Deyvid Braga Ferreira

Título da dissertação: O SIGNO “SEGURANÇA PÚBLICA” NA MATRIZ CURRICULAR UNIFICADA DA SENASP: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E EFEITOS DE SENTIDO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DEYVID BRAGA FERREIRA

O SIGNO “SEGURANÇA PÚBLICA” NA MATRIZ CURRICULAR
UNIFICADA DA SENASP: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E
EFEITOS DE SENTIDO

MACEIÓ/AL
2012

DEYVID BRAGA FERREIRA

O SIGNO “SEGURANÇA PÚBLICA” NA MATRIZ CURRICULAR
UNIFICADA DA SENASP: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E
EFEITOS DE SENTIDO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal de Alagoas como requisito
parcial para conclusão do Curso de Mestrado
ofertado pelo PPGE/ CEDU/ UFAL.
Orientadora: Profª Drª Maria do Socorro Aguiar de
Oliveira Cavalcante.

MACEIÓ/ AL
2012

DEDICATÓRIA

Deus, pela oportunidade de minha vida.
A Marilene Gleide Alves da Silva Sarmento, “in memorian” por todo o exemplo de
vida e amor desprendidos.
Á minha esposa Ana Paula pelo amor, companheirismo e carinho. Obrigado,
também, por aguentar as minhas ausências em prol dos estudos. Aos meus filhos
Arthur e Victor, por terem reformulado meus objetivos na vida.
A minha mãe, Prof.ª Ph.D. Maria de Fátima pelo apoio nesta jornada.
A meu pai, Edson Braga, que me mostrou ao longo da vida, os ensinamentos de
retidão, perseverança e humildade intrínsecos ao homem.
Ao meu irmão David pelo apoio.
Ao meu sogro, Dr Sarmento pelo incentivo.
A tia Nice, pelos cuidados com meus filhos que possibilitou boa parte de meus
estudos.
A minha orientadora, Profª Drª Maria do Socorro Aguiar de Oliveira Cavalcante, pela
confiança e auxilio sem os quais esta pesquisa não se consubstanciaria.
Aos delegados Bel. Aydes Ponciano Dias Júnior e Bel. Gustavo Pires de Carvalho e
aos oficiais militares TC QOC PMAL Neyvaldo Amorim, TC QOC PMAL Carlos
Luna e ao MAJ QOC PMAL Marcos Lima por entenderem que quanto mais
capacitado o policial, melhor será o retorno à sociedade. Aos Chefes de Operações
Policiais Cleotávio Canna Brasil e Oswaldo Bitencourt, pela flexibilização de horários
e aos “plantões” de final de semana.
Aos colegas do curso de mestrado, pela colaboração e criticas que me fizeram
repensar e aprofundar meus estudos nesta temática. Gostaria de agradecer, de
forma distinta, a pessoa de Isabella Maria em nome de todos os funcionários que
compõem o PPGE/ CEDU/ UFAL, que labutam de forma diuturna, dando sua
indelével contribuição ao programa.
A todos que de forma direta ou indireta, contribuíram em meus estudos e pesquisas.

POLICIAL: O PEDAGOGO DA CIDADANIA
Existe uma dimensão pedagógica no agir policial
que, como em nenhuma das outras profissões de
suporte
público,
antecede
as
próprias
especificidades de suas especialidades.
Os paradigmas contemporâneos na área da
educação nos obrigam a repensar o agente
educacional de forma mais includente. No passado,
esse papel estava reservado unicamente aos pais,
professores e especialistas em educação. Hoje é
preciso incluir com primazia no rol pedagógico
outras profissões irrecusavelmente formadoras de
opinião, tais como: médicos, advogados, jornalistas
e, principalmente,
os policiais.
O agente de segurança pública, devido a sua
indelével missão constitucional e, muitas vezes, por
ser o único segmento do Estado que se faz
presente em todos os lugares, até mesmo em
locais onde os outros órgãos nem sonham em ir; é
o único referencial do poder público que a maioria
da população tem acesso. Por isso, dizemos que o
policial é um pleno e legitimo educador. Essa
dimensão é sacerdotal, é inabdicável e se reveste
de profunda nobreza, devendo ser, a cada dia,
conscientemente robustecida e explicitada através
de comportamentos e atitudes.
(Adaptado da terceira, das treze reflexões sobre
polícia e direitos humanos de Ricardo B. Balesteri,
de 2003).

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo investigar quais os efeitos de sentido do signo
“segurança pública” trazidos pela Matriz Curricular Nacional para a formação do
profissional em Segurança Pública no Brasil, a partir da análise do discurso oficial
que prega “segurança pública com cidadania”. Nossas hipóteses são que as
propostas contidas na Matriz Curricular Nacional indicam uma tendência de subserviência
aos ditames do capital, além de que as Posições Ideológicas que permearam a elaboração
da Matriz Curricular mostram uma tentativa de re-significação do signo “segurança pública”.
Nosso aporte teórico e metodológico baseia-se no materialismo histórico dialético (MARX &
ENGELS: 2006, 2007; MARX, 2006; MÉSZÁROS: 2007, 2008, 2009; LESSA, 2006;
TONET, 2009 e TONET & LESSA 2004) e na Análise do Discurso de Linha Francesa
(PECHEUX: 1977, 1995, 1997; ORLANDI: 1993, 1997, 2005 e GREGOLIN 2004), a fim de
analisar o quadro de evolução histórica de como o direito á segurança pública foi inserido
em nossa Constituição. Com isto, pudemos desvelar os efeitos de sentido do signo
“segurança pública” presente na matriz curricular da SENASP/MJ. O resultado obtido nos
revelou que é díspar tal conceito na matriz curricular e no ensino policial Brasileiro. Com isto,
tal matriz camufla a precarização do trabalho em segurança pública, impondo aos
trabalhadores os ditames do capital, voltados aos ajustes neoliberais
Palavras – Chaves: Segurança Pública. Matriz Curricular. Análise do Discurso.

ABSTRACT

This inquiry has aim is investigated which by the effects of sense of changes brought
by the Womb Curriculum national for the formation of the professional in public
security in Brazil, from the analysis of the official speech that preaches “ public
security with citizenship ”. Our hypotheses are that the proposals contained in the
Womb Curricular United indicate a tendency of subservience to the dictates of the
capital, besides which the Ideological Positions that permeated the preparation of the
Womb Curricular show an attempt of re-signification of the signs of the public
security. Ours theoretician docks and methodology it is based on the historical
dialectic materialism (MARX & ENGELS: 2006, 2007; MARX, 2006; MÉSZÁROS:
2007, 2008, 2009; LESSA, 2006; TONET, 2009 e TONET & LESSA 2004) and in the
Analysis of the Speech of French Line, in order to analysis the picture of historical evolution of
as the right to public security was inserted in our constitution. With this, we will be able to
reveal what really means the public present security in the womb curriculum of the
SENASP/MJ. The obtained result showed us that it is unequal such a concept in the
womb curricular and in the police Brazilian teaching. With this, such a womb
camouflages the precariousness of the work in public security, imposing on the
workers the dictates of the capital, turned to the agreements neoliberalism and
values of precariousness of his work.
Keywords: Public security. Pattern Curriculum. Analysis of Discourse.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução das taxas de homicídios no Brasil, entre os anos de 1980 até o
ano de 2010................................................................................................................11
Tabela 2 – Numero de mortes diretas e taxas em conflitos armados no mundo por
homicídios e armas de fogo no Brasil, entre os anos de 2004, até o ano de
2007............................................................................................................................92
Tabela 3 – Número e taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil nos 30 últimos anos:
de 1980 até o ano de 2010.......................................................................................104

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AD – Análise do Discurso;
AGENPEN – Agente Penitenciário;
AI – Atos Institucionais;
AIE – Aparelho Ideológico do Estado;
ARE – Aparelho Repressivo do Estado;
BOPE – Batalhão de Operações Policias Especiais (grupo de elite da PMAL);
CBM – Corpo de Bombeiros Militar;
CF – Constituição Federal;
CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças;
CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha;
CP – Condições de Produção do Discurso;
CTN – Código Tributário Nacional;
EPI – Equipamento de Proteção Individual;
EU – European Union (União Europeia);
FA – Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica);
FD – Formação Discursiva;
FI – Formação Ideológica;
FMI – Fundo Monetário Internacional;
GM – Guarda Municipal;
LSN – Lei de Segurança Nacional;
MJ – Ministério da Justiça;
PC – Polícia Civil;
PC/ AL – Polícia Civil de Alagoas;
PF – Polícia Federal;
PFF – Polícia Ferroviária Federal;
PM – Polícia Militar;
PMAL – Polícia Militar de Alagoas;
PRF – Polícia Rodoviária Federal;
PRM – Partido Republicano Mineiro;
PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania;
PRP – Partido Republicano Paulista;
RP – Batalhão de Policiamento por Radio Patrulhamento (grupo de elite da PMAL);

SD – Sequencia Discursiva;
SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública;
SSP – Secretaria de Segurança Pública;
SP – Segurança Pública;
TIGRE – Tático Integrado de Grupos de Resgates Especiais (grupo de elite da
PC/AL);
UFAL – Universidade Federal de Alagoas;
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo;
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas;
USA – United States of America (Estados Unidos da América).

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
1 O PERCURSO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA NA HISTÓRIA DO ESTADO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO............................................................................15
1.1 O Constitucionalismo Imperial........................................................................23
1.2 O Constitucionalismo no Período Republicano.............................................30
1.3 O Constitucionalismo do Estado Social.........................................................33
2 O PERCURSO TEÓRICO.......................................................................................50
2.1 Condições de Produção do Discurso...............................................................58
2.2 Ideologia e Formações Ideológicas..................................................................61
2.3 Formações Discursivas.....................................................................................68
3 O PERCURSO DE ANÁLISE..................................................................................72
3.1 O signo “segurança pública” no contexto da política neoliberal..................74
3.2 A produção dos efeitos de sentido nos objetivos da matriz curricular........81
3.3 A ideologia da Matriz Curricular.....................................................................105
CONCLUSÃO..........................................................................................................112
REFERÊNCIAS........................................................................................................118

11

INTRODUÇÃO

É com preocupação que observamos o vertiginoso aumento da criminalidade
em nosso país, desde a década de oitenta do século passado, até a primeira década
desse século.
Hoje, o crime que mais se destaca nessa escalada de violência e que mais
temor inflige à sociedade é o homicídio, ou seja, um tipo específico e delito que ceifa
a vida de milhares de pessoas todos os anos em nosso país.
Conforme dados do mapa da violência 2012, realizado pelo instituto
SANGARI (WAISELFISZ, 2011, p.18-19), temos que das 27 Unidades Federativas
(26 estados e 01 distrito federal), onde fazem parte as 27 capitais e os 5564
municípios, num lapso temporal de aproximadamente 30 anos, (do período de 1980
até 2010), o Brasil “salta” de 13.910 homicídios praticados em 1980, para 49. 932
homicídios cometidos em 2010. Fazendo um rápido calculo matemático,
chegaremos à percentagem de 259% de aumento, quase que quadruplicando o seu
número, ou tendo um crescimento exponencial de 4,4% em média por ano.
Tabela 1 - Evolução das taxas de homicídios no Brasil, entre os anos de 1980 até o
ano de 2010.

Fonte: WAISELFISZ, 2011.

12

Procurando justificar esse índice, o governo, tanto federal quanto os
estaduais, apresentam uma série de “desculpas” baseando-se nos seguintes fatores:
várias foram às políticas estaduais e federais que eclodem e notabilizam-se pela
forte reprimenda estatal ao crime organizado, além de algumas ações pontuais dos
governos estaduais (destacamos o estado do Rio de Janeiro), que começam a
incutir no treinamento dos seus policiais, que o criminoso não é uma pessoa comum
que pertence ao Estado, e que dele se afasta temporariamente porque delinque.
Agora, o infrator da lei deve ser perseguido e abatido, pois é um inimigo.
A partir desse ponto, surgem afirmações de diversos especialistas1, além dos
meios midiáticos, afirmando que o aumento no número de homicídios ocorridos no
Brasil, a partir da década de noventa do século passado será “culpa exclusiva da
polícia”, que perde seu “status” de promotora da cidadania, passando a ser
considerada uma “polícia política”, típica de regimes antidemocráticos, de exceção,
que obtém resultados apenas torturando e matando inocentes, um órgão
desacreditado e ineficiente. É nesse momento que as películas cinematográficas e
as produções literárias começam e proteger o criminoso2, fazendo não só apologia
ao crime, mas invertendo os valores de retidão e justiça (ora, se eu cometo um
crime, não devo ser punido por isso?).
O que podemos afirmar, de acordo com os dados colhidos pelo trabalho do
instituto SANGARI (WAISELFISZ, 2011), é que mais de um milhão de pessoas, foi
privado de seu direito mais básico – a vida. Em pouco mais de trinta anos, morreram
vítimas da violência no Brasil exatos 1.091.125,00 (um milhão, noventa e uma mil,
cento e vinte e cinco) pessoas foram assassinadas.
O governo federal inicia uma série de estudos e fomenta reuniões com
representantes da área de segurança para apresentar sua própria solução, tendo em
vista que os estados e municípios sempre estavam a lhe pedir ajuda, quase sempre
atribuindo-lhe a responsabilidade pela situação que estavam passando. Podemos
citar duas principais ações governamentais em nível federal que trataram dessa
temática: a lei federal 10.826 de 2003 (que traz um plano indistinto de
1

Como exemplo podemos citar HOLLOWAY, 1997 e HUGGINS, 1998.

2

Nesse sentido podemos citar DAMATTA, 1997.

13

desarmamento para toda a população, e aqui friso que não é só para os criminosos)
e a matriz curricular nacional da segurança pública, que é objeto de nosso estudo,
apresentada num seminário nacional de segurança, promovido pelo governo federal.
Quanto à Matriz (2009, p.02), observamos que após o lançamento da sua
primeira edição em 2003, outra edição revisada é lançada em 2005. Entre 2005 e
2007 e Secretaria Nacional de Segurança Pública (doravante chamada de
SENASP), promove em parceria com o CICV (Comitê Internacional da Cruz
Vermelha) seminários intitulados “Matriz Curricular em Movimento”, para que os
técnicos educacionais e os docentes das academias de polícia e centros de
formação (para policiais e bombeiros militares) pudessem ter conhecimento das
novas diretrizes e opinar sobre sua confecção.
O que nos é velado nesse discurso, é que os docentes das academias não
são fixos como os de uma escola, selecionados por concurso público e, após
treinamento, serão efetivados como docente enquanto permanecerem na carreira. O
labor policial possui idiossincrasias que o torna único.
Os docentes são trabalhadores sazonais que, mediante seleção pública
simplificada, “vendem” sua força de trabalho ao Estado, para formar a força de
segurança pública. Como são sazonais, não existe uma obrigatoriedade (salvo a
disciplina específica que trate da matriz curricular da SENASP) que os docentes
possuam quaisquer conhecimentos desse “documento pedagógico”.
Outro dado silenciado, é que as malhas curriculares de todas as academias
de polícia no Brasil (civis e militares), além daquelas que são pertencentes aos
CFPA’s (Centros de Formação e Aperfeiçoamento de Praças) pertencentes as
Polícias Militares e Bombeiros Militares estão em “descompasso com a realidade”
e precisam ser extirpadas.
Mas como fazer isso, sem ferir o pacto federativo, ou a soberania dos
estados? Simples, condiciona-se a adesão à Matriz Curricular à liberação de verba
pela própria SENASP, que tem diversos programas de enfrentamento ao crime.

14

Nosso objetivo com essa pesquisa é compreender de que forma o signo3
“segurança pública” está significando na matriz curricular da SENASP produzindo
não só efeitos de sentido, mas sob que condições de produção foram forjados.
Para isso, buscamos subsídios não só no materialismo histórico e dialético,
mas na Análise do Discurso, doravante chama de AD, de linha francesa, a fim de
que ao analisarmos os objetivos que se fazem presentes nesse documento
pedagógico da segurança pública nacional, possamos compreender de que modo
eles significam e para quem. A AD da qual somos tributários foi fundada por
M. Pêcheux, na França. Além de Pêcheux, entendemos ser necessário fazer uma
aproximação com os estudos de Bakhtin, Orlandi, Gregolim e Lukács, através de
alguns dos seus comentadores - Tonet e Lessa.
Os resultados dessa pesquisa estão contidos neste trabalho, e são
estruturados em três capítulos.
O primeiro capítulo discorre sobre o percurso das políticas de segurança na
história do Estado constitucional brasileiro, do período imperial ao momento
presente, sempre analisando o signo “segurança pública” com base em nossa lei
maior, que é a constituição.
No segundo capítulo, delimitamos nosso percurso teórico, apresentando os
pontos de sincronia e assíncrona com os autores do campo teórico da análise de
discurso, bem como com os conceitos a ela pertinentes.
No terceiro capítulo, contextualizamos o signo “segurança pública” na política
neoliberal, para depois empreender a análise dos objetivos da Matriz Curricular
nacional, além de discutirmos a ideologia presente na confecção desse documento.
Nossa análise parte da Sequencia Discursiva inscritas nos objetivos de
prática pedagógica, visando desvelar as condições de produção que possibilitaram a
elaboração dos referidos objetivos, além dos efeitos de sentido que eles
movimentam.
3

Conforme Bakhtin (2006) o signo é a palavra viva, em movimento dialético, dinâmico. É um
elemento tipicamente social, que reflete e refrata a ideologia presente nas estruturas sociais dos
falantes.

15

1

O PERCURSO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA NA HISTÓRIA DO
ESTADO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
O direito é a ciência da palavra.
Palavra esta, que atenderá aos anseios de um grupo seleto, detentor do

poder político, e que necessita/precisa de regramentos para que possa não só
desenvolver-se economicamente, mas socialmente.
Essa forma de controle normativo nasce da necessidade da classe dominante
de planificar, de definir, de pautar as formas de conduta que seriam socialmente
aceitáveis em determinado momento histórico, refletindo e refratando a sua forma de
dominação.
Esse cenário de criação normativa, falando especificamente do Brasil, será
expresso de forma singular pela nossa carta política fundamental (Constituição). A
eleição dessa norma segue a teoria da “hierarquização normativa”, que determina
ser a constituição a lei maior da nação, sendo todas as outras leis dela decorrentes.
Com isso, cria-se um maior prestígio para o que está contido nessa lei (constituição),
de modo que todo ordenamento jurídico seja balizado por tal norma. É através dessa
lei que o seleto grupo dominante que patrocina “os representantes da nação”, terá
um maior controle sobre o que é interessante ou não para manutenção de seu
projeto de sociabilidade.
Essa forma de controle irá perpassar todos os momentos constitucionais
brasileiros, cada qual sendo subserviente à classe politicamente dominante e
detentora do “comando estatal”. Nesses momentos, eleger-se-á a valoração que
cada direito ofertado aos brasileiros terá.
Com a segurança pública não foi diferente.
Esse signo, que carrega semanticamente uma valoração ideológica4 própria
de cada momento constitucional, terá sua materialidade discursiva atravessada

4

Sobre o conceito de Ideologia e Formações Ideológicas, trataremos com mais detalhes no segundo
e terceiro capítulos.

16

pelas filiações ideológicas com as quais seus enunciadores se identificam, a partir
do lugar social que ocupam e de onde enunciam.
Precisaremos, então, apresentar nos momentos constitucionais que o Brasil
“experimenta” nesses quase quinhentos anos, uma releitura, uma leitura crítica dos
discursos que eclodem nesses diferentes momentos, buscando desvelar suas
filiações de sentido, suas condições de produção e quais efeitos de sentido
perpassam nos discursos materializados nesse diplomas constitucionais.
A AD terá seu maior mérito nessa empreitada, a partir do momento em que as
filiações de sentidos que movimentam as materialidades discursivas que se
entrelaçam sob o signo vivo da segurança pública no seio constitucional, forem
postas em análise, desvelando os reais interesses postos em uma sociedade
movida por antagonismos que se mostram nas relações de estratificação das
classes.
Essa perspectiva teórica, aliada ao materialismo histórico e dialético5, nos
trará subsídios para que possamos entender os imbricamentos presentes entre a
sociedade brasileira, seu percurso histórico e as particularidades econômicas de
cada momento histórico, onde a perspectiva da “exploração do homem pelo homem”
é marca assente das sociedades estratificadas em classes sociais.
É a partir desses pressupostos que buscamos responder algumas questões.
Como foi gestado? Como se construiu o signo “segurança pública” no percurso
histórico de nosso País? Como nasce o Estado Brasileiro de acordo com as
Constituições? Como nosso ordenamento jurídico (conjunto de leis) delimita e atribui
“segurança pública” ao povo brasileiro?
A compreensão da Segurança Pública, antes de qualquer conceito, definição
ou tentativa de delimitação teórica, precisa passar por uma compreensão da própria
fenomenologia ontológica da vida em sociedade, pois é intrínseco à própria essência
do ser humano, enquanto habitante de determinado grupo/ nicho social, a
necessidade de sentir-se seguro para os afazeres desde os mais simples aos mais
complexos.
5

Trataremos de forma mais detalhada no segundo e terceiro capítulos.

17

Somente sentindo e tendo segurança é que o ser humano, como ser
eminentemente social, consegue desenvolver seus afazeres. Tal situação (ter e
possuir segurança) perpassa as circunstâncias cotidianas e aloja-se no inconsciente
humano.
Ser detentor ou não de Segurança, é um estado de espírito, e, por isso,
necessita de fatores endógenos e exógenos para que seja bem compreendido.
Só temos olhos para a segurança objetiva [endógena], representada pela
presença ostensiva das polícias nas ruas ou na capacidade de se dar
pronto emprego quando acionada. [...] Por outro lado, contar com os
serviços públicos eficazes (comunicação, saúde, transporte, educação,
polícia...) inspira tranquilidade à população. Essa sensação coletiva, que
denominamos de segurança subjetiva [exógena] afeta a qualidade de vida
de todos nós (CÂMARA, 2002, p. 25).

Para compreendermos como esses fatores - endógenos e os exógenos-,
encontram-se presentes em nossa memória, imaginemos a seguinte situação
hipotética: uma pessoa, independente de gênero, está fazendo caminhada por um
local insalubre: uma rua esburacada, fétida e escura. No outro dia, essa mesma
pessoa está realizando seu exercício físico em outra localidade, mas desta vez o
ambiente é salutar: a rua é pavimentada, com recolhimento constante do lixo e bem
iluminada.
Em qual desses ambientes existirá uma maior sensação de segurança?
Partindo do pressuposto de que a violência assola qualquer local, independente dos
fatores que determinam uma maior ou menor sensação de segurança (presença
ostensiva da polícia - fatores endógenos e a prestação eficaz dos serviços públicos
coletivos de satisfação da qualidade de vida – fatores exógenos), em qualquer
desses ambientes a pessoa poderá ser vítima de um ilícito/ crime. Entretanto, num
local/ ambiente salutar, a sensação de despreocupação, de aproveitamento deste
condicionamento físico será maior que a sensação do exercício praticado em
ambiente insalubre.
Será essa sensação de conforto, mesmo que aparente, que é explorada
paulatinamente nos meios de comunicação, onde o governo apresenta índices e
mostra diversas compras de materiais, mas não toca na questão nodal:

18

investimentos em políticas públicas! É esta concepção mais transcendente que
buscamos desvelar neste percurso constitucional.
Ter segurança é pressuposto de ser cidadão.
Ter segurança é um meio de se garantir direitos fundamentais ao próprio ser
humano, assegurando, de forma plena, o real exercício da “cidadania” para os
membros de uma sociedade, intermediados pelo Estado, pelo País.
Para que a classe politicamente dominante possa prosseguir com seu projeto
de sociabilidade, faz-se necessário que haja a manutenção da paz, da harmonia
social, da ordem e do bem comum. E isso só seria possível, caso houvesse um
corpo normativo, um conjunto de leis que lhe regulasse a vida, pois o ser humano
em seu estado de natureza não estava sujeito à lei alguma, servindo apenas a seus
interesses, mesquinho e egoístas, na ânsia pelo poder6.
É assim que nasce o direito.
Atribui-se aos fatos que estão a ocorrer na sociedade, uma carga valorativa.
O Estado, através dos representantes legalmente inseridos em suas funções
(executivo, legislativo e judiciário) irá atribuir a esse fato, socialmente relevante, uma
norma, irão pautar de forma escrita a reprovabilidade dessa conduta e a sanção a
esta cabível.
O direito será, portanto, o conjunto normativo (leis, regras ou normas) que
pautam a conduta socialmente aceitável, dentro de determinado Estado. É dele o
controle das condutas humanas exteriorizadas, valorando-se cada comportamento
humano para a “mantença” da paz e da harmonia social.
Sendo a classe dominante aquela a qual se faz melhor representar nas
esferas do poder (legislativo, executivo e judiciário), esta, no decorrer da história,
necessitou consolidar seu projeto de sociedade e suas próprias aspirações em
detrimento das classes menos favorecidas.

6

Daí surge à expressão “homo lupos homini” – o homem é o lobo do próprio homem.

19

Mas, como legitimar seu “modo de governabilidade” sem despertar o dissabor
dos não incluídos em suas aspirações?
Cada País, como ente portador de soberania e autonomia, determina de
acordo com seus próprios interesses, a forma que o conjunto de leis a ser aplicado
em seu território terá. Nader (2002) nos mostra que existe uma bifurcação normativa
pelo mundo afora. Alguns adotam que seu regime jurídico (conjunto de normas que
determinam

a

vivência

dentro

do Estado) deva

possuir uma

conotação

consuetudinária. Seus defensores encontram respaldo nos usos e costumes. É o
direito baseado exclusivamente nos costumes e tradições locais. Em caso de conflito
com a legislação, prevalece o consuetudinário, devido ao costume local ser melhor
qualificado para julgar seus cidadãos que uma lei feita por quem não conhece as
velhas tradições. Quem a adota são Países Europeus e da América do Norte.
Outros entendem que seu regime jurídico deva possuir uma conotação
positivista. Seus defensores pregam que a lei deve ser vista de forma positiva,
escrita. O que não está codificado é mera forma de consulta, não tendo qualquer
possibilidade de influir no julgamento pela justiça. Segundo tal corrente, o direito
será somente aquele que se encontra positivado nas diversas estruturas do Estado
(em forma de lei, com conotações: Nacional, Federal, Estadual ou Municipal). O
Brasil adota este sistema jurídico.
Assim sendo, como agrupar todo o corpo legislativo de um País, de modo que
uma fração deste (estado parte) não venha a prejudicar o interesse das classes
dominantes? Por que outros interesses que não atendem à classe economicamente
mais relevante estão no poder?
A solução encontra-se proposta por Hans Kelsen7, em sua teoria do
ordenamento/ pirâmide jurídica. Com ela, a constituição que representa o conjunto
das forças sociais predominantes8, exteriorizaria suas reais intenções de condução
do País.

7
8

Em sua obra: Teoria Pura do Direito.
Este é o conceito/ sentido sociológico de Constituição defendido por Ferdinando Lassale.

20

Com isso, caso momentaneamente forças opostas tentem enveredar por
outros caminhos, que podem ser díspares aos interesses da classe hegemônica que
está no poder, haverá um controle de sua conduta com base nos “preceitos maiores”
que se encontrem sedimentados na carta política fundamental da nação.
É por isso que essa Carta Política é fundamental aos anseios de dominação e
projetos de sociabilidade burguesa. Ela será o norte, a baliza, de todas as normas
que forem editadas. Todas as leis são hierarquicamente inferiores a ela, devendolhe respeito e não podendo contrariá-la. É por isso que o estudo de cada momento
constitucional para essa pesquisa, é imprescindível para a compreensão da forma
como foi adotado o termo “segurança pública” em nosso País, a quem tal direito
atende, e como se constitui tal diploma legal, devido à importância que apresenta na
condução do projeto de sociabilidade burguês.
Através do estudo do corpo jurídico de um País, cujo ápice será a
Constituição9, é possível descobrir como se deu/ dá a estruturação do poder político
soberano no momento histórico de construção das regras que devem reger o
Estado, bem como da estrutura jurídica adotada, seu alcance e limitações, além dos
direitos e deveres a que seus súditos estão vinculados.
A ideia principal na criação de um corpo constitucional10, uma Lei maior para a
regência de uma nação, nasce da necessidade burguesa de limitar os poderes das
autoridades constituídas. Desde os idos da revolução Francesa, a elite capitalista
em franca ascensão necessitava de um corpo normativo, de um constructo teórico
capaz de salvaguardar seus interesses e propiciar instrumentos de dominação e
subserviência às classes que a ela (burguesia) se aliaram para desbancar o
feudalismo Europeu.

