Jorge Luiz Fireman Nogueira
Título da dissertação: O SOFTWARE HAGÁQUÊ: UMA PROPOSTA PARA A PRÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA DA PESSOA COM SURDEZ.
Jorge Luiz Fireman Nogueira.pdf
Documento PDF (2.8MB)
Documento PDF (2.8MB)
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O SOFTWARE HAGÁQUÊ: UMA PROPOSTA PARA A
PRÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA DA
PESSOA COM SURDEZ
Jorge Luiz Fireman Nogueira
Maceió - Al
2009
1
JORGE LUIZ FIREMAN NOGUEIRA
O SOFTWARE HAGÁQUÊ: UMA PROPOSTA PARA A
PRÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA DA
PESSOA COM SURDEZ
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade
Federal de Alagoas, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação da Profª Dra.
Neiza de Lourdes Frederico Fumes.
Maceió - Al
2009
2
3
iv
Dedico este trabalho à Deus,
por seu amor de pai,
pelo presente que é viver e
por todas as oportunidades de crescimento.
v4
Agradeço especialmente à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES,
pela concessão de bolsa de estudo, incentivo fundamental
durante todo o curso de pós-graduação.
5
vi
AGRADECIMENTOS
•
À Rosa Denise, minha mãe, por sua dedicação plena e amor incondicional;
•
Aos meus familiares e amigos, por compreenderem a minha ausência nas
inúmeras oportunidades de confraternização;
•
À minha orientadora, Profa. Dra. Neiza de Lourdes Frederico Fumes, que
me acompanhou ao longo do crescimento profissional alcançado pela
realização deste trabalho;
•
À Profa. Dra. Elisa Schlunzen, pelo carinho, respeito e apoio em todas as
ocasiões;
•
Ao Prof. Dr. Luis Paulo Mercado, pelo incentivo à pesquisa e
aperfeiçoamento profissional;
•
À Profa. Dra. Maria Auxiliadora, por suas colaborações na sociolingüística;
•
À Olindina, por suas valiosas sugestões e oportunidades de crescimento
profissional e humano;
•
À Direção da escola e do CAS, por permitir a realização da pesquisa;
•
Aos alunos que participaram da pesquisa, meus sinceros agradecimentos;
•
À Claudinete, Valéria, Carol, Danielly, Radjalma e Daniel, por acreditarem
na proposta do estudo e pelas imensas contribuições ao longo da pesquisa
de campo;
•
À Suzana, por sua cooperação na pesquisa de campo;
•
À Isabela, Andréa, Rose e Jadilza, por seus préstimos junto a secretaria e
biblioteca do Programa de Pós-Graduação/CEDU;
•
À Ana Luiza, minha prima, por sua imensa contribuição como revisora;
•
À Priscila, minha prima, pela colaboração nas filmagens;
•
Ao Rafael, meu primo, por seus conhecimentos em língua estrangeira;
•
Aos colegas de trabalho, pelo incentivo ao longo de todo o processo de
produção deste trabalho;
•
Aos colegas do NEEDI, em especial a Janaina, por dividir momentos de
alegria e desânimo;
•
À todos, que de forma direta ou indireta contribuíram com esta pesquisa.
vii
6
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo investigar as contribuições do uso do
software HagáQuê para a prática da Língua Portuguesa escrita de pessoas
com surdez apresentando diferentes níveis de escolaridade, especificamente,
alunos do ensino fundamental e alunos do ensino superior. A pesquisa possui
uma abordagem qualitativa, na medida em que a análise do processo de
construção da língua portuguesa escrita da pessoa com surdez se sobressaiu
em relação à produção escrita. A pesquisa de campo foi desenvolvida em uma
escola pública da rede municipal e em um centro de atendimento à pessoa com
surdez, portanto, o estudo se caracteriza como um estudo de caso coletivo.
Para a coleta de dados foi utilizada a estratégia da observação participante,
acompanhado por filmagens e anotações em diário de bordo. Os resultados
alcançados mostraram a necessidade de analisar com critério o processo e a
produção escrita da pessoa com surdez através do uso da tecnologia
educacional. Ficou constatado que apresentar aos alunos atividades com
formatos e características motivadoras e envolventes, que contemplem o
trabalho com toda uma riqueza de elementos visuais, despertou o interesse de
participação nas atividades de construção da produção escrita. A participação
de um adulto fluente em Língua Portuguesa escrita durante os encontros foi
fundamental para o trabalho de produção escrita pela pessoa com surdez. Do
mesmo modo, contar com a atuação de intérpretes proficientes em Língua
Brasileira de Sinais permitiu a troca de informações entre o pesquisador e os
pesquisados e, assim, favoreceu desde o simples esclarecimentos de dúvidas
à tomada de consciência dos alunos sobre o uso da Língua Portuguesa escrita
em práticas sociais diversas. As dificuldades dos alunos do ensino fundamental
em ser proficiente na língua de sinais, bem como as dificuldades dos alunos do
ensino superior em se apropriar da língua portuguesa escrita, representam os
principais fatores limitantes para o processo de construção escrita nesta
pesquisa. Sendo o HagáQuê um recurso predominantemente visual, permitiu
constatar a satisfação e o empenho destes sujeitos na realização de trabalhos
envolvendo a linguagem escrita de forma mais prazerosa e lúdica. Contudo, é
possível afirmar que o software HagáQuê é um recurso promissor para a
prática da língua portuguesa escrita da pessoa com surdez e aponta para a
necessidade de que os profissionais envolvidos em práticas deste tipo
valorizem o uso de estratégias criativas e desafiadoras, que considerem a
multiplicidade de contextos e assim possam favorecer a construção do
conhecimento de forma significativa.
Palavras-chave: Tecnologia educacional, produção escrita, pessoa com surdez.
7
viii
ABSTRACT
This research aims to investigate the contributions of the use of the software
“HagáQuê” to practice Portuguese Language written by deaf people with
different levels of education, specifically elementary school students and higher
education. The research has a qualitative approach because the analysis of the
construction of the Portuguese Language written of the person with hearing loss
was better in relation to the writing. The study is characterized as a collective
case study, whereas field research was conducted in a public school in the
Municipal Center and a service to people with hearing loss. To collect data it
was used the strategy of participant observation, accompanied by shooting and
notes in the logbook. The results showed the need to analyze the test process
and the written production of the person with hearing loss through the use of
educational technology. It was found that introducing students to activities with
shapes and features motivating and engaging that integrate the work with a
wealth of visual elements, aroused the interest of participation in construction
activities of the written production. The participation of an adult fluent in
Portuguese Language written during the meetings was crucial to the written
production work by the person with hearing loss. Likewise, the performance of
interpreters proficient in Brazilian sign language allowed the exchange of
information between researchers and visited, and thus favored from the simple
clarification of doubts the awareness of students on the use of the Portuguese
Language written in different social practices. The difficulties of elementary
school students to be proficient in sign language, and the difficulties of students
in higher education in appropriating the Portuguese Language written,
represents the main limiting factors for the process of building this research. As
“HagáQuê” a predominantly visual appeal, it is apparent satisfaction and
commitment of these subjects in carrying out work involving written language in
a more enjoyable and playful. However, it is possible to say that the software
“HagáQuê” is a promising resource for the practice of Portuguese Language
written of the person with hearing loss and points to the need for professionals
involved in such an approach valuing the use of creative strategies and
challenging, to consider multiplicity of contexts and thus may promote the
construction of a significantly knowledge.
Keywords: Educational technology, writing skills, people with hearing loss.
8ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Explorando o Hagáquê.
Figura 2: Explorando o Hagáquê.
Figura 3: Explorando o Hagáquê.
Figura 4: planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas destas
regiões e as estações do ano.
Figura 5: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas destas
regiões e as estações do ano.
Figura 6: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações
características destes climas
Figura 7: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações
encontradas nestas regiões
Figura 8: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações
características destes climas.
Figura 9a-b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 10a-b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 11a-b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 12a-b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos
não-saudáveis e suas conseqüências para o organismo
Figura 13: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos nãosaudáveis e suas conseqüências para o organismo
Figura 14: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos nãosaudáveis e suas conseqüências para o organismo.
Figura 15: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Figura 16: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Figura 17: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
x9
Figura 18: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
Figura 19: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
Figura 20a-b: Tema livre.
Figura 21: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e importância de uma boa
alimentação.
Figura 22: Tema Livre.
Figura 23a-b: Tema Livre.
Figura 24: Tema Livre.
Figura 25a-b: Tema Livre.
Figura 26a-b: Tema Livre.
Figura 27a-b-c-d: Alimentos saudáveis, alimentos não-saudáveis
importância de uma boa alimentação.
e a
Figura 28: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas destas
regiões e as estações do ano.
Figura 29: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas destas
regiões e as estações do ano.
Figura 30: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações
características destes climas.
Figura 31a-b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 32a-b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 33: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 34: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Figura 35a-b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos
não-saudáveis e suas conseqüências para o organismo
Figura 36a-b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos
não-saudáveis e suas conseqüências para o organismo.
xi
10
Figura 37a-b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos
não-saudáveis e suas conseqüências para o organismo
Figura 38: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos nãosaudáveis e suas conseqüências para o organismo
Figura 39: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Figura 40: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Figura 41: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Figura 42: Manuseio dos periféricos do computador, familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HagáQuê e produção escrita.
Figura 43a-b: Tema livre.
11
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Informática na educação da pessoa com surdez (Adaptado de
Campos e Silveira, 1998, p.12-13).
Quadro 2: Sugestões de adaptações no HagáQuê para o uso com PS.
(Adaptado de Tanaka, 2004, p. 68).
Quadro 3: Sugestões de adaptações no HagáQuê para o uso com pessoas
com necessidades educacionais. (Adaptado de Tanaka, 2004, p. 69).
Quadro 4: Informações gerais dos indivíduos pesquisados no Estudo 1.
Quadro 5: Informações gerais dos profissionais pesquisados no Estudo 1.
Quadro 6: Aspectos relacionados aos encontros no laboratório de informática,
Estudo 1.
Quadro 7: Informações gerais dos indivíduos pesquisados no Estudo 2.
Quadro 8: Informações gerais dos profissionais pesquisados no Estudo 2
Quadro 9: Aspectos relacionados aos encontros no laboratório de informática,
Estudo 2.
12
xiii
LISTA DE SÍGLAS
PS - pessoas com surdez
CT - Comunicação Total
LS – Língua de Sinais
L1 – Primeira língua
L2 – Segunda língua
CB - Comunicação Bimodal
INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos
AEE - Atendimento Educacional Especializado
LP - Língua Portuguesa
IE - Informática na Educação
PD - Pessoa com Deficiência
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
HQ - Histórias em Quadrinhos
CEPPRE - Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel
Porto
CAS - Centro de Capacitação de Profissionais na Área da Surdez e
Atendimento às Pessoas Surdas
EMEF - escola municipal de ensino fundamental
PPP - Projeto Político Pedagógico
xiv
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15
CAPÍTULO 1 - Percorrendo caminhos sobre a educação da pessoa com
surdez ............................................................................................................. 22
1.1. Reflexões sobre as abordagens educacionais para a pessoa com surdez
.......................................................................................................................... 22
1.2. Bilingüismo no contexto escolar: para quê? Por quê? ............................. 29
1.3. Implicações para o letramento na educação de surdos ........................... 35
1.4. Algumas considerações sobre a linguagem escrita da pessoa com surdez
......................................................................................................................... 41
CAPÍTULO 2 - A tecnologia educacional na perspectiva da educação
inclusiva ......................................................................................................... 50
2.1. A tecnologia educacional na perspectiva da educação inclusiva ............ 50
2.1.1. O uso do software educacional na educação da pessoa com
surdez .............................................................................................................. 61
2.1.1.2. O software HagáQuê na educação da pessoa com surdez
.......................................................................................................................... 69
2.1.2. Limites e possibilidades para a produção escrita da pessoa com
surdez através do software HagáQuê ............................................................. 76
CAPÍTULO 3 - Aspectos Metodológicos ...................................................... 82
3.1 Caracterização da pesquisa ...................................................................... 82
3.2 Caracterização dos estudos ...................................................................... 83
3.2.1 Estudo 1 – Ensino Fundamental .................................................. 84
3.2.2 O universo da pesquisa ............................................................... 86
3.2.3 Os sujeitos ................................................................................... 86
3.2.4 Instrumentos para coleta de dados ............................................. 90
3.2.5 Procedimentos e coleta de dados ............................................... 90
3.3.1 Estudo 02 – Ensino Superior ....................................................... 94
14
3.3.2 O universo da pesquisa ............................................................... 95
3.3.3 Os sujeitos ................................................................................... 96
3.3.4 Instrumentos para coleta de dados ............................................. 97
3.3.5 Procedimentos e coleta de dados ............................................. 98
CAPÍTULO 4 – Apresentação e discussão dos dados .............................. 100
4.1. Estudo 1 – Ensino Fundamental ............................................................. 100
4.1.2 Discussão dos resultados .......................................................... 120
4.2. Estudo 1 – Ensino Superior .................................................................... 126
4.2.1 Discussão dos resultados .......................................................... 142
Considerações finais ................................................................................... 146
Referências ................................................................................................... 153
APÊNDICE A – Apresentação das produções escritas dos alunos com surdez
do Ensino Fundamental ................................................................................. 161
APÊNDICE B – Apresentação das produções escritas dos universitários com
surdez ............................................................................................................ 175
15
INTRODUÇÃO
Neste capítulo da dissertação, apresento a origem e a justificativa desta
pesquisa, que teve como tema norteador o uso da tecnologia como um recurso
para o desenvolvimento de habilidades e/ou capacidades humanas. Vale
destacar que desenvolvê-la foi uma oportunidade desafiadora e, ao mesmo
tempo, bastante instigante e motivadora.
Esse tema tem origem em meu caminhar pessoal e acadêmico, definido
por uma vivência de contestações e inquietações. Ao longo de minha
graduação em Educação Física, constatei que a utilização de tecnologias (ex.
caneta, fitas antropométricas e outras) é essencial para a atuação profissional,
desde a atividade simples de registrar uma informação, como o peso ou a
altura de um aluno ou cliente, até a produção de um conhecimento teórico para
auxiliar a construção de outro equipamento mais elaborado e sofisticado para
os mais diversos fins.
No último ano do curso de graduação, em 2003, atuando como
estagiário de natação, na disciplina de Estágio Supervisionado, conheci um
aluno que possuía o diagnóstico de paraplegia e essa condição não o impedia
de ser um exímio nadador. Durante as aulas de natação, percebi a
necessidade da utilização de vários equipamentos com esse aluno, tais como:
palmar, pranchas, flutuadores e outros. Tais equipamentos favoreciam o aluno
na execução dos exercícios, bem como no desenvolvimento de suas
habilidades. Ao observar tais fatos, pude perceber, de forma abrangente e
crítica, como o ser humano é beneficiado pelo uso orientado das tecnologias,
seja para aquele que ensina, quanto para o que aprende.
Contudo, jamais imaginei que antes mesmo de concluir o período do
estágio, estaria eu, também, na condição de uma pessoa com deficiência
física. No trajeto até o trabalho, estava guiando minha bicicleta e fui atropelado
por um carro. Como consequência desse acidente de trânsito, fiquei com o
diagnóstico de tetraplegia por traumatismo raquimedular. Por essa razão,
minha graduação e estágio foram interrompidos abruptamente. Ingressei,
então, em outra “graduação”, que, para além de conteúdos técnicos e teóricos,
simbolizou o processo de descoberta de uma nova realidade, a das pessoas
com deficiência física.
16
Em meio a um tumulto de sentimentos e sensações, no decorrer do
processo de reabilitação, tive a oportunidade de conhecer as Tecnologias
Assistivas, que são “produtos, instrumentos e equipamentos ou tecnologias
adaptadas ou especialmente projetadas à funcionalidade das pessoas com
deficiência [...] favorecendo a autonomia pessoal total ou assistida” (Art. 61,
Decreto nº 5.296/04). Com essas ferramentas, descobri um universo de
possibilidades para fazer tarefas diferentes com um mesmo recurso, ou seja,
com uma mesma tecnologia, consegui escrever e pintar, digitar no computador
e escovar os dentes, dentre outras. Além disso, sem elas, seria praticamente
impossível desenvolver determinadas atividades primordiais para a finalização
do meu curso de graduação.
Em seguida, no período de 2004 a 2006, cursei e concluí duas
especializações lato sensu, sendo uma na área de saúde e a outra em
educação. Vale salientar que, ao longo dessa trajetória até os dias atuais, o
uso das Tecnologias Assistivas é essencial e fundamental em minha vida,
propiciando avanços pessoais e profissionais.
Ao ingressar no mestrado, em 2007, novamente na área da Educação,
foquei minhas inquietações e questionamentos na busca por caminhos teóricometodológicos que comprovassem o uso das tecnologias para a promoção da
educação, ou seja, para a melhoria do ensino, sobretudo a educação da
pessoa com deficiência física em um contexto inclusivo. Diante desse desafio,
percebi a necessidade de investigar sobre o uso das tecnologias como meio
para atenuar e/ou eliminar barreiras na aprendizagem, em especial aquelas de
comunicação e interação.
Busquei informações na rede pública de ensino sobre casos de crianças
com deficiência física que utilizavam as Tecnologias Assistivas como um
recurso para auxiliar em seu processo de escolarização. Não encontrei nenhum
caso. Durante minha busca, tomei conhecimento de crianças com surdez que
tinham utilizado o software livre HagáQuê, para auxiliar na produção escrita da
língua portuguesa. Reorientei, então, a minha intenção de pesquisa, com o
intuito de investigar como esse software poderia oportunizar a aprendizagem
da Pessoa com Surdez (PS).
O desafio e motivação acima descritos dizem respeito à necessidade de
apresentar a origem pessoal da pesquisa e seu significado para mim, enquanto
17
pesquisador, sendo o produto de uma investigação realizada em uma escola
pública, cenário de muitas carências onde presenciei conquistas.
Assim, desejo que este trabalho possa servir como exemplo para
demonstrar o uso de uma estratégia de sucesso, baseada em uma experiência
in locu, do quanto o uso das tecnologias pode contribuir para a educação da
pessoa com deficiência no âmbito escolar. Para consolidar melhor tal
informação, a seguir, apresento as justificativas fundamentadas para o
desenvolvimento desta pesquisa.
Justificativa e relevância da pesquisa
Na atualidade, é improvável imaginar a dinâmica social e a organização
humana sem a presença das inovações tecnológicas e tal situação permite
refletir sobre como a sociedade e os indivíduos alteraram seus hábitos de vida
e de consumo ao longo da história. As Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC), ao mesmo tempo em que tornam o homem mais eficiente
para o desempenho de determinadas tarefas, também parece determinar o
modo como os indivíduos devem-se organizar e buscar novos conhecimentos
para corresponder às novas demandas sociais (PRETTO; PINTO, 2006).
Este contexto de rápidas transformações evidencia a necessidade
humana pela busca e apropriação de novas informações continuamente e
destaca o papel da educação como estratégia para orientar as mudanças
sociais e educacionais. Apesar da certeza de que o mundo estará, a cada dia,
mais tecnológico, a ênfase dada à preparação de educadores vem sendo
reestruturada para a formação de valores humanos, para o desenvolvimento da
criatividade e da autonomia do indivíduo no processo de ensino e
aprendizagem.
A democratização da informação, também viabilizada pelas TIC, vem
apresentando novos espaços para discussão e mostrando diferentes
possibilidades do uso da tecnologia para a promoção e desenvolvimento da
educação, sobretudo no âmbito escolar. Essa promoção compreende aspectos
quanti-qualitativos, ou seja, através da quantidade de investimentos para a
aquisição de recursos didático-pedagógicos e de tecnologias para a
implantação da informática na educação; e qualitativo quando esse aparato
18
contempla a diversidade de alunos da escola, garantindo a igualdade de
oportunidades de acesso e permanência no sistema educacional.
Com objetivo de garantir a igualdade de oportunidades na educação, o
paradigma da inclusão tem trazido para os contextos escolares muitas
inquietações, dentre elas o questionamento sobre a função social da escola
frente as novas tecnologias; as estratégias pedagógicas utilizadas para a
educação na e para a diversidade, especialmente a educação das pessoas
com surdez; a surdez como um fator de impedimento para o processo de
ensino e aprendizagem na escola, dentre outras. Discussões sobre a educação
inclusiva também têm apontando para a excessiva valorização das limitações e
dificuldades que são atribuídas a essas pessoas em detrimento das
possibilidades e potencialidades que possuem.
Nesse grupo das pessoas com deficiência, destaco as PS que, devido
ao despreparo daqueles que fazem a escola em lidar com as particularidades
linguísticas dessas pessoas, contribuem para o seu fracasso escolar. É
comumente aceito pela comunidade escolar que quem não ouve ou não fala,
dificilmente conseguirá aprender (QUADROS, 1997). O desconhecimento ou a
não valorização da Língua Brasileira de Sinais LIBRAS como língua natural dos
surdos é um aspecto que limita ainda mais o desenvolvimento de práticas
pedagógicas com as PS, como ainda torna restrita qualquer iniciativa de
interação linguística entre estas e ouvintes, seja aluno-aluno ou alunoprofessor. Mesmo com a presença do intérprete da LIBRAS no ambiente
educativo inclusivo, a metodologia utilizada, em grande maioria, é planejada
para transmitir as informações e os conteúdos escolares na língua majoritária,
a língua portuguesa oral (FELIPE, 1989).
Essa realidade reforça a dependência do aluno surdo em relação ao
intérprete e a passividade desse aluno diante do ambiente que o cerca. As
poucas iniciativas da escola em desmistificar as especificidades linguísticas
dos surdos e em oportunizar a aprendizagem da LIBRAS para aqueles que
compõem
a
comunidade
escolar
tornam
desfavoráveis
as
relações
interacionais entre as PS e as ouvintes, colocando a situação da Surdez como
um fator de impedimento no processo de ensino e aprendizagem no ambiente
escolar.
19
Farias (2006, p. 52) comenta a necessidade de buscar formas diversas
para incluir os surdos no convívio social e escolar. No que se refere ao aspecto
educacional, enfatiza o uso das tecnologias como um agente catalisador para
promover a educação da PS. Assim, explica que através das novas tecnologias
é possível
[...] romper as barreiras e reduzir os problemas de
comunicação, porque além de ter um espaço para expor suas
idéias, tais recursos melhoram a capacidade de expressar seus
pensamentos, a comunicação [...] facilitando o processo de
sociabilidade e conseqüentemente a sua inclusão na sociedade
[...].
E mais, “[...] torna-se possível que os professores atuem como
mediadores, cujo papel é facilitar a aprendizagem, atuando como orientador e
estimulador no processo de ensino-aprendizagem do aluno surdo” (FARIAS,
2006, p. 53).
Sobre o uso da informática na educação da PS, Silva (2008) comenta
que, a partir do computador, é possível redimensionar a prática pedagógica e
criar oportunidades de aprendizagens interessantes no contexto escolar.
Schlünzen et. al. (2002) abordam que considerar as expectativas, desejos e
motivações do aluno para a realização das atividades escolares utilizando o
computador é uma das estratégias mais importantes para possibilitar uma
aprendizagem contextualizada.
Considerando os argumentos de Goes (1996) sobre as evidências do
fracasso das práticas pedagógicas de alfabetização de alunos surdos, Pacheco
(1998) pondera que a informática educacional, mais precisamente o software
de histórias em quadrinhos, como uma estratégia para atenuar os problemas
de construção da linguagem escrita de indivíduos com surdez. Freire (2002),
Basso (2003), Gesueli (2004, 2006) também citam o software de história em
quadrinhos, no caso o HagáQuê, como alternativa para a aprendizagem de
conteúdos escolares e para a prática da linguagem escrita da PS.
Dessa forma, com base nos estudos sobre o uso da informática na
educação, situando o software HagáQuê, esta pesquisa tem os seguintes
objetivos:
20
Objetivo Geral
Investigar as contribuições do uso do software HagáQuê para a prática
da Língua Portuguesa escrita de pessoas com surdez com diferentes níveis de
escolaridade.
Objetivos Específicos
1. Analisar a produção escrita das pessoas com surdez, alunos do ensino
fundamental, utilizando o software HagáQuê;
2. Analisar a produção escrita das pessoas com surdez, alunos do ensino
superior, utilizando o software HagáQuê.
Assim, a abordagem construcionista fundamentou esta dissertação e
orientou as muitas tomadas de decisões necessárias ao longo do processo de
coleta de dados. De acordo com Valente (1991, 1993, 1999), essa abordagem
foi desenvolvida por Seymour Papert com o objetivo de apresentar o
computador como uma ferramenta de auxílio durante o processo de
aprendizagem e construção do conhecimento. Nesse processo de construção,
o aluno constrói algo de seu interesse por meio do computador e esse objeto
construído é o resultado do envolvimento afetivo e emocional do aluno. De
acordo com Schlünzen (2000), no construcionismo, o aluno exerce o papel de
quem usa o computador para expressar as suas emoções, produzindo algo
significativo e o ambiente construcionista é aquele favorável ao aluno, levandoo a explorar, descrever, refletir e refinar suas idéias.
Nesse sentido, a dissertação está organizada com a seguinte estrutura:
No Capítulo 1, serão comentados alguns aspectos sobre os caminhos
da educação de surdos no mundo e seus desdobramentos no Brasil, o
bilinguismo como abordagem educacional, implicações para o letramento do
surdo e sentidos significados relacionada à linguagem escrita.
No Capítulo 2, será discutido sobre a informática educacional na
educação inclusiva, também será apresentado o lugar do software HagáQuê na
educação da PS e os limites e possibilidades desse uso.
21
No Capítulo 3, será apresentado delineamento metodológico da
pesquisa, bem como será descrito o universo da pesquisa, os sujeitos, os
instrumentos e procedimentos para a coleta de dados, os critérios de seleção e
análise dos dados.
No Capítulo 4, serão apresentados os resultados e a discussão dos
dados.
Por fim, no Capítulo 5 serão apresentadas as considerações finais e as
sugestões para estudos futuros.
22
CAPÍTULO 1
Percorrendo caminhos sobre a educação de surdos
Todo indivíduo tem o direito de participar do contexto sociocultural, de
ser tratado com o devido respeito e dignidade, usufruindo de plenas
oportunidades
de
desenvolvimento
e
sendo
responsável
por
suas
transformações pessoais e da realidade na qual está inserido.
Oportunizar uma discussão sobre as pessoas com surdez1 (PS),
sobretudo no contexto educacional, significa considerar desde manifestações
individuais e grupais, a processos decisórios políticos que envolvem juízos de
valor sobre a pessoa humana, os quais, portanto, dizem respeito à história da
humanidade.
O percurso histórico tem mostrado que a qualidade da educação
favorece as relações que acontecem, também, fora do ambiente escolar. Como
este capítulo é parte integrante de um estudo voltado para aspectos
educacionais da PS, especialmente sobre a prática da produção escrita desses
indivíduos, evidencio a necessidade de refletir acerca de questões tais como a
linguagem, a comunicação e a cognição da PS.
Dessa
forma,
neste
capítulo,
serão
apresentadas
algumas
especificidades das abordagens educacionais aplicadas a PS ao longo da
história, sobretudo o bilinguismo, bem como alguns pontos convergentes e
divergentes relacionados ao letramento e à produção escrita da PS.
1.1. Reflexões sobre as abordagens educacionais para as PS.
No decorrer da história, a linguagem sempre foi entendida como um fator
determinante para o desenvolvimento social, emocional e intelectual do
indivíduo, a falta desta também foi considerada um aspecto prejudicial ao
desenvolvimento humano e um empecilho à comunicação ampla e eficiente
com o mundo.
Essa percepção dominante sobre a necessidade de todos os indivíduos
serem eficientes quanto ao uso da linguagem e a crença de que a única forma
1
No decorrer das discussões, a expressão “pessoas com surdez” será utilizada para se referir
às pessoas com alguma deficiência auditiva, independente do grau de sua perda sensorial.
23
de praticar a linguagem e a comunicação teria que ser necessariamente oral,
contribuiu para que a PS fosse vista como incapaz de aprender e de pensar.
Nesse sentido, as PS na condição de sujeitos históricos tiveram seu processo
educacional orientado por diferentes abordagens.
Desde a idade média, a preocupação de alguns religiosos (l’Epée e
Gallaudet, quanto à necessidade de salvação das OS) e a insistência de
filósofos da linguagem (Kant e Schopenhauer, em relação à impossibilidade
dessas pessoas de desenvolver o raciocínio, uma vez que dependem da
linguagem oral) motivaram estudiosos como Condillac a criar estratégias para
viabilizar a instrução e a educação da PS (CAPOVILLA, apud CAPOVILLA;
RAPHAEL, 2001).
De forma geral, o sistema educacional nunca deixou de ser um privilégio
das classes dominantes, independente de distinções. A educação da PS
também apresentou esse caráter elitista. Enquanto pertencentes a famílias
nobres e à emergente burguesia, composta por médicos ou religiosos, as PS
eram submetidas ao modelo educacional voltado para desenvolver habilidades
de uso da fala oral.
Basso (2003) explica que o objetivo pela educação da PS naquela
época, século XVI, era preparar essas pessoas para administrar suas
heranças. A tentativa de habilitar esses indivíduos para a utilização da fala
como meio de comunicação considerava, então, a possibilidade da
desmutização.2
Possivelmente,
essa
realidade
justifica
a
numerosa
participação de médicos e religiosos em práticas de “cura” e “milagres”,
respectivamente. Essa valorização da fala como veículo de transmissão de
costumes, tradições, valores sociais e religiosos, mostra a continuidade de
procedimentos e métodos utilizados desde a idade média, época denominada
de cultura oral.
A língua oral deveria ser a única forma de comunicação entre os
indivíduos, ouvintes ou surdos. Rejeitavam-se, então, todas as formas de
gestualização. Do século XIX à década de 1960, considerou-se que a insistente
estimulação auditiva na tentativa de minimizar as consequências da surdez
2
O processo de desmutização consiste em devolver ou habilitar as pessoas surdas ao uso da
fala oral, articulada pelos órgãos de fonação (BASSO, 2003).
24
possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e, por sua vez, favoreceria
a educação e integração da PS na comunidade ouvinte (LIMA, 2004). Assim, o
objetivo do Oralismo era fazer uma reabilitação em direção à normalidade, à
“não-surdez”. A PS que conseguisse dominar as regras da Língua Portuguesa
e conseguir falar (oralizar) era considerada bem-sucedida (GOLDFELD, 1997).
Quando Quadros (1997) tece comentários sobre a filosofia do oralismo,
também se reporta ao trabalho com a língua oral para fins terapêuticos e que
em muito pouco contribuiu para o desenvolvimento da linguagem e da
comunidade surda. Com base nos estudos de Chomsky, a autora explica que a
aprendizagem de uma língua pressupõe aspectos inatos e que a língua de
sinais exemplifica a capacidade natural para a aquisição da linguagem de um
indivíduo.
Para Quadros (1997), a imposição do oralismo para a PS resultou em
atrasos significativos das conquistas educacionais das crianças com surdez e
no nível de instrução do surdo em geral. Dentre as críticas ao oralismo, Goes
(1996) explica que, em relação às oportunidades de aprendizagem, a aquisição
da linguagem oral como estratégia de integração da PS acentuou as
desigualdades que existiam no trabalho educacional com ouvintes e surdos.
De acordo com Capovilla (apud CAPOVILLA; RAPHAEL 2001, p. 1481),
o oralismo na educação da PS “[...] reduziu-se ao ensino da oralização, os
professores surdos foram expulsos, a Língua de Sinais foi banida, e a
Comunidade Surda foi excluída da política das instituições de ensino [...]”. Os
atrasos evidenciados no desempenho cognitivo dos surdos e em sua
participação social, somente a partir da década de 1960, deram início ao
desenvolvimento de novas metodologias e instrumentos3 para reverter a
realidade negativa da educação e participação social da PS.
Apesar das críticas, é preciso reconhecer que o oralismo foi valorizado
como estratégia para ampliar a participação dos indivíduos no mundo do
trabalho. Para corresponder às exigências do mercado de trabalho que, a cada
dia, se mostrava mais seletivo, saber oralizar, ler e escrever significava possuir
habilidades básicas para assegurar uma ocupação nesse mercado. Essa
3
Aparelhos auditivos na década de 1960; modelos de gramática na década de 1970;
tecnologias de acústica nos aparelhos auditivos e programas de computador (Phonador e
Visible Speech) para auxiliar na percepção da fala na década de 1980; os implantes cocleares
na década de 1990. (CAPOVILLA, apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001).
25
realidade também determinou novos rumos na educação da PS (BASSO,
2003).
Mas o oralismo na educação voltado para participação no trabalho
também não correspondia às necessidades do surdo. Segundo Capovilla (apud
CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001, p. 1482), a filosofia oralista recebeu seu
ultimato,
[...] ou ela demonstrava que podia obter melhores resultados a partir
de novos desenvolvimentos metodológicos e instrumentais capazes
de reverter o quadro, ou ela deveria ser descartada em favor de uma
outra filosofia de ensino baseada em sinais naturais.
As limitações e insatisfações com o método oralista, a preocupação em
ampliar os recursos comunicativos para fins diversos e os argumentos
apresentados pelos estudos relacionados à língua de sinais utilizada pelas PS como as dificuldades de internalização da língua de sinais frente às técnicas
oralistas, de abstração e de desenvolvimento da memória, tão prejudiciais para
o processo afetivo e cognitivo da PS - parecem ter sido suficientes para indicar
a necessidade da adoção de uma nova abordagem e propostas pedagógicoeducacionais, a Comunicação Total (CT) (GOES, 1996; GOLDFELD, 1997).
Ao considerar que os objetivos da filosofia oralista nunca foram
alcançados de forma satisfatória e foi sendo constatado que o desenvolvimento
da linguagem poderia acontecer por métodos que não utilizassem somente a
linguagem oral, a aceitação da CT configurou uma situação de fundamental
importância para o processo de aquisição da linguagem pela criança surda
(CAPOVILLA, apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001). Essa perspectiva trouxe
significativas contribuições para a comunicação entre surdos e ouvintes,
consequentemente, para o desenvolvimento da PS e para o contexto social no
qual está inserida.
Nessa fase de transição, Lima (2004) explica que ainda há a
preocupação com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, por isso,
mesmo a oralização não sendo o objetivo da CT, continuou sendo utilizada na
intenção de possibilitar a integração da PS no âmbito social. Por outro lado, os
interesses na comunicação da PS com seus familiares, professores e amigos,
permitiram, a partir da CT, a utilização de todos os recursos possíveis e
26
imagináveis: mímica, gestos, língua de sinais, fala, leitura labial, dentre outros,
cabendo a PS e/ou seu responsável escolher os recursos comunicativos mais
apropriados. As várias descobertas para melhorar o desempenho da PS em
diferentes contextos, sobretudo o educacional, permitiram a participação
desses indivíduos de uma forma nunca vista desde a legitimação do oralismo.
De acordo com Lima (2004) ao citar Ciccone, um dos desdobramentos
de destaque em relação à CT foi a mudança de percepção de diversos
profissionais quanto à PS. A partir disso, ela não mais era vista como um Ser
portador de uma patologia de ordem médica e, por isso, deveria ser
exterminado; ao contrário, era um indivíduo, e a surdez uma característica
humana que interfere em seu desenvolvimento social, afetivo e cognitivo.
Outros aspectos contraditórios também são comentados por Goldfeld
(1997) acerca dos ideais da CT. Ao tempo em que ampliou o entendimento do
Ser surdo e de surdez, diminuindo as evidências sobre a obrigação da PS em
oralizar, também colaborou para a utilização de códigos linguísticos espaçovisuais. Entretanto, implicou a desvalorização da língua de sinais e da própria
cultura surda, favorecendo o surgimento de outros códigos diferentes da língua
de sinais, que, por sua vez, não deveriam ser usados com a intenção de
substituir uma língua, neste caso, a língua de sinais, tão importante para o
desenvolvimento da PS.
A busca por recursos4 para contribuir com os interesses de estabelecer
a comunicação entre surdos e ouvintes, assim como favorecer o trabalho
educacional do surdo, influenciou o surgimento de novas estratégias. Basso
(2003) comenta que:
A aprendizagem deixou de vincular-se apenas a aquisição da língua
oral, mas tornou possível, também, o uso de recursos visuais –
desenhos, fotografias, filmes, etc. – entre eles a Língua de Sinais,
embora a ainda não aceita com o estatuto de uma verdadeira língua,
mas como um recurso a mais, um suporte à aprendizagem oral. (p.
118).
No Brasil, Goes (1996) explica que o trabalho educacional para a pessoa
com surdez foi estruturado com honrosos esforços para tentar ajustar o
atendimento às necessidades do aluno com surdez; para isso, diversos
4
Sobre a utilização de recursos na abordagem da CT ver Capovilla (apud CAPOVILLA;
RAPHAEL, 2001, p.1483).
27
recursos foram usados visando à comunicação. Em paralelo a essa dinâmica,
também havia a preocupação de que o uso de sinais não fosse transformado
em um mero suporte para a aprendizagem do português. Recorro à Lima
(2004) quando situa algumas das estratégias utilizadas na CT com finalidades
diversas, inclusive educacionais, a saber: o português sinalizado, combinação
da LS, com a estrutura do português e outros sinais inventados para
representar estruturas gramaticais do português que não existem na LS; a
datilologia, representação manual das letras do alfabeto; o pidgin, simplificação
das gramáticas da língua portuguesa e da LS; e o cued-spreech, sinais
manuais que representam os sons da língua portuguesa.
A ampla utilização de estratégias no período em que vigorou a CT deu
origem à Comunicação Bimodal (CB), também denominada de bimodalismo.
De acordo com Felipe (1989), essa forma de comunicação propunha o ensino
da língua majoritária em duas modalidades de língua, a oral-auditiva e a
gestual-visual. Para a autora, essa combinação “[...] desestrutura a língua
natural dos surdos, inserindo outras estruturas gramaticais da língua
majoritária” (FELIPE, 1989, p. 102).
Na visão de Quadros (1997, p. 27), o bimodalismo se configura como
[...] um sistema artificial considerado inadequado, tendo em vista que
desconsidera a língua de sinais e sua riqueza estrutural e acaba por
desestruturar também o português. Esse sistema vem demonstrando
não ser eficiente para o ensino da língua portuguesa, pois tem-se
verificado que as crianças surdas continuam com defasagem tanto na
leitura e escrita, como no conhecimento dos conteúdos escolares.
Embora não pretenda discutir sobre o bimodalismo, os debates em torno
da CT e da CB evidenciam as limitações da PS em ter acesso às informações
e a preocupação com a LS e de sua importância para a cultura surda.
Assim como no oralismo, na CT e CB, a existência de diferentes
opiniões sobre a LS sempre existiu. Se, por um lado, houve a proibição e
desestimulação ao uso da LS, inclusive nas escolas, por outro, permaneceu
viva nos lares de famílias surdas, clubes e associações (LIMA, 2004;
KARNOPP, 2005). As diferentes percepções sobre a contribuição da LS para o
desenvolvimento social, educacional e afetivo da OS e os desdobramentos do
28
que hoje se conhece por cultura surda5 despertaram, sobremaneira, o interesse
pelo estudo desta língua.
Segundo Basso (2003), a definição da LS como modalidade visualespacial e não oral-auditiva impulsionou a reivindicação da utilização da LS na
educação da PS. Sendo compreendida como um elemento constituidor da PS,
a LS é considerada por essas pessoas e pelas comunidades surdas
organizadas como a língua a ser utilizada na educação.
A consolidação da identidade cultural e linguística da PS conferiu à LS
um status de língua oficial, propiciando o surgimento de movimentos
organizados para a reivindicação de justiça social e de direitos, individuais e
coletivos. O aprofundamento em estudos sobre a complexidade linguística da
LS permitiu compreender que a língua falada e a Língua de Sinais poderiam
existir lado a lado, mas nunca simultaneamente (GOES, 1996).
