Lidiane Evangelista Lira
Título da dissertação: FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO REPORTADO: criação de textos em histórias em quadrinhos de alunos de uma turma do 2° ano do Ensino Fundamental
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS-UFAL
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
LIDIANE EVANGELISTA LIRA
FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO REPORTADO: criação de textos em
histórias em quadrinhos de alunos de uma turma do 2° ano do Ensino Fundamental
MACEIÓ
2011
1
LIDIANE EVANGELISTA LIRA
FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO REPORTADO: criação de textos em
histórias em quadrinhos de alunos de uma turma do 2° ano do Ensino Fundamental
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação Brasileira da Universidade Federal de
Alagoas, como requisito para a obtenção do título de
mestre em Educação Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Calil de Oliveira
MACEIÓ
2011
2
3
4
À Clésia, minha mãe,
por me ensinar a persistir.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Eduardo Calil, que me acolheu no início do mestrado e muito
contribuiu para minha formação, ensinando-me a ser uma pesquisadora; com orientações
sempre claras e honestas.
A minha família e, em especial, aos meus pais, Clésia e Hilton, por acreditarem no meu
potencial e, mesmo distantes, estarem presentes.
Ao Cássio, esposo dedicado, por sempre trazer a palavra certa no momento oportuno e ser
realmente um companheiro na vida e na pesquisa.
A minha irmã Kamila, por me escutar sempre; e aos meus sobrinhos queridos, por tornarem
minha vida mais doce e feliz.
À professora Gigi, eterna professora, que ainda nos tempos do Ensino Médio me levou a optar
definitivamente pela área da Educação.
À professora Drª Socorro Aguiar, que, mesmo sem dizer, sempre mostrou acreditar em mim;
por seu carinho, atenção e ajuda, sempre instantânea.
À Lígya e Eudes, pela parceria e amizade concedida.
À amiga Eliz, que vive a Academia com verdadeira dedicação, e de quem sou fã.
Aos colegas do grupo de pesquisa Escritura, Texto & Criação: Janayna Paula, Kall ane,
Roberta, Adriana, Roseane, Cynthya, Frázio, Dênis Dikson, Karine e Joaceri (in memória).
Aos colegas de trabalho, Ana Claúdia, Thathyana Angélica, Eliene Estácio, Eliane Correia,
em especial Aline Ferreira que, além de colega de pesquisa e de trabalho, tenho o privilégio
de ter como amiga.
Aos amigos queridos - de perto e de longe - Regina, Jéssica, Flávia, Lidiane Barbosa, Edna,
Elias, Enéas, Fernando, Rafael Barros, Natália, Veridiane, Dú e Anete, a minha eterna
gratidão. Enfim, a todos que estiveram ao meu lado, incentivando, apoiando e vibrando
comigo, durante toda a trajetória dessa conquista.
Aos professores, Dr. Ernesto Bertoldo e Dr. Hélson Sobrinho, pelas contribuições e sugestões
dadas a este trabalho.
6
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela contribuição e o incentivo
dado, em especial, às professoras Adna e Ana Gama. À professora Cristina Fellipeto, pelas
observações valiosas, dadas nos seminários do grupo de pesquisa.
À escola municipal Cícero Dué da Silva, sobretudo, à coordenadora Jucicleide Gomes, à vicediretora Graceane Mendes e à professora Patrícia Fernanda, por cederem espaço para a
realização deste trabalho; e às crianças que, sem saber - como e por que -, participaram desta
pesquisa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de
Amparo a Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), pelo apoio financeiro.
A Deus, por possibilitar tudo.
7
RESUMO
A importância do discurso reportado (DR) tem sido destacada por autores como Maingueneau
(1996), Rosier (2008), Cunha (2008a, 2008b) que, apesar de bases teórico-metodológicas
distintas, destacam, dentre outros aspectos, a complexidade de suas formas de representação.
Considerando que os elementos imagéticos e linguísticos que compõem o sistema semiótico
específico das histórias em quadrinhos favorecem a entrada da criança no mundo da escrita e
pode contribuir para o processo de alfabetização (RAMA et al, 2004), nossa questão parte dos
trabalhos de Calil (2008b) e Calil e Del Ré (2009), sobre processos de criação textual de
alunos recém-alfabetizados e pretende mapear as formas de representação do DR, que
emergem em manuscritos escolares de alunos de um 2º ano, de uma escola municipal
(Maceió). O corpus foi composto por 132 manuscritos elaborados, a partir de 12 propostas de
produção de texto. Estas propostas ofereciam aos alunos, agrupados em díades, uma história
em quadrinhos da Turma da Mônica, de uma ou duas páginas, nas quais foram apagadas
digitalmente todas as marcas linguísticas. A cada proposta era solicitado aos alunos que
inventassem o texto que julgassem necessário, para acompanhar a sequência de imagens.
Nossa descrição identificou quadrinhos com DR, quadrinhos sem DR e quadrinhos que
continham planos enunciativos híbridos. As ocorrências registradas apresentam tipos distintos
de enunciados, entretanto, esta identificação traz como questão o modo como os alunos se
apropriam do gênero histórias em quadrinhos, não sendo evidentes suas propriedades
linguísticas. De um lado, os manuscritos apresentam a construção de enunciados que se
referem à descrição da imagem, sem conectá-la, nem com o DR, nem com as características
do gênero. De outro, na medida em que o gênero passa a ser efetivamente e sistematicamente
trabalhado em sala de aula, esta forma cede espaço para construções com DR e, em particular,
para aquelas em que há falas diretas dos personagens. Pudemos mostrar que, na medida em
que os alunos se apropriam do gênero eleito, a interpretação descritiva das imagens passou a
ser sustentada pela estrutura do DD, isto é, passou a ter como ponto de apoio uma
interpretação das possíveis falas dos personagens, contudo, as formas de apropriação que
emergem nos manuscritos revelam uma natural instabilidade e inconstância, na organização
textual destes manuscritos.
Palavras-chave: História em quadrinho. Discurso Reportado. Manuscritos escolares. Formas
de apropriação.
8
RESUMÉ
L'importance du discours rapporté (DR) a été mis en évidence par des auteurs comme
Maingueneau (1996), Rosier (2008), Cunha (2008a, 2008b) que, malgré de base théorique et
méthodologique distinctes, soulignent, entre autres aspects, la complexité de leurs formes de
représentation. Considérant que les éléments linguistiques et imagé qui constituent le système
sémiotique spécifique de la bande dessinée peut faciliter l'entrée des enfants dans le monde de
l'écrit et peuvent contribuer au processus d'apprentissage, (RAMA et al, 2004), notre question
part du travail des Calil (2008b) et Calil et Del Ré (2009) sur les processus de création des
élèves à l'école primaire et avoir l’ intencion de faire mapper les formes de représentation du
DR qui émergent dans les manuscrits les élèves à partir d'une cours élémentaire - 2e année dans une école de une ville (Macéio). Le corpus était composé de 132 manuscrits écrite
s’appuie sur 12 propositions de production de texte. Ces propositions offraient aux étudiants,
groupés par paires, une bande dessinée da « Turma da Mônica » de une ou deux pages, où ils
ont été effacé numériquement toutes les traces linguistiques. Chaque proposition les
étudiantes a été sollicité à inventer le texte qu'ils jugent nécessaires pour accompagner la
séquence des images. Notre description a identifié la vignette avec DR, vignette sans DR et
vignette avec les plan hybrides énonciative. Les événements registrées présentent types
distincts de énoncés, cette identification, cependant, apporte la question de savoir comment
les élèves s'approprient le genre bande dessinée, il n'est pas évident de leurs propriétés
linguistiques. D'une part, les manuscrits de montrer la construction des énoncés qui font
référence à la description de l'image sans le connecter ni avec le DR ni les caractéristiques du
genre. D'autre part, dans la mesure où le genre est effectivement et systématiquement travaillé
dans la salle de classe, cette forme donne l'espace pour les bâtiments avec DR et, en
particulier, ceux où il y a le discours direct des personnages. Nous avons montré que, dans la
mesure où les élèves s'approprient du genre choisi, l'interprétation descriptive des images est
passé à être soutenue par la structure du DD, c'est à dire, a maintenant l'appui d'une
interprétation possible des discours des personnages, mais les formes de manifestation qui
émergent dans les manuscrits ont montré une instabilité naturelle et l'inconstance dans
l'organisation textuelle de ces manuscrits.
Mots-clés: Comics. Le discours rapporté. Manuscrits scolaires. Les formes de manifestation.
9
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1- Recorte do manual didático Texto e Interação ...........................................
28
Figura 2- Caderno de Histórias: (3° e 4° manuscrito de Nara) .................................
46
Figura 3- Caderno de Histórias: (51° manuscrito de Nara) ........................................ 47
Figura 4- Onomatopeia: fenômeno recorrente na escritura .......................................
49
Figura 5- Um caso de onomatopeia visual na história inventada ............................... 50
Figura 6- Balão-fala ........................................................................................................
54
Figura 7- Balão-pensamento ..........................................................................................
54
Figura 8- Balão-mudo ..................................................................................................... 53
Figura 9- Balão-tracejado .............................................................................................
53
Figura 10- Balão-especial ...............................................................................................
53
Figura 11- Inexistência de balão .................................................................................... 56
Figura 12- The Yellow Kid ............................................................................................. 61
Figura 13-DR nos quadrinhos da Walt Disney.............................................................
62
Figura 14- DR nos quadrinhos da Walt Disney............................................................
62
Figura 15-Presença do narrador ...................................................................................
64
Figura 16- Presença do narrador na revista Tex .........................................................
63
Figura 17-DR em Maus ..................................................................................................
66
Figura 18- DR em Maus .................................................................................................
67
Figura 19- Flash-back do narrador personagem .........................................................
68
Figura 20- Quadrinhos sem balão ................................................................................
69
Figura 21 – Revista Cebolinha Plano Infalível ............................................................. 70
Figura 22 –Narrador onisciente na Turma da Mônica ...............................................
71
Figura 23 - DI na HQ da Turma da Mônica.................................................................
72
Figura 24 - Onomatopeias na Turma da Mônica ........................................................ 73
Figura 25 - Quadro que ressalta as características de Chico Bento .......................... 74
Figura 26 – Rivalidade entre Mônica e Cebolinha ......................................................
75
Figura 27 - Rivalidade entre Mônica e Cebolinha ......................................................
75
Figura 28 - Quadro que ressalta as características de Magali .................................... 76
Figura 29 - Quadro que ressalta as características de Magali .................................... 76
Figura 30- Quadro que ressalta as características de Cascão ....................................
77
10
Figura 31 -1ª proposta de produção de texto ................................................................ 81
Figura 32- Tirinha modificada ......................................................................................
82
Figura 33- Recorte da proposta original_002 ............................................................... 90
Figura 34- Recorte da proposta original_001 .............................................................. 91
Figura 35- Recorte do manuscrito_002 de Maria Clarice e Ana B. _Proposta_002.. 91
Figura 36- Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_Proposta_001 ......... 93
Figura 37- Recorte da proposta original_001 ............................................................... 94
Figura 38- Recorte do manuscrito_002 de Keloany e Joyce_Proposta_002 .............. 94
Figura 39 - Recorte do manuscrito_006 de Nilton e Lucas Cena_Proposta_006 ...... 95
Figura 40- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003 ................
96
Figura 41 - Recorte do manuscrito_001 de Ana Paula e Daniela_Proposta 001 ....... 96
Figura 42- Recorte do manuscrito_001 de Gian e Ana Beatriz_Proposta_001 ......... 97
Figura 43- Recorte do manuscrito_002 de Joyce e Keloany_Proposta_002 .............. 98
Figura 44- Recorte do manuscrito_001 de Maria Clarice e Nilton_Proposta_001 ... 98
Figura 45- Recorte do manuscrito_001 de Gian e Ana Beatriz_Proposta_001 ......... 99
Figura 46- Recorte do manuscrito_002 de Fellipe e Lisly_Proposta_002 .................. 100
Figura 47 - Recorte do manuscrito_002 de Fellipe e Lisly_Proposta_002 ................. 101
Figura 48 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_Proposta_001 ............... 101
Figura 49 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_Proposta_001 ............... 102
Figura 50 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_Proposta_001 ............... 103
Figura 51- Recorte do manuscrito_001 de Lisly e Fellipe_Proposta_001 .................
103
Figura 52- Recorte do manuscrito_003 de Fellipe_Proposta_003 .............................. 105
Figura 53: Recorte proposta original_003 .................................................................... 105
Figura 54 - Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003 ................
106
Figura 55- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003 .................
106
Figura 56- Recorte do manuscrito_004 de Ana Paula e Daniela_Proposta_004 ....... 107
Figura 57- Recorte do manuscrito_004 de João Matheus e João L._Proposta_004..
107
Figura 58- Recorte do manuscrito_006 de Nilton e Lucas_Proposta_006 ................. 109
Figura 59- Recorte do manuscrito_002 de Maria Clarice e Ana B. _Proposta_002.. 110
Figura 60: Recorte da proposta original_002 ............................................................... 110
Figura 61- Recorte proposta original_002 .................................................................... 111
Figura 62- Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_Prop_001 ...............
112
Figura 63- Recorte do manuscrito_001 de Lisly e Joyce_Proposta_001 .................... 113
11
Figura 64- Recorte do manuscrito_003 de Lisly e Joyce_Proposta_003 ................... 113
Figura 65- Recorte do manuscrito_003 de Joyce e Lisly_Proposta_001 .................... 114
Figura 66- Recorte do manuscrito_005 de Lucas Nobre e Verônica .........................
116
Figura 67- Recorte da proposta original_005 ............................................................... 117
Figura 68- Recorte do manuscrito_006 de Fellipe e Deyse_Proposta_006 ................
117
Figura 69- Recorte do manuscrito_003 de Juan_proposta_003 .................................
119
Figura 70- Recorte do manuscrito_004 de José Eduardo e Douglas_Proposta_004.
119
Figura 71- Recorte do manuscrito_007 de Fellipe e Maria Clarice_Proposta_007 ..
121
Figura 72- Recorte do manuscrito_007 de Juan e Jakswel_Proposta_007 ................ 121
Figura 73- Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_proposta_001 ......... 121
Figura 74- Recorte do manuscrito_002 de Joyce e Keloany_Proposta_002 .............. 122
Figura 75- Recorte do manuscrito_006 de Gian e José Lima _Proposta_006 ..........
123
Figura 77- Recorte do manuscrito_006 de José e Gian_Proposta_006 ..................... 124
Figura 78- Recorte do manuscrito_003 de João Lucas A. _Proposta _003 ...............
125
Figura 79- Recorte do manuscrito_003 de João Lucas A . _Proposta _003 ..............
124
Figura 80- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003..................
126
Figura 81- Recorte do manuscrito_008 de Sara e Milena_Proposta_008 .................. 127
Figura 82- Recorte do manuscrito_002 de Juan e Jakswel_Proposta_002 ................ 127
Figura 83- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003 .................
128
Figura 84- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003 .................
130
Figura 85- Recorte do manuscrito_003 de Juan_Proposta_003 .................................
133
Figura 86- Recorte do manuscrito_001 de Douglas e José Lima_Proposta_001 ......
134
Figura 87- Recorte do manuscrito_001 de Douglas e José Lima_Proposta_001.......
136
Figura 88- Recorte do manuscrito_003 de José Lima_Proposta_003 ........................ 136
Figura 89- Recorte do manuscrito_004 de José Lima e Isley _Proposta_004 ...........
137
Figura 90- Recorte do manuscrito_005 de José Lima e Gian _Proposta_005 ........... 138
Figura 91- Manuscrito_006 de José Lima e Isley _Proposta_006 ..............................
139
Figura 92- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley _Proposta_006 ...........
140
Figura 93- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley _Proposta_006 ...........
141
Figura 94- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley _Proposta_006 ...........
141
Figura 95- Recorte do manuscrito_003 de Fellipe_proposta_003 ..............................
142
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Verbos nos manuscritos ............................................................................
115
Gráfico 2- Quantidade de DD nas 12 propostas ........................................................
131
Gráfico 3- Quantidade de DD na proposta_003 .......................................................
132
Gráfico 4- Quadrinhos sem DR ..................................................................................
146
Gráfico 5- Quadrinhos com DR ..................................................................................
147
Gráfico 6- Quadrinhos com planos enunciativos híbridos .......................................
148
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15
1 DISCURSO REPORTADO ........................................................................................
18
1.1Discurso Reportado: algumas pontuações ............................................................... 19
1.1.1 DR em gramáticas normativas ...............................................................................
20
1.1.1.1 Discurso Direto (DD) ............................................................................................ 21
1.1.1.2 Discurso Indireto (DI) ........................................................................................... 22
1.1.1.3 Discurso Indireto Livre (DIL) ............................................................................... 25
1.1. 2 DR em Gramáticas de textos ..................................................................................
26
1.1. 3 DR em manuais didáticos .......................................................................................
27
1.1.4 DR em dicionários especializados ..........................................................................
30
1. 2 O DR na perspectiva linguística .............................................................................
34
2 REPORTAR O DISCURSO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ..................
42
2.1Cruzamento de estruturas: o que fica no caminho ................................................. 42
2.1.1 Fenômenos de recorrência de elementos discursivos dos gibis em histórias
Inventadas .......................................................................................................................
45
2.1.1.2 Uma c(l)ara onomatopeia: um caso de discurso reportado ................................... 49
2.2 O Discurso reportado e a linguagem correspondente as histórias em
quadrinhos ...................................................................................................................... 52
2.2.1 Forma linguística do DD na HQ ..............................................................................
57
2.3 Particularidades do DR entre as Histórias em quadrinhos ..................................
60
2.4 O discurso nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica ............................ 70
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ............................................................................
79
3.1 Um projeto didático: “Gibi na sala”........................................................................
80
3. 2 A coleta ...................................................................................................................... 84
3.2.1 A escola e os sujeitos envolvidos: a professora e a turma ......................................
84
3.3 Aplicação do projeto ................................................................................................ 85
3.4 Organização do material ..........................................................................................
86
3. 4. 1 Critérios de organização ........................................................................................
87
14
4 CRIAÇÃO DE TEXTOS: FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO
REPORTADO NA HISTÓRIA EM QUADRINHO NOS MANUSCRITOS ...........
89
4.1 Quadrinhos sem DR ................................................................................................. 92
4.1.1 Plano enunciativo sem DR ...................................................................................... 93
4.1.1.1 Ação direta no tempo presente .............................................................................. 93
4.1.1.2 Ação direta no pretérito ........................................................................................
95
4.1.1.3 Ação sequenciada no pretérito .............................................................................. 97
4.1.1.4 Ação sequenciada no presente .............................................................................
99
4.1.1.5 Ação direta no presente + ação direta no pretérito ...............................................
100
4.1.1.6 De “títulos” ..........................................................................................................
102
4.1.1.7 De “objetos” .......................................................................................................... 103
4.2 Quadrinhos com DR .................................................................................................
104
4.2.1 Verbo dicendi + plano enunciativo com DI ............................................................. 104
4.2.2 Plano enunciativo com DD+incisa ..........................................................................
106
4.2.3 DD + verbo dicendi .................................................................................................
107
4.2.4 Plano enunciativo com DR narrativizado ................................................................
108
4.2.4.1 no tempo presente e no tempo pretérito perfeito ..................................................
109
4.2.4.2 Plano enunciativo DR narrativizado sequenciado ................................................
112
4.2.4.3 Ocorrência dos verbos dicendi e sentiendi ...........................................................
114
4.2.4.4 Plano enunciativo com DD ...................................................................................
116
4.3 Quadrinhos com planos enunciativos híbridos ......................................................
122
4.3.1 Plano enunciativo sem DR e fala de personagens ...................................................
122
4.3.2 DR narrativizado e DD do personagem ...................................................................
124
4.3.3 Dicendi + DD+ Plano sem DR ...............................................................................
124
4.3.4 DD+ dicendi+ DD .................................................................................................... 126
4.3.5 de “títulos” ...............................................................................................................
126
4.3.6 de “objetos” .............................................................................................................. 127
4.4 Articulação entre os planos .....................................................................................
128
4.4.1 Os manuscritos (escritos) de José Lima e Gian .......................................................
134
4.5 Pontos de tensão do discurso reportado .................................................................
142
4.6 Representação do levantamento de categorias ....................................................... 145
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ..................................................................................
152
15
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 156
ANEXOS .......................................................................................................................... 161
ANEXO A- CRONOGRAMA DE LEITURA (BAÚ DA LEITURA) .......................
162
ANEXO B- GIBITECA ..................................................................................................
164
ANEXO C- MANUSCRITOS 3ª proposta....................................................................
167
ANEXO D- 4ª proposta ..................................................................................................
168
ANEXO E- 5ª proposta .................................................................................................. 169
ANEXO F – PARECER COMITÊ DE ÉTICA ...........................................................
170
16
INTRODUÇÃO
Recentemente, as histórias em quadrinhos (HQ) passaram a ocupar um lugar
privilegiado no ensino de língua materna, sobretudo nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
sendo preconizadas, tanto por estudiosos dedicados a analisar as características deste gênero
textual1 (RAMOS; VERGUEIRO, 2009), quanto pelos documentos curriculares oficiais,
como os “Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCN (BRASIL, 1997); o “Programa Nacional
Biblioteca na Escola” – PNBE (BRASIL, 2008); e os programas de formação continuada para
professores2.
Um dos argumentos principais para o uso deste gênero na sala de aula está
concentrado em seu caráter lúdico, produzido pela sequência de imagens, pelos temas e
personagens associados ao texto. A associação entre texto e imagem é um dos elementos que
poderia funcionar como recurso auxiliar para construção do sentido das histórias narradas. Ou
seja, a ênfase sobre esse caráter justificaria seu uso em sala de aula, considerando que as
imagens poderiam favorecer a “leitura” da história e auxiliar a interpretação do texto pelo
aluno. Talvez seja por essa razão que a maior parte da literatura dedicada a analisar a relação
entre a história em quadrinho e ensino – Ramos e Vergueiro (2009), Rama et al (2004) restrinja-se à leitura (estratégias, competências e habilidades) e raramente tratem de seus
processos de escritura.
Certamente, os estudos que contemplam o uso da HQ no ensino focalizam, sobretudo,
a gradativa inserção do gênero na sala de aula e apresentam reflexões que apontam caminhos
e práticas a serem trabalhados no ambiente escolar. Sua importância no ambiente escolar se
1
Dada a multiplicidade de sentidos que a palavra “gênero” tem na literatura especializada brasileira, tomamos a
noção no sentido amplo, isto é, consideraremos que as características e propriedades semelhantes de um
determinado tipo de texto (imagens sequenciadas, onomatopeias, interjeições, falas de personagens envolvidos
por balão) possam ser reunidas e identificadas em um único conjunto de textos. Neste sentido, entendemos que o
gênero HQ pode envolver desde a Turma da Mônica de Maurício de Souza, ou o ”Menino Maluquinho” de
Ziraldo até os Mangás japoneses. Apesar desta ressalva, estamos cientes que o problema do gênero envolvendo
estes textos não está, em hipótese alguma, resolvido. Deixamos, portanto, esta discussão para os estudiosos desta
tão complexa noção.
2
Dentre eles, podemos citar: o “Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA (BRASIL,
2001), “Programa de Apoio a Leitura e Escrita” - PRALER (BRASIL, 2007), “Programa de Formação
Continuada para Professores Alfabetizadores”- Pró-Letramento (BRASIL, 2007) e “Programa Gestão da
Aprendizagem Escolar” - GESTAR I e II (BRASIL, 2007, 2008).
17
deve ao fato de oferecer diversas possibilidades de aplicações no universo escolar, em todos
os seus níveis. (RAMOS; VERGUEIRO, 2009)3.
Nesse sentido, nosso interesse volta-se para o uso de histórias em quadrinhos como
recurso didático para o processo de escritura de alunos recém-alfabetizados. Este trabalho está
inserido em uma investigação, de âmbito maior, intitulada: “Alteridade e Singularidade em
Processos de Escritura e Manuscritos de alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental”
(ASPEMA), financiado pelo CNPq e coordenado pelo professor e pesquisador Eduardo Calil,
na qual um dos objetivos é investigar o movimento de autoria, em manuscritos escolares de
alunos do 2º ano, ao inventarem o texto que compõe uma história em quadrinho.
A atual proposta de investigação pretende desenvolver estudos relacionados à questão
da subjetividade, alteridade e singularidade, buscando analisar manuscritos e processos de
escritura em histórias em quadrinhos, envolvendo: a) relação imagem/texto, b) emergência de
elementos linguísticos que produzam efeitos humorísticos (onomatopeias e metáforas
visuais); c) formas de manifestação do discurso reportado e relações com as características
dos personagens4.
É importante especificar que nossa pesquisa está vinculada ao grupo de pesquisa
Escritura, Texto & Criação (ET&C), e parte dos trabalhos de Calil (2004, 2008b), sobre o
processo de criação em manuscritos escolares, de alunos recém-alfabetizados. O pesquisador
juntamente com outros pesquisadores, a partir destes manuscritos, analisa os modos de
relação que se estabelecem entre a língua, o aluno e o texto, no processo de escritura.
Considerando que há poucas pesquisas que focalizem o DR na produção de texto, o
trabalho que segue visa a descrever o modo como os alunos representam o discurso reportado
nas histórias em quadrinhos, tomando este gênero como suporte didático para propostas de
produção e criação de textos.
Para tanto, foi necessário explicitar o conceito de discurso reportado e obter a
compreensão do que este elemento linguístico discursivo proporciona. O 1° capítulo,
3
Esses autores são conhecidos por valorizar o aspecto lúdico das HQ e configurá-lo como prática
interdisciplinar.
4
Nesse projeto, além desta pesquisa – referenciado por nós -, há quatro estudos que focalizam elementos
linguísticos específicos da história em quadrinho. Apontamos os estudos já concluídos: “O verbal e não-verbal
em histórias em quadrinhos e manuscritos escolares criados por alunos do 2º ano do ensino fundamental”,
(FERREIRA, 2010); e 2) “POFE” “arrarara”: formas de representações onomatopeicas em manuscritos
escolares, de histórias em quadrinhos produzidas por alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, (SANTOS,
2010). Dando continuidade ao desenvolvimento da pesquisa, há dois trabalhos, ainda em desenvolvimento,
relacionados ao processo de criação. São eles: “Articulações entre Imagem e Texto em Histórias em Quadrinhos:
análise do processo de escritura em ato de dois alunos do 2º Ano do Ensino Fundamental” por Dennys Dikson
Marcelino da Silva e “Discurso reportado em histórias em quadrinhos “inventadas”: análise em processos de
escritura em ato de alunos do 2º ano do ensino fundamental” por Kall Anne Sheyla Amorim Braga.
18
estruturado em blocos que buscam delimitar o olhar do ponto de vista gramatical e
enunciativo, revelou uma dimensão muito mais complexa do que o simples ato de citar o
discurso outrem. A perspectiva da Enunciação tornou-se mais coerente, haja vista, que a
heterogeneidade enunciativa, marcada nas diversas formas de instituir o discurso de outro,
coloca em destaque a subjetividade, isto é, o movimento que é inerente ao ato não só de
enunciar, como o de criar o enunciado outrem.
Para dar prosseguimento ao que é proposto, buscamos enfatizar - no 2° capítulo alguns poucos estudos que analisam o processo de aquisição em narrativas. Nossa pesquisa
procurou articular os trabalhos de Perroni (1992), Calil (2008a) e Calil e Del Ré (2009), com
a manifestação do DR. Enfatizamos, especificamente, a pesquisa desenvolvida por Calil
(2008a) e Calil e Del Ré (2009), destacando como este elemento linguístico discursivo,
presente na história em quadrinho, interfere nas histórias inventadas das alunas recémalfabetizadas. Ainda neste segmento, evidenciamos as características do DR presentes em
diferentes histórias em quadrinhos, cujo destaque maior, volta-se para as histórias em
quadrinhos de Maurício de Sousa.
Por ser um importante editorial dirigido ao público infantil, tomamos os gibis da
Turma da Mônica como ponto de partida, oportunizando a uma turma do 2° ano do Ensino
Fundamental, a imersão no gênero HQ, a partir de um projeto didático, a saber, “Gibi na
sala”. A aplicação do projeto que subsidiou a coleta dos dados é desenvolvida no 3° capítulo,
bem como, a organização, desde a elaboração das propostas de produção de texto, aos
critérios de identificação do elemento linguístico, apresentados a partir dos dados.
Partindo do pressuposto de que os elementos imagéticos e linguísticos que compõem o
sistema semiótico específico das HQ trazem, de fato, uma complexa articulação, cuja
apropriação pelos alunos não é evidente, nem imediata, dedicamos este estudo à análise de
“manuscritos escolares5” (CALIL, 2008b), produzidos por alunos recém-alfabetizados. Neste
material de estudo, concentraremos nossa análise sobre o DR, especificamente, no discurso
direto, característica linguístico-discursiva fortemente presente nesse gênero, e descreveremos
o modo, como alunos recém-alfabetizados constroem as falas dos personagens, isto é, quais
são as estruturas linguístico-discursivas que as caracterizam.
5
Segundo Calil (2008b) manuscrito escolar é compreendido como produto de um processo escritural mobilizado
por uma demanda escolar, possui um caráter científico documental, histórico e cultural, que pode ajudar a
entender os enigmáticos processos de criação, em histórias inventadas. Voltaremos a este tópico adiante.
19
1 DISCURSO REPORTADO
A insolência atingiu o médico como uma bofetada. [...] Depois, como se acabasse
de descobrir algo que estivesse obrigado a saber desde muito antes, murmurou triste,
É desta massa que nós somos feitos, metade da indiferença e metade de ruindade. Ia
perguntar, duvidoso, E agora, quando compreendeu que tinha estado a perder tempo,
que a única forma de fazer chegar a informação aonde convinha, por via segura,
seria falar com o diretor clínico do seu próprio serviço hospitalar, de médico para
médico, sem burocratas pelo meio, ele que se encarregasse depois de pôr a maldita
engrenagem oficial a funcionar. A mulher fez a ligação, sabia de memória o número
do telefone do hospital. O médico identificou-se quando responderam, depois disse
rapidamente, Bem, muito obrigado, sem dúvida a telefonista perguntara, Como está,
senhor doutor, é o que dizemos quando não queremos dar parte de fraco, dissemos,
Bem, e estávamos a morrer, a isto chama o vulgo fazer das tripas coração, fenômeno
de conversão visceral que só na espécie humana tem sido observado6. (José
Saramago).
Com o propósito de compreender o tratamento dado ao recurso linguístico, que é
nomeado, pelos estudiosos do tema - “discurso reportado” -, reservamos este capítulo para
delimitar a concepção das distintas instâncias enunciativas, focalizando a estrutura sintática
do discurso reportado, ou seja, a constituição formal do enunciado, apresentada por
gramáticas normativas, textuais e dicionários técnicos e especializados. Para tanto, recorremos
às obras de Bechara (1999), Cunha e Cintra (2007), Sacconi (1990), Sarmento (2005),
Campedelli e Sousa (2005), aos dicionários científicos de Charaudeau e Maingueneau (2004),
Reis (1988), Dubois (2006) e Flores et al (2009).
Neste capítulo, levantaremos a discussão de gramáticas, cujo enfoque em diferentes
gêneros possibilita a compreensão de como certos elementos linguísticos, em específico o
DR, configura-se, no texto (CEREJA; MAGALHÃES, 2005), (ERNANI; NICOLA, 2005) e
(FIORIN; PLATÃO, 1996). Nossa discussão contempla, ainda, a perspectiva de alguns
poucos linguistas, (MAINGUENEAU, 1996, 1989, 2002), (CUNHA, 2001, 2008a, 2008b),
que contribuem para a definição conceitual desse elemento linguístico. Nosso intuito é
assegurar um mínimo de unidade, no que diz respeito o uso do DR. Antes disso, realizaremos
uma breve discussão acerca da função atribuída ao discurso reportado.
6
Fragmento do livro: “Ensaio sobre a cegueira”. (SARAMAGO, 1995).
20
1.1 Discurso Reportado: algumas pontuações
Reportar um discurso no sentido literal do termo significa: referir, relatar, citar,
reproduzir ou atribuir. A diversidade de significados conferidos à função de reportar um
discurso leva-nos a supor que há certa fluidez na terminologia. Na literatura brasileira, poucos
trabalhos estudam propriamente a noção do discurso reportado, comumente, encontramos
nomenclaturas como discurso citado, (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004; CUNHA,
2008a; MAINGUENEAU, 1996), discurso relatado (MAINGUENEAU, 2002), discurso
reproduzido (SCHMIDT, 1976 apud CUNHA, 2008b) ou atribuído (PRINCE, 1978). Dentre
esses autores, apenas Cunha (2008b) refere-se ao emprego da terminologia discurso
reportado.
Rosier, professora de Linguística da Universidade Livre de Bruxelas, ao analisar
questões gramaticais do discurso reportado na imprensa, já havia apontado para a fragilidade
da terminologia. As oscilações enfatizadas na obra de Rosier (2008), como discurso
deportado, discurso importado e discurso deslocado, pretendem “levar em conta a oposição
entre a existência real de um discurso originalmente relatado e destacar a cena de ficção de
uma suposta fala” (ROSIER, 2008, p. 4, tradução nossa)7.
Para a pesquisadora, reportar significa não só citar e reproduzir integralmente um
segmento dito ou escrito, mas também, resumir, reafirmar, interpretar ou mesmo evocar um
discurso (ROSIER, 2008). A aparente indefinição terminológica do fenômeno é
especialmente interessante, porque se estende às suas variadas formas de enunciação. As
variadas formas do discurso reportado (DR), como veremos, é parte constitutiva, que
caracteriza a complexidade dos fatores enunciativos.
O termo de origem inglesa: reported speech designa uma série de sinônimos do verbo
reportar. Reproduzir, atribuir, representar e interpretar, segundo Rosier, possuem associação
com o termo reportado. Neste trabalho, optamos por utilizar a expressão do termo
“reportado”.
O discurso reportado (DR) caracteriza-se pelo tratamento dado ao discurso do outro,
isto é, quando em uma narração (relato, história, ou descrição de um acontecimento), o
narrador, entendido em sentido amplo, denota em seu enunciado um “arranjo sintático, que
permite transpor, para uma forma e um contexto monológico, uma ocorrência original de
7
No original: rendre compte de l’opposition entre l’existence effective d’une parole initiale rapportéé et la mise
em scène fictive d’une parolle supposée. (Rosier, 2008, p. 4).
21
fundo dialógico, de modo a produzir-se uma coerência textual capaz de acomodar, dentro de
um discurso, um outro discurso, sem ruptura do fluxo enunciativo”. (PAGOTTI, 2008, p. 35).
Este estudioso defende que o discurso reportado pode significar, desde a repetição literal de
um enunciado, até a simples manifestação intencional de literalidade, em relação a esse
enunciado. A intencionalidade empregada indica que o discurso reportado não corresponde a
uma forma sintática fixa, mas a esquemas de retomada do discurso de outrem.
Partindo deste pressuposto, podemos relacionar que os contos de fadas, fábulas,
lendas, romances - compreendidos como narrativas canônicas -, são constituídas por meio do
discurso reportado, utilizado como recurso estruturador, em que o narrador toma por objeto
outro ato de enunciação, cuja modalidade complexa depende do modo de narrar um discurso,
já enunciado por outro (personagem). Ou seja, o narrador pode instaurar diferentes modos de
enunciação conhecidos como o “discurso direto” (DD), o “discurso indireto” (DI) e o
“discurso indireto livre” (DIL). Assim posto, parece algo trivial, mas, consideramos pertinente
questionar como tais formas se manifestam em uma produção de texto, mais propriamente,
em uma história em quadrinho inventada8.
Nesse sentido, tencionamos compreender o aspecto normativo do DR evidenciado
pelas gramáticas e destacar o que diz a literatura especializada sobre esse elemento
linguístico, observando, de que forma o DR se constitui, nas histórias em quadrinhos da
Turma da Mônica – gênero proposto nesta pesquisa para leitura e produção de texto junto às
crianças recém-alfabetizadas.
1.1.1
DR em gramáticas normativas
Antes de colocar em discussão o que dizem as gramáticas sobre o DR, é importante
mencionar a dificuldade dos gramáticos em nomear as estruturas do DR. Em Cunha e Cintra
(2007), os autores associam o discurso direto, indireto e indireto livre a moldes linguísticos,
enquanto Bechara (1999) utiliza o termo “normas textuais”, para referir ao enunciado de
outro.
8
A história em quadrinho inventada, de que falamos, refere-se à imagem de uma sequência narrativa préestabelecida, na qual a dupla irá criar o texto que poderia acompanhar a imagem. Nesse contexto, nomeamos a
produção de texto, cujo suporte é a imagem de história em quadrinho inventada.
22
1.1.1.1 Discurso Direto (DD)
Conforme a “Nova Gramática do Português Contemporâneo” de Cunha e Cintra
(2007), o discurso direto é uma forma de reprodução do discurso de outro, em que o narrador
dispõe de recursos suprassegmentais e tipográficos, para reproduzir a fala do personagem9.
As características indicadas pelo discurso direto (DD) apontam dois planos distintos:o
formal e o expressivo. No plano formal, o enunciado em discurso direto é marcado pela
presença de verbos dicendi (verbos de dizer, de declaração) como “dizer”, “falar”,
“ponderar”, “afirmar”, “sugerir”, “perguntar”, “indagar” e muitos outros ainda, como
“cantar”, “escrever”, “sussurrar”, “objetar”, “chorar” etc. Estes verbos, seguidos de recursos
tipográficos como “dois pontos”, “travessão”, “aspas”, “mudança de linha”, reportam o
enunciado de outro10. Contudo, nem sempre os verbos introdutores do DD estão manifestos
no texto, e, quando ausentes, o “contexto” e os recursos tipográficos como: “dois pontos”,
“travessão”, “aspas”, “mudança de linha” são fundamentais marcadores desta forma de
discurso reportado. Vejamos um dos exemplos dados por Cunha e Cintra (2007, p. 651).