9

É oportuno frisar que a nomenclatura “Constituição” poderá ser aplicada aos diferentes sistemas
normativo-legais, que podem ser codificados ou não, desde que estes definam, pelo menos a forma
estrutural (separação de poderes) e a forma fundamental (direitos e obrigações tanto do Estado
quanto de seus Súditos) de funcionamento do governo, na perspectiva política de Carl Schmit.

10

No terceiro capítulo, trataremos dos laços entre a Constituição, os Direitos Sociais e a experiência
do Estado mínimo, defendido pelo neoliberalismo.

21

Conforme Bonavides (2001, p. 36),
O estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a
transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das
garantias individuais e sociais são o objeto do Direito Constitucional [...] A
origem da expressão Direito Constitucional, [...], prende-se ao triunfo político
e doutrinário de [...] princípios ideológicos na organização do Estado [...].
Impuseram-se tais princípios desde a revolução Francesa, entrando a
inspirar as formas políticas do chamado Estado liberal, Estado de direito ou
Estado constitucional.

Através do lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” a burguesia no poder
propaga que a solução para os desmandos da nobreza seria a domesticação do
poder e isto só seria possível através das trilhas delineadas em um corpo
constitucional, que se autodenominava “ser ideologicamente neutra”.
No entanto, encobria ela (a Constituição), em profundidades invisíveis
desde o início à ideia-força de sua legitimidade, que eram os valores
ideológicos, políticos, doutrinários ou filosóficos do pensamento liberal. O
liberalismo fez, assim, com o conceito de Constituição aquilo que já fizera
com o conceito de Soberania Nacional: um expediente teórico e abstrato de
universalização, nascida de seus princípios e dominada da historicidade de
seus interesses concretos (BONAVIDES, 2001, p. 37).

É nesse sentido que a nomenclatura da Constituição, que deveria contemplar
os anseios das classes revolucionárias, torna-se um instrumento não só dotado de
lógica, mas que coaduna com a racionalidade e com a corrente iluminista vigente à
época. Abandona, assim, os anseios antes de revolução, de insurreição passando a
ser moldada para servir à elite que alcançava, então, o poder. Com isto, tal
instrumento que outrora fora colimado como “agente de transformação” social,
mostra-se como a principal ferramenta de subserviências aos interesses das
“classes emergentes”, transformando o projeto de sociabilidade dessa classe em um
diploma normativo concreto.
Dizendo de outra forma: a Constituição de uma classe (a dominante), que fora
propagada ideologicamente como elemento transformador da sociedade em geral,
passa a incorporar as “ideias” liberais, servindo, especificamente, aos atuais
detentores do poder.
Nosso Estado nasce de forma díspar a de outros Países no mundo, e, quiçá,
de outros Países no próprio continente Americano. E como tal quadro afeta o Brasil?
Diferente de nossos “irmãos” do norte, a ameríndia, composta pelos países do cone

22

sul da América, vão ter sua colonização voltada exclusivamente à exploração de
seus recursos, ao escravismo de seus povos, para extração de suas riquezas
naturais, como extração de madeira, frutas e, posteriormente, a extração de pedras
preciosas.
Diferente dos USA (Estados Unidos da América), onde a colonização se deu
com o intuito de enraizamento, construção de um núcleo familiar; em nosso país o
objetivo é apenas a manutenção da casta dominante portuguesa no poder, servindo
de fonte de recursos.
Num primeiro momento, a busca por metais preciosos (ouro, prata...)
impulsiona várias expedições em nosso território, que restaram infrutíferas em achar
os metais valiosos à coroa. Acharam outra riqueza natural: o Pau-Brasil. Dele é
extraída uma tinta, um corante utilizado para tingir as roupas. Já a madeira, devido a
sua resistência, servia como matéria prima na construção de navios ou para
construir móveis.
Mas devido à lucratividade que Portugal tinha nas outras colônias com o
comércio de especiarias, não demonstra interesse imediato na nossa exploração.
Somente em um segundo momento, é que se começa o plantio de cana de açúcar,
especiaria bastante cara a sua época, que impulsiona realmente a manutenção de
certo contingente humano e escravo em nosso País.
A expropriação do solo e expulsão dos habitantes originários não se deu de
forma pacífica. Violências, hipocrisias, injustiças, suor e muito sangue de quem não
se submetesse à coroa era um fato normal das expedições, tendo em vista que os
“selvagens” eram o inverso do “bom homem” Europeu: eles “não possuíam alma”,
cultuavam

deuses

pagãos

e

eram

“socialmente

atrasados”.

Para

os

“desbravadores”, era comum a entoação de cânticos durante as suas vitórias, onde
se exortava: “Dios está em elcielo, el Rey está lejos, yo mando aqui” 11. É nesse
contexto de violência e exploração que surgirá nosso Estado/ País/ Nação.

11

Deus está no céu, o Rei está longe, Eu mando aqui.

23

A evolução constitucional em nosso País possui três fases (Bonavides, 2001)
historicamente identificáveis, em relação: à política, à ideologia e à historização, que
influenciaram/ influenciam nossas constituições. A primeira12 fase inspira-se nos
modelos franceses e ingleses do século XIX. A segunda13 fase tem lastro no
constitucionalismo americano e apresenta uma ruptura, uma exclusão aos preceitos
da fase anterior. Na terceira fase14, que está em curso, existem traços do
constitucionalismo alemão.
Passaremos, então, a falar de cada momento constitucional e de como o
signo “segurança pública” esta significando em cada uma de nossas constituições,
em seus três momentos de influências.

1.1 O Constitucionalismo Imperial
Desde a invasão de nosso território pelos portugueses, no Brasil teremos de
1500 até 1822 um período de ordenações. Os heiduques portugueses ditam as
normas que serão aplicáveis em nosso País. Daí porque se falar, no Brasil em termo
de leis, das ordenações Filipinas (Dom Felipe), Afonsinas (Dom Afonso), Manuelinas
(Dom Manuel)...
Nesse período, nosso País serve apenas de fonte de lucro à colônia
Portuguesa. Milhares de indígenas e negros são escravizados, seviciados e mortos,
pois são tidos como coisas e não como pessoas. Para satisfazer à classe
dominante, bandeirantes e capitães do mato entregavam milhares de pares de
orelhas de quem incomodasse o governo. Ou seja, qualquer afronta, qualquer
questionamento aos anseios das

classes

dominantes eram

violentamente

rechaçados.
Conforme Pires (2008), foram os donatários que, por determinação do Rei de
Portugal, executaram as primeiras ações de polícia. Os exercícios da autoridade
12

Na primeira fase, está abarcada a Constituição de 1824.

13

Na segunda fase, está compreendida a Constituição de 1891.

14

Na terceira fase, estão às constituições de: 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

24

policial foram dados ao Almotacé, que deveria fiscalizar: pesos, medidas, preços dos
produtos, distribuição dos gêneros de consumo além de zelar e vigiar as cidades.
Só quem possui “alguma segurança”, serão os invasores e os donatários das
capitanias hereditárias. Seus filhos frequentam as escolas e são considerados,
assim como suas famílias “homens bons”, ou seja, só quem detinha uma certa
quantidade de riqueza, poderia deter um certo “direito”. Mais adiante, foram os
fazendeiros e donos de engenhos que fizeram uso do poder de polícia para
mantença de suas propriedades e coibição ao banditismo.
Segundo a referida autora (2008, p. 07),
No período colonial, encontrou-se registro do primeiro esboço de polícia,
decorrente da Correição de 24 de outubro de 1626, quando foram
instituídos os Quadrilheiros, com atribuições de policiamento da cidade do
Rio de Janeiro, seguidos pelos Capitães-Mores de Estrada e Assalto, vulgos
“Capitães do Mato”. Havia também os Alcaides que, dentre outras
incumbências, efetuavam prisões.

No ano de 1808, durante a estadia em nosso País de Dom João VI, surge o
embrião da policia civil com o nome de “Intendência de Policia da Corte”. Após a
proclamação da independência, vamos observar o surgimento das policias militares
a partir da “Guarda Nacional” em 1831.
O militar ou policial era retirado diretamente do seio social. Segundo Holloway
(1997), a sociedade à época, composta de uma massa pobre, sem patrão, que não
tinha riqueza alguma, não tinha status, e nem detinha poder, representava uma
ameaça, à elite dominante. Aqui, também se enquadram os integrantes do Exército
Brasileiro, que no primeiro império garantiu de forma ferrenha a unicidade de nosso
País, agora desperta para a necessidade de um alistamento militar obrigatório, para
sua continuidade e desenvolvimento.
Mesmo durante o período escravocrata, as oligarquias latifundiárias cafeeiras
e açucareiras vinham paulatinamente substituindo a força escrava pela força dos
imigrantes. Cada vez mais, uma grande massa de ex-escravos pobres se espalhava
pelo país e lotava as cidades.
Nesse período, “ser policia” não era tarefa das mais fáceis. Primeiro, não se
possuía salário ou quaisquer formas remuneratórias. É nesse momento que se

25

institucionalizam as “furadas15”, pois sem dinheiro, e sem opção de desistir deste
cargo que lhe foi “presenteado”, os funcionários do Estado que devem manter a
ordem e a segurança, precisavam ter alguma forma de sobrevivência.
Dentro desta situação, imaginemos o trinômio: segurança pública, cidadania e
educação. Quem está apto a comandar as forças de segurança pública? Quem são
estes “notáveis cidadãos” imbuídos de tão árdua tarefa?
É interessante destacar que poucos são os que frequentam as “escolas”, ou
melhor, somente os “cidadãos” estão aptos a frequentar a escola e a serem
instruídos. Quem são, pois, esses cidadãos protegidos sob o manto “sagrado” desta
constituição? São os homens bons. Por homens bons devemos entender aqueles
que detinham certa quantidade de riqueza.
Será justamente essa elite letrada que comanda as forças de segurança
pública ou particular. É ela que, detentora do poder econômico, manda e desmanda
em nosso “embrião Estatal”, subserviente aos desmando das ordenações lusófonas
de um governante além mar.
Isso é o caso particular, de poucas pessoas, pois a grande massa de nossa
população é iletrada, analfabeta. Nossos profissionais da segurança pública surgem
deste contexto. Na quase totalidade dos casos, eram pessoas sem instrução, mas
que possuíam uma boa compleição física, em detrimento da intelectual. Imagine,
ante este quadro, a educação enquanto política de “ideologia da subserviência”,
elemento capaz de subjugar toda a massa empobrecida que agora assola a porta
das elites.
Este quadro começara a preocupar a classe dominante de nosso País. Como
transmitir segurança, se não sei o que é e nem tenho condições instrucionais para
aprender? Como controlar esta força institucional? Como controlar a própria
população iletrada? Segundo Neves (2005) o método Lancasteriano seria escolha
ideal para a elite dominante, pois poderia proporcionar um mínimo de instrução a

15

Por furada, entenda-se a forma de o agente de segurança, escolher e levar mercadorias nos
estabelecimentos privados para seu próprio consumo, sem pagar.

26

esta classe (dos responsáveis pela segurança), com uma parca quantidade de
recursos a serem investidos.
Sobre este tema, o site da Câmara dos deputados proporciona um acervo
intitulado: “Coleção de Leis do Império”, que nos mostra as leis que foram editadas
no período imperial e servem de norte para que possamos entender como a
instrução pública no País, e em especial na segurança pública começaram
a serem compostas.
Este método mostrou-se extremamente simples e de rápida assimilação, mas
principalmente, extremamente disciplinador, proporcionando ou incutindo a ordem e
a disciplina para aqueles que não a queriam ou entendiam (novos recrutas),
exacerbando severas punições a quem não se enquadrasse nas regras militares.
Nesse sentido, podemos observar o decreto de 1º de março de 1823,
responsável por criar uma “primeira estrutura” educativa em nosso País. O mais
interessante disso tudo é seu público alvo: militares e demais “cidadãos”
interessados em aprender as primeiras letras a partir do método Lancaster.
Tal decisão fora reforçada pelo Decreto nº 69 do Ministro da Guerra de
29 de abril de 1823 (que manda retirar das fileiras militares das províncias um ou
dois indivíduos a fim de frequentar as escolas da corte) e a Decisão nº 138 do
Ministro da Guerra de 11 de junho de 1824 (determinando que ao concluírem seus
estudos, voltem a suas fileiras de origem para transmitir os conhecimentos
aprendidos).
Entretanto, por que a escolha do método mútuo ou Lancasteriano para o
ensino de primeiras letras no império?
Em seu nascedouro e idealização por Lancaster (Giles, 1987), tal método
surgiu para ensinar uma grande massa de pobres que necessitavam deste
conhecimento para tentar a sorte no mercado de trabalho na Inglaterra.
O método consistia na transmissão do conhecimento a um grupo de meninos
mais amadurecidos e inteligentes que, iriam retransmitir as informações para outros
grupos menores, podendo ser ensinado a uma grande quantidade de pessoas.

27

Em 1822, nosso País torna-se independente.
É a partir daqui, a partir do estudo de nossa primeira carta constitucional que
poderemos entender como a segurança pública atende aos anseios das classes que
historicamente perpetuam-se no poder, em nosso País. Mas isso não acontece,
sem que compreendamos toda a valoração histórica que perpassou a sua criação.
Atentemos, em primeiro lugar para as influencias de outros países que servem de
inspiração para a elaboração dessa carta.
Do modelo constitucional inglês e francês, nossa primeira carta constitucional
incorpora a tripartição de poderes (executivo, legislativo e judiciário), a garantia dos
direitos políticos e individuais com base na revolução francesa, e um governo
parlamentar de forma primitiva (pois em muito diferia deste modelo) e híbrida, com a
institucionalização do poder moderador.
O poder moderador é uma quarta forma de poder pensada sob a teoria da
tripartição dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), em que o detentor/ gestor
é o próprio imperador, tendo força/ poder cogente sob os outros. Este poder servia
como forma de manutenção do poder executivo, sob o legislativo e judiciário,
sempre que havia “colisões/ conflitos de interesse”.
No campo constitucional, Bonavides (2001, p. 330) tece comentários sobre as
cartas constitucionais que tinham por inspirações os modelos franceses e ingleses
do século XIX,
A monarquia constitucional do Império no Brasil foi um equilíbrio
relativamente estável, pois durou 65 anos, entre o princípio representativo,
gerador de um parlamentarismo sui generis, introduzidos nos mecanismos
institucionais, e o princípio absolutista, dissimuladamente preservado com
prerrogativas de poder pessoal, de que era seu titular o imperador, em cujas
mãos se acumulava, tanto em termos formais como efetivo, o exercício de
dois poderes: o Executivo e o Moderador. O último concentrava mais
faculdades de mando e competências que o primeiro. A monarquia foi, um
largo passo para a estreia formal e definitiva de um estado liberal,
vinculado, a uma sociedade escravocrata [...]

Nessa primeira carta constitucional, datada de 1824, podemos observar dois
conceitos díspares: o de cidadania e o de segurança pública, que muito nos ensinam
como a classe dominante impôs seu projeto de sociabilidade. Nela, a questão da
segurança é assente.

28

Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos
seus Ministros de Estado.
São suas principais atribuições:
VIII. Fazer Tratados de Alliança offensiva, e defensiva, de Subsidio, e
Commercio, levando-os depois de concluidos ao conhecimento da
Assembléa Geral, quando o interesse, e segurança do Estadopermittirem.
IX. Declarar a guerra, e fazer a paz, participando á Assembléa as
communicações, que forem compativeis com os interesses, e segurança
do Estado.
XV. Prover a tudo, que fôr concernente á segurança interna, e externa do
Estado, na fórma da Constituição.
Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força
Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança,
e defesa do Imperio.
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte.
XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commerciopóde
ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á
segurança, e saude dos Cidadãos.
XXXV. Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a
segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas
das formalidades, que garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer
por acto especial do Poder Legislativo.
(Constituição Politica do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824). [grifos
nossos].

O que se observa nesse documento?
Que a segurança do Estado é erigida a primeiro plano, estando
diametralmente oposta à segurança pública ou individual. Apesar de o art. 179
garantir diversos direitos ao cidadão brasileiro, que a própria constituição estabelece
um patamar pecuniário para elegê-lo16, o próprio Imperador poderia empregar sua
“força bélica” como melhor lhe parecesse conveniente a manutenir a segurança e
defesa do Império.
A historicidade por trás de sua consecução nos revela que desde seu
descobrimento, nosso País fora admoestado pelas práticas de subserviência à coroa
portuguesa, sendo que ficamos regidos por um rei, distante um oceano.
Diversos foram os movimentos que clamaram por independência, ora com
características tanto republicanas, quanto liberais, inspirados nos modelos
americanos e franceses. As ideias que inspiraram a revolução francesa
disseminaram-se pela colônia nos clássicos de: Voltaire, Rousseau e Montesquieu.
16

Nesse período, a cidadania era uma questão monetária. Para ser cidadão e poder “usufruir” das
benesses da vida “pública e política”, mister era necessário ter uma renda superior
a R$ 100.000 (cem mil reis).

29

Em relação ao liberalismo, entendemos que o evento que marca sua chegada
ideológica em solo brasileiro foi a Inconfidência Mineira, que apresentou a toda
sociedade a gritante contradição entre a crescente burguesia e as classes agrárias
dominantes.
Por volta de 1808, com a chegada de Dom João VI, a ânsia por separação de
Portugal ganha novo fôlego, e culmina com a independência (em 1822). Conforme
dito alhures, a primeira Constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I,
baseou-se no despotismo esclarecido e surpreendeu na doutrina da divisão de
poderes, ao incluir o poder moderador do monarca ao lado dos clássicos poderes
executivo, legislativo e judiciário.
As

elites

brasileiras,

compostas

de

grandes

senhores

agrários

e

comerciantes, instalaram-se no poder e competiram de forma contumaz com o
imperador pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição foi amenizado
pela adoção de mecanismos como o voto censitário, que excluiu a quase totalidade
da população do processo eleitoral, e a vitaliciedade dos senadores e dos membros
do Conselho de Estado, que assegurou a permanência das elites no poder. O
confronto permanente entre essas elites e o imperador e a oposição dos liberais
radicais, que se ressentiam da centralização excessiva do poder e defendiam o
federalismo, culminaram na abdicação do soberano em favor de D. Pedro II, então
menor de idade.
O período da regência foi marcado pela pressão permanente das
aristocracias locais, que exigiam maior autonomia de ação política, e por conflitos
entre liberais e conservadores, que se traduziram em rebeliões regionais e levantes
populares, em alguns casos de inspiração separatista e republicana. Pouco depois
de assumir o trono, D. Pedro II estabeleceu o regime parlamentarista e abriu mão de
seus poderes executivos, transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os
membros do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder moderador,
o que na prática manteve o governo sob seu controle.

30

1.2 O Constitucionalismo no Período Republicano
No período compreendido entre 1891 a1930, continua a política do “homembom”. A cidadania continua restrita aos possuidores de terras, de escravos. Somente
quem tem posse é que ocupa cargos públicos. O ponto de destaque nesse período é
a abolição da escravatura em 1888, que liberta os escravos, mas não propicia
condições para que além da população liberta prosperar, sejam incorporados
direitos civis a toda a população. Votar e ser votado continuavam sendo privilégio do
“poder político local”.
A partir do final do Século XIX e início do Século XX, começa o processo de
industrialização no Brasil, e, consequentemente, a luta pela implementação de
direitos. Entretanto, continua precário o alcance da cidadania e, em consequência,
dos direitos civis, políticos e sociais. Aqui, destacamos a crise de 1929 para o novo
regime entrante.
Do modelo constitucional, destaca-se a adoção do constitucionalismo
americano, com a adoção do federalismo e do sistema presidencialista. Com o
advento da república, e a mudança na organização formal do poder, mudam os
paradigmas ideológicos de forma a atender à crescente burguesia que se formava.
Há o deslocamento dos eixos doutrinários da Europa para a América. É o que nos
mostra Bonavides (2001, p. 331),
Com efeito, os princípios chaves que faziam a estrutura do novo Estado
(constitucional Brasileiro são) diametralmente opostas àquela vigente no
Império (... podemos destacar) o sistema republicano, a forma presidencial
de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma
suprema corte, apta a decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder;
enfim, todas as aquelas técnicas de exercício da autoridade preconizadas
na época pelo chamado ideal de democracia republicana imperante nos
Estados Unidos da América e de lá importadas para coroar [...] o Estado
liberal, que representava a ruptura do modelo autocrático do absolutismo
monárquico e se inspirava em valores [...] vinculados ao conceito
individualista de liberdade.

Em relação ao momento histórico, somente após a morte de Floriano Peixoto
é que os militares deixam paulatinamente o poder. Será somente com a saída de
Floriano Peixoto em 1894, que se consolidam as oligarquias, de São Paulo, Minas e
Rio Grande do Sul.

31

Será na constituição brasileira de 1891 que observaremos esse embate das
forças que governam nosso país, materializando-se sob a égide constitucional.
Nesse sentido, reza a constituição:
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei.
Art. 73 - Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os
brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei
estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas.
Art. 80 - Poder-se-á declarar em estado de sítio qualquer parte do território
da União, suspendendo-se aí as garantias constitucionais por tempo
determinado quando a segurança da República o exigir, em caso de
agressão estrangeira, ou comoção intestina (Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, de 24 de Fevereiro de 1891). [grifos nossos].

De 1894 até aproximadamente 1930, o poder político ficou nas mãos das
oligarquias cafeeiras paulistas e mineiras, período conhecido popularmente como: a
república do café com leite. Nesse sentido, observamos que o café será uma alusão
direta a São Paulo, maior centro produtor e exportador de café do País. Já o leite,
reporta as bacias leiteiras de Minas Gerais, tradicional produtora.
É desse período a formação da figura do “Coroner17”. Para homogeneizar
seus domínios políticos, tal figura garantia os votos dos seus “apadrinhados” (voto
de cabresto) para o governador de Estado em troca de apoio político para seus
“indicados” no município em que ele residia. Em virtude de ser sempre um grande
latifundiário, num Brasil essencialmente rural e de exacerbada concentração de
terras (latifúndios) nas mãos de poucos, havia uma extensa seara para que essa
figura “singular” mandasse e desmandasse na política. Muitas vezes, na ávida
procura por votos, o “Coroner” era a única ligação entre aquela população e o poder
estatal.
Em virtude dos laços “afetivos” que cultivava no seio político, geralmente
indicava as pessoas para ocuparem os cargos de: Intendente Municipal, de prefeito,
de Delegado de Polícia ou de Vereador. Nesse período a polícia é totalmente
17

Coroner, em detrimento de Coronel, é a figura do grande latifundiário brasileiro, que substitui o
Estado em suas terras, sendo o responsável direto pela venda dos votos de seus empregados
(conhecido como “voto de cabresto”), por vantagens políticas e pecuniárias na/da sua região de
influencia, inclusive indicando quem seriam os funcionários públicos da região, tais como os policiais
e o delegado de polícia.

32

governada/ comandada pelos governadores de Estado. Nesse cenário, São Paulo/
Minas Gerais encaminham policiais aos USA/ EU para que possam treinar e
aprimorar seus conhecimentos (Huggins, 1998).
Mais uma vez o quadro se perpetua. O Estado gesta uma polícia política,
voltada exclusivamente para defender as oligarquias dominantes, onde se perpetua
o elitismo das oligarquias regionais.

Até o ano de 1930 vigorava no País a

conhecida aliança política do “café com leite” (entre SP e MG), que ira impor-se pelo
fato de estes dois aliados possuírem forte influencia econômica no país, visto que
tanto o cultivo do café, quanto a criação de gado, requer um enorme latifúndio para
resguardar tais produtos.
Nesse contexto, existia um acordo de revezamento entre as elites
dominantes, onde os presidentes ora eram apoiados pelo Partido republicano
Paulista (PRP – SP), ora eram apoiados pelo Partido Republicano Mineiro (PRM MG), para assumirem/ governarem a presidência de nosso País. Com isto, os jogos
de interesse persistiam mesmo com um ou outro partido no poder, pois, em tese,
buscavam

seus

próprios

benéficos

sem

desagradar

seus

companheiros

subsequentes.
Washington Luís ao indicar um companheiro do mesmo partido à sucessão
(Júlio Prestes), desagrada à oligarquia mineira, motivo que a levou a unir-se com
outras oligarquias, como a do Rio Grande do Sul. Assim em virtude de uma aliança
que alegava fraudes nas eleições, que reunia gaúchos, mineiros e paraibanos,
(Fragoso, 1996) arquitetou-se uma revolta armada para impedir a sua posse de
Prestes. A situação se complica ainda mais quando João Pessoa, vice de Getúlio é
assassinado em Pernambuco.
Devemos lembrar que estamos sentindo a crise de 1929 e que o Exército
continua descontente desde a revolta do tenentismo. Isto fora o pretexto certo para
que fosse formada uma junta governamental composta pelos comandantes das
forças armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e transmitissem o poder a Getúlio
Vargas, que iniciaria a conhecida “Era Vargas” por um lapso temporal de
aproximadamente 15 anos.

33

No campo policial, Vargas centraliza o controle das polícias para o governo
central. Com tal engendramento, e a partir do Estado Novo, tem início um período
ditatorial em nosso país que trará um novo contorno a força policial: o de polícia
política, que atuará não mais como “protetora exclusiva” das oligarquias que
dominam o seio político, mas como elemento de controle e coercibilidade social, da
nova classe política dominante.

1.3 O Constitucionalismo do Estado Social
Nosso ultimo período constitucional, tem o marco de 1934 até a presente data
com seu ápice na Constituição de 1988.
Cremos que parece contraditório falar em “Estado Social” num período
marcado por governos ditatoriais e repressores, onde a marca indelével da “polícia
política” fora não só gestada, mas aplicada a risca nas cartilhas policiais, em busca
dos opressores do regime vigente.
Entretanto18, poderemos observar que os legisladores constituintes dessa
época sofrem forte influencia da doutrina alemã, onde por meio dela, começam a
serem implementados constitucionalmente princípios que faziam ressaltar o aspecto
social, como outrora não fora feito. São direitos tidos como liberdades positivas, pois
o Estado mostra-se como elemento ativo, ou seja, figura no polo ativo para a
promoção de “justiça social”. Essa prestação social, deverá ser efetiva por meio de
implantação/ fomento nas áreas sociais como: educação, trabalho, habitação,
previdência social...
É nesse período constitucional que
Em 1934, 1946 e 1988 domina o ânimo do constituinte uma vocação política
[...] de disciplinar no texto fundamental aquela categoria de direitos que
assinalam o primado da Sociedade sobre o Estado e o indivíduo, ou que
fazem
do
homem
o
destinatário
da
norma
constitucional.
(BONAVIDES, 2001, p. 366).

18

Bonavides, 2001, p. 366 - 368.

34

Com esse período, o constitucionalismo do Estado Social, vem a trazer
inspiração para que nossas cartas políticas fundamentais pudessem trazer um
elastério positivo de intenções jurídicas protetivas ao homem, que passaria de
vassalo, de um mero instrumento nas relações de capital x trabalho, para um ser
dotado de personalidades e capacidades em seu sentido mais amplo.
Mas, o que nos mostrou a história desse percurso? Será que tais ideais foram
realmente implementados com êxito?
O Estado, em razão de abalos ideológicos e pressões não menos graves de
interesses contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a eficácia e a
juridicidade dos direitos sociais na esfera objetiva das concretizações, tem
permanecido na maior parte dos seus postulados constitucionais uma
simples utopia. (BONAVIDES, 2001, p. 368).

