 21-33.
PIZZI, Laura C. V. et al. Análise sobre Currículo como Discurso, Texto e Narrativa. In:
MACEDO, Elisabeth; MACEDO, Roberto S.; AMORIM, Antonio C (Orgs.) Discurso, texto,
narrativa nas pesquisas em currículo. Campinas: FE/UNICAMP, 2009, p. 16-29.
POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regulação social e poder. In: SILVA, Tomaz
T. (Org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 173210.
REIS, Cristina D’Ávila. Currículo escolar e Gênero: a constituição generificada de corpos e
posições de sujeito meninos-aluno. 2011. 154p. Dissertação (Mestrado em Educação). Belo
Horizonte: UFMG, 2011.
RIBEIRO, Paula Regina. C. Inscrevendo a sexualidade: discursos e práticas de professores
das séries iniciais do ensino fundamental. 125 f. Tese (Doutorado em Bioquímica) – Instituto
de Ciências Básicas da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2002.

114

ROCHA, Décio; DAHER Maria D. C.; SANT'ANNA, Vera L. A. A entrevista em situação de
pesquisa acadêmica: reflexões numa perspectiva discursiva. Revista Polifonia, n. 8. Cuiabá:
EdUFMT, 2004, p. 161-180.
RODRIGUES, Fábio Rogério da Silva. O currículo e a norma: gênero, sexualidade e
educação entre alunos dos anos finais do ensino fundamental. 2003. 221f. Dissertação
(Mestrado em Educação). Universidade Federal de Pelotas, 2003.
RORTY, Richard. El giro lingüístico. Barcelona: Paidós, 1990.
ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, Tomaz T. (Org).
Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 30-45.
______. Como se deve fazer a história do eu? Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 26, n.
1, p. 34-57, 2001.
SALES, Shirlei Rezende. Orkut.com.escol@: currículos e ciborguização juvenil. 2010. 229
f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2010.
SANT´ANA, Moacir M. de. O Pontal da Barra através de um parecer. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas. Maceió, v. 41, 1989.
SANTOS, Anita Leocádia Pereira dos. Cotidiano da escola: desvelando sutilezas e
implicações nas relações de gênero no currículo em ação. 2007. 85f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.
SCHARAGRODSKY, Pablo. Masculinidades em acción: machos, maricas, subversivos y
cómplices. El caso de la Educación Física Argentina. In: RIBEIRO, Paula R. C. et al. (Orgs).
Corpo, gênero e sexualidade: discutindo práticas educativas. Rio Grande: Editora da FURG,
2007, p. 18-30.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação & Realidade, v.
16, n. 2, p. 5-22, 1990.
______. Igualdad versus diferencia: los usos de la teoría postestructuralista. Debate
Feminista, n. 5, p. 85-104, 1992.
SILVA, Tomaz. T. da. O adeus as metanarrativas educacionais. In: ______ (Org.) O sujeito
da Educação: estudos foucaultianos, Petrópolis:Vozes, 1994, p. 247-258.
______. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna. In:
SILVA, Tomaz T. da; MOREIRA, Antonio F. Territórios contestados: O currículo e os
novos mapas políticos e culturais. (Orgs). Petrópolis: Vozes, 1995, p. 184-202.
SILVA, Tomaz T. As pedagogias psi e o governo do eu nos regimes neoliberais. In: _____
(Org.). Liberdades reguladas: a pedagogia constutivista e outras formas de governo do eu.
Petropolis: Vozes, 1998, p. 7-13.

115

______. Dr. Nietzsche, curriculista – com uma pequena ajuda do Professor Deleuze. In:
MOREIRA, Antonio, F. B. MACEDO, Elizabeth F.(Orgs.) Currículo, práticas pedagógicas
e identidades, Porto: Porto editora, 2002, p. 35-52.
______. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.
______. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
______. Currículo e identidade social: territórios contestados. In: ______(Org). Alienígenas
na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 2009,
p. 190-207.
SILVA, Dayse de P. M. da. Gênero e sexualidade nos PCNs: uma proposta desconhecida. In:
In: REUNIÃO DA ANPED, 30, 2007, Caxambu. Anped: 30 Anos de Pesquisa e
Compromisso Social. Caxambu, 2007. Disponível em: < http://www.anped.org.br/reunioes/
30ra/trabalhos /GT23-3467--Int.pdf >. Acesso em 08 maio de 2012.
SOLER, Rodrigo D. de V. Y. Uma história política da subjetividade em Michel Foucault.
Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, 2008 .
SPINK, Mary J.; FREZZA, R. M. Práticas discursivas e produção de sentidos: a perspectiva
da Psicologia Social. In: SPINK M. J. P. (org.) Práticas discursivas e produção de sentidos
no cotidiano. São Paulo: Cortez, 1999.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VIANNA, Cláudia; FINCO, Daniela. Meninas e meninos na educação infantil: uma questão
de gênero e poder. Cadernos Pagu, Campinas, n. 33, p. 265-83, jul./dez. 2009.
VIEIRA, Jarbas S. Currículo (rastros, história, blasfêmia, dissoluções, deslizamentos, pistas).
Revista Debates em Educação. Maceió, vol. 01, nº 02, Dez, 2009.
WALKERDINE, Valerie. O Raciocínio em tempos pós-modernos. Educação & Realidade.
Porto Alegre, v.2, n.20, p.207-226, jul./dez. 1995.
WELLER, Wivian. Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes
teórico-metodológicos e análise de uma experiência com o método. Educação e pesquisa.
São Paulo, v.32, n.2, p. 241-260, 2006.
WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1991.