Esse contexto evidenciou que o surdo não precisava ter uma vida
semelhante a do ouvinte, podendo, então, aceitar e assumir a sua surdez. O
direito de adquirir, como língua materna, a LS e, como segunda língua, a oficial
de seu país, despertou ainda mais o interesse pela LS e contribuiu para que as
PS se constituíssem como uma comunidade, com cultura e língua próprias
(GOLDFELD, 1997; CAPOVILLA (apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001).
A idéia de que a PS deveria apropriar-se da língua oral para poder
pertencer a um padrão de normalidade, imposto pela cultura ouvinte, foi
explicitamente rejeitada pelos princípios do bilingüismo. Não que a língua oral
não contribuísse de alguma forma ou aspecto para a PS, mas o aprendizado
dessa língua oral não mais era considerado como um único objetivo
educacional.
Como foi visto, no oralismo, houve o empenho em tratar a falta da
audição e em proibir o uso da LS nos processos educacionais da pessoa com
surdez, pois se acreditava que a educação só poderia acontecer mediante a
aprendizagem da língua majoritária, a língua oral. Com o fracasso do oralismo,
5
A cultura surda é a identidade cultural de um grupo de PS que se define como grupo diferente
de outros grupos. É multifacetada e com características específicas para estruturar o
pensamento e a linguagem. Essa linguagem, por ser de ordem visual, pode ser ininteligível aos
ouvintes. (QUADROS, 1997, 2006).
29
surge a proposta da CT com novos sistemas6 e métodos, desde a oralização a
gestualizações, pretendendo, assim, facilitar a comunicação entre a PS e
ouvintes, bem como propiciar a educação dessas pessoas. Novos estudos
sobre a complexidade da LS e as evidências do pouco êxito da CT apontaram
para a utilização da LS na educação e desenvolvimento da OS; assim, surge o
bilinguismo. Dessa forma, algumas questões sobre bilinguismo relacionadas à
educação da PS serão discutidas a seguir.
1.2. Bilingüismo no contexto escolar: para quê? Por quê?
Para as PS, um novo mundo passou a existir com a implantação das
diretrizes da CT. Os sistemas e métodos que foram criados e utilizados
amplamente para a comunicação e para a aprendizagem da PS trouxeram
visibilidade em relação à língua falada e mostraram que essa modalidade
envolvia muito mais do que a leitura labial, visto a sua aplicação no ensino da
língua escrita. Tal contexto possibilitou à PS a escolha de caminhos para a
experimentação do novo, até então restringido pelo oralismo.
Entretanto, a liberdade para a utilização de variados tipos de sinais na
CT gerou problemas e críticas. Mesmo com a evidente evolução na
comunicação entre surdos e ouvintes, continuaram as limitações da PS para a
aprendizagem e utilização da leitura e da escrita. A utilização de sinais também
foi alvo de constatações, considerando que o uso simultâneo da LS com outros
sinais
não
contemplava
a
excelência
na
comunicação
pela
distinta
particularidade da LS (CAPOVILLA, apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001).
A busca por respostas mobilizou, na década de 1970, diversos estudos
realizados pelo Centro de Comunicação Total de Copenhague, na Dinamarca
(CAPOVILLA,
apud
CAPOVILLA;
RAPHAEL,
2001).
Trago
aqui
as
contribuições de uma pesquisa7 que buscou descobrir os motivos da pouca
aprendizagem da leitura e escrita de crianças surdas a partir de aulas em que
6
Sobre métodos e sistemas para fins de comunicação e aprendizagem, diversas possibilidades
foram criadas, a saber: língua falada sinalizada, língua falada sinalizada exata, associação de
códigos manuais para auxiliar na discriminação e articulação de sons e combinações diversas
de sinais, fala, alfabeto digital, gesto, mímica, dentre outros (GOES, 1996).
7
Para mais detalhes desta pesquisa, ver Capovilla, (apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001, p.
1486.
30
se oralizava e sinalizava ao mesmo tempo. Para isso, foram filmadas aulas que
utilizavam essa metodologia e, posteriormente, as filmagens foram mostradas
às professoras apenas com imagens, sem qualquer emissão de som. A
percepção das próprias professoras de que quando oralizavam e sinalizavam
simultaneamente omitiam sinais e dicas que facilitariam a compreensão da
comunicação mostrou que as crianças estavam recebendo informações de
forma incompleta e inconsistente, sendo então prejudicadas em sua
aprendizagem.
Os resultados de outras pesquisas e o avanço nos estudos da LS
indicaram para a substituição da CT. Surge, assim, o bilingüismo, sob a
pretensão
[...] de levar o Surdo a desenvolver habilidades, primeiramente em
sua Língua de Sinais natural e, subseqüentemente, na língua escrita
do país a que pertence. Tais habilidades incluem compreender e
sinalizar fluentemente em sua Língua de Sinais, e ler e escrever
fluentemente no idioma do país ou cultura em que ele vive.
(CAPOVILLA, apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001, 1486).
No Brasil, o bilinguismo passou a ser estudado em 1980 e implantado
em escolas e clínicas em 1990. Nesse período, em que a bibliografia era
escassa, foi comum a aceitação de teorias inatistas sobre projetos com a
temática do bilinguismo. Seguindo essa nova tendência educacional para a
educação de surdos, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
mesmo adotando a abordagem oralista e uma metodologia multissensorial, já
procurava oferecer cursos sobre o bilinguismo, criando, inclusive, projetos
alternativos de ensino utilizando a LS (GOLDFELD, 1997).
Lima (2004) situa que, no Brasil, os primeiros argumentos sobre o
bilinguismo como uma proposta educacional para a PS foram apresentados por
Brito em 1986. Dentre os argumentos, tinham-se: o bilingüismo como a única
solução para a educação da PS; a aceitação da LS como a melhor maneira
para a PS integrar-se socialmente; a aquisição da LS pelo surdo como primeira
língua, ainda em tenra idade; a aquisição do português como segunda língua.
Para Lima (2004), mesmo que apresentados de forma incipiente, esses
argumentos foram um ponto de partida para a discussão de uma nova
31
abordagem educacional para a PS, entretanto, não havia neles nada sobre o
modo como essa pessoa iria aprender e usar a LS.
De acordo com Quadros (1997), as tentativas iniciais de implantação do
bilinguismo na educação de PS implicaram mudanças de concepções e
reorganização em vários âmbitos, sobretudo na escola e na família. Nesse
sentido, alguns aspectos receberam destaque, a saber: conhecer a cultura em
que a PS está inserida, pois se, em maioria, essas pessoas fazem parte da
comunidade ouvinte, convivem com as duas culturas, ou seja, são biculturais daí parecia não fazer sentido adotar uma abordagem puramente bilíngue; o
reconhecimento dos surdos enquanto pessoas surdas e de sua comunidade
linguística com as características que lhes são peculiares, com isso a
preocupação foi de respeitar a autonomia da LS e organizar um plano
educacional que não prejudicasse a aquisição linguística da criança; e a
preparação profissional para considerar as realidades psicossocial, cultural e
linguística da PS. Nesse quesito, ficou evidente que a escola (professores,
administradores e funcionários) precisava conhecer bem a proposta do
bilinguismo para poder planejar e intervir com coerência.
Contudo, Quadros (1997) explica que uma proposta educacional deveria
ser bilíngue e bicultural, para propiciar, à criança com surdez, o acesso rápido
à comunidade ouvinte ao tempo em que a PS se reconhece na condição de
pertencente à cultura surda. Acerca da questão linguística, houve o argumento
de que se a LS é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela PS no
convívio com seus pares, tal como acontece com a língua oral para o ouvinte,
então a PS tem o direito de ser ensinada na LS. Por fim, havendo uma parceria
entre família e profissionais, seria constituído um sistema imprescindível para
melhorar a aprendizagem e favorecer o desenvolvimento da PS. De um lado os
profissionais colaborando para mostrar a importância da escolarização e
professores assumindo a necessidade de aprender a LS para atuarem como
professores bilíngues; do outro, a família fornecendo informações sobre hábitos
e costumes da PS enquanto a LS ainda não estivesse consolidada como
recurso linguístico.
Ainda com relação ao papel da família na educação das PS,
especialmente aquelas filhas de pais ouvintes, Quadros (apud FERNANDES,
2008) coloca que
32
[...] os pais ouvintes precisam descobrir este mundo essencialmente
visual-espacial e conhecer a língua de sinais. As crianças surdas e
seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilingüismo: língua
portuguesa e língua de sinais brasileira e ir além, descobrindo os
vieses das culturas e das identidades que se entrecruzam. Possibilitar
a aquisição da linguagem das crianças surdas implicará um
desenvolvimento mais consistente do seu processo escolar.
(QUADROS, apud FERNANDES, 2008, p. 31).
A desarmonia entre interesses linguísticos relacionados à educação
bilíngue foi e é motivo de conflito de poderes entre as PS e ouvintes,
comprometendo o desenvolvimento educacional dos primeiros. Quadros (apud
FERNANDES, 2008) versa que a educação para a PS em que o português é
colocado como a única língua a ser adquirida provoca nas PS uma postura
defensiva e a negação dessa língua que, por muitos anos, ameaçou a LS. A
visão dos ouvintes de que o português é uma língua melhor, uma língua oficial,
uma língua superior em relação à LS, representada apenas um instrumento
secundário, produz o que a autora define por “política de subtração
linguística” (Grifo nosso).
Movimentos organizados em oposição a essa condição de soberania da
língua portuguesa em relação à LS defendem um bilinguismo, no qual o
português é considerado como um instrumento de poder. Assim, dominar as
particularidades do uso da língua portuguesa não se refere apenas ao
aprendizado da língua, mas sim uma estratégia para acessar o conhecimento.
Ou seja, os interesses em aprender a língua portuguesa são motivados por
uma percepção diferenciada dos próprios surdos sobre essa língua e não por
uma imposição política de que a educação dos surdos deva ser bilíngue.
Configura-se, com isso, uma “política linguística aditiva”. (QUADROS apud
FERNANDES, 2008). (Grifo nosso).
Quando Botelho (2002) comenta a abordagem educacional bilíngue,
refere-se à inovação de práticas de ensino que favorecem a maneira de
conceber a surdez. Porém, várias dessas práticas ditas bilíngues ainda utilizam
princípios do oralismo e da CT. Essa afirmativa pode ser identificada, segundo
a autora, analisando os discursos que ora valorizavam e reconheciam a LS e
ora defendiam a inserção dos surdos em escolas regulares.
33
Sobre essa divergência, Botelho (2002) explica que, diante das
dificuldades e dos problemas do surdo em classes com alunos ouvintes, assim
como os conflitos entre as propostas de integração e inclusão no ambiente
escolar, a proposta da educação bilíngüe sugere que os processos
educacionais aconteçam em escolas de surdos e que não sejam de acordo
com os princípios clínico-terapêuticos. Com isso, Botelho (2002, p. 112) afirma
que “um dos principais fundamentos da educação bilíngüe é a participação
igualitária dos surdos nas escolas, dividindo o controle, a administração e o
ensino. Para tanto, é necessária a mudança de pressupostos em relação aos
surdos e à surdez”.
A preocupação com a educação das PS e o interesse em produzir
subsídios teóricos para propiciar a educação destas na escola comum,
evidenciou a necessidade de valorização das diferenças no convívio social no
ambiente escolar. Favorável à educação da PS em escolas regulares, Poker
(2001) explica que as trocas simbólicas que acontecem no convívio entre os
indivíduos favorecem o desenvolvimento do pensamento e a produção do
conhecimento. Contrário aos argumentos que defendem a educação da PS em
turmas comuns, Skliar (1997) situa que, com o pouco entendimento sobre
como trabalhar a diversidade linguística do surdo, em nome da inclusão, não
estão sendo respeitadas a identidade, a cultura e a comunidade surda.
De acordo com Silva, Lima e Damázio (2007), os avanços nas
discussões sobre a educação da PS alavancaram numa ordem mundial,
inclusive no Brasil, os ideais da educação inclusiva. Estes deveriam ser
consolidados a partir de ações políticas, culturais, sociais e pedagógicas. Esse
contexto provocou uma reordenação dos sistemas educacionais, de forma que
foi repensada a organização das escolas e das classes comuns, visando a que
todos os alunos tivessem suas especificidades atendidas no ambiente
educacional.
Contudo, surge o Documento nomeado de Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva8 (MEC/SEESP,
2008), que propõe uma educação de qualidade para todos os alunos com
8
Documento norteador para a implantação e implementação de políticas públicas educacionais
inclusivas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso
em: 13 out. 2008.
34
deficiência,
transtornos
globais
de
desenvolvimento
e
altas
habilidades/superdotação. Para isso, esse Documento assegura, dentre outros
objetivos, o Atendimento Educacional Especializado – o AEE. Esse
atendimento oferece atividades que se diferenciam daquelas realizadas na sala
de aula comum, portanto, complementa e/ou suplementa a formação dos
alunos objetivando sua independência dentro e fora da escola.
Dentre as diretrizes desse documento consta que,
[...] a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação
bilíngüe – Lingua portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar
na Língua portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua
Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos
surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua
portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola.
(POLÍTICA
NACIONAL
DE
EDUCAÇÃO
ESPECIAL
NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 2008, p.17).
Parece ser evidente que a educação da PS em escolas regulares numa
perspectiva bilíngue tenta ultrapassar a visão reducionista sobre a educação da
PS com o uso desta ou daquela língua. Como diz Quadros (apud
FERNANDES, 2008, p.23),
[...] defender o bilingüismo é, sobretudo, defender o uso
natural de dois sistemas distintos de linguagem que estruturam
formas diferentes de pensamento, que transformam as
experiências em cognição, atividades fundamentais ao
desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança surda.
Considerar o desenvolvimento linguístico e cognitivo da PS, segundo a
abordagem educacional bilíngue, também sugere alterações psicossociais e
culturais desses indivíduos, favorecendo a tomada de consciência em relação à
sua cultura, à sua condição linguística e ao convívio social dentro e fora do
universo escolar.
Para além de aspectos sobre a língua portuguesa e/ou a LS, a educação
nos moldes do bilinguismo trata, também, do acesso e permanência da PS no
contexto escolar, cuja proposta está embasada por políticas educacionais e
linguísticas voltadas para a educação de grupos em desvantagem. A conquista
35
desse espaço é decorrente, ainda, dos movimentos sociais na busca por
igualdade de direitos e pela não discriminação linguística.
O confronto dos ideais em torno de uma educação bilíngue mostra,
outrossim, que, no Brasil, o “bi” do bilinguismo pode ser entendido como parte
de uma cultura multilíngue e multicultural. Essa realidade traz consequências
no processo educacional da PS e, por conseguinte, em suas vivências e
interações sociais. Alguns aspectos relativos às especificidades linguísticas da
PS e sua influência no ensino e aprendizado dessas pessoas serão
apresentados a seguir.
1.3. Implicações para o letramento na educação da PS
A capacidade de criar e recriar mecanismos para estabelecer a
comunicação é uma particularidade humana. Sabe-se que o uso desses
mecanismos é determinado pela necessidade individual e coletiva. Ao longo da
história, as demandas sociais e profissionais foram sendo intensificadas,
exigindo dos indivíduos novos domínios para o uso da leitura e da escrita. Ser
alfabetizado, dominar as habilidades de ler e escrever, foi e sempre será um
fator importante, mas atribuir novos sentidos e valores a essas habilidades para
o uso da leitura e da escrita frente às práticas sociais e profissionais vigentes,
configura o que Soares (2005) define como alfabetismo funcional.
De acordo com Soares (2005), no final da década de 1990, teve início
um movimento de negação ao conceito de analfabetismo. É sugerida, então,
uma nova denominação, o analfabetismo funcional, em que seriam incluídos
aqueles chamados analfabetos e aqueles que, mesmo sabendo ler e escrever,
não sabiam fazer o uso competente da leitura e da escrita. Para a autora, o
surgimento de novos termos9 para se referir ao domínio ou não da leitura e da
escrita, representa a ressignificação do conceito de alfabetização, originando a
palavra letramento, que, por sua vez, possui o mesmo sentido de alfabetismo
funcional.
Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da leitura e da escrita
por um indivíduo ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos
9
Alfabetização funcional, alfabetizado funcional, analfabeto funcional, alfabetismo funcional,
letramento.
36
sócio-históricos dessa aquisição por um indivíduo ou uma sociedade. Nesse
sentido, é importante lembrar que alfabetização e letramento não são
processos isolados, ao contrário, são simultâneos e interdependentes.
Para Tfouni (1995), o letramento pode ser apontado como sendo produto
do desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e
comunicação a partir da complexidade do uso da leitura e da escrita,
repercutindo significativamente no processo educacional do indivíduo e nas
transformações sociais historicamente constituídas. Como diz Soares (2005, p.
94), “[...] é um equívoco considerar que a inserção no mundo da escrita possa
se fazer de forma dissociada e independente do processo educativo mais
amplo”.
Trazendo essas contribuições para o universo da PS e pensando a
surdez como uma condição humana que traz consigo especificidades para a
aquisição da linguagem escrita e para a comunicação, recorro a Botelho
(2002), que apresenta alguns aspectos que foram limitantes para o processo
de aquisição da leitura e da escrita da PS ao longo da evolução das
abordagens educacionais.
No caso do oralismo, o entendimento de que a aquisição de língua e
linguagem da PS só poderia acontecer mediante o uso da fala fez com que o
tempo de permanência em séries escolares, como também a conclusão do
ensino fundamental, acontecesse em um período bem mais tardio em
comparação com a escolaridade dos ouvintes. A ideia de que a PS
apresentava dificuldade de abstração10 foi um argumento para que as
informações fossem oferecidas de forma lenta e com repetições exaustivas,
dependendo do caso, por dias e até meses. Para Botelho (2002, p. 52), essa
prática pedagógica “[...] pautada no ensino de palavras, pensando a linguagem
como um aglomerado de vocábulos [...]” reforçou a questão do atraso na
escolarização da PS e da baixa qualidade do ensino oferecido a essas
pessoas.
10
Entende-se por abstração o processo mental em que as ideias estão distanciadas dos
objetos. Através da abstração, podemos imaginar as resultantes de determinada decisão ou
ação, sem recorrer a mecanismos físicos ou mecânicos de resolução. (QUADROS, 1997).
37
Com a adoção CT nas escolas, o interesse sobre a capacidade de
abstração da PS aumentou. Em estudos sobre o comportamento de pessoas
em situação de desvantagem, entre estas a PS, a Psicologia apresentou
resultados em que as PS foram consideradas como neuróticas, introvertidas,
imaturas, irritáveis, ansiosas, com pouca ou quase nenhuma capacidade de
abstração, portanto, seres de pensamento concreto (BOTELHO, 2002).
Nesse sentido, Botelho (2002) explica que, em momento, surgiram
questionamentos sobre qual seria a origem para tais características ou
manifestações, se realmente eram inerentes à condição da surdez ou se eram
reflexo das dificuldades de comunicação que as PS apresentavam frente às
exigências de uma cultura ouvinte, fiel à imposição da fala como forma ou
critério de participação social. No caso da educação, a dificuldade de
comunicação entre professores e alunos também foi justificada pela
incapacidade de abstração da PS, no entanto, os próprios educadores se
furtavam de questionar qual seria a sua real contribuição e responsabilidade
para com a educação dessas pessoas.
Pelo que foi exposto, fica evidente como a ausência de comunicação
acarreta problemas de toda ordem. Por inúmeros motivos, a necessidade de
estabelecer a comunicação desperta para a busca de meios e artifícios que
minimizem os conflitos gerados pela ausência de comunicação e possibilitem a
emissão e a recepção de informações de forma eficiente. Nessa perspectiva, o
ato de recorrer a diferentes símbolos (visuais, táteis, olfativos, gustativos,
sinestésicos, proprioceptivos) mostra o potencial que o ser humano possui para
produzir e decodificar signos, permitindo, assim, uma riqueza de produção de
significados. Para além desses recursos sensoriais, têm-se ainda os símbolos
linguísticos sofisticados: as palavras faladas, as palavras escritas e, no caso da
PS e de alguns ouvintes, os sinais da LS. A capacidade humana em produzir
sentidos e significados a partir desses diferentes símbolos confere, à aquisição
da língua, uma posição de destaque, tanto para o processo de comunicação
como para o desenvolvimento cognitivo (FERNANDES; CORREIA, 2008).
As descobertas sobre os símbolos, como também o reconhecimento dos
benefícios trazidos com a utilização destes, fortaleceram na prática o que as
pesquisas vinham apresentando sobre o bilinguismo como uma proposta
sucessora ao oralismo e a CT. Contudo, as iniciativas de adoção dessa nova
38
proposta educacional deveriam considerar que para a PS a sua primeira língua
seria a LS, devendo a língua escrita do país a que pertence como sendo a sua
segunda língua, no caso do Brasil, o português (CAPOVILLA, 2001). Os
desdobramentos dessa “nova” concepção de língua seriam para a PS a
habilidade de compreender e sinalizar em LS, ler e escrever fluentemente o
português, conseguir estabelecer dentro e fora da escola a comunicação com
os ouvintes com tranquilidade e eficiência, permitindo trocas de experiências
sobre suas culturas, dentre outros assuntos.
Diversos autores, dentre eles Goldfeld (1997), Quadros (1997), Goes
(1996), Capovilla (2001), Botelho (2002), versam sobre a importância da LS
para a PS e que a exposição à LS aconteça o mais cedo possível. O processo
de aquisição da LS deve obedecer às fases naturais da aquisição de uma
língua e ao desenvolvimento do indivíduo, a fim de evitar os atrasos
linguísticos, cognitivos e psicossociais causados pela aquisição tardia da LS.
Para Svartholm, sendo citado por Quadros (1997, p. 83), “é importante ter em
mente o que é especial nos surdos: eles não podem ouvir”, logo, saber a LS
oferece à PS outras condições de pensar, de se comunicar, de aprender e
assim por diante, ao contrário daqueles que dispõem de algum resíduo auditivo
e conseguem acessar a língua oral, por isso têm mais facilidade para utilizar e
decodificar outros símbolos além da LS.
Sobre a aquisição da LS como requisito para a aprendizagem da leitura
e da escrita, Quadros (1997, p. 84) situa que:
[...] a LIBRAS é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural
mediante contato com sinalizadores, sem ser ensinada [...],
conseqüentemente deve ser a sua primeira língua. A aquisição desta
língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho sistemático
com a L2, considerando a realidade do ensino formal. A necessidade
formal do ensino da língua portuguesa evidencia que essa língua é,
por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda.
Ora, se dominar o uso de uma língua permite ao indivíduo expressar
suas necessidades e vontades, fazer conclusões e participar de discussões,
deduz-se que o não domínio produz o efeito inverso. Nessa linha de raciocínio,
perece ser coerente a idéia de que a PS não apresenta dificuldade de
abstração e que sua dificuldade de compreensão e comunicação pode ser
39
consequência da privação11 da LS e/ou o pouco domínio de sua primeira
língua. Na visão de Botelho (2002, p. 53-54), “o que falta aos surdos, sem
sombra de dúvida, é o acesso à uma língua que dominem e lhes permita
pensar com todas as complexidades necessárias, disponíveis como são para
qualquer um”.
Sobre o letramento e suas consequências para a produção e o uso da
escrita, Menezes (2007) pontua que, para entender o letramento, é necessário
considerar um conjunto de práticas sociais que são apresentadas e mediadas,
também, pela escrita. A família e a escola são lugares privilegiados para a
ocorrência dessas práticas e a forma como acontecem pode diferir bastante de
uma de outra. Sendo ambientes não-formais e formais, o letramento pode ser
influenciado pelas relações de poder existentes em cada uma dessas
instituições e como essas relações podem ser alteradas ao longo do tempo o
letramento traz consigo traços socioculturais que são atribuídos à escrita e aos
sentidos no uso desta.
Quanto ao papel da escola e dos professores na organização de
estratégias e metodologias para proporcionar o letramento da PS, Karnopp e
Pereira (2004) apontam para o fato de poucas escolas adotarem a LS na
educação da PS, não reconhecendo sua função como fonte de conhecimento
para as crianças surdas. Do mesmo modo, a busca pelos professores por
formações continuadas, em grande maioria, é estimulada pela procura de
técnicas e procedimentos para o ensino generalizado, desmerecendo a
necessidade de conhecer as especificidades de leitura e de escrita da PS
dentro de uma proposta educacional bilíngue.
Com relação às escolas que adotam a LS na educação da PS, um fator
limitante para a aprendizagem é o pouco vocabulário que essas crianças
possuem, possivelmente uma consequência da pouca utilização pelos pais da
LS em casa. Caso os pais dominassem a LS e a utilizasse para a comunicação
no dia-a-dia, com narrativas de histórias, nominação de objetos, descrição de
11
Para Santana (2007), a privação do uso da LS é agravada para aqueles surdos que são
filhos de pais ouvintes e não sabem a LS, tão pouco permite que seu filho tenha contato com
outros surdos, sejam crianças ou adultos. Problemas relacionados à aquisição da LS são
causados também pela privação social e pelos fatores tempo e etapas da aquisição da
linguagem. No caso das etapas para aquisição da linguagem pela criança surda,
desenvolvimento pré-linguístico e linguístico (produção de um sinal, enunciados com dois
sinais e estágios posteriores), ver Karnopp (2005).
40
situações, dentre outras possibilidades de interação, talvez o aspecto na
temporalidade na educação da PS fosse atenuado, os índices de evasão
teriam um decréscimo e avanços significativos poderiam ser constatados,
sobretudo na aprendizagem da leitura e da escrita (KARNOPP; PEREIRA,
2004).
Quando Gesueli e Moura (2006) discorrem sobre o letramento para a
PS, expõem a preocupação sobre a utilização de métodos e estratégias para
proporcionar a construção escrita do português, tendo em vista que a PS
busca, preferencialmente, o aspecto visual como um recurso para facilitar a
aquisição do português.
Como uma estratégia para proporcionar o letramento da PS na escola,
Gesueli e Moura (2006) explicam a importância dos professores em considerar
que a interação da PS com a escrita acontece, normalmente, a partir da LS.
Assim, o incentivo docente para o trabalho com materiais escritos, com
imagens e elementos visuais, pode ser um diferencial para que a PS sinta a
vontade e necessidade de aprender e praticar a leitura e a escrita. Reily (apud
GESUELI; MOURA, 2006) traz o termo “letramento visual” para enfocar a
linguagem visual no processo de construção da linguagem, favorecendo o
interesse por práticas sociais que utilizem as modalidades de leitura e escrita.
Em outras palavras, “já é tempo de educadores envolvidos no processo de
escolarização de surdos refletirem sobre o tema [uso de imagens] no que se
refere à apropriação de conhecimento” (GESUELI; MOURA, 2006, p. 112).
Nesses termos, as práticas pedagógicas insistem apenas em reproduzir
o modo com que a surdez e suas especificidades são percebidas, ou seja,
[...] nada muda se os problemas são atribuídos a surdez, sem que a
educação e as práticas pedagógicas se tornem objeto de dúvida [...]
enquanto isso, os surdos, sem compreender por que estão subeducados, se auto-atribuem um estigma de incapacidade.
(BOTELHO, 2002, p. 60).
Sobre as questões que se referem à plena aquisição da LS pela PS ou o
domínio incipiente desta, assim como o fato de os professores e os surdos não
compartilharem na escola de uma mesma língua com eficiência, Fernandes e
Correia (2008) pontuam que
41
[...] o domínio de uma língua adquirida em sua totalidade e fluência
permite ao ser humano a captação de signos, a produção de novos
signos, da combinação de signos e novos sentidos pra os signos em
jogo, não apenas no processo de comunicação como no processo
cognitivo. Admitir tais recursos instrumentais em uma criança surda
privada de língua de sinais como sua primeira língua e apenas
aprendiz da língua portuguesa equivale a desconhecer os caminhos
básicos da aquisição de uma língua e, conseqüentemente, privá-la de
seu direito a ter a sua disposição os caminhos naturais a seu
desenvolvimento. (FERNANDES; CORREIA, 2008, p. 18-19).
Diante das evidências, parece que a educação para a PS que vem
sendo oferecida não favorece o acesso à complexidade inerente ao processo
cognitivo. Sem assumir uma postura de generalizar a educação da PS, o fato
de a instituição escolar continuar com o objetivo principal de ensinar palavras
implica perpetuar os erros que as discussões sobre evolução das abordagens
educacionais evidenciam.
Portanto, podemos entender que ser letrado numa abordagem bilíngue
supõe o uso da LS em todas as disciplinas. O uso e a aprendizagem da LS
devem acontecer em situações diversas (jogos, brincadeiras, narrativas e
outras), que tenham sentido e significado para a PS e que sejam mediadas por
interações com surdos adultos ou ouvintes que sejam fluentes em LS.
Possibilitar o desenvolvimento de habilidades linguísticas e de vocabulário para
a PS vai além da simples codificação e decodificação de símbolos; ler e
escrever é permitir o conhecimento da modalidade escrita de forma suficiente
para ser utilizada em contextos socioculturais com valores e significados
relacionados às situações de cada época. Reflexões sobre a aquisição de uma
segunda língua e a produção escrita da PS serão discutidas na sessão a
seguir.
1.4. Algumas considerações sobre a linguagem escrita da PS
O convívio em sociedade e a construção de relações nesta requerem
práticas sociais mediadas, inclusive, pela escrita. Nas mais variadas atividades
sociais – governo, economia, educação, política, o uso de diferentes formas de
escrita são essenciais (MENEZES, 2007). As mudanças na condução dos
processos sociais incidem sobre a estrutura e a forma de apresentação dos
42
textos escritos, podendo ou não ser incorporadas culturalmente pelos membros
de uma determinada sociedade ou grupo.
A excelência na comunicação depende das estratégias e intenções dos
sujeitos que estão envolvidos no processo. Seja para o emissor ou o receptor
da informação, basta que haja alguma dificuldade de interação para que o
fenômeno comunicativo não aconteça da forma desejada. Essa dificuldade é
mais comum na modalidade da língua portuguesa (LP) escrita, pois
considerando que nem sempre aquele que produziu o documento (jornal,
bilhete, carta, e-mail, entre outros) está presente e no caso de dúvidas quanto
à estrutura ou à intenção da informação, possivelmente não poderão ser
resolvidas de imediato.
Trazendo a discussão para a PS, abordar questões acerca da produção
e consumo12 da LP escrita requer considerar que são indivíduos de língua
própria, a LS, com práticas sociais e culturais específicas e que estão inseridos
numa sociedade majoritária repleta de práticas sociais mediadas por textos
escritos em língua portuguesa e que utilizam a língua oral para promover
interações entre seus pares (MENEZES, 2007). Podemos compreender a PS
como um indivíduo que apresenta uma maneira diferente de pensar e ver o
mundo a partir do uso de sua própria língua e que convive com a cultura dos
ouvintes, predominantemente13, a partir do uso do português na modalidade
escrita, ou seja, em sua segunda língua (L2).
Nesses termos, lembro Goes (1996) quando define a PS como bicultural,
como também Quadros e Schmiedt (2006) comentando que o interesse da PS
na aquisição de L2 depende do entendimento desta enquanto língua e as
funções relacionadas ao seu uso para ter acesso à informação e comunicação.
Para a PS fluente em LP, a escrita faz parte do seu cotidiano através de
diferentes tipos de produção textual, compartilhadas via celular, e-mail, chats, e
outros.
12
Entende-se por consumo aquelas atividades em que os indivíduos têm acesso às
informações diversas através da leitura (decodificação de símbolos escritos), permitindo a
formulação de hipóteses e a construção de diferentes sentidos. (MENEZES, 2007).
13
Vale ressaltar que são poucos os ouvintes que dominam a LS e conseguem se comunicar
com a PS. No cotidiano, geralmente a comunicação ocorre através do uso de diferentes formas
(leitura labial, mímica, expressões corporais e faciais e outras) e símbolos (desenhos, rabiscos
e outros). Entretanto, há ouvintes bastante fluentes na LS e interagem de forma plena com a
PS em oportunidades diversas – sociais, lazer, trabalho, educação, dentre outros.
43
O ensino da leitura e da escrita como L2 tem sido um assunto
recorrente, sobretudo no que se refere à discussão sobre o aprendizado de
uma língua em sua modalidade escrita sem que haja o domínio desta na
modalidade oral (SALLES et. al., 2005; SANTANA, 2007; FERNANDES, apud
FERNANDES; CORREIA, 2008). Pressupõe-se que os processos de
aprendizagem da fala e da escrita aconteçam de forma independente, levando
a crer que aprendizagem e a apropriação da escrita também possam acontecer
por pessoas desprovidas das vias sensitivas auditivas. Para Quadros e
Schmiedt (2006, p. 24),
[...] a criança surda pode ter acesso à representação gráfica da língua
portuguesa, processo psicolingüístico da alfabetização, e à
explicitação e construção das referências culturais da comunidade
letrada. A tarefa do ensino da língua portuguesa tornar-se-á possível,
se o processo for de alfabetização de segunda língua, sendo a língua
de sinais reconhecida e efetivamente a primeira língua. [...] a idéia
não é simplesmente uma transferência de conhecimentos da primeira
língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de
aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis
e valores sociais representados.
Vale lembrar que, em verdade, os problemas com relação ao ensino da
leitura e da escrita também estão presentes nas escolas para os ouvintes
(BOTELHO, 2002). Os processos de escolarização dos surdos ao longo da
história objetivaram a construção de sujeitos letrados, só que as atividades
sempre foram centradas no ensino da fala e não necessariamente no ensino da
leitura e da escrita.
Essa concepção de educação para a PS determinou,
ainda, a distribuição desigual em investimento para os processos de leitura e
escrita em escolas de ouvintes e escolas de surdos. Para a autora,
possivelmente uma das causas foi o conflito existente na ocasião em que
professores e alunos não compartilhavam de uma mesma língua no processo
educacional.
Na visão de Menezes (2007), a PS se percebe numa situação em que
pretende aprender a ler e a escrever em uma língua que não domina oralmente
e também não possui um aprendizado anterior do processo de leitura em sua
primeira língua (L1). Vale destacar que a LS ainda não possui uma modalidade
escrita de uso social e não é utilizada em grande escala. Para alguns surdos,
mesmo constatando que o processo da aprendizagem da escrita pode
44
acontecer
independentemente
do
processo
da
fala,
as
dificuldades
relacionadas à compreensão e produção de textos escritos permanecem pela
insistência no uso de metodologias tradicionais para o ensino da escrita que
são utilizadas em escolas para crianças ouvintes.
Sobre o processo de aquisição de L2 para a PS, tendo como requisito
básico o reconhecimento sobre a importância e o domínio de L1, Quadros
(1997) apresenta vários estudos, como o de Collier (1999), sugerindo que o
processo de aquisição de L2 não pode ser analisado com eficiência
considerando a questão da idade14 do indivíduo em separado das variáveis:
desenvolvimento cognitivo e a proficiência de L1. Com relação à escola, Collier
comenta que o sucesso na aquisição de L2 é mais promissor quando se
prioriza o desenvolvimento cognitivo da PS em detrimento do número de horas
de instrução na L2.
Quanto à importância da interação no ambiente em que ocorre o
processo de aquisição de L2, Quadros (1997) cita Damhuis (1993), que
apresenta as seguintes categorias para a otimização da interação: o input,
recepção da informação para formular hipóteses; o output, produção das
informações para testar as hipóteses; e o feedback, para avaliação das
hipóteses. Quadros (1997, p. 86) diz que, “no caso de o aluno surdo brasileiro
adquirindo a língua portuguesa, o input visual desta língua é essencial neste
processo”, destacando o valor essencial do input visual para a ativação do
desenvolvimento da L2 para a PS, sendo necessário ainda atentar para que o
aspecto qualitativo deva se sobressair em relação ao quantitativo.
Na percepção de Santana (2007), a defesa da modalidade escrita da LP
como L2 para a PS ocorre mais na teoria do que na prática. Referindo-se à
abordagem bilíngue, a autora comenta que, ao mesmo tempo em que essa
proposta afasta da PS a pressão para que façam o uso da fala oral, tenta
possibilitar a proficiência na língua escrita. Na prática, as escolas não estão
preparadas para receber a PS e o que acontece é que os professores cobram
14
Santana (2007) comenta a diferença entre crianças e adultos no processo de aquisição de
L2. A maturação do indivíduo é um fator limitante para aprendizagem de uma língua e, nesse
sentido, as crianças levam vantagem quando comparadas aos adultos. Não que a aquisição de
uma língua seja uma tarefa impossível para adultos, mas certas habilidades cognitivas se
apresentam de forma diminuída. A influência da L1 na aquisição de L2, modos de aquisição
formais e não-formais, proficiência no uso da língua e aspectos subjetivos do aprendizado de
L2 devem ser considerados para o objetivo da aquisição de L2.
45
desses alunos uma fala e uma escrita do mesmo modo como acontece para os
ouvintes, comprometendo os avanços afetivos, cognitivos e psicossociais.
Em suas reflexões, Santana (2007) discorre que
[...] vê-se que o bilingüismo pleno em duas línguas na surdez é, de
certa forma, uma ilusão. Pregam-se os usos da língua – primeiro a de
sinais, segundo a da modalidade oral e/ou escrita – como se essa
hierarquia pudesse se definida a priori pelo instrutor surdo, pela
fonoaudióloga ou pelos pais. Pouco se discute sobre a influência de
uma língua sobre outra e dos motivos pelos quais esse hibridismo
acontece [...] se considerarmos apenas a competência plena nas
duas línguas para chamarmos um surdo de bilíngüe, estaremos
eliminando praticamente todos os surdos. (p. 200).
Sobre a proposta bilíngue, Guarinello (2007) apresenta o bilinguismo
simultâneo, envolvendo o ensino de L2 e L1 em uma mesma época, só que em
momentos distintos e com a presença de interlocutores surdos e ouvintes.
Comenta, também, o bilinguismo em que o ensino da L2 só é recomendado
após a aquisição e domínio de L1, denominado de modelo sucessivo. Enfim,
mesmo não sendo o objetivo discutir o bilinguismo nesta sessão, essas
contribuições mostram que os ideais de ensino e aprendizagem de L2 estão
atrelados ao contexto de incertezas sobre os efeitos da proposta bilíngue para
a aquisição de línguas pela PS.
Em meio às discussões sobre as metodologias mais eficientes para a
educação da PS, os pontos convergentes e divergentes do uso desta ou
daquela abordagem educacional, surgem das pesquisas para analisar as
produções escritas da PS (QUADROS, 1997, 2006; KARNOPP; PEREIRA,
2004; SALLES et al., 2005; LIMA, 2006; GUARINELLO, 2007; MENEZES,
2007). Os resultados das pesquisas desses autores e autoras apontam para
limitações no léxico, impropriedade no uso de preposições e advérbios, uso
inadequado de verbos nas conjugações, tempos e modos, dificuldades
narrativas, omissão de conectivos e verbos de ligação, falta ou pouco domínio
para o uso de estruturas de coordenação e subordinação, dentre outros.
Goes (1996), na busca por respostas sobre o fracasso escolar da OS,
pesquisou a produção escrita de surdos com idade entre 14 e 26 anos,
estudantes do ensino fundamental, frequentadores de duas classes do ensino
supletivo, sendo uma da rede pública municipal e a outra da rede estadual. Os
46
textos analisados foram produzidos em atividades coletivas e os alunos podiam
recorrer à professora, quando necessário. Goes concluiu que os surdos
apresentam dificuldades com a escrita, mas destacou que os problemas
relativos a aspectos de coesão e interpretação das produções tendiam a
comprometer a coerência do texto. A autora pontua que essas dificuldades são
consequência do uso restrito da escrita em atividades sociais, podendo estar
relacionadas à mediação social da aprendizagem, referindo-se às práticas
pedagógicas limitadas ao processo da alfabetização dos surdos pesquisados.
Tentando entender os processos e práticas de leitura e escrita da PS,
Karnopp (2008) desenvolveu sua pesquisa com oito universitários surdos,
incluindo observações que foram realizadas em sala de aula na disciplina de
Língua Portuguesa. Quando questionados sobre o gosto pela leitura, a
respostas indicaram: “me dá inteligência”, “nos torna cultos”, “me dá interesse”.