Esse é o quadro geral.
Mesmo a constituição de 1891 tendo estabelecido um governo centralizado e
liberal, com fortes traços presidencialistas não solucionou as contradições políticas
herdadas do império, tampouco eliminou do poder a burguesia que se mostrava em
ascensão, que se misturava com as novas forças econômicas em ascensão, como
os produtores de café ou de leite. Foram essas elites, que determinaram os rumos
de nosso país. Neste período, denominado de república velha, merecem destaque
as oligarquias presentes nos estados de São Paulo e Minas Gerais.
No começo desse século, mais precisamente entre 1914 até 1918 teremos a
primeira grande guerra mundial, onde o Brasil participa com o envio de soldados e
beneficia-se economicamente dos conflitos, que não são travados em nosso solo.
Com a revolução de 1930, movimento armado que rompe a tradição da
política do café-com-leite (aliança política entre São Paulo e Minas Gerais), chega
ao poder Getúlio Vargas. Em 1932 o estado de São Paulo, desprestigiado no poder
político, lança uma revolução constitucional, que exige uma nova constituição para o
regime político vigente. Apesar de sua derrota, em 1933 é convocada uma
assembleia constituinte e em 1934 promulga-se uma nova constituição para o Brasil.

35

Destacamos os seguintes artigos constitucionais que fazem referencia à
segurança:
Art. 5º - Compete privativamente à União:
V - organizar a defesa externa, a polícia e segurança das fronteiras e as
forças armadas;
Art. 84 - Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro
especial nos delitos militares. Este foro poderá ser estendido aos civis, nos
casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança
externa do país, ou contra as instituições militares.
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes:
2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão
em virtude de lei.
Art. 159 - Todas as questões relativas à segurança nacional serão
estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e
pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da
mobilização.
Art. 161 - O estado de guerra implicará a suspensão das garantias
constitucionais que possam prejudicar direta ou indiretamente a segurança
nacional.
Art. 163 - Todos os brasileiros são obrigados, na forma que a lei
estabelecer, ao Serviço Militar e a outros encargos, necessários à defesa da
Pátria, e, em caso de mobilização, serão aproveitados conforme as suas
aptidões, quer nas forças armadas, quer nas organizações do interior. As
mulheres ficam excetuadas do serviço militar.
§ 2º - Nenhum brasileiro poderá exercer função pública, uma vez provado
que não está quite com as obrigações estatuídas em lei para com a
segurança nacional.
(Constituição Da República Dos Estados Unidos Do Brasil, de 16 de Julho
de 1934) [grifos nossos].

Getúlio Vargas em setembro de 1937 cria um engodo sob a forma de
denuncia acerca de um plano comunista para a tomada de poder no Brasil. Tal
intento recebera o nome de plano Cohen (Linhares, 1996 e Holanda, 1983). Com
isto, provoca-se uma comoção muito forte nas camadas populares além da patente
instabilidade causada pela Intentona Comunista. Tudo isto, dará o pretexto que
Vargas necessitava para, com o aval dos militares, dar um golpe de estado e
instaurar uma ditadura em nosso País.
Tal regime político fora inspirado na ditadura militar de Salazar em Portugal e
recebera o nome de Estado Novo. O grande diferencial neste período, é que o
governo irá promover diversas manifestações patrióticas, cívicas e nacionalistas,
incentivados por seus próprios mecanismos de governo, como exemplo o DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda), alcançando não só a mídia impressa,

36

mas televisiva e radiofônica, além de alcançarem a literatura escolar que fartamente
era distribuída nas escolas.
O próximo momento constitucional fará menção à constituição de 1937, que
assim trata da segurança:
Art. 15 - Compete privativamente à União:
IV - organizar a defesa externa, as forças armadas, a polícia e segurança
das fronteiras;
Art. 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as
seguintes
I - a defesa externa, compreendidas a polícia e a segurança das fronteiras;
V - o bem-estar, a ordem, a tranquilidade e a segurança públicas, quando
o exigir a necessidade de unia regulamentação uniforme;
Art. 111 - Os militares e as pessoas a eles assemelhadas terão foro
especial nos delitos militares. Esse foro poderá estender-se aos civis, nos
casos definidos em lei, para os crimes contra a segurança externa do Pais
ou contra as instituições militares.
Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes
no País o direito à liberdade,
à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
10) todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem armas. As reuniões a
céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração, podendo
ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública;
15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente,
ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos
limites prescritos em lei.
17) os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a
integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular serão
submetidos a processo e julgamento perante Tribunal especial, na forma
que a lei instituir.
Art. 162 - Todas as questões relativas à segurança nacional serão
estudadas pelo Conselho de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais
criados para atender à emergência da mobilização.
Art. 164
Parágrafo único - Nenhum brasileiro poderá exercer função pública,
uma vez provado não haver cumprido as obrigações e os encargos
que lhe incumbem para com a segurança nacional.
Art. 169 - O Presidente da República, durante o estado de emergência, e se
o exigirem as circunstâncias, pedirá à Câmara ou ao Conselho Federal a
suspensão das imunidades de qualquer dos seus membros que se haja
envolvido no concerto, plano ou conspiração contra a estrutura das
instituições, e segurança do Estado ou dos cidadãos.
Art. 173 - O estado de guerra motivado por conflito com pais estrangeiro se
declarará no decreto de mobilização. Na sua vigência, o Presidente da
República tem os poderes do art. 166 e os crimes cometidos contra a
estrutura das instituições, a segurança do Estado e dos cidadãos serão
julgados por Tribunais militares.
(Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de Novembro de 1937)
[grifos nossos].

Holanda (1983) nos lembra que neste período da história, as classes menos
favorecidas e as minorias passaram a “supostamente” influenciar a política nacional.
O Brasil deixava de ser eminentemente rural para começar uma era de

37

industrialização. A trama antes costurada pelo voto de cabresto no interior passava a
ser substituída por “favores urbanos”.
Como era de se esperar, não tardaram a ocorrer sentimentos contrários
(político-militar) a aproximação do povo com o poder. Vargas iria determinar o
fechamento do Congresso Nacional e a extinção dos partidos políticos. Com a
entrada em vigor de uma Constituição outorgada, concedia-se amplos poderes ao
presidente com o controle total do Executivo, além de poder nomear interventores
nos Estados, aos quais, foi dado amplo poder decisório. Na prática todo o período
do Estado Novo foi governado não por meio de legislações aprovadas e debatidas
pelos representantes eleitos pelo povo, mas por atos unilaterais do governo,
denominados de decretos leis.
Em relação à segurança pública de nosso país, (cartas constitucionais de
1934 e 1937), começa a fase negra. Cria-se a DOPS (Delegacia de Manutenção da
Ordem Pública e Social) para atuar basilarmente na perseguição aos opositores do
regime. É neste período que se estreitam as relações USA x BRA onde policiais são
mandados para serem treinados em práticas de interrogatórios e torturas nos
Estados Unidos; tudo de forma autoritária e truculenta. Havia um contra senso bem
interessante neste período no Brasil. Se por um lado, os militares brasileiros lutavam
na guerra contra as ditaduras fascistas e nazistas, internamente existia uma
ditadura, conforme Linhares (1996) e Holanda (1983).
A

Constituição

de

1946

foi

realmente

democrática:

surgiram

o

pluripartidarismo (onde o partido comunista fora legalizado). Vejamos alguns
trechos:
Art. 5º - Compete à União:
IV - organizar as forças armadas, a segurança das fronteiras e a defesa
externa;
Art. 108 - A Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares
definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas.
§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos,
expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa
do País ou as instituições militares.
Art. 207 - A lei que decretar o estado de sítio, no caso de guerra externa ou
no de comoção intestina grave com o caráter de guerra civil estabelecerá as
normas a que deverá obedecer a sua execução e indicará as garantias
constitucionais que continuarão em vigor. Especificará também os casos em
que os crimes contra a segurança da Nação ou das suas instituições
políticas e sociais devam ficar sujeitos à jurisdição e à legislação militares,

38

ainda quando cometidos por civis, mas fora das zonas de operação,
somente quando com elas se relacionarem e influírem no seu curso.
Art. 213 - As imunidades dos membros do Congresso Nacional subsistirão
durante o estado de sítio; todavia, poderão ser suspensas, mediante o voto
de dois terços dos membros da Câmara ou do Senado, as de determinados
Deputados ou Senadores cuja liberdade se torne manifestamente
incompatível com a defesa da Nação ou com a segurança das instituições
políticas ou sociais.
(Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de Setembro de 1946)
[grifos nossos].

Este período ficou conhecido como a era de ouro do capitalismo mundial.
A partir da década de 1970, grandes transformações na economia capitalista
mundial ocorreram e tiveram grande impacto no mundo. Questionada a hegemonia
norte-americana, os Estados Unidos buscaram, através de diversos mecanismos e
instrumentos, reverter à tendência de declínio lançando uma ofensiva neoliberal
acoplada ao discurso da globalização. O Brasil acabou seguindo a tendência
mundial e abandonando seu modelo de Estado desenvolvimentista e implantando o
projeto neoliberal.
Seu maior feito foi à construção da nova capital do País, em sua sede
interiorista e desbravista, que foi inaugurada em 1960. Seu sucessor, a pessoa de
Jânio Quadros, renuncia por volta de 1961, perfazendo um interstício temporal
inferior a um ano de mandato. Com isto, abre-se caminho para seu sucessor, João
Goulart, que após assumir a presidência, enfrenta dura oposição política, sendo por
força do golpe militar de 1964, deposto do poder (Linhares, 1996 e Holanda, 1983).
Para as polícias, o que lhes resta será a repressão político-institucional aos
opositores do regime. O modelo de um Estado centrado e autoritário retornava, com
a figura de um general no poder. Huggins (1998) nos remonta que durante este
período houve uma maciça campanha publicitária no rádio, cinema, imprensa e
televisão do "perigo comunista" que era representado por Jango. Em nosso País, a
opinião pública estava temerosa. Representada pela classe média, começou a se
mobilizar.
Neste período, a segurança pública era exercida por uma polícia política. A
maior meta não era só combater o crime, mas caçar os opositores do regime
vigente, situação muito bem desenvolvida pelas Dops.

39

Entre 1968 a 1974 tivemos o total tolhimento dos direitos civis e políticos (a
própria cidadania). É o período de maior repressão política do País, sendo que o
governo é administrado por Atos Institucionais, onde o mais famoso e
antidemocrático será o AI5.
Em relação à constituição de 1967, poderemos observar os seguintes fatores
relativos à segurança pública: a) uma exacerbada concentração do poder de decisão
na figura do chefe do executivo; b) somente ele (o executivo) legisla em matéria de
segurança pública); c) forte tendência centralizado, mesmo apontando o caminho do
federalismo; d) estabelece pena de morte em caso de crimes que atentem contra a
segurança nacional e, o pior, por tolher a liberdade em seus aspectos mais amplos;
f) possibilita a adoção da prática do ostracismo (banimento por convicções políticas)
além da censura.
Com essas práticas, teremos a edição de Atos Institucionais, de que o
governo se valeu para governar. Cronologicamente e integrando o corpo
constitucional temos: AI – 01: que cassou políticos e opositores ao regime nas
eleições de 1965; AI – 02: estabelece o bipartidarismo, extinguindo a quase
totalidade dos partidos políticos vigentes até então (dicotomia entre pluripartidarismo
e bipartidarismo); AI – 03: estabelece eleições indiretas para os chefes do executivo
estadual e municipal, sendo que os municípios que fossem “áreas de segurança”
teriam seus gestores nomeados pelos governadores; AI – 04: obriga o congresso a
votar projeto constitucional e o pior, o AI – 05: suspende garantias fundamentais dos
cidadãos brasileiros, fecha o congresso nacional, e dá poderes ao executivo de
legislar sob quaisquer assuntos, de interesse direto ou não.
A Lei de Segurança Nacional19 e 20 foi, assim como os Atos Institucionais, uma
forma velada21 de forte ideologia22, onde o governo propunha medidas de garantia
19

A lei de segurança nacional foi um instrumento jurídico utilizado pelo regime militar para subsidiar
“legalmente” a violação de direitos e liberdades individuais (direitos civis e políticos em especial) dos
cidadãos brasileiros.
20

Nesse sentido, podemos citar: Lei Federal nº 1802 de 1953, Decreto Lei nº 314 1967, Decreto
Lei nº 898 de 1969 e a Lei federal nº 7.170 de 1983.

21

Aqui, especificamente, uso o termo “velada” em detrimento de “escancarada”, pois mesmo a
legislação claramente em seus artigos tolhendo direitos fundamentais do cidadão, o conteúdo
ideológico que transmitia essa lei/ informação, alienava a população, distorcendo a realidade para o
cidadão.

40

não só da ordem, mas de “proteção” ao próprio País, contra a “ordem subversiva”
que deturpava a sociedade com valores contrários aos bons costumes e que
incentivavam a prática de atos contrários ao Governo e à moral pública.
Mesmo com tamanha repressão, consegue-se índices de crescimento.
Apesar deste crescimento, o salário mínimo decresce. A partir de 1974 existe uma
tentativa de transigir do sistema repressor ao liberal, mas este sofre forte oposição
dos pares militares do então presidente. Paulatinamente revogam-se as leis
repressoras até que em 1985 é eleito indiretamente (pelo congresso) Tancredo
Neves, propiciando o momento político para a constituinte de 1988.
Em nossa atual carta constitucional, constam diversos direitos e garantias
fundamentais. Nela destacamos os artigos que se referem à Segurança Pública:
Artigo 144: A segurança pública, dever do estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I– Polícia Federal;
II –Polícia Rodoviária Federal;
III –Polícia Ferroviária Federal;
lV –Polícias Civis;
V –Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares.
(Constituição da República Federativa do Brasil/ 1998)

É de bom alvitre, ainda, acrescentarmos as Forças Armadas, a Guarda
Municipal (ou Guarda Civil Metropolitana em alguns municípios) e os Agentes
Penitenciários. Vejamos as competências e atribuições de cada uma.
Em relação à Polícia Federal (PF), esta possui a atribuição de investigação de
crimes ou contravenções que atentem contra a manutenção da ordem política e
social ou em detrimento de bens, desde que tais ilícitos atinjam diretamente os
interesses do governo federal (no texto constitucional chama-se de união) ou que
atinja órgãos a este vinculado (como exemplo teremos as entidades autárquicas e
empresas públicas), ou crimes de repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; além do tráfico de drogas, do
contrabando e do descaminho.

22

Gostaria de salientar que todos os AI’s, assim como a LSN, fazem menção aos valores mais
“puros” da sociedade, a manutenção da ordem interna no País, além de pedir apoio a Deus.

41

Em relação à Polícia Rodoviária Federal (PRF), sua missão será o
patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Em relação à Polícia Ferroviária
Federal (PFF), esta se destina ao patrulhamento ostensivo das linhas férreas
pertencentes ao governo federal.
A Polícia Civil (PC), que é comandada por Delegados de carreira, tem por
finalidade a apuração de todos os crimes e contravenções penais que não sejam de
interesse do governo federal. Sua atuação é dissimulada, trabalhando depois do
acontecimento criminoso. Não investigam crimes “tipicamente militares”. Com isto,
seu papel principal será a investigação dos crimes ocorridos, colhendo todos os
elementos de autoria (demonstrar/ comprovar quem cometeu o crime, seu autor) e a
materialidade (comprovar que realmente o crime ocorreu). Um crime será tipicamente
militar, quando o crime somente puder ser praticado por militar (exemplo é o crime
militar de deserção, pois somente um militar pode desertar).
Com relação à Polícia Militar (PM), cabe-lhe o policiamento ostensivo (fardado
e caracterizado) e a preservação da ordem pública. Ou seja, em sua atuação, busca
inibir o crime em virtude de seu patrulhamento, atuando antes do cometimento do
ilícito, para inibi-lo. Por andar de forma ostensiva, ou seja, fardada e caracterizada,
demonstra a sua presença no ambiente, dando a todos uma sensação de segurança.
O corpo de Bombeiros Militar (BM) possui a atribuição de salvamento em seu
sentido mais amplo, tratando em suas missões da preservação da vida, além de
atividades de defesa civil.
Um detalhe interessante é que tanto o CBM quanto a PM são consideradas
forças auxiliares e reserva do Exército, para caso de atuação em estado de guerra.
Essa situação atípica, deve-se à origem das forças armadas e ao seu estilo de
treinamento, visto que é mais fácil “adestrar” um PM ou BM para que se engaje nas
FA que qualquer outro integrante da segurança pública.
As Forças Armadas, compostas pela: Marinha, Exército e Aeronáutica estão
encarregados da defesa da pátria, soberania nacional e manutenção dos poderes
políticos primários, além de participarem de missões de paz. A Guarda Municipal (ou
Guarda Civil Metropolitana) destina-se à proteção dos bens, serviços e instalações

42

do município do qual faça parte, sendo facultada a todos os municípios brasileiros a
sua criação. E, finalmente, aos Agentes Penitenciários a quem cabe o papel de
manutenção e garantia da ordem dentro dos estabelecimentos prisionais.
Neste momento, depois de “apresentarmos” quem é responsável pela
segurança pública desde 1988 no Brasil, é interessante tratarmos de um ponto
específico: Em nosso sistema de segurança pública, existiu ou existe uma polícia
política? Em caso afirmativo, qual fora sua utilidade?
Durante o regime ditatorial militar que durou de 1967 até quase o final do
século XX, existia no Brasil uma prática típica de um Estado de Exceção23
(estávamos em plena ditadura militar) que teve sua marca indelével na
institucionalização de um segmento específico da polícia para fins políticos,
fomentando essa prática antidemocrática em nosso País.
Esse regime ditatorial arregimentou uma unidade específica da força policial
para

que

cuidasse

frequentemente

eram

dos

“elementos

chamados

de

nocivos”

ao

comunistas,

grupo

dominante,

dissidentes,

traidores

que
ou

oposicionistas ao regime (isto não quer dizer que toda a força pública não se
preocupava com este afazer), reprimindo de forma política aqueles contrários ao
regime.
Em Huggins (1998), poderemos observar como exemplo deste fenômeno
atípico, a criação da DOPS (Delegacia de Manutenção da Ordem Política e Social)
em todos os Estados do Brasil, no interstício que vai da década de sessenta à
década de noventa do século passado.
Seu objetivo primeiro era o combate aos comunistas, aos “subversivos” ao
regime vigente, através das práticas de torturas, sevícias e execuções sumárias
(muitas das quais na presença de várias testemunhas e familiares) ensinadas por
nossos aliados americanos - matem o regime através do medo e de ferrenha
repressão.
23 O Estado de Exceção é caracterizado pela suspensão de direitos e garantias inerentes a pessoa
humana e assegurada nas constituições. Com isto, o presidente da república concentra poderes em
suas mãos, podendo dissolver o congresso nacional e governar com sua própria rubrica legislativa,
ou seja, governar por Atos Institucionais que ele mesmo elabora e edita. Como exemplo, podemos
citar o AI 05, marco maior do regime repressor militar.

43

Dentro da DOPS existiam os “esquadrões de extermínio”, onde seus
integrantes eram considerados como “policiais de ouro”, “força de elite da polícia”,
que servia exclusivamente para contabilizar corpos, “reprimindo” o crime. Seu
objetivo era “promover uma limpeza nas cidades”, extirpando o mal que ali se
alojava.
Na DOPS do Rio de Janeiro, a este “grupo de extermínio” foi dada a
nomenclatura de “Escuderia Le Cocq”. Em virtude da morte de um de seus
membros, o detetive Milton Le Cocqque desencadeou uma violenta ação repressiva
policial para “vingar” a morte do colega.
Júnior (2007) nos relata que desta ânsia desenfreada em busca da vingança
do companheiro morto, resultou numa “quantidade espantosa de cadáveres, pois se
passava a perseguir os suspeitos de serem suspeitos, cujos corpos metralhados
eram chamados de ‘presuntos’, para nem mortos serem reconhecidos como
pessoas”.
O principal fundamento de existência desse grupo, conforme o mesmo autor
era “invadir barracos nos morros, eliminar assaltantes, enfrentados como inimigos
numa guerra em que a sociedade era defendida segundo o lema: bandido bom é
bandido morto”.
Uma imagem que nos chama a atenção, eram as siglas E.M (de Esquadrão
da Morte) estampadas nas camisas, além de uma caveira perpassada por dois
ossos assemelhados ao Fêmur. Nesse ato de comunicação não verbal, a ideologia
que lhe é atribuída quando se decide colocar uma caveira perpassada por dois
ossos é demonstrar que seus integrantes são arautos da morte, que levam ou que
trazem a morte aonde chegam, que seu objetivo é “levar o marginal pra vala”, que
com “este grupo não há viagem perdida”. Essa tese é sustentada, também, pela
“rubrica” E.M. que ficava estampada logo abaixo da caveira.
Esse foi um fenômeno nascido no Rio de Janeiro, mas que rapidamente
ganhou o Brasil (o fenômeno da adoção da nomenclatura “Escuderia Le Cocq” pelos
esquadrões de extermínio que atuavam de dentro da DOPS, comandadas quase
sempre pelos oficias das Forças Armadas, que eram os mentores intelectuais de

44

suas existências), onde os policias e oficiais militares que faziam intercambio entre
os estados, traziam os emblemas e o “modus operandi”24 nacionalizando estas
práticas e estes signos ideológicos.
Acabado o regime ditatorial e com o advento da constituição de 1988, todos
estes órgãos (FA, PF, PRF, PFF, PC, PM, CBM, GM e AGENPEN) são responsáveis
pela manutenção da segurança pública, sendo que a cada um compete uma
atribuição diferente. De acordo com a constituição de 1988,seria abolida a prática de
torturas e perseguições de cunho político.
Para Bonavides (2001, p. 334), tivemos um despertar “de um Estado social de
inspiração Alemã, atado politicamente a formas democráticas, em que sociedade” e
o homem enquanto pessoa e sujeito de direitos, retraindo a tese de um homem
indivíduo, mero cumpridor de regras, “reabilita e legitima o papel do Estado com
referencia” e guarda dos valores mais amplos e caros a manutenção da paz social,
como: “a democracia, a liberdade e a igualdade”.
A partir daqui podemos afirmar que atualmente no Brasil, estamos sob a
égide de um Estado democrático de direito. Essa democracia, do ponto de vista da
elaboração das normas, não é exercida por nós de forma direta, mas indiretamente
por nossos representantes políticos. Nosso País opta por um sistema jurídico
positivado em detrimento de um sistema consuetudinário. Isto significa que na
formação de nosso Estado, a sociedade em determinado momento prefere que
sejamos regidos por leis. Em outros Países, o costume e as decisões dos
magistrados é que se tornam as leis.
Porém, a cada salto evolucionário de nossa civilização, existiram leis que
pautaram as condutas dos cidadãos brasileiros, indicando o que era certo e o que
era errado. Nessa mesma trilha é que observamos as polícias. Desde sua criação no
Brasil, sua origem vem a estar intimamente relacionada à defesa dos interesses das
classes dominantes, sendo subordinada aos ditames dos governos a que serviam.
Servirá única e exclusivamente como instrumento de controle social sendo
subserviente aos ditames do capital econômico vigente a sua época.

24

Modo de agir, modo de operar.

45

Basta olharmos a evolução histórica do elemento coercitivo de legitimidade
estatal. A polícia no Brasil evolui/ evoluiu de acordo com a classe política que
dominava o País, servindo aos seus interesses. As políticas de instrução, ensino ou
pedagógicas para seus profissionais da segurança pública nunca foram objeto de
estudos ou tratamento constitucional, destinando o signo “segurança pública”, e
seus operadores à mantença do “status quo” social.

A profissão do Agente de

Segurança Pública está umbilicalmente relacionada a manutenção da ordem social,
fazendo-se respeitar as pautas de condutas socialmente adequadas a manutenção
do projeto de sociabilidade das classes detentoras do poder.
Para cumprir seu mister, conforme trazido a baila nesse capítulo, muitas
vezes precisou-se usar da violência em detrimento da força (poder de polícia)25, pois
a política da polícia evoluiu de acordo com o projeto de sociabilidade burguês, sendo
que a violência, o recrudescimento da atuação policial contra o povo brasileiro,
seguiu trilhas historicamente demarcadas que a AD nos ajuda a desvelar.
Esse “caldo cultural” é tão assente e disseminado, que até mesmo hoje – sob
a égide da constituição de 1988 que fora fortemente influenciada pela doutrina
alemã, que nos permite chamar o atual regime de Estado social ou de um Estado
democrático de direito –, nos diálogos em que são partícipes os agentes da
segurança pública, toda a força ideológica de dominação e subserviência as classes
historicamente dominantes, perpassam entre os pares de forma a lançar um ranço
sobre a tessitura discursiva presente nas falas policiais. Gostaria de exemplificar
com uma situação corriqueira, uma situação cotidiana que perpassa pelos agentes
de segurança pública com uma peculiaridade ímpar, mas que concentra uma
ideologia penta centenária, fruto das formações ideologias estruturante das políticas
de segurança pública.
Tratemos

de

forma

genérica,

para

não

incorrermos

em

qualquer

especificidade concreta, inclusive em nomes. Uma determinada policial do gênero
feminino, integrante de uma equipe (aqui é indiferente ser PC, PM ou CBM) sai para
25

O uso da força é legitimado pela nossa Constituição de 1988, desde que o policial observe os
princípios da: Necessidade, Proporcionalidade e Legalidade em sua ação. Teremos o fenômeno da
Violência Policial, quando tais limites forem ultrapassados e , com isso, desrespeitarem-se os direitos
Civis e Políticos.

46

realizar patrulhamento com seus colegas policias do gênero masculino e efetua
várias diligencias, averiguações e/ ou prisões, em paridade com os membros
masculinos. Inclusive, domina um criminoso drogado pesando aproximadamente
130 Kg, sem admoesta-lo em sua integridade física. Por ser uma ação policial de
natureza extremamente técnica, e não se ter violado os direitos e garantias dos ora
segregados26, não interessa a mídia.
No outro dia, um dia normal de trabalho, a policial do gênero feminino utiliza
uma roupa que lhe tonifica sua silhueta, além de se vestir de forma “mais arrumada”
que para uma operação.
Nisso, policiais do gênero masculino, ao observarem a policial do gênero
feminino ontem em operação e hoje no seu local de trabalho, tecem o seguinte
comentário:
- Você viu a “istivi” 27 ontem na missão e hoje no trabalho?
- Claro. Ela é uma policial boa!
- Discordo. Ela é uma boa policial.
Neste jogo semântico, a palavra “boa” adquire o sentido ideológico na
materialidade discursiva na qual se insere, sendo independente do arranjo sintático
dos seus elos de coesão. Neste momento, o sentido está significando o que significa
a formação ideológica ao qual a ideologia presente nas assertivas produzidas
representam

materialmente

através

da

materialidade

discursiva

posta,

apresentando-se diante da opção ao qual cada sujeito filia seus sentidos, dentro de
um processo sócio-histórico.
O que está implícito, e o que fora silenciado nestas assertivas?
Quando dissemos que alguém do gênero feminino é uma policial boa
estar-se-á exortando suas atribuições de beleza, de silhueta, a forma como se veste,
a forma como se arruma.
26
27

Segregados aqui são as pessoas presas pela prática de crimes.

Istivi, na gíria policial substitui qualquer nome próprio. Tal termo é usado durante operações de
abordagem para que os abordados não saibam quais os nomes dos policiais, evitando-se represálias
do crime organizado. Isso ocorre por que muitos policiais são chamados a atuar nos bairros que
moram, não sendo seguro para eles e para suas famílias o uso do “verdadeiro” nome.

47

Neste momento independe da forma como ela atua ou comporta-se com os
colegas de trabalho, o que se externa não é uma mera transmissão qualquer de
informações sob uma colega de trabalho. O que se quer exortar, neste momento, é
sua beleza física.
É qual seria este padrão de beleza? Um padrão tipicamente europeu, ou um
padrão regionalizado, que fez os portugueses que chegaram a nossas terras
encantarem-se por nossas nativas? Bem, isto fora silenciado. Entendemos que este
silencio está a significar mediante o nicho social que oferta mão de obra a segurança
pública. Como a remuneração não é atraente, todas as camadas sociais que
buscam estabilidade empregacional fazem este tipo de concurso público. Com isto,
tem-se heterogenia nas compleições físicas e características díspares nos traços
genéticos e hereditários.
Há determinação do interdiscurso (memória do dizer, lugar da “constituição
do sentido”) sobre a formulação (a enunciação particular de um dizer). O
sujeito, ao “formular” seus sentidos, se inscreve necessariamente no
interdiscurso (no já-dito). A formulação é determinada pela memória
(ORLANDI, 1997, p. 149).