O amigo abraçou-o. E logo recuou com certo espanto:
___ o seu chapéu, Zé Maria?
___ Ah , não uso mais!...
___ Felizardo!
Notem que, ao mencionar o discurso dos personagens, o narrador não utiliza o verbo
dicendi, a situação enunciativa é descrita, e a fala dos personagens é evidenciada, através da
alternância de interlocutores. Essas alterações são marcadas pela mudança de linha e pelo
travessão, como indicador de fala, ou seja, é o contexto que irá delimitar a quem pertence o
discurso. Cunha e Cintra (2007) enfatizam ainda que, no plano expressivo, a narração em DD
provém da capacidade de atualização do episódio e de inferência da fala do personagem. Para
os gramáticos:
9
Acrescentamos que a gramática normativa do Sacconi (1990) traz uma definição simplória, dando relevância
apenas aos tipos de discurso (DD, DI e DIL) a serem inseridos na narrativa.
10
Há muitos estudos sobre o uso dos verbos dicendi e sentiendi, suas ocorrências podem ser identificadas tanto
na literatura de ficção, Viegas (2011), (http://www.filologia%C3%83O.htm > (Acesso em 30/01/2011) quanto
em entrevistas jornalísticas como o estudo de Marcuschi (1991) e Rodriguês (2011), (<
http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/slp07/12.pdf> (Acesso em 30/01/2011). Um breve exemplo disso pode ser
encontrado no trabalho de Ataide (2011), (< http://lucajor.vilabol.uol.com.br/entrejor.htm>) (Acesso em
30/01/2011), no qual faz um levantamento, baseado em Garcia (1986) de mais de 300 destes verbos identificados
em matérias do jornalismo brasileiro publicados entre as décadas de 80 e 90 do século passado.
23
A força da narração em discurso direto provém essencialmente da capacidade de
atualizar o episódio, fazendo emergir a fala do personagem, tornando-a viva para o
ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera
função de indicador das falas. Estas, na reprodução direta, ganham naturalidade e
vivacidade, enriquecidas por elementos linguísticos tais como exclamações,
interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar de
emotividade a expressão oral. (CUNHA; CINTRA 2007, p. 651).
Concernente a Cunha e Cintra (2007), Bechara, referindo-se à reprodução textual do
discurso reportado, aponta verbos que exercem intenção descritiva, chamados verbos
sentiendi, estes, mais recorrentes em obras clássicas, como a de Graciliano Ramos - em
“Vidas Secas”, por exemplo -, ao descrever a reação psicológica do personagem, o faz através
de verbos como: “balbuciar”, “berrar”, “gaguejar”. O diálogo a seguir denota esta assertiva:
__ Lavou as orelhas hoje?
__ Lavei o rosto, gaguejei atarantado (BECHARA, 1999, p. 482). (grifo nosso)
O exemplo delineado, além de expor a fala dos personagens, indica sua reação
psicológica “gaguejei atarantado”, exprimindo em quais condições o personagem enuncia (de
maneira hesitante e confusa) e revelando, de fato, que este encontra-se desnorteado.
A essa instância, precisamos ainda a oração intercalada, cuja forma de citação
acrescenta outra oração justaposta, isto é, a incisa:
Dê-me água, me pediu o rapaz
Quem é ele?- interrompeu a jovem (BECHARA, 1999, p. 480).
Os enunciados, também caracterizados como DD, estão associados a uma oração
intercalada que é acrescentada à citação.
1.1.1.2 Discurso Indireto (DI)
No DI o enunciado é reportado indiretamente e assume em sua estrutura o verbo
declarativo, acrescido da reprodução do enunciado do personagem em forma de oração
subordinada, introduzido pelo transpositor “que” e pela dubitativa “se” 11, ou seja, o narrador-
11
Nossa busca junto às gramáticas de caráter normativo do DR mostrou que a apresentação da debutativa se é
pouco frequente no DI. No enunciado: Perguntei se lavou as orelhas. (BECHARA, 1999, p. 482) é suposto que
24
locutor 12 incorpora a fala de outrem (personagem) em seu próprio dizer (BECHARA, 1999;
CUNHA; CINTRA, 2007; SACCONI, 1990). Nesse sentido, o relato, seja do personagem ou
de um interlocutor, é transmitido apenas focalizando seu conteúdo, sem nenhum respeito à
forma linguística que teria sido realmente empregada. O diálogo é incorporado à narração,
mediante uma forte subordinação semântico-sintática, por meio de nexos e correspondências
verbais, entre a frase reproduzida e a frase introdutora. Dito de outro modo, os verbos dicendi
são inseridos na oração principal de uma oração complexa, tendo por subordinada partes do
enunciado que reproduzem, ou seja, as próprias palavras do interlocutor13.
É interessante destacar que a gramática expõe o discurso reportado, evidenciando
especialmente o caráter normativo de suas instâncias. Considerando que a abordagem
gramatical deste fenômeno linguístico é amplamente explorada no âmbito escolar, conforme
aponta Cunha (2001), é possível acrescentar - a partir de nosso levantamento -, que a
demonstração do DI somente é exemplificada a partir do DD. A transposição dos discursos destacada no fragmento abaixo - parece justificar a aplicação da definição que lhe é atribuída.
O discurso direto em:
O discurso direto em:
José recusou, dizendo: É justo levar a saúde à casa de sapé do pobre
Passa a discurso indireto, em que se transpõe o presente é do discurso direto
para o pretérito imperfeito do indireto:
José Dias recusou, dizendo que era justo levar a saúde à casa de sapé do
pobre. (BECHARA, 1999, p. 482).
Tomemos as citações indiretas apresentadas nas narrativas canônicas. Nos contos de
fadas, de modo geral, o texto organiza-se de forma que há uma relação de anterioridade,
posterioridade e concomitância. Podemos dizer que os acontecimentos são narrados em forma
de enunciados, geralmente marcados por meio da desinência verbal (pretérito imperfeito), em
uma correlação com o pretérito perfeito. Esta correlação remete a uma época passada e
descreve o que era presente. Nesse sentido, o emprego do pretérito imperfeito denota, nas
este enunciado foi dito anteriormente. Neste caso, uma vez retomado, o enunciado é condicionado a uma forte
subordinação semântico-sintática. Em sua forma direta o enunciado seria: Você lavou as orelhas?
12
Referimos aqui ao narrador e locutor numa espécie de relação, uma vez que as gramáticas fazem referência
aos dois termos. Contudo, sabemos que o narrador está presente no universo das narrativas, histórias de ordem
canônica, obras da literatura clássica, contos de fada, enquanto o locutor supõe uma situação enunciativa, com
diferentes interlocutores em interação. É importante especificar que usaremos os termos “narrador” e “locutor”,
de acordo com o que for evocado pelos autores estudados, ao longo desta pesquisa. Em momento oportuno,
especificaremos nosso posicionamento a esse respeito.
13
Esclarecemos que nossa busca pelo DR estendeu-se à Moderna gramática brasileira de Celso Pedro Luft
(2002), contudo, a única referência feita a esta forma de discurso relaciona-se à oração subordinada objetiva
direta, especificamente, sobre o emprego do verbo dicendi.
25
narrativas tradicionais, ações narradas sob um determinado contexto (descrição do ambiente,
personagens ou minúcias da história). A narração do conto “Hobin Hood” evidencia este
aspecto verbal:
O conde de Sherwood e sua esposa tiveram um filho, a quem deram o nome de
Robert, mas todos o chamavam de Robin. O conde de Surley era pai da menina
Marian. As duas famílias se reuniam frequentemente, e enquanto as crianças
brincavam juntas, os condes conversavam sobre o reino, onde as lutas pareciam não
ter fim. (OCHOA, 2008, p.2).
Conforme vimos acima, o enunciado citado pelo narrador possui um “caráter
predominantemente informativo” (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 652). Os verbos “era”,
“chamavam”, “brincavam”, “conversavam”, “reuniam” e “pareciam”, na forma do pretérito
imperfeito, descrevem a estrutura temporal interna de uma ação e manifesta o ponto de vista
do narrador sobre determinada ação. Os verbos “tiveram” e “deram” representam o tempo no
pretérito perfeito, isto é, uma ação manifesta, acabada, em concomitância com os verbos
conjugados no pretérito imperfeito.
O enunciado acima refere-se, claramente, ao narrador. É importante especificar que
nem todos os verbos indicam o DR, e a história narrada revela, no trecho citado, a fala de
personagens, reportadas indiretamente. Em “a quem deram o nome de Robert, mas todos o
chamavam de Robin” temos, explicitamente, o DI, do mesmo modo que, em “os condes
conversavam sobre o reino, onde as lutas pareciam não ter fim”. Contudo, estes enunciados
não seguem o modelo clássico exemplificado pelas gramáticas e as ações de dar um nome ao
personagem e a forma de chamá-lo evidenciam o discurso indireto da família: “O conde de
Sherwood e sua esposa tiveram um filho, a quem deram o nome de Robert, mas todos o
chamavam de Robin”. Embora haja o verbo dicendi “chamar” o DI não segue a estrutura, tal
qual é caracterizada em Bechara (1999) e em Cunha e Cintra (2007). Neste caso, o
transpositor “que” está ausente, tanto neste enunciado, como no enunciado que denota o
diálogo indireto dos condes: “os condes conversavam sobre o reino, onde as lutas pareciam
não ter fim”.
Avançando, ainda mais a discussão, partindo do recorte “os condes conversavam sobre
o reino, onde as lutas pareciam não ter fim”, nota-se que as duas partes que compõem este
enunciado parecem trazer dois pontos de vista que dificultam a identificação do DI. Na
primeira, teríamos uma indicação de que o assunto da conversa dos condes era o reino. O DI
está subordinado sintaticamente ao discurso citante (narrador), mas não necessariamente está
associado ao transpositor “que”. Na segunda parte, parece haver um DIL em que o narrador
26
indica sobre o que os condes conversavam: “Os condes falaram que (conversavam sobre) as
lutas pareciam não ter fim”. Isto indica o contrário do que dizem os gramáticos, porque não há
uma forma una para citar o discurso do outro, de fato, há um tratamento diferenciado em citar
o discurso, que revelam variantes e fronteiras inimagináveis.
1.1.1.3 Discurso Indireto Livre (DIL)
Bechara menciona, a partir de Mattoso Câmara Jr (1986),14 que o discurso indireto
livre consiste em reproduzir fala de personagens e do narrador, sem qualquer elo
subordinativo que indique introdução do verbo dicendi. Enquanto no DI, o enunciado citado
(fala do personagem) é suprimido, tendo apenas à essência do enunciado reproduzido, no
DIL, a narração indica um elo psíquico, entre narrador e personagem. Esta definição é comum
entre as gramáticas observadas (CUNHA; CINTRA, 2007; BECHARA, 1999; SACCONI,
1990), onde consta que narrador e o personagem narram em uníssono, conforme esclarece o
fragmento extraído do trecho de Dom Casmurro:
Minha mãe foi achá-lo á beira do poço, e intimou-lhe que vivesse. Que maluquice
era aquela de parecer que ia ficar desgraçado, por causa de uma gratificação menos,
e perder um emprego interino? Não senhor, devia ser homem, pai de família, imitar
a mulher e a filha... (BECHARA, 1999 p. 483).
A primeira parte do enunciado traz um DI “Minha mãe foi achá-lo a beira do poço, e
intimou-lhe que vivesse” referindo-se a Bentinho (narrador) e se reportando, indiretamente, à
fala de sua mãe (Dona Glória), dirigida ao personagem Pádua. O verbo dicendi “intimar”, na
forma indireta, assume um valor declarativo, mas, neste caso, o enunciado é apenas
mencionado. Contudo, o enunciado “Que maluquice era aquela de parecer que ia ficar
desgraçado, por causa de uma gratificação menos, e perder um emprego interino?”, mantém na forma indireta livre - a expressão empregada pela personagem. Em narrativas de ordem
canônica, o emprego do DIL revela a absoluta liberdade sintática do autor no momento em
que relaciona a figura do narrador e de personagens. Considerado como uma instância mais
pujante e exuberante, a riqueza expressiva do discurso indireto livre: “aumenta quando ele se
14
Mattoso Câmara Jr (1986) oferece poucas contribuições acerca do discurso reportado, em sentido estrito é a
reprodução feita de um enunciado atribuído a outra pessoa, também podem ser considerados como “estilo”.
27
relaciona, dentro do mesmo parágrafo, com os discursos direto e indireto puro” (CUNHA;
CINTRA, 2007, p. 656).
1.1.2 DR em gramáticas de textos
Com abordagem na Linguística textual, Sarmento (2005), Campedelli e Souza (2002)
e Ernani e Nicola (2005) trazem para o escopo de sua reflexão sobre a língua conceitos
linguísticos, enquanto a de Bechara (1999), Cunha e Cintra (2007), Sacconi (1990) e Luft
(2002) podem ser consideradas normativas, visto que, seguem mais fortemente a tradição
gramatical, ou seja, caracteriza-se por deixar de lado a reflexão que a Linguística faz sobre os
fatos da língua, restringindo-se a adotar o que é pertinente à norma culta.
Com o propósito de desenvolver e privilegiar a reflexão sobre a utilização de
conhecimentos linguísticos, para uma produção escrita e oral eficaz, a “Gramática em textos”
(SARMENTO, 2005) procura explorar conceitos gramaticais, de forma prática, com ênfase na
Semântica e na Linguística. Curiosamente, os conceitos explorados através de textos distintos
- poemas, textos jornalísticos, tirinhas, cartuns e histórias em quadrinhos - não fazem
referência ao discurso reportado, ainda que por meio de estratégias de citação.
Ao conceituar a classe dos pronomes, a “Gramática em textos”, utiliza como
ferramenta didática, o gênero HQ, dando ênfase ao emprego das pessoas pronominais no ato
discursivo da história, restringindo, apenas, a indicação de pessoas no discurso (1ª pessoa do
singular “eu”), utilizada para substituir determinado personagem. A referência à citação em si
é feita tão somente na parte sintática, mais precisamente, no capítulo sobre pontuação. As
“aspas” e o “travessão”, segundo a gramática, são utilizados para indicar início e fim de uma
citação ou mudança de interlocutores.
De modo similar, a gramática de texto de Ernani e Nicola (2005) e a de Campedelli e
Souza (2002), com proposta semelhante à de Sarmento (2005), focaliza a compreensão de
diversos recursos linguísticos, a partir de uma variedade de textos. As gramáticas citadas
apenas se referem à citação, ao tratarem da pontuação. “Dois pontos”, “aspas” e “travessões”
são os sinais comumente utilizados para indicação tipográfica do DR, tendo suas funções
descritas respectivamente como: introdutor de citação, isolar o contexto de frases e indicador
da pessoa do discurso, em que se situa a fala.
28
É importante especificar que há estudos cuja ênfase volta-se para a estilística deste
objeto. Vejamos o que os manuais didáticos dizem a esse respeito.
1.1.3 DR em manuais didáticos
Neste tópico destacamos o conceito do DR em gramáticas cuja abordagem pela teoria
da enunciação ou, mais propriamente, de gêneros assume o valor de manual didático.
A abordagem seguida pelo manual de Cereja e Magalhães (2005) está direcionada a
teoria da enunciação. Conforme nomeamos neste trabalho, o discurso reportado é intitulado
pelos gramáticos de discurso citado, sendo tratado especificamente na seção de textualidade e
estilo.
Em três momentos diferentes os autores trazem à baila o tema “discurso citado”.
Partindo de diferentes gêneros e com base em projetos didáticos o livro pretende “ajudar o
estudante a apropriar de diferentes tipos de texto que circulam socialmente e são usados nas
mais variadas situações de interação verbal” (CEREJA; MAGALHÃES, 2005, p. 3). Para
compreender melhor a relação que há entre a noção do DR e a proposta curricular do manual,
levemos em consideração que a representação de outro discurso, caracterizado por múltiplas e
heterogêneas formas de manifestações é concebida com base no esquema de retomada do
discurso outrem. Neste sentido, a manifestação do DR, seja na literatura, no texto científico,
no jornal, nos chats, etc., apresentam uma gama de possibilidades para citar um discurso. Ou
seja, o manual mostra os vários tipos de “estilo” de citação, em gêneros específicos.
Vale mencionar, que em pelo menos dois momentos, o manual refere-se ao discurso
citado, não abordando o aspecto normativo do DR, mas seu caráter enunciativo. Para ilustrar,
os autores, ao explorar o gênero entrevista, pontuam que, em um texto jornalístico o uso de
discurso direto e indireto atende a outras finalidades: “Em certas situações polêmicas, a
escolha desse tipo de discurso implicitamente sugere o seguinte: tal pessoa disse isso, disse
dessa forma, e nós podemos provar (com gravações), se necessário”. (CEREJA;
MAGALHÃES, 2005, p. 199).
Em outro momento, ainda na mesma seção, o DR é apresentado em textos narrativos
ficcionais e coloca em cena, especificamente, os efeitos de sentido provocados por diferentes
autores. Em um conto de Natal de Rubem Braga, o texto narra a história de uma família de
colonos expulsa da fazenda em que trabalhava, no momento de maior dificuldade. Juntos,
29
buscavam um lugar para abrigar e para trazer à vida a criança que a esposa esperava. Em um
casebre simples, que acolhia uma vaca e um burro, nasce uma criança, nomeada de Jesus
Cristo, em homenagem ao Natal, todavia, logo em seguida, falece. O texto traz elementos que
estabelecem relações intertextuais com o nascimento de Jesus Cristo, como o casebre com
uma vaca e um burro (alusão ao local de nascimento de Jesus- estábulo) e a nomeação da
criança (Jesus), como indica a fala do pai: __ Eh, mulher, então vamos botar o nome de Jesus
Cristo (CEREJA; MAGALHÃES, 2005, p. 290).
É a partir do discurso citado que a noção de intertextualidade é apresentada. A
intertextualidade, segundo Cereja e Magalhães (2005), é a relação entre dois textos e
caracteriza-se pela citação de um outro. Como ocorre na relação existente entre os dois
quadros abaixo.
Figura 01- Recorte do manual didático: Texto e Interação
Fonte: (CEREJA; MAGALHÃES, 2005, p. 93)
O cartunista Santiago dialoga com o discurso pictórico do artista italiano
Michelângelo, influenciado pela natureza dialógica da linguagem, enfatizada pelo círculo de
Bakhtin (1986/2004), o manual de Cereja e Magalhães (2005) destaca que qualquer discurso enquanto práxis social - traz à baila um movimento de retorno e identificação, com outro
discurso.
Embora os autores focalizem o discurso “citado” a partir de diferentes gêneros e suas
relações intertextuais, Cereja e Magalhães (2005) não fogem às especificidades contidas em
cada instância do DR (DD, DI e DIL). Contudo, não há distinção em relação à gramática de
Fiorin e Platão (1996). Ambas especificam os tipos de discurso, relacionando-os e
exemplificando as diferenças entre o discurso direto e o indireto, através de quadros
autoexplicativos, enfatizando a transposição de um discurso, para o outro.
Platão e Fiorin (1996) em “Lições de texto: leitura e redação” referem-se ao DR como
mecanismos lingüísticos, que servem para mostrar diferentes vozes, no interior de um texto e
demarcar o discurso alheio, sendo que, tais mecanismos são diferenciados por características
específicas. Tal como apontou a gramática normativa, o DD possui como marca:
30
Fala de personagens reproduzidas fielmente e introduzidas pelo verbo dicendi e
sentiendi;15
Fala de personagens que podem vir precedidas por comentários do narrador e
por verbos de elocução, os quais informam quem fala e como fala, seguidos em
geral por dois-pontos e na linha seguinte, normalmente, a fala do personagem é
indicada por meio do travessão;
Fala de personagens que podem ser indicadas por aspas, com ou sem mudança
de linha.
Durante a transposição do DD para o DI, ocorre uma série de mudanças.
As frases do DD em forma interrogativa, exclamativa ou imperativa
convertem-se, no DI, em orações declarativas:
DD
Quem está aí?
DI
Ela me perguntou quem estava lá
Interjeições e vocativos do discurso direto desaparecem no DI, tendo seu valor
semântico explicitado a partir do significado que expressam:
DD
O papagaio disse:
__ Oh! Lá vem a raposa.
DI
O papagaio disse admirado que ao longe
vinha a raposa.
Conversão da pessoa do discurso. Aquele que diz “eu” passa a “ele”, porque
indica não mais quem fala, mas alguém a respeito de quem o narrador diz
alguma coisa. Do mesmo modo os pronomes demonstrativos (este, esse,
aquele) e os advérbios de espaço (aqui, aí, lá) são ajustados.
DD
Pedro me disse lá em Paris:
__ Aqui eu estou sentindo-me bem, pois nesta
cidade tudo é bonito.
DI
Pedro me disse em Paris que lá ele estava
se sentindo bem, pois naquela cidade tudo
era bonito.
Fonte: (PLATÃO; FIORIN, 1996 p. 47-49)
Um ponto importante a ser destacado, segundo Fiorin e Platão (1996), é a existência
de dois tipos de discurso indireto (um que analisa o conteúdo e outro que analisa a expressão).
15
É importante especificar que o verbo sentiendi apenas foi observado no manual de Cereja e Magalhães (2005).
Este tipo de verbo está relacionado à área semântica. Ao contrário do verbo dicendi, considerado neutro, o
sentiendi expressa estados de espírito e a reação psicológica de personagens como “lamentar”, “suspirar” e
“gemer”.
31
Cada tipo de DI reflete o sentido dado ao texto. O primeiro – conteúdo – elimina os elementos
emocionais ou afetivos presentes do discurso direto (como no caso das interjeições,
exclamações e interrogações), produzindo um efeito de sentido mais objetivo, no qual
somente o conteúdo do discurso do personagem é narrado. Nesse tipo de discurso, o narrador
enuncia “o discurso citado de maneira racional e isenta de envolvimento emocional”
(FIORIN; PLATÃO, p. 48). O segundo tipo de DI – expressão – serve para analisar as
palavras, o modo de dizer, e não, o conteúdo do que dizem.
Com relação ao discurso indireto livre, Fiorin e Platão (1996) dão maior ênfase a este
tipo de discurso exemplificando a partir da obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e de
poemas, de Manuel Bandeira. Os gramáticos pontuam que “as diferentes vozes que se fazem
presentes no percurso de certos textos misturam-se de tal modo com a do produtor que não se
percebem com nitidez os seus limites” (FIORIN; PLATÃO, 1996, p. 57). Ora, o DIL tem
como característica a dificuldade de identificar a quem pertence o discurso, uma vez que
narrador e personagem narram em uníssono. Esse discurso mantém “as expressões
empregadas pela personagem e sua correspondente pontuação e mantém, geralmente, os
tempos verbais, os advérbios e pronomes da forma como aparecem no discurso direto em 3ª
pessoa.” (CEREJA; MAGALHÃES, 2005, p. 28).
1.1.4 DR em dicionários especializados
Para compreender melhor, e talvez identificar limites de definição no discurso
reportado, tomemos a concepção de um dicionário técnico de Linguística (DUBOIS, 2006),
de um dicionário de Linguística da Enunciação (FLORES et al, 2009), do dicionário da
Teoria da Narrativa (REIS, 1988) e de outro, que trata especificamente da análise do discurso
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004)16.
Não pretendemos, aqui, trazer uma concepção exaustiva do DR, mas acreditamos na
viabilidade em expor e articular o que dizem dicionários específicos, acerca da questão.
O discurso citado, tal qual é nomeado no Dicionário da Teoria da Narrativa, implica
uma mudança de nível discursivo, na introdução de um diálogo. Reis (1988) coaduna com
16
Destacamos que nosso levantamento conceitual contemplou ainda um dicionário de Linguagem e Linguística
(TRASK, 2004), um dicionário de Linguística e Fonética (CRYSTAL, 1988). Nessas obras não encontramos
referência alguma sobre o DR.
32
algumas concepções, já mencionadas - a respeito da reprodução de falas de personagens -,
mas reforça e dá maior especificidade ao grau de mimesis que preside a sua reprodução.
Segundo o autor, a partir do diálogo, o narrador cede a palavra aos personagens, optando pela
forma mais mimética de representação, na qual o personagem é o sujeito da enunciação.
Enquanto o diálogo permite a dramatização da narrativa há um núcleo diegético importante (a
narração), o qual revela o desenrolar da história, assim como enuncia a fala do personagem,
de forma indireta.
O dicionário científico de Linguística Dubois (2006), de modo similar às gramáticas
normativas, faz referência ao narrador como reprodutor das palavras de outro, tais como
foram ditas, em determinada enunciação. Entretanto, dada sua especificidade linguística,
Dubois oferece um destaque maior ao caráter linear do enunciado, isto é, no discurso direto
mantém-se a forma dêitica17 ligada à pessoa que fala ou ao destinatário (pronomes), no lugar
em que o falante fala (oposição aqui/lá) e no momento em que se fala (tempos dos verbos).
Isto implica dizer que o narrador, ao relatar as palavras de alguém, recupera o lugar
enunciativo de seus interlocutores: “Pedro declarou a Paulo: Considero-te um homem honesto
e isto eu te declaro aqui e agora” (DUBOIS, 2006, p. 195). Como se vê, as marcas
pronominais “eu” e “te”, assim como a marca verbal do presente “considero” e “declaro” e a
referência ao lugar e tempo “aqui” e “agora”, na transformação para o DI, tais marcas
enunciativas que não mais relacionam à pessoa que pronunciou, mas à pessoa que fez a
narração, uma vez que, a “frase” reproduzida é transformada num sintagma nominal, por meio
do conectivo integrante “que”: “Pedro disse a Paulo que o considerava um homem honesto e o
declarava ali e naquele momento” (DUBOIS, 2006, p. 195). Estas transformações acarretam o
desaparecimento das marcas de enunciação “eu” X “tu” e impõe referências de lugar e de
tempo. Desse modo, a “frase” é transformada em função do narrador, como ocorre com a
transposição dos verbos, a mudança de pessoa – “eu” para “ele”; “te” para “o” e os dêiticos de
lugar “aqui” para “ali”; “agora” para “naquele momento”.
Articulando essas transformações com a definição de “discurso citado”, destacada em
Flores, et al (2009), poderíamos dizer que as transformações sucedidas no “discurso citado”
revelam um problema específico de sintaxe, tratado impropriamente pelos linguistas
(FLORES, et al 2009). Visto a partir de uma perspectiva enunciativa, esse mecanismo deve
levar em consideração as condições reais de fala, e isso implica dizer que a análise dos fatos
17
Em nossa revisão bibliográfica não encontramos referência em relação aos dêiticos, excetuando nos manuais
didáticos de Cereja e Magalhães (2005) e Fiorin e Platão (1996).
33
de língua é indissociável da enunciação. Dizendo de outro modo, esse mecanismo sintáticosemântico não está desvinculado de um discurso interior, que integra a palavra citada e a
palavra de quem cita.
Charaudeau e Maingueneau (2004), no dicionário de Análise do Discurso, versam
que o “discurso citado” trata de diferentes modos de representação de falas atribuídas a
instâncias distintas do locutor. Os autores consideram a questão do discurso, em relação
intrínseca com o interdiscurso ou polifonia e heterogeneidade. A partir desta observação,
passam a enumerar as principais oposições teóricas, destacando a oposição, entre as formas
clássicas - estudadas pelos gramáticos - e as formas híbridas.
Reis (1988) já havia apontado para uma forma híbrida de citação, o chamado discurso
indireto livre. Contudo, veremos que a confluência marcada entre narrador e personagens não
é tão trivial quanto parece. Charaudeau e Maingueneau (2004) propõem uma especificação
mais minuciosa acerca do hibridismo desse tipo de discurso.
O hibridismo constitui formas não exploradas pelos gramáticos. Estas seriam
exemplificadas pelo discurso direto livre, frequente na literatura e na imprensa. O texto, nesta
forma, não apresenta marcas explícitas, ou seja, não há marcas linguísticas como verbos
introdutores ou recursos tipográficos. No discurso direto com “que”, o ajustamento de
dêiticos, não é realizado: “Marcelo afirma que ‘se trabalhar é fazer alguma coisa útil então eu
não trabalho”’ (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 175).
Considerando a forma híbrida concebida pelos analistas, o fragmento entre aspas
tomado como DD ‘se trabalhar é fazer alguma coisa útil então eu não trabalho’, assim é
definido, por vir precedido pelo “que”, ou seja, o enunciado que marca as características do
DD vem depois do “que” como a primeira parte do enunciado “Marcelo afirma que”. A
explicação do DD em sua estrutura procede, contudo, é possível observar que há uma
retomada de outro discurso e, assim sendo, costumam dizer que “trabalhar é fazer alguma
coisa de útil”. Um ponto interessante a destacar, diz respeito às aspas simples, pois se observa,
que, se retiradas, o “eu” deixa de ser o Marcelo e passa a ser o locutor. De fato, esta estrutura
é caracterizada por trazer uma forma híbrida, isto é, por misturar estruturas destacadas
inicialmente pelo uso do “que”, através do discurso do locutor e por utilizar, ao mesmo
tempo, o “DD” (nesse caso referindo-se ao discurso do mesmo locutor), uma vez que o dêitico
pronominal - “eu”- marca o discurso de Marcelo.
34
Os analistas destacam outra forma híbrida expressa por ilhas textuais18. Esta forma,
embora implique uma estrutura do discurso indireto (X disse que...), apresenta fragmentos
atribuídos ao locutor citado, isolados e entre aspas simples: “Ele afirmou que ‘o país estava à
beira
da
falência’,
mas
isso
não
agradou
a
todo
mundo”
(CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004, p. 174). Desse modo, o narrador exime a responsabilidade de narrar
o enunciado do outro, ao inserir as supostas palavras, ditas pelo locutor, isolando-as por meio
de aspas. As aspas simples, contidas no enunciado, inserem um DD, o que antes era tido como
um discurso indireto, agora é considerado pelos autores como forma híbrida.
As formas indicadas pelos analistas diferem significativamente daquelas expressas nas
gramáticas e são trabalhadas, mais especificamente nos livros: “Novas tendências em Análise
do Discurso e Análise de textos de Comunicação”, ambos de Maingueneau (1989, 2002).
O discurso direto livre, doravante DDL, é atribuído ao que Maingueneau (2002)
chama de enunciador genérico19 e apresentado como uma forma particular do DD clássico. O
DDL não possui marcas tipográficas, ainda assim, transmite o que há de mais substancial na
fala citada. Observemos a citação extraída do jornal Le Monde, utilizada para descrever esta
modalidade: “Não toque na minha universidade, não toque no meu rádio, não toque no meu
amigo... “Eu e os outros” salienta Joël-Yves le Bigot, presidente do Instituto da criança, que
realiza a cada ano um “barômetro” dos 15-25 anos” (MAINGUENEAU, 2002, p. 147).
Observamos aqui, uma ruptura entre dois enunciados de citação direta. O segundo
enunciado: “‘Eu e os outros’ salienta Joël-Yves le Bigot [...]” traz todas as marcas do DD
(enunciado em itálico isolado por aspas e verbo introdutor - salientar), em contrapartida, o
segundo enunciado não é marcado pelo “discurso relatado”, por não haver nada que o distinga
de um enunciado expresso pelo locutor: verbo introdutor, aspas, travessão ou escrita em
itálico. Mas o que o identifica como “discurso relatado” é o contexto histórico que circunda a
sociedade francesa20. Ainda que não possua marcas de sinalização, o DDL é um “discurso
relatado” com propriedades linguísticas do discurso direto, atribuídas a um enunciador
genérico (o jovem francês da década de 1987) e indiciadas no suposto conhecimento da
fórmula “Não toque no meu amigo”. O tópico seguinte dará melhor compreensão sobre estas
formas, no campo da Linguística.
18
Ilhas textuais é um procedimento utilizado para isolar o enunciado e atribuí-lo ao enunciado do locutor citado.
Geralmente é indicado por aspas e itálico, assim: “só a tipografia permite verificar que essa parte do texto não é
assumida pelo relator”. (MAINGUENEAU, 2005, p.151).
19
Enunciador genérico é descrito como representante de uma classe de locutores, de um conjunto e não um
indivíduo específico.
20
O enunciado “Não toque no meu amigo”, em francês “Touche pas à mon pote”, é um conhecido lema
proferido pelo líder estudantil Halem Désir, na campanha contra o racismo, dos anos 80.
35
1. 2 O DR na perspectiva linguística
O DR atua como fenômeno da enunciação linguística e incide sobre as manifestações
explícitas e recuperáveis, a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, fenômeno que
revela marcas de heterogeneidade enunciativa21.
Com estudos voltados para a Linguística da Enunciação e da Análise do discurso,
Maingueneau (1996) em “Elementos de linguística para o texto literário”, questiona o aspecto
funcional mantido pelas atividades escolares, que entendem o discurso indireto como o
resultado de uma transformação do discurso direto, sendo que, esse último seria o original das
falas citadas.
O destaque dado em Maingueneau (1996) - obra “Elementos de linguística do texto
literário” - possui maior proximidade com a análise que propomos, uma vez que, o trabalho
presente busca analisar formas do DR nas histórias em quadrinhos, em manuscritos escolares
de alunos do 1° ciclo do Ensino Fundamental. De qualquer modo, as três obras citadas:
“Novas tendências em Análise do Discurso e Análise de textos de Comunicação” denotam
caracterizações do que chamamos de discurso reportado, mas ressalva-se que Maingueneau
em “Elementos de linguística para o texto literário” nomeia as estratégias de citação como
“discurso citado” e, nas demais obras -“Novas tendências em Análise do Discurso e Análise
de textos de Comunicação”-, (MAINGUENEAU, 1989, 2002), as quais tratam de textos de
publicitários encontramos a nomenclatura “discurso relatado”. O que se destaca nas
respectivas obras, de fato, é a descrição das estratégias de citação ou relato de determinado
enunciado, com base em recursos tipográficos, os dêiticos de pessoa, espaciais e temporais.
A partir de observações em obras literárias como, “O Doutor Pascal” e “Uma página
de amor”, ambos de Émile Zola; “Madame Bovary” de Gustave Flaubert e a peça teatral
“Port-Royal” de Montherlant, Maingueneau (1996) expõe a limitação teórica propagada na
prática escolar de compreender as formas de citar o discurso, como algo simples e mecânico.
Cunha (2001, 2008a) coaduna com sua posição, alegando que este tipo de exercício habitua os
21
Authier-Revuz (1998) lança a noção de heterogeneidade enunciativa, propondo duas formas de apresentação a
heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva. A primeira é linguisticamente descritível (por meio
de aspas, glosas, discurso direto e indireto), a segunda não marcada em superfície, “é um princípio que
fundamenta a própria natureza da linguagem” (FLORES, 2008, P. 74). Os estudiosos do campo da Enunciação e
analistas do discurso interessam pelo DR à medida que em uma determinada citação as palavras de outro
“invadem” o discurso do sujeito enunciador revelando palavras vindas de outro lugar. Em outras palavras, a
citação marcada pelo DR é regulada por um lugar discursivo do qual o sujeito se insere, interferindo e integrando
um determinado sentido, por isso, a existência de inúmeras pesquisas que abordam o DR na imprensa e na mídia,
dentre elas, citamos Baalbaki (2007) e Deusdará; Sant’Anna (2007).
36
alunos a manipular as formas de língua e não a interpretar os sentidos desses discursos no
texto, reduzindo, desta forma, o “discurso citado” às marcas tipográficas e às transformações
morfossintáticas do discurso direto, em discurso indireto, através de procedimentos puramente
gramaticais.
Com efeito, estes recursos caracterizam-se como estratégias que revelam a existência
de sistemas enunciativos, e não, apenas, como formas de citação de discursos. O discurso
direto e o indireto atuam como formas independentes do discurso citado; e conforme
Maingueneau explicita, há numerosos elementos que impedem a transposição do DD, para o
DI, como seria o caso específico das onomatopeias, interjeições, vocativos, exclamações e
enunciados inacabados. Dificilmente se expõe, em forma indireta, sensações enfáticas
expressas por onomatopeias como em “Ele me disse que brrrr” ou por uma exclamação: “Ele
me disse que homem!”, ou ainda, o enunciado inacabado “Ele me disse que João é o mais
[...]” (MAINGUENEAU, 1996, p. 104).
As impossibilidades de transposição resultam de propriedades específicas de cada uma
das estratégias de citação - discurso direto e discurso indireto -, das quais somente a primeira
restabelece o discurso citado. A inserção do DD busca um equivalente semântico para traduzir
o enunciado citado. Vejamos, como isso ocorre na réplica de Arlequim, em “O jogo do amor e
do acaso”: “ Um empregado disse-me para entrar aqui, e que iriam avisar meu sogro que
estava com minha mulher” (MAINGUENEAU, 1996, p. 104).
A respeito da incisiva acima, o autor faz uma interessante observação sobre a
impossibilidade de recuperação exata do enunciado em DD. Isto se deve ao simples fato de
que o empregado de Arlequim não poderia expressar “meu sogro” e “minha mulher”, uma vez
que, a moça a que se referia não era sua esposa e, nem tampouco, o outro referido era o seu
sogro. O enunciado proferido pelo empregado, certamente, foi “vosso sogro” e “vossa
esposa”. Fica evidente, pelo tratamento dado à moça - por Arlequim -, que ela é noiva de
Arlequim, e não, mulher ou esposa. O DI está sujeito a modificações, devido ao processo de
tradução. Assim, Arlequim poderia referir a moça pelo nome (Sylvia) e o sogro por Senhor
Orgon. Nestas circunstâncias, a citação denota um problema semântico, no qual um mesmo
referente pode ser descrito de infinitas maneiras. Diante das inúmeras formas de citar, não é
possível retornar ao enunciado original, dito pelo personagem.