Com relação à importância da leitura, os alunos responderam: “ajuda uma boa
redação...quando eu leio muito, escrevo ainda melhor”, “aprende as palavras”.
Acerca do gosto pela escrita, um aluno respondeu: “não tenho paciência”.
Sobre a produção textual e a importância do conhecimento lexical e gramatical,
os alunos responderam o seguinte: “ajuda a desenvolver o livro para ler”, “ler
bastante livros”, “ler”.
Em suas análises, Karnopp (2008) chama a atenção para a necessidade
de compreender a produção escrita como parte de um processo que se
complementa com a prática da leitura e para a discussão sobre a relação entre
quem produz um texto e aquele que interpreta, partindo do pressuposto da
relação de poder entre esses interlocutores. Com todas as dificuldades para ler
e escrever, os alunos com surdez mostraram indícios de menos rejeição às
duas modalidades, levando a crer que o nível de proficiência em LS influencie
positivamente no interesse pela leitura e escrita da LP.
Silva (1999) enfatiza que as condições de aprendizagem da leitura e
escrita da língua portuguesa dependem do modo pelo qual as diferenças e
dificuldades são percebidas. Dessa maneira, “[...] é preciso destacar que o
surdo, antes de ter dificuldades na escola, apresenta dificuldades de aquisição
de língua, instalando-se a grande diferença de escolarização entre o surdo e o
ouvinte” (p. 41).
47
De acordo com Skliar (1997), o domínio da língua de sinais por parte de
educadores e crianças surdas é de fundamental importância no ensino da
segunda língua na modalidade escrita, considerando que a LS deve servir
como meio de comunicação entre alunos e educadores, e como referência de
visão de mundo para os aprendizes. Contudo, Karnopp e Pereira (2004, p.35),
explicam que:
Adquirida a língua de sinais, ela terá papel fundamental na aquisição
da leitura e escrita. É ela que vai possibilitar, em um primeiro
momento, constituição de conhecimento de mundo, tornando possível
aos alunos surdos entenderem o significado do que lêem, deixando
de ser menos codificadores da escrita [...] a língua escrita, por ser
totalmente acessível à visão, é considerada fonte necessária a partir
da qual o surdo possa construir suas habilidades de língua.
Outros estudos poderiam ser apresentados sobre a linguagem escrita da
PS, porém a falta de metodologias específicas para o seu ensino da escrita é
reconhecida como a principal causa (SILVA, 1999; BOTELHO, 2002;
GESUELI, 2004; KARNOPP; PEREIRA, 2004; SALLES et. al., 2005;
QUADROS; SCHMIEDT, 2006; GUARINELLO, 2007), não por se tratarem de
PS, mas pelo fato de tais dificuldades serem percebidas como parte natural em
qualquer processo de aquisição de uma segunda língua. Menezes (2007)
destaca o fato de o aluno surdo estar inserido na classe regular inclusiva, onde,
de costume, os professores consideram que, para aprender a ler e escrever, é
preciso, obrigatoriamente, o domínio da língua oral. Nas palavras dessa autora,
“[...] algumas dificuldades no processo de aprendizagem da leitura podem estar
relacionadas ao método de ensino e não necessariamente à falta de oralidade”
(p. 50).
Diversos autores, entre eles Goes (1996); Quadros (1997); Silva (1999);
Capovilla (apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001b); Fernandes e Correia (2008),
apontam para uma carência de recursos metodológicos que investiguem a
leitura e a escrita sobre suas características linguísticas e os aspectos
socioculturais envolvidos no processo de produção e consumo, como também
sobre alternativas para resolver o problema do expressivo fracasso escolar da
PS. De acordo com Karnopp e Pereira (2004), diante do desconhecimento da
capacidade criativa da PS e a competência que eles apresentam para atribuir
48
sentido à leitura e à escrita, predomina na educação da PS a ideia de que o
surdo é um deficiente linguístico, sendo assim, incapaz de ler, escrever e de se
expressar. As práticas pedagógicas pouco enfatizam a capacidade da PS,
percebendo-o como um estranho em relação à LP escrita, deduzindo que a
aprendizagem da leitura e da escrita é um processo passivo, de caráter
puramente receptivo, de dependência.
Sobre esse aspecto da passividade, Oliveira (2001) explica que o aluno
com surdez, mediado de forma adequada e tendo a oportunidade de organizar
o seu pensamento via LS, tem diversas possibilidades para a produção de um
texto estruturado e compreensível. A autora esclarece que a pouca iniciativa do
aluno surdo não pode servir para conclusões precipitadas sobre a sua
capacidade, lembrando que o início de toda aprendizagem é a imitação,
seguida pela introspecção, apropriação consciente da língua e pelas etapas
inerentes ao processo de aquisição da linguagem, cujos desdobramentos são a
comunicação, a interação e assim sucessivamente, “produzindo” um sujeito
ativo.
Os conteúdos apresentados até o momento mostram alguns aspectos
sobre o ensino da leitura e da escrita para PS nos últimos anos. Com foco na
produção escrita desses indivíduos, ficou evidente que os métodos habituais
utilizados na escola não têm correspondido aos objetivos inerentes à produção
da LP escrita pelos alunos surdos, realidade frustrante para os próprios alunos,
pais, professores e demais profissionais da instituição escolar (ROSA, 2006). A
escola culpa os alunos pelo fracasso, alegando que eles não sabem ler e
escrever, sem, no entanto, oferecer meios e oportunidades educacionais
diferenciadas para que os alunos descubram a leitura e o interesse pela
escrita.
Gesueli e Moura (2006) destacam a importância de os profissionais
reconhecerem o poder da imagem para o processo de escolarização e
apropriação das informações por parte dos alunos surdos. A constatação do
fracasso de metodologias e estratégias, como também a subutilização de
recursos disponíveis na escola ou de recursos alternativos, como salienta Rosa
(2006), podem ser visto como ponto de reflexão para o uso de diferentes
ferramentas para contribuir com a educação e produção escrita da PS, a saber,
o computador e outras tecnologias da informação e comunicação.
49
No capítulo seguinte, serão discutidas algumas questões sobre o uso da
tecnologia na educação da pessoa com deficiência, problematizando, neste
contexto, a educação da PS. Desse modo, convido a você, leitor, a participar,
também, da construção de saberes a partir de novas práticas e perspectivas
educacionais.
50
CAPÍTULO 2
A tecnologia educacional na perspectiva da educação inclusiva
Nossa sociedade está em constantes adaptações e a todo o momento
nos deparamos com inovações tecnológicas, que influenciam nosso modo de
agir, de pensar e de nos relacionar. Assim como em outras áreas do
conhecimento, na educação os avanços tecnológicos têm provocado
mudanças e exigindo dos indivíduos novas formas de perceber a educação. A
preocupação em formar cidadãos para corresponder, exclusivamente, ao
mundo do trabalho, parece ceder espaço para uma educação que contemple a
diversidade humana, centrada em valores e princípios, na criatividade e na
autonomia do indivíduo.
É importante ressaltar que sugerir um estudo sobre tecnologia
educacional e a educação inclusiva é propor uma discussão repleta de dúvidas,
medos,
inseguranças,
questionamentos,
sentimentos;
fruto
do
desconhecimento dos diversos agentes do contexto escolar – professores,
gestores, funcionários, psicólogos, dentre outros.
Neste capítulo, serão apresentadas algumas considerações sobre a
Informática na Educação (IE) para a Pessoa com Deficiência (PD), bem como
refletir sobre o uso do software educacional no processo de ensino e
aprendizagem dessas pessoas, sobretudo a PS no ensino regular. Para as
discussões a seguir, é importante considerar a abordagem de uso do
computador na educação descrita por Valente (2001, 31), ou seja, “[...] a
Informática na Educação significa a integração do computador no processo de
aprendizagem dos conteúdos curriculares de todos os níveis e modalidades de
educação”.
2.1. A tecnologia educacional na perspectiva da educação inclusiva
Quando se discute a utilização das Tecnologias da Informação e
Comunicação15 (TIC), geralmente se atribui a oportunidades de trabalho, à
15
A terminologia TIC resulta da fusão das tecnologias de informação, antes referenciadas
como informática, e as tecnologias de comunicação, relativas às telecomunicações e mídia
eletrônica. Esse termo, desde a década de 1990, passou a ser utilizado para nomear as
51
ascensão financeira, ao aumento da produtividade, à produção de riquezas
sobre diversas perspectivas, melhoras na eficiência humana para a realização
de determinadas tarefas, dentre outros aspectos. Em se tratando de contextos
educacionais, a chegada das TIC representou um marco na forma de perceber,
elaborar, produzir e transmitir a informação. Com isso, vem possibilitando a
construção e reconstrução de práticas pedagógicas, como também de
inúmeras e diversificadas formas de aprendizagem.
Para Valente (2000), a disseminação da informação, consequentemente
do conhecimento, adquiriu um status significativo perante a humanidade. Com
isso, as mudanças inseridas nos diversos segmentos da sociedade implicam a
valorização do conhecimento do indivíduo, portanto, em suas habilidades de
pensar, criar e aprender. O autor expõe que a sociedade do conhecimento tem
exigido continuadamente a participação ativa das pessoas, em lugares e
períodos diferentes, individualmente ou em grupos, a fim de encontrar soluções
para problemas complexos. Dessa forma, também exige novas posturas de
profissionais da educação, considerando a necessidade de repensar suas
concepções e propostas educacionais, principalmente aquelas referentes aos
processos de aprendizagem.
A forma dominadora rápida e permanente com que as tecnologias se
expandiram pelo mundo fez surgir novas concepções de comunicação e a
sensação de atualidade ficou ameaçada. Ao mesmo tempo em que a
informação está acessível, numa lógica de curto prazo, essa mesma
informação “atual” já perdeu o seu caráter do novo, do recente. E mais, essa
realidade, que traz para uns a forte sensação de evolução humana, intelectual
e até material, também denuncia a exclusão social e informacional de outros,
dentre eles as PS. Isso acontece porque, independente da mídia utilizada, a
língua falada e escrita continua sendo o principal veículo de comunicação da
população ouvinte.
Tal realidade tem requerido dos indivíduos, educadores e educandos,
um esforço constante, tanto para selecionar e apreender o conteúdo, quanto
tecnologias requeridas para o processamento, conversão, armazenamento, transmissão e
recebimento de informações por meios eletrônicos e digitais, bem como o estabelecimento de
comunicações pelo computador. As TIC podem ser representadas por diferentes veículos de
transmissão da informação, como: o cinema, a televisão, o rádio, o computador, dentre outros,
(MARTINS, 2003).
52
para utilizar os recursos tecnológicos numa perspectiva inclusiva. Embora
existam os mitos sobre a utilização dos recursos tecnológicos, sobretudo na
educação, não se pode negar a contribuição que o computador e os avanços
da tecnologia trouxeram para o ambiente escolar (PRETTO; PINTO, 2006).
La Taille (1990), ao analisar alguns aspectos sobre a presença do
computador na escola como uma nova modalidade educacional, destaca
algumas vantagens no uso desse recurso: aumento da capacidade de ler,
referindo-se ao aumento de vocabulário; apresentação de conteúdos
complexos sob a forma mais simples e adequada ao nível de compreensão dos
alunos, considerando a possibilidade de atuação conjunta entre pedagogos,
psicólogos,
professores
e
especialistas
da
área
de
informática;
desenvolvimento de hábito do estudo independente, fazendo referência à
substituição do modelo tradicional de ensino pela formação de grupos;
facilitação de revisões periódicas, situando a facilidade de acesso às várias
informações a partir da alternância entre telas; a descoberta e correção de
erros e dificuldades, destacando a visualização facilitada de erros na tela,
permitindo que sejam feitas inferências.
Ainda na década de 1980, com toda a existência de dúvidas e
divergências quanto à utilização do computador no ensino, La Taille (1990)
afirmava o quanto era imprescindível reconhecer a presença dos computadores
nas escolas. Essa realidade na qual as crianças participam de atividades de
ensino e aprendizagem de forma orientada utilizando o computador, favorece o
desenvolvimento cognitivo e intelectual. Há avanços no raciocínio lógico, na
capacidade de criar e recriar o conhecimento a partir de formas alternativas de
compreender determinado tema, objetivo.
Com todo o envolvimento em torno das questões da sociedade da
informação e do conhecimento, ainda é um mistério afirmar com exatidão quais
serão os desdobramentos e transformações com as quais as populações irão
defrontar-se no futuro, inclusive na educação. Para Farias (2006), há
[...] intensos paradoxos da política neoliberal que rege e
direciona as tecnologias de informação e comunicação,
tornando-as igualmente paradoxais no uso de suas
potencialidades: ao mesmo tempo em que vela, que isola e
exclui, desvela um enorme potencial de aglutinação e de inclusão
social. (Farias, 2006, p. 21).
53
Considerando que a dinâmica do processo de inclusão social também
está relacionada às políticas públicas educacionais inclusivas, a deficiência na
implantação de projetos no âmbito educacional é tida como um dos fatores que
comprometem o nível de escolaridade da população. Como consequência,
ocasiona a inabilidade para corresponder ao ritmo imposto, também, pelas
novas tecnologias, que, por sua vez, interfere no processo de inclusão sócioeducacional (ARANHA, 2004; GALVÃO FILHO, 2005; PRETTO; PINTO, 2006).
Num contexto global sobre as perspectivas de inclusão e exclusão, Lévy
(1999 apud FARIAS, 2006) comenta que o processo de exclusão é decorrente
de obstáculos humanos, que se apresentam sob a forma de freios
institucionais, políticos e culturais, por sentimentos de incompetência e de
desqualificação, pelo confronto com o novo ou com o desconhecido. Através
desse complexo, percebe-se que a existência de inovações tecnológicas,
necessariamente, não assegura a participação e o acesso de todos a esses
recursos. As diversas possibilidades que essas inovações proporcionam não
garantem novos espaços de comunicação, de informação e maneiras de
sociabilidade.
No entanto, autores como Maciel (2000), Rocha (2000), Veiga Filho
(2001), Quintão (2005) e Freire (2006) comentam o uso do computador como
excelente ferramenta de acesso aos diversos tipos de informação e busca pelo
conhecimento, favorecendo a equiparação de oportunidades. As ajudas
técnicas, também conhecidas tecnologias assistivas, são alguns dos recursos
que promovem a autonomia e independência de pessoas com necessidades
especiais (i. e., pessoas com deficiência ou não) na realização de diversas
atividades, especialmente as educativas. Para Bersch e Pelosi (2007, p. 8), as
ajudas técnicas são “[...] recursos desenvolvidos e disponibilizados às PD e
que visam ampliar suas habilidades no desempenho das funções pretendidas”.
Dentre os avanços percebidos na educação da PS, ressalto o uso do
computador para auxiliar no ensino e na aprendizagem de conteúdos da
Língua Portuguesa escrita, como também a prática dessa modalidade. Essa
possibilidade confere um modelo educativo inovador, impulsionado pelos ideais
54
inclusivos que seguem os objetivos dos Parâmetros16 Curriculares Nacionais
para o ensino da Língua Portuguesa (1997, p. 5), dentre os quais “[...] saber
utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e
construir conhecimentos”.
De acordo com Aranha (2004), a escola é um dos principais espaços de
convivência
social
do
ser
humano
durante
as
primeiras
fases
do
desenvolvimento da consciência, de cidadania e de direitos, já que é na escola
que a criança e o adolescente começam a conviver num coletivo diversificado,
fora do contexto familiar. Moran (2007, p. 21-22) afirma que “a escola é um dos
espaços privilegiados de elaboração de projetos de conhecimento, de
intervenção social e de vida. É um espaço privilegiado de experimentar
situações desafiadoras do presente e do futuro, reais e imaginárias, aplicáveis
ou limítrofes”.
Lidar com as diferenças no ambiente escolar é um desafio para os
educadores e exige da comunidade escolar um novo olhar sobre a organização
pedagógica que valorize a diversidade, bem como despertar para a utilização
de recursos alternativos para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem
de alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE).
Com relação à prática pedagógica que contemple a diversidade versus o
processo tradicional de ensino e aprendizagem, Moran (2007, p.16) explica:
[...] vivemos o paradoxo de manter algo que já não mais acreditamos
completamente, mas não nos atrevemos a incorporar plenamente
novas propostas pedagógicas e gerenciais, mas adequadas a
sociedade da informação e do conhecimento, para onde estamos
caminhando rapidamente.
De acordo com Souza (2006, p.12),
A inclusão escolar significa um novo paradigma de pensamento e de
ação, no sentido de incluir todos os indivíduos em uma sociedade
cuja diversidade está se tornando mais norma do que exceção [...] a
inclusão é assim compreendida como uma ação social e coletiva que
envolve todos os participantes da atividade coletiva – professores,
alunos e comunidade escolar.
16
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02>. Acesso em: 19 jun 2008.
55
Diante dessas perspectivas, a utilização de recursos alternativos pode
ajudar a solucionar problemáticas educacionais e/ou gerar mudanças
significativas que sejam necessárias à educação da PD; portanto, podem
auxiliar na formação de um sujeito autônomo e capaz de desenvolver
estratégias eficientes para o seu próprio processo de aprendizagem,
despertando nesse indivíduo a capacidade de pensar por si próprio e de
produzir conhecimento.
As
TIC
são
ferramentas
fundamentais
para
se
trabalhar
o
empowerment17 com os alunos, desenvolvendo habilidades, permitindo com
que esses indivíduos consigam expressar os seus pensamentos, seus
sentimentos, seja através de desenhos ou produções escritas, podendo assim
superar seus próprios limites de aprendizagem e interação (GALVÃO FILHO,
apud PRETTO, 2005).
A utilização da TIC na educação permite a realização de diversas
atividades, mas, para isso, o professor precisa reconhecer que a educação
está diante de um novo paradigma, o da inclusão (HEIDRICH; SANTAROSA,
2003). No caso específico da PS, é essencial que o professor acredite na
evolução da aprendizagem desse aluno e seja um mediador entre as
ferramentas tecnológicas e as novas situações que ajudarão seus alunos a
resolverem seus problemas e a desenvolverem novas capacidades cognitivas.
Para Silva, Lima e Damázio (2007, p. 14) “[...] os alunos com surdez precisam
de ambientes educacionais estimuladores, que desafiem o pensamento,
explorem suas capacidades, em todos os sentidos”.
Para pensar numa perspectiva educacional inclusiva para a PS que
contemple em suas práticas pedagógicas o uso da TIC, é importante
considerar o aluno com suas especificidades linguísticas e dificuldades de
aprendizagem, os professores estarem dispostos a ajustar suas propostas
metodológicas, de avaliação e de conteúdos no decorrer dos encontros
educacionais, os gestores garantirem desde a educação infantil até a educação
17
Para Valente (1999a) o empowerment (i. e., empoderamento) é a oportunidade que é dada
ao indivíduo para realizar uma tarefa ou atividade, para que ele possa compreender o que faz,
propiciando a sensação de produzir algo que pode parecer impossível e de entender o que foi
feito. Com diz o autor, “se pensamos em transformar as escolas, deveríamos lutar para termos
ambientes de aprendizagem que podem proporcionar aos alunos a experiência do
empowerment” (p. 97).
56
superior o acesso e utilização da TIC. Na visão de Silva, Lima e Damázio
(2007), a observação desses aspectos é primordial para promover o processo
educacional da PS.
Sobre o uso da TIC na educação da PS, Lorenzet (2005) considera que
a prática da leitura e da escrita deve ser valorizada e estimulada na educação
dessas pessoas. O autor comenta, ainda, sobre o uso dessas modalidades
pela PS para exercitar a construção de sentidos a partir das informações do
mundo, que são essenciais para a sua vida e formação. Para Lorenzet (2005),
a atividade de escrita e, sobretudo, a leitura, deve ser repensada para que
novos caminhos e experiências possam surgir. O sucesso na educação da PS
acontece a partir de metodologias que propiciem momentos de prazer durante
a aprendizagem e não mais uma experiência de tensão, frustração ou tédio.
De acordo com Silva (2008), fatores como a simplificação curricular, a
pouca ou nenhuma utilização de diferentes práticas pedagógicas são alguns
dos fatores determinantes para que a OS, ao concluir a educação básica, não
seja capaz de ler e escrever fluentemente. Explica, ainda, que sua experiência
na área de informática aplicada à educação permitiu a conclusão de que, a
partir do computador, é possível redimensionar a prática pedagógica e criar
oportunidades de desenvolver atividades interessantes, destacando o papel do
professor em relação à inserção da tecnologia no cotidiano escolar.
Utilizando a metodologia fundamentada no desenvolvimento de projetos,
Schlünzen et. al. (2002) realizaram um estudo baseado em uma pesquisa na
internet, com um aluno com surdez, usuário de LS. O aluno escolheu os temas
de sua preferência – automóveis e música. Os resultados obtidos indicaram
que, ao serem consideradas as expectativas, sonhos e desejos do aluno, a
atividade possibilitou uma aprendizagem construcionista, significativa e
prazerosa. Permitiu, também, a constatação de avanços cognitivos e
emocionais do aluno, levando em consideração que este foi sujeito de sua
própria aprendizagem.
Farias (2006) comenta que a tecnologia educacional favorece a
aprendizagem de maneira lúdica e contextualizada. O fato de a pessoa com
surdez utilizar, prioritariamente, a linguagem visual para se comunicar, as TIC
são percebidas como uma ferramenta essencial em que os educandos podem
desenvolver habilidades em seu processo de aprendizagem e potencializar o
57
trabalho com leitura e produção escrita, desenvolvendo o raciocínio lógico e a
autonomia do indivíduo. A partir dessas produções, também pode ser
oportunizada a criação de hipóteses, a realização de inferências e conclusões.
Franco (2002) destaca o papel do professor no processo de ensino e
aprendizagem como um agente estratégico para despertar no aluno a
curiosidade pelas atividades que pretende aplicar. Para isso, todos os recursos
são bem-vindos, jogos, histórias, o uso de softwares, dentre outros, sempre
com o objetivo de gerar o conhecimento. Assim como Schlunzen et. al. (2002),
Franco (2002) explica que tornar a atividade interessante e prazerosa favorece
a interação do aluno com o recurso, podendo ampliar as experiências
vivenciadas e servir como ponto de reflexão para a descoberta de outras
estratégias e caminhos metodológicos.
Quando Schlünzen (2000, p.81) versa sobre o papel do professor na
aprendizagem de seus alunos através do computador, explica que
[...] o uso do computador não pode prescindir da presença de um
professor, que exerce um papel fundamental como mediador ou
facilitador de aprendizagem do aluno. A participação do professor
neste processo é de extrema importância pois ele será o orientador, o
desequilibrador, o estimulador, o dinamizador do processo ensinoaprendizagem. Ele deve buscar formas de ajudar o aluno,
despertando o seu interesse, desafiando-o, levando-o à discussão e à
reflexão, auxiliando-o a descobrir o significado do conteúdo abordado.
Partindo dos pressupostos de que cada indivíduo aprende de acordo
com o seu canal perceptivo preferencial e que a motivação é um dos fatores
fundamentais para que aconteça a aprendizagem, parece notório que oferecer
a PS estímulos visuais significa criar um campo propício para a participação
desses alunos em atividades pedagógicas e, como consequência, favorecer a
prática da leitura e escrita da LP e o aprendizado dos demais conteúdos
escolares.
Autores como Carvalho (2000), Bim (2001), Tanaka (2004) e Flauzino,
Facury e Zenha (2008) situam que as histórias em quadrinhos (HQs) podem
contribuir para desenvolver a capacidade de análise, interpretação e reflexão,
estimular a criatividade e despertar o interesse pela leitura e escrita. Situando o
caráter lúdico da imagem para divertir o aprendiz, as HQs podem ser usadas
como material pedagógico, auxiliando o processo de ensino e aprendizagem
58
dos mais diversos conteúdos, como geografia, matemática, português, história,
dentre outros.
Guimarães (2003, p. 12) faz uma retrospectiva histórica sobre a
evolução das HQs e explica que
[...] a integração de texto escrito nas imagens pictórias é algo mais
amplo e cheio de possibilidades do que a forma usada mais
comumente nos trabalhos comerciais. Formas menos usuais não
descaracterizam as obras que as usam como Histórias em
Quadrinhos, ao contrário, torna mais rico o universo desta forma de
apresentação.
Se as HQs são constituídas, predominantemente, por elementos visuais,
como os objetos e personagens, e que esses elementos são potencialmente
estimuladores do pensamento, sendo este último essencial para a produção da
linguagem escrita, entendo que as HQs representam uma ferramenta
significativa para a aprendizagem de PS. Para tanto, considero os
pressupostos colocados por Carvalho (2000), Bim (2001), Tanaka (2004) e
Flauzino, Facury e Zenha (2008) sobre a ludicidade para estimular a
criatividade e o interesse pela leitura e escrita; e pelo que Guimarães (2003)
cita por “formas menos usuais” como oportunidade de utilização das HQs para
fins além daqueles estritamente comerciais.
As HQs sempre foram objeto de diferentes formas de interpretação.
Inicialmente as HQs foram vistas como instrumentos de cunho recreativo
(HERCULIANI,
2007).
Os
questionamentos
e observações feitos por
educadores e psicólogos sobre a motivação que as crianças apresentavam
pela leitura desses materiais despertaram a sua utilização no processo de
ensino e aprendizagem. Um dos argumentos foi o fato de a imagem explorar a
interpretação subjetiva, despertando a mente para a fantasia. Boff (2000)
destaca que, no processo de interpretação subjetiva, é que as HQs se
destacam como potencialidade pedagógica, proporcionando o desenvolvimento
da criatividade e auxiliando no início dos processos de leitura e escrita. De
acordo com Parolisi (2007, p.186), a técnica da narrativa utilizada nas HQs com
a relação imagem-texto permite a ampliação didático-pedagógica, a partir do
momento que se “[...] respeita o universo infantil na medida em que
59
estabelecem a comunicação de forma simples e acessível, despertando o
desejo pela escrita, bem como a criatividade e a imaginação.”
Sobre
a
intenção
em
construir
ambientes
de
aprendizagem
comunicativos, e com grande potencial interativo, Bim (2001) utilizou um
protótipo de editor de HQs eletrônico e teve como preocupação recorrente no
projeto de que esse software fosse acessível. Do seu ponto de vista, esse
protótipo, “[...] deve apresentar uma interface18 facilitadora que se adapte às
limitações e necessidades do usuário (crianças em processo de alfabetização)
e com recursos facilitadores para que o aluno tenha liberdade de expressão
[...]” (BIM, 1999, p. 5).
A perspectiva educacional na qual o uso de softwares também objetiva
apresentar propostas para mostrar que a TIC pode servir como um auxílio
durante o processo de construção do conhecimento e de habilidades corrobora
com a abordagem construcionista, desenvolvida por Papert19 (VALENTE,
2001). Nessa concepção, o aluno constrói algo de seu interesse a partir do uso
do computador e para o qual está afetiva e emocionalmente ligado. Quanto
mais essa construção estiver voltada para o interesse e o contexto em que o
aluno está inserido (sala de aula, laboratório de informática, pátio da escola,
bairro, casa, dentre outros), maiores serão as chances de o aluno se envolver
com a atividade usando o computador. Dessa forma, o computador serve como
uma ferramenta educacional que permite ao professor identificar diferentes
possibilidades de compreender o caminho mental percorrido pelo aluno durante
a realização de determinada atividade.
18
Entenda-se por interface um dispositivo que garante a interação entre homem-máquina, ou
seja, um conjunto de programas e aparelhos utilizados para permitir a comunicação entre a
máquina e seu usuário. A eficiência na utilização de uma interface depende da análise de
alguns aspectos: as necessidades do sujeito ou público-alvo, suas especificidades e suas
preferências. Essa análise deve ser feita por uma equipe multidisciplinar - programadores,
psicólogos, terapeutas ocupacionais, professores e/ou outros especialistas, que são definidos
de acordo com o caso, dos objetivos envolvidos e das atividades que será desenvolvida
(CAMPOS; SILVEIRA, 1998).
19
Esse pesquisador desenvolveu a teoria do construcionismo a partir da teoria do
construtivismo, desenvolvida por Piaget. Papert partiu do pressuposto de que a meta de
ensinar deve produzir o máximo de aprendizagem com o mínimo de instrução. Esse ideário
influenciou desde a elaboração à aplicação de práticas pedagógicas. Diversos autores e
pesquisadores utilizam os pressupostos teóricos criados por Papert, por isso, no decorrer das
discussões, leia-se abordagem construcionista como sinônimo de construcionismo, (PAPERT,
2008).
60
Para Valente (2001, p.36), na perspectiva do construcionismo
[...] o envolvimento com o objeto em construção cria a oportunidade
para o aluno colocar em prática os conhecimentos que já tem. [...] se
estes não são suficientes para resolver os problemas encontrados, o
aluno terá de buscar novas informações. [...] o aluno não precisa,
necessariamente, descobrir ou criar novas informações a todo
momento. Ele pode ir às fontes de informação e até mesmo
memorizá-las. Porém, o fato de ele de utilizá-la na resolução de um
problema concreto faz com que tenha de compreender e atribuir
significado a esta informação. Neste momento, podemos afirmar que
ele está construindo novos conhecimentos.
De acordo com Schlünzen (2000), a abordagem construcionista surgiu
da necessidade de descobrir novas estratégias para utilizar os recursos
tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem. Para a autora
[...] essa abordagem consiste em criar situações que permitem ao
aluno resolver problemas reais e aprender com o uso da experiência,
com os conceitos envolvidos no problema que está sendo resolvido
[...] nesta abordagem, o computador deixa de ser um meio de
transferir informação e passa a ser uma ferramenta pela qual o aluno
pode construir os seus conhecimentos, testar suas hipóteses e suas
estratégias. (SCHLÜNZEN, 2000, p. 77-78).
As novas perspectivas educacionais apresentadas pelo construcionismo
ocasionaram o desenvolvimento de pesquisas, não só relacionadas à forma
com que os conteúdos eram transmitidos através do computador, mas também
no tocante às práticas educacionais envolvidas neste processo. Para Basso
(2003), o fracasso das práticas pedagógicas de alfabetização de sujeitos com
surdez, assim com o de sujeitos ouvintes, está relacionado a problemas de
construção da linguagem escrita. Segundo a autora, a produção escrita de
alunos com surdez são “produções atípicas” quando comparadas à produção
escrita de ouvintes. A autora explica que vencidas as etapas da utilização do
software de histórias em quadrinhos, desde a exploração do recurso até a
reelaboração dos seus próprios discursos, o uso do software de história em
quadrinhos
foi
considerado
uma
estratégia
funcional,
promotora
do
desenvolvimento da linguagem escrita.
A educação da PS facilitada pelo uso da IE tem sido motivo de
pesquisas, sobretudo em relação ao uso de softwares. Algumas considerações
61
sobre os diferentes tipos de softwares utilizados na educação da PS serão
discutidos a seguir.
2.1.1. O uso software20 educacional na educação da PS
Novas demandas exigem novas estratégias para corresponder a
determinado(s) objetivo(s). Esse panorama também se aplica na educação
para melhorar a prática pedagógica e favorecer o desenvolvimento cognitivo
dos alunos. A cada dilema que se apresenta no âmbito educacional, o
surgimento de situações atípicas na aprendizagem dos alunos, são algumas
dentre tantas particularidades que desafiam professores, gestores, pais e, por
consequência,
mobilizam
pesquisadores
e
estudiosos
na
busca
por
explicações, sugestões e encaminhamentos.
Esse raciocínio até então parece simples. Mas, quando as sugestões
apontam
para
métodos,
estratégias
ou
recursos
pouco
usuais
ou
aparentemente complicados, instaura-se o impasse: aceitar ou recusar essas
as novas possibilidades? Escolher este ou aquele caminho por vezes implica
modificar métodos tradicionais, rever paradigmas educacionais. A presença da
tecnologia na escola desperta implícita ou explicitamente a reflexão sobre
esses métodos, estratégias e novas possibilidades (TELLES; FERNANDES;
OLIVEIRA JÚNIOR, 2006).
Se for realizada uma enquete com professores sobre ambientes
propícios para aprendizagem, possivelmente a sala de aula será eleita como o
ambiente mais promissor. O dinamismo, facilidades e benefícios com o uso das
tecnologias tende a ser um posicionamento de um número reduzido de
educadores. Entretanto, para ambos os casos, um aspecto será único: a
preocupação com a qualidade atual do ensino. Se há uma preocupação em
20
Para as discussões a seguir sobre o uso do software na educação, é importante considerar
que o software educacional é um programa de computador desenvolvido para melhorar o
processo de ensino aprendizagem. Ressalto, ainda, que todos os programas podem ser
usados para fins educacionais, desde que a metodologia a ser utilizada seja coerente com os
aspectos educacionais envolvidos e as particularidades dos aprendizes. O uso adequado do
recurso e do método pode ser responsável por desdobramentos importantes, como: a
habilidade de resolver problemas, de gerenciar informações e outras habilidades de
investigação sobre o ensino e a aprendizagem. (BOFF, 2000; HERCULIANI, 2007).
62
comum, como então se explica a resistência em aderir ao novo, em recorrer às
tecnologias para, ao menos, tentar promover a qualidade na educação?
Para Oliveira et. al. (2006), várias seriam as justificativas: espaço físico
limitado, equipamentos danificados, entre tantas outras, mas a pouca interação
de educadores com as novas tecnologias esbarra no argumento da falta de
capacitação profissional, como se houvesse uma “receita de bolo” ou um
manual para atuar com as linguagens tecnológicas, esquecendo-se que faz
parte da profissão professor a atuação de forma abrangente no processo de
ensino e aprendizagem. É importante ponderar que essa atuação abrangente
deve
ser
consequência
da
formação
continuada,
seja
oferecida
(organizacional) ou buscada (autoformação).
A educação da PS é um exemplo que pode ser utilizado para “situações
atípicas”,
referidas
anteriormente,
considerando,
para
tanto,
as
suas
particularidades linguísticas. Como foi visto no capítulo anterior, a maioria das
PS se comunica através da sua primeira língua, a LS. Para Capovilla et. al.
(2001, p. 1547) “é difícil ao surdo que não oraliza fazer-se entender por ouvinte
em geral, já que, normalmente, estes não estão familiarizados com a Língua de
Sinais Brasileira (Libras). A saída usual é recorrer a mensagens escritas”.
Entretanto, muitos surdos também não conseguem se expressar com
facilidade por meio da escrita. Em razão de a modalidade escrita da LP estar
fundamentada em elementos fonológicos, portanto baseada em sons, a
realização da produção escrita pela PS é uma tarefa difícil. Portanto, o
aprendizado e a realização da produção escrita se tornam um processo
penoso, considerando que para a PS “[...] a escrita de uma língua falada passa
a ser uma união de símbolos sem significados.” (FARIAS, 2006, p. 52).
Independente de a primeira língua do indivíduo ser oral ou por sinais, é
coerente afirmar que a aprendizagem da língua escrita é essencial para a
comunicação, por isso, dominar a língua escrita é um fator promissor para a
inclusão sócio-educacional da PS. Para Perlin (2001), a cultura ouvinte existe
baseada no sentido da audição, mesmo considerando a questão visual da
escrita. É justamente a partir desse caráter visual da escrita que a PS é
favorecida diante da necessidade de comunicação com a cultura ouvinte. Para
a autora, ser surdo é pertencer a um mundo de experiências visuais e nãoauditivas.
63
Ponderando que o atraso de linguagem, tanto para ouvintes quanto para
a PS, é um dos problemas de desenvolvimento mais comuns na escola e que
está fortemente relacionado com os problemas de aprendizagem, utilizar as
tecnologias como estratégia pedagógica voltada para o desenvolvimento da
aprendizagem, a partir de elementos visuais, parece favorecer a ampliação de
habilidades cognitivas e o desempenho escolar do aluno (LIMA, 2004).
Para Guarinello (2007) a forma como as atividades de leitura e escrita
são concebidas na escola, como algo que pode ser aprendido através de
exercícios mecânicos e descontextualizados, contribui para os problemas de
vocabulário e escrita da PS, tendo como desdobramentos “[...] além das
defasagens escolares, dificuldade e impedimento quanto a inserção destas
pessoas no mercado de trabalho.” (GUARINELLO, 2007, p. 53).
No entendimento de Silva (2008), as mudanças são essenciais, podem e
devem acontecer na escola. Cabe, ao professor, ajustar a sua conduta e, ao
aluno, ter espaço para participar e opinar sobre o cotidiano escolar e sua
aprendizagem. De acordo com a autora, a linguagem é constituída na interação
com os outros sujeitos, então não basta ensiná-la ao surdo, é fundamental que
ele participe do diálogo, da interação com os diferentes interlocutores para que
significados sejam construídos. A tecnologia é um instrumento que possibilita
diversas oportunidades de aprendizagem e interação no ambiente escolar.
Com diz Silva (2008, p.40),
[...] acredito nas relações, nos vínculos que se estabelecem nas
relações humanas que acontecem dentro dos muros escolares [...]
numa escola compatível com a sociedade contemporânea, uma
escola mais justa, mais democrática, menos preconceituosa, e,
também, mais equiparada tecnologicamente.
As palavras de Silva (2008) evidenciam a complexidade imbricada no
processo de ensino e aprendizagem da PS no ambiente escolar. Mostram,
também, o papel do professor como um agente fundamental e indispensável
para administrar e aproveitar as inúmeras variáveis interativas que existem
dentro de sala de aula.
Nesse sentido, McCleary (2005 apud FARIAS, 2006, p.34) explica que
não existe um único método de ensino de leitura e escrita para o
surdo e muito menos existe a possibilidade de achar um software ou
64
uma técnica que resolva todos os problemas de ensinoaprendizagem; as maneiras dos alunos lidarem com a língua oral e a
língua escrita são muito variadas e exigem do professor uma grande
atenção ao comportamento do aluno e uma flexibilidade de atuação
dentro do movimento da aula.
McCleary aponta para a utilização do software e do componente
observacional como recursos alternativos para o professor implementar suas
estratégias pedagógicas a fim de possibilitar avanços na educação da PS,
especialmente no ensino linguagem escrita. Ainda sobre o uso de recursos,
Oliveira (2006, 28-29) comenta que o software é um meio simbólico e permite
[...] oferecer um tipo de aprendizagem diferente (ou complementar) ao
que aparecem em outras situações nas quais não se utiliza o meio
informático [...] possui suas vantagens e suas limitações em relação à
tarefa que queremos empreender; e cada uma solicita também
diferentes maneiras de tratar a informação [...] utilizam de uma
maneira peculiar diferentes símbolos (pictórios, lingüísticos,
numéricos, algébricos, icônicos e muitos outros) [...].
Ao se referir ao uso do computador para redimensionar a prática
pedagógica
e
criar
ambientes
de
aprendizagem
que
valorizem
as
especificidades dos alunos, Silva (2008, p.41) afirma:
[...] no que diz respeito especificamente à criança surda, pode-se
notar que, mesmo em escolas onde o computador já é uma realidade,
sua subtilização tem sido uma constante, ora devido ao total
despreparo do professor frente à tecnologia, ora devido à ausência de
produtos de software adequados ou adaptados para esta clientela.
As contribuições de McCleary (2005 apud FARIAS, 2006), Farias (2006),
Oliveira (2006), Silva (2008) mostram diferentes rumos sobre a utilização da
tecnologia e do software educacional para a promoção da educação, sugerindo
diferentes formas de ensino e aprendizagem. Quando Valente (1993, p. 10)
comenta o uso das ferramentas tecnológicas na educação, situa que a eficácia
de uma ferramenta é aquela na qual “[...] o aluno desenvolve algo, e, portanto,
o aprendizado ocorre pelo fato de estar executando uma tarefa por intermédio
do computador”. Para o autor, essas tarefas podem ser executadas a partir da
elaboração de textos, com isso causar um grande impacto na maneira como se
ensina, nas relações entre professores e alunos com os fatos e com o
65
conhecimento, aperfeiçoando essas relações e propiciando a qualidade do
ensino.