Como vimos acima, para o primeiro sujeito, o que lhe faz tecer este
comentário sobre sua colega, é o fato de que ela lhe atrai fisicamente. Para ele,
pouco importa se esta policial do gênero feminino domina as técnicas de
policiamento, de patrulhamento, se sabe manusear armas, se sabe dirigir uma
viatura policial, como se comporta num “teatro de operações policiais”... tudo isto é
negligenciado, apenas por que este sente-se atraído por sua silhueta que neste dia
está mais em evidencia que anteriormente, expressando um comportamento
machista e preconceituoso, parecido com um provérbio que invertido, seria assim:
“beleza põe a mesa”.
Será que, para este primeiro indivíduo, o gênero feminino seria mero
instrumento de satisfação à reprodução humana? Instrumento de satisfação de sua
lascívia? De seus fetiches?...
A partir do momento em que o segundo indivíduo participa da materialidade
discursiva posta, ele diverge da primeira assertiva com a expressão: “Discordo. Ela é
uma boa policial”, o que se está em jogo é uma proposta semanticamente adversa
do que se fez colocado na primeira fala. Ao contrario de seus atributos que a tornam

48

feminina, que a fazem destacar-se no meio do gênero masculino, aqui coloca-se a
policial em pé de igualdade com seus colegas de trabalho.
Não é determinante, para esta conversa, se a policial possui os padrões de
beleza socialmente aceitáveis impostos pelo capital a uma sociedade consumerista,
estratificada em classes sociais. Pode até estar silenciado que o segundo falante
está prestando atenção nos contornos de sua colega de trabalho, mas prefere
emudecer neste ponto, pelas mais variadas questões (uma tentativa de aproximação
mais pessoal com esta policial...). Analisando de que forma isto está significando,
nossa memória discursiva de imediato nos lembra dos direitos conquistados pela
classe feminina ao longo dos séculos XX e XXI principalmente, que em muitos
casos, utilizaram-se do sangue como moeda de troca.
Os exemplos são infindáveis.
Direito ao voto (votar e ser votada), direito de exercer qualquer profissão,
direito de ser tratada de forma igual para com o gênero masculino (não ser chama
de “sexo frágil”) direito ao “carpem diem” 28, direito de equiparação vencimental,
direito a tratamento digno e igual em cargos e funções nas empresas...
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, observamos esforços
no sentido de implementar uma política de respeito aos direitos humanos na polícia.
Não se concebe mais um policial truculento e marginalizado. Hoje, a conduta policial
deve se pautar no respeito aos direitos humanos, inclusive respeitando a segurança
pública de forma indistinta.
Conforme Balesteri (2003)29, nos dias atuais, será o policial o maior promotor
de direitos humanos do Estado, visto que somente ele chega em locais onde o poder
público se omite ou faz vistas grossas.

28

Aproveitar o dia. Refiro-me ao direito conquistado com os anticoncepcionais de liberdade sobre o
seu próprio corpo, de relacionar-se com quem queriam e podiam, sem preocupar-se com as questões
“reprodutoras” da raça humana.

29

Gostaria de salientar que a maioria dos policias faz jus a esta assertiva. Infelizmente, é mais
cômodo e rende mais publicidade exortar o ladro sombrio de qualquer instituição, que apresentar as
condutas positivas. Sei, também, que o ranço negativo de mais de cinco séculos de opressão não
será apagado ou esquecido tão cedo.

49

Essa é, sem dúvida, a maior quebra de paradigma que possuímos. O que
nasceu entregando as orelhas de escravos e invasores fugitivos para os donatários,
hoje deve promover a paz e auxiliar na manutenção do Estado democrático de
direito. Entretanto, tal marco parece um pouco contraditório, pois em nosso País, a
cada ciclo dominante, encontramos um esquema bem engendrado de ocultação dos
verdadeiros

mentores

do

“modus

operandi”30

e

exposição

em

massa

dos homens de frente (policiais).
Ora, esse nobres discursos idealizadores, que não são neutros ou inocentes
na medida em que expõem a ideologia daqueles que o proferem, valendo-se da
autoridade do cargo que ocupam lhe conferem para expor a doutrina que melhor lhe
convém, possuem implícitos e silenciamentos que uma pessoa desatenta não
percebe.
Afirma-se, por exemplo, que a maquina estatal é improdutiva e somente a
iniciativa privada pode dar qualidade e cidadania à sociedade, desde que paguem
uma módica soma pela mercadoria (ensino/ conhecimento) que lhes era ofertado.
Isso reafirma cada vês mais não só as interferências políticas, mas as disputas
ocorridas entre os capitais hegemônicos (Frigoto, 1996 e Santomé, 2003), onde
travestido com nobres ideias, maquia-se a verdadeira intenção quanto ao ensino
público na seara da segurança pública com qualidade.
É essa leitura crítica, entendendo as significações que movimentam as
filiação das materialidades discursivas que se entrelaçam sob o signo vivo, dialético,
ideológico, em uma sociedade movida por antagonismos que mostram-se nas
relações de estratificação das classes, que a análise do discurso busca desvelar e
propiciar entendimentos
No próximo capitulo, traçaremos nosso percurso teórico apresentando o que
entendemos por AD, qual linha nos filiamos e que pontos de contato e dissonância
teremos com alguns teóricos, para delimitarmos um campo de análise que coadune
com a propositura de nossas pesquisas.

30

Modo ou forma de agir.

50

2

O PERCURSO TEÓRICO
Os atos de comunicação31, onde o discurso produzidos pelos falantes utiliza-

se majoritariamente da linguagem verbal, possuem papel nodal no desenvolvimento
do ser humano. A esse respeito, escreve Bakhtin, (2006, p. 124)
A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de
comunicação e cresce com eles sob o terreno comum da situação de
produção [...]. (Pois) a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos
sociais [...], dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento,
desempenhando um papel meramente auxiliar. A língua vive e evolui
historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico
abstrato das formas da língua (e) nem no psiquismo individual dos falantes.

Dito isto, como nos relacionamos através da linguagem, no nosso dia-a-dia,
enquanto leitores, autores, alunos, professores, pais, filhos, patrões, empregados,
burguesia, proletariado ou como cidadãos?
A AD é um caminho para a compreensão dessa questão. Ela não elege a
língua, a gramática como seu objeto de estudo. Ela elege o discurso.
E o discurso, nada mais é do que uma pratica da linguagem, onde a palavra
está em movimento, fazendo sentido, na materialização de discursos. Na
perspectiva da AD a que nos filiamos, o discurso é entendido como prática social de
sujeitos inseridos em contextos sócios históricos de produção e reprodução de sua
própria vida.
Como nos mostra Cavalcante (2009, p. 17) “diferentes posições teóricas
possibilitam diferentes olhares sobre um mesmo objeto de estudo.” Isso ocorre
também com relação à AD, uma vez que esse campo de saber é abordado por
diferentes perspectivas teóricas – da linguística, da psicanálise, do materialismo
histórico. A perspectiva de AD a que nos filiamos é a inaugurada por Michel Pêcheux,
na França, no final da década de sessenta do século passado. Seu surgimento está
ligado à compreensão de como as filiações históricas no mundo, e em especial no
continente europeu, estavam produzindo seus efeitos.

31

As formas de comunicação podem ser verbais (forma oral e forma escrita) e não verbais (gestos,
cerimônias, mímica, olhar, postura, atos ritualísticos...).

51

Na Europa de 1960, o momento político é marcado pelo que se denomina de
“guerra fria”. Os Estados Unidos (USA) defendendo um projeto de sociabilidade
capitalista estavam de um lado, enquanto a União Soviética (URSS) defendendo um
projeto de sociabilidade socialista encontrava-se diametralmente no lado oposto.
O que vem a caracterizar este período é uma disputa regionalizada por zonas
de influência. Como uma guerra direta não era uma opção plausível de ser
cogitada32 houve uma cisão entre o mundo: de um lado busca-se consolidar a
prática do capitalismo sob a égide do livre mercado, do outro se busca a
socialização dos meios de produção, outrora sob o controle da classe dominante,
por meio do socialismo. Com isto, a Europa fica no centro econômico-político de
uma disputa ideológica entre as superpotências bélicas.
Apesar de a Europa viver um momento de apogeu econômico, devido aos
investimentos dos USA no pós-primeira guerra mundial, para a reestruturação e
propaganda do projeto de sociabilidade burguês, o capital precisa mostrar suas
facetas e aumentar a desigualdade nesta mesma sociedade. Com isto, abre-se
terreno para a disseminação dos descontentamentos, convertidos na propagação de
movimentos sociais de lutas por melhorias em suas próprias condições de vida;
dentre os quais merece destaque: o movimento ante discriminatório por causa da
cor (negros), conquista de direitos civis e políticos (mulheres e homossexuais) entre
outros.
O mundo passa por transformações, em especial nesta década de sessenta.
Ainda com o embate da guerra no Vietnam, é propagado o “modelo americano de
ser”. Consumo velado de drogas, início do movimento Hippie, o Woodstock, além de
diversos governos ameaçarem recrudescer os direitos civis e políticos de seus
súditos, marcam este período. O ideário da juventude passou a ser o
questionamento, a desobediência, a depreciação dos valores tidos como
tradicionais, pois somente novos valores (os valores dos mais jovens) é que poderia
suprir a necessidade atinente àquele momento histórico.

32

Devido ao grau de letalidade das armas nucleares e termonucleares, capazes de dizimar nações
inteiras e tornar sua fauna e flora imprestáveis a sobrevivência do País vencedor, ficava inviável uma
guerra ou ataque de forma direta contra o inimigo.

52

Por isso, esse período ficou conhecido como anos rebeldes33 ou de a década
da contestação. É nessa época que, apesar de certa estabilidade econômica na
Europa, começa a ser desvelado o lado, até então, oculto do capital: a nítida
contradição entre capital e trabalho e/ou, exploradores e explorados. Neste período,
ante o turbilhão filosófico e cultural à disposição do proletariado, há uma enorme
propagação dos ideários marxistas. É por isso, que neste momento histórico a
felicidade é conceito diametralmente oposto ao capitalismo.
Outro fato marcante acontece em maio de 1968, quando cerca de 10 milhões
de pessoas, entre jovens, estudantes e trabalhadores participam de uma
manifestação e entram em greve na França. Foi a maior greve já realizada não só
na França, mas em todo continente Europeu, tendo surtido efeitos em todo o mundo.
Várias colônias na África e no Caribe conseguem libertar-se do domínio de
seus exploradores, alcançando paulatinamente suas independências. É importante
lembrar, que nesta década, os USA estão à porta com o socialismo, devido à
revolução Cubana, liderada por Fidel Castro.
Na década seguinte (1970), como fator de destaque, observamos a crise do
petróleo (início da década de setenta) que leva os USA a uma forte recessão e
inclina momentaneamente a balança de influencias para a URSS.
É nessa conjuntura mundial, que em 1966, Michel Pêcheux é convidado por
L. Althusser para integrar o grupo de filósofos que estavam sob sua coordenação no
Laboratório de Pesquisas do Departamento de Psicologia Social da Universidade de
Paris VIII. O fito deste convite seria a necessidade de, assim como os outros
pesquisadores, melhorar as pesquisas que ora estavam em desenvolvimento (Plon,
2005; Maingueneau, 1989 e Gregolin, 2004).
A partir de então, Pêcheux começa neste mesmo ano a publicação de vasta
bibliografia resultado de seus trabalhos, vindo a modificar a prática atual das
ciências humanas e sociais. Em 1969, lança “Analyse automatique du discours” 34,

33

Hobsbawn (2002), nos mostra que neste momento histórico, o grito de guerra preferido foi “É
proibido, proibir!”.
34

Análise Automática do Discurso.

53

sagrando o discurso e não a língua como seu objeto de estudos, traçando uma
proposta teórico-metodológica, onde se cruzam as (re) leituras e (re) interpretações
feitas a Saussure (por Pêcheux), a Marx (por Althusser) e Freud (por Lacan). É
oportuno destacar, conforme observado alhures, que diante do momento histórico
vivido na França, o discurso a ser analisado, por excelência e primazia, será o
discurso político.
A AD, fundada por Pêcheux apoia-se na perspectiva marxista, adotando como
conceitos centrais sujeito, historia e ideologia.É sua filiação ao materialismo histórico
e dialético que oferecerá uma possibilidade de ruptura epistemológica com o atual
quadro vigente das análises da língua, tributárias de Saussure. Essa teoria científica
(o materialismo histórico) advoga que a evolução do ser humano não pode ser
entendida desvinculando-se da economia da história. Ou seja, o estudo das
sociedades, em cada momento histórico (escravismo, feudalismo e capitalismo),
deve ser atrelado ao estudo da situação econômica dada.
É a partir dessa concepção que Marx e Engels (UNIFESP/2012), explicam a
sociedade da qual somos constituintes, apresentando a possibilidade de uma nova
sociedade que não seja calcada nas enormes desigualdades sociais, contradições.
Numa estratificação social acentuada. Utilizam-se da metáfora do edifício para
explicar a sociedade constituída de uma infra estrutura e de uma superestrutura. A
infraestrutura compreende a base econômica e material na/da sociedade,
responsável pela produção dos bens necessários à manutenção de sua vida; já a
superestrutura será constituída de uma estrutura jurídico-política que seria o corpo
normativo da sociedade e o próprio Estado, além de uma estrutura ideológica, que
serviria para determinar de que forma a sociedade deverá portar-se e comportar-se.
Será, pois, na infraestrutura que se determinará de que forma o Estado
(superestrutura) será moldado, pois em cada oscilação que lhe ocorra, a
superestrutura será modificada.
É diante dessa conjuntura, que a AD começa a dar “seus primeiros passos”.
Acontece que, mesmo na França, não subsistiu uma unicidade teórica acerca da
AD, pois diversos teóricos produziam diferentes formas/métodos de se analisar os
discursos.

54

Podem ser destacadas as pesquisas de Jean Dubois e Michel Pêcheux, cada
qual com suas próprias convicções intelectuais, buscando por algo que não se
encontrava nem na filosofia e nem na linguística.
J. Dubois linguista, é um universitário. Seu trajeto é o de numerosos
linguistas franceses da época: estudos literários, gramatica, depois
passagem para a linguística francesa, um lexicólogo conhecido. Michel
Pêcheux, por sua vez, é filósofo. Desde o meio do decênio, ele se encontra
envolvido nos debates na rua Ulm, em torno do marxismo, da psicanálise, da
epistemologia. (MALDIDIER, 1993, p. 16 -17).

Apesar deste quadro incomum, a simetria entre os dois reside tanto na
política, quanto no marxismo; comungando opiniões sob os movimentos sociais,
história e luta de classes, destoando das ideias dominantes a época (o
estruturalismo). Constatando estes fatos,
Do lado de J. Dubois, a instituição da AD é pensada dentro de um
“continuum”: a passagem do estudo das palavras (lexicologia) ao estudo do
enunciado (AD) é natural, é uma extensão, um progresso permitido pela
linguística [...]. Do lado de M. Pêcheux, ao contrário, a AD é pensada como
uma ruptura epistemológica com a ideologia que domina nas ciências
humanas. O objeto discurso, que reformula a fala Saussuriana na sua
relação com a língua, implica, de acordo com a formula Althusseriana uma
mudança de terreno. Mais globalmente, é a maneira de teorizar a relação da
linguística com um exterior, que diferencia as duas AD’s.
(MALDIDIER, 1993, p. 18 -19)

O que podemos apreender com isso? Que em J. Dubois a AD é desenvolvida
como uma ampliação dos estudos linguísticos. Com Pêcheux subsiste um
questionamento crítico acerca da linguística.; não é uma superação simples de
Saussure.
Na perspectiva de Pêcheux, a língua não é vista como um sistema formal, e o
discurso é sempre construído a partir das inscrições histórico-sociais dos falantes,
não sendo símile a dados empíricos ou a um mero texto. Tudo isto mostra novos
caminhos, novas filiações, novos paradigmas, favorecendo o nascimento de novos
objetos. Assim,
Fundada num contexto de evolução das teorias linguísticas e de
transformações no campo político, na França, a AD é pensada para se
constituir, ao mesmo tempo, como intervenção científica e política,
consolidando uma teoria política do discurso. [...] Dessa maneira, a AD
fundada por Michel Pêcheux não nasce apenas como um simples campo de
estudos, como mais uma área de conhecimento, mas sim como um
instrumento de luta política (CAVALCANTE, 2009, p. 24).

55

Com o advento de sua obra “Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do
óbvio”, Pêcheux apresenta demarcações acerca do que vem a ser: Semiótica35,
Semiologia36 e Semântica37, pois corriqueiramente a linguística é solicitada para
pontos fora de seus domínios38, caminhando em direção a Semântica para tentar
resolvê-los.
É nessa perspectiva que a Analise do Discurso fundada por Pêcheux rompe
com os quadros teóricos defendidos tanto por Saussure39, quanto por Chomsky40 e 41
com a ideologia psicologista vigente até então. Conforme dito alhures, ao eleger o
discurso político como objeto de estudos, busca-se não compreender o texto, mas de
que forma este texto faz sentido/ significa.
Entretanto, nesse primeiro momento, a AD não consegue quebrar os grilhões
e alçar voo independente. Apesar de Pêcheux deslocar o objeto de análise da língua
para o discurso (elemento fundador do trinômio língua, sujeito e história), ainda existe
uma organização teórica em torno de Saussure, Marx e Freud. Por isso, num primeiro
momento, “a concepção de sujeito e de língua, na AD não se separa da influencia
estruturalista” (GREGOLIN, 2004, p. 61).

35

A Semiótica foi proposta inicialmente por J. Locke para indicar a doutrina dos signos,
correspondente à lógica tradicional.
36

A Semiologia é a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social. Um exemplo disto
seriam os estudos acerca da: moda, publicidade, mitos...

37

A Semântica nasce com M. Breau, para designar uma relação de designação entre os signos
linguísticos. Ou seja, esta doutrina considera as relações dos signos com os seus referentes.
38

Tal questão deve ser resolvida com base em uma “intervenção materialista no domínio da ciência
linguística”. Para isso, Pêcheux propõe que a linguística abra seus campos de questões e de seus
domínios com outro campo de questões e de domínios: o das ciências das formações sociais.

39

O estruturalismo de Saussure foi um marco no campo da linguística, pois a concebeu como uma
ciência autônoma perante as outras ciências sociais. Estabeleceu-se uma distinção entre língua e
fala, onde a língua é eleita como objeto de estudos e não a fala, por ser: heterogênea, multifacetada,
ato individual de vontade e inteligência, além de diacrônica.
40

No Gerativismo de Chomsky, todo ser humano é apto a aprender e a compreender qualquer
idioma, pois ao nascermos possuímos um dado biológico inato que permite-nos tal façanha. Não se
leva em conta as relações sociais vivenciadas, nem o contexto histórico por qual passa o indivíduo.

41

É oportuno destacarmos que a teoria gerativista de Chomsky foi financiada largamente pelos USA
durante a guerra do Vietnam e outras disputas bélicas envolvendo os americanos, na tentativa de
fazer com que seus soldados aprendessem o mais rápido possível à língua nativa do solo onde
combatiam.

56

Após esta primeira etapa, ocorrem vários embates, reconstruções e as
retificações a serem operadas no campo teórico da AD por Pêcheux, sobre as
categorias: língua, ideologia e discurso, Sobre os referidos embates escreve
Pêcheux, (1977, p. 01).
Nem Marx, nem Lenin nem nenhum desses que se costuma a chamar de “os
clássicos do Marxismo” produziu qualquer estudo politicamente organizado
sobre o assunto. De fato, os pensadores políticos do marxismo-leninismo
detiveram-se, nesta questão [língua, ideologia e discurso], em apontamentos
de ordem muito geral (por exemplo, naquilo que podemos encontrar em
Gramsci), de sorte que , depois de Voloshnov até os nossos dias, podemos
dizer que essa questão foi, é e permanece sendo, essencialmente objeto dos
universitários progressistas (poucos linguistas, e sobretudo, historiadores e
dos filósofos).

Eis que na citação acima, faz-se menção a Voloshnov. O referido teórico
russo, juntamente com Bakhtin, publicam, em 1929, a obra “Marxismo e Filosofia da
Linguagem”. Nessa obra, os autores citados apresentam uma abordagem de cunho
marxista à filosofia da linguagem, além de propor os fundamentos da moderna
semiologia.
Para Bakhtin/ Voloshnov, devemos valorizar a fala, a enunciação. Nela será
observado que o signo não pertence ao indivíduo enquanto falante, ele é palco de
atuação/ negação dos valores sociais contradizentes. É por este motivo, que os
conflitos presentes na língua refletem e refratam os conflitos das classes no interior
deste mesmo sistema, pois tanto a classe social quanto a comunidade semiótica,
nesta perspectiva, não se recobrem.
Nesse sentido, entendemos ser a língua uma atividade de relações entre
sujeitos, que buscam interações em momentos determinados, sendo um lugar não só
de imissões sociais, quanto psicológicas, pois,
1. A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é
apenas uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e
práticos particulares. Essa abstração não dá conta de maneira adequada da
realidade concreta da língua; 2. A língua constitui um processo de evolução
ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores;
4. A criatividade da língua não coincide com a criatividade artística nem com
qualquer outra forma de criatividade ideológica específica. Mas, ao mesmo
tempo, a criatividade da língua não pode ser compreendida
independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam.
A evolução da língua como toda evolução histórica, pode ser percebida
como uma necessidade cega de tipo mecanicista, mas também pode tornarse “uma necessidade de funcionamento livre”, uma vez que alcançou a

57

posição
de
uma
(BAKHTIN, 2006, p. 122).

necessidade

consciente

e

desejada.

Por sua natureza social, e não individual, a fala está indissociavelmente
atrelada não só às condições da comunicação, mas, também, às estruturas sociais.
Encontramos essa mesma posição em Marx e Lukács. Segundo esses
teóricos, a categoria fundante do ser social é o trabalho. É ele que propicia ao ser
humano o salto ontológico de “ser natural” para “ser social”.
Este salto ontológico só pode ser possível graças aos instrumentos de
comunicação, com destaque para a língua, que se mostra presente tanto no contato
social entre o ser humano, quanto na troca orgânica efetivada por este com a
natureza.
Isto se deve às transformações que emergem no cotidiano, pois em relação às
transformações ocorridas na natureza (que desenvolve o trabalho), seus atos,
segundo Lessa (2006, p. 03-04),
Apenas podem vir a ser e se desenvolver tendo por mediação dois
complexos sociais fundamentais. Por um lado, apenas podem ocorrer no
interior de relações sociais; por outro lado, nem as relações sociais, nem
sequer a prévia ideação portadora da finalidade, poderiam vir ser sem a
linguagem. Portanto, já no seu momento primordial, o ser social comparece
como um complexo constituído, pelo menos, por três categorias primordiais:
a sociabilidade, a linguagem e o trabalho.

A partir dos autores supracitados, a língua é uma atividade concernente
ontologicamente ao ser humano, é uma ferramenta histórica que atua transformando/
modificando as relações entre os seres humanos, jamais tendo um caráter acabado,
pronto.
Essa é a posição de Bakhtin/ Voloshnov (2006, p. 32), quando afirma:
Ela penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações
de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida
cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a
partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as
relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será
sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais,
mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma,
que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e
bem formados. [...] A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais
íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.

58

É a esse conceito de língua enquanto instrumento de mediação das relações
sociais ao qual somos tributários. Nesse sentido, podemos citar Cavalcante (2007, p.
34 – 35), que também nos apresenta sua posição acerca da concepção de língua
que assume. Escreve a autora:
É a essa concepção de língua enquanto atividade especificamente humana,
concreta, histórica a qual nos filiamos. Uma concepção que a entende não
como uma entidade pronta e determinada, mas como constitutiva, opaca,
incompleta, de autonomia relativa [...], [devendo ser] entendida como uma
entidade inacabada, imprecisa, ambígua, cujos elementos assumem funções
sintáticas e configurações semânticas não de todo definidas e definitivas, o
que implica observar sua incompletude natural.

É essa, pois, a concepção de língua assumida pela AD à qual nos filiamos.
Entretanto, não é a língua, mas o discurso o objeto de estudo da AD. Como já foi dito
anteriormente, discurso entendido como práxis de sujeitos inscritos.
Como diz Cavalcante (2007, p.51), “O discurso é um modo de se pôr formas
específicas de ideologia como, por exemplo, a Política, os Meios de Comunicação, o
Direito, a Educação.” Essas formas ideológicas, Segundo Amaral (apud Cavalcante,
2007, p.11)
Essas formas ideológicas encontram no discurso a possibilidade da
objetivação e realizam sua função ontológica, pois, [...] é produzido em um
determinado momento histórico social para responder às necessidades de
produção/reprodução da vida em sociedade.

O discurso da Matriz Curricular, que tomamos como objeto de estudo,
expressa posições políticas e ideológicas de um grupo social. Os sentidos que ele
articula não estão somente nas palavras, mas na relação com a exterioridade – nas
condições em que ele é produzido, a partir da Formação Ideológica em que se
inscreve. Assim, é necessário conhecer as Condições de Produção do Discurso para
descobrir a Formação Ideológica que o atravessa. Essas são categorias centrais da
AD que passaremos a desenvolver.

2.1 Condições de Produção do Discurso
Será com Pêcheux que observaremos um primeiro esboço acerca do que
vem a ser Condições de produção do discurso.

59

Ele parte do esquema informacional da comunicação elaborado por
Jacobson. O maior mérito desta empreitada reside no fato de
Colocar em cena os protagonistas do discurso e o seu “referente”, permitindo
compreender as condições (históricas) da produção de um discurso. A
contribuição de Pêcheux está no fato de ver nos protagonistas do discurso
não a presença física de “organismos humanos individuais”, mas a
representação “de lugares determinados na estrutura de uma formação
social, lugares cujos feixes de traços objetivos característicos pode ser
descrito pela sociologia”. (BRANDÃO, 1998, p. 36).

Ao definir o que são condições de produção, ainda não subsiste uma cisão
com as origens psico-sociologias de Jacobson, visto que Pêcheux ao inserir a
terminologia discurso em detrimento da “imagem”, remonta-se a teoria sociológica
funcionalista ou ao interacionismo psico-sociológico, que só depreendem a condição
de produção como sendo “apenas” as circunstâncias da produção de uma
mensagem por um sujeito falante.
Ou seja, com este plano teórico, as determinações históricas do discurso
reduzem-se a simples circunstancias, aonde os sujeitos presentes no discurso
apenas vão interagindo. Neste plano, os sujeitos presentes no discurso serão a fonte
das relações discursivas.
Mesmo sem falar em AD, vamos encontrar em Bakhtin/Voloshnov o primeiro
embrião do que seria depois denominado por Pêcheux de Condições de Produção.
Diz o referido autor (2006, p. 115 - 116) “Os sentidos do discurso são determinados
pala situação social mais imediata, que por sua vez, resulta do meio social mais
amplo”. O que seria o meio social mais amplo? A conjuntura sócio histórica e política
que possibilita o surgimento do acontecimento discursivo – Condições de Produção
amplas ou mediatas. As Condições de Produção imediatas (ou restritas) são o
contexto mais específico, determinado pelas condições amplas
Orlandi (2005, p. 39-40) ao falar sobre condições de produção, como o
contexto imediato onde se apresenta a materialidade discursiva entre os falantes,
além da ideologia e do contexto sócio histórico, aponta três fatores que constituem as
condições de produção.