116

APÊNDICE
ROTEIROS
1. Roteiro do grupo de discussão com alunos/as
 Vocês gostam de vir à escola? Por quê?
 O que vocês mais gostam de fazer na escola?
 Qual o lugar que vocês mais gostam na escola?
 O que vocês consideram mais importante dentre o que aprendem aqui na escola?
 Vocês acham que os conhecimentos aprendidos aqui na escola são interessantes?
 Vocês utilizam estes conhecimentos no cotidiano?
 Vocês acham que a escola colabora com as amarrações de gênero? Como?
 O quê vocês sabem sobre o filé? Onde vocês aprenderam?
 Onde se faz o filé?
 Como se aprende a fazer filé?
 O quê vocês sabem sobre a pesca? Onde aprendeu?
 Como se aprende a pescar?
 O quê vocês acham da seguinte frase: homens pescam e mulheres fazem filé?
 O quê vocês acham do turismo no bairro?
 Qual o sentido e a importância do filé e da pesca em sua vida?
 Qual a profissão que vocês desejam seguir? Por quê?
2. Roteiro de entrevista com alunos
 Qual a sua série?
 Qual a sua turma?
 Qual a sua idade?
 Você mora no bairro há quanto tempo?
 Qual a sua religião?
 Quais são as pessoas que moram em sua casa? Qual a profissão e a escolarização de
cada uma?
 O que você faz quando não está na escola?
 Você já passou algum ano sem estudar? Qual foi o motivo?
 Quem te ajuda em casa com as atividades da escola?
 Você já foi reprovado/a? O que você acha que contribuiu para reprovação?
 Você já estudou em outra escola? Quais as principais diferenças desta?

117

3. Roteiro entrevista com professores
 Disciplina que leciona?
 Qual a sua formação?
 Qual a sua idade?
 Qual a sua religião?
 Há quanto tempo leciona?
 Você mora no bairro?
 O quê você sabe sobre o bairro?
 Quanto tempo trabalha nesta escola?
 Quantas vezes por semana você vem à escola?
 Você trabalha em outros locais?
 Quais as particularidades desta escola e como você se relaciona com elas?
 Você aborda as questões específicas do bairro em suas aulas?
 Quais?
 De que forma?
 Você já abordou as questões de gênero em suas aulas? Como?
 Em sua formação, as questões de gênero foram abordadas?
 Você acha que a escola colabora com as amarrações de gênero? Como?
 Como o filé e a pesca são abordados na escola?
 O que você acha da divisão sexual do trabalho no bairro?
 Em relação ao fundamental dois, quais as principais diferenças/semelhanças que você
observa em cada uma das turmas deste segmento?
 Como são os alunos e as alunas desta escola?
4. Roteiro entrevista com coordenação e direção
 Qual a sua formação?
 Qual a sua idade?
 Qual a sua religião?
 Leciona? Há quanto tempo leciona?
 Você mora no bairro?
 O quê você sabe sobre o bairro?
 Quanto tempo trabalha nesta escola?
 Quantas vezes por semana você vem à escola?

118

 Você trabalha em outros locais?
 Quais as particularidades desta escola e como você se relaciona com elas?
 Como o filé e a pesca são abordados na escola?
 O que você acha da divisão sexual do trabalho no bairro?
 A escola já fez algum trabalho sobre gênero?
 Você acha que a escola colabora com as amarrações de gênero? Como?
 Em sua formação, as questões de gênero foram abordadas?
 Em relação ao fundamental dois, quais as principais diferenças/semelhanças que você
observa em cada uma das turmas deste segmento?
 Como são os alunos e as alunas desta escola?
 Como é a relação da escola com as famílias dos/as alunos/as do fundamental II?
5. Roteiro entrevista com funcionário/a
 Qual a sua função na escola?
 Qual a sua escolaridade?
 Qual a sua idade?
 Qual a sua religião?
 Há quanto tempo trabalha na escola?
 Mora no bairro?
 O que sabe sobre o bairro e que chama atenção?
 Trabalha em outro local?
 Quais as particularidades desta escola?
 Como são os alunos/as desta escola?
 Você acha que a escola colabora com as demarcações de gênero?
 O que acha da divisão sexual do trabalho no bairro?
 O que sabe sobre o filé e a pesca?
 Como estas atividades são tratadas aqui na escola?
 Quais as particularidades do ensino fundamental II?