Simone da Silva

Título da dissertação: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS

SIMONE DA SILVA

MACEIÓ
2009

SIMONE DA SILVA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós –
Graduação/Mestrado em Educação Brasileira da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito
parcial à obtenção do título de mestre em educação,
sob a orientação da professora Dr. Maria
Auxiliadora da Silva Cavalcante

MACEIO
2009

DEDICATÓRIA

Para minha mãe Marili,
Pela eterna dedicação e companheirismo;
Para minha irmã Ninha
Pelo e incentivo e sinceridade;
Para meu pai, Antônio, pelo apoio e respeito às minhas escolhas;
Para meu marido Alex,
Pelo incentivo, cumplicidade e atenção;
Para meu filho Vinícius,
Pela força que vem me dando nos últimos meses, ainda no ventre;
Para as professoras Tânia Moura e Marinaide Queiroz
Pelo incentivo à pesquisa e inspiração intelectual;
Para a Professora Auxiliadora Cavalcante,
Pela credibilidade desde a graduação e pela relevante contribuição para o alcance dessa
conquista;

AGRADECIMENTOS
À DEUS, acima de tudo por sua presença durante todos os momentos de nossa vida;
À minha Família, Mãe, Pai, Irmã e Marido pelo eterno amor, compreensão e respeito que nos
dedicam;
Aos professores do CEDU pela contribuição durante nossa graduação, Especialização e o
Mestrado, em especial as Profs. Abdizia e Alba;
Às professoras da banca de qualificação Marinaide Queiroz e Denilda Moura pela
contribuição valiosa ao nosso trabalho;
À Prof. Auxiliadora pela valiosa orientação, paciência e compreensão durante o processo
desse trabalho;
Às amigas Ana Paula e Andréa Paloma, pelo apoio, amizade sincera e torcida constante;
À Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura da Cidade de Pilar pelo incentivo para
a realização de nosso trabalho;
Às colegas da diretoria de ensino da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura da
Cidade de Pilar, pela compreensão de nossa ausência nos últimos meses;
Às professoras da rede municipal da Cidade de Pilar, pela contribuição à nossa pesquisa;
A todos do grupo de Pesquisa Teorias e Práticas em EJA, pela contribuição através das
discussões e socialização de experiências;
Às colegas que pesquisam Variação Linguística pelos momentos de discussões sempre
relevantes a nossa pesquisa, em especial para Naila, Glaucia, Marta, Alda e Rose Karla;
À equipe técnica pedagógica do DEJA/SEMED pelo incentivo e contribuição;
À minha avó Maria José e a todos os tios e tias, primos e primas por compreender nossa
ausência;
Aos meus sogros, cunhada e cunhado pelo carinho e apoio;
À amiga Tathy pela força e contribuição;
À amiga Vanessa pela relevante contribuição;
À amiga Regina, pelo apoio, incentivo, contribuição e torcida pelas nossas conquistas;
Às amigas Edjane e Ivoneide pelo carinho e torcida por nossas conquistas;
Aos amigos Beth e Rubens, pelo apoio e torcida;

RESUMO

VARIAÇÃO LINGUISTICA EM SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS

Este trabalho investiga questões da variação linguística, no que se refere a abordagem feita em
sala de aula quando se realiza o trabalho com a linguagem nas escolas municipais da cidade
Pilar, onde buscamos conhecer a metodologia dos professores da Educação de Jovens e
Adultos ao trabalhar as variedades lingüísticas, tanto as variedades de prestígios como as
populares dos alunos no contexto da sala de aula, e os procedimentos pedagógicos utilizados
para trabalhar tais questões. Vimos a necessidade de realizar este estudo, uma vez que
conhecer o trabalho que está sendo desenvolvido em sala de aula, em relação à variação
linguística, e saber que conhecimentos subsidiam a prática pedagógica, para realizar a
abordagem desse tema, é uma contribuição ao ensino, visto que a variação linguística é
bastante complexa, pois envolve questões de identidade, estigma, discriminação, preconceito,
norma, prestígio social entre outros. Temas como esses, quando não são abordados de uma
forma adequada, em vez promover a conscientização e o avanço da cidadania do sujeito
(sendo esse um dos principais papéis da escola), podem gerar preconceitos e
constrangimentos e a conseqüente evasão dos alunos jovens e adultos. Para desenvolver essa
investigação, optamos pela abordagem metodológica da pesquisa qualitativa, na qual demos
prioridade à pesquisa etnográfica, lançando mão também das orientações oriundas da
sociolinguística variacionista. Esta pesquisa nos revelou que há muita dificuldade na
abordagem do tema da variação em sala de aula, dificuldade esta que resulta da inexistência
de formação inicial e continuada voltada para esse tema, o que limita as professoras
trabalharem de forma superficial e algumas vezes até reforçar o preconceito lingüístico em
sala de aula. O resultado deste estudo nos levou ao entendimento de que a variação linguística
no contexto escolar precisa ser reconhecida com uma grande relevância para a educação, e,
portanto deve está presente nos planejamentos de todos os professores, principalmente de
língua materna, independente da fase ou segmento, e deixar com isso de ser negligenciada,
quer na elaboração de programas de alfabetização, nas ementas das disciplinas, quer na
formação de professores.

PALAVRAS – CHAVE: Sociolinguística - Variação Linguística – Educação de Jovens e
Adultos - Preconceito Linguístico

RESÚMEN

VARIACIÓN LINGUISTICA EM AULA DE LA EDUCACIÓN DE JÓVENES Y
ADULTOS

Este trabajo investiga cuestiones de la variación linguística, en lo que respecta al
planteamiento hecho em aula cuando se realiza el trabajo con La lenguage en las escuelas
municipales de la ciudad de Pilar, donde buscamos conocer la metodologia de los profesores
de la educación para jóvenes y adultos al trabajar variedades linguísticas, tanto lãs variedades
de posición como lãs populares de Estudiantes en el contexto de aula, y los procedimientos
pedagógicos utilizados para trabajar ésas cuestiones. Vimos la necessidad de realizar esa
investigación, una vez que conocer el trabajo que está siendo desarrollado en aula, con
relación a la variación linguística, y saber cuales conocimientos contribuyen con la practica
pedagógica, para realizar el planteamiento de tal tema, es una contribución a la enseñanza,
vista que la variación linguística es bastante complejo, pues comprende cuestiones de
identidad, estigma, segregación, prejuício, doctrina, posición social entre otros. Cuestiones
como éstas, cuando no se abordan de manera adecuada, en lugar de promover la
sensibilización y la promoción de la ciudadanía de lo sujeto (siendo esta una de las principales
funciones de la escuela), pueden generar prejuicios y constreñimientos y la consecuentes
evasión de los alumnos jóvenes e adultos. Para desarrollar esa investigación, eligimos la
metodología de la pesquisa cualitativa, em la cual dimos prioridad a la investigación
etnográfica, también haciendo uso de las directrices de la sociolinguística variacionista. Esta
investigación nos ha demonstrado que existe una gran dificultad para abordar la cuestión de la
variación en aula, y que esta dificultad se deriva de la falta de formación inicial y continua
hacia el tema, lo que limita a las profesoras a trabajaren de manera superficial y, algunas
veces, incluso, aumentar el prejuicio linguístico en el aula. El resultado de esta investigación
nos ha llevado a la comprensión de que la variación linguística en el contexto escolar necesita
ser reconocida con una gran importancia para la educación, y, por consiguiente debe estar
presente en la planificación, de todos los profesores, sobre todo, en los de idioma materno,
independientemente de la etapa o segmento, y, dejar con eso de ser negligenciada, ya sea que
en la elaboración de programas de alfabetización, em el sumario de las disciplinas, ya sea que
en la formación de los docentes.

PALABRAS – CLAVE: sociolinguística – variación linguística – educación para jovenes y
adultos – lengua – prejuicio

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................11
CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS........................................................................18
1.1 – Língua e Sociedade.......................................................................................................18
1.1.1 – A sociolinguística.......................................................................................................18
1.1.2 – Variação linguística................................................................................................24
1.1.3 – As variedades linguísticas......................................................................................29
1.1.4 – As regras variáveis e as variantes................................................................................30
1.2 – Norma: o que é?...........................................................................................................32
1.3 – Língua materna e educação formal - símbolo e preconceitos..........................................34
CAPÍTULO II: A PESQUISA - o percurso metodológico.................................................44
2.1 – O município de Pilar...................................................................................................44
2.2 – Educação de jovens e adultos em Pilar...........................................................................47
2.2.1 – Diagnóstico..........................................................................................................47
2.2.2 – Os sujeitos da EJA em Pilar................................................................................53
2.2.2.1 – Os professores...........................................................................................................53
2.2.2.2 – Os alunos.............................................................................................................57
2.3 – Percurso da pesquisa..............................................................................................60
2.4 – Objetivos da pesquisa.............................................................................................61
2.5 – Procedimentos metodológicos.................................................................................62
2.6 – Perfil da escola “A”..................................................................................................67
2.6.1 – A Professora [P1].........................................................................................................70
2.6.2 – Perfil da escola “B”...................................................................................................71
2.6.2.1 – A professora [P2].......................................................................................................73
2.6.3 – Perfil da Escola “C”.............................................................................................74
2.6.3.1 – Perfil da professora [P3]....................................................................................76
III CAPÍTULO: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA - PRÁTICA DE SALA DE AULA.........79
3.1 – Escola A.................................................................................................................79
3.1.1 – Variantes Em uso................................................................................................79
3.1.2 – Os procedimentos metodológicos no trabalho com a variação linguística................87
3.1.3 – As dificuldades pedagógicas no trabalho com a variação linguística.........................94
3.1.4 – O trabalho com a Língua Portuguesa: questões de discriminação.......................103
3.2 - Escola B................................................................................................................107
3.2.1 - As variantes usadas pela professora e os alunos......................................................108
3.2.2 – Os procedimentos pedagógicos no trabalho com a variação linguística ....................110
3.2.3 – As dificuldades para trabalhar com a variação linguística.....................................115
3.2.4 – O trabalho com a Língua Portuguesa: questões de discriminação........................120
3.3 - Escola C................................................................................................................124
3.3.1 – As variantes usadas pela professora e pelos/as alunos/as.................................124
3.3.2 – Os procedimentos pedagógicos no trabalho com a variação linguística...................126
3.3.3 – As dificuldades para trabalhar com a variação linguística.........................................134
3.3.4 – O trabalho com a Língua Portuguesa: questões de discriminação........................,,,138
CONCLUSÕES............................................................................................................142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................147

NORMAS DE TRANSCRIÇÃO

[( )] - indicam que houve um segmento sonoro que não foi possível identificar durante a
transcrição da gravação.
[(I)] – O itálico destaca a fala das professoras e alunos das demais citações que ocorrem ao
longo do texto.
[...] – pausa
[- - ] – silabação
[(( ))] – comentário descritivo do transcritor
[Maiúscula] – Entonação enfática
[:: ou :::] – Prolongamento de vogal e consoante

INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem sendo objeto de discussões no meio
acadêmico, por muitos motivos, sendo o mais grave deles, a alta taxa de analfabetismo, que
afeta mais de 10%1 da população jovem e adulta brasileira, e tem conseqüências na maioria
das vezes prejudiciais como subemprego, alto índice de mortalidade infantil e também entre a
população jovem e adulta, eleva índice de violência, que atinge a todas as classes sociais, mas
principalmente às pessoas das classes menos favorecidas, que sem emprego e sem educação
muitas vezes adentram no mundo do crime e freqüentemente têm mortes precoces, gerando
assim a privação de direitos dos seres humanos.
Em meios às inúmeras perspectivas de realizar uma pesquisa na área da EJA,
priorizamos nesse trabalho pesquisar os aspectos relacionados à variação lingüística,
sobretudo no que se refere às variedades utilizadas pelos Jovens e Adultos nas escolas
públicas da cidade de Pilar, e as estratégias das professoras nas intervenções durante as
ocorrências dessas variações em sala de aula.
A necessidade dessa pesquisa se faz relevante à medida que sabemos que a língua
usada no Brasil não é uniforme, mas constituída de muitas variedades que apresentam marcas
tanto no meio rural, quanto no meio urbano, que fogem da norma considerada padrão, com
maior intensidade na classe menos favorecida da sociedade, onde se encontram a maior parte
das pessoas sem acesso a escolaridade e/ou os alunos da EJA.
É nosso interesse, portanto, investigar os casos de variação lingüística em sala de aula,
para sabermos se o foco do ensino está voltado para o uso das diferentes variações, inclusive
as mais formais da língua, valorizadas socialmente, ou se prevalece a abordagem do “erro”
quando há variação do português padrão e do português não padrão.

1

Informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2007 e 2008.

Deste modo, esta investigação busca refletir sobre a organização da sociedade, que é
marcada por forte discriminação sob vários aspectos, seja em relação ao pobre, ao idoso, ao
negro, à mulher, ao analfabeto e ainda de forma menos explícita, mas tão perigosa quanto às
demais que é o preconceito lingüístico2. Este é demonstrado à medida que não é reconhecida,
sobretudo, na escola a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, e assim, ela
impõe de forma rígida o ensino da gramática normativa, na tentativa de abolir a variedade não
padrão das falas dos alunos, e nessa ação, afasta os sujeitos, principalmente os jovens e
adultos que não dominam a gramática normativa, e ao ter contato com ela de forma
impositiva, reconhecem o motivo pelo qual muitas vezes, fora e até mesmo dentro da escola
foram ridicularizados, humilhados e discriminados, pois a língua que fala é indesejável numa
sociedade classista, onde a língua considerada de prestígio é a língua usada por uma minoria,
sendo essa norma cultivada dentro da escola, como sinônimo de língua portuguesa, como nos
lembra, Scherre (2005, p.43) quando diz que “em nome da boa língua pratica-se a injustiça
social, muitas vezes humilhando o ser humano por meio da não aceitação de um de seus bens
culturais mais divino: o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio
da comunidade ao seu redor.
É neste sentido que consideramos de grande relevância pesquisar fenômenos como
este, a fim de que seja discutido o fato de que mesmo o Português sendo a língua da imensa
maioria da população brasileira, não quer dizer que ele seja um bloco compacto e homogêneo.
É muito importante, que não só a escola, mas todas as demais instituições voltadas para a
educação e a cultura abordem a diversidade lingüística no Brasil e assim possam planejar
2

Entedemos por preconceito linguístico as discriminações que as pessoas sofrem ao não usar a norma culta em diferentes contextos, inclusive
os mais formais. Trata-se do preconceito originado da distinção entre a língua culta e a linguagem coloquial, ou a normatização da linguagem
e a distinção entre certo e errado. Tal preconceito tem origem no processo de normatização da língua feita pelo sistema escolar e pelos
setores intelectualizados da sociedade. As classes sociais privilegiadas incorporam a chamada língua culta e a tomam como uma distinção
social que reforça seu status privilegiado.

melhor suas políticas de ação para a redução da discriminação em função dos usos
lingüísticos, pois isso representa um forte instrumento para marginalizar os falantes da norma
não “padrão”, configurando-se conseqüentemente na manipulação do homem pelo homem
através da linguagem.
Portanto, instiga-nos averiguar os conhecimentos que os professores têm em relação a
esse tema, e dessa forma, como se dá a intervenção deles nas produções dos discursos
dos(as)as alunos(as), pois para isto eles devem considerar os fatores como: idade, origem
geográfica, profissão, situação sócio-econômica, sexo etc.; inquieta-nos também saber qual a
reação dos alunos, sobretudo aqueles que não dominam a norma “culta” da língua portuguesa,
ao expor suas idéias no contexto da sala de aula. Neste sentido, vimos a necessidade de
realizar esta pesquisa de mestrado, uma vez que, conhecer o trabalho que está sendo
desenvolvido em sala de aula, em relação à variação lingüística, e saber que conhecimentos
subsidiam a prática pedagógica, para realizar a abordagem desse tema, é uma contribuição ao
ensino, visto que a variação lingüística é bastante complexa, pois envolve questões de
identidade, estigma, discriminação, preconceito, norma, prestígio social entre outros. Temas
como esse, quando não são abordados de uma forma adequada, em vez promover a
conscientização e o avanço da cidadania do sujeito (sendo esse um dos principais papéis da
escola), podem gerar preconceitos e constrangimentos e a conseqüente evasão dos alunos
jovens e adultos.
Para fundamentação teórica desta pesquisa, recorremos a autores que se dedicam à
lingüística, mais precisamente a área da sociolingüística, assim como aos autores estudiosos e
pesquisadores da educação de jovens e adultos. Para tanto, elegemos como fonte de pesquisa
bibliográfica, que nos nortearam durante esse estudo, autores como Tarallo (2002),
Cavalcante (2006), Bagno (1999, 2001, 2002, 2003, 2007), Votre (2003), Paiva, (2003),
Mollica (1998, 2003), Gagné, Guilles (2002), Fonseca (1974), Bortoni-Ricardo (2001, 2004,

2006), Scherre (2005), Labov (1983), Antunes (2007), Faraco (2008), Andrade, (2006),
Moura (2005,2006), Queiroz (2006, 2007), Barros (2005), Di Pierro (2007) .
Na tradição do ensino da língua portuguesa no Brasil, existe o mito da unidade
lingüística no país que há muito tempo vem causando sérios danos à educação, uma vez que
contribui para a formação do “preconceito lingüístico”, pleno de equívocos, já que no Brasil,
não se fala uma só modalidade de língua, assim como não existe nenhuma língua que seja
única, compacta, como nos lembra Bagno (2003, p. 19) [...] aquilo que a gente chama por
comodidade, de português não é um bloco compacto, sólido e firme, mas sim um conjunto de
“coisas” aparentadas entre si, mas com algumas diferenças. Essas “coisas” são chamadas
variedades.
A sociedade brasileira é plurilíngüe e por isso utiliza um repertório de variedades
lingüísticas que consiste em variedades de classes sociais, regionais e ocupacionais da mesma
língua. Isso implica que um grupo de indivíduos nativo de uma determinada região fala
diferentemente entre si, em diferentes ocasiões.
Os membros de complexos sociais que partilham de um repertório lingüístico sabem
quando mudar de uma variedade para outra, dando origem, portanto às mudanças situacionais.
Sempre que duas variedades estão presentes no repertório lingüístico de uma rede social,
utiliza-se o conceito de situação, que é definida pela co-ocorrência de dois ou mais
interlocutores mutuamente relacionadas de uma maneira determinada, comunicando sobre um
determinado tópico, num contexto determinado [...] (FONSECA e NEVES, 1974, p. 29)
A variação está comumente relacionada a diferenças entre situações formais e
informais, ou seja, à formalidade e à informalidade. Os falantes possuem um repertório
lingüístico que pode variar dependendo de onde se encontra e com quem fala.
Há, portanto, motivo para reflexão no que se refere à questão do erro de português,
uma vez que a forma considerada “errada” é a falada de norte a sul do país, sem esquecer que

“tudo aquilo que é considerado erro no português não-padrão tem uma explicação científica,
do ponto de vista lingüístico. Entretanto, mesmo já havendo essas considerações, sabemos
que o objetivo do ensino tradicional nas escolas é o de possibilitar aos alunos o conhecimento
da norma padrão da língua portuguesa, identificada com o nome de Português. Neste sentido,
freqüentemente ouvimos as aulas de gramática normativa ser nomeadas de aulas de português
nos interiores das escolas, o que faz com que a gramática normativa seja considerada a
própria língua materna. Em relação a isso, Antunes (2007, p.39) acredita que “a concepção de
que língua e gramática são uma coisa só deriva do fato de, ingenuamente, se acreditar que a
língua é constituída de um único componente: a gramática.”
Não podemos negar a importância de se ensinar a escrever de acordo com a ortografia
oficial, uma vez que há uma ortografia para toda a língua, para que todos possam ler e
compreender o que está escrito, porém o uso que cada um faz da língua para falar é
influenciado por inúmeros fatores que levam o sujeito à interpretá-la de um modo particular,
pois milhões de pessoas passam a vida inteira no total desconhecimento das formas escritas de
sua língua, apesar de falarem ela perfeitamente (BAGNO, 2001, p. 28)
Portanto, apesar de ser a variação um fenômeno natural, não podemos dizer que se
ensine tudo e mantenha a fala exclusiva que o aluno já traz de sua vivência. A escola é o lugar
do saber cientifico, do conhecimento sistematizado, e não deve ser diferente com o ensino da
língua. Para isso, o aluno deve ter conhecimento da existência da variação, para que só então
ele compreenda que há uma ou mais formas de dizer a mesma coisa e isto está ligado a
diversos fatores externos e internos de ordem cultural, social e natural.
Bortoni-Ricardo (2004) aborda essa questão, chamando atenção para a perspectiva de
uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes dos alunos. A autora diz que diante da
realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia da professora deve incluir dois
componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença, afinal, para essa

autora, não há “erros de português”. Erros de português são simplesmente diferenças entre
variedades da língua.
Para desenvolver esta pesquisa e alcançar os objetivos propostos, desenvolvemos uma
pesquisa do tipo qualitativa, cuja abordagem metodológica foi a pesquisa etnográfica, na qual
enfatizamos também as orientações oriundas da sociolinguística variacionista.
A escolha pela pesquisa qualitativa deveu-se ao fato de que nossa investigação se
desenvolveu através do estudo da variação lingüística em um cenário natural, no qual fizemos
sua interpretação em termos do significado assumido pelos indivíduos. O cenário que
abordamos refere-se a três escolas públicas da rede municipal de ensino do Município de
Pilar, mais precisamente nas salas de 3ª fase do primeiro segmento do ensino fundamental da
educação de jovens e adultos. E por isso, esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa, uma
vez que explora as características dos indivíduos e cenários que não podem ser facilmente
descritos numericamente (MOREIRA E CALEFFE, 2006, p. 73).
O motivo pela escolha desse município se deu, primeiro por sermos natural dessa
cidade e por termos tido o apoio do município, enquanto professora da rede municipal para
desenvolver essa pesquisa, acreditando que daríamos um retorno qualitativo para a educação
de jovens e adultos no município. Outro motivo que nos despertou o interesse em realizar o
estudo no interior do estado, é por acreditarmos que as pesquisas na área educacional
precisam ser ampliadas para além da capital do Estado e agir sobre todos os municípios a fim
de contribuirmos para uma melhor qualidade na educação.
Durante a investigação, num período de três meses, permanecemos durante 28 dias
coletando os dados, num contato direto com alunos/as e professoras, onde presenciamos
diversas situações em que ocorreram casos de variação lingüística e as possíveis intervenções
dos professores diante dessas ocorrências.

Seguindo as orientações da sociolingüística, fizemos uso de um diário de pesquisa, que
utilizamos como uma ferramenta de reflexão de nossa prática enquanto pesquisadora. Além
disso, a pesquisa etnográfica nos possibilitou combinar vários métodos de coleta, utilizados
durante essa investigação, que são: a fase exploratória, composta pela revisão bibliográfica,
seleção e organização dos instrumentos que utilizamos durante a coleta de dados; o trabalho
de campo/delimitação do estudo, com o qual nos aproximamos e tivemos contato com os
sujeitos da pesquisa, a observação direta das atividades do grupo que investigamos e as
entrevistas semi-estruturadas com os professores e alunos e na fase da descoberta e análise
sistemática, realizamos a análise dos dados e a produção dessa dissertação.
Este trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro, apresentamos a
fundamentação teórica dessa pesquisa. No segundo capítulo, fizemos um breve relato da
educação de jovens na cidade de Pilar, expondo sua organização, perfil, histórico e
caracterização dos sujeitos envolvidos, assim como expomos a pesquisa, segundo sua
abordagem, classificação e os instrumentos utilizados; no terceiro, analisamos os dados
coletados, à luz de nosso referencial teórico e apresentamos os resultados do estudo. E por fim
apresentamos as considerações parciais desse trabalho, já que a variação lingüística é algo
complexo e importante que não se esgota em uma pesquisa, e sim precisa ser cada vez mais
investigada, como forma de contribuição para a qualidade do ensino em nosso país.

CAPÍTULO I

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: Pressupostos Teóricos

Neste capítulo evidenciamos a revisão conceitual da variação lingüística, perpassando
pontos sobre as variedades de prestígio presentes na norma padrão e as vernaculares, a
discriminação lingüística e o ensino da língua materna na educação de jovens e adultos.

1.1 – LÍNGUA E SOCIEDADE

1.1.1 – A Sociolingüística

Os seres humanos usam a língua constantemente, seja ela falada e/ou 3 escrita. Esse
fator é objeto de estudo da sociologia da linguagem que é a ciência que examina a interação
entre o uso da língua e a organização social do comportamento humano, ou seja, ela trata das
relações entre língua e sociedade. Esse estudo é denominado de estudos sociolingüísticos.
Portanto, é tarefa da sociolingüística demonstrar que há co-variação sistemática das variações
lingüísticas e sociais. É por isso que a sociolingüística não aceita que as línguas possam ser

3

Ainda existem sociedades predominantemente ágrafas, fazendo uso da língua exclusivamente da oralidade. Ainda é possível encontrar
tribos indígenas sem fazer uso da escrita.

tratadas como completamente uniformes, homogêneas ou monolíticas em sua estrutura
(BRIGHT, 1974).
Considerando a diversidade lingüística como o conceito chave da sociolingüística,
Bright (1974, p. 18) relaciona um conjunto muito importante de dimensões ao
condicionamento da diversidade lingüística que são: as dimensões do emissor, do receptor e
do contexto. Neste sentido, o autor elenca alguns pontos esclarecedores, nos quais destaca a
relevância da identidade social do emissor assim como do receptor; ele diz ainda que as
pesquisas sociolingüísticas podem ser sincrônicas ou diacrônicas; aponta também a extensão
da diversidade, referindo-se às diferenças entre partes de uma única sociedade ou nação e
outra dimensão apontada pelo autor é a da aplicação, referindo-se às mais amplas implicações
inerentes às descrições da diversidade sociolingüística.
Segundo Fishman (1974), na sociolingüística, podemos encontrar dois enfoques, sendo
o primeiro denominado de sociolingüística descritiva e o segundo sociolingüística dinâmica.
O primeiro busca descobrir os padrões sociais do uso da língua, geralmente aceitos assim
como os padrões de comportamento e atitudes em relação à língua – de determinadas
comunidades ou complexos sociais grandes ou pequenos. O segundo enfoque busca descobrir
quais fatores motivam as diferenças de mudanças na organização social do uso da língua e do
comportamento em relação à língua.
A sociolingüística descritiva diz que os membros de complexos sociais ou
comunidades nem sempre exibem o mesmo uso da língua ou o mesmo comportamento em
relação à língua. Portanto, é tarefa da sociolingüística descrever os padrões gerais e
normativos de uso lingüístico num dado complexo ou comunidade de fala, a fim de mostrar a
natureza sistemática das alternâncias entre duas variedades, dentre os indivíduos que
compartilham de um todo repertório de variedades (FISHMAN, 1972. p. 28).

Em uma sala de EJA, numa perspectiva sociolingüística, o aluno é autor de seu
discurso e competente no uso da língua, quer domine a norma padrão, quer seja usuário da
norma popular. Isto porque os alunos da EJA são sujeitos letrados, e seu letramento 4 permite
que o uso restrito da escrita, assim como o não domínio da norma padrão seja extrapolado,
uma vez que suas habilidades manifestam-se na oralidade, no uso competente da língua
durante a interação.
Neste sentido, vale ressaltar que ao estarmos nos referindo a um público jovem e
adulto que passou muito tempo de sua vida fora ou sem contato direto com a escola, ao chegar
nessa, precisa ter seus conhecimentos prévios valorizados e ser reconhecido como sujeitos
portadores de culturas5 e saberes6.
Os sujeitos jovens e adultos chegam à escola com uma experiência com a oralidade
que adquiriram ao longo de no mínimo quinze anos de suas vidas, que lhes permite ser autor
de seus discursos com competência, e mesmo sem escolaridade, são influenciados pela
escrita, uma vez que convivem com ela em diferentes gêneros textuais, fazendo usos
diferenciados.
De acordo com o conceito de letramento que estou propondo aqui, tanto pode haver
características orais no discurso escrito, quanto traços do discurso escrito no discurso oral.
Essa interpenetração entre as duas modalidades inclui, portanto, entre os letrados, também os
não alfabetizados, e aquelas pessoas que são alfabetizadas, mas têm um baixo grau de
escolaridade. Entre os letrados com baixo grau de escolaridade encontram-se os alunos da
terceira fase da EJA que tratamos aqui nessa pesquisa.

4

Letramento - envolve as mais diversas práticas sociais da escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação
mínima da escrita, tal como o individuo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus
que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornais
regularmente. Letrado é o individuo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal
da escrita. (Marchuschi, 2003, p.25);

5

Cultura - é tudo aquilo que não é natureza, ou seja, tudo o que é produzido pelo ser humano. Por exemplo: a terra é natureza e o plantio é
cultura. É o desenvolvimento intelectual do ser humano, são os costumes e valores de uma sociedade.
6
Saberes - Erudição, sabedoria, experiência da vida, do mundo. Aquilo que se sabe.