60

O primeiro fator (a relação de sentidos) nos mostra que não existe um marco
inicial para seu início ou término, pois existe sempre um embricamento entre os
discursos pretéritos, presentes ou futuros.
Em relação ao segundo (antecipação), este será relativo à colocação do
sujeito no lugar do interlocutor, para “ouvir suas próprias palavras”. Com isto, o
sujeito poderá antecipar o sentido/significação que suas palavras produzirão para o
ouvinte/ interlocutor, podendo orientar suas argumentações de tal ou qual maneira,
ache mais proveitoso, tendo em vista que o efeito a ser produzindo no
ouvinte/interlocutor, que pode ser amigo ou inimigo.
O terceiro (relações de força), está relacionado com seu “lócus” 42. E a partir
do local de onde se fala, constituindo o que se passa a dizer. Imaginem um discurso
pelo qual o enunciador seja um jurista de prestígio, com vários livros publicados. Ora,
seu discurso não é mais um “lugar comum”.
As palavras passam a significar não porque “A”, “B” ou “C” estão externandoas, mas sim pela autoridade que esses sujeitos tem, do local que eles ocupam na
sociedade e, a partir daí, passam a externá-las. Afirma Pêcheux (1988, p. 160),
O sentido das palavras não pertence à própria palavra, não é dado
diretamente em sua relação com a literalidade significante; ao contrário, é
determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo
sócio histórico, no qual as palavras, expressões e proposições são
produzidas.

Nesse sentido,
Produção como:

Cavalcante

(2007,

p.

37-38),

define

Condições

de

A forma como estes acontecimentos significam e afetam os sujeitos em suas
diferentes posições, políticas na sociedade, expressando como se organiza o
poder - distribuindo posições de mando/subordinação x resistência,
exploração x explorado, sedução x adesão [...].

Ou seja, as condições de produção são eventos que possibilitam o
surgimento da materialidade discursiva em que se entrelaçam: os sujeitos, as
contradições ideológicas e a produção de acontecimentos.

42

Local.

61

2.2 Ideologia e Formações Ideológicas
Conforme observado em Bakhtin (2006), em cada época, e, por ventura em
cada grupo social constituído, ali existirão em seu repertório discursivo formas de
comunicação que terão fundamentos não só sociais, mas, ideológicos.
Desde o começo deste capítulo, entendemos e demonstramos que o discurso
é tridimensional, compreendendo em suas regiões: o sujeito, a história e a ideologia.
Agora, para entendermos como essas categorias se relacionam no discurso, é
interessante compreendermos o que é ideologia e o que são formações ideológicas.
É assente que desde o seu nascimento, a significação de Ideologia tem
passado

por

diferentes

prismas

teóricos,

passíveis

de

variadas

formas

interpretativas , que tanto podem remeter o leitor a uma perspectiva gnosiológica
43

(Althusser), quanto a uma perspectiva ontológica (Marx e Lukács).
A questão do conhecimento tem recebido diferentes formas de recepção e
preocupações ao longo do tempo. Somente com os empiristas e racionalistas é que
haverá relevância nas pesquisas de cunho filosófico. Por conhecimento, deve ser
entendida a ação compreendida quando um ser (sujeito que busca conhecer)
domina um objeto (o objeto do conhecimento). É assente a indissociabilidade ente o
sujeito e o objeto, sendo que seus papeis podem ser díspares, conforme a posição
filosófica que se adote. Por isso é importante demarcarmos nossa filiação teórica
acerca desta temática.
Ao falarmos de Gnosiologia e Ontologia, precisamos demarcar nosso
entendimento acerca desses conceitos. A perspectiva teórica da gnosiologia (do
grego gnosis, conhecimento, e logos, teoria, ciência), nos mostra que a validade de
qualquer conhecimento, está intrinsecamente relacionada em razão do sujeito que o
recebe (o conhecimento).
Já a perspectiva teórica da ontologia (do grego onto, ser, e logos, teoria,
ciência) nos mostra que é a forma como este conhecimento é assimilado pelo ser, o

43

Para maior aprofundamento, ver: Abbagnano, 2007

62

seu destino e o implicamento de toda historicização deste conhecimento e como tal
conhecimento é passado no curso da existência humana, que se mostra importante.
O termo Ideologia teve como criado Destut de Tracy, com sua obra “Elements
de Idéologie44”, datada de 1801. Seu conceito foi proposto para designar "a análise
das sensações e das ideias", com isto, buscou-se analisar a faculdade de pensar,
subsistindo tal instituto como fundamento de todas as ciências. Elabora-se uma
ciência voltada a gênese das ideias, tratando-as como fenômenos naturais capazes
de exprimir o relacionamento do meio em que se vive com o corpo humano. Embora
considere importante conhecer todas as diferentes acepções do termo, não nos
ocuparemos disso nesse trabalho.
Iniciaremos com a perspectiva assumida por Pêcheux, em seus diversos
ensaios frente à tentativa de “materializar” um conceito de ideologia que lhe desse
suporte para a cisão com a linguística e propiciasse instrumentos científicos para a
criação

de

uma

ciência

autônoma,

a

AD.

Apropria-se

inicialmente,

dos

conhecimentos de seu iniciador no Laboratório de Pesquisas da Universidade de
Paris VIII – Louis Althusser.
Althusser45, na sua obra Aparelhos ideológicos de Estado, no capítulo onde
fala da “reprodução da força de trabalho46”, busca traçar um perfil de como se
concebe a sua produção e a reprodução (da força de trabalho).
Ela (a força de trabalho) será reproduzida através da contraprestação
fornecida pelo empregador ao empregado, pela venda/ exploração de sua força de
trabalho (salário), que será seu meio material de reprodução. É bem verdade que o
salário é uma parcela “ínfima” paga a “força de trabalho” pelos seus gastos, para que
este se reconstitua consumindo (educação, capacitação, alimentos, roupas,
moradia...).

44

Elementos de Ideologia.

45

Em seus estudos intitulados: Aparelhos Ideológicos de Estado.

46

Para um maior aprofundamento, sugiro: NETTO, José Paulo& BRAZ, Marcelo. Economia política:
uma introdução crítica. São Paulo, Editora Cortez.

63

Entretanto, afirma Althusser, (2003, p. 57)
Não basta assegurar à força de trabalho as condições materiais de sua
reprodução para que se reproduza como força de trabalho. Dissemos que a
força de trabalho disponível deve ser competente, isto é, apta a ser utilizada
no sistema complexo de produção. O desenvolvimento das forças produtivas
num dado momento determina que a força de trabalho deva ser
(diversamente) qualificada e, então, reproduzida como tal. Diversamente,
conforme as exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus
diferentes ‘cargos’ e ‘empregos’.

Essa qualificação dar-se-á de forma diferente ao quadro dos idos mais antigos.
Antes se aprendia os ofícios e suas qualificações no próprio “lócus” de exploração.
Hoje em dia, aprende-se na escola, as regras “que assegurem a submissão à
ideologia dominante ou o domínio de sua prática”, de modo que os “agentes da
divisão do trabalho” saibam exatamente seu local de trabalho (de comando ou de
comandado) e de como se expressar e ser entendido. Isto se deve ao fato de que,
segundo o Althusser (2003, p. 58),
A reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de
sua qualificação, mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão
às normas vigentes, isto é, uma reprodução da submissão dos operários a
ideologia dominante por parte dos operários e uma reprodução da
capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos
agentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem
também, pela palavra, o predomínio da classe dominante.

É neste sentido que se deve atrelar a reprodução da força de trabalho, não só
ao conceito de Estado entendido por Althusser.
O Estado, conforme tratado pela “teoria marxista” 47, será uma engenho
repressivo, capaz de manutenir a classe dominante no poder (grandes senhores de
terra do século XIX e a burguesia), submetendo a classe dominada a exploração
capitalista, com o fito de obter lucros cada vez maiores.
É preciso, para que tal objetivo seja colimado, que o Estado disponha de
mecanismos, de aparelhos para que seu “curral exploratório” mantenha-se sob o seu
“cabresto”. Tais mecanismos são o Aparelho Repressivo do Estado (ARE48) e o

47

Opus citatum, p. 62.

48

São exemplos de Aparelhos Repressivos de Estado: o Governo, a Administração, o Exercito, a
Polícia, os Tribunais, as Prisões...

64

Aparelho Ideológico do Estado (AIE49). Assim, a distinção que ficaria mais evidente é
que o ARE tem seu papel nodal no uso da coação, enquanto que o AIE tem seu
funcionamento vinculado à ideologia.
Diz Althusser (2003, p. 70).
O aparelho (repressivo) do estado funciona predominantemente através da
repressão (inclusive física) e secundariamente através da ideologia. (Não
existe aparelho unicamente repressivo). Exemplos: o Exército e a polícia
funcionam também através de ideologia, tanto para garantir sua própria
coesão e reprodução, como para divulgar os valores por eles propostos. Da
mesma forma, mas inversamente, devemos dizer que os Aparelhos
Ideológicos do Estado funcionam principalmente através da ideologia e
secundariamente através da repressão, seja ela bastante atenuada,
dissimulada, ou mesmo simbólica. (Não existe aparelho puramente
ideológico). Desta forma, a escola, as igrejas moldam por métodos próprios
[...] não apenas seus funcionários, mas suas ovelhas. .

Dito isto, poderemos perceber que os ARE’s possuem a função precípua de
garantir através da coação50 (física ou ideológica) a manutenção da ordem
exploratória vigente, garantindo a continuidade política da força dominante onde o
proletário subserve aos ditames da classe política elitizada vigente.
Com os AIE será diferente, pois enquanto os ARE detêm uma organização
centralizada, dirigido pelos representantes das classes dominantes, os AIE possuem
uma organização múltipla, distinta, autônoma, que expressam os antagonismos entre
a burguesia e o proletariado e forma mais gritante, com o escopo de reproduzir e
legitimar as relações de subserviência entre exploradores e explorados, submetendo
os indivíduos a ideologia predominante no Estado.
Para entendermos de que forma a ideologia atua no projeto de manutenção
das classes dominantes e dominadas, devemos compreender, a partir das duas
teses de Althusser formuladas sob o funcionamento e a estrutura da ideologia, como
tais relações se efetivam.

49

São exemplos de Aparelhos Ideológicos do Estado: Religião (diferentes igrejas), Escola, Família,
Jurídico, Político, Sindical, de Informação (imprensa), Cultural...
50

Por coação, entenda-se a possibilidade ou não do uso da coerção, da força. Esta (a força) pode ser
de forma velada (ideológica – a simples presença da força policial ou do Exército já iria inibir qualquer
atuação contrária ao regime) ou não (uso propriamente dito da força física, da repressão...).

65

Em sua primeira tese, afirma que: “A ideologia representa a relação imaginária
dos indivíduos com suas condições reais de existência51”.É nesse sentido, (Idem) que
se observa
Não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os
homens se apresentam na ideologia, o que é nelas representado é, antes de
mais nada, a sua relação com as condições reais de existência. É esta
relação que está no centro de todas as representações ideológicas, e
portanto imaginárias do mundo real. É nesta relação que está à causa que
deve dar conta da imaginária da representação ideológica do mundo real
(2003, p. 87).

Importante assinalar que quando o referido autor fala em “imaginárias”, não se
quer com isto buscar algo abstrato, díspar da realidade, mas a forma pela qual o ser
humano se faz representar em suas relações com a realidade visível, por meio de
imagens. Essas imagens são as que o indivíduo produz de si mesmo frente às
condições existências postas. Por exemplo: o certo e o errado, o bem e o mal...
Em sua segunda tese, afirma que: “A ideologia tem uma existência material52”.
O palco onde essa existência atuará, será nos Aparelhos Ideológicos do Estado
(AIE).
Imaginemos um cristão. Mas não uma simples pessoa que apregoa o nome de
Deus. Imagine uma pessoa professe “aos quatro cantos” seu amor pelo Deus
descrito no Pentateuco hebraico. Sua crença provem da representação ideológica
que a ideologia perfaz dos fatos ligados à existência espiritual, bem como suas ideias
enquanto sujeito possuidor de consciência, onde suas crenças manifestam-se como
as ideias da ideologia com a qual se identifica, definindo seu comportamento
materialmente visível.
O indivíduo em questão se conduz de tal ou qual maneira, adota tal ou qual
comportamento prático, e, o que é mais, participa de certas práticas
regulamentadas que são as do aparelho ideológico do qual depende as
ideias que ele livremente escolheu, com plena consciência, enquanto sujeito.
Se ele crê em Deus, , ele vai a Igreja assistir a missa, ele se ajoelha, reza,
faz penitencia, se confessa [...] (ALTHUSSER, 2003, p. 90).

51

Opus citat, p. 85.

52

Opus citat, p. 88.

66

Após tais explanações, Althusser formula a sua tese central sobre a
estrutura e o funcionamento da ideologia: “A ideologia interpela os indivíduos
enquanto sujeitos53”. Diz o Althusser (2003, p. 93-94).
A categoria sujeito é constitutiva de toda a ideologia, mas ao mesmo tempo,
e imediatamente, acrescentamos que a categoria de sujeito não é
constitutiva de toda ideologia, uma vez que toda ideologia tem por função (é
o que a define) constituir indivíduos concretos em sujeitos. É nesse jogo de
dupla constituição que se localiza o funcionamento de toda a ideologia, não
sendo a ideologia mais do que o seu funcionamento nas formas materiais de
existência deste mesmo funcionamento.

É com base nesta teoria, que Althusser afirma ser possível, por intermédio do
mecanismo da interpelação, a ideologia transformar os indivíduos em sujeitos,
conduzindo-os a sua auto – sujeição ( 2003, p. 96).
A ideologia age ou funciona de tal forma que ela recruta sujeitos dentre os
indivíduos (ela recruta a todos) ou transforma os indivíduos em sujeito (ela
transforma a todos) através desta operação muito precisa que chamamos de
interpelação, que pode ser entendida como o tipo mais banal de interpelação
[...] cotidiana..

Como vimos, para Althusser todas as ações do sujeito são determinadas pelo
seu assujeitamento, que é total. Para nos, a questão do assujeitamento total
defendido por Althusser deve-se ao fato de que ele comunga de uma visão
gnosiológica do ser, “própria do neopositivismo e do irracionalismo pós-moderno, que
hiperdimensiona

o

sujeito

mesmo

quando

busca

negá-lo”

(COSTA

&

VASCONCELOS, 2011, p. 01)
Mas como se sustentar um assujeitamento total, em uma sociedade
estratificada por classes sociais, onde a dicotomia burguesia x proletariado, reina?
Em nosso entendimento, o assujeitamento é um fator parcial e nunca total.
Encontramos respaldo para nossa posição em Lukács que analisa o fenômeno
da ideologia sob o fundamento ontológico-prático. Segundo Vaisman (1989, p. 18)
Falar de ideologia em termos ontológico-práticos, significa analisar esse
fenômeno essencialmente pela função social que desempenha, ou seja,
enquanto veículo de conscientização e prévia- ideação da prática social dos
homens.
53

Opus citat, p. 93.

67

Essa concepção de ideologia, segundo Cavalcante (2007, p. 40), “apoia-se na
noção de homem como um ser que reage às demandas postas pela realidade
objetiva, um ser que dá respostas a necessidades determinadas”.
É Lukács (1978, p. 5) quem afirma:
O homem torna-se um ser que dá respostas, precisamente na medida em
que – paralelamente ao desenvolvimento social em pro porção crescente –
ele generaliza, transformando em perguntas seus próprios carecimentos e
suas possibilidades de satisfazê-los.

O indivíduo faz sim, escolhas, mediante as possibilidades que lhe são postas.
Numa hipótese mais simples, podemos compreender que sempre diante das
condições postas o indivíduo, sempre poderá optar por “sim” ou “não”, frente às
diferentes formas específicas de ideologia que lhe são veladas.
Essas formas ideológicas específicas são denominadas de Formações
Ideológicas (FI). Segundo Haroche (1971, p. 102, apud Cavalcante 2007, p. 42)
As formações ideológicas são, pois, expressão da estrutura ideológica de
uma formação social que põem em jogo práticas associadas às relações e
classe. Trata-se de realidades contraditórias, na medida em que em uma
conjuntura dada, as relações antagônicas de classe possibilitam o confronto
de posições políticas e ideológicas que não são atos individuais, mas que se
organizam em formações conservando entre elas as relações antagônicas
de aliança e de dominação.

É por esse motivo, que, numa dada formação ideológica, pode-se encontrar o
confronto de ideias, posições, alianças ou, simplesmente, a subserviência de uma
ideologia a outra dentro da FI, demonstrando uma sujeição/ dominação. É nessa
perspectiva, que diferentes FI, mesmo que demonstrem antagonismo entre si, podem
falar de questões como cidadania, patriotismo, segurança pública, atribuindo-lhes
sentidos diferentes.
O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não
existe em si mesmo, (...) mas ao contrário, é determinado pelas posições
ideológicas que estão em jogo no processo sócio histórico no qual as
palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas).
Poderíamos resumir, essa tese, dizendo: as palavras, expressões,
proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por
aqueles que a empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido
em referencia (...) as formações ideológicas (...) nas quais estas posições se
inscrevem (PÊCHEUX, 1995, p. 160).

68

Cada Formação Ideológica contém, como um de seus componentes, uma ou
várias Formações Discursivas.

2.3

Formações Discursivas

Apresentamos ao leitor os conceitos de Ideologia e de Formação Ideológica
aos quais nos filiamos, para partir daqui, traçarmos o que entendemos ser a
Formação Discursiva (FD).
A concepção de formação discursiva é extraída da Arqueologia do Saber, de
Foucault, servindo-se dela a AD, para designar
Aquilo que numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição
dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito. (...) Diremos que os indivíduos são
interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas
formações discursivas que representam “na linguagem” as formações
ideológicas
que
lhes
são
correspondentes.
(PÊCHEUX, 1995, p. 160 - 161).

É por esse motivo que a Formação Discursiva constitui-se como uma matriz
de sentidos, comum a um conjunto de discursos que vem a expressar a posição
assumida pelos sujeitos falantes, determinando o que se pode dizer e o que não se
pode dizer dentro de um enunciado.
Não devemos pensar que uma formação discursiva seja um dispositivo
estrutural fechado e o discurso seja um bloco uniforme. São diversas formações
discursivas, que atravessadas por diversas vozes vindas de outros locutores que
movimentam as filiações de sentido, criam possibilidades de modificações
recíprocas, com o fito de se auto manter ou de se auto romper.
Com tal reciprocidade de informações nas materialidades discursivas, os
sujeitos locutores não são
Totalmente assujeitados às determinações sociais. Também rejeitamos a
noção de sujeito livre, fonte de seu dizer. Defendemos um sujeito
constituído nas práticas sociais concretas, por elas condicionado, mas
também capaz de intervir, de provocar mudanças, uma vez que sendo a
realidade social heterogênea e conflitiva, portanto descontínua, o processo

69

de
determinação
nunca
(CAVALCANTE, 2007, p. 47).

é

linear,

homogêneo,

contínuo

Não concordamos com a ideia de sujeitos totalmente assujeitados às
determinações sociais. Também rejeitamos a noção de sujeito livre, fonte de seu
dizer. Defendemos um sujeito constituído nas práticas sociais concretas, por elas
condicionado, mas também capaz de intervir, de provocar mudanças, uma vez que
sendo a realidade social heterogênea e conflitiva, portanto descontínua, o processo
de determinação nunca é linear, homogêneo, contínuo.
O discurso produz –se e reproduz – se na humanidade para atender uma
demanda específica, a possibilidade de produção e reprodução da espécie, através
de sua forma material, que é a linguagem.
Segundo Orlandi, (2005, p. 15).
A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de
percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim, a palavra em
movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso, observa-se o
homem falando. (...) Procura-se (com isso), compreender a língua fazendo
sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral,
constitutivo do homem e de sua história.

Todo discurso dialoga com outros discursos que o antecederam e o
preconizam, cooptando elementos já produzidos. Ou seja, é produzido a partir outros
discursos, com os quais concorda ou dos quais discorda de modo a repetir ou
modificar sua tessitura. Isso se dá graças a um movimento de retomada de
elementos já ditos que constituem uma memória discursiva.
Assim,

é

possível

ressignificar

o

que

já

se

disse,

promovendo

deslocamentos de forma que “se citem, se afirmem, se refutem”, possibilitando
novos dizeres através do que já foi dito é que se denomina de interdiscurso.
Segundo Orlandi (2005, p. 31).
O interdiscurso é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente. Ou seja, é o (...) saber discursivo que torna possível
todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na
base do dizível, sustentando cada tomada de palavra.

Outra categoria da AD é o intradiscurso definido por Orlandi (2005) como
aquilo que o enunciador formula, num dado momento, ante a determinada
conjuntura. seus e se significando, apresentando sempre novos sentidos ao que já

70

fora dito. Isso é possível graças á memória discursiva. É ela que disponibiliza para o
sujeito os elementos que comporão o seu discurso.
É a memória discursiva que torna possível a toda formação discursiva fazer
circular formulações anteriores já enunciadas. É ela que permite, na rede de
formulações que constitui o interdiscurso de uma FD, o aparecimento, a
rejeição ou a transformação de enunciados pertencentes à FD
historicamente contíguas. Não se trata, portanto, de uma memória
psicológica, mas de uma memória que se supões o (seu) enunciado inscrito
na história (NAGANIME, 1998, p. 76 - 77).

Até agora falamos de nossas opções teóricas, sempre dentro do dizível, quer
dizer, sempre buscando refletir acerca do dito, do posto. Entretanto, é de bom alvitre
refletirmos que o não-dito, o pressuposto, o silenciado, também produzem sentido.
Acredito que o mais importante é compreender que: 1. Há um modo de
estar em silencio, que corresponde a um modo de estar no sentido e, de
certa maneira, as próprias palavras transpiram silencio. Há silencio nas
palavras; 2. O estudo do “silenciamento” (que já não é mais silencio, mas
“por em silencio”) nos mostra que há um processo de produção de sentidos
silenciados, que nos faz entender uma dimensão do não-dito.
(ORLANDI, 1997, p. 11 - 12).

Ora, o silencio não é um vazio, um mero coadjuvante da linguagem, uma
perspectiva a-histórica. O silêncio relaciona o discurso sempre a outros discursos,
complementa-se através das formações discursivas que o sustentam e o
atravessam, fazendo sempre significar. Tudo isto, a opção do sujeito em significar
pelo dito ou pelo não-dito levará em consideração no seio social, marcada pela
historia e pela ideologia que perpassam o léxico enquanto agente de interação
social.
É a partir desses pressupostos teóricos que pretendemos analisar os
Objetivos que regem a estrutura da Matriz Curricular Unificada da Segurança
Pública Brasileira.
Mas, qual o sentido de se estudar os objetivos? Será nos objetivos da Matriz
que poderemos observar qual a sua finalidade, qual a meta que se espera alcançar
com essa proposta, qual seu real valor utilitário.

71

Quando esta matriz nos apresenta seus Objetivos, está-nos apresentando
suas metas mais amplas, que possuem uma maior abrangência, tentando trazer
uma resposta satisfatória ao problema da segurança pública. E qual seria este
problema, que fora gestado desde a exploração/ o descobrimento de nossas terras?
Seria a violência um mal endêmico que necessitasse de uma forte
erradicação por meio da polícia, ou outros fatores precisam vir a lume para que
vejamos o que realmente ocorre em nosso país? Será nesse sentido que
adentraremos o próximo capítulo, buscando respostas a estas perguntas e
analisando os Objetivos da Matriz com base na postulação teórica da AD.

72

3

O PERCURSO DE ANÁLISE
O discurso não é algo estanque, pronto, acabado.
Ele comporta, em sua tessitura; filiações, significações, silenciamentos que

irão compor a materialidade discursiva que será exposta ou não, de forma a velar
seus reais interesses, mobilizando, para isso, os mais variados recursos, dentre eles,
os midiáticos.
No Brasil, as mídias: impressas, televisivas, radiofônicas e digitais tentam, a
todo o momento, vender a imagem da falência no direito à segurança pública,
asseverando que essa não consegue dar proteção aos cidadãos. Alardeia que em
todos os estados-partes de nossa Nação, reina o caos, reina a absoluta insegurança
pública em seu sentido mais amplo, que é aquele que pode ser sentido por qualquer
pessoa vítima ou não de crime.
Direitos básicos como liberdade, vida e propriedade privada foram, no decorrer
da historia, claramente demarcados, de forma que atendessem aos interesses das
classes politicamente dominantes, que se travestiam como representantes do mais
puro interesse da maioria, do interesse social ou coletivo.
Nossa atual Carta Política Fundamental, datada de 05 de outubro de 1988,
nos mostra de que forma de Estado adota a forma Federativa.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes
eleitos
ou
diretamente,
nos
termos
desta
Constituição.(CF de 1988)

Federação, ou Estado Federado, será a forma ou o sistema de governo em
que vários Estados-partes, unem-se em torno de um governo central. Cada estadoparte (governos estaduais e governos municipais) possui autonomia política relativa,
definida pela repartição de competências propostas pela constituição. Assim sendo,

73

mesmo que estados e municípios possuam suas próprias constituições, estas
devem estar em consonância com a constituição federal.
É assente, nesse sistema de governo, a supremacia do governo federal
(União) sobre seus demais súditos (estados e municípios). Mesmo o poder de
governança sendo distribuído entre as partes, todos os Estado partes (União,
Estados e Municípios) possuem competências e prerrogativas atribuídas pela
constituição, não podendo ser suprimidas ou transformadas de forma unilateral pela
União, tampouco se pode usurpar do governo federal (União), a legitimidade de
representar os interesses comuns das Unidades Federadas nas relações
internacionais. Em caso de conflito de leis, prevalece a superioridade hierárquica do
Governo Federal.
Em nossa Magna Carta Constitucional, cabe ao governo federal à
competência pela elaboração das leis, para a criação de um corpo normativo, de
modo que esteja condicionado ao que deve ser melhor, ou seja, o que melhor atende
o interesse da coletividade, podendo limitar, conter, condicionar ou fazer cessar
momentaneamente ou em definitivo os direitos individuais dos cidadãos.
Art. 21. Compete à União:
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais;
II - declarar a guerra e celebrar a paz;
III - assegurar a defesa nacional;
IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente;
V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho. (CF de 1988)

Nessa situação, o estado federado favorece a concentração de poder,
dificultando ações dos governos estaduais e municipais que ficam reféns das
políticas de governo ou das políticas de estado do chefe do executivo federal.
Como maneja recursos de todos os Estados-partes, por meio da arrecadação
de tributos, o governo federal planifica os modelos de ações que lhe sejam mais
vantajosas/ interessantes, obrigando, de forma velada, governos estaduais e

74

municipais a cooptarem com suas políticas, mesmo que estes não se predisponham
a tal, sob pena de dispersão de recursos destinados a tais programas.
Com a segurança pública não é diferente.
Após essas considerações, podemos compreender o porquê de o signo
“segurança pública” no contexto neoliberal encontrar-se na historiografia política sob
o jugo ideológico do poder político. Mais modernamente, tal poder encontra-se sob o
crivo dos Governadores de Estado.
Polícia Civil, Polícia Militar e Bombeiros Militar, são instrumentos de
manutenção para a perpetuação do projeto de sociabilidade da classe politicamente
dominante, tendo suas atribuições assim compreendidas: operações de manutenção
dos poderes constitucionalmente consolidados, operações de garantia da lei e da
ordem, operações de controle de distúrbios civis, operações preventivas à garantia
da incolumidade física e de patrimônio.
É por tal motivo que o signo da segurança pública não significa da mesma
forma no percurso de nossa história constitucional. A cada salto evolutivo, a
materialidade discursiva presente nas constituições, produz sentidos diferentes.
Afinal, a quem serve essa segurança? Esperamos responder a essa pergunta, após
as análises que empreenderemos a seguir.

3.1

O signo “segurança pública” no contexto da política neoliberal

O neoliberalismo é um corpo teórico de ordem político-econômica, capitalista,
que defende a não ingerência Estatal na economia, pregando que “a mão invisível
do mercado” é auto regulatória, e que quanto maior for à liberdade do mercado,
maior será o desenvolvimento econômico-social do País. Seu corpo teórico vem
pregar um Estado mínimo, enxuto e competitivo; pouca ou nenhuma intervenção
governamental na economia e no mercado de trabalho; globalização dos capitais
transnacionais e privatização das empresas públicas do estado, além de flagrante
oposição à tributação dos capitais.