Para Valente (1999a), a aprendizagem significativa ocorre pelo
processamento e apropriação da informação. Nessa perspectiva, a informação
é processada pelas estruturas mentais, configurando um mecanismo que
enriquece a construção do conhecimento a partir apresentação de situações
problema e/ou desafios. Assim, “[...] o aprendiz pode resolver o problema, se
dispõe de conhecimento para tal ou deve buscar novas informações para
serem processadas e agregadas ao conhecimento já existente” (VALENTE,
1999a, p. 89). Nessa lógica, o autor situa o computador como recurso para
facilitar a construção do conhecimento e alerta para o cuidado na escolha do
software21 a ser usado nas situações educacionais.
Nessa perspectiva, Capovilla et. al. (2001) explicam que a problemática
social relacionada à diversidade humana e suas limitações22 em estabelecer a
comunicação, especialmente a relação surdo-ouvinte, foi um ponto de partida
para a idealização e elaboração do software SignoFone23. O objetivo é auxiliar
o surdo na realização de diferentes tarefas: pessoais, educacionais, sociais,
dentre outras; além de possibilitar a comunicação do surdo, mesmo para
aqueles que não podem sinalizar - tetraplégicos, amputados, paralisados
cerebrais, portadores de distrofia muscular progressiva, esclerose lateral
amiotrófica, dentre outras limitações. Se o processo educacional acontece,
essencialmente, a partir da interação e comunicação, parece ser promissora a
contribuição desse software para a educação da PS. Como dizem os autores,
esse software possibilita:
21
Cada software apresenta características diferentes e isso implica critérios para a escolha de
qual o software melhor se aplica a determinado objetivo e em ajustes no papel do professor
quanto ao nível de sua participação no processo. Para mais detalhes sobre diferentes tipos de
software na educação, ver Valente (1999a) e Herculiani (2007).
22
Entenda-se por limitações o surdo não conseguir ou ter dificuldade em oralizar para se
comunicar com os ouvintes; a maioria dos ouvintes não dominar a LS para se comunicar com o
surdo, sendo necessário recorrer à modalidade escrita; a dificuldade de surdos em se
comunicar com outros surdos, não estando em contato visual (ao telefone); em reuniões com
diferentes tipos de deficiências sensoriais, o surdo mesmo sendo proficiente no uso do
português escrito, não conseguir se comunicar com eficiência com um cego, tendo que recorrer
à intermediação de um ouvinte-falante –vidente que seja alfabetizado e/ou familiarizado com a
LS, dentre outras situações. (CAPOVILLA et. al., 2001).
23
Para outras informações sobre os recursos necessários para a instalação do software, seu
uso através da internet, seu funcionamento, módulos que o compõe, detalhes sobre as formas
de acionamento, configurações, entre outras, ver Capovilla et. al. (2001, p. 1547-1572).
66
[...] a comunicação face a face entre Surdos (com ou sem distúrbios
neuromotores e neurolinguísticos), e entre Surdos e ouvintes (ainda
que estes sejam cegos); bem como para a telecomunicação entre
Surdos (ainda que desconheçam a Língua de Sinais um do outro), e
entre Surdos e ouvintes (ainda que os Surdos não escrevam na
língua do ouvinte e que o ouvinte não conheça os sinais dos Surdos).
Com ele, os Surdos podem telecomunicar-se sem ter de abrir mão
dos sinais de sua Língua de Sinais. O Sistema não requer que o
Surdo saiba ler e, nem mesmo, que consiga articular efetivamente os
sinais. Os Surdos analfabetos e Surdos com membros superiores
amputados ou paralisados podem, ainda assim, comunicar-se por
meio do SignoFone, desde que conheçam os sinais da Libras. O
Sistema emprega avançados recursos multimídias, conciliando
milhares de ilustrações de sinais digitalizadas com animação gráfica e
em alta resolução, texto escrito e elas pertinentes a oito idiomas, voz
digitalizada nesses idiomas, e acionamentos alternativo (i. e., direto,
com seleção por tela sensível ao toque; ou indireto, com varredura
automática e seleção por meio e dispositivos sensíveis ao sopro, a
vocalizações guturais, a movimentos grossos indiferenciados, ou ao
piscar). (CAPOVILLA et. al., 200,1p. 1548).
Silva (2002, p. 221) afirma que “[...] não temos à nossa disposição
nenhum material visual computadorizado que insira a Língua Brasileira de
Sinais – LIBRAS em um software educativo”. Isso mostra a necessidade do
desenvolvimento de um software educativo que utilize a LS como L1
objetivando a aprendizagem de uma L2, no caso o português. Considerando os
pressupostos teóricos do bilinguismo, as limitações de comunicação do surdo,
as dificuldades que estes têm de acessar informações da comunidade ouvinte
que são veiculadas pela modalidade oral e reconhecendo o computador como
um recurso complementar para o processo de letramento da criança surda,
Silva (2002) propõe a criação do software Karytu.
O projeto foi fundamentado na visão bilíngue para a educação de
surdos, no modelo sócio-interacionista de Vygotsky e nos indicadores24 de
interface para a educação de surdos descritos por Campos (1999 apud SILVA,
2002). O Karytu foi idealizado para atender a crianças surdas em processo de
letramento, com faixa etária entre 6 e 9 anos de idade. Nele, os aprendizes
podem participar ativamente de seu letramento a partir de atividades de cunho
24
Esses indicadores se baseiam em aspectos que devem ser privilegiados (ajudas animadas
para a explicação do funcionamento do sistema; o uso da LS, ícones, textos pequenos,
mensagens de forma gráfica, animações, filmes e vídeos coloridos com boa resolução) e
outros que devem ser evitados (ajudas auditivas, textos muito longos, uso de gírias,
vocabulário rebuscado).
67
lúdico, envolvendo a observação, a experimentação, a exploração, além de
vários usos da escrita - histórias infantis, criação de histórias em quadrinhos e
de jogos. Optou-se pelo lúdico, pressupondo que “[...] é o ponto de partida que
leva o estudante a descobrir que aprender é agradável e que vale a pena ir à
escola” (SILVA, 2002, p. 226). A autora explica que o Karytu ainda não foi
implementado por estar em fase de desenvolvimento. Estando disponível,
recomenda o uso para viabilizar as avaliações necessárias, a validade e
fidedignidade do produto.
Levando em consideração o fracasso das práticas pedagógicas de
alfabetização de alunos surdos, comprovado a partir do uso pobre e escasso
da LP na modalidade escrita, Pacheco (1998) pesquisou a utilização de
softwares de histórias em quadrinhos relacionada ao desenvolvimento da
produção escrita e da competência linguística de alunos com deficiência
auditiva. Para esse fim, tomou como ponto de partida a concepção de Vygotsky
sobre a linguagem escrita, adotando o enfoque psicológico histórico social que
considera o contexto como formador e conformador do sistema de linguagem
escrita. O autor partiu, também, da hipótese de que a criação de histórias em
quadrinhos,
por
constituir-se
numa
atividade
lúdica,
possibilitaria
“o
desenvolvimento e elaboração de uma forma de “escrita” por imagens”
(PACHECCO, 1998) e favoreceria os estágios de desenvolvimento da escrita
dos pesquisados. Participaram25 do estudo duas alunas com deficiência
auditiva inseridas no ensino regular (MA., 10 anos, 3ª série e JM., 8 anos, 2ª
série) e um adolescente inserido em uma classe especial para alunos com
deficiência auditiva (AF., 17 anos).
Foram utilizados no estudo26 os softwares “Fábrica Fantástica”27 e
Quadrinhos da “Turma da Mônica”.28 Optou-se pelos temas “Crianças e
animais” ou “Ambientes da casa” e as atividades foram propostas
25
Não foram encontradas, no relato, informações sobre o grau de perda auditiva desses
alunos, se eram usuários de LS ou outras características inerentes.
26
O estudo foi realizado no Núcleo de Informática na Educação Especial ligado à Pró-Reitoria
de Recursos Humanos e Serviços à Comunidade Universitária; e os sujeitos descritos são
dependentes de servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
27
Disponível em: < http://solaris.niee.ufrgs.br/software/fabricafantastica/fabrica.html>. Acesso
em: 12 ago 2008.
28
Disponível em: <http://www.monica.com.br>. Acesso em: 12 ago 2008.
68
gradativamente - familiarização dos softwares e seus recursos, produção de
cenários, colocação de personagens nesses cenários, nomeação
de
personagens e objetos, introdução de diálogos entre personagens e, em
seguida, a produção de histórias, obedecendo a uma ordem de complexidade
(quantidade de personagens, cenários e diálogos). Pacheco (1998) pôde
concluir que o uso de softwares de Histórias em Quadrinhos é uma importante
ferramenta propulsora do desenvolvimento da linguagem escrita nos indivíduos
pesquisados, fazendo referência a “[...] uma forma de escrita através de
imagens de forma semelhante a linguagem retratada nos processos préinstrumentais pelos quais passa a construção escrita” (PACHECO, 1998, p. 6).
A popularização do computador e sua utilização na educação da pessoa
com deficiência fizeram crescer o interesse pelo desenvolvimento de novos
produtos e pela utilização de softwares educacionais. Campos e Silveira (1998)
lembram que as primeiras tentativas de uso de softwares na educação da PS
objetivavam o treinamento de voz ou a aquisição de vocábulos da LP escrita. O
respeito à LS como língua natural da PS modificou a forma de conceber o uso
da tecnologia educacional, indicando “[...] uma nova linha de desenvolvimento
de software que é regida, em primeiro lugar, pelo respeito à língua natural dos
surdos, a língua de sinais, seja em sua interface ou na sua utilização”
(CAMPOS; SILVEIRA, 1998, p. 12).
Campos e Silveira (1998) apresentam um estado da arte sobre a
informática na educação das pessoas com deficiência, no qual faço um recorte
e mostro, no quadro a seguir, uma síntese de alguns softwares desenvolvidos
para a educação da PS:
Nome do Software
Pedagógicos ou Apoio
Selos
Treinamento
computadorizado
para a elocução de
vogais para
deficientes auditivos
Descrição
Resulta de um projeto para a construção de materiais de apoio
pedagógico para a comunicação e interação de portadores de
deficiência auditiva com o microcomputador e a linguagem LOGO,
este software é destinado à compreensão e construção de códigos
não-verbais de sinalização e à construção de sinais com efeitos
visuais na tela.
É destinado para o ensino da língua oral e de sinais para crianças
surdas inseridas em séries iniciais.
Sistema computadorizado para captar frequências vocais e utilizá-las
em uma representação gráfica para treinamento das vogais. Está
organizado em três módulos: pré-processamento do sinal de voz,
processamento da voz digitalizada no computador e acionamento de
equipamentos externos através de interface paralela ao computador.
Sistema que permite o bate-papo à distância entre surdos e ouvintes.
69
Sign Talk
A comunicação é realizada utilizando a LP escrita e a LS. O objetivo é
a aprendizagem da LP escrita e da LS, além da troca de experiência e
de informações sobre suas culturas.
Sistema que permite a comunicação entre surdo-surdo e ouvinteouvinte em LS brasileira e a língua de sinais americana, via
computador. Dispõe de banco de dados com palavras em português e
inglês e são distribuídas em categorias semânticas, podendo ser
acionadas pelo toque, sopro, movimentos dos olhos, entre outros.
Sistema de multimídia
para comunicação
surdo-surdo e surdoouvinte em línguas
brasileiras a
americanas de sinais
Quadro 1: Informática na educação da pessoa com surdez (Adaptado de Campos e Silveira,
1998, p.12-13.
Quando apresentei as discussões nesta sessão, não tive a pretensão de
abranger a totalidade de teóricos que tratam sobre o assunto, apenas mostrei
como o desenvolvimento de softwares e o estudo sobre sua usabilidade29 têm
mobilizado a comunidade científica. As conquistas educacionais das PS são
indícios valiosos para a continuidade de pesquisas sobre esse tema.
Gesueli (2004, 2006), Freire e Silva (2002) também apresentam
importantes contribuições sobre a educação da PS através do uso do software
HagáQuê.
Considerando que o HagáQuê é o objeto deste estudo, as
propostas, as características, dentre outros aspectos deste software, serão
discutidas a seguir.
2.1.1.2 o software HagáQuê na educação da PS
O desenvolvimento de pesquisas nos últimos anos fez com que o
computador
deixasse
de
ser
considerado
como
um
recurso
de
armazenamento, representação e transmissão de informações, para, então, ser
aceito como uma ferramenta auxiliar para a construção de produtos e,
consequentemente, do conhecimento, a partir de atividades de exploração,
investigação e descoberta (BIM, 2001). Referindo-se ao ensino de português, a
autora comenta que vários recursos da informática têm auxiliado professores
em suas atividades de ensino e cita os editores de texto como uma eficiente
alternativa para a criação e edição de textos por apresentar as seguintes
29
A usabilidade de um produto pode ser mensurada e compreendida como sendo o grau de
facilidade de uso desse produto para um usuário que ainda não esteja familiarizado com o
mesmo. A usabilidade também pode ser definida em função da eficiência, eficácia e satisfação
com a qual os usuários podem alcançar seus objetivos em ambientes específicos, quando
utilizam determinado produto ou serviço. (TORES; MAZZONI, 2004).
70
vantagens: em razão de a digitação ser mais simples, atenuam-se as
dificuldades com coordenação motora fina, favorecendo a concentração para a
criação de um texto; e a possibilidade de reescrever um texto sem ser preciso
digitar tudo de novo.
Sendo a LP escrita uma das modalidades da língua majoritária, Bim (op.
cit.) recorre ao PCN30 que indica como objetivo do ensino fundamental que os
alunos sejam capazes de “utilizar de diferentes linguagens — verbal,
matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir, expressar
e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em
contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de
comunicação” (BIM, 2001, p.8). A autora também comenta que esse
documento situa as histórias em quadrinhos (HQ) como um dos gêneros
adequados para o trabalho com a linguagem escrita e afirma que “as HQs
apresentam uma potencialidade pedagógica forte devido a sua narrativa de
conjugação imagem-texto que: (i) proporciona o desenvolvimento da criança,
(ii)
promove
debate
sobre
o
tema
gerador
e
sobre
os
aspectos
estéticos/narrativos da história” (BIM, 2001, p. 3).
Partindo desses pressupostos e da constatação da popularidade dos
computadores em sala de aula, Bim (2001) se propôs a investigar o uso da
tecnologia para a realização de atividades envolvendo as HQs. Utilizando o
critério do tempo de trabalho com a informática educativa, a autora selecionou
e visitou três escolas na cidade de Campinas – SP, e constatou que as
atividades com HQ no ambiente escolar são uma realidade e que o computador
é bastante utilizado. Contudo, também foi verificado que os softwares utilizados
para as atividades com HQ não correspondiam totalmente aos anseios da
escola e a satisfação dos alunos – os editores de histórias em quadrinhos
utilizavam sempre os mesmos personagens e cenários, limitando o trabalho
com temáticas diferentes; e os alunos não podiam alterar as imagens
disponibilizadas, o que, de certa forma, limitava a criatividade e provocava o
desinteresse pelo uso. Segundo Bim (2001, p.4), “nota-se portanto a carência
de ambientes que: permitam o uso de imagens que não sejam somente as que
30
Parâmetros
Curriculares
Nacionais:
Língua
Portuguesa.
Disponível
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02>. Acesso em: 19 jun 2008.
em:
71
acompanham o produto; ofereçam recursos variados para a edição destas
imagens; e ofereçam maior liberdade de criação.”
Após uma pesquisa minuciosa com vários31 editores de histórias em
quadrinhos usados em práticas pedagógicas e a identificação dos pontos
negativos e positivos em cada um deles, Bim desenvolveu como parte de sua
dissertação de mestrado o protótipo de um ambiente computacional para a
criação de HQ, o software HagáQuê32.
O HagáQuê apresenta um conjunto de ferramentas comuns a outros
editores de desenho como: aumentar e diminuir figuras, selecionar, apagar,
pintar etc. Dispõe, ainda, de um menu com opções relacionadas à edição da
história de modo geral. Várias opções podem ser acionadas com o clique do
botão direito do mouse, contemplando aqueles usuários mais familiarizados
com programas na plataforma Windows.
O HagáQuê tem um banco de imagens de personagens, cenários e
objetos, tanto colorido quanto em preto e branco (e que podem ser coloridos no
próprio software). Possui, também, imagens de balões e onomatopéias. É
possível, ainda, inserir novas imagens - capturadas na Internet, por exemplo no banco de imagens inicial do HagáQuê, tornando-as disponíveis a qualquer
outro usuário do software, sem necessidade de procurar as figuras pelos
nomes dos arquivos. Essas figuras podem ser alteradas por meio das
ferramentas do software: aumentar e diminuir o tamanho; girar e inverter,
modificando posições e direções; tornando-se desnecessário o uso associado
de um editor de imagens. O HagáQuê permite a inclusão de som gravado por
meio de microfone ligado ao computador ou de arquivos de outros programas
no formato .wav. Quanto ao texto, no HagáQuê, ele é sempre escrito com uma
mesma fonte e a criança pode escolher seu tamanho. Há três opções de
tamanho de fonte: pequena, média e grande.
O ambiente do HagáQuê foi projetado e implementado para o público
alvo de crianças que estão em fase de alfabetização, com faixa etária entre
sete e dez anos de idade, ou seja, crianças dos primeiro e segundo ciclos do
31
Foram analisados os seguintes editores de histórias em quadrinhos: “Quadrinhos Turma da
Mônica”, “Fine Artist”, “Estúdio de Cartoons Batman e Robin”, “StrickeerCards for Kids !”,
“Comics Composer”. (BIM, 2001).
32
O software livre HagáQuê está disponível em:<http://pan.nied.unicamp.br/~hagaque/>.
Acesso em: 22 fev 2008.
72
ensino fundamental. Considerando esse objetivo, o HagáQuê deveria oferecer:
(a) um conjunto de imagens suficientes para um trabalho inicial, mas que
poderia ser aumentado conforme a proposta pedagógica do professor; (b)
recursos para a edição dessas imagens, proporcionando ao aprendiz maneiras
de personalizar os desenhos conforme sua criatividade; e (c) os recursos para
a divulgação das histórias criadas cumpririam o papel social da produção de
texto. Sobre esta intenção de divulgar, Bim (2001) explica que a visualização
no próprio ambiente não mais ficaria restrita apenas ao professor e aos alunos,
também seria possível ampliar o número de leitores utilizando os recursos de
impressão em papel e divulgação na internet. Esses aspectos seriam
fundamentais para motivar os alunos a desenvolverem suas HQs e ampliar
suas capacidades cognitivas.
Como resultados esperados do desenvolvimento do protótipo, Bim
(2001, p. 4) apresenta o seguinte:
Oferecer um ambiente computacional que auxilie o processo de
construção de histórias em quadrinhos;
Contribuir com uma solução para minimizar a falta de ambientes
computadorizados mais flexíveis às propostas pedagógicas vigentes.
De acordo com Bim (2001, p.4),
[...] não havia a pretensão de oferecer um ambiente totalmente
flexível e que oferecesse total liberdade ao aluno. O objetivo consistia
em oferecer um ambiente onde se pudesse trabalhar com diferentes
formatos de imagens (importação de imagens), as quais tivessem
mais opções para serem editadas.
Por isso, todos os critérios para o desenvolvimento do HagáQuê foram
selecionados
[...] procurando oferecer um ambiente simplificado, mas ao mesmo
tempo contemplando todas as atividades básicas de edição, e
atraente para o trabalho que privilegia as histórias em quadrinhos
como forma de expressão [...] a integração de diversas ferramentas
de expressão escrita oferece a oportunidade para o aluno ser mais
ativo. (BIM, 2001, p. 58-59).
Alguns testes para avaliar o HagáQuê foram realizados por Bim (2001)
com seis crianças entre sete e nove anos. Os resultados indicaram uma boa
73
receptividade ao ambiente, como também alertaram para a necessidade de
incrementá-lo para o uso efetivo na escola e para compartilhar as experiências
de sucesso com outras instituições. O protótipo também foi apresentado para
professores e responsáveis por laboratórios de informática de duas escolas de
Campinas. Para todos, o HagáQuê foi visto como um recurso promissor para o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, parece ficar
evidente que as HQs deixam de ser apenas um objeto de lazer para ser,
também, um material de estudo e de desenvolvimento da leitura e da escrita,
podendo contemplar uma diversidade de alunos e interesses pedagógicos.
Na área da surdez, a linguagem escrita tem sido motivo de
questionamentos em relação às estratégias e métodos utilizados para o
processo de aprendizagem da leitura e escrita pelas PS, conforme já foi visto.
Como na abordagem bilíngue, a oralização não é um pré-requisito para
alfabetização e o letramento de surdos, as discussões sobre a linguagem
escrita vêm-se destacando (GESUELI, 2004, 2006; SALLES et. al., 2005;
QUADROS; SCHMIEDT, 2006; KARNOPP, 2008).
Gesueli
(2004),
citando
Vygotsky,
faz
considerações
sobre
o
desenvolvimento de a escrita acontecer independente do uso da fala. Destaca
que, na educação da PS, é importante haver um distanciamento da oralidade
para que aconteça o uso efetivo da LS. Não afirma, com isso, que deve haver a
substituição de uma língua por outra, mas se a LS é a língua de mediação
entre interlocutores com surdez, supõe-se, então, que a construção do
conhecimento é favorecida pelo uso da LS. Sendo essa língua essencialmente
visuo-gestual, é importante admitir o papel da imagem para os diversos tipos
de significações, representações e produções da PS, sobretudo no processo
de leitura e produção da escrita.
Reconhecendo a importância da IE, Gesueli (2004) investigou a
produção escrita de alunos com surdez utilizando o software HagáQuê.
Participaram desse estudo dois surdos, usuários de LS, filhos de pais ouvintes
e que estavam inseridos na rede regular de ensino. A autora comenta que a
produção escrita a partir das imagens do HagáQuê foi bem aceita pelos alunos,
supondo que o distanciamento de formas convencionais de prática escrita
tenha motivado os alunos. Como diz Gesueli (2004),
74
[...] na produção escrita, a imagem é garantia do significado a qual
representa, muitas vezes, todo um enunciado [...] a possibilidade de a
imagem fazer parte da produção textual do aluno surdo, dada a
experiência visual a que está imbricado, sem que necessariamente
esta imagem deva ser substituída por palavras escritas. (Gesueli
(2004, p.47).
Ainda sobre a importância da imagem e do visual no processo de
construção do conhecimento de alunos com surdez, Gesueli (2006) enfoca o
papel dos educadores na prática educacional. Citando Reily (2003) e Sofiato
(2005), a autora explica que a questão da imagem ainda é pouco reconhecida
pelos educadores e que a escola não valoriza o papel da linguagem visual no
processo de construção da linguagem de surdos e ouvintes, seja na leitura ou
na escrita.
Com o objetivo de analisar a elaboração da linguagem escrita em
momentos de interação em sala de aula entre surdo-surdo e surdo-pesquisador
ouvinte, envolvendo o HagáQuê, Gesueli (2006) estudou crianças e
adolescentes com surdez, com faixa etária entre quatro e dezesseis anos de
idade, que são atendidos no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação
Prof. Dr. Gabriel Porto (CEPRE), pertencente à Faculdade de Ciências Médicas
da Unicamp.
Analisando os dados, a autora observou a rica produção de cenários
com a utilização de objetos e personagens interagindo em diferentes situações,
o que, para Gesueli (2006), confirma a hipótese de que o processo de
construção do conhecimento da PS acontece partindo da imagem, da
mensagem visual. Levando em consideração que foi permitido aos alunos
solicitar a ajuda da pesquisadora e que essa interação foi por eles requerida
para a seleção de onomatopéias, balões, cenários e outros elementos,
evidencia-se a importância do papel do educador no processo interacional para
a construção de oportunidades de aprendizado para a PS.
Freire (2002) fala sobre a mudança que o computador provocou na
maneira de os indivíduos se relacionarem com a leitura e a escrita. Chama a
atenção para o aspecto da ludicidade como possibilidade de trabalho
pedagógico utilizando o software educacional, entre os quais cita os editores de
histórias em quadrinhos. Nesse sentido educacional, o autor pontua que os
recursos tecnológicos permitem ao indivíduo colocar a sua linguagem em
75
funcionamento, de mudar as condições de produção do texto, de praticar a
reescrita, mostrando que “aprender a escrever significa escolher entre
possibilidades, tomar diferentes decisões” (FIAD, 1997 apud FREIRE, 2002, p.
310).
Em sua pesquisa, Freire (2002) partiu de uma concepção enunciativadiscursiva da linguagem para analisar o trabalho linguístico-cognitivo envolvido
na elaboração de HQ. Para essa finalidade, foi feito um recorte sobre a
utilização de balões33 – elementos característicos desse tipo de construção.
Utilizando o HagáQuê, a autora analisou a elaboração HQ de dois indivíduos,
sendo um deles surdo. Este tinha 12 anos de idade, apresentava surdez
profunda bilateral congênita, era usuário de LS e fazia uso da linguagem oral.
Estava cursando o 5º ano do ensino fundamental e fazia parte do grupo que
frequentava o CEPRE.
Freire (2002) pôde concluir, em suas análises, que não houve a
percepção do aprendiz surdo para o fato de que “o texto que escreve a função
de um balão-fala” e, mesmo o fato de o aluno ser um leitor de gibis, isso não
pareceu ser suficiente para ele se perceber como “escrevente”, ou seja, saber
onde deve escrever o quê. De todo modo, ao longo das construções foi
percebido que o aluno manifestava o interesse em entender como os balões
funcionavam, mostrando que esses elementos foram considerados como parte
dos enunciados. Para a autora, esse tipo de elaboração mental passa por
conhecimentos linguístico-cognitivos importantes e deve ser valorizado como
estratégia didática e oportunidade de aprendizagem.
A montagem de uma história, a organização de sua trama em quadros
sequenciais ou em apenas um quadro, a elaboração de textos, o uso de
recursos expressivos e gráficos próprios das HQs, que, por sua vez, estão
presentes no HagáQuê, configuram um conjunto de aspectos que podem
transformar uma atividade pedagógica em uma interessante e motivadora
atividade de leitura e escrita. Mostram, também, a necessidade de entender
que uma diversidade de alunos requer uma diversidade de métodos, de
recursos, de interesses e propostas educacionais.
33
Há vários tipos de balões que são usados na construção de HQs: balão-pensamento, balãouníssono, balão-fala, balão-cochicho, balão-grito, balão-gelo (FREIRE, 2002). Outros tipos são
usados para representar significados especiais, como: balão-berro e o balão-trêmulo (BIM,
2001).
76
De acordo com Freire (2002), mesmo quando o sujeito não é
alfabetizado, a organização de um texto via imagens pode constituir um
“espaço privilegiado de produção de narrativas” ou uma boa maneira de
“inserção significada da criança no mundo letrado”.
O uso do HagáQuê parece oferecer a seus aprendizes surdos a
possibilidade de construírem um texto na modalidade escrita do português,
utilizando-se do recurso visual de forma muito prazerosa e sem a dificuldade
que um texto na forma convencional impõe aos alunos, especialmente aqueles
em fase inicial de alfabetização.
2.1.2. Limites e possibilidades para a produção escrita da PS através do
software HagáQuê
A presença das tecnologias nas escolas tem gerado benefícios
inquestionáveis para a educação da PS. Durante sua pesquisa, Tanaka (2004)
acompanhou a utilização do HagáQuê no Programa de Linguagem e Surdez,
implantado no CEPRE. Foram acompanhados dois grupos: o primeiro (A)
constituído por 3 crianças com deficiência auditiva, com idade entre 6 e 8 anos;
e um segundo (B) constituído por 2 adolescentes com deficiência auditiva, com
idades de 13 e 14 anos. Para o autor, as atividades com os dois grupos
possibilitaram constatações interessantes, que serão, a seguir, apresentadas.
No caso do grupo A, todos estavam matriculados em escolas regulares
em fase de aprendizado da LS e LP escrita. Os encontros aconteceram em
grupo, duas vezes por semana, com duração de 30 minutos cada um e os
temas trabalhados foram de livre escolha dos aprendizes. Tanaka constatou
que esses alunos tiveram dificuldade em criar uma história com mais de um
quadrinho (i. e., cenário) e em estabelecer uma sequência lógica entre eles.
Já, no caso do grupo B, todos dominavam a LS e a LP escrita, não
tiveram dificuldade para o manuseio dos periféricos (mouse e teclado) e já
conheciam HQs; com isso, as atividades fluíram com certa facilidade, se
comparada ao grupo A. Embora o domínio da LS seja entendido com essencial
e fundamental para a PS, nessa experiência, o domínio da LS provocou
confusão na troca de tempos verbais e de pronomes – possessivos por
pessoais e vice-versa. Tanaka (2004) percebeu a preocupação dos
77
adolescentes em escrever nos balões com a ortografia correta (letras e acento)
aquelas palavras que já conheciam. Como os alunos geralmente se colocavam
no lugar dos personagens para idealizar o discurso, acabavam usando a
escrita no sentido direto para se expressar.
Esses resultados de Tanaka corroboram com os argumentos de Freire
(2002); Gesueli (2004, 2006); Herculiani (2007) e outros, quando afirmam que a
imagem exerce um papel fundamental para a prática da LP escrita do surdo.
No grupo A, a sedução do aluno pela imagem é percebida quando este
consegue construir um cenário completo, embora não tenha ficado claro no
relato se havia algum tipo de enunciado escrito nesse cenário. A opção por
construir o cenário sem enunciado pode ter como causa o pouco domínio de
LP escrita e de LS, o que influencia diretamente nos aspectos de compreender
o outro e de se fazer compreender, limitando qualquer iniciativa interacional.
Ou, de outra forma, o uso da imagem pode representar apenas uma etapa
inicial. Como diz Tanaka (2004, p. 63) “uma única figura na tela pode
representar muito, podendo levar a criança a “brincar” com a figura de um
personagem [...] imaginando a história a medida que interage e altera o
personagem [...]”. A iniciativa para a prática da escrita dependerá de vários
fatores – metodologia, motivação, ambiente, objetivo da atividade, dentre
outros.
No grupo B, ficou evidente o conflito entre as estruturas da LS e da LP
escrita para construir um enunciado ou atribuir sentidos escritos a uma história.
Mesmo os alunos tendo certa fluência na escrita, Tanaka (2004) identificou que
a opção “escrever” quando é selecionada aparece uma janela que ocupa quase
que por completo o quadrinho em questão, ficando o surdo sem o estímulo
visual (personagens, objetos e outros elementos) para fazer inferências e usar
a linguagem escrita. Esse aspecto também foi apontado por educadores que
trabalham com surdos, utilizando o HagáQuê, como um fator limitante.
Cabem, aqui, dois questionamentos: se o aluno não consegue visualizar
o(s) quadrinho(s) construído(s), que estímulo haverá para atribuir sentido ao
mesmo através da linguagem escrita? Considerando o(s) quadrinho(s)
pronto(s) com enunciado(s) que ele mesmo já havia escrito, a janela da opção
“escrever” não seria um impedimento ao aluno para as ações de leitura, escrita,
78
reescrita, usar o recurso copiar/colar, que são essenciais para a aprendizagem
e prática da LP escrita por meio do HagáQuê?
Tanaka (2004, p.68) explica que
[...] é importante destacar que entre os profissionais da área de
informática na educação especial não há consenso sobre a utilização
ou não de língua de sinais na interface de um software, ainda mais
naquele em que a escrita em língua portuguesa é o objeto a ser
aprendido (no caso do HagáQuê).
Com isso, o autor apresenta, em seu relato, algumas sugestões de
adaptações para o uso do HagáQuê por PS, a saber:
1.
2.
3.
4.
Escolha de novos ícones ou símbolos para evitar ambiguidades. Os ícones Formiga e
Dinossauro, que servem para aumentar e diminuir a imagem, podem ser confundidos com
a opção de inserir as imagens dos animais Formiga e Dinossauro.
Opção bilíngue para textos dos menus, ajuda e hints, tanto em LS quanto em LP escrita.
Substituição de onomatopeias por vídeos/animações que as representam (relâmpagos
para a onomatopeia “Cabum”, por exemplo), ou o uso de vídeos contendo representação
em LS para essas onomatopeias.
Possibilidade de criação de legendas para os sons gravados.
Quadro 2: Sugestões de adaptações no HagáQuê para o uso com PS. (Adaptado de Tanaka,
2004, p. 68).
Outras sugestões também foram feitas por Tanaka (2004) e criaram
possibilidades para que pessoas com necessidade especiais pudessem usar o
HagáQuê com mais autonomia e eficiência. Como o critério usado pelo autor
foi o Desenho Universal, praticamente todos os usuários são beneficiados,
inclusive as PS. Nesse sentido, são apresentadas, a seguir, algumas das
melhoras que visam a uma melhor interação e maior motivação do aluno,
propostas por Tanaka:
Alteração/implementação
Acesso a funcionalidades via teclado
Diminuição do tamanho da
janela de escrever
Substituição da fonte Arial
por Times New Roman
Objetivo
Permite que as funções (aumentar,
diminuir, inverter na vertical, inverter na
horizontal, girar, enviar para frente, enviar
para trás) sejam realizadas por comandos
de atalho no teclado, melhorando a
interface do aluno com o software e
periféricos.
Facilitar a visualização da história, cenário
e/ou balão em fase de criação ou conclusão
de enunciado.
Melhorar a diferenciação entre o cursor e a
letra “ele” minúsculo e “i” maiúsculo,
diminuindo a ocorrência de erros de grafia.
79
Mudança nos botões nas janelas
de escolha de figuras
Tornar o botão/comando para importar e
excluir figuras do banco de dados mais
visível, com tamanho maior e localização
de destaque.
Botão de desfazer na barra de
Permitir a recuperação de figuras, evitando
ferramentas de edição
que o usuário tenha que apagar um cenário
inteiro ou parte dele, caso tenha errado em
alguma etapa.
Quadro 3: Sugestões de adaptações no HagáQuê para o uso com pessoas com necessidades
educacionais. (Adaptado de Tanaka, 2004, p. 69).
Embora Boff (2000, p.46) não tenha feito referência à educação da PS,
também tece comentários sobre aspectos de interface do HagáQuê, pontuando
que “[...] o software oferece uma interface com elementos mais intuitivos, de
maneira a concentrar o esforço cognitivo do usuário na tarefa de edição da
história e não para o entendimento do ambiente”. Suas considerações
permitem entender que, mesmo com recursos restritos em detrimentos de
outros editores de textos, no projeto do HagáQuê, há uma prioridade para que
a criatividade da criança seja estimulada. Ao contrário do que acontece em
outras tecnologias quando há inibição, geralmente ocasionada pela quantidade
de opções e recursos. Talvez essa característica simplificada do HagáQuê seja
um ponto forte para aceitação da PS quando convidada a participar de
atividades de produção escrita.
Freire (2002) analisou um trecho produzido por um surdo utilizando o
HagáQuê e conclui que vários aspectos podem ser comentados, como a
influência da LS na escrita, o uso de letras maiúsculas para palavras como se
estivesse atribuindo nomes aos personagens, mudança de linha como se fosse
uma regra de pontuação, redundância de sentido quando o aluno escreve
Homem policia e escolhe um personagem fardado, podendo ter utilizado a
palavra policial para dar sentido à função, entre outro.
Para além de regras e normas da LP escrita, que são fundamentais para
a prática da linguagem escrita, percebo que houve uma significativa produção
discursiva. Sob a ótica educacional, analisar a competência do aluno para a
produção escrita mostra suas limitações em lidar com a estrutura normativa do
português. Ao mesmo tempo, apresenta o HagáQuê como um recurso para
oportunizar a prática da linguagem escrita. Para esse aluno construir o trecho
escrito,
possivelmente
houve
um
trabalho
discursivo
interno,
com
80
argumentações sobre a escolha deste ou daquele vocábulo que melhor
representasse a figura escolhida ou vice-versa. Essa possibilidade mostra o
envolvimento do aluno surdo com o recurso tecnológico, que, se comparada às
tentativas tradicionais de produção escrita em sala de aula, coloca o HagáQuê
como uma ferramenta que pode colaborar com as demandas educacionais
atuais e para o letramento da PS.
Gesueli (2004) situa que no trabalho com o HagáQuê para praticar a LP
escrita com surdos, inicialmente os alunos se mostram resistentes para
participar e realizar as atividades. Para a autora, os fracassos no ambiente
escolar podem ser a causa da rejeição. Uma vez vencida esta etapa, a
motivação é vista de forma evidente e permite que propostas sejam feitas,
desde a simples produção de um cenário com objetos e personagens, até as
mais complexas, como a elaboração de frases. Lembro Pacheco (1998, p. 4)
quando afirma: “no momento em que introduz a fala dos personagens, por
exemplo, o aluno defronta-se com o problema de descentrar-se de sua própria
fala e expressar a fala de um personagem específico da história”.
Gesueli (2006) comenta a necessidade de letramento da PS ser
pensada a partir dos questionamentos e das respostas que vêm sendo
fornecidas pela comunidade científica da área de surdez e professores de
surdos sobre os métodos e estratégias utilizados na educação da PS. Com
ênfase sobre a elaboração da linguagem escrita como HagáQuê em momentos
de interação de surdos com colegas e professores ouvintes, a autora destaca o
papel do educador, que não deve desconsiderar a questão social do letramento
e nem utilizar como único caminho metodológico para a educação da PS a
dinâmica tradicional da pedagogia com suas estratégias didáticas inflexíveis.
Lembra que “os mecanismos de produção de sentidos são também,
mecanismos de produção de sujeitos [...]” (GESUELI, 2006, p. 120).
Nesse raciocínio, Bim (2001) reconhece a importância de o HagáQuê
contemplar a todos os gostos, apresentando, em sua configuração, cores e
formas convidativas ao aluno. Contudo, chama a atenção para o fato de que
[...] todas estas preocupações não serão suficientes se o professor
não estiver preparado para integrar a ferramenta computacional
oferecida às suas atividades pedagógicas. O papel desempenhado
pelo professor tanto no uso do HagáQuê, quanto de qualquer outro
81
ambiente computacional, é fundamental para a efetividade da
ferramenta. A criatividade do professor e sua experiência educacional
serão as responsáveis pela concretização dos objetivos pretendidos
com o HagáQuê. (BIM, 2001, p. 61-62).
Os resultados apresentados mostram indícios de que o HagáQuê é uma
ferramenta que pode ser entendida como um excelente recurso pedagógico
para o processo educacional da PS.
Colocando como foco de discussão a linguagem escrita, a pouca ou
nenhuma habilidade do aluno com surdez para construir o conhecimento a
partir de produções escritas pode ter vários motivos: vocabulário limitado,
aquisição de L1 ou L2 tardia, a defasagem na relação idade-série, pouca
participação da família em práticas discursivas em LS fora da escola, a não
participação do surdo no convívio com outros surdos aprimorando a sua L1,
dentre outros.
Todos esses fatores podem ocorrer isoladamente, de forma sequenciada
ou se apresentar em uma infinidade de outras possibilidades, inclusive nas
oportunidades educacionais em que o HagáQuê esteja sendo utilizado como
ferramenta pedagógica e, por isso, o processo de ensino e aprendizagem
também pode ser comprometido. Não pretendo, com isso, afirmar que outras
estratégias aplicadas com outros recursos não recebam influências dessas
variáveis, apenas citei o HagáQuê por ser o objeto de estudo desta pesquisa,
para qual será definido o delineamento metodológico no capítulo próximo.
82
CAPÍTULO 3
ASPECTOS METODOLÓGICOS
3.1 Caracterização da pesquisa
Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, por compreender que
o indivíduo é capaz de criar, modificar e interpretar o mundo. De acordo com
Flick (2004), essa abordagem abrange o conhecimento e as práticas dos
participantes, permitindo analisar os casos concretos em sua particularidade de
tempo e local, portanto, considera as expressões e as atividades das pessoas
em seus contextos locais.
Para Bogdan e Biklen (1994), na investigação qualitativa, o interesse
pelo processo se sobressai em relação ao produto. Esses autores, citando
Psathas (1973), explicam que, especialmente na educação, o aspecto
qualitativo de investigação se preocupa com os sujeitos para perceber aquilo
que eles experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e
a maneira como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem.