O DD é caracterizado como uma reprodução “fiel” do discurso citado, entretanto, a
assertiva é contestada por Maingueneau (1996), pois o sujeito falante - considerado como
locutor da enunciação - delega a responsabilidade da fala citada a um segundo locutor, o do
discurso direto. Esta ruptura, marcada sintaticamente através da citação direta, instaura uma
37
encenação no interior da fala citada, mas não garante a objetividade. O discurso citado, tal
qual define o pesquisador, representado pelo DD, somente mantém existência através do
discurso citante. Este último “constrói como quer um simulacro da situação da enunciação
citada. Pode-se, por uma contextualização particular, entonação, segmentação, etc., desvirtuar
completamente o sentido de um texto que, do ponto de vista da literalidade, não se distancia
do original” (MAINGUENEAU, 1996, p. 105).
A encenação instaurada no interior de um enunciado parece ter relação com os estudos
de Cunha (2008a, 2008b). A pesquisadora toma por base a teoria bakhtiniana e compreende o
discurso como fenômeno dialógico, por meio do qual os sujeitos desconstroem o discurso
alheio e constroem o próprio, para se posicionar em relação a um conteúdo.
O autor ainda questiona o estatuto do “discurso citado”, em narrativas de ficção
romanesca, visto que, para ele, o discurso citado, comparece mediante o mecanismo de
encenação enunciativa, e não uma reprodução similar absoluta. O simulacro enunciativo em
DD não possui precisão exata do dito, mas se apóia na intenção de reproduzi-lo.
A narração não cita falas anteriores que ela alteraria mais ou menos, ela as cria
totalmente, do mesmo modo que as do discurso citante. Nessas condições, a
“fidelidade” do discurso direto aparece como pura conveniência literária: não se vê
como os enunciados em discurso direto poderiam ser infiéis, já que tem o mesmo
grau de realidade. (MAINGUENEAU, 1996, p. 107-108).
Enquanto o DD dissocia dois “sistemas enunciativos” e supostamente repete outro ato
de enunciação, o discurso indireto é considerado discurso citado, nas palavras do autor, “por
seu sentido” (Maingueneau, 1996, p. 108). A citação, com efeito, constitui uma tradução da
enunciação citada. Ao invés de reproduzir o enunciado, o DI dá um equivalente semântico
integrado à enunciação citante, implicando um único “locutor”, o qual se encarrega da
enunciação: “Ela lhe perguntou se ele queria ir”. Nessas condições, o DI não possui
autonomia enunciativa, e os níveis de subjetividade expressos pelos dêiticos ficam
dependentes do discurso citante.
Kies (2011) expõe no artigo “Le discours rapporté” sobre o discurso narrativizado, no
qual o narrador descreve um ato de fala sem mencionar de que forma é relatada, isto é, o
conteúdo não é descritível como em: “Ela anunciou a seus pais sua partida para o Brasil”
(tradução nossa) 22. A partir deste enunciado não é possível resgatar de que forma foi
22
No original: Elle annonça à ses parents son départ pour le Brésil< http://www.etudes-litteraires.com/discoursrapporte.php#2 Acesso em: 17/01/2011>.
38
anunciada a partida23. O discurso enunciado está condicionado ao discurso narrativizado, à
medida que ele pode ser desenvolvido, isto é, proferido, conforme, o narrador bem
compreender.
Todavia, o uso da terminologia discurso narrativizado não é da autoria de Kies.
Discours narrativisé é uma das distinções feitas por G. Genette (1972), citado por Bergez et
al (1994). Infelizmente não tivemos acesso a essa obra, apenas o conhecimento de que o autor
distingue discours narrativisé, transposé e rapporté, respectivamente, discurso narrativizado,
transposto (indireto) e reportado (direto). O discurso narrativizado apenas é exemplificado no
Vocabulaire de l’ Analyse littéraire, através de um enunciado, sem maiores especificações:
“Eu informei minha mãe sobre minha decisão” (tradução nossa)
24
, entretanto, é
compreensível que houve um ato de fala, mas não é possível recuperar, de fato, o que foi
mencionado para a mãe.
Podemos relacionar a autonomia do discurso associando, tanto ao discurso indireto
como ao narrativizado, considerando o caráter global que Cunha atribui ao “discurso citado”
25
, do qual “não se pode escapar falamos com a palavra de outros em graus e formas mais
diversas, que vão da repetição à alusão, passando por todos os tipos de paráfrase e
reelaboração da palavra, do ato de fala, do conteúdo, da entonação expressiva, etc.” (CUNHA,
2008a, p. 135). Isso coloca em discussão algumas questões: Se não há autonomia enunciativa,
como se configura a subjetividade, ao relatar outro discurso? Qual a contribuição da
alteridade nesse processo? Por ora, pode-se pensar, um pouco mais, sobre este aspecto
sintático do discurso reportado.
A perda de autonomia destaca problemas de integração, de uma situação de
enunciação, em outra, como o desaparecimento de exclamações, interrogações, imperativos e
interjeições. Regido por substantivas objetivas diretas, o DI é observado - no interior de sua
ligação com o verbo -, em relação à situação de enunciação. Na medida em que o enunciado é
citado indiretamente, notamos que o distanciamento explícito, evidente no DD, é inexistente
no DI.
O que dizer do DIL na compreensão destes autores? Sabemos que o DIL agrega, de
forma complexa, o DD e DI e representou por muito tempo um desafio para os linguistas
(MAINGUENEAU, 1996). O DIL, como uma amálgama, interpõe elementos disjuntos do
23
O discurso narrativizado conhecido por discours narrativisé é considerado como um dos tipos de discurso
reportado. Para maior compreensão ver em < http://www.etudes-litteraires.com/discours-rapporte.php#2 Acesso
em: 17/01/2011>.
24
No original: J’ informai ma mère de ma décision. (BERGEZ, et al, 1994, p. 71).
25
Enfatizamos por meio das aspas que discurso citado é uma terminologia usada pela pesquisadora, em nossa
pesquisa nomeamos discurso reportado, conforme intitula o capítulo.
39
“discurso citado” (DD e DI). A existência dos distintos sistemas enunciativos explicita o
caráter polifônico do discurso. Veremos como Maingueneau esclarece este conceito por meio
do romance de Madame Bovary: “Voltaram a Yonville pelo mesmo caminho [...] Rodolphe,
de momento a momento, inclinava-se e pegava-lhe na mão para beijar. Ela estava encantadora
a cavalo!” (MAINGUENEAU, 1996, p.119).
O fragmento literário mostra que as palavras e os sentimentos dos personagens são
evocados diretamente, entretanto não há rompimento da trama narrativa. O ponto de
exclamação e o predicativo do sujeito, “encantadora,” permitem interpretar a última frase
como representação do discurso indireto livre, representando os sentimentos de Rodolphe.
Com base nisto, o autor constata: “O discurso indireto livre não é um fenômeno que concerne
à sintaxe da frase, mas apóia-se num conjunto textual de dimensões extremamente variáveis”
(MAINGUENEAU, 1996, p.120). Desse modo, o DIL por não constituir marcas próprias, fora
de seu contexto não pode ser identificado como tal, tampouco é possível saber exatamente
quais palavras pertencem ao enunciador citado, e quais palavras pertencem ao enunciador
citante. Sem o discurso citante “inclinava-se e pegava-lhe na mão para beijar” não poderíamos
supor que o enunciado “Ela estava encantadora a cavalo!” pertence a Rodolphe.
Enquanto Maingueneau (1996) aponta por meio dos clássicos da literatura, as
classificações do discurso reportado, Cunha (2008b) destaca uma análise mais centrada na
relação de alteridade, destacando as chamadas “vozes sociais presentes no discurso”. Ao
destacar o “discurso interior” das cartas do livro “Capitães de areia”, de Jorge Amado, a
pesquisadora coloca em discussão duas posturas distintas, tais sejam, o discurso das elites
(opinião corrente da imprensa com relação aos meninos de rua) e o discurso da denúncia
(carta da mãe de um interno e de um padre, preocupados com o tratamento dado aos meninos
de rua).
Dentro da perspectiva abordada pela pesquisadora, parece-nos pertinente a reflexão da
posição do autor - Jorge Amado -, ao engendrar as vozes do discurso-personagem, e as do
narrador. Em: “Agora davam-lhe de todos os lados” é relatado a tortura pela qual o
personagem Pedro Bala passou no reformatório e a descrição feita pela figura do narrador,
conforme Cunha, perscruta o discurso interior do personagem, sendo que o DIL é o recurso
utilizado para marcar a interação entre autor-ouvinte-personagem:
(‘Não falaria, fugiria do reformatório, libertaria Dora. E se vingaria... Se vingaria...
vingaria’): a voz é do narrador, do ponto de vista da composição do período, mas
ouve-se a voz da personagem, com o qual o autor solidariza-se e refrange suas
intenções. (CUNHA, 2008b, p. 119).
40
Embora não tendo a intenção de apresentar a noção de diferentes vozes, como
delimitam os analistas do discurso, visto que isso demandaria uma extensão maior do quadro
teórico, é interessante expor, que a interação marcada no DIL entre autor-ouvinte e
personagem, procura articular as diferentes vozes, e não, especificamente, demarcar o
discurso, uma vez que, no DIL, não se sabe ao certo a quem pertence o discurso.
Maingueneau (1996), partindo da análise do texto literário, distingue apenas o DD, DI
e DIL, já nos textos publicitários - pesquisa relacionada à outra obra - Maingueneau (2002),
sustentado pela tese de heterogeneidade enunciativa postulada por Authier-Revuz (1998),
destaca outras instâncias enunciativas referentes ao discurso reportado, como: discurso
segundo26, discurso direto livre e discurso direto com “que”. Este último, conforme
destacamos no tópico dos dicionários, possui “embreantes” (deîticos), após verbos
introdutores acrescido do “que”. O discurso direto livre importa, especificamente, pelo
simples fato de ser considerado como uma forma problemática do DD.
Voltemos a esta categoria de Maingueneau, apenas para ilustrar a problemática do
DD: “Preso a uma onda de lembranças que ressurge, este último conta que o momento ‘era
muito duro de suportar. Eu não tinha mais reflexo. Tinha me tornado expectador’”
(MAINGUENEAU, 2002, p. 152). O exemplo dado é um tanto quanto contraditório, como se
vê, o discurso direto com “que” apresenta um recorte do enunciado, citado entre aspas e com
as características do DD, após o transpositor “que”. Para o analista, o desenvolvimento deste
DR é comumente encontrado na mídia televisiva, contudo, considerá-lo como DD torna-se
inviável, quando o observamos sob a ótica da mídia televisiva, uma vez que, a citação direta é
ilustrada e marcada pelas aspas simples. Assim, como considerar a marca do DD
acompanhado do “que”, se o enunciado é relatado sem a marca explícita das aspas, na mídia
televisiva? Com efeito, a categoria oferecida pelo analista é discurso direto com “que”,
embora haja o “que” dissociando dois enunciados. Neste caso, o que distingue o relato
(discurso reportante) do discurso reportado, são as aspas simples.
Cada instância enunciativa descrita por Maingueneau (2002, 1989) situa-se no quadro
da polifonia. Para o autor, reconhecer a polifonia no discurso afasta, de vez, a concepção de
que “um enunciado teria uma única fonte, denominada indiferentemente ‘locutor’, ‘sujeito
26
O discurso segundo é reconhecido por denotar um modo mais simples e discreto de enunciar, cujo apoio em
outra enunciação evidencia que o enunciador citante se apóia em outro discurso, utilizando mecanismos
próprios, isto é, elementos modalizadores, tais como “segundo X”, “de acordo com X”, “como diria X”. Ex:
“Segundo X, a França prepara uma represália” (MAINGUENEAU, 2002, p. 139). Nosso escopo teórico não
permite desenvolver esta instância, para um maior entendimento ler AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. A
encenação da comunicação no discurso de divulgação científica. In: Palavras Incertas: As não coincidências
do dizer. Campinas, SP: Unicamp, 1998. (p. 107-129).
41
falante’, ‘enunciador’ etc. [...]”. Isso significaria aglutinar, numa única “pessoa,” funções
distintas, que definem os papéis linguísticos dos atores da atividade linguística. De acordo
com esse teórico, o autor não é o único a dizer “eu”, num texto.
É importante deixar claro que na gramática normativa da língua portuguesa, o discurso
reportado, enquanto objeto linguístico, volta-se para aspectos funcionais do texto. As
instâncias (discurso direto, indireto e indireto livre) são tratadas como categorias fechadas e
estanques.
A partir dos exemplos destacados nas gramáticas normativas, os manuais didáticos,
dicionários técnicos, e ainda, os estudos apontados por Cunha (2008a, 2008b), Maingueneau
(1989, 1996, 2002), Kies (2011) e (GENETTE apud BERGEZ,1994) reconhecem que é
possível observar, que qualquer modo de reportar o discurso de outro, seja na forma DD, DI,
DIL ou discurso narrativizado, é necessário que haja uma organização sintático-semântica,
entre o discurso reportado e o discurso que reporta.
Contudo, se analisarmos obras contemporâneas veremos que não existem regras
sintáticas definidas para inserir um enunciado de outrem. A organização sintático-semântica
do enunciado reportado, condiciona a forma como o DR é inferido, pelo locutor ou narrador.
Tomemos a epígrafe de José Saramago no início do capítulo:
[...] como se acabasse de descobrir algo que estivesse obrigado a saber desde muito
antes, murmurou triste, É desta massa que nós somos feitos, metade da indiferença e
metade de ruindade. Ia perguntar, duvidoso, E agora, quando compreendeu que tinha
estado a perder tempo, que a única forma de fazer chegar a informação aonde
convinha, por via segura, seria falar com o diretor clínico do seu próprio serviço
hospitalar, de médico para médico, sem burocratas pelo meio, ele que se
encarregasse depois de pôr a maldita engrenagem oficial a funcionar. A mulher fez a
ligação, sabia de memória o número do telefone do hospital. O médico identificouse quando responderam, depois disse rapidamente, Bem, muito obrigado, sem
dúvida a telefonista perguntara, Como está, senhor doutor, é o que dizemos quando
não queremos dar parte de fraco, dissemos, Bem, e estávamos a morrer, a isto chama
o vulgo fazer das tripas coração, fenômeno de conversão visceral que só na espécie
humana tem sido observado. (SARAMAGO, 1995, p. 40 e 41).
José Saramago, conhecido por ser o autor que brinca com a pontuação, é um exemplo
de que não existem normas sintáticas para exprimir o enunciado de personagens. Sua obra
quase sem pontos finais, cadenciada nas pausas por vírgulas, subverte a norma. Neste caso, a
inferência do DR assume outra ordem, não mais condicionada às normas gramaticais, mas ao
uso propriamente dito deste elemento linguístico, isto é, em seu funcionamento discursivo.
O recorte em destaque revela as hesitações do médico que, na condição de cego, relata
um caso de calamidade pública (epidemia de cegueira). A primeira parte do enunciado
42
esclarece esta assertiva “como se acabasse de descobrir algo que estivesse obrigado a saber
desde muito antes, murmurou, triste, É desta massa que nós somos feitos, metade da
indiferença e metade de ruindade”.
Na continuidade do enunciado há um imbricamento, entre a figura do narrador e a do
personagem, isto é, o enunciado referente ao narrador mescla-se com o enunciado do
personagem. Contudo, não há marcas explícitas, como apontam os estudiosos anteriormente
citados, de modo que, há uma dificuldade em reconhecer o que é reportado e o que não é
reportado, nessa citação. A continuidade do fragmento diz: “Ia perguntar, duvidoso, E agora,
quando compreendeu que tinha estado a perder tempo, que a única forma de fazer chegar a
informação aonde convinha, por via segura, seria falar com o diretor clínico do seu próprio
serviço hospitalar, de médico para médico, sem burocratas pelo meio, ele que se encarregasse
depois de pôr a maldita engrenagem oficial a funcionar”. O enunciado relata um dado
acontecimento da história (pandemia de cegueira) reportando a fala, ou melhor, os
pensamentos do médico. Com efeito, é difícil identificar realmente a quem se refere o
enunciado empregado, se ao narrador ou ao médico.
Nosso interesse em conceder um capítulo para a concepção do DR, em suas mais
diversas perspectivas, revela a querela entre as marcas explícitas destacadas pelos estudiosos,
e como de fato o DR é concebido, na literatura. Distinguir o DR, especificar os limites e as
propriedades não é tão trivial quanto parece.
A escrita peculiar de Saramago esclarece nossa reflexão. O autor faz malabarismos de
entonação, que obrigam o respirar alheio a acompanhar o texto. Podemos dizer que o modo
singular de escrita de Saramago é uma subversão à norma contemporânea e o que caracteriza
a escrita de Saramago é, forçosamente, o que o distingue do uso comum.
A articulação entre a concepção do DR e a epígrafe de uma obra contemporânea
destaca este caráter subversivo, inerente ao ato de criar. Tendo em vista que o trabalho se
propõe a analisar formas do DR, nas histórias em quadrinhos produzidas em manuscritos
escolares de alunos do 1°ciclo do Ensino Fundamental, pretendemos investigar esse processo
de criação, do qual o DR é o mecanismo utilizado para estabelecer a fala dos personagens.
Partimos do pressuposto de que tal mecanismo, conforme observado no fragmento de
Saramago, não contempla a pontuação canônica, contida nas gramáticas.
43
2 REPORTAR O DISCURSO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Quando palavra e imagem se “misturam”, as palavras
formam um amálgama com a imagem e já não servem para
descrever, mas para fornecer som, diálogo e textos de
ligação27. (EINSNER)
É sabido que as histórias em quadrinhos possuem particularidades distintas de
narrativas canônicas, como histórias clássicas, contos de fadas etc. Antes de discutir o que o
título propõe, voltamos nossa atenção para trabalhos direcionados ao processo de aquisição de
linguagem. Nesta seção, optamos por destacar, inicialmente, os estudos que analisam o
processo de aquisição de narrativas, focalizando, sobretudo, a manifestação do DR, no gênero
escolar escrito.
Neste âmbito, destacamos o trabalho de Perroni (1992) e Calil (2008a, 2009). Os
pesquisadores reconhecem a resistência e uma indeterminação na fala da criança, a primeira
investiga, no terreno da narrativa, a relação estabelecida entre a criança e a língua. Para este
último, sujeito e língua estão em processo de constante estruturação, cujas relações indicam
que o sujeito é “capturado” pela língua.
2.1 Cruzamento de estruturas: o que fica no caminho
A obra “Desenvolvimento do Discurso Narrativo”, de Perroni (1992), é digna de
atenção por diferir significativamente de estudos em aquisição de narrativas contemporâneas,
na qual, antes, a estrutura narrativa - em geral - encontrava-se num quadro teórico
cognitivista. Afastando-se desta área, a pesquisadora focaliza o processo e não o produto,
valorizando aquilo que não era passível de higienização ou homogeneização.
Perroni (1992), em estudo longitudinal, analisa narrativas de duas crianças de classe
média, na faixa etária de 2 a 5 anos, e observa a presença de elementos incorporados nas
narrativas das meninas, oriundos de histórias tradicionais, da fala do adulto ou de relatos de
situações cotidianas. Explorando o que este processo revela, Perroni faz referência aos
chamados “jogos de contar” (construções conjuntas de narrativas), onde o adulto faz
27
Citação do livro: “Quadrinhos e Arte Sequencial”. (EINSNER, 1999)
44
perguntas que possam favorecer o surgimento de uma narrativa, ou interpreta os enunciados
da criança, fazendo com que parte deles seja uma narrativa28.
Dentre muitos aspectos observados, Perroni identificou, nos “jogos de contar”, três
tipos “primitivos” de narrativas, em seus dados: estórias (enredo fixo com macroestrutura
tradicional) - a criança baseia-se no construto ficcional e utiliza marcadores como: era uma
vez, aí, então e depois; os relatos (compromisso com a verdade, experiências vividas) e os
casos (cruzamento de estórias e relatos - realidade fictiva).
A respeito da construção dos casos, com destaque no desenvolvimento do discurso
narrativo, a criança lança mão de alguns recursos de construção para compor o “caso”, quais
sejam: “colagens”, “combinações livres” (recursos linguísticos) e “apoio no presente”
(recurso não-linguístico).
Na colagem, as crianças incorporam e ajustam - em seus textos - construções
sintático/semânticas de fragmentos de estórias conhecidas e excertos de diálogos, ou seja,
ocorrências de discursos diretos clássicos.
A combinação livre mescla efeitos de referencialidade e ficcionalidade. Esta
combinação muitas vezes cria efeito de dispersão, que podem ser evidenciadas por meio de
dois níveis: lexical e do discurso29.
E, por fim, no apoio no presente são inseridas as narrativas, e as experiências ou
objetos presentes - no momento da interação -, que desencadeiam lembranças de eventos
passados.
É interessante notar que os três recursos (colagem, combinação livre e apoio no
presente), articulam-se entre si, caracterizando a técnica narrativa primitiva.
Partindo dos textos narrados, a pesquisadora preocupa-se em analisar a estrutura
sintática da produção oral, observando eventos de discurso direto e indireto, postula:
No que diz respeito ao desenvolvimento dos discursos direto e indireto, notou-se nas
narrativas das crianças relativas à fase aqui em estudo, que tentativas de construção
de discursos indiretos precedem outras de direto, como se os personagens estivessem
nelas desprovidos de identidade independente do discurso em que se inserem.
(PERRONI, p. 131, 1992).
28
É importante especificar que o adulto, nas suas primeiras fases, atua ativamente no processo, dando
encadeamento ao enunciado da criança e instituindo objetos presentes no momento da interação, para
desencadear lembranças, sendo estas chamadas protonarrativas.
29
Nível lexical – criação de palavras não existentes, utilizando combinações de fonemas/morfemas da Língua
Portuguesa, expressões semanticamente não interpretáveis, produzidas para preencher espaços gramaticais,
dentro dos enunciados da criança. Nível do discurso – ordenação lingüística, de maneira não ordinária, de
eventos/ações, que foram observados pela criança, com a função de preencher espaços ou lugares narrativos,
resultando em uma não-realidade.
45
Certamente, Perroni expõe não apenas uma dificuldade linguística stricto sensu, cuja
ênfase se dá na transposição entre discursos, mas a responsabilidade de dar voz ao
personagem, na narrativa. Em trechos como: “Falou que... que essa, essa caixa de anel, faz,
faz a gente lembrá.” “Ela falou assim comigo que, que não, não tem, não tem exame de
sangue lá no, no, no caraba.” “[...] e um, e um médico falou assim que ele morreu de [...]”
(PERRONI, p.131, 1992).
Os trechos - eventos de narrativa de N. -, expressam sua dificuldade em inserir o
personagem, independente da figura do narrador. A hesitação da criança ao inserir a fala do
personagem torna-se evidente no enunciado: “Falou que... que essa, essa caixa de anel, faz,
faz a gente lembrá.” “Ela falou assim comigo que, que não, não tem, não tem exame de
sangue lá no, no, no caraba”. A criança não consegue inserir a fala do personagem e
reformula, tentando dar ênfase ao enunciado. O emprego do discurso direto ganha espaço,
como incorporação de parte de alguma narrativa conhecida.
Numa certa altura, como bem pontua Perroni, pouco antes dos cinco anos, a criança
desempenha maior autonomia, na construção de narrativas. Produzindo pontos de referência,
ordenando e relacionando eventos temporalmente, a criança passa a exercer uma função mais
atuante, na narrativa, como em: “quando ela pôs a roupa, ela espetou a agulha e desmaiou”
(PERRONI, 1992, p. 156). Aqui, diferente da fase das protonarrativas, o adulto não é mais a
figura que desencadeia eventos, a partir de perguntas.
Outro fato importante a ser destacado é o período no qual a criança infere personagens
na narrativa e utiliza o discurso direto, para marcar a fala do personagem. Assim, o discurso
direto é acrescentado à narrativa, com os devidos ajustes, já que, o emprego do dêitico “eu”
ganha relevo nas criações: turno 28–, indicação da fala do personagem: “Oi, pai, cê não sabe
duma coisa! Eu encontrei uma moça maravilhosa! Quero casar com ela!” (Perroni, 1992, p.
160). Contudo, esta apropriação ainda não é plenamente consolidada. Em outro turno, ainda
na mesma história não é possível saber a quem se atribui a fala: “daí chegou tudu mundo...
Daí casaram, daí falou: __’Azul! Vermelho! Azul! Vermelho!’ Daí ficou cor!” (Perroni, 1992,
p. 160).
Embora seja um trabalho antigo, a pesquisa de Perroni, conforme já mencionado,
difere significativamente das pesquisas antes estruturadas num quadro teórico cognitivista.
Sua pesquisa evidenciou a dificuldade da criança em inserir a fala de personagens (DD),
apontando para construções em (DI), como precedentes de construções no discurso direto.
Refletindo sobre como o discurso reportado é inserido, talvez esta dificuldade seja
intrínseca, pelo simples fato de que qualquer narrativa necessita de uma descrição inicial ou
46
de uma contextualização da história, para então, evidenciar a fala de um personagem.
Retornemos ao exemplo utilizado a partir do conto de Hobin Hood, no capítulo anterior, para
especificar o efeito descritivo das narrativas e o uso de falas de personagens, em sua forma
indireta.
As duas famílias se reuniam frequentemente, e enquanto as crianças brincavam
juntas, os condes conversavam sobre o reino, onde as lutas pareciam não ter fim.
(OCHOA, 2008, p.2).
A história narrada traz o enunciado dos condes, de forma indireta: “os condes
conversavam sobre o reino, onde as lutas pareciam não ter fim”. Contudo, para maior
compreensão da história é necessário descrever o cenário, isto é, destacar as circunstâncias em
que uma dada ação ocorre, já que não há a imagem pictórica para cumprir esta função,
diferente do que ocorre nas histórias em quadrinhos, na qual a “sintaxe visual” permite
reconhecer o enquadramento e, consequentemente, em que circunstâncias um enunciado é
reportado. Voltaremos a essa discussão logo mais. Por ora, vejamos - no gênero escolar
escrito -, especificamente em histórias inventadas, fenômenos de recorrência de elementos
característicos das histórias em quadrinhos.
2.1.1 Fenômenos de recorrência de elementos discursivos dos gibis em histórias inventadas
Calil, em “Cadernos de histórias: o que se repete em manuscritos de uma menina de 6
anos?”, analisa os cadernos de histórias inventadas pela menina Nara, num contexto não
escolar30. O pesquisador, com objetivo de analisar as relações constituídas entre aquele que
escreve e o texto que está sendo escrito, verificou, no conjunto de 63 manuscritos - três
cadernos de Nara - um intenso “cruzamento de gêneros” indiciado por uma grande
heterogeneidade de enunciados, que muitas vezes surgem de forma fragmentada. (CALIL,
2008a). Vejamos o recorte a seguir:
30
O corpus incide sobre a produção de Nara, 6 anos, que entre 1991 e 1992, escreveu 63 manuscritos em três
cadernos diferentes. O objetivo inicial estava centrado em documentar a emergência de textos, a partir do
interesse da criança, e, nesse sentido, a necessidade do registro de cadernos escritos em contexto familiar era
fundamental, para analisar o que surgisse deste processo.
47
Figura 2 - Cadernos de Histórias: (3° e 4° manuscrito de Nara)
Fonte: (CALIL, 2008a)
O 3° manuscrito indica, como marca constitutiva do processo autoral de Nara, a
inferência de fenômenos linguísticos, que evidenciam o gênero em quadrinhos. Embora Nara
inicie a história com “[H]AVIA U[MA] MININA FIDIDA”31 - estrutura própria de um “conto
de fada” -, insere em seu texto “quadrinhos”, que remetem à estrutura gráfica dos gibis. Além
disso, o manuscrito apresenta balões e falas soltas, indicando o enunciado da menina fedida
como o “LALA” referindo a lalação ou mesmo falatório (conversa sem importância). O 4°
manuscrito, assim como o 3°, também é constituído de falas soltas de personagens, associadas
à imagem e destacam a estrutura heterogênea, no manuscrito de Nara.
A história inventada de Nara reflete a interferência das histórias em quadrinhos,
gênero avidamente lido, não só no ambiente escolar, como também no familiar (CALIL,
2008a). A intensidade dos fenômenos de recorrência de elementos linguísticos advindos dos
31
Optamos por utilizar a mesma grafia destacada pelo pesquisador, acrescentando, entre colchetes, letras, sílabas
ou palavras, ausentes na escrita de Nara.
48
gibis persiste e se concretiza, com a inserção das onomatopéias (ligadas a atos de
proferição)32.
Observem o recorte a seguir:
Figura 3 - Cadernos de Histórias: (51° manuscrito de Nara)
Fonte: (CALIL, 2008a)
Um ano após o desenvolvimento do 3° e 4° manuscrito, Nara ainda apresenta
elementos linguísticos que assimilam as formas apresentadas nas histórias em quadrinhos. O
manuscrito destaca fenômenos de recorrência e interferência, dos gibis da Turma da Mônica,
como: onomatopeias e falas soltas de personagens miscigenada a voz do narrador. É possível
observar que a criança ao utilizar a voz do narrador registra um acontecimento “Compraram
comida e não deu nada para a comilona” e, por meio de verbos como “chorar” e “rir”,
representam lexicalmente um ato de fala introduzindo a fala de personagens: BUÁAAAAA
(choro) e AAAAAA (risada). O manuscrito denota estruturas sintático-enunciativas que se
mesclam. Notem que os enunciados BUÁAAAAA e AAAAAA, são circundados por balões
(elemento que condiciona a fala na HQ). Embora o manuscrito atenda à estrutura das histórias
clássicas, em determinado momento da narrativa, a inserção de enunciados envolvidos pelo
balão, singulariza a escrita de Nara e, consequentemente, o seu processo autoral.
Os sintagmas utilizados pela criança, além de apresentar a estrutura dialogal,
representam e intensificam as marcas próprias do gibi, por meio das onomatopeias. Segundo
32
Inserem-se na pesquisa os mais diversos tipos de onomatopeias, como aquelas que descrevem acusticamente
um objeto, pela ação que exprime. Para usar o exemplo do pesquisador, o tique-taque do relógio. Daremos
destaque, apenas, às onomatopeias relacionadas a atos de fala.
49
Calil (2008a), a força com que estas formas invadem os manuscritos de Nara, advindas dos
gibis e dos contos de fada, faz com que seus textos ganhem uma dimensão, que singulariza
seu processo autoral. O pesquisador destaca ainda que essas recorrências, fortalecidas por
uma dimensão interdiscursiva, revelam os aspectos ligados às práticas culturais (práticas de
leitura e escrita), às quais a criança está submetida, garantindo assim, sua inscrição em um
modo de funcionamento linguístico-discursivo, que traz, simultaneamente, um registro
imaginário, no qual estes enunciados ganham sentido e um registro simbólico, em que se
constituem as relações de diferença e semelhança, entre um gênero e outro (CALIL, 2008a).
Ainda sobre o 51° manuscrito (figura 3), estendemos um pouco a discussão, agora
focalizando o aspecto semântico dos verbos. “Chorar” e “rir” desencadearam enunciados, que
relatam estados subjetivos dos personagens - tristeza e alegria -, figurados em forma de
onomatopeias, que expressam a fala de personagens.
Podemos dizer que a introdução do discurso reportado reconhece um descompasso
entre discurso citante (narrador) e fragmento citado (fala de personagem). O verbo que rege o
enunciado, no manuscrito de Nara, expressa estados subjetivos, e, desse modo, o verbo é
caracterizado como sentiendi. Considerando que os verbos “expressam estado de espírito,
reação psicológica dos personagens, emoções” (GARCIA, 1996, p. 132), provavelmente,
justificaria a especulação de Calil, ao mencionar que a menina “parece ora brincar com os
sons que estas formas apresentam, ora jogar com a própria repetição gráfica manifesta em
seus manuscritos” (CALIL, 2008a, p. 15).
É pertinente destacar aqui a necessidade de distinguir as informações veiculadas
pelos verbos dicendi e sentiendi, pois é o sentido do verbo que permite balizar a citação. O
verbo “responder”, por exemplo, situa relativamente a uma fala anterior, e “murmurar” referese a uma informação sonora. Há verbos que possuem valor descritivo como “repetir” e
“anunciar”, outros possuem valor apreciativo, que implica um julgamento de valor (bom/mal)
do enunciador do discurso reportado, como “lamentar” e “gritar”33. Esse pequeno desvio é
importante para especificar essa função predominantemente descritiva do verbo. No dado de
Nara, o choro (representando a tristeza) e a risada (representando a alegria) fazem toda a
diferença, no texto manuscrito. Em uma história em quadrinho a quem seria atribuído essa
função descritiva? No momento oportuno, voltaremos a essa discussão.
33
Maingueneau toma a teoria de C. Kerbrat - Orecchioni para propor o valor semântico dado aos verbos
introdutores do discurso citado. Para maior compreensão, ver KERBRAT- ORECCHIONI, C. L’ enonciation de
la subjectivité dans le langage, Paris, A. Colin, 1980, p.115.
50
2.1.1.1 Uma c(l)ara onomatopeia: um caso de discurso reportado
Posteriormente, Calil e Del Ré (2009) analisam, em uma história inventada por Nara e
sua amiga Isabel, um caso de onomatopeia visual34. As meninas são instruídas a escreverem,
juntas, um único texto. Nesse processo, a partir do registro áudio-visual, prática recorrente da
metodologia empregada pelos pesquisadores, foi possível acompanhar todo o processo de
escritura, registrando, não somente o que diziam enquanto a história era escrita, como
também, o que rasuravam, durante o processo de escritura.
Partindo do manuscrito “Os três Todinhos e a dona Sabor” 35 e do registro áudio-visual
do processo de criação, os investigadores identificam a onomatopeia como fenômeno de
recorrência na escritura, mas com uma característica singular.
Figura 4 - Onomatopeia: fenômeno recorrente na escritura
Fonte: (CALIL; DEL RÉ, 2009)
No recorte acima, o espaço em branco demarcado, entre a fala do personagem - “Oi
Tudo bem?”- e o enunciado do narrador - “Então eles perceberam” -, chama a atenção por
representar uma onomatopeia visual. Segundo os pesquisadores, este vazio possui uma
representação linguística, uma marca gráfico-visual, que representa claramente a ausência de
enunciado, já que o feiticeiro havia provocado o silêncio, por meio do feitiço. Tal marca é
34
Diferente do trabalho de 2008, os investigadores propõem uma análise a partir de um texto multimodal. O
manuscrito analisado fora produzido num contexto escolar, com o apoio metodológico no programa Eudico
Linguistic Annotator (ELAN), cuja técnica se assenta em registrar visualmente o processo de escritura em ato.
35
Na história dos Três todinhos e a dona Sabor, os todinhos considerados como filhos da Dona Sabor só falavam
e a mãe - dona Sabor - irritava-se com o falatório. De repente, surge na história um feiticeiro que deixa os
Todinhos mudos e resolve o problema da Dona Sabor.
51
atribuída à intensa relação de alteridade, advinda do universo letrado em que as alunas
estavam inseridas, a saber, as histórias em quadrinhos.
A onomatopeia visual tida como “cara” o é por atestar, no registro áudio-visual da
produção do texto, o exato momento que traduz este ato no processo de escritura36:
Figura 5- Um caso de onomatopeia visual na história inventada
Fonte: (CALIL; DEL RÉ, 2009)
O registro da combinação do texto escrito, conforme indicado no programa ELAN
evidencia a fala-muda (apenas gesticulada a partir de um movimento afirmativo) que seria
efetuada pelos filhos, em resposta ao questionamento da mãe: “Oi tudo bem?”. Os autores
certamente tinham como pretensão destacar a onomatopeia visual, o que o fazem com
maestria. Filiado a uma concepção de sujeito submetido ao funcionamento linguísticodiscursivo, cujos operadores metafóricos e metonímicos permitem indiciar as relações entre
língua e posições subjetivas, instauradas por aquele que escreve Calil e Del Ré (2009)
observam que a manifestação visual da onomatopeia levanta como questão a relação de
alteridade, presente no manuscrito.
A natureza desta relação é dada por meio de “figuras de texto37”, na qual se estrutura,
a partir de uma espécie de colagem estabelecida pelo sujeito e a partir do universo cultural,
que reveste sua escrita. Nesse dado, o espaço em branco sustenta-se através do balão-mudo,
36
É importante mencionar que o foco da análise refere-se ao modo como o texto escrito se estabelece na história
inventada, pois isto implica a análise minuciosa de tudo que é dito no processo de criação.
37
“Figuras de texto” é um termo cunhado por Calil, com base em Dufour (2005), ao explicitar sobre as figuras
do Outro, cuja instância se estabelece para o sujeito, numa anterioridade fundadora, a partir da qual uma ordem
temporal torna-se possível; é também um “lá”, uma exterioridade, graças à qual pode se formar um “aqui”, uma
interioridade (DUFOUR, 2005, p.38). O acesso a esse Outro somente se dá por meio de “estrutura de ficção”, de
forma simbólica e imaginária. A pesquisa de Calil associa a figura do Outro a figuras de texto, uma vez que, o
Outro - no processo de escritura da criança - é presentificado, por meio dos textos.
52
apresentado nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. A estrutura linguística,
advinda dos gibis, mesmo que de forma subvertida, revela o quanto a dupla está afetada pelas
histórias em quadrinhos, representadas aqui como “figuras de texto”, isto é, o universo
cultural que sustenta a escritura de Nara e Isabel.