A sociolingüística, diferente da gramática normativa, não aceita o “erro” no uso da
língua. Portanto, para ela não existe uma língua padrão, ou dialeto padrão, o que existe é a
norma padrão, que os gramáticos usam como sinônimo de norma culta, assim como existe a
norma popular. Norma, não é língua, dialeto ou variedade. “Ela não é falada, ela não é escrita,
norma é construto sociocultural, portador perpetuador de uma ideologia lingüística, muito
mais até do que um guia normativo para se falar e escrever e corretamente”. A respeito disso
Bagno (2007, p.105) diz que

a norma culta por diversas razões de ordem política, econômica, social e cultural é
algo reservado a poucas pessoas no Brasil. É o mesmo o que acontece com a
alimentação, a saúde, a educação, a habitação, o transporte, o acesso às novas
tecnologias. [...] a norma padrão é um modelo de língua certa, de bem falar, que
nessas sociedades, constituiu uma espécie de tesouro nacional, de patrimônio
cultural que, assim como as florestas, os rios, a flora, a fauna e os monumentos
arquitetônicos precisam ser preservados da ruína e da extinção (BAGNO, 2007,
p.105)

Diante da afirmação de Bagno (op.cit, p.105), reconhecemos os alunos de EJA em sua
maioria como não usuários da norma padrão, uma vez que são sujeitos privados, não só dela,
mas da boa alimentação, da saúde, da habitação, do acesso às novas tecnologias, e por uma
boa parte de suas vidas, também da educação, porém essas privações não os tornam
incompetentes no uso de sua língua materna, pois essa está presente em suas vidas desde a
aquisição da linguagem e isso os faz usuários competentes da sua língua.
Para a sociolingüística não existe uma língua perfeita, correta, bem acabada, uma vez
que a língua é uma atividade humana social que se concretiza por meio de um trabalho
coletivo empreendido por todos os falantes durante a interação. Por isso que é impossível
considerar o erro, pois sendo a língua um conjunto de sons e significados que se organizam
sintaticamente para permitir a interação humana, não cabe dizer que há interação certa ou
errada, pois “essas classificações são resultantes de visões de mundo, de juízos de valores, de
crenças culturais, de ideologias e exatamente por isso estão sujeitas a mudar com o tempo”

(BAGNO, 2007). Mas afinal, qual a origem do “erro” lingüístico? Quando surgiu a norma
padrão?
Segundo Bagno (2007, p. 62) o “erro” nasceu no mundo ocidental junto com as
primeiras descrições sistemáticas gregas. Essas descrições sistemáticas foram empreendidas
na cidade de Alexandria (Egito), que era o mais importante centro de cultura grega no século
III a.C., tendo como rei Alexandre, “O Grande”. Ao longo de suas trilhas e conquistas, o rei
fundou diversas cidades. Após sua morte, seu império foi dividido entre seus generais. A
língua grega tinha se tornado o idioma internacional dentro do grande império formado pelas
grandes conquistas do rei Alexandre. Assim, surgiu a necessidade de normatizar a língua e
por isso foi criado um padrão uniforme que se erguesse acima das diferenças regionais e
sociais para se transformar num instrumento de unificação política e cultural. A tarefa de
construir uma norma unificada ficou a encargo dos filólogos. Estes escolheram para compor a
norma culta as variedades usadas pela classe dominante.
Data desse período a gramática tradicional, - um conjunto de noções acerca da língua e
da linguagem que representou o início dos estudos lingüísticos no ocidente. Portanto, estamos
falando de algo que foi estabelecido há mais de 2000 anos e que até hoje continua defendido,
ou seja, diante de tantas mudanças em todas as áreas, dos avanços das ciências, das
tecnologias, e da educação, ainda permanece a defesa de uma gramática estabelecida há mais
de dois mil anos.
No Brasil, não foi diferente do restante do mundo. O processo de implantação de uma
norma padrão, “modelo”, sempre esteve associado a projetos políticos de nação do século
XIX para servir, como de fato vem servindo até hoje ao interesse de uma minoria que
constitui a classe dominante, como ressalta Faraco (2008, p. 147)

Em geral a fixação de certo padrão responde a um projeto político que visa impor
uma certa uniformidade onde a heterogeneidade é sentida como negativa (como
“ameaçadora de uma certa ordem”). Foi esse o caso do Brasil no século XIX em
que certa elite letrada, diante das variedades populares (em particular do que se veio
chamar pejorativamente de ‘pretoguês’)e face a um complexo jogo ideológico (em
boa parte assentado em seu projeto de construir um país branco e europeizado)
trabalhou pela fixação de uma norma padrão.

Para compreendermos a sociolingüística, e como ocorre o fenômeno da variação
lingüística, precisamos definir língua e linguagem e a partir daí entendermos como elas
funcionam de forma efetiva.
Labov (1983, p. 235) diz que linguagem é uma forma de comportamento social, usada
por seres humanos num contexto social, para comunicar suas necessidades, idéias, emoções
uns aos outros. Para Labov (2008, p. 302, apud Whitney, 1901, p. 401 - 404),

A fala não é uma posse pessoal, mas social; ela pertence, não ao individuo, mas ao
membro da sociedade [...]. O homem fala, portanto, primordialmente não com o
intuito de pensar, mas de transmitir seu pensamento. Suas necessidades sociais,
seus instintos sociais, forçam-no à expressão.

A língua é um bem social. É uma atividade cujas normas envolvem os mecanismos de
autorregulação dos indivíduos e dos grupos em suas dinâmicas históricas de interação entre si
e com a realidade. Neste sentido, podemos dizer que a língua é um conjunto de símbolos que
os membros de um determinado grupo social usam para se comunicar e interagir.
A linguagem é o fato social por excelência, resulta dos contatos sociais. Ela tornou-se
um dos vínculos mais fortes que une as sociedades e deve seu desenvolvimento à existência
de grupo social. (LABOV 2008, P.304, apud VENDRYES, 1951, p.11). Neste sentido, língua
é a parte social da linguagem, ela não existe fora de um tipo de contrato estabelecido entre os
membros de uma comunidade.

Pelo fato de ser a língua uma instituição social resulta que a lingüística é uma ciência
social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta das mudanças
lingüísticas é a mudança social, da qual as variações da língua são apenas as conseqüências
(LABOV, 2008, p. 304, apud MEILLET, 1921, p.16-17). Dessa forma é de grande relevância
que ao estudarmos a língua, consideremos sua realização, através do uso feito por seres
humanos, que como tais, usam de forma diferente, em diferentes contextos e ocasiões,
mudando também de acordo com as características próprias de cada sujeito. Diante do
exposto, se faz necessário, portanto, compreendermos como se dá esse uso diferenciado da
língua, e para tanto precisamos responder aos seguintes questionamentos: o que é variação
lingüística? O que são variedades? O que são variantes? O que são variáveis? Como podemos
descrevê-las? Quando e onde elas aparecem? Por que elas aparecem? o que é norma? o que é
norma culta, padrão e popular? O que são vernáculos?

1.1.2 – VARIAÇÃO LINGUISTICA

A língua é um sistema que nunca está pronto. Ela se renova, muda, se reestrutura, uma
vez

que

todo

e

qualquer

indivíduo

varia

sua

maneira de usá-la. Então, a língua humana apresenta variação que ocorre em todos os níveis
da língua. Essa variação, pode ser de ordem morfossintática, sintática, fonético-fonológica,
semântica, lexical, estilístico- pragmática (BAGNO 2007).
A fonética-fonológica vai indicar a variação no ato da pronúncia, ou seja, são as
formas diferentes de pronunciar uma mesma letra, sílaba ou palavra;
A morfológica indica que na língua, o sujeito pode escolher palavras que indiquem a
mesma idéia, modificando apenas seu sufixo;

Na variação sintática, o sujeito pode organizar os elementos do texto de maneiras
diferentes sem prejudicar o sentido geral;
Na variação semântica um sujeito pode usar uma palavra com diversos significados, e
isso sofre influência principalmente da origem regional do falante;
A variação lexical ocorre quando o sujeito tem um vasto leque de opções para se
referir à mesma coisa;
Na variação estilístico-pragmática os enunciados correspondem a diferentes situações
de interação social, ou seja, o sujeito monitora sua fala, adequando-se à situação, e
nesse sentido ele vai se expressar com mais ou menos intimidade dependendo do grau
de familiaridade que ele tiver com o contexto.
São variações presentes nos discursos orais dos alunos da EJA, pois suas experiências
de mundo que os fazem sujeitos culturais, os habilitam também a usar uma variedade em
detrimento da outra, modificar os sufixos de alguma palavra por não habilidade com aquela
forma, usar uma variedade por ter sido influenciado pela escrita, mesmo sem saber pronunciála com exatidão e pode reconhecer o seu significado.
Os alunos jovens e adultos chegam a essas fases de suas vidas inseridos numa
sociedade em que passam todo o tempo interagindo com outras pessoas como uma forma de
sobrevivência e convívio social. Nessa convivência com os seus pares, com os patrões, com
seus familiares, vizinhos, ou seja, dentro de uma rede social, o sujeito amplia seu léxico que
faz com que sua oralidade varie, estilístico pragmaticamente, ou seja, os alunos da turma de
EJA são capazes de modificar a sua fala em situações diferentes de interação. As mudanças na
interação, que são definidas pelo ambiente, pelo interlocutor, assim como por outros fatores
levam os alunos da EJA a monitorar suas falas, determinando a forma como se referir à
diretora da escola, ou de como se dirigir à professora e aos colegas, que por sua vez será
diferente da forma como se dirige ao chefe, à esposa, aos filhos, etc.

Todas as línguas variam e isso implica dizer que não há uma única sociedade ou
comunidade na qual todos os sujeitos falem da mesma forma. E não é diferente no Brasil, pelo
contrário, pela dimensão que tem nosso País, a variação linguística se constitui em um fato
natural e inevitável, graças à heterogeneidade social e aos diferentes graus de contato
intergrupal das diversas comunidades aqui existentes. Esses fatores que constituem a variação
são chamados fatores extralingüísticos que podem ser definidos como: origem geográfica,
fatores socioeconômicos, grau de escolarização, idade, sexo, mercado de trabalho e redes
sociais (BAGNO, 2007, p. 43-44).
A variação de origem geográfica mostra que a língua varia de um lugar para o outro.
Isso é constatado ao observamos o uso das línguas nas diversas regiões brasileiras e até
mesmo dentro de um mesmo estado, como os que moram na capital do estado e os que moram
no sertão ou agreste alagoano já apresentam variação;
Os de EJA, mesmo os que residem nas capitais tem origem geográfica nos municípios
do interior dos Estados. Isso faz com que muitos deles preservem seus antecedentes culturais,
principalmente no seu repertório lingüístico. Esses alunos são pessoas que passaram boa parte
de suas vidas sem acesso a educação formal, ocupando as zonas rurais ou as periferias das
grandes cidades, são sujeitos que tem uma renda financeira baixa e convive a maior parte do
tempo com pessoas do mesmo nível social. São falantes que usam a língua diferente das
pessoas que têm um status econômico mais elevado, com um maior contato com as práticas
de leitura e escrita, que têm, portanto, um nível de escolaridade mais elevado. Fatores, como
estes, fazem com que pessoas de diferentes classes sociais, de regiões geograficamente
distintas, defiram também no uso que faz da língua, que, além disso, ainda diferem de acordo
com as faixas etárias de seus falantes.
Não é difícil encontrarmos jovens e adultos falando diferente nas turmas de EJA, já
que é um espaço onde se encontram os sujeitos com no mínimo 15 anos. É comum

encontrarmos gerações diferentes dividindo o mesmo espaço, e com isso observamos
diferentes usos da língua, que apresenta variações quando falada por pessoas jovens, adultas
ou idosas.
O status socioeconômico revela que as pessoas de um nível de renda muito baixo
falam diferente daquelas pessoas que possuem um nível mais elevado;
Em relação ao grau de escolarização, não há dúvida que aquele sujeito que frequenta a
escola por um período de tempo longo, fala diferente daquele que nunca a frequentou
ou que nela permaneceu pouco tempo.
O fator idade é outro que mostra que a variação é muita influenciada por ele, e isso
constatamos na medida que vemos os adolescentes e os jovens falarem diferente dos
adultos, que por sua vez fala diferente dos idosos. Ou seja, pessoas de gerações
diferentes tendem a falar de forma diferente.
Em relação ao sexo, homens e mulheres usam de forma diferente a língua no momento
de interação; a mulher se monitora mais ao se comunicar, buscando usar na maioria
das vezes, a norma padrão, assim como há uma presença maior de “palavrões” ditos
por sujeitos do sexo masculino e uma tendência maior de palavras usadas no
diminutivo por pessoas do sexo feminino.
O mercado de trabalho influencia de forma significativa a forma como as pessoas
falam, isso nos faz perceber na fala de um advogado e do jogador de futebol, não se
referindo, portanto à remuneração, mas à profissão; um juiz fala diferente de
fazendeiro, e etc.
Outro fato que notamos entre os alunos da EJA em relação à variação lingüística, além
de todos os que já citamos, é em relação ao mercado de trabalho, ou seja, a profissão ou a
ocupação em que atuam influencia o comportamento lingüístico do falante, isso faz com que,
mesmo pessoas que fazem parte da mesma rede social, como é a realidade da maioria dos

alunos da EJA, tenha um repertório lingüístico diferente dos outros membros, como por
exemplo, uma empregada doméstica que trabalha em uma residência, convivendo com
pessoas de outro nível social, convivendo com práticas de leitura e escrita que a profissão
requer, através dos mais diversos gêneros textuais, tende a ter um comportamento lingüístico
diferente de um pedreiro que passa no mínimo oito horas de trabalhos com seus colegas,
numa ação que exige pouco ou nenhum uso da leitura e da escrita, assim como raros
momentos de interação com pessoas com outros níveis sociais e econômicos e com
escolaridade elevada.
A rede social constata que as pessoas tendem a adotar um comportamento semelhante
aos das pessoas com quem convivem, dentre eles o comportamento lingüístico. Isso
faz com que pessoas de uma mesma família, convivendo diariamente tenham
comportamentos lingüísticos diferentes se estes passarem a maior parte de seu tempo
num ambiente extra familiar, por exemplo.
Segundo Bagno ( 2007, p. 45) “não existe falante de um estilo único. Todo e qualquer
indivíduo varia a sua maneira de falar, monitora mais ou menos seu comportamento verbal”.
Ele diz também que a variação pode ser classificada em diastrática, diamésica, diatópica,
diáfasica, diacrônica.
Na diatópica, se verifica que há diferenças no modo de falar de lugares diferentes,
como as grandes regiões, os diferentes estados, a zona urbana e a zona rural etc.
Na diastrática, se verifica falares diferentes em classes sociais diferentes.
A diamésica mostra que há diferenças nas formas escritas e faladas de uma mesma
língua;
Na diafásica percebemos a variação estilística, ou seja, o uso diferenciado que cada
indivíduo faz da língua dependendo de onde, quando e com quem interage.

Na variação diacrônica, percebemos que há língua que vem se modificando ao longo
da história da humanidade.
Em todas essas variações percebemos que os alunos da EJA se situam, quer seja
porque falam diferente devido à região onde moram, à rede social de que faz parte, quer seja
porque escrevem da forma como falam, mesmo tentando adequar a escrita a formas próprias
dessa modalidade, obedecendo a regras próprias nem sempre conseguindo. Entretanto, é na
diafásica que freqüentemente observamos os sujeitos alunos da EJA quando se monitoram ao
usar a língua, adequando a fala às diferentes situações, dependendo da situação e de seu
interlocutor, “identificar e aprender as formas de participação social aceitáveis nesse domínio
é tarefa fundamental para interagir nesse ambiente e obter sucesso”(JUNG, 2007, P.88)

1.1.3 – As Variedades Linguísticas

Após compreendermos o que é variação lingüística, o próximo passo é sabermos o que
são variedades lingüísticas. Bagno (2007, p. 47) diz que a variedade é um dos muitos modos
de falar uma língua, e que toda língua é um feixe de variedades, sendo que cada variedade
lingüística tem uma lógica de funcionamento, obedecendo a regras gramaticais que podem ser
descritas e explicadas, como:
Dialeto: modo característico do uso da língua, num determinado lugar, país, região,
estado, cidade...
Socioleto: designa variedade lingüística própria de um grupo de falantes que
compartilham as mesmas características socioculturais;
Cronoleto: se refere às variedades próprias de determinadas faixas etárias, de geração
de falantes;

Idioleto: está relacionado ao modo de falar característico de um indivíduo, suas
preferências vocabulares, seu modo próprio de pronunciar as palavras, de construir a
sentença. Está ligado à variação lexical.
O fato de haver variação na língua materna não significa dizer que tudo na língua
varia, pois existem regras categóricas que fazem parte do repertório de todo falante

A pronúncia da consoante /f/ por exemplo, não apresenta (pelo menos que eu
saiba até agora)diferenças nas múltiplas variedades regionais, sociais etc. O
mesmo já não vale para a consoante /s/ que, pode ser pronunciada como um
som de sibilante surdo [s] ou sonoro [z]ou também como um som chiante
surdo [‫ ]ﻠ‬ou sonoro [ ] dependente de contextos fonéticos e das variedades
regionais. (BAGNO, 2007, P. 49)

Portanto, sendo as regras que não variam chamadas categóricas, as que variam são
chamadas variáveis.

1.1.4 - As Regras Variáveis e as Variantes

Segundo Mollica (2003), todas as línguas possuem um dinamismo inerente que as
tornam heterogêneas. Esta heterogeneidade se constitui num fenômeno universal e pressupõe
a existência de formas lingüísticas alternativas denominadas variantes. Tais formas
alternativas configuram outro fenômeno, denominado variável. É variável uma vez que tem
diversas formas de se realizar.
Regras variáveis são os elementos da língua que se realizam de maneira diferente, ou
seja, são duas ou mais formas distintas de dizer a mesma coisa. Cada uma dessas possíveis
variações é chamada de variante, que como nos diz Bagno (2007, p. 50)

variante é cada uma das formas diferentes de se dizer a mesma coisa. Isto é, a
variável /r/, no português brasileiro, em final de palavra como cantar, amor, fazer,
pode apresentar as seguintes variantes: (1) [r] – vibrante simples; (2) [R] – vibrante
múltipla; (3) [ г] – retroflexa (“R”) caipira; (4) [h]- aspirada; (5) [ө] – zero (cantá,
amô), entre outras.

As variantes são as diversas formas alternativas que configuram um fenômeno
variável. Elas podem ser de prestigio ou estigmatizadas. Segundo Monteiro (2000, p.64), uma
variante adquire prestígio se for associada a um falante ou grupo social de status superior.
Labov (apud Monteiro, 2000, p.65) diz que

a variedade das classes dominadas tende a se desestruturar, quando em contato com
a variedade da classe dominante, gerando inúmeros sentimentos de culpabilidade
ou de inferioridade lingüística, que levam muitos a se envergonharem de suas
próprias variedades.

As variantes ditas de prestígio são as que compõem a gramática normativa e por isso
tudo o que não consta nessa gramática é tido como variantes estigmatizadas. Em relação a
isso, Monteiro (op. cit, p. 65) diz que

Um dos preconceitos mais fortes numa sociedade de classe é o que se instaura nos
usos da linguagem. Se o falante é um camponês ou mora numa favela, se é
analfabeto ou de baixo nível de escolaridade, é lógico que sua maneira de falar não
será a mesma que a das pessoas que se situam no ápice da pirâmide social. Em
todos os níveis lingüísticos se manifesta essa distância: na fonologia, na sintaxe, no
léxico. Ele provavelmente usará forma como: vrido, pranta, expilicar, musga ou
construções do tipo nós veve, ele viu eu, eu se danei etc. E, com isso é mais
discriminado ainda pela sociedade.( MONTEIRO, OP. CIT, P. 65)

As variáveis lingüísticas podem ser dependentes, quando o emprego das variantes é
influenciado por um grupo de fatores de natureza social ou estrutural, ou independentes,
podendo ser de natureza interna ou externa à língua e podem exercer pressão sobre os usos,

aumentando ou diminuindo sua freqüência de ocorrência, como o caso dos gêneros: homens
falam diferente das mulheres.
As variantes internas correspondem aos níveis: fonético, fonológico, morfológico,
sintático e semântico. Enquanto as variantes externas operam num conjunto complexo de
correlações que sofrem efeitos de agentes externos, como o gênero sexo, a escolaridade, a
idade, classe social, etc.

1.2 – Norma: o que é?

Segundo o dicionário de Língua Portuguesa Aurélio Buarque, norma é aquilo que se
adota como base, ou medida para a realização ou avaliação de algo. Norma é princípio, é
regra, é modelo é padrão. Para Faraco (2008, p. 37) norma é um

determinado conjunto de fenômenos lingüísticos (fonológicos, morfológicos,
sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros, habituais numa dada
comunidade de fala. Norma neste sentido se identifica como normalidade, ou seja,
com o que é corriqueiro, usual, habitual, recorrente (“normal”) numa certa
comunidade de fala.

Faraco (2008), portanto, não vê a norma como padrão ou modelo, como o que está
posto no dicionário, mas sim algo que é normal, corriqueiro, usual que pode mudar de acordo
com os fenômenos de variações. Mas nesse sentido, o que é portanto, norma culta, padrão ou
popular?
Faraco (2008) defende também que toda norma lingüística tem uma organização
estrutural e é seguida por todos os usuários dessa língua, o que implica dizer que nenhum
falante da língua materna “erra” ao usar a língua, pois todos seguem algumas normas. Apesar

de haver diferenças entre os falantes quanto ao domínio das muitas normas sociais, não há
falante que fale sem o domínio de alguma norma.
Em relação ao conceito de norma, Antunes (2007), semelhante a Faraco, defende que
tanto tem a norma no sentido amplo, como regularidade, assim como tem a norma no sentido
restrito, como prescrição

No primeiro sentido, é norma aquilo que corresponde ao regular, ao usual, ao que
mais freqüentemente as pessoas usam. Por esse prisma, o conceito norma
lingüística implica o conceito de normalidade, e não o caráter de certo ou errado. é
da norma, portanto, o que entra na preferência das pessoas. Daí que cada grupo, ou
cada região têm sua norma, seus usos preferenciais e são por eles identificados. No
sentido mais restrito, o termo norma lingüística implica o conceito de
normatividade, de prescrição, isto é, do uso como deve ser segundo um parâmetro
legitimado, em geral, pelos grupos mais escolarizados e com maior vivência e, em
torno da comunicação escrita. (ANTUNES, op. cit, p. 56)

Essas normas são classificadas como:
Norma Padrão – é a norma dos prescritivistas, ligada à tradição gramatical normativa,
que tenta preservar um modelo de língua ideal, inspirado na grande literatura do passado. É
uma norma concebida, pensada, prevista e proposta como a norma representativa dos usos da
língua considerados cultos. É segundo Antunes (2007, p. 92) uma idealização, no sentido
próprio do termo. É abstrata, e se distancia do que de fato é real e comprovável nos usos do
dia-a-dia.
Norma Culta – refere-se à linguagem concretamente empregada pelos cidadãos que
pertencem aos segmentos mais favorecidos da nossa população. Segundo o NURC (Norma
Urbana Culta), os falantes são definidos cultos por dois critérios: escolaridade superior
completa e antecedentes biográficos culturais urbanos (BAGNO, 2003);
Antunes (op. cit, p. 87) aborda esse tema, definindo a norma culta, segundo a
compreensão tradicionalmente veiculada pela escola como

àquele falar tido como “modelar”, como “correto”, segundo as regras estipuladas nas
gramáticas normativas. Constitui, portanto, a representação do que seria o falar
exemplar – aquele “sem erros” – por isso mesmo, o mais prestigiado socialmente.
(ANTUNES, 2007).

Ainda em relação à norma culta, Faraco (2002, p. 40, apud Antunes, 2007, p.88),
define-a como:

norma lingüística praticada em determinadas situações (aquela que exige certo grau
de formalidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com a
cultura escrita, em especial aquela legitimada historicamente pelos grupos que
controlam o poder social.

Norma Popular – refere-se às variedades lingüísticas relacionadas aos falantes sem
escolaridade superior completa, com pouca ou nenhuma escolarização, moradores de zona
rural ou periferias empobrecidas das grandes cidades (BAGNO, 2003).

1.4 - Língua materna e educação formal - símbolo e preconceitos

Conforme já vimos o que é língua, o que é norma e entendemos o que é e como ocorre
a variação em toda língua, compreendemos que onde há variação existe também avaliação, e
onde há avaliação existe também julgamento, que no caso da língua leva muitas vezes a
preconceitos lingüísticos. E assim, é nossa intenção agora analisar e conhecer como essa
avaliação está sendo realizada na instituição escolar.
Segundo Bagno (2007), a gramática tradicional se constitui com base em preconceitos
sociais. O fato de uma minoria ter acesso a essa gramática, sendo ela considerada exemplar,
faz com que todos aqueles que não dominam a norma culta sejam mal vistos, e em nosso caso,

são milhares de brasileiros e brasileiras, de todas as idades, acusados de falar “errado” a
Língua Portuguesa.
Para Scherre (2005, p.129), a discriminação ocorre quando um falante brasileiro não
faz todas as concordâncias, considera-se que ele está falando errado, que não sabe português
e, por consequência não sabe pensar. Esse equívoco acontece porque a Língua materna é
comparada à gramática normativa. Esta sim é ensinada, aquela é adquirida no convívio com a
sociedade, sem ensino formal, sem a presença da escola. E a língua materna de uma
comunidade é, de acordo com Scherre (2005, p.138), seu legado maior, tenha ou não
prestígio, e tem de ser respeitada porque faz parte de sua comunidade.
Assim, se faz necessário combater a discriminação lingüística em função do uso da
língua, pois a noção de erro varia e flutua de acordo com quem usa e contra quem. Quanto
menos prestigiado sociamente é o indivíduo, quanto mais baixo ele estiver na pirâmide social,
mais erros os membros da classe privilegiada encontram na língua dele (BAGNO, 2003, P. 28).
A forma como nossa sociedade está organizada, com uma presente estratificação
social, resultante da secular desigualdade na distribuição de renda e bens culturais, dentre eles
a escolarização, contribuem de forma determinante para que a avaliação seja positiva ou
negativa, quando o assunto é variação, sendo que essa avaliação é essencialmente social

Nossa sociedade é profundamente hierarquizada e, em conseqüência disso, todos os
valores culturais e bens simbólicos que nela circulam também estão dispostos em
escalas hierárquicas, que vão do “bom” ao “ruim”, do “certo” ao “errado”, do
“feio” ao “bonito”etc. É entre esses valores culturais e bens simbólicos que está a
língua, certamente o mais importante deles (BAGNO, 2007, P. 79).

A escola é espaço de encontro entre os saberes erudito, científico e o senso comum.
Esse encontro deve servir como um momento propício de formação da cidadania do sujeito,
que deve compreender as diferenças, considerando que o fato de uma norma ter sido eleita a
forma correta de falar, tudo que difere daquela não deve ser necessariamente errado, que nem

sempre deve haver algo melhor ou pior. É preciso que os alunos compreendam que a língua é
dinâmica, viva e por isso, passível de mutação, o que significa dizer que há diferentes formas
de usá-la, sendo esse o fenômeno da variação, em que não há variedades superiores ou
inferiores, apenas diferentes.
Nesse sentido, o ensino da Língua Materna na escola deve acontecer por meio de uma
reeducação sociolinguística, através da qual alunos e alunas possam construir consciência da
complexidade da dinâmica social, e assim tornarem-se conscientes das múltiplas escalas de
valores que são empregadas a todo momento nas relações entre as pessoas através da
linguagem. No estudo da dinâmica complexa da sociedade, o aluno e a aluna vão
compreender também que a língua, além de ser um meio de comunicação, é também um meio
poderoso de controle social, visto que ela é utilizada ora para preservar, ora para romper
vínculos sociais; manter ou distorcer a identidade dos sujeitos, e também pode ser inclusiva e
excludente e pode promover a ascensão e a humilhação (BORTONI- RICARDO, 2005).
Com os alunos jovens e adultos essa reeducação pode acontecer à medida que forem
desenvolvidas atividades de linguagem em que o aluno perceba que existem diferentes formas
de falar, e que o uso que se faz dela depende do contexto em que o falante encontra-se, sua
ocupação profissional, nível de escolaridade ou nível social. Assim, o que eles falam não é
errado ou ruim, é apenas diferente.
É devido a esses fatores que a escola não pode ignorar as diferenças sociolingüísticas
de seus alunos. Por isso, é preciso que seja desenvolvida uma educação linguística no sentido
de que professores e professoras, alunos e alunas tenham consciência de que há diferentes
formas de se dizer a mesma coisa, sendo que as variedades utilizadas servem a propósitos
comunicativos diferentes, assim como são recebidas de maneira distinta pela sociedade.
(BORTONI- RICARDO, 2005).

Ao chegar a essa compreensão, faz-se necessário trabalhar as variedades da língua
materna, enfocando a norma padrão e a norma popular, situando o impacto que o uso de uma
ou da outra causa à sociedade, enfatizando, no entanto que isso depende de quem fala, com
quem fala, onde fala e quando fala. Neste sentido, o aluno vai perceber que todos nós temos
um repertório linguístico e este pode ser utilizado de acordo com a necessidade da situação e
para tanto temos que ter um monitoramento estilístico que irá sinalizar o que devemos falar e
quando devemos falar. Em relação a isso, Faraco (2008, p. 168) expõe que

[...] Os falantes não são monoestilísticos, mas alteram a forma de sua expressão,
adaptando-as às circunstâncias. [...] os falantes variam sistemática ( e não
aleatoriamente) sua expressão e tomam como baliza não um padrão absoluto de
correção, mas critérios de adequação às circunstâncias. Neste sentido, os
fenômenos lingüísticos não são relativos, mas relativos às circunstâncias.

Isso significa dizer que o falante da língua materna adéqua sua forma de falar à
situação, à ocasião, ou seja, depende do contexto, do seu interlocutor e da situação. O falante,
de acordo com Faraco (2008, p.168) é um ente multiestilístico (ele mesmo, portanto
linguisticamente heterogêneo) que adapta sua fala às circunstâncias.
Para que a educação aconteça dessa forma, é preciso que a escola respeite os
antecedentes culturais e linguísticos dos alunos, a fim de desenvolver nesses alunos segurança
ao se apropriar de outras variedades da língua materna. Dessa forma, o aluno não vai ter
desprestigiada sua língua, se esta for composta por variantes que não estão na norma padrão;
eles irão compreender que existem outras maneiras de se dizer a mesma coisa. Nesse
contexto, se faz necessário ensinar gramática, como diz Bagno (2007, p.69-70)

É ou não é para ensinar gramática? A resposta é: se for para ensinar gramática
como mera repetição da doutrina tradicional, anacrônica e encharcada de
preconceitos sociais, definitivamente não é para ensinar gramática. Mas se por
gramática entendermos o estudo sem preconceitos do funcionamento da língua, do
modo como todo ser humano é capaz de produzir linguagem e interagir socialmente
através dela, por meio de textos falados e escritos, portadores de um discurso, então
definitivamente é para ensinar gramática, sim.