Referindo-se ao papel do investigador na pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen
(1994, p. 48) destacam que esses agentes “[...] tentam analisar os dados em
toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma em que estes
foram registrados [...]”.
Levando em consideração que busquei compreender as contribuições
do software HagáQuê no processo de produção escrita da pessoa com surdez,
esta pesquisa se configura como qualitativa na medida em que procurou
identificar fatores e aspectos limitantes ou não nesse processo produção
escrita da Língua Portuguesa.
Por ser um fenômeno de características próprias e estudado em dois
cenários específicos, com ênfase na obtenção de um conhecimento preciso
para um propósito e situação particulares, trata-se de um estudo de caso.
De acordo com Yin (2001, p. 26), o uso do estudo de caso em pesquisa
qualitativa é uma estratégia promissora, considerando “[...] a sua capacidade
de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos,
entrevistas, observações [...]”. Trata-se de uma investigação empírica que
83
verifica um fenômeno dentro de seu contexto, podendo implicar uma situação
em que pode haver mais variáveis de interesse do que os pontos de dados, daí
a necessidade de várias fontes de evidências para perceber o fenômeno de
forma abrangente (YIN, 2001).
Ponderando que foram pesquisados com um mesmo propósito, dois
grupos em locais diferentes, não simultaneamente, sendo cada um constituído
por sujeitos com idades e níveis de escolaridade diferentes, ambos constituídos
por PS, o método aproxima-se do que Stake (1995 apud ANDRÉ 2005, p.20)
denomina como estudo de caso coletivo, ou seja, “[...] quando o pesquisador
não se concentra num só caso, mas em vários [...]”.
Nessa perspectiva, foi utilizada, ainda, a técnica da observação
participante com o intento de usufruir de oportunidades e fontes distintas para a
coleta de dados (BOGDAN; BIKLEN, 1994; FLICK, 2004). Para Ludke e André
(1986), a observação participante é compreendida como uma estratégia de
campo que combina, simultaneamente, a análise de documentos, a entrevista
de respondentes e informantes, a participação, a observação direta e a
introspecção. Recorro a Flick (2004, p.157) ao afirmar que,
No geral, a observação participante elucida o dilema entre a
participação crescente no campo – da qual resulta apenas a
compreensão – e a manutenção de uma distância – da qual a
compreensão torna-se meramente científica e verificável [...] a
interação com o campo e o objeto de pesquisa pode se dar de forma
mais consistente [...] a flexibilidade e a apropriabilidade
metodológicas ao objeto em estudo são duas vantagens principais
deste procedimento.
Nessa perspectiva da observação participante, pretendi registrar
elementos que pudessem indicar caminhos e/ou estratégias para o uso
eficiente do HagáQuê e, com isso, favorecer o processo de produção escrita
dos sujeitos pesquisados.
3.2 Caracterização dos estudos
Para melhor compreensão sobre os dois grupos da pesquisa, aqui
denominados de Estudo 1 e Estudo 2, estes serão descritos separadamente a
seguir:
84
3.2.1 Estudo 1 – Ensino Fundamental
O
desenvolvimento
deste
estudo
aconteceu
com
algumas
particularidades que considero importantes de serem relatadas. Inicialmente,
visitei diversas escolas da rede pública municipal e estadual de ensino de
Maceió/Al que possuíam laboratório de informática para conhecer como esse
espaço era utilizado em atividades pedagógicas com turmas consideradas
inclusivas.
Em uma dessas escolas a qual denominei de E1, ao conversar com a
professora responsável pelo laboratório e com a coordenadora pedagógica do
turno da manhã, apresentei a proposta inicial da pesquisa (investigar o uso das
TIC na promoção da educação inclusiva) e tomei conhecimento sobre
atividades em andamento e/ou concluídas, os projetos já desenvolvidos, os
recursos utilizados no laboratório de informática, dentre outras. Mas
especificamente, conheci o modo pelo qual o software HagáQuê era utilizado
com os alunos em projetos e atividades pedagógicas, cujos temas eram
definidos de acordo com a data festiva vigente (ex. Dia da Criança, São João,
Carnaval e outras).
Naquela escola, o software HagáQuê começou a ser utilizado no ano de
2005, por sugestão do Departamento de Tecnologia Educacional da Secretaria
Municipal de Educação de Maceió. No ano de 2007, a escola utilizou o
software HagáQuê através de um projeto desenvolvido pela professora
responsável pelo laboratório de informática, pela coordenadora pedagógica e
pelos professores de sala regular. O objetivo desse projeto foi a prática da
Língua Portuguesa escrita por todos os alunos com surdez e o tema foi o
folclore
brasileiro.
Nas
atividades,
esses
alunos
construíam
os
quadrinhos/cenários com imagens, personagens e objetos de seu interesse e,
em seguida, atribuíam palavras escritas. Nos dias de realização do projeto, a
presença de um intérprete de LS foi obrigatória. Ao final do projeto, os cenários
e suas produções escritas foram impressas e expostas no pátio da escola. Do
ponto de vista da Coordenadora e dos professores envolvidos no projeto, as
atividades foram bem aceitas pelos alunos com surdez. De acordo com a
professora do laboratório, após a realização desse projeto e da exposição dos
85
trabalhos, houve um maior interesse dos alunos com surdez em usar o
HagáQuê.
Com base nessas informações, reorientei o objetivo do projeto com a
pretensão de investigar as contribuições deste software para a prática da
Língua Portuguesa escrita do aluno com surdez. Em uma nova reunião com a
coordenadora pedagógica, apresentei a nova proposta e foi muito bem aceita.
Assim, defini essa escola como o local para a realização de minha pesquisa.
Com a intenção de que os encontros acontecessem de forma
contextualizada com a dinâmica da escola, solicitei à coordenadora uma
reunião com os profissionais que estariam participando dos encontros: a
professora responsável pelo laboratório, a professora de sala de aula e a
intérprete de LS. Na ocasião, apresentei a proposta da pesquisa e todas
concordaram em participar. Propus, ainda, à professora de sala de aula que ela
estivesse presente nos momentos da pesquisa e que os temas a serem
trabalhados com o HagáQuê no laboratório fossem definidos por ela, em
acordo com os conteúdos trabalhados em sala de aula durante a realização da
pesquisa de campo. A proposta também foi aceita. Essa estratégia
metodológica se aproxima do que Valente (1999b, p.38) descreve como uma
das características do paradigma da educação enxuta, na qual “o conteúdo não
pode ser mais fragmentado ou descontextualizado da realidade ou do problema
que está sendo vivenciado ou resolvido pelo aluno”.
Contudo, sugeri, à coordenadora pedagógica, que os encontros
acontecessem semanalmente, pois intervalos de maior tempo poderiam ser
prejudiciais à pesquisa, já que os temas a serem trabalhados seriam aqueles
abordados em sala de aula durante a semana. A proposta também foi aceita.
Ainda nessa reunião, apresentei o Termo de Consentimento e Livre
Esclarecimento (TCLE) para ser entregue e apreciado pelos pais e/ou
responsáveis dos alunos. Os esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa
foram feitos pela coordenadora durante uma reunião de pais.
Após essas etapas, o calendário para a realização do estudo foi definido
e as atividades se iniciaram.
86
3.2.2 O universo da pesquisa
O estudo foi desenvolvido em escola municipal de ensino fundamental
(EMEF), na cidade de Maceió, Alagoas.
A EMEF se assumia como inclusiva por ter alunos com deficiência
intelectual e deficiência auditiva matriculados e inclusos nas salas de aula
regulares. Possuía, ainda, uma sala de recurso e oferecia o Atendimento
Educacional Especializado (AEE) em turno contrário para os alunos com
deficiência da própria escola e de escolas do entorno. Essa instituição possuía,
também, laboratório de informática e dentre as propostas de ações
apresentadas no Projeto Político Pedagógico (2008, p. 27) para a melhoria da
qualidade de ensino, estava a “utilização do laboratório de informática para
otimizar as aulas”, de maneira que o computador era tido como um recurso
educacional complementar para atividades pedagógicas.
A escola adota uma abordagem bilíngue para a educação de surdos,
que de acordo com Quadros e Schmiedt (2006, p. 18) “[...] envolve, pelo
menos, duas línguas no contexto educacional”. Mais especificamente, a escola
assume uma política linguística na qual duas línguas co-existem no espaço
escolar, sendo a Língua Portuguesa, a língua de instrução, e a segunda língua
é a LS, que é utilizada através de intérpretes de LS, nas diversas atividades
pedagógicas envolvendo alunos surdos.
3.2.3 Os sujeitos
Do estudo realizado na EMEF, participaram das atividades com o
HagáQuê, 3 alunos com surdez, os quais pertenciam a uma turma de 4ª ano do
ensino fundamental, composta por 36 alunos.
Estes 03 (três) alunos com surdez, um do sexo masculino (AJP.) e duas
do sexo feminino (AA. e AL.), foram escolhidos por ter sido considerado que os
mesmos já teriam alguma noção sobre o uso da leitura da linguagem escrita, já
que participaram do projeto oferecido pela escola em 2007. Estes alunos
tinham realizado seu percurso escolar em instituições públicas municipais e
estaduais e moravam em diferentes bairros da cidade.
87
AJP. tinha 17 anos de idade, possuía surdez bilateral profunda34
congênita. Conhecia a LS há aproximadamente 10 anos. Era filho de pais
ouvintes e que não sabiam a LS. Começou sua vida escolar na rede municipal
em 1996, com trabalhos de estimulação precoce. Em 1998, foi matriculado em
sala especial para alunos surdos em outra escola também na rede municipal de
ensino, onde iniciou aprendizagem da LS. Em 2000, afastou-se da escola
regular e passou a frequentar uma organização não-governamental da cidade
de Maceió, onde recebia atendimento clínico e aprendia a LS. Em 2001,
retornou para escola regular do município de Maceió, onde permaneceu até o
ano de 2003. Em 2004, após ser avaliado, foi matriculado no 2º ano do ensino
fundamental na escola em questão, onde se encontrava até o momento da
realização do trabalho de campo. O aluno repetiu os 2º e 4º anos,
respectivamente em 2005 e 2007. AJP., no momento da realização do trabalho
de campo, participava de atividades de reforço escolar em uma organização
não-governamental e não frequentava o AEE na escola.
AA. tinha 16 anos de idade, possuía surdez bilateral profunda congênita.
Conhecia a LS havia aproximadamente 08 anos. Era filha de pais ouvintes e
apenas sua mãe sabia a LS. Em 2000, começou sua vida escolar em uma
instituição particular. Após ser avaliada, foi encaminhada, nesse mesmo ano,
para o jardim infantil, sala especial para crianças surdas, de uma escola da
rede estadual, onde iniciou a aprendizagem da LS. Em 2001, passou a fazer
parte de uma turma experimental de educação infantil para alunos com várias
deficiências, em um centro de educação especial mantido pelo Estado e lá
permaneceu até 2004. No ano de 2005, foi transferida para uma escola regular
da rede estadual, onde cursou os 1º e 2º anos do ensino fundamental, em 2005
e 2006, respectivamente. Em 2007, foi matriculada no 3º ano do ensino
fundamental na EMEF. Além de frequentar a escola regular, AA. recebia o AEE
em um Centro de Capacitação de Profissionais na Área da Surdez e
Atendimento às Pessoas Surdas (CAS), com ênfase na área de Língua
Portuguesa como 2ª língua. A aluna também não frequentava o AEE da escola.
34
Entenda-se por surdez profunda a perda auditiva que apresenta o limiar médio acima de 90
dB, portanto, o indivíduo não possui nenhum resíduo auditivo, não sendo capaz de identificar
estímulos sonoros (SANTANA, 2007).
88
AL. tinha 12 anos de idade, possuía surdez bilateral severa35 congênita.
Conhecia a LS havia aproximadamente 05 anos. Era filha de pais ouvintes e
apenas sua mãe sabia LS. A aluna utilizava prótese auditiva e apresentava
certa capacidade para a compreensão de palavras e expressões através de
leitura labial. Começou sua vida escolar em uma escola particular regular de
Maceió, em 2000, e lá permaneceu até 2003. Em 2004, foi matriculada em uma
turma considerada inclusiva em uma escola da rede pública municipal, onde
iniciou a aprendizagem da LS. Estudou lá até 2007. Ingressou na escola em
questão em 2008, em uma turma de 4º ano do ensino fundamental. AL. não
recebia atendimento educacional especializado no momento de realização da
pesquisa de campo, todavia, recebia atendimento clínico (fonoaudiologia) em
uma organização não-governamental. A aluna nunca frequentou uma sala
especial e repetiu, em 2003, o primeiro ano do ensino fundamental por motivo
de faltas.
Vale ressaltar que as informações apresentadas acima foram fornecidas
pelos pais dos alunos. A ausência de algumas informações se deve à não
obtenção destas junto aos informantes.
Em resumo, alguns dos dados apresentados sobre os indivíduos
pesquisados sujeitos acima podem ser observados na quadro a seguir:
Sujeito
Idade
Grau de
Tempo
Filho(a) de
Pai ou mãe
surdez
de LS
pais ouvintes
sabem LS
AJP.
17
Bilateral
10 anos
Sim
Não
profunda
congênita
AA.
16
Bilateral
08 anos
Sim
Apenas a
profunda
mãe
congênita
AL.
12
Bilateral
05 anos
Sim
Apenas a
severa
mãe
congênita
Quadro 4: Informações gerais dos indivíduos pesquisados no Estudo 1.
Recebe
AEE
Sim
Sim
Não
É importante destacar que embora esses alunos tivessem aprendido
noções da LS, eles também utilizavam a mímica, as expressões faciais e
35
Entenda-se por surdez severa a perda auditiva que apresenta o limiar médio entre 71 e 90
dB; ou seja, apesar da perda, o indivíduo possui algum resíduo auditivo, permitindo a
identificação de algum estímulo sonoro (SANTANA, 2007).
89
corporais como estratégias de comunicação na escola, fazendo crer que essas
estratégias também eram utilizadas com a família e amigos.
Na descrição dos alunos, fica evidente que estes apresentavam
acentuada distorção idade/série. No entanto, este não é um problema que afeta
exclusivamente essa clientela, como indica o Projeto Político Pedagógico
(PPP) da escola (2008). Segundo esse documento (p.17), o alto índice de
distorção idade/série encontrado na instituição se deve às prováveis causas:
“as crianças portadoras de necessidades educacionais e especiais, a pouca
oferta de vaga na escola pública, ocasionando o acesso tardio do aluno e o
baixo poder aquisitivo do país”.
Ainda de acordo com esse documento, dos 109 alunos com e sem
deficiências matriculados no turno matutino em 2008, no 4º ano do ensino
fundamental, 38 alunos (34,8%) estavam com idade superior à série/ano
respectivo/a. Com isso, é evidenciado que a relação desproporcional para
idade/série era um fato recorrente na escola e que recaía sobre um número
expressivo de alunos, dentre eles o grupo pesquisado. Os argumentos
apresentados no Projeto evidenciam que, ao aluno com deficiência, ainda é
atribuída a culpa pelo seu fracasso escolar, quando, de fato, muito pouco é
comentado sobre a conduta docente e/ou metodologias utilizadas.
No processo de trabalho de campo, ainda participaram a professora
responsável pelo laboratório (Pc.), auxiliando e orientando nas necessidades
referentes ao manuseio do computador e do HagáQuê; a professora de sala
regular (Ps.), que participou definindo os conteúdos a serem trabalhados nos
encontros e orientando sobre as dúvidas relacionadas a esses conteúdos; e a
intérprete de LS (IY.), que atuou na tradução e interpretação da Libras/Língua
Portuguesa.
Pc. era pedagoga e estava cursando o ciclo intermediário do curso
Mídias na Educação, na modalidade à distância, oferecido pelo Ministério da
Educação. Tinha assumido o laboratório de informática há, aproximadamente,
dois anos.
Ps. era pedagoga e pós-graduanda em Metodologia da Educação
Básica. Atuava com turmas consideradas inclusivas havia sete meses e, no
momento do trabalho de campo, participava do curso básico de LS oferecido
pelo CAS.
90
IY. era pedagoga e estava cursando Pós-graduação Latu Senso em
Psicopedagogia. Atuava na escola como intérprete de LS há 18 meses. Era
intérprete em nível superior certificada pelo Pró-Libras e atuava como intérprete
da LS há 8 anos.
Em resumo, alguns dos dados apresentados acima podem ser
observados na quadro a seguir:
Sujeito
Pc.
Atuação
Tempo de
atuação
na escola
Professora/
laboratório
de
informática
Professora/
sala
regular
27 meses
Tempo de
atuação
com LS
----
Formação
Pedagogia
Formação
complementar
Aperfeiçoamento em
Mídias na Educação
(em andamento)
Pós-graduação em
Metodologia da
Educação Básica /
Curso básico de Libras
Intérprete
Pós-graduação em
IY.
de LS
18 meses
08 anos
Pedagogia Psicopedagogia / PróLibras
Quadro 5: Informações gerais dos profissionais pesquisados no Estudo 1.
Ps.
07 meses
04 meses
Pedagogia
3.2.4 Instrumentos para coleta de dados
Neste estudo, considerando a necessidade de obter dados de diferentes
naturezas e informantes, foram utilizados diferentes instrumentos que serão
apresentados a seguir.
As produções escritas dos alunos surdos utilizando o HagáQuê foram
armazenadas em dispositivo tipo pen drive e, posteriormente, transferidas para
mídia digital CD.
Outras informações referentes a cada momento de realização da
pesquisa no laboratório de informática foram registradas, permanentemente,
em diário de bordo, com o auxílio de filmagem por câmera digital e entrevistas
informais.
3.2.5 Procedimentos para a coleta de dados
Utilizei a observação participante para a identificação de diferentes
aspectos referentes ao uso do HagáQuê. Essa estratégia teve caráter
91
permanente na pesquisa (FLICK, 2004). Parte dessas observações foram
registradas em diário de bordo, descrevendo limites e possibilidades dos
alunos na utilização das interfaces do HagáQuê, além de outras variáveis
relacionadas à prática da língua portuguesa escrita desses alunos.
Além disso, para apoiar esse processo de coleta de dados, fiz uso da
filmagem contínua em todos os dias de realização do trabalho de campo no
laboratório de informática em que os alunos faziam atividades focando a
produção de texto. O tempo de cada filmagem foi de aproximadamente 50
minutos, equivalente à duração de cada encontro. Para realizar as filmagens,
contei com a ajuda de uma colaboradora, que registrou as imagens de forma
dinâmica, ou seja, a câmera não esteve fixa em um único local. Nessas
filmagens, houve a ênfase para captar os aspectos relacionados ao processo
de interação entre IY-aluno, aluno-aluno e pesquisador-aluno, sobretudo nas
ocasiões em que o IY. mediava alguma dúvida ou necessidade de intervenção
da Ps. e/ou pesquisador; além da identificação de diferentes aspectos
referentes ao uso do HagáQuê (o manuseio dos periféricos, e mesmo os
comportamentos dos alunos diante da atividade de produção escrita, como:
euforia, satisfação, motivação, dúvidas, angústias, entre outros).
Em relação à coleta de dados acerca da produção escrita dos alunos
usando o HagáQuê, a pesquisa aconteceu durante nove encontros
consecutivos, nos meses de abril a julho de 2008, com periodicidade semanal e
duração de, no máximo, 50 minutos cada. Os alunos participaram desses
momentos escrevendo palavras da língua portuguesa às diferentes histórias,
apresentadas através de cenários, personagens e objetos. A construção
desses cenários aconteceu de forma variada e considerou uma ordem de
complexidade, ou seja, algumas histórias eram compostas por apenas um
cenário, outras por dois ou quatro cenários. Nas histórias compostas por quatro
cenários, no último havia apenas uma paisagem e o aluno ficava livre para
adicionar personagens e objetos numa tentativa de dar seguimento à história.
Busquei, com isso, manter o aluno motivado durante as atividades a partir
dessa interação com a história, fazendo ele se sentir parte do processo.
A dinâmica de cada encontro no laboratório aconteceu da seguinte
forma: estando todos os alunos da turma devidamente organizados diante dos
computadores; a Ps. com a colaboração da IY., fazia uma revisão/síntese
92
sobre o(s) tema(s) que seria(m) trabalhado(s) naquele momento e explicava
aos alunos como a atividade de produção escrita deveria acontecer e que
aspectos deveriam constar; os alunos então iniciavam a atividade. Durante a
atividade, tanto a IY. quanto a Ps. estiveram à disposição dos alunos para tirar
as dúvidas sobre o(s) tema(s) e outros aspectos relacionados à LP escrita, bem
como a Pc. sobre o manuseio do HagáQuê e/ou do computador. Esta última
tinha experiência no uso do software havia aproximadamente dois anos,
através de atividades e projetos realizados com as demais turmas da escola no
turno da manhã. Como pesquisador, atuei propondo, identificando e criando
oportunidades de atividades e intervenções que estimulassem a prática da
Língua Portuguesa escrita pelos alunos.
No decorrer das atividades, com o intuito de despertar no aluno o
interesse pelo uso da linguagem escrita, algumas perguntas provocativas foram
utilizadas pela IY., ao meu pedido, em relação aos personagens humanos ou
animais, como: qual é o nome dele? O que ele está pensando? O que ele está
dizendo? Para onde ele está indo? Que lugar é este? Você conhece? Entre
outras.
Ao término de cada encontro, a Ps. me informava quais os conteúdos
que seriam vistos durante os próximos dias em sala de aula e sugeria a
temática para o próximo encontro no laboratório. Na oportunidade, também
eram trocadas informações entre mim e as profissionais sobre pontos positivos
e negativos acerca do comportamento dos alunos durante o encontro ocorrido,
observações em relação ao material apresentado, entre outras, servindo como
reflexão para possíveis ajustes no decorrer do processo.
Sendo o principal objetivo do estudo a prática da língua portuguesa na
modalidade escrita, vale comentar que os quadrinhos e cenários apresentados
aos alunos em cada dia do estudo foram elaborados por mim com
antecedência e em acordo com as temáticas sugeridas pela Ps. Na tentativa de
perceber manifestações de aceitação ou de rejeição nas atividades de
produção escrita dos alunos, optei pela continuidade de algumas das temáticas
em determinados encontros. Ao longo destes, preferi que as intervenções de
todos profissionais envolvidos fossem intencionalmente limitadas, de forma a
concentrar os esforços do aluno para a sua capacidade para praticar a
linguagem escrita.
93
É importante esclarecer que, na construção de histórias em quadrinhos,
embora cada tipo de balão corresponda a situações específicas de expressão
(diálogo, informes, pensamentos e outras), neste estudo, os tipos de balões
utilizados devem ser considerados apenas como espaços destinados à
colocação de produções escritas.
Um fator limitante para a coleta de dados na pesquisa foi as condições
de funcionamento de alguns computadores do laboratório de informática. O
estado precário desses equipamentos ocasionou o reinício repentino de
algumas máquinas, consequentemente, a perda de algumas das produções
dos alunos. A falta de manutenção periódica, a pouca memória (128 kb), a
ausência de gravadores de CD e DVD, defeitos nas portas USB 2.0, retratam
um pouco a realidade do laboratório. As máquinas foram adquiridas no ano de
2000, em convênio com a Secretaria de Educação do Estado e MEC/SEESP e,
até o término da pesquisa, não haviam sido substituídas ou atualizadas.
Para a apresentação dos resultados e a discussão dos dados, foi feita
uma seleção de cenários e suas respectivas produções escritas. Os critérios
utilizados para essa seleção foram: o número de produções escritas, melhorias
na escrita da língua portuguesa, contextualização e significado da produção
escrita para o aluno e momentos de interação entre o aluno, a professora e a
intérprete.
A sequência de trabalho e ordem dos temas pesquisados está
apresentada no quadro abaixo:
Dia
Divisão
Dupla Individual
01
----
AJP. /
AA.
02
AA. /
AL.
AJP.
03
AA. /
AL.
AJP.
04
AA. /
AL.
AJP.
Estudo 1
Tema
Livre
Planisférios, hemisfério
sul e norte e estações do
ano.
Noções climáticas de
regiões frias e quentes e
tipos de vegetações.
Noções climáticas de
regiões frias e quentes e
tipos de vegetações.
Planalto, planície, tipos
Atividade
Manuseio dos
periféricos do
computador e
familiarização como as
ferramentas e interfaces
do software HQ.
- Produção escrita.
- Construção de
cenários.
- Produção escrita.
- Construção de
cenários.
Produção escrita.
Produção escrita.
94
05
----
AJP. /
AA.
de vegetação e
características destes
ambientes.
Planalto, planície,
Produção escrita.
06
---AJP. /
depressão, dunas, tipos
AA.
de vegetação
características destes
ambientes.
07
---AJP. /
Alimentos saudáveis e
Produção escrita.
AA. / AL.
não-saudáveis.
Alimentos saudáveis e
Produção escrita.
08
AJP. /
---não-saudáveis e
AA.
importância de uma boa
alimentação.
Alimentos saudáveis e
Produção escrita.
09
AJP. /
---não-saudáveis,
AA.
importância de uma boa
alimentação e influencias
na composição corporal
(magro/gordo).
Quadro 6: Aspectos relacionados aos encontros no laboratório de informática, Estudo 1.
3.3.1 Estudo 02 – Ensino Superior
Alguns aspectos metodológicos deste estudo são similares aos do
Estudo 1, dessa forma, nas etapas a seguir serão comentadas as questões que
diferem em relação aos dois estudos.
Ainda nos primeiros dias de pesquisa de campo do Estudo 1, conversei
com uma intérprete de LS que atuava há mais de 10 anos na área. Falei sobre
o uso do HagáQuê com alunos do ensino fundamental e outros aspectos sobre
a produção escrita desses alunos. Foi comentado por ela que mesmo para
aqueles surdos que estão cursando o nível superior, ainda eram evidentes as
dificuldades em utilizar a língua portuguesa escrita e, segundo seu ponto de
vista, estes apresentavam limitações em realizar atividades que necessitassem
do uso da linguagem escrita. Tive então curiosidade em investigar como surdos
estudantes de nível superior responderiam às atividades de produção escrita
usando o HagáQuê.
Partindo desse meu interesse, essa mesma intérprete sugeriu que eu
procurasse o Centro de Capacitação de Profissionais na Área da Surdez e
Atendimento às Pessoas Surdas (CAS) e facilitou o contato com outro
intérprete e com dois graduandos com surdez de um curso de Pedagogia que
trabalhavam nesse Centro. Agendei um encontro com a diretora e apresentei a
95
proposta do estudo. Houve interesse da instituição em permitir a pesquisa,
sobretudo porque um dos serviços oferecidos á clientela com surdez era o
ensino e a aprendizagem da língua portuguesa como uma segunda língua e,
com isso, as contribuições seriam mútuas. Aproveitando a presença do
intérprete no local, apresentei a proposta da pesquisa e o HagáQuê. Mostrei
as possibilidades de trabalho com a produção escrita utilizando o HagáQuê e
manifestei o interesse para que ele participasse como voluntário na pesquisa
utilizando esse recurso com os graduandos com surdez. A proposta foi aceita,
sendo, em seguida, marcado um encontro no laboratório de informática com
esses graduandos. Apresentei o software para eles, assim como a proposta da
pesquisa, sendo que ambos concordaram em participar do estudo. Em
seguida, procurei a direção do local, comuniquei a aceitação do intérprete e
dos alunos.
No laboratório, havia 3 computadores e somente um em uso, optou-se,
então, por realizar encontros individualizados e em dias diferentes. Todos
concordaram. Como o objetivo principal dos encontros foi a prática da
linguagem escrita, os sujeitos foram questionados se havia a preferência por
temas, ambos disseram que não e que ficava a meu critério a escolha pelos
temas. Nesse sentido, utilizei alguns temas e histórias que foram produzidas
para o estudo 1.
Em cada encontro, estavam presentes um surdo, um intérprete e o
pesquisador. No decorrer do estudo, houve um imprevisto relacionado ao
transporte e surgiu a necessidade de que outro intérprete também participasse
do processo. A participação desse novo integrante não causou nenhum tipo de
comprometimento relativo aos objetivos do estudo, pelo contrário, apenas
enriqueceu com outros pontos de vista para reflexão.
3.3.2 O universo da pesquisa
O CAS foi fundado em 2006 e é mantido pelos governos federal e
estadual (MEC/SEESP/SEE). O CAS foi escolhido por indicação, uma vez que
esse estabelecimento era considerado como referência para o atendimento à
pessoa com surdez do Município de Maceió e demais municípios alagoanos,
além de que os indivíduos pesquisados também eram funcionários do referido
96
Centro. Seu público-alvo é constituído por crianças, jovens e adultos com
surdez e pessoas surdocegas, com vínculo ou não à rede pública de ensino e
instituições afins.
O CAS tinha por objetivos oferecer: formação inicial para jovens
instrutores de LS e capacitação profissional na área da surdez; curso básico de
LS para o público em geral; cursos temáticos sobre educação e surdez;
oficinas para pais; oficinas de habilidades básicas para o mundo do trabalho;
estimulação essencial; além de atender à pessoa com surdez em sua
especificidade
linguística
e
outras
questões
ligadas
ao
atendimento
especializado - psicopedagogia, fonoaudiologia, oficinas de leitura e escrita da
Língua Portuguesa como segunda língua, níveis I e II.
3.3.3 Os sujeitos
No estudo realizado no CAS, participaram 02 graduandos com surdez
(GJ. e GI.), de ambos os sexos; e 02 intérpretes de LS (IR. e ID.), do sexo
masculino.
GJ. tinha 22 anos de idade, possuía surdez bilateral severa congênita.
Conhecia a LS há, aproximadamente, 18 anos. Era filha de pais ouvintes e que
sabiam a LS. Começou sua vida escolar aos 4 anos de idade em uma escola
particular especializada para surdos na cidade de Maceió. Lá, iniciou a
alfabetização e a aprendizagem da LS. Ingressou na escola regular particular
na 5ª série do ensino fundamental. Cursou o ensino fundamental e médio em
escolas regulares particulares. No momento da coleta de dados estava
cursando o 6º período de Pedagogia, em instituição particular de ensino
superior da cidade de Maceió e o 1º período de Letras LS na Universidade
Federal da Bahia, além de estar atuando como instrutora de LS no CAS.
Apresentava desenvoltura para a compreensão de palavras e expressões
através de leitura labial.
GI. tinha 30 anos de idade, possuía surdez bilateral profunda congênita.
Conhecia a LS há aproximadamente 04 anos. Era filho de pais ouvintes e que
não sabiam a LS. Iniciou a aprendizagem da LS no ano de 2004 em uma
organização não-governamental da cidade de Maceió. Foi alfabetizado em
casa com a ajuda dos pais e aprendeu a oralizar utilizando desenhos e figuras
97
coladas na parede. Ingressou na escola regular da rede pública, na 1ª série do
ensino fundamental, aos 12 anos de idade. Concluiu o ensino médio em uma
escola privada. No momento da coleta de dados, estava cursando o 8º período
de Pedagogia em instituição particular de ensino superior da cidade de Maceió
e atuava como instrutor de LS no CAS. Apresentava desenvoltura para a
compreensão de palavras e expressões a partir de leitura labial.
Em resumo, alguns dos dados apresentados podem ser observados na
tabela a seguir:
Sujeito
Idade
Grau de Tempo Escolaridade/
Atuação
Filho(a) de
surdez
de LS
Curso/Período
pais ouvintes
GJ.
22
Bilateral
18
Nível superior Instrutora
Sim
profunda
anos
Pedagogia/6º
de LS
congênita
GI.
30
Bilateral
04
Nível superior
Instrutor
Sim
severa
anos
Pedagogia/8º
de LS
congênita
Quadro 7: Informações gerais dos indivíduos pesquisados no Estudo 2.
Pai ou mãe
sabem LS
Sim, ambos
Não
Em relação aos intérpretes, IR. cursava o curso de graduação em Letras
LS na Universidade Federal da Bahia e atuava como intérprete de LS há 06
anos; e Di. era formado em Comunicação Social e Pós-graduado em nível Lato
Senso em Docência Superior. Possuía certificação nacional através do PróLibras em nível superior e atuava como intérprete de LS há 9 anos.
Em resumo, alguns dos dados apresentados acima podem ser
observados na quadro a seguir:
Sujeito
IR.
Tempo de
atuação com
LS
06 anos
ID.
09 anos
Formação
Formação complementar
Graduação em
Letras LS
(em andamento)
Comunicação
social
---
Pós-graduação em
Docência em nível Superior
/ ProLibras
Quadro 8: Informações gerais dos profissionais pesquisados no Estudo 2
3.3.4 Instrumentos para a coleta de dados
Com a intenção de obter dados de diferentes naturezas, assim como no
Estudo 1, as produções escritas foram armazenadas em dispositivo tipo pen
drive e, posteriormente, transferidas para mídia digital CD.
98
Outras
informações
durante
os
encontros
foram
registradas,
permanentemente, em diário de bordo.
3.3.5 Procedimentos para a coleta de dados
Os aspectos com relação à observação participante e ao registro em
diário de bordo foram os mesmos utilizados no Estudo 1, exceto no que diz
respeito à filmagem, pois não foi utilizada essa estratégia de coleta de dados
durante o Estudo devido à ausência de um colaborador.
A coleta de dados acerca da produção escrita dos surdos usando o
HagáQuê aconteceu durante o mês de julho de 2008, com periodicidade
semanal e duração aproximada de 180 minutos (três horas) cada sessão. Por
questões de disponibilidade de horários dos alunos, foram realizados três
encontros com J. e dois encontros com I.
A dinâmica de cada encontro aconteceu da seguinte forma: no início, eu
apresentava as histórias prontas, compostas por dois, três ou quatro cenários;
definia o tema de cada história e, em seguida, os graduandos com surdez
iniciavam a atividade. A cada cenário terminado, ou seja, quando o participante
manifestava que já tinha atribuído a linguagem escrita que ele(a) considerava
suficiente para aquele quadro, era solicitado que houvesse a explicação em LS
sobre o que ele(a) havia escrito. Com base na explicação dada pelo surdo em
LS, as informações eram conferidas e, então, eram feitos questionamentos.
Nesse processo, alem de sua atuação específica, foi-lhe permitido fazer
sugestões que pudessem contribuir com o objetivo da pesquisa.
Caso o sentido da explicação em LS fosse coincidente com o que ele
havia escrito, eram feitas perguntas sobre a sua produção escrita,
considerando a sua produção frasal, a pontuação, a grafia das palavras, como
ainda eram questionados se havia a necessidade de alteração de algum
trecho, palavra ou pontuação para tornar aquele texto ou expressão mais
compreensível e/ou adequado segundo a norma culta da LP escrita. Caso a
explicação em LS fosse diferente do que havia escrito, outros questionamentos
também eram feitos, do tipo: o que você falou em LS não está escrito, falta
alguma palavra; repita a expressão em LS e verifique o que está faltando, entre
outras.
99
Esse exercício foi repetido várias vezes até que o surdo afirmasse que
nada mais poderia ser alterado e/ou corrigido. Era, então, dada sequência para
o próximo cenário e assim sucessivamente. O objetivo desses procedimentos
foi que houvesse a ação escrita-reflexão-correção-reescrita e que esse
processo deveria provocar no surdo o reconhecimento do quanto era
necessária a atenção constante entre as estruturas da LS e da LP escrita, em
que cada uma tem sua particularidade e deve ser usada em situações também
singulares. Por essa razão, também considerei o paradigma da educação
enxuta descrito por Valente (1999b, p.37), no qual é requerido que “o aluno
deve ser crítico, saber utilizar a constante reflexão e depuração, para atingir
níveis cada vez mais sofisticados de ações e idéias [...]”.
Para a apresentação das informações relativas à discussão dos dados,
foi realizada uma seleção de cenários e suas respectivas produções escritas.
Os critérios utilizados para essa seleção foram: maior número de produções
escritas e de reescritas, melhorias na escrita da língua portuguesa,
contextualização e significado da produção escrita para o aluno e momentos de
interação entre o aluno, a professora e a intérprete.
A sequência de trabalho e ordem dos temas pesquisados estão
apresentadas a seguir:
Estudo 2
Dia
Divisão
Individual
01
GJ.
02
03
GI.
GJ.
Tema
Atividade
Livre
- Manuseio dos periféricos do
computador e familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HQ;
- Produção escrita.
Produção escrita.
Livre
Alimentos saudáveis e nãosaudáveis e importância de
uma boa alimentação.
04
GI.
Alimentos saudáveis e nãosaudáveis e importância de
uma boa alimentação.
05
GJ.
Livre
Quadro 9: Esquema demonstrativo de trabalho, Estudo 2.
Produção escrita.
Produção escrita.
Produção escrita
A apresentação e discussão dos resultados da pesquisa estarão
dispostas no próximo capítulo.
100
CAPÍTULO 4
Apresentação e discussão dos resultados
Considerando as produções escritas que compuseram este trabalho, no
decorrer deste capítulo, será apresentado apenas um recorte dessas
produções. Outras produções escritas estarão dispostas no Apêndice I e II.
As discussões dos resultados estarão dispostas ao final de cada Estudo.
4.1 – Estudo 01 – Ensino Fundamental
Para as descrições a seguir, considerar que todas as informações,
diálogos e outras oportunidades de interação durante os encontros no
ambiente do laboratório de informática foram traduzidas e interpretadas por IY.
Os participantes das atividades foram assim identificados:
AA., AL., e AJP. – Alunos com surdez do 4º ano;
IY. – Intérprete de LS;
Ps. – Professora de sala regular;
Pc. – Professora responsável pelo laboratório de informática;
PE. – Pesquisador.
A dinâmica de cada encontro e os resultados obtidos, bem como a
análise destes, estão apresentados logo abaixo:
1º Encontro (E1):
Atividade: Manuseio dos periféricos do computador e familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HagáQuê.
Tema: Livre.
Nos instantes iniciais, os alunos ficaram livres para explorar o ambiente
do laboratório de informática. Antes de utilizar o computador e o HagáQuê, os
alunos receberam instruções de Pc. sobre o nome do software e de Ps. sobre
as atividades referentes ao E1.
101
Nesse encontro, AJP. e AA. ocuparam o mesmo computador. Apesar de
estarem juntos no mesmo computador, as produções escritas foram individuais,
ficando os alunos livres para interagir entre si, pedir ajuda e fazer comentários.
Considerou-se a atividade individual porque cada aluno teve autonomia na
escolha do tipo, da quantidade e da forma como as palavras escritas foram
registradas em cada balão.
A ordem de início e a quantidade de quadrinhos também foram
combinadas entre os alunos. Desse modo, AJP. iniciou e cada um ficou
responsável por uma tira de quadrinhos horizontal, ou seja, dois quadrinhos
para cada um.
Produções – AJP.
AJP. não apresentou dificuldades no manuseio dos periféricos do
computador. Conforme instruções de Ps., o aluno foi convidado a procurar na
área de trabalho o ícone do software que continha as letras “HQ”. AJP.,
constantemente, perguntava e/ou confirmava com Pc. se as opções escolhidas
por ele estavam corretas.
Para a Figura 1, AJP. preferiu utilizar sinais da LS ao alfabeto manual
para se referir a nomes de objetos. Após enquadrar a imagem do cachorro,
AJP. foi questionado pelo PE.: “o que ele está pensando?”. AJP. escreveu a
palavra “GATA”. Quando lhe foi perguntado pela IY. se o animal era um
cachorro, AJP. respondeu que sim. Em seguida lhe foi perguntado se o animal
na tela era uma gata, AJP. também respondeu que sim. Mais uma vez foi
repetida a pergunta: “o que ele está pensando?”, AJP. apenas respondeu
apontando para a palavra “GATA”.
Figura 1: Explorando o HagáQuê.
102
Na Figura 2, após a construção do cenário, AJP. foi estimulado a
escrever o pensamento da criança: “o que ele está pensado?”. O aluno fez o
sinal em LS correspondente a “brincar”, mas não soube escrever a palavra em
LP escrita. Em seguida, AJP. fez o sinal correspondente a “amigo” e escreveu
a palavra. Foi repetida a pergunta “o que ele está pensando?”, AJP. não
respondeu. Foi perguntado então “o que ele está fazendo?”, AJP. fez o sinal
correspondente a “brincar”. Foi pedido que escrevesse a palavra, AJP.
escreveu a palavra “jogo”.