Embora não seja esse o enfoque dos autores, é interessante acrescentar que a “clara” e
“cara” onomatopeia destacam, precisamente, um discurso reportado. Segundo os estudiosos:
“A emergência da representação gráfica, advinda de uma relação associativa do balão mudo
do universo das HQ nomeado pelas meninas como ‘buraco’ ganham fluxo linguístico,
articulando o que já foi escrito, com o que ainda será” (CALIL; DEL RÉ, 2009, p. 17). Ora, a
resposta em forma de “silêncio”, como quem quer dizer “sim” a partir do gesto afirmativo,
atribui um valor linguístico e enunciativo, ao “buraco”, inferindo-se daí, que se trata de um
discurso direto, mas de forma subvertida. Assim, como a onomatopeia foi identificada, jamais
poderíamos caracterizar o espaço vazio como DR, sem o apoio do programa.
As pesquisas indicadas nesta seção, embora não contemplem o DR, procuram uma
aproximação com o desenvolvimento do discurso narrativo em histórias inventadas por alunos
recém-alfabetizados, uma vez que, os modos de organização destas histórias possuem
elementos linguísticos constitutivos do discurso reportado: discurso direto, discurso indireto,
marcas dêiticas, tempos verbais.
Os trabalhos de Calil (2008a) e Calil e Del Ré (2009) constataram fenômenos de
recorrência de propriedades linguísticas das histórias em quadrinhos, em histórias inventadas.
A correspondência marcada entre os recursos linguísticos, utilizados na HQ e no texto criado,
nos faz refletir como esta suposta relação pode interferir no processo de criação e como elas
se singularizam, a partir do ato enunciativo de cada escrevente.
Nossa intenção é partir do caminho reverso dos últimos trabalhos desenvolvidos por
Calil. Certamente, os trabalhos destacados fazem referência às histórias inventadas e à
“influência” recorrente das histórias em quadrinhos, durante o processo de criação.
Considerando que as histórias em quadrinhos possuem um lugar privilegiado, durante o
período de apropriação da linguagem, vejamos como é inserido o discurso reportado, bem
como, suas possibilidades lingüísticas, na história em quadrinho. O que está em jogo não se
trata, tanto, das formas de discurso reportado típicos do gênero, mas a maneira como os
alunos estão atrelados ao modo de funcionamento linguístico-discursivo. Para dar
prosseguimento à questão, vejamos a linguagem correspondente à história em quadrinho.
53
2.2 O Discurso reportado e a linguagem correspondente à história em quadrinho
A história em quadrinho, doravante HQ, exerce uma manifestação autônoma, assim
como a literatura, o cinema, a dança, a pintura, o teatro, e tantas outras formas de expressão.
Esse entendimento é corroborado por diferentes autores, como Moacy Cirne (1977, 2000),
Will Eisner (1999) e Daniele Barbieri (1998), para quem os quadrinhos já teriam “se
emancipado” e construído recursos próprios de linguagem.
Os quadrinhos, também conhecidos por gibis, apresentam uma modalidade própria de
linguagem expressa por meio da combinação entre os códigos verbal e não-verbal, a saber, o
texto e a imagem38. A sequência cronológica advinda de imagens inter-relacionadas
desenvolve narrativas envolventes, que fascinam e desenvolve o hábito de leitura,
favorecendo assim o processo de ensino-aprendizagem, especificamente, no período de
alfabetização. Tal assertiva justifica a especificidade didática deste gênero textual, atualmente
valorizada no Ensino Fundamental, como pontua Ramos (2009), Rama et al (2004) e os PCN
Brasil (1997).
Nossa questão parte dos trabalhos de Calil (2008b, 2009), sobre processos de criação
textual em alunos recém alfabetizados e pretende mapear as formas de representação do DR
que emergem em manuscritos escolares de alunos de um 2º ano, de uma escola municipal
(Maceió).
Reconhecendo a escassez de estudos que tratem de seu aspecto linguístico-
discursivo, questionamos como estes alunos constroem as falas dos personagens. Para tanto,
observemos o que a literatura especializada versa a respeito da organização textual deste
gênero.
Segundo Lins (2008), as histórias em quadrinhos, linguisticamente, caracteriza-se por
constituir textualmente a “reprodução” da língua falada, atualizada nos diálogos construídos,
nas interações entre personagens. De modo similar, Rama et al (2004), Gimenez-Mendo
(2008), Ramos (2009) compreendem os diálogos como recurso de maior identificação dos
quadrinhos, enquanto linguagem.
Com esse raciocínio pode-se inferir que a disposição gráfica dos diálogos é
determinada pelos balões, cuja função é propriamente enquadrar a fala dos personagens, como
38
Essa modalidade própria de linguagem expressa por meio do imbricamento, entre verbal e não verbal, nos
gibis, é regida pela Semiótica, cujo objeto de investigação refere-se a todas as linguagens possíveis. Santaella
(1983) compreende que as histórias em quadrinhos são estruturadas por procedimentos técnicos e visuais. Para
maior compreensão, ver a discussão feita por Ferreira (2010), acerca das relações propostas por Santaella (2008),
entre imagem e texto.
54
aponta Eisner (1999, p. 26): “O balão é um recurso extremo. Ele tenta captar e tornar visível
um elemento etéreo: o som”.
Estas observações acerca do balão e de seu significado linguístico, coadunam-se com
Luyten (1985), que há muito tempo já havia universalizado o conceito dos balões:
O balão é a marca registrada dos quadrinhos [...]. Com o aparecimento do balão, os
personagens passam a falar e a narrativa ganha um novo dinamismo, libertando-se,
ao mesmo tempo, da figura do narrador e do texto de rodapé que acompanhava cada
imagem. Com essa autonomia, cada quadrinho ganhou uma incrível agilidade,
porque passou a contar no seu interior, integradas à imagem, com todas as
informações necessárias para o seu entendimento. Os personagens passam a se
expressar com suas próprias palavras. (LUYTEN, 1985, p. 12).
Conforme visto, os pesquisadores da área corroboram da mesma concepção, em torno
da linguagem verbal dos quadrinhos e determinam que o texto contido no interior de cada
balão é constituído pela fala do personagem.
Partindo desta compreensão, acreditamos que os diálogos contidos na HQ, de fato, são
compostos por um corpo que acondiciona o texto. Como elemento característico fundamental,
o balão - ligado por um prolongamento “rabicho” ou “apêndice” - aponta para um
personagem específico, indicando sua fala (RAMOS, 2009). Esta estrutura dialogal refere-se,
efetivamente, ao discurso direto e proporciona um dinamismo diferenciado à narrativa, que
nenhum outro gênero possui. A inclusão dos balões - elementos que representam o discurso
oral - integra-se à narrativa da HQ, fornecendo informações relevantes que, ao mesmo tempo,
se associam ao código não-verbal e auxiliam o desenrolar dos fatos. Sua função é integrar a
fala do personagem à narrativa.
É comum encontrar nas histórias clássicas, narrativas que utilizam o DD como recurso
linguístico para destacar a fala de um personagem, porém, nas histórias em quadrinhos, este
recurso é uma característica mais evidente. O balão direcionado a um personagem marca
graficamente os diálogos presentes nas HQ em geral. Nesse sentido, boa parte do enredo é
narrado por meio do DD, que por sua vez, conjugado aos elementos visuais, complementamse, para maior compreensão da história.
É essa compreensão que delimita as variadas formas compostas pelos balões. Vejamos
algumas, com base em Ramos (2009):
55
Figura 6 - Balão-fala
Fonte: www.monica.com.br (Página semanal 26)
A imagem traz dois tipos de balão da fala. De um lado, temos traçado contínuo
direcionado à Mônica, e de outro, o balão com traçado recortado direcionado ao Cebolinha,
que destaca a irritação do personagem com relação ao coelho.
Figura 7- Balão-pensamento
Fonte: www.monica.com.br (Página semanal 131)
A sequência desta tirinha (figura 7) nos permite especificar o balão em forma de
nuvem, simbolizando pensamento, direcionado ao Cebolinha, por meio de bolinhasquadrinho (lado direito). O balão com traçados recortados representa, vivamente, algazarra,
grito e o susto- quadrinho (lado esquerdo), direcionados, tanto para Mônica, quanto para o
Cebolinha, mas, com uma pequena diferença: o grito de Cebolinha é mais enfatizado, por
meio do letreiro destacado em vermelho.
O balão-mudo é outra forma corrente apresentada nos gibis, em especial nos da turma
da Mônica. Este balão é destituído da fala do personagem e indica a ausência de enunciado. A
tirinha a seguir é ilustrativa desse aspecto. Chico Bento, após ensaiar demasiadamente a
música que compôs para Rosinha, perde a voz. Para representar graficamente a perda da voz,
o balão direcionado ao Chico Bento é mudo, ou seja, sem enunciado:
56
Figura 8- Balão- mudo
Fonte: Revista Chico Bento: Bilhete, Bolo e Briga. n. 49, jan, 2011.
Há ainda o balão com o traçado pontilhado, indicando o cochicho. A tirinha abaixo
mostra a mãe do Cascão elogiando o filho, na tentativa de convencê-lo a construir brinquedos
com sucata. O gesto de Cascão colocando a mão de ladinho e fazendo mexericos com o leitor:
Tô gostando dessa rasgação de seda é acentuado pelo formato do balão pontilhado (indicado
pela seta), conforme se verifica abaixo:
Figura 9- Balão- tracejado
Fonte: Revista Cascão: O carrinho Ecológico. n. 49, jan, 2011.
Podemos acrescentar ainda a metáfora visual, uma espécie de balão, uma vez que a
mensagem dada revela expressões suprimidas, indicando de certo modo um ato de fala, ainda
que de forma figurativa.
Figura 10 - balão-especial
Fonte: www.monica.com.br (Página semanal 15)
Na imagem da figura 10 o lobo corre para alcançar os 3 porquinhos e se depara com a
porta fechada. A partir da imagem, identificamos que o ponto de exclamação circundado pelo
57
balão - associado à expressão facial de surpresa do lobo - indica uma metáfora visual. O
quadro seguinte consiste numa série de ícones como caveira, cobra, bomba, estrela e o próprio
sinal de exclamação, enfatizando a fúria do lobo. As metáforas destacadas nesta imagem
servem, portanto, para suprimir palavras obscenas e xingamentos. Ramos (2009) nomeia esse
tipo de balão como especial, por assumir a forma de figura e dar a conotação de um
sentimento visualmente representado.
Conforme vimos, os balões contribuem para o enriquecimento narrativo da história em
quadrinho. Frisamos que há uma diversidade de balões na literatura em HQ e que destacamos
apenas aqueles mais recorrentes, nas histórias de Maurício de Souza. Contudo, é importante
especificar que nem sempre a fala dos personagens vem representada por meio de balão,
acoplada ao apêndice direcionado ao personagem, visto que, muitas vezes, este recurso
gráfico é suprimido para dar enfoque ao personagem, ou à imagem, como ocorre no editorial
de Calvin e Haroldo.
Figura 11- Inexistência de balão
Fonte: WATTERSON, B. O mundo é mágico: as aventuras de Calvin & Haroldo, trad. Luciano Vieira
Machado, 2. Ed. SÃO Paulo: Conrad Editora, 2010, p. 127.
O 2° quadrinho da tirinha de Calvin tem seu balão suprimido para enfatizar, com mais
propriedade, a exaltação do personagem Calvin, ao convidar os colegas para verem a
atividade que trariam na próxima aula. O apêndice ou rabicho é apenas um traçinho acima de
Calvin.
É importante especificar que há poucos estudos que analisam a organização do
discurso em HQ. Dentre os pesquisadores citados apenas Einsner (1999), Ramos (2009) e
Lins (2008) enfatizam questões lingüísticas, relacionados ao gênero. Esta última faz uma
interessante análise a respeito do tópico discursivo, sustentado pelo contínuo, entre fala de
personagem e escrito.
Com base na linguística textual, Lins (2008, p.24) reconhece a noção de tópico - como
“aquilo sobre o que se fala” -, e, partindo dessa noção, analisa a organização do tópico
58
discursivo dos quadrinhos através de propriedades, como centração (falar de alguma coisa) e
organicidade, cuja propriedade compreende relações de “interdependência estabelecidas
simultaneamente nos planos hierárquico e sequencial” (LINS, 2008, p. 21), ou seja, a
conjugação entre imagens e os textos contidos na
HQ,
precisam garantir a
progressão/continuidade tópica, para que haja uma ordenação que assegure os sentidos do
texto. Com essa compreensão, a manutenção do tópico discursivo exige o estabelecimento de
um continuum imagem-texto, que garanta a harmonização da sequência narrativa.
A pesquisa da autora distingue-se das de outros autores – (CARVALHO, 2006;
RAMA, 2004) - que concentram seus trabalhos em características e valorização do gênero,
por focalizar o gerenciamento do sequenciamento discursivo, em sequências de tiras de
quadrinistas, como Ziraldo, Péricles, Milson e Miguel Paiva, com a finalidade de explicar
como “aquilo de que se fala se organiza em termos de continuidade na sequência tira a tira”
(LINS, 2008, p.49) e desse modo observar como os tópicos se relacionam.
A história em quadrinho, considerada por constituir um texto que se formaliza a partir
do diálogo e interação entre personagens, tal como pontua Lins “é um texto para ser lido, mas
com o objetivo de se escutar” (LINS, 2008, p.14). Este eixo é muito importante em nosso
trabalho, como o é, também, a “escuta”. Daí perguntamos: a criação do texto que compõe a
história em quadrinho – inventada por alunos recém-alfabetizados se concretiza em fala de
personagens?
É importante voltar ao conceito de discurso direto contido na gramática, para então,
refletir na função reporte, que a princípio é atribuída a HQ.
2.2.1 Forma linguística do DD na HQ
O discurso direto, segundo Maingueneau (1996), possui um complexo modo de
organização, que exige uma apresentação declarativa (verbo dicendi) de um locutor principal
(narrador) e convoca o enunciado de outrem, evidenciado pelo uso do dêitico pronominal do
enunciador (personagem). Esta é a estrutura canônica do DD, encontrada nas narrativas, de
modo geral. Em outras palavras, na narrativa ficcional o discurso direto caracteriza-se quando
o narrador, no momento em que transcorre um acontecimento, coloca em cena a voz do
personagem, introduzido linguisticamente pelo verbo dicendi ou de elocução (falar, dizer,
59
observar, perguntar, responder, declarar) seguido de recursos gráficos como “dois pontos”,
“travessão” e “aspas”. Como em:
__ Não sei mais o que fazer__disse ela afinal.
O enunciado refere-se à reprodução exata da fala da personagem, evidenciado pela
forma dêitica pronominal em 1ª pessoa do singular. O verbo flexionado (sei) denota o
enunciado no tempo presente e este tempo verbal estende-se ao momento em que o
personagem fala. Neste sentido, o tempo verbal no presente, intercalado à voz do narrador,
revela uma capacidade de mimese, demonstração e representação. Justifica assim, a
concepção de Bechara, ao mencionar que, no discurso direto “reproduzimos ou supomos
reproduzir fiel e textualmente as nossas palavras e as do nosso interlocutor, em diálogo”
(BECHARA, 1999, p. 481). Desse modo, o narrador - ao discorrer sobre uma história -, faz
introduções ou mesmo descrições, de determinada situação reproduzindo tal situação
enunciativa com o enunciado do personagem, evidenciado por recursos tipográficos.
Nesse caso, convém pensar o que seria enunciação nas histórias em quadrinhos.
Sabemos que a enunciação corresponde à atividade verbal no momento de sua realização,
como aponta Benveniste (1989), é este colocar a língua em funcionamento por um ato de
utilização, ou seja, um acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado. A
situação enunciativa é determinada pela imagem, elemento fundante neste gênero. A
sequência de imagens, cujo dinamismo favorece a fala de personagens (enunciado) impõe
estratégias de citação que recorrem ao discurso reportado, e ora evidencia o DD, ora o DI.
Refletir sobre a manifestação do DD remete-nos a uma representação de determinada
história e acontecimento. A capacidade mimética que o DD possui - ao discorrer a fala de
personagem - torna-se desnecessária, quando observadas sobre o gênero específico das
histórias em quadrinhos. A sequência narrativa é expressa por meio de imagens convocando
recursos gráficos específicos, dentre eles, a estrutura enunciativa na 1ª pessoa do singular,
circundada pelos balões. A inserção de desinências verbais de tempo e pessoa possui maior
significado semântico nos quadrinhos, em decorrência da imagem, cujo potencial semiótico
corresponde à situação espaço-temporal da narrativa (aqui e agora).
A combinação entre as imagens sequenciadas e os textos que geralmente acompanham
essas imagens e personagem possui um valor teatral. De modo mais preciso, a presença do
quadro composto pelo cenário representado e, principalmente, pela(s) personagem(ns) que
participam da história, comumente, narram uma história em seu “tempo real”, isto é, uma
60
ação narrativa que está acontecendo naquele momento, representada majoritariamente pelo
discurso direto. A figura do narrador, ao contrário do que acontece nas narrativas dos contos
de fada, sem acompanhamento de imagens é praticamente inexistente. O que prepondera na
história em quadrinho são os personagens que dialogam. A demarcação da voz do narrador
através de incisas como, “ele disse” ou “ele gritou chorando”, é, em parte, substituída pela
imagem, e o indicador gráfico corresponde aos balões que acompanham o texto em
quadrinho.
É importante ressaltar que nos gibis da Turma da Mônica, publicação voltada para um
público infantil, o que predomina é o discurso direto formado por construções sintáticas
relativamente simples. O discurso indireto, segundo os estudiosos em HQ, é pouco usual e,
quando presente, aparece em forma de “legenda” ou “recordatário”. Ramos (2009).
Conforme Rama et al (2004) e Ramos (2009) o enunciado presente no continente - em
forma de caixa ou de legenda - representa a voz onisciente do narrador da história. Este
recurso gráfico possui validade para cortes de tempo, indicações de ações paralelas ou
explicações iniciais e ainda para situar o leitor na época em que desenrola a história com
incisas: “Minutos depois/ No dia seguinte.../ Enquanto isso”. Em histórias seriadas, serve de
espaço, para recordação de acontecimentos passados.
Além de demarcar espaços de tempo, a legenda tem como função esclarecer e
informar um pormenor na narrativa, com expressões de sentimento ou percepção de
personagens.
Em contrapartida, se levarmos em conta a concepção da gramática, o DI apenas se
configura quando disponibilizamos o enunciado de outro, de forma indireta. Neste caso, é
comum na narrativa de um gibi e de uma história clássica, a indicação de ações que situam o
leitor na história, função esta atribuída ao narrador. Isto não necessariamente equivale ao
discurso indireto, e sim, ao discurso narrativizado.
Vejamos como ocorre o funcionamento linguístico-discursivo nas revistas em
quadrinhos de maior disponibilidade pública, ressaltando as peculiaridades do discurso
reportado.
61
2.3 Particularidades do DR nas Histórias em quadrinhos
Enquanto marca específica da HQ, os balões estruturam o gênero em quadrinhos e
introduzem a fala e o pensamento dos personagens, sendo que o contorno dos balões reflete a
natureza e a emoção da fala acrescentando um significado, que interfere na compreensão da
narrativa39. Este elemento gráfico é constitutivo da maior parte das HQ existentes atualmente
e detém as características do discurso direto, conforme indicamos na seção anterior.
Consideremos a primeira história em quadrinho, cuja semelhança em termos de
linguagem e valor artístico confere o aprimoramento de técnicas de citação dos quadrinhos. A
criação The Yellow Kid de Richard F. Outcault, de 1894, é considerada a obra que mais se
aproxima da concepção moderna que se tem atualmente dos quadrinhos.
O Yellow Kid era uma criança dentuça, com um sorriso bobo e trajava um pijama
amarelo, que continha frases e críticas ao regime da época. O garoto usava um jargão cheio de
gírias, numa linguagem típica dos guetos, enquanto circulava por uma vila cheia das mais
estranhas criaturas.
A obra de Outcault é destacada, em virtude de ter sido a primeira a usar os balões,
como artifício para mostrar falas de personagens, apesar de o próprio garoto só se comunicar
através de mensagens, que apareciam inscritas em sua roupa. É importante salientar que há
registros de outros trabalhos que demarcam mecanismo semelhante aos balões, empregados
pelos maias e filacteras40.
Contudo, somente a criação de Outcault utiliza este recurso (balão) - com um
personagem fixo - semanalmente publicado no jornal de World de New York. Assim, o
quadrinista firma seu trabalho e é concebido como o primeiro a introduzir e dar forma ao
balão. Observem as imagens abaixo e concentremos nos fatos, acerca do desenvolvimento
dessa nova arte.
39
Os balões, a sua cor, forma, espessura, tamanho etc. são elementos importantes e significativos para a
constituição do gênero, pois expressam de que forma os personagens vivenciam as situações constitutivas do
enredo desenvolvido.
40
Sobre isso, ver Ramos (2009).
62
Figura 12- Yellow Kid
Fonte: New York Journal- Domínio Público. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/189611-08_Yellow_Kid.jpg
Conforme observado na figura 12, Outcault passou a experimentar o uso de múltiplos
painéis e balões de diálogo. Embora não tenha sido o primeiro a usar ambas as técnicas, o
quadrinista criou o padrão, pelos quais os quadrinhos seriam medidos.
Para fins explanatórios, “Yellow Kid” possui um importante contexto histórico.
Outcault ao transferir-se para o jornal de Pulitzer, desencadeou uma briga entre jornais e seu
personagem “Yellow Kid” foi utilizado como instrumento, na histórica guerra de circulação
dos jornais. De um lado, o camisolão amarelo do personagem trazia frases humorísticas e
reivindicatórias e, por outro, no jornal (Pulitzer), o personagem era atacado como meio de
criticar o jornalismo escandaloso, estereotipando as tiras, como uma ferramenta polêmica e
apelativa de um jornalismo descomprometido. Nessas circunstâncias, os quadrinhos são
estigmatizados à condição de subliteratura ou sub-arte (MOYA, 1986).
Ao longo dos anos, superados os estigmas em torno do gênero, surgem novas
aventuras. Destacam-se no âmbito da produção internacional de quadrinhos as histórias de
Walt Disney apresentando narrativas que envolvem super-heróis como Batman; O Fantasma;
Mandrake; Liga da Justiça; editoriais de faroeste; e histórias em quadrinhos, com temáticas
que retratam um período histórico específico. Nosso objetivo é destacar aqui a forma
linguística apresentada na maioria das histórias mencionadas e, por fim, destacar as formas de
citação apresentadas nas aventuras da Turma da Mônica.
63
O editorial Walt Disney por um bom tempo dominou o mercado de quadrinhos,
personagens como Mickey Mouse, Pato Donald, Pateta e tio Patinhas ilustram o mundo
personificado de animais. As histórias possuem traços cômicos e são marcadas,
linguisticamente, pelo discurso direto. Comparado às outras HQ, a figura do narrador assume
lugar privilegiado, nos gibis da Walt Disney.
As figuras a seguir foram retiradas da revista do Tio Patinhas, cuja temática é o
período de férias, no qual todos se ausentam da cidade, com exceção do sovina Patinhas:
Figura 13-DR nos quadrinhos da Walt Disney
Fonte: Revista Tio Patinhas: Férias. São Paulo, abril. n. 03, p. 3.
Nas histórias da Walt Disney o narrador comparece a cada mudança de situação, de
cenário e, ainda, em comentários narrativos, durante o desenrolar da história.
Figura 14- DR nos quadrinhos da Walt Disney
Fonte: Revista Tio Patinhas: Férias. São Paulo, abril. n. 03, p. 20.
64
Como bom empreendedor, Patinhas planeja os futuros sucessos, no entanto, seus
parceiros profissionais decidem repentinamente viajar para Tapete, à procura do famoso
estilista Vardin. Patinhas, prevendo sua futura ruína, viaja com o sobrinho Donald para
impedir que Vardin faça parcerias com terceiros. Inicia-se então uma grande disputa, cujo
pano de fundo são inúmeras sifras e patacas.
Observem que a história, através do balão, demarca falas de personagens e a citação
direta, aqui, denota a estrutura dialogal consensual, entre estudiosos em HQ. A história,
embora possua informações que procuram contextualizar um período “julho- mês de férias”, a
partir do narrador - “Julho mês de férias em Patopólis! A cidade fica deserta, lojas fechadas,
tempo tranquilo” -, a ação narrativa, associada à imagem, sucede em “tempo real”,
representada predominantemente pelo discurso direto.
Outro importante editorial, reconhecido no universo dos quadrinhos, são as histórias
com super-heróis. A Liga da Justiça é uma equipe de super-heróis, criados pela editora
estadunidense DC Comics e inspirada na Sociedade da Justiça, criada na década de 40.
A entidade congregava super-heróis para lutarem em nome da justiça, contra
criminosos organizados para destruir o planeta Terra. O Super-Homem, como símbolo
máximo da superioridade americana do pós-guerra, é o líder da liga. Histórias com superheróis convocam narrativas de ação, e a participação ativa de personagens propicia maior
dinamismo à narrativa.
Com uma quantidade razoável de personagens como a Mulher-Maravilha, Batman,
Canário Negro, Arqueiro Vermelho, Raio Negro, Zatanna, Nuclear, Moça-Gavião, Lanterna
Verde, Flash, e Víxen, as histórias transcorrem com velocidade ágil e requerem informações
claras para compreensão da história, e, neste sentido, a voz onisciente do narrador personifica
na história em quadrinho. É possível notar que os recortes seguintes possuem enunciados no
alto do quadro, localizado à esquerda, cujas informações, marcam momentos simultâneos da
narrativa41.
41
As figuras indicadas narram conflitos internos entre a equipe da Liga da Justiça, e, enquanto isso, os
integrantes do grupo Divisão de Sombras aprisionam a Doutora Luz, para um objetivo ainda não esclarecido.
Paralelamente, a sede da Liga é invadida por uma dupla de membros de equipe clandestina, cujo objetivo é
roubar restos mortais de Doutor Luz. Este era apenas um dos obstáculos, pois o ladrão das sombras planejava a
destruição do planeta. Assim, dois grupos lutavam ferozmente para evitar a destruição da Terra, já que forças
gravitacionais estavam sendo lançadas a este planeta. O único, capaz de preservar a órbita terrestre, é o superhomem. Entretanto, nossos heróis não contavam que Ícone havia se aliado aos inimigos, e, desse modo, o resgate
de Doutora Luz não passou de uma tática apenas para dar vantagem estratégica ao Espiral Sombria.
65
Figura 15- Presença do narrador
Fonte: Revista Liga da Justiça: a um passo do fim. São Paulo, Panini Comics, abril. 2010. n.89, p. 12, 21,
respectivamente.
As legendas descritas: Metropólis/ Lar de Kimiyo Hochi e Em algum ponto no
Himalaia/ Espiral Sombria relatam informações adicionais, muito comuns em histórias
seriadas de super-heróis. Ao mesmo tempo em que a Liga da justiça discute conflitos internos,
Ícone engana seus amigos da liga para dar uma vantagem tática, ao inimigo Espiral Sombria.
TEX, quadrinhos de origem italiana, retrata a saga de um dos mais famosos cowboys
dos quadrinhos. O heroi - Tex (personagem que leva nome do editorial) - é um ranger do
Texas, uma espécie de polícia especial dos Estados Unidos. Atuando como representante da
lei, Tex é o chefe dos navajos, escolhido como agente dos indígenas para tratar, junto ao
governo, do destino da tribo. Tex chama a atenção, devido à riqueza de informações,
referências e verossimilhança, encontrada em suas histórias. Na figura 16 o personagem
principal atua como narrador, sendo que a sua voz está demarcada pela legenda, à esquerda do
quadro destacado entre aspas.
66
Figura 16- Presença do narrador na Revista Tex
Fonte: Revista TEX: A grande sede. São Paulo, Mythos, maio. 2010. n. 487, p. 12.
É interessante notar a articulação entre a fala de Tex - na posição de narrador - e a fala
dos personagens por ele destacados, e nos quadros, Tex destaca o espírito impetuoso do filho
Kit, ao desconsiderar seus avisos e a seguir pela água do pântano. Na legenda: “Foi o chefe
dos índios que deu o alarme”, onde o alarme, ou melhor, a exortação do índio, é mencionada
por Tex, contudo, a fala do índio é destacada pelo balão: “Não se atreva a se aproximar,
jovem branco! Volte agora mesmo!”, a legenda expressa a reação de Kit: “Mas Kit não deu a
menor atenção ao aviso”, contudo, somente o enunciado “fala de Kit” pode comprovar que o
garoto, realmente, não considerou os avisos indicados pelo balão de fala: “Não se preocupe,
amigo! Eu venho em paz!”.
O quadrinista Art Spiegelman, na obra: “Maus” criada em 1986 (vencedora do prêmio
jornalístico Pulitzer especial), retrata com maestria o sangrento e doloroso período do
Holocausto42. O relato traz a história dos pais de Spiegelman em campos de concentração
nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. No livro, os personagens são caracterizados com
feições animalescas, associadas a cada nacionalidade: os judeus são retratados como ratos, os
42
“Maus” foi publicado inicialmente em 1986 e, posteriormente, em 1991. A obra referida é um retrato fiel do
período da Segunda Guerra Mundial. Por meio de personagens como Vladek (pai de Spiegelman-ansioso, pirado,
avarento e neurótico - reflexo do sofrimento durante a Guerra) e de Anja, a mãe, figura frágil, que, diante de
tantas perdas, suicida-se. O autor consegue propiciar ao público o impacto causado pela reclusão, nos campos de
concentração nazista, das famílias judias, ao longo de gerações.
67
alemães nazistas como gatos, poloneses são porcos, e os estadunidenses são retratados como
cães.
Como toda história em quadrinhos, o enredo é conduzido de modo bem particular. A
narrativa é figurada grande parte, em forma de relatos. Os relatos - enfatizados pelo pai
(Vladek) - foram coletados durante visitas feitas pelo filho, este último enquanto personagem,
não só é o interlocutor do pai, que relata os eventos marcantes de sua vida, como também,
porque ressalta todo o remorso que sente por não ter vivido junto aos pais, naquela época. Tal
situação é enfatizada, quando Vladek falece, e Art convive com essa culpa.
Figura 17- DR em Maus
Fonte: SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente. Trad. Antônio de Macedo Soares. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 133.
O quadro acima chama atenção devido à presença de diferentes tipos de enunciado,
em DD. Conforme apontado nesta discussão, o DD comumente apresentado nas histórias em
quadrinhos, possui uma apresentação imediata e instantânea, daí podermos nominá-lo como
DD “puro”, “autêntico”, diferente do que ocorre no DD em sua forma clássica, no qual o
enunciado citado com intercala com a voz do narrador. Em “Vou pegar um suco, Você quer
também?”, é claro que estamos diante de um DD “autêntico”.
É interessante notar, que estes enunciados trazem - como ação principal - verbos no
tempo presente, visto que, este tempo verbal estende ao momento em que o personagem fala.
No enunciado de Mala (madrasta de Art) a personagem expressa outra situação, remetendo a
um evento passado como “Vou te contar uma coisa logo que casamos, eu precisava de roupa,
fazia um ano e meio.../ que Anja havia morrido. Ele me levou até o armário dela e disse:
‘Tudo isto é pra você!’ Eu disse que não tocaria em nada!”. A referência feita por Mala ao
enunciado de Vladek está relacionada ao discurso reportado em sua forma direta,
naturalmente, a personagem Mala encontra-se, nesse momento, como narradora de um fato. O
que procuramos destacar neste enunciado é o reporte da fala de Vladek (o pai de Art),
68
destacado em aspas: “Tudo isto é pra você!”. Este é caracterizado pela forma clássica,
presente nas gramáticas, na qual a voz do narrador é intercalada com a fala do personagem.
Vejamos outro recorte da obra:
Figura 18- DR em Maus
Fonte: SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente. Trad. Antônio de Macedo Soares. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 151.
Não é a toa que Maus foi premiada, a narrativa em nada deixa a desejar, pois os relatos
feitos pelo pai são sabiamente expressos, com traços que descrevem a complexidade de suas
emoções. O requadro, neste caso, é requisito básico para a construção da narrativa, e, com
exceção do 4º quadro, os restantes trazem à tona toda a cena enunciativa de quando Vladek,
clandestinamente, procurava abrigo para se refugiar. Graficamente, dos 5 quadros
apresentados, o 4º é o único que não possui requadro43. De fato, o quarto quadrante é
colocado em destaque em relação aos outros estrategicamente, para que Vladek colocasse em
foco o enunciado dos nazistas (DD) em sua forma clássica: “Os mães dizia: ‘Cuidado! Um
judeu vai vir pra te comer!’... Assim elas ensina para os filhos”. Podemos dizer que a ausência
de requadro especificamente neste quadrante marca o foco temporal necessário à narrativa.
Podemos dizer que a ausência de requadro, especificamente neste quadrante, marca o foco
temporal necessário à narrativa.
43
O requadro é tido como recurso narrativo nos quadrinhos e o seu propósito é aumentar o envolvimento do
leitor, impulsionando-o a lidar, essencialmente, com as dimensões sensoriais. Em “Quadrinhos e arte
sequencial”, Einsner (1999) faz alusão aos vários tipos de requadro e à sua importância, para a narrativa em
quadrinhos.
69
Qual seria a diferença entre o discurso reportado feito por Mala e o de Vladek? Ambos
são personagens inerentes à história, entretanto não são os narradores principais. Vladek
assume uma característica especial por relatar boa parte do enredo, mas não é o narrador de
“Maus”. No enunciado de Mala, o reporte feito refere-se a uma situação específica. Vladek
representa todo o flash-back de um evento anterior. Isto pode ser observado quando Vladek
falece e Art passa a ouvir a gravação feita, enquanto aquele ainda vivia. A imagem a seguir
traz duas circunstâncias distintas. Pode-se observar o recurso linguístico conferido à fala de
Vladek, destacada por meio do gravador, a qual é muito bem representada pelos traçados
pontiagudos, contrapondo o enunciado do narrador-personagem com o da figura do “real
narrador” de Maus, manifesto no alto do quadro “E assim”
Figura 19- Flash-back do narrador-personagem
Fonte: SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente. Trad. Antônio de Macedo Soares. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 207.
Conforme vimos, o DR é um elemento essencial nas histórias em quadrinhos, contudo,
não necessariamente imprescindível, e as histórias de Eva Furnari ilustram bem esta
afirmação. Na história abaixo, o código não-verbal, a saber, a imagem é apresentada
isoladamente. A trama é organizada, quadro a quadro, a partir de uma progressão temporal.
70
Figura 20- Quadrinhos sem balão
Fonte: Disponível em http://proportoseguro.blogspot.com/2009/02/eva-furnari.html
Como foi visto, a história é composta somente pelo código não-verbal, responsável por
todo o eixo narrativo/descritivo. A imagem neste caso é o único código informativo e cabe a
ela oferecer ao seu leitor “pistas” não-verbais, que permitam a compreensão da narrativa
(tempo, lugar, personagens, etc.), assim como, as suas respectivas características descritivas
(expressões faciais e corporais das personagens).
Observem que a imagem é autoexplicativa, e se estabelece uma sequência narrativa
que constitui uma sucessão de momentos. A bruxinha, enquanto lê, visualiza um gato fugindo
de um cachorro, e, diante disso, lança um feitiço e encolhe o cachorro, deixando-o
relativamente menor, que o gato. Contudo, o cachorro continua perseguindo o gato, uma vez
que, o feitiço lançado não transforma a natureza, ou seja, a essência, do cão.
A história em quadrinho, em geral, possui uma relação entre as cenas, sugerindo um
movimento e a representação de uma trajetória, isto porque a noção de movimento está
atrelada à de tempo. Daí o porquê da comparação entre os momentos - o que a bruxinha lança
um feitiço e transforma o tamanho do cão -, possibilitar a sucessão temporal. Deste modo, a
representação da ação torna-se presente e, digamos, “real”, no momento em que uma história
em quadrinho, seja por meio da imagem ou do texto, é lida.
71
2.4 O discurso reportado nas histórias da Turma da Mônica
Consideramos até aqui, particularidades referentes ao discurso reportado em algumas
HQ, e, certamente, as revistinhas de Maurício de Souza não são imunes de particularidades.
Neste tópico, além de observar como se organiza o DR nas histórias da turminha,
destacaremos grupos lexicais de maior uso por parte dos principais personagens (Mônica,
Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento)44.
Sabe-se que a história em quadrinho da Turma da Mônica é um clássico da literatura
infantil, cujo roteiro compreende um grupo de amigos, residentes no bairro Limoeiro, que,
juntos, protagonizam histórias recheadas de humor, perpassadas por temas infantis. O enredo
traz situações inteligentes acrescidas a uma dosagem de humor, que além de fascinar as
crianças é muito apreciada por adultos. Desde 1963, com a criação da personagem Mônica, a
turminha caiu nas graças do público, tornando-se um gênero potencialmente conhecido. Tais
histórias são caracterizadas por enunciados diretos. De fato, a trama é desenvolvida
essencialmente, através da fala de personagens, predominando o DD, mas de um modo
diferenciado e destituído de construções sintáticas, de enquadramento de discurso.
Podemos observar isto na sequência de imagens abaixo:
Figura 21- Revista Cebolinha Plano Infalível
Fonte: Revista Cebolinha. O torneio de planos infalíveis. Panini Comics. São Paulo. n° 40, p. 11 e
22 respectivamente.
Conforme dito anteriormente, a trama é desenvolvida por enunciados sob a forma
direta, como em: “Aí vem ela/Eu não devia ter me envolvido nesse “racaclá” desde o início!/
Concordo! Que tal um sorvete?/ O que houve?/ Sei lá palece que tenho um bulaco em minha
cabeça!”. Diferente das histórias de super-heróis que apresentam uma quantidade maior de
eventos linguísticos que figuram a voz do narrador, nas histórias da Turma da Mônica, vez ou
44
Estas observações serão úteis, frente aos dados analisados.