Percebemos, portanto que, havendo interação em sala de aula, é possível que haja
ratificação, tratando o aluno como um falante competente, e por isso deve ser ouvido com
atenção, tendo suas contribuições aceitas e aproveitadas durante as aulas. Há de se considerar
também que no ambiente escolar, a maioria dos eventos em sala de aula são artificiais. A esse
respeito, Bagno (2003, p.47) nos diz que

O objetivo tradicional na escola brasileira sempre foi transmitir aos alunos uma
língua digna deste nome, uma norma padrão que é identificada como Português.
Para alcançar esse objetivo, a escola sempre se guiou pela idéia de que para alguém
falar e escrever bem era necessário, previamente adquirir um saber gramatical, um
conhecimento integral dos mecanismos de funcionamento da língua, tal como
codificados na gramática normativa[...] a verdade dos fatos está portanto na
inversão exata do mito: é preciso saber falar, ler e escrever bem para estudar
gramática.

No processo de reflexão, alunos e professores devem compreender que a língua é mais
do que um meio de comunicação, ela é lugar e meio de conflito, uma vez que a sociedade em
que vivemos enquanto falantes da língua, é conflituosa, e para que os alunos e as alunas
possam de fato atuar, interagir e compreender o que acontece em nossa sociedade, a escola
precisa garantir o acesso dos alunos à norma culta, ampliando seu repertório linguístico.
E neste sentido que Soares (1986, p.78) defende

um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades
sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a
sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de
prestigio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a
dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e
discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação
política e a luta contra as desigualdades sociais.

Apesar de ser a variação um fenômeno natural, não podemos dizer que se ensine tudo e
mantenha a fala exclusivamente que o aluno já traz de sua vivência. A escola é o lugar do

saber científico, do conhecimento sistematizado, e não deve ser diferente com o ensino da
língua. Para isso, o aluno deve ter conhecimento da existência da variação, para que então ele
compreenda que há uma ou mais formas de dizer a mesma coisa e isto está ligado a diversos
fatores de ordem cultural, social e natural, como já dissemos antes, a fatores externos e
internos.
E neste sentido Antunes (2007, p. 101) insiste numa questão central:

A de providenciar para o aluno a oportunidade de acesso ao padrão valorizado da
língua. Longe de qualquer teoria linguística a orientação de negar a todos os
falantes esse acesso. O problema é discernir sobre o que faz parte desse padrão e
adotar uma visão não purista, de flexibilidade, de abertura, para incorporar as
alterações que vão surgindo; o problema é ainda não julgar essas mudanças como
simplesmente prova de decadência da língua e, assim não subestimar ou
ridicularizar aqueles que fogem a esse padrão socialmente prestigiado.

Também é papel da escola desenvolver meios que possam possibilitar aos alunos e às
alunas a construção de uma consciência crítica para que os mesmos possam compreender que
a norma padrão e a norma popular não são fenômenos naturais assim como o anoitecer e o
amanhecer, e sim, são fenômenos exclusivamente políticos e ideológicos, pois conforme já
vimos na origem da norma padrão, quem está no poder impõe seu modo de falar a todos os
demais falantes. Nesse sentido é que foi realizada uma seleção de variedades para compor a
norma padrão. Como? Bagno (2007, p.89) reponde, dizendo que

O mais comum é que essa escolha recaísse sobre as variedades lingüísticas do
centro do poder, da zona geográfica mais fluente, mais rica economicamente. [...]
nenhuma dessas variedades foi escolhida por ser mais bonita, mas lógica, mais
exata, mas elegante, mais refinada que as outras. A escolha se fez por critérios
exclusivamente políticos e ideológicos. (BAGNO, 2007, p.89)

Percebemos essa situação no Brasil, que por ser um país de grandes extensões e fortes
desigualdades sociais causadas pela má distribuição de renda, constantemente presenciamos

cenas de preconceitos sociais e linguísticos que variam de acordo com a classe social à qual o
sujeito pertence, assim como referente à região geográfica em que ele habita, isto é,
frequentemente ouvimos falar que os nordestinos não sabem “falar”, só se fala “certo” na
região sul e sudeste.
As variedades presentes na fala do nordestino são motivos de comentários cômicos em
programas de TV, produzidos, principalmente na região sudeste. Além disso, o nordestino
também aparece em forma de personagens em programas humorísticos, ou fazendo papel de
subalterno nas novelas, sempre tendo enfatizado seu dialeto, idioleto e socioleto. Por que isso
acontece? Porque a região nordeste é a mais pobre do país, onde concentra o maior número de
analfabetos do País. No entanto, os sulistas e sudestinos não usam somente variedades da
norma padrão, e, no entanto o uso que eles fazem da língua não é objeto de avaliação e
comédia. E nesse sentido Bagno (2007, p. 112) nos diz que “há erros mais ‘errados’ do que
outros”.
Diante de toda essa realidade, professores e professoras precisam compreender que é
na escola que devemos aproveitar o tempo e o espaço pedagógico para transformá-lo num
ambiente de combate ao preconceito lingüístico e a toda forma de preconceitos sociais. Para
tanto, devemos estar conscientes de que precisamos ensinar um padrão comum, por ser ele a
língua oficial do País, na qual são redigidos os documentos, as leis, assim como são
elaborados os discursos que uma minoria utiliza para uma maioria. Assim, ao se conhecer as
diversas formas de se pronunciar a mesma palavra, os alunos compreenderão melhor o uso da
língua, tendo se apropriado tanto da norma padrão, como da norma popular.
Esse contato na escola com as diferentes variedades lingüísticas é necessário, já que
fora dela convivemos com os diferentes usos da língua, pelo fato de que a língua é viva, isso
faz com que ela hoje seja diferente do que foi ontem e por isso não será a mesma amanhã.
Essa dinâmica é inevitável, visto que a língua é uso do código pelos seres humanos e,

portanto, enquanto houver esse uso, ela vai variar, pois todas as instituições próprias dos seres
humanos sofrem modificações.
Portanto, as variações existem. Elas se concretizam nas variedades utilizadas por todos
nós diariamente, quer na fala, quer na escrita, pois “a escrita é tão heterogênea quanto a fala e
isso fica bem claro quando analisamos os gêneros escritos, em busca de mudanças
linguísticas” (BAGNO, 2007, p. 184). Por isso a escola tem um importante papel nesse
sentido, devendo ser meta dela fazer com que os alunos se apropriem com competência das
habilidades de leitura e escrita, para que possam atuar na sociedade atual que requer essas
habilidades de leitores e escritores para que sejam ativos nessa sociedade grafocêntrica.
Essas habilidades ganham grande relevância pelo fato de haver no país um sistema
ortográfico oficial, organizado na norma padrão o que torna a escrita monitorada, redigida
nessa norma, digna de prestígio social. No entanto, mais importante do que ensinar a redigir
na norma padrão, é ensiná-lo a se expressar bem, seja oralmente e ou através da escrita,
considerando aqui o fato de conseguir expor o que pensa de forma clara e coerente, com
responsabilidade e segurança no que está dizendo e fazendo. Para isso, o primeiro passo deve
ser o incentivo à produção textual, para só depois a monitoração, pois como defende BortoniRicardo (2006 p. 75) “ao chegar à escola, a criança, o jovem e o adulto já são usuários
competentes de sua língua materna, mas têm de ampliar a gama de seus recursos
comunicativos para poder atender às convenções sociais”.
Dessa forma, a escola não vai ensinar o aluno ou a aluna a falar a língua materna, uma
vez que eles já chegam à escola falantes competentes, pois trazem consigo um repertório
lingüístico que adquiriram no lar, com a família, com os amigos, na igreja, no trabalho, enfim,
nos mais diversos segmentos de que o sujeito faz parte antes de ir à escola, principalmente
quando estes são alunos da educação de jovens e adultos.

É nessa realidade que cabe à escola desenvolver uma pedagogia culturalmente
sensível, que segundo Bortoni-Ricardo (2001, p.38)

Uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta às
diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e mostra ao professor
como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas
diferenças.

Percebemos e enfatizamos, portanto que a norma culta deve estar presente, sem dúvida
nos currículos escolares, uma vez que esta é um padrão que deve ser seguido, sobretudo na
escrita, para que esta possa ser universal e padronizada. No entanto, o trabalho deve ser de
conscientização, fazendo com que o aluno compreenda que deve monitorar sua fala, para
adequá-la às diversas situações, ou seja, ele será um “poliglota” dentro de sua língua materna.
Logo, os alunos da EJA, por exemplo, vão entender que a forma de falar em casa, com a
família, vai ser diferente da forma como vão se dirigir ao chefe, ao colega de trabalho, da
mesma forma que o médico vai monitorar sua fala, e no momento em que for atender ao seu
paciente, vai ter consciência de que não poderá utilizar termos puramente científicos, a
conhecida ‘linguagem médica’, pois assim não será competente em sua comunicação
(DIONISIO, 2003).
Enfim, percebemos quanto é importante o papel da escola no trabalho de combate ao
preconceito lingüístico, principalmente porque ela deve desenvolver a pedagogia
culturalmente sensível defendida por Bortoni-Ricardo (2001), pois através dessa metodologia
de trabalho o aluno será reconhecido como um falante ativo da língua materna, e como tal é
capaz de produzir sentenças bem formadas, ou seja, é competente ao se comunicar, e isso
significa dizer que todo usuário da língua sabe o que falar e como falar com seus
interlocutores em qualquer situação, cabendo à escola ampliar seu repertório lingüístico.

Portanto, este capítulo apresentou uma revisão conceitual da variação lingüística,
perpassando pontos sobre as variedades de prestígio e as vernaculares, a discriminação
linguística e o ensino da língua materna na educação de jovens e adultos, onde refletimos
sobre o ensino da Língua Portuguesa nas escolas, e nos deu subsídios para desenvolvermos a
coleta de dados, cujo percurso está presente no próximo capítulo.

CAPÍTULO II

A PESQUISA: o percurso metodológico

Neste capítulo, situaremos o município de Pilar, cidade escolhida para realização desta
pesquisa, fazendo uma breve apresentação, situando-o geograficamente, ressaltando suas
características sociais, econômicas, culturais e educacionais, enfatizando a organização do
ensino, com destaque para a Educação de Jovens e Adultos. Caracterizamos, também, os
sujeitos alunos/as e professoras envolvidos nesta pesquisa, bem como apresentamos o
panorama da pesquisa, sobretudo, do processo pelo qual optamos por realizar este trabalho, os
caminhos percorridos até a coleta de dados, perpassando pela abordagem metodológica
utilizada para atingir os objetivos propostos, fator determinante para a realização dessa
pesquisa.

2.1 – O MUNICIPIO DE PILAR

O motivo pela escolha desse município se deu, primeiro por sermos natural dessa
cidade e por termos tido o apoio do município, enquanto professora da rede municipal para
desenvolver essa pesquisa, acreditando que daríamos um retorno qualitativo para a educação
de jovens e adultos no município. Outro motivo que nos despertou o interesse em realizar o
estudo no interior do estado, e por acreditarmos que as pesquisas na área educacional

precisam ser ampliadas para além da capital do Estado e agir sobre todos os municípios a fim
de contribuirmos para uma melhor qualidade na educação.
O município de Pilar está situado na zona da mata alagoana, distante 37 km de
Maceió. No ano de 1854, foi criada a freguesia do Pilar, que foi elevada à categoria de vila em
1857, pertencente ao município de Atalaia. Em 16 de março de 1872, a lei 624 garantiu
autonomia administrativa, se elevando à categoria de cidade. Atualmente, o município tem
uma população de 31.627 habitantes (IBGE, 2007) e apresenta uma densidade demográfica de
147,2 km2. Desse total, 15.601 são do sexo masculino e 16.026 são do sexo feminino. A
população urbana é maioria no município, chegando a 90,27%, ficando apenas 9,73% de
moradores habitando a zona rural. 37,10% da população acima de 15 anos são analfabetos.
A atividade econômica que predomina em Pilar é o extrativismo mineral, com a
extração de petróleo e o processamento de gás natural, seguida do setor público municipal que
é outra relevante agência de emprego, com um quadro de servidores que em sua maioria são
funcionários estatutários com nível superior, médio e fundamental. A Lagoa Manguaba
também é fonte importante de renda para uma parcela da população, os pescadores artesanais
do município. Há ainda o comércio, que também representa uma pequena parcela de geração
de emprego e renda no município, assim como o setor agrícola e agropecuário.
Ainda em relação à economia, segundo os dados da secretaria municipal de
Assistência Social, 30,69% das famílias pilarenses sobrevivem de “biscates”7 e apenas
19,30% exercem atividades assalariadas. As demais famílias sobrevivem de rendas de
aposentadorias e uma grande parcela encontra-se desempregada e atendida por programas
sociais do governo federal, como diz Carvalho (2008, p.81)

7

É entendido como atividades remuneradas eventuais, sem vínculo empregatício.

Nos municípios alagoanos, as transferências federais (incluindo o FPM, FUNDEB e
Bolsa Família) somadas aos programas do INSS, representam recursos que
movimentam as prefeituras e dinamizam a economia dessas localidades. Esses
recursos são complementados pelas transferências estaduais (principalmente a
quota-parte do ICMS) e pela receita própria do município.

Pilar é um desses municípios, sendo o décimo primeiro na ordem dos municípios com
maior finança. Está entre os onze que mais recebe verbas do governo federal, além de receber
uma quantia muito importante em royalt da Petrobrás, sendo esta o posto de emprego com
maior atuação na cidade, onde requer como escolaridade mínima de seus funcionários, o nível
fundamental (séries iniciais). A prefeitura, outro posto de emprego, exigiu no último
concurso, em 2004, que os candidatos a vagas de gari e serviços gerais fossem alfabetizados,
condição para responder a uma prova de raciocínio lógico, onde o fiscal da sala deveria ler a
prova para os candidatos e explicar o que deveriam fazer. Porém, no ato da inscrição, não
exigiu nenhum documento que comprovasse a condição de alfabetizado.
Os Indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007
mostram que a taxa de analfabetismo de jovens e adultos no país está em 10%. Na faixa etária
de 15 a 24 anos, o índice é de 2,2%; na de 25 anos ou mais, 12,5%. Apesar do alto índice de
analfabetismo nacional, Alagoas encontra-se acima desse índice, com 33% de analfabetos
acima de 15 anos, sendo que situação ainda mais critica é a do município de Pilar, que supera
esse índice, com uma taxa de 37% da população acima de 15 anos analfabeta, apesar de em
2007, o número de matrícula ter sido de 6.792 na educação básica, sendo que a rede municipal
matriculou no ensino fundamental 5.543 em dezoito escolas, sendo doze urbanas e seis rurais;
desse total, 615 alunos são da EJA, em oito escolas da zona urbana da cidade.
Essa realidade mostra que o atendimento a EJA ainda acontece de forma limitada,
considerando que o índice de analfabetismo no município e três vezes maior que a média

nacional, e maior que a média estadual. Logo, é notável a necessidade de ampliação do
atendimento a população jovem e adulta analfabeta, assim como é preciso garantir uma
educação de qualidade para todos os alunos de todas as idades.
Em relação ao atendimento à saúde, este é feito em quinze unidades do programa de
Saúde da Família (PSF), um hospital filantrópico, no qual são realizados internamentos de
casos simples, partos, intervenções cirúrgicas de pequeno e médio porte e um mini-hospital. A
cultura no município é representada por festas que ocorrem ao longo do ano, a exemplo da
tradicional Festa do Bagre, da festa da Padroeira, Nossa Senhora do Pilar e ainda a festa
junina “O casamento do matuto”. A cidade conta ainda com a Casa de Cultura Arthur Ramos,
que está situada na Casa do conceituado Pilarense Arthur Ramos.
Em relação ao meio ambiente, o município apresenta um quadro de riquezas naturais
representado pela Lagoa Manguaba e por alguns rios que nela deságuam, sendo o Rio Paraíba
seu principal afluente, além de uma reserva ecológica, na qual são preservadas algumas
espécies, em extinção, de nossa mata atlântica.

2.2 - EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PILAR

2.2.1 – Diagnóstico

Na cidade de Pilar, a Educação de Jovens e Adultos começou a delimitar seu lugar na
história da educação do município a partir do ano 2000, segundo os registros da Secretaria de
Educação Municipal. As ações para essa área sempre estiveram atreladas à trajetória da
educação de jovens e adultos no Brasil, acompanhando o desenvolvimento à nível nacional e
estadual, fazendo parcerias tanto com o governo federal como com o governo estadual.

É relevante situar a Educação de jovens e adultos na década de 2000, partindo do
âmbito nacional para o municipal, em nosso caso, o município de Pilar. A partir da década de
2000 algumas mudanças ocorreram nessa modalidade, como a homologação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos8, o lançamento pelo Ministério da
Educação da proposta curricular para o primeiro e o segundo segmentos da EJA, a inserção
parcial da EJA no Fundo Nacional de Educação Básica (FUNDEB), assim como vale destacar
que permaneceram velhas práticas que geram repetições de ações presentes desde a década de
1940, quando foi lançada a primeira campanha de Educação de adolescentes e adultos no
Brasil (CEAA), ou seja, estamos falando das inúmeras campanhas temporárias de
alfabetização, como o atual Brasil Alfabetizado.
A década de 2000 contou também com a não inserção da EJA no FUNDEF, o que fez
com que o governo federal criasse um fundo temporário de financiamento para essa
modalidade, que a princípio foi denominado Recomeço9, e depois foi substituído pelo
Fazendo Escola, que funcionava através da transferência de recursos do Governo Federal para
os municípios, calculada por aluno. Esses recursos deveriam ser gastos com material didático,
merenda e salário dos professores, pois estes não eram pagos com o FUNDEF, uma vez que
eram contratados e pagos com o dinheiro do fundo destinado para essa ação.
Essa situação mudou em Pilar, no ano 2006, quando a prefeitura resolveu não mais
renovar os contratos com os professores, e inserir professores do quadro na EJA, situação que
permanece atualmente, pois a partir de 2007 o FUNDEB, que substituiu o FUNDEF passou a
financiar parcialmente a educação de jovens e adultos. Nesse contexto, o município sempre
teve uma Educação de Jovens e Adultos federalizada, ou seja, suas iniciativas sempre
estiveram atreladas ao governo federal, ora fazendo parceria com o governo federal, a
exemplo da atual presença do Brasil Alfabetizado no município desde 2007, pois desde o
8

Parecer 11/2000 da CEB/CNE.
Programa lançado pelo Governo Federal na década de 90, como fundo de compensação pelo fato de a EJA ter sido excluída do FUNDEF.
No início da década de 2000 esse fundo foi substituído pelo Fazendo Escola, que era a transferência de um recurso para os municípios que
variava de acordo com o número de alunos, que vigorou até a inclusão da EJA no FUNDEB.
9

lançamento dessa campanha, em 2003 o programa esteve presente na cidade, em parceria com
o Estado, através do programa Alfabetizar é Preciso10.
Neste sentido, não podemos dizer que haja em Pilar uma política pública consolidada
que garanta a qualidade e continuidade da pós alfabetização dos alunos jovens e adultos. Essa
oferta sempre se deu financiada pelos projetos do governo federal, o que quer dizer que o
município possui uma EJA federalizada, fazendo com que atualmente o município apresente
um grande número de pessoas analfabetas acima de 15 anos, representando 37,1%, acima do
nível nacional, regional e estadual, conforme a tabela abaixo:
LOCALIDADE

Brasil
Nordeste
Alagoas
PILAR

POPULAÇÃO

Analfabetismo em Pilar
POPULAÇÃO ACIMA
DE 15 ANOS

169.799.170
47.741.711
2.822.621
31.201

121.011,000
32.767,000
1.832.390
20.315

ANALFABETISMO
ACIMA DOS 15 ANOS
(%)
10,0
19,9
29,5
37,1
Fontes: INEP e IBGE (2000 e 2008)

Os dados revelados colocam Pilar em uma das piores posições nas estatísticas
educacionais da região Nordeste e do país, sobretudo porque Alagoas já é um Estado que
detém um dos maiores índices de analfabetismo do Brasil, sendo que em Pilar, este índice
(37,1%) está três vezes acima da média nacional (10%), quase o dobro da média regional
(19,9) e maior que a média estadual (33,4%), estando presente em todas as faixas etárias entre
os jovens e os adultos, conforme os seguintes dados:

FAIXA ETÁRIA
Acima de 15 anos
15-19
20-29
30-44
45-59
60 anos e mais

10

Analfabetismo em Pilar, por faixa etária
POPULAÇÃO
Nº DE ANALFABETOS
ANALFABETISMO
20.315
7. 527
37,0%
3.887
906
23,3%
5.760
1544
26,8%
5.343
1977
37,0%
3.185
1663
52,2%
2.140
1437
67,1%
Fontes: INEP e IBGE (2000)

O programa alfabetizar é preciso é a nomenclatura adotada pelo Estado de Alagoas para nomear o programa Brasil Alfabetizado.

Acima, os dados expostos por faixa etária apontam para o índice de analfabetismo
concentrado nas faixas etárias mais avançadas, com 2.140 pessoas com 60 anos e mais, sendo
que, 1.437, são analfabetas, correspondendo a 67,1%. Compreendemos nesse sentido que
essas pessoas fazem parte de uma geração em que a educação sistematizada não era base para
sobrevivência no trabalho, pois a maioria dessas pessoas é proveniente do campo, e atividade
desenvolvida não exigia escolarização, além do que não havia oportunidade, uma vez que só a
partir da década de 2000 que se intensificou a oferta da EJA no município.Entretanto, as
gerações antigas não podem ser consideradas como as únicas responsáveis pelas taxas atuais,
pois a situação também é grave no menor índice, que se encontra entre os adolescentes e
jovens entre 15 e 19 anos de idade, idades estas em que estes 23, 3% da população pilarense
deveria ter ou estar concluindo o ensino médio. Nas demais faixas etárias 20-29, 30-44, 45-59
em que um elevado percentual também se encontra em estado de analfabetismo, do mesmo
modo causa uma grande preocupação, uma vez que são jovens e adultos que estão em sua
maioria desempregados por não dominarem a leitura e a escrita, ou estão desenvolvendo
atividades que não requerem uso de leitura e escrita.
Além de ficarem de fora do competitivo mercado de trabalho, desenvolvendo os já
comentados “biscaites”, os sujeitos jovens e adultos analfabetos, têm dificuldades para
desenvolver um senso crítico possível de torná-los conscientes de seus direitos e deveres, uma
vez que o uso da leitura e da escrita interfere nas formas de pensar e compreender o mundo,
como bem diz Freire (1978, p.70)
O ser alfabetizado é aquele que não apenas tem a aprendizagem da decodificação
ou das técnicas de ler e escrever, mas aquele que aprendeu a “dizer a palavra em
seu verdadeiro sentido, isto é, como um direito de se expressar no mundo, de criar,
decidir e de optar.

Isso não quer dizer que o fato de se tornar alfabetizado, o sujeito se torne mais
inteligente, porém se torna mais seguro em se expressar, em se fazer ouvir, em reivindicar e

não calar quando precisar falar. Não ter insegurança ao se expor, e isso aumenta à medida que
a escolarização continua, pois aumenta seus conhecimentos e sua politização. Isso vem sendo
garantido, mesmo que não da forma ideal para essa modalidade no município, uma vez que a
oferta da EJA aumentou quantitativamente e qualitativamente em Pilar.
Neste sentido, além das parcerias estabelecidas com o governo federal, como foi com
os Programa Recomeço11, seguindo com o Programa Fazendo Escola, e a partir de 2003
também com o Programa Brasil Alfabetizado e outras entidades da sociedade civil
organizada, há também a oferta do primeiro e segundo segmentos da Educação de jovens e
adultos, para garantir a escolaridade, agora financiada pelo FUNDEB (Fundo Nacional de
Educação Básica) conforme os dados abaixo:
EJA
Matrícula
Aprovação
Reprovação
Evasão/ desistência
Transferido

2000

2001
30
11
06
13
__

2002
181
129
14
38
__

44
20
01
23
__

2003
342
208
59
91
__

2004
295
135
26
164
__

2005
463
230
60
143
__

2006
663
276
99
280
08

Fonte: Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura – SEMEC

Ao longo dos anos, o número de matrículas cresceu atrelado também ao número de
evasão e desistência, atualmente, não só em Pilar, mas como em todo o país, um dos maiores
problemas, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo a situação em Pilar
Educação de Jovens e Adultos - 2000/2007
700
600

Matrícula

500

Aprovação

400

Reprovação

300

Evasão/ desistência

200

Transferido

100

11

07
20

06
20

04

03

05
20

20

20

02
20

01
20

20

00

0

Programa lançado pelo Governo Federal na década de 90, como fundo de compensação pelo fato de a EJA ter sido excluída do FUNDEF.
No início da década de 2000 esse fundo foi substituído pelo Fazendo Escola, que era a transferência de um recurso para os municípios que
variava de acordo com o número de alunos, que vigorou até a inclusão da EJA no FUNDEB.

A EJA, entre 2001 e 2005, foi ofertada também através de uma parceria entre o
município e o SESI, o Telecurso 2000, que ofereceu de 5ª à 8ª série para o público da EJA,
correspondente ao segundo segmento, conforme os dados a seguir:
EJA
Matrícula
Aprovados
Reprovados
Desistentes / evadidos
Transferidos

2001

2002
58
20
-38
--

2003
171
127 115
01
43
--

2004
182
-54
--

2005
166
135
-31
--

80
35
-45
--

Fonte: Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura – SEMEC

O telecurso não foi uma ação municipal, pois se trata de um programa criado pela
Rede Globo de Televisão, cuja programação é a mesma de norte a sul do país, sem haver uma
metodologia específica para cada região. Ele assume a estrutura de um curso modular, para
sujeitos com mais de 15 de anos de idade, que concluíram a 4ª série regular do ensino
fundamental ou que cursaram o primeiro segmento da EJA, correspondente às séries iniciais
do ensino fundamental.
O Telecurso representou no município a oferta do 2º segmento da Educação de Jovens
e Adultos, sendo ele uma opção para os sujeitos jovens e adultos, que não tinham até então o
segundo segmento dessa modalidade no município, e assim, para aqueles que não queriam
cursar os anos finais do ensino fundamental nas salas “regulares”, buscavam as salas do
Telecurso 2000.
A partir de 2007, a EJA passou a ser parcialmente contemplada no FUNDEB, o que
significa um pequeno avanço já que essa modalidade não teve o mesmo tratamento que as
demais. Porém percebemos um avanço, pois pode-se dizer que há uma política de
financiamento para esta modalidade, o que não implica dizer que está garantida a qualidade
para mesma, já que o recurso destinado a ela ainda é inferior às demais modalidades de
ensino, o que demonstra ainda o pouco compromisso com essa modalidade de ensino,

ignorando suas especificidades e subestimando sua relevância, num país em que 10% da
população jovem e adulta é analfabeta.
Nesse sentido, a EJA hoje está sendo ofertada ao nível de Ensino Fundamental em
Pilar, com 35 turmas de alfabetização em parceria com o governo federal através do Programa
Brasil Alfabetizado,assim como, está em nove das dezenove escolas existentes no município,
ofertando o primeiro e o segundo segmentos, sendo que o primeiro vai da 1ª à 3ª fase, com
uma carga horária de 1800 horas, e o segundo segmento da 4ª à 6ª fase com mais 1800 horas,
sendo que essa carga horária é ofertada em 200 dias letivos, três horas-aula diárias, quinze
horas-aulas semanais e 600 horas anuais. A EJA é financiada totalmente com verbas do
governo federal, através do programa Brasil Alfabetizado e do FUNDEB, o que torna a EJA
federalizada em Pilar. Mesmo com essa oferta, o atendimento ainda se apresenta de forma
restrita diante do elevado índice de analfabetismo, sendo preciso, portanto a ampliação da
oferta da educação de jovens e adultos, bem como estratégias para realizar as matrículas desse
público e garantir sua permanência, uma vez que não adianta só ofertar, pois o público dessa
modalidade em sua maioria não busca a escola, e por isso é preciso que a escola busque esses
jovens e adultos sem escolaridade e garanta sua permanência e assim reduza os elevados
índices de analfabetismo que deixa Pilar acima da média nacional, regional e estadual,
proporcionando mais qualidade de vida à população.

2.2.2 - OS SUJEITOS DA EJA EM PILAR

2.2.2.1 - Os Professores

Apesar das dificuldades encontradas no município de Pilar para garantir um ensino de
qualidade, quer seja porque a EJA não é prioridade, quer seja porque algumas vezes ela ainda
é vista como compensatória, existe um quadro de profissionais, formado por professores,

coordenadores e equipe técnica pedagógica que reconhece essa modalidade como um direito
humano fundamental e condição para a participação de todos numa sociedade democrática,
pois ela contribui para a liberdade e para a igualdade, sendo parte integrante de um projeto
social que tem como objetivo uma sociedade mais justa e mais eqüitativa” (UNESCO/MEC,
2003, p. 49). Porém essa contribuição de fato será atingida quando reduzirmos ao mínimo o
número de analfabetismo no município ou até mesmo extingui-lo, uma vez que o município é
pequeno, com empenho e política pública é possível conseguir essa conquista e contribuir de
fato para a melhoria da qualidade de vida de mais de 30% da população pilarense.
Em relação ao quadro docente no município, com exceção das professoras
alfabetizadoras do Programa Brasil Alfabetizado, todos os demais professores que trabalham
com o primeiro e o segundo segmentos da EJA são efetivos do município, advindos de
concurso público. Atualmente, Pilar possui um quadro docente na EJA de trinta e seis
profissionais, sendo que cinco atuam como coordenadoras pedagógicas e trinta e uma
professoras. Dentre elas, doze possuem a formação em nível superior, sendo onze licenciadas
em Pedagogia e uma graduada em Serviço social (tendo como base o curso médio normal).
As demais nove possuem o nível médio magistério. Dentre as coordenadoras, todas têm
formação em nível superior, com licenciatura em Pedagogia. Dispõe também de uma equipe
técnico pedagógica, responsáveis pelo acompanhamento da EJA no município, composta por
4 profissionais com nível superior, sendo duas pedagogas, e duas formadas em Letras. Em
relação à formação continuada dessa equipe, três das quatro técnicas têm especialização, sem,
no entanto ser na área de Educação de Jovens e Adultos. Portanto, o conhecimento nessa
modalidade foi adquirido com a experiência de acompanhamento pedagógico, e de forma
superficial na disciplina eletiva no curso de graduação (no caso das pedagogas), sendo este
outro ponto negativo para essa modalidade de ensino, ou seja, a omissão na formação inicial
dos professores do ensino fundamental, dos pedagogos, e também daqueles formados nas

demais licenciaturas, já que diariamente estão trabalhando com esse público de alunos jovens
e adultos.
Então, podemos dizer que não há de fato uma formação específica dessas profissionais
para trabalhar com esse público e a respeito disso Barros (2005, p.69) diz que
Pensar na formação do educador/alfabetizador de jovens e adultos no atual contexto
socioeconômico, político e cultural exige uma avaliação e revisão da prática
educativa e da formação inicial e continuada desses educadores, principalmente se
considerarmos as especificidades e particularidades dos sujeitos-alunos
trabalhadores.