Figura 2: Explorando o Hagáquê.
Produções – AA.
Explorando as ferramentas, AA. se mostrou indiferente em relação à
presença de Ps., Pc., IY. e PE., não solicitando qualquer tipo de ajuda.
Para a construção da Figura 3, AA. foi estimulada pelo IY. a utilizar as
ferramentas do software, sentiu dificuldade e buscou a ajuda de AJP. Quando a
aluna foi convidada a escrever o nome do objeto, recusou-se e passou a vez
para AJP. Antes que a aluna passasse a vez, houve a intervenção de IY. com a
pergunta: “o que você vê?”. Novamente, a aluna se recusou a escrever. Nas
oportunidades de interação de AA. com IY. ou AJP., a aluna preferiu o uso dos
sinais ao alfabeto manual.
103
Figura 3: Explorando o HagáQuê.
2º Encontro (E2):
Atividade: Produção escrita e construção de cenários.
Tema: Planisférios, hemisfério sul e norte e estações do ano.
Inicialmente, Ps. explicou aos alunos que, para o trabalho com o
HagáQuê, a construção dos cenários, com personagens e objetos, seria de
livre escolha de cada um. Nesse encontro, AJP. participou individualmente,
sendo que AL. e AA. formaram dupla e utilizaram o mesmo computador.
Produção - AJP.
No caso da Figura 4, somente após AJP. visualizar os cenários da dupla
AA. e AL. é que os cenários foram construídos, ou seja, ele utilizou os mesmos
personagens e objetos usados pelas colegas. Tal afirmativa pode ser verificada
ao observar que a Figura 4 contém praticamente os mesmos elementos da
Figura 5.
Figura 4: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas dessas regiões e as
estações do ano.
Estando os cenários construídos, foi perguntado pela IY. a AJP. “o que o
personagem está pensando?”. AJP. utilizou o sinal correspondente a “frio”, mas
104
não conseguiu escrever a palavra. Foi solicitado que o aluno utilizasse o
alfabeto manual para soletrar a palavra, AJP. não conseguiu. Na tentativa de
facilitar a produção do aluno, IY. utilizou pausadamente o alfabeto manual para
soletrar a palavra “frio”. Somente após a segunda tentativa, o aluno conseguiu
entender e escreveu a palavra corretamente. Para as palavras “muito” e “água”,
não foi necessária a intervenção de IY.
Produção – AA. e AL.
Sendo a primeira participação de AL., foi sugerido pelo PE. que cada
cenário fosse construído individualmente, embora as alunas pudessem interagir
livremente.
Na prática, essa divisão não aconteceu. Enquanto AL. manuseava os
periféricos e as ferramentas do software, AA. participava com sugestões de
ideias e palavras. Contudo, ficou evidente que a opinião de AL. dominava nas
tomadas de decisões de AA. no que dizia respeito à organização dos cenários,
do mesmo modo que AA. se sobressaía em relação a AL. com relação à
produção escrita.
Após a construção da Figura 5, a cada uma foi perguntado por IY.: “o
que você vê?”. AL. fez o sinal correspondente à palavra “homem”, mas não
conseguiu escrevê-la. Essa aluna recorreu várias vezes a IY. perguntando a
forma correta da escrita da palavra “homem”. IY., inicialmente, utilizou a
estratégia de soletrar em alfabeto manual as primeiras letras da palavra, mas
não houve sucesso. Então, a palavra “homem” foi repetida por inteiro duas
vezes por soletração do alfabeto manual, até que AL. compreendeu e escreveu
a palavra corretamente.
Figura 5: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas dessas regiões e as
estações do ano.
105
Essa mesma estratégia foi utilizada por YI. quando AA. teve dificuldades
em escrever a palavra “peixe”. A aluna fez o sinal correspondente em LS, mas
não conseguiu escrever. Nesse caso, foi necessária apenas uma vez a
soletração completa da palavra por IY., para, então, a aluna entender e
registrar a palavra escrita. Para ambos os cenários da Figura 5, destaco o uso
do artigo definido “o”, concordando com o gênero masculino dos substantivos
masculinos “boto” e “carro”, embora não tenha havido a utilização desse artigo
ou de outros elementos gramaticais para as demais palavras escritas.
3º e 4º Encontros (E3 e E4):
Atividade: Produção escrita e construção de cenários.
Tema: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações.
Na tentativa de estimular a produção escrita, para ambos os encontros,
optou-se por trabalhar com os mesmos temas. AJP. ficou sozinho, já AA. e AL.
ocuparam o mesmo computador.
Produção – AJP.
No caso da Figura 6, AJP. escolheu um cenário que possuía relação
com os temas definidos para o E3, apesar de não ter atribuído nenhuma
palavra que, aparentemente, tivesse ligação com o tema.
Figura 6: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações características
desses climas.
Para instigar a produção escrita, foi perguntado por IY. ao aluno “o que o
personagem está pensando?”. Não houve resposta. Foi feita uma segunda
106
pergunta “quem é o personagem?”. Como resposta, AJP. apontou para si,
identificando-se com o personagem do cenário. Em seguida, registrou a
palavra “ariana” apontando para IY. (lembrando que “ariana” é o pseudônimo
utilizado para se referir à intérprete). Quando perguntado sobre os numerais, o
aluno não respondeu.
No caso da Figura 7, AJP. foi estimulado a escrever a partir das
perguntas: “o que o personagem está pensando?” e “o que o personagem está
fazendo?”, o aluno se mostrou inseguro quanto à escolha das palavras a serem
escritas.
Pediu a ajuda de IY. e esta insistiu para que o aluno tentasse
escrever sozinho. AJP. escreveu “MUITO BEN.BENTES-CENTRO 4904
MUITO”. Ao ser questionado sobre as palavras usadas nos balões, AJP.
explicou que “BEN.BENTES-CENTRO” era o nome escrito no letreiro do ônibus
que ele usava para ir para casa; “4904” era o número que ficava localizado ao
lado do letreiro; e “MUITO” se referia à quantidade de árvores que ele
visualizava no caminho para casa. Sobre a palavra “JOGO”, o aluno não
respondeu.
Figura 7: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações encontradas
nessas regiões.
Produção – AA. e AL.
Na Figura 8, percebe-se que a opção pelo cenário possui relação com
os temas definidos para o E3, embora não tenham registrado palavras
relacionadas ao tema.
Após as alunas colocarem os personagens (cavalo, galinha e cachorro)
no cenário, foi feita por IY. a seguinte pergunta: “qual o nome destes animais?”.
107
Ambas fizeram os sinais correspondentes aos animais em LS, porém elas não
conseguiram escrever em LP escrita. Em seguida foi perguntado por IY.: “o que
eles estão pensando?”. AA. escreveu “au, au, au” e, na sequência, AL.
escreveu “o co, co, co”. Apesar de as alunas não pedirem ajuda, IY. interviu
soletrando a palavra “cavalo”, mas as alunas não conseguiram escrever,
demonstrando dificuldade de compreensão das letras através do alfabeto
manual.
Figura 8: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações características
desses climas.
Com a produção na Figuras 8, vale destacar a opção em colocar ou não
artigos nas produções escritas: AA. registrou o artigo “o” antecedendo a
onomatopéia “co, co, co”; e AL. registrou “au, au, au”. Essa observação
evidencia a iniciativa de AL. em detrimento de AA. acerca do uso de artigos nas
produções escritas.
As demais produções do E4 foram perdidas pelo reinício dos
computadores provocado pela falha da tensão elétrica. Esse episódio provocou
a insatisfação de AJP., que manifestou pouco interesse em continuar utilizando
o HagáQuê. Entretanto, AA. e AL. se mostraram indiferentes diante da
possibilidade de não continuar com a atividade no laboratório de informática.
Mesmo havendo a perda dos trabalhos, no pouco tempo da atividade, foi
possível observar nos alunos as mesmas dificuldades citadas em encontros
anteriores.
108
5º e 6º Encontros (E5 e E6):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses
ambientes.
Para o E5, os cenários (n=08) apresentados aos alunos foram
produzidos previamente pelo PE. O propósito dessa produção prévia foi que,
uma vez os quadrinhos prontos ou parcialmente prontos, os alunos poderiam
ter um maior interesse e maior disponibilidade de tempo para a produção
escrita e, talvez, poderem identificar as temáticas inerentes ao encontro. Vale
ressaltar que a identificação das temáticas deveria ser feita pelo aluno ao
escrever no espaço localizado na parte superior de cada quadrinho as palavras
correspondentes às temáticas. Após essa etapa, os alunos poderiam fazer as
produções escritas, sendo estas livres e de acordo com a criatividade de cada
um.
Nesse encontro, AJP. e AA. ficaram um em cada computador.
Para estimular a produção escrita, foram utilizados os seguintes
questionamentos: o que o personagem está querendo dizer? Por que os
personagens estão parados ali? Você conhece esse lugar? O que você vê?
Produção – AJP.
Nesse encontro, o objetivo de identificar as temáticas parece não ter
sido compreendido por AJP. Ao invés de o aluno registrar no quadro localizado
na parte superior dos cenários, palavras relacionadas aos temas do encontro,
nesses espaços, foram colocadas palavras referentes aos personagens.
Para as produções nas Figuras 9a-b, foi pedido pelo PE. que apenas
palavras fossem colocadas nos balões.
Com relação ao cenário da Figura 9ª, foi perguntado: o que ele está
querendo dizer? O aluno escreveu “GARILIANO RAMOS”36. Quando
perguntado por IY. sobre o que ele tinha escrito, AJP. respondeu fazendo o
sinal correspondente a “muitas casas”. No segundo balão, AJP. escreveu
36
Neste caso, a expressão “GARILIANO RAMOS” se refere a Graciliano Ramos, um bairro da
cidade de Maceió.
109
“MARCOS 17 ANOS”. Antes que IY. fizesse alguma pergunta, o aluno apontou
para si próprio e sorriu.
No caso do cenário da Figura 9b, AJP. escreveu “SOL MUITO 2008
MAIO 27.05.2008”. Foi perguntado, então, o que ele tinha escrito, o aluno
repetiu
duas
vezes
os
sinais
correspondentes
a
“sol”
e
“muito”,
respectivamente. No segundo balão, AJP. escreveu “DAVI”. IY. perguntou
quem era Davi, o aluno fez o sinal correspondente a um amigo da escola,
apontando para fora do laboratório de informática. Sobre os numerais, AJP.
não respondeu. Contudo, estes correspondiam à data de realização do
encontro.
Figura 9a: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
Figura 9b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
Produção – AA.
Neste E5, a aluna não solicitou qualquer tipo de ajuda para escrever as
palavras nos balões. Percebi, ainda, a opção por vocábulos que não tinham
sido utilizados nos momentos em que AA. e AL. participaram juntas. Para todos
os questionamentos feitos pela IY., a aluna não respondeu.
110
Mais uma vez, todas as produções desse encontro foram perdidas pelo
reinício repentino do computador.
Para as atividades realizadas no E6, a forma de apresentação dos
cenários foi alterada. Mais especificamente, foram apresentadas aos alunos
duas histórias prontas, compostas por 4 cenários cada, sendo que cada história
se referia a um tipo de ambiente em particular. Esses cenários foram
produzidos pelo PE., levando em consideração os conteúdos trabalhados em
sala de aula. O propósito de apresentar os quadrinhos prontos em duas
sequências foi estimular todos os alunos a perceberem que se tratava de uma
história em série e, assim, poder analisar na produção escrita a lógica de
diálogos. Destaco que não foi feito anteriormente com esses alunos nenhum
trabalho de verificação a respeito de idéias em sequência.
Para estimular a produção escrita, foram utilizados pela intérprete IY., a
pedido do PE., os mesmos questionamentos: o que ele está querendo dizer?
Porque estão parados ali? Você conhece esse lugar? O que você vê?
Produção – AJP.
Após o aluno visualizar o cenário com a Figura 10a, foi perguntado por
IY.: por que estão parados ali? AJP. escreveu “ARIANA MARCOS 2008 SUDOTOTAL”. Quando perguntado sobre o substantivo próprio “ARIANA”, o aluno
apontou para IY. Com relação ao substantivo próprio “MARCOS”, o aluno
sinalizou para si próprio. Sobre o numeral “2008”, o aluno não soube responder
com sinais, recorreu, então, a um calendário afixado na parede do laboratório
de informática, apontou para o quadro do mês de junho e para o ano de 2008,
fazendo entender que o numeral escrito no cenário se referia ao ano em curso.
Já com relação à palavra “SUDO-TOTAL”, AJP. apontou para si e para IY.
repetidamente.
No cenário com a Figura 10b, o aluno escreveu “VIVIAN 28 ANOS RIO
DE JANRIO TAM”. AJP. se adiantou tocando no monitor sobre as palavras
“VIVIAN” e “28 ANOS” e apontou para Ps. Repetiu esse comportamento em
relação ao substantivo “RIO JANRIO” e fez o sinal correspondente a um lugar
distante. Por fim, apontou para a palavra “TAM” e fez o sinal que corresponde a
111
avião. Vale lembrar que o nome “Vivian” é o nome fictício utilizado para
denominar Ps.
No outro balão, AJP. escreveu “MARCOS 16 ANOS JUNHO 03”.
Tomando a iniciativa de explicar a sua produção, o aluno tocou no monitor
sobre as palavras “MARCOS” e para “16 ANOS” e, em seguida, apontou para
si próprio, mas não fez nenhum sinal que correspondesse à idade. Foi
perguntado por IY. o que seria a escrita “16 ANOS” e o aluno mais uma vez
gesticulou para si próprio. Lembro que esse numeral correspondia à idade do
aluno. Com relação á palavra “JUNHO” e o numeral “03”, AJP. se dirigiu até o
calendário, indicou o mês de junho e para a data 03, situando, portanto, o dia
do encontro. Por fim, foi perguntado ao aluno se os dois cenários faziam parte
de uma mesma história, o aluno fez o sinal indicando que não.
Figura 10a: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
Figura 10b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
Produção – AA.
Para realizar a produção escrita na Figura 11a, foi perguntado à aluna:
“Por que estão parados ali?”. AA. escreveu “escola mae casa pia”. Na
112
sequência, registrou na Figura 11b “vivian pia nao escola casa” e “pia mae
escola casa”. IY. perguntou o que seriam aquelas palavras. AA. ignorou a
pergunta e não respondeu. Foi perguntado então: “você conhece esse lugar?”,
a aluna mais uma vez se mostrou indiferente à pergunta e não respondeu.
Figura 11a: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
Figura 11b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
7º, 8º e 9º Encontros (E7, E8 e E9):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e importância de uma boa
alimentação.
Para o E7, os temas trabalhados foram definidos em consenso entre o
PE. e a Ps., em acordo com as observações feitas por ambos sobre o tipo de
alimentos que os alunos estavam consumindo na hora do intervalo. Desse
modo, foram apresentados aos alunos seis cenários diferentes produzidos pelo
PE. com personagens e objetos relacionados às temáticas em questão.
113
Nesse encontro, estiveram presentes AL., AA. e AJP., sendo que cada
um ocupou um computador.
Para estimular a produção escrita, foram utilizados aleatoriamente os
seguintes questionamentos: o que o personagem está querendo dizer? Por que
estão parados ali? Você conhece esse lugar? O que você vê?
Produção – AJP.
No cenário da Figura 12a, AJP., inicialmente, colocou no balão a palavra
“VIVIAN”, tocou no monitor sobre a palavra “VIVIAN”, apontando, em seguida,
para Ps. (lembrando que este era o nome fictício da professora).
O aluno identificou o personagem masculino como um amigo de Ps. Ao
ser questionado por Ps. sobre quem seria essa pessoa, AJP. apontou para a
aliança de Ps., permitindo entender que se tratava do esposo de Ps.
O aluno então fez o sinal que correspondia ao nome e novamente
apontou para a aliança. Ps., utilizando-se do alfabeto manual, soletrou a
palavra “Denilson”. O aluno demonstrou não ter compreendido. Então Ps.
escreveu a palavra “Denilson” no balão. AJP. visualizou a palavra e, em
seguida, foi pedido pelo PE. para que o aluno apagasse a palavra e tentasse
escrevê-la. O aluno escreveu “DENISON”. O aluno apontou para a aliança e
Ps. soletrou, pausadamente, as letras da palavra “marido”. AJP. balançou
negativamente a cabeça indicando que não entendeu a soletração. Ps. então
escreveu no balão a palavra “marido”. O aluno visualizou a palavra e foi
convidado pelo PE. a apagá-la e, em seguida, escrever a mesma palavra. AJP.
escreveu “MARIDO”.
Nessas experiências em que foi utilizada a soletração manual, AJP. se
mostrou bastante inseguro. Porém, demonstrou facilidade em utilizar a sua
memória visual para reescrever a palavra
114
Figura 12a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
No cenário da Figura 12b, o aluno escreveu “AGUA JOSÉ MARCOS”. O
aluno continuou com a iniciativa de explicar as palavras escritas nos balões.
Para a palavra “AGUA”, AJP. fez o sinal correspondente à água. No caso da
palavra “JOSÉ”, o aluno apontou para o personagem adulto no cenário. Já a
palavra “MARCOS”, AJP. apontou para a figura da criança no cenário e
apontou para si.
Figura 12b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
Produção - AA.
No caso da produção escrita referente à Figura 13, IY. perguntou: “o que
você vê?”. AA. escreveu “vivian mae banana nao”. Imediatamente passou para
o cenário ao lado e registrou “cosmo pai bolo nao”. IY. então perguntou: “Por
que eles estão parados ali?”. AA. não respondeu e se mostrou indiferente à
presença de Ps., PE. e IY. Naquele momento inicial, AA. não demonstrou
dúvidas, não solicitou ajuda e nem correspondeu às tentativas de interação de
IY.
115
Foi percebido pelo PE. que a palavra “bolo” foi repetida em várias
situações ao longo dos encontros. No caso da Figura 13, consta a figura de um
sanduíche e AA. colocou a palavra bolo. Mediante essa resposta, IY. fez o sinal
que correspondia ao substantivo bolo, apontou para a figura do sanduíche e
perguntou à aluna se a figura do cenário era um bolo. AA. respondeu que não e
fez o sinal correspondente a pão. Quando perguntada se pão se escrevia
daquela forma (“bolo”), a aluna respondeu que sim.
Figura 13: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
Ao final, AA. foi questionada se gostaria de alterar alguma das palavras
colocadas nos cenários e a aluna respondeu que não. Vale destacar a
mudança de comportamento da aluna nesse encontro, que aceitou responder
às perguntas de IY.
Produção – AL.
Para a produção escrita referente à Figura 14, foi solicitado pelo PE. a
IY. que perguntasse a aluna: “O que ela está querendo dizer?”. AL. escreveu “a
maena doença ona comita”. Durante o processo de produção escrita, AL.
buscou constantemente a ajuda de IY., apontando para a personagem feminina
e fazendo o sinal correspondente a “mulher”. IY. perguntou como se escrevia a
palavra “mulher” e a aluna não soube escrever. Essa dificuldade provocou o
desinteresse de AL. em continuar a atividade.
Após ter sido incentivada por Ps., a aluna retomou a atividade
recorrendo a IY. sobre a grafia da palavra “mulher”. IY. soletrou,
pausadamente, através de alfabeto manual as letras “M” e “U” e imediatamente
116
a aluna escreveu as letras no balão. Mesmo visualizando essas duas letras, a
aluna não soube completar a palavra e apagou as letras que tinha escrito.
A aluna optou então por escrever a palavra “mae” no lugar da palavra
“mulher”. Com relação às figuras de frutas do cenário, AL. escreveu a palavra
“comita”. Ao ser questionada por IY. sobre as palavras “comita” e, em seguida,
“mae”, AL. alegou dor no olho e não quis continuar com a atividade.
Figura 14: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
Para as atividades no E8, estiveram presentes AA. e AJP. Ambos
ocuparam o mesmo computador. Foi definido pelo PE. que cada aluno deveria
ficar responsável por um cenário e, por isso, as produções seriam alternadas.
Foram apresentados aos alunos sete cenários, sendo cada um com sua
caracterização. Para estimular a produção escrita foram utilizados, AA pedido
do PE., os seguintes questionamentos: O que você vê? Estes alimentos são
saudáveis? Estes alimentos não são saudáveis?
Produção – AJP.
No cenário da Figura 15, uma mesma personagem foi apresentada em
duas versões. AJP. escreveu “VIVIAN 28-2008”, tocou no monitor sobre a
personagem à esquerda e, em seguida, para apontou para Ps. Foi perguntado,
então, o que significava o numeral “28” e AJP. fez o sinal que correspondia à
idade. Quando AJP. escreveu “ARIANA 24-2008”, em seguida tocou sobre a
personagem à direita e apontou para IY. Ao ser questionado em relação ao
numeral “24”, o aluno apenas fez o sinal correspondente à idade. Nesse caso,
117
os numerais escritos pelo aluno correspondiam às idades de IY. e Os,
respectivamente.
Figura 15: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Embora AJP. não tenha escrito palavras relacionadas às temáticas da
atividade, o aluno se mostrou contente em estar interagindo com IY. e Ps. O
aluno foi convidado a escrever outras palavras, mas não se interessou.
Levantou, dirigiu-se ao quadro branco e ficou chamando a atenção de IY. e Ps.
com operações matemáticas, subtraindo o ano pelas datas de nascimento de
ambas. Não retornou para a atividade com o HagáQuê.
Produção - AA.
Com relação à Figura 16, AA. escreveu “BIS NÃO COSMO VOCE
MELHO”. Considerando essa produção, PE. pediu a IY. que fizesse as
seguintes perguntas: “o que você mais gosta?”, AA. não quis responder. PE.
sugeriu a IY. que perguntasse sobre cada palavra escrita e a aluna também se
recusou a responder, com exceção da palavra “COSMO”, quando AA. fez o
sinal correspondente a pai (este era verdadeiro do nome do pai da aluna). É
importante salientar que mesmo interagindo pouco e se recusando a responder
a algumas perguntas, ficou evidente o avanço no aspecto interacional da aluna.
118
Figura 16: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Para a realização das atividades no E9, foi consenso entre PE. e a Ps.
que, nos cenários, deveriam haver figuras que mostrassem a relação do
consumo de alimentos e os efeitos corpóreos causados pelo consumo dos
mesmos.
Nesse encontro, estiveram presentes AA. e AJP. Ambos ocuparam o
mesmo computador e as produções escritas foram feitas alternadamente.
Para estimular a produção escrita, foi solicitado pelo PE. a IY. que
fizesse as seguintes perguntas: O que você vê? Estes alimentos são
saudáveis? Estes alimentos não são saudáveis?
Produção – AJP.
Para a produção escrita na Figura 17, foi perguntado por IY.: “O que
você vê?” e “Este alimento é saudável?. AJP. iniciou a produção escrita com as
letras “CHO” e, logo em seguida, demonstrou dificuldades em escrever as
demais letras. O aluno solicitou a ajuda de AA. sobre a grafia da palavra. A
aluna se recusou a ajudar. Não conseguindo lembrar das letras da palavra, o
aluno desistiu, apagou as letras e iniciou uma outra produção com letra “C”. Na
sequência, apagou novamente a letra e escreveu as palavras “BSI NOVOS
MUITO”. Quando lhe foi perguntado sobre as palavras escritas, o aluno fez os
sinais correspondentes a “chocolate” e “muito”, nessa ordem.
119
Figura 17: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
Produção – AA.
No cenário da Figura 18, antes de qualquer intervenção de IY., a aluna
escreveu “MATA BOLO VOCE NOVOS NAO MUITO”. Terminada a produção
IY. fez a seguinte pergunta à aluna: “O que você vê”? AA. se recusou a
responder. Foi solicitado pelo PE. a IY. que perguntasse sobre a palavra “bolo”,
AA. também se recusou a responder e tentou dar as costas. Para não
comprometer o restante da atividade optou-se por não insistir.
Figura 18: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
No cenário da Figura 19, a aluna novamente tomou a iniciativa e
escreveu “ANA VOCE JUNHO HOJE 3.00 CAS ESCOLA MAE LUCIA”
(destaco que Ana é o nome fictício da aluna). Sem especificar nenhuma das
palavras, IY. perguntou o que a aluna queria dizer com as palavras escritas.
AA. respondeu que “hoje” significava o mês de junho e que às 3 horas da tarde
AA. ia para o CAS com a mãe (lembrando que CAS é o local onde a aluna
recebia atendimentos especializados). Foi perguntado por IY. quem era
120
“LUCIA” e a aluna respondeu que era o nome da mãe dela. Nesse momento, é
interessante observar o interesse da aluna em responder às perguntas feitas
por IY.
Figura 19: Alimentos saudáveis e não saudáveis.
4.1.2 Discussões dos resultados
A análise das produções escritas possibilita identificar algumas
limitações no uso de regras gramaticais e diferentes dificuldades na construção
da LP escrita pelas PS, já citados por diversos autores como Goes (1996);
Goldfeld (1997); Quadros (1997); Lima (2004); Guarinello e Gregolin (2005);
Gesueli e Moura (2006); Menezes (2007). Dentre as restrições e dificuldades,
foram
observados
o
uso
inadequado
ou
omissão
de
preposições,
inconsistência de modo e tempo verbal, uso incorreto e omissão de artigos e/ou
pronomes, erros de ortografia, dentre outros.
Embora seja importante identificar esses aspectos nas produções, o
caminho definido para a análise dos dados se aproxima de uma concepção de
escrita como prática em que alguém diz algo para alguém, através de certas
formas de dizer (GOES, 1996).
Foi recorrente, durante a maioria dos encontros, a dúvida, tanto da
intérprete quanto do PE., em relação ao nível de compreensão dos alunos
quando lhes foram feitas as perguntas estimuladoras e outros. A exemplo das
perguntas: “O que ele está pensando?”, “O que ele está fazendo?”, “O que
você vê?”, dentre outras.
Quando AJP. registrou as produções escritas nas Figuras 1 e 2, ambas
na p. 102, mostrou certa incoerência em relação à não diferenciação dos sinais
121
emitidos por ele correspondentes a “cachorro” e “gata”. Do mesmo modo, nas
produções escritas em dupla de AA. e AL. (ex. Figura 5 e Figura 8, p. 105 e p.
107, respectivamente), foi percebida a dificuldade das alunas em compreender
o sinal ou a soletração manual feita pela intérprete diante da dúvida sobre qual
a palavra escrita a ser registrada em LP. Embora tenham sido citadas essas
figuras, seja as atividades realizadas em dupla ou individualmente, foi
recorrente para todos os alunos as dificuldades de diferenciação de sinais da
LS e na identificação de palavras através do alfabeto manual, as incoerência
entre o sinal utilizado e a palavra escrita registrada e, consequentemente, a
aparente pouca compreensão das informações fornecidas por PE., pela IY. e
pela Ps.
Do mesmo modo, em quase todas as oportunidades de interação37 ao
longo dos encontros, AJP., AA. e AL. preferiram o uso de sinais da LS à
soletração por meio do alfabeto manual. Vale ressaltar que a estratégia de
recorrer ao alfabeto manual (datilologia) foi utilizada por IY. algumas vezes
diante da necessidade dos alunos não só em querer lembrar-se de
determinadas palavras, mas, também, por desconhecer a palavra em
português escrito (ver as descrições das Figura 4, Figura 5, Figura 8). Contudo,
ficou evidente a pouca facilidade dos alunos em compreender tais palavras
através do alfabeto manual.
A dificuldade em responder às perguntas tanto em LP escrita quanto em
LS permite perceber as limitações no uso dessas duas línguas por esses
alunos. Essa constatação lembra Quadros (1997) quando comenta a aquisição
de uma segunda língua (L2) pela PS, no caso a LP escrita, como uma condição
sine qua non à aquisição de uma primeira língua (L1). Para a autora, “a
LIBRAS é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural mediante contato
com sinalizadores, sem ser ensinada [...] consequentemente deve ser a sua
primeira língua” (QUADROS, 1997, p. 84).
No entanto, este não era o caso desses alunos, visto que AJP., AA. e
AL. eram filhos de pais ouvintes, sendo que os pais de AJP. não sabiam LS e
nos casos de AA. e AL., apenas a mãe sabia LS (ver Quadro 4). Considerando
37
Entenda-se por interações as perguntas e respostas dirigidas aos alunos pela intérprete, ao
meu pedido, além das perguntas e respostas produzidas em razão das interações entre os
próprios alunos.
122
que todos moram com seus pais, essa realidade evidencia a existência de um
contexto familiar carente de oportunidades linguísticas para esses sujeitos e,
portanto, comprometedora do seu desenvolvimento cognitivo e linguístico. Nas
palavras de Quadros (1997, p. 84), “a aquisição dessa língua [a língua de
sinais] precisa ser assegurada para realizar um trabalho sistemático com a L2,
considerando a realidade do ensino formal”; até porque a não-proficiência em
L1 influencia diretamente na quantidade e na qualidade das informações
recebidas e/ou trocadas pelas PS.
De acordo com Guarinello e Gregolin (2005), falar sobre a produção
escrita da PS é ter em mente que o trabalho com a escrita deve partir daquilo
que o indivíduo já possui, portanto, considerar todas as suas experiências
linguísticas ao longo da vida e do seu aprendizado da LS. Para as autoras, a
LS oferece toda a base linguística necessária para a aprendizagem de
qualquer outra língua e neste estudo parecia que os alunos ainda não eram
proficientes na LS e não compartilhavam do universo linguístico dos ouvintes.
Outro aspecto a ser destacado é a repetição de determinados vocábulos
ao longo dos encontros. Referindo-me a AJP., aos substantivos próprios
“ARIANA”, “MARCOS”, “VIVIAN”38, foram utilizadas em diversos cenários (ver
F6, F10, F12, F15). No caso de AA., destaco os substantivos “BOLO”, “CASA”,
“MAE”, “PAI” (ver Figura 11, Figura 13, p. 112 e p. 115, respectivamente). Com
relação a AL., poucos foram os registros escritos, considerando as suas
constantes ausências nos encontros.
Para a situação acima descrita, busco os esclarecimentos de Goes
(1996) que se referindo ao processo de aquisição e/ou prática de linguagem
por crianças surdas, diz que há ajustes nos variados recursos interativos de
acordo com a imagem que faz do interlocutor e/ou do objeto. Além disso, a
autora explica que as palavras registradas em atividades com LP escrita quase
sempre remetem a algo ou alguém próximo, normalmente a professora,
justamente por haver toda uma história de trocas comunicativas.
Essa assertiva permite entender que a insistência nos registros de
substantivos referentes a pessoas do cotidiano de AJP., e AA. também permite
verificar a relação da PS com os outros indivíduos envolvidos na atividade.
38
Lembrando que essas palavras são pseudônimos atribuídos pelo PE. aos participantes IY.,
AJP. e Ps., respectivamente.
123
Para Goes (1996), a observação sobre as palavras utilizadas pela PS para
expressar sentido e significado deve extrapolar as estratégias utilizadas em
processos envolvendo sujeitos ouvintes, ou seja, na medida em que se
conhecem as particularidades linguísticas da PS, os estímulos e motivações
para a produção escrita e a forma de se perceber essas produções deve ser
diferenciada e adequada a essas especificidades. De acordo com a mesma
autora, “a questão do jogo de imagem está, porém, vinculada a um cenário
conceitual mais amplo, composto por elaborações dos alunos relativas aos
recursos implicados no trabalho com a linguagem na escritura e às diferentes
experiências de linguagem que vivenciam no cotidiano” (GOES, 1996, p. 12).
Nesse sentido, levando em consideração o registro da LP escrita como
um desdobramento ou um produto da vivência cotidiana do indivíduo, recordo
que as produções do AJP. abrangem algumas informações que indicam a sua
rotina no uso do transporte público, inclusive para ir à escola (ver Figura 7, p.
107). Também põe em evidência conhecimento acerca do tipo de produto
consumido no centro comercial (ver Figura 35, a seguir), torna clara
determinada característica de um personagem, indicando a nacionalidade do
mesmo (ver Figura 40, a seguir) e mostra a sua condição de surdo (ver Figura
10, p. 112).
Figura 35
Figura 40.
Do mesmo modo, destaco os registros de AA. situando a rotina de
afazeres que a mesma teria no período da tarde, ou seja, para onde e com
quem iria e qual horário do seu compromisso (ver Figura 19, p. 120). Essa
mesma aluna conseguiu ilustrar a noção de dano à saúde, causado pela má
124
alimentação do indivíduo (ver Figura 18. P. 119) e, juntamente, com AL.,
expressaram relativa compreensão do gênero dos personagens no cenário e
do uso do artigo definido (ver Figura 5, p. 105 e Figura 8, p. 108).
Foi importante constatar a importância da contribuição do interlocutor
(IY. e PE.) como um facilitador para a produção escrita da PS. Pude observar a
relação direta existente entre o aumento no nível de interações e a quantidade
de produções escritas. O desprendimento de AJP. para interagir com IY., PE. e
Ps. permitiu constatar que as indagações feitas por eles influenciaram na
qualidade das suas produções, considerando, para isso, a riqueza de
significados que foram expressos nos registros escritos pelo aluno (ver Figura
10, Figura 12, p. 112, p. 114, respectivamente). Lembrando que quando AJP.
foi questionado sobre a preferência no uso do HaguáQuê, se em dupla ou
sozinho, o aluno respondeu sozinho. Também é importante registrar que a
produção do aluno foi em menor quantidade de palavras nas ocasiões que
esteve na companhia de suas colegas, denotando a preferência pela interação
com adultos.
Diferente do que aconteceu com AJP., as insistentes recusas de AA. em
participar de atividades com AJP. e em responder às perguntas de IY., PE., e
Ps. podem ter influenciado a sua produção escrita, as quais foram limitadas à
repetição das mesmas palavras (“bolo, “pia”, “mãe”) em diferentes encontros e
restritas as imagens dos cenários (ver Figura 11, Figura 34, a seguir). Esse
aspecto de a aluna ter participado pouco nos momentos de interação também
aponta para outros fatores como timidez e o pouco domínio da LS, o que, de
certa forma, pode ter contribuído para a reduzida participação social no
ambiente do laboratório de informática.
Figura 11
Figura 34
125
Com relação às oportunidades em que AA. e AL. ocuparam o mesmo
computador (E2, E3 e E4) e, consequentemente, deveriam indicar os
personagens e objetos que deveriam fazer parte dos cenários e as “falas” dos
personagens, houve uma produção escrita diferenciada e mais pertinente a
esses personagens e objetos (ver Figura 8, p. 107; Figura 30, a seguir), se
comparadas aquelas em que as alunas não estiveram juntas (ver Figura 11, p.
112, produzida por AA.; e Figura 14, p. 116, produzida por AL.). Apesar de as
produções conjuntas dessas alunas terem-se mostrado mais elaboradas, aos
serem questionadas sobre a preferência no uso do HaguáQuê, se em dupla ou
sozinha, AA. respondeu que preferia em dupla e AL. sozinha.
Figura 30
Em relação à interação como um elemento importante para o processo
de produção escrita da PS, Guarinello e Gregolin (2005) explicam que a
linguagem é um trabalho coletivo e, como tal, cada pessoa se identifica ou não
com outras e a elas próprias se contrapõem. Citando Coudry (1988), as autoras
complementam dizendo que a linguagem se trata de um trabalho coletivo,
histórico e cultural, composto por diversos recursos expressivos e que ligados a
aspectos, como o contexto, à situação e à relação entre os interlocutores,
proporcionaram a produção de um determinado resultado, nesse caso,
entenda-se a produção escrita.
Para Guarinello e Gregolin (2005, p. 136), “[...] o desenvolvimento da
escrita das crianças [com surdez] não segue um caminho único e igual, ao
contrário, passa por um processo de imprevisibilidades e diferenças”.
Pontuando a importância das interações nesse processo, Guarinello (2007)
126
esclarece que, para a construção da linguagem escrita da OS, é importante a
intervenção de um adulto letrado nessa língua, orientando e atribuindo sentido
à produção escrita dessas crianças. Contudo, “[...] a imersão na prática social
da linguagem escrita se torna possível quando a criança surda mantém contato
com adultos usuários e competentes nessa modalidade de língua e quando
tem a oportunidade de participar de atividades significativas” (GUARINELLO,
2007, p. 55).
Ainda em relação à produção escrita de AJP., AL., e AA., foi possível
verificar que, na maioria dos cenários, não houve o registro escrito de palavras
que tivessem relação direta com as temáticas. De certa forma, houve um
distanciamento das produções escritas dos alunos considerando aquelas
temáticas que foram propostas para as atividades, principalmente quando a
temática estava distante dos conhecimentos já apropriados pelos alunos (ex.
planaltos e planícies). Por outro lado, houve maior participação dos alunos
quando os temas faziam parte do cotidiano e não tinham relação com os
conteúdos e temas trabalhados em sala de aula durante o período da pesquisa
(ex. alimentos saudáveis e não saudáveis).
Foi possível perceber certas minúcias da produção escrita dos alunos do
Estudo 1. A seguir serão mostrados aspectos relacionados aos alunos do
Ensino Superior.
4.2 – Estudo 02 – Ensino Superior
Para o caso das descrições deste estudo, as informações e diálogos
sobre a pesquisa, como também outras interações entre os envolvidos, foram
traduzidas e interpretadas por ID. e IR.
Assim como no Estudo 01, os tipos de balões utilizados devem ser
considerados apenas como espaços destinados à colocação de produções
escritas.
Para melhor visualização das produções escritas, considerar:
P1, P2, P3.... – Produções escritas em ordem progressiva;
LS – Tradução da resposta em Língua de Sinais;
Q1, Q2, Q3 – Questionamentos do PE. em ordem progressiva;
RE – Reescrita;
PF – Produção final.
127
Os participantes das atividades foram assim identificados:
GI. e GJ. – Indivíduos pesquisados;
ID. e IR. – Intérpretes de LS;
PE. – Pesquisador.
A dinâmica de cada encontro e os resultados obtidos, bem como a
análise destes, estão apresentados a seguir:
1º Encontro (E1):
Produção - GJ.
Atividade: Manuseio dos periféricos do computador, familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HagáQuê e produção escrita.
Tema: livre.
Para GJ., a primeira oportunidade em conhecer sobre o HagáQuê e sua
interface foi através da participação na pesquisa. Assim, optou-se pelo tema
livre. Os cenários foram apresentados prontos e caberia a GJ. apenas atribuir a
produção escrita. Neste E1, as traduções e interpretações foram feitas pelo IR.
No cenário da Figura 20a, temos:
P1 – O meu filho vamos junto comigo iremos para casa.
LS – Meu filho vamos junto comigo para casa.
Q1 – A colocação das palavras “vamos” e “iremos”.
P2 – O meu filho vamos junto comigo iremos para a minha casa, você quer
comigo?
PF – O meu filho vamos para a minha casa, você quer ir a minha casa ou ficar
jardim?
Quando GJ. registrou a escrita em P2, ficou pensando sobre a palavra
“iremos” e sinalizou “vamos junto comigo”. Escreveu então a palavra “ir” e
preferiu registrar essa palavra como pode ser visto em PF.
Figura 20a: Tema livre.
128
No cenário da Figura 20b, temos:
P1 – Olhe tenho um cachorro boneco.
P2 – Olhe tenho um boneco cachorro.
LS – Olhe tenho um boneco cachorro.
Q1 – Necessidade de colocar alguma palavra.
PF – Olhe tenho um boneco cachorro.
P1 – Ah! Que legal eu tenho também carrinho muito bom! Esse.
Q1 – Lugar onde a palavra “esse” foi colocada.
P2 – Ah! Que legal eu tenho também carrinho muito bom!
LS – Ah! Que legal eu tenho também carrinho muito bom!
Q2 – Necessidade de alguma alteração ou colocação de palavras.
PF – Ah! Que legal eu tenho também carrinho muito bom!
Figura 20b: Tema livre.