72
outra, a história procede com demarcações, que apresentam cortes de tempo e indicações de
ações paralelas ou explicações iniciais, como explicitam o 1° e o 2º quadro: Pouco depois
(demarcação de tempo) E... (efeito de continuidade, prosseguimento).
Além de esclarecer minúcias da história, a legenda - representada linguisticamente
pela figura do narrador -, pode apresentar comentários narrativos e questionamentos
reflexivos:
Figura 22- Narrador onisciente na Turma da Mônica
Fonte: Revista Cascão. A festa de Aniversário à Fantasia. São Paulo, Panini Comics, Nov. 2009.n.35, p. 7.
Consideramos que o narrador-onisciente é alguém externo à ação, que, em sua
natureza, assumiria a função de reportar a fala do outro. As informações, no geral localizadas
no alto da página, somente seriam concebidas como DI, se colocassem em destaque a fala de
algum personagem. Embora o DI esteja associado com o discurso do narrador, que coloca em
evidência a voz do personagem, esta apresentação precisa é pouco usual.
Dificilmente encontramos o DR em sua forma de estrutura indireta - 3ª pessoa do
singular acrescido de transpositor “que” -, cuja forma corrente nas narrativas canônicas, não
comparece, nos quadrinhos da Turma da Mônica. Esse tipo de ocorrência, somente é
evidenciado quando algum personagem recorta o enunciado de outro personagem, dito
anteriormente. O recorte abaixo é ilustrativo neste sentido, notamos que no 5º quadro o
personagem Titi recorta a fala da Mônica, mencionando algo “supostamente” já dito, na
tentativa de convencê-la a não bater na turminha.
73
Figura 23- DI na HQ da Turma da Mônica
Fonte: Revista Cebolinha. O torneio de planos infalíveis. Panini Comics. São Paulo. n°40, p. 21.
Conforme ilustra o 5° quadrinho, Titi, astutamente, engana Mônica dizendo que ela
queria convidar Luca para passear: “Você disse que veio convidar o Luca para passear no
parque/ Mônica diz: Disse?”. A indicação dada revela a fala de Mônica reportada por meio de
outro personagem (Titi). Esse seria um clássico exemplo de discurso reportado na forma
indireta.
A linguagem dos quadrinhos não é representada exclusivamente pelo DR, visto que,
grande parte dos acontecimentos registrados na cena dos quadrinhos é transmitida por meio de
onomatopeias e interjeições. Neste sentido, o que dizer dos enunciados que envolvem estados
subjetivos dos personagens (onomatopeias de “dor”, “choro”, “riso” etc.) ou interjeições,
representados por sons dos personagens-animais?
Evidentemente, não queremos generalizar que as onomatopeias e interjeições
representam o discurso direto, mas é digno de nota observar que parte delas possui um efeito
de discurso direto. Lembremos os conceitos de onomatopeia e interjeição.
Segundo Camâra Junior (1986), onomatopeia é o vocábulo que procura reproduzir
determinado ruído, constituindo-se através dos fonemas da língua, que, pelo efeito acústico,
74
dão melhor impressão desse ruído. Podem apresentar sons articulados com fonemas que
fazem parte do sistema da língua, como em AI, UI, AAAH, HÁ.
As interjeições, conforme Bechara (1999), são definidas como frases que exprimem
uma emoção, uma sensação, uma ordem, um apelo ou descrevem um ruído - sons vocálicos(ex.: Psiu!, Oh!, Coragem!, Meu Deus!). Há interjeições que não apresentam caráter
vocabular, assemelhando-se a elementos não linguísticos ou supralinguísticos, como os
gestos, a entonação etc. (podendo ou não receber representação gráfica, sendo mais ou menos
padronizada): ó (vocativo); oh (espanto); ha (desprezo, riso); hã (interrogação, surpresa); (ai,
eba, ei, epa, oba, opa, ui etc.), cujo caráter vocabular é mais definido, tendo uso bastante
generalizado e convencionado, embora algumas guardem espontaneidade e expressividade
bastante marcadas, como ai e ui (gritos de dor, de excitação).
Consideremos alguns exemplos na figura a seguir:
Figura 24- Onomatopeias na Turma da Mônica
Fonte: Revista Cascão. A festa de Aniversário à Fantasia. São Paulo, Panini Comics, Nov. 2009.n.35, p. 10.
A figura 24 ilustra algumas onomatopeias e uma interjeição - HÁ! HÁ! HÁ! HÁ!
ORA, POF e AAAH!! -, mas qual a relevância destes recursos linguísticos para a nossa
questão? Não há dúvidas de que as palavras grafadas são onomatopeias, entretanto, o que nos
importa é enfatizar que estas onomatopeias são palavras expressivas, presentes na oralidade.
Assim, a risadinha - seja HÁ, HÁ, seja HEHE ou HIHI -; a representação da dor - AI, UI -; a
representação de surpresa - como em AAAH ou ORA, ORA BOLAS -, são palavras correntes
do cotidiano, ou seja, as onomatopeias e interjeições estabelecem certa relação com o discurso
75
direto. Em relação ao POF, já não podemos afirmar tal fato. POF simboliza o ruído do
pontapé, dado pela Mônica no Cebolinha45.
Outro importante aspecto a ser observado, frente aos dados que logo mais
analisaremos, trata-se do grupo lexical de palavras, comumente empregadas por personagens
específicos. Com destaque, os principais personagens anteriormente citados - Mônica,
Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento -, possuem revistinhas específicas que buscam
realçar as características mais evidentes de cada personagem. Os leitores da turminha logo
identificam os personagens principais, pelas suas características marcantes e pelo tipo de
aventuras que costumam vivenciar.
Para compreender, convém explicitar que os personagens da Turma da Mônica
denotam características constituintes, que se organizam em função de temáticas significativas.
O perfil dos personagens é particularmente ilustrativo, neste aspecto. Só para citar alguns:
Chico Bento e sua turma compreendem as crianças do interior brasileiro, assim, Chico Bento,
Zé Lelé e Rosinha (principais personagens deste grupo) têm seu vocabulário guiado pela
localidade em que residem. De modo que, enunciados como “Intão”, “Ara”, “ocê”, “dispois”,
“qui tar”, são comuns, pois representam o dialeto do interior.
Maurício de Sousa, nas
histórias de Chico Bento, destaca conflitos na interlocução de personagens, que representam o
dialeto do interior e os personagens da cidade, como aponta a figura a seguir:
Figura 25- Quadro que ressalta as características de Chico Bento
Fonte: Revista Chico Bento. O homem sem passado. São Paulo, Panini Comics, Junho, 2010.n.42, p. 9.
Mônica é conhecida por ser a “dona da rua”, sua característica marcante é a coragem e
determinação. Decidida, Mônica nunca se intimida com as tentativas de boicote de seus
amigos; Cebolinha, por sua vez, caracteriza o típico garoto que inferniza as meninas, sempre
45
No recorte acima, Mônica e Cebolinha estão fantasiados de burro, Cebolinha assume a direção do burro e
Mônica compõe a retaguarda, nestas condições Cebolinha fica em desvantagem, já que qualquer palavra mal
intencionada dita é revidada por Mônica com um típico golpe (pontapé).
76
envolvido em atividades, com o objetivo de boicotar a Mônica, o garoto não perde uma
oportunidade de alfinetá-la. Para irritá-la, Cebolinha gosta de enfatizar, de modo pejorativo,
as características físicas de Mônica (menina baixinha, dentuça e gordinha). Cebolinha possui
um conhecido problema, a saber, dislalia46, e troca a letra “R” por “L”. Deixemos que o
recorte exprima esta rivalidade47:
Figura 26- Rivalidade entre Mônica e Cebolinha
Fonte: Revista Cascão. A festa de Aniversário à Fantasia. São Paulo, Panini Comics, Nov. 2009.n.35, p. 10.
Figura 27- Rivalidade entre Mônica e Cebolinha
Fonte: Revista Mônica. Aventura das Arábias. São Paulo, Panini Comics, Nov. 2009.n.35, p. 6.
46
Dislalia é um distúrbio da fala, caracterizado pela dificuldade em articular as palavras. Basicamente consiste
na articulação de algumas palavras por lesão de alguns órgãos fonadores. Cebolinha troca a letra R pelo L.
47
As figuras 20 e 21 - assim como a 18 -, fazem parte da revistinha do Cascão A festa de Aniversário à Fantasia.
Cascão oferece uma festa de aniversário à fantasia, e, ansioso, ele escuta os pais combinando de lhe dar de
presente um pônei. Ao encontrar o suposto presente Cascão fica maravilhado, mal sabe ele que o pônei é a
fantasia de um burro, caracterizado por Mônica e Cebolinha. Os amigos - ao verem a felicidade de Cascão - não
têm coragem de desfazer o equívoco. Tal situação é marcada por muita confusão. Desfeito o equívoco, Cascão se
entristece com a omissão dos amigos e recebe o verdadeiro pônei (madeira), este não o diverte tanto, quanto o
burro. A historinha termina com Cascão pedindo desculpas aos amigos e, na maior cara de pau, pedindo que
voltem a ser o pônei de estimação, que ele tanto estimava.
77
Na figura 27 Cebolinha ressalta as qualidades da Mônica, entretanto não é de seu
feitio elogiá-la, sendo que, aqui, tal situação sucede porque Cebolinha estranha a reação
apática de Mônica, ao descobrir que ele e Cascão estão ensinando as moscas a “carregar” um
tapete para “sobrevoar” até a Arábia, em busca do tesouro do Ali- Babado. Imaginando que a
Mônica iria obrigá-los a levarem, Cebolinha ingenuamente a desafia, destacando suas
qualidades, e, para sua surpresa, a impetuosa garotinha aceita o desafio.
Mônica e Cebolinha contam com dois grandes amigos, Magali e Cascão. Magali
possui um lado sensivelmente meigo e poético. Também é conhecida por seu apetite voraz.
Suas histórias sempre acompanham situações cômicas, relacionadas ao seu insaciável apetite:
Figura 28- Quadro que ressalta as características de Magali
Fonte: Revista Magali. Paixão por livros. São Paulo, Panini Comics, Junho, 2010. n. 42, p. 5.
Figura 29- Quadro que ressalta as características de Magali
Fonte: Revista Magali. Paixão por livros. São Paulo, Panini Comics, Junho, 2010. n. 42, p. 12.
A trama é narrada pela própria Magali que personifica os principais personagens dos
contos de fadas, e, em cada historinha, a confusão é criada devido ao apetite insaciável de
Magali, conforme enfatizam as figuras. Magali sempre emprega grupos lexicais que
identificam sua principal característica: “comilona”. Enquanto espera pelo almoço, Magali,
através da leitura de um livro de contos, percorre os clássicos, causando situações
78
embaraçosas. Magali come a carruagem feita de abóbora da Cinderela, a trilha de pães de
João e Maria e devora a casa de doces da bruxa. Na história de “Chapeuzinho Vermelho”,
Magali consome toda a cestinha de doces da vovozinha, detém o lobo mau e avança para cima
dos três porquinhos, então nomeados de Torresminho, Leitão Cozido e Feijoada. De repente,
como quem acorda de um transe, Magali é surpreendida pela mãe e se vê devorando o livro de
contos de fadas.
Cascão é o melhor amigo e aliado de Cebolinha, nas armações contra a Mônica, sendo,
também, um personagem que faz alusão aos problemas ligados à Educação Ambiental e aos
hábitos de higiene, já que gosta de reciclar objetos velhos e tem um medo irracional de água.
Figura 30- Quadro que ressalta as características Cascão
Fonte: Revista Cebolinha. O torneio de planos infalíveis. Panini Comics. São Paulo. n°40, p. 12.
Diante do exposto, podemos observar que as características distintas dos personagens
denotam, de acordo com seu perfil psicológico, grupos lexicais específicos, assim, o morfema
“r” de “Qui tar” - do Chico Bento - nada tem a ver com a troca do “r” por “l”, de Cebolinha,
pois, no grupo de palavras que se aproximam do vocabulário de Chico, residem termos que
desempenham este caráter interiorano e caipira.
Em hipótese alguma, deparamos na revistinha da Mônica com situações encontradas
em Cebolinha, tomando como exemplo: o esperto garotinho comumente, em suas hilariantes
histórias, enfatiza características que menospreza na Mônica, em contrapartida, Mônica descrita como “garota de atitude” que odeia injustiça -, jamais menosprezaria um coleguinha.
Neste sentido, ao lado do quadro de palavras de estímulo (representados por Mônica), reside o
grupo lexical de Cebolinha na busca de palavras que afrontem.
79
É importante salientar que a imagem em nosso trabalho é de fundamental importância.
Diferente das histórias inventadas, apresentadas nos trabalhos de Calil (2008a, 2009), as
histórias inventadas que logo mais apresentaremos, tiveram como suporte a imagem, para o
desenvolvimento da escrita. Conforme evidenciamos, a partir da sequência narrativa da
história da bruxinha, de Eva Furnari, reconhecemos uma história em quadrinho sem texto, por
sua multiplicidade de referências semióticas: enquadramento, contornos, perspectiva,
disposição gráfico-espacial, contudo, uma história em quadrinho não é feita sem imagem, ou
seja, um texto por si só não faz uma HQ.
A sequência narrativa advinda das imagens sustenta e caracteriza este tipo textual.
De acordo com a epígrafe “quando palavra e imagem se ‘misturam’, as palavras
formam um amálgama com a imagem e já não servem para descrever, mas para fornecer som,
diálogo e textos de ligação”. A conjugação dos elementos verbais e não verbais se faz
presente e torna evidente que a compreensão da história é estabelecida, por meio da
articulação entre imagem e narrativa. Enfim, esta articulação coloca a necessidade de uma
compreensão sintática visual, para a construção do sentido na história em quadrinhos.
Veremos, logo mais, como o diálogo entre imagem e texto, isto é, a imagem pictórica e o
discurso reportado, na forma direta, manifestam-se nos manuscritos.
80
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
O lápis de um aluno sobre a folha em branco é um ponto no
tempo. Ao ser arrastado sobre a linha deixa o rastro do
passado, enquanto avança sobre a brancura incerta do futuro48.
(BELINTANE).
O estudo que estamos desenvolvendo faz parte de uma investigação mais ampla, cujo
objetivo é a análise de processos de escritura e de manuscritos escolares49 em que alunos
recém-alfabetizados inventariam os textos, que poderiam acompanhar uma história em
quadrinhos. Para termos acesso ao modo como esses alunos escreveriam esses textos,
optamos por um procedimento metodológico, baseado no trabalho de “imersão”,
desenvolvido por Calil (2004, 2008b), no qual ele defende uma intensa circulação de textos
direcionados, a partir do desenvolvimento de um projeto didático, com a finalidade de ampliar
o universo cultural, do gênero investigado. Assim, uma das concepções desta abordagem
centra-se na presença diária de histórias em quadrinhos, em sala de aula, fortalecendo a
relação da criança com o texto quadrinhesco.
O corpus que servirá de subsídio para esta pesquisa é composto por 12 propostas de
produção de textos de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, da rede pública de ensino,
coletados durante os meses de outubro-dezembro de 2008, na Escola Municipal Cícero Dué
da Silva, localizada no Tabuleiro do Martins, na cidade de Maceió – AL.
48
Prefácio do livro: “Escutar o invisível”. (CALIL, 2008b).
Calil (2008b) utiliza o termo “manuscrito”, fazendo alusão aos estudos vinculados a Crítica Genética. Para o
pesquisador, os textos produzidos na escola têm estatuto parecido com aqueles analisados pela Crítica Genética,
como poemas ainda não publicados, ou seja, “manuscritos”, que ainda não sofreram nenhuma manipulação para
publicação. O manuscrito efetuado - sob uma demanda escolar - possuiria estatuto semelhante, à medida que o
texto coletado, com seus caracteres originais constituídos por “erros ortográficos”, “problemas de ordem
sintático-semântica” e “rasuras” são elementos importantes, que resgatam seu processo de escritura.
49
81
3.1 Um projeto didático: “Gibi na sala”
Este trabalho, em específico, é parte do projeto didático: GIBI NA SALA, coordenado
pelo professor Dr. Eduardo Calil. Para que esse projeto pudesse ser desenvolvido elegemos as
histórias da Turma da Mônica, de Maurício de Souza.
A escolha dos gibis da Turma da Mônica como recurso didático se dá, em virtude de
suas histórias terem, no humor, seu atrativo central, o responsável pela a forte identificação dos
alunos, e, sobretudo, por ser potencialmente conhecido.
A intensa circulação de histórias em quadrinhos, na sala de aula, teve como objetivo
estabelecer um contexto de imersão no gênero. Ou seja, o desenvolvimento do projeto
didático visava fornecer situações de ensino-aprendizagem adequadas ao gênero, permitindo
que este fosse apresentado em sala de aula de maneira intensa, sistemática e significativa.
(CALIL, 2008b).
A partir deste ambiente criado, oferecemos uma série de propostas de leitura e
interpretação e de produção de texto, previamente elaboradas pelo grupo de pesquisa, a partir
de distintas histórias retiradas das revistas e do website da Turma da Mônica50.
É importante enfatizar os critérios observados para a escolha das propostas de leitura,
interpretação e produção de texto: histórias essencialmente curtas, com trama narrativa
indicada pela sequência de imagens51. Buscamos ainda histórias cujo foco centrava-se nas
características físicas e psicológicas dos personagens, favorecidas por gestos e ações,
presentes na imagem. Além disso, a representação de metáforas visuais e onomatopeias como
apoio para interpretação era elemento fundamental para o favorecimento de compreensão da
história. A proposta a seguir é a 1ª proposta oferecida as crianças e denota especialmente
essas características:
50
O grupo de pesquisa é composto por alunas de iniciação científica e do Programa de Pós Graduação em
Educação. Para o desenvolvimento das propostas referidas foi fundamental a leitura de um número razoável de
gibis para obter um conhecimento amplo das histórias de Maurício de Souza e então, selecionar histórias que
favorecessem a compreensão com elementos relacionados a aspectos constitutivos da linguagem desses gibis,
tais como: à onomatopeia, à intertextualidade, às metáforas visuais e homonímia.
51
Para efeito dessa pesquisa, não trabalhamos com as propostas de leitura e interpretação de texto. Ao todo, o
grupo de pesquisa elaborou 60 propostas de leitura e interpretação de texto e 36 propostas de produção de texto.
Aplicamos apenas 12 propostas de produção de texto e as propostas de leitura e interpretação foram
desenvolvidas pela professora nas aulas de Língua Portuguesa.
82
Figura 31- 1ª proposta de produção de texto
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal nº 36)
Como se observa, a história possui como tópico central, qual seja, as maquinações de
Cebolinha em parceria com o amigo Cascão, para enganar a Mônica. No 2° quadro o registro
da metáfora visual (representando a ideia acima da cabeça de Cebolinha) é um índice para a
compreensão de que os planos mirabolantes de boicote à Mônica partem do personagem
Cebolinha, e essa característica é um dos destaques presentes no enredo do Maurício de
Sousa.
Desse modo, as histórias selecionadas (essencialmente curtas)52 passaram por um
tratamento da imagem, em que apagamos - por meio do programa paint - todos os elementos
linguísticos, isto é, retiramos todos os diálogos dos personagens, inclusive os balões, deixando
somente as imagens. Desse modo, as 12 propostas de produção de texto ofertadas, consistiam
no desenvolvimento do texto escrito, da história em quadrinho. Para demonstrar a elaboração
das propostas de produção de texto, disponibilizamos a proposta 001:
52
Selecionamos histórias curtas (máximo 2 páginas) que sugerem o humor.
83
Figura 32- Tirinha modificada
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala)
Partindo do pressuposto de que a imagem antecede o discurso verbal, consideramos
que a tirinha modificada (com a exclusão de falas de personagens, de onomatopeias e balões)
era a forma mais viável para verificar como os alunos criam a história em quadrinho, pois é
justamente por meio da imagem que a criança vai estabelecer o sentido, para a narrativa em
quadrinhos. A opção didática em oferecer histórias prontas, tendo a imagem como suporte,
decorre do fato de considerarmos a imagem um elemento fundamental, para a sustentação da
trama narrativa no gênero. A seguir, apresentamos um breve histórico das propostas de
criação oferecidas:
Proposta 001- Conforme observado na tirinha acima - a 1ª proposta -, Mônica está com
uma caixa de presente para presentear Magali. Cebolinha e Cascão observam escondidos e
depois cochicham. Cebolinha coloca um rato na caixa. Mônica entrega a caixa para Magali. E,
para a surpresa de Cascão e Cebolinha, da caixa sai um gatinho.
Proposta 002- Cebolinha está correndo da Mônica e, ao encontrar um balde de tinta,
pinta uma porta, para escapar. Mônica, ao chegar, pinta uma janela acima da porta; Cebolinha
ao sair, sacaneia a Mônica, e, como desfecho, a janela “caiu” na cabeça de Cebolinha.
84
Proposta 003- Mônica quer entrar no clubinho e Cebolinha tenta impedi-la, Mônica
não deixa por menos, esbofeteia-o e entra no clubinho.
Proposta 004- Chico Bento joga um graveto para o cachorrinho e o cachorrinho pega.
Chico segue brincando com o cachorrinho, pede para sentar, dar a pata, rolar, deitar, latir,
dormir e, quando o cachorrinho dorme, não acorda mais, deixando Chico e o amigo Zé Lelé
sem entender.
Proposta 005- Cebolinha presenteia Mônica com um bumerangue, que, ao ser lançado
pela Mônica, volta na mesma direção, acertando-a em cheio.
Proposta 006- Cebolinha está tentando acalmar sua irmãzinha, que não para de chorar,
quando um homem aparece e oferece um doce para a menina, imediatamente, a menina para
de chorar. Cebolinha observa e de repente começa a chorar.
Proposta 007- Louco se prepara para tirar uma foto do Cebolinha. Ao tirar a foto,
Louco entrega o retrato de um abacaxi, deixando Cebolinha irritado.
Proposta 008- Mônica vê duas amigas saírem do salão de beleza com os cabelos
escovados, e fica imaginando como seu cabelo ficaria. Em seguida, Mônica vai ao salão e
pede para arrumar o cabelo. A cabeleireira faz bobis, e para desgosto da Mônica, os cabelos
ficam em forma de mola.
Proposta 009- Cebolinha encontra o coelhinho da Mônica e dá um nó em suas orelhas.
Quando a Mônica vê, corre para bater no Cebolinha, que, por sua vez, bate na casa do Cascão,
em busca de ajuda. Cascão entrega-lhe uma maleta de primeiros socorros.
Proposta 010- Cebolinha está cansado de brincar e senta-se em um tronco, e, sem
querer, toca na mão da Mônica. Ambos estranham e Mônica, entusiasmada, conta à Magali o
ocorrido, enquanto Cebolinha corre para lavar a mão.
Proposta 011- Cebolinha está com um livro de magia e tenta enfeitiçar o Cascão, mas
o feitiço não funciona e, de repente, quando Cascão vai embora, imita um cachorro ao fazer
xixi na árvore.
Proposta 012- Mônica está soluçando e Cebolinha se aproxima de mansinho e lhe dá
um susto. Mônica se aborrece e Cebolinha vê que ela fez xixi nas calças.
85
3.2 A coleta
Conforme mencionado, para aplicação do projeto didático,53 selecionamos uma turma
de 2° ano do Ensino Fundamental, numa escola da rede pública municipal de Maceió. A
seguir, caracterizaremos a escola, a professora e os alunos da turma selecionada e,
posteriormente, descreveremos como se deu a aplicação do projeto.
3.2.1 A escola e os sujeitos envolvidos: a professora e a turma
A escola municipal Cícero Dué da Silva está situada no condomínio Tabuleiro dos
Martins. Neste condomínio residem aproximadamente duas mil pessoas. Durante o período de
coleta a escola comportava 255 alunos, contemplando a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental (1º ao 5º ano). Segundo a direção, 80% desses alunos residem em zonas
próximas da escola, nos conjuntos Village Campestre II e Graciliano Ramos.
Dentre os 255 alunos, 5 desistiram, 23 foram transferidos e 9 se evadiram. Na escola,
havia quatro alunos em observação, dentre os quais, dois foram encaminhados à Associação
dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais (AAPPE). Um deles teve o seu estado clínico
diagnosticado, como esquizofrenia.
Até o desenvolvimento do projeto “Gibi na sala” não havia um projeto político
pedagógico, que norteasse a atuação de cada agente educativo. Segundo a coordenadora, este
documento estava sendo elaborado.
A professora da turma era estudante do 2° período do curso de graduação em
Pedagogia, numa faculdade particular de Maceió e preenchia o quadro de estagiários da
Secretaria Municipal de Educação de Maceió e da cidade de Messias. Devido a uma série de
problemas, essa era a 3ª professora do ano de 2008 a ministrar aulas, para a turma
selecionada.
A sala de aula era frequentada por 24 alunos, cuja idade variava entre sete e oito anos.
A maioria dos alunos tinha pais que exerciam a função de empregados domésticos, pedreiros,
faxineira, gráfico, auxiliar administrativo, pastor/cantor, aposentado, padeiro, babá, vigilante,
53
Antes de realizarmos esse estudo, buscamos a autorização da escola e dos pais das crianças através do “Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido”, fornecido pelo Comitê de Ética desta universidade.
86
e outros que trabalhavam no mercado informal (como carregador e chapeiro) e, ainda, alguns
pais que estavam desempregados. Deste grupo de alunos, dois eram atendidos pelo programa
federal “Bolsa Família”.
3. 3 Aplicação do projeto
Cabe salientar, que a professora atuava como colaboradora na execução do projeto e,
vez ou outra, proporcionava aos alunos momentos coletivos de leitura. Durante o trabalho de
imersão no gênero história em quadrinho, disponibilizamos 2 caixas, cada qual com 40 gibis,
para compor a gibiteca. Entre os intervalos das atividades curriculares desenvolvidas pela
professora, os alunos que já haviam terminado uma determinada atividade (planejamento da
professora) eram orientados a escolher um gibi da gibiteca e ler silenciosamente, enquanto os
outros terminavam a atividade. Isso era uma forma de interagi-los com o gênero e de
favorecer a rotatividade dos gibis.
Infelizmente, não foi possível precisar de que forma foram desenvolvidas as leituras
coletivas dos gibis, e a leitura individual efetuada pelos alunos, em virtude de que, tanto a
gestão das atividades de leitura, como as da gibiteca, estarem a cargo da professora. No
entanto, o grupo de pesquisa envolvido acompanhou todas as atividades de produção de texto.
Um aspecto importante desenvolvido nesta metodologia foi a prática didática em que
os alunos – organizados em díades – deveriam, inicialmente, combinar a criação da historinha
e escreverem juntos um único texto. Os alunos eram orientados pela professora ou pelo
coordenador do projeto, professor Eduardo Calil, a escrever algo que estivesse faltando e que
deixasse a história mais engraçada.
Durante esse processo, tentamos preservar a situação real escolar, o ambiente, e a
relação de alteridade, entre os sujeitos envolvidos. Com a colaboração da professora,
buscamos manter as características contextuais das produções feitas pelos alunos da turma
escolhida, realizando a coleta de dados, durante o período de aula, e procurando interferir o
mínimo possível, nas propostas didáticas aplicadas. Tais práticas de textualização54 foram
registradas por meio de filmagens e conservam todo o ato de escritura, isto é, todo o processo,
desde as conversas e combinações. Conforme Calil:
54
Segundo Calil (2008b) prática de textualização é toda proposta efetivada pelo professor, desde a forma de
encaminhamento de atividades, às interferências, e fechamento.
87
O processo discursivo que marca toda essa situação produz uma especificidade que
seria completamente diferente se somente houvesse um aluno produzindo o texto ou
se tivesse acesso apenas ao produto textual (o texto já escrito) ou ainda ao áudio,
sem o registro visual dos gestos, olhares e traços que estão depositados sobre a
folha. (CALIL, 2008b, p. 45-46).
Ressaltamos a importância do registro áudio-visual, prática constante desenvolvida no
grupo de pesquisa, contudo, em virtude de nosso foco voltar-se para o que é registrado no
texto escrito, detivêmo-nos na análise de 12 propostas de produção de texto55. As propostas,
realizadas semanalmente, totalizaram 132 manuscritos (cada proposta foi realizada, em média,
por 14 duplas)56.
3.4 Organização do material
Desenvolvemos um laborioso trabalho descritivo, buscando categorizar cada um dos
enunciados, presentes nos 132 manuscritos, a fim de identificar diferentes formas de
manifestação do discurso reportado, em manuscritos escolares.
Para tanto, tornou-se imprescindível a transcrição seminormativa, bem como, a
observação direta de cada um dos enunciados, destacados nos manuscritos. A princípio,
enumeramos as propostas de produção, conforme sua ordem de execução. Cada manuscrito
possui o mesmo número referente à proposta executada, ou seja, a proposta ofertada de
número 001 é concebida como manuscrito_001, e a proposta_002, após o desenvolvimento da
escrita da díade, corresponde ao manuscrito_002 e assim sucessivamente.
De posse dos manuscritos, voltamos nossa atenção para o texto desenvolvido na
historinha, com o fim de identificar formas recorrentes de enunciados que apresentassem a
fala dos personagens. Para tanto, em cada proposta, observamos, sistematicamente, a imagem
apresentada e o enunciado transcrito, em cada quadrinho. Nossa pesquisa tornar-se-ia
inviável, caso não considerássemos a relação entre a imagem dada e o texto, em particular: o
discurso reportado, sugerido pelo aluno escrevente. Uma vez que as propostas de produção de
texto tiveram, como ponto de referência para a criação a imagem, nossa análise recai no
reconhecimento do DR ou não com base na imagem.
55
Cabe especificar que ao longo do processo, a proposta_011 foi efetuada por toda a turma coletivamente, sobre
a orientação do professor Dr. Eduardo Calil, o pesquisador anexou as imagens ampliadas da historinha e a
desenvolveu no quadro, sempre estimulando os alunos com questionamentos sobre o significado das imagens.
56
Destacamos que as crianças que participaram desse projeto receberam nomes fictícios.
88
3. 4. 1 Critérios de organização
Para detalhar nosso material, seguimos alguns critérios, os quais, de fundamental
importância para a análise que segue.
Inicialmente buscamos identificar os enunciados que continham DR nos quadrinhos.
Para tanto, foi necessário avaliar se os enunciados contidos adequavam-se à imagem
apresentada, uma vez que, há uma relação de complementaridade, entre o texto e a imagem.
Conforme já mencionado, dificilmente poderíamos reconhecer um discurso reportado, sem
considerar a relação intrínseca entre a imagem e o texto.
Durante as transcrições dos dados, de imediato, pudemos notar enunciados distintos,
daqueles trazidos pelos gibis. Os manuscritos traziam enunciados que não remetiam à fala de
personagens, e a construção do texto que compunha a imagem estava voltada para a descrição
desta ou da ação da história e não possuía qualquer tipo de conexão com o DR.
Diante deste vasto material, optamos por separar os quadrinhos com DR e os
quadrinhos sem DR, para então, observar atentamente suas características57.
O DR pôde ser identificado nos quadros mediante:
Presença de verbos dicendi, sentiendi;
Incisas;
Enunciados remetidos ao personagem (DD) indicado por balões;
Presença de fala de personagens, ainda que não haja o balão.
Os quadros sem DR foram identificados mediante:
Descrição da imagem aliados a uma organização temporal e sequenciada;
Indicação de marcadores textuais de tempo, lugar, causa ou motivo em
sequências narrativas,
Identificação da voz do narrador associada a verbos marcados pelos pretéritos
(perfeito e imperfeito);
57
Embora seja interessante considerar e analisar o porquê de alguns quadrinhos não disporem de texto, optamos
por desconsiderar os quadros em que não há texto escrito.
89
Indicação de personagens na 3ª pessoa do singular.
Nosso levantamento considerou, ainda, os enunciados que concorriam com outros
planos enunciativos. Vale salientar, que a coocorrência de planos evidencia um caráter
híbrido, pois, o mesmo quadro trazia enunciados de distintas categorias, que “dialogam”.
Assim, destacamos 3 categorias: Quadrinhos com DR, Quadrinhos sem DR e
Quadrinhos com planos enunciativos híbridos, sendo que, cada qual será discutida, com base
em planos enunciativos identificados, em suas respectivas categorias.
90
4 CRIAÇÃO DE TEXTOS NA HISTÓRIA EM QUADRINHO: formas de manifestação
do discurso reportado nos manuscritos
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala)
Todo conjunto de elementos que, em passado ainda próximo,
era visto como sistema e entendido internamente como
estrutura, desintegra-se hoje cedendo lugar a uma pluralidade
aberta que beira o caos. (Phillipe Willemart)58.
Conforme mencionamos anteriormente, as histórias em quadrinhos possuem
particularidades distintas de narrativas de ordem canônica, como histórias clássicas, contos de
fadas etc. Os exemplos já destacados, com base na pesquisa de Calil (2008a), denotam uma
profunda diferença entre os gêneros assinalados.
Estas diferenças certamente trazem problemas quando voltamos a atenção para as
produções infantis de histórias em quadrinhos inventadas. De fato, o que se verifica nas
primeiras histórias criadas em nosso corpus é uma transição de formas distintas de enunciar.
58
WILLEMART, Philipe. Universo da Criação Literária. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1993.
91
Considerando as formas recorrentes de elementos da HQ - encontradas em
manuscritos escolares de histórias inventadas por crianças recém-alfabetizadas (CALIL,
2008a, 2009)-, tratamos de relacionar essas ocorrências em nossos dados, agora, com base em
um texto de história em quadrinho, contendo apenas a imagem.
Nas histórias em quadrinhos inventadas pelos alunos, o discurso direto, forma
predominante no gênero, não comparece caracterizado tal qual a estrutura dialogal demarcada,
pelo uso da dêixes pronominal de 1ª pessoa do singular e pela desinência verbal no tempo
indicativo do presente. Assim, procuramos distinguir a natureza do enunciado descrito em
manuscritos escolares, diante da imagem apresentada.
Na busca de investigar o que traz o enunciado, descrito na história em quadrinho
criada, buscamos, inicialmente, marcas que indiciam uma tendência narrativa de inserção de
discurso reportado.
Para tanto, fez-se necessário a observação de formas recorrentes,
apresentadas no texto escrito, bem como, esquadrinhar os diferentes ângulos, pelos os quais a
história é narrada.
Nossa análise parte de duas semióticas essenciais, que se entrecruzam, quais sejam, a
imagem apresentada como base para criação e a perspectiva sob a qual é narrada. Esses
pontos possuem relação direta com o que chamamos de plano enunciativo.
Para compreender melhor, tomemos quadrinhos correspondentes às histórias originais
propostas aos alunos, e, paralelamente, observemos de qual perspectiva a criança narra a
história.
Figura 33- Recorte da proposta original_002
Fonte: www.monica.com.br (Página semanal n° 01).
O quadrinho retrata a Mônica (raivosa) correndo atrás de Cebolinha. Acrescido à
imagem da personagem, temos um balão que contém um ato de fala: GRRR. A leitura das
expressões faciais da personagem é acentuada pelas linhas cinéticas59, as quais determinam,
com precisão, o estado de fúria da Mônica. O aspecto que destacamos é o enunciado
59
As linhas cinéticas são traços que indicam movimento ou a trajetória de objetos que se movem. Este é
considerado um importante recurso para compreensão das histórias em quadrinhos. (VERGUEIRO, 2006);
(ACEVEDO, 1990).
92
reportando diretamente, um grito ou protesto, da perspectiva da personagem. Isto implica
dizer que temos um plano enunciativo direto, ou seja, que o discurso reportado da personagem
equivale à forma direta.
Figura 34- Recorte da proposta original _001
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal n° 36)
Na figura 34 destacamos outro quadrinho para especificar o plano enunciativo, que
descreve a perspectiva da personagem. Aqui Mônica, ao entregar um presente `a Magali,
enuncia: “Magali! Trouxe o seu presente de aniversário!”. Observem que o texto contido no
balão traz o enunciado em 1ª pessoa do singular, acrescido à desinência verbal no presente do
indicativo, marcando o momento da representação da cena. Lançamos mão da analogia à
fotografia, tal qual, Ramos (2009) descreve a cena narrativa na HQ como “instante
congelado”. Dessa forma, a história é narrada em seu “tempo real”, isto é, o momento no qual
a leitura é realizada, uma vez que, a trama narrativa, representada majoritariamente pelo
discurso direto, descreve o que está acontecendo naquele momento.
Contudo, em nossos dados, há uma quantidade substancial de enunciados que referem
à perspectiva do locutor-escrevente (aluno) e não à perspectiva do personagem, estabelecida
pelo DD. Partimos do pressuposto de que a história em quadrinho constitui, textualmente, a
reprodução da “língua falada”, por isso, associamos à perspectiva do narrador, que descreve a
história sob o ângulo do locutor-escrevente.
Figura 35- Recorte do manuscrito_002 de Maria Clarice e Ana Beatriz _Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
93
O quadro acima, ainda será destaque, na análise que segue. Por ora, destacamos apenas
que a fala reportada da Mônica - A Mônica está mandando o Cebolinha parar -, embora
destaque o enunciado do personagem, não é proferido de sua perspectiva, e sim, da
perspectiva do aluno, que está na posição de narrador. Salientamos a via dupla, presente nos
planos enunciativos, ou seja, a imagem e sua relação com o DR, e a imagem, em relação com
o enunciado não reportado.