Ratificando Barros, percebemos que apesar de há sete anos a Educação de jovens e
adultos estar sendo ofertada no município, contando com a presença de professores do quadro
efetivo, parte deles ainda demonstra dificuldade em trabalhar com a EJA devido às
peculiaridades dos alunos jovens e adultos, pois estes possuem características específicas,
uma vez que suas experiências pessoais bem como sua participação social não são iguais as de
uma criança. Falta de fato formação para trabalhar com esse público, que requer um ensino
voltado para suas necessidades atuais, pois diferente das crianças, os jovens e adultos das
salas de EJA não está em processo de formação para usar futuramente, suas necessidades são
imediatas, e por isso requer que seu nível de letramento aumente conforme a exigência da
sociedade onde está inserido.
Mesmo sendo professores efetivos nas salas de EJA, não deixa de ser um fato que
compromete a qualidade nessa modalidade de ensino, principalmente na metodologia, visto
que parte desses profissionais tem experiências no ensino das crianças, conforme as
informações obtidas a partir do acompanhamento pedagógico da Secretaria Municipal de
Educação, além do que não tiveram acesso, em sua formação inicial, apesar de serem
pedagogas, à especificidade dessa modalidade, já que os cursos de graduação onde elas se
graduaram (Programa de graduação de professores - PGP) trataram desse tema de forma
superficial, através de uma disciplina eletiva com carga horária de 60 horas, semipresencial.

No entanto, percebe-se que a maioria desses professores tem interesse em melhorar
sua prática, quando aceita participar dos eventos que envolvem essa modalidade, como
atividades promovidas pelo fórum alagoano de EJA, onde o Pilar é um município atuante,
bem como participando de seminários. Apesar disso, esse interesse ainda parece limitado
quando em entrevista com as professoras, nenhuma delas revelou ter interesse em fazer uma
especialização na área, sempre citando outras áreas de interesse para se especializar. Elas
demonstram ter interesse em melhorar sua prática, porém esperando que isso aconteça de
forma pontual, adquiridas em oficinas de metodologia sobre o como e o quê trabalhar com os
alunos da EJA, já que as condições desse trabalho requerem mudança, como diz (SILVA,
1991, p.7, apud FREITAS, 2007, p. 51)

[...] o/a educador/a tradicional não tem condições de assumir uma prática educativa
intimamente inserida na prática política e participante do processo de
desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores. Isso porque essas
funções não se limitam mais ao que fazer pedagógico da sala de aula. Dessa forma, o
papel e a função do/a professor/a são constantemente questionados. (SILVA, op.cit)

Nesse contexto, de acordo com Andrade (2006, p. 63),

é necessário que os educadores precisem estar atentos para as demandas e
potencialidades dos alunos da EJA, considerando-os sujeitos em todas as propostas e
projetos pedagógicos. Como nos alerta Carrano (2000, p.10), sobre os sujeitos jovens:
“ao dialogarmos como educadores, nos abrimos para a totalidade do processo
educativo do qual a escola e seus sujeitos são partes indissociáveis”. O papel do
professor é despertar a curiosidade, indagar a realidade, problematizar, ou seja,
transformar os obstáculos em dados de reflexão para entender o processo educativo,
que, como qualquer faceta do social, está relacionado com seu tempo,sua história e
seu espaço.

Entretanto, para que esses profissionais assumam essa postura defendida por Andrade,
precisa de formação inicial e continuada, o que ainda é um déficit na Educação em Pilar. O
entendimento de formação continuada ainda é sinônimo de pacotes de formação ofertados
pelo governo federal como o pró-infantil, o pró-letramento, outros voltados para educação
especial, sem, no entanto haver nenhum voltado para a realidade da EJA e sem haver uma

iniciativa local que contemple essa modalidade de forma eficiente. Assim, os professores da
EJA são sujeitos que não têm um “olhar” voltado para a sua necessidade, e quando têm
segundo Oliveira (s.d. p.03, apud LAROSA, 2002) “esse olhar acaba por tratar a experiência
de formação dentro de tempos e espaços limitados pelas políticas conjunturais, deixando de
lado a consideração do sujeito da experiência, e da experiência de formação na percepção
desses sujeitos”.
Apesar de haver empenho da equipe técnica pedagógica em tentar ofertar uma
formação continuada, ministrada através de encontros mensais com os professores, falta
também a essa equipe uma formação que lhes capacite a ministrar tais momentos de
formação, para que possa de fato alcançar o objetivo, que é a melhoria da educação para
jovens e adultos no município, pois não há uma ação que garanta a formação para habilitar
esses técnicos para ministrar tais cursos, o que se resume à garantia de inscrição em alguns
eventos temporários, como encontros nacionais, estaduais, congressos, seminários, etc.

2.2.2.2 - Os Alunos

Os alunos jovens e adultos de um modo geral são tratados como uma massa de alunos,
sem identidade, qualificados sob diferentes nomes, relacionados diretamente ao chamado
"fracasso escolar" (ARROYO, 2001). Os alunos da EJA, ao serem mencionados, estão sempre
ligados aos repetentes, evadidos, defasados, aceleráveis, e geralmente não são consideradas
suas dimensões da condição humana, básicas para o processo educacional. Temos mais uma
prova disso quando o FUNDEB contemplou a modalidade da EJA diferente das demais,
elevando-a a uma modalidade que requer investimento inferior.
Em Pilar, esse tratamento, não é diferente. Com as mudanças que ocorreram nessa
modalidade de ensino, e com a luta que vem sendo travada ao longo das últimas décadas para
resolver a problemática da EJA, ainda é insuficiente, pois ainda não há uma garantia que

atenda realmente às necessidades desses sujeitos, como por exemplo, calendário diferenciado,
salas de aulas com horários flexíveis para atender à demanda nos três turnos, com um ideal de
educação para esse público tão distinto, formado por uma gama de sujeitos tão diversificada e
extensa quanto são os representantes das camadas mais empobrecidas da população (negros,
jovens, idosos, trabalhadores, populações rurais etc.).
Portanto, quando falamos em sujeitos alunos da EJA nesse município, estamos falando
de trabalhadores e não-trabalhadores, das diversas juventudes, da população que apesar de
estar hoje na zona urbana do município de Pilar, a maioria viveu durante a maior parte de sua
vida na zona rural, e hoje reside na região urbana, porém muitos deles continuam trabalhando
no campo.
O perfil desses sujeitos demonstra que a maioria é de desempregados e ocupam a
camada mais pobre da população, principalmente os alunos do primeiro segmento. Mais de
50% deles vivem com uma renda de um salário mínimo ou com auxílio das “bolsas”
oferecidas pelo governo federal. São sujeitos que pararam de estudar há muito tempo, por
morarem na zona rural e não terem acesso à escola, ou que foram obrigados a deixar os
estudos por terem que ajudar a garantir a renda da família. Dos que trabalham, a maioria é
composta por trabalhadores que atuam na lavoura da cana de açúcar, são autônomos ou
desenvolvem atividades como garis, domésticas, operador de máquinas agrícolas, pescadores
etc.
Esses sujeitos buscam na escola depois de tantos anos sem acesso à educação formal,
uma garantia de melhoria de vida, reconhecendo na educação uma forma de conseguir
melhorar a qualidade de vida. São homens e mulheres que enfrentam, depois de um dia de
trabalho, as carteiras da sala de aula em busca de mudar de vida. Além desses, não podemos
ignorar a grande quantidade de jovens adolescentes, entre 15 e 19, presentes nas salas de EJA
no município, o que aponta para um problema de exclusão do ensino fundamental diurno, que

apesar de estar se buscando as causas para resolver o problema, ainda há muito a ser feito.
Esse problema é notado à medida que temos o número de analfabetos nessa faixa chegando a
906 pessoas, representando 23,3% da população acima de 15 anos de idade, analfabeta.
Diante dessa realidade, de acordo com Andrade (2006, p.65) para transformar esse
quadro,

a EJA deverá se abrir para incorporar a pluralidade dos seus sujeitos, compostos de
conhecimentos, atitudes, linguagens, códigos e valores que, muitas vezes, são
desconhecidos ou vistos de forma desvalorizada pela cultura escolar e pelos
currículos tradicionalmente oferecidos. Deve abandonar os modelos tradicionais de
suplência e inventar novos modos. Além disso, devemos ultrapassar o enfoque da
Educação de Jovens e Adultos como educação compensatória, em favor de uma
visão mais ampla e permanente, que responda às demandas do desenvolvimento
local, regional e nacional. Os conteúdos curriculares precisam ser pensados no
contexto da identidade e das aspirações dos diversos sujeitos da EJA. É preciso
adotar estratégias pedagógicas e metodologias orientadas para a otimização da
formação específica de professores e gestores responsáveis por esse modo de fazer
educação, bem como construir uma nova institucionalidade nos sistemas de ensino.

Nesse contexto, os sujeitos professores da EJA também precisam estar atentos para as
demandas e potencialidades dos sujeitos alunos, considerando-os em todas as propostas e
projetos pedagógicos, adotando em metodologia o diálogo, refletindo sobre o fato de que todo
o processo educativo é feito de maneira indissociável entre escola e sujeitos - professores e
alunos, cabendo por isso ao professor, a tarefa de despertar a curiosidade, indagar a realidade,
problematizar, ou seja, transformar os obstáculos em dados de reflexão.
Nesse sentido, a EJA precisa deixar claro para os seus professores que é necessário
reconhecer os alunos além da condição escolar. O trabalho, por exemplo, tem papel
fundamental na vida dessas pessoas, particularmente por sua condição social, e, na maioria
das vezes, é só por meio dele que eles poderão retornar à escola ou nela permanecer. Quando
suas necessidades não são atendidas, esses jovens e adultos sinalizam através de atitudes
explícitas ou implícitas, como o abandono, a desistência, a dificuldade de permanência, etc.

Um dos principais passos para o trabalho com a Educação de Jovens e Adultos é a
valorização do conhecimento prévio e o reconhecimento dos alunos como portadores de
cultura e saberes. São pessoas que estão voltando para a escola, muitas vezes em busca da
educação que o mercado de trabalho exige. Chegam cansados depois de um dia de trabalho,
têm pouco tempo para se dedicar aos estudos, mas chegam também com muitas histórias e
vivências.
Toda a preparação das aulas deve ser pautada sobre o que os alunos trazem como
conhecimento, o que querem aprender e suas necessidades. A sistematização do ensino para
jovens e adultos deve ter como finalidade facilitar suas relações pessoais e sua integração
profissional.
Os problemas encontrados em uma sala de aula de EJA, são a baixa auto-estima, a
dificuldade de participação, muitos atrasos, faltas e, principalmente, os problemas
relacionados à língua escrita e falada. A auto-estima é baixa porque a sociedade promove a
descrença na própria capacidade cognitiva

O preconceito, disseminado diariamente na mídia e manifesto nas mais diversas
situações de interação, é introjetado por aquele que não sabe ler nem escrever. Verse como cego, sente-se um ignorante, aquele a quem falta algo para corresponder as
expectativas sociais (DI PIERRO, 2007,p.97).

A formação para trabalhar com esse público, bem como sensibilidade do professor
diante dessa realidade é algo extremamente importante no sentido do entendimento do
comportamento dos alunos: chegar atrasado ou participar pouco, não denotam
necessariamente sinais de falta de interesse. O aluno da EJA também é caracterizado por uma
resistência à desvalorização sociocultural, que o faz desenvolver táticas utilizadas em seu
cotidiano para driblar as dificuldades advindas de sua inserção numa sociedade grafocêntrica
(DI PIERRO, 2007).

Com relação aos impasses mal definidos pelo professor relacionados à língua falada e
escrita, o jovem ou o adulto, ao dar início ao seu processo de alfabetização, já domina a fala e
pode ser considerado um falante nativo com grande domínio da língua. Há muitas maneiras
diferentes de falar, de usar a Língua Portuguesa, pois existem muitas variedades, umas
estigmatizadas, outras prestigiadas socialmente.

2.3 – O Percurso da Pesquisa

Esta pesquisa foi realizada no município de Pilar, em três escolas da rede pública
municipal, na modalidade da Educação de Jovens e adultos (EJA), no turno noturno. O
desenvolvimento da investigação deu-se no primeiro segmento do ensino fundamental da
EJA, em três salas de aulas de 3ª fase, tendo início no dia seis de março e encerramento no dia
seis de junho de dois mil e oito. Permanecemos em cada sala de aula por um período de dez
dias, perfazendo um total de aproximadamente 26 horas em cada.
Na primeira escola, que chamaremos de escola “A”, iniciamos no dia seis de março de
dois mil e oito e encerramos no dia três de abril de dois mil e oito. Na segunda escola, que
chamamos de escola “B”, iniciamos no dia sete de abril e encerramos no dia vinte e nove do
mesmo mês. Já na última escola, que denominamos escola “C”, iniciamos nossa investigação
no dia oito de maio de dois mil e oito e encerramos no dia seis de junho do mesmo ano.
O período de coleta de dados aconteceu durante 28 dias, distribuídos em três meses,
perfazendo um total de aproximadamente 80 horas de observação, onde, registramos e
gravamos, reunindo elementos para o desenvolvimento deste trabalho. O fato de ser um total
de aproximadamente oitenta e não noventa horas, deveu-se ao fato de que as aulas não
iniciavam às 19 horas nem tão pouco encerravam às 22 horas, como está estabelecido por lei,
segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos, que trata da

carga horária dessa modalidade de ensino, dizendo que o ensino da EJA deve acontecer em
quinze horas, semanais, sendo 3 horas diárias, perfazendo um total mínimo de seiscentas
horas anuais distribuídas em duzentos dias letivos

2.4 – Objetivos da pesquisa

Realizamos a coleta de dados, buscando alcançar nossos objetivos e para tanto,
durante o período de realização, observamos as variedades utilizadas por professoras e alunos
nas salas de aula investigadas, ao mesmo tempo em que analisamos os procedimentos
desenvolvidos pelas professoras para questões relacionadas às variedades utilizadas nos
discursos orais dos alunos, buscando identificar se elas tinham fundamentos em pressupostos
teóricos da sociolingüística ou se agia com base na própria experiência.
Durante a realização desta pesquisa, coletamos dados que nos retrataram às
dificuldades demonstradas pelas professoras em intervir na produção de textos orais dos
alunos para tratar do tema da variação, bem como os principais recursos didáticos utilizados
por elas para trabalhar tais questões.
Nosso contato com os sujeitos envolvidos na pesquisa remeteu-nos à busca pela
constatação ou pela negação das hipóteses levantadas antes de iniciarmos o trabalho, nas
quais supúnhamos que a escola dedicava-se mais a cultivar a norma culta como uma fórmula
mágica de ascensão social do que favorecer a formação de indivíduos capazes de reconhecer e
lutar pelos direitos a bens culturais, à saúde, à habitação, enfim à vida digna de cidadão,
merecedor de respeito e cumpridor dos deveres. Isso, na maioria das vezes, leva os
professores a reproduzir em sala de aula esse preconceito, desconsiderando as variedades
lingüísticas dos alunos. Dessa forma, nossa atenção em sala de aula, voltava-se para constatar
ou negar tais hipóteses.

Assim, durante as oitenta horas aproximadamente em que estivemos coletado os dados
deste trabalho, tivemos a intenção de observar as intervenções das professoras nas produções
dos discursos dos alunos, para constatar ou não se havia uma tendência a valorizar mais as
variações lingüísticas de “prestígio” do que as populares, baseadas em suas experiências de
vida e no contexto social.

2.5 – Procedimentos metodológicos

Esta é uma pesquisa do tipo qualitativa, cuja abordagem metodológica é a etnográfica.
Nela, enfatizamos as orientações oriundas da sociolingüística variacionista. Essas orientações
referem-se ao uso de um diário de bordo que utilizamos durante essa investigação, sendo ele
uma das ferramentas indispensáveis em nossa coleta, pois através dele registramos fatos de
nosso interesse que não eram possíveis coletar de outra forma. O uso do diário é uma
ferramenta de reflexão de nossa prática enquanto pesquisador.
A escolha pela pesquisa qualitativa deu-se pelo fato de que nossa investigação explora
as características dos indivíduos e cenários que não podem ser facilmente descritos
numericamente (MOREIRA e CALEFFE, 2006, p. 73, ).
Neste sentido, buscamos saber o que as pessoas tinham a nos dizer, observando as suas
idéias e preocupações sobre o uso da língua nas mais diversas situações de sala de aula, com a
certeza de que os sujeitos desse estudo não são reduzidos a variáveis avulsas ou suposições,
mas sim, de um todo, em seu contexto natural, habitual. Por isso, a necessidade de que essa
investigação fosse realizada em um contexto da escola, onde os indivíduos desempenham suas
ações e desenvolvem seus modos de se expressar por escrito ou oralmente, o que tem valor

essencial para alcançar das pessoas uma compreensão mais clara da realidade sobre as
questões relacionadas à variação lingüística, tanto os alunos como as professoras.
O estudo caracterizou-se como de cunho etnográfico porque realizamos todo o
trabalho pessoalmente, a fim de obter uma experiência direta com a situação em estudo,
durante três meses, perfazendo uma média de oitenta horas de coleta de dados, em três escolas
diferentes, num tempo necessário para podermos alcançar os objetivos propostos, pois como
aborda Moreira e Caleffe (2006, p 85), em termos gerais, o trabalho de campo é o meio
principal pelo qual muitos dos dados etnográficos têm sido obtidos, e foi assim que nos
envolvemos na coleta de forma direta, buscando, mesmo com algumas dificuldades, penetrar
na rotina das atividades do grupo pesquisado.
Esse envolvimento no cotidiano escolar foi primordial para a realização da pesquisa,
visto que nossos procedimentos basearam-se em conversar, observar, interagir, e permitir a
expressão livre dos interlocutores. Isso foi de grande relevância, uma vez que nos ajudou a
manter um clima de informalidade, o que nos possibilitou uma diminuição do distanciamento
entre nós e os demais sujeitos envolvidos nesse estudo.
Podemos dizer que desenvolvemos uma observação participante descritiva, em que
focalizamos o contexto social e descrevemos os comportamentos de professores e alunos no
que diz respeito às variações lingüísticas, tanto quanto possível. Para isso, a observação foi
focalizada, já que essa pesquisa está voltada para as atitudes das professoras em situações
onde ocorre o fenômeno da variação, e ainda foi seletiva, uma vez que definimos exatamente
o que precisaríamos documentar, considerando alguns componentes da situação ocorrida em
sala.
Entretanto, em alguns desses momentos, a coleta de dados foi difícil, uma vez que
estávamos de uma certa forma “invadindo” um espaço que não era o nosso, éramos estranhos
na sala, mesmo procurando ser o mais discretos possível, interferia na rotina, e afetava a

naturalidade das aulas, bem como afetava a espontaneidade das professoras. Logo, essas
situações requerem que prolonguemos mais o tempo de contato com os sujeitos, para que
nossa presença passe a ser algo o mais natural possível e menos constrangedor.
Por isso, desenvolvemos essa investigação durante três meses em três escolas
diferentes, que aqui chamamos de escolas A, B e C, nas quais buscamos manter um contato
direto e constante com alunos e professoras, buscando presenciar o maior número possível de
situações em que ocorram casos de variação lingüística e as possíveis intervenções dos
professores diante dessas ocorrências, a fim de podermos coletar os dados necessários para
realizarmos as análises que essa investigação requer, pois a pesquisa qualitativa envolve a
obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação
estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
A opção por desenvolver essa pesquisa numa abordagem etnográfica foi por termos a
possibilidade de combinar vários métodos de coleta que consideramos importantes e
utilizamos durante a realização do nosso trabalho. Neste sentido, essa pesquisa, teve três
fases, todas de extrema relevância para a execução do estudo (LUDKE E ANDRÉ, 1986).
A primeira fase, chamamos de fase exploratória, na qual nos aprofundamos, através de
uma revisão bibliográfica, das discussões teóricas acerca do assunto investigado. Nessa fase,
também selecionamos e organizamos os instrumentos que utilizamos na coleta de dados,
como: definição do roteiro da entrevista, aquisição de equipamentos eletrônicos para gravação
de voz, do tipo mp3 e mp4. Nessa etapa, priorizamos aqueles que melhor se adequaram ao
nosso objetivo, considerando principalmente os aspectos relevantes a serem observados em
uma turma da EJA da terceira fase do primeiro segmento.
Na segunda fase, denominada de trabalho de campo/delimitação do estudo, foi o
momento em que nos aproximamos dos sujeitos da pesquisa e mantivemos o primeiro

contato. Esse primeiro contato aconteceu com nossa ida à Secretaria de Educação a fim de
verificar quantas professoras existiam no município, que tivessem curso superior em
Pedagogia ou outra licenciatura e que estivessem atuando na 3ª fase da EJA no município de
Pilar. Feito esse levantamento, o próximo passo foi a ida às escolas para entrar em contato
com os sujeitos que gostaríamos que colaborassem conosco. Após sermos autorizados, demos
continuidade ao nosso trabalho, realizando as entrevistas com as professoras e observando
diretamente, três vezes por semana, durante três meses, três turmas de 3ª fase da Educação de
Jovens e Adultos no município de Pilar.
As entrevistas realizadas foram semi estruturadas, com as quais pudemos nos
aproximar um pouco mais da professora, estabelecendo um clima cordial. A entrevista é
considerada um importante instrumento de coleta de dados, e como se trata de uma pesquisa
qualitativa, cuja abordagem é etnográfica, na qual desenvolvemos contato direto com os
sujeitos, a realização de entrevistas foi de grande relevância, pois ela nos norteou, sem, no
entanto delimitar um espaço de tempo para que realizássemo-las, nos deixando assim livres
para permitir que os entrevistados desenvolvessem suas questões da maneira que quisessem,
dando oportunidade, portanto, de esclarecer qualquer tipo de resposta sempre que fosse
necessário. Assim, a próxima etapa foi a transcrição da fita, onde dedicamos um tempo
suficiente para coletar os dados relevantes colhidos durante as entrevistas, observações e
gravações em sala de aula.
Durante a coleta em sala de aula, utilizamos dois equipamentos eletrônicos, sendo um
MP3 e um outro MP4 para gravarmos as falas da professora e dos alunos. Utilizamos também
em sala de aula, um caderno de registro (diário de bordo). A investigação em sala de aula
ocorreu num contexto permeado por multiplicidade de sentidos e por isso foi necessário que
nós, enquanto pesquisadores estivéssemos presentes para observar a escola numa dimensão
pedagógica, já que ao estudarmos a variação lingüística, estamos analisando as situações de

ensino centradas no professor e no aluno. E por isso, buscamos registrar com a escrita,
utilizando o diário, bem como com os equipamentos eletrônicos para nos assegurar que não
perderíamos nenhum dado importante para a realização desse estudo.
A terceira fase dessa pesquisa apresentou nossa descoberta com essa investigação,
relatando os resultados do estudo a partir de uma análise sistemática dos dados obtidos, à luz
da revisão bibliográfica escolhida para fundamentar esse trabalho. Esta revisão bibliográfica
nesse tipo de investigação é um objeto de extrema importância à medida que necessitamos
fazer uma revisão da literatura relacionada com o que já foi estudado sobre a variação
lingüística, a fim de podermos nos aprofundar ainda mais com a temática estudada, nos
aperfeiçoando, ampliando o conhecimento que já temos sobre esse tema, subsídio necessário
para finalizar a pesquisa com clareza.
Para tanto, foi necessário darmos o máximo de atenção ao fenômeno estudado,
demonstrando, portanto para os sujeitos envolvidos na pesquisa, que tínhamos capacidade
para ouvir e seriedade para efetuar observações. Os registros foram efetivados de forma
discreta, para que causasse o mínimo de desconforto possível aos alunos e professoras Por
isso, tivemos disciplina para efetuar registros, bem como para a organização, o
armazenamento e a classificação dos mesmos.
Tudo isso requereu compreensão do contexto, paciência e perspicácia para observar de
forma descritiva, os acontecimentos da vida diária, os aspectos que nos possibilitaram a
compreensão que desejávamos daquilo que estávamos estudando.
Essa terceira fase da pesquisa demandou tempo e dedicação, para podermos analisar
os dados coletados, fazendo a interpretação dos significados e funções das atuações humanas
que presenciamos durante os três meses que permanecemos nas salas de aula convivendo com
professoras, alunos e alunas, ressaltando que neste caso, a análise estatística ficará para um

segundo plano, pois o nosso foco é a qualidade dos dados, expressa por meio de descrições e
explicações verbais e escritas.

2.6 – Perfil da escola “A”

A escola “A” está situada no bairro da Chã do Pilar. Funciona nos três turnos, com
educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos. Nesta escola, a coleta
de dados aconteceu nos dias 06, 07, 10, 11, 13, 18, 25, 27 e 28 de março e 03 de abril,
perfazendo um total de 10 dias e uma média de 21 horas de pesquisa.
O turno noturno da escola funciona com o primeiro e o segundo segmento de EJA e as
séries finais do ensino fundamental. Deveria ter início às dezenove horas e encerrar às vinte e
duas horas, mas de fato, as aulas começam em média às dezenove horas e vinte ou trinta
minutos e encerram antes das vinte e duas horas, em geral, às vinte e uma e trinta,
principalmente nas salas de EJA do primeiro segmento. A escola está localizada numa área da
periferia da cidade, onde costumam acontecer vários furtos, assaltos e até assassinatos,
motivos estes alegados pelos alunos pelo não “cumprimento” do horário de saída, pois são os
mesmos que começam a se retirar da sala antes das vinte duas horas, justificando que o
caminho de volta as suas residências é perigoso. O atraso na chegada também é devido às
condições de aluno trabalhador, do público de EJA, já que em sua maioria trabalham, e
aqueles que não trabalham esperam pelos outros, para irem em grupos por causa da violência,
fazendo com que uma pequena minoria esteja presente no horário estabelecido: às dezenove
horas. Isso faz a professora optar por iniciar quando tem ao menos metade dos alunos.
Essa ação vai de encontro ao que está posto nas diretrizes curriculares nacionais, onde
consta que a carga horária para a EJA deva ser de seiscentas horas anuais, dividida em

duzentos dias letivos, sendo três horas diárias e quinze horas semanais. Da forma como é
diariamente, os alunos têm em média no máximo onze horas aula semanais, ficando portanto,
com um desperdício de tempo curricular em média de três a quatro horas semanais, situação
que se assemelha em todas as escolas que trabalham com EJA atualmente.
Isso acontece porque há um distanciamento entre o proclamado e o real, uma vez que
as DCNs propõe uma carga horária a cumprir, sendo que as turmas de EJAs são compostas
por sujeitos trabalhadores e por isso a flexibilidade se faz necessária para atender as
necessidades desses alunos, porém sendo incumbência daqueles que fazem a EJA, otimizar
esse tempo em sala, para que o prejuízo do tempo curricular seja o mínimo possível, assim
como seja revisto urgentemente a questão da organização dessa modalidade, principalmente a
elaboração de calendário de próprio.
A sala de aula é a mesma que funciona com crianças durante o dia, as carteiras foram
feitas para serem usadas em duplas, e por isso a maioria dos alunos de EJA também usam
assim, com exceção de poucos que ao chegarem, preferem sentar em alguma que ainda não
haja ninguém ao lado. Como a escola é de grande porte, tem matriculadas pessoas de todas as
idades, há a presença de muitos jovens e também crianças que são levadas pelos pais por não
terem com quem ficar em casa, o que ocasiona muito barulho nos corredores, atrapalhando
frequentemente as aulas.
A escola, ao distribuir os alunos nas salas, usou o critério de separar por idade, e
portanto na sala que investigamos, ficaram todos os alunos que nasceram antes do ano de mil
novecentos e oitenta e dois, o que significa que não havia ninguém na sala com menos de
vinte sete anos. Logo o perfil dos 25 alunos matriculados naquela 3ª fase de EJA no momento
da pesquisa, em relação à idade, variava ente 27 e 65 anos de idade, dentre os quais
encontramos na faixa etária entre 27-29 anos, três mulheres e um homem; na faixa etária entre
30-45 anos, encontramos 16 mulheres e 1 homem; entre 46 e 60 anos encontramos três

mulheres e um homem, sendo que apenas 1 pessoa, do sexo feminino tem mais de 60 anos de
idade. O critério etário para o agrupamentos dos alunos foi uma forma de dividir os alunos,
segundo a coordenadora pedagógica, para que não houvesse grandes disparidades entre
adolescentes e idosos, pois ela entende que essas faixas etárias juntas não é viável, pois
experiência anteriores revelaram que os idosos evadiam mais, alegando que não gostavam do
barulho provocado pelos “garotos”.
Em relação à profissão, havia várias profissões, como domésticas, operador de
máquina, técnico em eletrônica, do lar, motorista, pedreiro, varredeira, serviços gerais,
revendedoras autônomas, faxineira, tratoristas e lavadeiras.