75

Sua implementação ocorre durante a crise que assolou o mundo na década
de setenta do século passado, quando pode ser sentido por todos os países
capitalistas um longo e profundo período de recessão, que trouxe, para a economia
mundial, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação. Era preciso eleger
um culpado, e eis que o Estado de Bem-Estar Social (WelfareState), com suas
políticas de implementação de direitos/ conquistas sociais fora eleito o responsável.
No âmbito dessa escolha, a culpabilização incidiu sobre os direitos
conquistados pelos trabalhadores54 que organizados em sindicatos, vinham obtendo,
nas mesas/rodadas de negociação com seus patrões burgueses, sensíveis avanços
trabalhistas. Quem melhor que um movimento proletário, para assumir a
reponsabilidade pela sangria dos recursos atinentes ao Estado, que, na perspectiva
desse modo de acumulação capitalista, consumia seus preciosos recursos com
“infundados gastos sociais”?.
Logo

depois

da

primeira

guerra

mundial,

os

países

capitalistas

experimentavam um crescimento econômico que perdurou após a segunda guerra
mundial. Os Países industrializados adotaram formas de expansão dos direitos
sociais, através da cobrança de uma elevada e progressiva carga tributária, de
forma a assegurar a manutenção do emprego e da renda dos trabalhadores.
Segundo Bobbio, (1998, p. 417),
Não obstante haverem melhorado os instrumentos técnicos de previsão e
controle do andamento das despesas públicas, nos países onde é mais
ampla a cobertura do seguro social (Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Suécia.), em fins da década de 60, as despesas governamentais tendiam a
aumentar mais rapidamente que as entradas, provocando a crise fiscal do
Estado. O aumento do déficit público provoca instabilidade econômica,
inflação, instabilidade social, reduzindo consideravelmente as possibilidades
da utilização do Welfare em função do assentimento ao sistema político.

Essa crise no Estado de Bem Estar Social, na visão neoliberal, está
representada pela elevada carga tributária cobrada para sustentar os direitos sociais
dos trabalhadores, que agora são vistos como um fardo para o desenvolvimento e
manutenção da própria nação.

54

Refiro-me a todos os trabalhadores, de forma genérica.

76

Corroborando para a criação de um Estado mínimo, argumenta-se, segundo
Bobbio, (1998, p. 405), que
As despesas públicas não conseguem prover, devido à diferença crescente
entre as saídas necessárias e as entradas insuficientes, a distribuição de
recursos que satisfaçam às aspirações de uma área cada vez mais vasta de
indivíduos, cuja reprodução social só pode ser esperada da expansão das
despesas sociais por parte do Estado.

Para resgatar o Estado que se achava à beira da insustentabilidade, eis que
surge a adoção de medidas neoliberais pelos principais países capitalistas. Em
1979, na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher e, logo em seguida, em 1980,
Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos.
Seus maiores méritos (governo de R. Reagan e M. Thatcher) foram tornar o
movimento operário, em seus países, sem credibilidade, decrescer o sistema de
redistribuição de renda, elevar sensivelmente as taxas de juros, quase que extinguir
os impostos sobre grandes fortunas e das vultuosas movimentações financeiras,
criar expressivos níveis de desemprego, além de forte repressão aos trabalhadores,
às leis que lhes garantiam direitos trabalhistas, perseguição aos sindicatos e
sensíveis cortes nos gastos sociais.
Esse quadro irá refletir diretamente sobre os direitos fundamentais adquiridos
principalmente pelos trabalhadores e pelas classes menos favorecidas. Como as
Constituições estavam “impregnadas” de direitos e garantias para as classes
proletárias e a “pequena burguesia”, necessário se fazia um “enxugamento” de tais
direitos, devendo cada um se prover por seus próprios meios. Por que o Estado
deveria manter os direitos sociais, se a livre concorrência poderia “solucionar”, de
forma espontânea e eficaz, “esse inconveniente”
Para isto, se fazia necessário “higienizar” os diplomas constitucionais,
reduzindo a intervenção do Estado na economia. Essa intervenção só deveria
ocorrer, quando, e somente quando, fosse necessária, a manutenção dos lucros
pela classe dominante55.

55

Como exemplo, teremos as crises cíclicas do capital, como marco exponencial em 1929, onde os
Estados intervêm na economia não para manter seu normal funcionamento, mas para possibilitar a
recuperação “das perdas”. Como exemplo recente, temos a intervenção da Caixa Econômica Federal
no Banco PANAMERICANO, do grupo ABRAVANEL (Silvio Santos).

77

Escreve Bonavides, (2001, p. 40).
A crise das constituições [...] continua sendo a crise da substituição, cada
vez mais acentuada, do modelo impossível de uma espécie de
constitucionalismo jurídico por outro de constitucionalismo político. O
constitucionalismo do Estado de Direito (bem entendido: o Estado de direito
da sociedade liberal) cede lugar ao constitucionalismo político e social. Um
constitucionalismo, não raro, amputador da ordem jurídica nas garantias
fundamentais do cidadão, em proveito daquela segurança que a razão de
Estado comanda, legisla e impõe, fazendo, todavia inseguros, em termos de
aferição de direitos, o cidadão e a sociedade.

Esse quadro perdurará com maior ênfase a partir da década de setenta do
século passado, devido à grave crise inflacionária que assolava o mundo, além da
crise do petróleo que eclodiu em 1973. É aí que as ideias neoliberais começam a
difundir-se pelo mundo, e, em especial, pelos países de capitalismo desenvolvido,
tais como Inglaterra e Estados Unidos.
Isso afetará sensivelmente os direitos fundamentais adquiridos por todos, em
especial dos trabalhadores, que viram direitos conquistados a sangue e suor serem
paulatinamente alijados em prol dos ajustes fiscais. Este cenário mundial perdura
até os dias atuais.
No Brasil, a adoção do neoliberalismo surge na década de 1990, com o
governo presidencialista de Fernando Collor de Melo, que lança mão de uma política
de abertura do mercado para concorrência, a planificação da economia (tentativa de
diminuir a inflação galopante), venda das empresas públicas. Ocorrem, também,
negociações para captação de verbas nas instituições internacionais, em especial
com o FMI.
Em virtude de sua saída do governo “por pressões populares”, assume seu
vice Itamar Franco, que freia os processos modernizatórios e de enxugamento
estatais promovidos por Collor.
Logo em seguida, assume Fernando Henrique Cardoso que dá continuidade
ao processo de enxugamento estatal, para que este seja mais célere, ágil, moderno.
A justificativa para as mudanças é que o Brasil necessita ser ágil para prosperar e
poder gerar emprego e renda, mas para isso torna-se necessário que sejam
privatizadas as empresas estatais brasileiras, pois elas são um óbice ao
desenvolvimento estatal.

78

É nessa conjuntura, de desmantelamento dos direitos sociais e dos
trabalhadores, além da precarização e expurgo de empresas estatais para o capital
internacional, que a violência no Brasil agudiza-se e mostra a sua face mais
perniciosa - uma grande massa de pessoas, principalmente jovens que residem nos
bairros periféricos56, não possui: estudo, qualificação ou quaisquer perspectivas de
futuro. Junte-se a tudo isto o dissabor da incompletude humana, que na ótica do
liberalismo econômico só seria sanada através dos hábitos consumistas e está
formado o não-estado, estado paralelo ou crime organizado.
Infelizmente, essa é uma consequência da lógica capitalista: sem estudo, sem
emprego ou qualificação o crime organizado é/ foi o único meio de que muitas
pessoas dispuseram para poder retirar o seu sustento e de sua família.
Entretanto, até o crime organizado precisou se estruturar à lógica do
mercado, tratando de seu negócio como uma empresa: uma empresa ilegal, mas
com os mesmos Discursos da Qualidade Total. Ou seja, para poder crescer e
prosperar, o crime organizado precisou estruturar-se piramidalmente de forma bem
definida, a fim de que pudesse colimar com seu objetivo precípuo: conseguir poder,
que se reflete em uma ávida busca por dinheiro através de atividades ilegais. Uma
parte do dinheiro ganho é usada para a manutenção do crime, pagamento de
propina, compra de sentença etc. Já a outra parte, considerada como lucro, é
investida em atividades ilícitas, como: aquisição de restaurantes, hotéis, fazendas,
investimentos no mercado especulativo etc.
O governo federal, vendo que a luta dos estados-partes tornava-se, na
maioria das vezes, inócua, insere a “segurança pública” na agenda governamental e
cria a Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao ministério da Justiça,
por meio do Decreto Federal nº 2315 de 1997.

56

Periférico aqui não é sinal de marginalização, mas de bairros que crescem nas periferias das
cidades de forma que eu contingente populacional, por se encontrar pertos das fábricas, possam
deslocar-se mais rapidamente para o trabalho.

79

Eis que em 1998, por intermédio do decreto Federal nº 2802 de 1998, o
governo FHC, ao dar continuidade às reformas propostas de enxugamento da
máquina estatal, dá nova roupagem ao Ministério da Justiça, determinando:
Art. 17. À Secretaria Nacional de Segurança Pública compete assessorar o
Ministro de Estado da Justiça na definição e implementação da política
nacional de segurança pública, e, em todo o território nacional, acompanhar
as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública, por meio
das seguintes ações:
I - apoiar a modernização do aparelho policial do País;
lI - ampliar o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança
Pública (INFOSEG),
III - efetivar o intercâmbio de experiências técnicas e operacionais entre os
serviços policiais federais e estaduais;
IV - implementar o registro de identidade civil;
V - estimular a capacitação dos profissionais da área de segurança pública;
VI - gerir os fundos federais dos órgãos a ela subordinados;
VIl - incentivar a atuação dos conselhos regionais de segurança pública;
VIII - realizar estudos e pesquisas e consolidar estatísticas nacionais de
crimes.

O debate sobre o crescente índice de criminalidade que começa em 1980 e
intensifica-se durante toda a década de 1990, traz a lume a sensação de medo e de
insegurança vividos pela população.
Nesse período, o fluxo do conjunto de alternativas e soluções para o
“problema da segurança pública” é enorme. Aumento das penas, redução da
maioridade penal, criminalização de mais condutas reprovadas socialmente,
aumento do efetivo policial, construção de mais presídios, ação mais enérgica da
polícia etc.
Desse “caldo primitivo de ideias” a realmente implementada será a que
propicia mais notoriedade e palanque político, com retorno em votos: elege-se
primeiramente o enfrentamento direto ao crime, contabilizando corpos. Mas é lógico
que a criminalidade, que a violência, não se combatem só com o recrudescimento
da atuação policial. Todo o final do século XX e começo do século XXI são
testemunhas disso. O foco não deve ser só na reação, no combate ao conflito
depois de instaurado; não se deve pensar numa guerra ao crime. Ora, se somos
todos cidadãos, por que se deve pensar em alguém que está em conflito com a lei
como um inimigo que deve ser combatido, extirpado, sufocado?

80

É nessa conjuntura, (condições de produção amplas) que começa a ser
gestada a matriz curricular. A SENASP/MJ começa a gestar políticas de
aproximação dos estados partes (Governos Estaduais e Municipais) para a União,
de modo que os acertos e dissabores possam ser utilizados como plataforma
política. Isto se deve à pressão que tanto a sociedade civil organizada, quanto os
membros do próprio governo exercem dentro da estrutura política estatal, de modo
que tal problema (o da segurança pública) possa servir de palanque eleitoral.
Dentre as necessidades de criação de políticas de combate ao crime
organizado, ganham destaque as políticas de formação dos profissionais de
Segurança Pública, visto que começa a ganhar força à hipótese de que o aumento
na criminalidade é causada pela má formação policial em todo o Brasil.
Começa-se a fomentar reuniões a nível nacional com profissionais e pessoas
ligadas à área de segurança pública dos Governos Federais, Estaduais e
Municipais, sob coordenação da SENASP/MJ, que realizam uma série de debates
de modo a fomentar discussões sobre um plano unificado de uma matriz curricular
única que atenda a todos os profissionais da segurança pública estadual (PC, PM e
BM), padronizando-se assim, os cursos de formações policiais. Eis que finalmente
discutida, aprovada (pela SENASP/MJ e com crivo da União), pronta para ser
incorporada pelos Estados, o Governo Federal precisa responder ao seguinte
questionamento: Como obrigar que um estado parte, perca sua autonomia e adote
esta matriz?
A resposta está na lei 11.530 de 2007, que cria o PRONASCI (Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que apresenta os requisitos para
que os estados e municípios recebam verbas federais e as empreguem em
Segurança Pública.
Um dos requisitos é a adesão à Matriz curricular da SENASP/MJ. Condicionase a liberação de recursos à vinculação “opcional” aos seus preceitos.

Caso

contrario, não se recebe verba do PRONASCI. Para se ter uma ideia, imaginemos a
compra de um aparelho de raio “X” para o sistema prisional. O PRONASCI arca com
90% das verbas de projetos destinados à área de segurança pública que comungue
as ideias da matriz curricular. Imagine um projeto da ordem de um milhão de reais na

81

compra de material. O estado-parte entra com 100 mil reais e o governo federal
(PRONASCI) com “apenas” 900 mil reais.
E por não querer perder verbas, pois a maioria das suas receitas já está
comprometida, teremos uma adesão total de todos os 26 Estados-partes e do Distrito
Federal a este programa do governo federal.
Implementa-se, pois a Matriz Curricular Unificada para os profissionais da
segurança pública estadual, de modo a delimitar e planificar as suas atuações, de
modo que, em todo país, tenha-se o mesmo procedimento e a mesma malha
curricular. É da análise da referida matriz que nos ocuparemos a seguir.

3.2

A

produção

dos

efeitos

de

sentido

nos

objetivos

da

matriz curricular
Os sentidos mobilizados pela matriz não são quaisquer sentidos. Emanam de
seu “representante mor”, o chefe político da nação. Coube a seu representante
político secundário em nível federal, o ministro da justiça, que por meio de sua pasta
vinculada (A SENASP/ MJ) brinda-nos com a possibilidade de, “finalmente,” termos
um documento pedagógico. O referido documento irá contribuir com respostas a
questões atinentes à formação dos profissionais da segurança pública.
Seu fito é conseguir que essa matriz curricular torne-se “uma ferramenta de
gestão educacional e pedagógica”, uma vez que possui “ideias e sugestões”
capazes de estimular “o raciocínio estratégico-político e didático-educacional
necessários à reflexão e ao desenvolvimento das ações formativas na área de
Segurança Pública”. Seu compromisso é a junção entre “a cidadania e a educação
para paz”. Mas, como pode haver cidadania, como pode haver paz, como pode
haver segurança pública, de forma indistinta, se vivemos em uma sociedade
estratificada por classes sociais, cujo modo de produção se funda na exploração do
homem pelo próprio homem, propiciando um acúmulo indizível de riquezas para
poucos e bolsões de miséria para muitos?

82

Vejamos o que estabelece a referida matriz.
A Matriz Curricular Nacional fornece, na elaboração (dos) objetivos, (...)
subsídios e instrumentos que possibilitam às Academias e Centro de
Formação a elaboração de caminhos para que o profissional da área de
Segurança Pública possa, de maneira autônoma e responsável, refletir e
agir criticamente em situações complexas e rotineiras de trabalho (2009, p.
08). (Grifo nosso)

Mais uma vez57 um documento oficial educacional advoga propósitos,
aparentemente, louváveis, mas articula tramas de mantença do projeto de
sociabilidade burguês, dissimulando as contradições e os conflitos reais que
ocorrem no seio não só social, mas da própria segurança pública, visto que seus
integrantes saem dessa mesma sociedade. Como pode o profissional da área de
segurança agir, de maneira autônoma, em situações complexas de trabalho, se ele
se insere no aparelho repressor do Estado – a polícia – ? Ele tem autonomia para
decidir contra ou a favor de quem (Estado ou classe trabalhadora) deverá agir, ou
sua inserção em um aparelho repressor já determina o âmbito dessa “autonomia”?
Nos recortes que escolhemos para análise, poderemos compreender de que
forma os “desafios” presentes na Matriz Curricular são postos aos profissionais da
Segurança Pública. É a partir das Sequências Discursivas (SD) eleitas, que
poderemos ter acesso ao discurso oficial, a fim de entender as soluções propostas
às questões de “segurança pública” presentes em nosso País, incutindo em seus
destinatários (Policiais Civis, Policiais Militares e Bombeiros Militares) a ideia de que
estes são diretamente responsáveis pelo “caos social” que hoje aflige o Brasil, pois é
sua missão indelével - o controle das pautas de conduta socialmente aceitáveis no
projeto de sociabilidade burguês, alijando, por conseguinte, quaisquer possibilidades
de práticas contra- hegemônicas de reflexão.
Nosso corpus de análise é constituído dos objetivos da Matriz Curricular.
Nossa opção pelos objetivos se explica, por concordarmos com Cavalcante (2007, p.
121) que afirma:
Não há prática educativa sem objetivos, pois eles explicitam os propósitos
educacionais, ou seja, estabelecem os fins e os meios que orientam as
ações [...] para uma direção – para a conservação ou para a transformação.
Explicitam, pois as finalidades da educação, face às exigências postas pela
sociedade, além de refletirem as opções políticas dos agentes educativos.
57

Nesse sentido, podemos citar diversos autores, como: Cavalcante, Saviani, Gadotti, Frigoto...

83

Vejamos, a seguir, os objetivos da referida matriz e os discursos que eles (re)
velam:
Objetivo Geral
SD 1 – As Ações Formativas de Segurança Pública, planejadas com base na Matriz, têm
como objetivo geral favorecer a compreensão do exercício da atividade de Segurança
Pública como prática da cidadania, da participação profissional, social e política num
Estado Democrático de Direito, estimulando a adoção de atitudes de justiça,
cooperação, respeito à lei, promoção humana e repúdio a qualquer forma de
intolerância.
Objetivos Específicos
As Ações Formativas de Segurança Pública deverão criar condições para que os
profissionais em formação possam:
SD 2 –Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como importante instrumento para
mediar conflitos e tomar decisões;
SD 3 –Perceber-se como agente transformador da realidade social e histórica do país,
identificando as características estruturais e conjunturais da realidade social e as interações
entre elas, a fim de contribuir ativamente para a melhoria da qualidade da vida social,
institucional e individual;
SD 4 –Conhecer e valorizar a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, classe
social, crença, gênero, orientação sexual, etnia e outras características individuais e sociais;
SD 5 –Conhecer e dominar diversas técnicas e procedimentos, inclusive os relativos ao
uso da força, e as tecnologias não-letais para o desempenho da atividade de Segurança
Pública, utilizando-os de acordo com os preceitos legais;
SD 6 - Utilizar diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos
para construir e afirmar conhecimentos sobre a realidade em situações que requerem a
atuação das instituições e dos profissionais de Segurança Pública.

Será na palavra, em especial na palavra escrita, que encontraremos a
ideologia representando o quanto valem seus locutores, sendo capazes de se
mobilizar-se não através e apenas por si só, mas mobilizando toda a sua autoridade
que a Instituição lhe confere.
Na primeira sequência discursiva (SD, 1) que também é o Objetivo Geral da
Matriz Curricular, poderemos observar que apenas quando houver planejamento
“com base na matriz”, é que os profissionais da segurança pública poderão
finalmente sair da “caverna” e encontrar a luz da verdade.
SD 1 – As Ações Formativas de Segurança Pública, planejadas com base na Matriz, têm
como objetivo geral favorecer a compreensão do exercício da atividade de Segurança
Pública como prática da cidadania, da participação profissional, social e política num
Estado Democrático de Direito, estimulando a adoção de atitudes de justiça,
cooperação, respeito à lei, promoção humana e repúdio a qualquer forma de
intolerância.

84

Conforme Bakhtin (2006), todo signo é ideológico, porque reflete e refrata as
relações sociais. Segundo Pêcheux (1995, p. 160), já anteriormente citado,
O sentido das palavras não pertence à própria palavra, não é dado
diretamente em sua relação com a literalidade do significante; ao contrário,
é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo
sócio histórico, no qual as palavras, expressões e proposições são
produzidas.

Com base nessas contribuições de Pêcheux e Bakhtin, tomemos algumas
expressões da SD1.
A Matriz Curricular tem por objetivo favorecer a compreensão do exercício
da atividade de Segurança Pública como prática da cidadania [...]
estimulando a adoção de atitudes de justiça, cooperação, respeito à lei,
promoção humana e repúdio a qualquer forma de intolerância.

Qual o sentido de “Segurança Pública como prática da cidadania” nessa
sequência?
Imaginemos uma situação de greve dos trabalhadores da saúde ou da
educação que, após infrutíferas tentativas de negociação, organizam um ato de
protesto contra o governo, em frente ao palácio. O governo, por sua vez, convoca
um batalhão da Polícia militar para reprimir os trabalhadores, impedindo a realização
do ato. O que caracterizaria uma ação da Segurança Pública como “prática de
cidadania, atitude de justiça, cooperação, promoção humana e repúdio a qualquer
forma de intolerância?”.
Como vimos na citação de Pêcheux, esse enunciado pode expressar sentidos
totalmente antagônicos. Na perspectiva dos trabalhadores, uma ação da SP como
prática de cidadania, atitude de justiça etc. Seria garantir aos trabalhadores a
realização de seu ato. A segurança pública estaria assegurando aos trabalhadores o
exercício de sua cidadania – o direito de lutar por seus direitos. Na perspectiva do
governo, no entanto, o que se espera é que a segurança pública reprima o
movimento grevista, impedindo a realização do ato.

85

O agente de segurança teria “autonomia” para escolher? Teria possibilidade
de julgar quem estaria agindo com “intolerância”, uma vez que lhe cabe “repudiar
qualquer forma de intolerância” ou essa autonomia estaria limitada a ações que o
próprio Estado estabelece como adequadas?
É por aí que podemos perceber a ambiguidade do discurso oficial – fala-se
em autonomia, mas dentro dos limites do que o próprio Estado permite.
Nesse sentido, “agir com autonomia e como prática de cidadania” é agir para
garantir as prerrogativas do mais forte, ou seja, do Estado. É nesse sentido que a
segurança pública deverá agir, para “convencer” mediante o uso da força e não para
fazer justiça aos menos favorecidos socialmente. É por isso que embora a lei
determine que todos são iguais, sabemos que as coisas não funcionam bem assim,
porque a classe dominante sempre rege as práticas sociais e isso, na maioria das
vezes, implica tolerar o intolerável e não tolerar o que deveria ser tolerado.
Retomemos o caput dos objetivos da Matriz Curricular Nacional (2009, p. 08)
Fornece [...] subsídios e instrumentos que possibilitam às Academias e
Centro de Formação a elaboração de caminhos para que o profissional da
área de Segurança Pública possa, de maneira autônoma e responsável,
refletir e agir criticamente em situações complexas e rotineiras de trabalho.

Como podemos inferir, está implícito que, basta implementar os preceitos
pedagógicos contidos na Matriz que tudo será “apaziguado”.Com os objetivos
presentes na Matriz Curricular não é diferente. A mobilização dos sentidos
empregados, levam a crer que seus autores estão com a missão cumprida, pois a
partir desse momento, com a adoção das “ações formativas” propostas, é transferida
a responsabilidade às academias de polícias (Civis, Militares ou Integradas) ou aos
Centros de Formação (Militares) que, ao implementarem tais propostas, terão
“significativa mudança atitudinal em seus Agentes de Segurança.”
As pistas linguísticas assinaladas na SD (01), sugerem que, com a
implementação desta grade curricular, haverá uma mudança na forma de agir dos
profissionais da Segurança Pública, ao se afirmar que as atividades de segurança
pública devem ser vistas como prática da cidadania.

86

E quem é cidadão no Brasil, hoje? Segundo Gentilli apud Cavalcante
(2007, p. 110), é na conjuntura da sociedade global que se reconceitualiza a noção
de cidadania,
Através de uma revalorização do indivíduo enquanto proprietário, enquanto
indivíduo que luta por conquistar (comprar) propriedades-mercadorias de
diversa índole. [...] O modelo de cidadão neoliberal é o cidadão privatizado,
[...] o consumidor.

Logo, são cidadãos aquelas pessoas com condições econômicas, capazes de
se fazer presente na sociedade, sendo útil e consumindo produtos.
Imaginemos uma desocupação de terras invadidas pelo MST. Ora, o
“cidadão-proprietário” recorre ao poder judiciário que lhe concede uma ordem de
reintegração em sua posse, e, consequentemente, a desocupação imediata de suas
terras, que na maioria dos casos, são grandes glebas de terras improdutivas. Se
forem improdutivas, não deveriam possuir uma “destinação social”? Seus ocupantes,
por não terem condições de estar em outro lugar, são menos “cidadãos” que os
proprietários?
Como já dissemos no primeiro capítulo, o Estado brasileiro foi gestado para
proteger a propriedade privada, para atender aos anseios das classes politicamente
dominantes, e, sendo a Segurança Pública, um aparelho de Estado, cabe-lhe a
função de manutenção dos interesses do mesmo.
Ao se afirmar que o planejamento com base nas orientações da Matriz
Curricular “favorece a compreensão das atividades de segurança pública como
prática da cidadania”, deixa-se perceber o implícito de que em suas atividades
cotidianas, basta seguir os preceitos contidos na matriz para que tudo mude, tudo
seja diferente. Ledo engano, pois tais práticas, as práticas de cidadania, somente
atingem a determinado percentual da população, buscando-se semanticamente,
incutir nesses profissionais a mantença do “status quo” social, pois as regras do
mercado, de um mundo cosmopolita, palco da transnacionalização do capital, sem
fronteiras ou quaisquer tipos de barreiras culturais só poderão ser atingidas por
aqueles cidadãos-proprietários.

87

Para nós, fica evidente que o sujeito enunciante fala do lugar da Formação
Ideológica do capital. Suas palavras, convocam outros discursos para com ele
dialogarem e conferir-lhes sua autenticidade. Quando se coloca na matriz curricular
que a “compreensão do exercício da atividade de Segurança Pública”, está
umbilicalmente ligada à “prática da cidadania”, e, na perspectiva do neoliberalismo
ser cidadão é ser proprietário/consumidor, a atividade de Segurança Pública deve
ser de proteção aos interesses desse “cidadão” – proprietário/consumidor
O Agente de Segurança que fora historicamente alijado do seio social, que
trabalha em condições precárias, recebendo um salário indigno deve possuir
atitudes que estimulem a prática da “justiça, cooperação, respeito à lei, promoção
humana e repúdio a qualquer forma de intolerância”, como isso pode acontecer se
ele próprio é injustiçado? O sentido de termos como justiça, cidadania, cooperação
varia de acordo com o lugar social a partir do qual é enunciado. O que é fazer
justiça diante de um pai de família, desempregado que entra em um supermercado
rouba uma cesta básica para alimentar sua família?
Na perspectiva positivista da lei, ele deve pagar pelo “crime” de apropriação
do que não lhe pertence. Na perspectiva do desempregado é injusto deixá-lo passar
fome, junto com sua família, enquanto uma minoria come até passar mal. No
entanto, na perspectiva dos operadores da Lei a atitude “justa” de “respeito à lei” do
agente de segurança, deverá ser a de punir o infrator, para proteger a propriedade
privada. Igual reflexão deve ser feita com relação à “cooperação”. Cooperação com
quem? Com o Estado, com a classe dominante ou com a classe trabalhadora?
Como se pode ser cooperativo numa sociedade competitiva?
Para responder essas questões, recorremos a Cavalcante (2007, p. 127), que
assim se expressa.
Vale à pena lembrar que essa cooperação não é a cooperação de classes,
geradora de conflitos, mas a cooperação justificadora do modo de produção
capitalista, que dissimula/apaga a luta de classes, visando à integração e à
coesão social entre as diferentes classes e grupos, independentemente das
desigualdades existentes, pois, na perspectiva do capitalismo, a
desigualdade é o motor do desenvolvimento individual

88

É nesse sentido que o discurso da cooperação é atualizado pelo
neoliberalismo e introduzido na Matriz Curricular, arregimentando saberes presentes
nas sociedade capitalistas, a fim de manter a estratificação social.
Tanto na sequência discursiva (SD 2), quanto na quarta sequência (SD 4),
poderemos observar que os autores da matriz esforçam para que esta “produção
didático-pedagógica” pudesse alijar quaisquer memórias pretéritas de seus
destinatários.
SD 2 –Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como importante instrumento para
mediar conflitos e tomar decisões;
SD 4 –Conhecer e valorizar a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, classe
social, crença, gênero, orientação sexual, etnia e outras características individuais e sociais;

Em uma sociedade estratificada por classes sociais, onde seu caráter
conflituoso é observado em quaisquer locais (públicos ou privados), a manutenção
de referências ideológicos que neguem ou alijem a tomada de consciência do
indivíduo desse estado, é nodal para manutenir a subserviência que quem está
alienado, impedindo a tomada de consciência e, consequentemente, compreensão
de mundo; pois todo processo discursivo é materialmente inscrito numa relação
ideológica de classes. Isso ocorre porque,
As contradições ideológicas que se desenvolvem através da [...] língua são
constituídas pelas relações contraditórias que mantém, necessariamente,
entre si os “processos discursivos”, na medida em que se inscrevem em
relações ideológicas de classe (PÊCHEUX, 1995, p. 93).