A noção de perspectiva é de extrema importância por evidenciar, a partir da imagem e
não só do ângulo de visão - “ponto a partir do qual a ação é observada” (ACEVEDO, 1990) -,
como a forma em que o discurso reportado é destacado, ou seja, o modo em que o locutor
escrevente enuncia os diálogos dos personagens. Reforçamos mais uma vez que analisar o
texto contido não teria sentido, sem considerar a sequência de imagens apresentada. Desse
modo, as categorias aqui apontadas, por planos enunciativos, destacam variadas formas de
enunciação nos manuscritos escolares.
Os planos centrados na imagem revelam quadrinhos sem DR, quadrinhos com DR e
quadrinhos com planos enunciativos híbridos. A análise que segue, busca distinguir a natureza
do enunciado descrito, em manuscritos escolares. Veremos o que emerge destes enunciados e
como o texto se configura para o aluno, durante esse processo de criação.
4.1 Quadrinhos sem DR
Classificamos, aqui, somente os quadros que não registram o discurso reportado, visto
que, esta categoria indica, sobretudo, enunciados descritivos relacionados à ação dos
personagens, e aos objetos da cena.
94
4.1.1 Plano enunciativo sem DR
4.1.1.1 Ação direta no tempo presente
Delimitamos, nesta categoria, alguns traços que presidem à construção de uma
estrutura sintática descritiva. Esta estrutura é uma forma um tanto recorrente, nos manuscritos.
Na sua maioria, tal estrutura é identificada por meio de verbos de situação (locução verbal),
cuja forma assumida no gerúndio, indica o caráter imediato da ação, isto é, de quem olha e
descreve o que vê no quadrinho.
Figura 36 - Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
Nosso foco diz respeito ao 4° 5° e 6° quadrinho, e os três enunciados referem-se à
imagem direta, indicada em cada quadrante e linguisticamente marcada por verbos no
gerúndio, como “está botando”, “amarrando” e “dando”. Em “está botando” e “dando”, temos
o valor descritivo convocado, tanto pelo verbo no gerúndio, como pelas imagens que o
sustentam, revelando os elípticos: “ele” para “amarrando o laço da caixa” e “ela” para “dando
a caixa para a Magali”, e a indicação da personagem Magali, que é apresentada na imagem.
Contudo, em amarrando o laço da caixa (5°Q), a descrição não é sustentada pela
imagem, uma vez que, o quadro ainda se refere ao ato de colocar o rato na caixa. A imagem
do 5° quadro mostra a mão de Cebolinha, e os traços cinéticos revelam que ele estaria
empurrando o ratinho para dentro da caixa, e não, “amarrando o laço da caixa”, como indica o
enunciado transcrito pela díade.
Que dizer do 7° quadrinho? Evidentemente o quadro Pega a caixa se insere na
categoria do DD (fala do personagem), logo adiante, discorreremos sobre esse plano. Neste
95
momento, o 7° quadro é incluído na tirinha, apenas, para explicitar que a dupla não considera
as cenas anteriores e precedentes, já que, de acordo com a historinha, não há possibilidade das
crianças inserirem a fala de Cebolinha, para expressar o ato de pegar a caixa, considerando
que, no 4° quadrinho - O Cebolinha está botando um rato na caixa -, a dupla já havia
destacado que Cebolinha tinha colocado um rato dentro da caixa. Com base na cena seguinte,
não há qualquer indicação de que Cebolinha e Cascão querem pegar a caixa, pois os
personagens estavam simplesmente maquinando contra a Mônica (ação frequente na trama do
Maurício de Souza) e se surpreenderam com a tentativa frustrada, conforme indica o último
quadrinho da proposta original:
Figura 37: Recorte da proposta original_00160
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal n° 36)
Vejamos mais algumas ocorrências de ação direta no presente.
Figura 38- Recorte do manuscrito_002 de Keloany e Joyce_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
A estrutura sintática do 2° quadrinho traz o elíptico (ele) - referindo-se ao personagem
Cebolinha - com ação voltada para o tempo presente: “ele termina de pintar”. A estrutura do
3° quadro é similar, porque também indica a ação direta no presente e por apresentar o
60
Não utilizamos o quadro da dupla porque esse será enfoque de outro plano.
96
elíptico (ele), contudo, há uma grande diferença no enunciado ele foi quase terminando, visto
que, a descrição está centrada na imagem isolada. Esse enunciado permite compreender uma
ação em andamento, através do verbo “terminando”, evidenciando, assim, seu caráter
descritivo.
Dos 25 enunciados com esse tipo de estrutura descritiva 12 compreendem os primeiros
quadros, de cada proposta. Podemos dizer que metade dos enunciados descritivos comparece
nos primeiros quadros de cada uma das 12 propostas de produção de texto, implicando dizer
que a descrição torna-se mais evidente, quando os alunos iniciam a historinha, como ocorre
neste 1° quadrante da proposta_006.
Figura 39 - Recorte do manuscrito_006 de Nilton e Lucas Cena_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
Além de a história iniciar com o plano enunciativo descritivo sem DR, com efeito de
ação direta momentânea, isto é, a ação em acontecimento, esse tipo de enunciado, embora não
reporte à fala do personagem, é envolvido pelo balão, elemento gráfico do DD, nas histórias
em quadrinhos. Nessa categoria, os 25 enunciados apresentados contêm 6 enunciados
descritivos, circundados por balão, e evidencia uma certa oscilação entre os planos. Contudo,
registramos o enunciado como ação direta no presente, sendo que, esse contorno do balão em
torno de enunciados descritivos é um dos índices no qual é possível verificar que a
apropriação do DR não é dada, de forma imediata.
4.1.1.2 Ação direta no pretérito
Essa ocorrência denota o registro de enunciados sobre a ação acabada, e, embora a
imagem seja fundamental para a construção semântica da cena, o texto é apresentado a partir
do plano enunciativo de uma narrativa sem imagem. Vejamos algumas dessas formas:
97
Figura 40- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
O enunciado narrado, sob a perspectiva do narrador, refere-se o que de fato ocorreu na
cena, traz o relato de um evento já ocorrido, porém, a narração revela certa objetividade,
porquanto, a presença da imagem torna-se desnecessária, ou seja, o texto apresentado é
compreensível, mesmo que a imagem seja desconsiderada. Nessa ocorrência, não há marcas
verbais de elocução e o texto contido no quadrinho é marcado por verbos de ação - “dar” e
“entrar” -, encadeados por sucessão lógica. No plano, há um predomínio de verbos no
pretérito perfeito, tais verbos, que remetem a acontecimentos passados.
Figura 41 - Recorte do manuscrito_001 de Ana Paula e Daniela_Proposta 001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
Assim como ocorre no plano da ação direta, no presente, há enunciados sem DR, que
apresentam o balão. Dentre 60 ocorrências, 20 apresentavam enunciados na forma de ação
direta, no pretérito perfeito e circundados pelo balão. O quadrante acima, ainda que indique o
verbo no gerúndio - “andando” -, tem como ação principal os verbos de ação “passou” e
“viu”. Desse modo, o enunciado: Ela passou andando pela rua e o Cebolinha viu tudo ela
passou com o presente, revela uma ação acabada e pode ser compreendida sem a imagem, já
que o enunciado descreve os personagens e a ação encadeada.
98
4.1.1.3 Ação sequenciada no pretérito
Figura 42- Recorte do manuscrito_001 de Gian e Ana Beatriz_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O enunciado, neste manuscrito, tem como referência a sequência dos quadrinhos
anteriores, apesar de trazer as marcas de uma narrativa sem imagem (como se a imagem
pudesse ser apagada). Sua compreensão é efetuada por meio da descrição do acontecimento,
mas como efeito de consequência do que apresentavam os quadros precedentes. As marcas
que explicitam esta classificação estão no uso dos pronomes (eles), nos verbos “ficaram”,
“botaram” e “virou”, que estabelecem entre si, uma relação de causa, consequência e reação.
O plano configura uma narração que remete ao passado dos acontecimentos, ou seja, a
criança, antes numa posição escrevente de ação direta, centrada na imagem, seja ela como
ação acabada ou em acontecimento, introduz no texto outra instância enunciativa, que se
refere ao caráter narrativo. Isso é dado pela imagem que indica a surpresa dos personagens
Cascão e Cebolinha em Porque eles ficaram confusos e o prosseguimento dado ao enunciado,
que justifica a “confusão” dos personagens, ao acrescentarem, Porque eles botaram um rato e
virou um gatinho. A segunda parte do enunciado retoma um elemento que não corresponde a
esse quadro isolado, como a ação de colocar o rato na caixa (4°quadrinho), e a consequência é
subtendida pelo fato de gato comer ratos, e daí, a explicação da cena (o rato virou gato), e a
reação de confusão.
A noção de perspectiva narrativa é destacada como importante componente de
caracterização desta instância, isto é, a perspectiva formaliza-se, no texto, através de recursos
de citação e, nesta circunstância, o aluno utiliza a perspectiva externa (o olhar do narrador)
com enunciados que focalizam uma ação, compreendendo as circunstâncias espaço-temporais
em que se desenrola a narração.
A relação entre as vinhetas e o sequenciamento da imagem é compreendida pela díade,
contudo, a dupla não compreende a posição de enunciação, prevista pela citação direta, nas
99
histórias do Maurício de Souza. Ao invés de transcorrer a narrativa sob o ponto de vista
(perspectiva) dos personagens, a díade a desenvolve, sob a perspectiva do locutor-escrevente,
isto é, descreve a imagem que visualiza no quadrinho.
Cabe mencionar outro exemplo, que destaca este mesmo efeito de ação sequenciada:
Figura 43- Recorte do manuscrito_002 de Joyce e Keloany_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
Destacamos, nesse recorte, a perspectiva enunciativa do locutor-escrevente, aquele que
visualiza o quadrinho e narra sob o ponto de vista do narrador. O indicador de tempo
“quando” revela o efeito de concatenação entre as cenas, ou seja, denota a preocupação da
dupla em dar encadeamento à narrativa. O 5° quadrinho ganha destaque aqui, uma vez que, é
inserido no texto um elemento que não consta na imagem (Cebolinha entrando pela porta),
mas que é compreensível, pela relação de continuidade entre o 4° e 5° quadro. Reiteramos que
a ação sequenciada traz elementos precedentes dos quadros anteriores e surgem como efeito
de consequência.
Assim também ocorre no manuscrito de Maria Clarice e Nilton:
Figura 44- Recorte do manuscrito_001 de Maria Clarice e Nilton_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
100
Embora o 3° quadro seja classificado como DD, o trazemos aqui para dar destaque ao
4° e 5° quadro especificamente. Os três quadros estabelecem uma sequência e a fala de
Cebolinha convidando Cascão para colocar o rato na caixa (3°Q) desencadeia a ação
sequenciada: “botaram rato” e sobre o efeito de consequência “depois fecharam a caixa de
presente”. Nesse recorte a marca mais elucidativa é a inferência do marcador de tempo
“depois”.
4.1.1.4 Ação sequenciada no presente
As imagens a seguir destacam alguns recortes que representam essa sub-categoria.
Figura 45- Recorte do manuscrito_001 de Gian e Ana Beatriz_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
A estrutura sintática - neste 1° quadro da proposta_001 de Gian e Ana Beatriz - traz a
ação direta, no presente: está levando a caixa de presente para Magali. Este tipo de ação narrada no gerúndio - sugere que a cena está em acontecimento. A correspondência feita pela
díade de que a caixa (presente) carregada pela Mônica é para Magali, sugere que a dupla
considerou as cenas seguintes, ao inserir a personagem Magali, presente apenas no 6°
quadrinho. Ou seja, a ação sequenciada no tempo verbal do presente justifica-se, por permitir
a interpretação de que a dupla efetuou uma leitura prévia da imagem, para então, desenvolver
o texto que acompanha.
Vejamos mais um enunciado inserido nesta subcategoria:
101
Figura 46- Recorte do manuscrito_002 de Fellipe e Lislly_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
O enunciado transcrito por Fellipe e Lisly no 3° quadro, evidentemente, destaca a ação
sequenciada no tempo presente e, assim como ocorre no dado de Ana Beatriz e Gian, aqui há
uma antecipação da cena expressa, por meio da locução verbal. Em ele de alguma coisa vai
escapar, temos o verbo principal no infinitivo “escapar”, acompanhado do verbo auxiliar “ir”.
A ação, além de ser evidenciada no tempo presente - expresso pela desinência número-pessoal
“vai” - indica a inferência dos quadros posteriores, uma vez que, Cebolinha pinta uma entrada
para fugir da Mônica, que somente aparece no quadro seguinte (4°Q). Este último é
delimitado em outro plano enunciativo.
4.1.1.5 Ação direta no presente + ação direta no pretérito
Em todo o nosso corpus, levantamos apenas duas ocorrências sob esta instância. O 4°
quadrinho, ainda sobre o manuscrito de Fellipe e Lisly, indicia duas estruturas enunciativas,
concorrendo. De um lado, a estrutura de ação direta, no presente: a Mônica está correndo
para pegar o Cebolinha (descrição de um acontecimento, expresso pela ação da personagem);
de outro, a estruturação direta, no pretérito: E ele escapou
102
Figura 47 - Recorte do manuscrito_002 de Fellipe e Lisly_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
Certamente, cairíamos em contradição e esta poderia ser considerada apenas uma ação
direta no presente, contudo, a disposição gráfica do enunciado - e ele escapou - destacado por
nós em vermelho, revela que a dupla o acrescentou, posteriormente, mesmo porque, de acordo
com o manuscrito original, o enunciado está abaixo da moldura do quadro. Ainda que a
inserção posterior desse enunciado (e ele escapou) seja uma especulação, não há como negar
a distância razoável, entre a primeira parte do enunciado e a do segundo. De todo modo, e ele
escapou sugere, por meio do “e”, uma carga de concatenação, isto é de continuidade, da cena.
Todavia, não classificamos como ação sequenciada, devido à disposição gráfica no quadrante,
daí porque, a classificamos como: ação direta no presente + ação direta no pretérito.
Vejamos no manuscrito de Deyse e Milena como esse plano se manifesta:
Figura 48 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O recorte é o último quadrinho da proposta_001 onde consta a descrição sobre a forma
de ação direta: o menino tá curiando, que poderia ser interpretado como “o menino está
olhando”, uma vez que, “tá curiando” possui relação metafórica, no nível do sentido, com a
locução verbal no gerúndio olhando e estabelece uma indicação de ação em acontecimento. O
enunciado direcionado à Mônica e à Magali indica a ação já sucedida: a menina abriu o
103
presente gato, em que “gato” parece não ter muita articulação com o enunciado, embora a
imagem seja determinante para sua presença.
4.1.1.6 De “títulos”
Figura 49 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O texto apresentado, na sequência de quadros, correspondente ao manuscrito acima
parece estar mais relacionado à imagem isolada contida no quadrinho, e de forma alguma, faz
referência à articulação entre imagens. Atentem para o fato de que o 5° quadro representa
alguém (Cebolinha) colocando um ratinho dentro da caixa, e o 7° quadro corresponderia aos
personagens Cebolinha e Cascão, espionando o que vai suceder. A fita, ao lado direito, indica
apenas o movimento da cena (Mônica caminhando distraída com seu presente). O enunciado
do 5° quadro: E UMENINO A PEZETE (O menino a presente) está muito próximo da
estrutura do 7°quadro UMENINOIAX FITA (O menino e a fita), por isso, o classificamos
nesta categoria como “De títulos”, visto que, o enfoque dado à cena não estabelece relações
entre os quadros, mas focaliza o que está manifesto na cena, como se a criança nomeasse ou
colocasse uma etiqueta, no quadrinho61.
Para ilustrar, inserimos o 3° quadro como índice de que a dupla não faz assimilação
entre os quadros precedentes.
61
Aspeamos a classificação “títulos” justamente por reconhecer a incipiência da categoria. Evidentemente, em
cada gênero os títulos possuem características morfossintáticas, gráfico-espaciais, semânticas e discursivas. A
complexidade deste elemento textual está longe de ser aqui delimitada. Para maior compreensão ver artigo: “A
menina dos títulos: repetição e paralelismo em manuscritos de Isabel”. (CALIL, 2010).
104
Figura 50 - Recorte do manuscrito_001 de Deyse e Milena_proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
Do ponto de vista morfossintático, os enunciados assumem uma estrutura de
nomeação, isto é, de “títulos”, semelhante àquelas encontradas em histórias clássicas como:
“A princesa e a ervilha” (conto de Hans Christian Andersen), ou ainda, fábulas como “O
pastor e o lobo” (Monteiro Lobato) e “A moça e a vasilha de leite” (Esopo). É importante
mencionar que, no decorrer do projeto aplicado em sala, estas fábulas foram lidas
coletivamente pela professora62.
Nessa categoria específica, reiteramos que a relação com a imagem precedente (3° Q)
não é feita. Embora não haja elementos verbais que descrevam uma ação em acontecimento verbos no gerúndio - que o qualifique nessa categoria, a ausência de relação entre a sequência
de cenas justifica o caráter essencialmente descritivo, dos quadros considerados isoladamente.
4.1.1.7 De “objetos”:
Figura 51- Recorte do manuscrito_002 de Lisly e Fellipe_proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 02/10/2008
Nesta sequência, destacamos o 9° quadro - a bola está na parede -, cuja imagem é
decorrente do ato da Mônica pintar a parede (acontecimento representado no 8°quadro).
62
Inserimos em anexo a lista de livros lidos pela turma no período em que desenvolvemos o projeto. Os livros
faziam parte do “baú da leitura”, uma vez por semana 2 alunos de cada turma poderiam levar para casa um livro
paradidático.
105
Observamos que os quadros precedentes (7, 8 e 10) mostram ações “diretas” da imagem e são
marcados pelo tempo no pretérito, expresso pelos verbos “fez”, “pintou” e “saiu”, isto é, de
ações já ocorridas, entretanto, no 9° quadro a descrição está ligada à imagem estática, ou seja,
à situação imediata, está diretamente ligada à perspectiva de quem visualiza os quadros e os
descreve. O fluxo da narrativa não é inserido e o que se observa é a expectativa de um cenário
estático. Podemos ainda acrescentar que o foco da dupla está ligado ao objeto principal da
imagem, assim, a “bola”, objeto agente, juntamente com o verbo “estar” e o adjunto
adnominal “na parede” descrevem um estado do objeto63.
4.2 Quadrinhos com DR
Nesta categoria especificamos os quadrinhos que contêm DR, bem como, a natureza
dos planos enunciativos, referente ao DR.
4.2.1 Verbo dicendi + plano enunciativo com DI
O plano mencionado possui uma aproximação maior com as narrativas de ordem
canônica- gênero a que as crianças estavam submetidas, antes da aplicação do projeto
didático. A narração, neste caso, reporta-se indiretamente à fala de um personagem, ou seja, o
narrador faz uma reprodução adaptada da fala de um determinado personagem. Ao resumir ou
interpretar uma fala, o narrador opera uma série de convenções relacionadas aos tempos
verbais, às categorias linguísticas de pessoa e de locuções adverbiais de tempo e lugar, por
meio do verbo introdutor, acrescido do transpositor “que”. (PLATÃO; FIORIN, 1996).
Vejamos no quadrinho abaixo essa manifestação:
63
Mencionamos que o enunciado a bola está na parede, embora o classifiquemos como plano enunciativo sem
DR, pode ser considerado como o DR do locutor-escrevente, isto é, o DR pertence à criança, que desenvolve a
historinha.
106
Figura 52- Recorte do manuscrito_003 de Fellipe_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
No quadro acima - disse que não podia entrar -, a fala de Cebolinha é introduzida
indiretamente, embora não haja indicação do nome dos personagens, ou mesmo, o pronome
“ela” (para Mônica) e a elipse do referente “ele” (para Cebolinha), o texto é sustentado pela
imagem. Conforme se observa no quadro, Cebolinha está com a boca aberta e com o dedo
indicador apontado para a Mônica, como quem está discutindo. Acrescentamos ainda que, nos
olhos expressivos de Cebolinha poderia dar margem para a interpretação do enunciado:
“Mônica, você não pode entrar aí”. O recorte da proposta original pode atestar nossa
assertiva:
Figura 53- Recorte proposta original_003
Fonte: Revista Almanaque historinhas de uma página Turma da Mônica. Ed Panini Comics, nº 2.2008. p.
44.
Contudo, a fala do personagem é indicada por meio da perspectiva do locutorescrevente, aquele que, na figura do narrador, reporta indiretamente a fala de Cebolinha,
convertendo o tempo verbal, conjugado no presente do indicativo e representado pelo DD
(você não pode entrar), no tempo pretérito imperfeito: “disse que não podia entrar”. Desse
modo, a narração em 3ª pessoa não recupera o que, de fato, foi enunciado no DD, e, somente o
seu conteúdo é mantido (MAINGUENEAU, 2002).
De forma similar, o manuscrito abaixo reporta indiretamente a fala de Cebolinha,
introduzida pelo verbo dicendi, acrescido do transpositor “que”: e o Cebolinha disse que ela
não podia entrar no clubinho. O verbo “dizer”, no pretérito perfeito, tanto no manuscrito de
107
Fellipe quanto no de Maria Clarice revela um enunciado já dito e “incorporado à narração
mediante uma forte subordinação semântico-sintática” (CUNHA; CINTRA, 2007, p.652-653).
Figura 54 - Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
4.2.2 Plano enunciativo com DD+incisa
Neste plano o DD é apresentado através da voz do narrador. Observem que, a fala do
personagem Cebolinha é reportada de forma direta, no tempo presente: Você não é convidada.
Contudo, o DD é apresentado numa oração intercalada, na qual o sujeito é invertido, isto é, o
sujeito (Cebolinha), associado ao verbo dicendi “responder”, é empregado após o enunciado:
“Você não é convidada”.
Figura 55- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
108
4.2.3 DD + verbo dicendi
Figura 56- Recorte do manuscrito_004 de Ana Paula e Daniela_Proposta_004
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 16/10/2008
Neste quadro, o DD é apresentado de modo similar às histórias de ordem canônica, em
que a fala do personagem somente é evidenciada após a introdução do verbo dicendi, como
ocorre no 2° quadrinho: Chico Bento pediu Não para. Assentamos que a imagem não
corresponde exatamente ao que a dupla escreve, visto que, Chico está com a feição tranquila e
faz um gesto, solicitando o graveto do cachorro.
Vejamos a sequência de um manuscrito que evidencia esta forma.
Figura 57- Recorte do manuscrito_004 de João Matheus e João Lucas_Proposta_004
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 16/10/2008
Os três quadrinhos possuem a mesma estrutura, indicação do personagem Chico +
verbo dicendi (“disse”) + DD (Sentar, Nego biruta, Deita). Como podemos observar, todos os
enunciados nessa forma possuem o balão. O DD figurado neste plano é a forma mais clássica,
isto é, aproximada das narrativas canônicas (fábulas, histórias contemporâneas), e o que nos
chama a atenção são os balões, apresentados especificamente, no 5° quadrinho. Este
quadrinho, diferente dos outros, não integra um único enunciado, mas uma sequência de
109
enunciados - “o Chico Bento”, “disse Betovem”, “Deita” -, por isso, optamos por transcrevêlos na legenda, cada qual em uma linha.
Atentamos aqui para a ambiguidade apresentada neste último quadro, se
considerarmos as separações dos enunciados, em cada balão, e os apêndices que apontam para
o cachorro, e ao invés dos enunciados “disse Betovem” e “Deita” reportarem a fala de Chico
Bento, reportariam a do cachorro, e assim, a imagem não sustentaria o enunciado, uma vez
que, quem diz é o Chico, e o cachorro, deita.
4.2.4 Plano enunciativo com DR narrativizado
Com base em Genette (1972) apud Bergez (1994) e Kies (2011), esse plano destaca
uma fala reportada, mas de forma narrativizada, uma vez que, o enunciado “supostamente”
evocado pela imagem, é narrativizado pelo locutor-escrevente, ou seja, o enunciado criado
pela dupla revela um ato de fala, contudo, não se sabe exatamente quais palavras são
empregadas.
Um aspecto fundamental para delimitar esse plano reflete no valor semântico dos
verbos dicendi “mandar”, “planejar”, “pedir” e sentiendi “chorar”, “sorrir”, “assustar”.
Procuramos relacionar a carga semântica desses verbos com a imagem apresentada,
observando criteriosamente sua correspondência e o tempo verbal em que transcorre o plano.
Por isso, especificamos três tipos de DR narrativizado: no tempo presente, no tempo pretérito
perfeito e DR sequenciado. É importante frisar que a indicação do ato de fala do personagem
é narrativizado. Os verbos dicendi que constituem a categoria narrativizado possuem um valor
descritivo, daí, não inserirmos os verbos “dizer”, “conversar”, “falar” e “responder”, por
considerá-los verbos neutros, que, simplesmente indicam uma fala; diferente do que ocorre
em verbos como “mandar”, “anunciar”, “planejar”, que retratam o modo, isto é, a forma como
o enunciado foi dito.
110
4.2.4.1 no tempo presente e no tempo pretérito perfeito
Especificamos que o DR narrativizado, no tempo presente, indica uma cena que está
em curso, ou seja, em acontecimento. Em outras palavras, o locutor-escrevente centra-se na
imagem direta do quadro, para fazer uma representação do ato de fala. Vejamos alguns
recortes:
Figura 58- Recorte do manuscrito_006 de Nilton e Lucas_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
O enunciado escrito no 3° quadrinho indica um DR narrativizado, no tempo presente,
devido à apresentação da locução verbal no gerúndio (“está tentando”), justaposta a um verbo
sentiendi (“chorar”), no presente do indicativo. Desde já, antecipamos que a condição dessa
subcategoria é apresentação do DR narrativizado, centrado na imagem imediata e identificado
pelo verbo no gerúndio + dicendi ou sentiendi, no presente.
Diferente do que ocorre no 4° quadrinho, em que o verbo dicendi - no pretérito
perfeito - revela uma ação já realizada, como indica o enunciado: O Cebolinha cantou para a
Maria, visto que o verbo “cantar”, associado às notas musicais (metáforas visuais) e à
sugestão de movimento do personagem Cebolinha são índices de que, com certeza, o
Cebolinha está cantando, contudo, não se sabe qual música o personagem canta, e, por esse
motivo, classificamos o 4° quadrinho como DR narrativizado, no pretérito.
É importante especificar que esses enunciados considerados como DR narrativizados
estão envoltos pelo balão e apontam que a dupla está se apropriando deste elemento gráfico,
presente nos gibis.
Observamos mais uma sequência de quadros que contêm, tanto o DR narrativizado, no
presente, quanto no pretérito perfeito. feita pela dupla é coerente com a imagem e indica (o
choro de Mariazinha).
111
Figura 59 - Recorte do manuscrito_002 de Maria Clarice e Ana Beatriz_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
O 4° quadro, do manuscrito_002 de Maria Clarice e Ana Beatriz reflete o plano
enunciativo do DR narrativizado, centrado na imagem direta e descreve uma ação em curso,
por meio do verbo no gerúndio: A Mônica está mandando o Cebolinha parar. Poderíamos
dizer que o 10° quadro - O Cebolinha ficou sorrindo, reflete o mesmo tipo de discurso, mas a
diferença é marcada pelo tempo do verbo. Os auxiliares “estar” e “ficar” são marcados por
tempos diferentes, e é isso que define o sentido do enunciado. “Está mandando” denota ação
em curso, “ficou sorrindo” revela um ato de fala já realizado. Desse modo, o 4° quadro se
insere na subcategoria DR narrativizado, no presente, e o 10° quadro referem-se ao DR
narratizado, no pretérito perfeito.
Enfatizamos agora o valor semântico dos verbos e sua relação com o que é sugerido
pela imagem. Em a Mônica está mandando o Cebolinha parar o verbo “mandar” indica a
descrição da imagem, na qual Mônica persegue Cebolinha com os olhos fechados e a boca
bem aberta; os sinais gráficos (traços cinéticos e o raio acima da cabeça), em torno da
personagem, realçam suas expressões e dão maior precisão à interpretação da história.
Certamente, Cebolinha correndo desesperado, favorece a compreensão de que Mônica está
dizendo algo. Para ilustrar, destacamos o recorte da proposta original:
Figura 60- Recorte da proposta original_002
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal n° 01)
112
Observem que o enunciado da Mônica é proferido em forma de onomatopeia - o grito:
GRRR.... A dupla, ao inserir a fala proferida pela Mônica, o faz de forma narrativizada, como
se criasse uma ficção. Se desconsiderássemos a imagem o verbo “mandar” daria toda a carga
semântica necessária ao enunciado, isso reforçaria o grau de mimesis, isto é, de representação
como aponta Reis (1988). Na história em quadrinho inventada pela dupla, poderíamos supor
que o fato de inserir o verbo “mandar”, e não, “gritar” ou mesmo um verbo de valor neutro
como “dizer”, relaciona a personagem Mônica, com a característica que a constitui (mandona
e zangada)64.
O verbo sentiendi - “sorrir”-, inserido em o Cebolinha ficou sorrindo da Mônica,
embora estabeleça um ato de fala, como a risada, não suporta o que a imagem retrata, porque
um sorriso é um gesto singelo e, nem sempre, emite ruído, diferente de uma gargalhada que é
uma risada ruidosa e prolongada. O 10° quadro expressa a gargalhada, pois Cebolinha, de
modo debochado, tira onda da cara da Mônica, que não conseguiu pegá-lo, conforme aponta a
proposta original65:
Figura 61- Recorte proposta original_002
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal n° 01)
64
É importante ressaltar, que as crianças não tiveram acesso aos textos originais (tiras, revistas e páginas
semanais), que alimentam as propostas que ofertamos.
65
Informamos que manipulamos a imagem por meio do programa paint do Windows, apenas, para ilustrar o que
ora apontamos.
113
4.2.4.2 Plano enunciativo DR narrativizado sequenciado
Figura 62- Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_Prop_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O manuscrito da dupla sustenta-se por dois motivos: tanto pode ser lido, de forma
compreensível, sem a imagem, enfatizando o discurso narrativizado, através do uso do
sintagma nominal “Estão bolando um plano” e convocando, de forma associativa, o verbo
dicendi “planejar” e, por conseguinte, um ato de fala: “Já sei, vamos aprontar com a Mônica”
(2° Q), “colocamos um rato na caixa sem ela perceber”, ou ainda, reproduzindo em DD:
“Vamos pegar a caixa” (3° Q), o que foi descrito de forma narrativizada: eles estão fazendo
um plano para pegar a caixa (3° Q), como também, a imagem que fortalece o enunciado
transcrito e o sustenta. Entretanto, há uma ressalva para a sustentabilidade dos dois
enunciados, contidos nos quadros.
Inicialmente, apontamos para a relação entre o verbo dicendi “planejar” e a imagem
que o acompanha. Planejar desempenha uma função descritiva e, como já pontuamos, revela a
intenção de fazer algo. Estão bolando um plano foi inserido no (2°Q), para traduzir a ideia
(representada pela metáfora visual) que está direcionada para a cabeça do Cebolinha.
Portanto, a ideia de bolar um plano advém do personagem Cebolinha, mas, a dupla ancorada
na imagem de dois personagens infere, por meio da elipse, “Eles”, que tanto Cebolinha quanto
Cascão, “estão bolando um plano”, entretanto, a imagem no 2° quadro mostra Cascão – fiel
escudeiro e aliado de Cebolinha nas maquinações contra a Mônica – olhando para Cebolinha,
provavelmente, prevendo os pensamentos do amigo. O quadro seguinte esboça Cebolinha
com a mão junto à boca, como se estivesse murmurando o seu plano para Cascão, que ouve
atentamente. E, mais uma vez, a dupla atribui um ato de fala aos dois personagens: eles estão
fazendo um plano para pegar a caixa.
114
Embora os enunciados transcritos não garantam a sustentabilidade total do dado o
emprego de “plano” é essencial na interpretação da história, se for levado em conta que os
personagens sempre armam algo, contra a Mônica. Por isso, identificamos esses quadros
como narrativizado sequencial, por estabelecerem uma sequência, pois os alunos trazem para
o 3° quadrinho o objeto “caixa”, retomando a cena precedente, correspondente ao 2° quadro.
Além disso, o uso dos verbos no gerúndio - “fazendo” e “bolando” - são índices de que a ação
está em curso. Vejamos mais algumas formas.
Figura 63- Recorte do manuscrito_001 de Lisly e Joyce_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O recorte acima traz o DR sequenciado no tempo presente, expresso no 4°, 6° e 7°
quadros. Em Planejando colocar o rato no presente para a Mônica levar um carão, há um
efeito de ação e consequência, isso porque, no 3° quadro - considerado por nós como DR
narrativizado no presente -, Cebolinha e Cascão estão planejando algo. No 4° quadro, o
planejamento é retomado, sendo acrescentada, por conseguinte, a ação de colocar o rato. O
interessante é a justificativa da dupla, ao exortar que a Mônica levará um carão (bronca),
sugerindo a provável fala: “Vamos colocar um rato para a Mônica levar um carão”.
Figura 64- Recorte do manuscrito_003 de Lisly e Joyce_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
115
Observe-se que o enunciado dos personagens não é apresentado. Como dissemos
anteriormente, o locutor-escrevente atribui ao personagem, não uma fala, mas a maneira como
foi enunciada essa fala, nesse caso, o uso do verbo “planejar” é que movimenta e dá
sustentabilidade ao DR.
Do mesmo modo, os quadros 6 e 7 indicam a posição da díade, enquanto locutorescrevente, ou seja, àquele que narra e transcreve a história, sem apresentar a voz dos
personagens.
Figura 65- Recorte do manuscrito_003 de Joyce e Lisly_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
O dicendi que marca esses enunciados é o verbo “pensar”.
Diante da cena
apresentada, a díade atribui aos personagens um pensamento, que, embora não seja
verbalizado, é tomado como um DR internalizado. A narratividade é concebida por meio do
verbo “pensar”, associado à sequência de imagens, que retoma o elemento “rato” e comenta a
ansiedade dos personagens, para ver o que acontece, quando Mônica e Magali virem o rato,
Neste caso, a inserção do DD, sob a perspectiva do personagem, poderia corresponder a:
"Agora elas vão levar um susto com o rato”
Considerando a relevância dos verbos dicendi e sentiendi em nossa pesquisa, faremos
um pequeno desvio para descrever a presença desses verbos nos manuscritos.
4.2.4.3 Ocorrência dos verbos dicendi e sentiendi
Partindo dos conceitos básicos trazidos pelos gramaticistas a respeito do DR, qualquer
enunciado reportado coloca em destaque um verbo dicendi ou sentiendi (BECHARA, 1999;
116
CUNHA; CINTRA, 2007; GARCIA, 1996). Nosso levantamento incluiu a apresentação de
alguns verbos. Vejamos isso no gráfico a seguir:
Gráfico 1- Verbos nos manuscritos
Em um corpus de 132 manuscritos o verbo “dizer” desponta entre outros verbos com
15 eventos. No entanto, em alguns dados, o uso deste verbo não procede de acordo com a
forma canônica, apresentada nas gramáticas.
É importante destacar que os verbos “mandar”, “pedir”, “explicar”, “reclamar”,
“chorar”, “cantar”, “imaginar”, “assustar” e “planejar” estão diretamente relacionados à
imagem apresentada, em suas respectivas propostas, como exemplificamos na subcategoria
DR narrativizado. “Chorar” e “cantar”, por exemplo, possuem a maior quantidade de eventos
em uma proposta em que Mariazinha está chorando, e seu irmão, Cebolinha, canta para
acalmá-la.
Enfatizamos, ainda, que os verbos “falar”, “conversar” e “responder”, assim, como
“dizer”, são considerados como verbos neutros, pois apenas indica uma fala, sem atribuir-lhe
caracterizações, ao contrário dos outros verbos, que possuem uma carga semântica que
sustenta a imagem das propostas apresentadas.
117
4.2.4.4 Plano enunciativo com DD
Esse plano indica o uso do DD em sua forma “autêntica”, isto é, no uso recorrente
discursivo encontrado nas histórias em quadrinhos. Esta estrutura apresenta-se demarcada
pelos balões e em 1ª pessoa do singular. O destaque dado a esta forma refere-se ao modo de
apresentação dos diálogos, diferente da instância enunciativa que insere um DD com verbo
dicendi, na qual a fala de personagens está condicionada ao enquadramento do narrador.
Nesta instância o discurso direto se manifesta de forma autônoma, isto é, a história é narrada
predominantemente através da interação entre os personagens, marcada pelos diálogos
descritos na 1ª pessoa do singular.
a) Plano enunciativo com DD (com balão)
Figura 66- Recorte do manuscrito_005 de Lucas Nobre e Verônica
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 23/10/2008
Nessa categoria o discurso direto, nas histórias em quadrinhos, é apresentado de forma
dialogal, cuja marca gráfica linguística é destacada pelo uso de balão e, ainda, é o apêndice
que direciona a quem pertence o discurso, ou seja, quem de fato verbaliza e efetua um ato de
proferição. Contudo, neste quadrinho temos apenas o balão, o qual nem sempre vem
acompanhado do apêndice, em nossos dados.
A partir dessa imagem, a dupla inseriu o DD, sob a perspectiva da personagem
Mônica: Ah o lançador está vindo em minha direção. Para melhor compreensão, anexamos o
recorte da proposta original:
118
Figura 67- Recorte da proposta original_005
Fonte: www.monica.com.br (Página Semanal n° 321)
O enunciado verbalizado por Mônica é sustentado, tanto pela relação com a imagem,
quanto pelo que é proferido. O 6° quadro que destacamos indica que a dupla compreendeu a
história expressa na tirinha da proposta_005, transpondo a surpresa de Mônica, ao perceber
que o bumerangue – lançador – estava vindo em sua direção. É interessante notar que a
proposta original revela - no quadro posterior - um enunciado similar ao que foi criado pela
dupla: “Ah!! Socorro ele está vindo atrás de mim”. No manuscrito de Lucas Nobre e
Verônica (figura 66), o enunciado retratado pela dupla: Ah o lançador está vindo em minha
direção apresenta o uso da interjeição AH, numa intrínseca relação com o que emerge da
imagem (a surpresa e o medo da Mônica) e o uso do dêitico (pronome possessivo - minha)
mostrando que o quadrinho é narrado, de fato, pela perspectiva da personagem Mônica.