2.6.1 – A Professora [P1]

A professora 12P1 da escola “A”, está na faixa etária entre 30-45 anos, é natural da
cidade de Pilar, onde sempre residiu. É casada, tem dois filhos. P1 cursou magistério em nível
médio, quando este era ministrado até o 4º ano, do qual saiu habilitada para ensinar história
até a 6ª série, e há um ano concluiu o nível superior em Pedagogia pela UNEAL, no Programa
de Graduação para Professores – PGP. Ela atua como professora desde 1977, ano em que
entrou na rede municipal. Sua experiência com a EJA iniciou no ano de 2000, quando ensinou
a disciplina História no Telecurso 2000. Logo depois de dois anos trabalhando com a EJA,
passou a ensinar ciências no ensino “regular” de 5ª à 8ª série e na 4ª fase do segundo
segmento da EJA e há dois anos estava trabalhando com o primeiro período da educação

12

Para preservar a identidade das professoras colaboradoras dessa pesquisas, chamaremos de P1 referente à escola “A”, P2,
referente à escola “B” e P3 referente à escola “C”.

infantil, retornando em 2008 para a Educação de Jovens e Adultos, por opção dela, por
conveniência do horário.
Ela participa de uma “formação continuada” voltada para o meio ambiente, ofertada
por uma ONG intitulada Eco Engenho. Demonstrou interesse em cursar uma pós-graduação
em nível de especialização, porém não sabe em que área.
A professora nunca havia trabalhado com o primeiro segmento da EJA antes e por isso
demonstrava insegurança, e sempre nos pedia para orientá-la em relação ao tipo de atividade,
bem como em relação a sua metodologia, no entanto para não comprometer o resultado do
trabalho, foram poucas nossas contribuições para a professora.
Essa insegurança tornou difícil a coleta de dados nesta sala, uma vez que nos
sentíamos receosos, percebendo que estávamos incomodando, já que era perceptível que a
professora não agia com naturalidade, e demonstrava um certo desapontamento aos nos ver
chegar à sala nos dias que íamos fazer a coleta. Infelizmente essa situação é comum numa
pesquisa etnográfica, já que, enquanto pesquisadores, devemos realizar a maior parte do
trabalho de campo pessoalmente, pois a experiência direta com a situação em estudo permite
um contato pessoal com a realidade estudada e por isso, o trabalho de campo deve permitir
uma imersão na realidade para entender as regras, costumes e convenções que governam a
vida do grupo estudado.
Ao ser indagada em relação ao seu trabalho com variação lingüística, ela disse que
quando trabalhou com as disciplinas nunca se “importou com isso”, pois ela ensinava história,
e como no Telecurso 2000 era sistema de módulos, eles já haviam cursado Língua
Portuguesa. No entanto, ao reforçarmos se ela não intervia mesmo quando as variedades
utilizadas chamavam muita atenção, ela então disse que sim, e ao perguntarmos como isso
acontecia, ela disse que criava uma situação onde precisava usar a palavra que ele havia dito
“errada” e então pronunciava “correto”, para que eles percebessem como deviam falar.

2.6.2 – Perfil da escola “B”

A Escola “B” está situada no bairro Chã do Pilar. É uma escola pequena, com apenas
cinco salas de aula e funciona nos três turnos, com o ensino fundamental das séries iniciais no
matutino e vespertino e com a EJA com o primeiro e segundo segmento no noturno.
Na escola “B”, não há barulho nos corredores, uma vez que é pequena e no noturno
funciona apenas a modalidade da EJA, na qual, os alunos são e em sua maioria adultos, sem
haver, portanto, muitos jovens e adolescentes nessa escola, e também quase nenhuma criança
acompanhando os pais. A região onde ela está situada é considerada menos violenta que as
demais localidades da cidade, já que todo o município atualmente passa por uma grande onda
de violência, apesar de ser um município pequeno, o índice de criminalidade não difere das
grandes cidades.
Em relação ao horário de início das aulas, este se dava no máximo às dezenove horas e
dez minutos e encerrava por volta das vinte e uma horas e quarenta e cinco minutos, no
mínimo. Na escola “B”, os alunos não reclamavam tanto sobre a violência e o perigo do
acesso à escola, no entanto até as dezenove horas e quarenta minutos ainda havia aluno
chegando à sala. O atraso dava-se, segundo relato dos alunos, devido ao horário de trabalho.
Diferente da primeira, os alunos não se retiravam antes da aula terminar, todos saíam quando
a professora liberava, com exceção de duas vezes em que um senhor e uma senhora se
retiraram demonstrando grandes sinais de cansaço físico.
Em relação ao desperdício do tempo curricular, nessa situação, os prejuízos são
menores, pois os alunos tinham em média 13 horas semanais de aula, com uma média de duas
horas e quarenta ou quarenta e cinco minutos diários.
As salas de aula são as mesmas que funcionam com crianças durante o dia, são
carteiras em que os alunos sentam individualmente, mas mesmo assim, estão agrupadas para

trabalhar em duplas. São baixas, de difícil acomodação das pernas dos adultos, pois sua
estrutura foi feita para atender às crianças.
Na sala de aula, havia no momento da pesquisa, vinte alunos matriculados, sendo 11
mulheres e 9 homens. Dentre as mulheres, sete encontram-se na faixa etária entre 15-29 anos,
três encontram-se entre 30-45 anos e uma entre 46-60 anos. Entre os homens, seis estão na
faixa etária entre 15-29, dois encontram-se entre 30-45 e um encontra-se na faixa etária entre
46-60 anos. Na sala, havia duas deficientes auditivas, assim como em outras salas de aulas na
escola, e por isso tinham intérpretes em cada turma para atender a esses alunos.
As profissões dos alunos eram diversas, havia cozinheiras, revendedoras autonomas,
marceneiros, autônomos, serigrafista, domésticas, diaristas, aposentado, e também alunos que
recebiam benefícios, não por idade, mas por problemas de saúde, como é o caso das
deficientes auditivas e de um aluno que tem deficiência mental.

2.6.2.1 – A professora [P2]

A professora P2 está na faixa etária entre 30 e 45 anos, é casada, tem uma filha. Ela
tem o nível médio magistério, e recentemente, há menos de dois anos concluiu o curso de
Pedagogia pela UNEAL, no Programa de Graduação para Professor – PGP. É natural da
cidade de Pilar, onde sempre residiu.
P2 é professora da rede municipal desde 1998, e há oito anos trabalha com Educação
de Jovens e Adultos. Apesar de não desenvolver outra atividade no turno diurno, a professora
optou por trabalhar com a EJA por gostar do trabalho com essa modalidade, diferente do

perfil do que costumamos observar nas salas de aula de EJA, onde os professores costumam
estar no noturno porque durante o dia exercem outra atividade, seja com o ensino, ou não.
Em relação à formação continuada, atualmente a professora não está participando de
nenhum curso, e buscou inscrever-se no pró-letramento, sem, no entanto conseguir, pois
nenhuma professora de EJA foi contemplada com o curso, que foi prioritário para os
professores das séries iniciais do ensino fundamental. No entanto, nos relatou que participou
do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, e que vai iniciar um
curso de especialização em Psicopedagogia.
P2 se monitora bastante estilisticamente em suas colocações, e predomina em sua fala,
a norma padrão da Língua Portuguesa. Ela demonstra habilidade no trabalho com os adultos.
Em relação ao trabalho com a variação lingüística, ela nos relatou que quando percebe o uso
delas, ela intervém, dizendo: ei, é assim que fala é? E quando perguntamos qual a reação
deles, ela falou que eles gostam, porque ela está ensinando para eles não falarem mais
“errado”, e passarem a “falar certo”.

2.6.3 - Perfil da Escola “C”

A Escola “C” diferente das demais, não funciona na Chã do Pilar, está situada no
centro da Cidade do Pilar. É uma escola pequena, com apenas cinco salas de aula e funciona
nos três turnos, com o ensino fundamental no matutino e vespertino e com EJA primeiro
segmento no noturno.
Nela, apesar de não haver muitas salas, apenas três funcionando no turno noturno e
não haver barulho nos corredores, uma vez que os alunos são em menor número do que nas

demais escolas observadas, os que têm são suficientes para causar muito barulho e ruído que
dificultaram a coleta de dados, bem como a aula da professora. Há muitos adolescentes e
jovens na escola, tendo uma pequena minoria de pessoas adultas. Os jovens, em sua maioria
se mostram muito revoltados, com dificuldade de relacionar-se uns com os outros e até
mesmo com a professora, e grande parte são muito pobres, moram na periferia da parte baixa
da cidade.
O local onde a escola está inserida é considerado o menos violento da cidade. Apesar
disso, a agressividade dos jovens e adolescentes está presente em todos os instantes da aula. A
forma de falar, de se colocar, de intervir, de se dirigir ao colega e até mesmo com a professora
geralmente acontece de forma violenta, sempre num tom alto e agressivo, obrigando-a,
algumas vezes, a reagir da mesma forma, tentando manter a ordem na sala.
Em relação ao horário de início das aulas, este se dava no mínimo às dezenove horas e
vinte e cinco minutos, e se encerrava sempre por volta das vinte e uma horas e vinte minutos,
quando a P3 começava a corrigir os cadernos dos alunos, e à medida que ia corrigindo, ia
dispensando os alunos atendidos. Os alunos também saíam sempre que dava vontade e iam
embora sem dar satisfações.
Em relação ao desperdício do tempo curricular, nesta situação, os prejuízos são os
maiores vistos até agora, fazendo com que ocorram no máximo duas de horas de aula por
noite, o que faz com que os alunos tenham apenas dez horas semanais de aula, com um
desperdício de tempo curricular de, em média, cinco horas por semana.
A sala de aula é a mesma que funciona com crianças durante o dia, são carteiras em
que os alunos sentam individualmente, e quem quer pode fazer duplas, no entanto fica a
critério de cada um, pois as cadeiras estão organizadas em fileiras. São baixas, de difícil
acomodação das pernas dos adultos, pois sua estrutura foi feita para atender às crianças.

Apesar de durante o período em que estivemos em sala nunca termos presenciado mais
de 18 alunos, havia no momento da pesquisa, trinta alunos matriculados, dentre os quais,
quinze eram mulheres e quinze eram homens. Dentre as mulheres, dez encontram-se na faixa
etária entre 15-29 anos, e cinco encontravam-se na faixa etária entre 30-45 anos. Entre os
homens, quatorze estavam na faixa etária entre 15-29 anos, e apenas um encontrava-se na
entre 30-45. Vale ressaltar que dos quatorze alunos na faixa etária entre 15-29 anos, nenhum
ultrapassava os 19 anos de idade, ratificando o que já foi dito antes, do grande número de
adolescentes em sala de aula.

2.6.3.1 - Perfil da professora [P3]

A professora da Escola “C”, que aqui denominamos de “P3” tem 47 anos, é casada e
tem um filho. Ela é natural da cidade de Marechal Deodoro, mas reside em Pilar há 46 anos.
Tem o curso de magistério em nível médio, e recentemente, em 2007 concluiu o curso de
Pedagogia pela UNEAL, no Programa de Graduação para Professor – PGP. Ela é professora
da rede municipal desde 1979, e há quinze anos trabalha com Educação de Jovens e Adultos.
Apesar de não desenvolver outra atividade no turno diurno, a professora optou por trabalhar
com a EJA por gostar do trabalho com essa modalidade, diferente também do que
costumamos observar nas salas de aula de EJA, onde os professores costumam estar no
noturno porque durante o dia exercem outra atividade, uns na área do ensino, outros não.
Em relação à formação continuada, atualmente a professora não está participando de
nenhum curso, e buscou se inscrever no pró-letramento, e como já destacamos anteriormente,
não conseguiu, pois nenhuma professora de EJA foi contemplada com o curso, que foi

prioritário para os professores das séries iniciais do ensino fundamental. No entanto, nos
relatou que participou do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores,
dos PCNs e atualmente está concluindo um curso de especialização em Psicopedagogia no
qual buscou se aprofundar no estudo sobre a hiperatividade.
P3 se mostrou bastante receptiva a nossa presença em sala de aula, apesar de não se
mostrar muito à vontade, situação normal em se tratando de uma pesquisa qualitativa
etnográfica, que exige a presença do investigador em contato direto com o objeto. Sempre
que havia algum desentendimento entre ela e algum aluno, ou entre os próprios alunos, ela se
mostrava

constrangida

por

estarmos

presenciando

e

eram

muitas

situações

de

desentendimento entre ela e alguns alunos, exclusivamente os adolescentes, pois não foi
presenciado nenhum desentendimento com os adultos ou jovens com mais de 20 anos. A
formação religiosa da professora parecia interferir em sua prática em sala de aula, já que era
comum fugir do contexto das aulas, para aconselhar, cobrar atitudes, motivar os alunos a
“seguir por um bom caminho”, segundo as palavras delas, pois frequentemente, ela nos
apontava, de forma discreta, os alunos envolvidos com uso de drogas e prostituição.
Em relação ao trabalho com a variação lingüística, ela nos relatou que eles tendem a
escrever do jeito que falam, e sempre que isso acontece, ela fala com eles, chamando atenção:
“nós precisamos melhorar nossa fala”, não podemos escrever do jeito que falamos, mas não
fiquem nervosos que chegaremos lá”. Em as situações orais em que os alunos se expõem sem
dominar a norma culta, ela nos relatou que é um momento em que os outros alunos, sobretudo
os adolescente riem e ridicularizam os outros, fato este que segundo ela, impede que os alunos
participem mais dos momentos que requerem o uso da oralidade.
Embora a Variação lingüística seja um tema ainda pouco discutido no ambiente
escolar, ela já está presente, mesmo de forma tímida e trabalhada de forma equivocada, em
algumas situações, que demonstra a necessidade de ser tema para formação de professores,

quer seja inicial ou continuada, seja na área da linguagem, seja em qualquer outra área do
conhecimento, visto que a língua é algo presente em todo tipo de interação humana, e por isso
a base de todo o processo educacional.
Por isso, desenvolvemos esta pesquisa onde buscamos conhecer os saberes e as
práticas que definem os procedimentos pedagógicos que os professores de EJA utilizam para
trabalhar questões relacionadas à Variação Lingüística e para tanto, expomos no seguinte
capítulo as variedades utilizadas por professores e alunos nas salas de EJA, os procedimentos
desenvolvido pelas professoras para abordar as questões relacionadas as variedades utilizadas
nos discursos dos alunos, e assim conhecer suas as dificuldades nessa abordagem.

III CAPÍTULO

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: PRÁTICA DE SALA DE AULA

Neste capítulo voltamos nosso olhar para analisar as variedades lingüísticas utilizadas
durante os eventos13 e as práticas14 de letramento em salas de aula de EJA em que professores
e alunos fazem uso oral da língua portuguesa, e para isso, coletamos os dados para essa
pesquisa e fizemos uma análise das estratégias das professoras para intervir nas produções
orais dos alunos, quando estes apresentam variação no uso da Língua Portuguesa.
Durante o período em que assistimos às aulas em três escolas diferentes, denominadas
de escolas A, B e C, observamos e gravamos vinte e oito aulas, nas quais presenciamos treze
ocorrências com a abordagem da variação lingüística, sendo que a freqüência maior aconteceu
na escola C. Essas ocorrências se deram ora, de forma mais explícita, ora de forma mais
implícita, o que exigiu muito cuidado para percebermos as ocorrências e analisarmos a prática
das professoras sobre os episódios.

3.1 - ESCOLA A

3.1.1- variantes em uso

A coleta de dados na escola A teve início em seis de março de 2008 e término em
quatro de abril do mesmo ano. Neste período pudemos assistir a nove dias de aula, perfazendo
um total de aproximadamente 23 horas de observação. Durante essas observações, pudemos
13

[...] por eventos de letramento designam-se as situações em que a língua escrita é parte integrante da natureza da interação entre os
participantes e de seus processos de interpretação (Herth, 1982, p.93), seja uma interação face a face, em que pessoas interagem oralmente
com a mediação da leitura ou da escrita (por exemplo: discutir uma noticia do jornal com alguém, construir um texto com a colaboração de
alguém), seja uma interação à distância, autor-leitor ou leitor-autor, (por exemplo, ler uma carta, um anúncio, um livro). (SOARES 2003a,
p.105)
14

Por práticas de letramento designam-se tantos os componentes exercidos pelos participantes num evento de letramento quanto as
concepções sociais e culturais que o configuram, determinam sua interpretação e dão sentido aos usos da leitura e da escrita naquela
particular situação (Steet, 1995a, p.2)

gravar, registrar e analisar as variantes usadas pelos alunos e pela professora, que aqui
chamaremos de P1.
As variantes que compõem a variedade popular era algo que fazia parte da rotina da
turma, sendo que esse uso era feito com mais freqüência pelos alunos, sem deixar, entretanto
de estar presente no repertório lingüístico da professora. Esses fatores começaram a ser
percebidos em nosso segundo dia de coleta de dados, quando o tema da aula foi o dia
internacional da mulher. Na observação, percebemos que houve interação entre a professora e
os alunos, o que requisitou o uso da língua oral, onde constatamos a presença das variedades
populares conforme o trecho15 abaixo

Trecho [1]
P1 - Vamos ver leiam ((palavra mulher escrita no quadro))16
P1 – vamos dizê palavras que iniciam com a letra M de mulher
A1- Mário
A2- marron
P1 – marron ((ratificando a fala do aluno))
A3 – manga
P1 – manga ((ratificando a fala do aluno))
A4 – maracujá, agora ( )17 porque tem tanta palavra com a letra m,
morongo, melancia,
P1 – maracujá ((ratificando a fala do aluno))
A4 – tem macaxera, magarina, macarrão

Percebemos que durante esse evento de letramento, no qual a professora criou uma
situação didática para trabalhar a letra M, os alunos usaram algumas variantes como a palavra
morongo, usando o fonema /o/ no lugar do fonema /a/ e também, na pronúncia do mesmo

15

O trecho 2 teve duração de 3 minutos e foi retirado de uma gravação de 9 minutos da aula do dia 07/03/08.
Estamos usando itálico para destacar a fala das professoras e alunos e distinguir das demais citações que ocorrem ao longo
do texto.
17
Os ( ) indicam que houve um segmento sonoro que não foi possível identificar durante a transcrição da gravação.
16

aluno, temos a palavra macaxera, como uma variante da palavra macaxeira, no fenômeno
chamado de monotongação.
Os casos de variação que aparecem nas falas dos alunos passam a ser mais freqüentes
quando a professora dá continuidade à aula abordando a questão da mulher no mercado de
trabalho. Após a leitura do texto sobre a mulher, ela inicia a discussão em sala18

Trecho [2]
P1 – ó aí, nós já conquistamos muitas coisas e precisamos conquistar
mais num é isso?
A5 – e precisamos conquistá mais é
P1 – É... agora vamos assim, para o mercado de trabalho, vamos
falar de algumas profissões no mercado de trabalho que a mulher
conquistou
As – ( )
P1 – ( ) Direito da greve
A6 – o direito da justiça, que só dá direito a ela também
P1 – isso, o direito da justiça
A7 – as mulé que hoji em dia num qué trabalhar é coisa de pobi,
porque tem qui trabalhar pra poder ter as coisa
P1 – antigamente as mulheres não podiam trabalhar, só os maridos
trabalhavam, os homens né
A7 – as mulé é quase ingual aos homi, porque os homi sai para
trabalhar prum lado e as mulé pro outro
A8 – oxe, hoje tem mulé sargento, juíza, promotora, devogada,
motorista de caminhão

Mais variações foram coletadas nas falas dos alunos durante a interação do trecho [2]
usadas nos momentos mais descontraídos, nesse diálogo, elas aparecem em maior quantidade
do que no trecho [1], no qual os alunos respondiam a perguntas pontuais feitas pela professora
18

O trecho foi transcrito de uma gravação de 1min10s, gravado no dia 07/03/08.

durante o evento de letramento. Durante os eventos de letramento, que é composto pela
presença da escrita e/ou da leitura, há uma tendência em monitorar a fala, que foi o que
provavelmente aconteceu nesses dois episódios observados.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 62), essa mudança na fala ocorre de um momento
para o outro porque “os falantes alternam estilos monitorados, que exigem muita atenção e
planejamento, e estilos não-monitorados, realizados com um mínimo de atenção à forma da
língua”. E neste sentido, Bagno (2007, p. 45) concorda com Bortoni-Ricardo (2004) quando
diz que nós variamos nosso modo de falar individualmente, de maneira mais consciente ou
menos consciente, conforme a situação de interação em que nos encontramos. A esse
fenômeno é dado o nome de monitoramento estilístico.
Presenciamos durante nossa observação que esse monitoramento acontecia com
frequência na sala de aula, sobretudo quando os alunos conversavam entre si, pois usavam
variantes diferentes daquelas usadas quando se dirigia a professora, a coordenadora ou até
mesmo a nós enquanto pesquisadora em sala de aula. Essa situação confirma o que diz
Bortoni-Ricardo (op. cit) e mostra que os alunos tem um repertório linguístico que permite
que eles adéqüem a fala a diferentes situações e interlocutores mesmo sem ter consciência do
fenômeno da variação.
Durante a aula do dia primeiro de abril em que a professora usou a música “Asa
Branca” para trabalhar questões relacionadas ao meio ambiente e à variação lingüística,
percebemos que mais variantes foram utilizadas pelos alunos e pela professora, conforme os
trechos a seguir

Trecho [3]

P1 – o sertanejo, fala diferente por quê?
A1 – aprendeu com o meio né?
P1 – aprendeu sem ir à escola
A8 – fala tudo errado
P1 – não. Será que a gente temos que ter preconceito com essas
pessoas? Olha, as pessoas tem maneira de se vestir de um jeito, as
pessoas de cada região tem um jeito de falar, então a gente vai ter
que aprender a conviver com esses tipos diferentes e aceitar...

Nessa explicação, a professora usa variantes que constituem um fenômeno variável da
norma não padrão, quando faz a concordância de número a gente temos, que passa
despercebida pelos alunos, apesar de naquele momento, estarem discutindo que os sertanejos
falam “errado”. A não percepção dos alunos, aconteceu porque possivelmente seja algo que
também faça parte do repertório lingüístico deles, ou ainda, em sala de aula a professora é
uma autoridade, e as para os alunos, autoridades não “erram”.
O fato de a professora ter usado variedades populares da língua portuguesa, quando
poderia estar usando a norma padrão, uma vez que, naquele momento estava discutindo
questões relacionadas à variação lingüística, ocupando, enquanto professora, uma posição de
destaque em sala de aula, aconteceu porque ela é uma falante da língua portuguesa, e como
tal, não é falante de um estilo único, pois todo e qualquer individuo varia o seu jeito de falar, e
de acordo com a situação que ocupa, monitora com maior ou menor intensidade seu
comportamento verbal.
A professora usou a variável ‘a gente vamos’ no lugar de nós vamos quando as regras
da sintaxe dizem que não houve concordância entre o verbo e o sujeito. E nem por isso o que
ela disse não ficou entendível, pois como diz Mollica (2003, p. 11)

A concordância entre o verbo e o sujeito, por exemplo, é uma variável lingüística
(ou um fenômeno variável), pois se realiza através de duas variantes, duas
alternativas possíveis e semanticamente equivalentes: a marca da concordância no
verbo ou a ausência da marca na concordância.

Em relação a essa concordância, Scherre (2004, p.46) diz que

[...] Este tipo de concordância é mais referencial, do que gramatical, é bastante
generalizada no português europeu, mais do que no português brasileiro, e
encontra-se também registrado na fala popular de Lisboa, no sudoeste de Portugal
[...]

Esse episódio deixa claro que, mesmo a professora tendo formação superior, ser uma
profissional que trabalha diretamente com uso da língua, não tem o total domínio da norma
culta da língua portuguesa, podendo variar como acontece com milhões de falantes de língua
portuguesa. E não houve, no entanto, um desrespeito à língua materna, as suas regras, mesmo
porque não podemos falar sem obedecer a regras lingüísticas. Logo, se houve competência
comunicativa na qual P1 conseguiu estabelecer comunicação, a linguagem verbal atingiu seu
objetivo.
Em relação aos alunos, percebemos que eles não têm consciência do fenômeno da
variação, quando A8 diz que “eles falam tudo errado”. Isso mostra que, mesmo a professora
tendo usado o diferente se referindo, mesmo timidamente a variação “eles falam diferente”, os
alunos não têm a compreensão de que há diversas formas de dizer a mesma coisa, e sim,
entendem que tudo o que foge da norma padrão é considerado errado, principalmente se isso
for algo que não faz parte do repertório lexical deles, mesmo que este não seja composto por
variantes da norma padrão como foi o caso dos alunos em questão. Os sertanejos apresentam
um repertório linguístico, assim como todas as pessoas com variações semânticas e lexicais
que tem marcas mais do meio rural do que do urbano por tratar de pessoas que moram longe
dos centros urbanos, que se envolvem em menos eventos de letramentos.

Outras situações em que presenciamos o fenômeno da variação lingüística em sala de
aula foram no dia 11 de março, no qual a professora trabalhou com o tema da cesta básica em
sala de aula. Nesse dia, ela solicitou aos alunos que fizessem uma lista de produtos que devem
conter em uma cesta básica. Após a escrita da lista, pediu para que eles lessem o que haviam
escrito. Antes da leitura presenciamos no diálogo mais informal, discutindo o aumento de
preços dos alimentos, o uso de algumas variantes da língua portuguesa conforme o trecho
abaixo

Trecho [4]
A1 – u fêjão né, eu num sei de nada, mas ouvi falá qui é falta d’água
no sertão, num chovi né
A2 – o ólhu tamém indoidou... ( ) subiu muito
A3 – o ólhu subiu muito também

A professora, ratificando a fala da aluna, concordando com o aumento do óleo de
cozinha, usa também a variante ólhu, no entanto, oferece uma variante padrão também,
quando no momento anterior a aluna havia usado uma variedade da norma popular tamém. Na
escrita dos alunos percebemos que a variante óleo foi a que mais variou nas escritas
observadas, uma vez que dos quinze alunos presentes, dez colocaram o óleo em sua lista de
compras, sendo que desses, oito escreveram a palavra com variações do tipo: 19olho (três
vezes), ólio, olheo, oliós, olio, ólo. A escrita era a reprodução da pronúncia. Outras palavras
como fósfero, vinagri, fêjão, sabão em peda, sardinha coquêro, papel hengiênico, leiti,
pexe também foram escritas da forma como falam.
Não houve nenhuma intervenção da professora, nem na forma escrita ao corrigir os
cadernos dos alunos, nem na oralidade. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a professora na
prática de sala de aula, na perspectiva da pedagogia culturalmente sensível deve usar como
19

A escrita padrão das palavras: óleo, fósforo vinagre, feijão, sabão em pedra, sardinha coqueiro, papel higiênico, leite,
peixe.

estratégia a identificação da diferença lingüística em sala de aula para, a partir daí, trabalhar
com a conscientização dessa diferença, ou seja, primeiro ela deve identificar que os alunos
não dominam a norma padrão da língua portuguesa e depois trabalhar na ampliação de seu
repertório lingüístico, para que eles passem no decorrer do processo de ensino aprendizagem a
dominar o código padrão.
A estratégia sugerida por Bortoni se mostra relevante à medida que na identificação a
professora poderia desenvolver uma aula a partir de uma problemática identificada para
contextualizar o conteúdo e partir de uma necessidade real trabalhar o tema, não para mudar a
forma de falar os alunos, sobretudo da EJA, que tem toda uma história de vida fora da escola,
e sim para viabilizar o acesso as diferentes formas de falar para que os jovens e adultos
percebam que existem outras formas de falar que são diferentes da sua, e que o uso da língua,
assim como as roupas devem se adequar as situações, ao contexto, e assim fazer com que os
alunos percebam que eles já fazem isso, e daí ampliem seu repertório de maneira consciente e
sem preconceitos.
No episódio citado acima essa identificação não aconteceu. O que percebemos é que a
professora, assim como os alunos ficaram bem à vontade no uso de uma variedade popular da
Língua Portuguesa, por se tratar de um assunto que eles dominam (a cesta básica) e por ter se
desenvolvido em sala de aula uma interação informal. Neste sentido, a identificação fica
prejudicada pela falta de atenção ou não é percebida pelo fato de a professora desconhecer
aquela regra. Para muitos professores, regras do Português próprias de uma cultura
predominantemente oral são “invisíveis”, o professor as tem no seu repertório e não as
percebe na linguagem dos alunos, especialmente em eventos como o citado acima, de fala
mais informal (BORTONI-RICARDO, 2004). Nesse caso, professores e alunos se
assemelham bastante no uso da língua.

Os professores, além de ter um repertório linguístico semelhante ao dos alunos, não
tem de forma clara conhecimento da variação linguística e, portanto, sentem dificuldade em
trabalhar esse tema e muitas vezes nem identificam a variação na fala dos alunos porque as
variedades por eles utilizadas também fazem parte de seu repertório.

3.1.2 – Os procedimentos metodológicos no trabalho com a variação lingüística

Na escola A, observamos três episódios em que a professora demonstrou intenção de
trabalhar com a variação, dentre os quais o que nos chamou mais atenção foi o trabalho com a
música Asa Branca, ocorrido no oitavo dia de nossa pesquisa na escola.
A música foi trabalhada em sala de aula, a partir de uma sugestão nossa, já que
estávamos em nosso sexto dia de pesquisa, tínhamos presenciado apenas dois breves
momentos em que a professora trabalhou questões relacionadas às variações lingüísticas na
sala.
Essa sugestão só foi possível porque frequentemente a professora nos pedia sugestões
de aula para trabalhar com a EJA, uma vez que há dois anos não trabalhava com esta
modalidade, estando durante este período com a Educação Infantil. Neste sentido, fizemos uso
dessa oportunidade e sugerimos o trabalho com a música Asa Branca, aproveitando que P1
estava trabalhando questões ligadas ao meio ambiente. Nossa intenção era observar como ela
ministraria a aula utilizando como recurso didático uma música com a presença de inúmeras
variedades. Em nenhum momento houve indicação nossa de como deveria ser trabalhada a
música, deixando claro que a levamos como sugestão solicitada, porque ela retratava a seca
do sertão. Entretanto, nossa intenção era a de que ela, a partir da música, trabalhasse uma aula
de língua portuguesa, enfocando a variação lingüística.