Ao terminar a escrita em P1, foi perguntado se GJ. havia concluído a
escrita e a resposta foi sim. Perguntou-se, então, se a mudança de local da
palavra “esse” também mudaria algum sentido na produção escrita que foi feita.
GJ. respondeu com expressão facial que não. Após responder, a jovem se
mostrou reflexiva e optou por apagar a palavra “esse”. Quando questionada
sobre a iniciativa de apagar a palavra, GJ. respondeu que sem a palavra tinha
ficado melhor e explicou que a produção do cenário havia sido concluída.
Com a produção das Figuras 20b, foi observada a atenção de GJ. em
estabelecer com a escrita um diálogo entre os personagens.
2º Encontro (E2):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Alimentos saudáveis, alimentos não-saudáveis e a importância de uma
boa alimentação.
129
Neste E2, foi sugerido, pelo PE. a GJ., que os temas a serem
trabalhados fossem: alimentos saudáveis, alimentos não-saudáveis e a
importância de uma boa alimentação. Assim como no E1, os cenários foram
apresentados prontos, cabendo a GJ. somente registrar a sua produção
escrita. Neste E2, as traduções e interpretações foram feitas pelo ID.
No cenário da Figura 21a, GJ. escreveu o seguinte:
P1 – A comida o que tem dois diferente verdura e frutas.
LS – Tem dois tipos de comida diferente fruta e verdura.
P2 – A mulher falou quer comer tem dois diferentes a verdura e as frutas.
LS – A mulher falou que queria comer duas comidas diferentes verdura e
frutas.
P3 - A mulher falou quer comer mas tem dois diferentes a verdura e as frutas.
Q1 – A necessidade de substituir ou colocar alguma palavra.
Q2 – A necessidade de pontuação (ex. vírgulas e dois pontos).
Q3 – A colocação de alguma palavra entre as palavras “falou” e “quer”.
PF – A mulher falou quer comer mas tem dois diferentes a verdura e as frutas.
Figura 21a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e importância de uma boa alimentação.
No decorrer das produções, é interessante notar a atenção de GJ. sobre
a colocação de artigos, o uso do plural, a concordância e a flexão do verbo.
Quando GJ. registrou a P3, foram feitos os questionamentos (Q1, Q2 e Q3) e
para todos esses a resposta foi que nada precisava ser colocado ou ajustado.
No cenário à direita da Figura 21b, temos:
P1 – O homem vender tem o que comprar, batata frita coca-cola e passaorte,
ele quer escolher comer o que batata frita coca-cola.
LS – O vendedor tem pipoca, batata frita, coca-cola e passaporte, ele que quer
escolher para comprar batata frita e coca-cola.
Q1 – Observar se faltava alguma letra ou palavra na frase.
Q2 – Possibilidade de substituição da expressão “homem vender”.
130
P2 – O homem vendedor tem pipoca, batata frita, coca-cola e passaporte, a
outra pessoa falou quer comprar batata frita e coca-cola.
Q3 – A faltava algo entre as palavras “falou” e “quer”.
P3 – O homem vendedor tem pipoca, batata frita, coca-cola e passaporte, a
outra pessoa falou que quer comprar batata frita e coca-cola.
Q4 – Necessidade de mais alguma mudança.
P4 – O homem vendedor tem pipoca, batata frita, coca-cola e passaporte, a
outra pessoa falou que quer comprar batata frita e coca-cola.
Figura 21b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e importância de uma boa alimentação.
Quando GJ. concluiu a P1, foi-lhe solicitado que repetisse em LS o que
tinha escrito no balão. Após a explicação, foram feitos os questionamentos (Q1
e Q2). Na P2, GJ. acrescentou a letra “p” na palavra “passaporte” e a palavra
“pipoca”. Alterou a expressão “homem vender” por “homem vendedor”.
Também é possível identificar que, após o Q3, GJ. adicionou a palavra “que”,
manteve a letra “p” em “passaporte” e o artigo “a” antes da palavra “outra”. É
importante ressaltar a satisfação de GJ. em conseguir identificar a ausência de
palavras e/ou letras, bem como colocar e alterar eficientemente algumas
palavras e o uso de pontuação.
3º Encontro (E3):
Atividade: Produção escrita.
Tema: livre.
Para este E3, foram apresentadas quatro imagens prontas e GJ.
escolheu uma delas para trabalhar, como pode ser observado na Figura 22.
Em consenso entre o PE. e GJ., definiu-se que a produção escrita seria livre e
131
em forma de um pequeno texto. As traduções e interpretações foram feitas pelo
ID.
No caso da atividade do E3, o objetivo foi verificar a produção de GJ.
sem nenhum tipo de intervenção e, assim, poder verificar a influência ou não
dos fatores timidez, insegurança, auto-confiança, dentre outros.
Nesse sentido, no cenário da Figura 23a, temos a primeira produção:
P1 –
O DESEJO COM AMOR.
Eu esperava mas ele não vindo aqui
Ela olhava, ele estava veio me buscar
Iremos a cavalo e depois ela queria desceu
No chão e depois ela
Chamava com ele.
FIM.....
Após essa produção escrita, no cenário da Figura 23b, temos a
reescrita:
P2 -
O DESEJO COM AMOR.
Eu esperavam
Com ele não se conseguiu olhe
Para mim se ninguém.
Ela vou vir passei o
Caminho cavalo, eu subiu
a arvoré em frente
com ele.
FIM.....
Figura 22: Tema Livre.
132
Figura 23a: Tema Livre.
Figura 23b: Tema Livre.
Para a construção de texto em P1, GJ. se mostrou bastante
descontraída e muito reflexiva para a escolha e colocação das palavras no
cenário. A cada linha produzida em LP escrita, GJ. repetia em LS pelo menos
duas vezes e não solicitava confirmação do ID. ou PE. Foi percebido que a
quantidade de repetições em LS foi diretamente proporcional à quantidade de
palavras escritas.
Ao término da produção, GJ. se voltou para ID. e fez ao PE. o seguinte
questionamento: está certo? Ao invés de oferecer ajuda, foi solicitado por PE.
que GJ. analisasse a produção e tentasse reescrevê-la. GJ. se mostrou
apreensiva pela ausência de resposta, balançou a cabeça fazendo interjeição
negativa, falou que estava tudo errado e não quis reescrever.
Partindo dessa reação, foi argumentado por PE. quanto à importância de
GJ. descobrir sozinha as falhas que havia cometido e os ajustes que
precisavam ser feitos para que o texto se aproximasse ao máximo da norma
culta da LP escrita. Foi ainda comentada por PE. a importância de exercitar a
escrita e reescrita para poder utilizar a linguagem escrita de forma eficiente no
mundo ouvinte.
GJ. resolveu dar continuidade à atividade e reescreveu o texto, conforme
pode ser observado em P2. Quando GJ. terminou a reescrita, comentou a
dificuldade em fazer as produções escritas. Reconheceu que algumas das
falhas que comete durante a escrita são consequências do pouco
questionamento que faz sobre as opções de palavras, verbos, artigos e outras
estruturas da LP escrita.
133
1º Encontro (E1):
Produção - GI.
Atividade: Manuseio dos periféricos do computador, familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HagáQuê e produção escrita.
Tema: livre.
Para GI., também foi a primeira oportunidade de conhecer sobre o
HagáQuê e sua interface. Essa atividade foi igual àquela apresentada a GJ. Os
cenários foram apresentados prontos e GI. participou através de produções
escritas. Neste E1, as traduções e interpretações foram feitas por IR.
No balão ao alto do cenário da Figura 24, temos:
P1 – os meus amigos com passeando.
LS - os meus amigos com passeando.
Q1 – Questionado sobre a ausência e/ou ordem das palavras.
PF - os meus amigos com passeando.
Quando GI. foi perguntado em Q1 sobre as palavras colocadas no balão
e se havia a necessidade de fazer alguma alteração, a resposta foi não e que
estava tudo correto.
Já no outro balão da Figura 24, vemos:
P1 – oi mamae, voce estava?
LS – oi mamae, onde voce estava?
Q1 - Questionado sobre a colocação de palavras para facilitar a compreensão
da frase.
PF – oi mamae, onde voce estava?
Figura 24: Tema livre.
134
Após ter sido questionado com Q1, GI. soletrou “onde” através do
alfabeto manual. Em seguida, resolveu acrescentar a palavra “onde” na frase e
fez o sinal de que havia encerrado a produção escrita daquele cenário.
Antes de iniciar a atividade de produção escrita na Figura 25, GI.
perguntou sobre a função do quadro branco situado na parte superior do
cenário. PE. perguntou que palavra poderia ser escrita naquele espaço e GI.
fez o sinal correspondente a “título”. Em seguida PE. questionou qual seria o
título que poderia ser dado ao cenário, GI. olhou para os cenários e escreveu
“jacaré comida”. Mesmo com a definição de que o tema seria livre, GI. se
mostrou preocupado sobre a escolha das palavras escritas e, após registrar
cada uma delas, GI. se voltava para o PE. questionando se os vocábulos
estavam corretos ou não.
No espaço ao alto do cenário da Figura 25a, GI. escreveu:
P1 – jacare comida.
LS – comida de jacaré.
Q1 – A ausência de alguma palavra no título.
PF – jacare comida.
No outro balão do cenário da Figura 25a, temos:
P1 – jacare não estava ele disse que viu ele de longe.
LS – ele disse que viu o jacaré de longe.
Q1 – Se fosse feita uma reescrita, o que poderia ser mudado.
P2 – estou com medo jacare! Vá para as galinhas.
LS – eu estou com medo do jacare, galinhas vão embora.
Q2 – Se fosse feita uma reescrita, o que poderia ser mudado.
Q3 – A ausência de alguma palavra entre “medo” e “jacaré”.
P3 - estou com medo jacaré! vá as galinhas para casa.
Q4 – Quem está com medo?
LS – ele.
Q5 – Quem está com medo?
LS – eu.
Q6 – Se a colocação de alguma palavra poderia melhorar a compreensão.
PF - estou com medo jacaré! vá as galinhas para casa.
135
Figura 25a: Tema livre.
Figura 25b: Tema livre.
Os questionamentos feitos (Q1) exigiram a reflexão de GI. Após a
construção em P2 e a explicação em LS, foram dirigidos por IR. outros
questionamentos (Q2 e Q3). GI. fez a produção em P3, acrescentou o acento
agudo nas palavras “jacaré” e “vá”. Foram feitos mais questionamentos (Q4 e
Q5). Embora GI. tenha respondido de formas diferentes em LS, quando lhe foi
dirigido o Q6 nenhuma das palavras respondidas foi utilizada em P4. GI. então
afirmou que havia concluído a produção escrita do cenário.
Em um dos balões do cenário da Figura 25b, GI. escreveu:
P1 – estou odio vc vc não vem aqui sair
LS – eu estou com ódio de voce, não venha aqui.
Q1 – O que pode ser melhorado?
PF - estou odio vc vc não vem aqui sair.
Logo após a interpretação em LS e Q1, GI., por duas vezes seguidas,
pareceu estar revisando o que foi escrito; no entanto, não fez nenhuma
alteração (P2).
Constatou-se que, para fazer a leitura e releitura da produção escrita, GI.
não sinalizou em LS.
No outro balão da Figura 25b, temos:
P1 – eu vou comer com galinha
P2 – eu vou comer com as galinhas.
Q1 – O uso da palavra “com”.
P3 - eu vou comer as galinhas.
LS – eu vou comer galinhas.
PF - eu vou comer as galinhas.
136
Quando foi feito o Q1, GI. explicou que a palavra “com” significava “fazer
junto”. Partindo dessa reflexão, GI. ponderou que essa palavra não estava
adequada e optou pela retirada da mesma.
No cenário da Figura 26a, GI. registrou o seguinte:
P1 – pegar voce preso vamos.
Q1 – O local da palavra “vamos”.
LS – vou pegar você preso.
P2 – vou pegou voce preso.
P3 – vou pegar voce preso.
Q2 - Possibilidade acrescentar alguma palavra.
Q3– Necessidade de mudar a palavra “vou”.
PF - vou pegar voce preso.
Logo em seguida ao Q1, GI. se manifestou com uma expressão facial
que possibilitou entender que havia algo muito incorreto e que precisava ser
alterado. GI. explicou a expressão em LS, em seguida registrou P2 com a
palavra “pegou” ao invés de “pegar”. Imediatamente apagou e construiu P3
com a palavra “pegar”. Com relação a Q2, GI. respondeu que nada precisava
ser mudado. Já no Q3, GI. ficou uns instantes observando o cenário e explicou
que a palavra “vou” estava correta porque seria uma ação a ser feita.
Ainda no cenário da Figura 26, temos:
P1 – eu não estou com medo. pode me bater.
LS – eu não estou com medo. pode me bater.
Q1 – Possibilidade de acrescentar ou retirar alguma palavra.
PF - eu não estou com medo. pode me bater.
Figura 26a: Tema livre.
137
Ficou bem evidente que GI. não encontrou dificuldade em colocar as
palavras no balão. Do mesmo modo mostrou convicção no que tinha construído
e afirmou que nada precisava ser alterado.
No cenário da Figura 26b, GI. escreveu o seguinte:
P1 – voce vem aqui.
Q1 – Necessidade de alguma alteração.
LS – voce vem aqui.
PF - voce vem aqui.
P1 – voce é fraco vem brigar.
Q1 – Necessidade de alguma alteração.
Q2 – O que poderia ser melhorado.
LS – voce é fraco vem brigar.
PF - voce é fraco vem brigar.
Para as produções do cenário da Figura 26b observei que GI. teve
facilidade para a escolha e escrita das palavras. A afirmação de que nada
precisava ser alterado ou melhorado persistiu, conforme a PF.
Figura 26b: Tema livre.
Apesar de os cenários terem sido analisados separadamente, é possível
compreender a tentativa de GI. em construir uma sequência de diálogo entre os
personagens. Essa afirmação é corroborada quando foi perguntado por PE. a
GI. sobre a não utilização do espaço localizado no alto dos cenários e ele
explicou em LS (com o sinal correspondente a “igual”) que os quatro cenários
faziam parte da mesma história.
138
2º Encontro (E2):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Alimentos saudáveis, alimentos não-saudáveis e a importância de uma
boa alimentação.
Para este E2, foram sugeridos os seguintes temas: alimentos saudáveis,
alimentos não-saudáveis e a importância de uma boa alimentação. Os cenários
foram apresentados prontos e GI. participaria na atividade através de produção
escrita. Neste E2, as traduções e interpretações foram feitas por ID.
Embora GI. saiba que a construção e a leitura de HQs obedeça à ordem
de cima para baixo e da esquerda para a direita (informação obtida
informalmente durante a atividade), para a produção escrita nos cenários
acima, GI. optou por uma construção no sentido vertical, ou seja, de cima para
baixo.
No caso do cenário ao alto da Figura 27a, temos:
P1 – tema:as cores da saúde.
LS – título: as cores da saúde.
Q1 – Necessidade de alteração das palavras.
Q2 – O uso da palavra “tema” e o sinal correspondente a “título”?
PF – tema:as cores da saúde.
Figura 27a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e a importância de uma boa alimentação.
Quando foi feito o Q1, GI. explicou que não precisava fazer nenhuma
alteração. Já em relação a Q2, GI. situou que a palavra “tema” e “título” tinham
o mesmo sentido e, por isso, não precisava ser substituída.
139
No cenário seguinte da Figura 27b, GI. registrou o seguinte:
P1 – olha, bento o desenho que eu fiz!
LS – olha bento o desenho que eu fiz.
Q1 – O que poderia ser melhorado?
PF - olha, bento o desenho que eu fiz!
Antes do registro escrito em P1, GI. perguntou se poderia inserir alguma
figura ou objeto. Sendo do interesse do pesquisado, o pedido foi aceito e GI.
acrescentou a figura com várias frutas. A partir desse momento, a produção
escrita foi iniciada. Quando foi feito o Q1, fez sinal com a cabeça para
expressar que nada precisava ser mudado, registrando em seguida PF.
Em outro balão da Figura 27b, temos:
P1 – ficou lindo,aline! colorido saúde!
P2 – ficou lindo,aline! as frutas coisa.
P3 – ficou lindo,aline! as frutas é vários!
Q1 – O uso da palavra “vários”.
LS – Ficou lindo, Aline! As frutas são bonitas.
P4 – ficou lindo,aline! as frutas é bonita.
Q2 – O uso da palavra “é” próximo da palavra “frutas”.
P5 – ficou lindo,aline! a fruta é bonitas!
Q3 – O uso da palavra “é” próximo da palavra “bonitas”.
P6 – ficou lindo,aline! a fruta é bonita!
Q4 – Quantidade de frutas na imagem escolhida por GI.
P7 - ficou lindo,aline! são as frutas é bonita!
Q5 – O uso de “são” e “é” na mesma frase.
P8 - ficou lindo,aline! as frutas várias está bonita!
Q6 – A ordem das palavras.
P9 - ficou lindo,aline! as frutas são bonitas!
PF - ficou lindo,aline! as frutas são bonitas!
Figura 27b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e a importância de uma boa alimentação.
140
A descrição acima é o resultado de um esforço persistente de GI. em
querer se aproximar ao máximo da norma culta do português escrito da cultura
ouvinte.
Ao final da atividade, GI. comentou o quanto foi exaustivo o exercício de
escrita e reescrita, como também sobre a importância das perguntas feitas pelo
PE. para estimular a reflexão sobre o uso da LP escrita.
Relativo ao cenário da Figura 27c, GI. escreveu o seguinte:
P1 – tema:alimentação saudável.
LS – título:alimentação saudável.
Q1 – Necessidade de alteração das palavras.
PF – tema:alimentação saudável.
Figura 27c: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e a importância de uma boa alimentação.
Quando GI. foi questionado em Q1, comentou que nenhuma modificação
era necessária. Sem que houvesse perguntas sobre algum aspecto referente
às palavras “tema” e “título”, GI. se adiantou e justificou que ambas tinham o
mesmo sentido, igualmente ao comentário feito na Figura 27a.
No caso do cenário da Figura 27d, temos:
P1 – eu gosto de tudo muito colorido uva verde acerola vermelho morango
amarela melancia!
P2 – eu gosto de tudo muito cores uva verde acerola vermelho morango
amarela melancia!
P3 - eu gosto de tudo muito colorido uva verde acerola vermelho morango
amarela melancia!
Q1 – Ausência de vírgulas.
P4 - eu gosto de tudo muito colorido, cor de verde, cor de acerola, cor de
morango, cor de melancia!
LS - eu gosto de tudo muito colorido, verde, acerola, morango, melancia.
141
Q2 – O que é cor?
P5 - eu gosto de tudo muito colorido, verde de uva, cor de acerola, cor de
morango, cor de melancia!
PF - eu gosto de tudo muito colorido, uva verde, cor de acerola, cor de
morango, cor de melancia!
Logo após P3, foi feito por ID. o Q1 e GI. confidenciou que tinha
esquecido das vírgulas pelo fato de estar concentrado na escrita das palavras
que se referiam às cores. Sobre o Q2, GI. não conseguiu explicar o que viria a
ser a cor, embora tenha repetido a palavra três vezes.
É interessante notar que em P1, P2 e P3 GI. escreve “uva verde”. Em P4
escreve “cor de verde”. Em P5 “verde de uva” e em PF torna a usar “uva
verde”. Nessa mesma lógica, foi percebida a tentativa de nomear a cor através
da lembrança da imagem da fruta, como foi o caso de “vermelho morango”.
Ainda no mesmo cenário da Figura 27d, GI. escreveu o seguinte:
P1 – agora, eu vou almoçar! vou fazer voltar aqui.
Q1 – Necessidade de eliminação de palavras.
Q2 – O significado da expressão “vou fazer voltar aqui”.
PF - agora, eu vou almoçar!
Figura 27d: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e a importância de uma boa alimentação.
Quando foi dirigido o Q1, GI. respondeu que nada precisava ser
mudado. Em seguida, foi feito o Q2, GI. se mostrou bastante reflexivo, mas não
conseguiu explicar o significado da expressão no cenário. Preferiu, então,
apagar a expressão, conforme PF.
Também foi perguntado pelo PE. a GI. se os personagens estavam
conversando e a resposta foi sim. Utilizou-se como exemplo de diálogo a
142
conversação na sequência das Figuras 27a e 27b. Em seguida, foi perguntado
novamente se os personagens da Figura 27b estavam conversando. GI.
respondeu que sim e, em instantes depois, respondeu que não. Foi pedido pelo
PE. para GI. observar o cenário e as palavras usadas na Figura 27b, GI.
observou e mais uma vez respondeu sim.
Ao final do E2, GI. comentou o interesse em conhecer algum professor
particular de LP escrita para trabalhar com as dificuldades oriundas do conflito
no uso das duas línguas, a LP escrita e a LS.
4.2.1 Discussão dos resultados
Neste Estudo, também foram identificadas nas produções escritas dos
pesquisados algumas erros no uso de regras gramaticais já descritas no
Estudo 1, corroborando, mais uma vez, com os dados apontados por diversos
autores (GOES, 1996; QUADROS, 1997; GUARINELLO; GREGOLIN, 2005;
GESUELI; MOURA, 2006; dentre outros).
Destaco, ainda, que apenas houve a interferência no processo de
produção escrita somente quando os graduandos com surdez deixavam
evidente que tinham concluído a produção escrita referente ao cenário ou
balão. Essa intervenção foi feita pelos intérpretes, diante da minha solicitação e
interesse em provocar a reflexão dos sujeitos sobre a sua própria produção
escrita e, com isso, poder identificar a necessidade ou não de fazer alterações
com a finalidade de aproximar, ao máximo, a produção escrita registrada da
norma culta da LP escrita.
Sendo os pesquisados fluentes em LS (ver Quadro 7), as intervenções
feitas por ID. e IR. pareceram ter sido bem compreendidas por GJ. e GI.,
possibilitando a estes uma condição confortável e privilegiada para responder
aos questionamentos e se expressar de forma clara e objetiva. A fluência na LS
também facilitou o meu entendimento, além ID. e IR., sobre as inquietações e
dúvidas que surgiram ao longo das atividades. Uma dúvida que foi recorrente
para ambos os pesquisados, durante todo o período da pesquisa, foi a opção
de usar ou não artigos, preposições, pronomes, verbos e outros elementos da
LP escrita.
143
Embora esse aspecto tenha provocado certa inquietação, por outro lado,
despertou nesses sujeitos o interesse em discutir e entender melhor sobre o
uso da norma culta da LP escrita (ver as descrições das Figuras 20a-b e 21;
além das Figuras 24 e 25a-b, produzidas por GJ. e GI., respectivamente). Esse
tipo de prática mostrou também um aumento na motivação dos sujeitos para o
uso do HagáQuê. Essa motivação pôde ser observada pelas queixas de GJ. de
que o tempo de cada encontro era insuficiente e que passava muito rápido;
também pela alegria de GI. em conseguir identificar os erros cometidos durante
as produções e entender a importância de realizar a escrita de forma
compreensível tomando como referência a norma culta da LP escrita, dentre
ouras manifestações.
O envolvimento dos pesquisados com o HagáQuê, o reconhecimento
destes sobre a necessidade e a importância do uso da escrita como ferramenta
para a realização de conquistas sociais para a PS, somado ao fator
interacional, tão notável neste Estudo, fez lembrar Guarinello (2007) quando
enaltece o papel de um adulto experiente no uso da LP escrita como um
recurso potencializador para a aprendizagem e o uso competente da
modalidade escrita pela PS. Para exemplificar os benefícios da intervenção de
um adulto letrado na construção da linguagem escrita desses sujeitos, destaco
a produção escrita ocorrida nas Figuras 23a e 23b, na qual foi intencional a não
intervenção de PE. Nesse exemplo, foi evidente o nervosismo de GJ. em
realizar a escrita e a reescrita, ocasionando até em uma momentânea
desistência em continuar com a atividade. Esse tipo de comportamento não
ocorreu nos demais encontros e atividades, considerando que houve as
mediações de PE., ID., e IR.
É importante comentar que a interação existiu porque houve uma
linguagem comum sendo utilizada pelos envolvidos e que essa condição foi
fundamental para a excelência da comunicação entre o emissor e o receptor da
informação. Recordo mais uma vez Quadros (1997) quando pontua a aquisição
de uma L1 como requisito para a aprendizagem e uso de uma L2. Nesse
raciocínio, quanto maior for a fluência no uso da LS, melhor será a
diferenciação de sinais da LS, a identificação de palavras através do alfabeto
manual, o entendimento e a coerência entre o sinal utilizado e a palavra escrita
144
registrada e, nesse caso específico, a compreensão das informações
fornecidas por ID., IR., e PE.
Sendo o objetivo final oportunizar o registro das produções escritas de
forma aproximada à norma culta da LP escrita, foi observado que a estratégia
de só haver intervenções após a produção escrita ter sido anunciada pelo
pesquisado como finalizada, gerou desconforto tanto em GJ. quanto em GI.,
talvez pela falta de confiança em corresponder às expectativas da escrita de
acordo com a norma culta da LP escrita (ver Figuras 21 e 25a-b,
respectivamente). Esse tipo de “pressão” evidenciou certa limitação para a
escolha de palavras, de letras e outros elementos gramaticais.
Do mesmo modo, o fato de o pesquisador ter intervindo pouco mostrou
que, de forma planejada e consciente, a reduzida participação também pode
implicar avanços no processo cognitivo do aprendiz. Ao adotar essa estratégia
de pouca participação, tanto GJ. como GI. passaram a realizar a produção
escrita de forma mais comedida e mais reflexiva, possivelmente tentando
diminuir ao máximo a ocorrência de erros e incoerências da LP escrita. O
resultado foi que o aspecto qualitativo nas produções se sobressaiu em
detrimento do quantitativo.
Essa cautela dos graduandos permitiu constatar o quanto é importante e
delicado o processo de participação e intervenção do intérprete, especialmente
no processo de ensino e aprendizagem. Para Quadros (2005), quando o
intérprete tem nítidos os critérios éticos de sua atuação profissional
(imparcialidade, discrição, fidelidade, confiabilidade e distância profissional),
dificilmente há a confusão entre os papéis professor de surdos e intérprete de
LS, ou seja, “o professor tem o papel fundamental associado ao ensino e, [...]
completamente inserido no processo interativo social [...]” (QUADROS, 2005, p.
29). Entretanto, “o intérprete [...] é o mediador entre pessoas que não dominam
a mesma língua abstendo-se, na medida do possível, de interferir no processo
comunicativo” (QUADROS, 2005, p.29-30). Sobre essa função desempenada
pelo intérprete, Rosa (2006) utiliza o termo “professor-intérprete” e explica que
mudar essa prática é uma tarefa árdua e urgente para promover a inclusão do
aluno surdo na escola regular e em situações educacionais. Saber até que
145
ponto
esse
profissional
está
ajudando
ou
privando
a
PS
de
seu
desenvolvimento cognitivo é uma tarefa difícil (QUADROS, 2005).
A
estratégia
de
escrever-refletir-corrigir-reescrever,
favorecida
diretamente pela facilidade de comunicação entre os envolvidos na pesquisa e
pelo repertório linguístico que estes possuíam acerca da LP escrita, permitiu
que as produções escritas fossem construídas com personagens criados a
partir das proposições dos sujeitos, portanto, sem a marca predominante de um
interlocutor próximo e/ou pertencente aos espaços de convívio cotidiano. As
produções escritas de GJ. (ver Figuras 20a-b e 23a-b), bem como as
produções de GI. (ver Figuras 25a-b e F26 a-b) exemplificam bem essa
assertiva.
Esse componente criativo presente nas produções permite constatar que
a PS fluente em LS, favorecida por trocas comunicativas envolvendo o uso da
LP escrita de forma mais elaborada e em ambientes educacionais estruturados,
como é o caso do ensino superior, configura uma situação diferenciada de
produção de sentidos e significados. Quando foram oportunizadas experiências
variadas de uso da linguagem escrita através do HagáQuê, também foi
possível explorar “um cenário conceitual mais amplo” (GOES, 1996, Ps. 12).
O empenho dos pesquisados em refletir sobre suas construções escritas
incidiu
de
forma
positiva
no
processo,
gerando
uma
espécie
de
responsabilidade acerca do que estava sendo escrito e para quem estava
sendo escrito. Nesse quesito, a reescrita foi um diferencial para a tomada de
consciência desses indivíduos acerca da importância da LP escrita e de sua
função em práticas sociais.
Fica claro como a linguagem escrita pode ser trabalhada de formas
diferenciadas, com metodologias específicas e pouco complexas. Todavia, o
conhecimento do nível de proficiência em LS dos graduandos e a noção
aproximada do domínio da LP escrita destes foram fatores determinantes para
que o trabalho fosse estruturado e operacionalizado. A atenção a esses
conhecimentos prévios representou também um elo, uma espécie de respeito
mútuo na relação pesquisador-pesquisado e, consequentemente, repercutiu de
forma positiva no processo de construção escrita e no produto, a reflexão
acerca do uso consciente da LP escrita.
146
Considerações finais
O
caminho
percorrido
nesta
pesquisa
objetivou
investigar
as
contribuições do uso do software HagáQuê para a prática da Língua
Portuguesa escrita da PS. Na tentativa de apresentar subsídios teórico-práticos
que pudessem atenuar as limitações existentes no processo de construção da
linguagem escrita dessas pessoas, o trabalho de campo foi dividido em duas
etapas: a primeira com alunos do ensino fundamental e a segunda com alunos
do ensino superior.
Por se tratarem de duas situações bastante distintas, as contribuições de
ambos os estudos apontaram para a necessidade de analisar com critério o
processo e a produção escrita da PS através do uso da tecnologia educacional.
Os percursos teóricos da educação da PS, os pressupostos conceituais para o
trabalho com a tecnologia educacional na perspectiva da educação inclusiva,
especificamente o software educacional HagáQuê, foram essenciais para o
entendimento de algumas particularidades no uso da linguagem escrita pela
PS.
Referente ao estudo com os alunos do ensino fundamental, pôde ser
constatada a importância de se construir um trabalho articulado entre a
professora de sala regular e a professora do laboratório de informática,
principalmente por oportunizar que os conteúdos abordados em sala de aula
façam parte das atividades de produção escrita utilizando o HagáQuê no
laboratório de informática. Nessa perspectiva, torna-se estratégico apresentar
aos alunos um formato de atividade que seja motivador, envolvente e que
corresponda ao objetivo da aprendizagem dos conteúdos curriculares e à
prática da LP escrita.
Nesse quesito, a versatilidade do HagáQuê em oferecer ao usuário um
leque variado de imagens e personagens, possibilitando a construção de
diversos tipos de cenários, permite que os alunos sejam “atraídos” para
participar das atividades. Apesar desse componente lúdico presente no
software, o objetivo de trabalhar a produção escrita não será correspondido em
totalidade, sobretudo se o repertório em língua portuguesa escrita dos alunos
for reduzido. Há uma grande possibilidade de a repetição de algumas palavras
147
ao longo das suas construções ocorrer em função da mudança de temáticas,
bem como a não identificação nas produções escritas de palavras que tenham
relação com as informações fornecidas no início de cada encontro. De certa
forma, é fundamental observar a influência do aspecto da limitação de
vocabulário nas atividades que envolvam a produção escrita da PS.
Para despertar o interesse dos alunos pela prática da língua portuguesa
escrita, é oportuno utilizar a estratégia de fazer perguntas provocativas.
Embora essa estratégia possa propiciar iniciativas de construção escrita,
também pode identificar outro desafio, conseguir estabelecer a comunicação
eficiente em LS entre o emissor e o receptor, ou seja, intérprete/aluno ou
aluno/intérprete. Surge, então, o questionamento: como alcançar objetivos
educacionais satisfatórios diante da falta de uma língua comum?
A pouca compreensão dos alunos de educação básica em relação às
diversas informações fornecidas pelos educadores e intérpretes de LS poderá
ocorrer pela limitação na identificação de determinadas palavras através da
técnica de soletração manual. Ainda nesse contexto, vale comentar que
algumas das respostas que serão fornecidas pelos alunos necessitarão da
compreensão por parte do intérprete de como o sinal foi emitido pelo aluno e
que nem sempre esse sinal corresponderá ao questionamento feito. Portanto,
as dificuldades de diferenciação de sinais da LS, de identificação de palavras
através do alfabeto manual, coerência entre o sinal utilizado e a palavra escrita
registrada poderão ser consideradas como fatores limitantes para a prática da
LP escrita dos alunos do ensino fundamental.
Vale ressaltar que, mesmo utilizando o HagáQuê, as produções escritas
dos alunos poder-se-ão distanciar das temáticas a serem propostas. Mas, será
possível notar uma riqueza de sentidos e significados presentes nas
elaborações escritas, combinando a descrição de elementos presentes nos
cenários com produções que caracterizavam diferentes experiências do
cotidiano dos alunos. Essa assertiva poderá gerar discussão sobre o tipo de
aproveitamento que está ocorrendo dentro de sala de aula e em outros
espaços, além de evidenciar as experiências dos alunos fora do ambiente
escolar. Do mesmo modo, faz-se necessário o entendimento por parte dos
professores sobre a importância em adequar os objetivos e metodologias de
cada disciplina a essas experiências. Para Rosa (2006), a atuação docente
148
deve extrapolar o ensino dos conteúdos. O professor deve ser o mediador da
aprendizagem e utilizar a interação para motivar o interesse dos alunos pelo
conteúdo e/ou atividade.
Diferente do processo que ocorreu com os alunos do ensino
fundamental, no estudo com os alunos do ensino superior, é importante dar
preferência pelo trabalho com tema livre. Partindo do pressuposto de que
esses sujeitos se compreendem na condição de integrantes de uma cultura
surda, que, por sua vez, são pertencentes à cultura majoritária ouvinte, é
notável o entendimento destes sobre a necessidade de dominar, ao máximo,
as regras da norma culta da LP escrita.
Mesmo sendo fluentes em LS, a grande dificuldade encontrada pelos
sujeitos está em trabalhar com as diferenças inerentes às estruturas tanto da
LS quanto da LP escrita. O exercício de transformar a LS em LP escrita é uma
tarefa árdua para os pesquisados. Com esta pesquisa, não tenho a intenção de
refletir sobre essas questões estruturais de cada uma das línguas, apenas
evidenciar que, ao mesmo tempo em que é possível identificar esse viés
limitante para o trabalho, também é possível vislumbrar o trabalho com o
HagáQuê na tentativa de superar essa dificuldade e, consequentemente,
conquistar novos avanços na educação de pessoas com essa mesma
dificuldade.
Sendo o HagáQuê um recurso predominantemente visual, é possível
acreditar na satisfação e no empenho das PS na realização de trabalhos
envolvendo a linguagem escrita de forma mais prazerosa e lúdica. Esse caráter
não-tradicional do ensino põe em discussão as estratégias que estão sendo
utilizadas para auxiliar as PS no processo de construção da produção escrita
como segunda língua e seu uso nos diferentes aspectos durante a graduação.
Também a trajetória vivida permite questionar o papel do professor, suas
estratégias e métodos. De acordo com Rosa (2006, p. 86), “[...] o papel do
professor é único e consiste em organizar situações de aprendizagem para
desafiar o aluno [e a si próprio] a elaborar um novo conhecimento [ou
metodologia]”.
Apesar das dificuldades de dominar o aspecto estrutural da LP escrita,
quando foi dada a possibilidade de as PS produzirem, também haverá uma
abertura para eles mostrarem também uma variedade de sentidos e
149
significados. A presença de um adulto letrado em LP escrita pode favorecer
bastante para a identificação de erros nas produções e motivar pela busca por
palavras que traduzam a necessidade dos sujeitos em transmitir determinadas
informações.
Silva (2008) explica que o fracasso na educação da PS em contextos
educacionais, em sua maioria, é provocado por profissionais que insistem em
não modificar ou ajustar suas condutas pedagógicas diante dos novos recursos
e das necessidades de seus educandos. Esse mesmo autor comenta que “[...]
recursos tecnológicos, sejam eles de qualquer ordem, não têm o poder de,
sozinhos, modificarem a realidade existente [...] é o educador que implementa
propostas pedagógicas [...]” (SILVA, 2008, p. 47). Silva (2008) também aponta
a necessidade de que iniciativas de educação para a PS devem acontecer em
ambientes ricos e variados, portanto lúdicos.
Contudo, penso que a questão é perceber o aprendiz como um
participante essencial para o processo educacional. Essencial, por trazer
consigo elementos que podem servir como ponto de partida para a escolha de
estratégias metodológicas e de recursos. Saber até que ponto o profissional
deve ser imparcial, ser direto nas intervenções e, desse modo, ajudar ou privar
o indivíduo de seu desenvolvimento cognitivo é uma questão de bom senso,
sensibilidade, ética profissional e uma atitude de compromisso com a educação
do indivíduo, pontualmente a educação da PS através do uso de ferramentas
tecnológicas. O êxito nesse processo depende de metodologias específicas
para o trabalho com uma L2.
As dificuldades dos alunos surdos em praticar a escrita são evidentes e
representam um desafio para o professor, sobretudo para aqueles que
desconhecem as particularidades linguísticas das PS e o quanto esses
aspectos podem influenciar na aprendizagem e na produção escrita. O
software HagáQuê oferece condições promissoras para a PS praticar a leitura
e a escrita, uma vez que ele possibilita a construção e elaboração de histórias,
bem como favorece a produção escrita dessas pessoas.
A facilidade no manuseio do software pode representar uma parte
importante do aprendizado do aluno, já que, antes da escrita, acontece a
construção visual daquilo que se pretende representar através do código
escrito. A outra parte depende das intervenções que o educador fizer, ou seja,
150
da mediação pedagógica do professor. Quando o educador se perceber como
parte do processo educacional e encarar os limites e possibilidades como
fatores para alavancar a educação da PS, significa compreender que o
processo educacional é uma prática de co-autoria, cujo desdobramento maior é
o direito à cidadania.
Essas duas realidades permitem comprovar que o software HagáQuê é
um recurso promissor para a prática da língua portuguesa escrita da PS. A
usabilidade desse software e o sucesso nas atividades envolvendo a produção
escrita da PS dependerão da estratégia utilizada pelo professor para o trabalho
pedagógico com os elementos pictórios que fazem parte do HagáQuê ou que
possam ser importados de outros softwares, da internet, dentre outros
recursos. Ainda sobre esse aspecto da usabilidade, quanto maior a
disponibilidade de imagens nas atividades, combinando com propostas
motivadoras que permitam a participação do aluno com surdez de forma
integrada escola/cotidiano, maiores serão as chances de envolvimento desse
aluno nas atividades de produção escrita.
Esta proposta de trabalho corrobora com a função social da escola
frente às novas tecnologias para a promoção da educação da PS. Também
coloca em discussão as estratégias docentes que ainda persistem em
desconsiderar as particularidades linguísticas da PS, juntamente com a
necessidade de reorganização das Diretrizes contidas no Projeto Político
Pedagógico para orientar as atividades escolares considerando a realidade
bilíngue, Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, no contexto escolar.
De todo modo, desmistifica e esclarece que a condição de Surdez não é um
fator de impedimento no processo de ensino e aprendizagem na escola.
É evidente que os aspectos que interferem e dificultam a aprendizagem
e a aquisição da LP escrita são de ordem variada e abrangem fatores pessoais,
sociais, culturais e políticos. O sucesso desse processo de aprendizagem e
aquisição requer metodologias singulares para o trabalho com uma L2. O
planejamento dessas metodologias deve ser coerente com o nível linguístico
dos alunos, com os recursos selecionados para o trabalho e, sobretudo, com o
que esses aprendizes possuem enquanto bagagem cultural para que o
processo seja construído de forma contextualizada e significativa. A
151
observação cuidadosa desses fatores torna promissor o percurso escolar da
PS no sistema regular de ensino nos seus vários níveis de ensino.
Sugestões para outros estudos
Para comentar sobre as perspectivas futuras a partir desta pesquisa,
reporto-me à preocupação de Guarinello e Gregolin (2005) quando explicam
que muitos dos estudos realizados com a PS quase sempre destacam as
dificuldades e as diferenças nas produções escritas dessas pessoas. E, nesta
lógica, poucas pessoas se preocuparam em propor alternativas para o
desenvolvimento da escrita.