Figura 68- Recorte do manuscrito_006 de Fellipe e Daniela_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 06/11/2008
Os enunciados que emergem deste manuscrito, em sua natureza, são DD e apresentam
a interação face a face, forma predominante do gênero história em quadrinho. Contudo,
colocamos algumas questões com relação ao enunciado que evoca desta imagem. No 5°
quadro, o choro de Maria é expresso por: HE, e, curiosamente, esta forma faz alusão à
risadinha, elemento icônico recorrente, em gêneros com formato eletrônico do tipo chats. Este
tipo de ocorrência revela um caráter indeterminado, presente nos manuscritos, em que não
podemos precisar com clareza o sentido da onomatopeia.
119
Santos e Calil (2010)66, em estudo semelhante a esse que ora desenvolvemos, já
haviam apontado que os alunos não fazem uma distinção rigorosa entre a imagem e a
representação que emerge da onomatopeia. Utilizando os mesmos dados discutidos nessa
dissertação, Santos e Calil (2010) analisam a emergência de cinco onomatopeias, em um
manuscrito escolar e destaca que a forma “um” designa ações opostas, como “chorar” e
“cantar”, não havendo, portanto, para as crianças, uma diferenciação entre “chorar” e
“cantar”. A questão que não se exaure é o tipo de representação que emerge desses
manuscritos. A forma He, contida no dado de Fellipe e Daniela, está bem distante da forma
estabilizada do choro - “Buá” -, contudo, não podemos desconsiderá-la.
Ainda sobre o mesmo quadro, enquanto Maria chora, um homem caminha em direção
aos dois irmãos (Cebolinha e Mariazinha), a fala reproduzida pelo Cebolinha - Oi moço -, não
coincide exatamente com a vinheta. O olhar de Cebolinha não expressa uma atitude cordial,
mas sim, a expressão de que foi surpreendido pela chegada do homem. No 6° quadro, o
homem consegue acalmar Mariazinha, com uma barra de chocolate, o que é representado pelo
enunciado: Tome, e a imagem de Mariazinha mostra uma lágrima, rolando no canto do olho e
indicando que a personagem estava soluçando, contudo, emerge o enunciado: O quê? Por
ventura, o Cebolinha se surpreende com a calma da Mariazinha e lhe é atribuído a interjeição
HÃM. Deste bloco de enunciados: Tome/ O quê? e Hãm, chama-nos atenção a forma O quê?,
uma vez que, esperávamos a representação de uma onomatopeia, sonorizando o soluço. Neste
sentido, enfatizamos a impossibilidade de prever o que as crianças escrevem.
b) Plano enunciativo com DD (sem balão)
Nesse plano, destacamos os enunciados que revelam um DD sem a marca tipográfica
do balão.
66
O artigo desenvolvido pelos pesquisadores integra um conjunto de trabalhos sobre processos de criação de
histórias em quadrinhos.
120
Figura 69- Recorte do manuscrito_003 de Juan_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
Observem que o enunciado revela um ato de fala, inclusive bem coerente, com a
imagem. A interjeição EPA, neste manuscrito, indica uma abordagem, isto quer dizer que
Cebolinha interpela Mônica, na intenção de evitar que ela entre no clubinho, o que fica
expresso no 3° quadro: Menina não pode entrar.
O 4° quadro, a partir do enunciado - a menina mal criada não fala com respeito-,
denota uma construção ambígua, do ponto de vista do plano enunciativo, pois, pode expressar,
tanto a fala do personagem, como também, o enunciado do locutor-escrevente, ao narrar a
cena apresentada, relatando que a menina Mônica é mal criada e não fala com respeito.
c) Plano enunciativo com DD (balão pensamento)
Ao longo das propostas de produção efetuadas pelas crianças, encontramos alguns DD
que indicam um pensamento. Em nosso levantamento, obtivemos 32 balões de pensamento,
sendo que, dentre eles, 12 são apresentadas na proposta 004. Boa parte desses enunciados é
atribuída ao cachorro, presente na historinha. Vejamos algumas formas:
Figura 70- Recorte do manuscrito_004 de José Eduardo e Douglas_Proposta_004
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 16/10/2008
121
A sequência desses quadros é no mínimo curiosa, os 3 quadros apresentam um diálogo
entre Chico Bento e seu cãozinho, e o interessante é que o cãozinho não só late, como também
fala, isto é, verbaliza um pensamento, conforme podemos verificar no 1° quadrinho: Parece
que ele está me preparando para a corrida de pau. A marca tipográfica do balão-pensamento
é utilizada nos três quadros, e o apêndice em formato de bolas é determinante, para
caracterizá-lo. Observem que a fala de Chico - Muito bem -, presente no primeiro quadro, é
igualmente reproduzida no 2° quadro, contudo, no 3° quadro, o “Muito bem” aparece em
forma de pensamento.
Apontamos ainda, que a expressão corporal de Chico - com o braço estendido e
apontando com o dedo indicador - não corresponde aos elogios “Muito bem”. A imagem do
personagem associada ao cãozinho sentado indica que Chico ordenou o cãozinho que
sentasse, ou seja, o enunciado em DD não sustenta a imagem correspondente, contudo a partir
do que é enunciado no quadro é difícil delimitar a correspondência da imagem, porque o
enunciado dito pelo personagem indica algo não evidente na imagem, mas que estabelece uma
relação de complementaridade. É possível dizer, que o locutor-escrevente faz inferência do
que é posto na figura e acrescenta o que poderia ser dito, a partir do tópico (Chico dando
ordens ao cão). Do mesmo modo, o 3° quadro dá continuidade às brincadeiras entre Chico e o
cãozinho, mostrando-o dando a pata para Chico. Para verbalizar a imagem expressa nesse
quadro, a díade permanece inserindo enunciados em DD: “Muito bem” e “au au” (latido do
cão).
d) Plano enunciativo com DD (metáfora visual)
Por fim, destacamos os enunciados que refletem um DD, em forma de metáfora visual.
Como figura de linguagem, este recurso linguístico transporta “para um objeto o sentido
literal de uma palavra ou frase que designa um outro objeto semelhante, dando a essa palavra
um sentido figurado” (CARVALHO, 2006, p. 44). Dando ao enunciado uma significação
natural, a metáfora pode substituir um ato de fala, por uma imagem subtendida. Vejamos
como isso ocorre em nossos dados:
122
Figura 71- Recorte do manuscrito_007 de Fellipe e Maria Clarice_Proposta_007
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 06/11/2008
Figura 72- Recorte do manuscrito_007 de Juan e Jakswel_Proposta_007
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 06/11/2008
As imagens acima enfatizam a raiva de Cebolinha, que foi enganado pelo personagem
Louco, o qual tira uma fotografia do Cebolinha e entrega a foto de um abacaxi. As duplas, ao
invés de inserirem a fala do personagem um xingamento - ato de fala - desenha cobras e
caveiras, metaforizando os xingamentos.
Figura 73- Recorte do manuscrito_001 de Ana Beatriz e Gian_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
A imagem expressa o desejo de Cebolinha e Cascão de pegar a caixa da Mônica. O
fato de a díade ter desenhado a caixa, reforçaria a expressividade da metáfora “desejo”, pois,
como pontua Rama et al (2004) desenha-se uma metáfora para indicar um sentimento ou
acontecimento.
123
4.3 Quadrinhos com planos enunciativos “híbridos”
Esta categoria implica formas já apresentadas antes (quadrinhos que apresentam o DR
e quadrinhos sem DR). Contudo, diferente do que ocorre nas outras categorias - em que há um
único plano manifesto na vinheta -, nesta categoria, os enunciados são essencialmente
marcados por formas, que se mesclam, dentre enunciados, que contêm DR - em suas mais
diversas formas -, em uma única vinheta. São planos enunciativos distintos que “dialogam”,
um com o outro.
4.3.1 Plano enunciativo sem DR e fala de personagens
Figura 74- Recorte do manuscrito_002 de Joyce e Keloany_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
Esta subcategoria revela uma ação direta sequenciada no pretérito, na qual, a categoria
contida no plano não é formalizada pelo DR, uma vez que, o enunciado descreve uma ação
sequenciada no pretérito, com efeito de consequência: quando o Cebolinha saiu correndo de
repente o ponto caiu. Contudo, o locutor-escrevente acrescenta a fala do personagem
Cebolinha - Ai que dor -, e a junção desses enunciados indicia que temos dois planos
enunciativos concorrendo. O primeiro, marcado pela voz do narrador e sem DR, ao descrever
uma ação sequenciada, no pretérito perfeito, focaliza aspectos evidenciados em quadros
anteriores - Mônica correndo no encalço de Cebolinha - e o segundo, é destacado pela voz do
personagem verbalizando a dor que sente, em decorrência do “ponto” que cai em sua cabeça.
No entanto, com base na imagem, acrescentamos que não há sustentação para a “fala do
124
personagem”, pois a boca do Cebolinha está fechado, e, nesse caso, é impossível haver um ato
de proferição da fala.
Embora o texto seja compreensível e coerente, a unidade que se quebra é a da
correspondência entre a imagem e a fala do personagem. Porém, se atentarmos para o fato de
que “Ai que dor” possa estar representando um balão de pensamento, isto é, um DD
internalizado, a correspondência entre a imagem e o texto, que de fato emerge do manuscrito,
é compreendida e assimilada pela díade. O que entra como questão é como a imagem é
inferida pela dupla. Por reconhecer a complexa dimensão que a questão coloca, nosso foco é
enfatizar a ocorrência híbrida que intercala dois planos enunciativos distintos, dispostos no
mesmo quadrinho: o plano com DR e o plano sem DR.
Destacamos outra forma similar a essa, apresentada em nosso corpus:
Figura 75- Recorte do manuscrito_006 de Gian e José Lima_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2011
O quadro apresenta a concorrência de dois planos enunciativos - o sem DR e com DR
-, e, neste caso, o enunciado sem DR “dialoga” com o que apresenta DR, isto é, o locutorescrevente insere o enunciado na ação direta do presente: o Cebolinha está brincando com a
Mariazinha, e simultaneamente, como efeito de concomitância destaca o rarara (risadinha
atribuída à personagem Mariazinha). Certamente rarara é um DD, mas não está relacionado
com a imagem pictórica, já que Maria está com a boca fechada e não parece responder às
“brincadeiras” de Cebolinha, sendo possível supor que o rarara tenha sido convocado pelo
verbo “brincar” que, geralmente, é uma ação considerada divertida. Ainda assim, não
podemos ponderar sobre o modo como a dupla infere o que a imagem suscita, isso, porque a
ação expressa na imagem - “empurrar o carrinho” - foi compreendida como uma brincadeira.
As especulações acerca do que foi inserido, e porque o foi, não cabem neste escopo,
onde frisamos, apenas, a concorrência de duas estruturas distintas: plano sem DR e com DR.
125
4.3.2 DR narrativizado e DD do personagem
Conforme já exemplificamos, no tópico dos quadrinhos com DR, a subcategoria DR
narrativizado descreve um discurso, focalizando o modo como foi dito o enunciado e não
especifica, de fato, o que foi dito ou proferido. No quadro abaixo, o enunciado expressa o DR
narrativizado, informando o choro de Mariazinha, portanto, o narrativizado é da ordem do
narrador, que retoma o DR dito anteriormente, contudo, o locutor-escrevente - ao criar o
enunciado sob essa forma - atribui a “fala” à Mariazinha (balão com apêndice direcionado
para Maria). Associado a essa forma, no mínimo, singular, há o DD (Uhem Uhem) . Desse
modo, temos estruturas distintas para o mesmo quadro, isto é, o plano enunciativo com
discurso reportado narrativizado+ DD do personagem.
Figura 77- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Gian_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto:Gibi na sala) 30/10/2008
4.3.3 Dicendi+DD+Plano sem DR
Figura 78- Recorte do manuscrito_003 de João Lucas Ananias_Proposta _003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
126
Especificamos que a voz do narrador personifica-se a partir do uso do verbo dicendi,
reportando a fala do personagem Cebolinha bora borá. O enunciado graficamente
posicionado abaixo de Cebolinha - reportando sua fala de forma direta -, e o enunciado
referente à Mônica - ela ficou estressada - “dialogam”, um com o outro, pois Mônica ficou
estressada porque Cebolinha impediu que ela entrasse no clubinho, e, em decorrência deste
fato, Mônica bate em Cebolinha. Isto é, o enunciado - ela ficou estressada - convoca
elementos que condizem com a ação sequenciada, da história:
Figura 79- Recorte do manuscrito_003 de João Lucas Ananias_Proposta _003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
Como expressa a imagem dada, a Mônica se estressa, como aponta João Lucas, no 4°
quadro “ela ficou estressada” e bate em Cebolinha (representação da pancadaria no 5°
quadro). Nosso foco, reflete-se no 4° quadro, no qual a voz do narrador (locutor-escrevente)
introduz a fala do personagem, Cebolinha, por meio do verbo dicendi, e, nesse mesmo quadro,
é figurado um enunciado sem DR: “ela ficou estressada”. Alertamos que, do quadro, emergem
enunciados que mesclam a voz do personagem com a voz do narrador, sendo que, é essa
“mistura” que revela o elemento linguístico do DR, mas de um modo que subverte a estrutura
presente na história em quadrinho. Conforme é apontado aqui, a inserção do enunciado do
personagem parece estar condicionada à apresentação feita pelo narrador.
127
4.3.4 DD+ dicendi+DD
Nossos registros apontaram somente duas ocorrências neste plano, ao longo das
atividades de produção de texto. Destacamos nessa estrutura o DD em sua forma
correspondente aos quadrinhos (enunciado prescrito a partir da perspectiva do personagem) e
a voz do narrador, introduzindo um DD com o uso do verbo dicendi.
Figura 80- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
A princípio observamos que não há uso de balões, no entanto, temos a presença da
“fala” de Cebolinha, questionando: o que você está fazendo Mônica? Em resposta, a aluna, ao
invés de inserir a “fala” da Mônica, utiliza a figura do narrador, para introduzir o DD por
meio do verbo dicendi: A Mônica disse eu estou indo para o clubinho. Destacamos que os
respectivos DD inseridos, tanto na forma constitutiva dos quadrinhos (perspectiva do
personagem), quanto na forma das narrativas de ordem canônica (narrador introduzindo o DD
do personagem), sucedem, ao longo da história em quadrinho inventada. Adiante, veremos
como os enunciados evidenciados nesse manuscrito articulam-se com os distintos planos
enunciativos.
4.3.5 DD e “títulos”
Ainda sobre essa mesma categoria, deparamo-nos com duas ocorrências que se
assimilam com a estrutura de “títulos” convindo, no momento, ressaltar que a proposta
referente ao manuscrito de Sara e Milena – a que estamos aludindo - é a 8ª proposta. Nessa
128
ocasião, as meninas já haviam produzido uma quantidade razoável de histórias em quadrinhos
inventadas.
Figura 81- Recorte do manuscrito_008 de Sara e Milena_Proposta_008
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 10/11/2008
Vejam que aqui temos a “fala” da Mônica: Oi Carminha Frufrur, e a “fala” da
Carminha: Oi Mônica, mas a 3ª menina apenas é nomeada, sendo que, do mesmo modo
ocorre no quadro seguinte, a nomeação da personagem Eliana.
4.3.6 DD e “objetos”
Figura 82- Recorte do manuscrito_002 de Juan e Jakswel_Proposta_002
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 08/10/2008
Ocorrência similar ao DD dos títulos parece emergir no manuscrito_002 de Juan e
Jakswel, que associaram dois planos, em um único quadro. A imagem coloca em destaque o
DR dialogando com o objeto. O enunciado Corre faz referência à ação de correr e o que
marca - nesse enunciado - é o uso do balão, que traz certa ambiguidade para o enunciado
prescrito, pois podemos identificá-lo, tanto como descrição da ação de correr, como também,
podemos considerar como DR na forma DD, onde o verbo colocado no tempo imperativo –
Corre – remete às histórias de Maurício de Souza, nas quais Cebolinha está sempre
129
desesperado, fugindo da Mônica e, nesse momento estaria pensando consigo, que deveria
correr. No lado esquerdo, temos um plano enunciativo centrado no objeto “tinta”.
4.4 Articulação entre os planos
Após discorrer sobre as categorias por nós levantadas e a respeito dos planos
enunciativos destacados nos dados, ora apresentados, podemos observar como as distintas
instâncias enunciativas articulam-se, na história em quadrinho inventada. Para tanto, vejamos
a proposta 003, efetuada por Maria Clarice.
Figura 83- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
No manuscrito de Maria Clarice verificamos que a narrativa transcorre conforme as
histórias infantis tradicionais e que a descrição observada no 1°quadrinho difere daquela em
que o aluno descreve a ação direta - no tempo presente do quadrinho -, desconsiderando o
enredo e a sequência dos quadrinhos. Maria Clarice, pelo contrário, desenvolve o texto
articulando quadro a quadro, no qual, a história criada é transcrita em estruturas que se
130
alternam, entre a estrutura clássica do discurso direto, a figura do narrador e a estrutura
indireta.
O 1º quadro - A Mônica esta saindo para o clubinho com seu coelho- remete ao plano
da ação direta, no presente, entretanto, a criança não permanece nesta estrutura. A partir das
cenas seguintes, notamos a ocorrência de falas de personagens, reportadas conforme a
estrutura clássica, enfatizada pelos gramáticos e dicionaristas, o que ocorre no 2° quadro: E o
Cebolinha disse que ela não podia entrar no clubinho.
Neste excerto, observamos
claramente, que estamos diante da fala de Cebolinha, reportada de modo indireto, cuja forma
é manifesta na figura do narrador, introdutor da fala deste personagem.
No 3° quadro temos: O que você está fazendo Mônica. A Mônica disse: Eu estou indo
ao clubinho. O enunciado reportado na forma direta traz o fragmento que seria dito, na
íntegra, pela personagem Mônica, estruturado por uma expressão introdutória, com verbo
dicendi (A Mônica disse) e seguido da fala do personagem. Este quadro caracteriza um plano
enunciativo, que mescla diferentes estruturas. De um lado, a estrutura dialogal é marcada pelo
DD do Cebolinha em “O que você está fazendo Mônica” e, do outro, a figura do narrador é
retomada em “a Mônica disse”, reportando a fala da personagem Mônica. Nesse único
quadro, há duas estruturas que concorrem, provenientes de dois planos enunciativos: aquele
correspondente ao DD - previsto no gênero HQ e no plano, que evidencia o DD, através do
enunciado do narrador.
É importante observar que os recursos tipográficos, “dois pontos” e “travessão”, cuja
atuação nas narrativas de ordem canônica distingue voz do narrador e fala de personagem, não
são inseridos pela criança. Ainda assim, o verbo dicendi permite balizar o enunciado
reportado da Mônica na forma DD. O diálogo sugerido nessa vinheta - entre Mônica e
Cebolinha - é subvertido, por associar dois planos distintos, quais sejam, o DD do personagem
e a voz do narrador, com introdução do DD.
Vejamos como Maria Clarice dá continuidade ao texto que compõe às imagens
referentes a essa mesma proposta de produção.
131
Figura 84- Recorte do manuscrito_003 de Maria Clarice_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto Gibi na sala) 15/10/2008
Assim como ocorre no 3° quadro, no 4° quadrinho a fala do personagem é manifesta
nos moldes do discurso direto. O 6° quadro - A Mônica deu um murro no Cebolinha e entrou
no clubinho - retoma a perspectiva enunciativa do locutor-escrevente (narrador), que nos
informa o que se passa no quadrinho, isto é, o plano da ação direta, no pretérito perfeito. Dos
manuscritos observados nesta proposta, este é um dos mais coerentes com o que a imagem
comporta, porém, a história não é direcionada pela estrutura dialogal e interacional que a
imagem provoca (Cebolinha e Mônica discutindo). A aluna constrói todo o contexto, a partir
da perspectiva enunciativa do narrador, ou seja, no manuscrito, o discurso narrativo ganha
relevo, colocando em destaque a fala de personagens, sob a perspectiva do locutor-escrevente.
Há uma relação hierárquica entre a instância do discurso narrativo e a do discurso de
personagens. Isto implica dizer que o discurso direto - nos quadros 3 e 4 -, assim como, a do
discurso indireto, no 2° quadro, manifestam-se, a partir da inserção do discurso do narrador.
Respectivamente, os quadros 3 e 4, são caracterizados pelo plano - discurso direto + verbo
dicendi+ DD, DD com incisa, sendo que, o quadro 2 é caracterizado pelo plano discurso
indireto com verbo dicendi.
Ao longo do desenvolvimento do projeto, foi possível observar que as crianças,
gradativamente, foram estabilizando a forma dialogal do DD. Ao observarmos tais
enunciados, uma questão desponta: quais as circunstâncias em que ocorre maior incidência de
DD? Para refletir sobre a questão, convém observar o levantamento de ocorrências da forma
132
DD dialogal, presentes nas 12 propostas de produção, efetivadas pelas crianças recémalfabetizadas.
Gráfico 2- Quantidade de DD nas 12 propostas
A quantidade de DD cresce em função do desenvolvimento das propostas, mas há
atividades que despontam, em termos de quantidade.
Podemos observar, que as propostas 001 e 002 possuem uma variação de 40
enunciados, na forma de citação direta. A proposta_004 surpreende pelo aumento progressivo
de uso do DD (105 ocorrências), sendo que, este número decai na proposta_005 para 65, para,
posteriormente, alcançar maior proporção na proposta_006, com 104 ocorrências. A
proposta_007 decai novamente para 46 ocorrências. A partir destas propostas, as seguintes,
parecem se estabilizar, entre os números 85 e 128, excetuando a proposta_011, efetivada
coletivamente pela turma, que resultou em número mínimo de enunciados em DD (14), mas
esta quantidade é justificada, já que, na proposta elaborada coletivamente, apenas 1
manuscrito foi produzido.
Diante desta disparidade, destacamos que cada proposta possui uma característica
particular, com enredos e tramas diferentes, algumas com um número maior de personagens,
como a proposta_004, onde temos os personagens: Chico Bento, Zé Lelé e o cachorrinho ou a
proposta_008 que apresenta os personagens: Mônica, Eliana, Carminha Frufru e Magali.
Propostas como estas favorecem o aparecimento de diálogos, já que apresentam uma
quantidade maior de personagens, inseridos na narrativa. Em contrapartida, há alguns quadros
que contêm um único personagem no quadro, dificultando o aparecimento de diálogos.
133
Dentre as propostas observadas, em sua maioria, a quantidade de enunciados em DD,
na forma “dialogal”, ocorre naqueles quadros que contêm personagens em interação, em
situações de diálogo, de discussão, briga ou brincadeiras. Podemos acrescentar, que boa parte
das falas inseridas na narrativa está associada e relacionada, à imagem contida no quadro, ou
seja, aparecem quando há gestos na imagem, que suscitam e enfatizam uma fala.
Para exemplificar, selecionamos a proposta_00367 e comparamos, no conjunto de 18
atividades de produção de texto desenvolvidas, a quantidade de DD expressa em cada
quadrante. A proposta selecionada possui 6 quadrantes, de acordo com o que expressa o
gráfico a seguir:
Gráfico 3- Quantidade de DD na proposta_003
Conforme ilustra o gráfico, as 18 atividades realizadas trazem números razoáveis de
DD e o 1° quadro possui 6 enunciados em DD, sendo que, no 2° q. há um acréscimo de 4
enunciados, em DD. No quadro seguinte (3°q.),
há um aumento considerável de 10
enunciados - na forma DD -, para 16 ocorrências. O 4° quadrinho denota 13 enunciados em
DD, já no 5° quadro não há enunciados em DD e a imagem neste quadro é fortemente
marcada por linhas cinéticas, que denotam um movimento de pancadaria. Deste modo,
encontramos ocorrências de onomatopeias, que, nessa imagem, representa luta e barulho. Por
fim, o 6° quadrinho computa 11 enunciados em DD.
Dentre os 18 manuscritos analisados, é importante salientar a impossibilidade de
estabelecer um número X de enunciados em DD, pois cada quadrante pode denotar 1 ou mais
67
Proposta efetivada no dia 15/10/2008. A sequência apresenta a personagem Mônica caminhando até o
clubinho e Cebolinha tentando impedi-la, Mônica não deixa por menos o esbofeteia e entra no clubinho.
134
enunciados, dependendo dos diálogos suscitados pela imagem, e o que é escrito - neste caso -,
pelo aluno68. A amostragem buscou enfatizar o número de atividades comparadas à
quantidade de DD, por quadrinho, com a finalidade de registrar qual quadrinho possui maior
incidência de DD.
Este levantamento importa-nos para entender o que faz texto no gênero quadrinhesco,
ou seja, compreender como se estabelece o DD, na historinha produzida pelo aluno. Em
específico, o 3° e o 4º quadrante - da proposta_003 - apresenta maior ocorrência de
enunciados, em DD. Respectivamente os 16 enunciados e 13 enunciados, das 18 atividades,
são representados pela imagem do Cebolinha, reclamando com a Mônica. Embora o
manuscrito não possua balões, expõe a fala do personagem Cebolinha, já que este direciona
sua fala para a Mônica. É possível observar que os quadrantes expressam uma certa irritação
do Cebolinha, para com a personagem Mônica, expressa por suas atitudes gestuais - apontar
dedo e abertura da boca -, que denotam uma demonstração de insatisfação e protesto.
Figura 85- Recorte do manuscrito_003 de Juan_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
Vale salientar, que os alunos ainda estão em processo de imersão à criação no gênero
HQ, e não compreendem as convenções gráficas que este gênero sugere. Dentre as 18
atividades, há enunciados que perpassam por outras instâncias enunciativas. Entretanto, as
maiores incidências em DD ocorrem, no momento em que Cebolinha demonstra sua irritação
com apontamentos e gestos, que designam atos de fala. Estes gestos - expressos pelo
“movimento corporal” do personagem - justificam o apoio que a imagem exerce, para a
criação do texto na forma direta.
Todavia, nem sempre a imagem favorece a produção do enunciado, na forma DD.
Conforme Rama et al (2004), Carvalho (2006), e tantos outros estudiosos em HQ, defendem
que, as histórias em quadrinhos favorecem o desenvolvimento, no processo de ensino-
68
A terceira proposta foi a única em que os alunos foram solicitados a criarem a história individualmente.
135
aprendizagem, especificamente, no período da alfabetização, justamente, por contribuir na
apreensão desse gênero e, consequentemente, de suas características.
O que vimos, até aqui, mostrou uma contradição, no que dizem os estudiosos - acerca
da “apropriação do gênero” história em quadrinhos-, frente aos dados que disponibilizamos.
Vejamos, agora, uma díade que aparentemente não demonstra dificuldade em compreender o
texto em quadrinhos, bem como, de registrá-lo na forma direta , em suas propostas de criação.
4.4.1 Os manuscritos (escritos) de José Lima
O manuscrito a seguir trata da produção efetivada por Douglas e José Lima, contudo, a
dupla em questão não pôde ser acompanhada desde o início, pois, geralmente as crianças
faltavam e, nem sempre, era possível reunir a mesma dupla. Durante a maioria das atividades
realizadas, pudemos observar em nossos registros, que nas propostas em que José Lima
escreve o texto há uma quantidade maior de variedade de planos enunciativos. Contudo,
veremos que ao longo do desenvolvimento das propostas, a forma DD ganha espaço no texto
e passa a se estabilizar. Vejamos alguns de seus manuscritos.
Figura 86- Recorte do manuscrito_001 de Douglas e José Lima_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
A imagem acima é parte da proposta_001, efetuada por Douglas e José Lima. Neste
momento, estamos enfatizando os manuscritos escritos por José Lima. Desde o 1° quadro
“Ela está carregando a caixa com o gato dentro”, é possível observar que a criança faz uma
136
leitura prévia da história. Ao dizer que o gato está dentro da caixa, a díade antecipa o último
quadro, utilizando o plano ação sequenciada, no tempo presente.
A importância dessa observação não se refere, estritamente, à relação texto e imagem,
mas à preocupação em dar encadeamento narrativo à história. Podemos dizer o mesmo sobre
os quadros seguintes (2, 3, 4 e 5), respectivamente, a imagem dos quadros narra a história,
numa relação espaço-temporal, com o texto apresentado. Observamos, que, embora haja uma
estrutura sintática que caracteriza a forma descritiva (verbo no gerúndio), o encadeamento
faz-se presente, à medida que a díade faz a interpretação da imagem e busca associá-la ao
texto. Ora, a Mônica não está simplesmente caminhando, carregando ou levando um presente,
conforme enfatiza o 2° quadro - Ele está vendo ela levando para casa -, o substantivo “casa”
marca um espaço na narrativa, contudo, não há nenhuma indicação de que Mônica levaria a
caixa para casa.
No enunciado Eles estão fazendo um plano para pegar a caixa (3° quadro),
classificado como DR narrativizado no tempo presente, o léxico “plano” é inferido e convoca
semanticamente as maquinações orquestradas pelo personagem Cebolinha e, desse modo, um
ato de fala realizado, mas que não se sabe o conteúdo exato.
Em ele quer botar o rato dentro da caixa (4° quadro) o enunciado ainda reflete a
característica narrativizada, apresentada no quadro anterior e o plano parece ter uma
associação direta com “querer”, afinal, querer colocar o rato dentro da caixa faz parte do
plano. O quadro 5 - Eles bota rato dentro da caixa - caracteriza um enunciado na ação
sequenciada, no tempo pretérito e indicia uma forma que remete ao passado dos
acontecimentos, conforme indica o verbo “botar”. Embora o verbo não esteja orientado pelas
regras gramaticais de conjugação, traz a forma verbal no pretérito perfeito69.
Uma das categorias elencadas e que se faz presente no texto é a ação narrativa,
associada à descrição da imagem. Observem como a dupla conclui a história:
69
O excerto Eles bota rato dento da caixa, em sua forma canônica, seria Eles botaram o rato dentro da caixa.
As crianças recém-alfabetizadas, ainda em fase de aquisição da língua, não concebem a estrutura gramatical que
a língua comporta. Muitos conceitos gramaticais não estão estabilizados.
137
Figura 87- Recorte do manuscrito_001 de Douglas e José Lima_Proposta_001
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 01/10/2008
Num primeiro olhar, poderíamos dizer que a imagem possui efeito descritivo,
demonstrando a perspectiva de quem vê o quadrinho, mas, ao atentarmos para a justificativa
dada - que não veio com ratinho veio com gato -, veremos certa preocupação, por parte dos
alunos, em direcionar o texto para o acontecimento “o gato comeu o rato”.
Observemos agora o recorte da manuscrito_003:
Figura 88- Recorte do manuscrito_003 de José Lima_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
O recorte do manuscrito_003, efetuado por José Lima apresenta o discurso reportado
na sua forma narrativizada no tempo presente. Consideramos que o verbo “reclamar” (verbo
dicendi) indica o enunciado reportado para um terceiro. Neste caso, além de denotar a fala do
personagem, sobressai no manuscrito o “interesse em narrar a história”. No excerto:
Cebolinha esta reclamando com a Mônica, o efeito de continuidade é dado em porque ela
quer mostrar ao pai dela e o Cebolinha tá reclamando. A locução conjuntiva “porque” atua
como complemento, dando uma justificativa do porquê de Cebolinha estar reclamando. É
importante observar, que no 2° quadro a raiva concedida a Mônica não é apresentada
especificamente nesse quadro, visto que, a díade faz uso do DR narrativizado sequenciado,
sendo que, de fato, a “raiva” somente é expressa no quadro seguinte, quando Mônica bate no
Cebolinha. Dos enunciados descritos, verificamos que José Lima escreve “prano” - para plano
138
- e “recramando” - para reclamando -, isto é, a criança demonstra compreender a característica
do personagem, ao trocar as letras “L” por “R”.
Na quarta proposta, José Lima - juntamente com Isley - desenvolve boa parte dos
enunciados na forma direta. A história compõe 10 quadrantes, na qual observamos 8
enunciados, expressos pela forma dialogal do DD, contido nas histórias em quadrinhos. Os
quadros restantes deslizam para outra estrutura enunciativa.
Figura 89- Recorte do manuscrito_004 de José Lima e Isley _Proposta_004
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala)
Conforme destacamos, os primeiros quadrinhos referentes a essa história trazem
enunciados com falas de personagens, contudo, nessa sequência há uma quebra no plano
enunciativo. É possível identificar que os enunciados não se referem, apenas, à ação direta no
pretérito, e o verbo “pensar” destacado nos dois quadrantes, exerce uma importante função em
nosso levantamento. Se considerarmos que, quando pensamos, estamos num diálogo interior,
o pensamento dos personagens pode e deve ser considerado como discurso reportado, na sua
forma narrativizada. Desse modo, os enunciados indicam a apresentação do DR narrativizado,
na forma DI.
A proposta_005 - também escrita por José Lima, em combinação com Gian - possui
enunciados, em sua maioria, caracterizados sob a forma de DD, porém a dupla ainda transita
por outros planos. Os quadros anteriores indicavam enunciados que reportavam à perspectiva
dos personagens, contudo, o locutor-escrevente subverte a forma DD - contida na história em
quadrinho - e inclui o plano narrativizado no tempo pretérito. No quadro que segue, vejamos
como isso ocorre:
139
Figura 90- Recorte do manuscrito_005 de José Lima e Gian _Proposta_005
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala)
A ruptura no plano enunciativo é desencadeada pela ação de jogar o bumerangue, em
sequências, demarcadas pelos quadros 6 e 7. As cenas representadas nestes quadros
específicos trazem a narração de um evento já ocorrido; e os enunciados, indicados pela
desinência verbal “viu”, “levou” e “correu”, no pretérito perfeito, juntamente com o uso do
marcador temporal “quando”, denotam o encadeamento narrativo, instaurado no 6° quadrante.
Acrescentamos que o 6° e o 7° quadro assumem o estatuto narrativizado no tempo pretérito,
pois relata um ato de fala realizado, ou seja, o susto e o medo da Mônica, é reportado na
forma narrativizada, quando poderia ser substituído por um grito.
Ainda sob este manuscrito, é importante destacar as onomatopeias que expressam
estados subjetivos, no caso a dor de Mônica AI UI, devido a pancada sofrida e a risadinha RI
RI expressando satisfação da parte de Cebolinha. Estas onomatopeias assumem estatuto de
discurso direto, pois são ato de fala proferidos pelos personagens.
Por fim, ressaltamos a proposta_006, aplicada um mês após o início do projeto. A
partir desta proposta, observamos um avanço gradual de enunciados - na forma direta -, tal
como apresentam a maioria das revistas em quadrinhos. No entanto, o dado a seguir revela
uma certa dificuldade de apropriação do DD, embora, em muitas das histórias da díade o DD
seja inserido. Essa oscilação - entre os planos enunciativos - revela que o modo de inserir o
DD ainda não está claro, para a díade.
140
Figura 91- Manuscrito_006 de José Lima e Isley_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
Podemos observar, neste manuscrito, que a situação aqui é invertida, enquanto que,
nas propostas 4 e 5 tínhamos uma quantidade maior de enunciados em DD e apenas 1 ou 2
enunciados, na forma narrativizada. Observamos, ainda, que a 6ª proposta apresentou, em sua
maioria, enunciados narrativizados, nos quais revela a perspectiva de quem visualiza o
quadrinho e assim o escreve, como ocorre nos quadros 1, 2, 3. Em cada um dos enunciados,
temos associada a descrição da ação direta - o choro de Mariazinha-, evidenciada pelo DD,
indicando, portanto, o “diálogo” entre enunciados que não possui DD e enunciados com fala
de personagem (DD).
Alguns desses quadros já foram comentados anteriormente, mas é importante mostrar
a oscilação entre os planos enunciativos construídos pela díade. O 1° q. sugere um “diálogo”,
entre o plano sem DR - O Cebolinha está brincando com a Mariazinha -, ligado à descrição
da ação direta no presente, e o plano com DR, cuja forma DD é representada pela risada:
141
rarara. O que queremos dizer, é que há, nesse quadrante, uma concorrência de planos, e,
embora a díade já tenha efetuado outras propostas, em que as falas de personagens
sobressaem, a 6ª proposta, especificamente, nos surpreende pela variedade de formas
apresentadas.
O 2° quadrinho indica um DR narrativizado, em que o locutor-escrevente indica a ação
direta voltada para o acontecimento da cena - A Mariazinha está chorando -, mas acrescenta
também o choro representado pela onomatopeia uhem uhem. Vale salientar que esse quadro,
em sua natureza, revela um DR narrativizado, porque o verbo sentiendi - “chorar” - indica um
estado subjetivo da personagem e revela um ato de fala, e, além do fato de a díade ter
indicado o DR narrativizado sob a forma DI, acrescenta ainda a forma DD (uhem uhem). O 3°
quadro revela mais uma vez a concorrência entre o plano enunciativo sem DR - O Cebolinha
está fazendo cócegas para a Mariazinha parar de chorar - e com DR (forma DD): uhem
uhem.
No 4° quadrinho, podemos afirmar, a partir do enunciado Está fazendo uma
brincadeira pra ela parar de chorar, que a díade demonstra certa preocupação em contar a
história, dando encadeamento à narrativa. A segunda parte do enunciado - pra ela parar de
chorar -, assume o efeito de causa e justifica a atitude de Cebolinha em entreter a irmã, ou
seja, temos aqui um DR narrativizado sequenciado no tempo presente, visto que ele relata a
ação imediata.