A aula aconteceu no dia primeiro de abril. Nesse dia, P1 atrasou 40 minutos para
chegar à sala e justificou seu atraso, explicando que foi por causa do transporte. Havia na sala
16 alunos, sendo 03 homens e 13 mulheres. P1, num momento de descontração lembrou à
turma que era primeiro de abril, dia da mentira. Logo após, percebemos que a professora
havia planejado uma aula com a música ao anunciar que trabalharia com a Asa Branca. Não
havia um contexto específico, não foi criada nenhuma situação para justificar o trabalho com
a música. Ela anunciou que o texto do dia seria a música Asa Branca, entregou uma cópia da
música para cada aluno, e iniciou o trabalho dizendo:

Trecho [5]
P1 – já gente? Vamos começar né, vamos estudar Asa Branca
hoje...eu trouxe essa música, é

nosso texto hoje, vamos lê todo

mundo, façam uma leitura silenciosa.

Neste momento estabeleceu-se um silêncio na turma, os alunos pareciam estar fazendo
a leitura silenciosa solicitada pela professora. Uma aluna quebrou o silêncio para perguntar
qual era a matéria, e ela respondeu que era Língua Portuguesa. A música estava digitada em
uma folha de papel A4, que foi reproduzida e entregue a todos os alunos. Ao ser entregue, P1
solicitou que os alunos colassem em seus cadernos após a leitura silenciosa. Depois de cinco
minutos de leitura silenciosa dos alunos, P1 retoma a fala, criando uma interação limitada
sobre a música

Trecho [6]

P1 – qual o titulo dessa música?
As – Asa Branca
P1 – vamos ler a música, eu leio e depois vocês lêem

Em relação a isso, Marchuschi (2008, p. 52) diz que
um dos problemas do ensino é o tratamento inadequado, para não dizer desastroso,
que o texto vem recebendo, não obstante as muitas alternativas e experimentações
que estão sendo hoje tentadas. Com efeito, introduziu-se o texto como motivação
para o ensino sem mudar as formas de acesso, as categorias de trabalho e as
propostas analíticas.

Com base em Marcuschi, compreendemos que o trabalho com a música “Asa Branca”
foi limitado, voltado para os aspectos formais do texto, com perguntas pontuais, mas não se
trata de compreensão do texto, nem tão pouco de uma abordagem voltada para variação. A
Professora continua fazendo uso inadequado do texto quando inicia a leitura da música, sem
cantar, e logo em seguida é interrompida por um aluno que percebe a presença de uma
variação

Trecho [7]
P1 – quando oiei a terra ardendo, quá fugueira de...
A1 – aqui tem oiei, mas é olhei né?
P1 – é, mas tem que lê do jeito que está aí, do jeito que está escrito

A professora continuou a leitura da letra da música do jeito que estava escrito,
pausando com dificuldade nas variantes pronunciadas. Após a leitura, ela volta a fazer
perguntas sobre a música

Trecho [8]

P1 – o que vocês acharam da música? Gostaram? É antiga né?
Quem cantava?
As – é antiga... Luiz Gonzaga
P1 – é Luiz Gonzaga. Do que fala essa música.

A2 – do sertão
P1 – sertão né
A3 – da seca né professora
P1 – é... muito bem, da seca no sertão

Agora, a professora vai resgatar a aula em que foram abordadas questões ambientais
relacionadas à água, enfatizando o desperdício e os problemas causados pela falta dela

Trecho [9]
P1 – a gente tinha comentado sobre a água né... sobre a falta da
água e quais as conseqüências da falta de água...
A4 – miséria né
P1 – vem a fome, vem a pobreza, a miséria e o meio ambiente né...
quando não existe água no período de estiagem acontece a seca

Até este momento da discussão, a variação lingüística não havia sido trabalhada. Ela
usou a música em Ciências Naturais, mas demonstrava uma ansiedade enquanto aguardava os
alunos mencionarem as variantes encontradas no texto, mas isso só aconteceu depois da
provocação de P1. O planejamento para a aula parece ter sido mais voltado para Língua
Portuguesa do que para Ciências, apesar de a professora ter tido dificuldades de abordar a
variação lingüística

Trecho [10]

P1 – agora gente, vocês falaram sobre a seca do sertão, essa música
fala sobre a seca né, mas vocês notaram algumas palavrinhas
diferentes no texto
As – sim
P1 – quais foram as palavrinhas que vocês notaram diferentes?

A5 – farta d’água né?
P1 – farta de d’agua né...era como hein?
A5 – falta de água
P1 – falta de água, muito bem!

Até o presente momento a professora usou como procedimento, a leitura em voz alta
feita por ela e a silenciosa feita pelos alunos para em seguida identificarem as variedades
contidas no texto. Em seguida ela muda a estratégia e pede para os alunos contarem as
estrofes e em seguida, identificarem as variantes em cada estrofe

Trecho [11]
P1 – agora, vamos ver, quantas estrofes tem nesse texto hein? Vamos
contar, um, dois, três...
P1 – agora vamos ver, na primeira estrofe tem alguma música, ou
melhor, alguma palavra diferente?
As – oiei
P1 – oiei, muito bem!
A6 – é, porque é olhei, aí tá oiei, tá errado né professora oiei

Outro procedimento da professora para continuar o trabalho com a variação lingüística
em sala de aula foi uma atividade escrita em que os alunos deveriam construir uma tabela
contendo duas colunas, onde eles deveriam colocar na coluna da esquerda as variantes da
variedade popular e na coluna da direita, as variantes da norma padrão da língua portuguesa.
Ela utilizou como estratégia ratificar a fala dos alunos quando eles identificavam a variante e
ofereciam a variante padrão. O trabalho com a música aconteceu em um único dia, sem ser,
portanto retomado no dia seguinte.
Em outro momento de nossa observação, não mais trabalhando com a música Asa
Branca, a professora fez um trabalho com a Língua Portuguesa enfocando a variação

lingüística. Para isso, ela escreveu no quadro uma atividade intitulada: descubra o enigma.
Nesta atividade, cada número correspondia a uma letra. Propositalmente ela colocou o enigma
da palavra folha e relatou:

Trecho [12]
P1 – coloquei nessa atividade a palavra FOLHA, quero que eles
descubram, porque ouvi eles falando fôia, olha só! ((exclamou a
professora, com um aspecto de quem estava chocada com os “erros
dos alunos))

Neste sentido, ela criou uma atividade para poder trabalhar o fonema palatal /lh/ da
palavra folha e, no entanto não ampliou para outras palavras que também apresentam este
fonema. Já em um segundo momento percebido por nós durante a observação, ela também
trabalhou a pronúncia desse fonema durante a aula sobre o dia internacional da mulher,
desperdiçando a oportunidade de expandir a abordagem da variação lingüística, chamando a
atenção para a fala dos alunos em sala, levando-os a refletir sobre a forma de falar

Trecho [13]
P1 – Vamos pronunciar: mulher
As – Mu::: LHER
P1 – Vamos para pronunciar a palavra correta né...vamos MU:::_
LHER
A2 – eita que a professora puxa tanto pela língua (risos)
P1 - Vamos lá vamos MU:::_ LHER
Vamos que eu não ouvi direito
A3 – Mu::-LHER
P1 – Vamos, Mu:::LHER

As estratégias que ela usa para trabalhar são altamente tradicionais e não demonstram
uma intenção em conscientizar os alunos sobre sua forma de falar, de usar a língua portuguesa
se monitorando em diferentes contextos e com diferentes interlocutores. Ela demonstra que
deseja que eles aprendam a falar a língua padrão, como se fosse possível fazer a substituição
das variedades que sempre foram utilizadas durante boa parte de sua vida antes da escola, por
aquela nova língua adquirida na sala de aula. O ensino da gramática pela professora P1 ainda
acontece de forma rígida, impositiva e abstrata na qual são trabalhadas regras e normas, que
muitas delas não serão utilizadas jamais em nosso dia-a-dia.
Se considerarmos que a fala, enquanto manifestação da prática oral é algo que
adquirimos naturalmente, em contextos informais do nosso dia-a-dia, que aprendemos desde o
nosso nascimento, logo entendemos que a heterogeneidade é algo inevitável na oralidade, o
que faz com que as pessoas falem diferente umas das outras, seguindo as regras adquiridas no
seu convívio social, em sua comunidade de fala, diferente do que acontece com o ensino da
gramática nas escolas, que é algo com regras únicas, independente de quem fale, com quem
fale e onde fale. Por isso não é possível fazer a substituição de uma fala por outra, e sim é
possível ampliar o repertório lingüístico dos alunos, mostrando a eles que existem diversas
formas de se dizer a mesma coisa. A respeito disso, Scherre (2005, p. 42) diz que
Na maior parte das vezes, o ensino de gramática é feito de forma rígida, como se
tudo que fosse diferente do que está registrado ou codificado por nossa gramática
fosse inerentemente errado. O ensino normativo tem o objetivo de banir das línguas
formas ditas empobrecidas, formas ditas desviantes, formas consideradas indignas
de uma língua bem falada e, portanto, consideradas indignas de serem usadas por
homens de bem.

Dessa forma, há a tendência, em meio a essa rigidez de confundir a gramática
normativa com a língua materna, quando na verdade a gramática normativa é a codificação de
uma norma padrão escrita com base em textos escritos por uma elite urbana dominante que

goza de plena aceitação social. Portanto, percebemos que os procedimentos da professora para
trabalhar a variação lingüística tenta impor o que está posto na gramática normativa, sem
haver uma reflexão da fala, bem como das diferentes formas de falar do povo brasileiro, sem
haver necessariamente erros e acertos.

3.1.3 – As dificuldades pedagógicas no trabalho com a variação lingüística

Durante a coleta de dados, descobrimos que havia dificuldades da professora em
intervir nos discursos orais dos alunos para tratar do tema da variação. No decorrer da aula em
que ela trabalhou a música Asa Branca, ela discutiu e expôs o uso da língua, fazendo uma
explanação sobre a língua oficial e o papel da escola mesmo que de forma superficial

Trecho [14 ]
P1 – esse meio que eles ((os sertanejos)) freqüentam é o meio social
deles... não é isso? Porque a língua oficial é aquela que a gente
aprende na escola, então quando a gente freqüenta a escola, a gente
fala a língua oficial... essas pessoas não freqüentam a escola...( ) a
língua oficial é que a gente aprende na escola, é a dos textos em
jornais, em revistas, são pessoas que estudaram, e essas pessoas que
não estudaram falam diferente, mas que não podem ser punidas
assim, porque a gente tem que aprender todo tipo de língua.

O procedimento da professora, nesse episódio, demonstra que ela reconhece que é
função da escola trabalhar a norma padrão da língua portuguesa, a qual ela chamou de língua
oficial. No entanto, percebemos um equívoco no entendimento de P1 em relação ao ensino da
norma padrão. Ela demonstrou que esse ensino deve se dar por meio da substituição das

variantes que os alunos já sabem, e passou a vida inteira usando antes de ir para escola, pela
norma padrão, ensinada na escola, que é o que ela denominou como “aprender a falar certo”,
que seria abandonar a língua vernacular e passar a fazer uso da norma padrão.
Imaginemos os alunos da EJA, que chegam à escola depois de no mínimo quinze anos
de vida, tendo que aprender a “falar certo”, pois tudo o que falaram durante toda a sua vida
estava errado. Isto é inaceitável. A professora também defende a ampliação do repertório
lingüístico, mesmo que de forma menos explícita, e com pouca segurança quando diz que
“devemos aprender todo o tipo de língua”, mesmo enfocando o “todo”, como se houvesse
línguas inferiores e superiores, e nós, enquanto “bons moços”, deveríamos aprender a
conviver com as diferenças.
Percebemos que P1 não tem uma noção ampliada do fenômeno da variação lingüística
e por isso discute o tema, com alguns “preconceitos” e não percebe que ela mesma e os alunos
usam com freqüência a norma popular. Todavia, P1, assim como as demais professoras
participantes dessa pesquisa, e indo mais além, boa parte de nós professores, não só do
município de Pilar, como da rede estadual e de outras redes municipais, não participa, por
falta de oportunidade, de formações que nos permitam lidar adequadamente com uma série de
questões que inevitavelmente surgem no dia-a-dia de sala de aula, relacionada à variação
lingüística.

Trecho [15]
P1 – vamos aqui ((música)): quando oiei a terra ardendo... esse
ardendo aqui, significa o que?
As – o sol
A9 – o sol queima tudo, a quintura, pôca água

Nessa intervenção, percebemos que A9 usou variantes que passaram despercebidas
pela professora, que não usou o momento como ensejo para trabalhar as variedades presentes
em nossa língua, em nossa forma de falar, ao pronunciarmos o /i/ no lugar do /e/, o /o/ ou ao
suprimirmos a vogal /u/ no processo durante a assimilação que ocorre na língua portuguesa,
como nos diz Bagno (2003, p. 83)

Os livros didáticos e as gramáticas insistem em dizer, até hoje, que nas palavras
pouco, roupa, louro existem “ditongos”.[...] Há muito tempo que o que escreve
OU é pronunciado O.[...]basta você ligar o rádio ou a televisão para ouvir poco,
ropa, loro... este é um fenômeno que tanto ocorre no português padrão do Brasil,
quanto no não padrão.

Este fenômeno recebe o nome de monotongação, e acontece não só com a redução do
ou em o, como também com a redução do ditongo ei para vogal e. Existe em meio a este
fenômeno outra relevante explicação científica para a justificativa da variação lingüística que
transforma o fonema /e/ em /i/ e o /o/ em /u/ que é a denominada assimilação na qual há a
pronúncia mais fraca dos fonemas /e/ e /o/ átonos postônicos, o que faz com que soem como
/i/ e /o/. Quando essas vogais são átonas pretônicas, isto é, antecedem a sílaba tônica da
palavra, também acontece a redução. Porém, esta só acontece se os fonemas /e/ e /o/ são
transformados em /i/ e /o/ quando há na sílaba tônica a presença de um /i/ ou um /u/, como
bebida, pronunciada bibida, formiga, pronunciada furmiga, coruja, pronunciada curuja etc.
A escola trabalha com questões complexas como estas fazendo uso da repetição e
memorização dos alunos, e a classificação de certo e errado, coruja está correto, curuja está
errado. Não há um trabalho de pesquisa com a língua, em que os alunos sejam levados a
refletir sobre as peculiaridades linguísticas em muitas palavras, possibilitando uma reflexão
em que os alunos percebam quando eles dizem curuja, furmiga, bibida não estão falando
errado, e sim estão seguindo regras de uma gramática interna.

Trecho [16]
P1 – aqui, na segunda estrofe, qui braseiro que fornaia, nenhum pé
de prantação...aqui, qui braseiro, que é qui braseiro qui fornaia?
As – as brasas ( )
P1 – é... tava tão quente, tão quente o sertão e a natureza gente, que
ele comparou com uma fornaia
As – fornalha
P1- hein? Como?
As – fornalha
P1- é... forna-LHA, eles trocam as letras né (riso)
P1 – nenhum pé de prantação... essa palavra, tá vendo alguma coisa
diferente, ou essa palavra é escrita desse jeito hein?
A2- ((o mesmo aluno que corrigiu o oeie)) – tá certa, tem não nada
diferente

A professora continua, enfatizando a pronúncia da palavra, repetindo

Trecho [17]

P1 – PRANtação, PRAN-ta-ção
A10 – acho qui tá certa professora
P1 – o que vocês acham?
A11 – eu acho qui tá errada... é plantação
P1 – como? Plantação com L né? Plantação, deriva da palavra
planta né...
P1 – pru farta d’água, a palavra pru farta, farta ta errado?
A12 – pu falta, pu falta de água né?
P1 – olha! Muito bem pu falta de água né... ah, muito bem gente, o
resto tá certinho, a gente vai fazer uma atividade em grupo.

Neste sentido, notamos que quando as variedades presentes na fala são usadas pelos
alunos e pela professora, elas não são questionadas, passam despercebidas. Mais uma vez ela

enfatiza o fenômeno da assimilação, quando o assunto é o uso do fonema /lh/ e deixa passar o
fenômeno da redução, na troca do /e/ pelo /i/. Saindo da assimilação, a professora entra em
outra discussão, mesmo sem saber nomear, ela discute agora o rotacismo, que é o fenômeno
lingüístico em que o falante troca o fonema /l/ pelo /r/ em encontros consonantais ou em final
de sílaba.
Neste momento, percebemos algo positivo na atitude da professora em relação ao
combate ao preconceito linguístico, quando ela demonstra ficar incomodada com a colocação
da aluna ao dizer que oiei está errada

Trecho [18]

P1 – olhem, vejam bem, a língua no Brasil é a língua portuguesa, é
nossa língua, olhem, nós brasileiros moramos no mesmo país, mesmo
a gente morando no mesmo país, a gente fala diferente, tem regiões
que falam diferente, o sertanejo tem língua diferente, a gente tem que
aprender todo tipo de língua para poder a gente se comunicar né,
é...por exemplo

A princípio, a professora fez uma reflexão sobre a língua portuguesa, chegando a
afirmar que falamos diferente de acordo com as regiões que habitamos. Quando recorremos a
Bagno (2007, 9.36) ele ratifica essa fala da professora dizendo que “os seres humanos vivem
em sociedade, sendo eles heterogêneos, diversificados, estáveis, sujeitos a conflitos e a
transformações. A língua é falada por esses sujeitos”.
A professora demonstra que tem noção do que seja a sociolinguística, porém, essa
noção não é suficiente para fundamentar sua explicação em relação ao fenômeno da variação

Trecho [19]
P1 – a primeira sociedade que a gente passa a aceitar, a frequentar é
a família, aí aprende por conta da família, do meio social nosso, é a
família, depois vem os outros, vem o lugar que a gente frequenta... a
língua oficial é...hum... ((confusa)) são as lingüísticas, existem vários
números de variantes, com eu já expliquei para vocês, existem uma
variedade de variantes de língua né

Na primeira colocação, a professora se aproxima do que Bortoni-Ricardo (2004)
chama de comunidade de fala, na qual o sertanejo é influenciado pela comunidade onde está
inserido. Neste sentido, o sujeito morador da zona rural fala de acordo com o repertório
linguístico daquela comunidade. Não só o contexto, mas outros fatores como a idade, o sexo
também interferem na forma de falar dos sujeitos falantes da língua portuguesa, o que nos faz
perceber que homens e mulheres falam diferente, sendo que essas diferenças também se
fazem presentes se os falantes forem de gerações distintas ou ainda se forem de classe social
diferente, profissão diferente, uma vez que outros fatores como status socioeconômico,
mercado de trabalho e a rede social são atributos que geram mudanças no uso da língua do
falante da Língua Portuguesa.

Trecho [20]
P1 – o sertanejo, ele fala diferente, no nordeste que é nossa região
por exemplo, Alagoas, que é nosso estado, está incluído na região
nordeste... nós somos nordestinos, porque nascemos na região
nordeste, então algumas pessoas falam diferente. Agora porque essas
falam diferente? É como ela ((se referindo a aluna)) falou, o
sertanejo fala diferente, por que?

Mais uma vez P1 demonstra não ter segurança para trabalhar a variação linguística, à
medida que se perde durante a explicação, tenta direcionar a aula e evita usar a palavra erro,
usando a palavra diferente. Acima quando ela se referiu à Região Nordeste, não aproveitou
oportunidade de trabalhar as variedades utilizadas por nós nordestinos e que são
ridicularizadas pelos sulistas, através da mídia e outros meios de comunicação. Mas ao invés
disso, a professora, talvez por insegurança, não trabalhou a Região Nordeste no sentido de que
é uma região socialmente desprestigiada e estigmatizada pela elite brasileira, que compõe as
classes sociais mais favorecidas das regiões Sul e Sudeste. As variedades presentes nas falas
dos sujeitos de diferentes regiões compõem um dos fatores extralinguísticos, que é o de
origem geográfica, que comprova que a língua varia de um lugar para o outro. É a variação
diatópica, onde verifica que há diferenças no modo de falar de lugares diferentes, como as
grandes regiões, a zona urbana e a zona rural etc.
Uma reflexão necessária a ser desenvolvida em sala de aula é a de que todas as línguas
variam e isso implica dizer que não há uma única sociedade ou comunidade na qual todos os
sujeitos falem da mesma forma. E não é diferente no Brasil, principalmente por sua dimensão,
a variação lingüística se constitui em um fato natural e inevitável, graças à heterogeneidade
social e aos diferentes graus de contato intergrupal das diversas comunidades aqui existentes.
Estes fatores que constituem a variação são chamados fatores extralingüísticos que podem ser
definidos como: origem geográfica, fatores socioeconômicos, grau de escolarização, idade,
sexo, mercado de trabalho e redes sociais (BAGNO, 2007, p. 43-44).
Numa outra aula em que houve a abordagem da variação lingüística, a professora
demonstrou dificuldade para trabalhar as variedades que os alunos usaram em sala de aula,
conforme podemos ver

Trecho [21]
P1 – Agora a terminação da palavra mulher, quantas sílabas tem a
palavra mulher?
A1 – Duas
Quando a gente abre a boca para falar a palavra mulher, mu::LHER
Vamos pronunciar: mulher
As – Mu::: - LHER
P1 – Vamos para pronunciar a palavra correta né...vamos MU::_
LHER
A2 – eita que a professora puxa tanto pela língua (risos)
Vamos lá vamos mu::LHER
Vamos que eu não ouvi direito
A3 – mu::LHER
P1 - Vamos muLHER
A4 – muLHER (risos)

Neste episódio, ocorrido durante a aula sobre do dia da mulher, a professora enfatizou
a pronúncia da palavra mulher, demonstrando que tinha como interesse a fonema palatal /lh/.
No entanto a professora demonstrava insegurança, com dúvida quanto a sua prática, e não
usou a denominação erro para a variedade mulé, entretanto usou a repetição como método
para falar “correto”. Vejamos mais um trecho

Trecho [22]
P1 – Agora vamos ver se a gente consegue encontrar palavras que
tenha o lher
A 1– Colher
P1 – Muito bem, coLHER
A2 – Não é mesma?
P1 – Não, olhe é colher, a outra é mulher
A3 – Milho
A4 – Não, que não é lhé e lhó
P1 – É, milho pode não

P1 – O lher , lher...eu quero que vocês aprendam a falar a palavra
correta...porque tem gente que diz ... ( ) aqui não, aqui não tem
ninguém que fala assim não, di jeitu nenhum
A1 – Eu falo assim professora, eu falo
P1 – Pessoas em outros lugares (ironia) muleé, o mulé...e não é
mulé, é (esperando que os alunos completassem)
As – mu::LHER

Percebemos que neste evento de letramento onde a professora trabalha com a
oralidade, ela enfatiza a variante padrão no caso da vocalização do fonema palatal /lh/ numa
estratégia para que os alunos não mais pronunciem mulé, pois ela já presenciou a pronúncia
da variante popular na sala, apesar de negar isso ao explicar como deveria ser pronunciada a
variante. No entanto, ela foge do objetivo que demonstra a princípio, quando recusa a palavra
milho proposta pelo aluno. Naquele momento, ela demonstrou que estava trabalhando com a
sílaba travador lh, enfatizando também a rima, o que tirou um pouco do sentido da atividade,
o que mostra a dificuldade de planejamento da professora para trabalhar questões de variação.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), na perspectiva de uma pedagogia culturalmente
sensível aos saberes dos educandos, a professora pode adotar como estratégia a
conscientização
[...] É preciso conscientizar o aluno quanto às diferenças para que ele possa
começar a monitorar seu próprio estilo, mas essa conscientização tem de dar-se sem
prejuízo do processo de ensino/aprendizagem, isto é, sem causar interrupções
inoportunas. (BORTONI, 2004, p. 42)

As dificuldades no trabalho com a variação lingüística fizeram com que a professora
não otimizasse a oportunidade de trabalhar a pronúncia das palavras que apresentam a mesma
dificuldade do fonema palatal /lh/ na palavra mulher e não observou o exemplo de milho,
sendo o mio outra variante que encontramos com freqüência na fala dos alunos. Como o que
estava em questão era a pronúncia do lher de mulher, não haveria prejuízo ao processo de
ensino aprendizagem se essa intervenção acontecesse, já que nenhuma idéia seria

fragmentada, uma vez que, segundo Bortoni-Ricardo (op.cit) a intervenção pode e deve ser
adiada para que uma idéia não seja perdida. Ou seja, a forma de falar, dominando ou não a
língua culta em determinado momento não importa quando o que está sendo dito tem coesão e
coerência.

3.1.4 – O trabalho com a língua portuguesa: questões de discriminação

Existe, assim como existiu e devemos lutar para que continue existindo, entre tantos
outros, mais um tipo de discriminação: a linguística. Esta é tão perigosa ou até mais do que as
outras, porque é sutil, e por isso não há nenhuma lei contra ela, que ajude em seu combate e
quem age com preconceito linguístico o faz e fica impune, e muitas vezes o faz de forma
inconsciente, o que nem por isso faz com que esse tipo de discriminação não seja tão
prejudicial quanto os demais.
Essa discriminação tanto afeta a sociedade, como compromete a função social da
escola, à medida que esta se dedica mais a cultivar a norma culta como uma fórmula mágica
de ascensão social do que favorecer a formação de indivíduos capazes de reconhecer e lutar
pelos direitos a bens culturais, à saúde, à habitação, enfim a vida digna de cidadão, merecedor
de respeito e cumpridor dos deveres, como aborda Scherre (2005, p. 42)

Direta ou indiretamente, um dos maiores problemas do denominado ensino da
Língua Portuguesa se passa pela questão do preconceito lingüístico. Em verdade,
não se ensina Língua Portuguesa, porque não se pode ensinar o que já se sabe,
ensina-se sim, gramática normativa de Língua Portuguesa, escrita da Língua
Portuguesa ou leitura em Língua Portuguesa ou leitura da Língua Portuguesa, mas
não se ensina Língua Portuguesa (SCHERRE 2005, p. 42).

Isso, na maioria das vezes leva os professores a reproduzir em sala de aula esse
preconceito, desconsiderando as variedades lingüísticas dos alunos. Percebemos isso, mesmo

que de forma sutil na análise da prática da professora, uma vez que a maior parte de suas
intervenções, P1 tendeu a valorizar mais as variações lingüísticas de “prestígio” do que as
populares, com base em suas experiências de vida e no contexto social, desconsiderando a dos
alunos em alguns momentos.
Identificamos logo no segundo dia de nossa pesquisa na escola “A” essa tendência da
professora, quando ela, ao ministrar a aula sobre o dia internacional da mulher, desenvolveu o
diálogo transcrito abaixo

Trecho [23]

Vamos para pronunciar a palavra correta né...vamos MU::: LHER
A1 – eita que a professora puxa tanto pela lingua (risos)
Vamos lá vamos MU::: LHER
Vamos que eu não ouvi direito
A1 – Mu::-LHER
P1 – o lher , lher...eu quero que vocês aprendam a falar a palavra
correta...porque tem gente que diz, aqui não, aqui não tem ninguém
que fala assim não, di jeitu nenhum
A1 – eu falu assim professora, eu falu
P1 – pessoas em outros lugares (ironia) mulé::, o mulé::...e não é
mulé, é
As – mu::-LHER

A ênfase na repetição provocou risos entre os alunos, o mesmo que costuma acontecer
com as pessoas que não dominam a norma padrão da Língua Portuguesa quando sabemos que
pessoa alguma pode ser desrespeitada pela língua que fala.
Identificamos novamente a discriminação linguística no discurso da professora,
quando ela atribui o uso da norma popular aos falantes analfabetos. Do jeito que ela se
expressou, que só quem não vai à escola fala diferente e essas pessoas são diferentes, por isso

falam assim “temos que aprender a conviver com esse tipo de gente”, ou seja, ela fala em
tolerância como se essa fosse caridade, um gesto de solidariedade com essas pessoas que são
especiais, são sujeitos estigmatizados pela professora e por uma boa parte da sociedade
brasileira, por não falarem a norma padrão da Língua Portuguesa. O oiei presente na música
Asa Branca é condenado pela P1 e pelos alunos, atribuindo essa pronúncia aos analfabetos do
sertão.
Essa troca do /lh/ pelo /i/ é o que os sociolinguístas chamam de processo de
assimilação. Este é o que acontece quando o falante da norma popular fala oiei, fornaia, fôia.
Isso acontece porque o fonema /γ /20 é produzido com a ponta da língua tocando o palato21,
muito próximo ao ponto onde é pronunciado a semivogal /ỵ22/.
Essa variável é uma das menos prestigiadas na variedade popular da Língua
Portuguesa, uma vez que, quem as pronuncia, em sua maioria, são pessoas pobres, analfabetas
ou com pouca escolaridade, moradoras da zona rural. Logo, essas pessoas são alvos de todo o
tipo de preconceito e julgamentos negativos de valor, entre eles o preconceito linguístico, é
pior que o preconceito de raça, cor, gênero, religião ou classe social. A maioria dos alunos da
EJA encontra-se entre essas pessoas, pobres, alfabetizandos ou com pouca escolaridade, A
variação de origem geográfica mostra que a língua varia de um lugar para o outro Isso faz
com que muitos deles preservem seus antecedentes culturais, principalmente no seu repertório
linguístico. Mais uma vez isso é enfatizado pela professora

20

Símbolo usado pelos lingüistas para representar o som lh.
É o nome oficial de céu da boca
22
Símbolo usado pelos lingüistas para representar o som da vogal i de pai
21

Trecho [24]

P1 – são pessoas da zona rural que geralmente falam assim, mas
graças a Deus está mudando essa situação, agora já tem transporte e
as pessoas estão frequentando a escola. Mas, geralmente no sertão,
quando é muito longe, não existe escolas, as pessoas ficam naquele
ambiente, falando daquele jeito com a família, porque só aprende a
falar nossa língua oficial quando chega na escola né, que aprende as
regras da gramática, aprende as palavras corretas né... que aprende
a escrever sem erros de grafias, certo?