Considerando o objetivo de investigar o HagáQuê como um recurso
facilitador nesse processo, pude vivenciar significativos avanços no processo
de produção escrita das PS. Um fator que julgo essencial e marcante para
esses avanços foi poder aproveitar a bagagem cultural e o repertório linguístico
que as PS construíram ao longo
de suas vidas. O respeito a esse fator
possibilitou que diversas produções escritas tenham sido construídas de forma
contextualizada e significativa para os sujeitos em ambos os estudos. Com
isso, sugiro a realização de futuros estudos nos quais sejam observados esses
aspectos, principalmente sendo desenvolvido em uma escola inclusiva
Entretanto, como foram identificados fatores limitantes na aprendizagem
ou produções escritas dos alunos do ensino fundamental, o fato de as
temáticas não aparecerem nas produções escritas pode ter ocorrido pelo fato
de eles apresentarem dificuldade de entendimento acerca das temáticas
propostas, evidenciando limitação no uso tanto em L1 quanto de L2. Tendo a
clareza de que a LS é importante para que a PS possa se comunicar, interagir
com seus pares e interlocutores ouvintes, é possível afiançar que, havendo um
trabalho sistemático na escola para o aprendizado e aperfeiçoamento da L1
dos
alunos
surdos
como
um
pré-requisito
para
o
aprendizado
e
aperfeiçoamento da LP escrita como L2, também estará sendo adotada uma
estratégia promissora para os avanços na educação da PS na escola regular.
É importante que fique claro que a consolidação dos avanços perpassa
pela participação dos alunos nas diversas atividades e serviços que são
oferecidos pela escola (ex. o Atendimento Educacional Especializado, sala de
152
vídeo, sala de leitura, sala de aula, laboratório de informática e outros) e que
esses serviços e atividades aconteçam de forma integrada e articulada,
envolvendo as duas línguas. Deve ficar claro que uma proposta de trabalho
utilizando o HagáQuê, respeitando e envolvendo a co-existência dessas duas
línguas no contexto escolar, pode favorecer o ensino e o aprendizado de
conteúdos curriculares, como pode fortalecer o processo da educação inclusiva
e, assim, a escola desempenha a sua função social de formar cidadãos críticos
para participar de práticas sociais. Para que essa realidade possa se
concretizar, cabe à escola construir seu Projeto Político Pedagógico em acordo
com a perspectiva da educação inclusiva e, acima de tudo, oferecer condições
materiais e humanas necessárias para que as propostas possam ser
implantadas e implementadas.
Com relação aos trabalhos pedagógicos com os alunos do ensino
superior, proponho que outros estudos a serem realizados utilizando o
HagáQuê levem em consideração a possibilidade de esses alunos realizarem
as produções escritas com base em temáticas previamente definidas. Ou seja,
antes de ele elaborar textos, é importante que o aluno seja instigado a buscar
informações, fazer leituras de materiais (impressos ou não) sobre essas
temáticas a serem trabalhadas, observe a estrutura textual desses materiais,
bem como outros detalhes que julgue ser interessantes, para que, no momento
da pesquisa, outros elementos possam ser agregados e as possibilidades de
produção escrita possam ser ampliadas nos mais diversos aspectos,
oportunizando um enriquecimento na escrita e produções dos alunos.
Por fim, é possível imaginar outras intenções de pesquisa nas quais
esses fatores e variáveis possam ser controlados ou atenuados, apontando
para outros caminhos investigativos e em oportunidades de construção de
novos saberes acerca da produção escrita das PS utilizando o HagáQuê.
153
REFERÊNCIAS
AMARAL, S. F. do. TIC: novos valores e novos comportamentos. São Paulo:
Cortez, 2003.
ANDRÉ, Marli E. D. A. Estudo de caso em pesquisa e avaliação
educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.
ARANHA, Maria, S. F. Educação inclusiva: a fundamentação filosófica.
Brasília, Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial, 2004, p. 128.
BASSO, Idavania, M. de S. Mídia e educação de surdos: transformações reais
ou uma nova utopia? Ponto de vista. Florianópolis, v. 01, n. 05, p. 113-128,
2003.
BERSCH, Rita de C. R.; PELOSI, Mirian B. Portal de ajudas técnicas para a
educação. Secretaria de Educação Especial – Brasília: ABPEE/MEC/SEESP,
2007.
BIM, Sílvia A. HagáQuê: editor de história em quadrinhos. (Dissertação de
Mestrado) – Instituto de Computação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2001.
BOFF, Elisa. Ambiente para a construção cooperativa de Histórias em
Quadrinhos. (Dissertação de mestrado). Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2000.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em
educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação de surdos:
ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: 13
out. 2008.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais:
língua
portuguesa.
Brasília,
1997.
Disponível
em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02>. Acesso em: 03 nov. 2008.
CAMPOS, Márcia de B.; SILVEIRA Milene S. Tecnologias para a educação
especial. In: IV Congresso Iberoamericano de Informática Educativa RIBIE.
Brasília,
1998.
Disponível
em:
<http://www.url.edu.gt/sitios/tice/docs/trabalhos/.pdf>. Acesso em: 11 set 2008.
CAPOVILLA, Fernando C. A evolução nas abordagens à educação da criança
surda: do Oralismo à Comunicação Total, e desta ao Bilingüismo. In:
154
CAPOVILLA, Fernando C.; RAPHAEL, Walkiria D. Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira. Volume II. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo – EDUSP, 2001. p. 1479-1496.
CAPOVILLA, Fernando C. et. al. SignoFone: sistema computadorizado de
sinais da Libras animados, falantes e selecionáveis pelo piscar para
comunicação do surdo paralisado com o ouvinte e telecomunicação de Surdos.
In: CAPOVILLA, Fernando C.; RAPHAEL, Walkiria D. Dicionário
Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira. Volume II.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – EDUSP, 2001. p. 15471572.
CARVALHO, D. A Educação está no Gibi - Experiências. Uma breve
história
de
porquês...
Cosmo
HQ,
2000.
Disponível
em:
<http://hq.cosmo.com.br/textos/educacaoteses/ed_gibi_exp.shtm >. Acesso
em: 11 out 2008.
COLLIER, V. P. How long? A synthesis of research on academic
achievement in a second language. Tesol Quartely. V. 23, n 03, 1999, p. 509531.
FARIAS, Severina B. As tecnologias da informação e comunicação e a
construção do conhecimento pelo aluno surdo. Dissertação de mestrado.
Universidade Federal da Paraíba – Centro de Educação. João Pessoa, PB,
2006.
FELIPE. Tanya A. Bilingüismo e surdez. In: Trabalhos em Lingüística
Aplicada, v. 14, p. 101-111, 1989.
FERNADES, Eulália; CORREIA, Claudio M. de C. Bilingüismo e surdez: a
evolução dos conceitos no domínio da linguagem. In: FERNADES, Eulália
(org.). Surdez e bilingüismo. 2ª Ed. Porto Alegre: Mediação, 2008, p. 7-19.
FLAUZINO, Ramon O. de S.; FACURY, Nadege M. de C.; ZENHA, Luciana.
Manuais em hq para professores que trabalham com alunos com necessidades
especiais no uso do software livre hagáquê. In: IX Congresso Iberoamericano
de Informática Educativa - RIBIE. Caracas, Venezuela, 2008. Disponível em:
<http://libra.niee.ufrgs.br/niee/eventos/RIBIE/2008/pdf/manuas_hq_profesores.
pdf>. Acesso em: 21 dez 2008.
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre:
Bookman, 2004.
FRANCO, Angela M. Informática como recurso pedagógico no processo de
alfabetização de crianças com necessidades educativas especiais.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina – Programa
de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, 2002.
FREIRE, Fernanda M. P. SILVA. O trabalho com a escrita: a produção de HQs
eletrônicas. In: XIII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação – SBIE:
155
Metodologias, tecnologias e aprendizagem dentro do cenário de informática na
educação. Porto Alegre: UNISINOS , 2002 . p. 310-316.
FREIRE, Isa m. Acesso à informação e identidade cultural: entre o global e o
local. Ci. Inf.,
Brasília,
v. 35,
n. 2,
2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652000000300004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 jul 2007.
GALVÃO FILHO, Teófilo A. Ambientes computacionais e telemáticos na
educação de alunos com necessidades especiais. In: PRETTO, Nelson de L.
(org.). Tecnologias e novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005.
GESUELI, Zilda M. A escrita como fenômeno visual nas práticas discursivas de
surdos. In: LODI, Ana C. B.; HARRISON, Kathrin M. P.; CAMPOS, Sandra, R.
L. Leitura e escrita no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação,
2004, p.39-49.
GESUELI, Zilda M.; MOURA, Lia de. Letramento e surdez: a visualização das
palavras. Educação Temática Digital – ETD. v. 7, n. 2. jun 2006, p. 110-122.
Disponível
em:
<http://143.106.58.55/revista/include/getdoc.php?id=263&article=134&mode=pd
f>. Acesso em: 11 de agosto de 2008.
GOLDFELD, Marcia. A criança surda: linguagem e cognição numa
perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.
GOES, Maria C. R. de. Linguagem, surdez e educação. São Paulo: Autores
Associados, 1996.
GUARINELLO, Ana C.; GREGOLIN, Reny M. As produções escritas de sujeitos
surdos. Revista Letras. Curitiba, v. 7, n. 65, jan/abr., 2005. Disponível em:
<http://www.letras.ufpr.br/documentos/pdf_revistas/reny.pdf>. Acesso em: 19
jun 2008.
GUARINELLO, Ana C. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São
Paulo: Plexus, 2007.
GUIMARÃRES, Edgard. Integração texto/imagem na história em quadrinhos.
In: XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Computação. Belo Horizonte,
2003.
Disponível
em:
<
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP16_guimar
aes.pdf >. Acesso em: 11 dez 2008.
HEIDRICH, Regina de O.; SANTAROSA, L. C. Novas tecnologias com apoio ao
processo de inclusão escolar. Novas Tecnologias na Educação. CINTEDUFRGS. v. 1, nº 1, p. 1-10, 2003.
HERCULIANI, Cristóvam E. Desenvolvimento de um software de autoria
para alunos deficientes não-falantes nas atividades de conto e reconto de
156
histórias. (Dissertação de mestrado) Universidade Estadual Paulista –
Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. São Paulo, 2007.
JUCÁ, Sandro C. S. A relevância dos softwares educativos na educação
profissional. Ciência & Cognição. vol. 08, nº, 2006. p. 22-28.
KARNOPP, Lodenir B. Práticas de leitura e escrita em escola de surdos. In:
FERNADES, Eulália (org.). Surdez e bilingüismo. 2ª Ed. Porto Alegre:
Mediação, 2008, p. 65-80.
KARNOPP, Lodenir. Aquisição da Linguagem de Sinais: uma entrevista com
Lodenir Karnopp. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. Vol. 3, n.
5, 2005. Disponível em: <www.revel.inf.br>. Acesso em: 13 agosto de 2008.
KARNOPP, Lodenir B.; PEREIRA, Maria C. de C. Concepções de leitura e de
escrita e educação de surdos. In: LODI, Ana C. B.; HARRISON, Kathrin M. P.;
CAMPOS, Sandra, R. L. Leitura e escrita no contexto da diversidade. Porto
Alegre: Mediação, 2004, p.33-38.
LA TAILLE, Yves de. Ensaio sobre o lugar do computador na educação.
São Paulo: Iglu, 1990. p. 23-47.
LACERDA, Cristina B. F. de. Um pouco da história das diferentes abordagens
na educação dos surdos. Cad. CEDES , Campinas, v. 19, n. 46, 1998. p. 110.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010132621998000300007&lng=&nrm=iso>. Acesso em: 04 2008.
LIMA, Maria do S. C. Surdez, Bilinguismo e Inclusão: entre o dito, o
pretendido e o feito. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de campinas
– Instituto de estudos da Linguagem, 2004.
_______. Algumas considerações sobre o ensino de português para surdos na
escola inclusiva. Revista Letra Magna. Ano 03 - n.05, 2006. p. 1-14.
Disponível em: <http://www.letramagna.com/escolainclusiva.pdf>. Acesso em:
13 agosto de 2008.
LORENZET, Elisa C. Processo de ensino/aprendizagem de leitura para
surdos mediado por computador. Dissertação de mestrado. Universidade
Católica de Pelotas – Programa de Pós-Graduação em Letras, 2005.
LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.
MACIEL, Maria R. C. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social.
São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v.14, n. 2, 2000. p.51-56. Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392000000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 set. 2006.
157
MARTINS, Maria C. Criança e mídia: “diversa-mente” em ação em contextos
educacionais. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas.
Campinas, SP: [s.n.], 2003.
MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão escolar
no Brasil. Rev. Bras. Educ. , Rio de Janeiro, v. 11, n. 33, 2006 . Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782006000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 Set 2007.
MENEZES, Denise C. Letramento em comunidades de surdos. (Tese de
Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2007.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como
chegar lá. Papirus, 2007, p. 13-38.
OLIVEIRA, Luciana A. A escrita do surdo: relação texto e concepção. 24ª RA
Anped. Caxambú, 2001. p. 1-16.
OLIVEIRA, Adriana de S. et al. Educação e tecnologia devem andar juntas. In:
II Congresso em Educação e Tecnologias Digitais e VI Semana de
Matemática – Anais. Ji-Paraná: UNIR, 2006. p. 85-91. Disponível em: <
http://www.congresso.unir.br/downloads/Anais.pdf>. Acesso em: 11 de out de
2008.
PACHECO, Cristina de O. Desenvolvimento da escrita em portadores de
deficiência auditiva e uso de softwares de histórias em quadrinhos. In: IV
Congresso Iberoamericano de Informática Educativa - RIBIE. Brasília,
1998. Disponível em: <http://www.url.edu.gt/sitios/tice/docs/trabalhos/142.pdf>.
Acesso em: 11 set 2008.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da
informática. Ed. revisada. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 133-148.
PAROLISI, Cláudia M. P. da S. Dos quadrinhos aos “quadrões” –
educomunicação e semiótica: uma resposta de leitura verbo-visual a
serviço do multiletramento. Dissertação de mestrado. Universidade de
Marília, 2007.
PERLIN, Gladis T. T. Identidades surdas. In SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre
as diferenças. Editora Mediação, 2ª edição. Porto Alegre, 2001.
PRETTO, Nelson de L. (org.). Tecnologias e novas educações. Salvador:
EDUFBA, 2005.
PRETTO, Nelson; PINTO, Cláudio da Costa. Tecnologias e novas educações.
Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 11, n. 31, 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782006000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 09 Set 2006.
158
POKER, Rosimar B. Troca simbólica be desenvolvimento cognitivo em
crianças surdas: uma proposta de intervenção educacional. (Tese de
doutorado). UNESP, São Paulo, 2001.
QUADROS, Ronice M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
QUADROS, Ronice M. de. O tradutor e intérprete de língua de sinais e
língua portuguesa. Programa Nacional de Apoio à Educação de
Surdos/SEESP. Brasília: MEC, 2005.
________. O “BI” em bilingüismo na educação de surdos. In: FERNANDES,
Eulália (org.). Surdez e bilingüismo. 2 Ed. Porto Alegre: Mediação, 2008.
QUADROS, Ronice M.; SCHMIEDT L. P. Idéias para ensinar português para
alunos surdos. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
QUINTÃO, Denise T. da R. Algumas reflexões sobre a pessoa portadora de
deficiência e sua relação com o social. Psicol. Soc. Porto Alegre, v. 17, n. 1,
2005.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010271822005000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 ago. 2006.
RAMPAZZO, Lino. Metodologia científica para alunos dos cursos de
graduação e pós-graduação. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
ROCHA, Marisa P. C. A questão cidadania na sociedade da informação. Ci.
Inf. Brasília,
v. 29,
n. 1: p. 40-45,
2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652000000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 mai 2007.
ROSA, Andréa da S. Tradutor ou Professor? Reflexão preliminar sobre o papel
do intérprete de língua de sinais na inclusão do aluno surdo. Ponto de vista.
Florianópolis, v. 01, n. 08, p. 75-95, 2006.
ROSA, Fabiano S. Literatura surda: criação e produção de imagens e textos.
Educação Temática Digital – ETD. v. 7, n. 2. jun 2006, p. 58-64. Disponível
em: < http://143.106.58.55/revista/viewarticle.php?id=110&modr=.pdf>. Acesso
em: 11 de agosto de 2008.
SALLES, Heloisa M. M. L. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos:
caminhos para a prática pedagógica. v. 2. Brasília: MEC, SEESP, 2005.
SANTANA, Ana P. Surdez e linguagem:
neurolinguística. São Paulo: Plexus, 2007.
aspectos
e
implicações
SCHLÜNZEN, Elisa T. M. et. al. O Uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação promovendo a Inclusão Digital e Social de um Pessoa Portadora
de Necessidades Especiais Auditivas. Arqueiro, Rio de Janeiro, v. 6, p. 9-14,
2002.
Disponível
em:
159
<http://www.ines.gov.br/paginas/publicacoes/arqueiro/arqueiro6.pdf>.
em 18 dez de 2008.
Acesso
SCHLÜNZEN, Elisa T. M. Mudanças nas Práticas Pedagógicas do
Professor: Criando um Ambiente Construcionista, Contextualizado e
Significativo para Crianças com Necessidades Especiais Físicas. (Tese de
Doutorado). PUC, São Paulo, 2000.
SILVA, Alessandra da; LIMA, Cristiane V. de P.; DAMÁZIO, Mirlene F. M.
Deficiência auditiva. São Paulo: MEC/SEESP, 2007.
SILVA, Angela C. A representação social da surdez: entre o mundo acadêmico
e o cotidiano escolar. In: FERNANDES, Eulália (org.). Surdez e bilingüismo. 2
Ed. Porto Alegre: Mediação, 2008. p. 39-50.
SILVA, Angela C. KARYTU: um software para o letramento da criança surda
sob a ótica bilíngüe. In: XIII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação
– SBIE: Metodologias, tecnologias e aprendizagem dentro do cenário de
informática na educação. Porto Alegre: UNISINOS , 2002 . p. 220-229.
SILVA, Marilia P. M. A construção de sentidos na escrita do sujeito surdo.
(Dissertação de mestrado). Campinas, São Paulo, 1999.
SKLIAR, Carlos. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a
educação de surdos. In: _____. (org.). Educação & exclusão: abordagens
sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. p.
75-110.
SOARES, Magda. Alfabetização: a ressignificação do conceito. In: Construção
coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília: UNESCO,
MEC, RAAAB, 2005.
SOUZA, Célia M. de. Dilemas da escola inclusiva. Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Católica de São Paulo. São Paulo, 2006.
TANAKA, Eduardo H. Tornando um software acessível às pessoas com
necessidades educacionais especiais. Dissertação de mestrado.
Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Computação. Campinas,
2004.
TELLES, Anderson T.; FERNANDES, Daniella P.; OLIVEIRA JÚNIOR,
Vlademir F. Quebrando paradigmas na educação com o uso da tecnologia.
In: II Congresso em Educação e Tecnologias Digitais e VI Semana de
Matemática – Anais. Ji-Paraná: UNIR, 2006. p. 16-24. Disponível em: <
http://www.congresso.unir.br/downloads/Anais.pdf>. Acesso em: 11 de out de
2008.
TFOUNI, Leda V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995, p. 2022.
160
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 9 ed. São Paulo:
Cortez, 1947.
TORRES, Elisabeth F.; MAZZONI, Alberto A. Conteúdos digitais multimídia: o
foco na usabilidade e acessibilidade. Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 2, ago. 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652004000200016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 ago. 2008.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades
educativas especiais. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br.
Acessa em 03/12/2006.
VALENTE, José A. Aprendendo para a vida: o uso da informática na educação
especial. In: VALENTE, José A.; FREIRE, Fernanda M. P. (orgs.). Aprendendo
para a vida: os computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez, 2001, p. 2942.
VALENTE, José A. Criando Oportunidades de Aprendizagem Continuada ao
Longo da Vida. Revista Pátio, Ano IV, nº 15, 2000. Disponível em:
<http://www.revistapatio.com.br/numeros_anteriores_conteudo.aspx?id=191>.
Acesso em: 14 julho de 2008.
_______. Análise dos diferentes tipos de software usados na educação. In:
VALENTE, José A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento.
Campinas, SP: UNICAMP/NIED, 1999a. p. 89-110.
_______. Mudanças na sociedade, mudanças na educação: o fazer e o
compreender. In: VALENTE, José A. (org.). O computador na sociedade do
conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP/NIED, 1999b. p. 29-48.
_______. Diferentes usos do computador na educação. In: ______ (org.).
Computadores e conhecimento: repensar a educação. Campinas:
UNICAMP, 1993.
_______. Liberando a mente: computadores na educação especial. São
Paulo: UNICAMP, 1991.
VEIGA FILHO, João P. da. A universalização da informação. Ci. Inf. Brasília,
v.
30,
n.
1:
p.
7-12,
2001.Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652001000100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 mai 2007.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2 ed. Porto Alegre:
Bookman, 2001.
161
APÊNDICE A
Apresentação das produções escritas dos alunos com surdez
do Ensino Fundamental
2º Encontro (E2):
Atividade: Produção escrita e construção de cenários.
Tema: Planisférios, hemisfério sul e norte e estações do ano.
Produções – AJP.
No caso da Figura 28, AJP. construiu o cenário com uma personagem.
Foi perguntado por IY. O aluno não gostaria de escrever algo sobre a
personagem. AJP. se mostrou inquieto e não houve iniciativa para a produção
escrita. Em seguida, foi-lhe perguntado: “quem era a personagem?”, o aluno
apontou para IY., a qual nomeou por “ARIANA” e atribuiu a idade de 24 anos.
Figura 28: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas dessas regiões e as
estações do ano.
Produções - AA. e AL.
Para a produção na Figura 29, AL. também apresentou dificuldades para
escrever a palavra “mulher”. IY. interveio soletrando por alfabeto manual as
primeiras letras, mas sem sucesso. Somente após a terceira tentativa de
soletração de todas as letras da palavra é que a aluna compreendeu e realizou
162
a escrita. Também destaco o uso do artigo “a” concordando com o gênero da
palavra “mulher”.
Figura 29: Planisférios, hemisfério sul e norte, condições climáticas dessas regiões e as
estações do ano.
Foi interessante notar que embora AA. tenha mostrado mais iniciativa e
melhor desenvoltura para atribuir palavras escritas em relação a AL., a opção
por colocar os artigos no início de cada produção escrita foi de AL.
3º e 4º Encontros (E3 e E4):
Atividade: Produção escrita e construção de cenários.
Tema: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações.
Produções - AA. e AL.
Para a construção da Figura 30, AA. demonstrou desinteresse em
manusear os periféricos, ficando AL. responsável pelas produções escritas e
do cenário. Por outro lado, a produção exclusiva de AL. permitiu constatar os
aspectos já citados sobre o uso do artigo e da necessidade de AL. em relação
às opiniões de AA.
AL. foi estimulada por PE. a refletir sobre a pergunta “o que o
personagem está pensando?”. AL. iniciou a escrita com “o u“ e não soube
prosseguir. Recorreu à ajuda de AA., que fez o sinal correspondente a pássaro.
AL. buscou ajuda de IY. para saber como seria a escrita da palavra. Embora
AA. tenha-se referido a pássaro e como as primeiras letras colocadas por AL.
se aproximavam da palavra “urubu”, IY. soletrou as letras dessa palavra. Após
163
a segunda tentativa, feita pausadamente, AL. escreveu a palavra. A cada letra
escrita, AL. se dirigia a AA. para confirmar se estava correta ou não a opção.
Figura 30: Noções climáticas de regiões frias e quentes e tipos de vegetações características
desses climas.
Embora a figura escolhida tenha sido a de um pássaro que não se
parecia com um urubu, quando foi perguntado a AL. se aquela figura se
correspondia a um urubu, a resposta foi sim. Foi perguntado ainda se AL.
gostaria de mudar a palavra “urubu” e a resposta foi não.
5º e 6º Encontros (E5 e E6):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes
ambientes.
Produção - AJP.
No caso do cenário à esquerda da Figura 31a, foi perguntado: “o que
você vê?”. AJP. escreveu as palavras “muito”, “b.bentes”, o numeral “2008” e
“MA”.
Contata-se que AJP. registrou uma variação da palavra “BEN.BENTES”
e ainda a palavra “muito”, ambas usadas na Figura 7. Sobre o numeral, o aluno
apontou para o calendário fazendo que se referia ao ano em curso. Em relação
à palavra “MA”, o aluno apontou para si próprio.
164
Figura 31a: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
No cenário da Figura 31b, AJP. iniciou a produção escrita com “s”,
apagou a letra “s” e escreveu a palavra “iara”. Em seguida AJP. registrou
“MARCOS ARIANA VIVIAN SACI”. Nesse caso, o aluno optou pela escrita de
palavras já conhecidas por ele (lembrando que MARCOS, ARIANA e VIVIAN
são pseudônimos de AJP., IY. e Ps., respectivamente).
Ao ser questionado sobre “quem era o personagem?”, o aluno fez o sinal
correspondente a “saci”, mas não soube escrever a palavra. Pediu ajuda a IY.,
que soletrou a palavra em alfabeto manual, pausadamente, por duas vezes.
AJP. iniciou a produção com “s” e, em seguida, escreveu as letras da palavra
“saci”.
Figura 31b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
No cenário da Figura 32a, sem ter havido perguntas AJP. escreveu
“GARILIANO RAMOS 6220”. Quando perguntado sobre o que era, o aluno fez
o sinal correspondente a muitas casas, seguido dos sinais indicativos de
“antes” e de “ônibus”. Em seguida AJP. escreveu a palavra “MONTO”. Foi-lhe
perguntado sobre o que significava a palavra e o aluno não respondeu, apenas
165
sorriu. AJP. foi convidado a colocar mais um personagem no cenário e ele
escolheu a figura do elefante.
Foi perguntado ao aluno que animal tinha sido escolhido, AJP. fez o
sinal correspondente ao animal elefante mas não conseguiu escrever a palavra
correspondente. O aluno pediu ajuda a IY. e foi incentivado a lembrar de como
poderia ser essa grafia. AJP. repetiu o sinal correspondente a elefante, mas
não conseguiu escrever a palavra em LP escrita e nem soletrou utilizando o
alfabeto manual. Na sequência, AJP. escreveu a palavra “LUANA” e apontou
para uma de suas colegas de turma.
Figura 32a: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes ambientes.
No cenário da Figura 32b, o aluno foi convidado a atribuir somente
palavras escritas. Antes de o aluno iniciar a atividade, IY. apontou para a figura
do policial e perguntou: “o que ele está falando?”. O aluno apenas ficou
observando o cenário. Foi perguntado então: “quem é este personagem?”. O
aluno escreveu “ARIANA 24 ANOS”, apontou para IY. e demonstrou
desinteresse em continuar com a atividade.
Figura 32b: Planalto, planície, tipos de vegetação e características destes ambientes.
166
No caso da Figura 33, o cenário foi apresentado ao aluno contendo o
balão na cor verde e a imagem de fundo. Foi dito a AJP. que ele poderia
escolher o personagem de sua preferência. O aluno escolheu o personagem e
sem precisar ser estimulado com perguntas escreveu a palavra “JOSÉ”,
apontando, em seguida, para PE.
Foi perguntado então se o aluno não gostaria de colocar outro
personagem e a resposta foi não. Questionou-se em seguida: “para onde ele
está indo? O que aconteceu com ele? Que lugar é este?” AJP. não respondeu
a nenhuma das perguntas e apenas ficou sorrindo. Vale ressaltar que “JOSÉ” é
o pseudônimo de PE. na pesquisa e que AJP. escolheu a figura em questão
fazendo referência a condição de cadeirante de PE.
Figura 33: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
No caso do E6, foi observado o seguinte:
Produção – AA.
No caso da Figura 34, foi verificado que AA. não teve iniciativa em
completar o cenário 4 e nem teve interesse em responder aos questionamentos
feitos por IY. acerca das palavras escritas nos balões. Sempre que perguntada
sobre qualquer aspecto relativo à atividade de produção escrita, a reação da
aluna foi de imparcialidade diante da presença e solicitações de resposta.
167
Figura 34: Planalto, planície, tipos de vegetação e características desses ambientes.
7º, 8º e 9º Encontros (E7, E8 e E9):
Atividade: Produção escrita.
Tema: Alimentos saudáveis e não-saudáveis e importância de uma boa
alimentação.
No caso do E7, foi observado o seguinte:
Produção - AJP.
No cenário da Figura 35a, AJP. escreveu “ARIANA BANANA UVA
MAÇA”. Assim como no E6 (ver capítulo V), o aluno demonstrou compreensão
sobre a dinâmica da atividade e sem ser perguntado sobre as palavras que
tinha escrito, tocou no monitor sobre a palavra “ARIANA” e, em seguida,
apontou para IY. fez o mesmo com a figura da banana e, depois, fez o sinal
que corresponde a essa fruta. No caso das figuras das frutas uva e maçã, o
aluno não soube fazer o sinal correspondente a cada uma delas, apenas fez o
sinal que corresponde a alimento.
168
Figura 35a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo
No cenário da Figura 35b, o aluno escreveu “JOSÉ IGATEMI 2008”. O
comportamento de AJP. seguiu a descrição anterior, tocou na tela sobre a
palavra “JOSÉ” e, em seguida, apontou para PE. Com relação à palavra
“IGATEMI”39, o aluno tentou explicar fazendo a seguinte sequência: apontou
para PE., fez o sinal que corresponde à alimentação e, em seguida, levantouse dirigindo-se até o calendário e apontou para o ano de 2008 e para o mês
em curso, no caso junho.
Na tentativa de explorar mais a escrita do aluno, IY. apontou
alternadamente para cada tipo de alimento contido no cenário e perguntou ao
aluno qual a palavra (nome) de cada um deles e o aluno não soube escrever.
Então IY. perguntou qual seria o sinal de cada um deles, AJP. apenas fez o
sinal correspondente a sanduíche. Para as demais figuras o aluno apenas ficou
sorrindo e, em seguida, fez o gesto com a cabeça sinalizando que não sabia
responder a solicitação de IY.
Figura 35b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo
39
Neste caso, a palavra “IGATEMI” se refere a Iguatemi, um Shopping da cidade de Maceió.
169
Vale comentar que, para a produção escritas dos cenários, não foi
necessário fazer perguntas estimuladoras ao aluno. As perguntas só foram
feitas após a colocação das palavras nos balões.
Produção - AA.
Para realizar as produções escritas referente às Figuras 36a-b, AA.
continuou mostrando-se imparcial em relação à presença de Ps., PE. e IY. Não
demonstrou dúvidas e nem solicitou ajuda. Também não correspondeu a
nenhuma das tentativas de IY. ao fazer perguntas sobre as palavras escritas
nos balões.
No cenário da Figura 36a, constam duas barras de chocolate e AA.
colocou a palavra bolo. IY. fez o sinal que corresponde a bolo, apontou para as
barras de chocolate e perguntou à aluna se a figura do cenário era um bolo.
AA. respondeu que não e fez o sinal correspondente a chocolate. Quando
perguntada se chocolate se escrevia daquela forma, AA. respondeu que sim.
Figura 36a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
No cenário da Figura 36b, consta a figura de um prato de refeição e para
se referir a esse prato A. escreveu a palavra bolo. Mais uma vez Y. fez o sinal
que corresponde a bolo, apontou para o prato de refeição e perguntou à aluna
se a figura do cenário era um bolo. A. respondeu que não e fez o sinal
correspondente a comida. Quando perguntada se comida se escrevia daquela
forma, A. respondeu que sim.
170
Figura 36b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
É importante destacar que quando AA. terminou as produções escritas
das Figuras 36a-b foi convidada a construir outros cenários além daqueles que
já tinham sido trabalhados. AA. não quis continuar e ficou parada diante do
computador apenas observando os cenários, sem manifestar qualquer tipo de
interação.
No caso das Figuras 37a-b, os personagens e objetos utilizados para
compor os cenários foram selecionados por PE. a partir dos cenários
anteriores. No cenário da Figura 37a a aluna escreveu “LUCAS PAI BANANA
UVA MAÇA LARANJA”.
Figura 37a: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo
Já no cenário da Figura 37b A. escreveu “VIVIAN MAE BANANA UVA
MAÇA LARANJA”. Quando lhe foi perguntado sobre as palavras que a aluna
tinha escrito, o comportamento de AA. em não querer responder foi mantido.
171
Figura 37b: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo
O fato de a aluna não querer interagir e responder aos questionamentos
feitos foi recorrente. Para todas as tentativas de interação, AA. se manteve
indiferente à presença de IY, Ps, Pc e do PE. Quando a aluna terminou as
produções escritas, mais uma vez ficou parada diante do computador.
No caso do E8, foi observado o seguinte:
Produção - AA.
No caso da Figura 38, AA. escreveu “ANA BOLO BANANA OVO ÁGUA
VOCÊ NÃO OVOS”. Quando lhe foi perguntado sobre o sinal de cada uma das
palavras, mais uma vez a aluna se recusou a participar. No outro balão, AA.
escreveu “LUCAS UVA MELHO BOLO OVO AGUA NÃO VOCE” e a recusa em
responder sobre as palavras utilizadas permaneceu.
Considerando que, no encontro anterior, AA. não correspondeu às
perguntas feitas por IY., utilizou-se da repetição da palavra “bolo” para
questionar a aluna sobre o significado dessa palavra. A aluna respondeu
fazendo o sinal que corresponde a pão. Foi-lhe perguntado se pão era a
mesma coisa que bolo e AA. respondeu que sim.
Na tentativa de dar continuidade à participação de AA., foi perguntado
sobre o que poderia ser a palavra “VOCE”. A aluna respondeu com o sinal que
corresponde a “gostar”. Com relação à palavra “NAO”, a aluna fez o sinal
referente a “não querer”.
172
Figura 38: Alimentos saudáveis e não-saudáveis, o consumo de alimentos não-saudáveis e
suas consequências para o organismo.
No caso do E9, foi observado o seguinte:
Produção - AJP.
No cenário da Figura 39, AJP. depois de muito observar a imagem
escreve “chocolate coco RS 1,00”. Quando perguntado sobre quem era aquele
personagem do cenário, AJP. fez os sinais correspondentes a “comprar” e
“entregar”, mas não conseguiu fazer o sinal referente a “vendedor”.
Sobre a palavra “chocolate”, IY. perguntou se a escrita da palavra era
mesmo a que o aluno escolheu, AJP. fez seguidamente os sinais referentes a
“ok” e “lembrar”. Em relação ao numeral “1,00”, AJP. fez o sinal referente a
“dinheiro”.
Figura 39: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
No cenário da Figura 40, AJP. escreve as palavras “JAPÃO MUITO
HOJE 8;00”. IY. apontou para as palavras e perguntou o que AJP. queria dizer.
173
O aluno apontou para a personagem e, após, fez os sinais que correspondem a
“JAPÃO” e “MUITO”, seguidamente.
Quando perguntado sobre o que seria o numeral “8”, AJP. fez os sinais
que correspondem a “horas” e “noite”. Mostra-se que o personagem estava de
óculos escuros e foi perguntado se à noite se usava óculos escuros.
Percebendo esse detalhe dos óculos, AJP. mudou de opinião e fez os sinais
que correspondentes a “horas” e “manhã”.
Figura 40: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Mais uma vez ficou constatado o fato de que como sua participação foi
apenas utilizando a LP escrita, houve certo desinteresse em fazer as
atividades. AJP. Quando a vez era passada para AA., AJP. se levantou várias
vezes e quando foi dito para ele não se levantar, AJP. demonstrou
desinteresse em participar/interagir com a AA. sobre aspectos do cenário em
que ela trabalhava.
Produção - AA.
Já no cenário da Figura 41, AA. escreveu “MILTON PAI BOLO NAO
NOVOS VOCE OVOS AGUA”. Para todas as tentativas de pergunta o
comportamento de recusa se repetiu.
174
Figura 41: Alimentos saudáveis e não-saudáveis.
APÊNDICE B
Apresentação das produções escritas dos universitários
com surdez
1º Encontro (E1):
Atividade: Manuseio dos periféricos do computador, familiarização como as
ferramentas e interfaces do software HagáQuê e produção escrita.
Tema: Livre.
Produção – GJ.
No cenário da Figura 42, GJ. escreveu
que considerou estar
relacionado ás imagens, aos personagens e aos objetos. Considerando que foi
sua primeira produção, foi preferido não fazer questionamentos.
Com relação ao balão ao alto da Figura 42, temos:
P1 – Que bom, o menino!
LS – Que bom, o menino!
PF – Que bom, o menino!
Após GJ. explicar em LS o que tinha escrito no balão, foi-lhe perguntado
se aquela produção estava terminada e a resposta foi sim.
Já no balão na parte inferior da Figura 42, temos:
P1 – Oi mamãe, estou aqui no brincando o que carrinho.
P2 – Oi mamãe estou aqui brincando o carrinho.
175
LS – Oi mãe eu estou aqui brincando.
PF – Oi mamãe estou aqui brincando o carrinho.
Figura 42: Manuseio dos periféricos do computador, familiarização como as ferramentas e
interfaces do software HagáQuê e produção escrita.
Quando GJ. explicou a produção em LS, ficou um instante reflexiva e
questionou sobre utilizar o “de” no lugar de “o”. Em seguida, comentou que o
“de” era pouco utilizado por ela na escrita e assim preferia usar o “o”. Com o
conteúdo escrito por GJ. é possível perceber a tentativa de estabelecer um
diálogo entre os personagens do cenário.
Produção – GI.
No balão ao alto da Figura 43a, GI. escreveu o seguinte:
P1 – eu preciso ir casa.
LS – eu tenho ir casa.
Q1 – A atenção sobre a produção em P1 e a explicação em LS.
P2 – eu tenho ir para casa.tchau!
Q2 – A ausência de alguma palavra.
P3 - eu tenho ir para casa.tchau!
PF - eu tenho ir para casa.tchau!
Quando GI. fez a reflexão sobre a escrita em P1, percebeu a diferença
da palavra dita em LS em detrimento da que foi escrita em LP. Alterou a
palavra “preciso” por “tenho” e considerou como encerrada a produção.
176
Sobre o outro balão da Figura 43a, foi colocada a palavra “tchau!”.
Embora GI. tenha utilizado poucos vocábulos, pôde ser verificada a tentativa de
estabelecer um diálogo entre os personagens no cenário.
Figura 43a: Tema livre.
No balão à esquerda da Figura 43b, temos:
P1 – vamos brincando, eu adoro brincando.
LS – vamos brincar, eu adoro brincar.
Q1 – A atenção em relação a flexão do verbo.
P2 – vamos brincando, eu adoro brincando.
Q2 – A mudança de alguma palavra que pudesse melhorar a compreensão.
P3 - vamos brincando, eu adoro brincando.
PF – vamos brincando, eu adoro brincando.
Quando dirigidos os questionamentos Q1 e Q2, GI. observou por uns
instantes a produção no cenário e explicou que não sabia o que poderia ser
alterado. Foi perguntada a razão do uso da palavra “vamos”, quando o balão
está sobre apenas um personagem. GI. respondeu que o personagem estava
conversando com o outro e que por serem duas pessoas o uso da palavra no
plural ficava mais correto e fez repetidamente o sinal que corresponde a
“certo”.
No balão à direita da Figura 43, temos:
P1 – eu tenho vontade comprar carro.
LS – eu tenho vontade comprar um carro.
Q1 – A falta de alguma palavra.
P2 – eu tenho vontade comprar um carro.
Q2 – Algo que pudesse melhorar a frase.
P3 - eu tenho vontade comprar um carro.
PF – eu tenho vontade comprar um carro.
177
Figura 43b: Tema livre.
GI. foi questionado sobre a dificuldade de escrever em LP as
informações que são pensadas em LS. Foi explicado por GI. que o conflito
entre o dois tipos de linguagem – a de sinais e a escrita, é um dos maiores
entraves para a PS escrever. Alegou que é muito difícil dominar as duas
linguagens, principalmente em relação à escrita