A partir deste momento, todas as matrizes estaduais, de toda a força policial
brasileira encontram-se em descrédito, pois são velhas, decadentes, relegadas ao
ostracismo... Nesse discurso oficial, em sua tessitura, milhares de fios ideológicos
são juntados, para que, de forma quase imperceptível, a malha curricular
governamental ganhe legitimação em detrimento de quaisquer outras, sem que isto
provoque embates, pelo fato de que,
As pessoas falam para serem ouvidas, às vezes para serem respeitadas e
também para exercerem uma influencia no ambiente em que realizam seus
atos [...] O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada
pelo falante [...] Uma variedade linguística vale o que vale na sociedade os
seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles
tem nas relações econômicas e sociais. (GNERRE, 1991, p. 05 - 06).

89

Vejamos o que nos dizem as referidas sequências.

SD 2 –Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como importante instrumento para
mediar conflitos e tomar decisões;
SD 4 –Conhecer e valorizar a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, classe
social, crença, gênero, orientação sexual, etnia e outras características individuais e sociais;

“Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais.” Nessa sequência, a matriz prescreve como deve agir o
agente da segurança pública.
Ora, para nós, isto é uma forma de produção de efeitos de equidade social,
de autonomia homogeneização, unificação. Silencia-se, aqui, todo e qualquer tipo de
desigualdade, de uma sociedade pautada na exploração do homem pelo homem e
que se sustenta pela exploração dos desiguais. Silencia-se também a obediência
hierárquica a que está submetido todo agente de segurança.
A objetividade material da instancia ideológica é caracterizada pela
estrutura de desigualdade-subordinação do “todo complexo com o
dominante” das formações ideológicas de uma dada formação social,
estrutura que não é senão a da contradição da reprodução/transformação
que constitui a luta ideológica de classes (PÊCHEUX, 1995, p. 147).

Vejamos um exemplo.
Assim como todas as profissões possuem seus instrumentos peculiares, os
agentes de segurança pública terão os seus, que a saber são: algema, arma de fogo
e colete de proteção balística.
Uma algema é uma forma de contenção contra possíveis agressões, a si
própria ou a terceiros, a que a polícia recorre toda vez que precisa conduzir alguém
sob sua guarda. Enquanto se conduziam as classes menos abastadas, não havia
problema algum, até que as algemas foram usadas para conduzir pessoas
importantes, da classe dominante - um ex-governador de um estado influente em
nossa economia, um banqueiro e um grande investidor.

90

Imediatamente após esse fato, em 13/ 08/ 2008,o Supremo Tribunal Federal
edita a Súmula Vinculante nº 11.
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio
de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do
preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.

Ora, se o agente deve “Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e
construtiva nas diferentes situações sociais”, não é necessário determinar quando
ele deverá usar algemas e ainda ameaçá-lo de punição: “justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal
do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se
refere”.
Por que essa súmula foi publicada somente após policiais, no exercício de
suas funções, terem algemado pessoas influentes? Com esse ato, fica implícito que
a atitude dos policiais não foi “ética” nem “responsável”. Está implícito também que
na sua posição “crítica, ética e responsável” ele deve “entender” que os índices
avaliativos “responsável e construtiva delimitam as condições em que o
posicionamento “crítico” deverá ocorrer. O que seria, pois, “posicionar-se de maneira
crítica, responsável e construtiva? Segundo Cavalcante (2007,p. 127),
Depende da posição política e social do sujeito que age e de quem julga
esse agir. Na perspectiva da Formação Ideológica capitalista, colocar-se
contrário ao ideário político do mercado é ser irresponsável, e,
consequentemente, não construtor da ‘ordem e do progresso do país.

Assim, as classes abastadas não devem ser tratadas da mesma forma que as
pessoas desprovidas de recursos. Entendemos ser pertinente, aqui, o que dizem
Marx & Engels,( 2006, p. 46).
A moderna sociedade burguesa, surgida das ruinas da sociedade feudal,
não eliminou os antagonismos entre as classes. Apenas estabeleceu novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de lutas em lugar das
antigas.

Também está dito na sequência “2” que o agente de segurança deve utilizarse do “diálogo” como forma principal de “mediação de conflito e tomada de
decisões”, pois “conhece e valoriza a diversidade social brasileira”.

91

Complementando as orientações de ação do agente de segurança, indica-se
o instrumento que o sujeito deverá usar em situações de conflito. Ora, como diz
Cavalcante (2007, p. 127),
O diálogo caracteriza-se por troca, alternância de opiniões entre
interlocutores, enquanto a ação de mediar, significa intermediar, encontrar
um meio termo, fazer acordo, buscar soluções na base do diálogo e nunca
do confronto.

Isso corrobora os trabalhos de Marx e de Engels, que mesmo sendo
delineados a mais de um século, nunca foram tão atuais. Nessa mesma linha de
raciocínio, poderemos citar uma Portaria Interministerial do Ministério da Justiça,
datada de 31/12/2010, que sob a égide de estabelecer diretrizes sobre o uso da
força pelos agentes de segurança pública, assim se posiciona:
Diretriz de nº 08. Todo agente de segurança pública que, em razão da sua
função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar
no mínimo 2 (dois) instrumentos de menor potencial ofensivo e
equipamentos de proteção necessários à atuação específica,
independentemente de portar ou não arma de fogo (grifo nosso).

Conforme dados do instituto SANGARI (WAISELFISZ, 2011) poderemos
perceber que dos doze maiores conflitos armados do século XX, o Brasil sagrou-se
como o possuidor dos maiores índices de homicídios. Nesse mesmo documento,
encontramos na página nº 20 que
Nos 12 maiores conflitos, que representam 81,4% do total de mortes
diretas, nos 4 anos foram vitimadas 169.574 pessoas. Nesses mesmos 4
anos, no total dos 62 conflitos, morrem 208.349 pessoas. No Brasil, país
sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis,
enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, morreram mais pessoas
(192.804) vítimas de homicídio, que nos 12 maiores conflitos armados no
mundo. Mais ainda, esse número de homicídios se encontra bem perto das
mortes no total dos 62 conflitos armados registrados nesse relatório.

92

Tabela 2 – Numero de mortes diretas e taxas em conflitos armados no mundo por
homicídios e armas de fogo no Brasil, entre os anos de 2004, até o ano de
2007.

Fonte: WAISELFISZ, 2011.

O que isso nos mostra?
Que o número de mortes diretas e taxas em conflitos armados no mundo por
homicídios e armas de fogo no Brasil, num período que compreende de 2004 até
2007. A partir desse dado, podemos afirmar que a violência em nosso país é
crônica, sendo uma das missões dos agentes públicos da segurança seu combate.
Mas existem peculiaridades que somente no trabalho policial são encontradas.
Imagine um policial num confronto armado, dentro de um complexo de favelas tais
como as do Rio de Janeiro, onde o confronto bélico possui armas de uso exclusivo/
proibido/ privativo das Forças Armadas58 e que as polícias não possuem.
Um exemplo são as armas de calibre .50 (12,7 x 99) mm em poder de
integrantes de organizações criminosas. Para que o leitor possa ter uma noção
deste poderio bélico, imagine que um disparo de arma neste calibre, atravessa um
carro forte das empresas de transporte de valores, com a mesma facilidade
que você rasgaria uma folha de papel.
58

De acordo com o decreto federal nº 3665 de 2000, mais conhecido como R – 105.

93

É nesse sentido que podemos afirmar cada vez mais, os conflitos inerentes à
luta de classes e os antagonismos sociais que hoje se apresentam no Brasil. De um
lado as elites historicamente postas no comando da máquina pública, servindo-se,
não só dos AIE, mas principalmente dos agentes de segurança inscritos no interior
dos ARE para implementar seu projeto de sociabilidade. É importante constatar a
atualidade das reflexões de Marx & Engels (2006, p.46) quando assim se
expressam,
A nossa época, [...], caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de
classe. A sociedade inteira vai dividindo-se em dois grandes campos
inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia
e proletariado.

Com base no que fora exposto, é assente nas SD 2 e SD 4, a formações
ideológica do capital cujo objetivo é dissimular os conflitos de classe próprios do
capitalismo, pois apesar de aparente “cristalinos” em concepção, tais objetivos
mostram-se atravessados pela formação ideológicas do capital.
Na terceira sequencia discursiva (SD 3) observamos a transferência total da
responsabilidade pelas mudanças sócias que precisam ser implementadas. Hoje,
não mais o governo, mais a força de segurança é quem deve mudar a realidade
social do País.
SD 3 –Perceber-se como agente transformador da realidade social e histórica do país,
identificando as características estruturais e conjunturais da realidade social e as interações
entre elas, a fim de contribuir ativamente para a melhoria da qualidade da vida social,
institucional e individual;

Nossa sociedade, desde a sua colonização pelos portugueses, apresentou
basicamente a miscigenação de três raças: o índio, o negro e o europeu. No norte e
nordeste houve a prevalência de colonização dos negros e indígenas, enquanto que
no sul e sudeste houve a prevalência dos europeus.
Desde o final da ditadura militar e inicio da democracia em nosso país, por
volta do começo da década de oitenta do século passado, com a liberdade de
imprensa, tomamos conhecimento, de forma mais nítida, dos graves contrastes e
disparidades de emprego e renda que assolam o nosso povo, sem contar com a
exacerbada concentração de renda nas mãos de poucos, e na disparidade dos

94

baixos rendimentos que são ofertados para tantos. Mais uma vez, valemo-nos de
Marx e Engels,(2007, p.80)
Cada nova classe estabelece sua dominação sempre sobre uma base mais
extensa do que a da classe que até então dominava, mas, por outro lado, a
contraposição entre a nova classe dominante e a não-dominante se agrava
e se aprofunda cada vez mais.

Todo este quadro, que perdura de nosso descobrimento e vai até os dias
atuais (ou seja, mais de cinco séculos), contribuiu para cada dia, aprofundar as
relações de desigualdades sociais, provocando exponencialmente o aumento no
número de miseráveis que, sem opção, lançavam-se a práticas de crimes, como
única forma de se manter.
Com isto, abriu-se caminho para que as quadrilhas se especializassem,
organizassem, planejassem melhor suas ações, contribuindo para que houvesse
uma escalada sem precedente da violência urbana que fora sensivelmente sentida
desde a última década do século XX. Tudo isto regado à ideologia neoliberal, que
galopantemente aparecia na mídia para informar a população brasileira que o setor
público inchado, sucateado, deteriorado... seria o responsável direto por este
quadro. A solução era propor um “enxugamento da máquina estatal”, de forma que
ela fosse ágil como a iniciativa privada.
Passados quase 30 anos da implementação de tais políticas, o povo ainda
espera pelo milagre, vendido de forma financiada pela iniciativa privada aos
contribuintes, mas ainda não quitado, colocando-se aí, conforme Marx e Engels,
(2007, p.48)
No lugar da exploração mascarada por ilusões políticas e religiosas colocou
a exploração [de forma] aberta, despudorada, direta e árida. A burguesia
rasgou o véu do comovente sentimentalismo que envolvia as relações
familiares e as reduziu a meras relações monetárias

Entretanto, eis que agora vem a lume uma nova esperança.
A força policial, que não é detentora dos meios de produção, não possui
qualquer gerência dos recursos públicos, não pode fomentar políticas de distribuição
da riqueza gerada no país, deve “perceber-se como transformador da realidade

95

social e histórica”, tendo o poder de “contribuir para a melhoria da qualidade de vida
social, institucional e individual”.
Percebe-se aqui, a grande omissão do Estado ao atribuir “o poder de
contribuir para a melhoria da qualidade de vida social, institucional e individual”, aos
agentes de segurança. Assim, fica implícito que se a criminalidade não diminui, é
responsabilidade dos agentes policiais; não do Estado. Retira-se com isso toda
responsabilidade do poder estatal e silencia-se que ele, o Estado neoliberal é o
grande responsável pelo aumento da criminalidade, pelas razões já expostas.
Para Marx e Angels (2007), será a linguagem a forma de se obter o
relacionamento entre os homens, na busca pela necessidade (incompleta) de
intercâmbio entre os de sua espécie, sendo, portanto, um produto social.
A responsabilidade de mudança é deslocada totalmente de seu ator principal,
que é o governo, para um ator secundário, a força policial, que é mais visível é
possível de ser encontrada pela sociedade. É mais fácil falar com um policial, do que
com um chefe do executivo (municipal, estadual ou federal).
Por deter o monopólio das mudanças, será o Estado – e não o policial, pois
não possui ingerência de mando alguma sobre a aplicação das verbas e dos
programas de fomento sociais –, o detentor legítimo do monopólio de ator das
mudanças sociais em nosso País. Isso ocorre porque toda e qualquer mudança
atitudinal em escala nacional, vê-se diretamente subordinada à política e seu
relacionamento com o Estado.
Nisso, fica assente os desígnios de Marx e Engels (2006), quando falam que
o objetivo da classe dominante será o de garantir que o poder permaneça com a
classe politicamente dominante, a fim de perpetuar seu projeto de sociabilidade.
O Estado é a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem
valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade [...] de um
período, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado e
dele adquirem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e,
mais ainda, na vontade.

96

Mas, o que é política, uma vez que ela (de forma mais ágil e direta) seria a
responsável pela imposição ao Estado de agente transformador da realidade social
e histórica do país? Qual sua relação com a segurança pública brasileira?
Podemos compreender a política, conforme (Bobbio, 1998) como sendo o
modo pelo qual se externa, em uma sociedade estratificada por classes sociais, as
relações de poder; onde o poder político primário (Chefe do Executivo) determina as
pautas de conduta que são socialmente aceitáveis e os outros membros desta
sociedade (que estão sob seu jugo), cumprem tais regras, comportando-se da forma
estabelecida pelo seu suserano independente da vontade do vassalo.
A definição do poder como tipo de relação entre sujeitos tem de ser
completada com a definição do poder como posse dos meios (entre os quais
se contam como principais o domínio sobre os outros e sobre a natureza)
que permitem alcançar justamente uma "vantagem qualquer" ou os "efeitos
desejados". O poder político pertence à categoria do poder do homem sobre
outro

homem,

não

à

do

poder

do

homem

sobre

a

natureza

(BOBBIO, 1998, p. 954 – 955).

Esse poder, o poder político que a política detém, será externado através de
sua manifestação no campo econômico, ideológico e coercitivo; a fim de determinar
como o seu detentor (o detentor deste poder político) irá comandar as pautas de
conduta do(s) seu(s) subordinado(s). Vejamos como esta prática se efetiva em cada
um destes campos.
É com o poder econômico, utilizando-se da maquina estatal que em tese
deveria gerir o patrimônio público para o público (para o povo), que o chefe político
do poder politico primário (Governador) deterá a posse dos meios de produção do
Estado, e, com isto, obterá uma enorme fonte de poder, relacionando aquele que o
possui com a grande parcela que não tem condições de tê-lo. Tal pessoa, o chefe do
poder político primário, possuirá, assim, o poder político de determinar as pautas de
conduta de seus subordinados, ou de quem quer que esteja diretamente sob seu
julgo, uma vez que este é detentor dos meios de produção.

97

Em relação ao poder ideológico, este conforme dito no capítulo anterior, será
demonstrado na influencia velada59 que o agente titular do poder político detém e que
será difundida sobre todos os subordinados, de forma a condicionar a prática de
comportamentos, sempre de forma a mascarar seus reais interesses que se
escondem por trás de suas “boas intenções”.
Por fim, temos o poder coercitivo, que segundo Bobbio (1998, p. 956) será “a
posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a força física (as armas de toda
a espécie e potência): é o poder coator no sentido mais estrito da palavra”. A
característica mais marcante deste poder coercitivo, que integra o poder político, é o
monopólio do uso da força, sendo exercido exclusivamente pelo detentor do poder
político primário (Governador).
Entendemos, após tais considerações, que o Estado é um instrumento de
manutenção das classes dominantes, necessitando que para o seu correto exercício,
as formas de poder disponíveis (Econômico, Ideológico e Coercitivo) estejam sob seu
jugo ou fiscalização direta, para reproduzir seu projeto de sociabilidade, mantendo
uma sociedade estratificada em classes díspares, como por exemplo: em relação ao
poder econômico teremos a burguesia e proletariado; em relação ao poder ideológico
teremos o patrão (detentor do conhecimento) e empregado (precisa de conhecimento
para laborar); em relação ao poder político em sentido estrito teremos quem manda
(detentor deste poder) e quem obedece.
Vejamos como a política influencia a segurança pública.
O detentor de cargo eletivo e chefe do poder político primário vinculado ao
Executivo (Governador do estado) designa um representante seu, de sua escolha,
que representa suas ideologias, para comandar o poder político secundário
(Secretarias de Segurança Pública – SSP ou Secretarias de Defesa Social – SDS),
onde seus órgãos imediatamente vinculados Irão praticar todos os atos necessários à
manutenção administrativa do governo, utilizando-se do “poder de polícia” e de seu
“exercício regular”.

59

Ressaltamos que muitas vezes esse influencia não se esconde através de sutilezas ou jogos
semânticos, principalmente quando as ordens devem ser cumpridas de imediato.

98

Como dito no começo dessa temática, por desdobramento da forma
federativa adotada pelo Estado Brasileiro, em suas esferas (Federal, Estadual e
Municipal) de atuação autônomas dentro dos limites constitucionais, nosso País
possui um corpo político, tri particionado em poderes políticos primários exercidos
pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, por poderes políticos secundários, que se
mostram na medida em que a administração pública cria mecanismos administrativos
para a pratica atos em prol da coletividade e por poderes políticos terciários,
encarregados da execução destes atos.
Cada esfera60 possuirá seus poderes políticos primários, secundários e
terciários, tendo precedência hierárquica a Federal sob a Estadual e Municipal, e a
Estadual sob a Municipal. Tanto é que uma Lei Federal (o Código Penal, por
exemplo) é seguida em todo o País, tanto pelos Estados, quanto pelos Municípios. Já
uma Lei Estadual, somente terá validade nos limites do Estado que a promulgou
(como exemplo podemos citar o disciplinamento do ICMS, que varia de estado para
estado) e por fim, temos as Leis Municipais, que servem apenas dentro dos limites do
Município que a criou (por exemplo, as normas de cobrança do IPTU).
Nosso foco é compreender como o poder político primário estadual, ao exercer
seu poder ideológico enquanto mandatário maior do Estado impregna com sua
ideologia a Matriz Curricular da SENASP/MJ, de forma a fazer prevalecer seu projeto
de sociabilidade.
Para ficar mais claro: enquanto os poderes políticos primários são os poderes
do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e somente podem ser exercidos
conforme a constituição determina, os poderes políticos secundários são/ estão
presentes por toda a administração pública, para o controle e fiscalização dos atos
necessários a manutenção do governo, utilizando-se para isto do poder político
terciário.
Nesse sentido, para que um órgão da administração pública integrante do
poder político secundário possa exercer a autonomia e a guarda do interesse tido
como coletivo em toda nossa nação, sobre: bens, pessoas, atividades em prol do
60

Gostaria de frisar que não existe um judiciário municipal, apesar de haver previsão na constituição.
Não existe obstáculos a sua criação, mas por motivo de economia, uma ou algumas das varas da
fazenda pública estadual, viram municipais e absorvem as suas competências, suprindo tal lacuna.

99

Estado, a este é dotado de órgãos de execução (poder político terciário) que lhe são
atribuídos o poder de polícia, para executar as normas legais ou o cumprimento de
meros atos administrativos.
Por incrível que pareça, o poder de polícia, que confere autoridade ao agente
público de restringir a conduta “nociva” do particular frente à coletividade não se
encontra em legislação específica penal ou norma de caráter constitucional.
Ele está no Código Tributário Nacional, que diz:
Artigo 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula
a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à
tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais
ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia
quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável,
com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei
tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. [grifos nosso]
(Lei Federal nº 5.172 de 1966 – CTN)

E por que é que este importante instituto, que a “segurança pública” utiliza-se
diuturnamente em seu labor, está depositado em uma lei que regulamenta a forma
de arrecadação compulsória ou forçada do recolhimento dos tributos(Impostos,
Taxas e Contribuições de Melhoria – Art. 5º do CTN). A resposta é simples: o
Governo (Federal, Estadual ou Municipal), precisa do recolhimento dos impostos
para gerar receita corrente e utilizar-se dela “no melhor proveito” dos interesses
políticos que o mantém no poder.
Para isso, nada melhor do que ter uma “força coatora”, uma situação que
obrigue (quem?) a recolher os tributos e que tal processo seja mais célere que os
outros, para compelir “amigavelmente” (através do diálogo) o contribuinte a contribuir
para a manutenção não só da sociedade, mas também para a sua, enquanto
cidadão que convive em um seio social. Já que se exigia uma regulação, primeiro
vamos legitimar uma cobrança “tributária”, para depois legitimar uma prática de
exercício de dominação sob o julgo da força física, força esta que poderá ser

100

utilizada para compelir o contribuinte no recolhimento dos seus impostos (como
exemplo: leilão dos bens, penhora, avaliação judicial...).
É com base nesse poder de polícia, exercido pelas polícias, que a
administração pública (através do poder político terciário) reprime atividades
contrárias

ao

ordenamento

jurídico

pátrio,

é

que

constituem

crimes

ou

contravenções penais. Tal prática é exercida por órgãos especializados da
administração, buscando a manutenção da “ordem e paz social”.
Cremos que aqui, tanto o projeto de sociabilidade do governo federal, quanto o
projeto de sociabilidade do chefe do executivo estadual, pode coexistir, pois mesmo
diante de determinações a serem cumpridas por todos os membros, emanadas da
União, uma vez que a aplicação acontece com a equipe local/ estadual, poderá ter a
gerência dos projetos ideológicos de sociabilidade em coexistência, mas tendendo ao
Governo estadual.
Assim, mesmo com um plano político pedagógico, mesmo com uma matriz
curricular nacional, as diretrizes finais e a forma como os instrutores conduzirão a
forma como os conteúdos serão transmitidos a seus alunos, poderá sofrer ingerência
direta de toda a cadeia de comando superior, mas principalmente do governador de
Estado, que pode de forma velada infligir seus preceitos dentro das formações
acadêmicas, de forma direta com os professores, ou com os titulares das divisões e
especializações dentro deste poder, escolhendo aqueles que se adequem a ideologia
que o mantém no comando. Tais cargos são, também, de confiança, e passíveis de
exoneração.
Pelo que podemos observar, existe uma relação de conexão entre a ideologia
que detêm o controle político do governo e subserviência dos ocupantes dos cargos
de execução na área de segurança pública com as questões políticas, tendo em vista
que a ideologia política do detentor do poder político primário irá perpassar por todo o
ciclo da segurança pública estadual.
Só que outros atores políticos intervêm de forma indireta, mas com força:
equivalente, assemelha ou aproximada da força do poder político exercido pelo chefe
do executivo. São eles o chefe do poder político primário do legislativo e os

101

integrantes do poder político secundário exercido pela força dos ocupantes de cargo
eletivo estadual (deputados).
Estes, devido à força política que os votos da população lhe legitimam e
devido ao poder de aprovar ou rejeitar propostas enviadas pelo Executivo, além de
poder obstacularizar projetos de interesse mediato do Executivo, possuem poder de
interferir diretamente dando sugestões positivas ou negativas frente às escolhas do
chefe do poder político primário (Governador), ou influindo de forma indireta nas
esferas secundárias (Secretaria de Defesa Social), ou com mais força sob quem irá
comandar o poder político terciário (Polícia Civil, Policia Militar, Corpo de Bombeiros
Militar e Agentes Penitenciários).
É nesse prisma que observamos que os elementos de coerção do estado,
responsáveis pela segurança pública, serão submetidos à ideologia do detentor do
cargo eletivo do poder político primário (chefe do executivo), que interfere nas
práticas políticas vinculadas à segurança pública e à manutenção da “ordem” e da
“segurança da população”.
Ou seja, como diz Marx e Engels (2007, p. 78)
Os indivíduos que formam a classe dominante possuem, entre outras
coisas, também uma consciência e, por conseguinte, pensam; uma vez que
dominam como classe e determinam todo o âmbito de um tempo histórico, é
evidente que o façam em toda a sua amplitude e, como consequência,
também dominem como pensadores, como produtores de ideias, que
controlem a produção e a distribuição das ideias de sua época, e que suas
ideias sejam, por conseguinte, as idéias dominantes de seu tempo.

Em relação às sequências discursiva número cinco (SD 5), e a sexta
sequência (SD 6), observamos a benevolência sem precedentes do Estado. Tudo
encontra-se posto, à disposição do agente de segurança pública, bastando-lhe
apenas utilizá-los.
SD 5 –Conhecer e dominar diversas técnicas e procedimentos, inclusive os relativos ao
uso da força, e as tecnologias não-letais para o desempenho da atividade de Segurança
Pública, utilizando-os de acordo com os preceitos legais;
SD 6 - Utilizar diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos
para construir e afirmar conhecimentos sobre a realidade em situações que requerem a
atuação das instituições e dos profissionais de Segurança Pública.

102

Pelo que está “dito” nas sequências, o Estado cumpre o seu papel,
disponibilizando “técnicas e procedimentos, inclusive os relativos ao uso da força, e
as tecnologias não-letais para o desempenho da atividade de segurança pública,
além das diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos”. Ou
seja, técnicas e táticas, equipamentos, informações, materiais letais e de baixa
letalidade, assim como cursos e recursos encontram-se postos à disposição de
qualquer agente de segurança, basta que ele tenha interesse em utilizá-los.
Com a entrada em vigor da Matriz, quaisquer equipamentos necessários à
atuação policial tais como: fuzil, pistola, carregadores, colete de proteção balística,
capacete balístico, colete tático, algemas, granadas não-letais, viaturas etc., estão á
disposição de quem esteja preparado e queira deles fazer uso.
Se eu cometer falhas por não dominar as técnicas, isso é problema meu, que
não me interessei em aprender ou saí com algo que não sabia mexer, devido ao
meu desinteresse.
Acho interessante neste ponto, falar da teoria do capital humano61, devido ás
similitudes dela com as SD’s. Nesta teoria, defende-se a tese de que quanto maior o
nível de conhecimento do indivíduo, maior será sua qualidade de vida e
remuneração, tendo em vista que quanto mais qualificado o profissional, mais apto
se encontra para sua inserção no mercado de trabalho. Quanto mais capacitado,
mais produtivo, mais remuneração.
Essa é a teoria.
Na prática, esta suposição que é corolário dessas sequencias discursivas (SD
5 e SD 6), silencia, em primeiro lugar, que tal teoria (do capital humano) é feita
totalmente em descompasso com a história do homem, enquanto ser social. Com
isto, o “pequeno detalhe” de que todo o sistema capitalista é baseado em relações
de apropriação desiguais da riqueza produzida, em uma sociedade estratificada em
classes sociais, que gera antagonismos e relações sociais conflituosas, para
manutenção do próprio sistema social. Essa estória de equipamentos velhos,
obsoletos, pesados, ultrapassados é balela, coisa do passado
61

Para maior aprofundamento, sugiro Frigoto, 1996.