Apesar de P1 ter razão ao dizer que geralmente são pessoas da zona rural que mais
usam o processo de assimilação, percebemos que ela vê esse fator como extremamente
negativo, à medida que ela agradece a Deus por esta situação estar mudando, revelando mais
uma vez uma visão preconceituosa ao dizer de forma indireta que a forma como os sertanejos
falam é errado, pois só na escola se aprende a falar certo quando conhecemos as regras
gramaticais.
Concordando com Scherre (op.cit), acreditamos que este é um dos maiores problemas
do denominado ensino da Língua Portuguesa na escola, pois passa pela questão do
preconceito lingüístico. Isto é, a confusão que se faz, colocando a Língua Portuguesa como
sinônimo de gramática normativa. Não se ensina Língua Portuguesa, porque não se pode
ensinar o que já se sabe, o que a escola deve fazer é ensinar a gramática normativa da língua
portuguesa, a escrita da Língua Portuguesa ou leitura em Língua Portuguesa, mas não se
ensina a língua portuguesa, pois isso já conhecemos desde o ventre materno.
Observando a escola A, percebemos que a abordagem da variação linguística
aconteceu, porém de forma fortuita e restrita. Fortuita, uma vez que de forma indireta
contribuímos com a abordagem quando sugerimos o trabalho com a música Asa Branca e

restrita porque a professora pouco ampliou a discussão da variação lingüística para além dessa
ocasião.

3.2 - ESCOLA B

3.2.1 - As variantes usadas pela professora e os alunos

A coleta de dados na escola B teve início no dia 07 de abril e encerramento no dia 29
do mesmo mês. Neste período, permanecemos na escola durante 11 dias, sendo estes dias
distribuídos em no máximo quatro, e no mínimo duas vezes semanais. Nesta escola,
realizamos uma coleta de aproximadamente 30 aulas, perfazendo um total de
aproximadamente 26 horas de gravação, registros escritos e análises.
No primeiro dia de nossa coleta, percebemos que a professora dominava a norma culta
da Língua Portuguesa, e frequentemente se esforçava para fazer uso da norma padrão, a ponto
de algumas vezes a pronúncia das palavras soarem de forma artificial, com todos os fonemas
/o/ e /e/ pronunciados nos finais de palavras em que o fenômeno da redução explica que estes
fonemas ganham o som de /u/ e /i/. Ela se apóia na forma escrita para pronunciar as palavras.
Em relação aos alunos, estes falavam pouco em voz alta, o que dificultou a gravação e o
registro.
Apesar do monitoramento de P2 exposto acima, registramos uma variedade no
primeiro dia de coleta quando ela pronunciou o grafema estrupo, num contexto em que estava
sendo discutida a violência e o gênero textual “aviso” que encontramos em ambientes
comerciais como: “sorria, você está sendo filmado”. P2 acrescentou na discussão um relato de
um fato recém acontecido na cidade de Maceió, e divulgado pela mídia:

P2 – vocês viram aquele caso em Maceió, ele entrou na casa, estrupô
a mãe, estrupô a filha de 12 anos e ainda machucou o filho de 07
anos.

Era frequente as aulas serem iniciadas com um comentário de algo ocorrido e
noticiado pela mídia, quando não trazido pela professora, era comentado pelos alunos. Era
comum ouvirmos variações dos alunos, porém da professora não, mesmo nos momentos de
situação informal ela se monitorava bastante, com exceção da palavra “estupro”, pois
percebemos que a variação não foi eventual porque houve várias repetições da pronúncia da
mesma.
Durante o segundo e o terceiro dia de coleta de dados, os momentos de discussão em
sala foram insuficientes para que registrássemos ocorrências envolvendo a variação
lingüística, tanto na fala da professora quanto dos alunos.
No quarto dia de pesquisa, a professora trabalhou com a música Asa Branca, de Luiz
Gonzaga. Ao contrário da P1, P2 não trabalhou a música a partir de nossa sugestão. Neste dia,
devido à forma como a professora conduziu a aula, houve uma monitoração estilística muito
forte por parte dos alunos e mais intensa pela professora.
No sétimo dia de pesquisa, outro evento envolvendo a redução da vogal /e/: foi
percebido, quando a professora trabalhou uma atividade de leitura voltada para a
decodificação, usando como estratégia um poema fatiado, o qual P2 nomeou de quebrapoema, em alusão ao quebra-cabeça. Numa espécie de bingo, ela cantava as palavras lendo o
poema e os alunos deveriam encontrá-las em meios aos recortes para montar o poema.
Durante este evento, presenciamos:

Trecho [1]
P2 – Di, achem ((depois de alguns minutos)):
A1 – Pufessora, tem não
p2 – tem sim, é /de/ /DE::/ eu digo di, mas está escrito /dé:: /. Eu
num já disse que o /e/ sem acento se lê /i/ e com acento se lê /e/.

Num episódio como este, em que a aprendizagem da Língua Materna está em jogo,
onde as variedades populares dos alunos /di/ se justapõem a variedades usadas nos estilos
monitorados da língua /de/ é o momento de ser feita uma reflexão sobre as variedades
presentes no Língua Portuguesa e porque falamos diferentes uns dos outros, ou pronunciamos
de forma diferente do que está escrito. Segundo Bagno (2003, p. 95), isso acontece porque a
lingua escrita não é um retrato fiel da língua falada, é só uma representação simbólica dela.
No entanto, os professores não são formados para fazer esse tipo de abordagem porque lhes é
negado o acesso a esse conhecimento nos cursos de formação. E por isso, situações
semelhantes a essas tornam a acontecer como no oitavo dia de pesquisa quando P2 trabalhou
o ditado avaliativo a partir da fábula “a coruja e a águia”:

Trecho [2]

P2 – Quem ama o feio bonito lhe parece
A2 – ((escreveu)): quem ama u feiu bunito lhi pareci
P2 – ((após ver a produção do aluno)): Eu digo /u/, mas escreve /o/
tá certo? quem ama O feiÓ bOnitÓ lhE parEcE, entenderam.

Vemos nesse evento em que a professora expôs que a escrita não deveria ser igual a
fala, porém não se aprofundou no sentido de explicar que o que acontecia com as palavras
feio, bonito, parece é um algo que tende acontecer sempre que as vogais /e/ e /o/ são pós-

tônica, pois assim sofrem o que os linguistas chamam de redução, ou seja, são pronunciada de
forma mais fraca e soam como um /i/ e um /u/. Segundo Bagno(2003, p.96) isso é uma regra
que vale praticamente em todos os lugares do mundo onde se fala o Português.
No décimo dia a professora trabalhou com o texto: “a casa do meu avô”, visando que
trabalharia com a “inferência”. Ela enfocou essa estratégia de leitura, à medida que os alunos
liam o texto, pedia para que os alunos levantassem hipóteses sobre as informações implícitas.
Num momento de descontração, ouvimos uma aluna que geralmente se monitora bastante
dizer:

Trecho [3]
A1 – é, purquê nóis tá dizendo uma coisa, mai nóis num sabi né, isso
é hipótisi.

Em toda a sentença pronunciada pela aluna houve uso de vernáculos da Língua
Portuguesa, sem haver, entretanto, nenhuma intervenção da professora, que no dia seguinte
interveio quando trabalhou com o gênero lista, registrando no quadro o nome de vários
animais que deveriam ser organizados em ordem alfabética. Um aluno pronunciou saúba
como uma variedade da palavra saúva, uma espécie de formiga, mais popularmente conhecida
como tanajura.
Isso deixa claro que a professora aceitou todas as variantes usadas pela aluna porque,
quando não monitorada, faz uso das mesmas, ou, não tinha procedimentos metodológicos
para intervir naquele momento, assim como com o fonema saúva, que pronunciado saúba
sofreu intervenção, sem, no entanto haver explicação de se o “correto é saúva, porque tantas
pessoas conhecem por saúba.

3.2.2 – Os procedimentos pedagógicos no trabalho com a variação lingüística

Na escola B presenciamos poucos episódios envolvendo o trabalho com a variação
linguística na oralidade dos alunos. O primeiro deles foi envolvendo intervenções durante o
trabalho com a música Asa Branca. P2 usou como estratégia a entrega da letra da música
copiada numa folha de papel A4 duas vezes, na primeira versão estava na norma popular e a
segunda na norma padrão. Após a entrega, ela iniciou uma interação com os alunos com base
no estudo da música:

Trecho [4]
P2 – Qual música está escrita na norma padrão, xxx do português
padrão?

Com esta fala da professora percebemos que seu objetivo com a música era o de
trabalhar com a variação linguística, mesmo sem ela, em nenhum momento, ter utilizado esse
termo. Nossa hipótese se confirmou à medida que ela continuou:

Trecho [5]

P2 – Vamos trabalhar com a música, vocês vão analisar, ela está
escrita de duas maneiras, vocês vão analisar e depois eu vou fazer
algumas perguntas

As perguntas que P2 fez foram sempre no sentido de comparar as duas versões,
classificando como certo ou errado, com uma metodologia marcadamente tradicional, fazendo

perguntas pontuais, sem exigir reflexão dos alunos, sem levantar pontos de questionamentos
onde houvesse discussão sobre as diferentes formas de falar a língua portuguesa

Trecho [6]
P2 – Vocês vão observar a primeira e vão observar a segunda. Ela está
escrita de duas maneiras. Um, dois, três...((contado as estrofes)).
Agora vocês vão me dizer qual das duas está bem escrita, de acordo
com a norma culta que é o português bem falado, que é o português
bem escrito? Qual das duas está escrita, a primeira ou a segunda?
A1- a primeira
P2 – a primeira?
A2 – a segunda
P2 – a primeira ou a segunda?
As – A segunda ((gritado)).

A estratégia da professora é fazer com que os alunos, através da observação da letra da
música, identifiquem qual versão está na norma padrão da Língua Portuguesa. Após a
identificação da versão “bem escrita” como se referiu a professora à norma padrão, ela
começou a fazer comparações, pronunciando as palavras vernaculares esperando que os
alunos encontrassem na letra da música e pronunciassem a norma padrão das palavras:

Trecho [7]
P2 – aí, quais são as palavras, observem a primeira e xxx nesse
verso: quando oiei
A1- olhei
P2 – quando olhei a terra ardendo, quá... quá, o certo é quá ou qual?
As – qual
P2 – qual né
P2 – aí tem, eu preguntei ((risos))
As – Risos

P2 – ((gargalhadas)) eu preguntei ou perguntei?
A4 – preguntei
P2 – Preguntei, preguntei não né Seu joão23, eu perguntei né gente!
((surpresa com a resposta do aluno))

Esse procedimento aconteceu até que todas as variantes contidas na música fossem
pronunciadas. Em seguida, P2 escreveu uma tabela no quadro com duas colunas, escreveu na
primeira coluna as variantes vernaculares e na segunda, as variedades da norma padrão. A
surpresa com a resposta do Seu João não despertou a professora para ampliar a abordagem da
variação, chamando atenção para o nosso jeito de falar em nosso dia-a-dia, permitindo que os
alunos refletissem sobre seu jeito de falar e pudesse comparar suas histórias de vida com o
personagem retirante da música Asa Branca.
No segundo episódio em que identificamos intervenção, a abordagem aconteceu mais
uma vez durante o evento de letramento em que a professora realizou uma atividade que
nomeou de quebra-poema em alusão ao quebra-cabeça. Ela ditava as palavras, e os alunos
deveriam encontrá-las em meio aos recortes, e ir montando o poema, seguindo a ordem que
P2 estava falando:

Trecho [8]
P2 – de, encontre a palavra de
A1 – achei não ((depois de alguns minutos))
A2 – eu também não
P2 – gente tem sim, eu sigo digo /di/ mas se escreve /de/, eu num já
disse que o /e/ sem acento se lê /i/ e ele com acento se lê /e/

No terceiro episódio, aconteceu uma situação semelhante ao anterior, quanto à
abordagem da variação linguística se deu a partir da realização de um ditado avaliativo:
23

João aqui é um nome fictício para preservar a identidade do aluno;

Trecho [09]
P2 – escrevam o ditado popular: quem o feio ama, bonito lhe parece
A1 – ((escreve)) – quem u feiu ama, bunito lhi pareci
P2 – eu digo /u/ mas escreve /o/ ta certo? Quem ama /O/ fei/O/,
b/O/nit/O/ lh/E/ par/E/c/E/...entenderam?

No último episódio registramos a intervenção durante um trabalho com o gênero
textual lista, no qual ela trabalhou com uma relação de nomes de animais que os alunos
deveriam organizar em ordem alfabética:

Trecho [10]
A1 – o professora, o que é uma iça?
P2 - i... não sei, vamos vê no dicionário.

A professora solicitou que o aluno fosse buscar um dicionário na sala da direção. Com
o retorno do aluno, ela mesma fez a consulta ao dicionário:

Trecho [11]
P2 – iça é o feminino de saúva
A2 – professora o nome é saúba, num é saúva não
P2 – é saúva sim, no dicionário tá escrito saúva, é a famosa tanajura

A análise que realizamos dos procedimentos que P2 teve para trabalhar com a variação
linguística, nos fez perceber que não houve intenção em trabalhar com a variação, enfocando
as diferentes formas de falar e a interferência dessa diferença na escrita, o que houve foi um
trabalho de correção ortográfica, sem discussão a respeito das variedades populares, norma
culta e padrão. Dessa forma, não foi aproveitada a oportunidade de intervir nas produções dos

alunos no sentido de ampliar a discussão para abordar a variação linguística, possibilitando
uma reflexão a respeito do uso que é feito da Língua.

3.2.3 – As dificuldades para trabalhar com a variação linguística

No decorrer das onze aulas que assistimos na escola B, percebemos as dificuldades
que a professora tem em trabalhar questões relacionadas à variação linguística, bem como
observamos que este tema muito pouco é abordado em sala de aula.
Nos episódios em que houve uma abordagem relacionada ao trabalho com a variação,
esse se deu de forma limitada. Quando a professora repetiu a pronúncia da palavra coentro,
conforme o episódio 05 citado acima, ela pronunciou com ênfase o fonema /e/ e o /o/, bem
como no outro episódio em que ela enfatizou o /de/ ela não usou esses eventos de letramentos
para trabalhar a interferência da fala na escrita e as diferentes formas como falamos:

Trecho [12]
P2 – é co, CÓ- en- trÓ, coentro

Essa pronúncia da professora só aconteceu porque ela verificou que uma aluna havia
escrito a palavra cuentu. O procedimento de P2 limitou-se a pronunciar enfatizando o fonema
/o/ da palavra, demonstrando dificuldade em avançar na discussão sobre as pronúncias das
palavras, possivelmente por desconhecer que a língua escrita é uma representação simbólica
da língua falada, e não um retrato fiel dela.
No caso do grafema coentro, grafado cuentu, trata-se de um fenômeno que acontece na
língua em que há uma tendência a reduzir o /e/ e o /o/ átonos, sejam elas pré ou pós tônicos,

que explica o que aconteceu com a palavra cuentu, onde o /cu/ é uma sílaba átona pré-tônica,
e o tro é uma sílaba átona pós-tonica. Outro evento semelhante aconteceu durante o ditado
avaliativo:

Trecho [13]
P2 – quem ama o feio bonito lhe parece

Após circular pela sala, a professora repete a frase enfatizando a pronúncia do /o/ e do /e/

Trecho [14]
P2 – Eu digo /u/ mas escreve /o/ ta certu. Quem ama /O/ fei/O/
b/O/nit/O/ lh/E/ par/E/c/E/

Mas por que eu digo /u/ e escreve /o/ e digo /i/ e escreve /e/? Certamente a professora
não tem essa informação linguística, o que a limitou durante essa discussão, impedindo-a de
explicar aos alunos que há um fenômeno chamado redução, onde o /o/ e o /e/ átonos pré ou
pós tônicos são reduzidos a /u/ e a /i/. O fonema /o/ da palavra feio é igual ao /o/ presente na
palavra bonito, sendo que nesta palavra há um /o/ pré e um pós tônico. Esta redução faz o feio
falado ficar feiu e o bonito ser bunitu. O mesmo aconteceu com o fonema /e/ na palavra
parece, trata-se de mais um /e/ pós tônico que falado fica /i/ em pareci.
Ao analisarmos as produções escritas dos alunos, percebemos que a grafia de palavras
que terminam com a letra /e/ foi registrada com /i/ e as que terminam com a letra /o/ foram
escritas com /u/. Isto acontece, segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 64) porque os alunos estão
se apoiando na fala para construir as hipóteses sobre como escrever. Ao pronunciar palavras
como: pareci, feiu, bonitu, expliqui, genti, tigri, avi du certao borbuleta, passaru, estudu du
textu, a vogal final /e/ e /o/ consecutivamente tem som de /i/ e /u/. Em quase todas as

variedades orais do Português do Brasil, as vogais médias /e/ e /o/ são reduzidas para /i/ e /u/,
em sílabas átonas finais. Em algumas palavras, elas sofrem também essa redução em sílabas
pré-tônicas. Situações semelhantes foram frequentes durante a coleta de dados. A professora
em nenhum momento fez essa correlação entre as palavras que terminam com as vogais /e/ e
/o/ propiciando uma discussão para refletir sobre as formas de falar e as formas de escrever e
a consequente influência da fala na escrita. O que ela chega a explicar é que a vogal /e/ só é
pronunciada como um fonema /e/ quando vem com o acento agudo, quando não, tem som, de
/i/. Explicação insuficiente se formos analisar o fonema /e/ em palavras, servindo apenas
quando vamos usar a forma verbal da terceira pessoa do singular do verso ser. Na própria
palavra parece, o primeiro /e/ é pronunciado como o fonema /e/ sem, no entanto, estar
acentuado.
A professora apresentou dificuldade em trabalhar o que Bortoni-Ricardo (2008) chama
de processamento fonológico, ou seja, trabalhar com os alunos a percepção de que cada
palavra é constituída de um ou mais fonemas. Como os alunos ainda não são leitores
proficientes, seria necessário que em eventos como o ditado avaliativo citado acima, a
professora pudesse desenvolver a consciência fonológica dos seus alunos, de forma que
trabalhasse o princípio alfabético, por meio do qual é feita a relação entre fonema e letra.
São situações não otimizadas para trabalhar a variação linguística, enfocando as
variedades possíveis de usar a língua, uma vez que esta muda todos os dias, e essa mudança
não acontece apenas de forma diacrônica, ela ocorre também de forma sincrônica, e isso faz
com que convivamos com a coexistência de formas diferentes de um mesmo significado. Essa
variação pode ocorrer de região para região, entre determinados grupos, entre classes sociais.
Porém, uma diferença marcante, que chega a estigmatizar os usuários da língua são as
variedades presentes na fala dos moradores da zona rural, em comparação com os da zona
urbana, bem como dos sujeitos que não dominam a norma culta, e na maioria das vezes usam

as variedades populares nos mais diferentes contextos que são os sujeitos com pouca ou
nenhuma escolaridade, com baixa renda e moradores das periferias ou das áreas rururbanas.
Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p.154) “Não podemos nos esquecer, porém de que há
diferenças nos modos de falar entre as comunidades do campo e da cidade [...] e é freqüente
ouvirmos pessoas nas cidades criticando os modos de falar e os modos de viver das
populações rurais” [...].
Percebemos essa crítica a que se refere Bortoni-Ricardo (2008) na fala da professora
durante a aula com a música Asa Branca:

Trecho [15]

P2- a segunda está de acordo com a linguagem padrão, com o
português CULTO, o português bem falado, bem escrito e a primeira
está de acordo com a linguagem do sertÃ...
As – nejo
P2 – Isso, dos sertanejos

Conforme vimos nos procedimentos, a professora entregou duas versões da música
Asa Branca, uma escrita na norma padrão e a outra no vernáculo. Durante a análise da música,
mais de uma vez ela faz referência ao uso das variedades populares atribuídas aos sertanejos

Trecho [16]
P2 – eu vou fazer uma pergunta a vocês: naquela época, se ela ((a
música)) tivesse sido escrita de acordo com o português bem falado,
a língua culta, ela ficaria com a cara do sertanejo?
A professora se refere com preconceito, aos sertanejos como sendo estes os únicos
falantes das variedades populares da Língua Portuguesa, “a cara do sertanejo” está na música

porque ela está escrita usando o Português não padrão. Ela fez uma atividade no quadro de
giz, e em seguida leu para os alunos responderem a seguinte questão:

Trecho [17]
P2 – ((lendo para os alunos)): ao ler a primeira música, percebe-se
que o poeta não utilizou o padrão formal ( ) da língua portuguesa
xxx ... (repete): ao ler a primeira música, percebe-se que o poeta não
utilizou a linguagem de acordo com o padrão formal da língua
portuguesa, que é o português bem escrito. Qui linguagem foi
utilizada?

Percebemos que a professora teve dificuldade em trabalhar a música explorando suas
oportunidades de abordar a variação linguística, chamando atenção para as variedades
encontradas no texto e em nosso modo de falar, comparando a forma como os alunos falam e
a linguagem trazida na música, fazendo uma reflexão sobre a inexistência de erro na oralidade
daquela música e na fala do sertanejo. Em outro contexto, ela mencionou a escola, de forma
muito sutil, mas não aprofundou o papel da escola na aquisição da norma culta da língua
portuguesa

Trecho [18]

P2 – embora que hoje os sertanejos não falam mais errado assim
não, falam o português correto, isso foi há muito anos né... quando
as pessoas não frequentavam a escola né
O público jovem e adulto, com o qual estamos realizando esse estudo, há muitos
sujeitos, com baixa auto-estima, semelhantes aos sertanejos, que segundo a professora
falavam errado há algum tempo, quando não frequentavam a escola. Os sujeitos da EJA

também só frequentam a escola depois que são jovens e/ou adulto, e se ficaram durante boa
parte de sua vida sem frequentá-la, logo falaram e ainda falam igual aos sertanejos que por
falta de escola não dominam o português padrão, segundo a compreensão da professora.

3.2.4 – O trabalho com a língua portuguesa: questões de discriminação

A discriminação linguística é algo que frequentemente presenciamos em nosso dia-adia, seja na escola, ou fora dela, em outros locais de trabalho e até mesmo em contextos
informais. Ela existe de forma camuflada, e geralmente quem age com discriminação não
reconhece que discriminou, que humilhou e até mesmo que excluiu uma pessoa por ela não
dominar a norma culta, por não marcar os plurais redundantes das palavras prescritos nas
gramáticas normativas, por não pronunciar todas as regências verbais e nominais, que mesmo
quando não são ditas, não prejudicam a comunicação, que é o mais nobre serviço da
linguagem.
Na escola, espaço de saber erudito, científico, é também o lugar de aprender a norma
padrão, porque vivemos numa sociedade em que há uma ortografia oficial construída com
base nessa norma e por isso dependendo da forma como a usamos, ela pode ser objeto de
exclusão, se todos não tiverem acesso a ela. No entanto, o que presenciamos na escola não é
esta conscientização, e sim a classificação de que tudo que foge à norma culta ou à norma
padrão da língua é “errado”. Frequentemente ouvimos a professora da escola B fazer essa
classificação durante o trabalho com a música Asa Branca
Trecho [19]
P2 – agora, vocês vão me dizer qual das duas está bem escrita, de
acordo com a norma culta, que é o português bem falado, que é o

português bem escrito, qual dessas duas está bem escrita, correta, a
primeira ou a segunda?

A abordagem da professora durante o trabalho com a música é sempre por meio da
comparação, classificando a norma culta como o português bem falado, bem escrito, e
continuamente usando a norma culta e a padrão como sinônimos

Trecho [20]
P2 – a primeira ou a segunda tá na linguagem culta?
A1 – a primeira tá na linguagem do matuto, a segunda ( )
P2 – do matuto, ((ratificando a fala da aluna)), do sertanejo
A1 – isso, a segunda está na linguagem correta

O cultivo à norma culta como a variedade perfeita é frequentemente enfatizada por P2,
que envolve os alunos de forma que, durante alguns momentos da aula, a turma riu bastante,
provocados pela forma como a professora abordava as variedades vernaculares,
principalmente aquelas com as marcas da assimilação

Trecho [21]
A1 – ei, o sertanejo num fala tão erradu assim não ((risos na turma
toda))
A1 – ninguém anda oiando assim não, eu vim de lá, e onde eu ouço o
povo dizer oiei, pur deuze, i arroi é aqui no Pilar, juro por deu ( )
oxe, ta doido, oiei, oiô o quê, tá doido
P2- ( ) o sertanejo fala sim, ( )

A1 – o sertanejo fala errado, mas também oiei, é demais né, oxe, tá
doido
As- risos
P2 – risos
P2- aí, quais são as palavras, observem a primeira e xxx nesse
primeiro verso: quando oiei
A1- olhei
P2 – o certo não é oiei
P2 – o certo é ... ((esperando que os alunos completassem))
As – OLHEI (gritando)

A aluna, sertaneja, ratificou que os sertanejos falam “errado”, porém “nem tanto
assim”, pois a forma como a professora abordou o tema a incomodou. Essa aluna falou, pois
essa era bastante desinibida na sala, enquanto que outros calaram, pois estavam se
reconhecendo naquela música, jovens, senhores e senhoras, que passaram a vida dizendo /ôio/
estavam descobrindo de forma preconceituosa que a palavra que sempre falaram estava
“errada” que o correto é olho.
Essa situação é descrita por Bagno (2007) quando nos diz que “existem erros mais
errados que outros”. Quando este autor nos diz isso, nos leva a refletir que o preconceito não
está exatamente na forma como os sujeitos usam a língua portuguesa, mas quem são esses
sujeitos e onde estão usando.
Atitude como esta faz com que muitos professores, ajam, mesmo sem intenção de
discriminar, com preconceito dentro das salas de aula, pois desconsideram as variedades
linguísticas dos alunos. Percebemos isso durante a coleta de dados nessa sala de forma clara
durante o trabalho com Asa Branca, no qual P2 valorizou as variações linguísticas de
“prestígio”, ridicularizando as populares

Trecho [22]
P2 – voltarei né, intoce, é entoce?, mi vortá, eu voltar, oio, oio, ó,
olho então, espaiar, espalhar, prantação, plantação, num, alias num,
não, né, então, a primeira não está com o português bem falado, bem
escrito, a língua culta né, a segunda sim, está bem escrita né
((ironizando e provocando risos))

A ênfase na pronúncia das palavras causou risos, porque a professora falava de uma
forma que fazia com que os alunos se divertissem. Isso acontece frequentemente quando as
pessoas que não dominam a norma culta se expressam oralmente no meio das pessoas que têm
esse domínio, quando sabemos que ninguém pode ser discriminado pela Língua que fala. Esse
estigma com que a professora se referia aos sertanejos é reflexo do que parte da sociedade
brasileira faz com a maioria das pessoas que não falam a norma padrão da Língua Portuguesa.
O oiei presente na música Asa Branca foi condenado por P2 e pelos alunos, atribuindo essa
pronúncia aos analfabetos do sertão.
O fato de, na escola se colocar a Língua Portuguesa como sinônimo da gramática
normativa é um dos fatores responsáveis por esta confusão o que faz com que aqueles que
tiveram acesso à escola, e por muito tempo permaneceram nela, como quem cursa o nível
superior, pensem que quem não domina gramática normativa não sabe falar, e daí comete o
preconceito linguístico, pois quem não domina as regras gramaticais prescritivas, são
prejulgados, o que nos faz frequentemente ouvir alguém dizer que fulano é burro, “não sabe
nem falar”, ou mesmo que cicrano é inteligente mas tem péssimos “vícios de linguagem” é até
mesmo que beltrano quando abre a boca “assassina” o português.

3.3 - ESCOLA C

3.3.1 - As variantes usadas pela professora e pelos (as) alunos (as)

A coleta de dados na escola C teve início no dia 13 de maio e encerramento no dia 05
de junho de 2008. Foram nove dias para coletar os dados, sendo um deles destinado a
entrevista com a professora da sala, que aqui chamaremos de P3. Perfazemos um total de
aproximadamente 23 horas de gravação, registros e observações das variedades usadas pela
professora e pelos(as) alunos(as).
A interação em sala de aula, com base na oralidade aconteceu de forma bastante
limitada, com pouca espontaneidade, sempre em atividades direcionadas, na maioria das
vezes em eventos de letramento, é o que ocorre mediante a leitura de um texto e respondendo
perguntas pontuais.
Outra dificuldade em registrar as variedades presentes na fala dos(as) alunos(as), na
fala da professora foi devido ao fato de ela saber qual era nosso objeto de pesquisa e por isso
planejava a aula em cima do que esperava estar sendo investigado.
Em outro momento da coleta de dados, no quarto dia de observação, presenciamos
quando a professora interveio na produção escrita de um aluno que havia escrito em seu
caderno:

Trecho [01]

A5 – fessôra ((escrito no caderno))
P3 – Olhe bem, leia essa palavra, fessôra, é certo?
A5 – Não
P3 – e como é?
A5 – pofessora
P3 – pro, professora

No sétimo dia de nossa pesquisa, aconteceu um episódio em que a aula foi
interrompida para que os alunos fossem a uma palestra sobre o gasoduto da Petrobrás que tem
a maior reserva de gás natural situada em Pilar. Naquele dia estava havendo um evento no
qual a comunidade foi convidada a participar e a diretora foi às salas de aula convocar os
alunos. Naquele momento presenciamos o A5 usando variedades como:

Trecho [02]

A5 – oxe, oxe, esse negósso aí ó, ó...
P3 – o que foi menino, porque está reclamando?
A5 – o fêssora, vai só intrapaiá a aula, eu num vô não, vô não
P3 – e é, é? Vai intrapaiá...

A professora enfatizando a variedade intrapaiá, nos olhou e sorriu com um aspecto de
quem estava chamando nossa atenção para a variedade que o aluno acabara de usar.
A observação do uso de variedades populares ou o uso da norma padrão ficou muito
limitada pela dificuldade de coleta, pois era uma turma com muitos adolescentes e jovens,
sendo uma pequena parte de adultos, o que fazia com que o ambiente fosse muito barulhento,
dificultando a coleta de dados.