Figura 92- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
Notem que a metáfora visual, com notas musicais em torno de Cebolinha, suscita um
DD. Para esse quadro, o mais coerente seria a representação do canto de uma música,
contudo, podemos supor que a palavra brincadeira traga essa carga de conotação, já que,
brincar pode possuir certa relação semântica com a ideia de movimento, sugerida pela
imagem pictórica (os braços agitados de Cebolinha, sacudindo).
142
Os planos que marcam o 5° quadrinho, destacados em vermelho - Peraí/ o que esta
acontecendo aqui e Calma fique bem quietinha - expressam a fala dos personagens, contudo,
há uma variante no 5° enunciado - ação sequênciada no presente (categoria equivalente ao
plano enunciativo sem DR) - Ela quer ir para o homem. A emergência dessa forma nesse
quadrante rompe com os enunciados constituídos por DD, e indica certa preocupação da
díade, em manter o fio narrativo do discurso, dando sequenciamento à ação, com o
surgimento de outro personagem “o homem”.
Figura 93- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley _Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
Na sequência, a dupla apresenta fala de personagens (6°q.) “Calma fique bem
quietinha/UAU”, para novamente mudar a perspectiva de quem enuncia, como ocorre no 7°
quadro “Ela está chupando dedo/ O Cebolinha está com raiva”. Conforme a figura abaixo, a
díade volta ao plano enunciativo DR narrativizado (Cebolinha está com raiva) e ao plano sem
DR, cujo foco é ação da personagem (Ela está chupando dedo).
Figura 94- Recorte do manuscrito_006 de José Lima e Isley_Proposta_006
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 30/10/2008
No último quadrinho, são inseridos 2 DD, sendo um, referente ao choro de Cebolinha Uhem uhem uhem - e outro, ao pensamento do homem: Por que está chorando? É importante
especificar que a dupla inseria balões para qualquer tipo de plano, inclusive, para os que
descreviam uma ação do quadrinho - Ela está chupando o dedo.
143
Diante de diferentes formas de manifestação de criação do texto que compõe a história
em quandrinho, destacamos, no tópico seguinte, um manuscrito que nos chama a atenção.
4.5 Ponto de tensão no discurso reportado
Na análise de alguns manuscritos deparamos com alguns indíces de reformulação
durante o processo de escritura. Essas reformulações ocorrem quando o aluno considera um
plano enunciativo correspondente a imagem evocada, e, em determinado momento, busca
reformular o enunciado, para que este seja mais coerente para representar a imagem. A
reformulação revela um movimento de tensão, conforme aponta os seguintes enunciados,
representados na figura 95:
Figura 95 - Recorte do manuscrito_003 de Fellipe_Proposta_003
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala) 15/10/2008
“O Cebolinha encontrou a Mônica e disse que não podia entrar naquele lugar a
Mônica” é caracterizado sob o plano da ação sequênciada, no tempo pretérito, e apresenta
uma grande rasura70, indicando a tensão entre dois planos enunciativos. Contudo, como nosso
objetivo é descrever o texto considerado pelo locutor-escrevente, entendemos que ele
pretendeu apagar o DI referente ao que disse o Cebolinha. Por esta razão, o enunciado “O
Cebolinha encontrou a Mônica” é considerado como um texto sem DR, descrevendo a ação
70
Nosso objetivo está voltado para a descrição da forma de apropriação do DR, portanto, não faremos nesse
momento, a delimitação detalhada sobre a noção de rasura. O grupo de pesquisa Escritura, texto e criação em
desenvolvimento, do projeto de pesquisa ASPEMA (Alteridade, singularidade em processos de escritura de
alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental) identifica a rasura e os limites de estabilidade, durante o
processo de escritura. Deixaremos, ao leitor, a indicação de como a tratamos, sugerindo a consulta do livro
Escutar o Invisível: escritura e poesia na sala de aula (CALIL, 2008b).
144
sequenciada no tempo pretérito (encontrou) do personagem, sugerida pela imagem. A “ação
sequenciada” justifica-se, pelo fato do quadrinho não permitir uma interpretação indicando
que, naquele momento, o Cebolinha encontrou a Mônica. É preciso que ações sejam
consideradas nos quadrinhos anteriores, para inferir que houve um “encontro”. É por isso,
que não classificamos esse quadrinho no ítem “ação direta”.
Vale salientar que a rasura revela o apagamento de outro plano distinto, a saber, o
discurso indireto, acompanhado pelo verbo dicendi. A apresentação da rasura em torno do
discurso reportado e identificada por “disse que não podia entrar”, é deslocada para o quadro
seguinte e mostra claramente o discurso reportado da fala de Cebolinha, cujo emprego na
forma indireta, assumiria o estatuto de discurso indireto - com verbo dicendi -, porém, em
algum momento do processo o aluno retorna ao que foi escrito, rasura, e descreve a ação,
trazendo, então, a forma de ação sequênciada, no tempo pretérito: “O Cebolinha encontrou a
Mônica”.
A problemática da classificação decorre em função dos movimentos de tensão,
durante o processo de escritura, de modo mais preciso, a rasura manifesta, neste manuscrito,
implica um reconhecimento do aluno durante o fluxo de criação, no qual, ele rasura e, em
seguida, reformula o enunciado. Poderíamos supor ainda que há um estranhamento por parte
do aluno, ao registrar o enunciado “disse que não podia entrar”. A noção de estranhamento é
assumida a partir de Lemos (2002), no sentido de constituir uma relação entre sujeito, língua e
sentido. Desse modo, o estranhamento produziria a possibilidade de escuta, sem a qual não há
rasura.
Este estranhamento - evidenciado por meio da rasura - é um índice que revela
“conflitos enunciativos emergentes durante o processo de escritura, indicando que o scriptor
sofre os efeitos de sua própria enunciação e do funcionamento linguístico-discursivo”.
(CALIL, 2008b, p. 24). Partindo das formas de representação do DR, podemos observar como
a imagem das HQ propostas pode interferir no processo de criação e como elas se
singularizam, a partir do ato enunciativo de cada escrevente e de seu processo de imersão, em
relação ao funcionamento desse gênero. Isso faz relação com o que dissemos antes, sobre o
que faz texto nessas propostas de criação.
Os manuscritos apresentados mostram a dificuldade da dupla, para colocar em
destaque a fala do personagem, na forma de citação direta. Perroni (1992) observou em seus
dados que o discurso indireto precede o discurso direto. Justamente, por haver essa
dificuldade em inferir a fala do outro, em seu dizer, as crianças apoiavam-se na descrição de
acontecimentos e relatos, fazendo uso de uma estrutura associada à descrição. Conforme já
145
pontuamos, qualquer narrativa necessita de uma descrição inicial, para contextualizar e, então,
enunciar o DR correspondente aos personagens da trama.
A afirmação de Perroni faz-nos pensar sobre essa articulação, entre a forma DI e a
forma descritiva. Poderíamos afirmar, a partir de nosso corpus, que o DI não precede,
necessariamente, enunciados em DD. Conforme se observa, não há uma forma “una”, para
citar o discurso do outro.
A ocorrência do DR, nos manuscritos de alunos recém-alfabetizados, mostrou que o
elemento linguístico era muito mais complexo do que a hipótese lançada por Perroni (1992)
permitia-nos, grosseiramente, entrever. Nos manuscritos de Maria Clarice, José Lima e
Fellipe, as formas de DR, por eles apresentadas, revelam uma classificação ampliada daquela
exposta pela tradição gramatical, a qual elege (DD, DI e DIL). O DR mais do que forma é a
língua em uso, não havendo uma linearidade, ou estabilidade, na forma como a fala do
personagem é inserida, na narrativa. Os manuscritos desenvolvidos por José Lima evidenciam
esta característica.
Aparentemente, as convenções gráficas do texto, na qual o DD é eleito como indicador
de fala de personagens, haviam sido compreendidas. Embora os dados também apresentassem
outras formas, como plano sem DR - voz do narrador associada à fala de personagem de
forma direta e indireta -, a forma DD (história narrada sob a perspectiva do personagem) era
uma forma recorrente, e já estava estabilizada, como apontamos no recorte da 4ª e 5ª proposta.
As propostas mencionadas, traziam apenas 2 vinhetas, com enunciados referentes ao plano
narrativizado71. Contudo, na 6ª proposta a forma narrativizada ganha destaque na história,
mostrando aí, certa instabilidade na apropriação do funcionamento do DR, no gênero em
quadrinhos propriamente dito.
Certamente, pudemos verificar que as retomadas de fala de personagens, em suas
diferentes formas de inserção, têm - ao longo do processo -, a função de indicar que, a
apropriação do gênero e das suas características não são apreendidas de imediato.
Conforme dito anteriormente, as histórias clássicas são permeadas de planos
enunciativos que transitam entre si. Nesse sentido, as crianças ainda em processo de
apropriação do gênero HQ, ancoram-se no gênero das histórias clássicas de ordem canônica,
universo letrado, em que, antes, essas crianças estavam imersas.
71
A sequência de imagens é narrada em ambas às propostas, sob a perspectiva dos personagens, na forma
dialogal correspondente a HQ. Para maior compreensão, disponibilizamos em anexo os manuscritos de José
Lima referentes à 4ª e 5ª proposta, na íntegra.
146
O que parece subjacente a essas formas são as limitações que, a priori, restringem a
forma autônoma do DD - prevista pelo gênero história em quadrinho -, a enunciados
descritivos, aparentemente condicionados à imagem dada como suporte, para a escrita. Nesse
sentido, os manuscritos distinguem-se, radicalmente, dos parâmetros estruturais do gênero,
sempre ameaçados pela imprevisibilidade das relações desencadeadas, pela subjetividade de
quem a produz.
4.6 Representação do levantamento de categorias
Ao longo de todo o desenvolvimento das propostas, deparamo-nos com diversas
estruturas de planos enunciativos, algumas, inclusive, mais presentes do que outras. Dentre as
categorias que estabelecemos, a priori, quadrinhos sem DR e quadrinhos com DR, desponta
uma nova categoria (Quadrinhos com planos híbridos). Assim, identificamos 7 tipos, para os
quadros sem DR; 10 para os quadros com DR; e 6 tipos de planos, para os quadrinhos com
planos enunciativos híbridos.
Afirmamos, novamente, que desconsideramos os quadros que não continham textos, e
alguns poucos, que não pudemos resgatar o significado. Obtivemos 45 quadros vazios sem
textos e 49 enunciados ilegíveis no conjunto dos 132 manuscritos.
Vejamos agora, o gráfico que representa as categorias que não possuem DR.
Gráfico 4- Quadrinhos sem DR
147
A partir das 12 propostas de produção, a descrição evidenciou - nessa categoria
(quadrinhos sem DR) - 6 tipos de planos enunciativos. Dentre estas, a que mais se destacou
diz respeito à ação direta no tempo pretérito, com 40 enunciados sem DR. Acrescentamos,
ainda, nessa mesma subcategoria, 20 enunciados, mas, que apresentam balões, ou seja, há 60
enunciados na ação direta, do tempo pretérito. Embora o balão marque graficamente um DD,
não assume esse valor, nos enunciados desta categoria aqui transcritos, também, há
emergência do balão em 6 enunciados, na ação direta no presente e um balão, para a
subcategoria, ação sequenciada no pretérito. Assim, temos:
60 enunciados para ação direta tempo pretérito (40+20)
25 enunciados para ação direta no tempo presente (19+6)
33 enunciados para ação sequenciada no pretérito (32+1)
8 enunciados para ação no tempo presente
2 enunciados para ação direta no presente + ação direta no pretérito
2 enunciados centrados em objetos
2 enunciados para “títulos”
No total, para este plano enunciativo, registramos 130 ocorrências, centrada na
descrição do que a imagem representa.
148
Gráfico 5- Quadrinhos com DR
O gráfico acima traz a representação de quadrinhos que apresentam DR em 6 formas.
Alertamos para o fato de que discriminamos todas as formas de apresentação do DR. A forma
DD em sua estrutura dialogal comparece 714 vezes, mas acrescentamos outras formas de DD,
inclusive os que não contém balões, mas que caracterizam um discurso direto. Assim,
associamos à ocorrência o DD sem balão (148), o DD pensamento (19) e a metáfora visual
(8), obtendo então, o total de 889 ocorrências de enunciados na forma direta. É importante
justificar, que a forma DR narrativizado, estava associada aos tempos verbais no presente e no
149
pretérito, cada uma delas subdivididas na presença ou não de balões. Vejam que há 12 DR
narrativizado no presente (sem balão) e mais 10 que estão constituídos por balão- totalizando
22 DR narrativizado no presente. No tempo pretérito há 4 DR narrativizado com balões e 3
DR narrativizado sem balão- totalizando 7 ocorrências.
Na forma DR narrativizada sequenciada houve apenas 5 ocorrências de enunciados no
tempo pretérito 1 no tempo presente, resultando em 6 eventos.
Os demais planos figuram formas mais aproximadas daquelas presente nas gramáticas,
o DI+verbo dicendi (3) DD+ incisa (2) e DD+ dicendi (5). A soma de todos esses planos
equivale a 934 ocorrências de DR.
Por fim, observamos a representação do gráfico dos quadrinhos com planos
enunciativos híbrido.
Gráfico 6- Quadrinhos com planos enunciativos híbrido
150
A última categoria delimita a mistura de planos distintos em uma única vinheta, a
quantidade de eventos nas subcategorias são mínimas, Dicendi + DD+ Plano sem DR (2
ocorrências) DD+ dicendi+ DD (2), DR narrativizado e DD do personagem (2) DD e “títulos”
(1), DD “ objetos” (1) e plano sem DR e fala de personagens com 6 ocorrências totalizando ao
todo 14 emergências de planos enunciativos híbridos.
Embora haja um aumento progressivo da apropriação deste elemento, de acordo com
nossa catalogação, apenas a partir da 7ª proposta os enunciados na forma DD ganham destaque.
Entrementes, temos uma heterogeneidade de enunciados, dentre os tipos mais encontrados, a
subcategoria ação direta no tempo pretérito, ganha destaque nas propostas iniciais.
Os manuscritos, inicialmente, apresentam a construção de enunciados que referem à
descrição da imagem, sem conectá-la nem com o DR, nem com as características do gênero
recebido e lido. Neste sentido, pudemos verificar logo nas primeiras histórias formas distintas
de enunciação. De forma similar, é o que ocorre nas histórias clássicas, cuja ordem canônica,
apresenta uma dinâmica temporal regulada pelo narrador. O narrador assume uma determinada
instância de organização, desencadeia o enredo descrevendo o espaço, eventos e personagens, e,
isso ocorre, em grande parte dos dados destacados. O narrador na condição de locutorescrevente (aquele que escreve) caracteriza o espaço em que ocorre a história e insere fala de
personagens de várias formas distintas. Em alguns momentos, a narrativa compreende o plano
da ação em que se situam os personagens, discriminadas por meio do tempo pretérito perfeito
para ações pontuais, já ocorridas.
Nas histórias inventadas destacadas por Calil (2008a) e Calil e Del Ré (2009) as alunas
ao criarem uma história inserem o diálogo de personagens e onomatopeias na narração. Diálogo
de personagens e figura do narrador sucedem ao longo do texto, revelando os fenômenos de
recorrência de elementos dos gibis presente nas histórias inventadas. Em nossos dados, embora
o foco esteja voltado para os modos de apropriação do DR, - em histórias em quadrinhos
inventadas-, o diálogo de personagens (perspectiva do personagem) e a figura do narrador
(perspectiva do locutor-escrevente) também sucedem ao longo das propostas efetuadas.
É importante ressaltar que as histórias clássicas era o gênero próximo à qual as crianças
estavam familiarizadas, já que muitas delas apenas tiveram acesso direto aos gibis através do
projeto. Como mostramos, as propostas iniciais apresentavam enunciados muito próximos das
histórias clássicas e de ordem canônica. Supondo que há certa semelhança entre os enunciados
que fazem a história em quadrinho produzida com as histórias de ordem canônica, qual o
estatuto do texto criado quando o locutor-escrevente desenvolve a fala do personagem que
151
compõe a imagem?
Durante o desenvolvimento do projeto, pudemos observar que a interpretação da
imagem propiciou um conjunto de enunciados descritivos. Esta identificação é revelada por
meio da perspectiva do locutor-escrevente, contudo, à medida que os alunos vão se apropriando
das características linguísticas que o gênero possui, formas heterogêneas do DR emergem nos
enunciados. As crianças, antes em uma perspectiva que destaca a visão do locutor-escrevente,
parte da posição enunciativa que narrativiza o discurso do personagem, e transita por uma série
de planos enunciativos até chegar ao que seria próximo ao texto das histórias de Maurício de
Souza.
É possível constatar que a identificação com o gênero história em quadrinho não é
compreendida pelos alunos recém-alfabetizados de forma clara e imediata. Os alunos, ainda em
processo de aquisição, apresentam características semelhantes das narrativas de ordem canônica
que mesclam entre a voz do narrador e a fala de personagens. Isso talvez tenha relação com os
processos de identificação estabelecidos entre o que faz texto para o aluno e os textos que
circulam em sala. Ou seja, o aluno ao escrever uma historia em quadrinho associa a estrutura da
narrativa canônica - figurada em grande parte pelo narrador -, e desse modo, narra e descreve a
história.
Na HQ a descrição é função da imagem, contudo, os alunos afetados por “aquilo que faz
texto” (CALIL, 2010) necessitam descrever o que corresponde a imagem. O que faz texto para
as crianças é tudo o que compõe o universo cultural dos alunos, ou seja, o que para eles
estabelecem um princípio de unidade. Os diversos planos ora evidenciados nos dados
apresentados, especificamente nas propostas iniciais, evidenciam um destaque maior aos planos
cujo efeito descritivo não indica um ato de fala, mas aponta àquilo que está posto na imagem. O
que queremos dizer é que o princípio de unidade é estabelecido, inicialmente, pela descrição da
imagem e que essa seria a condição primeira para dar o encadeamento narrativo, e assim, trazer
a perspectiva narrativa do personagem expressa na trama dos quadrinhos.
Contudo, entre o encadeamento narrativo dado a partir da descrição da sequência de
imagens expressa e a perspectiva do personagem, sobressaem formas distintas de reportar o
discurso, isto é, o diálogo face a face entre personagens. A heterogeneidade de estruturas
apontadas revelou não somente o caráter subversivo inerente ao ato de criar o enunciado - que
compõe a fala do personagem-, como também revela uma espécie de conflito enunciativo, ao
destacar o DD correspondente à imagem. As crianças ao inserirem o discurso direto emergem
de formas diversas a elaboração de um ato de fala. A classificação instituída pela gramática,
152
enfatizando a estrutura do DR, revela-se muito mais complexa, dando espaço a essa pluralidade
e heterogeneidade que aparentemente beira o caos, mas que estabelece um sentido para essas
crianças em processo de apropriação do gênero e da aquisição da linguagem. É nesse percurso,
digamos tortuoso, que a criança vai simbolizando e atribuindo significado a aquilo que faz texto
na história em quadrinho.
Com base nisso, e nas idas e vindas que o manuscrito marcado pela rasura indica,
retomamos o questionamento do 1°capítulo, acerca da autonomia enunciativa, inserindo ainda
outras questões: O que emerge como significação nessa mudança, e quais podem ser os efeitos
das práticas pedagógicas na constituição do manuscrito escolar? Com respeito as variações do
processo de escritura, o contexto cultural e letrado, exerce alguma influência no manuscrito
escolar desses alunos recém-alfabetizados?
153
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A importância dada ao gênero histórias em quadrinhos na sala de aula está concentrada
essencialmente pelo seu caráter lúdico produzido pela sequência de imagens, que a caracteriza.
Considerada como um importante suporte didático para o desenvolvimento e hábito de leitura,
reconhecemos a valorização desse gênero, como atesta Rama et al (2004) e Ramos e Vergueiro
(2009) que tomam a história em quadrinho como apoio didático, no intuito de contribuir de
alguma forma para estudos que focalizam seu uso no ensino, mais propriamente, para a
aquisição da linguagem escrita de alunos recém-alfabetizados.
Dentre os argumentos principais para a utilização da história em quadrinhos, no ensino
de Língua Portuguesa, encontra-se a prazerosa aproximação que poderia existir entre esse
sistema semiótico e o leitor, particularmente, o leitor que está em processo de alfabetização e
que teria nas imagens um apoio para sua interpretação. Partindo dos estudos desenvolvidos por
Calil (2008a) e Calil e Del Ré (2009), os quais já haviam apontado para fenômenos de
recorrência de elementos linguísticos dos gibis, presentes em histórias inventadas, nossa
questão reflete sobre a forma de organização textual da HQ e a apropriação que dela fazem
alunos recém-alfabetizados. Questionamos como se estabelece o processo de escritura, quando
se tem como referência um gênero, cuja propriedade principal funda-se na articulação entre
imagem e texto. Em outras palavras, indagamos: de que modo a criança dá forma ao texto
predominantemente narrado na estrutura dialogal presente nos gibis?
Tantas indagações desencadearam a elaboração do projeto didático “Gibi na Sala”, cuja
função principal era estabelecer um contexto letrado, com o intuito de favorecer a imersão dos
alunos nesse gênero, através de um acervo constituído por um significativo conjunto de gibis,
que circulavam na sala de aula- a gibiteca. Estabelecido esse contexto, oferecemos 12 propostas
de produção de texto - retiradas de revistas da Turma da Mônica e do sítio www.monica.com.br
-, para entender como se organiza a criação das histórias em quadrinhos inventadas por alunos
recém-alfabetizados. A partir da aplicação do projeto didático, em uma turma do 2° ano do
Ensino Fundamental de uma escola pública, do município de Maceió, coletamos 132
manuscritos escolares.
O elemento linguístico delimitado por nós - para observar os modos de apropriação do
gênero - refere-se ao discurso reportado, tendo em vista seu caráter heterogêneo e abrangente,
tal como pontua Cunha (2008a). A partir desse contexto, refletimos sobre as diversas formas
154
que representam um ato de fala, ou seja, buscamos compreender como se apresenta o discurso
reportado na produção de uma história em quadrinho, no processo de escritura.
Partindo da discussão do 1° capítulo, cujo foco está no caráter funcional do discurso
reportado contido em gramáticas, dicionários especializados, manuais didáticos e alguns
linguistas como Maingueneau (1996, 1989, 2004) e Cunha (2008a, 2008b), discorremos sobre o
discurso reportado em dados de aquisição, valorizando, sobretudo, a manifestação no gênero
escolar escrito, sendo justificado o nosso percurso, pelo fato de não haver pesquisa bibliográfica
com o mesmo objeto, a saber, o DR em dados de aquisição, e tampouco, em histórias em
quadrinhos produzidas por alunos.
Toda essa reflexão serviu-nos de base para refletir sobre o discurso reportado nas
histórias em quadrinhos, a partir do que dizem estudiosos do gênero, como Lins (2008), Ramos
(2009), Ramos e Vergueiro (2009), Luyten (1985), Moacy Cirne (1977, 2000), Will Eisner
(1989), Rama et al (2004), Barbieri (1998), Gimenez-Mendo (2008). Nessa trajetória, também
procuramos destacar as características do DR em HQ mais conhecidas, e sua organização no
texto quadrinhesco, predominantemente marcado pelo uso do discurso direto (diálogo face a
face, representado pelos balões). Destacamos, ainda, algumas particularidades presentes nas
histórias da Turma da Mônica, como o perfil dos personagens e as onomatopeias que
representam um ato de fala.
Um ponto importante para a realização deste trabalho foi o caráter semântico do uso dos
verbos dicendi e sentiendi, enquanto as histórias de ordem canônica, proporcionam a indicação
do personagem que está com a palavra, ou ainda, como ela é dita, nas histórias em quadrinhos
seu uso é desnecessário, uma vez que, a imagem pictórica associada ao balão, cumpre o papel
dos
recursos
tipográficos
(dois
pontos,
travessão,
aspas),
que
corresponderiam,
aproximadamente, ao texto sem imagem. Isso justifica a importância da imagem, em nossa
caracterização.
Desse modo, identificamos os enunciados que continham DR nos quadrinhos e dos que
não os continham, e essa distinção resultou no levantamento de 3 categorias estabelecidas:
quadrinhos com DR; quadrinhos sem DR; e quadrinhos com planos enunciativos híbridos.
Cada uma dessas categorias estava centrada no plano enunciativo descrito no quadrinho, isto é,
observamos de qual perspectiva enunciativa a história foi criada, avaliando ainda, se os
enunciados contidos adequavam-se à imagem apresentada, já que a relação de
complementaridade, entre o texto e a imagem, faz-se necessária.
Assim, ao observar o que emergiu dos 132 manuscritos, pudemos observar que o
155
produto das 12 propostas de produção possui enunciados distintos, com traços particulares.
Embora nem todos os planos contemplem o DR, é importante deixar claro que os quadrinhos
sem DR, são parte importante do processo de apropriação, não só do DR, como também, do
gênero HQ. Em nossa análise, procuramos mostrar que as crianças, em processo de aquisição da
escrita, trazem para os quadrinhos estruturas sintáticas, que não correspondem à estrutura
dialogal (fala de personagens).
Um aspecto digno de observação refere-se à descrição. Como característica frequente
nos dados ora catalogados, há 6 planos (quadrinhos sem DR) atribuídos à descrição de
acontecimento. Conforme destacamos no gráfico 4, obtivemos 130 ocorrências de quadros que
não possuem articulação com o DR, contudo, não podemos excluí-las do nosso levantamento, já
que, possuem um número significativo de ocorrências, e nos fazem refletir sobre a relação da
criança com a apropriação do caráter linguístico-discursivo, que a história em quadrinho
comporta.
Conforme descrevemos, a imagem que orienta e acompanha cada quadro da história em
quadrinhos interfere na construção do texto, efetuada pelos alunos. Os modos de interferência,
podemos assim dizer, são singulares, pois, em cada proposta, o enunciado atua de modo
diferente, ora como efeito descritivo, focalizando o contexto imediato da cena, ora sob a forma
do DR narrativizado, com discurso indireto, ou mesmo, mesclando dois ou mais planos.
Embora a heterogeneidade de planos enunciativos não corresponda estritamente à
estrutura de DD, prevista na HQ, defendemos que o aparecimento de outras instâncias, cuja
característica não se refere a atos de fala, mas ao plano enunciativo descritivo - centrado no que
sugere a imagem –, que é parte constitutiva nesse processo de aquisição do elemento linguístico
(DR). Em outras palavras, à medida que as crianças vão adentrando no gênero e se
familiarizando com as histórias em quadrinhos, as características formais do gênero tendem a se
estabilizar, e esse é o caso específico da estrutura de discurso direto, demarcada pelo balão.
Cabe salientar, que o trabalho metodológico desenvolvido nesta pesquisa, por meio do
projeto “Gibi na sala”, além de despertar a curiosidade dos alunos para o gênero, contribui para
a compreensão da linguagem escrita e apreensão de elementos linguísticos. Na prática de sala
de aula, é importante o desenvolvimento de atividades que fortaleçam a relação de alteridade,
isto é, de troca entre os sujeitos envolvidos na aprendizagem. Certamente a combinação da
história, em díades, trouxe resultados que, se fossem realizadas individualmente não teriam o
mesmo efeito, pois, é a partir da relação com o outro que o processo de aprendizagem se
constitui.
156
A partir da observação direta de cada um dos enunciados, destacados nos 132
manuscritos, observamos uma ascensão significativa na apropriação do gênero, por meio da
elaboração dos diálogos - caracterizados pelo discurso direto - entre os personagens, entretanto,
houve, inicialmente, uma natural instabilidade e inconstância, entre os tipos de enunciados que
emergem nos dados descritos, na história em quadrinhos.
Acreditamos que os apontamentos ora discutidos com relação às formas de manifestação
do DR e de apropriação nos manuscritos, a partir de um gênero específico, constituem-se em
um material heterogêneo, cuja amostra revela uma significativa imersão dos alunos, na
compreensão e aplicação do gênero. Para o ensino de Língua Materna, trabalhar com gêneros de modo sistematizado -, mais precisamente, histórias em quadrinhos, propiciou, tanto a
apropriação do gênero HQ, quanto à utilização do elemento linguístico estrutural, que a
compõe, qual seja, o diálogo de personagens. Neste percurso, também foram evidenciadas as
formas descritivas, narrativizadas, híbridas, DR na forma DI, que revelam um caráter
subversivo, inerente ao ato de criar. É sobre essa subjetividade, constituída por uma rede
complexa, que ainda pretendemos enunciar.
157
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162
ANEXOS
163
ANEXO A- CRONOGRAMA DE LEITURA (BAÚ DE LEITURA)
Leituras efetuadas pelos alunos durante a aplicação do projeto didático: “Gibi na sala”
no ano de 2008.
Livro- “ Histórias Africanas”
29/09- “Porque o morcego só voa de noite” - Aluno- João Matheus
30/09- “Porque o porco vive no chiqueiro” - Aluna- Maria Clarice
01/10- “Porque o camaleão muda de cor”- Aluno- Fellipe
02/10- “Porque o cachorro foi morar com o homem”- Aluna- Keloany
03/10- “Porque a zebra é toda listrada”- Aluno- Jakswel
07/10- “Porque a girafa não tem voz”- Aluna- Isley
08/10- “Porque o macaco se esconde nas árvores”- Aluno- José Eduardo
Livro- No tempo das cavernas
15/10- “A primeira caçada de Merute”- Aluno- Lucas Nobre
16/10- “A refeição da tribo”- Aluna- Sara
17/10- “O trabalhador de sílex”- Aluna- Maria Bianca
20/10-“A criança adotiva”- Aluna- Maria Clarice
21/10- “O mistério da caverna”- Aluno – Juan Fellipe
22/10- “Os salmões de inverno”- Aluna- Joyce
30/10- Livro “Um mundo melhor” – leitura coletiva- efetuada pela professora.
31/10- Fábula- “O pastor e o lobo”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
Historinhas de vários países
03/11- País Chile- “A raposa e o caranguejo”- Aluno- Lucas Ananias
04/11- País Austrália- “A mais bela melodia do pássaro”- Aluna- Verônica
05/11- País Bolívia- “O tatu cantor”- Aluno- João Lucas Araújo
06/11- País China- “ Dentro do travesseiro”- Aluna- Lisly
07/11- País Brasil- “Pedro Malasartes”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
10/11- “A menina da varanda- leitura coletiva- efetuada pela professora.
(11/11, 12/11, 13/11) - Continuação da atividade
164
17/11- “A cobra que não sabia cobrar”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
18/11- “A televisão da bicharada”- Aluna – Mylena
19/11- “O trem chegou atrasado”- Aluna- Daniela
20/11 -“Quem tem medo de dizer não”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
21/11- “O rato de teatro”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
24/11- Fábula- “A moça e a vasilha de leite”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
25/11- “Lupércio- o elefantinho”- leitura coletiva- efetuada pela professora.
(26/11, 27/11, 28/11)- “Nós (Eva Furnari)”
Fonte: Arquivo Escola Cícero Dué
165
ANEXO B- GIBITECA72
Exemplares da Gibiteca 01
1. Revista Almanaque do Cascão. nº 58. São Paulo: Globo, julho, 2000.
2. Revista Almanaque do Cascão. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
3. Revista Almanaque do Cebolinha. nº 90. São Paulo: Globo, dezembro, 2005.
4. Revista Almanaque do Chico Bento. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
5. Revista Almanaque da Magali. nº 28. São Paulo: Globo, março, 2001.
6. Revista Almanaque da Magali. nº 48 São Paulo: Globo, junho, 2005
7. Revista do Cascão. nº 240. São Paulo: Globo, março, 1996.
8. Revista do Cascão. nº 276. São Paulo: Globo, agosto, 1997.
9. Revista do Cascão. nº 285. São Paulo: Globo, dezembro, 1997.
10. Revista do Cascão. nº 330. São Paulo: Globo, setembro, 1999.
11. Revista do Cascão. nº 342. São Paulo: Globo, 2000.
12. Revista do Cascão. nº 353. São Paulo: Globo, julho 2000.
13. Revista do Cascão. nº 368. São Paulo: Globo, fevereiro, 2001.
14. Revista do Cebolinha. nº 110. São Paulo: Globo, fevereiro, 1996.
15. Revista do Cebolinha. nº 167. São Paulo: Globo, julho, 2000.
16. Revista do Chico Bento. nº 152. São Paulo: Globo, novembro, 1992.
17. Revista do Chico Bento. nº 194. São Paulo: Globo, junho, 1994.
18. Revista do Chico Bento. nº 200. São Paulo: Globo, setembro, 1994.
19. Revista do Chico Bento. nº 336. São Paulo: Globo, dezembro, 1999.
20. Revista do Chico Bento. nº 365. São Paulo: Globo, janeiro 2001.
21. Revista do Chico Bento. nº 369. São Paulo: Globo, março, 2001.
22. Revista do Chico Bento. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
23. Revista da Magali. nº 100. São Paulo: Globo, abril, 1993.
24. Revista da Magali. nº 185. São Paulo: Globo, junho, 1996.
25. Revista da Magali. nº 313. São Paulo: Globo, junho, 2001.
26. Revista da Magali. nº 401. São Paulo: Globo, outubro, 2006.
27. Revista da Mônica. nº 87. São Paulo: Globo, março, 1994.
28. Revista da Mônica. nº 99. São Paulo: Globo, março, 1995.
29. Revista da Mônica. nº 103 São Paulo: Globo, julho, 1995.
72
Durante o desenvolvimento do projeto, algumas revistas se perderam por isso, registramos apenas a
quantidade de 69 revistas e não 80 quando iniciamos o projeto.
166
30. Revista da Mônica. nº 122. São Paulo: Globo, fevereiro, 1997.
31. Revista da Mônica. nº 155. São Paulo: Globo, setembro, 1999.
32. Revista da Mônica. nº 117. São Paulo: Globo, maio, 2001 (22 exemplares iguais).
33. Revista Parque da Mônica. nº 132. São Paulo: Globo, dezembro 2003.
Exemplares da Gibiteca 02
1. Revista Almanaque do Cascão. nº 4. São Paulo: Panini Comics, julho, 2007.
2. Revista Almanaque do Cebolinha. nº. 48. São Paulo: Globo, dezembro, 1998.
3. Revista Almanaque da Magali. nº. 11, São Paulo, Globo, dezembro, 1996.
4. Revista Almanaque da Mônica. nº. 62. São Paulo, Globo, setembro, 1997.
5. Revista Almanaque da Mônica. nº. 66. São Paulo, Globo, maio, 1998.
6. Revista Almanaque da Mônica. nº. 86. São Paulo, Globo, setembro, 2001.
7. Revista Cascão. nº. 255. São Paulo: Globo, outubro, 1996.
8. Revista Cascão. nº. 305. São Paulo: Globo, setembro, 1998.
9. Revista Cascão. nº. 375. São Paulo: Globo, maio, 2001.
10. Revista Cascão. nº. 463. São Paulo: Globo, agosto, 2006.
11. Revista Cascão. nº. 464. São Paulo: Globo, setembro, 2006.
12. Revista Cebolinha. nº. 70. São Paulo: Globo, outubro, 1992.
13. Revista Cebolinha. nº. 130. São Paulo: Globo, setembro, 1997.
14. Revista Cebolinha. São Paulo: Globo, novembro, 199973.
15. Revista Cebolinha. nº. 175. São Paulo: Globo, março, 2001.
16. Revista Cebolinha. nº. 216. São Paulo: Globo, junho, 2004.
17. Revista Chico Bento. nº. 73. São Paulo: Globo, novembro, 1989.
18. Revista Chico Bento. nº. 177. São Paulo: Globo, outubro, 1993.
19. Revista Chico Bento. nº. 217. São Paulo: Globo, maio, 1996.
20. Revista Chico Bento. São Paulo: Globo, agosto, 199774.
21. Revista Chico Bento. nº. 339. São Paulo: Globo, janeiro, 2000.
22. Revista Chico Bento. nº. 342. São Paulo: Globo, março, 2000.
23. Revista Chico Bento. nº. 370. São Paulo: Globo, março, 2001.
24. Revista Chico Bento. nº. 379. São Paulo: Globo, julho, 2001.
25. Revista Chico Bento. nº. 403. São Paulo: Globo, junho, 2002.
73
74
Revista sem a capa. Não foi possível identificar o número da publicação.
Revista sem a capa. Não foi possível identificar o número da publicação.
167
26. Revista Chico Bento. nº. 11. São Paulo: Panini Comics, novembro, 2007.
27. Revista Magali. nº. 100. São Paulo: Globo, abril, 1993.
28. Revista Magali. nº. 215. São Paulo: Globo, setembro, 1997.
29. Revista Magali. nº. 275. São Paulo: Globo, dezembro, 1999.
30. Revista Magali. nº. 134. São Paulo, Globo, janeiro, 2001.
31. Revista Magali. nº. 402. São Paulo: Globo, novembro, 2006.
32. Revista Mônica. nº. 224. São Paulo: Globo, fevereiro, 2005.
33. Revista Mônica. nº. 126. São Paulo: Globo, junho, 1997.
34. Revista Mônica. nº. 148. São Paulo, Globo, fevereiro, 1999.
35. Revista Mônica. nº. 172. São Paulo, Globo, dezembro, 2000.
36. Revista Parque da Mônica. nº. 134. São Paulo, Globo, fevereiro, 2004.
Fonte: Dados da pesquisa (Projeto: Gibi na sala)
168
ANEXO C- MANUSCRITOS
3ª PROPOSTA
Fonte: José Lima, 15/10/2008
169
ANEXO D
4ª PROPOSTA
\
Fonte: José Lima e Isley, 16/10/2008
170
ANEXO E
5ª PROPOSTA
Fonte: José Lima e Gian, 23/10/2008
171
ANEXO F
PARECER COMITÊ DE ÉTICA