103

Em segundo lugar as escalas de serviço dos policias, são extremamente
rígidas. Com uma jornada de trabalho de 12h x 36h, além da possibilidade real de
dobrar o turno, qual o tempo que esses profissionais terão livre para desfrute
próprio, da família e de capacitação? Todo o seu tempo, quando não para o
descanso, subserve aos interesses do capital que busca a todo custo, sob a falácia
da falta de recursos, explorar o homem cada vez mais.
Sei que estarei repetindo o que já fora dito alhures. Entretanto, nessa SD, é
assente que a insatisfação dos policiais pois estão com equipamentos velhos,
obsoletos, pesados, ultrapassados é pura balela, coisa do passado, estória da
carochinha.
Outra situação que é silenciada, nesta busca pela autodeterminação
consciente, é com relação aos EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual)
utilizados de forma coletiva pelos profissionais de segurança pública. Uma primeira
curiosidade é que salvo as especializadas de elite (TIGRE, BOPE, RP ...) não existe
equipamento em quantidade suficiente para todos. Segunda, é que alguns
equipamentos de porte (como armas, algemas e coletes) deveriam ser de uso
individual e não coletivo.
Imagine uma arma de um atirador de elite, clicado (ajustado) especificamente
para sua compleição física. Poderia outra pessoa utilizar? A doutrina afirma que não,
mas na prática...
Outro dado pertinente que parece ter sido silenciado, é que todos os
equipamentos de uso coletivo, além dos individuais devem contemplar as diferenças
não só de gênero, mas de compleição física. Como se pode dominar a técnica, sem
equipamentos?. Ou melhor, como se preparar adequadamente para a segurança
pública de cada dia, se não lhe é ofertado de forma regular cursos de defesa
pessoal ou técnicas de condução e abordagens?

104

Silencia-se também que “não existe equipamentos e cursos para todos”, além
de que se eu me capacitar, não terei meu salário aumentado. Mas, mesmo assim, é
imprescindível fomentar a busca pela qualificação do capital humano da segurança
pública, visto que são eles quem protegem o “status quo” das classe sociais,
controlando os espaços que outrora foram delimitados.
Tabela 3 – Número e taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil nos 30 últimos anos: de
1980 até o ano de 2010

Fonte: WAISELFISZ, 2011.

Tudo isso foi gerando os índices de violência que hoje são sentidos pela
sociedade. Conforme nos mostra o gráfico abaixo do instituto SANGARI
(WAISELFISZ, 2011, p.26), que aponta para o vertiginoso aumento da violência
desde a década de oitenta do século passado, até o décimo ano deste século.
Orlandi em seu livro sobre as formas do silencio no movimento do sentidos
(1997), nos mostra que o silenciar também produz efeitos, na tessitura das
condições de produção que são postas.

105

Nessas sequências discursivas, fica implícito que o agente de segurança que
não se capacitou para melhor prestar um serviço à sociedade e, por conseguinte,
não domina as técnicas para o correto funcionamento dos equipamentos que estão
a sua disposição é o culpado pelo seu despreparo. Acontece que tal quadro, além
de contrastar com a realidade brasileira, e com a proposta neoliberal de
enxugamento da máquina estatal, silencia uma questão que os gestores fazem
questão de ocultar: a segurança pública é multifacetada. Não se combate a
criminalidade apenas com repressão, mas, acima de tudo, com repartição igualitária
das riquezas socialmente produzidas, e oportunidades iguais para todos os cidadãos
do país.
Entretanto, essa perspectiva é diametralmente oposta ao projeto de
acumulação de riqueza e poder das classes hegemônicas, que politicamente
dominam a feitura do projeto de sociabilidade do estado.

3.3

A ideologia da matriz curricular

O maior mérito da AD é ir além da relação estanque da língua, pensando-a
não como algo pronto, algo acabado, mas como um lugar de construção e
reconstrução, uma arena de significações.
Nessa arena, como já foi dito, o discurso é visto como práxis social, em que o
sujeito interage, identificando-se/desidentificando-se com posições ideológicas tendo
em vista manter ou provocar rupturas nas relações sociais, externando sua posição
frente aos antagonismos que uma sociedade estratificada em classes sociais
díspares propõe.
A Matriz Curricular da SENASP/MJ surge num momento de tensão vivido pelo
nosso País, em relação a um problema que ele próprio cria, quando decide, a partir
da década de 90, adotar os princípios neoliberais como orientação políticoeconômica, privatizando estatais, cortando gastos com saúde educação e segurança
e suprimindo direitos conquistados pelos trabalhadores. Como já dissemos
anteriormente, é nessa conjuntura, de desmantelamento dos direitos sociais e dos
trabalhadores, além da precarização e expurgo de empresas estatais para o capital

106

internacional, que a violência no Brasil agudiza-se e mostra a sua face mais
perniciosa - uma grande massa de pessoas, principalmente jovens que residem nos
bairros periféricos, sem estudo, sem qualificação para o mercado, sem quaisquer
perspectivas de futuro, busca nas drogas e no crime organizado o único meio para
poder retirar o seu sustento e de sua família.
Por outro lado, a concorrência decorrente do Modo de Produção Capitalista,
fomenta no trabalhador a necessidade de consumo, alijando-o de questões de
cunho sociais, de preocupações com os produtos da natureza e de sua manutenção.
O ser humano contemporâneo, gestado em uma sociedade estratificada por classes
sociais, busca apenas sobreviver, usufruir agora sem pensar no amanhã.
Nesse quadro de violência crescente, proliferam os discursos de combate á
violência mediante o combate a seus efeitos, sem, nem de longe, atacar suas
causas. Dentre esses discursos ganha peso o que atribui como causa da ineficiência
do combate à violência, o despreparo dos policiais. Assim, além das medidas de
ampliação das forças policiais, do aumento do número de presídios, criam-se cursos
de formação de Agentes de segurança. Para orientar esses cursos, cria-se a Matriz
Curricular Nacional. Seus objetivos, como acabamos de analisar, resultam
totalmente inócuos, uma vez que não estabelecem finalidades exequíveis, pois não
levam em consideração a realidade objetiva do Estado (e do país.), caracterizado
por um modo de produção capitalista extremante desigual na distribuição de renda,
com instituições públicas que a toda hora são palco de denuncias de abuso e
escândalos de desvio62 de verbas públicas, nepotismo (de forma pura ou cruzada) e
da troca de empregos públicos em virtude dos interesses políticos.
Vejamos como isto ideologicamente está significado.
Outro caso desta formação ideológica diz respeito à prestação do serviço de
segurança pública por seus atores: Qual carga semântica o termo polícia, policial
traz em seu bojo?
62

Neste ponto, fiz questão de apresentar como a mídia significa, para tentar desvelar este
contrassenso. Ora, o que é um desvio de verbas públicas, outra coisa senão um ROUBO. Mas
semanticamente, a palavra roubo movimenta sentidos de filiação que não são interessantes, não
condizem com o status social de quem pratica este delito, pois são pessoas influentes, e que de
imediato contratam firmas/ escritórios de advocacia para representar-lhes.

107

No Brasil, as formas de policiamento e de “fazer a segurança pública” são
totalmente subservientes aos ditames da classe politica dominante em todas as suas
esferas. Conforme o art. 144 da Constituição Federal de 1988, possuímos
atualmente 04 diferentes órgãos encarregados da segurança pública. São eles:
Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e Forças Federais (Policia
Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal), onde ao governo
Federal compete o mando político da escolha de toda a cadeia de comando das
Forças

Federais,

podendo

“ad

nutum”,

reorganizar

de

acordo

com

o

comprometimento ideológico dos gestores toda a sua configuração institucional,
para “melhorar sua operacionalização”; Forças Estaduais (Policia Civil, Policia
Militar, Corpo de Bombeiros Militar e os Agentes Penitenciários63), onde ao governo
Estadual compete o mando político da escolha de toda a cadeia de comando das
Forças de segurança Estadual, podendo “ad nutum”, reorganizar de acordo com o
comprometimento ideológico dos gestores toda a sua configuração institucional,
para “melhorar sua operacionalização”; e, por fim, temos a Força Municipal (Guarda
Municipal), onde ao governo Municipal compete o mando político da escolha de toda
a cadeia de comando da Força Pública Municipal, podendo “ad nutum”, reorganizar
de acordo com o comprometimento ideológico dos gestores toda a sua configuração
institucional, para “melhorar sua operacionalização”. Apesar de cada uma delas
possuir atribuições e papeis definidos e distintos, subordinam-se ao poder politico.
Conforme demonstrado no primeiro capítulo, a polícia em nosso país, possui
uma conotação depreciativa, herança principalmente de nossos últimos cinquenta
anos, onde a denominação polícia é imbricada pela sinonímia de “esquadrão da
morte”, violadora de direitos e garantias”, “assassinos armados e uniformizados”,
“polícia do estado”, “truculenta”, “associação criminosa”, entre tantos e tantos outros
termos.
As formações ideológicas representadas pelas práticas sociais, no interior das
disputas antagônicas entre as classes políticas que se alternaram no poder nestes
últimos cinquenta anos, implementaram na memória discursiva da população que
existe uma similitude entre as palavras: “esquadrão da morte”, violadora de direitos e
63

Apesar dos agentes penitenciários não estarem no rol do Art. 144 da Constituição Federal, é
interessante fazer menção aos mesmos.

108

garantias”, “assassinos armados e uniformizados”, “polícia do estado”, “truculenta”,
“associação criminosa”, entre tantos e tantos outros termos depreciativos com os
atores responsáveis pela segurança pública no Brasil.
Mas estas formações ideológicas, onde os meios de transmissão de
informações, sejam: impressas, televisivas, radiofônicas e digitais propagam e dão
fatos que sustentam o dizer, serão corolário de uma ideologia alienante da própria
população que é instigada a revoltar-se contra aqueles que “a vigiam”. Estas
formações ideológicas que atribuem todo o problema da segurança pública aos seus
atores/atrizes, camufla os conflitos de classe que são gritantes em nossa sociedade,
procurando passar a falaciosa ideia em que vivemos num “mundo” sem contradições
de classe, tão pouco de contradições sócias e de distribuição da renda produzida.
Com isto, busca-se passar à falsa ideia de que com esta matriz, os problemas
relativos à segurança pública serão resolvidos, pois a culpa e do próprio policial que
não se qualificava direito, mas “agora vai ser diferente”.

Não se fala que a cada

dia há recrudescimento64 das “democracias capitalistas” sob o Welfare States65
conquistados com muito suor e sangue pelo proletariado, além do acirramento das
questões sociais, um desemprego galopante que transforma os desempregados
num

“exército

de

mão

de

obra

sobressalente”

e

sem

perspectivas

de

empregabilidade apontam para uma série de crises cíclicas cada vez mais presentes
no cotidiano; crises estas socorridas com o dinheiro público, que de público não se
sabe bem o que é!
Em Meszáros encontraremos a solução para a questão atinente a elaboração
de uma Matriz Única em “segurança pública”, que se propusesse a “educar para
além do capital”, rompendo com sua lógica perversa.
Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas auto
servidoras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente
ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa. Do mesmo
modo, procurar margens de reforma sistemática no próprio enquadramento
do sistema capitalista é uma contradição em termos. É por isso que é
64

Como exemplo podemos citar o “pacote de austeridades” que os países europeus estão
implementando na tentativa de que a União Europeia não entre em crise. Em especial por países
como a Grécia, França e Portugal.
65

Estado de bem -estar social.

109

necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a
criação de uma alternativa educacional significativamente diferente
(2007, p. 25)

É preciso que se vença esta lógica perniciosa de formar, pois somente assim
teremos um quadro diferenciado, pois é ilógico uma solução dentro das bases do
próprio sistema capitalista ou dentro de uma tentativa vã de reformulação do próprio
sistema, que é irreformável.
A alternativa será uma mudança profunda no sistema político e econômico
vigente, perpassando por uma mudança na própria estrutura da sociedade.
Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é
inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual
as práticas educacionais da sociedade devem realizar as suas vitais e
historicamente importantes funções de mudança. Mas para além do acordo
sobre este simples facto os caminhos dividem-se severamente. Pois, caso
um determinado modo de reprodução da sociedade seja ele próprio tido
como garantido, como o necessário quadro de intercâmbio social, nesse
caso apenas são admitidos alguns ajustamentos menores em todos os
domínios em nome da reforma, incluindo o da educação. As mudanças sob
tais limitações conjecturais e apriorísticas são admissíveis apenas com o
único e legitimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem
estabelecida, de forma a manter-se as determinações estruturais
fundamentais da sociedade como um todo intactas, em conformidade com
as exigências inalteráveis de um sistema reprodutivo na sua totalidade
lógico (MESZÁROS, 2007, p. 27).

Para Meszáros, as crises enfrentadas, não só as que assolam o mercado
financeiro, são a confirmação de que existe um impasse na economia global,
impasse este que reside no próprio estágio do desenvolvimento capitalista.
Tentando amenizar e manter este modelo hegemônico de sociedade, governos e
órgãos transnacionais injetam fortunas no sistema financeiro local (com conexões ou
repercussões mundiais), demonstrando um engodo que urge ser desvelado. Prova
disso, é a própria economia que apenas espera a passagem da próxima
“marolinha66” para recomeçar seu ciclo pernicioso.
Felizmente, os trabalhos de K. Marx, G. Lukács e I. Meszáros demonstram
que cada vez mais, as tensões dentro do próprio capital, que em sua tessitura é
irrefreável, endêmica, crônica e permanente; chamam toda a sociedade a pagar a
conta das perdas contabilizadas pelos grandes investidores, pela perda de dinheiro

66

Este termo foi utilizado pelo governo LULA durante a crise que assolou o mundo, em especial a
economia norte americana, no período compreendido entre 2007 a 2009.

110

da classe dominante e detentora dos modos de produção e reprodução da vida em
sociedade.
Esta crise nada tem de nova, pelo contrário, surge dos antagonismos
desenvolvidos pelo próprio capital pra que se mantenha como forma de
sociabilidade presente e projeto de governança dos mais abastados, além de, é
claro, proposta uníssona de rejeição ao socialismo e suas ideias de “excomungar
das elites a propriedade dos meios de produção e reprodução social”, não tratando
de questões como a degradação/ destruição ambiental e o desemprego crônico, que
são as manifestações mais claras de que o projeto de sociabilidade vigente precisa
ser modificado.
É plausível falarmos de cidadania, ou melhor, é plausível falarmos em
“segurança pública com cidadania”, em uma sociedade “democrática”, que legitima e
defende a prática de uma cultura de assujeitamento intelectivo, que acha correto a
exploração do homem pelo próprio homem?
Cremos que não.
Acreditamos que demonstramos como a ideologia presente nas formações
ideológicas alicerçadas nos Objetivos construcionais da matriz, não possui um
caráter neutro, um caráter apartidário, ou apolítico, mostrando-se como um
instrumento de manutenção impregnado pelas formações ideológicas representadas
nas formações discursivas materializadas nos discursos.
E que melhor maneira de propagar seu projeto de hegemonia da classe
dominante, que não incutir no ARE, as pautas de condutas, os modos de agir de se
comportar nas situações que exijam repressão uniforme da polícia, tratando de
forma díspar e com leis díspares as camadas sociais67.

67

Burguesia e Proletariado são tratados de forma diferente pelos ARE (Polícias) em quase todas as
situações. O melhor exemplo disto, fora a sumula vinculante nº 11 do STF, que proíbe o uso de
algemas, caso o infrator da lei não ofereça perigo. Isso pode até servir para a classe mais abastada,
“mas a classe menos favorecida continua sendo algemada”.

111

O que temos por observar são Silenciamentos atravessando as palavras
cristalizadoras dos Objetivos, indicando que em certas situações o sentido pode ser
outro, ou que uma situação deveras importante foi silenciada.
Assim, quando dizemos que há silencio nas palavras estamos dizendo que:
elas são atravessadas de silêncio, elas produzem silêncio, o silencio fala
por elas, elas silenciam. As palavras são cheias de sentido a não se dizer e,
além disso, colocamos o silêncio em muitas delas. (ORLANDI, 1997, p. 14).

Procurando assim, entender como o não dito produz efeitos, vemos silenciar
questões nodais do tipo: se para o Ministério Público e a Magistratura é assegurado
direito à inamovibilidade administrativa, alijando qualquer transferência dos seus
membros para os locais mais longínquos dos Estados, por que para os policias não
se tem tal garantia?
Se as polícias são uns dos tripés do sistema de manutenção da ordem em
sociedade, de forma a repelir os crimes e investigar sua autoria e materialidade, por
que seus vencimentos não são um percentual dos ministros do Supremo Tribunal
Federal como na Magistratura e no Ministério Público, e seus valores não são
nacionais,

ou

seja,

em

todos

os

estados

paga-se

o

mesmo

valor,

como nas carreiras típicas de Estado?
É preciso repensar as relações entre os agentes de segurança e sua parca
vencimentalidade e escalas extenuantes, que os obrigam no tempo de folga a
procurar uma outra atividade como seguranças em lojas, bares, restaurantes,
cartórios, boates, condomínios...
Por que não se valoriza o profissional de segurança pública, de forma que
este veja a premente necessidade de cada vez mais, buscar qualificação? Na atual
situação, frente às condições postas, estes profissionais são obrigados a fazerem
escolhas, que podem obrigá-los a utilizarem-se de seu tempo livre para capacitar-se
e poderem ser promovidos, ou, na maioria dos casos, fazem de forma ilegal bicos68
com o intento de complementarem suas parcas remunerações, correndo o risco não
só de perderem a vida, mas seus sacerdócios/ empregos aos quais dedicam sua
existência diuturnamente, não importando ora do dia ou da noite.

68

Empregos Ilegais, desprovidos de quaisquer garantias trabalhistas ou previdenciárias!

112

CONCLUSÃO
A AD possui um campo específico de estudos/ atuação: o discurso. E o
discurso não se resume a língua ou a fala. Ele é práxis humana, sendo esta
entendida como prática de sociabilidade entre os seus falantes, que carrega a
ideologia as quais estão filiados seus sujeitos, refletindo e refratando os processos
históricos de articulação das suas relações sociais.
O signo segurança pública, durante o percurso constitucional, demonstrou ser
uma conquista que historicamente está atrelada às classes que detêm o poder,
podendo elas (a classe dominante), manobrar os agentes de segurança para que
possam perpetuar seu projeto de sociabilidade. Sua condição de produção e
inserção no texto constitucional mostrou-se como uma ferramenta de opressão que
as classes mais abastadas possuíram desde a colonização de nosso país, para
manter os trabalhadores sobre seu julgo.
Em nosso país, devido à escolha pelo direito positivado (escrito), o discurso
escrito possui a característica de mobilizar e pautar as condutas socialmente
aceitáveis não só pela ideologia e mobilização da autoridade do seu elaborador, mas
pelo seu aspecto coercitivo, impositivo, que aplica penas ao seus “infratores”.
Foi por tal motivação que escolhemos a AD e seus pressupostos teóricos –
metodológicos para que pudéssemos analisar as sequencias discursivas e/ou as
marcas linguísticas que se fazem presentes nos objetivos gerais de prática
pedagógica da matriz curricular, para que pudéssemos trazer a luz seus
embricamentos não só com outros discursos que foram produzidos, mas de que
forma suas ideologias possibilitam uma nova significação do signo segurança.
O sujeito discursivo que nos apresenta a matriz (secretário de segurança
pública – que obedece às determinações do presidente da república) não só fala,
mas mobiliza toda a sua autoridade e poder, que são sentidas nas relações não só
sociais, mas econômicas.

113

Um bom exemplo fora a não obrigatoriedade de adesão à matriz, que ficou
“ao livre arbítrio” dos chefes do executivo estadual e do distrito federal de cada
unidade federativa. Só que nesse discurso, que reflete e refrata as relações de
dominação e subserviência entre os falantes (relações de cultura, política, social e,
nesse caso principalmente, econômicas), fora ligeiramente velado que a não adoção
dessa matriz acarretaria o não repasse de verbas do governo federal.
Nesse momento, a personificação dessa autoridade materializa-se nos
objetivos de prática pedagógica da matriz, propiciando que: a segurança pública seja
vista como uma prática de cidadania, promovendo de forma indistinta a cidadania
(SD 01); posicionar-se de forma crítica e ética, valendo-se do diálogo para mediar
conflitos e tomar decisões, além de valorizar a diversidade brasileira, coibindo
quaisquer discriminações (SD 02 e SD 04); transformar a realidade sócio histórica de
nosso país, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida da sociedade (SD 03)
e, por fim, dominar as técnicas e táticas para o uso da força, além de saber utilizar
todo e qualquer recurso tecnológico que lhe for ofertado (SD 05 e SD 06). Tudo isso,
deverá ocorrer somente se se todas as ações pedagógicas se basearem única e
exclusivamente nessa matriz, caso contrário não acontecerão.
Com isso, observamos as relações de mando e subserviência presentes
nesse documento pedagógico, que faz um liame entre o enunciante e seus
destinatários.
Mas esse documento pedagógico também apresenta mudanças/ quebra de
paradigmas, que seus enunciadores apresentam como solução para o decréscimo
nos elevados índices de homicídios vivenciados no Brasil. A implantação dessa
matriz curricular, na perspectiva dos discursos ora analisados, mostraram que a
formação do profissional com base nesse documento, é que assegurará uma
mudança no paradigma da segurança brasileira.
Acontece que essa formação/qualificação do profissional da segurança
pública, está atrelada a teoria do capital humano, que exige uma constante
qualificação de cunho diversificado e continuado, que somente trará retorno na
quase totalidade dos estados, “apenas” ganhando conhecimento.

114

Ora, na perspectiva da classe dominante, o que realmente se almeja é a total
precarização do trabalho em segurança pública, pois com escalas extremamente
apertadas, o policial precisa se utilizar de seu tempo livre e não remunerado para
qualificação.
E esse não é um dado novo. É uma marca que historicamente surge com o
surgimento da força de segurança pública, e acentua-se com a adoção de políticas
neoliberais pelo governo brasileiro na década de 1990, que lança mão de uma
política de desmantelamento Estatal com a abertura do mercado para concorrência,
a planificação da economia, venda das empresas públicas, sucateamento da
máquina estatal, privatizações...
O objetivo será tornar a máquina estatal mais célere, ágil e moderna. Só que
para isso, torna-se necessário que sejam privatizadas as empresas estatais
brasileiras, pois elas são um óbice ao desenvolvimento estatal. Com isso, o
investimento em segurança pública, além de uma política salarial compatível com a
complexidade dos problemas enfrentados pelos policiais, é relegada a segundo
plano.
Nossa análise acerca do signo segurança pública presente na matriz
curricular, e das sequencias discursivas que norteiam nosso “corpus” que foi a
análise dos objetivos presentes nesse documento, nos indicam que ao se criar uma
matriz curricular unificada na segurança pública, o Estado, enquanto agente
perpetuador dos ideais burgueses da classe dominante, aplica em seus agentes da
segurança pública a difusão de uma pedagogia hegemônica, limitando a classe
policial ao conformismo ou ostracismo69, ditando o que será o ideal, as idéias e as
práticas que devem perpassar na sua aprendizagem.
A “pedagogia da hegemonia”, portanto, proposta por esta Matriz Curricular
Unificada, é uma forma ideológica e maniqueísta, que visa unicamente impedir o
nível de conscientização política e organizacional das classes subalternas
(trabalhadores) de alcançarem consciência do direito que possuem na participação
69

Ostracismo é o banimento, isolamento ou exclusão a que se submete um membro de determinada
sociedade, por ter “práticas ideológicas” diferentes das praticadas pelo grupo dominante. Pode ser
considerada, também, como uma atitude de desprezo ou indiferença a indivíduos que não se
encaixam nos moldes determinados pela sociedade local.

115

da condução do estado, podendo gerir o processo legislativo (elaboração das leis) e
administrativo (administração pública), alcançando, com isto, o “status” de classe
social dominante sob os grupos que disto não se conscientizaram, passando a ser o
grupo social subordinado.
Parece-nos que tais objetivos só fomentam a reprodução das relações
ideológicas de concepção não só de mundo, mas da defesa dos interesses das
classes que politicamente encontraram-se/ encontram-se no poder político.
Conforme observamos no primeiro capítulo, a segurança pública não ficara para traz
nesse processo, acompanhando “pari passo” as classes dominantes e garantindo a
sua tranquilidade. Neste sentido, aos meios de educação, de instrução deste
“contingente de vigias”, teve sua educação voltada a manutenir as classes
dominantes, respondendo de forma automática aos seus anseios e legitimação de
sua reprodução, enquanto “braço armado estatal”.
Ora, é no currículo acadêmico que encontramos o que pode ou o que não
pode ser “ensinado”, o que pode ou não ser “aprendido”. Nesse sentido, a Matriz da
SENASP/MJ A cria um “sistema educacional único” com o fito de sedimentar o
conteúdo a ser ministrado para os profissionais da Segurança Pública em nosso
País, onde ficará assente “a expressão de princípios e metas do projeto” educativo
balizado por esta matriz.
Através dos processos educativos, onde uma Matriz Curricular serve de baliza
aos conteúdos a serem ministrados, o “campus” educativo tem um duplo viés, que
ora subserve aos anseios da classe politicamente dominante em busca da
manutenção de sua hegemonia sob a “vassalagem”, mas que por outro lado ela
pode, também, integrar uma “política anti hegemônica”, de transformação dessa
política educacional “secular”, contribuindo para uma resistência, para uma cisão
com esta prática nefasta, trilhando para a superação deste
O estado Brasileiro foi cenário de diversos embates entre classes, onde a
arena das lutas sociais travou-se principalmente no campo político, marcado pelo
desejo dos “vassalos” de “um mundo melhor”, que espantasse o fantasma pernicioso
do capitalismo, de sua acumulação sem limites que destrói os sonhos de nosso
povo; sob os aplausos de quem avilta e a achincalha os direitos civis, políticos e

116

econômicos de todos o povo brasileiro, mas em especial dos profissionais da
segurança pública.
Nossa pesquisa nos mostrou que o projeto de sociabilidade burguesa, no
lastro da história constitucional chega vitorioso ao século XXI, pois grande parte da
população brasileira aceita as relações de dominação e subserviência impostas pela
classe dominante, como a única forma plausível de convivência social frente às crises
cíclicas por que passa o capital.
Os profissionais da segurança pública devem, a partir da toma de sua real
consciência e papel na sociedade, demonstrarem sua insubmissão aos ditames da
classe dominante e as ingerências do capitalismo na economia, representando a
única esperança de estabelecimento de uma pedagogia de contra hegemonia.
Nas últimas décadas, os índices de empobrecimento, deterioração social e as
consequentes transformações da burguesia que transmuta a forma como a
sociedade deve cada vez mais compreender a vida e o mundo em que se vive em
especial no Brasil e na Ameríndia, tem relação direta com a precarização do trabalho
em segurança pública, o desmonte no seu investimento escolar e, com isto a
perpetuação, a expansão do projeto de sociabilidade burguês; que arregimente para
seu fronte dos profissionais de segurança pública com funções gratificadas e cargos
de confiança, onde seus detentores, por serem “agraciados” com este presente,
subservem aos ditames das praticas hegemônicas.
Todo o discurso que o outro fazia em detrimento do capital, agora jaz
silenciado, por uma “complementação necessária a sua parca remuneração,
condição indispensável à mantença de sua prole”.

117

É preciso uma maior mobilidade, articulando as práticas docentes e os
integrantes da segurança pública para que se consiga uma consciência coletiva da
população, com o fito de combater o projeto burguês de sociabilidade, para que
através da prática de uma pedagogia contra hegemônica, de uma tomada de
consciência política, objetivando o aumento, melhoria e aquisição de direitos civis,
políticos, sociais e culturais pelos policiais, combatendo a estrutura perniciosa que
produz e reproduz o modo de produção capitalista calcado na exploração do “homem
pelo homem”. Com isso, nasce a necessidade de agir e intervir na sociedade, de
forma consciente e racional.
Esperamos com esse trabalho, ter contribuído para que os profissionais da
segurança pública tenham acesso a um material crítico, um material diferente dos
oficiais, sobre uma matriz curricular que lhes fora imposta e, a partir desse referencial
teórico, possam tomar consciência de seu papel na sociedade de forma a quebrar a
lógica do capital, atuando como atores da história brasileira, e não como meros
coadjuvantes.

118

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