3.3.2 – Os procedimentos pedagógicos no trabalho com a variação linguística

Na escola C, quatro vezes a professora trabalhou a variação lingüística de forma
planejada. O primeiro momento aconteceu no terceiro dia de nossa pesquisa, quando P3
trabalhou com o autor Patativa do Assaré, através do poema Poeta da Roça O procedimento

dela em sala foi o de entregar o texto xerocopiado em papel A4 para os alunos, e leu o poema
enfatizando as variedades presentes no texto

Trecho [03]

P3 – poeta da roça, é o nome do texto... vou lê e depois a gente
interpreta ... leiam em voz baixa... Já passaram a vista, vamos ler
coletivamente

A princípio a professora iria iniciar a leitura, mas antes disso, ela circulou pela sala e
adiou essa ação, solicitando que os alunos lessem antes silenciosamente, o que ela denominou
de “passar a vista” e em seguida ela iniciou dando as informações iniciais sobre o texto

Trecho [04]

P3 – o título desse texto é o Poeta da roça ... esse texto é de Patativa
do Assaré, que é um poeta nascido no Ceará, na roça, faz poemas
belíssimos, mas fala da forma dele, como nós aqui falamos também

Percebemos na fala da professora que ela aborda a variação linguística, enfatizando as
formas diferentes de fala, quando se refere às variedades populares usadas pelo autor, que
como observa a professora, é a fala dele (o uso que ele faz da língua), como nós aqui temos a
nossa (nossa forma de falar, nosso jeito de usar a língua). Em seguida, ela continua a
abordagem da variação linguística ressaltando a relevância da escolaridade na aquisição da
norma culta

Trecho [05]

P3 – mas com o passar do tempo, quando vocês chegarem à
faculdade, vocês vão perceber que existe essa fala existe a língua
padrão.

Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 48), os anos de escolaridades de um indivíduo e a
qualidade das escolas que frequenta também tem influência em seu repertório linguístico. Foi
nesse sentido, que P3 ressaltou que a escolarização é um fator que faz com que se compreenda
que existem diferentes formas de falar.
P3 continua a abordagem da variação linguística fazendo a leitura do texto,
enfatizando as variedades não padrão

Trecho [06]

P3 – vamos ler comigo ( )
P3 – ((lendo)) - sou fio da mata, sou fio da mata, cantô da mãedoca,
trabaio na roça di inverno e de estio... a minha, estou na terceira
frase. A minha chupana, chupana é tapada de barro, só fumo cigarro
da paia, paia do mio. Sou poeta das brenhas, não faço o papé, o
papé, de argum menestré, sou errante cantô, cantô, que vevi, que
vevi... estou aqui na terceira... olhe aí, na segunda estrofe, terceiro
verso, que vevi vagando com sua viola, cantando pachola, a percura,
percura de amor.

Após a leitura, P3 foi abordando as variedades através da leitura das estrofes e versos,
pausadamente para que os alunos identificassem as variedades conforme o trecho abaixo

Trecho [07]
A3 – percura?
P3 – é...risos percura
As – percura?
P3 – você concorda? É certa a palavra percura?
A4 – não
P3 – e qual é o quê?
A4 – procura
P3 – procura é...muito bem

A professora ratificou a fala de A4, com elogios e também abordou a variação lexical,
quando falou

Trecho [08]
P3 – muito bem! Vamos para a segunda estrofe, para vocês lerem:
sou poeta das brenhas... o que é brenha gente? Já ouviu falar na
palavra brenha?
A5 – num é sítio não?
A6 – é os mato
A7 – quem mora nas fazenda
A8 – que mora nas matas, quem entra nas mata, entra nas brenhas

Em outro momento da discussão do texto, ela continua abordando a variação lexical

Trecho [09]
P3 – eito, o que é eito gente?
A1 – eito é um monte de mato
A9 – um monte de cana, um eito de cana

A variação lexical acontece quando mais de um nome é atribuído ao mesmo objeto, e
geralmente está ligado a fatores extralingüísticos, mais precisamente aos de origem
geográfica, uma vez que sabemos que a língua varia de um lugar para o outro, quer seja de
uma região para outra, de um estado para outro, como também dentro de um mesmo estado,
em diferentes áreas, como as zonas rurais e as zonas urbanas, ou as áreas centrais e as áreas
periféricas. Isso comprova que entre outros fatores extralingüísticos, status econômico, bem
como o grau de escolarização também são fortes influentes na variação lingüística.
Neste sentido, o procedimento da professora questionando palavras como eito e
brenha24 são válidos no sentido que foram abordadas essas palavras como falares próprios de
quem mora na zona rural e em nenhum momento da abordagem lexical houve julgamento de
certo ou errado. No entanto, ela não ampliou a discussão, recorrendo ao uso do dicionário por
exemplo. Em outro momento, ela cita a possibilidade do uso do dicionário, porém não o faz

Trecho [10]
P3 – que vive cantando pachola ... agora, essa palavra ‘pachola’
gente, é aquela moda, aquela poesia ... vamos trabalhar com o
dicionário para ter certeza dessa palavra e do menestrel

Para registrar essa discussão, P3 escreveu uma atividade no quadro negro, em que ela
pedia para que os alunos escrevessem as palavras que eles não sabiam o significado e
circulassem o jeito do poeta da roça falar

24

Segundo o dicionário de Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra brenha significa: brenha. sf. 1
– mata fechada, matagal. E eito. sm. 1 – roça onde trabalhavam os escravos, 2 – trabalho intenso.

Trecho [11]

P3 – agora vamos para o caderno, e vocês vão encontrar as palavras
que vocês não sabem o significado dela, só as palavras, circulem, o
jeito dele falá, são muitas pessoas que vivem na roça que falam
assim, mas vocês vão encontrar palavras que não é da vivência de
vocês, como brenha, vocês não sabiam o que é brenha, a gente vai
trabalhar com o dicionário.

À medida que ela encaminha a atividade, ela enfatiza a forma de falar e de escrever

Trecho [12]
P3 – muito bem! Cantô, é o jeito que ele falava, mas não é o jeito que
se escreve ... é o jeito que patativa falava

O cantô que P3 cita como uma fala de Patativa é um dos traços linguísticos mais
característicos entre o vernáculo brasileiro, ou seja, segundo Bagno (2007, p. 46) são os usos
linguísticos que aparecem na língua falada por todos os brasileiros. O que aconteceu com a
palavra cantô, foi a redução do ditongo /ow/ a /o/, como acontece normalmente em /ouro/ que
oralmente fica /ôro/, /calouro/ que fica /calôro/, /amou/ que reduzido fica /amô/ entre tantos.
No quarto dia de nossa pesquisa, a professora continuou abordando a variação
linguística

Trecho [13]
P3 – vamos para Língua Portuguesa, estudá um pouco de nossa
língua, o jeito de nós falarmos, o jeito de falar... um pouquinho de
gramática.

Para este trabalho, ela entregou dois Gêneros textuais: uma história em quadrinho –
tirinha de Chico Bento, e uma quadra popular. A distribuição foi feita, mediante a explicação
do que seria estudado.

Trecho [14]
P3 – vamos estudar um pouco hoje este conteúdo: jeito de falar.
Trouxe o texto, uma história em quadrinho, colem para não perder e
vamos ler essa história. Vamos prestar atenção. Nosso colega se
prontificou em ler o texto
A7 – fessôra, a sinhora ia mio castigá por arguma coisa qui eu num
fiz? Claro que não Chico. Inda bem fessôra, pruque eu num fiz a
lição de casa hoji.

O aluno leu com dificuldade, a professora interveio e releu a tirinha e em seguida
pediu para que outro aluno lesse outra tirinha

Trecho [15]
P3 – vamos agora você, leia a outra tirinha
A10 – ((lendo)) - tá si oiando no ispêio, eu não, ele é qui tá mi oiando

Após a leitura, a professora intervém

Trecho [16]

P3 – gente, essas frases estão escritas corretamente? Esse jeito de
falar do Chico, está certo ou está errado?
As – tá errado
P3 – por que está errado?
As – tem oiando

P3 – tem oiando né... que se escreve olhando. Vamos gente, se vocês
fossem escrever fessôra, como vocês escreveriam?
A11- professora
P3 – professora, muito bem! e sinhora, é assim que se escreve
sinhoora?
As – não
P3 – a palavra é senhora né. Agora, a palavra é arguma? Se escreve
inda? Vocês sabem que palavra ele quis dizer com inda?
As - ainda

As estratégias da professora foram direcionadas para a leitura das variedades
populares presentes no gênero que ela distribuiu para os alunos, justapondo as variedades
populares com a norma padrão. Outra estratégia que P3 adotou foi um ditado no qual ela citou
quatro palavras vernaculares: entoce, muié, poitao, inté, para que os alunos após a escrita
reescrevessem na norma culta

Trecho [17]

P3 – vamos fazer um ditado, entoce, a número um, entoce, façam
entoce. Está certo a gente chamar entoce? Entoce tá certo?
Dependendo da cultura de cada povo está certo na fala, mas na
escrita não.

Percebemos com essa estratégia que a professora ampliou a discussão no sentido de
explicar que as pessoas falam diferente dependendo da cultura, e que a fala pode ser usada
sem ser considerada errada, porém a escrita não, apesar de não avançar na discussão de que a
escrita não deve variar por questões ortográficas.
A terceira aula em que a professora mais uma vez abordou a variação linguística,
aconteceu no dia 03 de junho, quando ela trabalhou um poema de Manoel Bandeira

Trecho 18
P3 – Esse poeta escreveu O barulho que o trem faz. Vamos começar a
fazer a leitura desse poema: o trem de ferro, o autor é o poeta Manoel
Bandeira... então vamos acompanhar o texto. O primeiro verso tem
assim:

Trecho [19]

P3 - ((lendo)) - café com pão, café com pão, café com pão...
vixe Maria qui foi isso maquinista,
Agora sim café com pão, agora sim,
voa fumaça, tosse seca,
ai seu foguista, bota fogo na fornalha,
que eu preciso muita força, muita força, muita força
Ô quando me prendero no canaviá... ((olha como está escrito a
palavra prendero))
Cada Pé de cana era um oficiá
Ô menina bonita do vestido verde,
Me dá sua boca para eu matar minha sede
Ô vou me mi borá, vou mi borá,
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de ouricuri

Após o término da leitura, ela solicita que os alunos sem ela, façam uma leitura
coletiva. Quando os alunos iniciam a leitura, eles lêem as palavras oficiá, falando oficial e P3
interfere

Trecho [20]

P3 – oficial? Oficial não. Não é oficial na linguagem do poeta.
Olhem gente, nessa estrofe quando ele diz “quando me prendero no
canaviá, cada pé de cana era um oficiá... aí nesse verso tem ...
observe nesse texto uma quadra popular, o que é quadra, observe aí,
eu já falei que quadra popular é...
A1 – a fala
P3 – como? Diga...
A1 – a forma de falar
P3 – falar, muito bem A1. Gente quadra popular tem rima. Quando
me prendero no canaviá, no canaviá rimou com qual palavra?
As – com oficiá
P3 – com oficiá, tá vendo que rimou

A professora busca envolver os alunos na discussão, sempre colocando as duas formas
de falar, a vernacular e a padrão, demonstrando uma intenção de trabalhar a variação, porém
com conhecimentos sociolinguísticos limitados para atingir seus objetivos.

3.3.3 – As dificuldades para trabalhar com a variação linguística

Na escola C, foram muitos os momentos em que presenciamos o trabalho com as
variações linguísticas, sempre de forma planejada pela professora que, durante nove aulas
observadas, três foram destinadas à abordagem da variação linguística. Durante essa
abordagem, percebemos que a professora tinha conhecimento sobre variação a partir da
observação e análise dos procedimentos que P3 realizou em sala de aula. Nessa observação,
percebemos que em alguns momentos ela teve dificuldades em intervir na produção oral e
escrita dos alunos, bem como em direcionar a discussão sobre a variação.

No decorrer da aula em que a professora trabalhou com o texto de Patativa do Assaré
Poeta da Roça, percebemos que P3 demonstrou insegurança quando circulou pela sala e falou
com de voz muito baixa

Trecho [20]
A1 – sou fio da mata?((risos))
P3 – É ... sou filho da mata. Ó como ele escreveu filho, fio ((risos))
A5 – ô fio, fio ... Ô fio ((risos))
As - risos

Os alunos acharam engraçado o fato do autor ter escrito /fio/ em variação ao grafema
/filho/. Este é um dos fenômenos linguísticos que mais sofreram discriminação e preconceito
em nossa sociedade, que é a pronúncia /y/ da consoante palatal /λ/escrita /lh/
Essa pronúncia é comum em turmas de EJA, uma vez que a palatização acontece na
fala das pessoas que não frequentaram a escola, ou que nela permaneceram pouco tempo e
retomaram na juventude ou na fase adulta pelas demandas do mundo letrado. É comum
também presenciarmos a palatização nos falares rurais, ou continuo rurbano, que é onde se
encontra a maior parte dos alunos da EJA, pois muitos viveram a maior parte de suas vidas
em zonas rurais, e por questões de emprego, e outros, migraram para as cidades, ocupando as
áreas periféricas

Os grupos rurbanos são formados pelos migrantes de origem rural que preservam
muitos dos seus antecedentes culturais principalmente no seu repertório lingüístico,
e as comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos semi-rurais, que
estão submetidos à influência urbana, seja pela mídia, seja pela absorção de
tecnologias agropecuárias. (BOTONI-RICARDO, 2004, P.52)

É uma variedade linguística estigmatizada por caracterizarem os falantes com pouco
prestígio social, sendo que a maioria dos alunos de EJA são os que ocupam a classe menos
favorecida socialmente. Entretanto, a professora atribuiu as variedades presentes no texto
como sendo exclusividade de quem mora na zona rural.
A alternância com que a professora usa as palavras certo e errado para analisar as
variedades presentes no texto demonstram que ela tem dificuldade em analisá-las e se
preocupa em (não) agir com discriminação

Trecho [21]

P3 – No segundo verso: trabaio na roça de inverno a estio, trabaio é
certa essa palavra, se escreve dessa forma? Para ele tá certa que ele
é da roça, fala dessa forma, trabaio, aqui vc vai escrever do jeito q
ele falava...uma outra palavra: vevi, e o certo é vevi, outra palavra,
papé, e o certo é papé...

Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 37-38), uma dúvida presente entre os professores é
como abordar a variação linguística em sala de aula. E neste sentido, essa autora destaca a
importância de que os professores não utilizem a incidência do uso de vernáculos para
humilhar os alunos. Ao contrário, Bortoni-Ricardo (2004, p.38) afirma que

Uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes do educando está atenta as
diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, cabendo ao professor
encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas diferenças.
(BORTONI-RICARDO, 2004, p.38)

Essa efetiva conscientização, a professora demonstra querer realizar, porém de forma
alheia à realidade dos alunos, ou seja, sem contextualizar o uso da língua presente nos textos

que levou para sala, com o uso que de fato os alunos fazem sem ser em eventos de letramento,
em sala de aula. Não há uma ênfase para que os alunos se reconheçam usuários das variedades
populares e reflitam sobre o uso da língua, o que determina tal uso e a necessidade pelo
respeito à variação e pela aquisição da norma culta.

Trecho [22]
P3 – olhem como ele escreveu trabalho, trabaio
A1- é como eu, de vez em quando eu digo reá
P3 – reá, é? ((Risos da professora e da turma))
P3 – não está errado, entendeu? Só que com o passar do tempo
você vai descobrir que a palavra certa é o quê?
A1 – real
P3 – muito bem! real.

O cuidado em não constranger não impede que a professora use algumas vezes as
palavras certo e errado. Na interação em que o aluno admitiu fazer uso da variedade /reá/ em
variação ao real, ele identificou a semelhança em falar como o poeta da roça, mesmo quando
o exemplo em questão não tratava do mesmo fenômeno.
A assimilação que aconteceu em /trabalho/ que a fez ficar /trabaio/ esteve presente em
outros momentos da aula em que P3 abordou o fenômeno variacionista como: fio, mio, paia,
oiando, muié, fornaia, no entanto a professora não reuniu todos esses exemplos para trabalhar
essas variedades explorando a semelhança entre os grafemas. Ela também não comparou o reá
com canaviá, oficia, menestré presentes nos gêneros trabalhados.
Mesmo a professora tendo abordado a variação linguística de forma positiva, seus
conhecimentos sobre a sociolinguística pareceram ser limitados, impedindo-a de ampliar a
abordagem.

Trecho [23]

P3 – aí quando ele diz papé... sou poeta da roça, não faço o papé de
algum menestré, gente o que quer dizer papé?
As – papel
P3 - mas o patativa diz papé, mas nos que estamos aqui estudando
na sala de aula de jovens e adultos, como é que a gente diz
A15- pa – PÉ:: - u
P3 – é papel, se patativa estivesse aqui hoje ele ia aprender que é
papé
P3 – e argum, essa palavra argum é o que?
As – algum
P3 – de algum menestré, o que é menestré? Eu acho que é dessas
pessoas importante, que anda embecado... gente, e cantô, é desse
jeito cantô? É do jeito que ele falou? Hoje na nossa língua padrão,
cantor como é que ela se escreve?
A16 – é com u, cantou
P3 – não, cantou
A17 – cantô sem acento
P3 – sem acento fica canto, cantor termina com qual letra mesmo?
As – r

3.3.4 – O trabalho com a língua portuguesa: questões de discriminação

A noção de que uma forma de usar a língua é melhor ou pior que a outra, e a idéia de
certo e errado é que faz surgir as discriminações linguísticas. Essas discriminações estão
presentes em salas de aula, quer sejam veiculadas pelo livro, quer seja no conhecimento
prévio que os alunos trazem para sala, com frustrações por terem sido discriminados fora e
dentro da escola por sua forma de falar, e também através da abordagem feita pelos(as)

professores(as). Isso acontece por não haver tolerância ao diferente, que acarreta em outros
preconceitos, contra o negro, o pobre, o homossexual, os portadores de necessidades
especiais, que não são menos graves do que o preconceito linguístico, no qual as pessoas são
descriminadas pelo uso que fazem da língua.
A discussão sobre a variação linguística deve acontecer em sala de aula, junto da
reflexão de que as variedades existem porque há situações sociais diferentes, logo também
padrões de uso da língua distintos, e é neste sentido que Antunes (2007, p. 104) diz que
A variação assim acontece como uma coisa inevitavelmente normal, ou seja,
existem variações lingüísticas não porque as pessoas são ignorantes ou
indisciplinadas, existem porque as línguas são fatos sociais, situados num tempo e
num espaço concreto e com funções definidas.

Percebemos com a contribuição de Antunes (2007) que as variações ocorrem porque a
língua só existe em sociedade, sendo que todas essas são heterogêneas. É essa
heterogeneidade que não está suficientemente esclarecida nas escolas, quando o assunto é o
uso da língua, e por isso presenciamos com frequência o uso do certo e do errado.
Mesmo de forma não intencional, a professora reforça a discriminação quando ela
coloca a necessidade de aprender a falar certo, porque moram na cidade e porque estão
estudando, como se por isso tivéssemos de ser diferentes das pessoas que residem na zona
rural, ou das pessoas que não têm escolarização. A seguir mais uma vez presenciamos uma
visão preconceituosa problemática por parte da professora

Trecho [24]

As – TÁ se olhando no espelho? Eu não, ele é quem está me olhando.
Se vocês fossem escrever o tá na língua certa, na escrita certa, como
é que vocês vão escrever esse tá? Vamos lá: ESTAR... o tá que a
gente usa é um vicio de linguagem: menino, já tá aí? Menino ta
fazendo o que? TÁ::, mas a palavra é está , TÁ fazendo o que, TÁ
lavando roupa, TÁ comendo.... se oiando...

Se considerarmos que vício é algo negativo, que significa defeito grave que torna uma
coisa ou uma pessoa inadequada para certos fins ou certas funções, podemos dizer que a
expressão vício de linguagem usada por muitas pessoas é extremamente pejorativa, uma vez
que associada ao uso da língua, toda variedade que não seja a norma culta é algo feio, ruim,
defeituoso. O exemplo citado pela professora para justificar o vício de linguagem aconteceu
com o uso do /tá/ que é uma variante da forma verbal /está/, que perdeu a sílaba inicial /es/ e
que frequentemente ouvimos na fala de milhares de brasileiros diariamente, pois segundo
Bortoni-Ricardo (2004, p.56)

é um traço gradual, porque a perda ou aférese da sílaba inicial es no verbo estar é
um traço generalizado no Português brasileiro, especialmente nos estilos não
monitorados. Igualmente a perda do /r/ final nos infinitivos verbais e nas formas do
futuro do subjuntivo é um traço gradual.

A falta de abordagem da variação linguística nos cursos de formação de professor,
tanto inicial como continuada, sendo que esta última é quase inexistente no município, fazem
com que momentos de discriminação aconteçam em sala de aula, sendo ou não de forma
intencional. Os professores, em sua maioria, “erram” tentando acertar, no trabalho que fazem
com a língua portuguesa, entendem que este só é feito quando estão “dissecando” uma
gramática normativa, e logo, o uso da língua fica restrito ao conhecimento das regras

gramaticais normativista, caso contrário os sujeitos são tachados de que não sabem falar, ou
como possuidores de vícios de linguagem, graças à abordagem equivocada feita por muitos
professores, sendo esses da educação básica, ou até mesmo os formadores de professores.
Nessa perspectiva, percebemos que apesar de a variação lingüística ser um tema ainda
pouco discutido no ambiente escolar, ele já está presente, mesmo de forma tímida e trabalhada
de forma equivocada, o que demonstra a necessidade de ser tema para formação de
professores, quer seja inicial ou continuada, seja na área da linguagem, seja em qualquer outra
área do conhecimento, visto que a língua é algo presente em todo tipo de interação humana, e
por isso a base de todo o processo educacional.

CONCLUSÕES

Este trabalho investigou questões da variação linguística, no que se referem à
abordagem feita em sala de aula quando se realiza o trabalho com a linguagem nas escolas
municipais da cidade Pilar, onde buscamos conhecer a metodologia dos professores da
Educação de Jovens e Adultos ao trabalhar as variedades linguísticas, tanto as variedades de
prestígio como as populares dos alunos no contexto da sala de aula, e os procedimentos
pedagógicos utilizados para trabalhar tais questões.
O desenvolvimento desse estudo nos permitiu um aprofundamento na área da
linguística, onde priorizamos o trabalho com a sociolinguística, enfatizando a variação. A
relevância de estudar fenômenos como a variação linguística, se dá à medida que, através
dele, podemos refletir sobre a organização da sociedade, que é marcada pela forte
discriminação sob vários aspectos, seja em relação ao jovem, ao adulto, ao pobre, ao idoso, ao
negro, à mulher, ao analfabeto, ao portador de necessidades especiais, e de forma menos
explicita mais tão perigosa quanto às demais que é o preconceito lingüístico. O preconceito
linguístico acaba assumindo a força de uma arma para ganhar a competição e para buscar uma
posição melhor na hierarquia social, embora ela assuma um papel especial no sistema escolar.
A linguagem culta é imposta a todos os alunos, inclusive aqueles provenientes das classes
menos favorecidas, que não possuem o domínio desta.
Este estudo foi desenvolvido em três turmas de terceiras fases da educação de jovens e
adultos em três escolas da rede pública municipal da cidade de Pilar, que ao longo desse
trabalho denominamos de escolas A, B e C. A pesquisa nos permitiu conhecer o uso de
variedades dos alunos e alunas, bem como das professoras. Além de observar as variantes
utilizadas, buscamos através dessa pesquisa conhecer a abordagem feita pelas professoras no
contexto da sala de aula para trabalhar questões relacionadas com a variação linguística, e a

partir daí identificar as dificuldades que elas demonstraram ao fazer essa abordagem, que
poderia resultar ou não em ações de discriminação linguística em sala de aula.
Para realizar o presente estudo, fizemos uma coleta de dados, precedida de pesquisa
bibliográfica, fundamental para a construção da base teórica usada neste trabalho. Durante a
pesquisa de campo, permanecemos durantes três meses coletando dados, através de registros
escritos em diário de bordo, observação e gravação oral em três turmas de terceiras fases do
primeiro segmento da educação de jovens e adultos, em três escolas da rede pública municipal
da cidade de Pilar, tendo início no mês de março e encerramento no mês de junho.
Os registros, as observações, bem como as gravações nos permitiram coletar as
variedades utilizadas pelos alunos(as) e pelas professoras. Em relação ao uso das variedades
populares em sala de aula, presenciamos nas três escolas que esse uso acontece
cotidianamente, com mais frequência na fala dos alunos, ocorrendo com menos incidência na
fala das professoras, apesar de verificarmos uma forte monitoração na fala de alunos e
professoras, sobretudo durante os eventos de letramento, em que requeria a leitura de algum
registro escrito. A variação acontecia na maioria das vezes durante os momentos de interação
informal em sala de aula, quando a monitoração estilística era reduzida e podíamos perceber o
uso da língua mais espontâneo e assim era possível registrar a presença de variedades
populares.
Após essa constatação, observamos que os procedimentos que as professoras
utilizavam para trabalhar em sala de aula, em sua maioria, foram restritos ao trabalho com
textos que apresentam variação, como a Música Asa Branca, textos de Patativa do Assaré,
poeta da roça, tirinhas do Chico Bento, entre outros. A estratégia que prevaleceu nas salas de
aula foi a solicitação de escrever as variedades populares na norma culta. Não houve em duas
escolas uma análise da fala em sala de aula, para que os alunos se percebessem usuários das
variedades populares, e reconhecessem as diferentes formas de dizer a mesma coisa. Na

terceira escola, houve uma intenção da professora em ampliar a discussão para o respeito às
diferenças nos usos da língua, saindo um pouco das estratégias utilizadas nas demais escolas.
E com a constatação desses usos em sala de aula, pude percebemos também que as
professoras tinham dificuldade em trabalhar com a variação linguística, uma vez que, em
alguns momentos não reconhecia o uso dessas variedades, ora porque também usam as
mesmas que os alunos e não reconhecem em suas falas alguma variação, ora porque não
tinham habilidade para intervir quando os alunos usavam tais variedades, pois os
conhecimentos sociolinguísticos delas eram limitados para essa ação, assim como de boa
parte dos professores, uma vez que não é dado a este tema a importância que ele representa, e
por isso, ou ele não é abordado nos cursos de formação inicial dos professores, ou a
abordagem acontece de forma superficial.
A inexistência da formação para trabalhar com a variação linguística não é algo que
acontece só na formação inicial, mas quase sempre também na formação continuada, pois essa
além de ser escassa, quando ocorre, como o curso do pró-letramento, onde há um fascículo
voltado para a Variação, na cidade de Pilar, não contempla as professoras da EJA, mesmo
porque não foi um curso voltado para essa modalidade de ensino.
Diante dessas dificuldades, o que foi possível perceber é que a discriminação
linguística é praticada também na sala de aula, quando a escola deve ser o espaço de combate
a qualquer tipo de discriminação e preconceito, inclusive o linguístico, uma vez que é o
espaço formal de construção do saber sistematizado. No entanto, a escola alimenta a
discriminação linguística quando o fenômeno da variação é tratado de forma inadequada,
como percebemos em algumas ações das professoras durante as aulas.
Os resultados obtidos confirmaram, em parte, as hipóteses levantadas inicialmente,
quando dissemos que o preconceito linguístico que tanto prejudica a sociedade também
compromete a função social da escola. Percebemos que nas três escolas pesquisadas há a

tendência em se dedicar mais a cultivar a norma culta como a única forma correta de usar a
língua materna, do que favorecer a formação de indivíduos capazes de reconhecer e lutar
pelos direitos a bens culturais, à saúde, à habitação, enfim à vida digna de cidadão. Isso foi
constatado nas escolas que pesquisamos, pela ausência do trabalho gêneros textuais na
produção de textos, focalizando nesse contexto o trabalho com a variação. No trabalho com a
língua, prevalece a ênfase na gramática normativa, sendo esta, no ambiente escolar,
equivalente à Língua Portuguesa, ou seja, se não domina a gramática não sabe Português.
Sabemos que a escrita é uma ferramenta muito manejada pelos membros de uma
sociedade letrada. E ela interfere diretamente na oralidade dos seus falantes. Portanto, quanto
maior for o grau de letramento de um sujeito, mais ele será influenciado pela escrita em sua
fala. Assim, para que o trabalho envolvendo linguagem na escola favoreça o uso da escrita
pelos seus alunos, diminuindo a exclusão e o preconceito, é necessário que haja mudança na
prática escolar, pois esta mudança é de extrema relevância para mudar a conjuntura social,
uma vez que o atual trabalho pedagógico ainda vende a ilusão de que existe a forma correta de
falar, o “Português culto” e por isso prioriza o estudo da gramática normativa (prescritiva), e
tudo que for diferente disso é errado, e se o aluno não domina essa gramática, suas
capacidades intelectuais são inferiores.
Diante do exposto, concluímos que a variação linguística no contexto escolar precisa
ser reconhecida com uma grande relevância para a educação e portanto, deve estar presente
nos planejamentos de todos os professores, principalmente de língua materna, independente
da fase ou segmento, e deixar com isso de ser negligenciada, quer na elaboração de programas
de alfabetização, nas ementas das disciplinas, quer na formação de professores.
Portanto, vimos ao longo desse estudo, que todos nós quando resolvemos emitir
algumas palavras, não fazemos isso de qualquer forma. As frases ditas por cada um de nós
não são construídas de forma isolada, e sim por todo um contexto, constituído por nossa

família, pelo local em que nascemos e vivemos, as escolas em que estudamos, as pessoas com
as quais convivemos, em nosso trabalho, em nosso ciclo de amizade, enfim, nossa maneira de
falar é formada pouco a pouco e está sempre se modificando, por isso, os alunos da EJA, que
antes de ir a escola não sabiam ler nem escrever, ao entrar em contato com as letras, não só
sua linguagem, mas seu mundo se transforma. Ele se apoderará de um conhecimento nunca
antes imaginado e passa a usar expressões desconhecidas até então e isso pode acontecer sem
que a língua que usou durante toda a sua vida seja considerada errada, inferior, inculta. A
ampliação do repertório linguístico vai acontecer inevitavelmente durante sua vida escolar, e
essa ampliação não significa substituição da norma popular pela norma padrão, significa
mudança, sem necessariamente haver imposição de uma norma em detrimento de outra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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